Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo \"Biel\" do \"Não Faz Sentido\"

May 29, 2017 | Autor: Paula Fernandes | Categoria: Celebrity Culture, Youtube, Celebrity Studies
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Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo “Biel” do “Não Faz Sentido” Paula FERNANDES1 Joana d’Arc de NANTES2 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

Resumo: A presente pesquisa busca examinar a recepção e ressignificação de um discurso através da análise de comentários em uma plataforma de compartilhamento de conteúdo audiovisual. Para isso, utiliza-se como corpus o vídeo intitulado “Biel” do canal do youtuber Felipe Neto dentro do quadro chamado “Não Faz Sentido”. Discutese ao longo do artigo conceitos e práticas da web 2.0, como ciberespaço e ciberdemocracia bem como fenômenos que se atravessam, como a celebrificação e a celebritização. Além da reflexão teórica e análise do objeto de estudo e sua repercussão no YouTube, aponta-se algumas implicações do meio on-line e como ambiente de pesquisa para os estudos de recepção. Palavras-chave: celebrificação; Felipe Neto; Não Faz Sentido; Biel; estudos de recepção na internet. 1 Introdução A liberação da palavra e, assim, da opinião toma proporções que fogem ao controle quando ambientadas na internet (LEMOS; LÉVY, 2010). A construção e emissão de pontos de vista em rede virtual ultrapassa os limites de compartilhamento de informações, chegando à movimentação de massas em torno de um argumento que pode ser fundamentado ou não (KEEN, 2009). A emersão de plataformas de comunicação multimídia e interativas, na perspectiva de possibilidade de troca de conteúdos e avaliações dos mesmos, revela aspectos cada vez mais evidentes da Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestranda em Comunicação Social – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Bacharela em Produção Cultural e Bacharela em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 1

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ciberdemocracia (LEMOS; LÉVY, 2010) na sociedade celebritizada (BOYKOFF; GOODMAN, 2009; LEWIS, 2010; DRIESSENS, 2012). O processo de produção midiática de “um para todos” modifica-se para “todos para todos” (LEMOS, 2003) possibilitando a entrada dos receptores no modo de criação e a replicação do lhe é passado. Dessa maneira, o consumidor de conteúdos no meio virtual tem a possibilidade não só de receber e absorver uma ampla gama de variedades de informações mas também de expor seu posicionamento, valores e significados produzidos a partir do produto consumido. Segundo Denise Cogo e Liliane Brignol (2010), é impossível não incluir o ciberespaço nas discussões sobre recepção, uma vez que o meio virtual altera substancialmente as relações entre emissor e receptor. Assim, há uma ampliação da interação e, desta forma, do estudo da absorção e reação do público (COGO; BRIGNOL, 2010). Ainda de acordo com as autoras: [...] o desenvolvimento de sites que ampliam essas possibilidades interativas a partir do aproveitamento da dinâmica do site de redes sociais com a inserção, personalização e compartilhamento de conteúdo produzido ou selecionado por seus usuários, dinâmica ligada ao que se convencionou chamar de web 2.0, com a ampliação das potencialidades colaborativas da web (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 11, grifo original).

Partindo da articulação entre estudo de recepção na Web 2.0 e a emissão e a valorização de opiniões virtualmente, a presente pesquisa busca refletir sobre o processo de construção de significados e valores do público sob a ótica do posicionamento de uma web celebridade a respeito de um acontecimento. Assim, para este estudo, utiliza-se como corpus os comentários do vídeo intitulado “Biel” do canal do youtuber Felipe Neto, dentro do quadro “Não Faz Sentido”3. A partir do recorte das principais discussões no YouTube, foi feita uma análise a fim de compreender a recepção deste conteúdo pelos usuários da plataforma, destacando as principais atribuições ao conteúdo proferido pelo youtuber. A construção desse vídeo deu-se pela repercussão da fala do cantor MC Biel durante uma entrevista a alguns repórteres, na qual ele emite um comentário a uma das entrevistadoras que sentiu-se violentada e registrou queixa contra o jovem artista sob acusação de assédio sexual. Felipe Neto resolveu posicionar-se sobre o acontecumento através do “Não Faz Sentido” seguindo a tradição do quadro, gerando grande repercussão na internet em várias instâncias e sites de redes sociais. A presente pesquisa apresenta uma discussão a partir da análise dos comentários na própria plataforma em que o vídeo foi vinculado primeiramente: o YouTube. Propõem-se a observação da pertinência de determinados tipos de falas dos receptores que se manifestaram na rede e caminhos de compreensão de recepção que podem ser apontados a partir destas repetições. Faz-se também uma reflexão acerca dos fenômenos que atravessam a sociedade contemporânea, a cultura da celebridade e as É importante destacar que este quadro tem características já consolidadas, como ofensas, críticas severas, vocabulário chulo e exaltado e apontamento de fatos que supostamente justificam a forma como expõe a discussão. 3

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implicações das plataformas e redes virtuais no contexto atual. Por fim, conclui-se sobre o papel dos novos formadores de opinião, da web e das imbricações acadêmicas e sociais partindo da premissa das adequações do receptor em todo o processo da construção de discussões, principalmente no meio virtual. 2 Ciberespaço, ciberdemocracia e algumas possibilidades na Web Na contemporaneidade, “nossa vida é crescentemente dominada pela web” (BARABÁSI, 2009, p. 158). O meio on-line compõe formas de troca de informação e compartilhamento de conteúdo com artifícios próprios e que fazem desse ambiente propício para asenção de determinados perfis, práticas e comportamentos. Em outras palavras, o fato de a internet e suas diversas formas de uso permearem a vida contemporânea aponta um caminho de modificação de dinâmicas sociais, tanto off-line quanto on-line. O ciberespaço e as ferramentas que o incrementam permitem que haja uma conversação, participação e interação intensificada e facilitada (LEMOS, 2010). De acordo com André Lemos (2010), esse ambiente está “expandindo as fronteiras do espaço público onde diversas entidade independentes das fronteiras nacionais e culturais” (LEMOS, 2010, p. 110). Desta forma, as possibilidades da web são amplificadas e ofertadas a públicos distintos com propostas de atividade e discussões múltiplas fazendo da cultura “um lugar de produção de conteúdo, de conexão livre entre pessoas e grupos e de reconfiguração da vida social, política e cultural” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 29). Nesse contexto de mobilização do ciberespaço, a ciberdemocracia, também discutida por Lemos na companhia de Lévy (2010), faz com que a abertura da internet para o envolvimento e participação amplificada dos usuários da rede gerem discussões e fenômenos. Assim, “quanto mais podemos livremente produzir, distribuir e compartilhar informação, mais inteligente e politicamente consciente uma sociedade deve ficar” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 27). Ainda de acordo com os autores (2010), “a cultura contemporânea, do digital e das redes telemáticas, está criando formas múltiplas, multimodais e planetárias de recombinações” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 27). Sob essa perspectiva, Di Felice (2008) argumenta que a ascensão de um novo espaço social de discussão, tal como é o ciberespaço, acontece não só como um meio ligado aos aspectos socioculturais mas também como algo relacionado diretamente a produtos técnicos, a mídia e a tecnologia comunicativa (DI FELICE, 2008, p. 28). Todos esses aspectos permitiram, então, “a formação de um espaço imaterial de discussão, fomentando ao mesmo tempo a difusão de informações e conteúdos para tais produtos” (DI FELICE, 2008, p. 28). A ampliação de possibilidades dentro do ciberespaço também indica outras formas de absorção e replicação dos conteúdos virtuais. Cogo e Brigdol (2010) afirmam que “é inegável que o ciberespaço altera substancialmente as relações entre emissor e 3

receptor, fazendo com que as próprias categorias tenham que ser revisadas” (COGO; BRIGDOL, 2010, p. 14). As autoras questionam ainda a forma como os indivíduos se apresentam e participação de relações no meio virtual. De acordo com elas, a respeito do usuário de uma rede on-line, é difícil denominá-lo de receptor, uma vez que é evidente suas experimentações, bem como suas produções de conteúdos e signifcações na web (COGO; BRIGDOL, 2010, p. 14). O fato de ser possível publicar e tornar visível diversos tipos de conteúdo a partir de qualquer usuário da rede que tenha acesso às tecnologias necessárias aponta para o atravessamento entre a liberdade de exposição de opiniões, cotidiano ou quaisquer que sejam as informações, a visibilidade que alcança e a ressignificação que adquire nas dinâmicas sociais. Dessa forma, nota-se que “a mídia está estilhaçando o mundo em um bilhão de verdades personalizadas, todas parecendo igualmente válidas e igualmente valiosas” (KEEN, 2009, p. 20). Nesta perspectiva, de acordo com Keen (2009), “a verdade de uma pessoa torna-se tão ‘verdadeira’ quanto a de qualquer outra” (KEEN, 2009, p. 20). Entretanto, tem-se que considerar e até destacar outros elementos além da mensagem em sua unidade somente. Faz-se aqui a pontuação de que seja qual for o conteúdo publicado, os fatores que o cercam e perpassam são fundamentais para a compreensão das informações, uma vez que “[...] o contexto de uma mensagem é favorável para uma determinada informação, os receptores tendem a avaliar de forma mais positiva o que está sendo transmitido” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 21), assim como acontece ao corpus do presente artigo. 3 Entre o YouTube e a sociedade contemporânea, a celebrificação Dentro do ciberespaço, novos sites de rede social e novas plataformas de compartilhamento de conteúdo surgem e ascendem de maneira relevante. No caso de materiais audiovisuais, o YouTube se destaca. Criado em 2005 e com aparição notável no Brasil a partir de 2010, o site tem dados e números que chamam atenção: há mais de um bilhão de usuários, o que compõe quase um terço das pessoas que usam a internet atualmente e a cada dia aumenta o número de horas que essas pessoas permanecem conectadas e assistindo a vídeos, gerando bilhões de visualizações aos diversos canais existentes. Na amplitude de possibilidades dentro da plataforma, propiciou-se ao internauta que tornasse-se sozinho um canal de comunicação. Quando um usuário da rede posta um vídeo, permite-se a ele ser um potencial formador de opinião ou influenciador na rede, dependendo do tipo de conteúdo que se propor a produzir. Este indivíduo é denominado youtuber e já assume um caráter profissional na contemporaneidade. Em suma, esse produtor de conteúdo posta vídeos de acordo com

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a frequência que lhe convém, e seu conteúdo pode ser assistido por qualquer usuário da rede. Em outras palavras, O youtuber é um sujeito anônimo, no sentido de que não tem presença midiática nos meios de comunicação de massa, que se apropria de informações da mídia e as repassa para um grupo de sujeitos conectados a ele por meio do YouTube, de acordo com critérios de relevância estabelecidos no perfil de seu canal (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 7-8).

Ser encontrado, assistido, comentado e compartilhado dá ao youtuber uma roupagem não só de fornecedor de conteúdo ou de comentarista da atualidade ou do cotidiano, mas também de ditador de pontos de vista e de tendências de pensamento. Sob essa perspectiva, a lógica de produção de conteúdo de um usuário comum da rede é diferenciada, porque para isso o youtuber que se propõe a falar sobre assuntos diversos primeiro consume outras mídias sobre determinado tópico, depois filtra as informações a partir de sua ótica e, por fim, produz seu vídeo (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014). Assim, “a informação apresentada é manipulada pelo Youtuber por meio de memórias e sensações, uma vez que a audiência dos canais estabelece com eles uma relação de interesse” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 20). Os atravessamentos da mídia nos usuários das diversas formas de compartilhamento de conteúdo virtual também influenciam no processo de transformação de um receptor de informações em replicador e produtor. De acordo com Cogo e Brignol (2010): As mídias penetram todas as instâncias da vida social, estão no foco das discussões sobre globalização, mundialização da cultura e aceleração dos fluxos informacionais, sendo apontadas como protagonistas de mudanças nas interações sociais e nas formas de reconhecimento (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 1).

Dessa forma, os demais usuários da plataforma consomem não só o tema central da postagem mas também uma opinião analítica, trazendo a mídia em presença dupla nesse processo: a de fornecedora de material base e a de transformadora desse indivíduo em formador de opinião ou influenciador contemporâneo. Porém, “apesar disso, apresenta-se como sujeito anônimo [...] o que lhe proporciona certa legitimidade perante os assinantes de seu canal (é uma pessoa anônima falando para outros anônimos)” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 8). Crescendo na plataforma, angariando seguidores e fidelizando um público, o youtuber é legitimado pela sociedade na web e adquire status de celebridade midiática na internet. Esse processo, atravessado por contextos sociais e mudanças nas dinâmicas comunicacionais, pode ser aproximado da celebrificação (DRIESSENS, 2012). Aqui interpreta-se esse fenômeno como quando ocorre a ascensão inesperada de indivíduos na sociedade contemporânea e midiatizada, e acontece a sua

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transformação em celebridade, celetóide4 ou microcelebridade5, de acordo com a forma como se dá. Tratando-se do YouTube, a celebrificação dos produtores de conteúdo os transforma em celebridades do “faça-você-mesmo”6, como afirma Driessens (2012). O autor ainda complementa que o status de celebridade não se mantém sozinho e que a mídia, não só como tecnologias de informação ou indústria isolada, aproveita das novas faces representativas na web para também alavancar discussões, tendências e até mesmo polêmicas. 4 A polêmica: Biel, assédio, Felipe Neto e YouTube O corpus de análise da presente pesquisa tem dois protagonistas e alguns detalhes que o compõem e o definem como algo polêmico. Em junho de 2016, o youtuber Felipe Neto7 produziu e compartilhou um vídeo intitulado “Biel”8 dentro do quadro “Não Faz Sentido” do seu canal. A postagem foi produzida principalmente por dois motivos: o caso de assédio sexual proferido pelo cantor de funk MC Biel a uma repórter durante uma entrevista coletiva9 e a troca de provocações10 entre ambos no site de rede social Twitter. O canal de Felipe Neto existe desde 2010 e o youtuber é considerado um dos pioneiros da plataforma no Brasil. Com caráter assumidamente crítico, rígido, irônico e debochado, o jovem, que além de trabalhar com seus vídeos é ator e escritor, prioriza como assuntos para suas postagens temas que estejam em destaque na sociedade. Ao longo da carreira dele no YouTube já houve divergências com outras celebridades de vários segmentos, como atores, cantores, bandas e até mesmo outros youtubers. O “Não Faz Sentido” tem grande carga opinativa, apesar de em alguns momentos apresentar de fato informações que corroborem para a argumentação de Felipe e façam com que sua fala possa assumir o caráter de correto ou verdadeiro por conta do suporte em outras fontes de conteúdo. Especificamente no caso do vídeo “Biel”, as motivações da produção do conteúdo se apresenta como um híbrido de discussão sobre a questão social e polêmica referente à acusação de assédio feita contra o MC Biel e à postura do cantor com relação ao desenrolar do caso com a disputa pessoal do youtuber com o jovem artista. Felipe Neto se expõe abertamente com relação à sua opinião a respeito da carreira e da vida de Biel, desviando em certo ponto da proposta 4

C.f. ROJEK, C. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

5 C.f. SENFT, Theresa M. Microcelebrity and the branded self. In: HARTLEY,

John; BURGESS, Jean; BRUNS, Axel. A companion to new media dynamics. Oxford: Wiley-Blackwell, 2013. 6 Da expressão em inglês “do-it-youself” (DIY). 7 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 8 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 9 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 10 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 6

principal, que seria discutir o caso específico da postura do funkeiro com relação à repórter assediada. O vídeo foi publicado no dia seis de junho de 2016, tem onze minutos e cinquenta e dois segundos de duração, ultrapassa sete milhões de visualizações11, um milhão de likes12 e mais de cento e trinta mil comentários13. Ao longo do seu discurso, Felipe explica o caso que envolveu Biel e seu interesse em falar sobre o artista. Antes da produção da postagem, o youtuber diz ter sido questionado a respeito do cantor pelo seu público e que não tinha uma opinião formada. Porém, após o ocorrido e com o desenrolar das trocas de tweets, Felipe Neto resolveu então montar o vídeo em questão. A postagem no YouTube deu ampla visibilidade ao conteúdo e foi vinculada em outras discussões sobre o assunto, principalmente no meio virtual. Além disso, a fala e a postura de Felipe Neto com relação aos assuntos que cercam a polêmica, como o comportamento do MC, o estilo musical, a vida pessoal, as declarações públicas, a carreira e, principalmente, a forma como o cantor lida com questões que circundam mulheres bem como as discussões feministas em geral, fizeram com que o youtuber assumisse lugar de destaque na mídia, estando diretamente ligado ao que diz respeito ao cantor e à polêmica central. 5 Um olhar sobre os comentários: algumas implicações Para traçar um caminho de compreensão da recepção de um conteúdo audiovisual disponibilizado em rede virtual, optou-se por analisar e categorizar os comentários feitos no próprio espaço reservado a isso na plataforma do YouTube e que tiveram mais repetição e likes de outros usuários. Destaca-se aqui a importância da temporalidade do vídeo com relação ao contexto em que foi postado, o histórico do youtuber em questão bem como o perfil de fãs tanto de Felipe Neto quanto do MC Biel. Tratando-se dos protagonistas e das questões que perpassam a polêmica, surgem outras discussões a partir da repercussão alcançada. Portanto, para esta pesquisa, foi necessário o recorte. Por causa de sua postura e da sua proposta de fala, Felipe não carrega consigo um reconhecimento totalmente positivo da comunidade virtual. A recepção habitual com relação às postagens do ator é negativa e de reprovação. De acordo com observação e verificação prévias, os comentários em qualquer que for o site de rede social em que o youtuber esteja presente e compartilhando seus conteúdos, a resposta do público mostra-se majoritariamente contrária aos conteúdos. Desta forma, a análise dos comentários especificamente do vídeo do Felipe não revela-se tendenciosa ao proprietário do canal. Pode-se considerar que a escolha de análise apresenta um espectro de estudo apropriado. 11

Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 7.400.490 visualizações. Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 1.141.242 likes e 43.775 deslikes. 13 Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 136.915 comentários. 12

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Para fins de reflexão acerca da observação do volume e pertinência dos comentários, categorizou-se de forma generalista a natureza das respostas. Com base na leitura das postagens e verificação de seus conteúdos chegou-se aos seguintes principais segmentos de postagens no vídeo “Biel”: 1) Felipe Neto x Biel (fãs em defesa); 2) concordância com o discurso apesar de não aprovar Felipe Neto; 3) apropriação do discurso de Felipe Neto; 4) inscrição no canal após o vídeo; e 5) argumentação negativa com relação à quantidade de deslikes. 5.1 Felipe Neto x Biel As manifestações referentes diretamente aos protagonistas do vídeo se destacam em relação a quantidade de vezes que se repetem. Fãs e defensores do Felipe Neto e do MC Biel comentam ofensas trocadas ou discursos em defesa da postura e da personalidade de cada artista. Destaca-se que para exaltar um denegra-se o outro. Em outras palavras, as manifestações dos seguidores objetivam não enaltecer seu artista de preferência, mas sim rebaixar e causar desconforto nos fãs daquele que se é contra. Observando-se somente essa natureza de comentários, a discussão em relação à polêmica do assédio assume caráter secundário. A proposta deixa de ser debater uma questão contemporaneamente destacada por diversos veículos midiáticos e passa a ser uma guerra entre admiradores das celebridades envolvidas. O propósito que inicia a postagem se perde da mesma forma que a argumentação do youtuber ao longo de sua fala no vídeo: o conteúdo caminha de uma apresentação e crítica de comportamentos repudiados pela sociedade para um ataque pessoal assim como as respostas ao vídeo. 5.2 Concordância com o discurso apesar de não aprovar Felipe Neto Uma das principais características do youtuber é nutrir um grupo de seguidores contrários a ele, os chamados haters14. Desta forma, a natureza de resposta deste tópico destaca-se não só pela repetição e corroboração de outros usuários da rede, mas pela negociação de valores que acontece. Neste caso, o comentarista claramente se posiciona contra a postura habitual de Felipe Neto, mas concorda, defende e assume como seu o discurso proferido especificamente no vídeo “Biel”. A concessão que acontece revela um aspecto contrário ao evidenciado no tópico 5.1: esses comentaristas valorizam a argumentação construída pelo youtuber, seja sobre a polêmica de fato ou pelo ataque ao MC. Destaca-se aqui a estrutura discursiva dos comentários, que primeiramente ofendem, minimizam e denigrem a imagem de

14 BERTOLIN,

J. Eu, internauta, confesso! Aplicando Freud e Foucault para pensar recalques e revelações obscuras de si em comentários de internet. Temática. Ano XII, n. 02, fev 2016.

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Felipe Neto, mas o exaltam e corroboram com seu posicionamento na discussão em questão na postagem. Essas respostas também trazem outro ponto de observação: a união de pessoas que não gostam somente do cantor com o de ambos os protagonistas da polêmica para enaltecer a fala de Felipe e aproveitar da abertura de discussão proporcionada pelo ator para realizarem essa negociação de princípios. 5.3 Apropriação do discurso de Felipe Neto O vídeo apresenta uma disparidade relevante entre a ferramenta de likes disponibilizadas pela própria plataforma do YouTube. A aderência à opção positiva em relação à postagem destaca-se frente à negativa, superando-a em quase vinte e cinco vezes15. A partir disso pode-se considerar uma aceitação e reconhecimento da fala de Felipe Neto. Para corroborar com esse aspecto, evidencia-se a existência de um grande volume de comentários que assumem claramente para si a postura e a argumentação do youtuber. A aparição pertinente de respostas dessa natureza revela uma legitimação da postura de Felipe Neto e de sua argumentação com relação não só ao caso mas também com os detalhes que perpassam a discussão do vídeo. Os comentaristas ao elegerem o youtuber como representante do seu ponto de vista por meio tanto dos comentários quanto dos likes na postagem revelam a característica que Felipe Neto começa a assumir na sociedade contemporânea: o de formador de opinião e influenciador social. 5.4 Inscrição no canal após o vídeo O envolvimento de Felipe Neto na discussão sobre a acusação de assédio contra o cantor pode ser considerado como um dos momentos que geraram mais repercussão ao youtuber desde os vídeos que deram o primeiro impacto de visibilidade da sua carreira na plataforma em 2010. Com mais de sete milhões de visualizações no YouTube e linkagens em outras mídias digitais, o vídeo deu a Felipe uma notoriedade em discussões contemporâneas de caráter sociopolítico, no caso questões feministas e que firam a integridade física, psicológica, emocional e moral das mulheres. O youtuber diz em seus vídeos e postagens em sites de rede social ter entrado em uma nova fase de sua carreira e de seus pensamentos e posicionamentos sociais, principalmente. Com a premissa da proposta de melhora política de suas falas e críticas, podese considerar o vídeo “Biel” como um divisor temporal e de discurso. Afirma-se isso com base na repetição elevada de comentários onde os usuários da rede revelam que após assistir àquele conteúdo se renderam à proposta de Felipe Neto e se inscreveram no canal do youtuber a fim de continuar a consumir suas postagens. Pode-se, então,

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Com relação a dados coletados em agosto de 2016. 9

inferir que ao posicionar-se nessa polêmica, mesmo que gerando outras discussões acerca da rivalidade gerada entre os protagonistas, e ainda seguindo o padrão crítico proposto para o “Não Faz Sentido”, o ator consegue persuadir o público a seu favor. 5.5 Argumentação negativa com relação à quantidade de deslikes A disparidade entre likes e deslikes na postagem é grande, sendo a maioria em prol do vídeo. Porém, a quantidade de repostas contrárias nesse mecanismo do YouTube é repreendida pelos comentaristas. Os usuários mostram-se surpresos com o volume de reações negativas, mesmo que o das positivas sejam maior. A repetição dessa natureza de comentários aponta para uma indignação do público e para o reconhecimento do posicionamento de Felipe Neto como correto. Entretanto, apesar da validação dos argumentos proferidos pelo youtuber, há uma controvérsia nos comentários relacionados aos deslikes. Os comentaristas atribuem essa reação negativa às fãs do MC Biel usando de discursos pejorativos, ofensivos e depreciativos. Esta postura mostra-se contraditória no contexto em que o vídeo foi produzido, uma vez que vai contra justamente ao assédio e abuso com relação a mulheres. Com palavras chulas e que farem referências de cunho sexual, as respostas ao mesmo tempo que repreendem a reação negativa, defendendo o posicionamento de Felipe contra o assédio a mulheres, pratica o que é condenado no vídeo. 6 Considerações Finais Sob olhares dos estudos de recepção, atravessamentos sociais e das discussões geradas sobre o assunto em outras mídias, pode-se afirmar que há uma negociação de valores e a formulação de opiniões a partir da fala do youtuber. Felipe Neto não é, de fato, especialista em nenhum dos pontos apresentados no vídeo ou em nenhuma das discussões por ele geradas. A ciberdemocracia e todas as ferramentas proporcionadas tantos por novas tecnologias e pela própria Web 2.0 facilitam e expõem a possibilidade de que cada usuário da rede possa de fato fazer parte não só de interações e trocas de informação mas também de produção de conteúdo. Entretanto, há de se salientar que a participação aberta também possibilita a proliferação de conteúdo com base argumentativa duvidosa, informações erradas, discursos de ódio, distorções e apropriações inadequadas justamente por não ser necessária nenhuma qualificação para a postagem na web. No caso de Felipe Neto, por se propor a comentar e construir opiniões e ter se estabelecido na sociedade midiatizada como emissor de discursos polêmicos e severamente críticos, acaba por se inserir nos embates midiáticos acerca de assuntos que recebem destaque na sociedade e ser legitimado como formador de opinião e influenciador. Para aplicar estudos de recepção para o meio virtual não pode-se considerar a internet como algo homogêneo.

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[...] é pertinente aos pesquisadores da recepção refletir sobre a internet em suas múltiplas dimensões, partindo da sua concepção como um ambiente comunicacional que permite a produção, circulação e troca de conteúdos e informações, a aproximação entre diferentes formatos e lógicas de mídias, a interação interpessoal e o diálogo, o estabelecimento de vínculos, a construção de projeções das identidades de seus usuários, a configuração de uma memória compartilhada, o estabelecimento de lógicas colaborativas (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 12).

Como afirmam Cogo e Brignol (2010), há muitos fatores imbricados quando trata-se do ambiente on-line por conta da amplitude tanto temporal quando espacial que proporciona aos usuários. Desta forma, vale exaltar que “em função da impossibilidade de tratar da internet de forma homogênea, precisamos entendê-la como um ambiente comunicacional que combina elementos, processos e lógicas diversos” (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 10). As possibilidades da web em termos de pesquisa ao mesmo tempo que maximizam as análises e abrem caminhos de pesquisa, dificultam recortes e compreensões de processos devido justamente à variedade de fatores envolvidos, como corroboram as autoras (2010): Poderíamos falar de várias internets com características diferentes, que combinam apropriações que se aproximam da lógica midiática, às vezes muito próxima às mídias tradicionais, e outras que se relacionam a um meio de comunicação interpessoal, pelo seu caráter interacional (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 10, grifo original).

Questões éticas, contexto e oportunidades de visibilidade atravessam esse tipo de postagem e é complexo rotular o que de fato acontece para que tais postagens ocorram. Uma possibilidade de análise é de que esses fatores estão interligados na dinâmica ditada pela sociedade midiatizada e celebritizada, bem como a própria lógica de trabalho assumida pelo youtuber e pela plataforma. Uma vez que um usuário da rede se propõe a alimentar uma fonte de conteúdo e torna-se uma celebridade, a própria sociedade que o legitima espera que haja seu posicionamento e sua participação no que perpassa discussões que ganham destaque midiático. Ou seja, espera-se que tenham opinião publicamente compartilhada a todo momento. A valorização do posicionamento de celebridades, o destaque e a espera pelo seu ponto de vista é uma das representações da equiparação de ponto de vista e da argumentação de web celebridades a especialistas acerca das discussões em destaque. A sociedade contemporânea começa a apontar caminhos para uma redefinição de modelos, ícones, parâmetros e referências, não no que diz respeito a qualidade artísticas ou relevância dos produtos culturais com os quais as celebridades se relacionam, mas sim do destaque que assumem em assuntos e polêmicas sociopolíticas que compõem o cotidiano. Referências BARABÁSI, A. Linked: a nova ciência dos networks. São Paulo: Leopardo, 2009.

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BOYKOFF, M. T.; GOODMAN, M. K. Conspicuous redemption?: Reflections on the promises and perils of the ‘celebritization’ of climate change. Geoforum, v. 40, 2009, p. 395-406 COGO, D; BRIGNOL,L. D. Redes sociais e os estudos de recepção na inteRnet. Compós. Rio de Janeiro, 2010. DE MORAES, D. A tirania do fugaz: mercantilização cultural e saturação midiática. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006. DI FELICE, M. Das tecnologias da democracia para as tecnologias da colaboração. In: DI FELICE, M (org). Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão, 2008. DRIESSENS, O. A celebritização da sociedade e da cultura: entendendo a dinâmica estrutural da cultura da celebridade. International Journal of Cultural Studies, Journal Title (16, 6); pp. 641-657, 2012. KEEN, A. O culto do amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. LEMOS, A. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, A; CUNHA, P (org.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. ______ ; LÉVY, P. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. LEWIS, T. Branding, celebritization and the lifestyle expert. Cultural Studies, v. 24, n. 4, 2010, p. 580-598. MOTTA, B; BITTENCOURT, M; VIANA, P; A influência de Youtubers no processo de decisão dos espectadores: uma análise no segmento de beleza, games e ideologia. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação - Ecompós, Brasília, v.17, n.3, set./dez. 2014. Autores Paula Fernandes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem como principal área de interesse pesquisas envolvendo estudos culturais online, cibercultura (como consumo e produção colaborativa), redes sociais e seus desdobramentos, cultura pop contemporânea e interferências de novas formas de comunicação no cotidiano da sociedade como um todo, fãs e sua importânica no cenário atual e celebridades e suas interações virtuais. E-mail: [email protected] Joana d’Arc de Nantes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem

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interesse nas seguintes áreas de pesquisa: estudos culturais; recepção; telenovela; cultura fã; dentre outros temas. E-mail: [email protected]

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