Pokémon GO: o resgate das brincadeiras de rua e os possíveis benefícios à popularização da biodiversidade

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Descrição do Produto

FICHA CATALOGRÁFICA FEITA PELOS ORGANIZADORES

C672i Coelho, Luci Boa Nova, 1960I Colóquio de Zoologia Cultural – Livro do Evento / Luci Boa Nova Coelho, Elidiomar Ribeiro Da-Silva. – Rio de Janeiro: Perse, 2016. 230 f. ISBN 978-85-464-0413-1 1. Zoologia. 2. Divulgação Científica. 3. Ensino.

I. Título. II. Autor. CDD. 590 CDU. 59

Editoração: Luci Boa Nova Coelho

08 de setembro de 2016 – I Colóquio de Zoologia Cultural – Rio de Janeiro/RJ

Pokémon GO: o resgate das brincadeiras de rua e os possíveis benefícios à popularização da biodiversidade Luci Boa Nova Coelho1* & Elidiomar Ribeiro Da-Silva2 1Laboratório

de Entomologia, Departamento de Zoologia, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro 2Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural, Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro *Contato: [email protected]

Resumo Pokémon GO é um jogo de realidade aumentada, desenvolvido para as plataformas iOS e Android, em que os jogadores capturam e treinam criaturas virtuais, que aparecem na tela do dispositivo como se fossem reais. Muitos desses Pokémon são inspirados em animais, como no caso de Zubat e Rattata, respectivamente baseados em quirópteros e roedores. Para jogar, é necessário que o jogador percorra áreas externas, o que, eventualmente, promove o encontro e observação de animais e paisagens reais. Isso pode ser útil, se bem utilizado, para atrair os jovens à causa conservacionista. Palavras-chave: fauna urbana; jogo eletrônico; preservação ambiental.

Abstract Pokémon GO: the rescue of street games and the possible benefits to the popularization of biodiversity Pokémon GO is a game of augmented reality, developed for iOS and Android platforms, where players capture and train virtual creatures, which appear on the device screen as if they were real ones. Many Pokémon are inspired in real animals, for example Zubat and Rattata, respectively based on chiropterans and rodents. To play, you need to go through the player outdoors, which possibly promotes the meeting and observing real animals and landscapes. This can be useful to attract young people to the conservationist cause. Keywords: environmental conservation; game; urban fauna.

Introdução Neste ano, o Brasil está vivenciando uma infestação de morcegos, ratos e outros bichos, sem precedentes em sua história. Desde julho de 2016, o Planeta Terra passa por um surto epidêmico de proporções globais, causado por um simples jogo, um aplicativo para aparelhos celulares. Pokémon GO é um game de realidade aumentada (SOUZA, 2016), desenvolvido para as plataformas iOS e Android por um consórcio de três empresas, a Niantic, a Nintendo e a The Pokémon Company (MACENO et al., 2016). Fazendo uso de sistema de posicionamento global (GPS) e câmera dos dispositivos compatíveis, o jogo permite aos jogadores capturar e treinar criaturas virtuais que aparecem nas telas de dispositivos como se fossem do mundo real. Muitos desses Pokémon são inspirados em animais de verdade, como no caso de Zubat e Rattata (Figuras 1-2), respectivamente baseados nos dois grupos de animais citados acima. Com sucesso imediato (SAMPAIO, 2016) já logo após o lançamento, Pokémon GO passou a ser alvo de críticas, sendo algumas relacionadas a teorias conspiratórias (SANTINO, 2016), como a que denuncia que o jogo seria, na verdade, uma ferramenta utilizada por uma agência estadunidense para captar imagens do interior das residências dos jogadores. Outras críticas, porém, são bem mais concretas (JIMENEZ, 2016). Relatos de acidentes de trânsito, quedas e roubos de aparelhos pululam na internet, sendo tão comuns quanto os morceguinhos Zubat. Por outro lado, há vantagens

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inegáveis no uso do aplicativo. A experiência geral do jogo é muito interessante, há incentivo para a aventura no mundo real, para a interação entre as pessoas e promoção de atividade física. E esse é exatamente o aspecto abordado no presente texto, de cunho teórico e discursivo.

Figura 1. Imagem capturada da tela do jogo Pokémon GO, mostrando o Zubat, e seu animal inspirador (Mammalia: Chiroptera). Fonte da foto do morcego: Google Imagens.

Figura 2. Imagem capturada da tela do jogo Pokémon GO, mostrando o Rattata, e seu animal inspirador – Rattus Fischer de Waldheim, 1803 (Mammalia: Rodentia: Muridae). Fonte da foto do rato: Google Imagens.

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O jogo e as brincadeiras de rua Em termos culturais, a expressão “brincadeira” se refere a um repertório amplo de atividades pelo qual uma sociedade expressa, de maneira lúdica, suas múltiplas relações com saberes, práticas e processos de identificações intragrupais. Especificamente as brincadeiras de rua atuam para a geração de processos de convivência urbana e a diversificação de práticas inerentes às culturas populares que atravessam o cotidiano das cidades brasileiras (PIMENTEL, 2015). As brincadeiras de rua podem ser compreendidas como dinâmicas sociointeracionais, por meio das quais as pessoas criam expressões simbólicas para diferentes ações compartilhadas coletivamente (FREITAS, 2015). Além das crianças que participam diretamente das brincadeiras, pessoas jovens e adultas podem acompanhar de perto as atividades, para garantir a segurança dos brincantes. Com o crescimento dos grandes centros urbanos, os espaços públicos passaram a ser considerados inadequados e perigosos para as crianças e suas atividades lúdicas (COTRIM et al., 2009). Com a ascensão dos jogos eletrônicos (CABREIRA, 2006), as brincadeiras passaram a ser desenvolvidas no aconchego protetor do lar; as interações individuais passaram a ser virtuais. A rua deixou de ser referência, algo que aconteceu basicamente no território urbano, em especial nas áreas metropolitanas. O advento de Pokémon GO representou um retorno à condição anterior, em que pessoas se agrupam e partem para a rua, em busca da captura virtual das criaturas. Provavelmente não por acaso, algumas das mais comuns delas, como os já citados, são baseados em animais tipicamente urbanos. De certa forma, tal atividade lembra a tradicional comemoração de Cosme e Damião, quando grupos de crianças saem às ruas, especialmente nos subúrbios e periferias, para receber doces, em celebração aos santos gêmeos (FREITAS, 2015). Traçando um paralelo, as Pokestops, locais fixos onde são recolhidos itens para utilização no jogo, representariam os domicílios onde se buscam os doces com um cartão-convite distribuído previamente; também existem no jogo os pontos com iscas que são acionados por jogadores e permanecem, por 30 minutos, atraindo as criaturinhas, em um paralelo aos domicílios que fazem distribuição dos doces sem aviso prévio (cartão). Assim, nas duas situações, é preciso buscar, andar por longos trechos, geralmente em grupo, representando uma efetiva interação. Pokémon GO e a conservação da biodiversidade Pensando em termos de Zoologia, temas como biodiversidade, usando a grande quantidade de Pokémon como exemplo, e metamorfose, aludindo à “evolução” das criaturas virtuais, poderiam ser trabalhados em divulgação científica e práticas educacionais. Com relação às últimas, a compreensão da atuação do professor como mediador dessas novas tecnologias torna-se imprescindível para que os jogos eletrônicos cumpram um interessante papel de coadjuvante na educação (cf. CABREIRA, 2006). Interessantemente, no jogo Pokémon GO o personagem professor Willow (BRAGA, 2016) (Figura 5) recebe Pokémon e, em troca, dá docinhos que vão tornar possível a metamorfose ou evolução das criaturinhas. Um outro fator relevante é relativo ao contato de crianças e adolescentes com animais reais. Estudos recentes mostram que, cada vez mais, nossas crianças urbanas têm menos contatos com animais fora do ambiente domiciliar (cf. CAMARGO, 2016) ou com a natureza de modo geral (HAAHTELA et al., 2013). Como mesmo nas grandes cidades há uma fauna urbana diversificada – cães, gatos, aves, lagartos, insetos, aranhas, isso sem falar nas chamadas “pragas” – as atividades eminentemente externas do jogo Pokémon GO proporcionarão encontros mais frequentes entre

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Figura 5. Imagem capturada da tela do jogo Pokémon GO. Professor Willow, personagem do jogo.

pessoas e bichos, possivelmente aprofundando as relações afetivas entre eles. Com isso, pode-se imaginar, por exemplo, a reversão de uma tendência que se observa hoje em dia, em que as crianças têm medo de animais comuns, como aranhas e insetos – aí incluídas até as borboletas (CAMARGO, 2016), que sempre foram muito populares. Se efetivada, a maior empatia com a fauna pode vir a ser aproveitada em campanhas de preservação ambiental e da biodiversidade. A interessante história que levou à criação dos Pokémon, de certa forma, confirma essa possibilidade e a ligação com a Zoologia e os estudos de biodiversidade de forma geral. Quando o criador desse universo fictício, o japonês Satoshi Tajiri, era criança, por não poder ter animais de estimação acabou desenvolvendo o hábito de procurar e colecionar insetos o que, anos mais tarde, pode ter servido de inspiração à concepção dos Pokémon (PLUNKETT, 2011). Em uma escala ampla, pensando em ambientes, aí incluídos os urbanos, mesmo com pouco tempo de funcionamento o jogo já traz benefícios concretos. A praça em frente à Prefeitura Municipal de Ibitinga, interior do Estado de São Paulo, era muito frequentada pela população nas décadas de 1960 a 1980, porém, por conta da criminalidade, adentrou o século XXI como lugar proibido para os habitantes, especialmente à noite. Com o jogo Pokemon GO, a juventude da cidade passou a frequentar a praça, um local privilegiado de caça aos bichos virtuais, de modo mais efetivo, transformando o local em um novo ponto de encontro da cidade. À ocupação dos jovens, seguiu-se a implementação de carrinhos de lanche e “food trucks”, eventos musicais aportaram no lugar e, junto dos jovens, vieram as famílias (GHIRALDELLI JR, 2016). Tudo isso em apenas duas semanas! Difícil não imaginar o potencial de utilização do jogo na recuperação de áreas paisagísticas degradadas em grandes cidades, por exemplo.

Considerações Finais Independente de gosto ou aprovação, é inegável o ganho cultural que o jogo Pokémon GO pode proporcionar. O mundo vem mudando ou, como se diz, “evoluindo”, e os avanços tecnológicos apresentados para entretenimento devem ser aproveitados para confirmar tal processo de evolução da sociedade. A utilização da cultura pop como ferramenta para aprimorar os ensinamentos curriculares básicos pode ser benéfica ao futuro de jovens, que precisam aprender a enxergar e absorver, mesmo que instintivamente, valores culturais a partir dos tão atrativos jogos virtuais. 08/09/2016 – I CZC - RJ

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Referências BRAGA, P. 2016. Conhecendo a galera. In: Forastieri, A. (ed.) - Pokémon GO. Tambor e Case Editorial, São Paulo.

CABREIRA, L.G. 2006. Jogos eletrônicos sob o olhar de mediadores do conhecimento – a virtualização do brincar na perspectiva dos professores de 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental I de uma escola confessional de Maringá/PR. Dissertação, Mestrado em Educação, Universidade Estadual de Londrina, Londrina. CAMARGO, S. 2016. Quando as crianças começaram a ter medo de borboletas? Conexão Planeta – Inspiração para a ação. Disponível em: http://conexaoplaneta.com.br/blog/quando-as-criancascomecaram-a-ter-medo-de-borboletas. Acesso em: 16 de agosto de 2016. COTRIM, G.S.; FIAES, C.S.; MARQUES, R.L.; BICHARA, I.D. 2009. Espaços urbanos para (e das) brincadeiras: um estudo exploratório na cidade de Salvador (BA). Psicologia: Teoria e Prática 11(1): 50-61. FREITAS, M.B.M. 2015. A festa de Cosme e Damião: uma etnografia de doces e crianças pelas ruas do Rio de Janeiro. In: Anais do Seminário dos Alunos PPGAS, Rio de Janeiro. GHIRALDELLI JR, P. 2016. Pokémon reurbaniza cidade do interior paulista. Disponível em: http://ghiraldelli.pro.br/filosofia/pokemon-reurbanizada-cidade-do-interior-paulista.html. Acesso em: 18 de agosto de 2016. HAAHTELA, T.; VON HERTZEN, L.; HANSKI, I. 2013. Hipótese da biodiversidade explicando o aumento dos transtornos inflamatórios crônicos – alergia e asma entre eles – em populações urbanizadas? Brazilian Journal of Allergy and Immunology 1(1): 5-7. JIMENEZ, K. 2016. Assaltos, nudes, traições, facadas e acidentes. Como evitar que um Pokémon arruíne sua vida. KTV. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/blogs/keilajimenez/2016/07/15/os-perigos-do-pokemon-go/. Acesso em: 22 de agosto de 2016. MACENO, B.; CAMAROSSI, F.; BRAGA, P. 2016. Temos Que Pegar Todos! In: Forastieri, A. (ed.) - Pokémon GO. Tambor e Case Editorial, São Paulo. PIMENTEL, A. 2015. Brincadeiras de rua, convivência urbana e ecologia dos saberes. Revista Brasileira de Educação 20(62): 703-721. PLUNKETT, L. 2011. The origins of Pokémon - in the beginning. Kotaku. Disponível em: http://kotaku.com/5806664/how-pokemon-was-born-from-bug-collecting-and-aspergerssyndrome. Acesso em: 18 de agosto 2016. SAMPAIO, H. 2016. Pokémon GO: o fenômeno. Mundo Estranho Games 7: 14-15. SANTINO, R. 2016. Pokémon GO tem ligação com a CIA? Entenda esta teoria da conspiração. Olhar Digital Games. Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/games-e-consoles/ noticia / pokemon-go-tem-ligacao-com-a-cia-entenda-esta-teoria-da-conspiracao/60570. Acesso em: 22 de agosto de 2016. SOUZA, A. 2016. Como jogar Pokémon GO - Guia para iniciantes. Le Livros, Silveira, Portugal.

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Pôster apresentado no I Colóquio de Zoologia Cultural.

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