Políticas públicas e desenvolvimento: uma análise das políticas de defesa no brasil à luz da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa

May 21, 2017 | Autor: Anna Pott | Categoria: Defence and Security, Public Policy
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POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE DEFESA NO BRASIL À LUZ DA POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA E DA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA1 Charles Martins Hora2 Anna Caroline Pott3

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar a relação entre as políticas de defesa, aqui concentradas na figura da Estratégia Nacional de Defesa (END) e da Política Nacional de Defesa (PND), como ferramentas de políticas públicas para o desenvolvimento econômico do Brasil. Discute-se a relação entre defesa, Estado, políticas públicas e desenvolvimento nesta área. Aponta-se a especificidade do setor e a sua interação com o aparato estatal e a sociedade brasileira. Para tanto são trabalhados os conceitos de defesa e Estado. Partindo da ideia de que a defesa é um bem público – não rival e não excludente – a ser provido pelo Estado, realiza-se uma revisão da literatura referente ao conceito de políticas públicas. Destacam-se os objetivos e finalidades das políticas de defesa brasileiras, relacionado-as com a necessidade de solução de problemas específicos. São também ressaltados os aspectos jurídicos, políticos e econômicos, bem como os atores presentes nas políticas de defesa brasileiras. No mais, aponta-se a desconfiança existente entre os agentes do sistema setorial de defesa – governo, empresas, Ministério da Defesa, Forças Armadas, instituições de pesquisa, dentre outros – bem como, o problema da transparência orçamentária de defesa. Ressalta-se a necessidade e importância da análise de políticas de defesa com o ferramental das políticas públicas, contribuindo para o debate sobre a importância que o setor de defesa possui para o Brasil. O método de abordagem é o hipotético-dedutivo. O procedimento utilizado será o exploratório, por meio da técnica de documentação indireta, com ênfase na coleta de dados e informações de modo a fazer a revisão da literatura existente sobre o tema. Conclui-se, parcialmente, que se demanda o entendimento da defesa nacional enquanto bem público, sendo necessário para tanto analisar as políticas de defesa brasileiras com o ferramental das políticas públicas. No que diz respeito à associação entre defesa e desenvolvimento, pondera-se sobre a conceituação do último, uma vez que o mesmo não está somente associado a ideia crescimento econômico, havendo diversos entendimentos sobre o seu significado. Dessa forma, caberia à sociedade brasileira definir o que significa desenvolvimento, uma vez que se trata de um processo de transformação quantitativo e qualitativo em direção àquilo que a mesma almeja. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Defesa. Desenvolvimento. Estratégia Nacional de Defesa. Política Nacional de Defesa. 1

Texto submetido para discussão no Simpósio de Pós-graduação em Relações Internacionais – SimpoRI 2016. Orientador: Prof. Dr. Nival Nunes de Almeida. 2 Bacharel em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (DGEI/UFRJ). Mestrando em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval. (PPGEM/EGN). Bolsista pela Fundação Ezute. Contato: [email protected]. 3 Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Mestranda em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da UFRJ (PPED/IE). Mestranda em Estudos Marítimos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval. (PPGEM/EGN). Bolsista pelo Clube Naval. Contato: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

O Brasil ganhou destaque no cenário político-econômico mundial nos últimos anos, embora atualmente esteja passando por um momento instável. Esse destaque a nível mundial fez com que o país refletisse sobre o papel da defesa nacional. Tal reflexão fez com que surgissem diversos estudos e documentos. Nesse sentido, observou-se em diversos estudos, que havia uma relação entre o gasto militar e o Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, o crescimento econômico estaria associado a meios que permitissem garantir a defesa dos interesses nacionais (FILHO et al, 2013, p. 374). Assim, passou-se a desenvolver o mercado de defesa no Brasil, visando não só meios de garantir os interesses nacionais, bem como, o crescimento econômico. Entretanto, trata-se de um mercado cuja lógica é diferente, uma vez que não é definido por sua oferta, mas sim por sua demanda. Trata-se de um mercado cujos produtos são, em sua grande maioria, exclusivos e cujo principal cliente é o Estado, na figura das forças armadas. Por conta da particularidade do mercado, os Estados Nacionais possuem um papel central no desenvolvimento dessas indústrias. Desta forma, pesados investimentos devem ser realizados pelo Estado para o desenvolvimento de produtos que atendam as expectativas nacionais na área de defesa nacional. Os produtos são desenvolvidos por meio de encomendas iniciais. Uma vez atendidas, busca-se a inserção do produto no mercado externo, contando com o apoio do Estado, tanto no direcionamento quando na comercialização. Em razão disso, fazem-se necessárias políticas públicas por parte do Estado. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar a relação entre as políticas de defesa, aqui concentradas na figura da Estratégia Nacional de Defesa (END) e da Política Nacional de Defesa (PND), como ferramentas de políticas públicas para o desenvolvimento econômico do Brasil. A relevância do estudo repousa na necessidade de se compreender melhor as políticas de defesa como políticas públicas, dado que a defesa nacional é um bem público – não rival e não excludente – a ser provido pelo Estado por meio de políticas públicas. Tal análise visa contribuir para o debate sobre a importância que o setor de defesa possui para o Brasil. Para tanto, divide-se este trabalho em cinco seções, compreendendo a primeira esta introdução. A segunda seção corresponde à apresentação dos conceitos de Estado, defesa, desenvolvimento e políticas públicas. A terceira seção tem por objetivo destacar os objetivos e finalidades das políticas de defesa brasileiras, relacionado-as com a necessidade de solução de problemas específicos. São também ressaltados os aspectos jurídicos, políticos e

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econômicos, bem como os atores presentes nas políticas de defesa brasileiras. Na quarta seção trabalham-se alguns desafios a serem superados no setor de defesa nacional, tais como, a desconfiança existente entre os agentes do sistema setorial de defesa – governo, empresas, Ministério da Defesa (MD), forças armadas, instituições de pesquisa, dentre outros – bem como, o problema da transparência orçamentária de defesa. Por fim, na quinta seção, apresenta-se a conclusão deste trabalho. O método de abordagem é o hipotético-dedutivo. O procedimento utilizado é o exploratório, por meio da técnica de documentação indireta, com ênfase na coleta de dados e informações de modo a fazer a revisão da literatura existente sobre o tema.

2 CONCEITOS IMPORTANTES

2.1 Estado

Para compreender a formulação e implementação de políticas públicas, faz-se necessário compreender primeiro a estrutura organizacional e administrativa do Estado. Assim, importante conceituar o que vem a ser a organização social denominada Estado:

instituição que organiza a ação coletiva dos cidadãos de cada Estado-nação, através da constituição nacional, e de todas as demais instituições legais ou jurídicas que cria ou legitima, e que fazem parte constitutiva dele próprio. É nessa qualidade que o Estado moderno desempenha o papel econômico fundamental de institucionalizar os mercados, e, mais amplamente, de promover o desenvolvimento econômico do país e a segurança econômica de cada um de seus cidadãos (BRESSER PEREIRA, 2004, p. 3).

O Estado moderno como instituição política surgiu para prover a paz e segurança das frágeis associações e comunidades (STRAYER, s/d, p. 16). Nesse sentido, Malesevic (2010) atenta para o fato de que o Estado moderno surgiu na medida em que a organização militar se desenvolveu. Strayer ainda aponta que o surgimento do Estado moderno relaciona-se com:

o aparecimento de unidades políticas persistentes no tempo e geograficamente estáveis, o desenvolvimento de instituições permanentes e impessoais, o consenso em relação á necessidade de uma autoridade suprema e a aceitação da ideia de que esta autoridade deve ser objeto da lealdade básica dos seus súditos (STRAYER, s/d, p. 16).

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Bresser Pereira, na tentativa de definir o conceito de Estado, indica que há um conjunto de três teorias básicas que buscam compreendê-lo:

A primeira, que tem origem em Aristóteles, e passa por Vico, Hegel, e Marx, vê o Estado como um fenômeno histórico decorrente da luta pela apropriação do excedente. Um grupo mais poderoso percebe que pode se apropriar desse excedente não apenas pelo exercício da força para impor a ordem e cobrar impostos, mas também através de um sistema administrativo e de comunicações que organize minimamente a produção e a distribuição sobre um determinado território, aproveitando assim os ganhos de eficiência decorrentes do comércio e da divisão do trabalho que essa ordem possibilita. Sua maior ou menor abrangência e estabilidade dependerá do estágio de desenvolvimento do sistema administrativo e das comunicações. (...) Já as teorias contratualistas do Estado têm sua origem em Hobbes, que vai explicar o Estado a partir de um contrato voluntário, no qual os indivíduos cedem sua liberdade ao monarca absoluto e, portanto, ao Estado, em troca da segurança que este lhes oferecerá. Esta teoria, que teve seguidores ilustres como Locke, Rousseau e Kant, será a origem da democracia moderna, na medida em que recusava uma quarta ‘teoria’ do Estado – aquela que atribuía o poder do monarca ao desígnio divino. Finalmente, as teorias normativas de Estado, ao invés de se preocuparem em explicá-lo, estão antes preocupadas em definir como o governo do Estado é e deve ser exercido, e estão relacionadas principalmente com a tradição republicana que vem de Cícero e passa por Maquiavel, Montesquieu e Madison (BRESSER PEREIRA, 2004, p. 4).

O autor citado ainda destaca a diferenciação entre o Estado e o Estado-nação, sendo esta importante para uma análise mais adequada de políticas públicas. Trata-se da instituição soberana base do sistema global contemporâneo. Dentro de cada Estado-nação (ou país, ou Estado nacional), existe uma organização social, um Estado. Dessa maneira, o Estado-nação é o ente político na organização do sistema internacional e o Estado é a organização política dentro desse Estado nacional que possui o poder de legislar e tributar a respectiva sociedade (BRESSER PEREIRA, 2004). Assim, o Estado é o mecanismo da ação coletiva da sociedade e é através desse mecanismo que os objetivos políticos fundamentais serão buscados: ordem ou estabilidade social, liberdade, o bem estar e a justiça social (BRESSER PEREIRA, 2004). A ordem pública aparece como o primeiro objetivo, pois, sem a mesma, não se torna possível a realização dos demais objetivos. Por fim, de acordo com a PND, Estado moderno é aquele que tem os seguintes componentes básicos: (a) território, (b) povo, (c) governo e leis próprios e (d) independência nas relações externas (BRASIL, 2012, p. 13). Aplicando o conceito weberiano de Estado,

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observa-se que ele detém o monopólio legítimo da força, sendo seu instrumento específico (WEBER, 2003), possibilitando a manutenção da lei e da ordem.

2.2 Defesa

Tendo definido Estado, importante se faz definir Defesa. Para tanto, distingue-se Segurança de Defesa de acordo com a PND:

I. Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais; e II. Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2012, p. 15).

Destaca-se que os estudos sobre Segurança Internacional surgiram no período pós Segunda Guerra Mundial (BUZAN; HANSEN, 2012). Esses estudos priorizavam a proteção do Estado. Entretanto, o termo não foi empregado por todos os Estados, havendo abordagens com variações do conceito.

2.3 Desenvolvimento

A discussão sobre desenvolvimento ganhou destaque no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), onde a Europa oriental era vista como atrasada em relação à Europa ocidental. Mas, é nos anos 50 e 60, com os movimentos de independência, que o debate sobre o desenvolvimento viveu sua época de ouro. A ideia de desenvolvimento baseava-se em crescimento econômico baseado em expansão do estoque de capital e da industrialização (FIANI, 2012, p. 14). A base do pensamento desenvolvimentista dessa época focava-se na ideia de que (a) se não há mercado, o Estado deve atuar e (b) é necessário industrializar. A teoria era clara: industrialização leva ao aumento da renda por habitante que leva a uma melhor qualidade de vida. Para isso, era necessária a intervenção do Estado. Os autores não se preocupavam em esclarecer o que era “melhor qualidade de vida” e o que era “desenvolvimento” especificamente.

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A discussão transformou-se nos anos 70 e 80, com o discurso de Robert McNamara, então presidente do Banco Mundial, no qual ele afirmou que crescimento não é desenvolvimento. Para ele, desenvolvimento pode envolver crescimento, mas envolve também distribuição de renda. Tal fato iniciou o debate sobre o que é ou não desenvolvimento. A partir de então, desenvolvimento esteve ligado a uma série de assuntos: (i) Igualdade de gênero e das minorias (ii) preservação do meio ambiente e (iii) sustentabilidade. Com o discurso de Amartya Sem sobre “liberdades”, inclui-se também a ideia de democracia dentro de desenvolvimento. Nos anos 80, surgiu a teoria do decrescimento (degrowth), ideia popular na França, Dinamarca e Alemanha, sendo seu principal teórico Wolfgang Sachs. Ele argumenta que as economias devem decrescer, ou seja, implementar crescimento negativo. Para tanto, a forma de vida das pessoas devem mudar, incrementando mais atividades culturais e menos consumo, uma vez que o planeta não aguentará o ritmo atual de consumo. Nesse contexto, surge a ideia de desenvolvimento sustentável. Para esse autor, o desenvolvimento se transformou em uma expressão vazia e sem sentido, visto que se coloca dentro de seu conceito tudo o que é considerado virtude. A grande questão fica em saber como seria realizada a redução de consumo, bem como, quais seriam os critérios. Com todas as teorias sobre desenvolvimento e conceitos possíveis, a agenda de desenvolvimento abriu-se, tornando-se mais ampla, fazendo com que o conceito de desenvolvimento seja de difícil operacionalização. Hoje, desenvolvimento inclui uma série de pontos, além de crescimento econômico, abarcando também distribuição de renda, emprego, igualdade, preservação ambiental e “liberdades” (FIANI, 2012, p. 15). Dessa forma, conclui-se que qualquer discussão sobre desenvolvimento é um “beco sem saída”, visto que não cabe a uma só pessoa dizer o que é ou não desenvolvimento. Cabe à sociedade definir desenvolvimento por meio dos mecanismos de consulta disponíveis, sendo, portanto, desenvolvimento qualquer mudança na direção de que a sociedade deseja. Trata-se de um processo quantitativo e qualitativo que necessita de transformações institucionais, assim como, necessita de formação de arranjos institucionais direcionados para as áreas desejadas. No presente artigo, defende-se que investir na expansão do mercado de defesa poderia ser um caminho viável para o desenvolvimento econômico do Brasil.

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2.4 Políticas Públicas De acordo com Almeida, “o entendimento da política de defesa passa pela definição de políticas públicas (public policies)” (ALMEIDA, 2010, p. 222). Nesse sentido, Celina Souza aponta para que a conceituação de políticas públicas não é fechada, não havendo uma abordagem melhor que a outra. Ela as define como “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação” (SOUZA, 2006, p. 26). Ainda de acordo com ela: Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz (SOUZA, 2006, p. 24).

Enrique Saravia, entende a política pública é “um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade” (SARAVIA, 2006, p. 28). Celina de Souza ainda chama a atenção que as políticas públicas envolvem diversos atores e diferentes níveis de decisão (SOUZA, 2006), havendo a necessidade de articulação de diferentes setores para a formulação e implementação das mesmas. Nesse sentido, confere-se legitimidade ao processo na medida em que o número de instituições participantes for aumentando (ALMEIDA, 2010). Entretanto, Enrique Saravia destaca que a interação entre os atores envolvidos no processo de elaboração de políticas públicas não é simples, visto que nem sempre os atores conhecerão e desempenharão os papeis esperados. Destaca-se que o Estado não fica à parte do processo de formulação de políticas públicas, sendo uma forma de o Estado responder às demandas existentes na sociedade. Assim, a sociedade é capaz de demandar ao poder público diferentes políticas em diversos setores. Conforme indica Almeida (2010), no caso da defesa, as demandas tornam-se mais complexas, visto eu há um relativo estranhamento da sociedade com as questões de defesa. Por fim, ressalta-se, ainda, que com base conceito político de políticas públicas trazido por Almeida, onde determinadas políticas são mais bem sucedidas devido a força coercitiva

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do Estado (ALMEIDA, 2010, p. 223), políticas de defesa são públicas, uma vez que se originam no âmbito do poder público.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA

As políticas de defesa são formuladas pelo Estado, sendo, portanto, políticas públicas. Tais políticas de defesa buscam tratar de problemas específicos, buscando soluções para os problemas apontados. Nesse sentido, o governo brasileiro publicou a PND (1996, 2005 e 2012) e a END (2008 e 2012), tratadas abaixo, compondo o eixo normativo básico em matéria de defesa no Brasil.

3.1 Política Nacional de Defesa (PND)

Nas décadas de 80 e 90, diversas transformações históricas e políticas ocorreram diante da dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), apontando para novas questões relacionadas à defesa. Com o fim da bipolaridade entre EUA e URSS, instabilidades e incertezas tomaram conta do cenário internacional (SANTANA, 2007, p. 13). Assim, o final do século XX e início do XXI é marcado pelo reajuste das relações entre os Estados, não estando essas relações livres de novas ameaças e conflitos. Nesse contexto, a globalização apresenta-se como um novo ciclo histórico, promovendo o sistema capitalista e o neoliberalismo. Santana aponta que:

O mundo se encontra ante a situações de imprevisibilidade, em uma reacomodação de forças que apresenta aspectos bem definidos, delineando um quadro dos mecanismos políticos e militares internacionais. Alguns relevantes aspectos, para se evidenciar a globalização e suas mudanças, são os avanços tecnológicos, a unipolaridade no campo militar, a formação de blocos econômicos e o rearranjo competitivo do mercado mundial. Diante destas novas tendências e características globais, os Estados em desenvolvimento são levados a redirecionar suas políticas e formas de relacionamento internacional, em uma tentativa de melhor adequação a este novo momento (SANTANA, 2007, p. 15).

Diante das incertezas, novas ameaças surgiram e consolidaram-se: terrorismo, incremento do tráfico de drogas, crime organizado, narcotráfico, agressões ao meio ambiente, dentre outras. O atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos EUA, por exemplo, levou a implementação da nova doutrina estadunidense denominada de “guerra preventiva”, a qual militarizou a política externa dos EUA. Soma-se a possibilidade de uso de armamentos

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biológicos, químicos e nucleares em ações terroristas, sendo uma potencial ameaça no cenário de segurança internacional. Dessa forma, o mundo encontra-se diante de desafios complexos, necessitando que os Estados posicionem-se estrategicamente, bem como, redefinam suas visões de defesa e segurança. É nesse contexto de transformações mundiais e surgimento de novas ameaças que o Brasil preocupa-se com a formulação de uma política de defesa que oriente as ações na área. A primeira Política de Defesa Nacional foi criada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), consistindo este o documento de mais alta hierarquia sobre defesa nacional. No governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) deu-se a continuidade à política pelo Decreto n. 5.484 de 30 de junho de 2005, aprovando a nova Política de Defesa Nacional que se preocupou em resgatar o conceito de defesa nacional, reproduzido na PND de 2012 e já apontado neste trabalho na seção 2.2. Almeida (2010) observa que as duas versões da Política de Defesa Nacional (1996, 2005) não buscaram um amplo debate legislativo sobre a temática da defesa, visto que foram aprovadas por decreto presidencial. Ademais, nota-se que a Política de Defesa Nacional de 2005 manteve-se bem próxima da Política de Defesa Nacional de 1996, com algumas mudanças no tocante à forma. Almeida (2010) aponta que a complementaridade das políticas permitiu que a mesma fosse tratada como política de Estado, embora haja críticas a respeito (ALMEIDA, 2010, p. 241). Em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016), a Política de Defesa Nacional transforma-se na Política Nacional de Defesa, trazendo consigo algumas mudanças em sua estrutura e organização. O documento apresenta não só os conceitos de segurança e defesa nacional, bem como, busca promover uma análise do ambiente internacional e nacional, incluindo uma análise mais detalhada do entorno estratégico brasileiro. Além disso, estabelece os objetivos para a defesa nacional e traz algumas orientações para a consecução dos objetivos traçados. Assim, destacam-se os objetivos para a defesa nacional trazidos pela PND de 2012: I – garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; II – defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III – contribuir para a preservação da coesão e da unidade nacionais; IV – contribuir para a estabilidade regional; V – contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; VI – intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais;

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VII – manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII – conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; IX – desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; X – estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; XI – desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional. (PND, 2012, p. 29-30).

Observa-se que há cinco objetivos a mais do que a PND de 2005, todos consoantes com os fundamentos e princípios da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, bem como, com as orientações e práticas da política externa brasileira. Ressalta-se ainda que a PND tem como um de suas premissas unir os setores civil e militar em prol de um único bem público – a defesa nacional – necessitando para tanto promover a capacitação nacional na área. Nesse sentido, os cidadãos brasileiros devem estar conscientes do debate sobre defesa, visto que embora o Brasil seja conhecido como um país que busca a promoção e defesa da paz, não está imune das ameaças internacionais que podem atingir seu território e interesses. Por fim, importante destacar as inovações trazidas pela política de defesa do governo Lula. Almeida (2010) aponta algumas, observando que tais modificações geraram um impacto a nível estrutural. Pode-se destacar algumas, tais como: as relações com a sociedade civil, com as universidades e a introdução do conceito de capacidades voltado para o planejamento de longo prazo, bem como, a definição de uma estratégia de defesa consolidada na figura da Estratégia Nacional de Defesa publicada em sua primeira versão em 2008 e relançada em 2012, objeto da próxima seção.

3.2 Estratégia Nacional de Defesa (END)

Os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA proporcionaram o retorno aos debates desenvolvimentistas na América Latina e em outras regiões periféricas (GONÇALVES, 2012). Nessa perspectiva, os assuntos de segurança e defesa voltaram a ganhar relevo no Brasil. Por conta disso, diferentes medidas foram tomadas, como a criação de políticas de incentivo às indústrias do setor, bem como às políticas científicas e tecnológicas.

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Essas ações adotadas pelo Estado brasileiro balisam-se em documentos oficiais que buscam orientar os rumos tomados em prol do desenvolmiento do país. Uma dessas bases é a END, criada em 2008, que tem como objetivo reorganizar e reorientar as ações na área de defesa nos diferentes setores da sociedade. Ainda que sua proposta envolva a reinserção dos debates de defesa nacionalmente, é importante notar que a sua primeira versão não possui conexão com a Política de Nacional de Defesa (PND). Oliveira (2009) aponta que a END não cita, em nenhum momento, a PND, documento que se intitula como:

O documento condicionante de mais alto nível do planejamento de defesa, tem por finalidade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional (BRASIL, 2005).

Oliveira (2009) compreende, ainda, que a Política e a Estratégia possuem pontos em comum, mas somente a primeira versão da END apresenta as fragilidade da defesa nacional. O Brasil passa a se perceber enquanto Estado com potencial de crescimento e desenvolvimento. O documento salienta que uma estratégia nacional de defesa está atrelada a uma estratégia nacional de desenvolvimento. Dessa forma, é possível notar que o mesmo busca, não só aperfeiçoar os debates nesse setor mas, também, contribuir com a estruturação econômica do país a partir do fortalecimento da indústria da área de defesa. O desenvolvimento proposto pela END balisa-se em três eixos estruturantes. O primeiro versa sobre as hipóteses de emprego das forças armadas em tempos de paz e de guerra. O segundo trata da Base Industrial de Defesa (BID). E, o terceiro, foca-se na composição dos efetivos das forças armadas. Esses três pontos são destrinchados em vinte e três diretrizes que coordenarão as ações tangentes à defesa nacional. A formulação da END se deu a partir do contato entre o então ministro da Defesa Nelson Jobim, o secretário da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Mangabeira Unger, além dos representantes das três forças armadas. Oliveira (2009) aponta que estes são os atores públicos e institucionais responsáveis por esta elaboração, e que a mesma ocorreu por, aproximadamente, quinze meses. No que tange à execução das propostas presentes na END, diferentes atores são apontados como partícepes dos processos propostos. As três forças – Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira – são responsáveis pelo desenvolvimento de

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tecnologias no âmbito nuclear, cibernético e espacial4. Além disso, é dada às três forças a tarefa repensar a disposição geográfica das mesmas dentro do território nacional. É possível perceber que as vulnerabilidades apresentadas no documento envolvem diferentes atores que vão além das forças armadas, Ministérios da Defesa e Relações Exteriores e os parlamentares. Evoca-se maior preocupação social com os assuntos de defesa, além de se buscar a aproximação com a comunidade científica. Sob essa ótica, o papel do Estado brasileiro torna-se fundamental, a partir da criação de mecanismos que intensifiquem o contato desejado.

4 DESAFIOS A SEREM SUPERADOS

Após a criação da END, diferentes ações foram tomadas com o objetivo de suprir às necessidades apressentadas no documento. No âmbito acadêmico, programas de fomento à pesquisa foram criados e/ou expandidos como o Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa). O mesmo foi criado5 no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em parceria com o Ministério da Defesa, e esteve focado no desenvolvimento na criação de redes de cooperação de pesquisas referentes à defesa nacional. Vale ressaltar que o primeiro edital de seleção data-se de antes da criação da Estratégia. Todavia, é possível verificar que o montante financeiro das seleções seguintes tem crescimento considerável. Dessa forma, é possível relacionar esse crescimento às ações propostas no documento. Outro edital de incentivo à pesquisa foi o Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Assuntos Estratégicos de Interesse Nacional (Pró-Estratégia). Este surgiu da parceria entre a Capes e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR). Seu objetivo era estimular a realização de projetos em conjunto de diferentes instutuições de ensino e pesquisa. É possível perceber que as áreas temáticas dos projetos contemplados versavam, basicamente, sobre as políticas públicas de defesa e as áreas priorizadas como estratégicas na END. A criação de atividades acadêmicas para a expansão do pensamento de defesa também é observado. Foram criados: o Curso de Extensão em Defesa Nacional (CEDN), o Congresso

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Edital Pró-Defesa nº 01/2005. O detalhamento do programa encontra-se disponível . Acesso em: 15 out. 2016.

em:

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Acadêmico sobre Defesa Nacional (CADN) e o Concurso de Monografias, Teses e Dissertações sobre Defesa Nacional. Estas são atividades coordenadas pelo Ministério da Defesa que visam aproximar a academia dos debates sobre defesa. No ano de 2011 foi lançado o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), com a finalidade de explicitar para a socidade a estrutura da Defesa brasileira. Em 2012 foi criada a empresa pública Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A (AMAZUL)6. Seu objetivo é gerenciar as atividades referentes às atividades nucleares da Marinha do Brasil e do Programa Nuclear Brasileiro (PNB). A mesma tem sua sede na cidade de São Paulo. Em 2012 foi sancionada a Lei nº 12. 598 de 21 de março. A mesma é responsável pelo fomento às atividades desenvolvidas pelas empresas da Base Industrial de Defesa. Em 2013, sob o Decreto nº 7.970/2013, foi criada a Comissão Mista da Indústria de Defesa (CMID), que tem por finalidade assessorar o Ministro da Defesa no processo decisório referente à indústria de defesa. Já o Decreto nº 8.122, de 16 de outubro de 2013, regulamenta o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID). No que tange ao financiamento de projetos, o Inova Aerodefesa, parceria entre o Ministério da Defesa, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Agência Espacial Brasileira (AEB), chama a atenção para os investimentos nas atividades de inovação em defesa e segurança. Mazzucato e Penna (2016) chamam a atenção para os resultados parciais deste programa, uma vez que o Estado brasileiro não estaria assumindo o seu compromisso de adquirir as tecnologias produzidas. Tanto o Plano Brasil Maior (PBM), quando a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), apresentam o setor de defesa como um importante setor para receber investimentos. Ambos os documentos foram criados em 2011 e representam os esforços salientados na END. Assim como Oliveira (2009), Pereira (2010) entende que a criação da Estratégia Nacional de Defesa ocorreu de forma complementar à Política Nacional de Defesa. Além disso, o documento não tratava da dificuldade de obtenção dos recursos necessários para o desenvolvimento das suas propostas. A atualização da PND e da END ocorreu em 2012. A mesma está prevista no “§ 3º do art. 9º da Lei Complementar nº 97, de 1999, alterado pelo art. 1º da Lei Complementar nº 136, de 2010, a chamada Lei da Nova Defesa” (BRASIL, 2012, p. 7). 6

Lei 12.706 de 8 de agosto de 2012. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2012/Lei/L12706.htm >. Acesso em 15 out. 2016.

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A revisão do LBDN7, bem como da PND e da END encontra-se prevista para o presente ano. No entanto, alguns pontos precisam ser levados em consideração. O primeiro refere-se aos recursos destinados para a área de defesa. Para Brustolin (2009), a questão orçamentária na área de defesa é complicada, visto que a transparência na utilização dos recursos é limitada. Diferentes estudos apontam a importância do orçamento para a manutenção dos projetos estratégicos do país. Silva e Tamer (2013) apresentam a relação orçamentária do Ministério da Defesa (MD) entre 1995 e 2010. Segundo os autores, o percentual destinado foca-se, em sua maioria, com o pagamento de pessoal, incluindo os inativos e pensionistas. Assim, o Produto Interno Bruto (PIB) para o MD foi de 1,84% para 1, 67%. Contrariamente, os encargos com pessoal cresceram de 72,32% para 75,25% (SILVA; TAMER, 2013, p. 345). O baixo direcionamento de recursos impacta diretamente nos projetos estratégicos desenvolvidos pelas forças armadas como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) e o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON). Estes são de grande valia porque contribuem com a autonomia tecnológica devido aos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (BRASIL, 2011, p. 40). Em decorrência desses fatores, a primeira sugestão foca-se na destinação específica do Produto Interno Bruto (PIB) para a defesa. Silva (2016) entende que o posicionamento dos últimos três ministros8 da Defesa lastreou-se na ideia de 2% do PIB para a área, como objetiva-se na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A exequibilidade desta proposta envolve diferentes agentes e instituições. É possível citar os membros do Conselho de Defesa Nacional9, as empresas da área de defesa, representadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), representantes de ministérios como o da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) e Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), além de institutos de pesquisa como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e financiadores de projetos como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A comunidade acadêmica, representada pela Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), também é parte fundamental deste processo. 7

O atual presidente aprovou a sua atualização e o enviou para a análise do Congresso Nacional. Celso Amorim (08/08/2011 - 31/12/2014; Jaques Wagner (31/12/2014 - 08/10/2015); Aldo Rebelo (08/10/2015 - 12/05/2016). O atual ministro da defesa, Raul Jungmann tomou posse em 16/05/2016. 9 Órgão de Consulta da Presidência da República que trata dos assuntos relacionados à soberania nacional e defesa do Estado Democrático, de acordo com o Art. 91 CF/88. É composto pelo Vice-Presidente da República, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pelo Presidente do Senado Federal, pelos Ministros da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores e do Planejamento. Além destes, os Comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica também se fazem presentes. 8

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Ainda que alguns incentivos tenham ocorrido nos últimos anos, como a Lei nº 12.598/12 que versa sobre mecanismos de incetivos à BID, é necessário que o Estado brasileiro, representado pelo Ministério da Defesa, fomente o debate para que os diferentes agentes envolvidos neste processo possam se organizar em prol desta proposta. Para Searle (2006), as instituições possuem papel importante porque o status institucional é visto como uma forma de poder que é respeitado pelos demais atores. Assim, torna-se legítima a orientação do Ministério da Defesa nesta ação. O segundo ponto a ser considerado é a criação de profissionais civis na área de defesa. Conforme Silva (2016) indica, as três forças não possuem um sistema de aquisições de defesa integrado. Cada força apresenta a sua demanda e o Ministério da Defesa realiza a aquisição (dentro das possibilidades orçamentárias). Ainda que a Secretaria de Produtos de Defesa (SEPROD) tenha sido criada em 2011, a mesma não coordena, em sua totalidade, as aquisições de defesa porque ainda não ocorre a padronização daquilo que é solicitado pelas forças armadas. Silva (2015; 2016) compreende que a reforma na estrutura de aquisições de materiais de defesa é importante porque possibilitará adequar as compras à realidade vivenciada pela defesa brasileira. Além disso, a criação de um profissional civil de defesa ajudará no fortalecimento das atividades do Ministério da Defesa, fortalecendo sua força política para a proposição de atividades no setor. Esta estrutura pode ser percebida como reflexo de um contexto histórico vivido pelo Brasil. Com a redemocratização e o fim da bipolaridade mundial, a consolidação de instituições sob o viés liberal esteve presente nos países da América Latina (GONÇALVES, 2012). Com isso, os debates de defesa estiveram direcionados aos militares, abrangendo uma pequena parcela da sociedade. Com a readequação da agenda internacional de segurança pós 11 de setembro de 2001, os debates sobre defesa reacenderam nos Estados (TEIXEIRA DA SILVA, 2012). No entanto, o que se percebeu até o momento é que a participação social neste debate ainda se encontra aquém do desejado. Almeida (2010) entende que o desconhecimento do assunto ocorre por causa do não entendimento da aplicação das atividades de defesa em prolongados tempos de paz, como ocorre com o Brasil. Assim, a criação de um profissional civil de defesa pode contribuir com a mudança desse cenário. Isso porque as atividades desenvolvidas neste âmbito não estarão somente sob a coordenação dos representantes militares. Além disso, intensificará as demandas pelo montate significativo do PIB para o setor a partir do fortalecimento institucional.

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A realização desta proposta envolve diferentes atores como a comunidade acadêmica (representada pela ABED), das empresas de fomento (Finep, por exemplo), das empresas do setor (representadas pela ABIMDE), institutos de pesquisa (Ipea, por exemplo), além de diferentes ministérios como o da Defesa, da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). A participação de insituições públicas especializadas em cooperação internacional como a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) torna-se fundamental para o processo, porque ajudará na interação com as empresas de outros Estados. O Conselho de Defesa Nacional também é parte importante da elaboração deste cargo, uma vez que esta medida impactará nas decisões no Conselho. A criação deste profissional encontra problemas porque as reflexões sobre defesa no Congresso brasileiro não possuem expressão. Almeida (2005, p. 144) compreende que é um assunto de pouco clamor social, sendo de difícil abordagem e que pode não render votos. Esta afirmação também está presente nos apontamentos de Rocha e Figueiredo (2012). Os mesmos verificaram a participação do Poder Legislativo brasileiro na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDEN). Para eles, a participação do Legislativo é baixa, seja na elaboração de propostas na área, ou na fiscalização dos projetos existentes. O trabalho dos mesmos ainda aponta que as propostas do setor estão, em sua maioria, presentes na esfera do Executivo e, não, no Legislativo. A falta de interesse político também foi um dos pontos encontrado pelos autores, além da falta de profissionais técnicos especializados. Os possíveis interesses afetados com essa criação estariam no âmbito da coordenação dos cargos dentro do Ministério da Defesa, onde grande parte do corpo técnico é composto por militares de alta patente. No entanto, pode ser uma forma de absorver os pesquisadores da área que focam seus trabalhos nesta temática. Dessa forma, é necessário que o Estado brasileiro reestruture o arcabouço de defesa frente aos desafios que lhes são apresentados e, principalmente, ao que foi proposto pelo mesmo nos documentos normativos. Com isso, será possível coordenar a defesa nacional com o desenvolvimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O papel brasileiro no cenário internacional cresceu nos últimos anos. Por causa disso, novas perspectivas foram adotadas, como a diversificação da pauta comercial, influenciando a

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interação entre o Brasil e os demais países. Como resultado, os assuntos tangentes à defesa nacional ganharam nova roupagem, apontando a sua relação com o crescimento econômico. O desenvolvimento de uma indústria nacional, bem como da manutenção da soberania estatal, depende da forma a sociedade encontra-se organizada. Esta estruturação social, denominada de “estado” possui diferentes desafios a serem resolvidos. Para que isso ocorra, as políticas públicas são criadas. A demanda por defesa faz parte das muitas necessidades sociais. No entanto, apresenta-se como um desafio porque a mesma não possui clamor social, visto que os debates nesta área ainda são restritos. Com o retorno à democracia, além do fim da bipolaridade mundial, as questões nesta área reduziram-se internacionalmente. No Brasil, os militares configuraram-se enquanto a parcela expressiva da sociedade responsável por estas atividades. Após o ocorrido nos EUA em 11 de setembro de 2001, a agenda internacional de segurança passou a repensar alguns pontos. No Brasil não foi diferente. Todavia, o que se observou é que esta postura esteve atrelada às possibilidades de desenvolvimento em diferentes setores da economia, uma vez que a indústria de materia de defesa poderia acrescentar bons resultados ao país. Dessa forma, a área de defesa ganhou nova roupagem e os debates tangentes à área obtiveram maior relevo. Resultou-se disso a criação de diferentes iniciativas como a atualização da Política de Defesa Nacional, bem como a criação da Estratégia Nacional de Defesa, além do Livro Branco de Defesa Nacional. Estes são os documentos de mais alto nível da área de defesa, sendo os responsáveis por balizar as ações do Estado nos assuntos tangentes ao tema. Pode-se observar que a Estratégia Nacional de Defesa ao ser criada não apresentava vínculo com a Política de Defesa Nacional, que surgira anos antes. Somente na atulização dos documentos que se pôde observar a interação entre os dois. São apresentadas prioridades e necessidades nacionais além das formas como a área de defesa pode contribuir com o desenvolvimento nacional. No entanto, é possível observar que a área de defesa encontra problemas para a manutenção do que fora pensado. Muito desta instabilidade deve-se às questões orçamentárias que estão aquém do que almeja para o país. A manutenção dos projetos estratégicos nacionais depende de quantias que não dependam de variação orçamentária. Para que isso ocorra, a alocação de uma porcentagem fixa do PIB para a defesa torna-se um dos pontos principais para a área. Outro ponto pertinente versa sobre a criação de um profissional civil para a área de defesa. Esta medida contribuiria com a melhor estruturação dos debates de defesa dentro do

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Ministério da Defesa, além dos diferentes setores envolvidos com as políticas desta área. Além disso, aproximaria a sociedade dos debates sobre a defesa. Embora os pontos apresentados sejam importantes para os debates de defesa, ambos encontram dificuldades porque a temática é pouco discutida pelos parlamentares. Dessa forma, torna-se de suma importância que o Estado brasileiro repense a estrutura em que a área de defesa está organizada, levando em consideração a sua relação com a sociedade e como a mesma pode impactar na economia. A partir desta reestruturação será possível pensar em arranjos institucionais na área de defesa que contribuam para o desenvolvimento econômico da sociedade brasileira.

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