Poesia e iconografia. Mito, desporto e artes plásticas nos epinícios de Baquílides. Fundação Engenheiro António de Almeida. Porto. 2017

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Carlos A. Martins de Jesus

Mito, desporto e imagem nos epinícios de Baquílides Mito, desporto e imagem nos epinícios de Baquílides

José Ribeiro Ferreira Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Coimbra

Carlos A. Martins de Jesus

POESIA E ICONOGRAFIA

POESIA E ICONOGRAFIA

Embora fascinante, a poesia grega arcaica é matéria complexa e fugidia, por o investigador ter à mão apenas um corpus fragmentário e a cada passo com transmissão controversa. A investigação neste domínio exige, pois, cautela e argúcia nas interpretações e conclusões. O autor demonstra essa preocupação, já que, quer na exposição dos assuntos, feita com rigor e profundidade e apoiada na leitura de vasta bibliografia, quer no diálogo que procura salientar entre poesia e artes plásticas, quer na argumentação produzida, revela boa informação e evidencia prudência no tratamento e discussão de questões, por vezes complexas. As conclusões que avança são propostas com grande cuidado e sensatez, consciente de que as dificuldades e escolhos são muitos para quem trabalha na poesia grega arcaica, onde o corpus que nos chegou é sempre muito incompleto. Por isso, não se trata tanto de concluir, mas mais de problematizar aspetos e questões abordados ao longo da análise. Ainda assim, apesar de todos os cuidados e da consciência que demonstra dos escolhos do terreno pisado, conclui que Baquílides se revela um exímio contador de histórias e que opta pelo uso de mitos tradicionais e por uma conciliação temperada entre tradição e novidade. Por todas essas razões, e ainda pela qualidade literária que exibe, é de enaltecer a publicação de Poesia e Iconografia: mito, desporto e imagem nos epinícios de Baquílides. Acresce ainda que – e ia a dizer acima de tudo – faz falta ao contexto literário português e vem preencher uma lacuna que nele existe. É que vem contribuir, de forma segura e clara, para o surpreendente ressurgir de um poeta, ao longo de tantos séculos esquecido – Baquílides.

Carlos A. Martins de Jesus é Doutor pela Universidade de Coimbra em Estudos Clássicos, na especialidade de Literatura Grega, com a tese que originou este volume. Tem um conjunto de livros publicados, com destaque para a tradução de autores gregos, entre os quais os Fragmentos Poéticos de Arquíloco (Imprensa Nacional – Casa da Moeda 2008), as Odes e Fragmentos de Baquílides (Imprensa da Universidade de Coimbra, Annablume 2014), as Suplicantes de Ésquilo (FESTEA 2012), o Diálogo sobre o Amor de Plutarco (CECH 2009) e as Vespas de Aristófanes (FESTEA 22009). A estes, somam-se várias dezenas de artigos publicados em revistas da especialidade. Atualmente, em paralelo a uma constante atividade de direção teatral em Granada (Espanha), desenvolve um projeto de Pós-Doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, intitulado Antologia Grega. Transmissão e Tradução, do qual resultou já a tradução de vários livros da Antologia (publicação em série pela Imprensa da Universidade de Coimbra, Annablume) e a edição crítica do Peplo pseudo-aristotélico (Pseudo-Aristotle. Epitaphs for the Heroes. Pepli Epitaphia. Introduction, text, and commentary. Berlin, LogosVerlag, 2015).

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SUMÁRIO

Adentrar-se em Baquílides 13 Observações preliminares 19 PRIMEIRA PARTE: DADOS PRELIMINARES I. Aproximações à narrativa mítica: entre poesia e artes plásticas 23 1. Introdução 23 2. Análise estruturalista do mito: valências de um modelo redutor 26 3. Literatura e iconografia: duas formas de contar uma história 32 4. Walter Burkert e a cristalização do mito: uma reapreciação 53 5. Entre arte e literatura: valências de dois códigos semióticos 56 6. O mito na pintura de vasos: origens e percurso 61 7. Ekphrasis: processo criativo ou potencial criador? 74 8. Baquílides e a iconografia: estado da questão 82 II. Mito e desporto: celebração poética e plástica da vitória 91 1. Das origens aos Poemas Homéricos – o óbvio paradigma mítico 91 2. Jogos, recintos e modalidades: a obsessiva presença do mito 95 3. Celebração plástica e poética da vitória 100 4. Celebrar o vencedor: rivalidade ou colaboração semiótica? 120 5. Atletas e heróis: a construção do paradigma mítico 127 III. Baquílides: Percurso biográfico e artístico 133 (A) Cronologias e espaços de mobilidade 133 1. Introdução 133 2. Ascendência, contexto geográfico e nascimento 134 3. Início de carreira e espaços de mobilidade 138 a) Tessália e Macedónia 138 b) Egina 147

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c) Atenas 150 d) Os tiranos da Magna Grécia 156 4. Últimas composições do poeta: o regresso à pátria 162 5. Um poeta exilado? 167 6. Testemunhos sobre a data de morte 171 (B) Conhecimento e recuperação de um poeta 175 1. A (des)fortuna crítica na Antiguidade 175 2. Recuperação e aproximações críticas 179 SEGUNDA PARTE: MITO, DESPORTO E ARTES PLÁSTICAS NOS EPINÍCIOS DE BAQUÍLIDES I. “Louvar Hierão”: o mito ao serviço dos triunfos de um tirano 189 Introdução: Hierão, Siracusa e o atletismo na Magna Grécia 189 1. Héracles e Meleagro: entre o épico e o trágico (ode 5) 194 1.1. Sobre o epinício 206 1.2. Héracles e Meleagro, um encontro na morte e sobre a morte 212 1.3. Potencialidades de um mito (aparentemente) pessimista 229 1.4. A tradição literária 237 1.5. A tradição iconográfica 248 2. Creso da Lídia, entre história e mito (ode 3) 257 2.1. Circunstâncias do epinício 264 2.2. Hierão, ou o encómio de um patrono especial 268 2.3. Creso na pira: como um herói vence a morte em Baquílides 276 2.4. O fim de Creso: entre história, literatura e iconografia 285 II. Mitos locais e etiologias: resposta a uma ânsia pan-helénica 305 Introdução 305 1. Fundação e civilização nos trilhos da luz (ode 1) 309 1.1. Datação e contextos 318 1.2. O mito: análise literária 319 1.3. Dos possíveis sentidos do mito na ode 1 328 2. Folclore local e pan-helenismo (ode 9) 332 2.1. Datação e contextos 340 2.2. Arquémoro, os Sete e a etiologia dos Jogos Nemeus 340

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2.3 A descendência de Asopo: o mito central do epinício 351 3. Hybris, loucura e purificação (ode 11) 360 3.1. Circunstâncias e estrutura do epinício 368 3.2. Fundação do culto de Ártemis e transição para o Metaponto 374 3.3. Loucura e purificação das Prétides 377 3.4. Preto, Acrísio e a fundação de Tirinte 381 3.5. Das razões para a escolha deste mito 383 3.6. A tradição literária 386 3.7. A tradição arqueológica e iconográfica 392 4. Egina, pátria ancestral dos vencedores de Troia (ode 13) 396 4.1. O epinício em contexto 409 4.2. Aquiles e Ájax: a aristeia de dois heróis locais e pan-helénicos 418 4.3. Evidências da iconografia, com destaque para escultura local 426 5. Héracles e a etiologia dos Jogos Nemeus (odes 9 e 13) 434 III. O MITO NOS EPINÍCIOS DE BAQUÍLIDES. CONCLUSÕES 443 1. (Im)possibilidades estatísticas e aspetos formais 443 2. A unidade do epinício: escolha e funções retóricas do mito 448 3. Conhecimento e uso das fontes: da originalidade de Baquílides 453 BIBLIOGRAFIA 457 ÍNDICES Índice de Nomes e Autores 481 Índice de Termos Gregos 529 Índice de Ilustrações 531

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para a Professora Maria Helena da Rocha Pereira, que tanto dispõe de si em favor de quantos timidamente a buscam.

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ADENTRAR-SE EM BAQUÍLIDES

Foram quatro os anos que dedicámos ao trabalho que agora se publica. Durante esse tempo, buscámos uma análise o mais profunda possível do corpus epinício que nos chegou de Baquílides, poeta contemporâneo do grande Píndaro, que a tradição e os séculos elevaram ao patamar quase divino de maior lírico dos Gregos. Mas jamais nos assaltou o sentimento de estudar um poeta sombrio, secundário ou menor, pois que a posição de sombra que durante dois milénios e meio ocupou – estamos certos, como estão tantos outros – outra explicação não teve do que a mesma escuridão que, sob as areias egípcias, durante séculos (quase dezoito) ocultou o rolo de papiro com os seus textos, esse que uns camponeses haveriam de encontrar em 1896, ou pouco antes disso. Com isto julgamos poder explicar desde já a necessidade de, na Parte II, reconstituir o percurso artístico do poeta pelo mundo grego cultural de então, sobretudo a partir dos testemunhos internos da própria obra conservada, pois que, na ausência de outros, continuam a ser eles os mais fidedignos; ainda no mesmo capítulo, impôs-se reconstituir a construção da figura e da arte de Baquílides, da Antiguidade à contemporaneidade, para assim explicar como foi o seu não conhecimento textual o responsável pelo pouco crédito e pelas tímidas aproximações críticas que, até o dealbar da segunda metade do século XX, a sua poesia conheceu. Pese embora a postura nem sempre isenta com que leu Baquílides, é impossível não reconhecer razão a Wilamowitz quando, em recensão à primeira edição do Papiro de Londres, reconhecia que teria sido melhor para o poeta ser recuperado e publicado em 1597 do que em 1897, pois que, nesse período, teria recebido mais apreciações positivas e exercido uma maior influência sobre os autores modernos. Se o projeto inicial pretendia uma análise dos mitos atualizados por Baquílides em todo o corpus conservado, cedo percebemos que seria mais séria uma postura moderada, razão pela qual acabámos por nos centrar em exclusivo sobre o texto dos epinícios e, dentro destes, sobre aqueles que atualizavam

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um episódio mítico narrativamente desenvolvido e com caráter paradigmático. Tal opção constitui a razão de ser da Parte I deste livro, na qual se recuperam as valências de uma teoria de interpretação do mito há muito tida como ultrapassada e redutora – a estruturalista. Com efeito, a excessiva matematização do mito que leva a cabo esconde uma verdade inultrapassável e que nos foi sobremaneira útil; referimo-nos à noção de estrutura, de conjunto de traços distintivos ou complementares que, na literatura como nas artes plásticas, está de facto na base da construção e interpretação de qualquer episódio mítico. Porque interpretar o uso que determinado poeta ou pintor faz de um segmento mítico consiste nisso mesmo, na distinção daquilo que são traços tradicionais desses outros, cuja ausência ou pouca frequência de atualizações pode autorizar a considerá-los da lavra do artista em causa. Aqui se discute a validade de conceitos operativos centrais como sejam o de “traço”, “cena formular” ou “contexto formular”, depois aplicados à análise poética da segunda parte do nosso estudo. Ainda no âmbito de um diálogo mais de colaboração do que de imitação entre poesia e artes plásticas, as páginas seguintes buscam, por via da explanação das principais teorias e da análise de exemplos, apresentar a ambos os registos, o literário e o pictórico, como igualmente legítimos na atualização, construção e adaptação de tradições míticas. Porque, como começámos por defender, ambos os registos constituem poéticas do mito, formas válidas de o criar e recriar, com as caraterísticas, valências e limitações inerentes a cada um. Neste sentido, retomámos e amplificámos a noção de “cristalização” de Walter Burkert, na medida em que tanto a literatura – que tomamos sempre na sua dupla vertente oral e escrita – quanto as artes plásticas podem, a dado momento, fixar um conjunto de traços que, relativamente estável, seja depois reaproveitado, com mais ou menos variantes, por outros artistas, outros poetas (lato sensu) do mito. A este respeito, o exemplo mítico de Héracles foi uma e outra vez convocado, em específico esse quadro plástico extremamente frequente na pintura de vasos desde o século VI, no qual o herói e o Leão de Nemeia estão ambos de pé e frente a frente, no momento em que o primeiro desfere sobre a besta o golpe fatal ou, simplesmente, tenta vencê-la com a força das suas mãos; uma cena que, com semelhantes contornos gráficos, não é sequer exclusiva deste mito ou do folclore grego, como provam vários exemplos da iconografia e da literatura egípcia e babilónica. O mesmo Héracles a propósito do qual, no final do nosso trabalho, analisámos dois episódios de propósitos etiológicos, tratados por Baquílides nas odes 9 e 13. Próximo da abertura das odes, a introdução destes relatos míticos visa justificar a atmosfera religiosa

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do espaço atlético e da própria vitória, com isso criando, implicitamente, uma ligação simbólica entre o atleta e o maior dos heróis-atletas do mito, em si mesma justificada pela tradição folclórica atlética, literária e plasticamente evidente. Estabelecemos ainda, nesta parte preliminar, um percurso diacrónico pela presença do mito na pintura de vasos – no qual problematizámos, na esteira de outros autores, a consideração de algumas representações como mitos de facto. Assim, e considerando o caso das ditas representações dramáticas de mitos, chegámos à aparentemente simples mas nuclear noção de informação, como postulada por O. Taplin. Entende este estudioso que os mitos são informados pelas peças, significam mais, têm mais interesse e profundidade para alguém que conheça a peça em causa. Assim, ao buscar a tradição plástica de determinada cena usada por Baquílides, num contexto bem determinado, estamos afinal em busca das provas desse conhecimento comunitário, explícito ou implícito, dessa informação mítica que, no limite, torna coerente a seleção do episódio pelo poeta. Com isto se torna manifesto que a relação informativa entre o mito verbal e o mito plástico funciona em ambos os sentidos, já que ambos os registos são, afinal de contas, dois produtos simbolicamente distintos de um mesmo contexto. É essa, estamos em crer, a única relação verdadeiramente possível (diríamos mesmo até útil e correta) entre poesia e iconografia, sobretudo para o caso de uma poesia tão profundamente ecfrástica como é a de Baquílides, noção (a de ekphrasis) sobre a qual também refletimos. Se é certo que o mito, na sua relação com o desporto, encontra como tantas outras realidades da cultura grega uma origem atestada nos Poemas Homéricos; se, da mesma forma, não há como negar a presença verdadeiramente obsessiva do mito no contexto espacial e simbólico dos recintos nos quais se realizavam os Jogos, buscámos em seguida demonstrar como, também ao nível da celebração da vitória, o que estava em causa era, no fundo, uma opção. Opção do atleta, mais provavelmente do seu patrono, da sua família ou da sua cidade, ora por um epinício ora, por exemplo, por uma estátua erigida no próprio santuário. Mais, se a frequência de uma ou outra opção variou ao longo do tempo, é também verdade que tanto o artista plástico quanto o artista da palavra dispunham de um mesmo contexto, de um mesmo património de imagens e episódios, verbais ou plásticos, com os quais podiam trabalhar. Como tal, analisámos casos em que determinado trecho de um epinício parece reportar-se às esculturas de um edifício ou a uma estátua atlética que a arqueologia nos permitiu conservar ou reconstruir. Para estes casos, não defendemos necessariamente que o poeta estivesse a imitar, completar ou sequer a aludir ao artista plástico, ou vice-versa, como pretendem outros autores. Embora

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semelhante leitura não seja impossível – e, em alguns casos, sequer pouco provável – o mais seguro continua a ser o caminho da complementaridade, o da partilha de um mesmo contexto e de um mesmo conjunto de finalidades encomiásticas. Falamos em finalidades pois, como em seguida julgamos ter demonstrado, era propósito dos próprios atletas criar, muitas vezes ainda em vida, uma autoassimilação ao paradigma de um herói. Por isso os vemos, a esses atletas-heróis, representados em moedas por sua própria ordem cunhadas à imagem plástica de Héracles, e sobretudo ele. E por isso também nos fez sentido concluir, antes de partir para a análise dos epinícios de Baquílides, que a lógica do paradigma mítico que subjaz a um epinício, mais do que mostra da arte do seu cultor, era afinal a resposta poética a uma verdadeira exigência estética do tempo e do patronato. Com estes propósitos nos lançámos à análise do texto de Baquílides, sobretudo o dos epinícios 1, 3, 5, 9, 11 e 13 da maioria das edições, pois que são esses os que, com mais ou menos lacunas (no global poucas) atualizam uma narrativa mítica desenvolvida e complexa com intuito paradigmático. Porque o cerne do nosso estudo não é linguístico, abstivemo-nos de discussões puramente filológicas, surgindo estas apenas e quando diferentes conjeturas ou correções ao texto do papiro tivessem implicações diretas no assunto que pretendíamos estudar – o tratamento poético (literário e plástico) do mito. No texto conservado, pela análise da sua expressividade, dos valores dos seus epítetos e demais expressões, tentámos contudo recuperar essa linguagem de sabor plástico, sem esquecer o contexto e as exigências (por vezes nada poéticas ou românticas) do género cultivado. Em duas grandes seções dividimos o estudo dos mitos atualizados nos epinícios: esses que celebram as equipas equestres patrocinadas por Hierão de Siracusa (odes 3 e 5), e esses outros que comemoram vitórias de atletas de distintas zonas geográficas do mundo grego, que desde cedo nos pareceram mais apostados num encómio coletivo da cidade do que do atleta ou do seu patrono em particular (odes 1, 9, 11 e 13). Depois da necessária contextualização dos poemas em estudo (circunstâncias de encomenda, produção e apresentação, na medida em que a tal conhecimento é possível aceder), a análise centra-se em três vetores: o tratamento do episódio mítico pelo poeta e a análise dos seus antecedentes e contemporâneos – não necessariamente dos seus modelos – literários e iconográficos. Com efeito, o método da busca de fontes, entendidas como atualizações literárias ou plásticas que tenham exercido, sobre o passo em estudo, uma autoridade modelar consciente da parte do artista que as recebe, é por nós recusado – à imagem da maior parte das abordagens sérias das últimas décadas.

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No momento de estabelecer linhas conclusivas, e tendo em conta a dificuldade em estabelecer padrões e estatísticas em face de um corpus incompleto, apostámos sobretudo na problematização de aspetos que foram sendo abordados ao longo da análise, como sejam o evidente tom pessimista de alguns mitos escolhidos e, consequentemente, a sua lógica na economia de uma ode que se quer – e é sempre, de facto – encomiástica. A unidade das odes, desta feita, consegue-se sobretudo por uma série de ecos verbais e por algo que parece da predileção de Baquílides: o conhecimento da sua audiência e a confiança na capacidade interpretativa e criativa desta, o que explica, em si, o final por alguns considerado abrupto de determinadas narrativas míticas. Mais do que alterar por completo as linhas de uma história, Baquílides prefere mexer neste e naquele aspeto, apostando sobretudo numa arte narrativa expressiva e controlada. Porque, no que ao mito diz respeito – e o mesmo seria válido para os demais géneros poéticos cultivados, se neles tivéssemos tido hipótese de nos adentrar – Baquílides se revela, acima de tudo, um exímio contador de histórias. Muitas foram as pessoas e instituições que tornaram possível a concretização deste trabalho. Ao nosso orientador, o Professor Doutor José Ribeiro Ferreira, agradecemos as horas disponibilizadas, a bibliografia facultada e as leituras sempre atentas das páginas que, paulatinamente, lhe íamos fazendo chegar às mãos. Aos colegas e professores do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Faculdade de Letras, muito especialmente à Professora Doutora Luísa de Nazaré Ferreira, manifestamos de igual modo o nosso infindável reconhecimento. À Fundação para a Ciência e Tecnologia agradecemos o financiamento, sob a forma de uma bolsa de investigação científica e o apoio a estadias breves de pesquisa na Universidad Complutense de Madrid, na Universidad Nacional de La Plata (Argentina) e na New York University. Nestes locais, contámos com o apoio e o acolhimento preciosos dos Professores Doutores Fernando García Romero, Ana María González de Tobia, Barbara Kowalzig e David Sider, que sempre se mostraram prontos a discutir este ou aquele ponto do estudo que mais nos atormentasse. À nossa família e aos amigos, que de menção não necessitam, deixamos expresso o nosso muito obrigado. Por fim, a ti, a presença de um e do outro lado do oceano.

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Granada, setembro de 2016 Carlos A. Martins de Jesus

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Embora fascinante, a poesia grega arcaica é matéria complexa e fugidia, por o investigador ter à mão apenas um corpus fragmentário e a cada passo com transmissão controversa. A investigação neste domínio exige, pois, cautela e argúcia nas interpretações e conclusões. O autor demonstra essa preocupação, já que, quer na exposição dos assuntos, feita com rigor e profundidade e apoiada na leitura de vasta bibliografia, quer no diálogo que procura salientar entre poesia e artes plásticas, quer na argumentação produzida, revela boa informação e evidencia prudência no tratamento e discussão de questões, por vezes complexas. As conclusões que avança são propostas com grande cuidado e sensatez, consciente de que as dificuldades e escolhos são muitos para quem trabalha na poesia grega arcaica, onde o corpus que nos chegou é sempre muito incompleto. Por isso, não se trata tanto de concluir, mas mais de problematizar aspetos e questões abordados ao longo da análise. Ainda assim, apesar de todos os cuidados e da consciência que demonstra dos escolhos do terreno pisado, conclui que Baquílides se revela um exímio contador de histórias e que opta pelo uso de mitos tradicionais e por uma conciliação temperada entre tradição e novidade. Por todas essas razões, e ainda pela qualidade literária que exibe, é de enaltecer a publicação de Poesia e Iconografia: mito, desporto e imagem nos epinícios de Baquílides. Acresce ainda que – e ia a dizer acima de tudo – faz falta ao contexto literário português e vem preencher uma lacuna que nele existe. É que vem contribuir, de forma segura e clara, para o surpreendente ressurgir de um poeta, ao longo de tantos séculos esquecido – Baquílides.

Carlos A. Martins de Jesus é Doutor pela Universidade de Coimbra em Estudos Clássicos, na especialidade de Literatura Grega, com a tese que originou este volume. Tem um conjunto de livros publicados, com destaque para a tradução de autores gregos, entre os quais os Fragmentos Poéticos de Arquíloco (Imprensa Nacional – Casa da Moeda 2008), as Odes e Fragmentos de Baquílides (Imprensa da Universidade de Coimbra, Annablume 2014), as Suplicantes de Ésquilo (FESTEA 2012), o Diálogo sobre o Amor de Plutarco (CECH 2009) e as Vespas de Aristófanes (FESTEA 22009). A estes, somam-se várias dezenas de artigos publicados em revistas da especialidade. Atualmente, em paralelo a uma constante atividade de direção teatral em Granada (Espanha), desenvolve um projeto de Pós-Doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, intitulado Antologia Grega. Transmissão e Tradução, do qual resultou já a tradução de vários livros da Antologia (publicação em série pela Imprensa da Universidade de Coimbra, Annablume) e a edição crítica do Peplo pseudo-aristotélico (Pseudo-Aristotle. Epitaphs for the Heroes. Pepli Epitaphia. Introduction, text, and commentary. Berlin, LogosVerlag, 2015).

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