Política Nacional da População em situação de rua: ferramenta de emancipação social ou mecanismo pastoral do Estado

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Política Nacional da População em situação de rua: ferramenta de emancipação social ou mecanismo pastoral do Estado?

Lucas Eduardo Dantas1, UFF

RESUMO: O presente ensaio busca discutir acerca da temática relacionada a População em Situação de Rua (PSR). Tendo como foco a Política Nacional de População em Situação de Rua, discute-se acerca do tema buscando entender a visão imprimida pelo Estado a respeito do referido grupo. Para tanto, se coloca o viés da pastoralidade de forma paralela com a intenção de entender o real objetivo da construção da seguinte medida. PALAVRAS CHAVE: População de Rua; Direitos Humanos; Exclusão Social; Pastoralidade; Criminalização da pobreza.

1. A POLÍTICA NACIONAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Criada em 2008, durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a Política Nacional de Inclusão Social da População em Situação de Rua surgiu com o objetivo de formular de maneira mais detalhada um plano de métodos e ações. O objetivo era servir de manual ou cartilha para as instituições públicas em suas diferentes esferas (federal, estadual e municipal) com relação as atividades relacionadas com a População em Situação de Rua. A Política Nacional se coloca ainda hoje como uma medida pioneira que veio para orientar o modo do agir governamental junto a PSR. No entanto, algumas outras medidas contribuíram para que esta tenha vindo a ser desenvolvida. No Brasil, o primeiro registro de leis que regulamentem atividades ligadas a assistência social oferecida por algum governo data de 1993, com a criação da LOAS, Lei orgânica de Assistência social. A lei veio regulamentar de forma mais clara os artigos 203 e 204 da Constituição, reconhecendo agora a assistência social como uma política pública de Estado. No entanto, diante deste cenário da nova lei, a PSR não estava incluída no grupo qual se considerava como dependente de assistência do Estado. Pesquisador do Laboratório de Pesquisas Aplicadas do Programa de Pós em Mídia e Cotidiano – LAPA, Mestrando em Mídia e Cotidiano pela Universidade Federal Fluminense – PPGMC UFF, [email protected]. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4330006A3 1

Os grupos beneficiados pela lei eram: Idosos, criança e adolescente carentes e pessoas com algum tipo de deficiência. Apenas em 2005, A LOAS sofre uma alteração com a obrigatoriedade de inclusão da formulação de programas de amparo também para a População em Situação de Rua, por meio de lei 11.258/05. Este acontecimento talvez, pode ser visto como o marco inicial, o embrião do que seria, 3 anos depois, o empurrão para o desenvolvimento de uma política especifica para a PSR. O texto da Política Nacional é estruturado da seguinte maneira: embasamentos teóricos, caracterização do grupo dentro da população de rua, princípios, diretrizes e ações estratégicas a serem tomadas pelos respectivos setores do poder público. A lei visa garantir alguns elementos que, para um cidadão comum seria algo intrínseco a sua condição social. Porém, pelo processo de degradação dentro da sociedade, ou de mortificação (GOFFMAN, 1961), alguns direitos básicos como moradia, cultura, educação, para este segmento social, se coloca como algo mais difícil de ser adquirido. Adentrando o corpo do texto, faremos uma apresentação dos principais conceitos existentes nesta, traçando análises a respeito dos conceitos defendidos pela Política no que tange a definição de População em situação de Rua, que tipos de indivíduos podem ser inseridos no termo e métodos de caracterização de um perfil deste indivíduo. De início, é caracterizado como PSR a população que faz da rua seu espaço principal de sobrevivência e de ordenação de identidades (BRASIL, p.3). A definição inicial da Política é abrangente, logo que vários grupos sociais podem ser inseridos dentro da definição dada. Coloca dentro dela todos as pessoas que, além de morarem na rua, usam esta como espaço de trabalho e transito contínuo. Da maneira colocada, PSR pode ser caracterizada, além dos indivíduos residentes na rua, pessoas que passam maior parte do seu dia no ambiente público, sem necessariamente tê-lo como moradia. Ao contrário, a Pesquisa Nacional de População em Situação de Rua, feita em 2007 para a formulação da Política em 2008, usa de um conceito mais fechado para definir a PSR, onde a característica principal seria residir não só a maior parte do tempo no ambiente público, mas também ter a rua e/ou os albergues como local de descanso e de demais afazeres pessoais (alimentação, descanso, higiene pessoal). Adiante, se defende que a rua não deve ser vista apenas como um local de transito, mas também de construção de identidades: A rua não deve ser vista como um local de circulação entre espaços privados, uma espécie de limbo entre situações reconhecidas, mas como um espaço em si, tão abarcador e produtor de realidades como qualquer outro. Estar na rua é ocupá-la, não

como violação do espaço limpo e vazio. É preciso descontruir a bipolaridade ontológica entre normal e anormal colocada para pessoas em situação de rua, considerando a produção e reprodução de identidades sociais. (BRASIL, 2008, p. 4)

Aqui podemos ver com mais facilidade como conceitos convergem a um discurso de rehumanização deste morador dentro da sociedade. Reforça a ideia da rua como um local de residência, de território capaz de produção de identidade, e não apenas como um espaço de transição entre locais de funções distintas (residência, local de trabalho, áreas de lazer, etc.). Afirma também o processo de construção de uma identidade da rua, combatendo um processo semelhante ao que Erving Goffman denominou como mortificação do ser, dentro das Instituições Totais, os ambientes de internação e privação social. Por Instituição total, entendese Pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. (GOFFMAN, 1961, p.11)

Em comparação as citações acima, podemos perceber que o morador de rua em parte se assemelha com as características usadas pelo autor para descrever o ambiente de uma Instituição Total. No caso da PSR, esta separação social se coloca como um elemento simbólico e paradoxal: apesar de estarem em um ambiente público, a PSR é separada da sociedade, tida como excluída socialmente, tendo seu reconhecimento indenitário negado, logo que não se faz uma diferenciação entre os moradores. A Política Nacional vem de certa maneira combater essa postura, que até pouco tempo era uma prática do Estado, que não reconhecia a PSR como um grupo social. Ao esclarecer mais esse processo de negação das identidades, podemos denominar como um resultado do processo de mortificação sofrido pelos moradores de rua. Goffman descreve situação parecida se tratando de novos pacientes em hospitais psiquiátricos. O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas Instituições Totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu Eu é sistematicamente, mortificado. (GOFFMAN, 1961, p.24)

O fortalecimento das identidades proposto pela Política Nacional, faz com que que o morador de rua pode vir não só a construir, mas reconhecer o espaço em que está inserido como seu habitat. A lei também provoca no que tange a não rotular o indivíduo apenas como um morador de rua, entendendo o processo de formulação dessas “identidades” como foi dito.

Reconhecer o ser como morador de rua é uma designação ligada ao espaço em que este se insere, mas não o reduz. Reafirma-se assim, a importância dos laços construídos pela PSR em seu ambiente comum, a lei defende a reintegração desses indivíduos a suas redes comunitárias e familiares, sem necessitar de um distanciamento da rua. A presente política faz parte do esforço de estabelecer diretrizes e rumos que possibilitem a (re)integração destas pessoas às suas redes familiares e comunitárias, o acesso pleno aos direitos garantidos aos cidadãos brasileiros, o acesso a oportunidades de desenvolvimento social pleno, considerando as relações e significados próprios produzidos pela vivência do espaço público da rua. (BRASIL, 2008, p.4)

O fato de integrá-lo novamente a determinadas relações não o obriga a sua retirada do território da rua, traçando uma perspectiva deste morador para com o seguinte espaço. No entanto, ao usar o termo “(re)integração”, dentro do corpo do texto, surge a possibilidade de ambiguidade na interpretação. Nem sempre para estar na rua seja necessário a quebra dessas relações que a lei propõe restaurar. Outro conceito interessante é a maneira que são colocadas as relações familiares dentro do contexto da (re)integração. A família, enquanto modelo tradicional, é colocada como um elemento essencial de recuperação, deixando claro os ideais paternalistas e pastorais desta política de Estado. O objetivo da Política Nacional é estabelecer diretrizes e rumos que possibilitem a reintegração destas pessoas às suas redes familiares e comunitárias (BRASIL, p.4), além de tentar desconstruir os preconceitos já existentes dentro do meio social com relação a visão da sociedade sobre a PSR, como forma de humanizá-lo diante dos processos de criminalização sofridos no âmbito social. A Política Nacional se estrutura em dois eixos principais. Um eixo define as ações das estâncias federativas no âmbito municipal, estadual e federal no atendimento as demandas da população. O segundo eixo diz respeito a interdisciplinaridade e intersetorialidade desta política na atuação com a PSR, com relação à outras instituições e movimentos da sociedade civil. Para aplicação dos conceitos desenvolvidos pela lei, além do desenvolvimento das atividades por ela descrita, o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome realizou, em 2007 a Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, uma espécie de censo voltado para os moradores de rua, a fim de conhecer as realidades existentes no Brasil, como também a atual condição destes indivíduos, com o objetivo de traçar um perfil comum dentro da População em Situação de Rua.

2. O MORADOR DE RUA PARA O ESTADO: A CONSTRUÇÃO DE UM PERFIL DA PSR PARA POLÍTICAS PÚBLICAS

Como já foi dito, o crescimento da preocupação do poder público em relação a População em Situação de Rua se apresenta como um elemento contemporâneo de discussão dentro destas esferas institucionais. A modificação da Lei Orgânica de Assistência Social em 2005 pode ser observada como início de políticas públicas posteriores, e consequentemente, da formulação da Política Nacional. Realizada pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome, a pesquisa tinha como objetivo traçar um perfil da população de rua no Brasil, para servir como base instrumental e de dados para o desenvolvimento do plano estratégico e de ações apresentado em 2008. Para realização da pesquisa, foram apresentados inicialmente conceitos e postulados para ajudarem a definir o objeto de estudo de forma clara como também o campo em que ele estaria inserido. De início, vejamos a definição usada pela pesquisa sobre a PSR: Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua pobreza extrema, pela interrupção e fragilidade de laços familiares e pela falta de moradia convencional e regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios, etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas, etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar. (BRASIL, 2008, p.8)

A pobreza extrema se coloca aqui, como aspecto definidor latente, predecessor dos demais citados. Demais aspectos nesta pesquisa, necessitam de um maior respaldo teórico e argumentativo, pelo fato de não serem gerais e sempre presentes como denota a pesquisa. A pesquisa detectou um total de 51.922 pessoas vivendo em situação de rua. É importante salientar que os dados apresentados dizem respeito aos indivíduos residentes na rua com idade acima de 18 anos. As pesquisas foram realizadas nas grandes capitais e no Distrito Federal, além das cidades com mais de 300 mil habitantes. A justificativa para a seleção desses municípios baseou-se no argumento de que: Os municípios mais populosos e as capitais concentram maiores recursos, serviços e possibilidades. Assim, tendem a ser mais procurados por pessoas em situação de vulnerabilidade que necessitam de oportunidade de empregos e condições favoráveis para a sua sobrevivência. (BRASIL, 2008, p.9)

Segundo a pesquisa, o levantamento de campo foi separado de duas formas: Censitário e amostral. Para o levantamento censitário foi desenvolvido um questionário composto de 29 perguntas, enquanto o amostral foi constituído de 62 perguntas.

O trabalho de campo da pesquisa foi realizado pelo período noturno, justificando que a população já estava acomodada nos pontos de pernoite que foram mapeados anteriormente. Para facilitar o contato com este grupo em situação de risco, os pesquisadores contaram com a participação de educadores sociais e alguns moradores de rua na fase de abordagem e entrevista, tendo assim uma pequena taxa de recusa (13,4% dos moradores abordados). A pesquisa contou com um efetivo total de 1.479 pessoas em campo, sendo 55 coordenadores, 269 supervisores, 926 entrevistadores e 229 apoiadores. A pesquisa não foi realizada em períodos que pudessem provocar um deslocamento incomum dos moradores de rua, como feriados e períodos de festas, prevenindo de possíveis distorções nos resultados. Os dados apresentados mostraram que em média, a População em Situação de rua integra um total de 0,061% do total da população das cidades estudadas. Indicando logo de início, a pesquisa mostra que o perfil da maioria da População de Rua é do sexo masculino (82%), possui idade entre 25 e 44 anos (53%). Com relação a raça, observa-se um desnível entre as etnias na rua: 29,5 % brancos e 67% se declaram negros, reafirmando a matriz étnica nacional, onde 53% da população é declarada negra. Os aspectos relacionados a educação demonstram que uma maioria expressiva dessa população sabe ler e escrever, tendo cursado o primeiro grau. Os dados demonstram uma pequena parcela relacionada a moradores de rua também incluídos durante o período das pesquisas no ensino formal e profissionalizante:

Fonte: Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, Meta/MDS, 2008.

Perguntados sobre o local onde costumam dormir, 69,6% dos moradores afirmaram que tem a rua como local principal. Outros 22,1% costumam dormir em albergues, e 8,3% alternam entre os dois ambientes. Com relação as preferências entre os locais de descanso, 46,5% manifestaram a preferência por dormir na rua, contrastando com 43,8% que optaram pelos albergues.

Dos dados referentes aos moradores que tem o albergue como lugar preferido para repousar, 67,6% justificam sua resposta apontando a violência como o fator preponderante nesta escolha. Um dado importante diretamente relacionado é o de número de homicídios de População em Situação de Rua nos últimos anos: De acordo com dados da Secretária de Direitos humanos da Presidência da República, entre os anos de 2010 e 2014, 835 assassinatos foram registrados contra a população de rua em todo o país (BRASIL, 2014). Ao analisar os moradores que preferem dormir na rua, 43,9% apontaram a falta de liberdade nos albergues como principal agravante, tendo o horário (27,1%) e o uso de álcool e drogas (21,4%) como demais fatores. Em relação a esses dados, a pesquisa aponta que apenas 35,5% justificou o uso de algum tipo de droga como justificativa de se encontrar em situação de rua. No tocante a aspectos relativos a ocupação desta população, a pesquisa apresentou um dado importante, contrapondo a visão que certos setores da sociedade tentam difundir em face deste moradores: A população em situação de rua é composta, em grande parte, por trabalhadores: 70,9% exercem alguma atividade remunerada. Destas atividades destacam-se: catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha (14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e carregador/estivador (3,1%). Pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência apenas 15,7% das pessoas. Estes dados são importantes para desfazer o preconceito muito difundido que a população em situação de rua é composta por “mendigos” e “pedintes”. Aqueles que pedem dinheiro para sobreviver constituem minoria. Deste modo, a maioria tem, ainda que não estejam exercendo no momento: 58,6% dos entrevistados afirmaram ter alguma profissão. Entre as profissões mais citadas destacaram-se aquelas vinculadas à construção civil (27,2%), ao trabalho doméstico (4,4%) e à mecânica (4,1%). (BRASIL, 2008, p.12)

Os dados apresentados na citação acima desconstroem os argumentos que reforçam pontos de vista preconceituosos sobre a PSR e demonstram os elementos pejorativos contidos nos termos usados para definição desta, como “pedinte” ou “mendigo”, que semioticamente, são usados com intenção de reduzir o indivíduo a uma condição inferiorizada dentro da estrutura social. São alocados geralmente em setores de atividades informais, logo que a maioria não possui documentação necessária. O estudo mostra que 24% desta população não possui quaisquer tipo de documentação básica, inviabilizando não apenas em fatores relacionados ao trabalho, mas também o acesso a programas governamentais e o direito ao voto. Dentre os entrevistados, 61,6 % não possuem título de eleitor, 59,9% carteira de trabalho, 57,4% não tem registro de CPF, 49,2% certidão de nascimento ou de casamento e 40,7 % não portam carteira de identidade. Apenas 21,9% da PSR possui todos os documentos mencionados na pesquisa.

Ao comprovar esses obstáculos de inserção no mercado formal, a pesquisa relatou que durante sua aplicação, apenas 1,9 % dos entrevistados que estavam trabalhando possuíam uma ocupação com carteira assinada. Referindo-se a programas governamentais, constatou-se que a grande maioria desta população não tem acesso aos benefícios oferecidos pelo governo: 88,5% não participam de nenhum programa governamental de assistência social. Entre os que recebiam algum tipo de benefício, destacaram-se aposentadoria (3,2%), Bolsa Família (2,3%) e Benefício de Prestação Continuada (1,3%). Após os dados oferecidos pela pesquisa de campo realizada, a conclusão exposta pelo estudo foi que O olhar atento sobre a realidade desse público permite concluir que as pessoas que vivem em situação de rua sofrem todas as formas de violação de seus direitos humanos, utilizando-se de diferentes estratégias para sobrevivência. Propor políticas públicas nessa área requer identificar algumas dessas estratégias. (BRASIL, 2008, p. 13)

A partir dos dados expostos pela Pesquisa Nacional o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome pode traçar um perfil genérico do morador em situação de rua, no intuito de partir desse pressuposto para formulação da Política Nacional a posteriori. Logo, fazendo uma síntese das análises chegamos ao seguinte perfil: Homem, negro, alfabetizado, exercendo algum tipo de atividade informal remunerada, sem documentos e direito ao voto, não participando de nenhum programa governamental de assistência social e claro, tendo a rua como principal local de descanso. Os dados expostos pela pesquisa e trazidos para este ensaio, servirão mais a frente, para ajudar na análise das notícias veiculadas pelo telejornal local da TV Sudoeste – da Rede Bahia, afiliada da Rede Globo no estado – no que tange as temáticas voltadas para a População em Situação de Rua. Ainda neste capitulo, construiremos análises referentes ao caráter das ações propostas pela Política Nacional, explicitando como o viés de pastoralidade se encontra inserido. Outra perspectiva a ser abordada dentro deste contexto é o conceito de “estado de polícia” desenvolvido pelo filosofo francês Michel Foucault, acusando ser o método adotado pelos estados modernos nas relações entre o poder governamental e a sociedade, denominado por Foucault como “Governamentalidade”.

3. GOVERNAMENTALIDADE E PATERNALISMO: A POLÍTICA NACIONAL COMO FERRAMENTA PASTORAL DO ESTADO

A partir do pressuposto da organização do Estado Moderno, demonstrar-se-á como este apresenta características pastorais no que diz respeito às práticas de governo, através de suas ações e desenvolvimento das políticas públicas setorializadas. Explicitaremos como a Política Nacional de Inclusão Social para a População em Situação de Rua foi pensada dentro deste conceito, através da análise da base argumentativa, comparando com conceitos desenvolvidos por Michel Foucault acerca da pastoralidade das políticas de Estado e também do modus operandi de governo que o filosofo denomina Governamentalidade. De início, é interessante provocarmos a discussão acerca dos modelos de Estado atual. Apresentaremos os conceitos elaborados por Foucault como base do argumentativa para analisar o Estado nos dias de hoje, sobre o pilar do Estado de Polícia (FOUCAULT, 1981), defendido por ele. A partir do século XVI o Estado vem se transformando e agregando novas responsabilidades. Denominado por Foucault por arte de governar, o autor define o papel do governo dentro deste modelo: Problemática do governo das almas e das condutas; tema da pastoral católica e protestante; problema de governo das crianças, problemática central da Pedagogia, que aparece e se desenvolve no século XVI; enfim, problemas do governo dos estados pelos príncipes. Como governar, como ser governado, como fazer para ser o melhor governante possível, etc. (FOUCAULT, 1979, p. 277-278)

De acordo o argumento acima, Foucault explica que dentro deste novo método de governar, atribuições que antes diziam respeito e eram de responsabilidade de outras áreas e instituições, agora são competência ligadas ao Estado. Com este remodelamento estrutural em relação a arte de governar, o Estado se incide ainda mais na vida da sociedade, retratando parte do poder das demais instituições – poder efetivo, de ações práticas – colocando-as no patamar de simbolismo dentro da sociedade. Esta “arte de governar” tenta sintetizar a política de governar, além de tentar unir quesitos como a moral e a economia. Ao citar instituições que obtiveram um caráter simbólico e tiveram seu poder sobre a sociedade reduzido, temos a Igreja. Hoje, O poder religioso não possui mais a influência que detinha dentro da máquina do Estado na Idade Média. A inquisição, julgamento realizado pelo Clero católico baseado nos dogmas de sua religião, ilustra de forma concreta o poder que se encontra em mãos da Igreja.

No entanto, o caráter pastoral da igreja de “guiar o rebanho”, foi incorporado também pelo Estado. Com relação a esta apropriação feita pelo Estado do modelo pastoral proveniente da Igreja Católica, Foucault explica que Por um lado a concentração estatal, por outro a dispersão e dissidência religiosa: é no encontro destes dois movimentos que se coloca com intensidade particular do século XVI, o problema de ser governado, por quem, até que ponto, com qual objetivo, com que método, etc. Problemática geral do governo em geral. (FOUCAULT, 1979, p. 278)

A partir deste momento, pode-se entender com mais clareza a remodelação do Estado em relação a pastoralidade. O Estado iniciou assim, um processo para se infiltrar mais na vida dos indivíduos. Este, que antes tinha a preocupação de manter sua soberania diante do povo e dos territórios a sua volta, reformula-se com o objetivo de governar a população. Se anteriormente o governo da conduta era característica da igreja, com esta transformação, cabe agora ao Estado esta tarefa. Acerca do novo modelo adotado, Foucault completa: Governam-se coisas. Mas o que significa esta expressão? Não creio que se trate de opor coisas a homens, mas de mostrar que aquilo a que o governo se refere é não um território mas sim um conjunto de homens e coisas. Essas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os homens, mas em suas relações com coisas que são riquezas, os recursos, os meios de subsistência, o território em suas fronteiras, com suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os homens com suas relações com outras coisas que são os costumes, os hábitos, as formas de agir ou de pensar, etc.: e finalmente, os homens com suas relações com outras coisas que podem ser os acidentes ou as desgraças como a fome, a epidemia, a morte, etc.: que diz respeito as coisas entendidas como a imbricação de homens e coisas temos a confirmação em uma metáfora que aparece em todos esses tratados: o navio. (FOUCAULT, 1979, p.282)

Talvez a característica principal desta nova forma de governar o Estado seja a gestão sobre os indivíduos: o dizer o que fazer e o que não fazer, o amparo e o estabelecimento da maneira como deve se dar as relações com as coisas. Tal paradigma difere do modelo desenvolvido por Maquiavel, onde o soberano governa sobre o território, a extensão do reino, enquanto o guiar dos indivíduos encontra como dever exclusivo da igreja. Sobre o conceito desenvolvido por Maquiavel, Foucault afirma: O príncipe Maquiavélico é, por definição, único em seu principado, e está em posição de exterioridade, transcendência, enquanto que nesta literatura o governante, as pessoas que o governam, as práticas de governo são, por um lado, práticas múltiplas, na medida em que muita gente pode governar: o pai de família, o supervisor de convento, o pedagogo e o professor em relação à criança e ao discípulo. Existem, portanto, muitos governos, em relação aos quais o do príncipe governando seu Estado é apenas uma modalidade. Por outro lado, todos estes governos estão dentro do Estado ou da sociedade. (FOUCAULT, 1979, p.280)

Na estrutura atual do Estado, Michel Foucault defende a existência de três tipos de governos, que compõe uma espécie de pirâmide hierárquica. Tais esferas se relacionam e se

interligam de maneira ascendente e descendente, proporcionando o funcionamento deste novo mecanismo que seria o Estado Moderno. Em sua base, estaria colocado o governo individual ou o governo de si mesmo, que diz respeito a constituição ética e moral do sujeito. Acima estaria o governo da família, que representaria a mediação das relações familiares e o manejo de uma economia política existente no contexto, que ditaria as regras desta convivência. No ápice, estaria como denominado por Foucault, a ciência do bem governar (FOUCAULT, 1979), que diria respeito à política e como já dito, as técnicas de governo. Conforme Foucault apud. La Mothe Le Voyer no sentido de explicar tais processos, “aquele que quer governar o Estado, deve primeiro saber governar sua família, seus bens, seu patrimônio” (FOUCAULT, 1979, p.281). Logo, seguindo processo de continuidade ascendente dentro desta lógica, o governante deve ser um indivíduo que sirva de exemplo a sociedade, não só como um bom político, mas sim como um bom sujeito de acordo com os padrões estabelecidos pela ordem social vigente. Ao postular no que se refere ao processo de continuidade descendente, afirma que “quando o Estado é bem governado, os pais de família sabem como governar suas famílias, seus bens, seus patrimônios e por sua vez os indivíduos se comportam como devem”. (FOUCAULT, 1979, p.281) Importante salientar a presença dos elementos pastorais dentro do discurso, explicitado mais claramente em referência aos modos de governar e a relação simbólica construída entre eles. Ao seguir a lógica deste processo, qualquer tipo de disfunção ou desvio dentro desta linha decrescente, talvez venha a demonstrar um sistema falho ou um Estado deficiente em alguma dessas esferas. Logo, para garantir o bom funcionamento destes mecanismos, surge o conceito de polícia defendido por Foucault. A ferramenta de polícia se encontra inserida dentro da estrutura do Estado para garantir o seu funcionamento de acordo com os argumentos discutidos. A Governamentalidade, conforme Foucault, é justamente esta técnica de dizer o que compete e o que não compete ao Estado; como este deve ser estruturado e como deve agir dentro do sistema social. São táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou privado, o que é ou não estatal, etc.; portanto o Estado, em sua sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido a partir das táticas gerais da Governamentalidade. [...] Esta Governamentalidade só pode adquirir suas dimensões atuais graças a uma série de instrumentos particulares, cuja formação é contemporânea da arte de governo e que se chama, no velho sentido da palavra, o dos séculos XVII e XVIII, a polícia. Pastoral, novas técnicas diplomático-militares, e finalmente a polícia: eis os três pontos de apoio a partir de que se pôde produzir este fenômeno fundamental na história do Ocidente: a governamentalização do Estado. (FOUCAULT, 1979, p. 292-293)

A política pastoral por si já pode ser colocada como uma forma de polícia. Um modelo para manter o cidadão favorecido sob as vistas do Estado, fazendo com que este diga como o indivíduo deve agir, pensar, fazer e viver dentro da sociedade. Da mesma maneira, aponta também o que não se deve fazer, o que segundo o Estado, será bom ou ruim para esse indivíduo. Dentro do cenário das políticas desenvolvidas com esse caráter paternal, e neste caso analisando a Política Nacional – logo que esta se encaixa nas definições apresentadas por Foucault acerca da pastoralidade e nos conceitos de ação a serem descritos – vamos nos ater a maneira como são elaborados os métodos de ação, expressando de forma prática seu viés intervencionista. Uma das características principais contida neste tipo de política pública é o que Foucault chama de “poder individualizante” (FOUCAULT, 1981, p.79). Esta modalidade de poder seria uma maneira de orientar os indivíduos, separadamente, para reinseri-los dentro dos padrões existentes na sociedade. Uma forma de poder centralizado, que seria a política em aplicação prática, mas de forma fragmentada, tratando um por um, e não o grupo. A autor define que Refiro-me, na realidade, ao desenvolvimento de técnicas de poder orientadas para os indivíduos e destinadas a dirigi-los de forma continua e permanente. Se o Estado é a forma política de um poder centralizado e centralizador, denominemos pastorado ou poder individualizador. (FOUCAULT, 1981, p.79)

O nome Pastorado ou Pastoralidade deriva do sentido dado a palavra em relação ao pastor de ovelhas. Da mesma maneira que o pastor preza pelo seu rebanho, alimentando, cuidando e o guiando, a pastoralidade na forma do Estado busca ter controle sobre suas “ovelhas”, executando ações semelhantes. O caráter religioso também está incutido dentro deste sentido, logo que na religião o sacerdote é visto como o pastor que conduz seus fiéis a salvação, alertando-os das tentações do mundo e apontando para o caminho a se seguir para o paraíso bíblico. O Estado vela pelas suas ovelhas. A política Nacional de População de Rua é um claro exemplo disso. Propõe a salvação do morador em situação de rua. A lei propõe a inclusão do morador dentro dos programas sociais criados pelo governo como forma de assistência social. O direito a moradia, a saúde, a educação são outros pontos que a lei garante oferecer para este indivíduo. Assim, o Estado assume o papel de tutor, e o morador, de tutelado. Porém, existe uma problemática dentro deste modelo de tutela, logo que assume um caráter dualístico. Para aqueles moradores que aceitam serem tutelados pelo Estado, existe a garantia de direitos e benefícios, entretanto, se optar pela opção de não se adequar as definições impostas por este – como por exemplo, abandonar a rua – estes benefícios não são mais

certamente garantidos. O morador pode ser enquadrado de outras maneiras dentro do sistema social, sendo às vezes considerado irregular perante a lei. Foucault retrata tal situação onde ocorre uma polarização a partir da análise do pastorado cristão: O pastorado cristão associou estreitamente essas duas práticas. A direção consciente de um lado, constituía um lação permanente: a ovelha não se deixa conduzir, apenas para transpor com sucesso alguma passagem difícil; deixava-se conduzir a cada segundo. Ser guiado era um estado; quem tentasse fugir disso estaria fatalmente perdido. O eterno ditado popular: quem não de se deixa guiar, murcha feito folha morta. (FOUCAULT, 1981, p.87)

Para a População em Situação de Rua, nesse caso, só existem dois caminhos a serem escolhidos: ou se deixam inserir nas políticas públicas para poderem usufruírem dos direitos e dos benefícios garantidos por ela, ou continuam sendo marginalizados e criminalizados nas ruas, quando não são tidos como invisíveis. O viés da Política Nacional é trabalhado como uma salvação do ser, reintegrá-lo a sociedade e retira-lo do estado de morte social ou processo de mortificação. (GOFFMAN, 1961) Para manter este modelo da política pastoral, é necessário a instauração da doutrina de polícia. O termo polícia neste contexto, denomina Foucault, se refere a “uma tecnologia governamental específica do Estado: domínios, técnicas, objetivos em que o Estado intervém”. (FOUCAULT, 1981, p. 92) Tendo a Política Nacional como uma ação do Estado sobre determinado grupo de indivíduos, podemos considerar que sua aplicação prática se coloca como a instauração de um estado de polícia sobre esses indivíduos, velando e policiando-os. Logo, pode ser claramente caracterizada como paternalista, pastoral e de certo modo, interventora. Caracterizado viés de raiz pastoral da Política Nacional, partir-se-á para analise prática da lei, analisando os resultados obtidos propostos pelo plano de ações estratégicas, constando que já está em vigor há cinco anos.

4. PROPOSTAS E RESULTADOS DA POLÍTICA NACIONAL DE POPUAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Trataremos aqui de expor os resultados da Política Nacional de População de Rua, partindo do plano de ações proposta por esta em diversas vertentes de atuação como direitos humanos, trabalho e emprego, desenvolvimento urbano e habitação, assistência social, educação, saúde e cultura.

Iniciaremos a exposição destes quesitos separadamente, apresentando os pontos principais do plano de ações da lei e por conseguinte, os resultados alcançados ao longo destes cinco anos de vigência. Os dados apresentados a seguir foram obtidos junto aos ministérios do governo.

4.1 DIREITOS HUMANOS

A respeito das políticas a serem desenvolvidas para o fortalecimento dos direitos humanos e segurança da PSR, a Política Nacional elenca quatro pontos principais para nortearem a execução das ações a serem desenvolvidas. São os pontos:

1.

2.

3.

4.

Capacitação dos operadores de direito do Estado (especialmente da força policial) quanto aos direitos humanos, principalmente àqueles concernentes à população em situação de rua, incluindo nos cursos de formação conteúdos sobre o tema; Fortalecimento da Ouvidoria para receber denúncias de violações de Direitos Humanos em geral, e especialmente dos direitos das populações em situação de rua; Responsabilização e combate à impunidade dos crimes e atos de violência que tem essa população como público-alvo, ampliando, assim, a possibilidade de que a rua seja um espaço de maior segurança; Oferta de assistência jurídica e disponibilização de mecanismos de acesso a direitos, incluindo documentos básicos às pessoas em situação de rua, em parceira com os órgãos de defesa de direitos. (BRASIL, 2008, p.16)

De acordo com os documentos oferecidos pela Secretária de Direitos Humanos da Presidência (SDH/PR) e do Ministério da Justiça, já foram implementadas medidas que combatem a violência contra a PSR, através de uma ação conjunta entre poder público federal, estadual e municipal. Segundo a SDH, foram desenvolvidas ações como a instalação do serviço Disque Direitos Humanos com atendimento específico para a população em situação de rua (Disque 100) para denúncias de violações de direitos; a instalação de comitês municipais e estaduais de acompanhamento e monitoramento da política para a população em situação de rua e articulação política junto a estados e municípios. Até setembro de 2014, foram instalados 21 comitês, sendo 16 municipais, 04 estaduais e 01 distrital. O Ministério da Justiça informou que em 2011, publicou a portaria MJ n° 53, que instituiu o grupo de trabalho para tratar da capacitação de profissionais e gestores de segurança pública para atuação relacionada às pessoas em situação de rua. No mesmo ano, dentre outras ações de capacitação foi elaborada a Cartilha atuação policial na proteção dos direitos humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade, que

possui capítulo específico sobre Abordagem da População em Situação de Rua. Foram previstas a impressão e distribuição de 35 mil exemplares para os anos de 2013 e 2014. Em 2013, o MJ inseriu uma linha de financiamento específica para apoio a projetos de enfrentamento à violência contra a população em situação de rua e populações vulneráveis no montante de até R$ 21 milhões de reais. O “Brasil Mais Seguro”, programa executado também pelo Ministério da Justiça, tem atuado para solucionar todos os casos de homicídios contra pessoas em situação de rua nos estados onde foi implementado.

4.2 TRABALHO E EMPREGO

No que se refere a ações inclusivas no mercado de trabalho, foram enumeradas oito metas que visam a capacitação e a garantia de emprego à PSR. Como pontos principais podemos elencar: 1.

2.

Inclusão da população em situação de rua como público-alvo prioritário na intermediação de emprego, na qualificação profissional e no estabelecimento de parceria com a iniciativa privada e com o setor público para a criação de novos postos de trabalho. Promoção de oficinas de economia solidária, centradas no fomento e na capacitação, a partir de recortes regionais, com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego. (BRASIL, 2008, p.17)

A respeito das proposições estabelecidas baseada nos dois pontos principais acima descritos – que priorizam a capacitação do morador e sua inclusão no mercado – o Ministério do Trabalho e Emprego, MTE, apresentou dados referentes apenas ao fomento de cursos de capacitação, porém nenhum dado referente a ações de garantia de emprego do morador e posteriores direitos trabalhistas. O MTE informou que por meio dos Editais de Chamada Pública SENAES-MTE n° 03/2013 e n° 02/2014, para organizações da sociedade civil em capitais e regiões metropolitanas, foram disponibilizados R$9.500.000,00 (nove milhões e quinhentos mil) para projetos de fomento à economia solidária como estratégia de inclusão socioeconômica e de autonomia da população em situação de rua. Foram contempladas pelos recursos capitais e regiões metropolitanas, seguindo o critério do alto índice de presença dessa população estabelecido pelo MTE, foram elas: Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba e Brasília.

4.3 ASSISTÊNCIA SOCIAL

As medidas relacionadas a assistência social se colocam, dentro da conjuntura de ações proposta pela Política Nacional, como as mais emergenciais e importantes no trato com os moradores de rua. Sete pontos foram elaborados inicialmente para se desenvolver tais ações tendo o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome, junto com a Secretaria de Direitos humanos da Presidência da República e as administrações regionais seus principais executores. Os pontos apresentam as seguintes propostas: 1.

2.

3. 4. 5. 6. 7.

Estruturação da rede de acolhida de acordo com a heterogeneidade e diversidade da população em situação de rua, reordenando práticas homogeneizadoras, massificadoras e segregacionistas na oferta dos serviços, especialmente os albergues; Produção, sistematização de informações indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social acerca da população em situação de rua; Inclusão de pessoas em situação de rua no Cadastro Único do Governo Federal para subsidiar a elaboração e implementação de políticas sociais; (Grifo nosso) Assegurar a inclusão de crianças e adolescentes em situação de trabalho na rua no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; Inclusão de pessoas em situação de rua no Benefício de Prestação Continuada e no Programa Bolsa Família, na forma a ser definida; Conferir incentivos especiais para a frequência escolar das pessoas inseridas nos equipamentos da Assistência, em parceria com o Ministério de Educação; Promoção de novas oportunidades de trabalho ou inclusão produtiva em articulação com as políticas públicas de geração de renda para pessoas em vulnerabilidade social. (BRASIL, 2008, p.18-19)

Como ressaltado, o ponto referente a inclusão da PSR em programas de governo se apresenta de forma estratégica para o funcionamento da lei e base para alcançar demais metas. O Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome em 2011, iniciou a Instalação e manutenção de estruturas de acolhimento e Centros Pop (Centros de Referência Especializados para a População em Situação de Rua). Já O Governo Federal, vem desenvolvendo ações específicas no âmbito do Plano “Brasil sem Miséria” para população de rua, com investimentos previstos de R$ 160 milhões até o fim deste ano. Segundo dados do Relatório de Informações Sociais do MDS, em julho dezembro de 2014 estavam cadastradas 27.852 pessoas em situação de rua, destes 20.621 eram beneficiários do Programa Bolsa Família.

4.4 SAÚDE

A respeito das políticas de saúde, o cerne das propostas dizia respeito a garantia do direito a saúde para os moradores em situação de rua, como o fortalecimento dos Centros de

Atendimento Psicossocial, CAPS, para agir em relação as questões ligadas a Saúde Mental e uso de álcool e demais drogas. De acordo com o Ministério da Saúde, uma das ações desenvolvidas para a cumprir as metas estabelecidas foi a criação dos Consultórios da Rua, que tem sua atenção voltada apara a melhoria da saúde dos moradores. Hoje existem cerca de 90 consultórios em funcionamento. O Consultório na Rua é um equipamento integrante da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que objetiva ampliar o acesso da população em situação de rua à rede de atenção e ofertar, de maneira mais oportuna, atenção integral à saúde.

4.5 EDUCAÇÃO

No setor educacional, as formulações focaram na questão da alfabetização dos moradores de rua, como na inclusão destes em programas já desenvolvidos para o resto da população. Outro quesito importante se refere a inclusão da temática da população de rua em discussões nas escolas de ensino regular como forma de expor e debater mais sobre o tema com o objetivo de tornar o assunto mais visível para os estudantes, para avançar talvez, na diminuição do preconceito. São os pontos: 1.

2. 3.

4.

5.

6.

7.

8.

Promoção da inclusão das questões de igualdade social, gênero, raça e etnia nos currículos, reconhecendo e buscando formas de alterar as práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a comunicação discriminatórias, especialmente com relação à população em situação de rua; Constituição de grupos de estudo que discutam maneiras de a educação ser feita em meio aberto, sem necessidade de deslocamento até as escolas; Oferta regular de educação de jovens e adultos, especialmente no que se refere à alfabetização, com facilitação de ingresso em sala de aula em qualquer época do ano; Oferta de incentivos à assiduidade escolar para a população em situação de rua, tais como uniformes e materiais escolares gratuitos, facilitação do transporte de ida e volta da escola, fornecimento de alimentação, etc.; Inclusão da população em situação de rua nos programas de apoio ao desenvolvimento de atividades educacionais, culturais e de lazer em escola aberta, especialmente nos finais de semana; Inclusão do tema população em situação de rua, suas causas e consequências, como parte dos debates sobre essa realidade nacional nas redes de ensino de todo o País. Adequação dos processos de matrícula e permanência nas escolas às realidades das pessoas em situação de rua, com a flexibilização da exigência de documentos pessoais e de comprovantes de residência. Promoção de políticas de Inclusão Digital para pessoas em situação de rua.

Sobre as ações desenvolvidas, o Ministério da Educação apresentou documentos informando que no período entre 2009 e 2013, o Programa Brasil Alfabetizado (PBA) atendeu um total 9.162 alfabetizandos cadastrados como catadores de materiais recicláveis. Ainda de acordo com o Ministério, no período entre 2012 e 2013, foram cadastrados como pessoas em situação de rua, 424 alfabetizandos em 15 estados por meio do fortalecimento de ações inter-

setoriais entre o MEC/SECADI e Secretaria de Direitos Humanos. A partir de agosto de 2014 iniciaram turmas exclusivas para população em situação de rua do Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC-Pop Rua), totalizando 980 vagas no município de São Paulo e no Distrito Federal com perspectiva de expansão para 2015. A respeito do ponto que inclui as discussões acerca da PSR nas salas de aula, não existem dados não deliberações do Ministério no que se refere ao cumprimento da decisão, que pode ser considerada como uma ação de longo prazo para a desconstrução de estigmas e preconceitos em relação a imagem da PSR. 4.6 CULTURA

Apesar de constar um plano de metas voltadas para o oferecimento de cultura para a População em Situação de Rua e fomento de atividades ligadas a esta população, nenhum dado foi disponibilizado pelo Ministério da Cultura. As metas elaboradas na Política Nacional apontam para a difusão da cultura e a difusão de atividades culturais por parte da população de rua. Das áreas contempladas pela Política Nacional, a área da cultura, pela insuficiência de dados e informações, se coloca como a que menos avançou na questão de elaboração de políticas públicas especificas. As discussões dirigidas até aqui tiveram o objetivo de demonstrar a existência de um grupo social caracterizado como residente em logradouro público, logo, População em Situação de Rua. Posteriormente, se preocupou em apresentar o modelo da política adotada especificamente para tratar de tais questões referentes a estes indivíduos e por conseguinte, seu viés delineador de caráter pastoral, traço presente no modelo político vigente no período atual. Por fim analisou-se a ações desenvolvidas como maneiras de pôr à prova a eficácia ou fracasso deste modelo ao longo do período que já está em vigor.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho, foi feita uma discussão priorizando sempre refletir a sociedade ao partir das análises sobre a população de rua. Expondo políticas públicas, modelos de agendamentos relacionados a comunicação, formas que a sociedade enxerga e trata esse grupo. O objetivo foi justamente discutir sobre aquilo que pouco se discutiu e se discutiu hoje dentro da academia no âmbito da comunicação. Como já foi dito, a PSR é um tema muito importante em outros campos de estudo, como o da antropologia e o dos direitos humanos.

Ao longo desta trajetória, houve o esforço de executar a desconstrução de estruturas simbólicas sociais acerca dos moradores de rua. Essas questões podem ser definidas como “fantasmas e ilusões burgueses do empirismo” (CAETANO DA SILVA, 1999). As discussões buscaram sempre expor um lado mais verdadeiro e fiel sobre a População em Situação de Rua, para que assim ficasse claro as ideias de preconceitos e os estereótipos que recaem sobre estes indivíduos. O viés das políticas públicas, através da Política Nacional de População de Rua, trouxe ao projeto não só a visão que o Estado brasileiro tem sobre estes cidadãos, mas apresentou aspectos muito importantes acerca do modelo de política institucional acerca do assunto, expondo o caráter paternal da ação e a posição de passividade que se coloca o próprio morador. Demonstrou também, baseando-se nos argumentos de alguns autores, as características adotadas pelo Estado, que no passado, eram atribuições das religiões.

Interessante analisar

a partir destes pressupostos, a maneira que o imaginário coletivo é construído. A construção da imagem da PSR no cotidiano da maioria dos cidadãos, é feita partindo dos ideais e das estruturas criadas pelos setores da sociedade. Em exceção a isso, temos os indivíduos que constroem suas próprias opiniões através da própria imagem que a PSR possui. Para este tipo de designações, temos as ONGs – sendo que apesar de algumas delas se apresentarem como dissidentes do discurso hegemônico destes dois setores já citados, também constrói de certa forma uma imagem estereotipada dos moradores – os militantes das causas ligadas aos Direitos Humanos e a academia através das ações de pesquisa e extensão. Contudo, buscou-se discorrer acerca da maneira que a própria população de rua se enuncia e se coloca dentro da sociedade, abordando os aspectos relacionados ao seu lugar natural, a rua, e discutindo acerca das estruturas simbólicas e discursivas cabíveis a estes cidadãos. Como desfecho para tentar entender este discurso, se defende que a enunciação deste indivíduo através da sua retórica pelo espaço, expondo a sua verdadeira identidade e as suas relações sociais.

6. REFERÊNCIAS AMMANN, Safira Bezerra. Expressões da pobreza no Brasil: desigualdades regionais. São Paulo: Cortez, 2013.

análise a partir das

CAETANO DA SILVA, José Luís. Entre fantasmas burgueses e ilusões empiristas. In: _________. Do macaco ao alemão, sobrevivência e dominação. O cotidiano de favelização do subúrbio carioca. Vitória da Conquista, BA: Edições Uesb, 2007.

ESTEVES, Antônio Joquim. Metodologias qualitativas: Análise etnográfica e histórias de vida. Acessado em 01 de junho de 2014. URL: FOUCAULT, Michel. A casa dos loucos. In:________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ediçoes Graal, 1979. p.113-128. __________. Genealogia e poder. In: _________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. P.167-178. __________. A governamentalidade. In: _________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. P.277-293. __________. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2012. __________. Omnes et Singulatim: Towards a Criticism of ‘Political Reason’. In: Universidadede Utah. The Tanner Lectures on Human Values. Salt Lake City, USA. 1981, p. 223-254. GOFFMAN, Erving. Representações. In: _________. A Representação do Eu Cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. p. 25-75. __________. As características da Instituições totais. In: _________. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo, SP: Perspectiva, 2013, p. 13-109. IPEADATA. Desenvolvimento humano dos municípios brasileiros. Página visitada em 22 de Julho de 2014. KOTLER, Philip. Marketing Público: Como atrair investimentos, empresas e turismo para cidades, regiões, estados e países. São Paulo, Makron Books, 1994. META, Instituto de Pesquisa de opinião. Relatório final. Pesquisa Censitária e Amostral. População em situação de rua, 2008. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Política Nacional de Inclusão Social da População em Situação de Rua. Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR. Maio de 2008.

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