Poetica dos Mares II

May 30, 2017 | Autor: Pedro Correia | Categoria: Literature, Contemporary Poetry, Literatura, Poesía, Poesia
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Uma das fases elencadas para o desenvolvimento de uma Economia do Mar é cultural (SAER, 2009) e (UERN, 2011). É necessário considerar o mar culturalmente, isto é, como modo de vida e como interpretação da nossa vida portuguesa. É neste sentido, e através de poetas portugueses, que tencionamos também aqui uma aproximação ao mar. Portugal constituiu uma relação com o mar de modo profundo, a nível social, económico, financeiro, estratégico, histórico e cultural. Como exemplo da nossa profundidade histórica com o mar consideremos que a mais antiga Marinha de Guerra do mundo em funções, registando o início de suas batalhas navais desde 1180, é a portuguesa. No aspeto cultural «Portugal e o mar são gémeos na Terra e na História. (...) É uma verdade palmar, espiritual e telúrica. A partir dela se define o nosso velho povo radicalmente atlântico.» Vitorino Nemésio (Cultura Popular e Turismo, 1953), e, no registo da prosa-poética de Luís Miguel Nava permanece o mesmo sentido: «(...) O mar, bata ele onde bater, é uma decalcomania que não podemos arrancar sem que atrás fique o nosso próprio corpo em carne viva.» (& Etc, 1984). De facto, desde os primeiros trovadores galaico-portugueses, as referências ao mar são inúmeras na poesia portuguesa. Assim é. Contudo, verifiquemos que o mar não é somente um referido, mas ressoa como poema, o mar na poesia portuguesa é também metáfora do poema: Mar! E é um aberto poema que ressoa (...) Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1968) Ou, Considero o poema o mar, (...) que me obriga a ranger como uma arte os meus ossos de poeta (...) Fiama Hasse Pais Brandão (Assírio & Alvim, 2006) Ou então, (…) os poetas a cantar São echos da voz do mar!

António Botto (Presença, 1999-1941) O mar é o Poema sem sossego e sem remate, Harpejo horizontal do coração do mundo, Há quantos anos já te recito Obsessivamente A medir cada verso Em cada onda! (…). Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1985) A maré no seu ir e vir é o ritmo do verso: A maré alta sete vezes cresce Sete vezes decresce o seu inchar E a métrica de um verso a determina (…) Sophia de Mello Breyner Andresen (Caminho, 2004-1997) Confunde-se com o objeto pleno da intenção poética: (…) Poeta apenas, e desejei apenas Beber o mar num verso (...) Fiama Hasse Pais Brandão (Relógio d'Água, 1995) Concentremo-nos em Miguel Torga. O mar em seu rumor musical é um provocador estético capaz de propiciar o poema: Rumor das ondas, música salgada, Eterna sinfonia Da energia Inquieta: Que búzio te ressoa a nostalgia, Além do meu ouvido de poeta? Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1966) A noção de mar-poema é central, pode fundar o poema: Nasce o poema como nasce a onda (Tem o mar da emoção a mesma angústia Salgada.) (...) A humana inquietação realizada É uma onda constante. Miguel Torga (Coimbra Editora, 1948) E em tudo quanto o poeta segrega fica o mar:

Versos, imagens e melancolia. Disto faço o casulo do meu sonho. (...) E na baba que babo fica o mar, E, no som que ali deixo, o meu lamento. Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1943) Nostalgia e lamento em consequência do mar não caber no poema, pois não há forma para captar caraterísticas estéticas inefáveis: (...) Não cabes no teu nome, búzio aberto E transbordas em ondas, Da terra, a olhar-te, Embebedam-se os olhos Dos poetas. Mas excedes, também, os versos do seu canto.(...) Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1963) No entanto, levantado o poeta por esse transbordar do mar pelo poema e ainda mais além do poema, conhecemos os limites humanos da morte e da vida. O mar, (...) Espumoso como um vinho singular Salgado e azul, Só bebido por náufragos E nascituros (...) Miguel Torga (D. Quixote, 2011-1963)

Pedro Furtado Correia, Pinhal do Norte, 7 de Julho 2016

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