Poliamor: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis das uniões poliafetivas

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Família de ontem e de hoje: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis do Poliamor Anderson S. Passos1

Artigo originariamente publicado (em meio impresso) na Revista Letras Jurídicas, Ano 52, dezembro 2014, pág. 50-62, ISSN 2178- 3322.

Sugestão de citação: PASSOS, Anderson. Família de ontem e de hoje: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis do Poliamor. Letras Jurídicas, Maceió, Ano 52, n.º 1, págs. 50-62, dez. 2014.

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 Juiz de Direito no Estado de Alagoas-Brasil; Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Pós-Graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Ciências Jurídico-Política - Menção em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, Portugal; Visitor researcher ERASMUS + na Universidade de Roma I "La Sapienza", Itália (2015); Visiting Scholar no Instituto Max Plank para o Direito Público Comparado e Direito Internacional, em Heidelberg, Alemanha (2015); Professor na Faculdade de Direito do Agreste do CESMAC/AL

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0. Introdução. O presente trabalho busca falar sobre um tema intrigante: a família e sua evolução. Tal discussão causa severas polêmicas, justamente porque todos os aspectos ligados à família são, na verdade, reflexos da cultura humana. Assim, pensar em mudanças naquilo que se compreende por família não é fácil. Contudo, a realidade contemporânea demonstra que as transformações neste tema são evidentes, não podendo o jurista as ignorar. A abertura para novos modelos de arranjo familiar, diversos da clássica família patriarcal, heterossexual e monogâmica é um fenômeno sem volta. Veja-se o reconhecimento, cada vez maior, de famílias homoafetivas por diversos ordenamentos jurídicos. Neste diapasão, entrará em debate o poliamor e a possibilidade de se identificar um novo modelo de arranjo conjugal: a família poliafetiva.2

1. Família: um conceito em evolução. Falar em família não é algo simples. A evolução deste conceito se confunde com a própria evolução da humanidade e o seu desenvolvimento. A ideia que se tem hoje do que é família não corresponde ao modelo que existiu séculos atrás. Pode-se encontrar inúmeros formatos familiares que foram evoluindo e modificando-se, até se chegar ao desenho atual. Da mesma forma, o modelo de família

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A análise de um tema como o presente deve ser feita sob a perspectiva da tolerância e do respeito às minorias. Não é porque um determinado modelo jurídico não serve para a maior parte da população que ele deve ser simplesmente ignorado pelos juristas. O que se busca aqui é justamente estudar estas intricadas e “atípicas” relações familiares, mas que são cada vez mais comuns na realidade forence.

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então firmado não é estático. Ele continua a evoluir e a modificar-se continuamente. A “família do futuro” certamente será diferente da que temos hoje. 3 Neste mesmo sentido, Friedrich Engels, a partir dos estudos de Lewis Morgam, afirma que “a família é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior para uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um degrau mais baixo para outro mais elevado.”4 Assim, percebe-se que a configuração da família atual resultou de um longo processo histórico, influenciada por fatores geográficos, sociais, culturais e religiosos. Neste sentido, o próprio Friedrich Engels apresenta as seguintes formas históricas de família5: a) Família consanguínea (casamento entre irmãos e irmãs, carnais e colaterais, no seio de um grupo); b) Família punaluana (casamento coletivo de grupos); c) Família sindiásmica (proibição do incesto. A mulher é monogâmica, mas o homem é poligâmico. A mulher com mais poder seio familiar); d) Família monogâmica (união de um só casal, com coabitação exclusiva dos cônjuges. Prevalência do poder masculino).6 Percebe-se, em síntese, que nos tempos remotos a humanidade foi marcada pelos relacionamentos por grupos, motivados tanto pela escassez do sexo oposto dentro das tribos, quanto pela cultura existente no seio de cada grupo humano primitivo.7 Das antigas práticas que ampliavam os círculos familiares e que eram baseadas na poligamia 3

Como exemplo, Paulo Nader apresenta três grupos básicos de agrupamento humano desde os primórdios da civilização. Diz o referido autor que “no que concerne à primitiva forma de convivência humana, predomina o entendimento segundo o qual a horda, o matriarcado e o patriarcado foram sucessivamente, as três fases iniciais, não obstante a doutrina tradicional, fundada em fontes bíblicas, indique o patriarcado como a primeira etapa. A horda se caracterizaria pela vida nômade do grupo, onde imperava o regime da promiscuidade, com os indivíduos se dedicando à caça e à pesca e sem regras predeterminadas de convivência. Abandonando o nomadismo, os homens passaram a trabalhar na agricultura, originando-se a fase do matriarcado, pela qual o parentesco se definia pela mulher e já não se adotavam práticas promíscuas. Foi Bachofen, em 1961, em seu livro Matriarcado, quem apresentou estudo sistemático sobre a etapa. Na observação de Del Vecchio, com o matriarcado, a mulher não assumiu a hegemonia política, mas apenas a condição de centro da família pela designação do parentesco. Em fase histórica subsequente o homem assumiu a chefia da família e passou a ser o elemento de referência na definição do parentesco. Era o patriarcado.” In NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 92. 4

ENGELS, Frederick. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1984, pág. 30. 5

encontramo-nos diante de uma série de famílias que estão em contradição direta com as até agora admitidas como as únicas válidas. A concepção tradicional conhece apenas a monogamia, ao lado da poligamia de um homem e talvez da poliandria de uma mulher, silenciando -como convém ao filisteu moralizante- sobre o fato de que na prática aquelas barreiras impostas pela sociedade oficial são tácita e inescrupulosamente transgredidas. ENGELS, Ob. Cit., p. 31. 6

Ibid., p.31

7Ibid.,

p.34.

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e na poliandria, Engels afirma que as constantes transformações que se seguiram na sociedade determinaram a chegada à monogamia, predominante atualmente.8

2. A família homoafetiva. Justamente sob a perspectiva da citada evolução do conceito de família, o final do século XX e a primeira década deste século XXI caracterizaram-se pela luta de movimentos sociais em busca do reconhecimento jurídico das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Neste caminho, e geralmente após um longo processo de amadurecimento e debates sociais, inúmeros países9 já reconhecem uma outra espécie de família: a homoafetiva. Em Portugal, o reconhecimento das uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo ocorreu através da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.10 Em sucessivo, já em 2010, a Lei nº 9/2010 alterou dispositivos do Código Civil português, autorizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Neste sentido, a redação atual do artigo 1577 do Código Civil lusitano afirma que “casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.” Entretanto, Portugal não concede o direito de adoção aos casais homoafetivos.11 Já no caso brasileiro, o primeiro detalhe a se destacar é que, diferentemente de Portugal (e inúmeros outros países), ainda não existe uma legislação expressa que tutele a constituição de uniões estáveis ou casamentos homoafetivos. Todo o processo de reconhecimento das uniões homoafetivas no Brasil foi desenvolvido pela jurisprudência. A discussão resvalou no âmbito judicial em razão de inúmeros processos nos quais os “parceiros homoafetivos” pugnavam por direitos próprios das uniões estáveis heteroafetivas, tais como a concessão de alimentos, direitos sucessórios, partilha de bens constituídos em conjunto, direitos previdenciários, etc. Assim, várias ações 8Ibid.,

p.33.

9 Atualmente,

aproximadamente dezenove países já permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dentre eles pode-se citar: Países Baixos, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal, Islândia, Argentina, Dinamarca, Uruguai, Nova Zelândia, França e Brasil. 10 Vide

o art. 7º da Lei portuguesa n.º 7, de 11 de Maio de 2001.

11 Vide

o art. 3.º da Lei portuguesa n.º 9/2010, de 31 de Maio.

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judiciais foram movidas na primeira instância, havendo decisões favoráveis ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Em sucessivo e com o objetivo de uniformizar a interpretação judicial sobre o tema, duas ações foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro: a primeira foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, impetrada pelo Procurador-Geral da República, objetivando o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas como entidades familiares, e a consequente igualdade de direitos entre as uniões estáveis heterossexuais e homossexuais. Já a segunda foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132, proposta pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, o qual, fundamentando-se nos princípios da isonomia, liberdade e dignidade da pessoa humana, pugnou pela extensão do regime jurídico previsto no art. 1.723 do Código Civil brasileiro às uniões homoafetivas. Em resumo, as questões levantadas nas ações judiciais tinham como objetivo ampliar a interpretação do Art. 1.723 do Código Civil brasileiro, 12 de modo a permitir o reconhecimento de uniões homoafetivas como entidades familiares. Além do mais, as ações questionavam qual a interpretação a ser efetuada em face do artigo 226, § 3º da Constituição Federal brasileira,13 buscando-se saber se a norma permitiria a inclusão das uniões homoafetivas no conceito de uniões estáveis. O que se percebe claramente é que ambos os artigos (Art. 1.723 do Código Civil brasileiro e art. 226, § 3º da Constituição Federal brasileira) falam expressamente em união estável entre o homem e a mulher. Entretanto, isso impediria o reconhecimento de uniões estáveis entre homem e homem ou entre mulher e mulher? Foi sobre esse questionamento que o Supremo Tribunal Federal se debruçou. Assim, após um longo trâmite processual, os Ministros do Supremo Tribunal Federal acompanharam o voto do Relator Ministro Ayres Britto, e decidiram, por unanimidade, pela procedência das ações no sentido de conferir interpretação conforme à Constituição, excluindo qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil brasileiro que pudesse impedir o reconhecimento das uniões homoafetivas como

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Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 13

CFRB – Art. 226, § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

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entidades familiares. Tal decisão teve (e tem) evento vinculante, obrigando o reconhecimento por todos os juízes e órgãos da administração púbica brasileira. Importante citar os termos do voto do relator – Ministro Ayres Brito, o qual afirmou: “E, desde logo, verbalizo que merecem guarida os pedidos formulados pelos requerentes de ambas as ações. Pedido de ‘interpretação conforme à Constituição’ do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do Código Civil), porquanto nela mesma, Constituição, é que se encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não-clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família (…) pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como 'entidade familiar', entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”14 Assim, o Supremo Tribunal Federal brasileiro reconheceu a extensão do conceito de família, passando as uniões homoafetivas a integra-lo, mesmo diante da ausência expressa de leis que reconheçam as uniões entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Para o STF, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana possuem supremacia no ordenamento jurídico, devendo ser observados, especialmente, nos casos de ausência ou lacuna na lei,15 como no presente caso. Em suma, a Corte Constitucional brasileira chegou à conclusão de que se duas pessoas mantêm uma relação duradoura, pública e contínua (semelhante a um casamento), independentemente do sexo biológico a que pertençam, formam um núcleo familiar (união estável), com todos os direitos próprios a tal entidade jurídica. Ademais, um outro passo ainda foi completado. Após a histórica decisão do STF que reconheceu as uniões homoafetivas como espécies de união estável, conferindo-lhes todos os direitos desta última (inclusive direito à adoção) um outro questionamento doutrinário foi levantado pelos estudiosos: poderia a união estável homoafetiva ser

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Vide voto do Ministro Carlos Ayres Britto, no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277revisado.pdf. 15O

artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n.o 4657/42) diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

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convertida em casamento? ou seja, poderia haver casamento civil entre pessoas do mesmo sexo? O Supremo Tribunal Federal não se pronunciou (expressamente) no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 sobre a possibilidade da celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo (as ação discutiam apenas a constituição de uniões estáveis), o que manteve a dúvida quanto a esta última questão. Ademais, como no Brasil a habilitação para o casamento civil é um processo que se realiza em Cartório de Registro Civil, sob o controle do Ministério Público e do Magistrado, as conclusões sobre o tema foram bastante diversas, com alguns Juízes admitindo o casamento civil homoafetivo e outros negando a realização. Diante da divergência de interpretação, as Corregedorias de 12 (doze) Tribunais de Justiça Estaduais16 editaram resoluções determinando que os Cartórios de Registro Civil aceitassem a habilitação de casamento por casais homoafetivos. Já os demais Tribunais de Justiça foram silentes sobre o tema. Desta feita, o quadro de insegurança se mantinha, posto que em alguns Estados poderia haver casamentos homoafetivos e em outros não. Contudo, objetivando de superar a insegurança jurídica gerada, no dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça brasileiro, com 14 (catorze) votos à favor e apenas 1 (um) contra, aprovou a Resolução n.º 175, a qual proibiu às autoridades competentes a recusa à habilitação, à celebração de casamento civil ou à conversão de união estável em casamento, envolvendo pessoas do mesmo sexo.17 Neste quadro, a resolução do CNJ conferiu o direito ao casamento civil aos casais homoafetivos, nas mesmas condições e circunstâncias dos casais heteroafetivos. Segundo o CNJ, no primeiro ano de vigência da Resolução n.º 175, mais de 1.000 (mil) casamentos homoafetivos foram celebrados no Brasil18.

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No Brasil, os Cartórios de Registro Civil são órgãos extra-judiciais, entretanto, estão vinculados administrativamente aos Tribunais de Justiça de cada Estado. 17

Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 175 de 14 de maio de 2013. Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1o implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. 18

http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28530-um-ano-apos-resolucao-do-casamento-gay-chega-a-1000-onumero-de-unioes-entre-pessoas-do-mesmo-sexo

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3. Novas formas de família: O poliamor. Neste ponto e após constatar-se que o conceito de família é algo mutante, que evoluiu (e ainda evolui) através dos tempos, e ainda depois de se ter percebido que, recentemente, muitos sistemas jurídicos passaram a aceitar as uniões entre pessoas do mesmo sexo como espécies legítimas de família (inclusive admitindo o casamento homoafetivo), deve-se questionar se outras formas de “arranjos sentimentais” podem também ser consideradas como entidades familiares e se estariam aptas (ou não) a receber proteção jurídica respectiva. Como bem afirma Maria Berenice Dias, “as relações familiares são as mais sujeitas a mutações, pois regidas por costumes que se alteram cada vez em maior velocidade.”19 20 É justamente sob esta perspectiva que se deve estudar o “recente” fenômeno do poliamor e a respectiva repercussão no âmbito judicial. A palavra poliamor (do grego poli, que se refere a vários, e do latim amor,) é um neologismo que significa manter, simultaneamente, mais de uma relação íntima, amorosa, sexual, durável e com o pleno conhecimento e consentimento de todos os envolvidos. O Oxford Dictionary de língua inglesa, define a palavra Polyamory como sendo: “The practice of engaging in multiple sexual relationships with the consent of all the people involved.” 21 Daniel Cardoso, em dissertação de mestrado apresentada na Universidade Nova de Lisboa, afirma que “de acordo com Meg Barker, a maior parte das definições

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DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça!: as pioneiras decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconhecem direitos às uniões homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 12-13. 20

Segundo Maria Berenice dias, “o gradual afastamento da sociedade da moral judaico-cristã rompeu o modelo conservador da família, que dispunha de um perfil patriarcal, hierarquizado, patrimonial, matrimonializado e heterossexual. A revolução feminista, bem como o surgimento dos métodos contraceptivos e de reprodução assistida, produziu profundas alterações na estrutura familiar. O desafio foi abandonar o tradicional conceito de família, identificado exclusivamente com o casamento, e encontrar novos referenciais, para albergar as organizações que se formaram fora do laço da oficialidade. O comprometimento mútuo decorrente de um elo de afetividade levou a doutrina a chamar de família a multiplicidade de vínculos que se identificam pelo afeto.” Ibiden p. 12/13. 21

http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/polyamory?q=polyamory

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correntes [do poliamor] ‘incluem a noção de que é possível manter múltiplas relações amorosas e desejável ser-se aberto e honesto dentro destas relações.”22 23 Em suma, pode-se definir o poliamor como sendo uma relação conjugal envolvendo simultaneamente mais de duas pessoas, de forma consensual, e onde os envolvidos vivem como uma única família, em comunhão plena de vidas. Ou seja, os requisitos básicos para a configuração de uma união poliafetiva são os seguintes: a) convivência conjugal entre mais de duas pessoas; b) que a convivência seja pública, contínua e duradoura; c) que seja consensual e admitida por todos os envolvidos; e d) que haja o objetivo de constituir família (affectio maritalis). Assim, percebe-se que o poliamor é uma nova forma de “arranjo conjugal” não se confundindo com outros modelos então existentes. Deste modo, é importante, desde logo, diferenciar o conceito de poliamor daquilo que se conhece como poligamia e como famílias paralelas. O conceito de poligamia está associado ao homem que possui mais de uma esposa (poliginia) ou à mulher que possui mais de um esposo (poliandria).24 A maioria das manifestações poligâmicas ocorrem na modalidade poliginia, sendo mais raros os casos de poliandria.25 Exemplos de poligamia são encontrados em várias sociedades, sobretudo naquelas de orientação religiosa muçulmana. O Alcorão (livro sagrado do Islão) permite que o homem possua até quatro cônjuges. Tal ideia foi incorporada por várias legislações de Estados islâmicos, o quais admitem a poligamia masculina e, na maioria dos casos, também estabeleceram o limite de quatro esposas por homem.

22CARDOSO,

Daniel dos Santos. Amando vári@s - Individualização, redes, ética e poliamor (Tese de Mestrado em Ciências da Comunicação). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010. 23

Cardoso afirma que “academicamente, Haritaworn et alia definem poliamor como ‘a suposição [assumption] de que é possível, válido e valioso [worthwhile] manter relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais do que uma pessoa’. Ritchie & Barker apontam o poliamor como uma ‘narrativa sexual emergente’, que tem que contender com a mono-normatividade associada à hetero-normatividade vigente. Ibiden. 24

Para aprofundar no assunto, veja-se DEMARTINS, Lucia. Compêndio de Sociologia, Edições 70, Lisboa, 2006, pp. 139-141. 25

A poligamia é o gênero, sendo a poliginia e a poliandria espécies deste gênero. Neste sentido manifesta-se Anthony Giddens, in GIDDENS, Anthony. Sociologia, 5ª edição, F. C. Gulbenkian, 2007, Lisboa, pág. 175

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Contudo, deve-se observar que na poligamia (em sua manifestação mais comum, a poliginia) cabe apenas ao homem escolher as suas esposas, independentemente da vontade e aceitação daquela(as) que já é (são) esposa(s). A esposa antiga não pode se opor à inclusão de uma nova esposa no “conjunto familiar”, cabendo àquela apenas aceitar a vontade do marido. Na poligamia, em regra, não existe uma relação circular (envolvimento amoroso recíproco entre todos os envolvidos), mas sim um centro de “poder" (o homem, no caso) que pode estabelecer múltiplas relações simultâneas independentemente da aceitação dos demais envolvidos. Em suma, a poligamia masculina (poliginia) reflete uma orientação claramente patriarcal e machista, estando o homem numa posição desigual e superior em face das mulheres. Por outro lado, quando se fala em poliamor, a aceitação de todos os parceiros é essencial, sendo um conjunto de relações consensuais e simultâneas entre todos os “participantes”. É uma relação essencialmente circular, onde todos os envolvidos aceitam-se reciprocamente e convivem coletivamente, por vontade própria e livre, com affectio maritalis. Assim, no poliamor reflete-se a ideia de cumplicidade, igualdade e concordância, diferenciando-se claramente da poligamia. Também deve-se separar o conceito de poliamor daquilo que a doutrina brasileira chama de famílias paralelas. Nestas últimas, um dos cônjuges possui uma outra unidade familiar em concorrência, sem o conhecimento do parceiro, ou, quando este sabe, não concorda com a existência desta outra família. É o caso clássico do homem casado que possui uma amante. Esta segunda relação pode durar anos sem que a esposa saiba da existência dessa outra família, ou, mesmo sabendo, a esposa opõe-se veementemente a esta outra relação. Como refere-se Fabrício Terra de Azevedo, tratando do tema no direito brasileiro, “dá-se a situação de família paralela, quer na constância de um casamento, quer na de uma união estável, se o cônjuge ou companheiro mantém, simultaneamente, outro relacionamento de feições conjugais, ao arrepio da monogamia. 26 A existência de uma família paralela, quando ignorada por alguns dos cônjuges, constitui violação ao dever de fidelidade imposto aos casados e aos companheiros (arts.

26AZEVEDO,

Fabrício Terra de. Relações poligâmicas consentidas: seu reconhecimento como entidade familiar. (Monografia de Especialização em Direito para a Carreira da Magistratura) Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2009.

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1.566, inc. I, e 1.727, ambos do Código Civil), e é, também, de modo mais amplo, violação ao princípio da boa-fé objetiva – que informa todo o Código Civil –para com os membros de ambas as famílias.27 Em todo caso, percebe-se que o conceito de família paralela é totalmente diverso da ideia do poliamor. No primeiro caso evidencia-se a traição, a ocultação e a dissimulação. Um dos cônjuges é enganado e atingido em sua dignidade (pela traição), havendo lesão ao dever jurídico de fidelidade. Por outro lado, no poliamor todos se conhecem, todos partilham uma mesma família (na maioria das vezes partilham uma mesma casa) e se envolvem reciprocamente de forma livre e consensual. Atualmente, tem-se observado um crescimento do número de relações poliafetivas no mundo inteiro, inclusive no Brasil e em Portugal. O Canadá é reconhecido como o país com o maior número de adeptos do poliamor, existindo até associações que buscam a legalização da prática.28 Em Portugal, há uma organização civil chamada PolyPortugal, que tem por objetivo discutir o tema e esclarecer a sociedade sobre a prática poliafetiva.

4. Das uniões poliafetivas como entidades familiares A discussão que se desenvolve agora é saber se as uniões poliafetivas podem (ou não) ser enquadradas como entidades familiares, assim como as uniões homoafetivas o foram. Neste sentido, no Brasil já houve o registro, em escritura pública, de uma união poliafetiva. O caso aconteceu na cidade de Tupã-SP, onde um homem e duas mulheres compareceram ao cartório afirmando o desejo de registrar, em escritura, que conviviam todos em união de fato simultânea.29

27AZEVEDO, 28Como

Ob. Cit.

exemplo, pode ser citada a Canadian Polyamory Advocacy Association (http://polyadvocacy.ca).

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Segundo o texto da referida escritura pública, “os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.” Tal frase (extraída da “Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva”) resume bem a intenção dos envolvidos: tornar pública uma relação que consideram familiar e de união estável, tratar dos direitos, deveres, patrimônio e efeitos jurídicos presentes e em caso de eventual dissolução.

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A questão que se apresenta é a seguinte: será que uma “Escritura Pública Declaratória de União Poliafetiva” possui algum efeito jurídico? ou seja, deve-se reconhecer como juridicamente possível a existência de um novo tipo de arranjo familiar: a família poliafetiva? Do ponto de vista legal, nota-se, inicialmente, que a legislação civil veda a formação de uma união estável ou um casamento entre mais de duas pessoas. Neste sentido o Art. 1.723 do Código Civil brasileiro diz que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher”. Em Portugal, a Lei nº 23/2010 diz que “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.” Assim, analisando a letra fria da Lei, não se poderia reconhecer legitimidade jurídica às uniões poliafetivas. Contudo, a ideia que se tem no presente trabalho é de que a abertura efetuada pelo STF brasileiro na interpretação da Constituição Federal de 1988 para autorizar o reconhecimento de uniões estáveis homoafetivas, permitiu, da mesma forma, o reconhecimento jurídico das uniões estáveis poliafetivas no Brasil. A partir do momento em que o STF brasileiro disse que a expressão “homem e mulher” prevista na Constituição não impede o reconhecimento de outras formas de uniões afetivas, esta decisão deve ser interpretada como uma verdadeira “abertura” do sistema jurídico, a permitir a configuração de relações conjugais poliafetivas. Diz-se isto porque os mesmos fundamentos e pressupostos axiológicos manejados pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro são aplicáveis a ambas as situações, ou seja, união homoafetiva e união poliafetiva, com base nos diversos princípios jurídicos que adiante serão analisados.

4.1- Princípio da Igualdade. 30 A igualdade constitui o signo fundamental da democracia, não admitindo privilégios e distinções arbitrárias.

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Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5. Caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. Constituição da República Portuguesa Art. 9. São tarefas fundamentais do Estado: d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses (...)

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Não pode o Estado estabelecer distinções injustificadas entre os indivíduos, como se houvessem cidadãos de categorias inferiores. As leis não podem estabelecer discriminações por “classes de pessoas” em razão da cor da pele, condição econômica, gênero ou opção sexual, sob pena de atingir frontalmente o princípio da igualdade. Note-se que o texto constitucional brasileiro refere-se expressamente, no artigo 226 parágrafo 3º, que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”. Uma primeira leitura poderia indicar a proibição da formação de uniões estáveis com uma configuração diversa de “homem x mulher”. Contudo, como bem explana George Marmelstein “uma leitura rápida desse trecho da Constituição poderia induzir o leitor a pensar que as relações entre pessoas do mesmo sexo não foram protegidas pelo constituinte, e, portanto, podem ser proibidas.”31 Entretanto, o próprio Marmelstein desenvolve o raciocínio, afirmando que:

basta analisar atentamente o referido dispositivo para perceber que a norma constitucional, considerada em si mesma, não proíbe as relações entre pessoas do mesmo sexo, nem mesmo autoriza a discriminação negativa em relação a essas pessoas. A norma apenas prevê uma discriminação positiva para o casal formado por homem e mulher.”32

Partindo deste mesmo raciocínio, a norma não proíbe a existências de relações homoafetivas, tampouco de uniões poliafetivas. Ayres Britto, em seu voto no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, diz que:

o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. É como dizer: o que se tem no dispositivo constitucional é a

31MARMELSTEIN,

George. Curso de Direitos Fundamentais. 3ª. Edição, São Paulo : Atlas, 2011, pág.

85/86. 32Ibiden

p. 85/86.

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explícita vedação de tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos 33

Veja-se, não obstante as argumentações aqui citadas serem referentes à possibilidade de uniões estáveis homem x homem e mulher x mulher (mesmo a Constituição Federal brasileira falando apenas em uniões homem x mulher), os fundamentos são plenamente aplicáveis ao reconhecimento de uniões poliafetivas homem x mulher x homem ou mulher x homem x mulher 34, por exemplo, com base no princípio da igualdade. A abertura criada pela jurisprudência foi ampla. Cabe ainda destacar que a perspectiva do princípio da igualdade também é importante para fundamentar a necessidade do reconhecimento de uniões poliafetivas quanto aos direitos sucessórios, partilha de bens em caso de dissolução da união estável e o direito à percepção de alimentos. Veja-se o seguinte exemplo. Imaginemos que três pessoas (um homem e duas mulheres, por exemplo) convivam amorosamente durante trinta anos. Todos moram na mesma residência, partilham a mesma cama, criam filhos em conjunto, e constroem um patrimônio juntos, adquirindo imóveis e veículos. Pois bem, após todo este período convivendo como se fossem “uma única família”, imaginemos que o homem venha a falecer. Nesta situação, como ficaria a partilha dos bens? e os direitos previdenciários (pensão por morte)? Aplicando-se o entendimento clássico, entender-se-ia pela impossibilidade do reconhecimento de uma união estável envolvendo os três conviventes, com base na interpretação literal do art. 1723 do Código Civil brasileiro. Assim, caberia ao Juiz a árdua (e às vezes impossível) missão de definir qual das duas mulheres sobreviventes poderia ser considerada companheira do de cujus e qual seria reconhecida apenas como mera concubina35 .

33Vide

voto do Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277revisado.pdf. 34

Obviamente que as uniões poliafetivas podem ainda ter outros formatos diversos, tais como homem x homem x homem ou mulher x mulher x mulher, por exemplo. O seu ponto distintivo é a união de mais de duas pessoas, independentemente do gênero e do número. 35Código

Civil brasileiro - Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

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Após isto, chegar-se-ia à conclusão de que apenas uma delas (a que foi considerada companheira) teria direito à meação dos bens adquiridos durante a convivência, de modo que a outra, uma vez que considerada mera concubina, nada receberia dos bens que ajudou a construir, não sendo válida, sequer, eventual nomeação desta como herdeira ou legatária pelo de cujus.36 Da mesma forma, apenas aquela mulher que foi considerada companheira teria direito a receber pensão por morte (direito previdenciário) do falecido, ficando a outra completamente desguarnecida ante a impossibilidade de receber qualquer parcela a título de pensão por morte do de cujus. Veja-se que tal solução (que é a classicamente prevista no direito civil) é totalmente descabida numa relação poliamorosa, na qual todos os três envolvidos (como no exemplo apresentado) viviam juntos há vários anos, de forma consensual, e constituíram uma única família e patrimônio com esforço conjunto. É justamente sob este viés que se deve fazer uso do princípio da igualdade para a solução do problema. Na hipótese em exame, tinha-se duas pessoas em situação de igualdade fática (as duas companheiras supérstites) sendo errônea a solução que beneficia apenas uma delas em detrimento da outra. Assim, o princípio constitucional da igualdade deve prevalecer, determinando uma interpretação diversa das normas jurídicas, de modo que ambas as cônjuges sejam consideradas como mantendo união com o falecido (e inclusive entre elas próprias), reconhecendo-se uma união estável poliafetiva. Em pesquisa jurisprudencial no Brasil, pode-se encontrar uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul37 tratando de uma situação de “união dúplice”, onde a solução adotada foi justamente a determinação de

36

Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários: (…) III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; 37 APELAÇÃO

CÍVEL - RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL - UNIÃO DÚPLICE - POSSIBILIDADE -PARTILHA DE BENS - MEAÇÃO - TRIAÇÃO - ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em triação, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verifica em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável.” (TJRS - ApCível n.° 70022775605/08 - Rel Dês. Rui Portanova, julgado em 07.08.2008). (grifos nossos).

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“triação” (divisão em três partes) dos bens

comuns entre o homem e suas duas

mulheres (no caso, uma esposa e uma companheira). Perceba-se que no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi determinada a partilha tríplice dos bens numa situação de mera união paralela (ou seja, o indivíduo possuía além da esposa, uma outra união estável) mesmo não havendo anuência expressa da esposa com a nova união do homem.

Assim, em uma união

poliafetiva (em que há anuência e envolvimento de todos em relações amorosas recíprocas) mais sentido faz a determinação da partilha dos bens em tantos quantos forem os conviventes, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.

4.2 Princípio da liberdade.38 A ideia de liberdade e “que inspira a proteção da autonomia privada é a de que o Estado deve tratar as pessoas sob o seu domínio como agentes responsáveis e capazes de tomar por si próprios as decisões que lhes dizem respeito.”39 Assim, trazendo a questão para o âmbito da sexualidade, deve-se entender que os indivíduos são livres para adotar a opção sexual que lhes convier, desde que não atinjam direitos fundamentais de outrem. É nesta perspectiva que se entende pela não admissão de discriminação das pessoas que optam por uma orientação homossexual, o que também deve se aplicar àquelas que se entendem poliafetivas. Se o Estado não pode impedir a opção consciente do indivíduo em sede de sexualidade, também não deve instituir barreiras para que o indivíduo possa exercer os seus direitos e a sua liberdade. Ressalta Maria Berenice Dias que

ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito de exercer livremente sua sexualidade com quem desejar, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual. A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individual, seja

38

Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 5. Caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Constituição da República Portuguesa Art. 9.º São tarefas fundamentais do Estado: b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático. 39MARMELSTEIN,

Ob. Cit., p.109.

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genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não consegue alcançar a felicidade. 40

Então, da mesma forma que foi reconhecida a possibilidade de constituição de uniões estáveis homoafetivas como expressão do direito à liberdade sexual dos indivíduos, esta mesma perspectiva de liberdade deve ser consagrada àqueles que vivem em união com mais de uma pessoa de forma consensual (união poliafetiva), preservando-se a esfera de liberdade também destes. 41 Em suma, se não há vedação expressa à constituição de relações homoafetiva e isto permite, a contrário sensu, a sua configuração; a ausência de vedação legal à constituição de uniões poliafetivas deve levar à mesma solução jurídica, ou seja, o reconhecimento destas últimas, como expressão do direito à liberdade sexual.

4.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.42 A dignidade da pessoa humana é um complexo de direitos inerentes ao ser humano.43 Sem eles o homem seria um objeto, coisa imaterial. Pelo simples fato de se nascer humano (pertencer à raça humana), são todos os homens e mulheres dotados de dignidade e possuidores de direitos fundamentais. Kant afirma que todo ser humano possui uma dignidade imanente, decorrendo simplesmente da condição humana, independentemente da raça, idade, sexo, religião ou qualquer outra característica externa. 40DIAS,

Maria Berenice. União Homoafetiva: O preconceito & a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2010. pág. 99. 41

Neste sentido, no julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277, afirmou o Ministro Ayres Brito que “nada obstante, sendo o Direito uma técnica de controle social (a mais engenhosa de todas), busca submeter, nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, as relações deflagradas a partir dos sentimentos e dos próprios instintos humanos às normas que lhe servem de repertório e essência. Ora por efeito de uma “norma geral positiva” (Hans Kelsen), ora por efeito de uma “norma geral negativa” (ainda segundo Kelsen, para cunhar as regras de clausura ou fechamento do Sistema Jurídico, doutrinariamente concebido como realidade normativa que se dota dos atributos da plenitude, unidade e coerência). Precisamente como, em parte, faz a nossa Constituição acerca das funções sexuais das pessoas. 42

CRFB. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)III - a dignidade da pessoa humana. Constituição da República Portuguesa Princípios fundamentais: Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. 43 AGRA, Walber

de Moura. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: 2010, pág. 124.

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De forma esclarecedora, Rex D. Glensy,44 em artigo publicado na revista Columbia Human Rights Law Review, afirma que “Immanuel Kant, regarded as the father of the modern concept of dignity, secularized this concept and presented it front and center as a normative legal ideal. He posited that individuals ought never to be treated instrumentally by the state because “man regarded as a person . . . possesses . . . a dignity (an absolute inner worth) by which he exacts respect for himself from all other rational beings in the world.”45 Como se vê, a dignidade humana é o elemento axiológico central do ordenamento jurídico. É o princípio fundante do Estado Democrático de Direito, do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos. 46 No âmbito específico do direito de família, Maria Berenice dias afirma que:

a dignidade humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicidade das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. 47

44

GLEISY, Rex D., The Right to Dignity (March 2, 2011). Columbia Human Rights Law Review, Forthcoming; Drexel University Earle Mack School of Law Research Paper No. 2011-W-01. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1775144 45In

other words, humanity is an end in itself and bears no price. This dignity is grounded in a concept of autonomy that holds at its core a valued moral center that is equal for everyone (men and women). Thus, autonomy and the consequent dignity that it entails are primarily derived from sentience, or the ability of humans to form a reasoned thought. What Kant means is that human dignity does not have any equivalence and thus cannot be traded, substituted, or replaced. The legal application of Kantian thought is to use, as a baseline, the notion that individuals should always be protected from any instrumentalization by the state” GLEISY, Ob. cit 46

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pág. 62/63. 47Ibiden,

pág. 63.

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Isso quer dizer que o princípio da dignidade humana tem importantes reflexos no direito de família, devendo sempre ser considerado no momento da interpretação e aplicação das normas jurídicas. Neste caminho, como afirmou Ayres Brito:

a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’ (inciso III do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil), e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. De auto-estima no mais elevado ponto da consciência. Auto-estima, de sua parte, a aplainar o mais abrangente caminho da felicidade, tal como positivamente normada desde a primeira declaração norteamericana de direitos humanos (Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 16 de junho de 1768) e até hoje perpassante das declarações constitucionais do gênero. Afinal, se as pessoas de preferência heterossexual só podem se realizar ou ser felizes heterossexualmente, as de preferência homossexual seguem na mesma toada: só podem se realizar ou ser felizes homossexualmente. 48

E, seguindo o mesmo raciocínio, as pessoas de orientação sexual poliafetiva só podem realizar-se plenamente vivendo com os seus parceiros múltiplos, em expressão da consensualidade e da dignidade humana dos envolvidos. Maria Berenice Dias afirma que “verificadas duas comunidades familiares que tenham entre si um membro em comum, é preciso operar a apreensão jurídica dessas duas realidades.” Ou seja, existe uma realidade fática que merece proteção jurídica. Complementando o raciocínio, Berenice Dias ressalta que são relações que repercutem no mundo jurídico, “pois os companheiros convivem, muitas vezes tem filhos e há construção patrimonial em comum. Não ver essa relação, não lhe outorgar qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes.”49

48

Trecho destacado do voto do Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da ADPF 132 e ADI 4277.

49DIAS,

Ob. Cit., pág. 51.

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Em suma, o Direito não pode fingir que as relações poliafetivas não existem, ao contrário, deve buscar regulá-las. Aos operadores do Direito, sobretudo ao Poder Judiciário, cabe compreender tais relações como entidades familiares e outorgar-lhes direitos semelhantes às uniões estáveis, assim como foi feito em relação às uniões homoafetivas, como base nos princípios da igualdade, liberdade e também como forma de preservar a dignidade humana destas pessoas e dos respectivos filhos. “Como não mais admite a Constituição tratamento discriminatório dos filhos, negar à mãe os direitos decorrentes da união que a mesma manteve com o seu genitor é excluir o direito sucessório do filho com relação à ela. Ou seja, deixar de reconhecer o direito da mãe, pela via inversa e reflexivamente, é não reconhecer o direito que o filho teria à herança dela.”50 5. Do casamento poliafetivo. Por fim, a última questão que se põe neste breve trabalho é quanto à possibilidade (ou não) de se admitir juridicamente um casamento poliafetivo. O texto do Código Civil Brasileiro ainda expressa um conceito clássico de casamento51. Note-se que o texto do Código ainda se refere ao casamento como sendo a união entre pessoas de sexos diferentes. Contudo, como se discutiu neste trabalho, no Brasil o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi autorizado pela Resolução 175 do CNJ, em complemento à decisão exarada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132. Já em Portugal, o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi autorizado legislativamente em 31 de maio de 2010, pela Lei n.º 09/2010.52 Em suma, percebe-se que a definição de casamento prevista nos códigos já foi superada por mudanças jurisprudências e legislativas. Cumpre esclarecer que não são todos os códigos que trazem uma definição de casamento. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira dizem que “são poucas as legislações que definem o casamento. P. ex., nem no Código francês, nem no espanhol, nem no italiano, nem no alemão

50

DIAS, Ob. Cit., pág. 51

51

Código Civil Brasileiro Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. 52

Código Civil Português Artigo 1577º (Noção de casamento) Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

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encontramos uma definição do acto matrimonial”53 Esta ausência de definição é até bem vinda, posto que permite a evolução do conceito (o qual passa a ser determinado pela doutrina e jurisprudência) sem a existência de conflitos legislativos. Então o ponto que se coloca é: o Código Civil brasileiro diz que o casamento é a união entre um homem e uma mulher (o código português, já alterado, nem isso mais diz), entretanto, numa análise sistêmica do ordenamento, percebe-se que o que está escrito não impede a existência de casamentos entre homem-homem ou mulher-mulher. Assim, do mesmo modo que os códigos falam em casamento de duas pessoas, poder-seia ampliar o conceito para permitir o casamento entre mais de duas (um casamento poliafetivo)? A resposta a que se chega neste trabalho é positiva. O primeiro motivo que se leva em conta para defender a possibilidade do casamento poliafetivo é a inexistência de vedação Constitucional. No caso brasileiro, já se viu acima que a interpretação efetuada pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132 quebrou a ideia antes existente (e escrita na Constituição) de que o casamento seria apenas a união entre um homem e uma mulher. Suplantado o paradigma, como acima se demostrou, entende-se plenamente cabível a configuração de uniões estáveis poliafetivas, com base em todos os princípios constitucionais já apresentados neste artigo (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana). Assim, considerada a viabilidade jurídica de uma união estável poliafetiva, o casamento poliafetivo é uma decorrência natural, sobretudo porque a Constituição Federal de 1988 determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento (art. Art. 226. § 3º). No caso Português, a interpretação deve seguir o mesmo caminho. Ademais, a Constituição portuguesa é ainda mais flexível ao determinar quem pode constituir família. A CRP diz, no Art. 36. 1, que “todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”. Ou seja, a Constituição Portuguesa diz que todos podem constituir família e contrair casamento, não havendo limitação de sexo nem de número. Obviamente que o que se defende aqui não é aceito pela maioria da doutrina. O primeiro argumento contrário é que um casamento poliafetivo atingiria o princípio da 53

COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família. 4.ed. Coimbra. Coimbra Editora, 2008, pág. 166.

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monogamia. Não se vai aqui discutir se a monogamia é ou não um princípio do ordenamento jurídico brasileiro ou português, entretanto, ainda que consideremos a monogamia como princípio, ela nunca será um princípio absoluto que não admitirá ponderações. A teoria dos direitos fundamentais explica que os princípios não são absolutos (nem a vida é um direito absoluto, podendo ser afastada em algumas situações, tais como a legítima defesa, o estado de necessidade, e, no ordenamento brasileiro, também na hipótese de pena de morte em caso de guerra declarada). Assim, se todos os princípios jurídicos podem ser relativisados quando em confronto com outros princípios fundamentais, porque a monogamia seria o único princípio absoluto e que não admitiria relativisação? Ou seja, deve-se entender que o princípio da monogamia também deve ceder quando em conflito com outros princípios (liberdade, igualdade, dignidade da pessoa humana), permitindo-se o reconhecimento de uniões estáveis poliafetivas, bem como de casamentos poliafetivos.

5.1 Do regime de bens. O regime de bens no casamento poliafetivo deverá ser único para todos os envolvidos (princípio da igualdade). Isso se deve ao fato do casamento poliafetivo ser um único casamento (e não vários) mesmo incluindo mais de duas pessoas. Assim, o regime não poderá ser diverso para cada uma delas, devendo ser o mesmo para todos. Quanto aos modelos de regime de bens que podem ser adotados, estes serão aqueles já disponíveis na legislação para o casamento civil.

5.2 Casamento poliafetivo é bigamia? Uma outra questão a se discutir é sobre a ocorrência do crime de bigamia em caso de casamento poliafetivo. Muitos alegam que a constituição de casamento entre mais de duas pessoas iria, invariavelmente, conduzir à prática de um fato típico penal, com a consequente responsabilização dos envolvidos e a nulidade do ato. Para aclarar a discussão, veja-se o que dispõem as legislações do Brasil e de Portugal sobre o crime de bigamia: “Código Penal Brasileiro Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.” “Código Penal Português Artigo 247.º - Bigamia Quem: a) Sendo casado, contrair outro casamento; ou b) Contrair casamento com pessoa casada; é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.” 22

Percebe-se o seguinte: o crime de bigamia ocorre quando um indivíduo, já casado, casa-se novamente. Entretanto, em um casamento poliafetivo, isto não ocorre. O casamento poliafetivo é um único casamento, realizado ao mesmo tempo, entre mais de duas pessoas. Em um único evento, num único ato jurídico, mais de duas pessoas manifestam perante o Estado a vontade de unirem-se simultaneamente em matrimônio. havendo o atendimento das prescrições legais, será lavrada uma única certidão de casamento, incluindo todos os envolvidos (ex. uma mulher e dois homens) que são marido e mulher reciprocamente. Assim, ter-se-á um único casamento, não havendo a configuração do crime de bigamia, posto que este pressupõe a ocorrência de um casamento em determinado momento e a celebração de um segundo ato de casamento em momento distinto, com pessoa diferente, o que não ocorre no casamento poliafetivo. E se duas pessoas já forem casadas e quiserem incluir uma terceira figura no casamento? Neste caso, como já existe um casamento realizado anteriormente, se estes casarem novamente com a terceira pessoa, ocorrerá o crime de bigamia. Para esta hipótese, a solução admitida diante do quadro legal vigente seria, primeiramente, a realização de um divórcio entre os dois já casados e um posterior casamento poliafetivo entre os três. Assim, não haverá impedimento para a realização do casamento, posto que os divorciados podem casar-se novamente entre si, mas agora incluindo uma outra pessoas num casamento poliafetivo.

5.3 Divórcio Em caso de impossibilidade de continuação da vida em comum, poderá ocorrer o divórcio no casamento poliafetivo. Este divórcio seguirá a lógica do direito de família, obedecendo o regime patrimonial adotado pelos cônjuges (como já se falou, este regime terá que ser único, posto se tratar de um só casamento incluindo várias pessoas). Assim, havendo divórcio, os bens deverão ser partilhados entre todos os cônjuges, obedecendo o regime adotado. Cabe aqui ressaltar que o divórcio poderá ser parcial. Imaginemos o seguinte exemplo. Maria, João e Clara são casados no regime da comunhão parcial de bens. Entretanto, depois de anos de convivência, Maria resolve divorciar-se de João e Clara. Estes, concordam com o divórcio em relação à Maria, contudo pretendem permanecer casados entre si. Nesta situação, deverá ser admitido o divórcio parcial, com a saída do 23

casamento de Maria, e a manutenção do vínculo entre João e Clara. Assim, faz-se o cálculo dos bens adquiridos após o casamento poliafetivo (no caso de comunhão parcial de bens), cabendo à Maria a terça parte dos bens adquiridos após a união e até a data da dissolução do vínculo conjugal. Por outro lado, as outras duas terças partes permanecem no patrimônio comum do casal, agora formado apenas por João e Clara.

6. Conclusão Diante do que fora estudado no presente trabalho, chega-se à conclusão de que o conceito de família não é estático. Ele evoluiu (e ainda evolui) em paralelo ao progresso das sociedades. Assim, novas formas de família são aceitas pelos ordenamentos jurídicos como expressão do reconhecimento de direitos de indivíduos que antes eram excluídos e relegados à margem da comunidade. Esse movimento foi visto (e ainda está em processo) em relação às famílias homoafetivas. Em sentido semelhante, nota-se hoje o incremento da discussão sobre o poliamor e seus efeitos jurídicos. Conforme debatido no trabalho, o poliamor é uma espécie de relação conjugal envolvendo simultaneamente mais de duas pessoas, de forma consensual, e onde os envolvidos vivem como uma única família, em comunhão plena de vidas. Entendeu-se que o reconhecimento das uniões homoafetivas “abriu o caminho” para o semelhante reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas, com base nos princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, tais princípios também permitem a realização de casamentos poliafetivos, destacando-se o fato da Constituição Federal brasileira determinar que a Lei deverá incentivar a conversão das uniões estáveis em casamento. Por fim, chegou-se à conclusão de que o casamento poliafetivo é um único casamento, envolvendo mais de duas pessoas, não havendo a configuração do crime de bigamia. Ademais, o regime de partilha de bens deverá ser único, sendo possível o divórcio, ainda que parcial.

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