Poetica do Mar I

May 30, 2017 | Autor: Pedro Correia | Categoria: Literature, Poetry, Literatura, Filosofia Em Portugal
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Poética dos Mares

Pela leitura do estudo Hypercluster da Economia do Mar, coordenado por Ernâni Lopes (SAER, 2009) iniciei uma procura pelo tema mar na poesia portuguesa. A procura e colheita de poemas que tinham o mar como tema decorreu sem elaboração cronológica, não se havendo divido os achados por meio das épocas históricas e literárias. Este desgarramento cronológico tendia a mostrar mais facilmente os aspetos poéticos intrínsecos à temática mar, evidenciando assim o seu espaço metafórico, talvez homogéneo e atemporal. Não se tratava, pois, de um estudo de História, mas querendo cumprir a curiosidade de uma possível poética da temática mar, queria concretizá-la além das caraterísticas epocais e apenas considerando as experiências dos autores. E, de facto, a partir dos primeiros poemas recolhidos começou a ser notório que, no expressar o tema, conviviase num universo homogéneo de referenciação, apesar da diversidade das abordagens e das épocas. O dizer poético acerca do mar trata de configurar uma subjetiva cartografia, a constante elaboração do registo poético, isto é, mapear a humanidade no seu sujeito e cônscio ser. Interessava considerar este tema, ainda não para a elaboração de uma eventual História da poesia com o mar em cenário, mas para salientar o simbólico a partir do mar e relativo ao humano, descortinar uma semântica das experiências, dos acontecimentos estruturantes da vida, enfim, uma cartografia da consciência pela temática. A auto-reflexão vocacionada pelo mar na poesia permite distinguir, em primeiro lugar, uma esfera de experienciação, em segundo lugar, a demanda profunda da existência humana, em terceiro lugar, o cultivo de sua consciência, e, em quarto lugar, uma relação com o transcendente.

Através do mar como objeto de contemplação ele é indiciador de perfeição, como no caso de Eugénio de Andrade (Assírio & Alvim, 2012-1951), O mar volta a ser pequeno é meu, anémona perfeita, abrindo-nos nos meus dedos. É também marca indelével que estabelece na relação humana, pois entre outros motivos, por causa do mar e da diferença a que nos expõe sucede a metamorfose pela viagem. Neste caso, pelas palavras de Sophia Mello Breyner Andresen (Caminho, 2011-1988): Viu pérolas safiras e corais E a grande noite parada e transparente Viu cidades nações viu passar gente De leve passo e gestos musicais Perfumes e tempero descobriu E danças moduladas por vestidos Sedosos flutuantes e compridos E outro nasceu de tudo quanto viu. Esta distância que o mar abre para nós como espaço de realização é celebrada por Vergílio Ferreira como uma das caraterísticas mais fundas da nacionalidade. Sendo o mar o nosso maior património material e fonte maior do nosso património cultural, com Virgílio Ferreira (Bertrand, 1999-1991) esta magnitude também está ínsita na nossa própria língua: Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. (…) Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação. O mar vincula a nossa caraterística identitária com a profundidade e vastidão da nossa história, vincula a nossa visibilidade e a nossa inquietação. E, enquanto é suscitada a ideia de perfeição nos autores por consideração poética, também representam-se por meio do tema mar as humanas dinâmicas, metamorfoses e seus limítrofes, pois como nos diz Armando Côrtes-Rodrigues (Ilha Nova, 1987): (…) Neste destino que nos liga, ó MAR ! O mesmo ardor, o mesmo sofrimento,

A mesma inquietação, que não é sem par, (…) A mesma mansidão adormecida, A mesma ansiedade renascida No incessante ardor do coração. (…) Pretende-se, após esta breve introdução, dar continuidade a um conjunto de artigos, explanando o referido, através de algumas séries de acontecimentos, sentimentos e reflexões que o mar proporcionou aos poetas. Pedro Furtado Correia Pinhal do Norte, 06 de Junho 2016

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