POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO E SEUS IMPACTOS EM INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS: ANÁLISE DE TRÊS CASOS

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Educational Research, Education Policy, Inclusive Education, Omnilectical Perspective
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO E SEUS IMPACTOS EM INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS: ANÁLISE DE TRÊS CASOS EIXO 3: Didática e Prática de Ensino na Relação com a Sociedade. Sub-eixo 3.3 Impactos das políticas públicas na gestão e no trabalho docente COORDENADORA: Sandra Cordeiro de Melo (Faculdade de Educação UFRJ) RESUMO: Este painel pretende discutir os impactos que algumas políticas públicas de inclusão em educação, de âmbito nacional e estadual, têm provocado em três instituições educacionais investigadas em três diferentes pesquisas, ocorridas entre 2010 e 2013: Uma escola estadual de ensino médio, uma universidade federal e um órgão responsável pela elaboração de diretrizes de ordenamento da educação especial na perspectiva da inclusão em educação. Duas das instituições estão localizadas no município do Rio de Janeiro e a terceira, em Nova Iguaçu. As três passaram, ao longo dos três últimos anos, por redirecionamentos políticos que impactaram em suas gestões, inclusive em suas participações nos referidos projetos de pesquisa. No primeiro artigo, discutimos o processo de desenvolvimento do Index para a Inclusão em uma escola estadual de Ensino Médio e seus impactos em termos de promoção de inclusão na referida instituição. No segundo artigo, apresentamos alguns resultados do lado brasileiro de uma pesquisa envolvendo quatro países, que se preocupou em identificar e analisar os processos de construção de culturas, desenvolvimento de políticas e de orquestração de práticas de inclusão/exclusão correlacionando com as principais diretrizes que regulamentam a inclusão no Ensino Superior na universidade pública e as legislações nacionais, os estatutos e regulamentos internos das universidades participantes. O terceiro artigo, por fim, reflete sobre a organização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s) no processo de escolarização e inclusão dos estudantes da educação especial do município fluminense de Nova Iguaçu, a partir de pesquisa vinculada ao Observatório Estadual de Educação Especial no Rio de Janeiro (OEERJ), que faz parte de um projeto em rede nacional denominado Observatório Nacional de Educação Especial (ONEESP), cujo objetivo primaz é avaliar a atual Política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, considerando a diretriz política do Ministério da Educação (MEC). Palavras-chave: Inclusão em Educação, Perspectiva omnilética, Gestão e docência. TEXTO 1: POLÍTICAS DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO: CONSEQUÊNCIAS NAS CULTURAS E PRÁTICAS EM UMA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO Mara Lago [*] (Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre SMED/POA-FE/PPGE/UFRJ)

RESUMO: O artigo discute as políticas atuais de inclusão e sua articulação com as culturas e práticas de uma escola de ensino médio do Rio de Janeiro. Através de um recorte de

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pesquisa demonstramos que o desenvolvimento das atividades propostas no “Index para a Inclusão” constituiu-se em políticas norteadoras de práticas singulares capazes de promover culturas inclusivas. Entendemos que a legislação brasileira tem sido muito importante para alavancar o processo de inclusão do alunado da Educação Especial ao ensino comum. No entanto, nossa concepção de inclusão refere-se à possibilidade de minimizar qualquer forma de exclusão com relação a qualquer participante do contexto escolar, sem necessariamente referir-se à questão da deficiência. Com este objetivo propusemos a formação de um grupo envolvendo todos os segmentos escolares em uma autorrevisão institucional. Neste contexto emergiu a orquestração de uma prática inclusiva. Com o intuito de promover o acolhimento dos alunos novos na escola, uma professora propôs um projeto extra-classe: um clube de escritores, no qual os jovens exercitaram a escrita motivados por discussões sobre inclusão/exclusão. A culminância do projeto se deu com o lançamento de um livro que representou a possibilidade de criação e avanço que um grupo é capaz de construir quando se une com objetivos comuns, engajados em um ideal de participação e aberto à diversidade. De modo geral o discurso dos alunos evidenciou a existência de grandes barreiras escolares, que em nosso entender, se tratam de processos de exclusão vivenciados no cotidiano escolar. Com base nesta experiência concluímos que a metodologia proposta no Index para a Inclusão, permite o exercício de uma prática inclusiva, na medida em que oportuniza que professores, alunos, pais e funcionários discutam em nível de igualdade sobre os problemas vividos na escola. PALAVRAS-CHAVE: Inclusão em educação; Culturas, políticas e práticas inclusivas; Ensino médio.

Introdução: Este artigo tem o objetivo de discutir as políticas atuais de inclusão e sua articulação com as culturas e práticas de uma escola de ensino médio, na qual se realizou pesquisa de doutorado. Através de um recorte da pesquisa pretendemos demonstrar como o desenvolvimento das atividades propostas pelo “Index para a Inclusão[1]” podem constituir-se como políticas norteadoras de práticas singulares capazes de promover culturas inclusivas. O tema da inclusão em educação encontra-se na pauta da discussão educacional, atualmente, principalmente em função da intensificação da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva implementada pelo Ministério da Educação ao longo da última década (MEC/SEESP, 2001). O foco da maior parte das discussões está centrado na escolarização de crianças e jovens com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação em classes de escolas comuns em substituição à frequência unicamente localizada em escolas especiais e/ou classes especiais, considerada uma forma de segregação social e, portanto, uma negação ao direito inalienável à educação pública na escola de todos e

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próxima das residências do alunado (SANTOS, 2003, 2007, 2009, 2010, 2013; MANTOAN, 2001; WERNECK, 2000; CARVALHO, 2002). Por esta via, cria-se um embate entre os que são favoráveis à permanência das escolas especiais e os que lutam para que as escolas comuns acolham todos os alunos, independentemente de suas condições físicas, mentais e/ou sociais. Além desta polêmica, há o questionamento sobre a capacitação dos professores para receber alunos das referidas categorias, a falta de estrutura das escolas para acompanhamento dos alunos, falta de acessibilidade e recursos extra-classe (PAEZ, 2001; PAULON, 2005; MENDES, 2006; HICKEL, 2008). Esta polêmica tende a reforçar a perspectiva de que a dificuldade seja centrada no aluno, como algo inerente e essencial a uma condição deficiente, na qual a deficiência seria a marca identitária do sujeito. Além disso, ao centrar a discussão no melhor lugar de atendimento às necessidades condicionadas pela deficiência, cria-se um feudo em torno dos especialistas sugerindo que esta luta pode ter algo a ver com a garantia do status de alguns profissionais. Com isto, esquece-se, muitas vezes, o grande foco da questão, que é constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas. (BRASIL, 2007, p. 1)

A sustentação legal para esta política não é nova e encontra-se na Constituição Federal (1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) e no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA/1990), que afirmam o direito de todas as crianças em idade escolar ao acesso e permanência no sistema de educação básica. Entendemos que esta legislação tem sido muito importante para alavancar o processo de inclusão do alunado da Educação Especial ao ensino comum no Brasil. No entanto, torna-se problemática na medida em que ao destacar as necessidades dos alunos reforça a ideia de fatores internos do sujeito como impeditivo da aprendizagem. Além disso, pensamos que a inclusão em educação de que falamos se diferencia desta noção de educação inclusiva porque não se trata tão somente de promover a igualdade de

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oportunidades, mas de valorizar as diferenças garantindo o direito de todos a “estar presentes em todas as áreas da vida humana, inclusive a educacional.” (SANTOS, 2009:12) Acrescenta-se ainda que a legislação encontra-se de acordo com os documentos resultantes de Conferências Mundiais, em que o Brasil é signatário, como a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia, a Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em 1994, em Salamanca, na Espanha, e a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, realizada na Guatemala em 1999. A ideia básica destas convenções é que todas as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras, afirmando a inclusão como um processo mundial irreversível e como uma questão de direitos humanos. Esta perspectiva aproxima-se da concepção de inclusão adotada neste artigo. Nela, inclusão em educação refere-se à possibilidade de minimizar qualquer forma de exclusão presente no cotidiano escolar com relação a qualquer participante deste contexto, sem necessariamente referir-se à questão da deficiência. Ao invés de enfocar o alunado da educação especial, nos propomos a detectar as barreiras que impedem ou dificultam a aprendizagem e a participação de qualquer aluno. Esta visão proporciona que o foco recaia sobre os aspectos que precisam ser aprimorados para aumentar a qualidade do ensino. Não só do ensino, mas das relações que se estabelecem neste espaço, entre alunos, professores, pais, funcionários, da escola com a comunidade do entorno, da secretaria de educação, etc. Concebemos a inclusão extremamente vinculada às possibilidades de participação. De onde se depreende que quanto mais os sujeitos estiverem envolvidos com as questões do cotidiano escolar, participando ativamente dos esforços para detectar e solucionar os obstáculos à aprendizagem, mais se sentirão incluídos neste contexto. A participação significa aprender junto com outros e colaborar com eles em experiências compartilhadas de aprendizagem. Isto requer um engajamento ativo com a aprendizagem e ter algo a dizer sobre como a educação é experienciada. Mais profundamente, trata-se de ser reconhecido, aceito e valorizado pelo que se é. (BOOTH & AINSCOW, 2002, p. 8)

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Entendemos que esta definição de participação traz em si uma concepção de educação que supera a visão tradicional calcada na transmissão de conhecimentos por parte do professor. Ao contrário, parte do pressuposto da construção conjunta do conhecimento a partir de um reconhecimento das diferenças entre os estudantes. Assim, a detecção de alguma dificuldade pode servir como instrumento para viabilizar recursos de apoio para todos. Supõe-se que desta forma as escolas poderiam se tornar espaços mais estimulantes e acolhedores, reduzindo pressões excludentes e ajudando a veicular um sentimento de comunidade que extrapole os muros da escola. O sistema educacional, desde os seus primórdios, constituiu-se para acolher e escolarizar uma parte da população. Na contramão deste aspecto, a ampliação do acesso a todas as camadas sociais da população trouxe muitos desafios. As concepções mais atuais de educação (SANTOS, 2013; PACHECO ET AL, 2007; MACEDO, 20005; MEIRIEU, 2002; PERRENOUD, 2001) pressupõem o convívio e a valorização das diferenças entre os alunos como potencializador da aprendizagem. No entanto, ressaltamos que educar na/para a diversidade pressupõe mudanças radicais na concepção de escolarização, em todas as suas dimensões: institucionais, curriculares, de aprendizagem, de avaliação, nas relações sociais, etc. A questão que se coloca é como fazer isto, como promover a inclusão na escola? A Política Nacional sugere alguns caminhos, mas concentra-se nos recursos necessários para atender os alunos com deficiência, transtornos globais ou altas habilidades, enquanto nossa concepção é ampliar esta perspectiva para a qualificação da aprendizagem de todos os alunos. Com base neste objetivo é que se delineou a proposta para o desenvolvimento do Index para a Inclusão em uma escola de ensino médio no Rio de Janeiro. Segundo Booth & Ainscow (2002), o Index é, ao mesmo tempo, um instrumento de análise de contexto e uma estrutura explicativa dos processos de inclusão/exclusão em Educação que propõe três dimensões para a sua compreensão: a da criação de culturas, a da produção de políticas e a da orquestração de práticas de inclusão no ambiente educacional. Nesta concepção a construção de culturas inclusivas está diretamente relacionada aos princípios éticos veiculados pelas políticas e vivenciados nas práticas escolares. São considerados inclusivos os valores compartilhados no ambiente escolar por todos os seus membros, voltados à criação de uma comunidade receptiva,

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colaboradora, na qual todos são valorizados com o objetivo de estimular ao máximo o potencial de cada um. (BOOTH & AINSCOW, 2002, p. 11) Então a dimensão referente às culturas inclui tudo aquilo que seja da ordem dos valores, os princípios que justificam as crenças e comportamentos em determinado contexto. Para Santos (2009) podemos observar dados referentes a esta dimensão presentes, por exemplo, nas justificativas dadas por tomar algum tipo de decisão. A explicação indica a intenção que reflete o lugar da legitimação de práticas e teorias. Assim sendo, a dimensão das culturas representa, para nós, o plano em que, internamente, construímos nossas práticas discursivas, nossas justificativas, nossas crenças e tudo aquilo que, provavelmente, legitimará nossas políticas/intenções e ações (SANTOS, 2009, p. 16).

Com relação às políticas inclusivas, Booth e Ainscow (2002) as descrevem como sendo aquelas que asseguram e encorajam a participação de todos os segmentos escolares (estudantes, professores, funcionários e pais) nas discussões sobre os problemas enfrentados no cotidiano e na criação de estratégias que visam minimizar as pressões excludentes. Assim, desenvolver políticas inclusivas é garantir que a inclusão permeie todos os planos da escola, contendo proposições para responder à diversidade da comunidade escolar. Dessa forma a dimensão das políticas, aparentemente, apresenta-se de maneira mais palpável, evidenciada tanto nas chamadas políticas públicas, de âmbito mais abrangente, quanto nas políticas institucionais e mesmo pessoais, verificáveis em regulamentos, planejamentos, projetos político-pedagógicos, códigos de conduta que se evidenciam na prática, mas não se encontram formalizados em lugar algum, etc. Segundo Santos (2009) esta dimensão caracteriza-se pela explicitação das intenções, baseadas nos (ou em contradição com) valores característicos da primeira dimensão, embora esta relação nem sempre seja evidente e admitida. Para a autora “desenvolver políticas de orientação inclusiva implica não somente a coragem de admitir o que se deseja e prevê como educação, como também um planejamento sobre como colocar este desejo e esta previsão em prática.” (SANTOS, 2009, p. 17) A terceira dimensão, na concepção de Booth e Ainscow (2002), deverá refletir as culturas e as políticas da escola, determinando a orquestração das práticas cotidianas. No caso de uma orientação inclusiva, o planejamento das aulas reflete as diferenças existentes entre os alunos. Os estudantes são envolvidos ativamente em seu processo de aprendizagem, utilizando-se de seus conhecimentos e experiências extraescolares. Os

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recursos utilizados para apoiar a aprendizagem e participação de todos são desenvolvidos e compartilhados na/pela comunidade escolar. Referimo-nos, então, aos modos de fazer, de agir, no cotidiano, reconhecendo que estes comportamentos refletem ou não princípios e políticas que se propõem a regulamentar o fazer pedagógico e seus desdobramentos dentro da escola. Por isso, Santos (2009), também tradutora do Index, justifica a utilização do termo orquestrando, para dirigir as práticas, no sentido de [...] reconhecer a existência de variados aspectos que tanto podem, como não, ser repletos de complexidades que precisam ser encaradas (orquestradas). Significa também ter como meta não a ordem final e absoluta [...] mas um mínimo de equilíbrio [...] que permita que as novas mudanças, novas posturas e novos olhares possam fazer parte da prática cotidiana educacional, e ao invés de serem rechaçados, rejeitados ou negados, serem acolhidos como necessários ao processo de transformação tanto pessoal como institucional e sistêmico (p.17).

Orquestrar as práticas, portanto, traz em si o sentido de compor uma totalidade, não necessariamente harmônica, mas aberta a relacionar, entrelaçar, compartilhar diferentes formas de ser/estar no mundo, produzindo uma composição eternamente em construção. Com isso queremos dizer que as três dimensões presentes na análise dos processos de inclusão e exclusão vividos no cotidiano social, são dinâmicas, complexas e estão em permanente tensão e contradição, afetando-se umas às outras de forma contínua, provocando mudanças nem sempre visíveis e/ou perceptíveis. Nesta linha de pensamento Santos (2013) propõe uma perspectiva omnilética de análise, que em suas palavras significa [...] compreender os fenômenos sociais em sua integralidade visível e em sua potencialidade (ainda invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente). Significa entender esta integralidade em seus elementos únicos e íntima e dialeticamente relacionados (cultural, política e praticamente) em um movimento de complexidade e espiralar criando novos patamares de percepção e compreensão dos fenômenos, que nunca mais serão os mesmos, embora mantenham em si um tanto de seus elementos originais, ainda que complexificados (p.25).

Daí depreende-se que uma perspectiva omnilética de análise articula as três dimensões culturas, políticas e práticas em uma relação ao mesmo tempo dialética e complexa. Sendo assim, por mais que uma das dimensões tenha uma aparente predominância sobre a outra, esta é sempre temporária e provisória. De acordo com Santos (2013), neste caso

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[...] as forças relativas às outras duas dimensões estarão em jogo, e dialeticamente alternar-se-ão nesta predominância, e num movimento contínuo, infindável e exponencialmente crescente, que marca seu caráter de complexidade, em que o todo altera-se com as partes ao mesmo tempo em que as altera e é por elas alterado. (p.26)

A partir desta perspectiva de análise apresentaremos um recorte da pesquisa que demonstra a articulação de políticas, culturas e práticas que resultaram na promoção da participação de alunos do ensino médio no contexto escolar em uma ação de combate a exclusão. Pode-se dizer que foi através da política de inclusão que chegamos à escola pesquisada, já que inicialmente a direção demandou auxílio para um aluno com síndrome de asperger[2] que cursava a 1º série do ensino médio e sofria intimidações e atitudes agressivas por parte dos colegas. A equipe responsável pela assessoria à escola detectou que o ocorrido com o aluno poderia ser considerado como um reflexo de problemas mais amplos que excediam as relações entre colegas. Questões como a morosidade burocrática, a falta de comunicação entre diferentes segmentos dentro e fora da escola, o índice de absenteísmo entre professores e alunos, a alta taxa de evasão escolar, dentre outros aspectos observados, contribuíam para a falta de compromisso e envolvimento de todos na gestão eficiente dos problemas cotidianos. Com o objetivo de ampliar as discussões e envolver todos os segmentos escolares em uma autorrevisão capaz de criar culturas, desenvolver políticas e promover práticas mais inclusivas, é que se delineou a proposta de desenvolver o Index para a Inclusão na escola. Optamos por iniciar o processo formando um grupo coordenador da pesquisa. Para isso, realizamos reuniões com professores e alunos, explicando o objetivo da pesquisa, apresentando o Index e convidando-os a participarem. O grupo constituiu-se, inicialmente, com quatro professores, uma coordenadora pedagógica, uma coordenadora de turno e cinco alunos e sempre esteve aberto para a participação de qualquer pessoa que tivesse interesse. Ao longo do tempo o número de professores e alunos participantes foi variando. Contamos com alguma participação de pais, que não se mostrou constante e efetiva e os funcionários, apesar de nossas tentativas de incorporá-los ao grupo, não se fizeram representar. Estabelecemos encontros sistemáticos com este grupo de abril de 2010 a junho de 2011. Após este período reformulamos o planejamento da pesquisa e passamos a acompanhar um projeto desenvolvido por uma professora que fez parte do grupo

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coordenador, entendendo que esta ação poderia ter algum impacto nas políticas, culturas e práticas da escola. O projeto denominado “Clube dos Escritores” nasceu das discussões realizadas no grupo coordenador e se traduziu na prática inclusiva de uma professora com um grupo de alunos. Em uma reunião de professores questionava-se sobre a falta de acolhimento aos alunos novos, em função da angústia revelada por muitos deles em redações de português sobre o primeiro dia de aula. Alunos que se sentiam deslocados, fragilizados, sem orientação, chorando nos banheiros, querendo ir embora e nunca mais voltar. Nesta mesma reunião acompanhamos a ansiedade dos professores de querer fazer mais por seus alunos e não conseguirem. Ressentiam-se de não dar mais atenção às necessidades individuais e apoiar o desenvolvimento de alguns talentos detectados. Neste contexto emergiu a orquestração de uma prática inclusiva. Uma professora se mobilizou, propôs um projeto extra-classe aberto para os alunos de suas turmas de primeiro ano, disponibilizou seu tempo e partiu para uma experiência inspiradora. Propôs um clube de escritores, no qual os alunos tiveram tempo para exercitar variados estilos de escrita motivados por discussões cujos temas versavam sobre inclusão x exclusão. Tivemos a oportunidade de acompanhar este grupo e testemunhar o engajamento, compromisso e maturidade com que estes alunos se reuniram, discutiram e compartilharam seus textos e sentimentos amparados e direcionados por uma professora a quem todos tratavam com admiração. Mais de uma vez escutamos o quanto sua prática docente os inspirava a seguir na trilha do conhecimento e o quanto o seu olhar os fez enxergarem-se como alunos capazes até mesmo de se tornarem escritores. A culminância do projeto se deu com o lançamento de um livro que representou a possibilidade de criação e avanço que um grupo é capaz de construir quando se une com objetivos comuns, engajados em um ideal de participação e aberto à diversidade. Os textos dos alunos representam seu pensamento e experiências vividas neste colégio e expressam a cultura na qual estão inseridos. Em muitos momentos expressam situações de inclusão e exclusão que podem ser compartilhadas por quem vive este contexto. De modo geral o discurso dos alunos evidenciou a existência de grandes barreiras escolares, que em nosso entender, se tratam de processos de exclusão vivenciados no cotidiano escolar. Percebemos que os alunos possuem grande capacidade crítica ao identificar e problematizar as práticas excludentes, mas não há uma cultura de participação na escola que lhes possibilite apresentar propostas e

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sugestões que se lancem a, continuamente, identificar e minimizar os obstáculos identificados. Quando encontram um ambiente favorável como o clube dos escritores, demonstram seu potencial de análise, de colaboração e a alegria de desfrutar do espaço escolar com criatividade e afeto. Certamente estes jovens desenvolveram valores inclusivos, através de uma prática diferenciada direcionada por uma política de participação e envolvimento. Com base nesta experiência concluímos que a metodologia proposta pelo Index para a Inclusão, permite o exercício de uma prática inclusiva, na medida em que oportuniza professores, alunos, pais e funcionários discutirem em nível de igualdade sobre os problemas vividos na escola. No caso específico da escola pesquisada, esta vivência levou uma professora a encorajar-se e propor uma ação para minimizar a falta de acolhimento aos alunos. Foi possível testemunhar que este grupo de alunos sentiu-se amparado e valorizado, respondendo com empenho e interesse a todas as atividades de leitura e escrita propostas pela professora. Dessa forma, constatou-se que uma atividade (prática) calcada em uma orientação (política) inclusiva resultou na construção de relações baseadas em valores (culturas) como respeito, solidariedade, colaboração e amizade. A perspectiva omnilética, além de nos permitir perceber o acima exposto, também nos aponta que, dialeticamente, é possível, em um mesmo contexto institucional, promover iniciativas tanto de inclusão quanto de exclusão, visto que o contexto mais amplo da escola continuou a ser, predominantemente, excludente. Além disso, o caráter de complexidade desta perspectiva de análise também nos permite concluir que, mesmo com as contradições presentes na realidade, os acontecimentos microdimensionais, em especial os contra hegemônicos, (experiência da professora e do Clube de Escritores) e seus efeitos possibilitam vislumbrar um contexto alternativo, já presente em potencialidade, ainda que não tão facilmente visível. Tal se faz por conta da própria maneira pela qual culturas, políticas e práticas diferenciadas e inclusivas vão se alterando na medida em que outras proposições são feitas, planejadas e atuadas.

REFERÊNCIAS:

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BOOTH, Tony, e AINSCOW, Mel. Index Para a Inclusão: Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. 2a. Edição. Edição: UNESCO/CSIE. Tradução: Mônica Pereira dos Santos. 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. _______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. _______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei no 9394/96). 20 de dezembro de 1996. _______. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf _______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12507&Ite mid=826 CARVALHO, Rosita Edler. Removendo barreiras para a aprendizagem: educação inclusiva. 2ª edição. Porto Alegre: Mediação, 2002. HICKEL, Neusa Kern. Escola – Por que te quero especial? IN: MEDEIROS, Isabel Letícia; MORAES, Salete Campos de; SOUZA, Magali Dias de. Inclusão Escolar: Práticas e Teorias. Porto Alegre: Redes Editora, 2008. MACEDO, Lino. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos? Porto Alegre: Artmed, 2005. MANTOAN, Maria Teresa Egler. Caminhos pedagógicos da inclusão - Como estamos implementando a educação (de qualidade) para todos nas escolas brasileiras. São Paulo: Memnon, 2001. MEIRIEU, Philippe. A Pedagogia entre o dizer e o fazer. Porto Alegre: Artmed, 2002 MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 PACHECO, José et al. Caminhos para a inclusão: um guia para o aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007. PAEZ, Stella. A integração como processo: da exclusão à inclusão. Escritos da Criança, n.6. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 2001.

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PAULON, Simone; FREITAS, Lia; PINHO, Gerson (Org). Documento Subsidiário à Política de Inclusão. Brasília: MEC/SEESP, 2005. PERRENOUD, Phillipe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. SANTOS, Mônica Pereira. O Papel do Ensino Superior na Proposta de uma Educação Inclusiva. Movimento, v. 7, n. maio 2003, p. 78-91, 2003. ______. Relatório de Pesquisa: Ressignificando a Formação de Professores para uma Educação Inclusiva. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. ______. Inclusão. In: SANTOS, Mônica Pereira; FONSECA, Michele P. S. e MELO, Sandra Cordeiro de. (org) Inclusão em Educação: diferentes interfaces. Curitiba: Editora CRV, 2009. ______. Construindo uma Cultura Inclusiva de Avaliação da Aprendizagem. In: Anais do IV Congresso Brasileiro de Educação Especial / VI Encontro Nacional dos Pesquisadores da Educação. São Carlos:UNESP, 2010. (ISSN: 1984-2279) ______. Dialogando sobre Inclusão em Educação: Contando Casos (e Descasos). Curitiba: Editora CRV, 2013. UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, Jomtien, 1990. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf ________. Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das necessidades educativas especiais. Aprovado por aclamação, na cidade de Salamanca, Espanha, neste dia, 10 de Junho de 1994. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139394por.pdf WERNECK, Cláudia. Ninguém mais vai ser bonzinho, na sociedade inclusiva. 2ª edição. Rio de Janeiro: WVA, 2000.

[1] BOOTH, T. e AINSCOW, M. Index para a Inclusão: Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. 2ª. Edição. Tradução: Mônica Pereira dos Santos. Produzido pelo Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – LaPEADE, FE-UFRJ: 2002. Disponível em HTTP://www.lapeade.com.br. Ao longo do texto passaremos a usar a terminologia Index ou Index para a Inclusão nos referindo a esta bibliografia. [2] A Síndrome de Asperger é um Transtorno Global do Desenvolvimento e apresenta dentre seus sintomas mais marcantes os seguintes: alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no Autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. (Código Internacional de Doenças 10, F84.5).

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[*] Psicóloga da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED/POA). Doutoranda em Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação - Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ). Email: [email protected]

Texto 2: O ENSINO SUPERIOR E AS DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR OMNILÉTICO SOBRE A INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO Eliane de Oliveira Rodrigues [*] (Faculdade de Educação/PPGE/UFRJ) Simone do Valle Galvão [**] (Faculdade de Educação/UERJ)

RESUMO: Este trabalho parte de reflexões realizadas pelo Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE - www.lapeade.com.br) em seu projeto intitulado “Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Educação Superior: As Vozes dos Formadores de Professores”. Na ocasião deste evento, o objetivo deste trabalho é de apresentar alguns resultados no que tange ao objetivo específico da pesquisa, que se preocupou em identificar e analisar os processos de construção de culturas, desenvolvimento de políticas e de orquestração de práticas de inclusão/exclusão correlacionando com as principais diretrizes que regulamentam a inclusão no Ensino Superior na universidade pública e as legislações nacionais, os estatutos e regulamentos internos das universidades participantes. O problema apresentado partirá do seguinte questionamento: As diretrizes de formação de professores no Ensino Superior colaboram e influenciam na concepção de Inclusão em Educação dos docentes? Para isso esta pesquisa relaciona os dados obtidos nos questionários da pesquisa realizadas especificamente na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica. Metodologicamente, a pesquisa trabalhou na perspectiva de análise omnilética, cunhada por Santos (2013) na qual a Inclusão em Educação é compreendida a partir de cinco conceitos fundamentais: culturas, políticas e práticas (BOOTH e AINSCOW); dialética (MARX) e complexidade (MORIN). Os resultados revelam que as diretrizes enfatizam a necessidade de pensar a diversidade na formação inicial dos professores. Acreditamos que a Universidade e os formadores de professores contribuem para novas culturas, políticas e práticas de Inclusão em Educação. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Superior – Inclusão – Formação de Professores Omnilética

Considerações Introdutórias:

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O Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE - www.lapeade.com.br) mantém um vínculo com demais instituições de Ensino Superior internacionalmente reconhecidas para refletir sobre as atuais políticas, ações e reflexões sobre Inclusão em Educação. Pesquisas desenvolvidas por este laboratório (SANTOS et alii, 2010, 2014) justificam a continuidade do debate político e institucional sobre inclusão em educação no Ensino Superior. Para contextualizar a fonte de nossos dados, começamos apresentando o projeto Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Universidades: um foco na formação inicial de professores. Esse projeto envolveu os alunos das licenciaturas do Brasil (UFRJ), Cabo Verde, Córdoba e Sevilha como foco para compreender os processos de Inclusão/Exclusão no Ensino Superior dos referidos países. Os dados obtidos remeteram às incongruências entre as políticas propostas e os dados da pesquisa, uma vez que os sujeitos respondentes proporcionaram uma gama de questões de pesquisa sobre as ações de inclusão/exclusão sentidas no ensino superior. Neste sentido, tornou-se necessário saber como os docentes formadores de professores estavam percebendo tais processos e quais eram suas concepções de inclusão. Deste modo, o segundo projeto foi proposto, a fim de compreender o que se passava nas culturas, políticas e práticas docentes. Nesse novo projeto, intitulado Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão em Educação Superior: As Vozes dos Formadores de Professores, o objetivo geral era de descrever e discutir o panorama dos processos de inclusão/exclusão nas referidas universidades no tocante à construção de culturas, ao desenvolvimento de políticas e à orquestração de práticas de inclusão/exclusão tendo como foco e objeto central de análise os professores das mesmas. O universo de professores respondentes foi de 221, todos docentes das universidades acima citadas, incluindo ao longo do desenvolvimento da pesquisa a Universidade de Lisboa, em Portugal. Este trabalho busca verificar, a partir do recorte dos respondentes brasileiros – neste caso, professores da UFRJ, os pontos e contrapontos entre os docentes no que diz respeito à inclusão/exclusão no Ensino Superior, respeitando os tempos históricos da instituição e dos momentos políticos em que cada país direciona suas ações no Ensino Superior. Para essa discussão, Santos (2012,2013), Booth e Ainscow (2002), Marx (1998) e Morin (1999) são os autores que embasam teoricamente essa discussão. Com a perspectiva analítica omnilética, esse texto pretende compreender a inclusão em

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educação como um processo sem um ponto fixo a se chegar, e, frente à possibilidade de tantas partidas, pretende-se chegar em possibilidades de metamorfoses constantes na compreensão de inclusão e exclusão em Educação. Caminhos Teóricos e Metodológicos: Pensando omnileticamente o conceito de inclusão

Esta pesquisa caracteriza-se por ser quali-quantitativa em que os dados que nos interessam são principalmente os qualitativos, uma vez que dão maior possibilidade para a análise dos dados a partir da omnilética. Neste sentido, os dados quantitativos nos ajudam a compreender dados mais objetivos coletados e complementando muitas vezes os dados qualitativos, enquanto que os dados qualitativos colaboram com a ampliação na interpretação omnilética. Para compreender um pouco mais de como o termo omnilética foi criado é importante saber que: O termo omnilética foi criado por Santos (2011, 2012) a partir de três elementos morfológicos: o prefixo latino omni, que significa tudo e/ou todo; o substantivo e verbo gregos leto, que como substantivo significa um grupo de elementos linguísticos que diferenciam grupos conforme suas variações de fala, e como verbo significa aquilo que está oculto; e o sufixo grego ico, que significa ‘pertinente a’, ‘relacionado com’, indicando a ideia de referência e de relação. (SANTOS e FONSECA, 2013, p. 129)

A perspectiva de análise omnilética desta pesquisa partirá dos conceitos centrais pontuados por Santos (2013), quais sejam: culturas, políticas e práticas (BOOTH e AINSCOW, 2002); dialética (MARX, 1998) e complexidade (MORIN, 1999). Para Santos (2013) é na interrelação destes conceitos que surge a perspectiva omnilética de análise, perspectiva essa que não fecha o pensamento em círculos, retas e exatidão. É, justamente, por meio da compreensão do caos, da contradição materialmente construída pela história dos sujeitos, que podemos compreender as culturas, políticas e práticas de inclusão e exclusão em educação. Ou seja, o fenômeno social a partir dessa análise conta com a “integralidade visível e em sua potencialidade invisível, mas não necessariamente ausente, seja por estar apenas oculta, seja por existir, ainda, apenas potencialmente” (SANTOS, 2012, p. 1). Nesse neologismo criado por Santos, a percepção da diversidade é: uma percepção relacional da diversidade, do que é variado, variação esta que pode encontrar-se tanto presente quanto oculta, ao mesmo e um só tempo ou em tempos e espaços diferenciados. Trata-se de um modo complexo de se perceber os fenômenos sociais, os quais compõem, em si mesmos, possibilidades de variações infinitas e nem sempre imediatamente

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perceptíveis, visíveis ou imagináveis, mas nem por isso ausentes ou impossíveis, pois seu caráter relacional, referencial e participativo (no sentido de ser parte) torna aquilo que se percebe do fenômeno tanto sua parte instituída quanto é, esta mesma, sua instituinte. Ou seja, os fenômenos que percebemos e como os percebemos são tão instituídos quanto instituintes. (SANTOS, 2012, p. 3-4)

Metodologicamente elencamos os três conceitos básicos do Index para a Inclusão, quais sejam, Políticas, Culturas e Práticas, e a partir deles vamos analisando os dados obtidos de forma omnilética. Deste modo, ao analisar cada item do questionário proposto percebemos que as categorias acima citadas, encontram consistência ao serem compreendidas dialética e complexamente. Dando um caráter de análise omnilética fazemos um cruzamento entre os dados visíveis e invisíveis e mesmo na invisibilidade denotamos as potencialidades do vir a ser de cada fenômeno social circunscrito entre a análise documental e das questões respondidas pelos docentes das universidades pesquisadas. As três dimensões do Index para a Inclusão referem-se a: Culturas, que têm a ver com os valores e crenças; Políticas, que referem-se à administração e aos planos de mudanças e práticas com as ações propriamente ditas; e as Práticas, que referem-se aos fazeres, aos atos, às ações, inclusive de pensamento. Pensar omnileticamente a Universidade e o Ensino Superior, requer de nós um pensar sobre diversos fenômenos históricos e culturais que envolvem tal temática. Ao iniciar uma reflexão sobre Inclusão em Educação neste nível de ensino, independente do país pesquisado, encontraremos traços de uma história de elitização do saber que, ao nosso ver, constitui as principais barreiras de acesso e permanência nas instituições superiores. Como diz Morin (1999), a necessidade de um pensamento complexo e a reforma de pensamento passam pelo crivo da universidade e esta implica na mudança de pensamento que envolve a Universidade, pois como instituição social pode ser uma favorecedora destas transformações necessárias. “A universidade deve ultrapassar-se para se reencontrar” (MORIN, 1999, p. 27). Ouvir as vozes dos Formadores de Professores implica em colocarmos diante de nossas reflexões o visível e o invisível, as contradições entre o que as políticas dizem e as reais condições docentes em suas práticas e em última instância verificarmos quais angústias apresentam frente ao tema Inclusão em Educação. A primeira fonte de dados dessa pesquisa é documental, indicando para cada Instituição envolvida as leis que as regem. No presente artigo nos deteremos nas Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica (CNE/CP 1,

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2002). No movimento omnilético, esse documento nos ajudou a pensar quais são as contradições, as complexidades e em que momentos as dimensões das culturas, políticas e práticas são evocadas. Entre o dito e o não dito, a análise omnilética dessas fontes implicou indicar fatores internos e externos que perpassam as instituições de ensino superior, colocando a universidade dentro de um contexto social e cultural marcado por um tempo histórico que a influencia e direciona suas ações. Um exemplo deste fato podemos relacionar com o conceito de competências, por exemplo, que dentro das Diretrizes representa uma influência do mercado que exige que a Universidade forme sujeitos “competentes” nas suas funções. Nesse sentido, pensando omnileticamente, podemos pensar como as culturas são influenciadas pelo mercado capitalista, de que forma as políticas acabam se orientando por tais princípios e

de que modo esse

processo se revela na prática e ação docente. Acreditamos que as mudanças possíveis acontecerão quando compreendermos que a materialidade que constitui nossa história nos influencia, mas não nos determina. O enclausuramento em seguir cegamente as políticas superiores e as ações do cotidiano, não pode determinar eternamente as ações docentes, uma vez que o risco de tal perspectiva é o apagamento da ação docente como uma ação política. O que se quer com a leitura e interpretação omnilética destes dados é contribuir para que as ações no Ensino Superior não se encerrem somente nas coisas visíveis nos documentos, mas sim que possamos perceber os ditamentos ideológicos contidos neles e as possibilidades de resistência, luta e transformação social. O segundo instrumento, que diz respeito também à segunda fonte de dados, foi o questionário semiestruturado aplicado com os docentes das universidades envolvidas. A construção deste instrumento foi realizada pelo LaPEADE e a validação foi realizada por integrantes deste laboratório, bem como contou com a validação realizada por pesquisadores/colaboradores do LaPEADE, de Cabo Verde, Córdoba, Sevilha e Portugal. Após esta validação e aplicação dos questionários em cada instituição, o LaPEADE inseriu os dados coletados no software de coleta e análise de dados SurveyMonkey. Este software oferece um apoio principalmente para gerarmos documentos em Excel e PDF, facilitando assim as análises quantitativas da pesquisa, consequentemente, colaborando na análise qualitativa dos dados, pois a partir da organização no SurveyMonkey, pudemos elaborar nossas reflexões de análise omnilética. Como salientado anteriormente, neste momento fazemos um recorte nos

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dados da pesquisa realizada com os docentes brasileiros, neste caso representados por docentes da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O questionário contou com questões abertas e fechadas que foram aplicadas para os professores de ambas as universidades. O questionário é formado por quatro blocos: o primeiro refere-se ao perfil pessoal e profissional dos respondentes; o segundo problematiza questões referentes à dimensão de Culturas inclusivas, e como principal pergunta aberta investiga quais as concepções dos professores sobre o processo de inclusão/exclusão no Ensino Superior; o terceiro diz respeito à dimensão de Políticas de inclusão/exclusão; o quarto direciona as questões para as Práticas de inclusão/exclusão e o quinto e último preocupa-se com questões da diversidade, participação e inclusão. Concepções de Inclusão dos docentes universitários e a diversidade nas diretrizes curriculares nacionais de formação de professores da educação básica Como salientado ao apresentar este trabalho, aqui abordaremos alguns apontamentos sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (CNP/CP1, 2002) e alguns dos dados obtidos junto ao questionário realizado com os docentes brasileiros. Esta pesquisa se propôs, por meio de uma análise omnilética, a atingir os objetivos traçados em seu início. Para iniciar essa análise omnilética, é preciso compreender que disporemos de cinco conceitos fundamentais que a compõem: os três primeiros têm a ver com as culturas, políticas e práticas de inclusão, complementados pelos conceitos de dialética e complexidade. A pesquisa no Brasil ocorreu com 36 professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O questionário, dividido em 4 eixos, em seu primeiro momento buscou definir o perfil dos sujeitos pesquisados. A primeira questão desse eixo levantou que dos 36 respondentes 97,22% são Brasileiros e 2,78% são Argentinos. Quanto ao sexo dos sujeitos envolvidos, 75% são do sexo feminino e 25% do sexo masculino. Ao serem questionados sobre a orientação sexual, questão essa opcional: 91,7% consideram-se heterossexuais e 2,8% homossexuais, bissexuais e outros respectivamente. Quanto à classificação do IBGE, 8,3% se consideram Negros, 69,4% Brancos, 16,7% Pardos e 5,7% consideram-se de outra cor. Com relação ao estado civil dos entrevistados: Solteiros 19,4%, Casados 61,1%, Separados 5,6% e 2,8% são viúvos, os demais 11,1% definiram como outro estado civil. Ainda seguindo a lógica de definição

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do perfil dos pesquisados, foi também levantado o curso de formação dos sujeitos. Trinta e cinco (35) docentes responderam a esta questão, dos quais 34,29% com formação em Pedagogia, 14,29% em Letras e 11,43% em Ciências Sociais/Psicologia. Em relação à faixa etária, a maioria, que totaliza 29,4% dos docentes, possuem de 41-46 anos de idade, seguidos de 20,6% com idade entre 47-54 anos, 17,6% com idade entre 35-40 anos, 11,8% com 29-34 anos de idade, 11,8% acima de 61 anos e 8,8% com idade entre 55-60 anos. O perfil dos pesquisados revela que embora a maioria (29,4%) tenha idade superior a 40 anos, 63,9% dos entrevistados tem entre 0 a 3 anos de vínculo com a UFRJ. O que denota a relação entre as últimas políticas de expansão do ensino superior, destacada por Araújo (2013). Tais políticas relacionadas ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (REUNI), tinham por objetivo a ampliação da rede federal de Ensino Superior no Brasil, o que alterou alguns panoramas na Educação Brasileira, seja pelo aumento de vagas para estudantes, como para professores, além de outras esferas. Neste panorama acima apresentado, propomos aqui relacionar alguns dados sobre os sujeitos respondentes e o que dizem as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores sobre a temática da inclusão em educação. De acordo com a Resolução que institui as diretrizes, o Ministério da Educação prevê que a formação de professores prepare-os para o “acolhimento e o trato da diversidade”. Para isso o professor deve desenvolver competências que orientem sua formação e relação entre a teoria estudada e a prática efetivada. Nessa formação também deverão ser refletidos assuntos contemporâneos dentre os quais: II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e das comunidades indígenas; III conhecimento sobre a dimensão cultural, social, política e econômica da educação (MEC, 2002, p. 3)

Podemos perceber que as diretrizes ampliam a noção sobre a inclusão, uma vez que ao propor a inserção nos debates contemporâneos da educação, indica que os alunos das modalidades de ensino que compõem a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais nº 9394/96 sejam foco nessa formação. Porém, ao ver de nossa concepção de Inclusão – a qual não fecha o debate da diversidade no âmbito dos alunos das modalidades da educação, como por exemplo conforme cor, etnia, (d)eficiência, etc-, essa perspectiva

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ainda limita-nos sobre as demais formas de inclusão e exclusão que a formação no ensino superior pode oferecer. Uma possibilidade que nos parece viável nessas diretrizes é que dentro desses temas contemporâneos, inserir o conhecimento sobre a dimensão cultural, social, política e econômica da educação pode exercer uma brecha que permite que as culturas, políticas, e práticas de inclusão e exclusão possam permear essa formação, trazendo juntamente um olhar dialético e complexo para a formação para a inclusão em educação. Com esse debate, o próprio conceito de diversidade pode ser fortalecido como um conceito com características políticas e mutantes, e que precisa de esclarecimentos dentro da própria formação. Neste sentido, aparecer nas diretrizes para a formação o conceito sobre a diversidade não garante que esta seja devidamente abordada, muito menos refletida na formação. a visibilidade da diversidade (por meios de lei, reformas curriculares e outros) não garante o seu efetivo reconhecimento e, consequentemente, uma transformação social para com as diferenças no sentido de respeitá-las e de se promover uma convivência pacífica, cidadã e mútua. Saber das leis, do que é politicamente correto, não garante a alteração das práticas porque não garante uma modificação na ordem dos valores. É preciso que estes três fatores (culturais, políticos e práticos) estejam em conjunção simultânea em cada um de nós, em cada instituição social, em cada sistema político, social e econômico. (SANTOS, 2010, p. 8)

A formação preocupada com os valores de inclusão fica extremamente comprometida quando o conceito de competências é premissa básica no documento analisado. Se o professor deve ser competente, o que é ser competente em inclusão em educação? A partir desse questionamento, podemos ver pensamentos contraditórios implícitos dentro de um mesmo documento, uma vez que competência tem origem econômica e produtiva. Já em 2000, Macedo previa que os caminhos das diretrizes direcionavam a educação como eficiência social, uma vez que o impasse entre um pensar democrático e a busca por uma mobilidade social estariam entre as ações docentes esperadas. Pensamento este que não compactua com os valores de inclusão que acreditamos e lutamos, pois o pensar a inclusão exige um pensamento sobre o humano, seu tempo e suas potencialidades a partir do que pode oferecer como produtivo e não como sujeito a submeter-se à lógica do capital. Os professores respondentes, em sua maioria, evocaram a palavra processo quando foram conceituar inclusão em educação. O que, em nosso entendimento, coloca-

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os de acordo com nossa concepção de que inclusão é um processo e não um lugar a que se quer chegar. S 8 - Processo que visa a proporcionar condições de desenvolvimento aos cidadãos, de acordo com as necessidades de todas as ordens. S 10 - como um processo em que todos, independentemente de origem, etnia, situação social, gênero, orientação social, participem coletivamente. S 14- A inclusão é um processo que possibilita a democratização do acesso às instituições escolares e o pleno poder e direito a seus instrumentos de organização e participação. S 15 - Processo em que todos se sentem pertencentes as instituições educacionais, sem preconceitos. S 18 - Como um processo democrático e social, pois significa a superação de concepção de tolerância. Supõe ser respeitado e atuar em diferentes campos culturais e sociais.

Todavia, essas concepções, se colocadas no bojo de diretrizes por competências, revelam a complexidade da formação a ser realizada pelos formadores de professores, já que suas ações vivenciarão o embate dialético entre o discurso subjacente nas diretrizes e as ações de inclusão na qual acreditam e praticam. Por isso, pensar omnileticamente o conceito de inclusão, coloca à educação uma tarefa constante de busca por formação humana que ultrapasse tais limitações políticas dadas as suas ações. Outro fato, não menos importante, é o conceito de inclusão ainda estar relacionado com Educação Especial. Alguns respondentes inserem em seus discursos que esse processo tem a ver com incluir os sujeitos alunos da modalidade educacional da educação especial. O que pode estar relacionado com as próprias diretrizes, pois estas mencionam o conceito de diversidade apenas uma vez e posterior a isso coloca como debate contemporâneo o conhecimento sobre alunos especificamente das modalidades educacionais, nos quais entram os alunos da educação especial. S 4 - É um processo social que visa integrar pessoas com algum tipo de "deficiência". A educação é vista como investimento de integração. Também engloba outras questões, como inclusão por gênero, "raça", orientação sexual, etc... S 13 - é um processo educativo onde as crianças, jovens portadores de necessidades especiais e de distúrbios de aprendizagem têm direito à escolarização, sendo integrada na comunidade escolar.

Se a formação orientada pelas diretrizes (orientações essas que mencionam a diversidade muito rapidamente) encaminha-se para as competências necessárias aos futuros docentes, fica-nos a perspectiva positiva de que muitos docentes formadores de professores incluem a participação como um fator chave para que a inclusão se efetive. E sendo a participação um conceito relacionado à democracia, poderemos vislumbrar

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uma atuação política da educação e não meramente como uma função de eficiência para o mercado. Como salientam os sujeitos: S 2 - Participação de todos p/ o benefício de todos e eliminação dos preconceitos de cor, raça, gênero, capacidades e inteligência; S 25 - A possibilidade de participação plena, ou seja, com acesso e integração. Algumas considerações: O LaPEADE insere-se no debate nacional e internacional sobre inclusão em educação e neste viés propõe a ampliação deste conceito, incorporando nele todos debates que envolvam todo e qualquer ser humano que vive processos de exclusão. Deste modo, como este texto apontou, a inclusão no ensino superior, mais especificamente na formação de professores, está em processo de construção constante. Os resultados indicam que muitos dos docentes participantes compreendem-se como agente político e inserem em suas concepções de inclusão uma preocupação com o outro, o excluído. Ao passo que as diretrizes instituem alguns impasses, tendo em vista o conceito de competência e o não aprofundamento sobre a diversidade, vemos que problematizá-la, estudá-la e apropriar-se dos documentos oficiais pode ser um ponto de partida para a constante e necessária discussão sobre inclusão em educação. Acreditamos que pensar o conceito de inclusão dentro das culturas, políticas, e práticas inseridas num contexto dialético e complexo é permitir novas leituras, novas concepções e novos horizontes para a inclusão em educação, não nos limitando aos documentos oficiais, mas sim construindo a partir deles as leituras omniléticas necessárias para construir uma educação que se coloque em constante avaliação e auto avaliação, compreendendo que a função social de toda e qualquer instituição educacional tem a ver com valores inclusivos, portanto humanos e não excludentes. Assim, cabe ao ensino superior e aos docentes nele envolvidos, a difícil tarefa de, frente a todas as pressões alheias à formação humana, a construção democrática e reflexiva das instituições nas quais estão envolvidos politicamente.

REFERÊNCIAS: BOOTH, Tony & AINSCOW, Mel. Index para a Inclusão. Londres: CSIE, 2002) BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP 01/2002, de 18 de fevereiro de 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, 2002. KONDER, Leandro. O que é Dialética. São Paulo: Brasiliense, 25ed., s/d.

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MACEDO, Elizabeth. Formação de professores e Diretrizes Curriculares Nacionais: para onde caminha a educação? Teias, Rio de Janeiro: ProPEd/UERJ, v. 1, n. 2, p. 1-16, 2000. MARX, K. ENGELS F. A ideologia Alemã. ; [introdução de Jacob Gorender]; tradução Luis Claudio de Castro e Costa. - São Paulo: Martins Fontes, 1998. MORIN, Edgard. Da necessidade de um pensamento complexo. In: Para navegar no século XXI – Tecnologias do Imaginário e Cibercultura. EdiPUCRS, 1999. Disponível em http://pt.scribd.com/doc/52266185/Pedagogia-Edgar-Morin-Da-necessidade-de-umpensamento-complexo. Acesso em agosto/2013. SANTOS, Mônica Pereira dos. Políticas Públicas de Inclusão de Pessoas com Deficiência: Uma Análise Omnilética. In: Anais do XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas – 2012. ____________. Dialogando sobre Inclusão em Educação; contando casos (e descasos). 1. ed. Curitiba: CRV, 2013. v. 1. 88p SANTOS, Mônica Pereira dos; FONSECA M. P. de S. da F. Concepções de Docentes e Licenciandos de Educação Física acerca de Inclusão em educação: Perspectiva Omnilética em discussão. In: Interacções nº. 23, pp. 128-145 (2013) SANTOS, Mônica Pereira dos et alli. Inclusão/Exclusão na Formação Inicial de Docentes de Universidades Públicas: Brasil, Cabo Verde, Córdoba e Sevilha . Relatório Final de Pesquisa, 2010. Disponível em: http://www.lapeade.com.br/publicacoes/pesquisas/Relatorio_final_09_04_10.pdf SANTOS, Mônica Pereira dos et alli. Culturas, Políticas e Práticas de Inclusão no Ensino Superior: vozes dos formadores de professores. Relatório Final de Pesquisa (em elaboração, versão mimeo), 2014. [*] Doutoranda em Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ). Email: [email protected] [**] Licencianda em Pedagogia – Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ.

Email: [email protected]

Texto 3: EXPERIÊNCIAS/INTERFACES ENTRE A SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRM’s) E A SALA COMUM/REGULAR NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU/RJ: ESTADO DA ARTE DA ORGANIZAÇÃO DE UM SISTEMA ALLAN ROCHA DAMASCENO[*]

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(Instituto de Educação, UFRRJ)

ANDRESSA SILVA PEREIRA[**] (Instituto de Educação, UFRRJ)

RESUMO: Neste artigo apresentamos nossas reflexões sobre a organização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) que é realizado nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s) no processo de escolarização e inclusão dos estudantes que constituem o público alvo da educação especial. Esta pesquisa é decorrente de um estudo vinculado a um projeto de pesquisa de âmbito estadual intitulado Observatório Estadual de Educação Especial no Rio de Janeiro (OEERJ), que faz parte de um projeto em rede nacional denominado Observatório Nacional de Educação Especial (ONEESP), cujo objetivo primaz é avaliar a atual Política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, considerando a diretriz política do Ministério da Educação (MEC) de implementação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s) para o atendimento das demandas educacionais especializadas dos estudantes público-alvo da referida modalidade. Deste modo, por meio da pesquisa colaborativa, realizada no mês de dezembro/2012 com a participação de 1cinco professoras do município de Nova Iguaçu/RJ atuantes nas citadas salas, local onde ocorre o Atendimento Educacional Especializado (AEE), pudemos investigar a organização do ensino no referido espaço em interface com as classes regulares/comuns, por meio de seus relatos em entrevistas realizadas em grupos focais. PALAVRAS-CHAVE: Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs); Inclusão escolar; Gestão de sistema inclusivo.

Para início de conversa: cenários/contextos da pesquisa…

Segundo o Censo Populacional de 20103, o município de Nova Iguaçu é considerado o 4º lugar mais populoso do Rio de Janeiro, com 796.257 habitantes. Atualmente4, segundo relatos da Coordenadoria de Educação Especial (SEMED), o município tem 114 unidades escolares, 16 escolas municipais de educação infantil, 52 salas de recursos, 2 núcleos de apoio a inclusão, 1 classe hospitalar, 27 professores itinerantes que visam dar o apoio pedagógico nas escolas para os professores das Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs), 1 polo de surdez e deficiência visual, que estão em fase de construção. Ainda com destaque para a narrativa da coordenadora de Educação Especial, o município de Nova Iguaçu está em:

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[...] processo de inclusão, rompendo paradigmas com trabalhos educativos para as mudanças da estrutura escolar vigente. Tivemos grandes avanços, a maioria das Unidades Escolares são acolhedoras e abraçam as diferenças, poucas apresentam sentimento de estranheza. Porém, buscam a superação através de reflexão e prática. Com o trabalho realizado, as diretoras junto com o corpo docente das Unidades Escolares do nosso município, em sua maioria, tem sido parceiras e atuantes com relação ao processo de Inclusão, buscam atendimento de qualidade para os alunos incluídos, solicitando inclusive instalações de Salas de Recursos em suas Unidades Escolares, além de, formação em serviço e rede de atendimento. Embora, sintam-se impotentes diante das dificuldades enfrentadas, compreendem que o movimento de inclusão é um processo em construção, cuja a sociedade Iguaçuana se mobiliza para adaptar-se e contribuir para mais avanços e conquistas.

Cabe ressaltar que as Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) surgiram em Nova Iguaçu entre os anos de 2004 e 2005, ocasião que quatro (4) Salas de Recursos Multifuncionais foram implementadas no município. E entre os anos de 2007 e 2011 o quantitativo de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s) saltou para trinta e oito (38) no município. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é a configuração política atual da oferta dos serviços de atendimento educacional e pedagógico aos estudantes público-alvo da educação especial. De acordo com o documento Sala de Recursos Multifuncionais – Espaço de Atendimento Educacional Especializado, publicado pelo Ministério da Educação: A iniciativa de implementação de salas de recursos multifuncionais nas escolas públicas de ensino regular responde aos objetivos de uma prática educacional inclusiva que organiza serviços para o Atendimento Educacional Especializado, disponibiliza recursos e promove atividades para desenvolver o potencial de todos os alunos, a sua participação e aprendizagem. Essa ação possibilita o apoio aos educadores no exercício da função docente, a partir da compreensão de atuação multidisciplinar e do trabalho colaborativo realizado entre professores das classes comuns e das salas de recursos. (BRASIL, 2006, p. 12)

Com base na Política destacada, entendemos que a Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s) torna-se um espaço potencializador, em que as propostas pedagógicas respondem aos objetivos das práticas educacionais inclusivas, favorecendo atividades significativas para a aprendizagem dos estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, que são o público-alvo da educação especial.

Aporte teórico: nossas lentes.

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As Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) se constituem como espaços importantes de interlocução com a sala de aula comum, de forma que propicie interações nas práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem entre os saberes e fazeres do professor da sala de aula comum e o professor da Sala de Recursos Multifuncionais (SRMs). Segundo, o decreto 6571/2008, que institui o AEE, § 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. § 2º O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.

Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), preconiza: Art. 4º - O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).

Em interlocução com as referidas leis acima o atual decreto nº 7.611 de 17 de novembro de 2011 também dispõe sobre a educação especial com referência ao atendimento educacional especializado e dá outras providências através dos seguintes dispositivos e artigos: Art. 1º O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes: I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; II - aprendizado ao longo de toda a vida; III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; IV - garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais; V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena; VII - oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino;e VIII - apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial. Art. 5º A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e a instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos

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estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.

Logo, a Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) não deve ser considerada um espaço isolado das demandas/estrutura pedagógica da escola, pois esse entendimento é equivocado na medida, em que, se associa a uma fragmentação do trabalho pedagógico e educacional. Conforme Adorno (1995, p.26) destaca: A experiência formativa, caracterizada pela difícil mediação entre o condicionamento social, o momento de adaptação, e o sentido autônomo da subjetividade, o momento da resistência, rompe-se com Auschwitz, que simboliza a dominação do coletivo objetivado sobre o individual e do abstrato formal sobre o conceito empírico. A perda da capacidade de fazer experiências formativas não é um problema imposto de fora à sociedade, acidental, e nem é provocado por intenções subjetivas, mas corresponde a uma tendência objetiva da sociedade, ao próprio modo de produzir-se e reproduzir-se da mesma.

Ante o exposto, devido à força produtivista que se instaura tanto no condicionamento social quanto na consciência do indivíduo, as práticas tornam-se meramente executadas em concepções estritas de cunho individualista, em que, “o para quê já não se torna evidente” (ADORNO, 1995). Deste modo, as experiências formativas necessitam ser convergidas no sentido de elaboração de uma consciência verdadeira, mediatizada pela práxis da emancipação. Quanto a isso, é esclarecido que: Pensando nessa afirmação e fazendo uma analogia à questão da formação do professor da escola inclusiva, pensamos que o professor que puder libertar-se das dificuldades por ele mesmo impostas ao processo de acolhimento aos estudantes deficientes, poderá se tornar àquilo que chamamos de agente agregador, ou seja, um multiplicador de ideias e reflexões que também poderão apontar para a libertação de outras consciências, que se encontram encarceradas pela auto-inculpável menoridade (DAMASCENO; COSTA; PAGAN, 2006).

Os professores da sala de aula comum quanto do AEE necessitam criar juntos alternativas para as ações pedagógicas que serão desenvolvidas no contexto escolar, sobretudo, em fazeres e saberes que propiciem uma forma de práxis desalienada, isto é, um conhecimento crítico em que se dá a ação, da visão do mundo que estejam tendo. Pois, corre-se o risco de absolutizar o relativo – trabalho – sem contudo pensar no concreto – daquilo que está presente em seu fazer pedagógico – mitificando-o e passando para a alienação, levando o próprio saber e fazer na mera execução de uma prática ativista que geram ações mecanicistas.

Caminhos metodológico: entre trilhas e percursos.

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A abordagem teórico-metodológica adotada foi a Teoria Crítica da Sociedade, considerando a análise crítico-reflexiva dos dados obtidos. Além disso, esta pesquisa está integrada em nível nacional e estadual ao 5ONEESP (Observatório Nacional de Educação Especial) e OEERJ (Observatório de Educação Especial/RJ), sendo este último composto por uma equipe de cinco pesquisadores que representam quatro universidades públicas do Rio de Janeiro (UFRJ, UFF, UFRuralRJ e UERJ). E dentre os municípios participantes da pesquisa em nível estadual, destacamos neste estudo Nova Iguaçu. No âmbito da coleta e análise dos dados foram organizados grupos de trabalho coletivo – grupos focais onde ocorreram as entrevistas. A técnica do grupo focal ocorreu em forma de entrevista no mês de dezembro/2012 com um pequeno grupo, composto por professoras atuantes nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) do município com o objetivo de caracterizar a organização do ensino nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) e classes comuns. Deste modo, entende-se como grupo focal “um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal” (POWELL e SINGLE, 1996, p.449). Além disso, a base metodológica da pesquisa é colaborativa no sentido de fazer pesquisa “com” os professores e não “sobre” eles (LIEBERMAN, 1986). Resultados e discussões: diálogos sobre diálogos... Conforme o objetivo da pesquisa, passamos a destacar as narrativas de cinco professoras atuantes nas Salas de Recursos Multifuncionais do município de Nova Iguaçu/RJ, suas práticas pedagógicas e compreensões acerca do trabalho na organização do ensino nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) e classes comuns. Nessa

perspectiva,

perguntamos

as

professoras

das

Salas

de

Recursos

Multifuncionais (SRM’s), se existe relação entre o trabalho da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) e das classes comuns que o estudante público-alvo da educação especial frequenta. Os seguintes relatos foram: “Depende muito do profissional que está do outro lado, tem situações das quais o profissional que está lá, é uma relação ótima onde você consegue, ele busca, você dá o caminho a ele, ele mesmo pesquisa, ele vai e aceita e aí é uma relação ótima! Quando tem esse profissional... E, às vezes, acontece de ser ao contrário, de você não ter essa boa relação, nós ficamos meio que isolados... Parece que a atividade é só nossa, que ele só caminha na nossa sala. Às vezes, contamos para o profissional que: ‘olha ele fez isso’, ‘ele?!! Imagina!’ Parece que são dois mundos... ‘Ele faz isso? Duvido’ Mas faz...

29 Entendeu? Então depende do outro profissional que está lá do outro lado” (Professora da sala de recursos, P1). “Eu acho que vai depender do professor. Eu já tive experiência com professor que a gente trocou informação e já teve outros que não, coisa simples. Teve um professor que eu fui conversar com ele, não era a questão emprestar o material, mas de dar continuidade a estimulação dentro de sala, eu falei que estava trabalhando com o ‘C’ e seria legal que se fosse dar um texto, usar música e cantar, dei uma ideia. Eu acho que seria bacana para o ‘C’, porque eu estou trabalhando assim com ele. E ela disse: ‘Ah! Mas eu vou mudar o meu planejamento todo?’ [...] Você percebe que cria uma resistência. Não era nada demais. Era só fazer uma aula com mais movimento, ele ficava lá paradinho. Quando eu conversei com a supervisora, ela disse: ‘Vou lá conversar com ela, isso não é bom só para ele não, os outros também vão gostar.’ Poxa e não era nada demais. Então assim, depende muito” (Professora da sala de recursos, P3). “É diferente. O nível de conhecimento de cada um também irá variar” (Professora da sala de recursos, P4). “Bem, lá na minha escola acaba não havendo essa relação pela falta de contato que existe entre um professor e outro [...] Então, eu consegui ter um contato com uma das professoras, vamos dizer assim, que essa professora deu abertura para isso, porque alguns até não dão abertura, não querem estagiários na sala, não querem que ninguém atrapalhe o trabalho dela [...] Eu pude perceber que acontece é aquele trabalhinho [...] De pintar, de colorir e não é feito um trabalho voltado para a alfabetização daquele aluno, para a participação coletiva com um determinado grupo. Acabam selecionando um trabalho tipo, ela vai pintar esse aqui, ele vai tentar fazer o nome dele aqui [...] Ele fica no canto de uma sala e quando lembram, vão lá e dão uma folhinha para ele [...] Eu tento trabalhar via estimulação, o desenvolvimento, a percepção, como nos jogos [...] Basicamente, é esse o trabalho que eu faço em sala de recursos, mas não necessariamente voltado ao que esta sendo dado em sala de aula regular” (Professora da sala de recursos, P5).

A maioria dos relatos apresentados pelas professoras é destacada a falta de diálogo com o professor da sala de aula regular/comum. Apenas em alguns momentos acontece essa interlocução. Conforme os relatos das professoras P1, P3 e P5, os professores da sala de aula regular/comum se mostram resistentes quanto à mudança no planejamento educacional para os estudantes com deficiências, pois os mesmos não acreditam no potencial de aprendizagem desses estudantes. A professora P5 relata que as professoras da sala de aula regular/comum selecionam trabalhos pedagógicos de pintura/colorir, não propriamente de conteúdo, para os estudantes que permanecem isolados na sala de aula regular/comum, e que quando lembrados se oferece como atividade pedagógica uma folha em branco para ser rabiscada. É perceptível o preconceito/resistência, produzindo processos excludentes e segregadores que se perfazem no cenário educacional, e que refletem a ideologia dominante na organização do mundo. Deste modo, coadunando com o pensamento de Adorno (1995, p.35 -36):

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A própria falta de emancipação é convertida em ideologia [...] Mas, deparamse, por outro lado, com as sólidas barreiras impostas pelas condições vigentes. Como não podem romper essas barreiras mediante o pensamento, acabam atribuindo a si mesmos, ou aos adultos, ou aos outros, esta impossibilidade real que lhes é imposta. Eles mesmos terminam por se dividir mais uma vez em sujeito e objeto. De qualquer modo, a ideologia dominante hoje em dia define que, quanto mais pessoas estiverem submetidas a contextos objetivos em relação aos quais são impotentes, ou acreditam ser impotentes, tanto mais elas tornarão subjetiva esta impotência.

Em vista disso, outras narrativas também evidenciam o cunho individualista e heterônomo por parte dos professores das Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) e dos professores da sala de aula regular/comum com relação ao planejamento de ensino dos estudantes que são público-alvo da educação especial. Perguntamos: Como os professores das salas de recursos multifuncionais planejam o ensino dos estudantes com necessidades especiais nas salas de recursos? Obtivemos as seguintes respostas: “Lá em Nova Iguaçu assim, não senta todo mundo não. O aluno é meu até na hora da matrícula ‘H Corre!’. O aluno é da H, a H vai planejar, mas como aquilo que eu falei, se aquele aluno está em uma turma onde o professor tem uma boa relação, nós acabamos juntos com uma proposta minha: ‘ah vamos ver se podemos trabalhar...’ [...] Se a relação não é boa, vou tentar fazer o que ela fala, ‘poxa tenta isso aqui’. Às vezes, eu levo uma atividade ‘poxa só para te ajudar, porque você está com muito aluno’, ‘eu fiz essa atividade aqui...’ E nós vivemos ‘pisando em ovos’. Porque você chegar e dá uma atividade, ele vai te olhar e vai falar quem manda nessa sala sou eu [...] Porque eu acho que o professor da sala de recursos [...] Nós temos que ser atriz e trabalhar na Globo, ganhar Oscar e tudo. Porque tem hora que você, tem coisa que você engole e sorri com vontade de matar aquela criatura [...] Não tem inclusão gente! Ele fica abandonado dentro da sala de aula, lá naquele cantinho ou perturbando dependendo da característica de cada aluno” (Professora da sala de recursos, P1). “Lá no início do ano nós montamos o PPP e em cima desse PPP, eu procuro fazer o meu planejamento semanalmente [...] Em cima desse PPP, eu procuro fazer o meu planejamento semanal, e assim quando os professores se permitem serem ajudados [...] Então, como eu trabalho dentro da sala de recursos, eu tento passar para ela, ‘olha faz isso, faz aquilo’, jogos que eu elaborei, eu empresto, ‘ah! faz assim, faz assado’, mas outros não se permitem a ajuda e acham que a sala de recursos é uma coisa a parte, não faz parte da escola, é a parte! [...] Então, eles fazem essa diferenciação sim [...] Fica difícil o trabalho” (Professora da sala de recursos, P2). “Nós fazemos individualmente, porque até na segunda que era planejamento, tinha um que era por área, até ano retrasado, sentávamos com o professor da sala de recursos para planejar, acho que era segunda, agora não. É uma coisa que eu sinto muita falta [...] Fazemos o planejamento sozinhos” (Professora da sala de recursos, P3). “Lá nós temos também um dia da semana que é para planejamento, para encontro, estudo de casos, quando há necessidade, dando uma orientação. Todos os profissionais que atendem a criança, nós sentamos para poder estar conversando sobre aquela criança [...] Reuniões que nós temos quinzenais com a própria secretaria de educação [...] formações pedagógicas [...] É o dia quando nós sentamos para organizar o planejamento” (Professora da sala de recursos, P4). “Primeiro nós fazemos um anamnese com o responsável e esse responsável vai passar algumas características do aluno, como aconteceu, o que pode ser,

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quando tem laudo o que é? Como é o comportamento desse aluno em sala? Depois fazemos uma avaliação professor e aluno. Eu, por exemplo, dou algumas atividades: pergunto sobre nome, dou algumas atividades tipo de quebra-cabeça, primeiro da maneira simplificada, aquelas pecinhas que encaixam pra ver o que ele consegue do mais simples estar executando. De acordo com esse levantamento que eu faço, de alguns jogos, de repente até mesmo de algum desenho, eu vou buscar o que eu posso estar desenvolvendo nele, o que é necessário desenvolver. Se esse aluno não consegue, usar o banheiro ou se ele não consegue fazer alguma outra atividade que exija locomoção na escola, primeiro eu vou trabalhar essa adaptação ambiental, no ambiente escolar para depois estar trabalhando mais focado em sala de aula, no desenvolvimento” (Professora da sala de recursos, P5).

A professora P1 relata que em Nova Iguaçu/RJ não há planejamento coletivo por parte dos professores da sala de aula regular/comum o que, de certa forma, foi evidenciado também em falas citadas anteriormente. Se tiver uma relação boa com o professor, o planejamento flui, caso contrário, como ela menciona, estará “pisando em ovos”. Nesta mesma perspectiva, as professoras P2 e P3 também relatam a dificuldade de estabelecer vínculos com o professor da sala de aula regular/comum. Em contrapartida, a professora P4 relata que há reuniões quinzenais com a Secretaria de Educação e formações pedagógicas, em que todos os professores organizam um planejamento coletivo. Contudo, a maioria dos relatos das professoras reforçam a dificuldade de manter um diálogo com o professor da sala de aula regular/comum. Cotejando ao pensamento de Costa e Damasceno (2012, p.24), enfatizamos: É importante esclarecer que as chamadas “experiências” ocorridas nos termos da indústria cultural e da sociedade da semiformação não são experiências em seu sentido formativo, autêntico. No caso, constituem-se em “várias formas de ser e agir” reproduzindo os moldes do existente. Nesse sentido, é possível afirmar que se vive em uma “sociedade de aparências”, porque não se atenta para as ações que, por vezes reproduzimos pensando ser autônomas, mas que, na verdade, são variantes de comportamentos adaptados.

No relato da professora P5, fica evidente que o planejamento de ensino da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) é baseado primeiramente na anamnese (entrevista) com o responsável, que objetiva conhecer as características do estudante. E as atividades que são desenvolvidas primeiramente trabalham a adaptação social e depois é que se voltam para o desenvolvimento cognitivo do estudante. De acordo com a maioria dos relatos das professoras das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s), os professores da sala de aula regular/comum são muito resistentes à inclusão de estudantes público-alvo da educação especial. E essa resistência se deve, sobretudo, ao novo, ao desconhecido. Dessa forma, tudo o que provoca mudança parece ameaçador. No entanto, o desafio é o elemento essencial para que ocorra a mudança. Só assim, será

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possível estabelecer alternativas/mudanças em todo o cenário escolar, quando os professores se assumirem agentes/autores de sua própria práxis pedagógica e protagonistas dessa transformação na educação contemporânea. Indagamos aos sujeitos participantes do grupo focal se o AEE – Atendimento Educacional Especializado é sempre ofertado nas Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) no contraturno ou se o estudante é retirado da classe comum/regular para frequentar a Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s). Se isso ocorre, quais são os motivos? As respostas obtidas foram: “Eu tive o caso de uma que eu atendia no mesmo horário porque a mãe chegou e falou ‘olha só, eu já tenho um especial, dois não!’ [...] Então, eu pegava ela e fazia um trabalho naquele horário, porque ela precisava, era uma deficiência intelectual e a família inteira é assim” (Professora da sala de recursos, P1). “[...] Se colocou em contra turno, tem família que diz que não vai botar, não vai colocar. Se aquela criança for ficar sem o atendimento, você vai buscar ela na sala, você vai tirar ela do horário” (Professora da sala de recursos, P2). “Acontece que tem os que são do contraturno e tem aqueles que... Agora, no momento eu não estou tendo nenhum que saia da turma para ir para a sala regular, no momento não. Mas, já tive outros que nós fazíamos isso. Justamente por conta da dificuldade de vir no contraturno” (Professora da sala de recursos, P4). “Eu atendo a maioria deles no contraturno. Eu atendia no primeiro semestre um aluno no mesmo turno, ele já tinha 17 anos e dizia que trabalhava no outro horário, então, não poderia frequentar a sala de recursos. Assim, uma vez na semana eu fazia o atendimento dele [...] Esse era único aluno. Na época em que a ‘M’ frequentava também, porque não tinha nenhum responsável que a levasse na sala de recursos. Quando ela foi pro sexto ano coincidiu de ser no mesmo horário em que eu trabalhava na escola e eu passei a fazer o atendimento da ‘M’ no mesmo turno. Com exceção destes dois, todos os outros são no contraturno” (Professora da sala de recursos, P5).

A professora P1 e P5 alegam que já atenderam estudantes no mesmo turno em que estudavam na sala de aula regular/comum. Mas a professora P1 não diz se realiza o atendimento no contraturno. As professoras P1 e P2, alegaram que fazem o atendimento no mesmo turno devido a resistência da família em não querer deixar o filho na sala de aula regular/comum, até mesmo, pela negação da deficiência do próprio filho. As professoras P4 e P5 realizam certos atendimentos no contraturno, evidenciando que existem atendimentos no mesmo turno, devido às particularidades dos estudantes ou a dificuldade de frequência no contraturno. Diante dos fatos narrados, é imprescindível que as escolas esclareçam as famílias que seus filhos não estão impedidos de aprender por apresentarem alguma deficiência, fortalecendo o preconceito. Quanto a isso Adorno (1995, p.144) ressalta que:

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A educação por meio da família, na medida em que é consciente, por meio da escola, da universidade teria neste momento de conformismo onipresente muito mais a tarefa de fortalecer a resistência do que fortalecer a adaptação [...] Encontra-se algo como um realismo supervalorizado – talvez o correto fosse: pseudo – realismo – que remete a uma cicatriz.

Nessa perspectiva, as famílias precisam romper com a estereotipia do pensamento que é resultante da desigualdade/hierarquização entre indivíduos. É preciso orientar as famílias sobre o processo de ensino-aprendizagem de seus filhos com necessidades especiais, explicitando o potencial pedagógico do atendimento realizado na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM’s) de forma não substitutiva do ensino escolar ministrado nas salas de aula regulares/comuns. Além disso, a escola e os professores não estão respeitando a legislação vigente sobre o AEE – Atendimento Educacional Especializado, tendo como justificativa as questões estruturais da escola e as especificidades dos estudantes com deficiências. Quanto a isso, Costa (2005, p. 67), esclarece que: Diante dessa possibilidade, a questão posta aos profissionais que atuam na educação dos deficientes é: não é o momento de pensar a própria concepção de educação especial, uma vez que ela contém a ideia de discriminação, de segregação, de barbárie, de exclusão escolar, social e cultural dos educandos com deficiência denominados ‘especiais’, ou seja, inadaptados, desiguais? Pensar sobre isso pode ser revolucionário, pois “aquele que pensa opõe resistência”, embora constatando que, para os profissionais dessa área ‘[...] é mais cômodo seguir a correnteza, ainda que declarando estar contra a correnteza’ (ADORNO, 1995a, p.208).

Nesse sentido, as ações/práticas pedagógicas que são desenvolvidas no contexto do AEE não devem ser vistas isoladamente, mas que sejam contempladas em suas relações internas e externas no espaço escolar e principalmente na parceria com o ensino da sala de aula comum. Caso contrário, “toda hipertrofia de uma provoca a atrofia da outra” (FREIRE,1995, p.206).

Para não concluir...

Diante dos dados apresentados e analisados criticamente do grupo focal das professoras atuantes nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) da rede Municipal de Educação de Nova Iguaçu/RJ, identificamos que as professoras das salas de aula regulares/comuns apresentam resistência, obstaculizando o diálogo com os professores das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM’s), pois defendem a ideia que estes são os únicos responsáveis pelo processo de escolarização dos estudantes atendidos pela

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modalidade educação especial. Em vista disso, a escola com sua equipe profissional necessita dotar aos indivíduos um modo de se relacionar com as coisas. Não basta somente a efetivação da matrícula do estudante com necessidades especiais nas escolas de ensino regular. É preciso formar para a sensibilização dos professores e de toda a equipe escolar para o acolhimento desses estudantes com necessidades especiais, tornando-os aptos a combater a barbárie, rompendo com os mecanismos de segregação e exclusão presentes no cenário escolar e nas instâncias sociais. Pois, “nesta medida e nos termos que procurarmos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação” (ADORNO, 1995, p.151).

REFERÊNCIAS:

ADORNO, T.W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n.9394/96 de 20 de dezembro de 1996. ____________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Sala de Recursos Multifuncionais: espaços para o Atendimento Educacional Especializado. Brasília: MEC/SEESP, 2006. _________. Decreto nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto no 6.253, de 13 de novembro de 2007. Diário Oficial da União. Brasília, 2008. ___________. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Brasília, 2011. COSTA, V. A. Formação e Teoria Crítica da Escola de Frankfurt: trabalho, educação, indivíduo com deficiência. Niterói, EdUFF, 2005. ___________ & DAMASCENO, A. Políticas públicas de educação e inclusão: sociedade, cultura e formação. In: DAMASCENO, A.; PAULA, L, L. de & MARQUES, V. (Orgs.). Educação profissional inclusiva: desafios e perspectivas. Seropédica, RJ: EDUR, 2012. DAMASCENO, A. R; COSTA, V. A. da & PAGAN, J. V. C. Educação Inclusiva: a formação de professores e a democratização da escola pública brasileira. In: IV Simpósio Sobre Organização e Gestão Escolar, 2006, Aveiro. Anais do IV Simpósio Sobre Organização e Gestão Escolar. Aveiro – Portugal. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

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LIEBERMAN, A. Collaborative research: Working with, not working on . . . Educational Leadership, Vancouver, vol. 43, n.º 5, pp.28-32, 1986. POWELL, R.A. e SINGLE, H.M. Focus groups. International Journal of Quality in Health Care, Oxford, vol. 8, n.º 5, pp.499-504, 1996. ________________________ 1 Embora a pesquisa tenha obtido autorização para ser realizada pela Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu, optamos por não identificar neste estudo as professoras participantes. 2 O público-alvo da educação especial, considerando a legislação vigente, Resolução nº 4 de Outubro de 2009, é composto por estudantes com: deficiências: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial; alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação; e alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade. 3 Município do Estado do Rio de Janeiro por população, Censo Populacional 2010. 4 Esses dados da pesquisa foram coletados em Abril/Julho 2013. Então, algumas informações podem ter sofrido modificações. 5 Informações adicionais sobre o projeto nacional podem ser acessadas por meio de seu sitio eletrônico: http://www.oneesp.ufscar.br

[*] Professor Adjunto do Instituto de Educação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ e Professor do Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). E-mail: [email protected]. [**] Licencianda em pedagogia, Bolsista de iniciação científica – PIBIC/CNPQ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ. E-mail: [email protected].

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