Policiar a Cidade Republicana

June 8, 2017 | Autor: Marcos Bretas | Categoria: Police History
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A INSTITUI O POLlel L Coordenação: Julita Lemgruber

julho de 1985

POLICIAR A CIDADE REPUBLlCANA* Marcos Luíz Bretas "A polícia no Rio de Janeiro,

hoje em dia, ameaça mais do que protege". Rui Barbosa, 1899 A polícia, vista como instituição, tinha em sua origem funções muito mais amplas do que às que hoje conhecemos. Tanto é assim que Paulo Fernandes Viana, primeiro Intendente Geral de polícia (1808-1821) cuidava das questões como o contrato de abastecimento de carnes e a construção de fontes. Interessavaà polícia, enquanto aparelho do Estado, tudo aquilo que dissesserespeito à ordem e ao "sossego público". (1) A diversificação das agências do Estado no decorrer do século XIX vai retirar da polícia a maior parte das atribuições que - mesmo relacionadas com a ordem pública·- não exigissem o amparo da força. Ainda assim, novas atribuições que surgem referentes à ordem pública, vão ser inicialmente alocadas à polícia, como a mediação entre patrões e empregados no início do século XX. Enquanto o processo de limitação de atribuições transcorre sem grandes resistências, o problema inverso é que está no centro da atividade policial no início da República: a polícia precisa afirmar-se como a única agência encarregada de estabelecer a ordem no espaço urbano através do uso legítimo da força. A disputa entre a polícia, o exército e outros grupos pelo "direito" de policiar a cidade e o nível de amparo legal que Estado oferece ao uso da força pela polícia (pode-se dizer que é nesse amparo legal que reside a distinção entre o uso da força e a violência) ó

são discussõescentrais do período.

*Este trabalho é um resumo das idéias que desenvolvoem pesquisa do Centro de Estudos Históricos da Fundação Casa de Rui Barbosa. A José Mutilo de Carvalho, Eduardo Silva,MarcosGuedes Veneu e aos outros colegasdo Centro agradeço a cooperação.

1. Sobre este período se pode ver a documentação coligida em História da Policia Militar do Distrito Federal. Rio de Janeiro, Typ. da Polícia Militar, 1925. A questtão do abastecimento de carnes é tratada por Larissa V. Brown "O Conde de Linhares e o contrato de carne na cidade do Rio de Janeiro; carta do intendente geral da Polícia Paulo 47

A Independência colocava o Brasil em dia com a modernidade iluminista, os filósofos franceses. A República traz consigo novas fontes de modernidade, seja ainda a continental, positivista, seja através da introdução do liberalismo de formação anglo-saxônica, de onde se originaram o republicanismo e a forma federal. Nesta onda modernizadora a reforma do sistema repressivo também é elaborada, ainda que sem resultados efetivos durante um longo período. Não se questiona, porém, o paradigma de ação policial de origem continental, caracterizado por atribuir à polícia função de fiscalizar as atividades do cidadão mesmo além dos aspectos estritamente criminais. (2) Comparações são feitas, na época, entre a polícia brasileira e a polícia francesa de Vidocq, caracterizada por recrutar seus agentes no próprio seio da criminalidade.

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Rio de Janeiro tinha sua polícia subordinada ao governo federal, através do Ministério da Justiça, e dividida em polícia civil e militar, modelo muito discutido nos primeiros anos da República. A vinculação ao governo federal é discutida por alguns deputados no primeiro congresso republicano, defensores de uma polícia municipal. É vitoriosa a alegação de que cabia ao governo federal manter a ordem em sua sede, conservando a polícia sob jurisdição federal. (3) A discussão sobre a militarização da polícia vai se prolongar por alguns anos. Um forte

Fernandes Viana". Boletim Informativo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. 9 (4),1982. 2. Quando falo em sistema repressivo refiro-me à totalidade do aparelho policial e judiciário que tem por objetivo o cumprimento da lei e a punição dos não cumpridores. A diferenciação entre o sistema continental (ou francês) e anglo-saxônico de policiar, caracterizados como "high policing" e "low policing" respectivamente é feita por Jean Paul Brodeur "High Policing and low Policing: Remarks about the policing of political activities". Social Problems; 5 (30), Juno 1983, pp. 507520. 3. Favoráveis à municipalização da polícia do Distrito Federal se manifestaram os deputados Oiticica (sessão de 09.09.91) e Alcindo Guanabara (sessão de 11.09.91) e contra o deputado Tomás Delphino. 48

apoio é encontrado na própria Brigada"; que pretendia deixar o policiamento das ruas, reservando suas atividades para as grandes agitações políticas ou, mais tarde, operárias. (4) Como resultado dessa reivindicação cria-se, pelo Decreto n~ 4762, de 5 de fevereiro de 1903, a Guarda Civil.

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As sucessivas reformas efetuadas no início da República, tanto na polícia civil como na militar, tentaram incluí-las na modernidade da chamada "polícia científica". A criminologia e os métodos antropométricos e datiloscópicos eram objeto de viva discussão, onde os nomes de Lombrasa e Ferri, Bertillon e Vucetich apareciam constantemente. Advogados e médicos esforçavam-se no sentido de "conhecer" o crime e previni-lo através da ciência. Em meio a estas reformas, que atingiam os métodos e o estilo de policiar (e de policial), se debatia - alheio a todas as benesses do saber - a figura despreparada do agente da polícia civil ou a praça da brigada. O policial (civil ou militar) do período não pode ser visto como um profissional no exercício de sua atividade, mas sim como um simples empregado de uma agência do Estado, ali colocado pelas contingências do mercado de trabalho. I - Quem policiava

O exercício das atividades policiais no Rio de Janeiro era realizado, em todos os níveis, por pessoal mal preparado. Fora-se o tempo do Vidigal, imortalizado por Manuel Antônio de Almeida, senhor das ruas do sinuoso Rio de Janeiro de antes da reforma Passos. A polícia da virada do século acumulava problemas, por desconhecer a cidade. O cabeça do sistema policial, o chefe de polícia, era nomeado pelo Presidente da República por proposta do ministro da Justiça, atendendo antes de tudo a injunções políticas. O Decreto n~ 3640 de 14 de abril de 1900, restaurou a tradição imperial que determinava que o cargo fosse privativo de bacharelou doutor em Direito, com pelo menos seis anos de prática. De todo modo, dos 14 chefes de polícia do

.. A polícia militar do Distrito Federal atende no período pelos nomes de Corpo Militar da Polícia, Brigada Policial da Capital Federal e Força Policial do Distrito Federal. Usarei indistintamente polícia militar ou estes nomes.

4. Ver por exemplo o artigo do oficial da polícia militar Cirilo Brilhante, "Polícia Militar", Revista Policial, Rio de Janeiro, 5 (I), dez. 1903. 49

período 1889- I9IO, apenas um era oficial do exército e não bacharel. Destes chefes apenas dois eram naturais do Distrito Federal, o que permite prever um conhecimento da cidade muito menor, formado já na idade adulta. (5) A chefia da polícia do Distrito Federal serviacomo trampolim para o Supremo Tribunal Federal, onde chegaram nove dos treze advogados que a exerceram (quatro nomeados durante o exercício da chefia). (6) Seus auxiliares mais diretos, os delegados auxiliares e delegados de circunscrição, eram também escolhidos entre os bacharéis do Distrito Federal, não necessariamente com experiência policial. A mudança de governo motivava a mudança do chefe de polícia que, por sua vez, modificava todo o quadro de delegados. Até a primeira década do século XX não havia tempo nem oportunidade para a formação de quadros profissionais na cúpula da polícia civil. No tocante à polícia militar, o comando superior era oriundo do exército. O plano de carreira do policial militar se iniciava pelo serviçocomo praça, de onde ascendia para a oficialidade, chegando até o posto de tenente-coronel. Somente a partir de 1901 é introduzida na lei a exigência de alfabetização para o praça da brigada. Diante das deficiênciasna formação deste praça, era de se esperar que o quadro de oficiaisrepr
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