Políticas de Austeridade em Portugal

September 26, 2017 | Autor: J. Martins Juvêncio | Categoria: Austerity Measures
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CICLO DE CONFERÊNCIAS PROFESSORA Dra. SILVIA FERREIRA RELATÓRIO DA COFERÊNCIA DE FERNANDO FONTES: Deficiência, cidadania e ação coletiva em Portugal: do preconceito à emancipação social

JOSÉ SÉRGIO MARTINS MARTINS JUVÊNCIO Coimbra, 2014.

2 QUESTÕES DE MOTODOLOGIA Um dos primeiros assuntos relatados pelo palestrante foi sobre crimes de ódio. Ele dissertou a respeito desse tipo de evento contra pessoas que portam algum tipo de deficiência. O autor da exposição afirmou que esse é uma temática tratada com certa maturidade pelos EUA, e passou a integrar também o debate na Europa, sendo o Reino Unido pioneiro. Por serem pioneiros, EUA e RU servem como uma espécie de modelos reivindicativos para outros países. Segundo o autor Portugal ainda não possui maturidade nesse tema. Irei aqui aproveitar do assunto para discutir uma questão metodológica. O autor do tema trouxe interessantes apontamentos a respeito da pesquisa em si. Uma afirmação sobre a produção de dados estatísticos foi realizada. Segundo o autor não se reúne dados oficiais dessa natureza em Portugal para crimes de ódio. Esse fato atrapalha a pesquisa. É muito interessante quando os dados para uma pesquisa que pensamos em realizar estão coletados e prontos, de certa forma, cabendo a nós analisá-los. Porém em alguns casos esses dados não estão disponíveis, e temos então que “produzi-los”, coleta-los primariamente. Para resolver esse impasse o autor buscou dados em jornais que trataram sobre o tema de interesse. Penso que outra saída seria a de consultar os microdados das maiores delegacias onde os crimes são registados e observar os perfis que mais parecem ser crimes de ódio. Poderia se fazer uma amostragem do perfil das vítimas e agressores desse tipo de atitude. Assim se teria uma ideia com um nível de confiança estatística de quem são as pessoas envolvidas. O problema dessa solução é que em um primeiro momento o trabalho seria extenso. Outra questão metodológica foi em relação ao tipo de entrevistas realizadas, se utilizando do método “biográfico narrativo”. Esse tipo de enfoque tem como princípio filosófico escutar o outro, ou seja, dar voz para aquele o qual se estuda sobre. O autor colocou que as entrevistas que faz dessa maneira são baseadas em uma única questão, o que faz com que o entrevistado fale de forma livre a partir dessa pergunta geradora. O que as construções metodológicas dessa natureza fazem geralmente1 é fazer com que as pessoas estudadas também façam parte da construção do que irá ser o objectivo final do estudo. Elas realizam as análises junto com o pesquisador. O autor falou em um modelo de pesquisa chamado de “investigação emancipatória”. Nesse sistema as pessoas não seriam apenas objetos de investigação, mas também ajudariam na produção da pesquisa. Penso que alguns problemas são colocados nessas situações. Mesmo que essas pessoas façam parte da construção da pesquisa a maioria delas não trabalham com o método académico (a 1

Quero destacar aqui o geralmente. Geralmente é isso que acontece, mas não necessariamente. É possível fazer esse tipo de pesquisa e dar uma importância menor para o que a pessoa está falando. Não é necessariamente a pesquisaação.

3 não ser que sejam especificamente académicos). O máximo que penso que esse método pode alcançar é fazer as pessoas mostrarem seus saberes, e isso ser traduzido para o modelo de conhecimento académico. Essas pessoas possuem seus saberes que são complexos e práticos, ou mesmo abstratos e simples. O que acontece é que o saber sociológico é diferente. Outra questão teórico-metodológica diz respeito a relação entre ciência e teoria. O autor deu um interessante relato sobre os teóricos sociais que estudam as pessoas com deficiência. Ele afirmou que os grandes teóricos da área são também líderes políticos, sendo pessoas com deficiência. Essa é uma união comum nas Ciências Sociais, entre militância política e produção científica. Perguntei então como as pessoas que fazem parte do grupo de estudos de interesse do autor o percebem como pesquisador, sendo ele alguém que fala de um grupo o qual não pertence. O palestrante respondeu dizendo que não tem maiores problemas em ser aceito por essas pessoas. Ele afirmou não ter problemas também consigo enquanto pesquisador que não pertence ao grupo dos pesquisados. PERSPECTIVAS DE ENTENDIMENTO DA QUESTÃO O autor explicou duas maneiras de observar a deficiência. 1) Uma é a da deficiência como diagnóstico médico, um laudo baseado em uma conceção mais biológica. 2) E outra baseada em uma perspetiva de construção cultural e política, um modelo social da deficiência2. 1) Perspetiva médica ou individualista da deficiência é centrada em uma ideia de normalidade, da norma. O que se faz é classificar alguém baseado em um padrão, se a classificação do corpo não corresponde a esse padrão, logo a pessoa é considerada com alguma anomalia, deficiente. Essa normalidade é definida a partir de padrões de normalidade estatística, mas também moral. Não são apenas os números que relatam a ideia de normalidade, o diagnóstico também cumpre papel ético. O significado que a sociedade dá a determinada característica coloca um aspeto do corpo como sendo normal ou anormal. O autor afirmou que o discurso médico fala sempre em reabilitar o deficiente ao ambiente em que vive. Isso é geralmente desejável pela própria pessoa com deficiência, mas não deve ser o centro, de acordo com o autor. O interessante seria que todos pudessem ser integrados socialmente, e não apenas ao ambiente. Mesmo porque essas pessoas estão sendo reabilitadas a um ambiente que não está pronto e nem pensado para recebê-la. O autor afirma que esse tipo de perspetiva, médica e individualista da deficiência, tem relação com a política pública utilizada para atender essas pessoas. Segundo o expositor a 2

De acordo com o expositor a ideia da divisão em grupos culturais e políticos se divide em duas tendências, como uma foi privilegiada durante a apresentação é a ela que vou me dirigir.

4 característica está ligada ao paternalismo. As pessoas com deficiência são colocadas como vítimas, o que acaba por vitimá-las. O poder do diagnóstico faz das pessoas doentes. Um interessante relato foi colocado pelo expositor, onde um senhor de meia-idade foi internado por mais de 60 dias em um hospital psiquiátrico. Ele afirmava que não era louco, e teve então de passar por vários psiquiatras que comprovassem a sua não-loucura. O caso da loucura serve para elucidar o poder de um diagnóstico de normalidade. Isso se aplica aos outros tipos de deficiência. As pessoas podem ser tornadas incapazes. Quem é incapaz não pode gerir a própria vida, então as políticas públicas têm como ferramenta a gerência da vida das pessoas com deficiência por terceiros. O Estado daria condições através de serviços para que as necessidades das pessoas com deficiência fossem atendidas. A forma como as pessoas são tratadas reflete como elas se percebem (Elias, 2000). Com esse tipo de atitude a deficiência deixa de ser uma limitação física e se transforma também em uma espécie de opressão social. 2) Um outro modelo de perceber a deficiência seria mais interessante, segundo o autor. Nele a deficiência seria cultural e política, fazendo parte de um processo de construção social. As pessoas possuem deficiência porque o ambiente em que vivem torna suas limitações maiores, ou mesmo as tornam limitações. Um candeirante por exemplo, ao tentar sair de casa enfrentará muitos obstáculos, pois o espaço público foi pensado para pessoas que não são cadeirantes. O espaço público produziria então um tipo de deficiência, ou mesmo aumentaria uma limitação. A deficiência, sua produção e representação seriam então formas de repressão social. As pessoas que têm algum tipo de limitação física (comparado as maioria das outras pessoas), são colocadas a margem da sociedade e impedidas de integração social, excluídas. O autor trouxe dois autores para trabalhar com a perspetiva de que a deficiência é em parte provocada pela sociedade. O palestrante citou Parson, quando diz que o doente seria também resultado da prática médica. Ou seja, voltamos mais uma vez para o poder do diagnóstico. Penso que o médico enquanto figura social tenha a seu lado o poder científico, pois pode elabora um resultado aceito, mas também tem o poder do prestígio social. Quando um médico fala tem consigo o poder da ciência e da palavra, será escutado com atenção. Ser médico é um símbolo de prestígio3. Esse símbolo de prestígio ajuda na produção de estigmas4. 3

Símbolos de prestígios dão a quem o possui statos sociais positivos. De acordo com Goffman essas pessoas são respeitadas dentro de um ambiente relacional. Em lugares onde esses símbolos são construídos positivimante essas pessoas serão bem vistas, possuindo inclusive expectativas positivas e um palco onde sua actuação é favorecida.

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Para Goffman “um estigma, é então, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (Goffman, p. 7). Como categoria sociológica, o estigma é usado pelo autor para um atributo profundamente depreciativo. Ele afasta o indivíduo de si mesmo e de um grupo de pessoas que se julgam normais, que não possuem determinada

5 A categoria “estigma”, trabalhada por Goffman, é efetiva para explicar algumas relações sobre a imagem de pessoas com deficiência. Segundo Goffman (1988) indivíduos normais que não conhecem bem uma pessoa com certo “estigma”, e que também não conhecem o “estigma” propriamente, têm tendências de atribuir outros defeitos gerados a partir do defeito original. Pensemos o caso de pessoas com deficiência, alguém que não possui uma perna, por exemplo. Normalmente quando observamos de perto alguém que possui certo tipo de deficiência nos impressionamos com as habilidades que essas pessoas têm. Pensamos que ela é um exemplo de superação e que realiza atividades além do que seriam suas capacidades. Programas de TV mostram essas pessoas como grandes exemplos ressaltando suas independências, que elas são capazes de realizar grandes feitos. Na maior parte dos casos o que se mostra são atividades rotineiras, que as pessoas com deficiência realizam com habilidades que desenvolveram. Como tende-se a atribuir outra deficiência baseadas naquelas que as pessoas já possuem pensamos que essas actividades, comuns para essas pessoas, são grandes feitos. O modelo social faz a afirmação de que o problema não seria das pessoas com deficiência, mas da sociedade que coloca barreiras para essas pessoas viverem em espaços públicos 5. As pessoas com alguma deficiência são percebidas com algumas dependências especiais, porém todas as pessoas são dependentes de algo, em maior ou menor grau. A própria sociedade cria necessidades que nos torna dependentes (luz elétrica, comércio, transportes de longa distância etc.). Então o que a sociedade são cria fronteiras maiores para as pessoas com deficiência, físicas e simbólicas. Alguns autores radicalizam a perceção social, com ideia de que a deficiência é relacional, que as pessoas com deficiência apenas o são porque estão em um ambiente que as desfavorece. Pode-se observar essa ideia na frase: “a deficiência nada tem a ver com o corpo e tudo a ver com a sociedade” (Oliver, 1996). PARTICIPAÇÃO POLÍTICA O autor fez uma breve observação histórica, percebendo como as sociedades se comportam em relação as pessoas com deficiência. As sociedades lhe dão com essas pessoas de diferentes formas. É comum observar relatos de sociedades antigas, como Roma e algumas partes da Grécia clássica, onde essas pessoas eram sacrificadas, abandonadas, ou assassinadas por serem consideradas incapazes de se desenvolverem. Coloco aqui o exemplo atual de algumas sociedades atribuição. Vale ressaltar que o estigma é mais uma “linguagem de relações” do que “atributos”. É uma relação contextualizada, isto é, algo pode ser estigmatizado entre determinados grupos e ser aceito como normal em outros. 5

Penso que em alguma medida também no espaço privado. É possível formular uma arquitectura compatível com limitações físicas, mas o padrão arquitectónico não leva em consideração essas limitações.

6 ameríndias que ainda isolam crianças com alguma deficiência e as deixam morrer sozinhas. As sociedades modernas atuais possuem um sentido ético diferente. A ideia é de que as pessoas não devam mais ser descriminadas nem sofrerem punições a priori. Se levarmos em consideração a ética ocidental atual perceberemos como um ato de grande violência o que se fazia nas sociedades antigas e o que se faz em algumas sociedades atuais. O desenvolvimento da democracia e a possibilidade de mobilização, livre associação e participação política deu a essas pessoas condições para participar ativamente das políticas nos Estados Modernos. Desde então reivindicações passaram a ser percebidas, e em alguns casos, mesmo atendidas. De acordo com o autor houve proliferação de conflitos sociais em Portugal, pós-1960. Isso expandiu a noção de cidadania na formação de novos movimentos sociais, possibilitando novas formas de participação, onde as pessoas se incluem na vida social. Após 1970, no caso de Portugal, viu-se uma legislação e políticas implementadas na área das pessoas com deficiência. Afirmo que caracteriza esse tipo de movimentação é a possibilidade de manifestação dentro de um ambiente democrático e a condição de livre associação legal baseada em uma identidade minimamente coletiva. Segundo o autor as reivindicações desses tipos de movimentos exigem também a mudança na forma como os outros percebem as pessoas com deficiência. A ideia de incapacidade é abandonada, pois ela estaria ligada a um paradigma médico antigo. Ao invés de incapaz essas pessoas deveriam ser percebidas como tendo desvantagens em termos de restrições de atividades. E essas desvantagens são agravadas dentro do contexto da construção de um ambiente que impõem barreiras para essas pessoas. De acordo com o apresentador da conferência parte da luta das pessoas com deficiência é por exigência de maior autonomia na gerência de suas vidas. As pessoas querem ter esse controle. Nos países que o autor citou (Portugal, EUA, RU) as pessoas com alguma deficiência recebem algum tipo de dinheiro do Estado. Controlar esse dinheiro faz parte da autonomia pessoal e material, mesmo quando o dinheiro seja pouco. O que acontece por muitas vezes é que técnicos públicos cuidam desses recursos. Isso tira autonomia das pessoas que o recebem. O autor expôs que o dinheiro, no caso de Portugal, conquistado por essas pessoas é pouco, e afirmou isso comparando com o salário mínimo português, que já não é alto segundo o expositor. Porém mesmo dessa forma a gerência desse dinheiro seria uma importante ferramenta de autonomia. Uma citação que também aqui merece destaque é a que diz respeito aos discursos dos anos de 1980 e 1990. O autor expôs que os movimentos ligados a causas de pessoas com deficiência diziam que não queriam esmola, mas sim trabalho. A valorização do trabalho é uma característica

7 das sociedades modernas, esses grupos também as incorporam. Nos anos 1990 esses movimentos incorporaram a ideia de direitos humanos, segundo o expositor. O autor apresentou particularmente alguns aspetos dos movimentos em Portugal de pessoas com deficiência. Gostaria aqui de destacar a exposição do Movimento dos Ex-combatentes. Sociologicamente há um fato (social) que chama atenção nesse grupo. As reivindicações por eles realizadas têm por apelo o discurso do uso do corpo. São pessoas que provavelmente adquiriram alguma limitação por consequência da guerra, e por isso fazem suas exigências. Uma espécie de compensação. Isso ganha legitimidade, pois o contexto para ela já está dado. O discurso patriótico é geralmente valorizado, e os combatentes sacrificam o corpo em nome da pátria. Baseado nisso seria “minimamente justo e legítimo” que essas pessoas recebessem agora apoio por suas participações na guerra “em nome de todos”. Penso que essa situação traga aspetos interessantes para o debate das pessoas com deficiência. Por um lado chama atenção para mostrar e expor problemas de pessoas que possuem alguma deficiência em geral. Traz notabilidade para a discussão. Mas pode trazer uma armadilha: a da falta de valorização das pessoas que não foram para a guerra, mas que ainda assim possuem alguma deficiência. Algumas outras características foram ressaltadas no que diz respeito aos movimentos de pessoas com deficiência em Portugal, são eles: ausência de identidade coletiva, inexistência de unidade, teórica e politicamente ancorado no modelo médico de deficiência e na sua ênfase na reabilitação, centralidade do corpo e da incapacidade, investimento em “reivindicações de primeira necessidade”, como por exemplo o acesso a reabilitação. Para terminar destacarei o apontamento feito pelo autor sobre a situação de pobreza. Ele afirma que pessoas com deficiência são colocadas em situações de pobreza dada a forma como são tratadas social e politicamente, e se refere ao caso de Portugal em específico. As barreiras físicas e psicológicas levam as pessoas com deficiência para situações de exclusão social, económica e política.

8 BIBLIOGRAFIA Oliver, M. (1996).Understanding Disability: From Theory to Practice. London: Macmillan. FONTES, Fernando. The Portuguese Disabled People’s Movement: development, demands and outcomes

.

Disability

&

Society,

2014

Vol.

29,

No.

9,

1398–1411,

http://dx.doi.org/10.1080/09687599.2014.934442 FONTES, Fernando. Pessoas com deficiência e políticas sociais em Portugal: Da caridade à cidadania social. Revista Crítica de Ciências Sociais. Nº 86, 2009. GOFFMAN, Evring. Estigma. Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada . 4a ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988. ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L.: Os estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade, Rio de Janeiro, Zahar 2000.

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