POLÍTICA DE JUVENTUDE, FEDERALISMO E IDEIAS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DOS CASOS DE BRASIL E ARGENTINA SÃO PAULO

May 30, 2017 | Autor: Yuri Fraccaroli | Categoria: Youth Studies, Public Policy, Redemocratização
Share Embed


Descrição do Produto

ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

YURI FRACCAROLI

POLÍTICA DE JUVENTUDE, FEDERALISMO E IDEIAS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DOS CASOS DE BRASIL E ARGENTINA

SÃO PAULO, 2013

ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

YURI FRACCAROLI

POLÍTICA DE JUVENTUDE, FEDERALISMO E IDEIAS: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DOS CASOS DE BRASIL E ARGENTINA

Projeto de iniciação científica, com apoio da Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo, realizado de agosto de 2012 a agosto de 2013, orientado pela Professora Doutora Cristiane Kerches da Silva Leite.

SÃO PAULO, 2013

RESUMO Polissêmico, o termo juventude constitui um amplo campo de debate e análise em relação a sua origem, delimitação e sentido. Considerando-se até mesmo sua inexistência em determinados momentos históricos, é visível uma relação entre sua definição e o chamado jogo de forças sociais – no qual se encontram presentes representações, moldadas por uma série de valores e interesses sociais, conservadores ou não. Desta forma, conforme Bourdieu (1983), o termo é demarcado pelo confronto entre gerações com valores e ideias distintas. Apesar da constatação de uma série de atores e representações envolvidas na questão, esta pesquisa teve como recorte metodológico a análise das definições de juventude por parte do Estado, visto a sua grande capacidade de não só reproduzir, como criar representações da juventude (REGUILLO, 2000). Portanto, analisando desde meados do século XIX, com um enfoque mais específico no período da chamada reabertura democrática no continente latino-americano, quando surge a concepção de políticas públicas de juventude, a pesquisa teve como objeto de análise a trajetória da ação pública orientada a juventude no Brasil e na Argentina. A partir da vinculação dos principais acontecimentos sociais e econômicos e o contexto político com as definições da juventude expressas pelo Estado (políticas públicas, instituições e leis), a pesquisa teve como objetivo demonstrar os principais atores, movimentos e ideias presentes ao decorrer destas trajetórias, demonstrando em que medida e sentido interferiram na definição deste termo por parte do Estado. PALAVRAS CHAVE: juventude, políticas públicas de juventude, juventude latinoamericana, políticas sociais latino-americanas.

LISTA DE SIGLAS

Acullá - Plan Nacional Juvenil Preventivo Asistencial AIJ - Ano Internacional da Juventude BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BM - Banco Mundial CEMA - Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina CEPAL - Comissão Econômica para América Latina e o Caribe CNP - Conselho Nacional de Propaganda CONADEP - Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas Conjuv - Conselho Nacional de Juventude DCA - Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente DINAJU - Dirección Nacional de Juventud DNC - Departamento Nacional da Criança EBM - Estado de Bem-Estar do Menor ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente Febem - Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor FEP - Fundación Eva Peron FHC - Fernando Henrique Cardoso FMI - Fundo Monetário Internacional Fonacriad - Fórum Nacional dos Dirigentes de Órgãos de Políticas Públicas para a Infância e Adolescência Funabem - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor H.I.J.O.S. - Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio INCLUIR - Proyecto Nacional de Inclusión Juvenil INJ - Instituto Nacional de Juventude IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LBA - Legião Brasileira de Assistência Libelu - Liberdade e Luta MEC - Ministério da Educação MR-8 - Movimento Revolucionário Oito de Outubro NGP - Nova Gestão Pública NJ - Secretario Nacional de Juventude

OIJ - Organização Iberoamericana de Juventude ONG’s - Organizações Não-Governamentais ONU - Organização das Nações Unidas Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) PAMJUV - Programa de Asesoramiento a Municipios en Políticas de Juventud PJ – Partido Justicialista PNBEM - Política Nacional de Bem-Estar do Menor PNJ - Política Nacional de Juventude PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRODIES - Programa de Diagnósticos, Pesquisas e Estudos sobre a Juventude ProJovem - Programa Nacional de Inclusão de Jovens PRT-ERP - Partido Revolução dos Trabalhadores-Exército Revolucionário do Povo SAM - Serviço de Assistência ao Menor Senac - Serviço Nacional de Aprendizado Comercial Senai - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSJ - Subsecretaria de Juventude SSJR - Secretaria de Juventude da Presidência da República UCR – Unión Civica Radical UEE’s - Uniões Estaduais Estudantis UNE - União Nacional dos Estudantes UNICEF - Fundo das Nações Unidas para Infância VAR-Palmares - Vanguarda Armada Revolucionária Palmares

LISTA DE ILUSTRAÇÕES E ANEXOS

Tabela 1: Políticas públicas de juventude na década de 1990, segundo levantamento de Sposito e Carrano (2003)........................................................................................................ 87 Roteiro de Entrevista com ex-diretora da Febem.............................................................. 125

SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................................... 8 2. Objetivos ...................................................................................................................... 15 3. Metodologia ................................................................................................................. 16 3.1. Estruturação do Trabalho....................................................................................... 16 3.2. Fontes de dados primários e comentários sobre a abordagem............................... 18 4. O Conceito de Juventude ........................................................................................... 20 4.1. De definições a representações: introduzindo o conceito de juventude ................ 20 4.2. A juventude como geração: a sensação de ser jovem, confrontos integeracionais, identidade e coletividade ........................................................................................ 23 4.3. Da diversidade de análises sobre a juventude ao estudos das políticas públicas de juventude ................................................................................................................ 26 5. Políticas Públicas de Juventude ................................................................................ 29 5.1. Da ideia de políticas públicas às políticas públicas de juventude ......................... 29 5.2. Características e tipificações das políticas públicas de juventude ......................... 33 5.2.1. A tipificação de Sáez Marín: bases valorativas ......................................... 33 5.2.2. Características das políticas públicas de juventude: dimensões e tipificações .................................................................................................. 36 6. Panorama Geral das Políticas Públicas de Juventude na América Latina ........... 41 7. O Histórico de Direitos e Considerações Sobre o Tema no Brasil e na Argentina ...................................................................................................................................... 47 7.1. Quando o Jovem era o Menor ............................................................................... 47 7.1.1. A fase caritativa: a roda dos expostos ....................................................... 47 7.1.2. Urbanização, formação nacional, violência juvenil e pane social: os códigos da diferenciação – Ley de Patronato (1919) e Código de Menores (1927) ......................................................................................................... 52 8. Políticas Públicas de Juventude no Brasil e na Argentina ...................................... 65 8.1. Uma introdução ao Pós-Guerra: novas condições econômicas e o novo conceito de juventude............................................................................................................ 65 8.2. Políticas públicas de juventude nos Anos de Chumbo .......................................... 70 8.3. A década de 1980 e a reabertura democrática: janela de oportunidade para a promoção de direitos ou a repressão de direitos pela opção neoliberal frente à instabilidade econômica? Uma contextualização necessária.................................. 76 8.4. A trajetória brasileira: da educação de rua às políticas públicas de juventude...... 81 8.4.1. As lutas por direitos e a consolidação de leis ........................................... 81

8.4.2. Por fim, as políticas públicas ..................................................................... 87 8.5. A trajetória argentina: do Ano Internacional da Juventude às instituições e políticas públicas .................................................................................................... 96 8.5.1. Um introito necessário acerca das influências sobre os processos de reconhecimento do jovem na Argentina segundo Sergio Balardini ........... 96 8.5.2. O desenvolvimento institucional: a formação dos órgãos de juventude .... 98 8.5.3. Da (des)institucionalização da área da juventude às políticas laborais no governo menemista: o trabalho de contextualizar as observações de Balardini ................................................................................................... 102 8.6. Breves comentários sobre a Nova Esquerda e os rumos para a juventude nos governos Kirchner e Lula: recuperando o tempo perdido .................................... 107 9. Conclusões Finais...................................................................................................... 110 10. Referências ................................................................................................................ 116 10.1. Referências Bibliográficas .............................................................................. 116 10.2. Referências audiovisuais ................................................................................. 124

8

1. INTRODUÇÃO A juventude como alvo da ação pública configura um objeto de estudo social recente, e por isso, ainda pouco explorado. Considerando-se desde a problemática que envolve a definição do conceito de juventude, devido a sua íntima relação aos valores e forças sociais, até a própria tipificação das políticas públicas de juventude e suas características mais gerais, percebe-se que para a análise dos casos de Brasil e Argentina é necessário não só a elaboração de uma base teórica por trás dos principais conceitos utilizados, mas também de uma própria contextualização histórica e social que permita uma abordagem bem fundamentada dando sentido a própria comparação. A partir das atividades de pesquisa realizadas, percebe-se que analisar o subsistema1 de políticas públicas de Juventude no Brasil e na Argentina na década de 1990 é observar um quadro de contextos similares de reabertura democrática, instabilidade política e crise econômica, diferenças sociais e políticas importantes, de elaboração e execução de ações específicas para a juventude em dois países da mesma região (BERRETTA&VERDI, 2005), porém com a definição de agendas e políticas públicas específicas. É necessário ressaltar que até então, políticas de juventude eram sinônimo de políticas setoriais, sendo o jovem um dos beneficiados. Por isso, Rodríguez (2003) afirma a necessidade da realização de maiores estudos que relacionem as políticas públicas de juventude com o momento da reabertura democrática e o redesenho do papel do Estado, visto que este é o momento em que a discussão toma corpo na região. Porém, para além da generalização deste contexto latino-americano com pressões similares, é interessante ressaltar que as características particulares do sistema político de cada país, podem influenciar em tal processo também. Por exemplo, no Brasil, enquanto o governo regulamentava a questão do jovem como sujeito de direitos com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, na Argentina a questão foi abordada apenas regionalmente nas Constituições de cada província à sua maneira2, e somente sancionada em âmbito nacional em 2005. Ou seja, é possível afirmar, em forma de hipótese, que características do sistema político, como o arranjo federativo de um país tenha implicações diretas nas políticas públicas, inclusive nas de juventude. Porém, não só as características políticas de cada país interferem na questão, sendo necessário também analisar os principais atores e ideias relacionados à questão em cada país, 1

Conceito proposto em Howllet, Ramesh e Perl (2009). De maneira geral, segundo Balardini (2005), elas se dividem em três grandes grupos: artigos de proteção dos direitos dos jovens; artigos de promoção de políticas dirigidas aos jovens; artigos que combinam os dois. 2

9

por exemplo, enquanto a promulgação do Ano Internacional da Juventude (AIJ) em 1985, a formação da Organização Iberoamericana de Juventude (OIJ), e toda a onda de preocupação pública com o tema da juventude que tais acontecimentos geraram no contexto latinoamericano afetam diretamente a Argentina, o Brasil pouco se relaciona com este movimento (Abramo, 2004), formulando e implementando políticas públicas a partir de outras pressões e movimentos. Por meio de leitura aprofundada, foi possível perceber que está também no período de reabertura democrática o ponto de inflexão em relação ao alinhamento que parecia haver entre estes dois países, que até então seguiam de forma muito similar o panorama geral latino-americano de paradigmas de juventude (ABAD, 2002). Este panorama geral, consenso entre diversos autores, estabelece que é somente na década de 1950 que os Estados nacionais passam a desenvolver ações orientadas à juventude, e que tão só na década de 1990 se implementam políticas públicas de juventude tal qual as conhecemos hoje, dotadas tanto de uma perspectiva multissetorial, quanto transversal. Porém, o uso deste recorte histórico a exaustão em uma série de artigos e obras parece não esclarecer certa problemática: qual teria sido o papel do Estado frente aos jovens antes do início deste panorama e o que caracterizariam estes pontos de inflexão? Em um primeiro momento, duvidou-se da validade desta periodização, visto que uma breve análise histórica dos casos brasileiro e argentino aponta que crianças e adolescentes já configuravam papel de preocupação do Estado anteriormente ao início desta periodização. Romero (2006) indica que no início do século XX, houve na Argentina uma tentativa de alfabetização dos jovens imigrantes para a formação da identidade nacional argentina, assim como é possível encontrar ações do presidente Getúlio Vargas também nesta direção. No caso brasileiro, vale a pena ainda lembrar o papel de destaque da União Nacional dos Estudantes (UNE), formada em 1937, e a tentativa de participação política em uma série de questões nacionais, às vezes duramente repreendidas pelo Estado (ARAUJO, 2007). Em relação à participação política, é interessante notar que ainda segundo Romero (2006), os jovens faziam parte da intensa vida política argentina no início do século, constituindo e apoiando partidos e organizações de classe, como sindicatos, associações, entre outros. Portanto, frente a esta suposta incoerência metodológica, é importante justificar qual a ideia central desta periodização que lhe dota sentido e que distancia esta dúvida em relação a sua validade. Esta periodização tem como pressuposto o fato de que apesar de se poder observar ações do Estado que consideravam os jovens como parte importante de sua implementação antes da década de 1950, é apenas nesta década que os Estados passam a considerar o jovem como destinatários direto de sua ação, uma vez em que a atual definição

10

de juventude emerge do pós-guerra. A compreensão deste fenômeno de reconhecimento explícito por parte do Estado a esta nova categorização da juventude deve ser analisada do ponto de vista econômico e social, portanto. Estas afirmações encontram sentido ao se considerar o panorama geral econômico mundial a ser traçado, que demonstra que a própria atual concepção de juventude é fruto do pós-guerra, de uma nova ordem econômica e social que se estabelece, e que configura o jovem como ator social relevante neste novo ordenamento (NATANSON, 2012), sendo agora considerado dentro de uma nova lógica de sociedade e não mais no superado modelo patriarcal-burguês (ARBUATTI, 2012). Até então, as ações se guiavam a determinados tipos de jovens e crianças, a partir do estabelecimento de representações e padrões de desvios, enxergando apenas uma categoria de indivíduos mais propensa aos potenciais perigos de desvio de comportamento socialmente padronizados. As figuras de preocupação neste período são as crianças órfãs, abandonadas, as crianças de rua, em linhas gerais, os chamados menores em situação de risco. Confome Belluzzo e Victorino (2004), havia até mesmo a preocupação com a chamada vadiagem, propondo ações que buscassem distanciar os jovens desta situação. É inegável também a influência do higienismo (BISIG, 2013) no tratamento da questão neste período – a formulada Cidade dos Menores (CÔRREA, 1997) demonstra a que ponto se chegou a tratar da questão, constituindo um plano de arquitetura que continha especificações do número de leitos, cômodos, planejamento da ocupação do terreno, remontando até mesmo a ideia do panóptico. Em linhas gerais, após um movimento geral pela institucionalização do menor por meio de códigos de leis específicos na América Latina, há um movimento internacional que critica a maneira pela qual foram implementados, principalmente em relação à falta de segurança, higiene e estímulo, considerando tais locais de asilo como inadequados (HASSAN, 2007). A preocupação com esta categoria de crianças e jovens constituiu um grande ponto de preocupação mundial, sendo inclusive tratada em uma série de eventos e trabalhos científicos . Surge então um discurso especializado de médicos, dos chamados discursos psi (CHELI, 2011) e o suposto cientificismo filantrópico frente à ação caritativa identificado por Santos et al (2010). Em uma caracterização geral, até a promulgação dos chamados Códigos de Menores, é possível apontar uma frágil institucionalização do tema, refletida em ações assistencialistas, em um forte papel da Igreja na formação intelectual, e na centralidade da preocupação com os chamados órfãos e menores em situação de risco, com a existência de instituições como a roda dos expostos (BELLUZZO e VICTORINO, 2004). Percebe-se o papel do Estado na

11

questão como secundário, panorama que só seria mudado com a necessidade de controle social por parte dos até então incipientes Estados nacionais, visando à legitimidade de sua ação por meio do controle. Porém, até este momento de cambio no papel estatal, reforçava-se o apoio para instituições privadas e sociais que tratavam do tema, assim como o tratamento do tema a partir da normatização de condutas consideradas adequadas ou não: Pensadas como un programa de ortopedia moral, las prácticas sociales se convirtieron em prácticas de coacción ligadas a una moral burguesa-liberal. En términos de Foucault, es a través de prácticas discursivas que se da el proceso de sujeción y exclusión, bajo una regulación normativa que da por resultado la división de las infancias entre ‘normal’ y ‘no-normal’. (CHELI, 2011)

Portanto, é importante ressaltar que não se fala, todavia, em ações destinadas a juventude, pois a ideia de juventude, como afirmado, até então é inexistente. Como será destacado, é o processo econômico e social que se desenvolve nas décadas posteriores que dará sentido a formulação de ações que tenham como população-alvo a juventude tal qual se lhe reconhece hoje, seja por motivações econômicas ou sociais, ou até mesmo pelo reconhecimento explícito e impossível de ser desviado desta categoria como ator social relevante, uma vez em que em muitos casos passa a exercer pressão e formular demandas e questionamentos sobre até mesmo os valores sociais vigentes. Apesar disto, é interessante observar que já neste momento a figura de preocupação por parte de Estado e sociedade é constituída de maneira extremamente enviesada, influenciada pelos meios de mídia que já disseminavam a ideia dos crimes da juventude (SANTOS, 2010), ao estabelecer os próprios indivíduos a serem considerados como alvo de preocupação sem um questionamento mais amplo sobre quais as razões mais estruturais que os levariam a tal condição (BALARDINI, 1999) e por consequência, o próprio sentido da classificação (HASSAN, 2007) em uma dicotomia entre crianças e adolescentes no sistema educacional e os menores em situação de desvio. Ou seja, o questionamento é apenas em relação a qual deve ser o tratamento adequado para evitar que estes indivíduos cometam atitudes contra a ordem social, e não quais as maneiras possíveis de se reverter tal quadro, visto que este posicionamento necessariamente apresentaria uma grande ruptura com o status quo, que implica em reordenamentos sociais e econômicos, por vezes, não desejados pelos grupos de poder, que poderiam entrar em conflito com a ordem moral burguesa (SOUZA, 2012). Em outras palavras, baseado em Sposito e Carrano (2003), os jovens não são vistos como problemas políticos, apenas configuram neste momento um estado de coisas, o que não configura um status para o termo que demande a

12

função do Estado por meio de políticas públicas. Portanto, para a análise das trajetórias argentina e brasileira no campo das políticas públicas de juventude, optou-se por um recorte histórico

que considerasse estes dois pontos

de inflexão como divisores da análise. O primeiro que seria a partir do reconhecimento pelos Estados da juventude como categoria social já constituída, para além da clássica abordagem institucional das crianças e jovens desviados, e o segundo que seria o momento em que o Estado passa a implementar as políticas públicas de juventude em sentido estrito, a partir de pressões endógenas (Brasil) ou exógenas (Argentina) na década de 1990. De antemão, se percebe uma grande similaridade entre as trajetórias brasileira e argentina em relação à institucionalização da questão do menor, o que parece confirmar a hipótese levantada de que realmente haveria uma espécie de preocupação internacional sobre o tema, configurando desde o princípio, um campo de ação pública bastante influenciado por concepções e movimentos internacionais a respeito da figura do jovem e da criança, sendo bastante permeável. Portanto, para caracterizar este primeiro momento de institucionalização do tema, procurou se basear a análise em autores que tratassem do avanço das ações públicas argentina e brasileira neste sentido. Nesta etapa, considerando a tipificação de Balardini (1990) baseada em Schefoeld, se fala ainda do papel institucional e legal ocupados pela questão. Entre uma série de autores e documentos públicos, como leis utilizadas, destaca-se a Lei do Patronato em 1919 no caso Argentino e o Código de Menores de 1927 no Brasil. Para a análise do segundo momento de ação pública, procurou se remontar a trajetória econômica internacional, relacionando-a com o contexto histórico e social de cada um destes países, considerando-se principalmente quais os atores sociais que influenciaram no debate, assim como derivaram os principais paradigmas de juventude expressos pelos Estados. Considera-se a questão da representação (CHAVES, 2005) como algo extremamente relevante neste exercício de análise, pois expressa o entendimento do conceito de juventude por parte do Estado, tanto em sua compreensão, quanto em sua disseminação a partir da já afirmada capacidade de criar representações a partir de uma série de instrumentos, sendo um deles, as políticas públicas. E por último, para que se possa compreender a lógica das políticas públicas de juventude implementadas na década de 1990, é necessário remontar minimamente o panorama político e social destes países, durante suas respectivas reaberturas democráticas, apontando o reordenamento econômico e estrutural sofridos pelos dois Estados neste período, assim como algumas mudanças em relação ao panorama institucional e legal e o próprio

13

movimento pró-juventude que passa a ser desenvolvido pelos organismos internacionais, como a OIJ, a Organização das Nações Unidas (ONU), entre outros, claramente perceptível com a declaração do Ano Internacional da Juventude em 1985 (ANDRADE E RODRIGUES, 2008). A partir de aprofundada pesquisa teórica, foi possível perceber que para além do estudo deste movimento internacional a favor da juventude, é imprescindível analisar as diversas concepções de juventude consideradas pelos órgãos internacionais, assim como a maneira pela qual os Estados vão se constituindo no período de reabertura democrática, e em quais sentidos representam barreiras e obstáculos ou facilitadores para a adesão de determinados paradigmas, remontando a afirmada relação entre políticas públicas de juventude e reabertura democrática diagnosticada por Rodríguez (2003). Em consonância com os principais organismos internacionais e a chamada onda da Nova Gestão Pública (HALL, 1995), a década de 1990 foi marcada por uma série de iniciativas visando o chamado ajuste estrutural na América Latina, que significou uma nova concepção do papel do Estado, traduzida no deslocamento de sua função prestadora de serviços para sua função reguladora (MAJONE, 1999), a partir dos chamados princípios de good-governance formulados pelo Banco Mundial (BM) (SOUZA & ARCARO, 2008) e os principais credores de recursos financeiros necessários para a recuperação econômica do continente, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)3. Apesar de se considerar o histórico do Plano Diretor de Reforma do Estado, documento elaborado por Bresser-Pereira durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), assim como os inúmeros planos de privatizações de empresas públicas e concessões de serviços, que consolidariam tal concepção de Estado Mínimo no Brasil, colocar o neoliberalismo implementado pelo governo de Carlos Menem em uma relação de igualdade ou equivalência com as mudanças brasileiras soa um pouco exagerado, visto que nenhum país no mundo conseguiu implementar uma experiência tão extrema similar à Argentina (FERNÁNDEZ et al, 2010). O Plano de Convertibilidade e a série de ajustes estruturais na Argentina, assim como a relação destes fundamentos com as políticas públicas de juventude, especialmente nas áreas de educação e inserção laboral parece ter sido mais intenso, baseando-se na leitura de uma série de autores que analisam tais relações na Argentina (BARBETTI, 2010; APARICIO, 2005)

3

Para melhor compreensão destes organismos internacionais, verificar Souza e Arcaro (2008).

14

Portanto, nesta última seção de análise, considerando o instrumento metodológico enunciado por Núñez (2008), buscou se demonstrar este reordenamento dos tecidos sociais brasileiro e argentino. Neste sentido, com a reabertura democrática surge a possibilidade de voz a uma série de movimentos sociais nestes países, sendo extremamente relevante considerar esta multiplicidade de atores e seus papéis na busca da garantia de direitos por meio legal e sua efetivação por meio de políticas públicas. Com a propulsão do ECA em 1990, pós uma série de avanços no sentido de garantir os direitos sociais das crianças e jovens já na Constituição Cidadã, apesar de uma pauta internacional de redução do papel do Estado, há que se considerar o peso conferido pela promulgação destes mecanismos, limitando as possibilidades de diminuição ou flexibilização nos direitos já existentes. No caso argentino, segundo Barbetti (2010), as reformas educacionais implementadas nesta década, assim como o deterioro das condições de trabalho a partir da flexibilização da legislação trabalhista evidenciam a influência de uma concepção economista neoliberal sobre as diversas áreas sociais do Estado. Resulta interessante destacar que o novo instrumento legal promulgado em 1994, se relacionava diretamente com esta nova concepção de Estado, durante o governo Menem. A partir da formação da hegemonia menemista (FAIR, 2011), e seu efeito sob uma não percepção das classes médias e mais ricas, ocultou-se em grande escala o deterioro das condições de vida e o alastramento da pobreza no país. Criou-se a ilusão de que o país prosperava economicamente, até o estouro da crise econômica em 2001. Portanto, a partir desta fundamentação teórica e metodológica, não se olvidando em nenhum momento dos critérios aqui pré-estabelecidos, buscou se analisar a trajetória das ações públicas em relação à juventude nestes dois países, inclusive antes da formação do próprio conceito de juventude, quando ainda se falava de menores e crianças.

15

2. OBJETIVOS O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a trajetória da ação pública orientada a juventude no Brasil e na Argentina, com a intenção de demonstrar as relações entre os processos sociais, políticos e econômicos vivenciados por estes países e sua influência sobre a concepção do jovem expressa na ação pública. Baseado em referenciais teóricos de políticas públicas, se objetivou demonstrar quais foram os atores envolvidos nestes processos, quais as opiniões e discursos que traziam, e de que forma o ambiente social do momento influenciava neste processo, considerando as principais barreiras e condicionantes para a definição da figura do jovem como alvo da política pública, dentro do chamado processo de identificação do destinatário das ações públicas (ARBUATTI, 2012), com o foco na etapa de formulação. Por meio da comparação, a proposta de análise intencionou trazer a discussão sobre o peso da economia e de movimentos encabeçados por atores internacionais ou nacionais sobre a questão, assim como uma reflexão para além do paradigma geral de políticas públicas estabelecido por Abad (2002). Se procurou observar as disparidades entre estes dois países, com o objetivo de demonstrar, a despeito da proximidade regional, as diferentes maneiras pelas quais o tema da juventude ascende à agenda pública nestes dois países, visto que na Argentina o movimento da OIJ interfere diretamente na questão, enquanto no Brasil, há um movimento por forças endógenas no período da Constituinte (Abramo, 2004) que marca a discussão. Mediante a observação de processos distintos, objetivou-se comparar quais foram os principais avanços e debilidades de cada um deles e qual o peso que estabelecem frente às mudanças que ocorrem na década de 1990, com a ascensão do neoliberalismo (HALL, 1995). Com a conclusão da análise, a partir de um referencial conceitual sólido e de grande abrangência, mapeando os principais atores e pontos de inflexão da policy, o objetivo da pesquisa foi apontar propostas de análise destes dois casos, visto que por seu foco de análise generalista, sem a pretensão de estabelecer tendências e padrões para as políticas públicas desta comunidade epistêmica, alguns pontos e argumentos parecem apontar uma necessidade de maior análise, considerando-se também a escassez de dados sobre este campo de ação pública nos dois países.

16

3. METODOLOGIA 3.1. Estruturação do trabalho Esta pesquisa foi baseada em uma análise qualitativa de dados secundários, oriundos da literatura sobre políticas de juventude brasileira e argentina. Primeiramente, foi realizado levantamento bibliográfico de abordagem teórica sobre a questão dos níveis de debate de políticas públicas (com foco na ideia dos paradigmas de políticas públicas), dos interesses e agentes envolvidos e também do processo de formulação de políticas públicas, a partir das abordagens de Howlett, Ramesh e Perl (2009) e Kingdon (2006). Dentro deste referencial teórico, considerou-se principalmente as abordagens sobre agenda pública, os processos de formulação das políticas públicas, assim como a ação dos policy entrepreneuers e as janelas oportunidade. A etapa seguinte foi o estudo da temática da juventude em termos mais amplos, analisando o conceito de juventude, procurando expor os principais enfoques e problemáticas acerca do tema, principalmente em relação a sua definição e os conteúdos valorativos que comporta. Ao relacionar o conceito com uma série de outros conceitos e ideias, como as de geração, protagonismo social, contracultura e identidade, demonstrou-se a amplitude do campo de debate e a impossibilidade de defini-lo de forma neutra e isenta, assumindo a polissemia do conceito e sua complexidade verificada historicamente. E diante desta impossibilidade de definições neutras, percebeu-se a importância de se analisar o papel do Estado, justificando a adequação da análise de políticas públicas para a questão, ao se considerar a capacidade de criar representações da juventude (CHAVES, 2005) que interferem diretamente na concepção do tema socialmente. Justificada a escolha pelo campo de políticas públicas, a partir de grande revisão bibliográfica, se estruturou uma seção de aprofundamento teórico não só sobre ele, mas principalmente das políticas públicas de juventude. Neste ponto, há a proposição de tipificações e níveis de análise segundo diversos autores, a descrição das características das políticas públicas de juventude no sentido administrativo – em relação a sua transversalidade, multissetorialidade, entre outros – e também uma discussão sobre alguns valores paradigmáticas, como a concepção de políticas geracionais e intergeracionais, e a própria existência de uma adultocracía segundo Rodríguez (2003). Há inclusive uma análise aprofundada da orientação ideológica destas políticas (de, para, pela, com a juventude) realizada por Balardini (1999), que apesar de ser considerada insuficiente para a análise por Sposito e Carrano (2003), resulta interessante ao fomentar uma discussão sobre o viés do uso

17

político da juventude4. Com a realização de uma ampla reflexão sobre o tema, foi possível traçar o panorama geral de paradigmas de políticas públicas de juventude na América Latina, desenhado por Abad (2002), que é consenso entre a maior parte dos juvenólogos latino-americanos. Apesar de suas generalizações, que não consideram os detalhes e dessincronias cronológicas entre um país e outro, o panorama é extremamente rico, pois condensa uma série de informações disponíveis e contempla uma visão bastante fundamentada teoricamente, expondo uma série de conceitos e eventos que auxiliam na compreensão das trajetórias da ação pública frente à juventude na análise de Brasil e Argentina. Com o questionamento sobre este panorama geral, ilustrado na introdução deste relatório final, dividiu-se a análise em três etapas a partir de dois pontos de inflexão, que são: 1) a emergência do conceito de juventude no pós-guerra e 2) a implementação de políticas públicas de juventude em sua mais atual concepção, a partir da década de 1990, considerandose o background da década de 1980, com o processo de debate público, endógeno ou exógeno, sobre as situações e condições juvenis. Para a análise destes períodos, levou-se em conta a proposição de Núñez (2008) sobre a necessidade de se articular os acontecimentos políticos e sociais do momento com a definição da juventude, com o sentido de se pensar o que é ser jovem. Portanto, dentro destes contextos, observando os principais atores e paradigmas defendidos, somou-se a contribuição de Arbuatti (2012) sobre os processos de identificação dos sujeitos das políticas sociais, destacando os câmbios nas concepções dos sujeitos sociais e sua relação com as instituições de assistência aos jovens: La mirada sobre los cambios en las concepciones del sujeto de lo social, no puede desentenderse del análisis de las instituciones de asistencia a los niños, que como satélites fueron conformándose en torno de ellas. Esas instituciones han conformado en las sociedades modernas, “lo social” como forma específica en la intersección entre la igualdad de derechos en el orden jurídico y la desigualdad material de esos derechos (ARBUATTI, 2012).

Considerando esta forte vinculação, a autora estabelece que a partir deste processo de concepção do social se define o espaço de intervenção do Estado, em suma, apesar de se parecer óbvio, a ideia que se coloca é que a partir da compreensão do que é a sociedade e quais seus valores a serem mantidos, por meio da definição do próprio papel do Estado, que 4

As autores dizem que esta classificação é suficiente para se compreender o campo das políticas públicas de juventude. Ressalta-se, porém, que a discussão realizada por muitos autores, como Balardini (1999) e Abramovay (1998) não se restringe apenas a esta classificação, simplesmente a usa em conjunto com outros instrumentos metodológicos de análise.

18

se definem quais são os espaços de intervenção no chamado “social”. E dentro deste campo, para a formação destas definições, há a política, a economia, os costumes sociais, entre tantas outras questões. Por tais razões, para a análise dos casos brasileiro e argentino no campo da assistência a criança e aos adolescentes se procurou observar não só qual a ação realizada pelo Estado em determinado momento, mas também quais eram as lógicas políticas e sociais frente a conjuntura nele existente. Por último, por meio da comparação, foi realizada um compilado das similaridades e diferenças de trajetórias entre Brasil e Argentina, sobretudo a partir da década de 1980, com os diferentes rumos tomados na reabertura democrática, considerando-se também as sonoras diferenças entre as ditaduras militares implementadas nestes dois países. Este ponto se constitui como um grande objeto de distanciamento entre os caminhos tanto pela influência internacional diretamente na questão, via órgãos internacionais, quanto pela própria concepção de Estado, também promovida por estes órgão. Porém, se diretamente na questão, é possível observar um quadro totalmente distinto entre os países, a segunda requer uma forte e complexa argumentação sobre os graus de adequação destes países aos chamados ajustes estruturais e a onda neoliberal presente no momento. Neste sentido, metodologicamente, houve a necessidade de se explorar também este momento a partir dos instrumentos propostos nesta seção. 3.2. Fontes de Dados e Comentários Sobre a Abordagem. Este trabalho foi realizado unicamente com base em dados secundários, tem sido realizada uma análise qualitativa a partir da literatura de políticas públicas. Apesar de um maior número de artigos e obras sobre teorias de políticas públicas de juventude em espanhol em relação a obras em português, o mesmo não ocorreu com a identificação das próprias políticas públicas de juventude na Argentina durante a década de 1990, com uma maior disponibilidade de artigos brasileiros que olham especificamente para as políticas públicas implementadas no país. Portanto, frente a esta indisponibilidade, o trabalho possui como grande limitante a falta de fontes diversas de análise,

visto a indisponibilidade de se realizar entrevistas com

agentes públicos argentinos, embora uma série de tentativas tenham sido realizadas. No caso brasileiro, foi possível a realização de apenas uma entrevista com uma acadêmica da área de juventude, que vivenciou todos os processos da década de 1980 e 1990 no Brasil, sendo de extrema relevância suas contribuições, ao confirmar argumentos e linhas de pensamentos,

19

além de acrescentar grandes dados à discussão. Em linhas gerais, as principais fontes de dados foram estudos e análises sobre o caso brasileiro e o caso argentino, como obras acadêmicas relevantes (artigos, papers, livros) e relatórios de organizações que analisam o tema, como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), OIJ, Fundación Friedrich Ebert e a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL). Destaca-se o Portal Scielo Argentino5, periódicos do Centro de Estudios Sociales CIDPA, assim como documentos de órgãos internacionais (OIJ, BID, CEPAL, ONU, entre outros) e Bancos de Teses informatizados das principais universidades argentinas6 como principais ferramentas para a obtenção de dados relativos à República Argentina.

5 6

Link para acesso: . Bancos como o da Universidad de Buenos Aires (UBA): < http://www.sisbi.uba.ar/consultas/tesis.html >.

20

4. O CONCEITO DE JUVENTUDE 4.1. De definições a representações: introduzindo o conceito de juventude. Bourdieu (1983), em seu clássico artigo sobre o conceito de juventude, propõe a seguinte indagação: o que falamos de juventude quando falamos em juventude? Este questionamento, que remete à afirmação que dá título a seu texto, dentre as várias questões que aborda, indica duas principais problemáticas do tema que se relacionam (QUAPPER, 2001). Primeiramente, a polissemia deste termo, e como consequência, a inexistência real de uma juventude, pois a juventude é só uma palavra. A juventude seria então um produto social, intimamente ligado aos valores, ideias e interesses utilizados para sua definição. A juventude possui fronteiras difíceis de serem concretamente estabelecidas, visto que estas são integralmente sociais, o que problematiza sua definição, principalmente num atual contexto de constante mudança nas relações sociais, de instabilidade econômica e política, e também pela existência de uma diversidade de valores dentro de uma mesma sociedade. Como definir o período da vida que é usualmente enxergado como a fase que se inicia com o fim da infância e termina com a entrada do indivíduo à sua fase adulta – ou seja, como uma fase de transição? Neste sentido, indaga Natanson (2012), se até ontem se poderia definir a juventude como o gap entre a dependência familiar (infância) e o estabelecimento de um novo núcleo familiar autônomo e próprio (fase adulta), a partir do exercício de suas funções produtivas e reprodutivas, como defini-la, quando indivíduos com mais de 30 anos ainda residem com seus pais por motivos econômicos e sociais7, e a sociedade argentina considera jovem um político com 36 anos, que em outros períodos históricos jamais assim teria sido considerado? Expõe tal mutabilidade temporal a existência de diferentes cortes geracionais e as definições dadas a esta categorização em diversas sociedades ao longo do tempo, sendo que em algumas, tal recorte de realidade nunca chegou a existir (REGUILLO, 2000), Portanto, mesmo se analisando a juventude a partir de um enfoque conversador de período de “transitoriedade”, oriunda da psicologia de Erikson, há uma grande dificuldade em defini-la em termos práticos. Porém, isentar estas diversas definições de interesses e valores parciais parece ser um 7

Para expor tal questão, o autor aborda a relação entre mudança do padrão de relações sociais entre pais e filhos com questões econômicas. Se até certo momento havia a o repúdio ao mais velho, o rompimento com as tradições, com a possibilidade de se auto-estabelecer em um ambiente próprio, regido por seus própris princípios e liberdade (principalmente sexuais), possibilitado por um período de economia dourada, com pleno emprego e alta produção mundial fruto do pós-guerra, atualmente a situação é outra. Com o alto preço do metro quadrado e uma economia bem menos dourada, com aumento de criminalidade e desemprego, a relação de rompimento – repúdio se reorienta a uma negociação entre pais e filhos, conforme aponta relatório do PNUD.

21

erro, principalmente, quando se considera que a definição da juventude nada mais é que o resultado das relações de força em uma sociedade em dado momento (REGUILLO, 2000). Portanto, é indispensável para a compreensão de qualquer definição do termo juventude o uso de um enfoque analítico que articule o momento histórico, político e social com ela, conforme proposição de Núñez (2008), para que se possa compreender de que forma despontam seus principais ideais, paradigmas e estruturas simbólicas e de quais confrontos ou relações derivam. A partir do contexto de determinado momento, analisar a produção social daquele que possui o poder - no caso atual, Estado Moderno – resulta interessante uma vez em que tal construção é realizada em relação aos valores centrais que devem ser mantidos em dada sociedade, a partir do resultado do citado confronto entre forças que resulta na ação do Estado8. No caso da juventude, quando ela é necessária para o progresso ou manutenção social desejada, e se porta a partir do que é determinado, é positiva. Por outras, quando representa obstáculo para a ordem vigente, ao questioná-la, é negativa e estigmatizada. (SPOSITO e CARRANO, 2003) – alguns acontecimentos na segunda metade do século XX ilustram tal contraste. Nos anos 1970, quando se passa a enxergar, a partir da visão econômica, o potencial econômico que este grupo de indivíduos poderia gerar num período em que se inicia um processo mundial de desaceleração econômica (NATANSON, 2012), ela é incentivada por meio de políticas de inserção laboral e o desenvolvimento de ações específicas para ela. Por outras vezes, quando ela questiona valores centrais do status quo, é estigmatizada e desvalorizada, como por exemplo, no épico Maio Francês e o Cordobazo na década de 1960, havendo até mesmo confrontos diretos de força física entre Estado e jovens. Desta forma, realmente parece haver uma forte adequação entre a definição do termo e os interesses de quem a define – o que no caso do Estado, significa a manutenção deste status quo ou mudança para o sentido que lhe é adequado ou desejado. Como bem explica Maquiavel, a manutenção do poder é um dos objetivos do príncipe. Num contexto mais recente, o contraste entre representações também pode ser percebido. Estudantes protestando por melhores condições de ensino, adolescentes participando de grupos de militância política – seja por um partido ou por uma causa social até os recentes Indignados da Espanha. Em geral, jovens que promovem protestos, por vezes, questionando o próprio poder, desempenhando um protagonismo político a partir do manejo 8

Em tal situação, faz sentido pensar que a própria composição e estrutura do Estado é resultado deste confronto de forças, conforme ABAD (2002).

22

das novas tecnologias e capacidade de organização. No caso árabe, até mesmo decisivos para a derrubada de governos autoritários. Seriam estes jovens: a) subversivos, desordeiros e violentos ou b) agentes de transformação, protagonistas políticos? A resposta desta questão, implicitamente contém a definição do papel que esta juventude deveria desempenhar, e logo então, inevitavelmente estará completa de valores sociais e ideologias de quem a responder, o que consequentemente, também construirá a ideia do que é a juventude. Em linhas gerais, atualmente, há uma constante representação negativa da juventude, na maioria dos principais meios de mídia9 (CHAVES, 2005), afetando a concepção de juventude por parte da sociedade, ao estabelecer os chamados “problemas da juventude” e demonizar os jovens, propondo medidas mais duras e punitivas. Alguns destes problemas seriam a gravidez precoce, o crescente uso de drogas ilícitas e as altas taxas de violência juvenil registradas por governos, principalmente em países em desenvolvimento, onde a distância entre as classes sociais mais altas e as mais baixas é abissal. Tal visão da juventude como moratória social também é repleta de valores para sua definição, pois ao culpar o jovem que não consegue replicar a ordem social, isenta a sociedade e Estado de quaisquer responsabilidades sobre a atitude destes jovens, caso dos rotineiros discursos sobre os pibes chorros na Argentina (MÍGUEZ, 2010) e a redução da maioridade penal no Brasil. O que esta visão é incapaz de contemplar é que jovens de classes sociais diferentes, apesar de terem a mesma idade e viverem dilemas parecidos neste período de vida, possuem condições de vida totalmente diferentes, principalmente em relação às estruturas familiar e econômica, que interferem diretamente nas suas reais possibilidades de ascensão neste modelo econômico, e consequentemente em sua melhoria na qualidade de vida. Como constata Torrado (1995), há uma transferência intergeracional da pobreza. Pois ao jovem, quando não pode estudar, na maioria das vezes pela necessidade de incrementar a renda familiar, somente lhe restam os piores e mais instáveis trabalhos em relação à remuneração e seguridade social. Como constatam diversos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), há uma forte relação entre anos de estudo e remuneração. A partir desta situação, a escolha dos jovens pela criminalidade já não parece mais fruto de vontade pessoal, índole ou temperamento. De qualquer forma, esta visão estigmatizada do jovem que não segue tal padrão social, incapaz de replicar a ordem social, alimentada por noticiários televisivos e opiniões conservadoras, talvez seja a representação da juventude mais difundida e presente no

9

Howlett, Ramesh&Perl (2009) tratam da questão dos think-tanks.

23

imaginário social, a de reprodução e manutenção da ordem social, marginalizando aqueles que não o seguem. Portanto, analisar a relação entre juventude e sistema social mais profundamente parece apontar traços importantes para a compreensão do tema, visto que para alguns, o Estado não só escolhe uma representação da juventude, como também pode ser o principal ator a criá-la (SPOSITO e CARRANO, 2003). Neste sentido, voltando a Bourdieu, como já inúmeras vezes afirmado, a criação da categoria juventude levará em consideração quais são os valores que se deseja defender, inclusive a partir da lógica do Estado. E a partir de tal constatação, é que o autor segue a segunda problemática do tema: a construção social da juventude como forma de manipulação social. Segundo Quapper (2001), se percebe tal manipulação ao observar a transformação de um determinado grupo da sociedade, que apenas compartilha uma mesma idade em dado momento, em um grupo que passa a ser caracterizado como portador de mesmos interesses e problemas, como se tal recorte fosse baseado em fatos e evidências biológicas. É desta maneira que o autor caracteriza o mal uso da idade e de cortes etários, que instrumentalizam esta manipulação, inferindo características sociais a questões biológicas, ponto no qual, para Bourdieu, ela se torna evidente. 4.2. A juventude como geração: a sensação de ser jovem, confrontos intergeracionais, identidade e coletividade. Pois bem, se o conceito de juventude é tão variável e impreciso, como explicar a unidade que o termo possui, criando até mesmo um sentimento de pertencimento a muitos? Em outras palavras, como explicar a unidade dentro da diversidade (BIAGINI, 2012). É que apesar de todas as definições, como aponta Margullis (2008) em oposição a algumas ideias de Bourdieu, a geração mais nova vive em um mundo que não é composto apenas por ela, e sim, em contato com outras gerações também, criando uma sensação de aproximação, e pela distância da velhice, um sentimento próximo da imortalidade. O mundo ainda é aberto, as experiências ainda não são todas conhecidas, há maior flexibilidade em suas opiniões e vontade de experimentar o que não é conhecido, e talvez daí a propensão maior à mudança do que as gerações que já envelheceram, e que, em tal momento, carregam um conformismo maior com o estado de coisas. Fora estes fatos, Natanson (2012), ainda descreve que uma mesma geração, mesmo que desde posições diferentes (seja de sexo, classe social, etnia, religão), compartilha um mesmo momento histórico, com suas particularidades e condições (seja mais forte para

24

alguns, como mais fracos para outros), fazendo com que a juventude seja mais que uma palavra (MARGULLIS, 2008 apud NATANSON, 2012), pois é vivenciada e aclamada por indivíduos tão diferentes. Em direção à compreensão deste sentimento de pertencimento, Biagini (2012) contribui com a noção do distanciamento que tal geração sente das demais, principalmente no que se refere ao inconformismo frente à realidade social. É a partir de um desejo de renovação, de mudar o estado de coisas, reordenar a composição social, defender direitos, de participar ativamente da sociedade, que há a construção de uma identidade 10 coletiva, suprassocial, capaz de englobar uma diversidade de indivíduos com características diferentes. Como bem ressalta o autor, assim como qualquer identidade, ela é temporal e pode ser mudada, e em alguns casos, pode até mesmo resultar na demonização de outros grupos sociais (no caso da juventude, demonizando o adulto). Em função destas características, é que o autor enxerga na juventude o principal canal de propagação de utopias, que lhe confere uma força diferente das demais gerações que já não compartilham mais deste anseio por mudança: Los jóvenes, en términos comparativos, caben ser juzgados como uno de los mayores vehiculadores de utopia, entiendendo por ello uma capacidade renovadora de obrar y conocer en base a princípios, renuentes a otorgale uma fuerza irreversible de las penúrias colectivas y dispuestos a combatir esse estado inequitativo de cosas, según puede observarse em el devenir de los movimientos estudantiles [...]La tendência a trasmutar la sociedade, según assegurava una voz autorizada, Bertrand Russel: ese ‘deseo abrasador de impugnar y desafiar las ideas aceptadas [...] tan necessário para todo lo creativo y nuevo’. (BIAGINI, 2012, p.375-376)

Em linhas gerais, estaria na juventude a principal possibilidade de reforma social. Tomando como referência o movimento estudantil no século XX, o autor expõe a capacidade de articulação que o movimento possuía com uma série de outras classes, citando que no Primeiro Congresso de Estudantes Americanos, em Montevidéu em 1908, até mesmo se chegou a pensar na classe estudantil, representante não só da juventude11, mas da sociedade, como uma classe sociológica em si. Evidentemente, em contraposição, em décadas mais recentes, há também a questão mercadológica, que cria uma nova classe de consumo, que a partir da universalização de 10

O autor ainda ressalta que o dilema identitário, tão presente na cultura latino-americana, seria um dos propulsores da construção desta ideia de juventude, uma vez em que possa por cima de diversas barreiras: econômicas, sociais, raciais, entre outras. 11 Neste período, obviamente anterior as Guerras Mundiais, é interessante notar que esta ideia de juventude é definida pela classe estudantil, não havendo muita distinção entre estes dois termos. A noção da qual temos atualmente como juventude é essencialmente fruto do pós-guerra. (NATANSON, 2012)

25

gostos e comportamentos (todavia, não se fala em globalização), também contribui para a conformação deste sentimento de pertencimento – seja pela música, pela moda ou pelo cinema, entre outras indústrias. Inclusive dentro deste contexto de consumo, o comportamento do jovem é mais propenso à mudança que o das gerações mais velhas, aceitando novas modas e digerindo novos produtos (ou novos conteúdos) com maior facilidade12. O ponto que tenta se estabelecer é que se num contexto social, a capacidade de transformação e mudança é inerente ao jovem, também o é em relação a comportamentos de consumo, mesmo de que de certa forma o que se produza como resultado final seja um comodismo e individualismo. Antes de se falar em globalização, esta “cultura do jovem” que se espalhou pelo mundo principalmente a partir da prática mochileira e pela música (NATANSON, 2012), impondo mesmas necessidades e anseios13, conseguiu moldar um padrão de comportamento que bem se adequou as condições e necessidades econômicas do pós-guerra. A título de ilustração, o autor aponta o aumento monstruoso da indústria fonográfica e a quantidade de jovens americanos que viajaram para América Latina nos anos 1970, baseado em dados de Hobsbawn (1999). Desta maneira, compreender, mesmo que minimamente, a trajetória do pós-guerra em relação à juventude resulta de extrema importância para que se possa compreender as juventudes das décadas de 1960 até hoje, visto que o conceito vigente que se tem de juventude é originário deste período, é um fruto das condições do pós-guerra. Estas juventudes que compartilharam momentos históricos próprios, e que promoveram coletivamente o Maio Francês, o Cordobazo Argentino, manifestações contra a Guerra do Vietnã, manifestações contra a ditadura no Brasil – organizando-se até mesmo em grupos armados em alguns casos. Estas juventudes que se aproximaram da música, que se transformaram em classe de consumo. Estas juventudes que viveram em períodos econômicos diferentes, que condicionariam até mesmo a forma de relação com seus pais e as gerações passadas, do rompimento até a negociação.14 Neste sentido, o panorama geral destas juventudes traçado por Natanson (2012), baseado em explicações econômicas globais, em concordância com a história econômica de

12

A variedade de estilos musicais, o uso de roupas diferentes, entre outras questões. Principalmente em relação à questão do consumo. Esta criação do imaginário “teenager” é essencial para a compreensão do que hoje normalmente se tem por juventude. 14 A comparação entre as juventudes contestadoras das décadas de 1960 e 1970 – idealizadas no imaginário da esquerda – com as atuais juventudes, fruto da ascensão do neoliberalismo, expõe como mesmo no pós-guerra, há uma mutabilidade no conceito de juventudes, a partir desta visão geracional. 13

26

Ferrer (2007)15, é interessante ao demonstrar a influência da economia e política no comportamento jovem – desde o comodismo da juventude europeia e norte-americana resultante da ascensão do neoliberalismo, até o fervor das juventudes latino-americanas na década de 1980, com a recuperação da democracia na maioria de seus Estados. 4.3. Da diversidade de análises sobre a juventude ao estudo das políticas públicas de juventude. Pela grande dimensão do tema da juventude e as limitações da pesquisa, decorre uma impossibilidade de focar o debate do conceito de juventude de maneira integral. Apesar de traçar um panorama geral do debate, é necessário frisar que este panorama não aborda todos os pontos centrais, e que está longe de esgotá-lo, vide as importantes discussões presentes em Abramo (2004), Rodríguez (2002), Natanson (2012), Balardini (1999) e o próprio Bourdieu (1983), que além de seus posicionamentos citados, explica também a ideia da formação de geração a partir do confronto entre diferentes grupos sociais, sendo tanto “juventude” como “velhice” resultado do confronto entre velhos e novos. Percebe-se, portanto, que há uma variedade de análises de diversos campos do conhecimento que tem a juventude como objeto de estudo. Desde pesquisas de marketing, que objetivam o delineamento do comportamento de consumo do jovem, até análises mais profundas, como as sociológicas e filosóficas sobre o próprio conceito de juventude, principalmente na área da contracultura juvenil (BIAGINI, 2012). Mesmo dentro destes próprios campos, não há consenso sobre o que seria a juventude. Há diferentes linhas que enxergam a juventude de maneira diferente, como por exemplo, a citada contraposição de Margulis (2008) a várias definições de Bourdieu (1983). De qualquer forma, negar a importância do papel do Estado em relação não só a questão da juventude, mas também a definição de uma série de temáticas sociais aparenta ser um equívoco, uma vez em que, como já afirmado, este é o produto final do confronto de forças sociais e também representante principal do poder público. Não há neutralidade no campo da ação do Estado, em outras palavras, as políticas públicas possuem valores, visto que decorrem de uma escolha política, além disso, ao serem efetivadas, num contexto de limitação orçamentária, inviabiliza outras ações. Com a recuperação do papel do Estado, após um período de descrença em seu papel, uma linha de pesquisa bastante desenvolvida durante a década de 1990 é a análise de políticas 15

Por motivos metodológicos, este panorama se encontra presente na seção “Uma introdução ao Pós-Guerra: novas condições econômicas e o novo conceito de juventude”.

27

públicas. Esta linha de pesquisa ganha grande visibilidade no fim do século XX, período no qual foi desenvolvida, devido a uma série de fatores: Nas últimas décadas do século XX houve o surgimento de um campo de estudos nas ciências sociais denominado políticas públicas, bem como o surgimento das instituições, modelos e regras que detêm a decisão a respeito dessas políticas. Segundo Celina Souza (2006) alguns fatores contribuíram para o aumento da visibilidade desta área. O primeiro foi a adoção de políticas restritivas dos gastos públicos, sobretudo nos países em desenvolvimento. Com tal restrição a forma como eram realizados os gastos, assim como o aumento da eficiência ganhou atenção dos governos e das universidades. O segundo fator, elencado pela autora, foi a substituição das políticas keynesianas por políticas de restrição de gastos. O ajuste fiscal hegemonizou a discussão a partir desse período, levando os governos a definirem como foco a relação entre receitas e despesas. O terceiro fator, característico dos países em desenvolvimento, sobretudo os da América Latina, é que esses países não conseguiram formar coalizões políticas capazes de sustentar formulações de políticas públicas capazes de promover o desenvolvimento, sobretudo no pós-guerra. (ROCHA, 2012, p.18)

A chamada onda da Nova Gestão Pública (NGP), pautada pela busca de eficiência nos principais processos do Estado, se insere neste contexto, visando justificar ou não sua presença em determinado setor, motivada pela principal pelas questões de restrições orçamentárias. (HALL, 1995) Ao procurar compreender a complexidade dinâmica do campo de ação do Estado, aqui não só a sua composição, mas principalmente em relação aos condicionantes de seus processos de tomada de decisão16 é que há um divórcio com a clássica separação weberiana entre Administração Pública e Política. Uma série de estudos apontam as relações entre estes dois campos de estudo, embora haja diferenças das escolas europeias e americanas de políticas públicas. Como aponta Rocha (2012), enquanto a tradição europeia enxerga as políticas públicas como subordinadas a dinâmica do Estado e suas instituições governamentais, analisadas a partir de teorias de classe, a escola americana analisa de forma direta a ação dos governos, sem vínculo com teorias sobre o papel do Estado. A teoria de políticas públicas, oriunda desta tradição americana, desenvolvida em uma série de modelos é interessante para compreender a própria dinâmica de ação estatal, sua efetividade e a necessidade ou não de um redesenho; sua análise da construção da política real, com o foco no processo da tomada de decisões. Porém, há que se considerar as condições 16

Rocha (2012) explica que até então a análise da ação do Estado não considerava tal instância em suas análises, sendo que o debate era marcado por outros focos.

28

e os momentos que propiciam o desenvolvimento ou não de determinadas políticas públicas (janelas de oportunidade), assim como os formatos que elas terão. É nesta direção que Kingdon (2006) contribui com sua teoria de políticas públicas, ao citar o debate de diferentes paradigmas entre atores em uma comunidade epistêmica e no processo de formação de agenda. Não se exclui a importância da ideia da tradição europeia de que há um jogo de poder, ou qualquer outra teoria estrutural, porém, foca-se na análise da dinâmica do processo de decisão das próprias políticas públicas de fato. Portanto, ao se considerar a já citada capacidade do Estado de não só interferir como criar representações da juventude, no campo da análise de políticas públicas, é interessante analisar de que forma a concepção de juventude é moldada e concretizada a partir do debate entre diferentes paradigmas, defendidos por diversos atores. Pensando em Kingdon (2006), como o Estado vê o jovem como problema? Em outras palavras, a partir de quais fatores, qual é o paradigma que a ação do Estado reverbera ou até mesmo cria em determinado momento?

29

5. POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE 5.1. Da ideia de políticas públicas às políticas públicas de juventude. Para uma maneira apropriada de introduzir a temática das políticas públicas de juventude é necessário se utilizar da discussão já realizada acerca do próprio conceito de juventude. Balardini (1999) explica que se o conceito de juventude surge em razão do desenvolvimento das sociedades e o estabelecimento de seus valores centrais, a mesma relação é a que determina a maneira pela qual o tema será tratado pelo Estado. Em outras palavras, pela “problematização” do tema é que se derivaria um próprio campo de políticas públicas formuladas e especializadas para a juventude, objetivando solucionar os problemas diagnosticados: política de juventud es toda acción que se oriente tanto al logro y realización de valores y objetivos sociales referidos al período vital juvenil, como así también, aquellas acciones orientadas a influir en los procesos de socialización involucrados.” (BALARDINI, 1999, p.25-26)

As políticas públicas, como conjunto de ações e decisões destinadas para a resolução de problemas políticos diagnosticados, apenas surgem quando o que era detectado como estado de coisas, natural e intrínseco ao processo de desenvolvimento social, passa a ser percebido como problema político e ascende a agenda pública (RUA, 1998 apud SPOSITO e CARRANO, 2003). Tal visão se complementa com a teoria de Kingdon (2006), que enxerga que é o próprio reconhecimento de problemas que estabelece a agenda, ou seja, aquilo que contêm os temas e problemas que o governo irá agir, procurando solucionar estes focos. O autor explicita que assim como agendas definem problemas, também podem fazer com que estes desapareçam uma vez em que o Estado pode agir ou não sobre determinada questão, influenciado por diversos fluxos. Porém, em determinados momentos, ocorrem encontros dos fluxos analisados pelo autor, seja pela ação de policy entrepreneurs17 durante um processo de amaciamento, ou por eventos especiais que chamem atenção para determinado tema, como a queda de indicadores, catástrofes, acontecimentos que chamem a atenção pública entre outros fatores. Estes momentos são denominados como “janelas de oportunidades”, períodos nos quais os atores envolvidos com determinada comunidade epistêmica possuem um ambiente propício para a ascensão do tema a agenda pública. Porém, a maneira pela qual o tema será 17

Para Kingdon, policy entrepreneurs “são pessoas dispostas a investir recursos para promover políticas que possam lhe favorecer. Eles são motivados por combinações de diversos elementos: preocupação direta com certos problemas, busca de benefícios próprios, tais como proteger ou aumentar seu orçamento burocrático, reconhecimento pelas suas realizações, promoção de seus valores (grifo do autor) e o mero prazer de participar. (KINGDON, 2006, p. 238)

30

tratado pelo governo, uma vez em que figura na agenda de governo, dependerá de uma negociação e consenso18 entre diversos atores sociais, que na maioria das vezes, possuem diferentes visões, expectativas e concepções (paradigmas) sobre o tema. Percebe-se, portanto, que, inerentemente, haverá uma disputa pela especificação de alternativas, baseados em diferentes paradigmas, sendo necessário considerar alguns conceitos de Kingdon (2006) relativos ao contexto das dinâmicas da política, dos atores e das próprias políticas públicas. Belluzzo e Victorino (2004) para definir a ideia de políticas públicas de juventude partem do pressuposto de que toda ação estatal representa uma inação, em um contexto de recursos limitados. Percebe-se que estes autores também enxergam a dimensão de que a questão iria além de o que fazer ou não fazer, mas também “como fazer”, uma vez em que o delineamento da ação expressa necessariamente uma orientação política. Há um contexto que circunda toda política pública, marcado pela interação entre agentes promotores, parceiros e segmentos-alvo da política em um determinado contexto institucional, político e social19. Portanto, haveria a necessidade de se analisar estes modos de interação entre os agentes da política e a maneira pela qual ela é regulada, considerando o debate mais simbólico entre os diversos paradigmas da policy, e uma disputa marcada por questões mais técnicas e burocráticas, verificando a viabilidade das ações, os recursos necessários, em uma área de políticas públicas marcada por uma transversalidade, que como consequência, pode estabelecer até mesmo uma competição interburocrática. De qualquer, apesar de partirem de posições distintas em relação ao conceito de políticas públicas e focarem em diferentes aspectos suas respectivas análises, em um ponto as definições dos autores apresentados convergem. Ambas conferem à própria definição de juventude como problema o peso de principal fator para a especificação de alternativas, e tal situação seria resultado de um conflito entre os diversos interessados ou afetados pela questão. Sposito e Carrano (2003) enxergam que estas políticas públicas, com capacidade de impacto e dimensão temporal, estariam envolvidas em um campo de conflito entre atores com diversas concepções e orientações que disputam por recursos escassos para a implementação de políticas públicas a sua maneira. Os autores expõe a necessidade de se diferenciar os jovens de juventude, pois o 18

É necessário ressaltar que tal processo de negociações e debates somente ocorrem em ambientes democráticas, onde a participação social é permitida, não havendo restrições e repressões sociais. A análise dos períodos de ditadura, tanto no Brasil como Argentina, demonstra que a concepção das ações implementadas por estes Estados eram formuladas por eles próprios, não havendo espaço para tal processo. 19 Neste sentido, tanto a visão de Kingdon (102008) acerca das dinâmicas e fluxos, como a ideia de subsistema de políticas públicas de Howlett, Ramesh&Perl (1990) são interessantes para analisar o universo real que circunda a policy. A questão do federalismo poderia estaria presente no contexto institucional e político nos Estados analisados.

31

primeiro termo se refere a sujeitos, e o segundo a uma fase, um ciclo de vida – possível de ser interpretado de diversas maneiras. E após esta delimitação, em relação ao segundo termo, também definem as categorias condição juvenil e situação juvenil. A condição juvenil seria a leitura dada por determinada sociedade a esta fase do ciclo de vida, ou seja, o próprio conceito de juventude presente em determinada sociedade a partir de seus diversos valores. E a situação juvenil seria os diferentes percursos que esta condição vivencia, a partir de uma diversidade de recortes sociais (classe social, gênero, orientação sexual, etnia, entre outros). Desta forma, prosseguem que qualquer ação que envolva a juventude expressa parte das representações normativas20 sobre a faixa etária correspondente (a condição juvenil) e os próprios jovens (que vivenciam diferentes condições). Tais representações, necessariamente, constituem uma imagem deste ciclo de vida e do próprio jovem, que será transmitida pelas próprias políticas públicas. E para além desta imagem resultante das diversas representações, há também a já citada capacidade do Estado de criar representações para a própria juventude, que em última instância, incidem sobre os próprios jovens e adultos, uma vez em que há um universo relacional, e estes últimos são os que ocupam as principais instituições, que implementam diversas políticas públicas. Concluem então os autores que as políticas públicas de juventude não são meros retratos da situação dos jovens, mas que podem até mesmo criá-las, em um ambiente de disputa em torno de concepções, no qual “paradigmas distintos convivem sob o mesmo teto”. A tal citada “problematização” se relaciona diretamente com estes dois conceitos desenvolvidos, uma vez em que a maneira pela qual, usando as palavras de Abramo (2004) se tematiza socialmente a juventude, se define o papel que ela deve desempenhar (o status sociopolítico da Juventude conforme SÁEZ MARÍN, 1988 apud BALARDINI, 1999). Esta relação se complica ainda mais com a existência de diversas condições juvenis, que não são equidistantes deste status sociopolítico, por diversos motivos sociais. Uma vez em que o referencial mais usual que se possui da situação juvenil é a de juventude como etapa de transição, as políticas públicas de juventude, marcadas por um contexto de exclusão social, objetivam auxiliar tal transição, ao diagnosticar e solucionar os desafios desta integração (ABAD, 2002). Desta forma, acabam por constituir-se em alternativas compensatórias de um déficit social (BALARDINI, 1999), não fugindo de um padrão assistencial, enxergando o jovem como beneficiário, não como cidadão (BELLUZZO e VICTORINO, 2004). É quase uma unanimidade entre diversos autores, que a juventude em grande parte das

20

Tal visão se complementa a visão de CHAVES (2005).

32

vezes além de ser problematizada pelos efeitos dos problemas sociais, é até mesmo considerada o próprio problema, e, portanto, as ações quase sempre acabam por incidir sobre os próprios jovens, objetivando reintegrá-los, garantindo assim a ordem social (ABRAMO, 2004). Esta situação não é exclusiva da ação Estado, pois segundo Abramo (2004), outros promotores de políticas públicas21 - como Organizações Não-Governamentais (ONG’s), associações beneficentes, fundações, entre outros – quando realizam programas para jovens, normalmente lançam mão de termos como “jovens em desvantagem social”, os chamados carentes, e os jovens em situação de “risco”. Estes programas, então se orientariam em grande parte a diminuir as dificuldades de inserção social, motivados pela conteção do risco, reafirmando Abad (2002), Balardini (1999) e Belluzzo e Victorino(2004), não motivado por uma perspectiva mais aberta, questionando as causas destas diversas condições juvenis. Ou seja, percebe-se que diante de tais perspectivas, o jovem é tido como problema, e não é chamado para uma posição de protagonismo – não se questiona o sistema como gerador das diversas condições juvenis, apenas se lança mão de medidas que busquem diminuir incrementalmente tais risco, não há espaço para a participação – os problemas do jovem são naturalizados. Pela existência de uma adultocracia (RODRÍGUEZ, 2003), se negaria a capacidade do jovem de formular seus próprios problemas e participar de uma instância na qual pudesse definir, inventar e negociar seus direitos, apesar de serem alvo de preocupação de uma diversidade de atores sociais (ABRAMO, 2004). Concluindo, é possível perceber a forte ligação entre as diferentes concepções de políticas públicas de juventude e os também distintos conceitos de políticas públicas que cada visão respectivamente adota. Mais uma vez, longe de querer esgotar a questão, o que procurou se demonstrar é que no campo da juventude, a questão das representações normativas é determinante, uma vez em que se relaciona diretamente com os valores desenvolvidos por tal sociedade – seja em posição, como em oposição, ressaltando a capacidade do Estado em criar tais representações. Contudo, nota-se também a inexistência de um consenso a respeito da função que deve ser desempenhada pela juventude e a maneira pela qual o Estado deve enxerga-la entre os atores, porém, há um certo contingenciamento em direção a uma representação desta fase como etapa em transição, havendo uma tematização social histórica do jovem como “problema social” (ABRAMO, 2004). Portanto, ao se confirmar este panorama de disputa entre diversos atores com

21

Neste ponto, é necessário fazer uma ressalva de que apesar de o presente trabalho considerar como políticas públicas somente as ações implementadas pelo Estado, isto não significa que ele seja o único organismo capaz de realiza-las.

33

diferentes orientações políticas em um contexto de recursos limitados, é possível afirmar que o paradigma adotado pelo Estado representa o resultado das relações de força entre estes diversos atores, dentro de um contexto político e social (considerando suas instituições, regras e condições reais), podendo ser tanto fruto de um consenso, como a vitória de determinada concepção sob outra. Ressalta-se que se este contexto, além de influenciar o processo de ascensão a agenda e posterior formulação destas políticas públicas, também influencia o processo de implementação, principalmente em relação a fatores políticos e institucionais. Porém, como problematizam Sposito e Carrano (2003), a ação do Estado em relação a juventude lida com um dilema entre a manutenção da paz social, com a replicação das normas sociais, e a própria juventude, com seu conceitos e demandas distintas do modelo social, rompendo com muitos preceitos que garantem a ordem social. Portanto, como equacionar tal situação? Historicamente, a resposta dos Estados é muito mais próxima da primeira questão do que da tentativa de considerar o jovem como sujeito capaz de participar dos processos sociais, com a capacidade de transformá-los. 5.2. Características e tipificações das Políticas Públicas de Juventude 5.2.1. A tipificação de Sáez Marín: bases valorativas. Para além das características já citadas das políticas públicas de juventude, em geral, como alternativas compensatórias e reparatórias, Balardini (1999) indica outra característica delas: a de poder também ser capaz de influenciar nos próprios processos de socialização, permitindo ao jovem participar da configuração da sociedade em que vivem. Esta perspectiva, mais aberta, é considerada pelo autor como genuína da representação de interesses, uma vez em que rompe com o modelo adultocrático (RODRÍGUEZ, 2003) e chama os jovens a participarem dos principais processos sociais, que teria um objetivo com maior valor social para os jovens: La promoción del desarrollo juvenil y de la participación de los jóvenes em el diseño de la sociedade en que viven, en la medida que les atañe y ofreciéndoles posibilidades ciertas de plantear y resolver sus problemáticas. (BALARDINI, 1999, p.26-27)

O autor ainda afirma que seria necessário estabelecer o termo políticas públicas de juventudes, e não de juventude, para que não se incorresse no erro de simplificar um variado contexto com diferentes fórmulas existentes e variadas jurisdições e competências, e considerando principalmente a inexistência de uma única juventude, e sim, de diversas juventudes com características diferentes e credoras de ações políticas diferentes.

34

Porém, apesar de advogar a favor desta nova visão de políticas públicas de juventudes, com este objetivo de grande valor social, o pesquisador argentino reconhece que historicamente houve a definição das políticas públicas de juventude como alternativa compensatória do déficit social, em um grande arco que aborda desde as políticas tipicamente paternalista e assistencialistas, até o apoio de empreendimentos locais e de auto-gestão, conforme já demonstrado em ítem anterior com as afirmações de Abramo (2004) acerca de outros órgãos e organismos capazes de realizarem políticas públicas. Dando peso à natureza e essência do Estado e o status e papel sociopolítico desempenhado pela juventude, Sáez Marín (2008 apud Balardini, 2008) estabelece uma tipificação das políticas públicas de juventude bastante interessante, ao pensar na maneira pela qual a política se direciona a juventude, seja para a juventude, pela juventude ou com a juventude – Balardini ainda adiciona outro tipo que seria desde a juventude. Compreender esta tipologia auxilia a enxergar quais são os valores centrais do Estado e quais os objetivos também sociais intencionados por ele, reafirmando a necessidade de analisar o momento vivido por um determinado Estado, seja em relação às condições sociais e econômicas vividas por ele, assim como o tipo de regime o qual ele desenvolve. Segundo a leitura de Balardini (2008) de Sáez Marín (1988), as políticas públicas para a juventude teriam seus traços principais resumidos ao paternalismo e o protecionismo, posicionando os jovens em lugares periférico do corpo social ativo, estes são visto como vulneráveis e sem experiência, havendo um forte controle social. Há uma forte crença nos processos de ensino, conforme a orientação de adultos, que por meio de uma “ação benéfica”, repassam uma ética condizente ao padrão social (pré) determinado. Os mais velhos, representados pela escola e pela família, funcionam como tutores dos jovens, controlando principalmente o tempo de ócio destes jovens e reprimindo qualquer tipo de conduta contestadora e reflexiva, estimulando condutas passivas e conformistas. É um quadro em que os adultos são onipresentes e onipotentes, segundo o autor, se adequando muito ao conceito cunhado por Rodríguez (2003) como adultocracia, pois não há o espaço para novos valores e desenvolvimento de novas formas de relações sociais, havendo alta carga valorativa na definição da função do jovem a partir dos adultos. Em última instância, a função da juventude é a de apenas reproduzir o ciclo social, sendo apenas um estado transitório, no qual o jovem, baixo a tutela dos adultos, se prepara para ingressar na sociedade. Assim, percebe-se que o jovem não é enxergado como sujeito social. Já a segunda categoria, as políticas públicas pela juventude, são características dos regimes autoritários e totalitários, nos quais os Estados agem por meio da juventude.

35

Considerando que necessitam de apoio para o regime, visando a sobrevivência do sistema, os jovens são figuras indispensáveis para a mobilização de massas. Neste sentido, os jovens não figuram como figuras ativas, apenas funcionando como instrumentos para a disseminação da ideologia necessária para a subsistência do sistema, sendo imposta de cima para baixo. Não há real participação política, as políticas apenas se servem deles para o estabelecimento de suas posições principais entre a sociedade. A chamada glorificação da juventude como mito essencial para estes Estados pode ser ilustrada com as diversas propagandas encontradas do governo fascista italiano, que incentivava uma série de práticas, desde esportivas até de posturas morais aos jovens, conferindo a eles um falso aspecto de protagonismo e relevância social. O filme “A Onda” (2008) é bastante interessante ao demonstrar esta forma de doutrinamento das juventudes, a partir de incentivos a exercer um protagonismo social, exaltando as melhores características dos jovens, porém, com um sentido determinado claro. A última categoria de Sáez Marín (1988) são as políticas com a juventude, que seriam as mais inovadoras e relativamente recentes, marcadas pela solidariedade e essência participativa: Es la más moderna en el tempo y la más innovadora. Su principio base es la solidaridad y es en esencia participativa, no solo en el aspecto ejecutivo, sino en aquellos processos que hacen al análisis y a la toma de decisiones. Activa desde los jóvenes e interactiva en la dialética juventud-sociedade. No impuesta desde arriba. Creativa, aberta y sujeta a mutuo debate critico. Respetuosa y no excluyente. (BALARDINI, 1999, p.28)

Porém, como afirmado, Balardini ainda adiciona uma categoria que é a das políticas pública desde a juventude. Esta categoria, além de reconhecer os princípios de solidariedade e participação social das políticas com a juventude, são realizadas e desenhadas pelos próprios jovens, em auto-gestão, a partir de subsídios destinados pelo Estado. Ou seja, se a última perspectiva de Sáez Marín (1988) já representava enorme avanço ao reconhecer o jovem como capaz de enxergar sua condição e participar do processo de construção da realidade social, o escutando e permitindo sua participação, esta categoria inserida por Balardini vai além, pois permite a própria ação dos jovens, autonomamente. Como balanço final desta tipificação, o especialista argentino afirma que estes modelos são dificilmente encontrados de forma pura, e que há uma série de combinações diferentes. Porém, de forma generalista, o autor atribui a primeira categoria a governos mais conservadores, a segunda a governos autoritários, e as duas últimas categorias estariam relacionadas a governos mais progressistas e democráticas, aonde se encontram valores

36

sociais democráticos de participação, entre outros. Pontua também o autor que são as bases valorativas de cada Estado que sustentam determinadas práticas e outras não, destacando a importância de se pensar a “democracia, sua reprodução, sua renovação e sua construção, também tem a ver com a questão com isto” (tradução do autor). Outra dimensão apontada pelo autor é que as políticas públicas de juventude podem ser tanto explícitas, como não, uma vez em que existem certos governos dotados de carência absoluta de tais políticas. 5.2.2. Características das Políticas Públicas de Juventude: dimensões e tipificações. Sem desconsiderar a importância da discussão acerca destes valores simbólicos e sociais e suas reais interferências sobre a formulação das próprias políticas públicas de juventude, é necessário entrar em um campo menos abstrato, e mais prático da ação do Estado. Para além da condição de frutos expressos dos valores sociais centrais, quais seriam outras características das políticas públicas de juventude? É necessário considerar que historicamente as políticas de juventude até a década de 1990 na América Latina eram sinônimos de políticas setorias (KERBAUY, 2005). Portanto, atualmente, quando se fala de políticas públicas de juventude se considera àquelas ações que são destinadas especificamente a juventude, ao considera-la como sujeito de direitos e formulando políticas especificamente a esta categoria. Desta forma, conforme explicação dos pesquisadores do Insitituto de Pesquisa Econômica Aplicada Castro e Aquino (IPEA) (2008), apesar de haver políticas setoriais e universais que compreendam indivíduos jovens, atualmente, estas não são consideradas como políticas públicas de juventude, pois nestas, os jovens são apenas parte de um grande grupo contemplado, e seus direitos advêm de outras condições, não necessariamente da condição de jovem, uma vez em que a base pode vir até mesmo da questão da dignidade da pessoa humana. Logicamente, com a compreensão do jovem como sujeito de direitos é de se esperar um maior número de políticas sociais que contemplem os jovens também. De qualquer forma, estabelece-se que o determinante para a sua classificação como política pública de juventude, atualmente, é a compreensão da juventude como um grupo específico para o qual a ação pública exclusivamente em determinado momento se destinará. Esta juventude que pode ser considerada a partir de diversas problematizações, como já demonstrado: seja pela interpretação dela como uma geração, uma etapa de transição, como sujeito de direitos, entre outros. Portanto, excluem-se da caracterização e futuro levantamento de políticas públicas de juventude que serão realizados as políticas sociais setoriais que

37

incluam também22 os jovens e as políticas universais. Em geral, baseado na leitura destes diversos autores, excluindo as questões valorativas, e adentrando um campo mais relacionado à análise de gestão de políticas públicas, os traços mais marcantes de uma política pública de juventude são sua transversalidade e a presença de cortes etários. Invariavelmente, deverá haver uma delimitação de quem é jovem, para que ação governamental possa se orientar – ou seja, deve-se limitar tanto o começo, como o fim desta etapa de vida, expresso em uma idade para cada limite. Já a questão da transversalidade pode ser compreendida quando se pensa que as diversas necessidades dos jovens identificadas se relacionam a diversas questões sociais, representadas por diferentes órgãos do governo, responsáveis por suas funções atribuídas. Portanto, para sua execução, mesmo que uma política pública seja de responsabilidade de apenas um órgão, deverá haver determinado grau de integração entre os diversos órgãos e suas políticas também, para que as diversas ações implementadas caminhem a uma direção comum, e se efetivem – um alinhamento a um programa de governo. Considerando ainda políticas públicas de implementadas por mais de um órgão, que lidem com diversos setores da administração tradicional (saúde, educação, economia, entre outros), a necessidade de um órgão que coordene tais políticas passa a fazer maior sentido, visto que a mesma política estará envolvida com diferentes órgaõs burocráticos, com dinâmicas de análise e orientações políticas próprias. Mais uma vez, para ordenar esta diversidade de relações e estabelecer uma maneira metodologicamente adequada e organizada de se compreender e analisar as políticas públicas de juventude, lança-se mão de esquematizações de Sergio Balardini (1999), vitais para definir os diversos níveis analíticos de interpretação possíveis neste plano mais administrativo. Baseado em Schefold, Balardini(1999) delimita os diferentes níveis de análise de uma política pública de juventude, que são: o nível da administração especificamente ocupado com problemas de juventude, o nível parlamentar-legislativo, o nível da política transversal, e o nível da política de juventude como programa. O nível da administração ocupada especificamente com a juventude, segundo o autor, a política de juventude em seu sentido estrito, se refere aos órgãos governamentais de juventude, sejam secretarias, subsecretarias, institutos, que podem ser nacionais, provinciais ou estaduais, e locais (municipais). São órgãos em que distintos representantes das áreas

22

Sobre esta diferenciação, é necessário ser marcada, pois políticas setoriais que se destinam exclusivamente ao jovem – aliadas ou não a um programa geral (uma política de juventude) – são consideradas como políticas públicas de juventude.

38

tradicionais da administração pública se reúnem para tratarem em conjunto da juventude. Na Argentina, se destaca a Dirección Nacional de Juventud (DINAJU) e no Brasil, a Secretaria de Juventude da Presidência da República (SSJR). Sobre estes órgãos governamentais de juventude, o autor estabelece também uma tipologia das funções que estes órgãos realizam. A primeira função seria a de reitoria, com a elaboração de plano de Estado em relação à Política de Juventude, considerando como pressuposto um aprofundado conhecimento da realidade das diversas situações juvenis, a partir de dados, indicadores e outras fontes que o fundamentem. Além de frisar a importância da existência de conselhos de organismo de juventude, o autor aponta que os órgaõs de reitoria devem assessorar e supervisionar os programas, apoiando o desenvolvimento de organizações juvenis, capacitando funcionários para desenhar políticas públicas transversais ou específicas de juventude. A segunda função desempenhada por estes órgãos é a de execução de políticas. Segundo o autor, a mais tradicional, ao considerar que a partir da dotação de recursos, o Estado diretamente se envolve com a questão a partir de ações concretas, tendo as dotações orçamentárias e suas restrições como limitantes da ação. A última função seria a de coordenação de políticas, que seria a mais moderna das três funções, promovendo a coordenação de políticas de juventude executadas por outros órgãos administrativos. A lógica deste tipo de função surge quando se considera a escassez de recursos, e a necessidade de otimização deles por parte do Estado, não fazendo sentido o desenvolvimento de políticas públicas que caminhem para diferentes pontos, ou que até mesmo se sobreponham, desperdiçando recursos. Evidentemente, para que se possa realizar tal função, se necessita de grande respaldo político mesmo com institucionalidade garantida. A noção de coordenação é inerente a um contexto de intersetorialidade, que é o caso das políticas públicas de juventude. O segundo nível é o parlamentário-legislativo, que se refere ao sistema de leis e comissões parlamentares permanentes e ah hoc sobre a temática da juventude. Já o terceiro se refere ao nível da política transversal, visto que são órgãos públicos que devido a suas competências se relacionam também com a questão da juventude, seja pela educação, trabalho, saúde. São políticas dirigidas aos jovens desde a área de competência de cada órgão, e considerando-os a partir de uma visão de disciplina que corresponde a cada caso, não como sujeito de políticas. O último nível é o da política de juventude como programa, que seria a mencionada capacidade do Estado, a longo prazo, de coordenar estas políticas públicas em direção ao futuro, visando efeitos duradouros e intergeracionais, resultados somente perceptíveis através

39

do tempo. É em relação a este nível de análise que a partir de Torrado (1995) e os diversos dados da OIJ e CEPAL, que podemos constatar uma baixa efetividade das políticas públicas destinadas a juventude na segunda metade do século XX, visto que a pobreza e as péssimas condições de vida parecem ter sido transmitidas de geração a geração, mantendo um quadro de pobreza, imobilidade social. O único avanço que pode ser percebido é o aumento das taxas de alfabetização e presença escolar, embora o acesso ao nível superior, apesar do aumento maciço de instituições de nível superior de qualidade ainda permaneçam disponíveis para as classes sociais mais altas, restando aos jovens menos favorecidos socialmente, estabelecimentos com qualidade social questionável e a esperança de alcançar o nível superior como sinônimo de bônus salarial (BORÓN, 2008). Sobre este último nível de análise, Rodríguez (2003) aponta a necessidade de se pensar a longo prazo, uma vez em que se enxerga a questão do bônus demográfico e a construção da sociedade do conhecimento, reafirmando a necessidade de uma reforma na maneira pela qual o Estado se relaciona às políticas públicas de juventude. Para tal, apesar de reconhecer importância do avanço em conceber o jovem como sujeito de políticas públicas específicas, o autor defende a dotação de uma perspectiva geracional para as políticas públicas em geral, baseado no sucesso que as políticas de gênero tiveram na região: Por todo lo dicho, importa dotar a las políticas públicas em su conjunto de una perspectiva generacional, superando resueltamente el enfoque – acotado – de trabajo prevaleciente hasta el momento (sectorializado, monopólico, centralizado, etc) evitando caer em los espacios y programas exclusivos para adolescentes y jóvenes como hasta el momento (que solo han reforzado el aislamento de los jóvenes) y tratando de incorporar estas temáticas particulares a todas y cada uma de las políticas públicas, emulando a la perspectiva de género impulsada por las mujeres, que ha tenido más y mejores resultados, em la mayor parte de los países de la región. (RODRÍGUEZ, 2003, p.15)

Para o autor uruguaio, seria a partir da inclusão desta perspectiva geracional, que as políticas públicas em geral efetivariam avanços sociais maiores e duradouros. De qualquer forma, a questão não se resume a apenas este ponto para o autor, que ainda inclui a necessidade de uma reforma no papel do Estado, e uma análise mais aprofundada do que tem sido as políticas sociais após a reabertura democrática na América Latina. Porém, baseado nas políticas de gênero, ele enxerga que falta a questão da juventude essa relação criada entre dimensões da vida cotidiana com dimensões mais visíveis socialmente, a partir de diagnósticos adequados e formulações de políticas públicas articuladas, com conexões bem estruturadas.

40

O sociólogo prossegue que com este enfoque alternativo ao desenvolvido durante os últimos anos na América Latina, com uma busca por políticas públicas específicas para a juventude, traria uma série de implicações positivas ao estabelecer relações entre as dimensões setoriais e as diversas fases do ciclo da vida, visto que os jovens vivem esta fase em determinado momento, porém, obviamente, ao passo que envelhece, passa a outras fases, que também devem contar com atenção especial dirigida pelo Estado de mesma maneira: Desde este punto de vista, resulta imperioso combatir las desigualdades intergeneracionales, que son muy significativas en casi todos los países de la región. Y en segundo lugar, se trata de analizar rigurosamente los enfoques com los que se deberia trabajar en todas las políticas públicas en relación a los jóvenes, tratando de lograr los mayores y mejores impacots en casa caso particular, a través de uma efectivas articulación de esfuerzos entre las instituciones especializadas en juventud y las grandes agencias ejecutoras de políticas públicas. (RODRÍGUEZ, 2003, p. 16)

Em um contexto em que pouco se tem feito em matéria de juventude por parte dos Estados latinos, e que a concepção do jovem como sujeito de políticas a partir de sua consideração como sujeito de direitos, a visão do juvenólogo uruguaio parece demasiado ousada e distante do status político que o tema possui. De qualquer forma, representa um enorme avanço teórico, pois apresenta uma forma diferente de se tratar da questão da juventude, para além do tradicional enfoque setorial, e o mais atual que conta com ações formuladas especificamente para a juventude. Sobre o campo das políticas públicas de juventude, chega-se a conclusão semelhante a de Guerguen (2010), que destaca que este campo pressupõe identificação de demandas juvenis, articulações e pactos intergeracionais e relações com os poderes públicos, a partir da criação e manutenção de instituições junto a juventude.

41

6. PANORAMA GERAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE NA AMÉRICA LATINA No contexto latino-americano, segundo análise de Kerbauy (2005), foi na década de 1950 que os países passaram a se preocupar com a questão da juventude. Relacionando-se à lógica desenvolvimentista, percebe-se a predominância de políticas educacionais que propunham a inclusão do jovem nos processos de modernização e também a ocupação de seu tempo livre frente ao aumento da delinquência juvenil, que forma a ideia da juventude como categoria potencialmente delinquente. Sob a influência de distintos paradigmas, em linhas gerais, haveria mais três modelos de políticas públicas de juventude na América Latina: controle social dos movimentos mobilizados entre 1970 e 1985; enfrentamento da pobreza e prevenção do delito entre 1985 e 2000; inserção laboral de jovens excluídos entre 1990 e 2000 (ABAD, 2002 apud SPOSITO e CARRANO, 2003). Este panorama geral é replicado pelo discurso de diversos relatórios de organismos internacionais, como a CEPAL, OIJ e BID, por exemplo, que tentam estabelecer pactos regionais para a promoção de políticas não só de juventude, como de outras áreas. Visando a formação de uma agenda internacional para o tema, devido a grande abrangência, tal mecanismo de generalização é útil e prático para a proposição de metas para a região, em um contexto de recursos e tempo limitados para avaliações mais precisas, também pensando nas características regionais que podem ser similares, objetivando uma cooperação regional talvez. De qualquer forma, tal caracterização geral da América Latina não é desmedida quando pensamos nas sucessivas derrubadas de regimes democráticos na década de 1960 e 1970; um painel de incertezas econômicas e políticas acentuado na década de 1980, e como consequência, nesta década e na seguinte, as retomadas de regimes democráticos, a luta por direitos sociais, e também da franca disseminação de práticas e posturas neo-liberais (resultante da crise econômica da década de 1980), e o redesenho do papel do Estado e suas instituições durante tal período de liberalismo econômico, e também após o fracasso deste modelo. Inclusive, mais atualmente, poderia-se incluir, a insurgência de governos mais guinados à esquerda, e com isso, a maior existência de políticas sociais, conforme analisa Sader (2009) em seu mais recente livro. Esta periodização é um consenso entre diversos estudiosos da área, como Bango (1999), Balardini (1999) e Rodríguez (2003), embora o modelo tenha sido condensado por Abad (2002), permanecendo como o resumo teórico mais utilizado em obras acadêmicas. É importante ressaltar que certos paradigmas chegaram a coexistir em um mesmo tempo, e que

42

tais concepções influenciam diretamente as atuais políticas públicas de juventude, pois é possível encontrar até hoje políticas públicas que seguem tais paradigmas. A base teórica acerca do desenvolvimento do conceito de juventude no pós-guerra auxilia fundamentalmente a compreensão das seguintes categorias, uma vez em que elas focam na ação do Estado, sendo mais sintética em relação à realidade social de cada período. A) Educação e Tempo Livre ( aproximadamente 1950- 1980) Segundo Bango (1999), este modelo de políticas públicas de juventude se desenvolve a partir de uma concepção da condição de juventude totalmente distinto do qual se considera hoje. Percebe-se um esforço generalizado dos Estados latino-americanos em relação a políticas educativas, em menor ou maior medida. Apoiado em dados da UNESCO, o autor aponta o aumento da taxa de escolaridade na América Latina, passando de 47,9% em 1950 para 98,6% no nível básico; de 5,9% a 30% no nível médio e de 15,7% no ensino superior. De qualquer forma, é necessário ressaltar que esta concepção de educação é uma resposta clássica que o Estado destina aos jovens, ao considerar a juventude como etapa preparatória para o jovem entrar no mundo adulto, sendo a educação (notoriamente associada a questão da ascensão social) e o uso do tempo livre como formar de garantir esta preparação. Por meio da “ocupação cultural” do tempo livre do jovem, por meio de atividades recreativas e culturais, e principalmente pelo forte estímulo a práticas esportivas (BALARDINI, 1999; BANGO, 1999). Procurava se afastar o jovem de condutas sexuais não permitidas e consideradas irresponsáveis, e também do uso de drogas – restrições baseadas a partir de valores adultos. Kerbauy (2005) destaca que o objetivo destas políticas era, em suma, a partir da ocupação de seu tempo com a escola e outras atividades, transformar os jovens em adultos produtivos, responsáveis pelo progresso nacional, em uma época marcada pelo apelo desenvolvimentista. Este homem produtivo é representante do que a autora chama de norma da sociedade produtiva. Sobre este mesmo ponto, Abad (2002) ressalta que com a expansão da educação, se consolida a moratória social do jovem como estudante, que em conjunto com a ascensão da indústria cultural e a disseminação da televisão, se propicia um ambiente para a criação de uma cultura contrária a das gerações mais velhas – panorama já descrito no primeiro capítulo – estando neste contexto a necessidade de se utilizar o tempo livre do jovem. O autor também enxerga que estar políticas são apoiadas por governos de caráter nacional-popular, ligados a noção de “povo”, num contexto de substituição de importações, buscando o desenvolvimento internamente e facilidade de obtenção de crédito externo.

43

Bango (1999) explica que este modelo se colocava como válido para todos os jovens, porém, era válido somente para os jovens integrados socialmente, em outras palavras, os jovens que podiam frequentas as instituições de ensino. Àqueles não integrados socialmente, sobravam as alcunhas de “pobres”, “deliquentes” e “marginais”. O balanço geral destas políticas é que com o tempo, com o deterioro da qualidade de ensino, o acesso a melhores instituições de ensino passa cada vez mais a ser relacionado com a classe social dos jovens, sendo assim, tais políticas vão se destinando a jovens de classes sociais mais favorecidas. De qualquer forma, os benefícios decorrentes da educação que este modelo trouxe para a região são inegáveis, embora sua abrangência se restringisse a setores juvenis e não a toda juventude, como se colocava a ser. B) Controle Social dos Setores Juvenis (aproximadamente 1970-1985) Decorrente desta expansão da oferta educativa, a mobilização juvenil na América Latina toma maior força, e a partir desta condição de estudante, assume traços contestatórios ao sistema social e político. Bango (1999) aponta que apesar de uma influência externa, com o Maio Francesa e a Revolução Cubana, começam a ocorrer tentativas de associação com outros movimentos sociais, como organizações sindicais, que já se sentiam afetadas pelo processo de industrialização substitutiva, e os movimentos camponeses que lutavam pelo direito a terra. Apesar de partirem do âmbito acadêmico, estas discussões passam a se relacionar com questões sociais, devido a capacidade dos jovens de se relacionarem com outros movimentos sociais (BANGO, 1999). Com o medo de que a mobilização estudantil afetasse outros estratos sociais, a resposta do Estado é o estabelecimento de “uma contrapolícia ofensiva e violenta de controle policial, visando à total supressão desses movimentos” (KERBAUY, 2005, p.198). Esta ação do Estado resulta previsível quando se considera o medo dos setores dominantes, uma vez em que houve até mesmo a militarização de alguns ramos destes movimentos (BALARDINI, 1999). Procura-se, portanto, afastar esta expansão de surtos contestatórios de outras camadas sociais com grandes requintes de crueldade por meio de ações em larga escala. Bango (1999) ainda explica que devido a uma polarização mundial, a resposta dos Estados passa a se replicar de mesma maneira em diversos Estados, com uma estratégia de isolamento dos movimentos estudantis e reclusão nas próprias instituições de ensino. Abad (2002) ressalta a restrição de certas liberdades individuais neste contexto de controle social, e também considera o confronto entre modelos políticos e ideológicos da Guerra Fria como subsídio para esta insurgência dos movimentos juvenis. É deste perfil ativista dos jovens

44

destas décadas que se cria uma imagem idealizada do poder de mobilização dos jovens, embora Abramo (2004) desmistifique um pouco tal questão e Núñez (2008) imponha certas restrições para estas comparações. C) Enfrentamento da pobreza e do delito (aproximadamente 1985-2000) Como respostas às mobilizações juvenis surgem governos autoritários na maior parte dos países latino-americanos, que apostam em modelos de desenvolvimento econômico que viriam a fracassar com a mudança drástica do II Choque do Petróleo, que consolida a queda destes modelos. Portanto, quando passa a ocorrer a chamada reabertura democrática nos países latino-americanos, é necessário se considerar que há uma forte dívida social, visto a necessidade de pagar a dívida externa e reordenar a economia, com programas de ajuste econômico impopulares (BANGO, 1999). Neste contexto econômico desfavorável, não há muitas opções para estes países, a não ser o corte do gasto social e o alinhamento aos programas de ajuste. Neste período surgem novos movimentos sociais, que agora são compostos por integrantes excluídos socialmente, os chamados marginalizados. Surge então a questão do jovem urbano-popular, com a insurgência das pandillas, gangues juvenis, bandos, maras, em diversos contextos nacionais, sendo que em alguns ocorrem até mesmo o confronto armado do Estado com guerrilhas, que também eram compostos em sua maioria por jovens. Estes grupos funcionavam como “espaços de contenção e construção de identidades” (BALARDINI, 1999, p.8) para estes jovens marginalizados, a visão elaborada por Zaluar (1994; 1990) auxilia na compreensão destas relações de formação identitária e o momento vivido pelo Brasil. Surgem então novos fenômenos sociais, que até então não eram conhecidos, como assaltos a supermercados, os roubos de trombadinhas, diversos delitos e infrações cometidos por jovens em sua quase totalidade. Bango (1999) além de retratar que tais acontecimentos foram percebidos sensivelmente na Argentina e no Brasil por volta de 1989, também pesa a importância de dois fatores para estes surtos de violência: o afrouxamento natural dos controles sociais pós-períodos militares e a crise de representatividade. Abad (2002) indica que as atitudes destes jovens, excluídos dos recortes de juventude anteriores, iam desde o vandalismo até ações criminais de grande porte relacionadas ao narcotráfico. Kerbauy (2005) ainda aponta que é neste contexto que começam a serem comuns representações negativas acerca dos jovens. Em resposta a estas ações, que elevam os níveis de criminalidade, são por meio de

45

ações compensatórias, visando diminuir os impactos sociais que os ajustes econômicos provocaram. Por meio do combate a pobreza e miséria, por meio de programas de alimentação, auxílio sanitário e empregos temporários, com até mesmo a transferência direta de recursos em alguns casos, buscou-se uma solução imediata para o problema, por meio dos Fundos Sociais de Emergência. Bango (1999) ressalta que apesar de nenhum deles serem especificamente desenhados para a juventude, há que se considerar que na maioria das vezes, os jovens eram os maiores beneficiários, uma vez que sofriam os problemas sociais de forma mais acentuada devido à própria condição juvenil. Os efeitos deste programa não foram muito grandes, visto que as origens dos problemas sociais e econômicos decorriam da própria crise que era conjuntural, e que portanto, os esforços eram apenas compensatórios, não alterando o quadro estrutural. Ressalta-se que até hoje, parte deste quadro permanece, em alguns casos mais perceptíveis e em outros menos. Os dados de Míguez (2010) sobre os pibes choros aponta como eles são resultados de um contexto social de deterioro econômico, que se aprofunda na década de 1990 com as políticas liberais menemista. Há que se pesar também que estes programas, em alguns casos, tinham como principais adversários o narcotráfico, que resultava mais atrativo do ponto de vista econômico para estes jovens excluídos. D) A inserção laboral de jovens “excluídos” (aproximadamente 1990-2000) Abad (2002) explica que no começo da década de 1990 na América Latina, com os acontecimentos da globalização, alternância democrática e a busca recuperação do crescimento econômico e estabilidade macroeconômica, as políticas de juventude começam a enxergar o jovem a partir de um enfoque mais positivo, considerando-o como um ator com papel relevante para estimular o desenvolvimento econômico e social do país. Portanto, surgem programas de incorporação de jovens excluídos ao mercado de trabalho, como o Chile Jóven, que configurou um modelo referência, replicado em outros países. Segundo Bango (1999), as ações seriam a capacitação profissional em períodos de tempo curtos, executados por entidades privadas de capacitação, com participação dos governos nacionais nas fases de formulação, atuando também sobre a supervisão e controle destas capacitações. O autor ainda enxerga uma mudança de paradigma no campo da promoção juvenil, uma vez em que estas ações não se guiam somente por critérios de justiça social de uma camada a população que sofre com problemas de empregos precários ou desemprego, mas

46

sim que os impulsiona como componentes essenciais para a transformação produtiva no país, baseado na ideia de que os recursos humanos devem ser adequadamente capacitados e organizados. Desta forma, a ação pública não se dirigiria aos jovens apenas em relação a suas demandas ou necessidade em relação ao controle, mas sim, priorizaria as necessidades do próprio desenvolvimento. O relator termina sua linha de raciocínio apontando que esta visão seria um avanço, pois romperia com o modelo de políticas compensatórias e integrava o jovem aos processos de desenvolvimento. A caracterização que Bango (1999) faz deste período em relação aos outros é um pouco peculiar, pois diferentemente das outras descrições, é possível perceber uma alta carga valorativa, que demonstra certa esperança do autor com este modelo, além de uma concordância implícita, talvez exagerando em sua avaliação positiva. Por isso, a análise feita por Balardini (1999) elabora uma contraposição interessante, ao iniciar afirmando que o principal órgão impulsor desta política foi o BID. O argentino segue pontuando, que em sua opinião, tais programas não se propõem como geradores de novos empregadores, mas que apenas se destinam a distribuir de forma mais igualitária as vagas de emprego existentes. Nesta questão, percebe-se claramente que o próprio processo de desenvolvimento econômico e social não é discutido por diversos atores, estabelecendo a lógica desenvolvimentista de órgãos como o BID como o critério de definição deste progresso, em uma perspectiva conservadora e fechada. Portanto, é difícil estabelecer a mesma leitura de Bango, pois em geral, o que parece é que o panorama de monopólio dos setores dominantes em definir a condição de juventude e o papel que ela deve desempenhar continua saliente. Brasil e Argentina, segundo os diversos referenciais teóricos citados, possuem uma trajetória semelhante a este contexto geral traçado por Abad (2002) – a própria periodização da história e condição econômica de ambos os países demonstra uma grande similaridade.

47

7. O HISTÓRICO DE DIREITOS E CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA NO BRASIL E NA ARGENTINA. 7.1. QUANDO O JOVEM ERA O MENOR 7.1.1. Fase caritativa: a roda dos expostos Remontar o tratamento dispensado pelos Estados brasileiro e argentino em relação às crianças e adolescentes no início do século XX necessariamente requer a interpretação de um breve histórico de ação pública que começa a se esboçar no século XIX, período no qual havia o predomínio da atividade assistencialista em sentido caritativo, sendo possível identificar um papel secundário do Estado nesta questão. Portanto, para além da compreensão deste histórico, é importante se considerar os fatos e principais razões que levaram estes Estados a considerarem a importância de medidas públicas mais diretas, assim como os atores que participaram deste processo, considerando-se ainda um panorama de formação nacional, visto que a federalização de Buenos Aires ocorre somente em 1880, assim como a Proclamação da República no Brasil em 1888. Baseada em valores assistencialistas, em linhas gerais, durante o século XIX, na América Latina, assim como havia sido na Europa, foram as crianças em situação de abandono e carência as figuras consideradas como alvo de preocupação (BELLUZZO e VICTORINO, 2004), e a principal instituição encarregada de lidar com elas foi a chamada Roda dos Expostos, modelo europeu que foi disseminado no continente. Originária da Itália do século XII, este modelo surge num contexto de “aparição de confrarias de caridade, num espírito de sociedades de socorros mútuos, para a realização das Obras de Misericórdia” (MARCÍLIO, 1997, p.54). Mais especificamente, sobre a origem deste mecanismo, segundo Marcílio (1997), chocado com o número de bebês abandonados e encontrados mortos, o papa Inocêncio II criou o Hospital de Santa Maria in Saxia, constituindo o primeiro hospital destinado a receber crianças abandonadas e provê-las assistência necessária. É no bojo deste hospital, que surge o modelo a ser exportado por todo o continente, e posteriormente para outros: O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado. (MARCÍLIO, 1997, p.55)

48

Ainda segundo a autora, este mecanismo provinha dos mosteiros, nos quais por meio dele se transferiam de fora para dentro os alimentos e materiais necessários para se viver, respeitando a escolha de silêncio e contemplação por parte dos monges. Porém, com o tempo, surgiria o abandono de crianças nestes mecanismos, visto que além de garantir a vida ao abandonado, havia a certeza de que ele seria batizado, o que neste período era considerado um fator de preocupação. Portanto, do uso indevido nos mosteiros, é que surge a Roda de Expostos no sentido pela qual se tornaria conhecida. Em um plano mais simbólico, estas instituições se baseavam na ideia da caridade, da fraternidade humana, de extremo conteúdo paternalista, de inspiração religiosa, missionária, partindo dos ricos para os mais pobres e sem perspectivas de mudanças sociais (MARCÍLIO, 2006). É interessante observar que já na primeira instituição destinada ao cuidado das crianças, já se observa um traço que seria marcante durante todo o desenvolvimento das ações públicas neste sentido: o auxílio pontual e a manutenção das condições e valores vigentes, o que levaria a criação de uma cultura conformista e de cidadania tutelada. No caso do Brasil, Marcílio (2006) aponta as fundamentações deste pensamento a partir da análise da formação do Estado português, no qual sua função se restringiria apenas à administração dos negócios públicos. Como afirmado, este mecanismo foi a principal instituição encarregada de zelar das crianças – abandonadas – a partir do século XIX. Porém, apesar deste panorama geral que relegava o Estado a um papel secundário, a implementação desta política ocorre de maneira diferentemente significativa no Brasil e na Argentina devido a uma conjuntura de contextos, Marcílio (2006) aponta uma grande diferença entre as trajetórias brasileira e a hispanoamericana, ao apontar suas origens, e consequentemente, a maneira pela qual foram geridas. Enquanto na América Espanhola, teria se desenvolvido uma relação de hierarquia eclesiástica no tratamento da questão, com pouco ou nenhum espaço para iniciativas das Câmaras Municipais em defesa das crianças e adolescentes “expostos”, no Brasil, por influência portuguesa, desde o período da colonização, houve ordenamentos por parte do Império para que as localidades realizassem tais iniciativas - embora as repostas tenham sido na maioria dos casos negativas ou insuficientes: Na cidade de Buenos Aires, a Casa de Niños Expósitos foi, igualmente, uma iniciativa do bispo local (século XVII). Funcionando em um antigo convento jesuíta, a casa foi apoiada pelos fundos eclesiásticos [...]Na América portuguesa a assistência aos menor abandonado foi marcada por forte influência da organização administrativo-institucional de Portugal... (MARCÍLIO, 2006, p.130).

49

A contribuição de Marcílio (2006) é extremamente relevante, pois além de apontar a centralidade da questão do abandono no tratamento do caso, que ressaltava mais uma vez quais crianças e adolescentes eram considerados como grupos de atenção das atividades de assistência, indica importantes diferenças institucionais na origem destas ações, apesar de se perceber um panorama geral parecido, com os processos de desenvolvimento, manutenção e crítica às chamadas Rodas de Expostos. Apesar da pouca atenção dispensada pelo Estado Brasileiro, já se estabelecia como competência das Câmaras Municipais a tarefa de prover assistência aos pequenos enjeitados. Portanto, por mais que houvesse ausência ou omissão por parte das localidades, se enunciava uma obrigação que decorreria em uma relação entre o Estado e estas instituições em relação a sua própria execução, ou ao menos, em seu financiamento. Diferentemente do caso argentino, onde tais mecanismos eram operados principalmente pela Igreja e por organizações de caridade (ARBUATTI, 2012), no qual o Estado somente viria a intervir na questão em um momento de consolidação do Estado nacional e a necessidade de se pensar em setores de intervenção por meio de políticas públicas a partir de uma moral burguesa-liberal (CHELI, 2011), no Brasil, a ordenação portuguesa estabelece o papel do Estado neste primeiro momento. Marcílio (1997, 2006) demonstra as reações das localidades em relação a tal competência, inclusive os conflitos travados neste âmbito. Segundo a autora, decorrente desta obrigatoriedade, haveria três maneiras de se lidar com a responsabilidade neste período, sendo duas formais e uma informal. A priore, estritamente as Câmaras Municipais seriam as responsáveis pela assistência às crianças, considerando-se a legislação portuguesa. Porém, com o tempo, se desenvolvem convênios escritos e autorizados pelo reino, nos quais se delegava a execução destes serviços a confrarias, principalmente as Santas Casas de Misericórdia, que com autorização, em um segundo momento, abriria as Rodas e Casas de Expostos e de Recolhimento (MARCÍLIO, 2006). Transferia-se a execução, não a responsabilidade, mantendo-se a responsabilidade sobre o financiamento destas ações, estabelecendo o primeiro sistema formal classificado pela autora. Contudo, com a mudança promulgada pela Lei dos Municípios em 1828, ainda segundo a autora, passa a existir uma nova maneira de interpretar a questão, visto a brecha que passa a existir de se interpretar que nos locais onde houvesse Santas Casas, se pudesse eximir desta obrigação tão ingrata aos cofres municipais. Frente ao descaso do poder local, perceptível nas péssimas condições destas instituições, o poder provincial passa a se responsabilizar pela questão.

50

O segundo sistema formal seria o que institui a obrigação da existência de instituições de assistência destinadas exclusivamente para as meninas pobres, também expresso na maioria das vezes por meio de convênios também autorizados pelo poder real. Sobre a questão da menina neste contexto social, em relação aos valores sociais normativos da época, Abreu (2010) indica uma série de problemáticas das chamadas “meninas perdidas”, principalmente sobre a questão sexual, com uma grande precisão de detalhes. O terceiro e último sistema de assistência consolidado, considerado informal pela autora, seria o “mais universal e mais abrangente” (MARCÍLIO, 2006, p.135), que seria aquele que originaria os chamados filhos de criação, presente até os dias de hoje, constituído por abandonos em portas de outras famílias ou igrejas, constituindo as chamadas adoções, havendo inclusive pessoas que se dirigiam as Rodas com intenção de adotar bebês. O fato da Roda dos Expostos ser a única institucionalidade criada para o tratamento da questão não significa que houve um grande número delas em todo o Brasil. Segundo Marcílio (1997), as rodas se concentraram em sua maioria nas capitais, e devido ao contexto político e econômico, foram poucas, sendo consideradas como um fato pontual do âmbito urbano23. No caso de São Paulo, por exemplo, a autora cita que se pagavam amas-de-leite para duas ou três crianças por ano, sendo este o máximo “possível” de ação por parte da Província. Seguindo o questionamento da autora, qual seria então o destino destas crianças, na ausência de instituições que se encarregassem de cuidá-las? Conforme demonstram relatos, a maioria tinha como destino cruel a própria morte: Parte considerável deles acabava por morrer, logo após o abandono, por fome, frio ou comidos por animais, antes de poderem encontrar uma alma caridosa que os recolhesse dos caminhos, portas de igrejas ou de casas, praças públicas ou até em monturos de lixos. Vários são os testemunhos deixados que comprovam estas afirmações (MARCÍLIO, 1997, p.67)

Percebe-se, portanto, o descaso pelo qual eram tratadas as crianças neste período, sendo desnecessário fazer referência a outros autores que demonstram como o tratamento social da infância e da adolescência é diferente em determinados períodos e sociedades. E frente a esta ausência do papel assistencial seja por parte do Estado ou por parte das organizações caritativas, é que surge o comportamento de criar filhos adotivos, traço que ,segundo a autora, passa a ser uma característica marcante da família brasileira, naturalizando tal relação socialmente. Belluzzo e Victorino (2004) ressaltam neste sentido que o ingresso de crianças nas instituições caritativas e aceitação social destas práticas de 2323

“As Rodas de Expostos foram instituições essencialmente urbanas – elas só existiram porque as Misericórdias aceitaram administrá-las. (MARCÍLIO, 2006)

51

abandono demonstram a concepção esvaziada de direitos pela qual se interpretavam as crianças e adolescentes. De qualquer forma, retomando a comparação dos dois casos, apesar de uma indisponibilidade de dados mais objetivos sobre estes mecanismos na Argentina nesta seção de análise, a partir dos dados encontrados, é possível perceber a convergência destes dois países em relação ao paradigma caritativo de assistência a criança neste período, embora no país argentino a relação entre a ação caritativa e a estatal ainda fosse demasiadamente distante, sendo a igreja a principal encarregada de prover a assistência. Demarca de profunda maneira esta diferença, o fato de que no Brasil, apesar de um papel secundário do Estado, as organizações da sociedade que realizavam este papel assistencial caritativo estavam sob o controle da administração do Estado, inclusive havendo uma classificação jurídica para a situação destas crianças no próprio corpo legal do então incipiente Estado, e o próprio desenvolvimento de instituições como as Companhias de Aprendizes Menores de Arsenaes de Guerra (BELLUZZO e VICTORINO, 2004). Sobre esta classificação jurídica, ainda segundo as autoras, caberia a Justiça determinar quem seria considerado abandonado, e a Medicina diagnosticar se haveria condições físicas e para o ingresso no mercado do trabalho. Neste sentido, o Estado toma a dianteira da destinação do futuro da criança. Além das disciplinas rígidas nestes estabelecimentos criados pelo Estado, era gritante a falta de voz das crianças neste momento, uma vez em que dentro deste paradigma, a criança não teria direito a voz sobre o seu destino. O fato que aproxima em grande medida o panorama legal e institucional do tratamento das crianças e adolescentes nestes dois países é a promulgação das leis de menores, frente aos emergentes quadros de urbanização sofridos na América Latina neste período, seus problemas decorrentes, e outros problemas como o ingresso precoce no mundo do trabalho e a insurgência de atividades criminais por parte destes jovens “desviados” (SANTOS, 2010), praticantes da vadiagem (BELLUZZO e VICTORINO, 2004). Neste processo de mudança de paradigma, com o necessário aumento da tutela do Estado sobre a questão, há que se considerar o processo de formação e solidificação nacional e a ascensão de um movimento higienista, propondo duras críticas às instituições até então existente, refletindo também a insurgência da ação filantrópica frente à ação caritativa. A ação filantrópica que seria baseada em um suposto cientificismo, em um panorama no qual o médico passa a ser considerado um dos principais atores desta mudança, a partir de uma concepção higienista, e por muitas vezes até mesmo eugenista. Portanto, antes de se partir para a análise dos códigos expedidos neste sentido, há que

52

se ressaltar que estas leis surgem num contexto no qual há um dilema sobre qual deve ser o papel do Estado frente a um quadro de jovens que passam a perambular no âmbito urbano, oferecendo riscos à sociedade, diferentemente do quadro de abandono. Obviamente, com uma série de diferenças, principalmente ao se considerar a divergência afirmada da relação entre Estado e assistência anteriormente neste dois países, estes códigos surgem a partir de uma especificidade de demandas e problemas internos. Porém, seus sentidos gerais são os mesmos: marcar a diferenciação entre menor e criança ou jovem escolarizado (ARBUATTI, 2012; APARICIO; 2005, SANTOS, 2010, entre outros). Dicotomia esta que terá forte presença até os dias hoje, apesar da insurgência do paradigma de proteção integral da criança e do adolescente nestes dois países a partir de meados das décadas de 1980 e 1990, representados pelas figuras do ECA, e da Ley 10526 de 2010 na Argentina. 7.1.2. Urbanização, formação nacional, violência juvenil e pane social: os códigos da diferenciação – Ley de Patronato de 1919 e Código de Menores de 1927. 7.1.2.1. Um contexto geral de mudanças: novos valores sociais. O panorama de fraca institucionalização do tema, com a prática ausência da figura do Estado no caso argentino e uma postura de esquiva por parte do Estado brasileiro em relação ao tema permanece inalterado até meados da década de 1920, quando começam a surgir alterações nas relações entre os Estados nacionais e a questão, a partir de uma conjuntura de mudanças sociais e econômicas. Conforme afirmado, as razões para esta mudança derivaram tanto de pressões endógenas, a partir dos processos de urbanização sofridos e da formação destes Estados, assim como de pressões exógenas, com a presença de um cenário internacional científico de defesa da ideia da higienização de uma série de práticas sociais, e também do próprio avanço do capitalismo na região frente ao esgotamento do modelo agrárioexportador (HASSAN, 2007). Se até então as relações derivavam de vontade política, com uma institucionalização demasiadamente fraca, o panorama geral se altera claramente com a expedição dos chamados Códigos de Menores, que se disseminam pela América Latina durante a década de 1920, estabelecendo de maneira extremamente clara quais seriam as obrigações dos Estados frente ao tema, e, sobretudo, para quais jovens e crianças se destinavam. Antes de se analisar quais as mudanças estabelecidas por estes códigos, é interessante ressaltar o panorama de críticas pelas quais as Rodas dos Expostos passavam neste momento. Devido às já mencionadas escassez de recursos, e muitas vezes descaso do poder público, estas instituições possuíam péssimas condições sanitárias, gerando uma série de críticas por

53

parte de diversos grupos, sobretudo da classe médica. Combinando uma série de campos do saber, principalmente o Direito e a Medicina, surge um novo movimento científico de tratamento da questão em direção à filantropia. Este movimento pode ser observado a partir da realização de uma série de seminários internacionais24 que buscavam compartilhar as práticas assistenciais em marcha, e influenciados, todavia, sobre as ideias do positivismo de Augusto Comte (MARCÍLIO, 2006). No caso brasileiro, a ação filantrópica já havia se esboçado durante o século XVIII, porém, segundo análise de Marcílio (2006), esta passa a tomar corpo a partir das mudanças sociais que sofre o Estado Brasileiro durante o século XIX e o início do século XX, ressaltando a abolição da escravidão, o fim do monopólio religioso sobre a assistência social e as reformas educacionais promovidas durante a década de 1930, entre outros fatores. Segundo Marcílio (1997), assustados com as altas taxas de mortalidade infantil, surge da classe médica um corpo de fortes críticas às Rodas dos Expostos. Todavia prosseguindo uma ideia de tratamento assistencial da questão, este novo paradigma do tratamento das crianças e jovens também não questionava o fato gerador de tais mazelas sociais apesar de elaborar duras críticas a um mecanismo em certa medida tradicional. Por outro lado, a crítica à extinção das Rodas (MARCÍLIO, 2006) se baseava na ideia da manutenção da ordem social, não existindo a necessidade de exposição do problema, uma vez em que socialmente tal fato seria aceito. Porém, apesar das pretensões filantrópicas, ressalta-se que mesmo com a mudança, se manteve uma perspectiva assistencialista e paternalista (SANTOS, 2010), apesar de tentar esboçar caráter científico. Obviamente, em medidas distintas, tanto o movimento sanitarista, quanto a partir da normatização de práticas sociais por meio do Direito (GARELLO, 2012; CHELI, 2011; HASSAN, 2007; SANTOS, 2010; MARCÍLIO, 1997; CÔRREA, 1997, entre outros), se estabeleceu este novo paradigma no Brasil e na Argentina. Uma nova concepção surgia a partir destas circunstâncias, que se referiam até mesmo a uma nova concepção do papel do Estado. Este processo geral de contestação e inflexão, em suma, pode ser compreendido na crítica às Rodas: Esses debates sobre a moralidade da Roda de Expostos podem, pois, ser entendidos como resultantes das ideias iluministas, e fazem parte de um amplo processo de liberalismo (grifo do autor) – econômico, social, político e cultural – que traz em seu bojo a ideia de progresso contínuo; a oposição entre a barbárie e a civilização; a luta pela laicização da assistência [...] Tais debates inserem-se, ainda, na onda criada 24

Este ponto será retomado quando se passa a analisar a insurgência da figura violência infantil, principalmente a partir dos discursos do italiano Lombroso.

54

em todo o século XIX pelo higienismo (grifo do autor) e pelos que lutavam pela melhoria da raça humana25 [...]” (MARCÍLIO, 2006, p.196)

Sem a pretensão de analisar de maneira profunda este amplo processo de adição de ciência a ação assistencial, resulta determinante transferir a análise para a questão social e política, visto que a partir do século XX é que surge também a concepção de desenvolvimento nacional, presente na própria expressão de ordem e progresso no Brasil. Na Argentina, com a referida formação nacional, após um amplo processo de batalhas entre as diversas províncias (ROMERO, 2006), também surge a necessidade de se pensar em uma série de questões de controle nacional, visando legitimar a figura do Estado. Mais especificamente, na Argentina, Hassan (2007) ainda afirma que com a federalização de Buenos Aires, se inicia um processo de organização institucional do Estado, a partir de uma série de medidas como o Código Civil e a organização do território nacional, instituindo novas condições de vida a partir da própria divisão social do trabalho, e inclusive as novas figuras a serem consideradas: De manera progressiva, en este mismo proceso se da la irrupción de un conjunto de problemáticas a la inmigración, a los sectores obreiros y las condiciones de vida en las ciudades [...] buscan imponer una orden en el que el trabajo, el ahorro, la família y la salud pasen a ser los valores fundamentales (HASSAN, 2007, p. 3)

Arbuatti (2012) pontua que a construção deste Estado Nacional leva à consolidação de uma série de leis e modelos de modernização, que buscaram organizar o processo de aumento populacional a favor da figura do progresso. Portanto, percebe-se a criação de um modelo extremamente burocrático e construído em relação às já afirmadas práticas de normatização de condutas e valores sociais (CHELI, 2011). Este processo de mudança a partir destes novos valores sociais, em um processo de transição de status quo do Estado, também é observado no Brasil, apesar de uma diferença de fatores internos. No caso brasileiro, Marcílio (2006) retrata a forte movimentação espacial interna da população, a urbanização dos centros urbanos e os problemas causados por estes processos aliados aos problemas da industrialização também demandavam a atenção do Estado. Portanto, em linhas gerais, em um forte contexto de imigração, reivindicações sociais e alta efervescência política na América Latina, é que se passa a pensar na chamada profilaxia

25

Neste ponto, se insere a discussão de uma série de autores sobre a existência da eugenia na mudança de ação esboçada por este movimento, visto que a própria expressão “melhoria” denota práticas próprias da ideologia eugenista. É interessante ressaltar que a eugenia foi extremamente presente nos discursos médicos e políticos da época (SANTOS, 2010; CÔRREA, 1997).

55

social (SANTOS, 2010)26 como maneira de moldar a sociedade a partir de uma nova ordem burguesa e capitalista (MARCÍLIO, 2006) que passará a ser implementada durante este século, buscando a já afirmada legitimação do papel do Estado. Neste sentido, apontando as relações entre estes novos valores sociais e a ação filantrópica, as contribuições de Hassan (2007) são extremamente reveladoras ao identificar um duplo processo posto em marcha na Argentina, e também significativo no Brasil, estabelecendo uma melhor compreensão dos fatos sociais ocorridos e o principal ponto que aqui pretende se estabelecer. Esta estratégia complexa, segundo o autor, seria caracterizada por um lado pela regulação das práticas sociais, visando à implementação destes novos valores fundamentais das condições de vida, e por outro, a criação de um discurso que legitimasse tal regulação, explicando de maneira mais compreensível as razões da insurgência deste assistencialismo com pretensões científicas: “Así, los sociológos, los discursos médicos y psiquiátricos, pedagógico y criminológico entre otros, logran imponerse como ciências capaces de brindar el aparato conceptual más eficaz para lleva a cabo esta tarea” (HASSAN, 2007)27.

Portanto, seria por meio desta nova assistência com fundamentos científicos que se estabeleceriam os novos Estados a serem formados nestes países. Haveria inclusive a pretensão por parte dos médicos de participarem deste processo de construção, transformando a medicina em ciência social e a figura do hospital em máxima instituição para a resolução de uma série de questões sociais (MARCÍLIO, 2006). Com esta breve explicação das mudanças sociais ocorridas no Brasil e na Argentina, que demandaram a construção de um novo aparelho do Estado, e a insurgência de uma ação assistencialista filantrópica e suas relações com tal processo construtivo, objetivou-se demonstrar o panorama geral por trás dos Códigos de Menores a serem expedidos a partir do ano de 1919 com a Ley de Patronato (Ley Agote), pioneira na América Latina, neste processo de mudança da ação caritativa para a ação filantrópica (MARCÍLIO, 2006), assim como a compreensão de suas características mais marcantes. A própria concepção de situação irregular somente encontra sentido ao se considerar de que forma era constituída a situação regular e as razões de assim ser considerada. Portanto, é neste sentido que se considera demasiadamente importante este processo

26

Um claro exemplo da institucionalização desta nova concepção é dada por Corrêa (1997), que afirma que em 1934, o médico Arthur Ramos é nomeado por Anísio Teixeira (Secretário de Educação do Rio de Janeiro) para a chefia do Serviço de Higiene Mental e Ortofrenia. Apesar do espanto atual que esta ação possa representar, percebe-se a aceitação deste paradigma de tratamento da criminalidade como inerente a determinados indivíduos isolando-se totalmente a variável social. 27 Segundo MACHADO apud MARCíLIO, “o médico tonra-se cientista social, integrando à sua lógica a estatística, a geografia, a demografia, a topografia, a história; torna-se planejador urbano”.

56

de transição da figura do Estado como referencial importante para a análise da definição por juventude por parte das leis – ressaltando tanto este cambio na própria composição do Estado frente a uma nova conjuntura de fatores, sobretudo o processo de urbanização, assim como quais as necessidades, insumos para discussões e pretensões para se categorizar crianças e adolescentes a partir de um marco legal. 7.1.2.2. Urbanização e o problema da criminalidade infantil No início do século XX, há uma verdadeira revolução demográfica nos dois países (MARCÍLIO, 2006; SANTOS, 2010), constituindo um quadro de amplo processo de urbanização e industrialização28. Com este processo, decorre uma série de problemas relacionadas, sobretudo, a questão do trabalho e a figura dos jovens vadios que passam a perambular no meio urbano, oferecendo riscos de violência e furtos. Se até então a questão se colocava em relação ao tipo de asilo que deveria se prover às crianças abandonadas, neste momento, a preocupação passa a ser o que se fazer com estes grupos de jovens que atentam contra a sociedade, uma vez em que a opinião pública e o discurso científico especializado internacional (CÔRREA, 1997) passam a reforçar este incômodo. No panorama internacional, destaca-se a forte influência do pensamento científico do jurista italiano Lombroso, que a partir da observação de traços e características físicas, passou a desenvolver uma série de teorias sobre fenótipos mais propensos a criminalidade, dando impulso a uma série de debates e convenções sobre o tema, tanto no sentido da compreensão das características que possuiriam os criminosos, quanto em relação a validade de suas ideias, e maneiras de implementá-las, visando a diminuição de riscos. Sobre este último ponto, Côrrea (1997) demonstra uma variedade de eventos e pensamentos que marcam a discussão do tema internacionalmente, ressaltando o Archivos de Medicina Legal e Identificação, obra resultado de uma conferência realizada em Portugal, na qual o professor Leonídio Ribeiro, fundador do Laboratório de Biologia Infantil, foi um dos conferencistas e apresentou um balanço sobre as ações frente a criança em vários países do mundo, tendo o título de seu respectivo capítulo “A criança e o crime”. A influência de Lombroso no pensamento da época, ainda segundo a autora, era gritante, sendo possível observá-lo na fala do próprio professor que afirmava se basear em abordagens “sob o ponto de 28

Segundo Belluzzo e Victorino (2004), as condições urbanas representavam um grande processo de precarização da vida em termos sociais, em consonância com Arbuatti, que demonstra os grande processos de pauperização sofridos por estas camadas mais jovens. Nas palavras das autoras, os jovens estariam expostos a uma série de condições devido ao ingresso precoce no mundo do trabalho fabril, como insalubridade, condições precárias de trabalho, jornadas noturnas excessivas e os próprios acidentes de trabalho (p.10).

57

vista médico e antropológico com o fim de apurar as causas físicas e mentais da criminalidade” (CÔRREA, 1997). Já em relação à esfera política, sem se olvidar deste ideário internacional, neste momento, conforme Belluzzo e Victorino (2004), é possível identificar uma espécie de dilema por parte do Estado que permeava a discussão em relação ao tratamento da questão: dilatar a tutela, aumentar a assistência social ou intensificar a repressão? Segundo as autoras, é deste dilema que se origina a necessidade de uma legislação especial para esta parcela da população que regulamentasse a ação do Estado, delineando claramente suas responsabilidades e competências. Em resposta a este dilema, surge a dicotômica doutrina da situação irregular (HASSAN, 2007; ARBUATTI, 2012; SANTOS, 2010; MARCÍLIO, 1997; entre outros) como maneira de se resolver a questão ao dividir as crianças e jovens em duas categorias distintas: àqueles escolarizados, em harmonia com seu ambiente familiar, e, portanto, não-geradores de preocupação por parte do Estado, ao garantirem a replicação da ordem social; e a segunda categoria, constituída pelos jovens considerados em situação irregular, os abandonados, pivetes, “vadios” 29, visto que não frequentavam às escolas e constituíam grupos em centros urbanos, praticando por muitas vezes a violência. Seria então sobre esta última categoria que a ação do Estado deveria se destinar a partir da adoção de medidas que buscassem recuperar estes jovens no sentido de normalizar sua conduta, já iniciando um debate que perdura até os dias de hoje não só a respeito da imputabilidade criminal, mas também sobre a maneira pela qual se trataria a questão, questionando-se a efetividade da ação do Estado (MARCÍLIO, 2006), visto que a definição da criança e do jovem passa a se referir a um corte etário específico a partir da promulgação destes códigos que imprimem tal concepção. Dentro deste contexto geral, o ano de 1919 é emblemático para ambos os países em direção à resolução deste dilema. Neste ano, no Brasil, é criado o Departamento Nacional da Criança (DNC) por Morcovo Filho, com a intenção de controlar todas as atividades do campo assistencial: Uma de suas finalidades era a de fazer um levantamento de todas as instituições de assistência à infância, privadas ou oficiais, da capital e de outros estados. Deveria desenvolver estudos sobre natalidade, morbidade e mortalidade infantis, dos 29

Sobre esta segunda categoria, o romance de Amado (x), Capitães de Areia, ilustra bem ao demonstrar um grupo de jovens vadios em Salvador do início do século XX. O livro, apesar de ficção, é interessante ao demonstrar também às mazelas sociais pelas quais estes jovens também passavam.

58

munícios, para lembrar aos poderes públicas a necessidade do “estabelecimento de medidas urgentes e inadiáveis contra os fatores negativos do nosso progresso e da nossa civilização” [...] Visava ainda estudar o problema da infância abandonada, a deliqûente [...] Buscava fomentar a fundação de Associações ou Ligas de Beneficência [...] outros fins [...] eram: consultas a lactantes; mutualidades maternais/ jardines-da-infância; colônia de férias, centros de puericulturia e de higiene infantil” (MARCÍLIO, 2006)

Apesar de ainda atrelado a instância assistencialista e filantrópica, considerando ainda o Estado em um papel secundário, é interessante observar que a questão passa a entrar na agenda do Estado brasileiro, visto que uma institucionalidade de coordenação e até mesmo de regulação é criada, com intenções claramente delineadas em seu Regimento. Este processo de reconhecimento formal da responsabilidade do Estado frente às crianças e jovens será consolidado com a promulgação do Código de Menores (Mello de Mattos) em 1927, mesmo com a inexistência desta separação entre Estado e filantropia (MARCÍLIO, 2006). De maneira pioneira na América Latina, a República Argentina promulgou a Ley de Patronato, estabelecendo a chamada doutrina da situação irregular. De acordo com Garello (2012), surge uma institucionalidade na qual o juiz poderia intervir em qualquer situação na qual se julgara que a criança ou jovem passasse por perigo moral ou material, dentro do movimento latino-americano de criação da justiça de menores30. Criado pelo Dr. Luis Agote, o Código se assenta em um forte conteúdo de valores paternalistas e de tutela, visto que a ação por parte dos juízes de infância seria discricionária, não havendo limites ou critérios claros para a definição sobre quais jovens estariam ou não em situação de abandono ou perigo, seja material ou moral. As autoras Fernández et al (2010) indicam que este código expedido por meio da sanção de Lei número 10.903, ao criar a figura do Patronato de Menores, interferindo diretamente sobre até mesmo valores do próprio Código Civil vigente a época, foi a legalização de práticas que já estavam socialmente legitimadas no país, principalmente aquelas realizadas pela Sociedade de Beneficência desde 182331. Assim como é possível de ser identificado no discurso do brasileiro Leonídio Ribeiro e a série de ações públicas no Brasil que foram desenvolvidas posteriormente a este período, na Argentina o que delimitava as tipificações da periculosidade e abandono, segundo ainda as pesquisadoras argentinas, seria a oposição entre os valores de civilização e barbárie. 30

Segundo Garello (200x), este período seria de 1919 até 1939. Sobretudo em asilos (abrigos) e hospitais, reafirmando os dados já trazidos até o momento sobre o histórico de implementação e formulação das ações públicas e as diversas influências existentes. 31

59

A Ley de Agote32 permitia ainda aos juízes o poder de instituir medidas por tempo indeterminado, caso assim julgassem necessário. Arbuatti (2012) remonta as discussões prévias à promulgação desta lei, destacando a prioridade da comunidade sobre a figura dos jovens na fala do então deputado Agote, que afirmava que destas crianças e jovens que se originariam os futuros delinquentes. Percebe-se, portanto, a veia preventiva desta medida, conforme afirmado anteriormente, sobre o surto de urbanização pelo qual passaram os grandes centros populacionais e os riscos aos quais estavam expostos as classes burguesas neles presentes. Neste modelo tutelar, el niño necessitava da intervenção do Estado quando carecia da família, visto que seria por meio dela que seriam transmitidos os principais valores e a educação – em conjunto com a escola. Porém, é necessário considerar que esta família considerada pela lei, por diversas vezes, era irreal, inexistente, e a ação do Estado se encaminharia mais no sentido de criminalizar a pobreza e a desigualdade do que no real sentido de prover condições sociais melhores (ARBUATTI, 2012; HASSAN, 2007). Este é um modelo que esvazia as crianças e adolescentes de direitos, submetendo-os a mecanismos de decisão extremamente coercitivos, baseado neste modelo tutelar e na premissa de que seria por meio da internação em determinadas instituições33 que se resolveriam seus problemas. Mais uma vez, é possível observar claramente a influência da concepção médica sobre a criminalidade e o peso do histórico assistencial, enxergando a questão pelo viés da internação e da biologia, isentando qualquer tipo de influência de variáveis sociais sobre a questão: En esa perspectiva, las familias en condiciones de desigualdad social y económica no eran consideradas un efecto de las reglas del juego económico y político sino convertidas en culpables de las potenciales disfuncionalidades de sus hijos. Los problemas de las familia, considerados “morales” podían justificar la disposición arbitraria de la vida de estos niños mediante la internación, y se encasillaban alrededor de estereotipos familiares basados en premisas religiosas. (ARBUATTI, 2012, p.20)

Portanto, por meio desta lei que instituía a figura dos juízes de família e os assessores de menores, é posto em marcha na Argentina o mencionado processo que estabelece dois circuitos de assistência social e proteção por parte do Estado: família e escola para crianças e

32

O Código de Menores na Argentina é conhecido por três nomes: Ley de Patronato, em relação a figura tutelar estabelecida pelo Estado por meio da criação do Patronato de Menores; Lei 10.903 de 1919, que é seu nome oficial; e Ley de Agote, em referência a seu principal mentor, o Dr. Luis Agote. 33 Neste ponto, é necessário retomar a ideia de Arbuatti (2012), que traz a ideia de rótulos como “ubicación institucional” ou “internación”, que seriam desenhados para tal fim.

60

adolescentes e instituições de internações para os chamados menores, consolidando a doutrina da diferenciação (FERNÁNDEZ et al, 2010). Por último, há uma importante e derradeira consideração em relação ao momento de formação do Estado Argentino que é a questão da imigração. No começo do século, mais de 80% das crianças internadas nestas instituições eram provenientes de famílias imigrantes (FERNÁNDEZ et al, 2010). A imigração era um forte fenômeno social neste momento, constituindo mais um problema para a ordem social da época – pois aliada a forte urbanização, também surgiam os conflitos naturais deste fenômeno, visto as dificuldades de idiomas e inserção na instância educacional, que representava uma possibilidade de ascensão social. Segundo Romero (2006), embora se pudesse perceber uma espécie de êxtase político e econômico ao início do século, as questões de imigração já eram consideradas desde o primeiro governo de Yrigoyen, principalmente ao se considerar que estes imigrantes traziam consigo ideias de associação trabalhista e sindicalizações, que derivaram segundo Arbuatti (2012) na própria gênese dos principais movimentos nacionais. Oito anos posteriormente, em 1927, foi instituído o Decreto nº 17.943-A no Brasil, que consolidou as leis de proteção e assistência aos menores: o Código Mello de Mattos, também conhecido como Código de Menores, que assim como o bojo ideológico da criação da Ley de Patronato, “tinha a intenção de deter a situação dos delinquentes, pervertidos ou abandonados, frente à sociedade” (SOUZA, 2012, p. 25). O Código de Menores destinava-se a legislar sobre crianças de 0 a 18 anos em estado de abandono, quando não possuíam moradia, órfãos, qualificados como vagabundos ou mendigos e trabalhadores de lugares proibidos; denominando estas crianças como: “expostos”, os menores de 7 anos; “abandonados”, os menores de 18 anos; “vadios”, os atuais meninos de rua; “mendigos”, os que pedem esmola ou que vendem coisas nas ruas; e “libertinos”, os que frequentavam prostíbulos. No Artigo 131, o Código instituía o intervencionismo oficial no âmbito da família, dando poderes aos Juízes e Comissários de Menores. No Artigo 55, se conferia aos Juízes plenos poderes para determinar a internação até os 18 anos de idade e determinar qualquer outra medida que achasse conveniente. Esta institucionalidade será marcante principalmente com as políticas implementadas durante as décadas seguintes. Somente o Artigo 68 do Código tratava dos “menores delinquentes”, distinguindo os “menores de 14 anos” dos de “14 anos completos a 18 anos incompletos”, deixando clara a competência dos Juízes para estabelecer os procedimentos em relação a eles e aos seus pais. Estabelecia também a obrigatoriedade de separação dos “menores delinquentes” dos

61

condenados adultos. Na década de 1960, com a instalação da ditadura militar no país, esta parte do Código seria bastante utilizada. Porém, posteriormente, decorrente de uma série de conflitos e escândalos públicos, é promulgada uma importante mudança neste Código após a criação da CPI do Menor em 1971. Em linhas gerais, o conteúdo valorativo presente nestes dois instrumentos jurídicos, que marcam pela primeira vez as responsabilidades e competências dos Estados frente a questão, inclusive por meio de novas instituições – as chamadas justiças de menores, é construído em relação direta a um novo modelo de sociedade que se pretendia estabelecer e que reforçasse o novo modelo econômico implementado, que por sua vez pode ser representado pelo boom de urbanização ocorrido na região. Portanto, o reconhecimento das crianças e jovens a partir da diferenciação se refere a necessidades de se criar bases que garantam a imersão destes novos valores sociais que estabelecem novos padrões e modos de vida, mesmo que desiguais e injustas. Por outro lado, o grande avanço trazido pela promulgação destes códigos é o reconhecimento explícito por parte dos Estados de que as crianças e jovens são parte de suas agendas34, mesmo que todavia por meio desta visão dicotômica. Há que se considerar que com a formulação e implementação de medidas frente a estes indivíduos, se abrem espaços para a discussão com as posteriores avaliações das políticas adotadas, que por sua vez, abrem espaços para a negociação e debates sobre quais seriam melhores maneiras de se lidar com a questão, remontando a ideia do amaciamento das políticas públicas. Se até então a responsabilidade com a questão era totalmente transferida a ação caritativa, aos poucos vão se criando vínculos entre estes Estados e a questão, sendo possível identificar estes Códigos de Menores como as raízes desta relação. Por fim, considerando as observações de Arbuatti (2012), é possível identificar nestes Códigos a necessidade de controle no contexto de novos conflitos que surgem entre a implementação destes modelos de progresso adotados e as novas maneiras de se interpretar e analisar a própria vida por parte da população, em relação a condições e satisfações, decorrentes dele, e potencialmente incompatíveis. Passa a ser, portanto, por meio da repressão das condutas de desvio que se criam bases de sustentação para este processo de modernização, 34

Baseado na proposição de Marcílio (2006), é possível observar que mesmo sem o estabelecimento de uma fronteira clara entre ação estatal, a filantrópica e a caritativa, estes Códigos além do reconhecimento explícito da questão, trazem a discussão sobre qual seria a verdadeira ação do Estado. No caso brasileiro, a autora demonstra que já na Constituição Federal de 1939 já havia dois artigos dedicados a infância e juventude, estabelecendo garantias para estes indivíduos por parte do Estado Brasileiro. A questão, aos poucos, vai sendo internalizada nestes Estados.

62

estabelecendo um modelo social no qual a pobreza recai sobre o próprio indivíduo, isentando a sociedade e o Estado como um todo de quaisquer responsabilidades sociais. Este panorama somente viria a ser alterado com a insurgência dos governos populistas de Vargas e Perón que criam uma nova situação de tratamento da questão. É preciso, porém, ressaltar o cuidado que deve se ter com os termos Estado de BemEstar do Menor (EBM) e o Estado de Bem-Estar Social. Segundo Marcílio (2006), no Brasil, o chamado EBM ocorreria na década de 1960 com a ascensão do Estado como principal responsável pela assistência à juventude e infância. Na Argentina, segundo Arbuatti (2012), em 1945, com a expansão do Estado de Bem-Estar Social, principalmente durante o Peronismo, que se alteraria o quadro de assistência aos menores. É evidente que as autoras se referem a momentos distintos e utilizam critérios de definição distintos. Enquanto Marcílio (2006) considera a formação do Estado de Bem-Estar do Menor como o momento no qual se institui a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor em 1964, Arbuatti (2012) se refere a um processo mais amplo na Argentina que foi a adoção de um modelo de Estado de Bem-Estar Social no país, com a ampliação dos direitos políticos e sociais, fato que também ocorreu no Brasil durante o governo Vargas. Portanto, em relação a este momento observado por Arbuatti (2012), faria sentido a relação com o governo varguista no Brasil (BELLUZZO e VICTORINO, 2004) e não com as mudanças estabelecidas na década de 1960 pela ditadura militar brasileira, sendo necessário tomar cuidado com a confusão que estes dois termos pode trazer. Durante os governos populistas, são adotadas posturas de tratamento da questão mais ativas em relação à resolução dos problemas sociais enfrentadas por grande parcela da população. Considerando a criança como prioridade número um, o governo peronista avança ao concretizar uma maior presença nas áreas de educação, saúde habitação, agindo de maneira mais integral, lutando contra as situações de pobreza e miséria (ARBUATTI, 2012). Romero (2006) aponta a internalização da economia argentina e seu controle como nova política econômica, estando a justiça social como maneira de se sustentar o mercado interno. Barreyro (2001) ressalta inclusive o surgimento da Fundación Eva Perón (FEP), que se destinava a cuidar daqueles não integradas ao mercado de trabalho, talvez o critério mais decisivo para a garantia de direitos durante o governo peronista. Belluzzo e Victorino (2004) demonstram também esta postura por parte Vargas, ao afirmar que na década de 1930, se percebem grandes alterações no tratamento das crianças

63

pobres, mesmo que por meio de uma ação orientada pelo seu ethos assistencialista, aproximando a criança ao quadro de pobreza da família: Com a entrada do governo Vargas, nos anos 30, verificaram-se algumas alterações no tratamento das crianças pobres, muito mais por influência da orientação assistencial assumida pelo Estado do que por avanços na compreensão das especificidades dessas questões. De qualquer modo, a situação de carência infanto-juvenil passa a ser tratada de forma integrada ao quadro de pobreza da família. Assim, à abordagem predominantemente jurídica e de controle social acrescentava-se a assistencial, voltada ao amparo à maternidade, à infância e à adolescência. (BELLUZZO e VICTORINO, 2004, p 10-11)

Percebe-se, portanto, esta nova postura destes Estados frente às desigualdades sociais, ressaltando-se as reformas educacionais promovidas por estes países durante este período, e a própria influência desta identificada nova abordagem da questão35. Mesmo que ainda não se trate de uma nova compreensão em relação a questão, a ação do Estado passa a considerar a pobreza para além de um estado de coisas ou como fenômeno natural, enxergando em sua própria estrutura capacidade de alterar o quadro social. No caso brasileiro, é interessante ressaltar que na década de 1940, surge o SAM – Serviço de Assistência ao Menor e a LBA – Legião Brasileira de Assistência, ampliando o papel do Estado (BELLUZZO e VICTORINO, 2004) – ainda sob o predomínio assistencial. Uma nova compreensão sobre o papel dos menores, sobretudo dos adolescentes, passa a se, os jovens passam a constituir uma preocupação em relação ao mercado de trabalho, em relação a sua formação e qualificação (BELLUZZO e VICTORINO, 2004). Marcílio (2006) aponta esta preocupação, demonstrando o papel da regulamentação do ensino profissional em 1941, sendo o Ministério do Trabalho guardião destas leis, “com a finalidade de enriquecer a pátria de amanhã com homens válidos, sadios, capazes de uma colaboração produtora e útil” (MARCÍLIO, 2006, p. 223). Surgem inclusive, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizado Comercial) em 1946 (BELLUZZO e VICTORINO, 2004).

35

Aqui se faz necessário uma observação demasiadamente importante. Quando as autoras se referem a uma nova compreensão da questão, o que se pretende demonstrar é que o Estado passa a enxergar em sua figura uma maior responsabilidade em relação a pobreza e as condições sociais. Portanto, passa a tentar incorporar de maior maneira os jovens a primeira categoria – a de jovens escolarizados. E estaria aí a continuidade, não se rompendo ainda com a lógica de diferenciação, utilizando-a como maneira de interpretação da questão das crianças e adolescentes.

64

Surge então a figura do jovem por meio da ótica da economia, superando-se em certa medida o tratamento exclusivo da questão por meio da diferenciação entre menor e aluno. Neste momento, rompe-se a chamada lógica patriarcal burguesa e estabelece-se um modelo de sociedade de consumo (ARBUATTI, 2012), sendo o jovem parte importante para a sustentação deste novo modelo. Mais uma vez por meio de um processo social mais generalizado, é que se estabelece uma nova maneira de encarar o jovem. É necessário portanto, observar quais são as mudanças trazidas dentro deste novo modelo mundial que cria o próprio conceito de juventude tal qual o entendemos hoje em dia. Neste novo período de análise, por motivos metodológicos, relegouse a questão da criança e dos menores a um segundo plano, priorizando as ações do Estado frente a este conceito de juventude que passa a ser desenvolvido e inclusive aceito socialmente, numa perspectiva de pertencimento para estas gerações. Passa então a fazer sentido se considerar a ação do Estado frente à juventude – ou numa perspectiva mais moderna, às juventudes - cabendo então a partir deste momento, o uso do termo políticas públicas de juventude.

65

8. POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL E NA ARGENTINA 8.1. Uma introdução ao Pós-Guerra: novas condições econômicas e o novo conceito de juventude. O período pós-II Guerra Mundial altera um panorama de instabilidade econômica que assombrava o comércio internacional e a transferência de capitais desde a Grande Depressão de 1929 e 1930. Segundo Ferrer (2007), a I Guerra Mundial foi o primeiro confronto de alcance planetário, afetando a ordem econômica até então vigente. Conforme indica o autor, neste período entre guerras, os Estados Unidos surgem como nova potência hegemônica, aparecem os governos totalitários, assim como surge a União Soviética, em contraposição ao sistema capitalista. Neste contexto, a Inglaterra tenta restabelecer sua posição de hegemonia, ao tentar restabelecer a libra esterlina e depois o padrão ouro como referenciais para o mercado mundial. De qualquer forma, o autor explica que se havia algum tipo de esperança em manter os fundamentos do que ele chama de Segunda Ordem Mundial, tal esperança acaba com a crise de 1930 – as ideias econômicas deveriam ser repensadas para além do paradigma liberal: En el período compreendido entre 1915 y 1945, es decir, el principio y el fin de las dos guerras mundiales, se debilitaron las fuerz integradoras del orden econômico internacional. El comercio, las inversiones privadas directas, las migraciones de personas y las corrientes finacieras internacionales perdieron importância relativa respecto de la produccion y de la acumulacion de capital em la economia mundial. [...] la crisis de los años treinta provoco también um cambio de las ideias económicas dominantes. (FERRER, 2007, p.239-240)

A crise econômica provocou a contração da produção, dos ingressos de capitais e dos níveis de ocupação nos países industrializado, o que os levou a adotar uma série de medidas protecionistas, que catalisam a propagação desta crise para o mundo todo36 (FERRER, 2007). Por meio dos dados da exportação mundial entre 1929 e 1933, o autor aponta a magnitude desta crise: um decréscimo de 25% no volume físico, e um decréscimo de 30% no nível geral de preços. Mesmo com o esboço de uma pequena melhora a partir de 1938, o nível de produção ainda era inferior a 1929. Ainda no período da II Guerra Mundial, apesar da produção bélica, o panorama para o comércio internacional e o movimento de capitais externos permanecia complicado devido às restrições resultantes do próprio confronto bélico. Porém, como Natanson (2012) e Ferrer 36

Segundo Ferrer (2007), tais mecanismos seriam a formação de blocos, formação de acordos bilaterais e o abandono dos tratados multilaterais, desvalorização de moedas e o abandono do padrão ouro. Ainda seria por meio de outras medidas protecionistas, como o estabelecimento de cotas de importação, tarifas substancialmente maiores e controles de cambio que se tentou conter a crise.

66

(2007) argumentam, são as transformações tecnológicas deste período que permitiram a ocorrência dos anos dourados (no Brasil, conhecido como a época do Milagre Econômico). Produzida para fins bélicos, num contexto de disputas no qual a capacidade de inovar tecnologicamente poderia ser decisiva para a vitória, é que a tecnologia avança de forma significativa, apesar do alto preço pago com os danos causados a humanidade. Conforme apontam os autores, o conhecimento tecnológico afeta de forma significativa a produção de bens e serviços e, consequentemente, a organização econômica mundial – uma vez em que o domínio da tecnologia não se espalha de forma igual para todas as regiões, passando então a ser critério da nova ordem global que se estabelece, definindo a periferia e o centro capitalista. O quadro final da II Guerra Mundial eleva os Estados Unidos a posição de grande potencial mundial, e a uma remodelagem de grande parte dos Estados Nacionais, tentando estabelecer um modelo misto entre o Estado de Bem-Estar Social e o liberalismo (expresso pela figura do mercado). Neste contexto, o Plano Marshall é decisivo para reconstrução de potências como o Japão37, que a partir do desenvolvimento e uso de tecnologias, conseguem surpreendentes taxas de crescimento, mantendo o otimismo geral do pós-guerra. Ambos os autores apontam que a sensação era a de que, finalmente, o capitalismo havia conseguido encontrar seu equilíbrio, acreditando que a fase cíclica da economia tivesse sido superada. A tecnologia é central neste sentido, pois ao se propagar para as diversas áreas de produção de bens e serviços, gera uma forte demanda de mão-de-obra qualificada, possibilitando basicamente uma situação de pleno emprego. É a partir desta necessidade, que ocorre o que Natanson (2012) define como um fenômeno de massa, que é a grande ampliação do sistema educacional em basicamente todo o mundo, essencialmente, no nível superior de educação. Baseado em dados de Hobsbawn (1999) e de órgãos educacionais argentinos, o autor aponta a expansão da oferta de educação superior no pós-guerra: En Francia, al término de la Segunda Guerra Mundial, el número de estudiantes era de menos de 100.000, pero ya em 1960 estaba por encima de los 200.000 y en los diez años siguientes se triplicó hasta llegar a los 651.000. Em Argentina, la matrícula universitária pasó de 47.400 estudiantes em 1945 a 136.362 em 1955 y casi 430.000 em 1976 (NATANSON, 2012, p.30)

Este aumento da oferta educacional de nível superior pode ser compreendido quando se analisa que o diploma universitário era a chave para a ascensão social destes jovens, num 37

A propagação do keynesianismo marca esta mudança de paradigma econômico, que viria a ser alterado no pós-1973, com o choque do Petróleo, que gera uma crise econômica mundial mais uma vez. Tal mudança pode ser observada com a onda conservadora iniciada na década de 1980, de propagação da ideia do Estado Mínimo, principalmente por Margareth Thatcher e Ronald Reagan.

67

período em que a economia registrava altos níveis de crescimento. Seguindo o panorama traçado pelo autor, a disseminação destes espaços estudantis contribui de forma decisiva para a formação desta identidade juvenil, uma vez em que se constituem em espaços de socialização de uma mesma geração. No caso brasileiro, a expansão da oferta universitária já era visada desde o Estado Novo de Vargas, que procurava a formação de uma identidade nacional forte, com a modernização e desenvolvimento econômico do país. Neste sentido, a educação ocupava uma posição central no planejamento de Vargas. Porém, há que se destacar que o objetivo era uma educação controladora e focada no ensino universitário, que habilitaria as elites a participarem deste processo de modernização (ARAUJO, 2007). O ministro Capanema joga um papel decisivo na acepção deste paradigma para a educação no final da década de 1930. Kerbauy (2005), ao analisar as políticas públicas de juventude na América Latina, expõe que é também na década de 1950 que ocorreram grandes processos de urbanização. Esta forte urbanização (fruto da disseminação tecnológica) também contribui para a formação de novos setores econômicos, e com isso, maior número de empregos. Ou seja, os jovens passam a se integrar mais facilmente neste sistema social. Se até um momento passado, representavam um peso para os seus pais, com as facilidades de se integrar socialmente num período de economia dourada, beirando o pleno emprego, a juventude passa a ser um ator social relevante. De qualquer forma, é necessário ressaltar que os avanços eram acessíveis a uma classe de jovens socialmente determinada, rompendo com o mito de que o desenvolvimento foi desfrutado por todos. Percebe-se que o recorte que definia a juventude nesta época se resume a classe estudantil. Não só ascendem à posição de atores sociais, como também configuram novos sujeitos de consumo, pois é nesta época, que decorrente da expansão tecnológica, ocorre um aumento de oferta de bens e serviços. O que era acessível para apenas uma pequena elite, passa a ser disponível para um grupo social mais largo, principalmente para os jovens38. Em linhas gerais, como descreve Natanson (2012), há um aumento na autoestima do jovem a partir deste protagonismo econômico e social que passa a exercer. E resultante deste contexto econômico e social, de maior independência econômica e aceitação social do jovem, aliado ao surgimento dos sistemas de pensão, que se propicia uma situação de maior autonomia e liberdade para os jovens. Com as possibilidades reais de saírem de casa, estabelecerem sua própria vida, a partir de seus próprios valores39, há um rompimento por parte dos jovens com as tradições e valores 38 39

Insere-se também neste contexto, o desenvolvimento de produtos e serviços específicos para os jovens. E como ressalta Natanson (2012), principalmente os sexuais.

68

centrais da geração passada. A partir destas condições, principalmente da econômica, há a possibilidade de escolher seus próprios costumes, independente do consentimento dos pais (geração anterior). Neste momento, os jovens eram capazes de operar funções e atividades mais complexas que a geração anterior; até então, o jovem apenas replicava os valores tradicionais, usualmente, a partir da manutenção das mesmas atividades realizadas por sua família. Tal mudança, novidade como fenômeno de massa, contribui para a construção desta identidade jovem e diferenciação das gerações anteriores. Também para compreender a construção desta diferenciação, é necessário atentar-se a questão do salto histórico. Estas gerações da década de 1950 e 1960 não se sentiam próximas das tradições do passado, pois seja pelo choque da II Guerra Mundial ou por processos de independência em colônias, o reordenamento político e econômico em todo mundo, e as grandes transformações tecnológicas, há um divórcio entre as gerações (NATANSON, 2012). Para estas gerações, o mundo anterior parecia inexistente, uma vez em que o hiato histórico, era gigante num período de tempo pequeno: como propõe Natanson (2012), como explicar o que havia sido 1929, do ponto de vista econômico, para um jovem norte-americano que vivia um período dourado econômico, com pleno emprego e proteção social? Saltos históricos sempre ocorrem, segundo o autor, porém, desta vez havia abrupto, e se os adultos somente podiam digerir tais mudanças40, os jovens emergem como protagonistas deste novo sistema global. É desta maneira, como expõe o autor, que a juventude passa a ser um valor em si mesmo. Durante os anos dourados, as taxas de emprego beiravam o chamado pleno emprego, e assim sendo, com a real possibilidade de conseguir um emprego e ascender ao mundo adulto, o jovem enxergava neste processo o fim de sua juventude e o início da fase adulta. Conforme demonstra Barbetti (2011), é por meio deste fenômeno que a vida social passa a ser recortada, em três etapas: a de formação, a de atividade e a de jubilação. Portanto, durante este período, resulta interessa ressaltar que a educação teria um forte caráter de formação profissional, conforme atestam uma série de autores. Já no final da década de 1960, a economia começa a demonstrar indícios de enfraquecimento. Segundo Ferrer (2007), o modelo de expansão econômica desenvolvido no período dourado, com altos índices de consumo de produtos bélicos e o estabelecimento de multinacionais no mundo, a partir da transferência de capitais entre o centro e periferia, 40

Neste contexto de mudanças, conforme Natanson (2012), há que se inserir a questão da democratização das drogas, que até então eram restritas a um pequeno grupo de intelectuais e marginais (de uma subcultura).

69

começa a se complicar no final década de 1960, com o aumento do endividamento dos países periféricos e uma série de efeitos econômicos que ocorrem em descompasso41, brecando um sistema econômico que crescia numa média de 10% ao ano. Sem a necessidade de uma profunda análise econômica, o que serve a análise da temática da juventude, é expor que o modelo econômico desenvolvido começa a aparentar um desgaste, percebido, por exemplo, com o aumento do desemprego na França neste período. Diante deste deterioro, as pressões sobre o Estado de Bem-Estar Social são evidentes, num sistema, todavia ditado por uma economia de mercado. O jovem, que produziu sua identidade a partir de condições econômicas e sociais, passa então a contestar este modelo, que começa a aparentar um colapso para os países subdesenvolvidos, anunciado com o Primeiro Choque do Petróleo de 1973. Consequentemente, mesmo que sentido de forma menos abrupta, há obviamente um abalo na economia dos países desenvolvidos, visto que eram credores dos países subdesenvolvidos. A crua realidade econômica seria confirmada alguns anos depois com o II Choque do Petróleo, colocando em cheque os principais modelos desenvolvimentistas na periferia. Em contraposição aos efeitos negativos que a Economia gera sobre o Estado de BemEstar Social e às condições de vida em geral, é que os jovens passam a se organizar, a princípio, por si próprios, e posteriormente, aliados a outros grupos, representantes dos setores mais prejudicados com a crise econômica que começava a se instalar, como sindicatos de trabalhadores. Os jovens, que haviam conquistado posição relevante econômica e socialmente, quando começam a sentir os efeitos de uma crise econômica até então desconhecidos42, começam a exercer um protagonismo político relevante.43 O Cordobazo e o Maio Francês, que começam apenas por estudantes, ambos no fim da década de 1960, são claros exemplos desta situação. A princípio, surgem dentro de um ambiente tipicamente jovem (universidade), a partir de protestos de questões relativas apenas 41

Segundo Ferrer (2007), há um descompasso entre a importação de equipamentos tecnológicos, e o aumento das exportações nos países subdesenvolvidos, o que gera um aumento da dívida externa, que posteriormente, resultará num estrangulamento econômico, que colocará o modelo econômico vigente até então em cheque. 42 Como já afirmado, é importante afirmar que os jovens do período dourado somente haviam vivido em anos de prosperidade econômica, e que os efeitos de uma crise econômica não eram conhecidos por eles. A economia de pleno emprego era a realidade destes jovens. O mix entre Bem-Estar Social e mercado começa a azedar. E a tendência passa a ser o neoliberalismo, que aos poucos começa a se estabelecer na década seguinte, e marcar uma nova preponderância de mercado. 43 Apesar do protagonismo político que os jovens começam a construir, como aponta Natanson (2012), considerar a juventude como ator político é um pouco complicado, visto que não há uma convergência total de interesses e forças, como normalmente existem em sindicatos, por exemplo. Por ser uma categoria muito abstrata, e possuir várias juventudes dentro da juventude, faria mais sentido considerar as diversas organizações juvenis e grupos identitários, com interesses e formas de ação definidas (ou não) como atores políticos, como por exemplo, uniões estudantis, juventudes partidárias, coletivos juvenis, rockeiros, skatistas, entre outras formas de organização. Reafirma-se a própria ideia de juventudes, e não de juventude.

70

aos estudantes, e aos poucos, vão atingindo caráter mais amplo socialmente, contando com a força das classes operárias, com o apoio dos sindicatos. Repreendidos pelo Estado, uma vez em que se questionaram valores centrais dele, os jovens passam a ser considerados subversivos, e o Estado age não só por meio de representações negativas, mas também estabelece um próprio controle destas organizações nas décadas seguintes na América Latina. 8.2. Políticas Públicas de Juventude nos Anos de Chumbo Nos casos argentino e brasileiro, em consonância com a maioria dos governos latinoamericanos da época, ocorre a insurgência de um modelo ditatorial, que vê na juventude mobilizada um de seus principais opositores. Ilustra tal fato o percentual de jovens no total de desaparecidos durante a ditadura argentina, indicando este posicionamento governamental: segundo informe Nunca Más, da Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas (CONADEP) da Argentina, 69,13% dos desaparecidos tinham entre 16 e 30 anos (1994, p. 294 apud NÚÑEZ, 2008, p.). Também demonstra esta oposição, não só na Argentina, como na América Latina, a predominância de um paradigma de controle dos movimentos sociais mobilizados entre 1970 e 1985 (ABAD, 2000). Porém, para além da generalização, há que se considerar alguns fatos cronológicos e políticos dos processos ocorridos nestes dois países que os diferenciam em grande grau. Enquanto no Brasil houve um golpe de Estado em 1964 que permanece forte até fins da década de 1970, e se dilui na década de 1980 frente a sua falta de legitimidade, uma vez em que as fontes de financiamento secam e a prosperidade econômica se esvai, na Argentina ocorrem dois governos ditatoriais, um iniciado em 1966 com a derrubada de Arturo Illia, liderado por Juan Carlos Onganía e interrompido por um governo constitucionalista em 1973, que dura até 1976, quando se instala uma nova ditadura que dura até meados de 1983. Este período de intervalo constitucionalista decorre da falta de legitimidade e força política para sustentar o regime ditatorial que havia se instalado com Onganía e prosseguido por Marcelo Levingston e Alejandro Agustin. Resultante de um deterioro das condições sociais e da forte repressão, surge uma grande efervescência política de âmbito popular, que coloca em cheque o próprio governo, que decide realizar uma eleição como maneira de saída. Esta foi vencida por Hector Cámpora, mas que abra mão de seu mandato convocando novas eleições livres, na qual ganha novamente Juan Perón. Sobre este período de protestos, dentro de um ciclo considerado desde 1968 até 1976 segundo periodização de Bonvillani et al (2008), embora ainda não se enxergue o jovem diretamente como sujeito político, sendo marcados mais pela condição de classe ou ainda pela

71

própria condição de estudantes, sua grande presença em outras associações chama atenção principalmente pela produções ou discursos culturais da época, e também a própria associação política ou partidária, inclusive em guerrilhas e grupos armados (BONVILLANI et al, 2008). Ainda segundo os autores, é neste período que se formam os principais grupos de guerrilha como o Montoneros, o Partido Revolução dos Trabalhadores-Exército Revolucionário do Povo (PRT-ERP). Surgem também grandes correntes políticas como a Nova Esquerda ou o Peronismos de Base, assim como a Juventude Peronista. Ressaltam ainda também o novo sindicalismo surgido, citando as Ligas Agrárias no noroeste argentino e o nascimento da Juventude Trabalhadora Peronista, estabelecendo-se aos poucos o jovem como ator político relevante. É visível, portanto, a preocupação por parte do Estado em relação à mobilização juvenil, sendo importante relembrar ainda a forte influência do Cordobazo neste processo de saída eleitoral, visto o grande peso político deste evento. Por outro lado, havia também um contexto internacional de afirmação do modelo revolucionário guerrilheiro em 1968 (inclusive, considerado o ano do guerrilheiro. Miskulin (2009) aponta a forte presença dos ideais de Che Guevara na juventude de esquerda internacionalmente, constituindo portanto, uma espécie de ameaça aos valores sociais dos governos capitalistas. Frente a este quadro, especificamente em 1973, por meio do decreto nº1.854, o então presidente Raúl Lastiri cria dentro da jurisdição da Presidência da Nação as Secretarias Geral e Técnica, sendo a primeira constituída pelas Secretarias Política, Miliar, Gremial e da Juventude (BALARDINI, 1999). Segundo Balardini (1999), a criação desta secretaria seria em reposta ao contexto político de alta mobilização das juventudes, que já haviam demonstrado sua força em uma série de levantes e mobilizações como o Cordobazo, Rosariazo, Mendozazo, entre outros (BONVILLANI et al, 2008). Esta secretaria teria a função considerar as principais necessidades e demandas dos jovens, assim como levantar suas opiniões e assessorar atividades realizadas pela juventude: Asistir al Presidente de la Nación por intermedio del Secretario General en la formulación de la política del Estado referida a la juventud, y en particular: Funciones: 1.

La Realización sistemática de un relevamiento de las necesidades y requerimientos de la juventud.

2.

La atención de todo lo inherente al desarrollo de las actividades juveniles para su incorporación al proceso de reconstrucción y liberación nacional.

3.

El asesoramiento en la organización y coordinación de las actividades juveniles con los Ministerios y Gobiernos de las Provincias.

72

4.

El estudio de todos los problemas vinculados a la juventud que le encomiende el Primer Magistrado requiriendo la información del caso.

5.

El proyecto y formulación de planes de acción tendientes a la formación de dirigentes de la juventud. (BALARDINI, 1999, p. 10)

A pesar de perceber a criação desta institucionalidade mais em relação ao espírito da época de mobilizar a juventude em direção de certos setores políticos, Balardini (1999) afirma a importância de se considerar este antecedente por muitas vezes olvidado, e que ressalta o reconhecimento explícito por parte do Estado da juventude. É possível acrescentar o comentário de que esta institucionalidade talvez possa representar uma concepção de juventude moderna, numa espécie de etapa perdida da implementação das políticas públicas de juventude na Argentina. De qualquer forma, com a derrocada de María Estela Perón, e a insurgência de uma nova ditadura, todavia mais violenta que a primeira, quaisquer pretensões de diálogo entre juventude e Estado são rompidas, deslocando a atenção do Estado novamente a repressão e controle social. Em 1976, o terrorismo de Estado argentino, por meio do monopólio da força, repreende a maior parte das atividades de participação política jovem. Segundo Balardini (1999), o autoproclamado processo de Reorganização Nacional, numa retórica similar à ditadura militar brasileira, representa o começo de uma grande repressão de Estado a toda mobilização social, desarticulando sindicatos, organizações sociais, censurando todo o espaço democrático. O autor argentino destaca o papel da propaganda num quadro de políticas pela juventude que passa a surgir, baseado na premissa da ocupação do tempo livre e ócio do jovem como maneira de afastá-los de qualquer alternativa de mobilização e questionamento. Neste sentido, surgem os campeonatos intercolegiais, as olimpíadas universitárias e a promoção de práticas esportivas juvenis. Balardini (1999) ainda aponta o apoio financeiro a estes programas por parte da Ação Social-Cívico Militar, baseado no Memorial Anual de 1977, no qual de destacava a participação de 155.000 competidores nestes campeonatos, assim como a construção de poliesportivos e a projeção de filmes, visitas guiadas, entre outros. A centralidade que o tema do esporte ocupa para o governo militar argentino é perceptível inclusive pelos grandes recursos financeiros a ele destinados dentro da categoria Função de Bem-Estar Social do Orçamento, sendo inclusive maior que a Assistencial e a de Promoção: 16,3% para “Deportes y Recreación”, 5,4% para “Promoción” e 3,81% para a “Asistencial”. O juvenólogo ainda aponta que não se consideravam dentro desta cifra as obras realizadas para a Copa do Mundo

73

de 1978. Além do esporte, ainda entre 1977 e 1978 haveria dentro do Ministério da Cultura o Departamento de Cultura Juvenil, realizando atividades de apoio ao turismo estudantil e de acampamentos. Balardini (1999) demonstra por meio da Memória Anual de 1977 e 1981, que as pretensões de controle ideológico eram explícitas: Tratar de integrar a la juventud, haciéndola participe de las acciones que tienden al desarrollo nacional […] Los planes y programas del Ministério de Acción Social (…) se elaboran de acuerdo al “Plan de Gobierno 1979-1981” (grifo do autor), conforme a las “Bases Políticas de las FF.AA. para el Proceso de Reorganización Nacional de fecha 19/12/1979.(BALARDINI, 1999, p. 12)

Além destas ações de controle e a própria grande política nacional de repressão, evidente no já afirmado dado de que 70% dos desaparecidos eram jovens, há que se somar a continuidade da Ley de Patronato de 1919. Juridicamente, o tratamento da questão não avança durante estes anos, sendo inclusive mais uma base para a ação arbitrária por parte do Estado. De maneira similar, no caso brasileiro, segundo Abramo (1997), se na década de 1950 havia se considerado o jovem a partir da preocupação a respeito da violência, na década de 1960, constituem preocupação política, visto que é neste período que há o engajamento de jovens na luta contra o regime autoritário, também impulsionados pelo ideário revolucionário internacional, como a revolução Cubana e a as próprias críticas a invasão norte-americana no Vietnã (KERBAUY, 2005). Nos termos de Abramo (1997), surge uma espécie de pane social neste momento em relação às transformações que poderiam ser trazidas por estes jovens, que passam a se engajar na luta guerrilheira e na constelação do modelo social e político vigente, num momento em que a juventude passa a ganhar sua visibilidade: A juventude apareceu, então, como a categoria portadora das possibilidade de transformação profunda: e para a maior parte da sociedade, portanto, condensava o pânico da revolução (grifo do autor). O medo aqui era duplo: por um lado, o da reversão do sistema; por outro, o medo de que, não conseguindo mudar o sistema, os jovens condenavam a si próprios a jamais conseguirem se integrar ao funcionamento normal da sociedade. (ABRAMO, 1997, p.82)44.

Este medo, portanto, se refere a afirmada possível “recusa permanente de se adaptar” por parte dos jovens, uma vez em que passam a morar em comunidades alternativas, não se 44

A autora aponta ainda que por outro lado, de alguns setores descontestes com o sistema (esquerda e a contracultura), os movimentos juvenis representavam a esperança da transformação. Para outros, porém, se enxergava esta movimentação juvenil como utopia e até mesmo como ações pequeno-burguesas inconsequentes, não vinculadas a um projeto sério social, dificultando inclusive a própria possibilidade efetiva de transformação (ABRAMO, 1997, p. 82)

74

enquadrando aos padrões normativos sociais da época. É em relação a esta situação que segundo Abramo (1997), o aparelho estatal se guiará, buscando tanto perseguir e reprimir os jovens em relação a seu comportamento, como uso de drogas e o modo de vestir, quanto pelas ideias e ações políticas. Portanto, Kerbauy (2005) indica que a reposta do Estado à esta onda de mobilização é execução de uma política ofensiva de controle social, com objetivos de suprimir totalmente estes movimentos juvenis. Dentro destes movimentos, destacam-se as organizações guerrilheiras Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), assim como coletivos como a corrente Liberdade e Luta (Libelu), ligada ao trotskismo, e a própria UNE, que é dissolvida. Sobre a UNE, se em um primeiro momento a ditadura militar incendeia sua sede no Rio de Janeiro, a partir do decreto da Lei Suplicy de Lacerda, a UNE e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEE’s) são colocadas na ilegalidade, e portanto, passam a atuar na clandestinidade. Porém, mesmo com este novo status, continua ativa e contestatória, como por exemplo, no Congresso de Ibiúna (ARAUJO, 2007), no qual centenas de pessoas são presas. Destaca-se também a grande ação realizada em reposta a prisão e assassinato de Alexandre Vanucchi Leme em 1968. Na década de 1970, há inclusive a histórica invasão da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, durante o III Encontro Nacional de Estudantes, liderado por Eramos Dias, que também prende centenas de estudantes. Por outro lado, há que se ressaltar a chamado Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM) implantada em 1964 que substitui o SAM. Diferentemente do caso argentino, que não altera a Ley de Patronato de 1919 por quase um século, sendo apenas substituída em 2010 com a promulgação da Lei número 26.061, durante o governo militar brasileiro a substituição do SAM pela PNBEM com a criação da Fundação Nacional do BemEstar do Menor (Funabem) consolida a ideia do jovem como infrator potencial num novo instrumento jurídico (KERBAUY, 2005), porém neste momento ressaltando o papel do Estado Interventor, atribuindo a si próprio à responsabilidade de reconduzir os jovens desviados, garantindo o chamado “modelo de integração defendido pela sociedade”. Marcílio (2006) aponta que tal consolidação ocorre em relação a mudança no papel do Estado, visto que até então apenas havia configurado um papel de regulação, estudo e controle da ação de assistência ao menor. Tal transferência de função ocorre em relação à Declaração Universal dos Direitos da Criança, que estabelece o bem-estar da criança como direito de todas e dever do Estado. Frente a este quadro, surge em 1979 um novo Código, o chamado Estatuto do Menor, estabelecendo de maneira clara o papel da Funabem, confirmando o poder

75

dos juízes de menores e a centralidade da família como instância de proteção e formação: Esse Estatuto oficializava o papel da Funabem, que “atenderá não só á condição dos desvalidos, abandonados e infratores, mas também a adoção do meios tendentes a prevenir ou corrigir as causas de desajustamento” [...] A poderosa atuação do juiz de menores foi confirmada. Pela primeira vez o instituto da adoção foi minuciosamente regulamentado. Compreendia-se, por intermédio dele, que é no seio da família (ainda que esta seja substituta) que a criança pode completar o complexo processo de socialização, adquirir os valores do grupo. (MARCÍLIO, 2006, p. 226)

Este novo Código também trazia detalhamentos em relação às entidades de assistência ao menor a serem criadas pelo Poder Público45, surge a chamada Febem (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) e semelhantes, ou segundo a autora, na maior parte dos casos, incorpora-se instituições já existentes, como o Instituto Modelo do Tatuapé e o Asilo do Pacaembu, agora sob o nome de Febem. A importância de se detalhar tal transição institucional reside no fato de que a luta por direitos na década de 1980, diferentemente da Argentina que é atingida por uma onda internacional de preocupação com o tema, será em relação a estas instituições criadas, que apresentavam situações calamitosas, pautando a discussão no período de reabertura democrática em relação aos próprios direitos das crianças e adolescente e também a este corpo institucional, incapaz de reverter os quadros de pobreza que sofrem vertiginosa nesta década. Apesar das diferenças históricas e políticas, percebe-se que em linhas gerais, o tratamento dos jovens durante estes anos por parte do Estado é bastante similar em relação ao reconhecimento explícito desta recente categoria social, assim como também o é em relação a à repressão e controle dos principais movimentos sociais gestados pela juventude, que representava então uma ameaça ao modelo social vigente. Mais uma vez, é extremamente claro a vinculação entre os valores sociais a serem mantidos e a ação estatal frente a juventude, atestando esta relação direta entre juventude e sociedade, que também será perceptível durante a próxima etapa de análise, a de reabertura democrática, que permite não só a retomada da vida social por parte de uma série de movimentos, mas também o próprio direito à voz e participação no debate sobre as próprias condições e situações juvenis, incluindo inclusive os jovens nestes processos. Portanto, percebe-se a importância do papel jogado pelo Estado nesta questão. Com a

45

Segundo a autora, a função destes órgãos seria a recepção, triagem e observação, e a permanência de menores. É deste dispositivo que surgiram as chamadas Febems, que teoricamente estariam em consonância com as políticas gerais estabelecidas pela Funabem.

76

real possibilidade de criar uma representação, a partir da adoção de um determinado paradigma, acreditar que a concepção de juventude adotada por este Estado é atemporal e desvinculada de fatores econômicos e sociais aparenta ser um erro, visto que há um determinado grau de coesão entre as políticas públicas adotadas por um governo (ação) e sua natureza e valores, assim como o momento histórico que se vive. A análise da evolução do conceito de juventude desde o começo realizada aponta tal coerência de forma muito clara entre o poder estabelecido e a definição dada por ele – seja pela ação e/ou pela representação elaboradas. 8.3. A década de 1980 e a reabertura democrática: janela de oportunidade para a promoção de direitos ou a repressão de direitos pela opção neoliberal frente à instabilidade econômica? Uma contextualização necessária. Para compreender os dilemas em relação à temática de juventude na década de 1980, é necessário retomar minimamente o contexto econômico de 1970. Devido às diversas crises econômicas sofridas na América Latina, principalmente em relação ao disparo das taxas de inflação e das dificuldades em se obter crédito, o modelo de crescimento econômico, que havia gerado uma economia irreal, nos chamados anos dourados, se esgota e mostra seu outro lado: o declínio das condições sociais com o aumento do endividamento destes países e a falta de recursos próprios para contornar a crise que se instala no continente. Barbetti (2010) explica, portanto, que com as mudanças ocorridas na economia, principalmente no que se refere à questão do emprego, há também uma crise nos próprios processos sociais de emancipação por parte dos jovens, afetando a própria concepção de juventude. O autor explica que com a crise no período pós-fordista, a partir dos anos 1970, o que ocorre é a crise da sociedade salarial, que produz efeitos sobre o mercado de trabalho e também sob o processo de fragmentação dos ciclos de vida pessoais e profissionais. Com a implementação de um Estado de Bem-Estar Social nas décadas anteriores, o autor argentino aponta que houve um processo de estandarização da vida, que com este novo cambio econômico, sofre uma grande alteração: En la misma línea, Gastron y Odone (2008) plantean que el ordenamiento promovido por el Estado de Bienestar a través de sus derechos sociales universales y sus reglas formales (formuladas especialmente en términos de edad cronológica) condujo a una estandarización de los acontecimientos de la vida y a una institucionalización del trayecto de edades que actualmente se está modificiando […] La integración social de los jóvenes que durante décadas consistió en un pasaje relativamente corto y estable entre algunas instituciones […] se torna ahora cada vez más largo, complejo, diferenciado –entre un individuo y otro – e incierto

77

(imprevisible). (BARBETTI, 2010, p.3).

Somam-se ainda a esta problemática, o fato da América Latina neste momento sofrer um boom em sua população jovem, e também por certa particularidade da região que historicamente possui uma das menores taxas de inclusão dos jovens no mercado de trabalho, segundo Barbetti (2010). Ou seja, em linhas gerais, o que se percebe mais uma vez é a crise decorrente da alteração nos valores sociais pelos quais se definem a juventude, e além disso, os próprios problemas vivenciados por esta categoria, neste momento mais identificada e homogeneizada, que sofre uma série de problemas com os efeitos sobre os chamados processos de transição, agora constituídos por uma série de alternativas, sem o garantido retorno que havia sido confirmado nas décadas anteriores com a transição entre formação e atividade. De qualquer forma, é necessário observar que a relação entre desemprego, desigualdade e a própria criminalidade não é mecânica, e, portanto, muito complexa (MÍGUEZ, 2010). Considerando toda a discussão realizada pelo sociólogo argentino, a ideia que se estrutura nesta seção é a de demonstrar os câmbios de rumos observados na América Latina neste período, como forma de background para se compreender a lógica por trás das principais políticas públicas de juventude adotadas, assim como foi feito na análise dos outros períodos. Além do forte componente econômico vivenciado neste período, há que se destacar também a própria efervescência política que desponta com os processos de reabertura democrática. Não só em relação à juventude, mas em todas as áreas sociais, no caso latinoamericano, a análise da maneira pelas quais estes Estados são reconstruídos – seja alinhado a organismos internacionais como o FMI, ou a partir de uma postura mais independente – é essencial para que se possa compreender o atual estado de coisas, pois este momento de abertura é marcado pela democratização, pelo confronto de ideias, pelo balanço dos anos passados, e pela definição do que será este Estado que renasce – em alguns casos, como o brasileiro, até mesmo com a promulgação de uma nova constituição nacional. Em outras palavras, diante de uma situação econômica e política instável, num novo panorama, agora marcado pela democracia, em qual modelo se apostaria em direção a melhores condições? É neste período, marcado pela luta pelos direitos sociais, que se iniciam as discussões para considerar o jovem como sujeito de direitos – para além da noção de sujeito econômico. Fruto de uma busca por direitos civis e um ambiente democrático, é que se pode perceber não só a diversidade no âmbito político - com a existência de diversos movimentos e partidos com diferentes correntes ideológicas - mas também no privado. Pela primeira vez, mesmo que

78

indiretamente46, os jovens não são vistos como um bloco homogêneo, enxergando-se as diversas juventudes, com bandeiras particulares, que se complementam: homossexuais, heterossexuais, ecologistas, rockeiros, hip-hoppers, conservadores, ativistas, filiados a partidos políticos ou não. Do ponto de vista cultural, segundo Abramo (1997) no caso brasileiro e Margullis (2006) e Núñez (2008) no caso argentino, há inclusive uma espécie de idolatria em relação às juventudes das décadas anteriores, que haviam lutado em guerrilha contra o autoritarismo estatal. Natanson (2012) aponta ainda a presença de um discurso sobre a apatia das atuais juventudes na Europa, enquanto que na América Latina, talvez motivadas pelo próprio momento político o qual era vivido, há um novo impulso para a atividade política juvenil. Abramo (1997) neste ponto discorda ao apontar uma própria apatia nas juventudes de 1980 no que se refere ao engajamento político, ao apontar o fenômeno do consumismo e a alta presença de um comportamento individualista. Mais especificamente sobre a comunidade epistêmica de juventude, há o surgimento em âmbito internacional da preocupação com o jovem, com a promulgação do AIJ em 1985 pela ONU e já em 1987 cria-se a OIJ que atinge status de organização direito internacional, influenciando em grande maneira nos países da América Hispânica (BALARDINI, 1999), em uma onda de preocupação na qual, segundo Abramo (1997), o Brasil passa a largo, por estar sob a influência de outra preocupação: a criança. Apesar de um contexto similar de reabertura democrática na mesma década, baseado em todo o referencial teórico utilizado neste trabalho, que não se relaciona somente à questão das políticas públicas de juventude, mas também dos próprios contextos políticos e econômicos brasileiro e argentino, mais uma vez se afirma que colocar em relação de igualdade as mudanças ocorridas nestes países soa um exagero, apesar das pretensões das organizações internacionais de intencionarem tratar um grupo tão heterogêneo de países sob o mesmo termo “América Latina”. A ascensão do governo Menemista em 1989, a luta pela memória protagonizada pela organização Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio (H.I.J.O.S.) , o surgimento das Madres de Mayo, e a própria nova Constituição Federal de 1994 colocam a reabertura democrática argentina em um ambiente totalmente diferente da reabertura brasileira. Calculada desde o governo Geisel, com a chamada distensão lenta e

46

Mesmo que os direitos sociais e cívicos do pós-guerra não tenham sido elaborados especificamente para os jovens, os efeitos sob os mesmos são inegáveis, principalmente, com o aumento da liberdade de expressão, e a garantia de direitos fundamentais.

79

gradual, a saída brasileira foi calculada e planejada, sendo visível a diferença entre os julgamentos dos crimes militares nestes dois países: enquanto na Argentina, no contexto de reabertura já se criam órgãos para a apuração dos crimes cometido pelo Estado, no Brasil somente em meados de 2012 que surge a Comissão da Verdade para apurar crimes e torturas. Destaca-se ainda que a própria Constituinte gestada posteriormente conseguiu incorporar uma série de demandas e opiniões, promulgando-os em 1988 na atual Constituição Federal. Inclusive, em relação ao panorama de mudança do tratamento do menor com a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), a preocupação no Brasil era em relação ás precárias condições das então instituídas Febems, e não com a própria figura do jovem, que mais uma vez passa a segundo plano. Com a aprovação do ECA, apesar da onda neo-liberal que atingiria o país durante o governo de FHC, os direitos das crianças e adolescentes foram garantidos, representando um grande obstáculo a certas mudanças que poderiam ser implementadas, como ocorreu na Argentina, com a extrema flexibilização da mão-de-obra e as reformas educacionais, expondo a população aos chamados mecanismos mercado, baseado sobretudo na ideologia da Escola de Chicago, representada pela Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina (CEMA) (SCHVARZER, 2004). Outro ponto que cabe destaque é o fato desta mudança de paradigma no tratamento dos jovens, colocando fim a dicotômica doutrina da situação irregular e adotando a doutrina da proteção integral (SANTOS et al, 2010), é válida para todo o país, enquanto que na Argentina, tal mudança é incorporada apenas por algumas províncias, demonstrando diferenças do próprio sistema federativo destes países que interferem diretamente na questão, conforme se considerou em forma de hipótese no início desta pesquisa (BALARDINI, 1997)47. Longe de considerar o governo de FHC distinto do modelo neoliberal, a ideia que aqui se estrutura é a de que o grau de adoção dos ajustes estruturais na Argentina, baseado em Schvarzer (2004), Palermo (2004), Arbuatti (2012), é demasiadamente superior ao grau brasileiro, visto que há inclusive durante o governo de Carlos Menem, a implementação do chamado Plano de Convertibilidade, adotando o dólar como moeda de referência. Neste sentido, Fair (2011) explica claramente a possibilidade deste plano ao demonstrar a insurgência de uma chamada hegemonia menemista, que sobrevive mesmo à chamada Crise 47

Balardini (1997) analisa de que forma as províncias consideram a questão da juventude durante o processo de revisão das constituições provinciais decorrido da reforma constitucional nacional de 1994. No processo de modernização ou de adequação aos novos preceitos federais, algumas províncias imprimem um novo conceito a respeito do jovem. Este fenômeno será considerado na análise da trajetória argentina.

80

da Tequila, ao criar uma exclusão que permite a certa parcela da sociedade à possibilidade de altas taxas de consumo, e que ao mesmo tempo, mesmo com a deterioração das condições sociais e econômicas nacionais, cria uma imagem de estabilidade monetária, ao estabelecer a paridade 1 a 1 com o dólar, e teoricamente a igualdade com os países mais desenvolvidos: [...] el discurso de Menem logró articular a una pluralidad de demandas sociales equivalenciales en torno al significante Convertibilidad y sus múltiples significantes asociados, significantes que, a su vez, actuaban como sus significados particulares adosados. En ese marco, la lógica de la equivalencia del 1 a 1 le posibilitó al Presidente delimitar una “frontera de exclusión en relación a un pasado de inestabilidad económica y social, a la que se contraponía la estabilización monetaria y el orden político y social avanzados. Al mismo tiempo, vimos también que los “habitus” de consumo masivos, promovidos por la sobrevaluación cambiaria y la inserción inédita al orden global, lograrán ampliar esa cadena significante, antagonizando con el atraso y subdesarrollo, y marcando al mismo tiempo, una lógica de equivalencia con los Estados Unidos y el restos de los países desarrollados y modernos. (FAIR, 2011)

Apesar de toda a hegemonia criada a partir deste discurso e prática política, tal estrutura econômica dependia fortemente da entrada de capitais estrangeiros, repetindo a fórmula das décadas passadas. Dentro da lógica do ajuste estrutural, defendido pelo Fundo Monetário Internacional – grande credor do Estado Argentino neste período, há o massivo plano de privatização de empresa, a abertura comercial e financeira. Para sustentar este sistema econômico, segundo Fair (2011), as privatizações surgem como maneira igualar a quantidade de ouro e moedas com o total de reservados do Banco Central, principalmente nos primeiros anos, nos quais há pouco ingresso de capitais estrangeiros. As próprias reformas no campo educacional (BARREYRO, 2001) e no campo do trabalho (BARBETTI, 2011) rezam a esta nova postura do Estado Argentino, sendo inclusive financiado pelo próprio Banco Mundial nas políticas públicas de inserção laboral na década de 1990. Portanto, concluindo o desenho deste contexto, o que se pretendeu demonstrar com esta seção é o contexto geral vivenciado por estes países na chamada reabertura democrática e na crise do próprio Estado de Bem-Estar Social, que apesar de nunca ter sido completado na América Latina (BARREYRO, 2001), perde forças para a onda neoliberal (HALL, 1995; BORRÓN, 2008), resultando em uma inação por parte destes Estados na busca pela promoção de direitos, deslocando este papel aos mecanismos de mercado, constituindo a figura de um Estado Regulador. No caso brasileiro, apesar das diferenças com o caso argentino, com a aprovação do

81

Plano Diretor de Reforma do Estado, tal concepção também é extremamente visível. Segundo Rothen e Barreyro (2011), por busca de maior governabilidade, o Estado brasileiro deveria em um primeiro momento se retirar de sua função provedora, delegando à iniciativa privada aquilo que por ela seria possível de ser realizado, concentrando-se apenas nas atividades relacionadas exclusivamente ao poder. Neste sentido, há em um primeiro momento um grande processo de privatizações de empresas estatais e desregulamentação de uma série de áreas, para que num segundo haja o retorno do Estado, porém dentro de uma nova orientação: a regulação da economia por meio da fiscalização da provisão privada, regulando-a (BARREYRO E ROTHEN, 2007). Segundo Rothen e Barreyro (2011), o Estado brasileiro passa a se basear em três eixos para a promoção das políticas sociais: privatização, descentralização e focalização. Dentro deste movimento, segundo os próprios autores, surge a questão das parcerias público-privadas, a transferência de serviços sociais para as ONG’s – o que é muito claro no caso das políticas de juventude, conforme vários teóricos, quando se estabelecem parcerias com estas organizações, ou até mesmo com empresa privadas ou fundações. Na coleta de alguns dados primários, é possível inclusive perceber que tal fato incomoda alguns ativistas dos direitos da juventude, ao afirmarem que tal postura por parte do Estado não garante o atendimento de todas as áreas necessárias para a real garantia e efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, pois estas organizações se concentram em determinadas faixas etárias e tipos de serviço, não cobrindo todo o campo necessário. Destacadas as principais características e diferenças dos contextos que envolviam estes dois países, considerando-as como importante referencial para a análise das políticas públicas de juventude, optou-se por tratar da trajetória destas políticas públicas nesta seção de maneira separada, visto que a evolução da ação pública ao tema, neste momento, responde a pressões políticas e sociais distintas, sendo metodologicamente complicado delineá-las em conjunto. 8.4. A trajetória brasileira: da educação de rua às políticas públicas de juventude. 8.4.1. As lutas por direitos e a consolidação de leis. Segundo Marcílio (2006), a década de 1980 no Brasil é marcada por um crescente surto de pobreza urbana. Conforme ressaltado, este fato ocorre como efeito dos inúmeros insucessos macroeconômicos, constituindo um cenário de alta inflação e debilidade econômica. Neste contexto, a preocupação com a criança e o adolescente se insere pelo viés da preocupação com a figura da rua, com o aumento exponencial da violência urbana, em um quadro social extremamente preocupante.

82

Sobre esta fase de transição entre as décadas de 1980 e 1990, Abramo (1997) ressalta o ressurgimento da juventude, após um identificado período de apatia, com a reaparição da figura dos jovens nas ruas, embora marcadas pelos traços individualistas e fragmentados característicos da década de 1980. Estas ações, segundo a autora, remontam vários elementos característicos da década de 1950, com a concentração da atenção pública e social em relação aos desvios no comportamento, como drogas, violência, criminalidade, entre outros. Os atos protagonizados por estes jovens seriam os arrastões, o surf ferroviário, o vandalismo, chamando a atenção da população, numa espécie de novo pânico. Este pânico que se relacionaria com um próprio mal-estar social, ao enxergar os jovens tanto como vítimas, quanto como promotores da própria dissolução social. Santos et al (2010) apontam que passam a existir em pequena escala, uma série de ONG’s que passam a lidar com estes jovens, por meio de ações que buscavam compreender o ambiente dos jovens, integrando seus problemas com as questões de sua própria comunidade. Neste momento, há uma forte descrença no papel da institucionalização como alternativa para se lidar com os problemas relacionados com a juventude infância no ambiente internacional, conforme destaca. Segundo Santos et al (2010), as instituições da PNBEM haviam demonstrado ineficiência e ineficácia de reintegrarem socialmente os menores, se portando até mesmo de maneira perversa, forçando por muitas vezes a reinserção por meio da atividade laboral, evidentemente, falhando em todo o processo, excluindo mais ainda o jovem e não respeitando seus direitos. Na única coleta de dados primários realizada nesta pesquisa, houve destaque na fala da antiga diretora de uma unidade da Febem sobre os perversos efeitos sobre a autoestima da criança e as péssimas condições das unidades de internação e asilo. Estas ONG’s, por meio de uma nova alternativa que enxergava os jovens para além dos estigmas do menor, passam então a gestar estes programas sociais alternativos, constituindo um próprio movimento composto por legisladores, formuladores e gestores destas políticas em defesa dos direitos das crianças e dos jovens (SANTOS et al, 2010). Esta concepção se baseou na percepção da possibilidade de alternativa comunitária, desenvolvendo um paradigma de proteção integral. As ações se destinavam a crianças e adolescentes, trabalhadores ou não, em situação de rua, promovendo geração de renda alternativa e escolarização alternativa: (seus princípios fundamentais eram) a necessidade de trabalhar com crianças e adolescentes nos contextos em que elas estão inseridas (em contraste com a institucionalização, foco central da política de bem-estar do menor); a crença de que crianças e adolescentes são sujeitos da história e do processo pedagógico e de que a

83

comunidade deve participar na geração de soluções para os seus problemas sociais. Há, portanto, uma nítida mudança de paradigma, ou seja, a ação com as crianças e adolescentes deixa de ser uma questão de caridade ou filantropia e transforma-se em uma questão política e pedagógica (SANTOS et al, 2010, p. 29).

Surge então, pela primeira, uma concepção de ação pública para a juventude que inclua a própria comunidade e as incoerências e injustiças sociais no próprio tratamento da questão. Não se busca mais sanar o desvio, e sim, compreender quais são os motivos e causas do desvio, propondo novas maneiras de refletir sobre a própria sociedade e seus valores sociais. Santos et al (2010) enxergam neste processo o início da percepção de que as crianças e jovens possuem voz, e por isso, deveriam ser incluídos no próprio processo de discussão sobre suas situações, dentro de uma perspectiva de emancipação cidadã. Abramo (2004), apesar de apontar os avanços trazidos por este novo paradigma de ação, que transferiu para o campo da ação com os jovens a compreensão de seus problemas sociais e a necessidade de trata-los como sujeitos de direitos, não avançava no sentido de ainda considerar os jovens em princípios de tutela, não os dotando de autonomia e participação, principalmente em relação aos elementos de conflito que “marcariam a condição juvenil” (ABRAMO, 2004, p.38). Santos et al (2010) também aponta críticas a este modelo, como o pouco potencial dos mecanismos de proteção informal, a falta de solução efetiva nos problemas de sobrevivência das crianças, falta de lógica de planejamento e estruturação nas atividades de geração de renda; segundo alguns teóricos, por meio destas políticas, se retiraria do Estado sua função de zelar pela condição das crianças e jovens, e por último, a pouca efetividade destes programas, visto que ao final dos anos 1980, a situação permanece a mesma, com milhões crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal. Porém, é desta ação alternativa que surge o questionamento sobre qual seria o papel do Estado na questão, pensando a solução da questão por meio da redistribuição de renda via políticas sociais (Santos et al, 2010). Com o período da chamada Constituinte, há a possibilidade para que estes grupos levem este novo paradigma de proteção integral, enxergando os jovens como sujeitos de direito para o corpo institucional e legal do Estado, lutando por leis a serem efetivadas por meio de políticas públicas por órgãos nãogovernamentais e governamentais, construindo uma noção de cidadania mais ampla. Sobre o processo de mobilização para a aprovação de leis na Constituinte, o panorama traçado por Santos et al (2010), apontando, desde as origens, as duas principais campanhas, é extremamente interessante para que se possa compreender a maneira pela qual o tema foi

84

considerado na Constituição Federal, e posteriormente, consolidado com o ECA.48 Os autores afirmam que a decisão de participar da Constituinte foi elaborada por meio de um debate, nos quais houve forte influência da discussão em curso nos principais movimentos sociais, sobre como e em que intensidade participar. Havia uma forte rejeição a própria ideia de que a lei pudesse acrescentar uma nova esperança as crianças e adolescentes no país. Porém, durante o processo de discussão, há a percepção por parte dos movimentos dos inúmeros benefícios que poderiam ser trazidos por meio da participação neste processo constituinte, do ponto de vista pedagógico e político-jurídico. Estruturam-se então, duas grandes campanhas dentro deste processo:

a camapanha

Criança e Constituinte e a Criança Prioridade Nacional. Santos et al (2010) apontam que a primeira foi desenvolvida pelo Ministério da Educação (MEC), iniciando em 1986, atraindo outros órgaõs governamentais, já em um esboço de uma perspectiva intersetorial para a questão, para além das velhas maneiras setoriais de se tratar a da questão. Sua finalidade era dar subsídios para as propostas ao Executivo, principalmente para a faixa etária de 0 a 6 anos, possuindo uma Comissão Nacional e Comissões Estaduais. Os autores apontam uma série de desentendimentos e o peso do chamado centrão contra as proposições desta medida, que desencadearam na emenda popular Criança Prioridade Nacional, em junho de 1987, contendo mais de 250 mil assinaturas, sendo entregue em conjunto com um abaixo-assinado por melhores condições assinado por mais de um milhão de crianças e jovens. Deste processo, prosseguem os autores, surge o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) em 1988, com a intenção de organizar a participação no processo Constituinte, transformando-se então no maior instrumento de pressão desta demanada. Em concordância com a entrevista realizada, os autores apontam que o forte apoio do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e o Conselho Nacional de Propaganda (CNP) foi decisivo para aprovação na íntegra da emenda Criança Prioridade Nacional nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal. Nesta entrevista realizada, a ex-diretora de unidade da Fundação Casa afirma que houve um amplo processo de propaganda desta ideia de defesa da criança e do adolescente, inclusive por meio de músicas, como o caso de “Meu Guri” de 48

Segundo Santos et al (2010), a proximidade histórica da aprovação do ECA e da promulgação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança é apenas fruto de uma sinergia histórica que pode ser compreendida como uma coincidência e não por meio de uma relação de influência internacional sobre a questão. Há que se considerar que este processo ocorre de maneira extremamente endógena, considerando-se, inclusive, que a própria influência de organismos internacionais ocorre de maneira aberta ao diálogo com a realização de debates e estudos. De forma alguma é possível se afirmar uma espécie de subordinação ou de liderança internacional para a compreensão da questão.

85

Chico Buarque. Sobre a UNICEF, apontou ainda que durante esta década houve um longo e sério trabalho em diversos estados do país, mapeando as principais problemáticas sociais envolvidas na questão, promovendo também a integração entre as diversas regiões do país. No ano de 1990, o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente teve uma enorme conquista: aprovação do ECA. Fruto de uma construção coletiva da sociedade civil com as esferas governamentais, o ECA responde a todas as denúncias sociais quanto ao direito da criança e do adolescente, organizando e fortalecendo o sistema de proteção e priorizando a formulação de políticas públicas específicas para esta porção da sociedade anteriormente excluída. Neste processo, Santos et al (2010) indicam que entre agosto de 1989 e junho de 1990 houve um grande debate em nível nacional, com a realização de estudos, projetos, fóruns, a sensibilização de órgãos do Poder Executivo relacionados a questão, como a própria Funabem, a criação do Fórum Nacional dos Dirigentes de Órgãos de Políticas Públicas para a Infância e Adolescência (Fonacriad), e a própria ação junto com as crianças e jovens, destacando-se o II Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1989, no qual estiveram presentes mais de 750 crianças de rua do Brasil e de outros dez países da América Latina. O ECA normatiza a atuação do Poder Judiciário na defesa dos direitos da criança e do adolescente, atribuindo ao Ministério Público e aos Conselhos Tutelares a promoção e a fiscalização desses direitos, e aos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais a atribuição de formularem as políticas nacional, estaduais e municipais para a criança e o adolescente. Mesmo com a legislação específica, a Justiça da Infância e da Juventude e o juiz continuam com a possibilidade de intervenção junto à família e à criança, porém torna-se obrigatório ao juiz ser assessorado por uma equipe interprofissional. Uma mudança de bastante importância trazida pelo ECA foi quanto à concepção do imaginário social, o menor que era tratado como um objeto passa a condição de sujeito de direito, clara no Artigo 3º: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. (BRASIL, 1990) Desta forma, deixam de ser elementos de medidas e se tornam titulares de direitos fundamentais.

86

Um sistema de responsabilização penal do adolescente infrator surge com o Estatuto, um grande avanço para o campo jurídico, abandonando a visão assistencialista das ações para com os adolescentes infratores. Neste novo contexto, a família e o Poder Público são corresponsáveis pela efetivação dos direitos da criança e do adolescente. A criação da responsabilidade penal dos adolescentes coloca fim à ambiguidade entre a proteção e a responsabilização do adolescente infrator: “O adolescente infrator (pessoa entre doze e dezoito anos de idade), autor de conduta contrária à lei penal, deverá responder a um procedimento para apuração de ato infracional, sendo passível, se comprovada a autoria e a materialidade do ato, de aplicação de uma medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança (pessoa com até doze anos de idade incompletos) que praticar ato contrário à lei penal ficará sujeito apenas à aplicação de uma medida protetiva, também prevista no referido estatuto.” (SOARES, 200X)

Outro ponto do ECA que merece destaque é que assim como outras políticas sociais enunciadas pela Constituição Federal de 1988, há a presença do componente da municipalização (Santos et al, 2010). Segundo os autores, o ECA propõe a municipalização do atendimento, com a criação dos conselhos municipais, estaduais e nacional, com seus respectivos fundos, considerando a descentralização político-administrativa e a orientação de participação popular expressas pela Carta Constitucional. Com a integração entre Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública, Assistência Social, entre outras áreas como a Saúde, por exemplo, forma-se uma compreensão intersetorial da questão da criança e do adolescente, indo além das antigas concepções setoriais. Do ponto de vista paradigmático, se estabelece a concepção do paradigma de proteção integral, dentro de uma perspectiva menos tutelada e mais caracterizada pela emancipação cidadã. Segundo Marcílio (2006), o ECA seria, no momento de sua promulgação, uma das leis mais modernas e avançadas do mundo, sendo enxergados por muito como uma reviravolta na maneira de se enxergar a questão e pensar na lógica de ação pública. De qualquer forma, a autora prossegue que apesar do grande avanço ao consolidar este Sistema de Garantias Direitos, a situação de crianças e adolescente continua a mesma, citando, por exemplo, o Massacre da Candelária e a péssima posição do país em ranking relacionados às condições de vida destes indivíduos, sugerindo a existência de ainda um longo e árduo caminho a ser percorrido.

87

8.4.2. Por fim, as políticas públicas de juventude. Apesar do enunciado por Marcilio (2006) sobre as tristes condições que as crianças e adolescentes ainda vivenciavam por volta de 1997-98, é inegável os avanços trazidos não só pela promulgação destes códigos, mas também pela concepção multissetorial desenvolvida por meio da criação de uma ideia de política geracional. Porém, para além de concepções, ideias e paradigmas, houve ação por parte do Estado brasileiro no campo das políticas públicas de juventude49? Segundo Andrade e Rodrigues (2008), o ano de 1997 é considerado pelos juvenólogos brasileiros como o marco de um processo de formulação e implementação de políticas públicas de juventude para além das políticas setoriais e universais. Por meio da criação de uma Assessoria de Juventude, vinculada ao gabinete do MEC, cria-se um ambiente de reflexão sobre as políticas públicas de juventude, que em um segundo momento, passa a formulá-las. Os autores ainda apontam que no mesmo ano a UNESCO estabelece um departamento de pesquisa no país direcionado ao estudo da violência juvenil. Esta afirmação é em grande medida confirmada com o levantamento realizado das ações e programas desenvolvidos pelo governo de FHC realizado por Sposito e Carrano (2003) e organizadas em forma de tabela, facilitando as informações gerais presentes em seu trabalho (Tabela 1). TABELA 1. Políticas Públicas de Juventude da década de 1990, segundo levantamento de Sposito e Carrano (2003)

PROGRAMA OU POLÍTICA PÚBLICA Programa de Estudantes em Convênio de Graduação

49

ÓRGÃO RESPONSÁVEL Ministério da Educação (em parceria com o Ministério das Relações Exteriores)

DESCRIÇÃO

PÚBLICO ALVO

O PEC-G se destina preferencialmente a jovens inseridos em programas de desenvolvimento socioeconômico acordados pelo

Cidadãos Estrangeiro de 18 a 25 anos, com ensino médio completo

Neste ponto, é necessário retomar o recorte de análise considerado neste relatório. Apesar de destacar alguns processos de mutação em campos que afetam a juventude, como o campo do trabalho, da educação, entre outras áreas inclusive mais amplas como a própria economia e a política, o termo políticas públicas de juventude, conforme afirmado, a partir desta década já se refere a uma abordagem mais ampla e integrada entre diversas áreas do Estado. Não se pensa mais no jovem como um dos vários grupos destinatários das políticas públicas, mas sim como o próprio destinatário de ações que são pensadas e integradas em relação à figura da juventude. Apesar de um pouco redundante e repetitiva, é importante frisar esta diferença, que não compromete o instrumento analítico utilizado em outras seções e nem permite incoerências conceituais neste ponto.

88

Projeto Escola Jovem Ministério da Educação

Jogos da Juventude

Ministério do Esporte e do Turismo

Olímpiadas Colegiais

Ministério do Esporte e do Turismo

Brasil por via diplomática. Compromete o aluno a retorar ao seu país e contribuir na área em que se graduou. Tinha como eixo norteador a implementação da reforma e ampliação de vagas no Ensino Médio. Objetivava a construção de uma escola para jovem e jovens adultos, exigindo sustentabilidade. Baixos recursos orçamentárias, financiamento pelo BID e estados da federação. Criado em 1995, interrompido em 1999, retomado em 2001. Pela perspectiva do esporte de rendimento, visa a descoberta de novos talentos. Criado no início de 2000, objetiva o formento do desporte escolar, intercâmbio sociodesportivo no país, e demonstrar capacidade de organização do Estado brasileiro para sediar eventos internacionais. Confirma hegemonia do esporte rendimento sobre o

Jovens do Ensino Médio e EJA

Jovens escolarizados.

Adolescente de 12 a 14 anos e jovens de 15 a 17 anos.

89

Projeto Navegar

Serviço Civil Voluntário

Programa de Reinserção Social do Adolescente em Conflito com a Lei

Promoção de Direitos de Mulheres Jovens Vulneráveis ao Abuso Sexual e à Exploração Sexual Comercial no Brasil

esporte educação. Ministério do Teve início em 199, Esporte e do com o objetivo de Turismo difundir e democratizar os esportes náuticos. Em 2002, havia 37 núcleos do Projeto em 18 estados. Ministério da Justiça Criado em 1997, concebido como “rito de passagem para maioridade”, com ênfase em dois aspectos: preparação do jovem para o trabalho e para a cidadania. Recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador e repassado às secretarias estaduais de emprego e ONG’s. Ministério da Justiça Objetiva articular e (Desenvolvido no estimular os Departamento da esforços do sistema Criança e do socioeducativo Adolescente da instituído pelo ECA. Secretaria de Estado Respostas de Direitos institucional a Humanos) propostas de ações governamentais – opção política, ênfase em medias de ambiente aberto. Ministério da Justiça Criada em 1999, objetivava promover os direitos das jovens, visando eliminar a violência cometida contra elas. Em especial, às que sofreram abusos.

Adolescente de 12 a 15 anos residentes em comunidades ribeirinhas lacustres e costeiras. Jovens de 18 anos que optaram não se alistar no serviço militar obrigatório.

Adolescentes em Conflito com a lei que cumprem medidas judiciais socioeducativas não-privativas de liberdade.

Jovens brasileira violentadas sexualmente nos primeiros anos de vida e meninas que trocam “favores” sexuais pela sobrevivência.

90

Programa de Saúde Ministério da Saúde do Adolescente e do Jovem

Jovem Empreendor

Ministério do Trabalho e do Emprego

Programa Brasil Jovem

Ministério da Assistência e Previdência Social

Centros da Juventude

Ministério da Assistência e Previdência Social

Agente Jovem de

Ministério da

Havia iniciativas no MS desde 1989, porém em 1999 com a criação do Programa Saúde do Adolescente, há unificação de programas em relação à saúde do jovem. Criado no segundo mandato de FHC, visava capacitação profissional e financiamento de jovens no nível técnico. Focalizações regionais (Banco do Nordeste). Efeitos nulos. Também no segundo mandato de FHC, compreendia a implantação dos Centros da Juventude e a capacitação de jovens como agentes de desenolvimento social e humano. Possuía critérios definidos de prioridades de municípios. Funcionavam como pólos de distribuição de informações sobre programas, projetos e serviços. Ambiente participativo, contando com repasses financeiros desde a assistência social, de maneira progressiva. Se desenvolveu em

Indivíduos de 10 a 24 anos.

Jovens entre 18 e 29 anos, interessados em dirigir o próprio negócio, em fase de conclusão de curso técnico ou recém-formados.

Jovens entre 14 e 25 anos em condições de “vulnerabilidade social”

Jovens e Comunidade Local

Jovens

91

Desenvolvimento Social e Humano

Assistência e Previdência Social

Prêmio Jovem Cientista

Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq)

Prêmio Jovem Ministério da Cientista do Futuro Ciência e Tecnologia (CNPq)

capitais do estado com os menores IDH em relação á região. Procurava capacitar o jovem ao mercado do trabalho, estimulando seu papel de protagonismo, demonstrando a possibilidade de planeja e construir o futuro, de maneira cooperativa com a comunidade, resgatando seus vínculos familiares, assim como reinserindo-os no sistema educacional. Apesar de não possuir dotação orçamentária por não estar presente no PPA, por meio de parcerias, logrou êxito, superando expectativas da formulação. Criado em 1981, o objetivo é estimular revelação de talentos, focando profissionais que procuram alternativas para os problemas do Brasil. Temas do prêmio sempre são inéditos – ressalta-se a elasticidade da faixa etária abrangida. Criado em 199, no mesmo modelo do Jovem Cientista, tem como objetivo despertar o

alfabetizados e carentes, vivendo em família cuja renda per capita não ultrapassasse meio salário mínimo.

Graduados em cursos superior que têm menos de 40 anos e estudantes de escolas técnicas ou curso superior com menos de 30 anos.

Exclusivamente a alunos do ensino médio.

92

Programa Presidência da Capacitação Solidária República

Rede Jovem

Presidência da República (Iniciativa Comunidade Solidária e Ministério Ciência Tecnologia)

da do da e

Brasil em Ação / Ministério do Grupo Juventude Planejamento, Orçamento e Gestão

interesse nos jovens pela carreira científica ou tecnológica. Formulado e implementado para jovens de baixa escolaridade, buscando enfrentar o problema do desemprego dessa parcela da população a partir de 1996. Objetivava fortalecer as organizações da sociedade civil, com cursos visando a gestão social. Com a criação do portal rede jovem ,buscava-se condições propícias para o subsídio de ações do Estado para a integração dos jovens. Por meio do acesso a internet, e troca de informações sobre saúde, direitos e formação profissional, seria a integração virtual dos jovens, num projeto em parceria com organizações sociais. Assim como o Rede Jovem, é difícil estabelecer qual foi realmente o papel do Estado na questão. Criado em 2000, foi um programa que procurava dar atendimento a

Jovens de 16 a 21 anos, provenientes de famílias de baixa renda das grandes Regiões Metropolitanas.

Jovens de baixa renda que não têm acesso à internet.

Jovens de 15 a 29 anos.

93

juventude integrando 6 ministérios e 11 programas, interagindo com as esferas estaduais. Tal programa indica certo grau de consciência da União sobre a fragmentação das ações no campo da juventude. Seria a chamada função coordenador pouco presente durante esta década. Fonte: SPOSITO e CARRANO, 2003. É notável que o ano de 1997 realmente constitui um marco emblemático50 para esta série de políticas públicas de juventude, que a partir daí, passam a ser implementadas. Assim como mencionam os autores na descrição de uma destas políticas, Ruth Cardoso influencia neste processo, visto que dedicou parte de sua vasta obra acadêmica ao campo da juventude, inclusive organizando, em um livro, uma bibliografia sobre o tema da juventude. Sobre estas políticas públicas implementadas, os comentários possíveis de serem realizados, segundo Sposito e Carrano (2003), se referem à constatação de uma quase inexistente ação coordenadora por parte do Estado entre 1995 e 2002, havendo uma falta de capacidade de articulação e troca de informações entre os diversos programas e a administração federal, o que é explicitamente perceptível com a completa ausência de informações de avaliações e monitoramentos destes diversos programas – apesar do esforço detectado no Plano Plurianual de 2000-2003. Em relação a um ponto de vista mais simbólico, os autores apontam que as principais ações desenhadas ainda se referem a “estratégias de enfrentamento dos problemas da juventude”, procurando pelo uso do controle social dos jovens – via ocupação do tempo livre com atividades esportivas, por exemplo – evitar ou prevenir os chamados problemas da juventude, considerando-os como problemas que afetam à própria sociedade, remetendo a questão mais uma vez à velha e costumeira maneira de se enxergar o jovem, dentro de uma 50

Sposito e Carrano (2003) indicam o mesmo que Rodrigues e Andrade (2008): “esse cenário passa a se alterar no final do anos de 1990.

94

ideia de cidadania tutelada (SPOSITO e CARRANO, 2003). Sobre este ponto, os juvenólogos ainda afirmam em consonância com Abramo (1997) e Belluzzo e Victorino (2004), que havia uma forte influência midiática e da chamada opinião pública em relação ao tema da violência juvenil, o que em certa medida influenciou diretamente nos processos de formulação de agenda e das próprias políticas públicas. Desta maneira, assim como observado por Rothen e Barreyro (2011), Sposito e Carrano (2003) apontam que, no campo da juventude, a ação pública passa a ser focalizada em determinados grupos, em conformidade com a ideia-estratégia do combate à pobreza por meio da seleção de grupos de foco. Neste contexto, citam dois conceitos que aparecem em todos os programas: jovens em situação de risco e protagonismo juvenil51. A discussão em torno destes conceitos se põe em relação a seus verdadeiros significados e a ação pública em si. Por meio deste recorte da situação de risco, há comprometimentos em relação à própria participação em um sentido de gestão democrática, como por exemplo, citam os autores, a opção por programas de inserção laboral, que não questiona minimamente a realidade social e econômica, com baixo acesso a informação. Além de citar o deterioro dos indicadores sociais a fins da década de 1990, principalmente em relação ao desemprego juvenil, os autores prosseguem afirmando que o modelo de participação proposto pelo ECA, até o momento (o ano de 2003), era incompleto e carecia de esferas de participação democráticas em nível local e nacional. Citando a insuficiência do ECA, por considerar a faixa de jovens até os 18 anos, os autores apontam também a necessidade de maior ação por parte do Estado, que como afirmado, delega sua ação para organizações sociais dentro de um processo mais amplo de neoliberalismo (Sposito e Carrano, 2003). Os autores são claros ao afirmar que há que se diferenciar entre o que é parceria entre Estado e organizações sociais e o que configura o chamado “mercado social”. Por fim, o diagnóstico dos autores é que as políticas públicas de juventude estavam no ano de 2003 no início de suas trajetórias, com ações desarticuladas e por muitas vezes, sobrepostas, longe de configurar um sistema de políticas públicas coeso e bem articulado transversalmente. Do ponto de vista federalista, ainda apontam que com o desespero por parte dos munícipios para a obtenção de recursos para a implementação de programas, também há 51

“Aliás, essas ideias foram marcadas mais pelo apelo social do que conceitos ancorados em diagnósticos sociais e reflexões analítica sobre o tema da juventude. Na grande maioria dos casos, representaram simplificações facilitadoras do entendimento de realidades sociais e culturais complexas e também códigos de acesso paa financiamentos públicos orientados por uma tão nova quanto frágil conceituação de proteção social e cidadania” (SPOSITO e CARRANO, 2003, p.31)

95

falta de questionamento sobre as validades destas ações formuladas na administração federal, que por muitas vezes desconhece a realidade social de cada lugar. Deste panorama, Sposito e Carrano (2003) apontam ou a criatividade por parte dos munícipios com os recursos disponíveis, ou novas formas de clientelismo para o tratamento da questão. Apesar de apontarem tendências para a ação local a partir de 2001 com novas gestões no âmbito municipal, como por exemplo, a exclusão dos jovens rurais, percebe-se, todavia, um fraco conhecimento sobre estas iniciativas desenvolvidas em capitais e cidades. É possível traçar um panorama de descontinuidades e a falta de assessoria na área. Do ponto de vista administrativo, assim como afirmam uma série de autores, há que se considerar também a competição interburocrática e a luta por reconhecimento por parte de novos órgãos que venham a surgir. Considerando a amplitude da questão, assim como o período de uma década entre a publicação do artigo utilizado como referencial para esta seção, ainda é perturbadora a falta de informações sobre estas políticas públicas implementadas, tanto no âmbito acadêmico, quanto nos próprios processos de avaliação por parte do governo. Esta ausência de informações dos programas federais é multiplicada nos programas locais, sendo basicamente inexistente informações e dados sobre estas ações. Por ser um país federalista, há que se considerar que os dispositivos legais se referem a totalidade do país, e que os municípios, assim como os outros níveis de governo possuem status político reconhecido, e portanto, devem buscar efetivas os principais direitos sociais em seus territórios. Num contexto mais recente, com a revolução na área promovida pelo governo Lula52, há uma união destas iniciativas (RODRIGUES e ANDRADE, 2008), com o Conselho Nacional de Juventude (Conjuv) e a Política Nacional de Juventude (PNJ), que estabelece melhores condições para o monitoramento e avaliação das políticas públicas implementadas, inclusive dentro da perspectiva da cooperação federativa (SPINK, 2012; ABRUCIO, SANO e SYDOW, 2010). Mesmo assim, segundo Castro (2011), apesar dos avanços e da grande vantagem em relação aos outros países latino-americanos, o campo das políticas públicas de juventude no Brasil está longe de ser um sistema de políticas públicas.

52

A reforma promovida pelo governo Lula será tratada mais adianta na seção “A Nova Esquerda e os novos caminhos para a juventude”.

96

8.5. A trajetória argentina: do Ano Internacional da Juventude às instituições e políticas públicas. 8.5.1. Um introito necessário acerca das influências sobre o processo de reconhecimento da questão do jovem na Argentina segundo Sergio Balardini. Diferentemente da trajetória brasileira, falar das políticas públicas de juventude na Argentina é necessariamente falar de 1985 – o AIJ – e dos esforços da OIJ em promover a discussão do tema nos países ibero-americanos, com a tentativa de propulsar estes temas às agendas públicas da região, frente às altas taxas de desemprego juvenil, e o já mencionado panorama de precarização das condições sociais na região. O chamado AIJ (1985) é um marco na trajetória da institucionalização do tema na Argentina segundo, basicamente, todos os autores referenciados nesta pesquisa. Porém, destes autores, destaca-se a análise da trajetória do desenvolvimento institucional realizada por Balardini (1999, 1997), que além de apontar a influência da promulgação deste ano por parte da ONU, também indica como a recuperação da democracia altera o panorama de tratamento da questão da juventude, ao identificar o componente da retomada do debate no campo da ação pública após décadas de silêncio, assim como a própria participação juvenil, que volta a tona com esta abertura53. Portanto, segundo Balardini (1999, 1997), retomar este momento de reabertura democrática é extremamente importante para a compreensão de uma nova dinâmica política e social neste país que estabelece novas regras para a ação pública, após os duros anos de absurdos e barbáries da ditadura, com os inúmeros casos de tortura e desaparecimento, e também do número de jovens mortos no último intento de recuperação do prestígio militar: a guerra das Malvinas, e a consequente perda deste território argentino54. Este contexto geral é extremamente importante, pois se no Brasil o processo de constituinte delimita os temas e espaços de discussão das principais questões sociais, com um locus extremamente bem definido, na Argentina, pela própria maneira pela qual o governo militar termina – sem a presença de uma transição planejada e estudada como os militares brasileiros por parte dos argentinos – a discussão dos principais problemas sociais, passará invariavelmente pela discussão do peso dos desaparecidos e da tortura, sobretudo no caso da juventude. 53

Retoma-se, portanto, a afirmação de Ernesto Rodríguez sobre a necessidade de se analisar o quadro de reabertura política de cada um destes países, visto que, inevitavelmente, mesmo que de uma maneira simbólica ou até mesmo prática, há uma relação direta com a questão. 54 Sem a intenção de tomar um posicionamento a respeito deste marcante episódio da história argentina, se faz esta referência apenas com o propósito de demonstrar o panorama geral de insatisfação que população vivia.

97

Nesta

direção,

surgem

diversas

organizações

sociais

que

reclamam

pela

responsabilização dos principais envolvidos nos casos de crime de Estado, demarcando um forte espaço de protesto e luta contra o silêncio e o esquecimento. A organização H.I.J.O.S., surgida em 1995, é um claro exemplo deste panorama. Frente aos inúmeros casos dos chamados jovens sem identidade, por desconhecerem sua própria filiação, esta organização surge com o intuito de pressionar o Poder Público a julgar os principais atos de genocídio e recuperar a chamado “memória”, buscando responder o problema destes jovens sem o direito a identidade. Longe de considerar a ditadura brasileira como branda, como recentemente fez um jornal de prestígio do Estado de São Paulo, o que pretende se demonstrar é o peso da ditadura argentina sobre as principais questões sociais. A discussão de uma série de problemas esbarra neste momento duro da história argentina e influencia diretamente a questão. Neste contexto, o protagonismo desempenhado por Raúl Alfonsín é extremamente decisivo para a apuração dos crimes da ditadura, com a instauração da CONADEP, que produziu o documento “Nunca Más” – já citado neste relatório, em referência a Núñez (2008). Por meio de decretos, Alfonsin estabelece a linha de apuração tanto em relação às juntas militares, quanto às organizações guerrilheiras, como os Montoneros. Apesar da importância da reconstituição destes momentos, poucos artigos e obras os relacionam diretamente com a questão da juventude em si. Percebe-se um amplo quadro de tratamento da questão a partir da primeira influência indicada por Balardini (1997) que é o movimento internacional promovido pela ONU e pela OIJ. Considerando as limitações desta pesquisa, buscou-se apenas demonstrar a validade desta segunda influência apontada, e as diversas possibilidades de pesquisa nela presente. Outro fator que impede um olhar um pouco mais atento é a mudança promovida pela eleição de Carlos Menem em 1989, que põe em prática na Argentina as principais proposições do Consenso de Washington, promovendo mais um forte choque entre sociedade civil e Estado, visto que apesar de sua face democrática-liberal, mina novamente as condições de vida da população. Porém, neste primeiro momento, visando uma maior compreensão, desviase o foco de análise para o desenvolvimento institucional da questão. Com seu delineamento, posteriormente, se tratou de relacioná-lo com um quadro mais amplo de liberalização do Estado e precarização das condições de vida.

98

8.5.2. O desenvolvimento institucional: a formação dos órgãos governamentais de juventude. Balardini (1999) aponta que frente aos esforços da ONU para realizar o AIJ, no ano de 1984, mais especificamente no mês de Julho, se constitui na Argentina um Comitê Nacional de Coordenação para o AIJ, integrado por várias organizações juvenis, em consonância com o momento de retomada da participação política, assim como também era composto por diversas áreas do Estado. A função deste Comitê seria de realizar atividades preparatórias para a celebração do AIJ, por meio da criação e desenvolvimento de novas agências estatais que correspondessem a tal tarefa. Segundo o autor argentino, neste sentido o Comitê Nacional estabeleceu conversas sobre os temas com diversas autoridades provinciais, promovendo a ideia da necessidade de se criar comitês em nível local, conseguindo êxito em muitos casos, como o da Cidade de Buenos Aires, e das províncias de Río Negro, Neuquén, Mendoza, Tucumán, San Juan e Misiones. O sentido geral, destacado pelo autor, seria o de promover a especialização do aparto estatal em relação a juventude, considerando também as institucionalidade já desenhadas anteriormente a este processo, como no caso das províncias de La Rioja, Catamarca e Córdoba. Deste processo geral, Balardini (1999) aponta que em 1986, deriva a consolidação da questão em nível nacional, com a criação de uma Área de Juventude, dentro da jurisdição da Secretaria de Desenvolvimento Humano e da família, procedendo à criação da Subsecretária de Juventude que seria criada em março do ano seguinte. Sobre este primeiro órgão responsável pela questão, em 1989, segundo o autor argentino, houve um informe de análise realizado pelo Instituto Di Tella55, já se apontava sobre uma falta de referência às condições econômicas dos jovens, destacando a exclusão dos jovens mais necessitados de suas principais ações. Apontava-se que suas ações se dirigiam mais aos estratos da classe média, comprometendo sua eficácia. De qualquer forma, desta organização, é que se constitui a Subsecretária de Juventude, considerando a antiga Área de Juventude como sua precursora. Por meio do decreto número 280 do Ministério da Saúde e Ação Social, se cria, dependente da Secretária de Desenvolvimento Humano e Família, a Subsecretaria de Juventude (SSJ). Sua função seria a de “assistir al Secretario de Desarollo Humano y Familia en la elaboración , ejecución y control de las políticas de desarrollo humano y referidos a la promoción de la juventud a fin 55

Esta avaliação geral seria reafirmada em uma avaliação posterior realizada pelo Projeto Juventude da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, a FLACO, em 1995.

99

de lograr su plena participación social” (BALARDINI, 1999, p.12). Percebe-se, portanto, que no seu principio a questão da juventude é vinculada diretamente ao âmbito da família. Do ponto de vista operacional, Balardini (1999) aponta a sua responsabilidade expressa neste decreto de formular e executar políticas e ações para a juventude, assim como a intervir na coordenação e supervisão das desenvolvidas por outros organismos nacionais, internacionais ou multinacionais, governamentais ou não. Já se encontrava presente neste momento a noção da transversalidade do tema da juventude, e a necessidade de se criar maneiras cooperativas entre os diversos órgãos envolvidos com o tema, evitando sobreposições desnecessárias, procurando uma maior eficácia na ação pública. Por outro lado, tal decreto também previa a importância da atividade de monitoramento e avaliação das ações implementadas. Portanto, se estabelece a atividade de supervisão por meio de estudos, planejamento e pesquisa, visando à promoção dos direitos do jovem. Neste contexto, além das políticas públicas em geral, a SSJ deveria, sobretudo, considerar um amplo processo de avaliação sobre a legislação. Apesar de não destacar esta questão, a intenção do autor em destacar este fragmento encontra sentido quando se considera que, juridicamente, a infância e juventude argentinas ainda eram tratado por meio da Ley de Patronato, que até 2005, seria vigente. Em suma, Balardini (1999) aponta uma clara divisão neste órgão criado, entre atividades de execução e atividade de coordenação destas políticas. Desta divisão, surge a estrutura deste órgão, que seria constituído de duas Direcciones Nacionales, uma de Promoción y Participación, e outra de Estudios, Proyectos y Cooperación, que desenvolveria o Programa de Diagnósticos, Pesquisas e Estudos sobre a Juventude (PRODIES). Outro ponto importante deste órgão seria em relação aos níveis subnacionais de execução e análise, indicando a importância de se estabelecer relações entre os órgãos nacionais e internacionais, governamentais ou não, com o intuito de promover a profissionalização e capacitação de todos, por meio da troca de informações e também por meio de financiamento por parte dos órgãos mais fortalecidos financeiramente ou com uma maior compreensão da questão. Sobre o viés da organização federal, o autor aponta políticas que consideravam tal dimensão: En un país con organización federal, se iniciaron contactos com distintos organismos estatales, provinciales y municipales, cuya finalidad era la concreción de organismos específicos de juventud en carácter provincial y local. A este respecto, se elaboró el documento “Lineamientos de una Política Municipal de Juventud”, y el “Programa de Asesoramiento

a

Municipios en Políticas de Juventud”

(BALARDINI, 1999, p.13)

(PAMJUV).

100

Havia ainda o cuidado sobre a publicidade das informações e serviços criados, destacando-se o Centro Nacional de Informação e Documentação Juvenil, composto por bibliotecas, hemeroteca, um diretório de dados (organismos, instituições), organização da bibliografia sobre a juventude argentina, pesquisa, entre tantas outras fontes, que derivavam na publicação do Informe Jóven, dirigindo sua atenção exclusivamente ao jovem. Do ponto de vista participativo, Balardini aponta a criação da Plataforma das Iniciativas Juvenis, que davam espaço para os principais grupos de juventude da época. Sobre a compreensão da dimensão transversal da questão, apesar de não obter êxito neste sentido, o autor indica duas principais ações promovidas pela Subsecretária: a criação da Comissão Interministerial da Juventude, com o objetivo de consolidar um papel de controle por parte Estado Nacional, e a realização da II Conferência Intergovernamental sobre Políticas de Juventude na América Ibérica, junto com o Instituto de Juventude da Espanha. Em um âmbito geral, Balardini (1999) caracteriza o processo de formação deste órgão como a tentativa de se consolidar um órgão interlocutor legítimo para discutir todas as questões da juventude. Sobre este processo de busca de legitimidade, o autor demonstra as principais atividades realizadas: El primer período de la institución 1987-1989, durante la gestión del gobierno radical, la tarea central se concentró en la instalación y consolidación de un organismo nuevo. Esto significó: la formación de técnicos, la obtención de recursos, la lucha por lograr el reconocimiento mínimo necesario por parte del resto de la administración que le permitise cierto grado de interación, el intento de la promoción pública de una nueva institución, etc (BALARDINI, 1999, p.13).

Portanto, apesar de suas debilidades, é possível perceber que basicamente dez anos antes do Brasil, já existia a concepção de parcela do setor público argentino a respeito da transversalidade da questão, enxergando a necessidade de coordenação entre os diversos setor, demandando uma nova dinâmica do Setor Público para além dos limites setoriais, promovendo por meio da ideia de geração, a integração entre diversas áreas de atuação. É necessário observar também as dificuldades de êxito neste processo, visto a luta por recursos, e a existência de certos fenômenos, como a chamada competição interburocrática. Até mesmo do ponto de vista paradigmático, a transversalidade encontra obstáculos, visto que a concepção de juventude por parte de cada ministério pode resultar ainda em imagens e representações diferentes. Porém, apesar das pretensões transversais e multissetoriais, com a criação de diversos órgãos provinciais e municipais, o intento argentino fracassa, não sendo capaz de consolidar um processo de legitimação de sua figura frente aos diversos órgãos e a própria juventude.

101

Balardini (1999) afirma que, territorialmente, as ações continham elevado grau de vulnerabilidade, e que as próprias organizações juvenis não conseguiram se colocar de acordo em relação a uma plataforma comum, que seria o Conselho da Juventude. O autor prossegue que a Comissão Interministerial não conseguir passar do papel, visto que apenas obteve recursos ínfimos. Em geral, o grande avanço foi a organização do Centro de Informação e Documentação Juvenil, além da ascensão do tema da juventude a agenda do Estado. Sobre este último ponto, apesar de se considerar os fracassos gerais deste órgão, que nos anos seguintes, a partir da eleição de Carlos Menem, seriam extremamente desfigurados, num quase indescritível processo de fragmentação e descontinuidade institucionais, é importante ressaltar a inovação trazida com ele. Considerando o histórico da questão em muitos países da América Latina, este órgão demonstra uma grande modernidade por parte do governo de Raúl Alfonsín. Há que se pensar sobre o peso dos valores civis do governo de Alfonsín, que em caso de sucessão de um presidente de mesma linha política, poderiam ter tanto influído em um melhor ordenamento da questão da juventude, assim como de outros direitos sociais. A sucessão de Alfonsín foi impossibilitada devido a grande crise econômica que assolava o país em decorrência do fracasso do Plano Austral, com as sucessivas alças da inflação e as greves generalizadas (ROMERO, 2006) Por último, outro fator que deve ser ressaltado é a falta de informações sobre esta etapa de constituição das políticas públicas de juventude na Argentina. A exceção do trabalho de Sergio Balardini, e alguns fragmentados encontrados em artigos e estudos produzidos pelo Centro de Investigações da Juventude da Universidade de Buenos Aires, pouco se encontra disponível nos principais portais acadêmicos e as obras disponibilizadas pela internet. Mesmo em publicações argentina, ou até mesmo especializadas na questão da juventude, como a publicação da ONG Chilena CIDPA, é difícil encontrar descrição das principais ações promovidas nesta etapa. Considerando o foco dado por Balardini (1999, 1997), que considera mais a questão do desenvolvimento organizacional deste órgão, levando em consideração o levantamento de dados produzidos pela Subsecretaria de Juventude disponível no Centro Nacional de Informação e Documentação Juvenil, é inteligível argumentar a necessidade de maior exploração destes dados por parte dos pesquisadores da área, com um maior foco na descrição das políticas públicas implementadas durante este período.

102

8.5.3. Da (des)institucionalização da área da juventude às políticas laborais no governo menemista: o trabalho de contextualizar as observações de Balardini. Balardini (1999) fecha o período de análise da Subsecretaria de Juventude a partir das mudanças de governo nacional, figurada pela eleição de Carlos Menem em 1989, representante de um partido distinto de Alfonsín56que passa a alterar as características e hierarquia da área da juventude em um processo extremamente descontínuo, que perdura até 1993 – no qual, segundo o autor, se inicia uma etapa caracterizada por uma espécie de limbo institucional da área, que seria consolidado com a perda de hierarquia do chamado Instituto Nacional de Juventude (INJ), que passa a ser DINAJU. Este processo de crise que a área passa a enfrentar deve ser analisado levando-se em consideração os principais acontecimentos políticos e as orientações do governo Menem postas em prática, inclusive com a consolidação de uma nova Constituição Federal em 1994 (ROMERO, 2006). A última etapa considerada por Balardini corresponde ao segundo governo Menem, e com o início das chamadas políticas de inserção laboral, baseada na ideia da empresa flexibilizadora e das novas competências (BARBETTI, 2010), com a ascensão do Programa Proyecto Jóven, seguindo o modelo do Plano Chile Jovem. Portanto, nesta seção, procurou se estabelecer uma leitura contextualizada do artigo de Balardini (1999), considerando-o a partir da já afirmada ascensão do modelo neoliberal na América Latina, implementada em grande escala por Menem na Argentina. Diferentemente do caso brasileiro, a adequação ao Ajuste Estrutural flexibiliza uma série de áreas que interferem diretamente na questão da juventude. Diferentemente do Brasil, a Constituição Argentina de 1994 é promulgada por um governo neoliberal, garantindo uma série de medidas e garantias para tal plano de ajuste. Sobre as mudanças institucionais implementadas, Balardini (1999) ponta que de 1989 a julho de 1990, a SSJ passa a ser DINAJU, posteriormente Secretaria de Juventude, para então se converter em Área de Juventude, e por fim, por meio do decreto nº1348 de 1990, se transforma em INJ. Apesar desta mudanças de denominação, o autor aponta que juridicamente e hierarquicamente, se mantinham as condições e status iniciais da Subsecretaria de Juventude, no que se refere ao seu corpo de funcionários e posição burocrática, porém, pontua a redução de sua margem de ação por a falta de recursos orçamentários próprios57.

56

Raúl Alfonsín foi eleito pelo partido Unión Cívica Radical (UCR), enquanto Carlos Menem representou o Partido Justicialista (PJ) da Argentina – representante do chamado Peronismo. 57 “Si bien el, finalmente, Instituto conservaba para su titular un rango equivalente al de Subsecretario, la equiparación sólo alcanzaba al salario del funcionario, perdiendo la repartición la asignación presupuestaria

103

As ações implementadas por este órgão no início da década de 1990 são formuladas em relação ao problema do vício de drogas e em um nível de prevenção assistencial, segundo o autor. Neste sentido, as ações foram desempenhadas pelos próprios setores estatais relacionados ao tema, com a elaboração do Plano Nacional Juvenil Preventivo Assistencial (Acullá), com a realização de palestras sobre o tema da adição e dependência de drogas com organizações da sociedade civil em diversas províncias. No ano de 1990, também se cria o Conselho Federal de Órgãos Não-Governamentais de Juventude, no qual se encontravam representadas todas as províncias, com o objetivo de gerar um regime jurídico institucional novo, em concordância com os objetivos do Instituto Nacional de Juventude, e considerando o cuidado com as diferenças regionais, buscando uma maior interação entre o nível federal e provincial na formulação de ações públicas. Apesar do esboço de uma ação extremamente racional do ponto de vista político, principalmente ao se considerar a questão da descentralização implementada nesta década, Balardini (1999) aponta que este órgão não se consolidou institucionalmente. Prosseguindo com a análise de Balardini (1999), no ano de 1992 surge um programa com grande conteúdo de participação e emancipação cidadã que foi o Programa de Mobilização e Capacitação dos Juvenil de Promotores Sociais na prevenção da AIDS e da dependência química. Este programa contava com a participação de todas as províncias, sendo implementado por meio de palestras e rodas de debates, buscando soluções e respostas a partir das considerações e problematizações dos próprios jovens. O pesquisador argentino observa que a lógica por trás deste programa seria a de que a partir de sua própria lógica, considerando sua própria região e identidade cultural, as respostas desenvolvidas por estes jovens fariam mais sentidos, e seriam mais efetivas do que qualquer formulação por parte do Estado. Percebe-se um grande apreço a posição do jovem como sujeito de direitos neste programa. Nesta mesma linha, no ano seguinte, aproveitando a experiência adquirida, surge o Programa Federal de Capacitação e Mobilização Juvenil, estruturado na mesma lógica do programa do ano anterior, porém, com um ambiente de discussão e ação mais amplo: a própria comunidade destes jovens: La propuesta salto de una capacitación a 3.00 jóvenes en el año de 1992 a un emprendimiento de capacitación a 30.000 jóvenes, ampliamente descentralizado y

propia, correspondiente a una Subsecretaría, y viendo reducido notablemente su margen de acción” (BALARDINI, 1999, p.14)

104

extendido a nuevas temáticas de formación y capacitación: SIDA, enfermedades de transmisión sexual, adicciones, desarrollo social y comunitario, discriminación, identidades regionales, etc (BALARDINI, 1999)

Este programa apresentou um grande avanço em direção a compreensão da área da juventude do ponto de vista intersetorial, apesar de não ter sido formulado para este propósito. A partir da consolidação da rede deste programa em 63 centros, constituídos pelos diversos níveis de governo, universidade e ONGS, em um harmonioso processo de feedback com o Instituto Nacional de Juventude, Balardini (1999) aponta que este próprio órgão vai adquirindo legitimidade e capacidade de dirigir e coordenar as políticas públicas de juventude, de uma maneira global, com sucesso, não que isto significasse diretamente na implementação efetiva dela. Todo o desenvolvimento que poderia ter sido trazido com este programa, e a própria ascensão no que se refere à legitimidade do INJ, se perde em 1993, com sua dissolução por meio de decreto presidencial em 23 de Maio de 1993. Cria-se a Subsecretaria de Juventude dentro da Secretaria de Assuntos Institucionais do Ministério do Interior. Sergio Balardini (1999) aponta que esta mudança teria sido demandada pelas autoridades federais, embora não adentre em detalhes sobre tal processo. Porém, conforme o próprio autor, desde 1993, já havia uma tendência para a focalização da questão do jovem a partir da questão da inserção laboral, com a promoção do Programa de Promoção de Microempreendimentos Produtivos Juvenis58. Esta tendência se relaciona a própria condição geral da ação pública frente à questão do desemprego, num contexto de tentativas de impacto sobre o mercado de trabalho, visando à redução da taxa de desemprego, incentivadas, principalmente pelos órgãos internacionais de crédito, que sustentavam a ideia do chamado ajuste estrutural (APARÍCIO, 2005; BARBETTI, 2010). Esta tendência seria consolidada neste próprio ano com a criação do Proyecto Joven, programa formulado a partir de uma lógica totalmente distinta das concepções de juventude esboçadas pelo INJ. Barbetti (2010) analisa as linhas de fundamentação deste projeto, sua principal fonte de financiamento, sua implementação, assim como seu alinhamento com outras mudanças colocadas em marcha por Menem. Barbetti (2010) afirma que estas afirmadas medidas de inserção laboral incentivadas pelos órgãos internacionais, e sobretudo por eles formuladas, se baseavam na ideia de que a desregulação e a flexibilidade laboral, dentro de um amplo processo de liberalização, dariam

58

“Los destinatários de este Proyecto serían cooperativas, sociedades de hecho, mutuales, u otras formas de organizaciones productivas de los jóvenes. La escasez de recursos su debilidad” (BALARDINI, 1999)

105

condições de inserir a economia destes países numa nova economia globalizar cambiante. Neste sentido, a Lei Nacional do Emprego (Lei nº24.013/1991) absorve tais valores, possibilitando a implementação desta medidas no país argentino. Segundo Barbetti (2010), em consonância com os princípios políticos do Estado Regulador indicados por Rothen e Barreyro (2007), os programas de inserção laboral deste período representam uma inovação ao promoverem a focalização de grupos sociais específicos, que teoricamente teriam menores capacidades de inserção, embora não se efetivem na promoção de direitos. Dentro desta concepção, o Proyecto Joven surge com a ideia de promover a profissionalização do jovem, considerando como premissa de que o jovem não conseguiria trabalho por não estar preparado, baseado na Teoria do Capital Humano. Estes cursos, dentro da chamada estratégia de formação, em parceria com empresas, os jovens deveriam se formar nas chamadas Instituições Capacitadoras, e então realizar “estágios” nelas. Nesta mesma esteira, há a reforma educacional por voltas deste ano, que cria um sistema de ensino com uma enorme variedade de tipos de instituições, permitindo o ensino profissionalizante para as camadas mais pobres da população. Portanto, Barbetti (2010) enxerga nestas medidas uma tentativa de exploração da massa de trabalho e direcionamento da força produtiva para determinados setores, não havendo espaço para nenhuma perspectiva de cidadania ou escolha por partes dos jovens. Estas flexibilizações constituídas servem, portanto, a uma lógica do novo capital, colocando o Estado apenas em uma função de regulação, porém quase inexistente, visto a enorme crença nos mecanismos de mercados em realizarem tais funções. Apesar da ausência de maiores informações sobre o próprio desenvolvimento institucional da área nos anos seguintes, a partir de Barbetti (2011) é possível apontar a renovação deste programa em 2001 para o nome Programa Capacitar, e em 2004 a realização do Proyecto Nacional de Inclusión Juvenil (INCLUIR), financiado inclusive pelo BID. Em linhas gerais, percebe-se que o liberalismo econômico implementado na década de 1990 pela Argentina influencia diretamente a questão da juventude, monopolizando o tratamento da juventude a partir da questão da inserção laboral. Diferentemente do Brasil, que avança na concepção paradigmática com a promulgação do ECA, se houve um esboço de perspectiva de cidadania para a juventude no início da década de 1990, esta é esmagada pela onda neoliberal, alastrando as mazelas sociais da Argentina, e colocando o jovem numa situação de debilidade terrível. Míguez (2010) aponta que no fim da década de 1990, a cada 10 jovens argentinos, 7 se encontravam em péssimas condições sociais.

106

Apesar de não ser possível a realização de um levantamento de todas as políticas públicas implementadas neste período, percebe-se um movimento inicial de avanço na concepção e ação por parte do Estado Argentino, que é esmagado pelo avanço de uma concepção de Estado Mínimo, sendo inclusive garantido pela promulgação de leis. Natanson (2012) é um dos inúmeros autores que apontam o deterioro causado nas condições sociais da juventude argentina durante o governo Menem, apontando assim como Fair (2011), os efeitos sobre a classe média da ilusão econômica gestada neste período. Por fim, cabem algumas observações sobre a análise das políticas públicas de juventude na Argentina durante esta década. A primeira é em relação ao relatório da OIJ sobre a Argentina. Se em um primeiro momento, pensou-se em utilizá-lo como grande referencial teórico, tal opção foi descartada após uma breve leitura, visto a desorganização e sobreposição de informações e dados, sem a possibilidade de inseri-los neste análise. Em segundo lugar, o trabalho de Souza e Arcaro (2008) foi bastante elucidativo em relação a compreensão da juventude por parte dos órgãos internacionais, ao demonstrar por meio de fragmentos dos principais documentos da área de juventude, a representação dos jovens por eles considerada a partir da economia pura, causando grande espanto, destacandose o trecho a seguir: Continua sendo um mistério a razão de os jovens não internalizarem os custos privados de comportamentos de risco. O abuso do álcool, por exemplo, pode custar a um indivíduo entre R$ 3.500,00 a R$ 24.000,00 por ano. Assim, a questão é saber por que os jovens não levam em consideração o custo do comportamento quando decidem adotá-lo. (...) Alguns pesquisadores do desenvolvimento cognitivo acreditam que muitas pessoas nunca desenvolvem a habilidade de pensar abstratamente e, assim, carecem da habilidade de entender que a consequência negativa daquele comportamento pode recair sobre elas. Novas pesquisas sobre mapeamento cerebral sugerem que os jovens estão numa situação particularmente desvantajosa nesse aspecto. (Banco Mundial, 2006a:45 apud SOUZA e ARCARO, 2012).

E por último, restam alguns comentários sobre a própria avaliação da trajetória incerta das políticas públicas de juventude argentinas durante esta década. Considerando o fato de que os órgãos internacionais com esta concepção de juventude passam a ser os principais financiadores das políticas públicas de juventude na Argentina, com a opção do Estado pela abdicação de sua função de execução, Aparicio (2005) aponta a hegemonia de um paradigma econômico-financeiro na área de juventude, com um forte componente tecnocrático e externo na questão, o que diminui as chances de uma perspectiva mais aberto de tratamento da

107

questão. Aparicio (2005) prossegue ao indicar que frente a falta de ação estatal, uma abordagem transversal não se consolidou, expressa em um programação rígida e centralizada, visto que não houve cuidados em relação a questão da descentralização, e não se conseguiu ultrapassar os limites de uma abordagem assistencial e setorializada, sem a ascensão de um necessário consenso intrasetorial. Balardini (1999) é complementado neste sentido, visto que já anos anteriores a Aparicio (2005), aponta as causas da falta de ação estatal na questão: a falta de legitimidade e continuidade de um órgão de juventude de nível nacional. Assim sendo, as ações argentinas passam ser extremamente fragmentadas, sem um processo de comunicação entre os diversos ambientes locais e a instância federal, que teoricamente seria coordenadora. E como conclusão desta tragédia anunciada, Aparicio (2005) indica que a educação como forma de inserção laboral é impossível de ser implementada da maneira como formulada, visto que só crescem empregos quando há crescimento econômico e produtivo. Ou seja, percebe-se uma completa ausência de políticas públicas de juventude, num contexto generalizado de desmonte da figura do Estado Argentino. 8.6. Breves comentários sobre a Nova Esquerda e os novos rumos para a juventude nos governos Kirchner e Lula: recuperando o tempo perdido? Segundo Natanson (2012) e Sader (2009), o século XXI tem sido marcado pela guinada de governos à esquerda na América Latina. Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Michelle Bachelet no Chile, Nestor e Cristina Kirchner na Argentina e Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no Brasil, e mais recentemente, José Mujica ( o Pepe Mujica) no Uruguai. Qual seriam então os ventos que soprariam estes novos governos em relação no campo das políticas públicas de juventude? Sem a pretensão de analisar detalhadamente as ações desenhadas nos dois países sulamericanos, visto a grande quantidade de dados e informações que demandam, o que pretendeu se realizar foi apenas uma breve descrição da direção geral tomada por estes países durante estes anos, uma vez em que para a realização de uma série de argumentos presentes nesta pesquisa, se esbarrou em duas mudanças realizadas neste século: a grande reforma implementada no governo Lula em relação às políticas públicas de juventude, em consonância com um contexto geral de ênfase na função social do Estado promovido por seu governo (BARREYRO e ROTHEN, 2007) e a aprovação da Lei Nacional Nº 26.061 de Proteção Integral dos Direitos das meninas, meninos e adolescentes durante o governo de Nestor

108

Kirchner, em um contexto de maior diálogo com os jovens, principalmente do grupo La Cámpora. Andrade e Rodrigues (2008) apontam que em 2003, com a implementação do Projeto Juventude, liderado pelo Instituto Cidadania em parceria com outras ONG’s e governamentais, foi realizado um mapeamento das condições da juventude brasileira, assim como um conjunto de proposições de políticas públicas de juventude. Durante este processo, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial da Juventude, composto por 19 ministérios. Por meio de um apurado planejamento, o grupo realizou um diagnóstico das condições dos jovens brasileiros, um levantamento das principais ações governamentais dirigidas a juventude, e a partir destas duas primeiras atividades, a proposição das principais barreiras e deságios a serem superados por uma Política Nacional de Juventude. Todo este processo, que segundo os autores dirige a uma internalização59 da questão da juventude no Estado, culmina na criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) em 2005, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da República, e também resultando no Conjuve, implementando, por meio de medida provisória nº 23860, o hoje famoso Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem): Educação, Qualificação e Ação Comunitária. A dissertação de mestrado de Rocha (2008) tem como objeto de análise este processo de ascensão da questão da juventude durante o governo Lula, a partir de um rico referencial teórico estruturado nas principais ideias de Kingdon. Formulado como um programa de cunho emergencialista, Andrade e Rodrigues (2008) apontam que se destina a jovens de 18 a 24 anos que terminaram a quarta série, mas que não terminaram o ensino fundamental, sem vínculo de trabalho. Seus objetivos são aumentar a escolaridade destes jovens, proporcionar a qualificação profissional e inserção social e o desenvolvimento de ações para comunidade, intervindo na realidade local. O ProJovem é um curso, com duração de um ano sem intervalos, e segundo os autores constitui uma inovação pois implementa a noção de gestão compartilhada e o currículo integrado, rompendo com a lógica setorialista que marca as políticas públicas de juventude. Mais atualmente derivou em formulações específicas, nas categorias Adolescente, Urbano, Campo e Trabalhador. Além do desenvolvimento desta ação intersetorial, a PNJ, considerando-se o histórico de ação pública brasileira, traz a própria noção do jovem como sujeito de políticas públicas de maneira explícita. Apesar dos avanços trazidos pelo ECA, há que se considerar que a

59

Esta internalização se refere a um quadro diagnosticado pelos autores de pouca presença do Estado na questão, visto a grande presença de ONG’s e organizações internacionais. 60 Andrade e Rodrigues (2008) apontam que esta MP é convertida na lei nº 11.129 do dia 30 de Junho de 2005.

109

categoria juventude, conforme demonstrado nas seções anteriores, não é sinônimo de adolescência ou infância. Portanto, neste processo, há o reconhecimento explícito por parte do Estado de sua responsabilidade de promover políticas públicas para esta categoria social, que apesar de definida por cortes etários específicos e variados, simbolicamente se refere a um mesmo conceito que difere de adolescência ou infância61. No caso argentino, ocorre um processo inverso. Se no fim da década de 1980, já se reconhecia a juventude como sujeito de políticas públicas, inclusive com tentativas de se legitimar instituições burocráticas constituídas para este fim, do ponto de vista do tratamento jurídico dos chamados menores (crianças e adolescentes), a Ley de Patronato continuou vigente até 2005. Interessante ressaltar que, por mais uma vez, de pressões exógenas deriva a ação pública argentina: se em 1990, com a Convenção Internacional da Criança, e a adoção por parte das províncias em seus próprios regimentos legais as principais alterações 62, o mesmo ocorre com a chamada Convenção Iberoamericana que pressiona a aprovação desta lei em caráter nacional. Apesar do avanço ao adotar a doutrina da proteção integral, segundo opinião de Garello (2012), ainda restam mudanças a serem realizadas do ponto de vista jurídico-legal, visto que para a implementação deste novo paradigma é preciso romper com o Regime Penal da Minoridade presente nas leis 22.878 de 1980 e 22.803 de 1983, atualizadas no Código de Processo Penal da Nação em 1992. Por outro lado, há que se considerar a ocupação de cargos de governo por jovens do grupo La Cámpora, assim como a reformulação do Proyecto Joven, que passa a se chamar Programa Capacitar em 2001, e que a partir de 2004 passa a ser Proyecto Nacional de Inclusión Juvenil. Há também a insurgência do programa Jóvenes con Más y Mejor Trabajo, formulado e financiado pelo BID e o FMI. Por último, resulta decisivo ressaltar que atualmente, a disponibilização de dados de políticas públicas de juventude por parte do governo brasileiro é extremamente superior ao do governo argentino. Enquanto no portal brasileiro é possível se obter informações sobre as principais políticas públicas de juventude e uma série de informações, o portal argentino possui referências às juventudes do bicentenário, com alto conteúdo valorativo político, com referências saudosista a Nestor Kirchner. 61

Não se nega a importância e papel de vanguarda que o ECA representou na América Latina, porém, o que é necessário de se deixar claro é a diferença dos conceitos de juventude para adolescência e infância. Se o ECA representa um avanço no tratamento carcerário da população jovem que se encontra dentro da faixa da adolescência, não o é para aqueles com idade superior a dezoito anos. 62 Segundo Garello (2012), neste processo se destacaram a pioneira Mendoza com a lei provincial nº6384 e Chubut com lei nº 4347 em 1997, a Cidade de Buenos Aires com a Lei nº 114 em 1998, e continuaram este processo Salta, Tierra del Fuego, Misiones, a província de Buenos Aires e Neuquén.

110

9. CONCLUSÕES FINAIS A análise da trajetória da ação pública em relação à juventude na Argentina e no Brasil, considerando-a desde meados do século XIX, com as instituições assistencialistas caritativas, possui uma série de similaridades que dão margem a generalizações necessárias sobre o tema. Porém, as especificidades de cada contexto social e político fazem com que a questão do tratamento da juventude se desenvolva de maneira muito própria em cada país, apesar de demarcados em grande medida por um cenário econômico internacional que afetava diretamente em escala parecida estes dois países. Se no início da trajetória, Marcílio (2006) já pondera a diferença institucional de tratamento da questão, visto que no Brasil já existia a responsabilidade do Estado com o auxílio e manutenção dos centros de asilo e assistência às crianças, adolescentes e desvalidos, na Argentina, o tema permeava apenas a esfera informal do Estado, sendo completamente monopolizado pela ação caritativa religiosa, com as instituições católicas a cargo desta função. De qualquer forma, o movimento internacional filantrópico afeta por igual estes dois países, fato que pode ser comprovado com a chamada insurgência dos Códigos de Menores da América Latina, iniciada em 1919 na América Latina e que dura até meados da década de 1930. Se este movimento ascende a uma posição de destaque nas agendas públicas dos até então incipientes Estados latino-americanos, há que se pontuar sobre um forte processo de pressão por parte de certos atores, principalmente médicos e advogados, que a partir do suposto cientificismo, passam a disseminar a ideia da internação e do higienismo como soluções para o chamado problema dos menores. A intenção de citar os discursos de Leonídio Ribeiro, as ideias de Lombroso e os inúmeros encontros, seminários e projetos realizados nas décadas de 1930 e 1940 foi demonstrar que realmente havia um movimento internacional organizado, que defendia um novo paradigma de tratamento do menor e que procurava ganhar espaço internacionalmente. Se houve este movimento de pressão, é possível se dizer em forma de hipótese que também houve uma janela de oportunidade, visto que neste momento é que os Estados latinoamericanos passam se organizar frente ao esgotamento da economia agrária, e se integrar ao capitalismo industrial. E neste contexto, surgem os problemas das cidades e como apontando por Belluzzo e Victorino (2004), os efeitos diretos sobre a população jovem, sobretudo, carente afetada por problemas do trabalho. Portanto, os Códigos da diferenciação servem para sustentar as incoerências e contradições sociais deste movimento de transformação econômico e social, conforme pontua Cheli (2011) sobre a chamada transição de uma sociedade patriarcal

111

a uma nova repleta de valores sociais burgueses. E de igual maneira, a II Guerra Mundial representa um fator que alinha mais ainda a trajetória destes países, com o chamado fenômeno da juventude no contexto econômico dos Anos Dourados. Explosão de consumo, individualismo, novos valores e práticas sociais, e até mesmo de movimento de contracultura (Biagini, 2012): surge, então, o jovem neste cenário de expansão econômica, num movimento de emancipação baseado na inserção laboral, num período de abundante oferta de mão-de-obra e de grandes possibilidades de ascensão social. Soma-se ainda a este sistema internacional que condiciona a questão, fatores da política nacional de cada um destes países, com o fenômeno do populismo, que impulsiona a construção industrial destes países, assim como logra grande êxito social, ao ampliar o arco de direitos sociais, principalmente àqueles trabalhistas e educacionais. No caso da infância e adolescência, há que se considerar o grande enfoque dado por estes governos à educação, e o aparecimento da família como figura de cuidado a atenção por parte do Estado, num marco de políticas paternalista, nas chamadas ações pela juventude. No caso de Perón, a criança era “prioridade número um”. Porém, na década de 1960, os rumos tomados pela ação pública argentina e brasileira vão se tornando cada vez mais distantes. Percebe-se, que a partir desta década, o caminho da ação pública destes dois países vai se diferenciando em relação à figura do alvo das políticas públicas. No Brasil, a discussão estatal continua em relação ao menor, enquanto na Argentina, o jovem já figura como preocupação dos governos militares. Com a explosão do Maio de 1968 e o Cordobazo, a juventude mobilizada na Argentina faz frente ao governo, que durante o intervalo constitucionalista entre suas ditaduras militares, até esboça uma institucionalização do tema da juventude em sua agenda. Sem afirmar que não houve algum tipo de preocupação por parte dos governos militares no Brasil com a juventude mobilizada, dentro da agenda do Estado a questão dos jovens continua sendo tratada a partir da figura do menor e da criança. A ideia de juventude, conforme demonstrado, somente passa a ascender a agenda pública em 1997, com o demonstrado processo de levantamento e compreensão das ações públicas dirigidas a juventude impulsionado pelo MEC no governo de FHC (ANDRADE E RODRIGUES, 2008). Por outro lado, apesar de não promulgar uma peça legal como o brasileiro Estatuto da Criança e do Adolescente, entre o fim da década de 1980 e meados de 1994, as políticas públicas de juventude na Argentina não só passam a ser implementadas, como também constituem quadros de funcionários próprios, e iniciam um debate público generalizado no país, considerando as inúmeras realidades locais de suas províncias, assim como um próprio

112

processo de reconhecimento burocrático por meio de busca por sua legitimidade no corpo de Estado argentino. Longe de considerar como ideal a ação pública argentina para a juventude neste início de década, conforme Balardini (1999), é complicado negar o papel de avanço que o Estado Argentino protagoniza em relação às questões da juventude frente o Brasil. Apesar de não romper com a lógica da Lei de Patronato, que continua vigente em nível nacional até 2005, o país passa a desenvolver políticas públicas para a juventude, não mais sob o recorte da criança e do adolescente, o chamado menor. O público-alvo de suas políticas públicas passa a ser os próprios jovens, mesmo que não houvesse clareza sobre o próprio conceito de juventude adotado, com a presença de inúmeros cortes etários. Portanto, baseado nos inúmeros artigos e obras utilizados, foi possível sustentar a hipótese de que talvez o alinhamento argentino ao movimento internacional protagonizado pela OIJ, com a própria criação de comitê de preparação do AIJ, somado a própria mobilização jovem neste país, no contexto de retomada democrática, são um diferencial no tratamento da questão entre estes dois países. Abramo (1997) aponta que o Brasil passa ao largo deste movimento internacional de juventude. Com a realização desta análise, foi possível perceber alguns dos motivos que levam a autora a esta constatação. O processo de Constituinte estabelece um espaço de disputa para as diversas concepções e valores sociais na reabertura democrática, assim como a própria calculada saída da ditadura militar não se constitui como um grande debate público, em relação aos crimes de Estado cometidos. Soma-se a estes fatos, segundo a própria autora, certa apatia da juventude brasileira neste momento, em relação ao consumismo, individualismo, gerando certo mal-estar generalizado. Com a degradação das condições sociais em geral, a figura de preocupação não é o jovem, e sim, a criança de rua (ABRAMO, 1997). Na Argentina, pelo contrário, a figura de preocupação é o jovem. E além deste alinhamento internacional, a conturbada saída da ditadura militar para a democracia representativa traz consigo um grande espaço de reflexão e luta pela memória. Os jovens assassinados pelos militares, muitas vezes pais de jovens nestes momentos sem o conhecimento da própria identidade, influenciam diretamente neste processo de reabertura política, exigindo a apuração dos abusos cometidos, e clamando por mais voz dentro do próprio Estado. Sob a guarda do presidente Alfonsín, há um grande espaço de ampliação dos canais de diálogo entre a juventude e o Estado, e os órgãos de juventude, criados e geridos durante este período, apresentavam grande avanço, por implementarem políticas públicas nas quais os jovens passam a serem agentes de promoção social, numa perspectiva aberta e de

113

cidadania emancipatória. Infelizmente, com o avanço da onda neoliberal na Argentina, o alinhamento a organismos internacionais que na década anterior propulsiona a questão, nos anos 1990 barra todos os avanços esboçados durante este período. Com o endurecimento das medidas de ajuste de Menem e as flexibilizações promovidas nos direitos trabalhista, a juventude passa a ser encarada apenas a partir da lógica economicista, e qualquer tentativa de abordagem diferente é fracassada, visto que juridicamente, a juventude perde status dentro do Estado Argentino. Neste sentido, as ideias de Moraes (2011) surgem quase espontaneamente, quando se considera a outra face da democracia: aquela que nem sempre representa os interesses da população em geral63. E deste contexto, que novamente, no início do século XXI, voltam os jovens e a população na rua para o protesto contra a figura do Estado, que por meio de suas alianças com os setores mais conservadores da sociedade argentina, assola as condições sociais do país (FERNÁNDEZ et al, 2010). E neste momento, a discussão passa a ser o pibe chorro, ou seja, a criança de rua. Em forma de hipótese, se imaginou um possível adiamento por parte do Estado argentino sobre as reais condições sociais e econômicas do país, visto que mesmo as ações da Subsecretaria de Juventude, em seu princípio, se orientariam mais em sentido dos estratos da classe média da população (BALARDINI, 1999). No Brasil, com a estabilização monetária promovida pelo governo FHC, e o aumento das políticas sociais no governo Lula, elevam-se as condições sociais, consolidando um quadro de grande diferença social e econômica entre Brasil e Argentina. Neste sentido, o Brasil durante os últimos anos da década de 1990, e principalmente a partir do governo Lula, de certa maneira, “recupera” o tempo perdido da ação pública frente à juventude, com a formação da PNJ e o Conjuve. Mesmo com a impossibilidade se analisar a fundo estas políticas, é simples destacar uma continuidade destes órgãos, que já estão próximos de completar uma década. Fruto de um movimento interno da sociedade civil, essa mudança ocorre “por dentro” do Estado, apesar da pressão dos órgãos internacionais. Portanto, percebe-se que os principais fatores que alteraram a trajetória destas políticas públicas nos dois países se referem, entre tantos fatores, ao peso da reabertura democrática, a permeabilidade do país aos órgãos internacionais – financeiros ou não, assim como a própria estabilidade política e econômica própria. Outro fator que aparece, apesar de não ter sido explorado a fundo nesta pesquisa, é a questão do federalismo, visto que se não houve um ECA

63

Por isso, o título do texto “Contra a canonização da democracia”.

114

a nível nacional na Argentina, houve alterações constitucionais em algumas províncias. Com o mapeamento realizado por esta pesquisa, apesar de inúmeras debilidades, foi possível estabelecer um panorama geral das políticas públicas de juventude na América Latina, e principalmente, nos dois países analisados. E deste mapeamento, surgem inúmeras possibilidades de pesquisa e análise, como a análise mais profunda da campanha pró-direitos da criança na década de 1980, o uso de propagandas com representações positivas da juventude durante este período, o processo de reordenamento das Febems no pós-ECA, assim como a avaliação mais específica do momento de início das políticas públicas de juventude no Brasil em 1997, e análises mais aprofundadas dos órgãos e as próprias políticas públicas implementadas. A questão da coordenação federalista e transversal também indica possuir uma série de recortes de análises possíveis. No caso argentino, o desafio maior de análise parece ser o de mapear qual é a situação atual, frente a escassez de dados, e um panorama que aparenta indicar fortes disparidades regionais, em efeito de uma possível falta de ação coordenadora por parte do Estado, visto os inúmeros problemas e fracassos da descentralização argentina, principalmente em relação a questões de gestão democrática e o agravo das disparidades regionais (AGOSTO, 2012; MANZANAL, 2006; VILAS, 2003). A escassez de dados é enorme, e as dificuldades de contato com os principais órgãos de juventude foram grande, impedindo maiores conclusões sobre o panorama atual. Sabe-se que o choque do assassinato de Darío Santillán, no chamado Massacre de Pueyrredón, propulsiona mais uma vez o debate sobre o papel do jovem. Porém, a exceção de Natanson (2012), poucos dados foram encontrados em relação a participação política, e até mesmo das próprias políticas públicas de juventude. Além destas dificuldades, soma-se ainda a percepção de que o recorte de análise da pesquisa havia sido demasiado amplo, sendo um ponto de preocupação e conflito para seu término. Em única entrevista realizada, constituindo os únicos dados primários, foi apresentado um universo de informações, com riquezas de detalhes e percepções, que somou uma grande reflexão sobre os próprios dados primários utilizados, confirmando a necessidade de maior contato com os atores que protagonizaram estes movimentos, tanto internos como externos, para que não ocorra àquilo que a entrevistada chamou de “contar uma história que aconteceu, mas que ninguém conhece”. Portanto, uma das grandes conclusões desta pesquisa, no que se refere à questão metodológica, é a necessidade de se coletar dados primários e a definição de um objeto de análise, que mesmo considerando um ambiente geral, seja bem determinado e preciso. A principal ideia que se sustentou, após a realização da pesquisa, foi a da importância de se

115

analisar um programa ou política públicas específicos frente ao quadro geral, considerando-o como um enfoque mais adequado e preciso. Por fim, em linhas gerais, talvez a grande conclusão tenha sido em relação a uma própria reflexão sobre os conceitos vagamente utilizados no cotidiano e os valores sociais que os sustentam. Além disso, questionou-se a influência do campo econômico sobre a própria concepção de juventude, visto que mesmo com uma série de alterações e protestos por parte dos jovens, com a defesa de valores próprios e novas maneiras de se pensar o chamado “social”, as políticas públicas de juventude ainda se referem ao jovem como o “potencial trabalhador”, sendo que atualmente, as duas maiores políticas públicas de juventude de cada país objetivam a inserção profissional, a partir da qualificação. Seria este o papel do jovem, mesmo com a chamada crise do sistema capitalista e as altas taxas de desemprego juvenil? Há possibilidades para mudança? Neste sentido, há esperança na capacidade da juventude em defender utopias e propagar ideologias, conforme Biagini (2012). Porém, a ação pública para a juventude nestes países ainda os considera a partir do viés econômico, buscando qualificá-los, e assim, concluindo o processo de inserção social do jovem. Inserção social completada via trabalho.

116

10. REFERÊNCIAS 10.1. Referências Bibliográficas

ABAD, M. Las políticas de juventud desde la perspectiva de la relacion entre convivencia, ciudadania y nueva condicion juvenil. Última Década. Viña del Mar, CIDPA, nº 16, p. 119155, 2002.

ABRAMO, H. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Especial Juventude e Contemporaneidade, n.5-6, mai/dez, 1997. ______. Políticas de Juventud en Brasil: nuevos tempos, nuevas miradas. Políticas de Juventud en América Latina: Argentina en perspectiva. Buenos Aires: FES, 2004.

ABREU, M. Meninas perdidas. In: DEL Priore, M. (Org.) História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, p. 289-316, 2010.

ABREU, M.P. ; NETTO, D. D. C. Ordem do Progresso: Cem Anos de Políticas Econômica Republicana – 1889-1989. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990.

ABRUCIO, F. L.; SANO, H.; SYDOW, C. T. Radiografia do associativismo territorial brasileiro: tendências, desafios e impactos sobre as regiões metropolitanas. In: KLINK, Jeroen (Org.) Governança das metrópoles: conceitos, experiências e perspectivas. São Paulo: Annablume, 2010.

AGOSTO, G. Políticas Sociales y Territorio: Uma mirada desde el proceso de descentralización.

GIGAPP

Estudios/Working

Papers.

Instituto

Universitario

de

Investigación Ortega y Gasser, 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 de Agosto de 2013.

ANDRADE, J. E. ; RODRIGUES, J. A. M. Ação Pública para a juventude. Cadernos CENPEC,

v.3,



5,

p.101-107,

2008.

Disponível

em:

. Acesso em: 26 de Junho de 2013.

117

APARICIO, P. C. Los Jóvenes, Educación y Política de Juventud en Argentina: restricciones y desafíos de la integración social en el contexto de la globalización. Artículos Arbitrados. Ano 9, nº30, jul-ago, p. 287-296, 2005. ______. Los jóvenes y los retos de inclusión educativa y laboral en Argentina, a partir de las transformaciones de los años 90. Causas, dinámicas y consecuencias. Revista Electrónica

de

Investigación

Educativa.

V.

10,

nº1,

2008.

Disponível

em:

. Acesso em: 22 de Julho de 2013.

ARAUJO, M. P. Memórias Estudantis, da fundação da UNE aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro. Ed. nº 1. 2007.

ARBUATTI, A. Políticas de Infancia para una nueva institucionalidad: El estrecho camino de una ley. Revista Debate Público – Reflexión de Trabjo Social”. Miradas sobre la intervención. Año 2, nº 4, setembro, p.17-33, 2012.

ARGENTINA. Lei Nacional nº 10.903, de 21 de Outubro de 1919. Patronato de Menores. Disponível

em:

<

http://www.apdh-

argentina.org.ar/biblioteca/2008/ddhh/CONTENIDO/Normativa%20general/Normativa%20n acional/Ley%2010903%20Patronato%20de%20Menores.htm>. Acesso em: maio de 2013. ______. Lei Nacional nº 26.061, de 21 de Outubro de 2005. Proteccion Integral de los Derechos

de

las

Niñas,

Niños

y

Adolescentes.

Disponível

em:

<

http://www.casacidn.org.ar/document/0_ley26061pdf/>. Acesso em: abril de 2013.

BALARDINI, S. Políticas de Juventude: conceptos y la experiência argentina. Última Década, nº10. Viña del Mar: Ediciones CIDPA, 1999. ______. Políticas locales de juventud en municipios argentinos. In: BALARDINI, S.; LEÓN, O.D.; PACIELLO, A.; SOUZA, R.; FREITAS, M.V. Políticas Locales de Juventud: experiencias en el Cono Sur. FES, 2005, p. 7-16. Disponível em: . Acesso em: 14 Fev. 2012.

BANGO, J (Org). Políticas de Juventud en América Latina en la antessala del 2000: logros, desafios y oportunidades. Organización Iberoamericana de Juventud, 1999. BARREYRO, G. B. Políticas Educativas en la Argentina a fines del siglo XX: un estudio del Plan Social Educativo. 1997-1999. Dissertação (Maestria en Ciencias Sociales con

118

mención en educación-cohorte “Políticas Educativas e Investigación para la Toma de Decisiones”). Facultad Latino-Americana de Ciencias Sociales – FLACSO. Buenos Aires. 2001.

BARREYRO, G. B. ; ROTHEN, J. C. Avaliação e regulação da Educação Superior: normativas e órgãos reguladores nos 10 anos pós LDB. Avaliação (Campinas), v. 12, p. 133-147, 2007. ______. Avaliação da educação superior no segundo governo Lula: "provão II" ou a reedição de velhas práticas? Educação & Sociedade, vol.32, n.114 pp. 21-38; jan-mar. 2011.

BELLUZZO, L. ; VICTORINO, R. C. A juventude nos caminhos da ação públicas. São Paulo em perspectiva, v.18, n4, p. 9-19, 2004.

BARBETTI, P. A. Estrategias de inclusión socio-laboral juvenil. Acerca del papel del Estado, las Empresas y la Sociedad Civil em los diseños normativos de las políticas públicas. II Jornadas Nacionales sobre Estudios Regionales y Mercado de Trabajo. RED SIMEL. Facultad de Humanidades, Universidad Nacional de La Plata, 11 e 20 de Junho, 2010.

BERRETA, D. ; VERDI, I. Políticas Públicas de Juventud: algunos aportes para la reflexión. In: Congreso Argentino de Administración Pública, Sociedad, Gobierno y Administración, 3er edición, 2005. Resumos. San Miguel de Tucumán. Disponível em: http://www.aaeap.org.ar/ponencias/congreso3/Berreta-Verdi.pdf Acesso em 20 de Junho 2013. BIAGINI, H. La Contracultura Juvenil – De la Emancipación a Los Indignados. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2012.

BISIG, N. E. C. La Infancia en el Discurso Médico- Académico: Córdoba, Argentian (1900 – 1950). Olh@res, Guarulhos, v.1., n1, p.455-476, 2013. BORÓN, A Consolidando la explotación: la academia y el Banco Mundial contra el pensamiento crítico. Córdoba: Editorial Espartaco, 2008.

119

BONVILLANI, A. ; PALERMO, A. I. ; VÁZQUES, M. ; VOMMARO, P. A. Juventud y política en la Argentina (1968-2008). Hacia la construcción de un estado del arte. Revista Argentina de Sociologia, ano 6, p. 44-73, 2008.

BOURDIEU, P. A juventude é apenas uma palavra. Questões de sociologia, Rio de Janeiro: Marco Zero, p.112-121, 1983.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

e



outras

providências.

Disponível

em:

<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: junho de 2013. ______. Lei nº6.697, de 10 de Outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Disponível: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: maio de 2013. ______. Decreto nº 17.943-A, de 12 de Outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e proteccção a menores. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/19101929/D17943A.htm>. Acesso em: maio de 2013. CASTRO, J. A. Juventude e Políticas Sociais. In: Juventude em Pauta – Políticas Públicas no Brasil. PAPA, F. C. ; FREITAS, M. V. (Org). São Paulo: Peirópolis, p. 321-329, 2003.

CASTRO, J. A.; AQUINO, L. (Org.) Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Texto para discussão, nº 1335. Brasília: IPEA, 2008.

CAPPELLETTI, B.; BYK, E. Juventud y trabajo en la Argentina: diagnóstico e visión de los actores. Revista del Trabajo, ano 4, nº6, ago-dez, 2008.

CAMPBELL, J. L. Institutional Analysis and the Role of Ideas in Political Economy, Theory and Society nº 27, 1998.

CHAVES, M. Juventud Negada y Negativizada: Representaciones y formaciones discursivas vigentes en la Argentina contemporánea. Última Década, nº 23, p.9-32, 2005.

120

CHELI, M. Las infancias en la historia argentina. Intersecciones entre prácticas, discursos e instituciones (1890-1960. Resenha. Propuesta Educativa, nº36, v.2, ano 20, p.125-129, novembro, 2011.

CORRÊA, M. A cidade de menores: uma utopia dos anos 30. In: História Social da Infância no Brasil. FREITAS, M. C. (Org.), São Paulo: Cortez Editora, p. 77-95. 1997. FAIR, H. Dislocación, crisis y reformulación de la hegemonía menesmita – De la Crisis del Tequila, a las demandas sociales de un orden conservador. Trabajo y Sociedad. nº17, vol 15, Santiago del Estero, 2011.

FERNÁNDEZ, F. ; LAGIÚ, E. ; MARTINET, G. ; RIPOLI, S. Los derechos de los niños/as y adolescentes y las políticas públicas. Revista Cátedra Paralela. nº7, p.57-66, 2010.

FERRER, A. La Economia Argentina: Desdes sus orígenes hasta principios del siglo XXI. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010.

GARELLO, S. La Justicia Penal Juvenil em Argentina y el surgimento de uma nueva institucionalidade. Revista Debate Público – Reflexión de Trabajo Social. Artículos Seleccionados. Año 2, nº4., p.163-174, setembro, 2012.

GUERGUEN, M. G. Políticas Públicas de Juventude no Brasil e no Paraguai após a Redemocratização na América do Sul. Dezembro de 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

HALL, P. Policy Paradigms, Social Learning and the State: The Case of Economy Policymaking in Britain. Comparative Politics, v.24, nº23, 1995. HASSAN, A. F. Reconsideraciones en torno de los derechos de la niñez y la adolescencia. Kairos – Revista de Temas Sociales. Proyecto Culturas Juveniles Urbanas. Ano 11, nº 20, p.1-13. Universidad de San Luis, 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 de Junho de 2013.

HOBSBAWN, E. Historia del Siglo XX. Buenos Aires: Crítica, 1999.

121

HOWLETT, M; RAMESH, M. & PERL, A. Studying public policy: policy cycles and policy subsystems; 3rd ed.; Oxford University Press, 2009. KERBAUY, M. T. C. Políticas de Juventude: Políticas Públicas ou Políticas Governamentais?. Estudos de Sociologia, Araraquara. 18/19, 193-203, 2005. KINGDON, J. Como chega a hora de uma ideia e Juntando as coisas. In: SARAVIA, E. ; FERRAREZI, E. Políticas Públicas – Coletânea, Vol. 1. Brasília, ENAP, 2006.

MAJONE, G. Do estado positivo ao estado regulador: causas e consequências de mudanças do modo de governança. Revista do Setor Público, ano 50, nº1, Brasília: ENAP, 1999.

MANZANAL, M. Descentralización y Municipios em Argentina. Constrastes y contradicciones. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, n1, p. 37-60, Buenos Aires, 2006.

MARGULLIS, M. La juventud es más que una palabra. Ensayos sobre cultura y juventud. Buenos Aires: Biblos, 2008.

MARCÍLIO, M. L. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil. 17261950. In: FREITAS, M.C. (Org.) História Social da Infância no Brasil. São Paulo, Cortez Editora, p. 51-76, 1997. ______. História Social da Criança Abandona. 2ª edição. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2006. MÍGUEZ, D. Los pibes choros – estigma y marginación. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2010.

MISKULIN, S. C. O ano de 1968 em Cuba: mudanças na política internacional e na política cultural. Esboços-Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC 15.20 p-47-66, 2009.

122

MORAES, J. Q. Contra a canonização da democracia. Revista Crítica Marxista, v. 12, p. 940, 2001.

NATANSON, J. ¿Por qué los jóvenes están volviendo a la política? De los Indignados a La Cámpora. 1ª ed.; Buenos Aires: Debate, 2012.

NÚÑEZ, P. F. La Redefinición del vínculo juventude-política em la Argentina: um estúdio a partir de las representaciones y prácticas políticas en la escuels secundaria y media. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales: niñez y juventud. v.6, n1, Manizales, p149190, 2008.

PADAWER, A. ; SCARFÓ, G. ; RUBINSTEIN, M.; VISINTÍN, M. Movimientos sociales y educación: debates sobre la transicionalidad de la infancia y de la juventud en distintos contextos de socialización. Intersecciones en Antropolóogía. v.10. Facultad de Ciencias sociales – UNCPBA, Argentina. 2009.

PASSETTI, E. Crianças carentes e políticas públicas. In: Del Priore, M. (Org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, p. 347-376. 2010.

PALERMO, V. Melhorar para piorar? A dinâmica política das reformas estruturais e as raízes do colapso da convertibilidade. In: SALLUM JR., B. (Org). Brasil e Argentina hoje: política e economia. p. 79-149. Bauru: EDUSC, 2004.

QUAPPER, K. D. Juventud o Juventudes? Acerca de cómo mirar y remirar las juventudes de nuestro continentes. In: BURAK, S. D. Adolescencia y Juventud en América Latina. Cartago, p. 57-74, 2001.

REGUILLO, R.C. Emergencia de Culturas Juveniles: Estrategias del Desencanto. Enciclopédia Latinoamericana de Sociocultura y Comunicación. Buenos Aires: Editora Norma, 2000.

RODRÍGUEZ, E. Políticas Públicas de Juventud en América Latina: De la Construcción de Espacios

Específicos,

al

Desarollo

de

uma

Perspectiva

Generacional.

Revista

123

Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud. v.1, nº2. Manizales: Universidad de Manizales, 2003.

ROCHA, H. S. Juventude e Políticas Públicas: formação de agenda, elaboração de alternativas e embates no Governo Lula. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo). Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo. 2012.

ROMERO, L. A. História contemporânea da Argentina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

RUA, M.G. As políticas públicas e a juventude dos anos 90. In: RUA, M.G. (Org.) Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. v.2, nº29, p.35-48, 1998.

SANTOS, B. R. ; TORRES, A.S. ; NICODEMOS, C. ; DESLANDES, S.F. Desenvolvimento de paradigmas de proteção para crianças e adolescentes brasileiros. In: ASSIS, S.M.; SILVEIRA, L.M.B.; BARCINSKI, M.; SANTOS, B.R. (Org.). Teoria e Prática dos Conselhos Tutelar e Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz – EAD, p. 19-65, 2009.

SANTOS, M. A. C. Criança e criminalidade no início do século XX. In: Del Priore, M. (Org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, p. 210-230, 2010.

SÁEZ MARÍN, J. El frente de juventudes. Política de juventud en la España de la posguerra (1937-1960). Madrid: Siglo XXI Editores, 1988.

SADER, E. A Nova Toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana. São Paulo: Boitempo, 2009. SALLUM JR., B. (Org). Brasil e Argentina hoje: política e economia. Bauru: EDUSC, 2004.

SCHVAZER, J. Poder político-social, condições de mercado e mudança estrutural. In: SALLUM JR., B. (Org). Brasil e Argentina hoje: política e economia. Bauru: EDUSC, p.15-45, 2004.

124

SOUZA, A. F. Integração SUAS/SINASE – O Sistema Socioeducativo e a Lei 12.945/2012. São Paulo: Veras Editora, 2012.

SPINK, P. Cooperação e Governança Interjurisdicional: conceitos em discussão. In: Cadernos Adenauer XII (2011), nº4, Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, abril 2012.

SPINK, P. O pesquisador conversador no cotidiano. Revista Psicologia e Sociedade, v. 20, Porto Alegre, 2008.

SPOSITO, M. P. & CARRANO, P. C. Juventude e políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 24: 16-39, set/dez;. São Paulo, Anped/Autores Associados, 2003.

TORRADO, S. Vivir apurado para morirse joven. Reflexiones sobre la transferencia intergeneracional de la pobreza. Sociedad, nº7, 1995.

VILAS, C. M. Descentralización de Políticas Públicas: Argentina en la Década de 1990. Instituto Nacional de la Administración Pública. Dirección de Estudios e Información, Buenos Aires, 2003.

ZALUAR, A. O condomínio do Diabo. Rio de Janeiro: Revan/UFRJ, 1994. ______. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v.13, n. 3, Set. 1990.

10.2. Referências audiovisuais

A ONDA. Produção de Christian Becker, Nina Maag e Anita Schneider. Dirigido por Dennis Gansel. Roteiro de Dennis Gansel e Peter Thorwarth. Brasil: Paramount Home, 2008. DVD (106 minutos). Widescreen, anamórfico, son., color., Legend., Português.

125

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EX-DIRETO DA FEBEM E ATIVISTA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE64. 1) Qual era o panorama institucional do tratamento da criança e do adolescente até o período da reabertura democrática, pré-Constituinte e ECA? 2) Segundo uma série de autores, a reabertura democrática brasileira é marcada pela luta por direitos no processo da Constituinte, canalizando a discussão para a promulgação de direitos por meio da Constituição. Em que medida este contexto geral se relaciona com a aprovação do ECA e das garantias constitucionais relativas ao jovem? 3) Durante a década de 1980, órgãos internacionais passam a discutir a questão do jovem na América Latina, com destaque a OIJ e os órgãos da ONU. Houve algum tipo de pressão internacional sobre a questão? 4) Há a discussão sobre o Brasil frente ao quadro geral da América Latina, alinhada a OIJ. É possível traçar uma diferenciação entre a trajetória brasileira e a latinoamericana, afirmando que a brasileira foi mais demarcada por impulsos, movimentos e atores internos? 5) Dentro dos movimentos pró-direitos da criança e do adolescente, quais eram os perfis mais presentes de atores? 6) Quais eram as principais maneiras de organização destes grupos? 7) Atualmente, há uma constante representação negativa da juventude nos principais meios-de-comunicação e setores sociais. Como foi possível a aprovação de um mecanismo legal tão vanguardista, como o ECA? Houve algum tipo de mobilização, campanha por parte dos meios-de-comunicação ou sociedade? De que forma? 8) No Brasil, tanto a ECA, quanto a Constituição Federal fazem referência a criança e o adolescente. Qual é o papel do jovem? 9) Sobre a implementação do ECA, quais foram os principais planos de ação no Estado de São Paulo65? 10) Há alguma espécie de link entre o ECA e as chamadas políticas públicas de juventude? 64

Apesar de uma preparação para a entrevista, com a ideia de se fazer este roteiro aqui presente, é importante ressaltar que durante a entrevista, a dinâmica mais marcante foi a de uma conversa informal, apesar de repleta de informações e apontamentos extremamente importantes para a realização desta pesquisa. Apesar de nenhuma intenção prévia, é possível se enxergar um vínculo com Spink (2008), sobre a ideia do pesquisador de campo “conversador no cotidiano”. 65 Há que se considerar que as Febems são estaduais, e que, portanto, as trajetórias locais não possuem um padrão homogêneo de comportamento.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.