POLÍTICAS CULTURAIS SOBRE OS ARQUIVOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA FERROVIA NO BRASIL

June 3, 2017 | Autor: Frederico Antonio | Categoria: Patrimonio Cultural, Arquivologia, Arquivistica, Ferrovia e Patrimônio Cultural
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POLÍTICAS CULTURAIS SOBRE OS ARQUIVOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA FERROVIA NO BRASIL.

Frederico Antonio Ferreira1 Rodrigo Pereira2

RESUMO: Artigo busca examinar as políticas culturais em torno da Memória e do Patrimônio Arquivístico Ferroviário expressas nas normas jurídicas em torno da liquidação e extinção da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) entre os anos de 1999 a 2007. Procurando transcender a perspectiva exclusivamente administrativa, legal e financeira buscase evidenciar como que as legislações relacionadas aos acervos e as práticas previstas para eles, manifestam os conflitos de ideias sobre as ferrovias e as disputas em torno desta Memória e Patrimônio. PALAVRAS-CHAVE: Rede Ferroviária Federal S.A, Memória, Patrimônio Arquivístico, Legislação, Política cultural. Por uma introdução Uma das obras mais famosas do autor brasileiro Heitor Villa-Lobos, conhecida popularmente como “Trenzinho Caipira” é parte integrante das Bachianas brasileiras nº 02 e tem como aspecto mais característico fazer com que os instrumentos da orquestra imitem o movimento que se assemelham ao de uma locomotiva. Essa obra composta em 1930, mostra a importância que as ferrovias possuíam tanto na integração nacional, quanto na formação histórico-cultural de inúmeras localidades no Brasil. Esse destaque das estradas de ferro para o país dá ao assunto uma relevância ímpar. Parte desta importância econômica e da amplitude do tema pode ser medida pelas dimensões da própria malha ferroviária que compunha a então Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA. As ferroviais ativas no Brasil, na década de 1990, chegavam aproximadamente vinte e dois mil quilômetros de extensão, contendo seiscentos e sessenta estações e aproximadamente sessenta mil funcionários (RFFSA, 1991). Mesmo atendendo a setores da economia como siderurgia, agricultura, construção e energia (RFFSA, 1991), a Mestre em História, doutorando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Arquivista do Departamento de Órgãos Extintos – DEPEX – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG. Contato: [email protected] 2 Mestre em Ciências Sociais (UERJ), mestre em Arqueologia (UFRJ), doutorando em Arqueologia (UFRJ). Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER/IH/UFRJ). Contato: [email protected] 1

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empresa foi colocada em liquidação em 1999 (BRASIL, 1993) sendo definitivamente extinta em 2007 (BRASIL, 2007a). Os mais de cento e sessenta anos de existência das ferroviais no Brasil e as inúmeras instituições públicas e privadas envolvidas com sua implantação geraram uma série de registros, seja em bens móveis e imóveis, seja como documentos de caráter arquivísticos, biblioteconômicos ou museológicos de grande valor histórico, artístico e cultural. A sequência de criações e extinções, nem sempre coordenadas e planejadas, de empresas ferroviárias entre 1850 a 2007 contribuíram para a formação do Patrimônio Cultural Ferroviário Brasileiro. Diante disso, este artigo procura contribuir para o debate acerca das Políticas Culturais em torno do Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro, buscando refletir sobre seu valor histórico e social, assim como evidenciar como que as legislações relacionadas aos acervos e as práticas previstas nestas, manifestam os conflitos de ideias sobre das ferrovias e as disputas em torno da Memória e do Patrimônio. Por mais que as medidas tomadas pela administração pública quanto a destes arquivos pareçam meramente rotineiras e despretensiosas refletem as relações de poder intrínsecas à produção e circulação de significados simbólicos vinculados a este conjunto documental.

O Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro Para fins deste artigo, consideraremos Política Cultural como o conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, cujo objetivo seja o de satisfazer as necessidades culturais da população e assim promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas (COELHO, 1997). Dentre os modos concretos como esta pode manifestar-se, tem lugar privilegiado o ordenamento do aparelho burocrático estatal no sentido de viabilizar as iniciativas tomadas pelos agentes públicos no sentido de promover a produção, a distribuição e o uso da cultura assim como a preservação e divulgação do Patrimônio Histórico (COELHO, 1997). Como Patrimônio, ou Patrimônio Cultural, entendemos o bem ou conjunto de bens – naturais ou culturais – de importância reconhecida para determinado lugar, região, país ou mesmo para a humanidade, que passam por um processo de proteção e preservação (COELHO, 1997). Tal concepção coaduna com a perspectiva utilizada pela Constituição de 1988. A Carta Magna classifica como Patrimônio as formas de expressão, os modos de criar, de fazer e viver, assim como criações científicas, artísticas e tecnológicas (BRASIL, 1988). Para além destes já citados, elenca também como sendo Patrimônio as “obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” (conforme o Art. 216, IV).

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Além disso, os coloca como responsabilidade do Estado no sentido de que cabe “à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem” (conforme Art. 216, § 2º). Nesta perspectiva de compreensão do conjunto dos registros documentais sob a perspectiva de Patrimônio, conforme descrito na Constituição Federal, é possível identificar a formação de um Patrimônio Arquivístico. Entendemos como Patrimônio Arquivístico o conjunto dos arquivos de valor permanente3, públicos ou privados, existentes no âmbito de uma nação, de um estado ou mesmo de um município (ARQUIVO NACIONAL, 2004). Assim, é possível afirmar que o conjunto de documentos de valor permanente sob a custódia das empresas ferroviárias brasileiras, sejam eles de natureza pública ou privada, formam um Patrimônio Arquivístico. Isto posto, o Estado possui sobre eles uma dupla responsabilidade: protege-los como Patrimônio Cultural assim como promover a gestão destes de modo a garantir sua utilização para quanto deles necessitarem. Podemos definir que as ações desenvolvidas pelo Governo no sentido de proteger, conservar e disponibilizar estes conjuntos de documentos públicos são também Política Cultural. A forma como o Estado organiza seu aparelho burocrático, por meio da legislação, no sentido de viabilizar a gestão documental e as providências para franquear sua consulta são medidas importantes no sentido de atender as necessidades culturais de sua população na construção social de seu passado (MEDEIROS, 2011).

Os estudos relativos ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário Os estudos sobre o Patrimônio Arquivístico Ferroviário muita das vezes aparece como aspecto residual dentro da historiografia acerca das ferrovias no Brasil. Os acervos documentais relacionados às primeiras linhas férreas do país se confundem com o conjunto dos documentos da RFFSA. Os poucos pesquisadores que se voltam para a temática dos arquivos focam-se em casos específicos, restritos aos arquivos de unidades regionais, especialmente as do centro-sul do país. Em contraponto, sobre outras unidades no norte-nordeste há quase que o completo silêncio. Merece destaque positivo os esforços promovidos por Oliveira (2010, 2011, 2012), Carmo (2012), Souza (2010) e Gomes (2013) que tanto em aspectos técnicos relacionados à documentação ou refletindo acerca da memória e do patrimônio ferroviário brasileiro, 3

Arquivo Permanente - Conjunto de documentos preservados em caráter definitivo em função de seu valor. Também chamado de arquivo histórico (ARQUIVO NACIONAL, 2004).

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contribuem para suscitar o debate acerca destes aspectos que parecem secundarizados diante da importância econômica das ferroviais. Essas características de restrição sobre as análises destes conjuntos documentais não permitem sua compreensão total e ofuscam a importância histórica e cultural enquanto patrimônio, assim como as políticas culturais empreendidas pelo Estado sobre eles. Para as instituições responsáveis pelas políticas públicas de gestão do patrimônio cultural ligado à memória ferroviária, especialmente aquelas relacionados a RFFSA, eles são geridos de modo particionado por diversos órgãos como Inventariança da Extinta RFFSA, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, (MPOG), assim como Ministério dos Transporte (MT) cada um adotando sua própria gestão deste patrimônio arquivístico (BRASIL, 2007a; 2007b).

A Trajetória do Patrimônio Arquivístico Ferroviário A história da formação deste Patrimônio Arquivístico Ferroviário se confunde com a própria trajetória das linhas férreas no Brasil. As primeiras estradas de ferro do país datam do II Reinado (FAUSTO, 2012). Os contatos com as firmas europeias traziam consigo métodos e processos de trabalho pautados na burocracia weberiana e com eles a busca por uma maior sistematização do trabalho, através de um maior registro mais apurado das atividades em documentos (BUZELIN, 2009). Diante destas inovações técnicas e administrativas, se formavam os primeiros acervos que comporiam o Patrimônio Arquivístico Ferroviário Brasileiro. A marcha da cafeicultura entre o fim do século XIX e início do século XX fez com que as ferrovias avançassem (FAUSTO, 2012). Neste período algumas firmas ferroviárias passaram a incorporar outras. Esta inclusão trazia consigo a inclusão de mais documentos (BUZELIN, 2009). A medida em que as firmas ferroviárias se fundiam ou eram adquiridas, umas pelas outras, os acervos das primeiras se misturavam com os de sua sucessora ou simplesmente desapareciam, perdendo assim sua unicidade4 e sua integridade enquanto fundo5 documental (BUZELIN, 2009). 4

Princípio da Unicidade é uma premissa arquivística que postula que os documentos de arquivo devem conservar o seu caráter único em função de seu contexto orgânico de produção, independentemente de sua forma, gênero, tipo ou suporte sobre o qual está registrado (DURANTI, 1994). 5 Fundo Documental é o conjunto de documentos de uma mesma proveniência, equivale à arquivo (ARQUIVO NACIONAL, 2004).

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A partir da década de 1930 o Estado passa a encampar algumas empresas ferroviárias. Durante o governo do presidente Juscelino Kubitscheck (anos) é fundada a RFFSA (BRASIL, 1957). Em um primeiro momento os arquivos eram geridos de modo autônomo por cada unidade (BUZELIN, 2009). Com o Golpe Militar de 1964 tem lugar o processo de geração de um sistema administrativo e de normatização único para toda a empresa (BUZELIN, 2009). Com isso as práticas de gestão de documentos se padronizaram. Os acervos das antigas estradas de ferro são negligenciados e mesclados com os novos registros, perdendo assim sua integridade e organicidade original impossibilitando a compreensão de seu contexto orgânico de acumulação6 (BUZELIN, 2009). Estas unidades enterrariam definitivamente a memória e os resquícios das antigas estradas de ferro que antecederam a RFFSA. Isto posto, é importante frisar que desde os primórdios da formação Do Patrimônio Arquivístico Ferroviário o modo como este foi gerido, seja enquanto empresa privada seja após sua encampação pelo Estado em 1957, atuou em função de sua utilidade para fins administrativos, legais e fiscais, em detrimento de sua importância histórico-cultural. O modo como os arquivos das primeiras ferrovias foi tratado pela empresa estatal refletem, em última análise, o conflito entre duas visões sobre do tema. As transformações gradativas quanto à gestão dos documentais originários da própria RFFSA, assim como os acumulados das antigas ferroviais, antes de serem medidas sem pretensão refletem as relações de poder próprias a produção e circulação dos significados simbólicos ligados a estes arquivos e os aspectos que os vinculam à memória e à formação do patrimônio histórico e cultural. Na década de 1990 a RFFSA sofre os efeitos das mudanças advindas das transformações na conjuntura política pelas quais o país passava, assim como, das transformações nas filosofias gerenciais da Administração Pública. Após um longo processo de enfraquecimento políticoinstitucional a empresa tem parte de suas atribuições compartilhadas por outras estatais (SETTI, 2008). Neste contexto houve o fechamento das cessões relacionadas a informação e documentação nas unidades regionais e a dispensa dos técnicos responsáveis por sua

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Entende-se como contexto orgânico de acumulação às inter-relações existentes entre as funções, atividades e tarefas desenvolvidas por uma entidade, que formam um todo orgânico refletido nas inter-relações de seus documentos que, no conjunto – o arquivo – reflete a missão do seu produtor, determinando seu significado. A perda de organicidade, por acumulação não metódica ou desordem dos documentos, resultaria na perda da sua plena inteligibilidade (RODRIGUES, 2004, p. 47).

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manutenção (BUZELIN, 2009). Isso fez com que estes acervos fossem administrados por outros setores e com isso a uniformidade dos modos de gestão acabasse se perdendo. Dentro do Governo de Fernando Collor (1990-1992), a RFFSA é introduzida no Programa Nacional de Desestatização (PND). A empresa é desmembrada em regiões em 1996 e estas foram disponibilizadas para cessão à iniciativa privada no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Cinco grandes companhias adquirem a concessão destas subdivisões7 (SETTI, 2008). A RFFSA veio a ser extinta em 2007, já no Governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Com isso, parte da documentação relativa a funcionários em exercício foram cedidas para as concessionárias (BUZELIN, 2009). Os demais funcionários da RFFSA, assim como bens e recursos que não foram incorporados às empresas concessionárias passaram a ser de responsabilidade da União (BRASIL, 2007a). Para este fim criou-se a Inventariança da Extinta RFFSA (BRASIL, 2007b); dentre suas atribuições estava o tratamento dos acervos arquivísticos e bibliográficos à serem transferidos para os órgãos sucessores responsáveis. A forma como se deu o processo de liquidação, extinção e concessão da malha ferroviária vai influenciar diretamente no modo como o patrimônio arquivístico seria gerido a partir de então. A preocupação com os aspectos econômicos, jurídicos e administrativos e a relativização de sua importância histórico-cultural estão patentes nas legislações relativas ao tema8. As Políticas Culturais previstas para os agentes públicos que seriam detentores deste Patrimônio se resumiria a receber, administrar e zelar pela sua guarda e manutenção (BRASIL, 2007b) e mesmo assim, tais premissas seriam de responsabilidade de apenas um dos sucessores.

A legislação acerca do Patrimônio Arquivístico Ferroviário O debate a respeito da responsabilidade do Estado sobre a produção cultural assim como a formulação de princípios que norteiem a elaboração de política públicas de cultura tem ganhado força nos últimos anos (CALABRE, 2009). A cultura e o patrimônio deixam de ser entendidos como aspectos secundários da ação dos governos e passam a assumir um papel estratégico principalmente no que tange a inclusão social e a diminuição das desigualdades (CALABRE, 2009). Para uma compreensão adequada das políticas culturais desenvolvidas 7

A Companhia Ferroviária do Nordeste adquire a concessão das linhas no Nordeste, a Ferrovia Centro Atlântica e a Vale do Rio Doce conseguem a concessão de linhas em Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Tocantins; A MRS adquire as linhas localizadas no Rio de Janeiro, Sul de Minas e Leste de São Paulo, a Ferrovia Bandeirantes no interior paulista, a América Latina Logística na região Sul e a Novoeste no Mato Grosso do Sul (SETTI, 2008). 8 Medida Provisória nº 353 , de 22 de janeiro de 2007 e Decreto nº 6.018 também de 22 de janeiro de 2007.

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pelo Estado – especialmente aquelas voltadas para a defesa do Patrimônio Arquivístico Ferroviário no período após 2007 – faremos um mapeamento das ações dos governos previstas para o setor nas legislações9 no sentido de garantir a manutenção, a divulgação e a utilização deste Patrimônio. Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso as legislações relacionadas a extinta RFFSA foram quase que exclusivamente voltadas para a criação das diretrizes que norteariam a condução do processo de liquidação da empresa. Elas não apresentam determinações acerca dos documentos10. Já durante o Governo de Luís Inácio Lula da Silva a temática volta a agenda política. Entre 2003 e 2007, cinco decretos11 e uma medida provisória12 buscaram terminar com o processo de liquidação da firma e decidir os sucessores dos bens econômicos assim como do patrimônio histórico, cultural, arquivístico e bibliográfico da extinta RFFSA e consequentemente de suas antecessoras. A Medida Provisória nº 353, de 22 de janeiro de 2007, pôs fim ao processo de liquidação e iniciou uma nova fase no tratamento dos acervos. Além de determinar as atribuições da recémcriada Inventariança quanto aos documentos e demais bens de interesse histórico cultural, define as instituições sucessoras destes. Diz a norma, em seu Artigo 9º Parágrafo Único, que caberá ao IPHAN “receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, caso o bem seja classificado como operacional, e ainda que o mesmo deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário (BRASIL, 2007a). Quanto ao enorme patrimônio econômico da extinta gigante das ferrovias brasileiras, os bens móveis e imóveis operacionais seriam destinados ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Quanto a gestão dos recursos humanos ativos ou inativos, estes seria dividido entre o MPOG e a VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A13. Os assuntos relativos a pessoal jubilado com direito a complementação de aposentadoria seria destinado ao MPOG, especificamente ao Departamento de Órgãos Extintos (DEPEX), assim como seus processos trabalhistas, passariam a pertencer a Advocacia Geral da União (AGU).

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Medida Provisória nº 353, 22 de janeiro 2007, Decreto nº 6.018, 22 de janeiro de 2007, Decreto nº 11483 de 31 de maio de 2007, Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011. 10 O Decreto nº 3277 de 07 de janeiro de 1999, assim como o Decreto nº 4109 de 30 de janeiro de 2002, 11 Decreto nº 4839, 12 de setembro de 2003; Decreto nº 5103,11 de junho de 2004; o Decreto nº 6018 de 22 de janeiro de 2007; Decreto nº 11483 de 31 de maio de 2007; Decreto nº 7430 de 17 de janeiro de 2011 12 Medida Provisória nº 353 de 22 de janeiro de 2007 13 Empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes cuja função e construir estruturas para a circulação de ferrovias.

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A forma como a legislação definiu a destinação dos acervos documentais que compunham o patrimônio ferroviário brasileiro, existentes na RFFSA, deram as linhas gerais do modo como eles seriam administrados. A distribuição dos arquivos tendo como base aspectos jurídicos, administrativos e econômicos, fracionou o fundo documental por diversos órgãos, fazendo que se repetisse, mais uma vez, a trajetória de perda da identidade dos acervos assim como sua individualidade e a possibilidade de compreensão de seu contexto orgânico de acumulação. Considerando a vaga especificação do legislador enquanto o que venha a ser “bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural” (BRASIL, 2007a) em contraponto à especificação minuciosa no que tange a aspectos jurídicos, de pessoal e os relativos às propriedades da extinta RFFSA (BRASIL, 2007), fez com que o modelo de gestão deste patrimônio sob a custódia desta ignorasse os acervos oriundos das empresas que a antecederam e ainda secundarizava a importância histórica, cultural e como patrimônio destas. Os ditames propostos a estes outros sucessores levam em conta, apenas, sua utilidade para fins jurídicos, econômicos e administrativos. Logo, compromete a sua utilidade jurídica, enquanto instrumento de gestão e mesmo enquanto registro das atividades financeiras. Se já não fosse o suficiente, destina ao IPHAN a completude dos bens de valor histórico e cultural, e não especifica os modos como este deva divulga-los nem prevê nenhuma Política Cultural voltada para a preservação, disseminação, preservação da memória documental das ferrovias no Brasil nos acervos distribuídos pelos outros órgãos sucessores. De modo a regulamentar as normas descritas na Medida Provisória anteriormente citada, no mesmo dia de sua assinatura, é editado o Decreto nº 6 018/2007. Além de dividir a administração fundiária dos terrenos da antiga RFFSA entre o DNIT e a Secretaria do Patrimônio da União – SPU (órgão do MPOG) – ainda arrola o Arquivo Nacional (AN) como destinatário de parte do acervo e como responsável por assessorar a Inventariança no processo de gestão destes à serem transferidos (BRASIL, 2007b). Tal norma, em linhas, gerais não altera o panorama geral do processo de particionamento dos arquivos descritos pela Medida Provisória – com a inserção de órgãos como SPU e AN tal processo se expande – porém o Decreto determina que o processamento técnico dos acervos se deem sob as “normas específicas” (BRASIL, 2007b). A partilha dos arquivos, como o previsto pela legislação, além de priorizar categorias como as relativas à administração financeira, patrimonial e de recursos humanos do órgão extinto, deixa sem sucessor outros conjuntos documentais como a administração geral da

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empresa e àquela criada no desempenho de suas funções finalísticas. Essa falta de definição leva a uma interpretação discricionária de cada entidade pública quanto ao conjunto documental a ser assumido, aprofundando os embates entre eles e dificultando a coordenação no sentido de uma valorização do Patrimônio Arquivístico Ferroviário como um todo e na concepção de Políticas Culturais comuns. A definição de cinco órgãos sucessores para um acervo que mede aproximadamente quinhentos e sessenta e quatro mil trezentos e trinta e um metros lineares de documentos distribuído em onze Estados, mais o Distrito Federal, (medida superior a distância entre a cidade do Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES) cria uma situação complexa quanto a busca por uma definição de Política Cultural comum a todos eles no sentido de buscar conservar, divulgar e dar acesso a este Patrimônio Arquivístico.

O Patrimônio Arquivístico Ferroviário e a lógica estatização-privatização Apesar das linhas férreas não terem sido necessariamente privatizadas no sentido estrito da palavra, foram entregues – por meio de concessão – à iniciativa privada para exploração econômica. Considerando o interesse predominantemente econômico destas, os aspectos relacionados a preservação da memória e do Patrimônio Ferroviário, assim como a definição de Políticas Culturais em torno destes, ficaram quase que exclusivamente sob a jurisdição do Estado. As iniciativas públicas e privadas no sentido de fusão dos fundos das antigas ferroviais e o fracionamento do acervo da extinta RFFSA demonstram, sob uma ótica ampliada, a própria lógica de construção e desmonte do setor ferroviário. Enquanto na primeira metade do século XX as ferrovias passavam da lógica da iniciativa privada para o setor público, nas últimas décadas do mesmo século há o movimento de desmonte do setor enquanto empresa estatal e sua reconstrução enquanto iniciativa privada (BUZELIN, 2009). Nem na primeira fase, nem na segunda, a compreensão do Patrimônio Arquivístico Ferroviário recebeu um tratamento que possibilitasse sua manutenção assim como divulgação e disseminação. Nesse sentido de se prospectar as Políticas Culturais relacionadas a este Patrimônio é importante frisar que apesar da incúria e dos entraves jurídicos e administrativos gerados pelas sucessivas normas acerca deste, existem iniciativas em órgãos públicos que têm atuado no sentido do manter esta memória. O IPHAN – órgão responsável segundo a legislação pela administração, guarda e manutenção dos acervos dos bens de valor artístico, histórico e cultural da extinta empresa

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ferroviária – tem desenvolvido diversas atividades em torno deles, porém, com uma clara priorização do patrimônio construído em detrimento dos conjuntos documentais. Um ano após o decreto de extinção da empresa ferroviária, o Instituto cria a Coordenação Técnica do Patrimônio Ferroviário que intermediaria as relações com a Inventariança – RFFSA (CAVALCANTI, et al, 2012) 14. Buscando dar maior objetividade aos termos citados na legislação ao referir-se a bens de valor artístico, histórico e cultural é publicado uma portaria15 que determina as características dos bens passíveis de serem considerados como de valor histórico-cultural e no ano seguinte emite outra norma interna16 onde estes bens são listados de modo explícito. Neste arrolamento dos bens que formariam o Patrimônio Cultural Ferroviário são listados bens móveis e imóveis e pouquíssimas menções são feitas ao Patrimônio Arquivístico. O desenvolvimento de Políticas Culturais voltadas para estes acervos, por sua vez, recai em problemas típicos de uma instituição pública, como a falta de infraestrutura e condições para o armazenamento destes documentos, a escassez de recursos humanos assim como os problemas próprios do desmembramento dos fundos (PROCHNOW, 2014). Quanto aos demais órgãos sucessores dos acervos pertencentes a extinta RFFSA as Políticas Culturais no sentido de promover a preservação e divulgação do patrimônio histórico assim como incentivar seu estudo e pesquisa, são mínimas, isoladas e desconexas. A Inventariança da antiga empresa ainda está em atuação e procura dar tratamento aos acervos de modo a enviá-los a seus sucessores, logo entendendo que cabe a estes desenvolver tais políticas. A SPU, por sua vez, buscou desenvolver iniciativas junto ao IPHAN no sentido de tornar imóveis incorporados da antiga ferrovia em centros culturais e museus17, porém as iniciativas não foram levadas à frente. Quanto ao DEPEX, subdivisão do MPOG para gestão de exfuncionários aposentados da extinta Rede, não há menção de políticas culturais, assim como o AN que até o momento atua apenas assessorando a Inventariança quanto a procedimentos técnicos (ARQUIVO NACIONAL, 2015). Assim sendo, o processo de construção de uma Política Cultural relacionada ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário, diante da ausência de uma definição geral para as Políticas

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Portaria IPHAN nº 208 de 2008. Portaria IPHAN nº 407 de 21 de dezembro de 2010. 16 Portaria IPHAN nº 441 de 13 de dezembro de 2011; 17 Conforme pode ser observado pela notícia veiculada no site do próprio órgão: https://gestao.patrimoniodetodos.gov.br/pastanoticia.2009-07-02.8239097967/spu-ms-promove-o-resgate-damemoria-ferroviaria-em-ms-atraves-dos-imovies-da--rffsa 15

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Culturais neste caso, ainda está em construção. As medidas adotadas, ainda que de forma errática, mostram o interesse político no sentido de superar as limitações pertinentes às legislações acerca do tratamento a ser dado ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário, porém ainda são pautadas pelo interesse administrativo, legal e econômico e uma secundarização de sua importância histórico-cultural como suporte da memória local, regional e mesmo nacional.

A dupla relevância do Patrimônio Arquivístico Ferroviário Assim sendo, a responsabilidade do Estado quanto a condução das Políticas Culturais no que se refere ao Patrimônio Arquivístico Ferroviário possui uma abrangência ampliada. Ao mesmo tempo que deve-se buscar a preservação, divulgação, disseminação da memória das ferrovias enquanto patrimônio de valor histórico e cultural, existe a necessidade de se ter em vista a gestão documental, como instrumento de apoio à administração e como elementos de prova e informação para quantos precisarem deles. Os órgãos estatais sucessores deste Patrimônio Arquivístico, apesar dos tímidos avanços já empreendidos, precisam coordenar suas atividades no sentido de elaborar Políticas Culturais que visem preservar, promover e difundir este Patrimônio de modo a torna-lo acessível, não apenas para os demais institutos governamentais, mas para toda a população afim de torna-lo útil aos cidadãos que dele necessitarem e a manutenção das representações e simbolismos próprios dos grupos sociais que têm nas estradas de ferro um aspecto importante de sua cultura. Conforme Storino (2013), ao se referir a memória e cultura ferroviária, postula que para além da dimensão poética, ou romântica, geralmente relacionada do mundo ferroviário, a sua história e memória estão marcadas por dramas sociais.

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