POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO NO BRASIL: reflexões entre a Era Vargas e o Neoliberalismo

May 27, 2017 | Autor: R. Periódico dos ... | Categoria: Políticas Públicas, Administração, Trabalho, Emprego, Neoliberalismo
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO NO BRASIL: reflexões entre a Era Vargas e o Neoliberalismo Leonardo de Araujo e Mota1 Maynne Santos de Oliveira2 Resumo No Brasil, a partir dos anos 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a elaboração da legislação trabalhista, o mercado de trabalho brasileiro regulamentou-se através das leis de proteção ao trabalhador. Ao iniciar a estruturação do mercado de trabalho brasileiro, o Estado tinha como objetivo a inserção do trabalhador na organização das políticas de emprego. A partir dos anos 1990, evidenciou-se a redução da intervenção do Estado nas relações capital-trabalho, explicação possível para a limitação de políticas públicas de geração de emprego e renda. Este artigo tem como objetivo efetuar uma análise sociológica e histórica das políticas de emprego no Brasil desde o início de sua implantação até a atualidade, considerando as relações capital-trabalho na perspectiva da intervenção do Estado, das mudanças tecnológicas, dos cenários macroeconômicos e da organização da produção no mundo do trabalho contemporâneo. A pesquisa bibliográfica foi o método de pesquisa utilizado, tendo como referências livros, artigos e publicações em meio digital. Concluiu-se que, embora políticas de emprego tenham como finalidade criar condições favoráveis de acesso ao mercado de trabalho para os trabalhadores, o Estado nas sociedades capitalistas neoliberais, dependente de conjunturas macroeconômicas cada vez mais competitivas para a criação de novos postos de trabalho, tende a criar empregos cada vez mais precários, flexíveis e de baixa remuneração. Palavras-chave: Trabalho. Políticas Públicas. Emprego. Neoliberalismo.

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INTRODUÇÃO As mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho rompem com a ideia

estabelecida depois do período do Pós-Guerra, intitulado também de “Anos Dourados” da

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Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor Titular do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 2 Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba (MDR/UEPB).

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produção capitalista3, no âmbito da qual a meta política estabelecida pelo Estado era a combinação entre o pleno emprego e o crescimento econômico. No Brasil, é importante sinalizar que a legislação pública na área do trabalho teve alguns recortes históricos importantes, foi o caso da criação do Ministério do Trabalho em 1930; da Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943; do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em 1966, do Sistema Nacional de Emprego em 1976 e do Seguro Desemprego em 1986. A partir dos anos 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, juntamente com a elaboração da legislação trabalhista, o mercado de trabalho brasileiro regulamentou-se através das leis de proteção ao trabalhador, reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na ocasião, ao iniciar a estruturação do mercado de trabalho brasileiro, o Estado caminhava para a inserção do trabalhador na organização das políticas de emprego. Todavia, desde as últimas décadas do século XX, com o crescente aumento do desemprego, o governo preocupou-se em encontrar soluções para seu enfrentamento. Nesse período, evidenciou-se a primeira iniciativa destinada à estruturação do Sistema Público de Emprego (SPE), a partir de um conjunto de políticas de emprego sustentado pelos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que atua sobre a oferta e qualificação de mão de obra. De acordo com Serra (2010) o FAT é um fundo especial, de natureza contábil e financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, ao Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, esses últimos a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É gerido pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), órgão colegiado, de caráter tripartite e paritário, composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo. A principal fonte de recursos do FAT é composta pelas contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). As principais ações de emprego financiadas com recursos do FAT estão estruturadas em torno de dois programas: o Programa do Seguro-Desemprego (com as ações de pagamento do benefício do seguro-desemprego, de qualificação e requalificação profissional e de orientação e intermediação de mão de obra) e os Programas de Geração de Emprego e Renda (com a execução de programas de estímulo à geração de empregos e fortalecimento de micro e pequenos empreendimentos, que atualmente estão estruturados por meio de um Sistema Público de Emprego. 3

Os “Anos dourados” correspondem ao período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a metade de 1970, nos países industrializados, onde se desenvolveu o modelo fordista de organização social e da produção (HOBSBAWM, 1995).

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As políticas de emprego agem no melhoramento da profissionalização e da qualificação do trabalhador, e na sua recolocação no mercado de trabalho. Tais políticas oferecem oportunidades para que o indivíduo seja “empreendedor” do seu próprio negócio e/ou se mantenha no emprego por meio dos incentivos e dos investimentos realizados pelo Estado. O presente artigo busca efetuar uma análise sociológica das políticas de emprego no Brasil, desde o início de sua implantação até a atualidade. Em sua efetivação, consideram-se as relações capital-trabalho sob a perspectiva da intervenção do Estado, das mudanças tecnológicas, dos recentes cenários macroeconômicos, da organização da produção e do seu impacto no mundo do trabalho contemporâneo.

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ESTADO E DESENVOLVIMENTO DO MERCADO DE TRABALHO NO

BRASIL A virada do século XIX para o XX foi extremamente importante para a formação do movimento operário no Brasil, porque fez emergir o debate sobre as questões sociais, anteriormente ignoradas e reprimidas pela política liberal. De acordo com Carmo (2004), a pluralidade de pensamento e a liberdade de expressão favoreceram a manifestação de diferentes correntes de pensamento – anarquismo, comunismo, cooperativismo, socialismo, etc. A vontade popular era de participar das decisões políticas, fazendo-se representar politicamente, mediante o amparo do Estado. É importante ressaltar que até o ano de 1930 o Brasil viveu o período da República Velha (1989–1930)4, no qual o Estado era privatizado pela oligarquia cafeeira. O Estado no Brasil, ao longo dos anos, tem-se caracterizado por uma forte intervenção nas relações capital-trabalho. Dessa forma, Carmo (2004) afirma que a partir da década de 1920 o operariado cresceu, lutou, organizou-se e conquistou alguns direitos inerentes à economia capitalista. Entre essas conquistas pode-se ressaltar a fundação de partidos políticos, a exemplo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1922. As mudanças que ocorreram, a partir da Revolução de 1930, inauguraram um novo período na história do País. De acordo com Dedecca (2005), a partir desse período o Brasil começou a integrar-se nas atividades econômicas e a partir da intervenção do Estado na economia. Isso porque, até então, a unidade política não apresentava qualquer articulação interna na organização de seu sistema econômico. 4

A República Velha foi o período compreendido entre os anos de 1889 e 1930, quando as elites cafeeiras paulistana e mineira se revezavam no cargo da presidência da República, movidas por seus interesses políticos e econômicos.

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A intervenção do Estado na atividade econômica deu início à ação hegemônica da burguesia industrial, que passou a dominar o aparelho estatal. E o seu desenvolvimento, juntamente com a estruturação do mercado de trabalho, via trabalho assalariado, passou a ser visto como fator importante para a recuperação do grande atraso da economia brasileira. A partir do governo de Getúlio Vargas (1930–1945), as relações existentes entre o capital e o trabalho foram regulamentadas pela intervenção do Estado, ultrapassando o âmbito da empresa. A “Era Vargas”5 teve como marca política a fase de colisão de forças, na qual o governo adotou uma política intervencionista e nacionalista, visando reverter a situação de um Brasil agrícola, a partir do estímulo à industrialização. O discurso da conciliação entre o capital e o trabalho surgiu como uma grande marca dos acontecimentos políticos na Era Vargas, manifestando-se como uma crítica às formas de governo liberais. Tratava-se de um projeto de Estado autoritário que reconhecia o capital, a propriedade privada e a importância da livre iniciativa empresarial. Algumas vezes o Estado ditava as normas relativas ao sistema produtivo, afetando o dia a dia dos trabalhadores, conforme atesta Carmo (2004). Essa postura do Estado, no Brasil, ficou evidente com o declínio da política liberal de não intervenção na economia, predominante até as duas primeiras décadas do século XX. Entre 1940 e 1942, estabeleceu-se uma ampla regulação do mercado e das relações de trabalho. Criou-se o Ministério do Trabalho e instituíram-se o salário mínimo e toda uma legislação de regulação das relações de trabalho, reunida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, para o mercado de trabalho não agrícola, tendo essa última promovido uma organização sindical consentida pelo Estado (DEDECCA, 2005). De acordo com Brêtas (2010), em todos os discursos do dia 1º de maio, Getúlio Vargas relatava uma iniciativa de seu governo na área da política social: no ano de 1938 foi o regulamento da lei do salário mínimo e o Decreto-lei relativo à isenção de impostos para habitações proletárias; em 1939, a criação da Justiça do Trabalho; no ano de 1940, a fixação do salário mínimo; em 1941, a instalação da Justiça do Trabalho; em 1942, o anúncio do esforço da Batalha da Produção, pois o Brasil estava envolvido no contexto da Segunda Guerra Mundial; no ano de 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); por fim, em 1944, a nova Lei Orgânica da Previdência. Na ocasião, ao iniciar a estruturação do mercado de trabalho brasileiro, o Estado caminhava para a inserção do trabalhador na política social, a partir da organização das políticas 5

A “Era Vargas”, alcunha que provém dos governos do presidente da República Getúlio Vargas, ficou conhecida como Governo Provisório (1930–1934), período em que Vargas assume o governo via movimento de 1930 e reorganiza o Estado; Governo Constitucional (1934–1937), quando Vargas é mantido no poder pelo Congresso via eleição indireta; e Ditadura Varguista (1937–1945), época do início da ditadura.

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de emprego. A partir da criação da CLT e da implantação do salário mínimo, houve inúmeras mudanças no âmbito das relações entre o capital e o trabalho. Nesse período, segundo Frias Junior (1999), o Brasil incorporou em sua legislação trabalhista o conceito de medicina social, que se desenvolvera na Europa desde o século XIX. Criaram-se os seguros contra invalidez, doença, morte, acidentes de trabalho e o saláriomaternidade, todos vinculados à saúde dos trabalhadores. Mediante essas iniciativas o Estado ampliava seu intervencionismo, atingindo as causas mais profundas da pobreza, visando promover a satisfação das necessidades básicas6 a partir da incorporação dos trabalhadores através de seus direitos trabalhistas, além de assumir o papel de agente do desenvolvimento econômico. Esses foram os primeiros passos dados por Vargas na construção do projeto corporativista, fundamentados no populismo e no corporativismo sindical. Desse modo, o Estado iniciou seu projeto de desenvolvimento e passou a ser o agente intermediador dos conflitos de classe, tornando-se corporativista, interventor e autoritário. A incorporação da classe trabalhadora à esfera política ocorreu de acordo com a intermediação do Estado e sua relação corporativa com os sindicatos. De acordo com Gomes (1994), o projeto de desenvolvimento estatal foi sendo construído mediante a elaboração de uma identidade do trabalhador. A insatisfação popular, manifestada por meio de greves, comícios, passeatas e piquetes, constituiu uma forte ameaça à oligarquia dominante. Conforme a autora, a identidade da classe trabalhadora foi apropriada pelo capital, a partir da construção do projeto de desenvolvimento estatal, e devolvida em forma de mito – da doação da legislação trabalhista. Portanto, a incorporação da classe trabalhadora como ator político e o acesso à cidadania por parte dos setores populares sofreram nítida intervenção estatal, fato que impediu o trânsito frequente desses atores pelo exercício da participação política segundo o modelo clássico da liberal-democracia. O Estado brasileiro implementou seu projeto de organização sindical por meio do corporativismo, estimulando e incentivando a sindicalização. Os trabalhadores precisavam procurar o sindicato para receberem assistência jurídica e médica, além de compreenderem o espírito da legislação sindical e social. A intervenção do Estado na regularização e regulamentação da legislação do trabalho, enquanto política pública de emprego, foi o guia referencial que proporcionou amparo tanto aos patrões como aos trabalhadores. O conhecimento das leis tornou-se fundamental para os patrões e trabalhadores, pois ambos estavam sujeitos às intervenções do Estado. 6

Alimentação, saúde e habitação.

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No período pós-guerra, seguindo a tendência que se observava nos países desenvolvidos, o Estado brasileiro busca a efetivação, mesmo que precária, de seu sistema de Welfare. Segundo Alves e Bruno (2006), entre as décadas de 1950 e 1960 a população brasileira apresentou suas maiores taxas de crescimento vegetativo, fruto de uma natalidade elevada e uma brusca redução da mortalidade. Entretanto, esse ritmo de crescimento populacional começou a retroceder fundamentalmente a partir da segunda metade da década de 1960, sob o efeito da redução das taxas de fecundidade. De acordo com os autores, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) durante o século XX foi, em média, de 5% ao ano, sendo que nas quatro primeiras décadas e nas duas últimas o desempenho econômico ficou abaixo dessa média. De acordo com Dedecca (2005), porém, o baixo grau de proteção social reproduziu um mercado de trabalho pouco institucionalizado e bem marcado pela presença frequente de contratos de trabalho informais. Esse foi o tema que dominou as análises sobre o mercado de trabalho brasileiro nos anos 1960 e 1970. A questão debatida não foi a do desemprego, mas aquela do problema de emprego expresso na recorrente informalidade. Entre 1940 e 1980 o crescimento do PIB ficou acima da média do século, porém, nas décadas de 1950 (período do governo JK) e de 1970, particularmente nos períodos do Milagre Econômico e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) (governo Geisel), foram apresentados os melhores desempenhos. Comparado a outros países do mundo, o desempenho econômico do Brasil ficou acima da média. No ano de 1980, ao final do longo período de industrialização, aproximadamente metade da população ocupada não tinha acesso ao sistema de proteção social constituído em 1940. Em grande medida, essa situação foi viabilizada pela recorrência de governos autoritários, que combateram violentamente a ação sindical e as tentativas de efetivação de uma regulação social mais ampla para o mercado e as relações de trabalho no Brasil (DEDECCA, 2005). Nesse período, a economia não conseguiu manter as taxas de “crescimento acelerado” devido a fatores como o endividamento externo, a inflação, a concentração de renda, a redução dos salários e o crescimento das desigualdades sociais. A estagnação econômica durante as décadas de 1970 e 1980 impulsionou a implementação de políticas neoliberais influenciadas por tendências predominantes nos países desenvolvidos. A legislação trabalhista passou a ser considerada um grande impasse no processo de acumulação do capital no Brasil. E a reorganização do movimento sindical foi surpreendida por uma crise econômica sem precedentes na história do País. De acordo com Sabóia (1986), a crise dos anos 1980 provocou uma queda aproximada de 25% na produção industrial, acompanhada por uma redução semelhante do nível de emprego

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industrial. Foi uma novidade para o País a ocorrência de um desemprego em massa oriundo da Indústria de Transformação. Nos anos de 1981 e 1982, o desemprego transformou-se em uma nova realidade para o País, atingindo mais de 20% da População Economicamente Ativa de São Paulo. Ressalta-se que boa parte dos desempregados era originária de grandes empresas industriais, possuindo a situação de assalariamento como única trajetória realizada no mercado de trabalho. Na década de 1980 evidenciou-se um período de democratização com a nova Constituição de 1988, que teve como objetivo promover um desenvolvimento econômico focado no mercado interno, com características de desenvolvimento social. Dessa forma, esperava-se que os anos 1990 fossem marcados pela retomada do crescimento, com geração de emprego e distribuição de renda. Segundo Boito Jr. (2005), a política econômica e social do neoliberalismo, sobretudo a partir da década de 1990, desestruturou a pequena proteção que existia para o trabalhador e para a economia nacional7. Mediante as tendências de reestruturação produtiva e de flexibilização da legislação trabalhista, o Brasil aderiu de maneira subordinada ao capital internacional, seguindo o modelo neoliberal. Desse modo, o enfraquecimento dos sindicatos e a redução do poder do Estado em relação às políticas públicas de emprego permitiram que o capital se tornasse cada vez mais exigente em relação aos trabalhadores, exercendo crescente poder de controle sobre essa classe. Os resultados dos anos 1990 se distanciam totalmente daqueles prognosticados no final da década anterior. Em lugar de uma retomada econômica com geração de emprego e distribuição de renda, o País conheceu mais um período de quase estagnação, desemprego e aumento da desigualdade social (DEDECCA, 2005). De acordo com Serra (2010), a configuração do mundo do trabalho no Brasil difere do que preconiza a ideia de emprego de carreira estável. Nesse sentido, articula-se, antes, com as ideias da empregabilidade, condicionando o trabalhador que deseja acessar os postos de trabalho existentes a apresentar competência profissional, disposição para aprender e capacidade para empreender. Assim, o trabalhador assalariado começou a conviver com a insegurança e a preocupação não só de acessar o emprego, mas de permanecer nele, mantendo-se competitivo em um mercado de trabalho em constante mutação. Ressalta-se que as formas precárias de trabalho e de subcontratação passaram a ser incorporadas ao seu cotidiano laboral.

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Abertura comercial e desregulamentação financeira, privatização das empresas e serviços públicos, desregulamentação do mercado de trabalho e redução dos gastos e direitos sociais.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E RENDA A partir da década de 1970, mediante o crescimento do desemprego no mundo e no

Brasil, as políticas de emprego passaram a atuar sobre o mercado de trabalho, sem compromisso com a plena ocupação. De acordo com Pochmann (1997), a década de 1980 foi marcada por várias mudanças no mundo do trabalho8. Como efeitos das transformações havidas na economia brasileira apontamse, entre outros, uma trajetória de queda do poder aquisitivo dos salários e a diminuição dos postos de trabalho assalariados com carteira assinada. As mudanças que se processaram no trabalho e no emprego foram provenientes, em parte, da introdução de novas tecnologias no processo produtivo e das novas formas de organização do trabalho, que compuseram o quadro da reestruturação produtiva. Tais transformações tiveram implicações como a flexibilização da legislação trabalhista e a construção de uma nova subjetividade dos trabalhadores baseada nos requisitos da polivalência. Tais mudanças inseriram-se no contexto da redução das dimensões da sociedade salarial, principalmente, do emprego industrial. A partir dos anos 1990, o Brasil viveu um período de estagnação em relação ao crescimento do emprego formal, o que resultou no acentuado crescimento do desemprego e no aumento da precariedade das condições de vida do trabalhador. Nesse cenário de desestruturação do mercado de trabalho, as políticas de emprego foram implementadas como uma das alternativas de combate ao desemprego (ARAÚJO; LIMA, 2003). Ao longo da chamada “Era FHC”, quando o modelo de desenvolvimento pós-fordista chegou ao Brasil de forma mais contundente, quando houve um incremento significativo do desemprego. Entre 1989 e 1999, a quantidade de desempregados no Brasil aumentou de 1,8 milhão para 7,6 milhões (BRAGA, 2012). Apesar do impacto positivo inicialmente criado pelo Plano sobre o desempenho da atividade econômica, observou-se uma contínua deterioração do nível de emprego. O Plano Real foi bem aceito pela população, após um longo período de inflação elevada. Os cidadãos vibraram com a estabilização dos preços; os mecanismos de crédito ao consumo foram viabilizados e o Plano pôs fim a um processo contínuo de corrosão da renda dos assalariados. Ainda no governo de Fernando Henrique, também foram criadas as políticas de qualificação profissional, que passaram a ser fundamentadas na noção de competência. Essas 8

Iniciativas de reestruturação do processo produtivo e flexibilização da legislação trabalhista.

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políticas ganharam materialidade no Plano Nacional de Formação do Trabalhador (PLANFOR), desenvolvido de 1996 a 2002, e posteriormente no Plano Nacional de Qualificação (PNQ), criado em 2003, no inicio do governo Lula (SERRA, 2010). Durante o governo Lula, na primeira década do século XXI, evidenciou-se a retomada dos índices de empregos formais, fato que gerou o surgimento de uma “nova classe média”, também denominada de “Classe C”. Considerando a relação entre crescimento e emprego, entre 2001 e 2003, período no qual o aumento médio do PIB foi de 1,7%, o crescimento total do emprego formal foi de 12,6%. Posteriormente, entre 2004 e 2008, período em que o PIB cresceu em média 4,7%, o emprego formal aumentou 33,5% (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2012). O governo Lula situou o Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 como centro da estratégia de desenvolvimento com inclusão social e a desconcentração de renda com crescimento do produto e do emprego. De acordo com Serra (2010), entre os objetivos do Plano estavam o crescimento com geração de trabalho, emprego e renda. No âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para enfrentar o desemprego o referido Plano pretendia fortalecer o Sistema Público de Emprego na ótica do desenvolvimento sustentável a partir da geração de mais e melhores empregos, trabalho e renda, do fortalecimento do trabalho estável, e do estabelecimento de políticas ativas de emprego e economia solidária e de um sistema democrático de relações de trabalho. Os efeitos da Crise de 2008 no Brasil, sobretudo no que tange aos índices de desemprego, foi menor do que nos países desenvolvidos, em virtude dos resultados positivos das medidas anti-cíclicas desenvolvidas pelo governo Lula, como no caso da redução do IPI de automóveis e eletrodomésticos para proteger os empregos na indústria (SILVA; FONSECA NETO, 2014). Contudo, cabe observar que 95% das vagas criadas correspondiam a uma faixa de remuneração de até 1,5 salário mínimo (POCHMANN, 2013). Assim, ainda persiste o problema da baixa qualificação no mercado de trabalho brasileiro. Entre os anos de 2007 e 2013 foram criados, no Brasil, 9,4 milhões de empregos formais, mas desse percentual, metade foi de profissões de baixa qualificação. O cargo de servente de obras, por exemplo, correspondeu a 921 mil dos empregos criados nesse período (MIRANDA, 2014). Além do mais, é importante observar que muitos dos empregos criados no Brasil na primeira década do século XXI se enquadram na categoria do precariado, que abrange indivíduos ocupantes de empregos temporários, precários, terceirizados e sem as garantias tradicionais dos assalariados formais. Trata-se de uma massa de trabalhadores que hoje se constituem em um fenômeno internacional, em consequência da competitividade global e de seu intenso clamor por cada vez 98

mais flexibilidade e submissão aos mercados financeiros. Na realidade, essas pessoas “compartilham um sentimento de que seu trabalho é útil (para viver), oportunista (pegar o que vier) e precário (inseguro)” (STANDING, 2013, p. 33). No caso brasileiro, uma categoria de trabalhadores que representam o precariado são os atendentes de telemarketing, grupo que cresceu exponencialmente durante os dois governos Lula, sendo constituído especialmente de trabalhadores jovens, em particular mulheres e negros, além de outros em busca do primeiro emprego. Com garantias precárias de emprego e “pressionados pelos baixos salários, esse precariado pós-fordista inclina-se para os direitos sociais e para a qualificação profissional, que são alcançados pela combinação do emprego do call center com a faculdade particular noturna” (BRAGA, 2012, p. 217). A recente crise econômica que atingiu o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff veio acompanhada de um novo ciclo de desemprego9. O Brasil criou 623,1 mil postos de trabalho formais em 2014, número que representa o pior resultado nessa área desde 1999 (MONTEIRO, 2015). Em síntese, observa-se um retorno aos patamares de desemprego dos anos 1990, fato que representa um novo desafio às políticas públicas de geração de emprego e renda no Brasil, que se confrontam com uma nova crise cíclica do capitalismo. Essa realidade evidencia, de forma contundente, a natureza irracional do capitalismo financeirizado, tornando as ações do Estado cada vez mais dirigidas a políticas compensatórias, ao mesmo tempo em que se observa o enfraquecimento das políticas públicas universais de proteção ao trabalhador e de geração de novos empregos formais. Nesse sentido, atualmente, as políticas de geração de emprego e renda não estão sendo muito eficazes no enfrentamento da heterogeneidade e precariedade do mercado de trabalho no Brasil, pois estão centradas em ações de combate ao desemprego e não na alteração da situação de emprego das pessoas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Questões como pobreza, desemprego, geração de trabalho e renda interagem com as

políticas públicas na expectativa de que sejam desenvolvidas ações destinadas a amenizar as consequências das transformações decorrentes do projeto neoliberal. A flexibilização das 9

Segundo declarações de vários agentes governamentais, a crise econômica que atingiu o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff seria um efeito retardado da Crise dos subprimes, que ocorreu nos Estados Unidos e espalhou-se por vários outros países do hemisfério norte.

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relações de produção possibilitou que o capital acumulasse riquezas sem prescindir do trabalho vivo, pois a introdução de novas tecnologias reduziu os postos de trabalho e redefiniu a atuação dos trabalhadores. Hoje o emprego fixo torna-se cada vez mais escasso e dá lugar ao trabalho temporário, informal e flexível. A organização do trabalho implica a demanda por trabalhadores polivalentes e faz intensificar ainda mais o ritmo laboral, o que potencializa os efeitos do uso da tecnologia que, por sua vez, induz a criação de organizações mais flexíveis e precárias. A precarização é um processo que decorre dessas mudanças e produz consequências para as condições de vida dos trabalhadores com a prevalência de empregos de baixa remuneração e o acirramento das desigualdades sociais. As políticas públicas de emprego são ações empreendidas pelo Estado no combate ao desemprego, que visam à proteção social dos trabalhadores. Essas políticas têm a finalidade de criar condições favoráveis de acesso ao mercado de trabalho para os trabalhadores, porquanto se destinam a melhorar a condição de empregabilidade dos desempregados ou em risco de demissão, fornecendo recursos para estimular as atividades de formação profissional, bem como procuram atuar diretamente sobre a oferta ou demanda de trabalho, ampliando o número de postos e criando novos empregos. O Sistema de Emprego, Trabalho e Renda foi implantado com políticas ativas tendo como base a demanda e não a oferta do mercado de trabalho, com a focalização dessas políticas sobre grupos mais vulneráveis socialmente, o que implicou o caráter compensatório dos seus programas, com respostas de alcance limitado às necessidades da expansão da força de trabalho. Dessa forma, considerando que o Estado no contexto da atual globalização neoliberal depende de conjunturas macroeconômicas que amiúde fogem ao seu controle para desenvolver a sua economia, a criação de novos empregos tende a depender mais dos movimentos do capital e de suas crises cíclicas do que propriamente dos esforços dos Estados-nações e de suas regulamentações sobre as políticas de emprego e renda. O alcance do Estado, assim, torna-se cada vez mais limitado, fato que finda por gerar o aumento de empregos cada vez mais instáveis, precários e de baixa remuneração em vários países capitalistas desenvolvidos ou periféricos, incluindo o Brasil.

REFERÊNCIAS ALVES, José Eustáquio Diniz; BRUNO, Miguel A. P. População e crescimento econômico de longo prazo no Brasil: como aproveitar a janela de oportunidade demográfica? Campinas, 2006. 100

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