POLÍTICA CRIMINAL: movimentos de Política Criminal

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POLÍTICA CRIMINAL:

movi me ntos de Política Cri minal Barros , Yuri Al m ei da Li m a 1

RESUMO O presente artigo busca fazer uma análise crítica do que é política criminal. Não se trata de ciência propriamente dita, mas um conjunto destas e de outros fatores. Sendo assim, procurou-se utilizar uma metodologia que dialogue com diversos campos de conhecimento. Diálogo este que acarretará no “dever ser” que compõe a própria política criminal. Não obstante, se faz importante problematizar o impacto real deste “dever ser” e a influência de meios de controle social de caráter direto e indireto, seja perpetrado pela figura do Estado ou por seus cidadãos. Sendo assim, tentaremos problematizar a construção do conceito política criminal bem como suas correntes ideológicas. Indo além, tentaremos estabelecer a transnacionalização dessas diversas correntes sob a ótica globalizante. Por fim, buscaremos problematizar a própria política criminal brasileira, em especial à luz do Direito Penal, bem como seus mecanismos de reafirmação perante a sociedade. Sobre o Sistema Penal, em cujo Direito Penal está contido, estabeleceremos como suas microferramentas agem na sociedade, sendo elas as penas previstas no Código Penal e a atuação de instituições do Estado responsáveis pelo controle social direto. Palavras-chave: Política criminal. Política criminal brasileira. Direito penal do inimigo. Cultura do medo. Sistema penal.

INTRODUÇÃO O presente artigo faz parte de uma pesquisa maior que tem como objetivo problematizar o Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/2012, que trata da Reforma do Código Penal Brasileiro, tanto em sua parte geral, como na especial. A pesquisa procurará apurar a partir do estudo das funções da pena, da política criminal e seus movimentos, e das garantias penais e processuais

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Discente na faculdade UNIFESO no curso de Direito; bolsista do Programa de Iniciação Científica, Pesquisa e Extensão – PICPE.

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definidas constitucionalmente, qual a natureza político-criminológica desta proposta de reforma. Tem- se como objeto de decomposição a evolução história do pensamento político criminal e das garantias inerentes ao mesmo. Sendo ainda realizada, posteriormente, uma análise dicotômica entre esta progressão previamente citada e o PLS n° 236/2012, apontando ainda a crescente influência midiática e seus resultados no recorte escolhido, no caso o Título Das Penas – Parte Geral. Sendo

assim,

cabe

a

este

artigo

contribuir

com

a

conceituação

e

problematização da Política Criminal, sob o viés do projeto de lei previamente citado e o movimento de política criminal em seu nível global. 1 O QUE É POLÍTICA CRIMINAL? A palavra “politica” era utilizada na Grécia como arte de governar a polis 2 . A cidade dentro deste recorte carrega o conceito de funcionalidade, de servir como ponto de trocas de todas as naturezas seja de serviços, interação social etc. A cidade contemporânea, por sua vez, está ligada à noção de comunidade, à ideia de fazer parte de um algo superior ao indivíduo. Em contrapartida, vinculado ao conceito iluminista e capitalista, existe contemporaneamente

uma

crescente

valorização

do

individualismo,

favorecendo de maneira vertical às classes sociais que detêm maior poder aquisitivo. Individualismo este que rompe, em parte, com o conceito de polis, absorvendo o conceito da Idade Moderna de burgo 3 . Para reger

a cidade contemporânea,

há a necessidade de gerência

e

organização, feita pelo Estado através de ferramentas de controle social. As ferramentas utilizadas para tal podem ser diretas, como o caso do sistema penal, ou indiretas, como mídia, ensino escolar, etc. 2

Definição de cidade-estado na Grécia antiga. Era equivalente a um estado, embora tivesse a dimensão geográfica de uma cidade. 3 No fim da Idade Média os excedentes dos feudos começaram a ser comercializados de diversas formas, inclusive na forma de feiras sazonais. Ao se tornarem mais frequentes estas feiras começaram a adquirir um caráter permanente, com sua população e governo próprio. Com isso, tornaram-se os primeiros aglomerados urbanos que surgiram entre a Idade Média e a Idade Moderna.

3

Junto à palavra “politica” há o adjetivo “criminal”. Sendo “politica” a arte de governar, entende-se que existem várias políticas, como a política de educação, política de saúde, a política de saneamento básico e, no caso, a política criminal. Sendo assim, política criminal é um campo da ciência política que compõe com o direito, tendo como objetivo a gestão, de maneira funcional e objetiva, dos sujeitos e ações criminalizadas pelo Estado. Essa gestão nascerá da necessidade de compreensão e prevenção do fenômeno criminológico em detrimento de apenas reagir ao mesmo. 2 Políticas criminais e seu caráter ideológico O foco da Política Criminal está principalmente ligado à ideologia do Estado e de seu estrato social hegemônico 4 . Dividimo-las em três principais eixos: liberdade, igualdade e autoridade, sendo a corrente igualitária confundida com outras, tornando-se “igualdade e liberdade” ou “igualdade e autoridade”. 2.1 Corrente liberal Pauta-se em princípios conquistados no final da Idade Média e que podem ser remetidos aos conceitos tanto iluministas e antropocêntricos. Tais conquistas são as noções de razão, natureza, indivíduo e propriedade. Remete-se ao princípio mais básico e inerente a todo homem5 , o da liberdade. Não uma liberdade ilimitada, comparável ao estado de natureza descrito por Hobbes, mas a busca pela lei baseando-se na razão. Pode-se definir tal liberdade como estar apto a fazer tudo aquilo que lhe prouver, desde que as leis permitam. Baseado em tal conceito nascerá o Princípio da Legalidade6 . Será em 1679 que o Rei Britânico Charles II instituirá o habeas corpus, presente na formula moderna como 4

“Como as diversas representações do social são produtos de interpretações parciais, modernamente se emprega o termo ideologia para designar determinado conjunto de opiniões, distorcidas, que não corresponde à realidade. A ideologia, assim, significa a falsa consciência que uma pessoa ou grupo conserva sobre a realidade”.ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Política Criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 70. 5 Por se tratar de um pensamento eurocêntrico, esta corrente definirá como homem apenas aquelas que se adequem ao arquétipo do homem europeu. 6 Como diz Cesare Beccaria “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege” – ninguém será punido sem que haja lei penal previamente existente.

4

“Whatever the personal liberty of the individuals is endangered, the Queen’s Writ runs to protect him...”7 . No século XVIII o jurista e filósofo italiano Cesare Beccaria ainda afirmará, em seu livro Dos Delitos e das Penas, que “A primeira consequência desses princípios é que apenas as leis podem fixar as penas de cada delito”. O Princípio da Legalidade terá em vista a regulamentação e restrição do jus puniendi8 presente no monopólio jurisdicional do Estado. Tal princípio se mostra presente desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos9 , em seus artigos IX e XI, até o nosso Código Penal, Art. 1°, e na Constituição Federal, Art. 5°, XXXIX. 2.2 Corrente igualitária Caracteriza-se como crítica ao liberalismo gerador de desigualdade. Embora o liberalismo mantenha uma democracia formal (poder constituído formalmente através da Constituição), falha em promovê-la de maneira real. Seu sistema se mantem sempre sob influência de forças sociais e econômicas, usando-o de acordo com seus interesses. Em meio às críticas de Marx ao liberalismo, afirmando ser este um “romantismo do Estado”, há uma divisão na corrente igualitária em dois ramos: movimento libertário (igualdade e liberdade) e tendência autoritária (igualdade e autoridade), ramos completamente diferentes. O movimento libertário (anarquista) rejeita qualquer legislação, qualquer autoridade e qualquer influência privilegiada, patenteada, oficial e legal, ainda que proveniente do sufrágio universal, “convencido que ela jamais poderia funcionar se não para o benefício da minoria dominante e exploradora, contra os interesses da maioria subjugada”1 0 . Visa à pura liberdade, mas difere do estado de natureza de Thomas Hobbes1 1 , pois afirma que a ordem será organizada pela liberdade e moralizada pela igualdade jusnaturalista1 2 . Sua principal contribuição para a política criminal se da pela contrariedade à teoria contemporânea do desvio, conceito este que será abordado posteriormente. Haverá um desafio 7

Sempre que a liberdade pessoal do indivíduo estiver em perigo a Lei da Rainha corre para socorrê-lo. Expressão latina que se entende como direito de punir do Estado. 9 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. 10 BAKOUNINE, apud MANÉVY e DIOLE, apud DELMAS-MARTY, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 50. 11 Thomas Hobbes defendia que o ser humano em estado natural vivia em completa barbárie e que cabia ao Estado a função de gerir e organizar o ser humano na forma de uma sociedade. 12 Corrente jurídica que define certos direitos como indisponíveis, sendo estes naturais ao homem. 8

5

à “normalidade”, denominando os estratos sociais excluídos como combatentes e críticos ao sistema vigente. A tendência autoritária (marxista-leninista) preocupa-se menos com a liberdade individual que com a igualdade. Será adotada a primazia do Estado sobre o enfraquecimento do direito, ao compara-lo “a um dogma religioso, que também era aceito no passado pela concepção ideológica do mundo quanto postulado primário que não precisava de provas”1 3 . Por fim, acaba transformando-se na passagem do controle do Estado para um controle da sociedade, onde os inimigos da chamada “normalidade” (leia-se principalmente a econômica) serão eliminados em prol da defesa social. Como segunda parte, a política criminal volta a ter uma característica de direito penal clássico, dependente de técnicas jurídicas de similares às do ocidente. Não é mais a liberdade o valor primordial, mas sim a igualdade subjetiva, imposta pelo Estado através de sanções penais de ampla abrangência. Na América do Sul, surge a “criminologia da libertação”, ligada diretamente ao período da Era Vargas1 4 , definindo uma teoria do controle social. Entretanto, concordamos que esta definição é demais forçosa já que trás intrinsecamente o conceito “populismo”. Tal denominaçãonos é considerada pejorativa por abranger o fenômeno apenas como controle social e não levar em conta o caráter ideológico e as alterações que foram de encontro aos direitos de segunda geração, sendo assim analisado de maneira demasiado simplificada. 2.3 Corrente totalitária Pauta-se sobre uma sociedade predominantemente de massas e não de classes. Sua configuração visa apenas o todo, aceita apenas uma verdade, existe apenas um correto. Caracterizada pela autoridade, tomando forma na pessoa de um chefe carismático, através da dominação de uma nação (fascismo) ou de uma religião (integrismo). O fascismo é intrínseco à vontade de dominação de uma nação à qual o Estado de Direito1 5 é sacrificado em detrimento do Estado. Há uma mistificação e extrema nacionalização

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DELMAS-MARTY, Mireille. Op. Cit., p. 54. Período de gestão do Brasil por Getúlio Vargas. Entre 1930-1945 e a reeleição entre 1951-1954. 15 Conceito que preceitua que todos estão sob a jurisprudência do Estado, respeitando-se a lei que é de igual aplicabilidade para todos. 14

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vinculada a tal fenômeno. Pode ser relacionado historicamente ao fascismo, que ocorreu na Itália e o nazismo que ocorreu na Alemanha1 6 . O integrismo pode ser relacionado aos Estados islâmicos, onde há a união entre religião e Estado em uma espécie de teocracia, não havendo o princípio da laicidade do Estado de Direito. Em princípio os direitos de liberdade e igualdade são protegidos, porém quando há divergência entre a lei positivada e a norma religiosa, a religiosa prevalece. 3 Transnacionalização da política criminal A partir do século XX foram criados os primeiros tratados que buscam criminalizar e combater determinadas condutas que se dão em escala internacional. A Convenção Única de Drogas em 1961, posteriormente complementada pelo Protocolo de 1972, por exemplo, é um marco em relação à integração internacional de Políticas Criminais de Drogas. Entre suas disposições estão uma lista de substâncias entorpecentes que devem ser controladas, métodos de controle internacional, órgãos de controle internacional, assistência técnica e financeira de tais órgãos etc. Esta necessidade será bem exemplificada por ROBINSON 1 7 que, dentro de diversos exemplos, fala sobre um suposto centro de atividades ilegais na América do Sul. A cidade paraguaia de Ciudad del Este será retratada como um ponto de encontro para criminosos de todo o mundo realizem negócios. Três t onel adas de cocaí na pas s am por Ci udad del Es t e t odo m ês a cam i nho da Europa, Am éri ca do Nort e e Áfri ca do S ul . A heroí na col om bi ana t am bém che ga. A m aconha, pl ant ada no P araguai , é cont rabande ada para o Bras i l e Argent i na, enquant o os produt os quí m i cos neces s ári os para refi na r a cocaí na s ão cont rabande ados da Argent i na para C i udad. Em bora “cont rabande ado” não s ej a a pal avra cert a, porque de 1.500 a duas m i l carret as cruz am a pont e em am bas as di reçõ es t odo m ês e raram ent e al gum a del as chega a s er parada. Grande part e do di nhei ro que os col om bi anos ganh am al i é l avada no Ri o de J anei ro num es quem a i l egal de apos t as cri ado para funci onar com o pi a de al ugu el para a l avagem de 16

“É nesse ponto que se esclarece a diferença fundamental entre o conceito totalitário do direito e todos os outros. A política totalitária não substitui um corpo de leis por outro..., não cria uma nova forma de legalidade... ela promete a justiça sobre a terra porque pretende fazer do próprio gênero humano a encarnação da lei”. DELMAS-MARTY, Mireilli, apud AREDT. Op. cit., p. 57. 17 ROBINSON, Jeffrey. A globalização do crime. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 13.

7 di nhei ro, s ob am eri cana.

a

di reção

úl t i m a

da

C os a

N os t r a

Embora haja a inclinação para a disposição ideológica sob a forma de diferentes sistemas de Política Criminal, os fatores que influenciam não se esgotam ai. Encontraremos, na supracitada convenção, representantes de países como Brasil, Iraque, Madagascar, Togo, União Soviética, Suíça e outros. Como nos lembra CARVALHO 1 8 : A P ol í t i ca C ri m i nal , num a dada s oci edade e num dado m om ent o de s ua hi s t óri a, s ó é apar ent em ent e expl i cada pel a i nfl uênci a des t a ou daquel a corrent e i deol ógi ca, m es m o dom i nant e. Al ém do j ogo das corrent es cont rári as nas s oci edades pl ural i s t as , a P ol í t i ca C ri m i nal é, em t odo luga r, a res ul t ant e de mui t os out ros fat ores , ao m es m o t em po i ndi vi duai s e s oci ai s no s ent i do m ai s am pl o, não apenas polí t i cos , m as econôm i cos e cul t urai s .

4 Política Criminal Brasileira Os movimentos da Política Criminal Brasileira são represados de maneira palpável pela integração entre a repressão presente nos poderes legislativo, executivo e judiciário. Porém, se faz necessária a análise dessa relação sob o viés do caráter ideológico predominante em nossa sociedade, sendo este o pilar dinâmico e norteador da Política Criminal. Concordamos com CARVALHO em sua metodologia desenvolvida através de anamnese, que este caráter ideológico no Brasil se sustenta em um tripé formado por: Movimentos de Lei e Ordem (MLOs), pela Ideologia de Defesa Social (IDS) e, subsidiariamente, pela Ideologia de Segurança Nacional (ISN) 1 9 . A Ideologia de Defesa Social (IDS) permeará todo o sistema penal e social. Ao se relacionar com a reação social, dialogará tanto com conceitos científicos (Criminologia, Sociologia, Direito Penal), quanto o senso comum do que é aceitável como medida combativa à transgressão das normais sociais. 18

CARVALHO, Salo, apud DELMAS-MARTY. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 101. 19 CARVALHO, Salo de. Op. Cit., p. 83.

8

Em seu conceito positivo, a IDS será uma forma de integrar a sociedade, ao instaurar condutas criminalizantes que estão em consenso à maioria. Esta maioria,

porém,

não

será

necessariamente

numérica,

mas

representará

determinados valores ideológicos do estrato social dominante. O conceito “estrato social” é utilizado de maneira genérica, já que a IDS refletirá apenas alguns dos valores intrínsecos, mesmo havendo dentre os indivíduos quem apresente comportamento anômico em relação a certos valores embutidos à IDS. No conceito negativo, tal política inibidora de determinadas condutas inflará a concepção do desviante 2 0 . A IDS não levará em conta o caráter individual, psicológico e social presente nas condutas coibidas. Pode-se citar como exemplo a afirmativa genérica da criminalização da conduta abortiva, que não leva em conta as necessidades individuais do corpo feminino, do conceito científico de vida, a situação econômica da gestante etc., mas um conceito de reprovabilidade social que estará concentrado em determinados estratos sociais detentores do poder decisório. Essa Ideologia de Defesa Social não se restringe apenas aos desviantes, funcionando como uma válvula de escape de vontades, conscientes e/ou inconscientes, culminando no afastamento da sanção penal como medida reeducativa e o enaltecimento a sanção penal como medida retributiva. A Ideologia de Segurança Nacional (ISN), por sua vez, contribuirá para a militarização das instituições de caráter coercitivo. Tendo seu auge na época pós-64 e na Guerra Fria, a ISN fará a associação entre o criminoso político e o criminoso comum.

20

Sobre o conceito desviante, Gilberto Velho dirá que “é um indivíduo que não está fora de sua cultura, mas que faz parte de uma “leitura” divergente. Ele poderá estar sozinho (um desviante secreto?) ou fazer parte de uma minoria organizada. Ele não será sempre desviante. Existem áreas de comportamento em que agirá como qualquer cidadão “normal”. Mas em outras áreas divergirá, com seu comportamento, dos valores dominantes. Estes podem ser vistos como aceitos pela maioria das pessoas ou como implementados e mantidos por grupos particulares que têm condições de tornar dominantes seus pontos de vista”. Esta visão problematizará o conceito de patologia social de Merton, ao diferenciar anomie como “condição do ambiente social, não de indivíduos particulares”, “propriedade deste ou daquele sistema social e não estado de espírito deste ou daquele indivíduo dentro do sistema” e anomia como aspecto individual, embora “a desorganização de normas e valores vai fazer com que o ambiente social seja favorável ao aparecimento de indivíduos anômicos”. VELHO, Gilberto. Des vi o e di ver gên ci a: um a crí t i ca da pat ol ogi a s oci al – 2ª ed. R i o de J anei ro: Zah ar, 1985 , p. 13-34, 1985.

9

Desta associação surgirá o direito penal do inimigo – assunto que será pormenorizado em um tópico abaixo, tendo como base o uso de coerção de caráter militar como única reação às condutas desviantes. Este conceito será mais bem problematizado posteriormente. A ISN estará diretamente vinculada à IDS, que identificará às condutas que serão consideradas como desvios, atuando

de

forma

combativa

sobre

os

desviantes.

Tal

estigmatização

dificultará a sua ressocialização, criando uma identidade cultural que contribuirá para a formação de uma dicotomia social 2 1 . Na falta da presença do Estado, corroborando a teoria do filósofo Aristóteles que o ser humano é um ser político, o desviante se organizará criando áreas autônomas ao poder punitivo do Estado. Um exemplo será a criação de facções criminais, como o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, que tem como princípios a “paz, justiça e liberdade” e como jurisdição moradores de áreas periféricas da cidade “sob seu controle” e parte da população carcerária. A política de drogas será o principal exemplo latino-americano de política criminal com viés bélico. Criminalizando em larga escala os indivíduos em contato

com

drogas

ilícitas

(sejam

estes

usuários

ou

vendedores)

e

contribuindo para o crescimento da população carcerária, local preferencial de recrutamento de facções como a supracitada. Por fim, os Movimentos de Lei e Ordem (MLOs) servem como garantidores do status quo presente. Aliado a IDS, que se correlaciona com o desejo e a reação da sociedade; à ISN, que procura militarizar os instrumentos de coerção; os MLOs ratificam a criação do estado de exceção como única maneira de se proteger os conceitos primordiais à manutenção da sociedade,

21

“As engrenagens repressivas, emanadas a partir de conceitos vagos, mas com utilidade policialesca inominável (v.g. segurança nacional, inimigo interno entre outros), moldam intervenções punitivas que invertem os postulados legitimadores do Estado de Direito, pois assentadas na coação direta exercida por três sistemas penais repressivos distintos: o formal, o administrativo e o subterrâneo”. CARVALHO, Salo de. Op. Cit., p. 95-96. Zaffaroni, por sua vez, dirá que “amparados por essa ideologia surgiram estados de emergência, estatutos de segurança, organismos e agências políticas de facto em substituição aos de jure e de representação popular, tribunais especiais, penas impostas pela administração, conselhos e grupos de extermínio. O poder punitivo foi exercido por meio de três sistemas penais: a) o formal; b) o administrativo, mediante prisões determinadas pelo executivo; e c) o subterrâneo, mediante homicídios, sequestros, torturas, campos de concentração e desaparecimento de pessoas à margem de toda legalidade”. ZAFFARONI, E. Raúl; Batista, Nilo; Alagia, Alejandro; Slokar, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 609.

10

sendo estes a moral, a ordem, os bons costumes, o agente produtivo da sociedade etc. Ao reiterar a necessidade de resguardar tais conceitos, utiliza-se da cultura do medo, polarizada nos veículos midiáticos de caráter sensacionalista. São priorizados não só os crimes individuais de grave lesividade à vítima, como homicídio ou estupro, como os crimes considerados “modísticos”. Um exemplo contemporâneo deste será a Ação Penal 470, apelidada pela grande mídia de “mensalão”. 5 Sanção penal no ordenamento jurídico brasileiro Um dos principais instrumentos da política criminal brasileira é sanção penal, sendo divididas entre penas privativas de liberdade, penas restritivas de direito e pena de multa 2 2 . Por sua vez, analisando-se os tipos de pena, identificamos

três

funções

gerais

para

as

mesmas:

retribuição

de

culpabilidade, prevenção especial e prevenção geral. 5.1 Retribuição de culpabilidade Trata-se do conceito mais antigo existente em relação a pena. Sua aplicabilidade baseia-se na retribuição do delito com uma ação para vingar o mal feito. Com a criação do Estado e seu monopólio sobre o jus puniendi as penas serão utilizadas com o mesmo intuito usado pelos titulares anteriores (os lesados pelo ato). O Código de Hamurabi já dizia: “§1. Se um awilum acusou um (outro) awilum e lançou sobre ele (suspeita de) morte mas não pôde comprovar: o seu acusador será morto”.2 3 Sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro se dará “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”2 4 .Também existindo a previsão de que “o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”2 5 . 22

Artigo 32 do Código Penal Brasileiro. HAMMURABI, Rei da Babilônia. O Código de Hammurabi, introdução, tradução e comentários de E. Bouzon. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 25. 24 Artigo 59 do Código Penal Brasileiro. 25 Previsão para não aplicação da pena prevista no art. 121, §5º, do Código Penal Brasileiro. 23

11

Concordamos com SANTOS2 6 ao definir que tal função não é democrática. Além de não haver finalidade útil, a mesma poderia ser explicada de duas formas. A primeira seria a psicologia popular: o talião, expresso na fórmula olho por olho, dente por dente. A segunda pode-se dizer que terá: “caráter metafísico de punição: retribuir um mal com outro mal pode corresponder a uma crença – e, assim, constituir um ato de fé –, (...) mas no Estado democrático de direito o poder é exercido em nome do povo – e não em nome de Deus – e o direito penal tem por objetivo a proteção de bens jurídicos – e não realizar vinganças.”

5.2 Caráter preventivo da pena 5.2.1 Prevenção especial Tal conceito, segundo NUCCI 2 7 , se divide em duas ramificações. A prevenção genérica positiva consiste na ressocialização do condenado, corrigindo sua condição de desviante e preparando-o para sua reinserção na sociedade. Já a prevenção genérica negativa propõe a intimidação do agente para que não se sinta inclinado a cometer novo delito. Ambos estão correlacionados e pressupõem instituições de cárcere com acesso a tratamentos psicológicos, sociológicos, profissionalizantes e quaisquer outros que tenham como objetivo a ressocialização do apenado. A pena será ministrada “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” e “objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” 2 8 . Tal instituição que previne e reabilita o detento está fadada ao fracasso. O célebre filósofo Michel de Foucault relacionará os conceitos de controle social

26

e

politica

criminal,

nos

séculos

XVIII

e

XIX,

mostrando

a

SANTOS, Juarez Cirino dos. Política criminal: realidades e ilusões do discurso penal. In: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 7, número 12, 2º semestre de 2002. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 54. 27 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial 7º edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 391. 28 Artigo 59, última parte, Código Penal Brasileiro e Artigo 10, lei 7.210/84, respectivamente.

12

criminalização

de

determinado

estrato

social

e

sua

utilidade

para

a

manutenção do sistema vigente. Ainda segundo Foucault, a prisão tratava-se de uma alternativa aos castigos corporais e tendo como intuito a modificação do individuo e sua reinserção na sociedade. Sua pretensão era de agir como uma escola ou hospital, agindo diretamente na modificação do indivíduo. Porém, ao invés de haver qualquer tipo de melhora, nota-se o contrario, ao ser inserido na prisão o individuo torna-se um delinquente “formado”. A prisão é transformada em uma instituição formadora de delinquentes, cujas forças dominantes já veem utilidades políticas e econômicas para os mesmos 2 9 . Ao não prover uma estrutura adequada de ressocialização ao apenado, este modelo torna-se ineficaz em prevenir a reincidência da conduta desviante, pois “destinado sempre a funcionar como escola de delinquência e de recrutamento da criminalidade; a prevenção da vingança privada e da punição informal, satisfeita, na atual sociedade da mídia, muito mais pela publicidade do processo e pelo caráter estigmatizante da condenação” 3 0 . 5.2.2 Prevenção geral Também segundo NUCCI3 1 , esta se dividirá entre positiva e negativa. A prevenção geral negativa representará o poder intimidativo da sanção penal a toda sociedade, tendo a teoria da coação psicológica do filósofo alemão Feuerbach como exemplo: não seria o rigor da pena, mas o risco (ou certeza) da punição que intimidaria o autor3 2 . Por sua vez, a prevenção geral positiva servirá como reafirmação da existência e eficiência do Direito Penal. A teoria da prevenção geral negativa, por sua vez, terá respaldo no filósofo francês Montesquieu, ao afirmar que o aumento da criminalidade se dá pela impunidade dos crimes e não da moderação das penas. O aumento das penas influirá, no máximo, em uma redução 29

“Todos sabem que Napoleão III tomou o poder graças a um grupo constituído, ao menos em seu nível mais baixo, por delinquentes de direito comum. E basta ver o medo e o ódio que os operários do século XIX sentiam em relação aos delinquentes para compreender que estes eram utilizados contra eles nas lutas políticas e sociais, em missões de vigilância, de infiltração, para impedir ou furar greves, etc.”. FOUCAULT, Michel de. Microfísica do Poder, p. 75. 30 FERRAJOLI, Luigi. A pena em uma sociedade democrática. In: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 7, número 12, 2º semestre de 2002. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p.36. 31 NUCCI, Guilherme de Souza. Ibid. 32 SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. Cit., p. 55.

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temporária, seguida de um novo aumento. Tal fenômeno se dá através da transformação da nova pena, considerada anteriormente como mais severa, em risco aceitável, como a anterior que era considerada mais branda. Cria-se um círculo vicioso, e tendendo a tornar a sociedade mais violenta que pacífica. Por fim o autor retrata: “Há dois gêneros de corrupção: um quando o povo não observa as leis e outro quando é corrompido por elas; mal incurável porque reside no próprio remédio”3 3 . Já a teoria de prevenção geral positiva, intimamente ligada ao direito penal do inimigo, será vista abaixo. 6 Direito penal do inimigo Devido à falta de exploração de outras formas de controle social, além do estado de polícia; à negligência e ineficácia de algumas funções da pena como o caráter preventivo e ressocializante; ao prevalecimento da função da pena como função retributiva; atualmente a função da sanção como prevenção geral positiva é a predominante dentre às demais. Trata-se não só da reafirmação da existência e eficiência do Direito Penal, mas

o

recrudescimento

na

aplicação

da

mesma,

através

do

“tripé”

anteriormente citado, como única resposta ao número crescente de delitos, mantendo-se em um estado de exceção sem fim. TEIXEIRA 3 4 irá sugerir que o aumento da violência está relacionado à dificuldade no processo investigativo e a burocracia, citando até mesmo a inviolabilidade do domicílio como empecilho para a captura de um criminoso. Indo além, o mesmo apresenta como “soluções constitucionais”, a título de exemplo, a instauração do estado de defesa 3 5 e ainda: “O Pres i dent e, para rees t abel ece r a paz soci al , res t ri nj a al guns di rei t os em l ocai s res t ri t os e det erm i nados . O out ro rem édi o cons ti t uci onal é o es t ado de s í ti o (Art . 137), que perm i t e ent re out ras coi s as a bus ca e apreens ão em domi cí l i os , res t ri ções ao si gi l o das

33

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Brasília: Editora de Brasília, 1982, p.118. TEIXEIRA, Ib. A violência sem retoque: a alarmante contabilidade da violência: o que ser feito. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2002, p. 90. 35 Artigo 136 da Constituição Federal Brasileira de 1988. 34

14 com uni cações e a obri gação l ocal i dades det erm i nadas ”.

de

perm anên ci a

em

O referido autor ainda elenca cinco passos, trazidos pelo exemplo do ex-chefe do New York Police Departament, para reduzir a violência no Brasil. Citamos dois deles: “R et om ar bai rro por bai rro, quart ei rão por quart ei rão, t odas as part es da ci dade onde t rafi cant es de drogas cont rol am as es qui nas e cri m i nos os m ant êm as pes s oas apri s i onadas em s uas própri as cas as . Tol erânci a z ero t ant o para os deli nquent es quant o para os pol i ci as que recebem s uborno, res pondem por ações brut ai s , om i t em -s e e, com s uas ações , faz em com que a popul ação perca confi anç a na pol í ci a” 3 6 .

Tal discurso de enfrentamento não se distanciará do pensamento de GROS, ao definir guerra como “força e violência, mas atravessadas pelo direito”, elencando três tipos de guerra que se tornam “ideais” à luz do direito, cujas quais citamos duas: “A pri m ei ra form a s eri a a guerr a fundadora. El a opõe duas forças , doi s part i dos , doi s povos ou doi s si s t em as de val ores , cada um es perando da guer ra um a cons agr aç ão, es perando que por s ua ação el a os des em pat e. [...] A t ercei ra form a é a l egí t i m a. A guer ra não t em s ent i do s enão com o res pos t a a um a i nj ust i ça que ent ende corri gi r. El a s e deci de a part i r de um fi m det erm i nado (repar aç ão da jus t i ça) e ori ent a s uas forças para al cança r es t e fim . Trat a- s e de com bat er para, em nom e de... Ent ende- s e res t abel e cer os val ores , res t aurar a j us ti ça, a i gual dade, o bem ” 3 7 .

Maria Alves e Philip Evanson, por sua vez, ao trabalhar com a política de segurança pública da cidade do Rio de Janeiro, dialogaram com perspectivas de moradores de áreas de maior violência e do próprio Estado, desde membros da secretaria de segurança pública a policiais. Ao entrevistar um líder comunitário da comunidade Parque de Acari, o mesmo retrará uma política de criminalização da pobreza que se relacionada com os conceitos supracitados de guerra. Este diálogo aponta para relações que ultrapassam o Estado de Direito, chegando a problemas no âmbito da relação de poderes na sociedade, 36

TEIXEIRA, Ib.Op. Cit., p. 95-96. GROS, Frédéric. Estados de violência: ensaio sobre o fim da guerra. Aparecida, SP: Editora Ideias& Letras, 2009, p. 163. 37

15

tendo-se em vista algo constantemente ignorado por determinadas políticas públicas de segurança, o feedback da comunidade. “Hoj e há um a convers a m ui t o am bí gua que fal a na cri m i nal iz ação da pobrez a; al guns s et ores acad êm i cos es t ão si s t em at i z ando, m as ni nguém defi ni u at é ago ra o que si gni fi c a is s o. Eu di go que ex is t e um proces s o que não é s ó no Bras i l , é um proces s o mundi al de cri m i nal iz ação da pobrez a. C om o naquel e l i vro do M i ke Davi s , o P l anet a Favel a. P rim ei ro el e fal a que um s ex t o da popul ação m undi al hoj e é favel ada. Há favel as com dois mi l hões de pes s oas e por aí vai . C om a ques t ão do neol i beral i s m o, do Es t ado mí ni m o, o que s obra para o favel ado no m undo ou é a cadei a ou o cem i t éri o. Não t em em prego, não t em es col a, é o que el e cham a de “hum ani dade ex cedent e”. S ó que es s a hum an i dade ex cedent e s om os nós , favel ados . El es s abem o que querem faz er, m as nós é que t em os que s aber o que querem os faz er com a gent e. Não dá pra pas s ar por al i , ver um ga rot o de 15 anos com um fuz i l na m ão, achar que é hum ani dade ex cedent e e di z er: “Tudo bem , el e é hum ani dade ex cedent e m es m o, vai m orrer, vai para o cem i t éri o”” 3 8 .

Em post-scriptum à entrevista, este mesmo senhor relatou a falha de seu projeto, o Sistema para Redução de Danos e Perdas de Vidas Humanas no Complexo do Acari, que tinha como objetivo convencer jovens a desistirem de crimes e ingressarem da economia formal. Um destes jovens, apelidado de “Uerê”, foi um dos que aceitou o desafio e após entregar sua metralhadora a um policial civil, foi morto a queima roupa pelo mesmo. Tal fato teria se dado devido ao “esquecimento da necessidade de uma negociação com o alto comando da polícia para acabar com a política de confronto” . O fato é retratado como “mais uma evidência da ausência de comunicação e do abismo de desconfiança que separa muitas dessas comunidades e muitos líderes comunitários

das

autoridades

governamentais

e

policiais

do

Rio

Janeiro” 3 9 . 7 Cultura do medo

38

ALVES, Maria Helena Moreira. Vivendo no fogo cruzado: moradores de favela, traficantes de droga e violência policial no Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 170-171. 39 ALVES, Maria Helena Moreira. Op. Cit., P. 172.

de

16

Com o fim das guerras entre Estados, o advento das chamadas negociações entre os Estados, GROS problematizará que, enquanto no sistema anterior de guerra

entre

Estados

não

havia

oposição

entre

guerra

e

paz,

contemporaneamente se instalará um continuum de preocupações e cuidados, acabando com o conceito de sujeito político (“cidadão”) e instaurando o conceito de indivíduo. E ainda que: “Des de ent ão, a s egur anç a es forç a- s e em vão para s e enfei t ar com a ret óri ca dos di rei t os do hom em , el a lhes é profundam ent e es t ranha, poi s el a é vi s a um pedes t al vit al : o i ndi vi duo vi vo em l ugar do s uj ei t o de di rei t o. Tom ado em s ua di m ens ão de vi vent e, o indi ví duo t em m enos di rei t os ou deveres do que pont os de vul nerabi l i dade a s uperar e capaci dad es de des envol vi m ent o a m el horar. Um a s ó com uni dade de vi vent es i nt egrados : cont i nuumda s egur anç a, do pol i ci al ao mi l it ar, cont i nuum das am eaças , do ri s co al im ent ar ao ri s co t errori s t a, cont i nuum da vi ol ênci a da cat ás t rofe nat ural à guerr a ci vi l , cont i nuum da i nt ervenção, da agres s ão arm ada cont ra um Es t ado s acri pant a ao s ocorro hum anit ári o, cont i nuum das ví t i m as , do refugi ado des vai rado à cri anç a m al t rat ada” 4 0 .

Tal movimento de segurança sobre o indivíduo será alimentado principalmente pela mídia jornalística. O sociólogo GLASSNER 4 1 analisará este papel midiático nos Estados Unidos, separando sua análise em alguns assuntos como “criminalidade

no

noticiário,

histórias

inacreditáveis

e

estatísticas

exageradas” e “juventude em risco, diagnósticos errados e curas difíceis”. Ainda segundo o mesmo: “Os t el ej ornai s s obrevi vem com bas e em m anchet es al arm i s t as . Nos not i ci ári os l ocai s , onde os produt ores vi vem à cus t a m áx im a “s e t em s angu e, não t em pra ni nguém ”, hi s t óri as s obre drogas , cri m es e des as t res cons t it uem a m ai ori a das not í ci as l evadas ao ar. Os noti ci ári os ves pert i nos das pri nci pai s redes de TV s ão um pouco m enos s angr ent os , m as , ent re 1990 e 1998, quando o í ndi ce de homi cí di os do paí s cai u 20%, o núm ero de hi s t óri as sobre as s as s i nos nos not i ci ári os das redes aum ent ou 600%”.

A cultura do medo funcionará no Brasil como ferramenta de reafirmação da necessidade do recrudescimento da política criminal. A influência da mídia e 40 41

GROS, Frédéric. Op. Cit., p. 247. GLASSNER, Barry. Cultura do Medo. São Paulo: Francis, 2003, p.31.

17

de suas figuras principais, genericamente personalizadas sob as figuras de ancoras de telejornais, fará com que políticas desprovidas de fatores científicos, sendo estas geralmente vinculadas aos valores dos MLOs, sejam sugeridas ao senso comum e, com isso, integrem à IDS 4 2 . Sob

o

viés

da

responsabilidade

de

determinados

jornalistas

sobre

a

propagação do conceito decultura do medo, o jornalista Arnaldo Jabor terá lugar de destaque na reafirmação dos MLOs, sendo ainda reafirmado devido à repercussão de seu primeiro discurso 4 3 sobre os movimentos sociais que tomaram as ruas de diversas cidades do Brasil nos meses de junho e julho de 2013. O discurso da impunidade, do aumento da violência, do fim dos bons costumes, da eminência do caos social, da dicotomia entre o bom/mal estará presentes em textos de sua autoria. Frases como “fui criado com princípios morais comuns”; “direitos humanos para criminosos, deveres ilimitados para cidadãos honestos”; permearão constantemente os MLOs 4 4 . 8 Conclusão A Política Criminal, embora não seja uma ciência per si, se vê preenchida por diversas ciências que a auxiliam em sua administração. Porém, se vê, de maneira clara e crescente, a subutilização deste conhecimento científico em prol de decisões advindas do senso comum. Tais decisões tendem a serem tomadas para a manutenção do status quo, respaldadas por argumentos perfunctórios embalados em frases de efeito. Porém, ao tratarmos sobre o uso da força policial, se faz mister dizer que esta não é controlada apenas pela lei, mas pelo senso comum. Se existem desvios 42

“Essas alegorias, esses discursos, essas imagens produzem um arranjo estético, em que a ocupação dos espaços públicos pelas classes subalternas (pelos pobres de tão pretos, ou os pretos de tão pobres) produz fantasias de pânico do “caos social” (...) No Brasil, a difusão do medo do caos e da desordem tem sempre servido para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento planejado do povo brasileiro. Sociedades rigidamente hierarquizadas precisam do cerimonial da morte como espetáculo de lei e ordem. O medo é a porta de entrada para políticas genocidas de controle social”. BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 52-53. 43 JABOR, Arnaldo. Ver gravação de áudio da Rádio CBN: “Revoltosos de classe média não valem 20 centavos” in http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2013/06/13/REVOLTOSOS-DE-CLASSEMEDIA-NAO-VALEM-20-CENTAVOS.htm. 44 JABOR, Arnaldo. http://pensador.uol.com.br/frase/NTI3NjEz/.

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no Estado de Direito, é por que há respaldo social. Deve-se lembrar de que toda Política Pública, no caso a Política Criminal, é em prol da cidade e não se efetiva sem o respaldo da mesma. Sendo assim, até mesmo os aspectos preventivos da pena, em especial sua ineficácia, permanecem servindo aos interesses da sociedade. A busca por uma mudança deve perpassar não só as leis, mas o espírito das mesmas. Embora

estejamos

instituições

não

em

um

sistema

acompanharam

de

governo

esta

democrático,

redemocratização.

diversas

Instituições

militarizadas com o Corpo de Bombeiros e parte da Polícia são exemplos disso.

A

própria

autoanistia

do

Governo

Ditatorial,

a dificuldade

da

persecução investigativa da Comissão da Verdade, a dicotomia de certas correntes sociais em tratar a mudança de governo democracia-ditadura como “revolução” ou “golpe”, contribuem para que instituições e o sistema democrático de governo destoem em suas ideologias. O presente artigo pretende contribuir para a problematização do crescimento do populismo penal, que embora tenha grande participação da mídia, também se vê enraizado em outros segmentos da sociedade. Debates que tratam sobre a incapacidade do Congresso de legislar de maneira célere e a disputa entre os três poderes formadores do Estado também permeiam a discussão da Política Criminal. Não esquecendo também da linha, que ultimamente tem se tornado cada vez mais tênue, entre Estado e religião. Por se tratar de um debate infinito, esperamos contribuir para o amplo debate não só sobre a política criminal, mas sobre as políticas públicas de uma forma geral.

19

Referências • • • • • • • • •

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Alves, Maria Helena Moreira. Vivendo no fogo cruzado: moradores de favela, traficantes de droga e violência policial no Rio de Janeiro . São Paulo: Editora Unesp, 2013. Batista, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003. Carvalho, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da Lei 11.343/06. São Paulo. Saraiva, 2013. Delmas-marty, Mireille. Os grandes sistemas de política criminal . Barueri, SP. Manole, 2004. E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. 2ª edição. Rio de Janeiro. Revan, 2003. Ferrajoli, Luigi. A pena em uma sociedade democrática In: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 7, número 12, 2º semestre de 2002. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. Foucalt, Michel de. Microfísica do Poder. Gros, Frédéric. Estados de violência: ensaio sobre o fim da guerra. Aparecida, SP: Editora Ideias& Letras, 2009. Glassner, Barry. Cultura do Medo. São Paulo: Francis, 2003. Hammurabi, Rei da Babilônia. O Código de Hammurabi, introdução, tradução e comentários de E. Bouzon. Petrópolis: Vozes, 1976. Jabor, Arnaldo. Ver gravação de áudio da Rádio CBN: “Revoltosos de classe média não valem 20 centavos” in http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldojabor/2013/06/13/REVOLTOSOS-DE-CLASSE-MEDIA-NAO-VALEM20-CENTAVOS.htm . _ . http://pensador.uol.com.br/frase/NTI3NjEz/ . Montesquieu, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Brasília, Editora de Brasília, 1982. Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial 7º edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. Robinson, Jeffrey. A globalização do crime. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Rocha, Fernando A. N. Galvão da. Política Criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. Santos, Juarez Cirino dos. Política criminal: realidades e ilusões do discurso penal. IN: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 7, número 12, 2º semestre de 2002. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. Teixeira, Ib. A violência sem retoque: a alarmante contabilidade da violência: o que ser feito. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2002. Velho, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social – 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

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