POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA IMPLEMENTAÇÃO: Um estudo de caso da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana Do Recife

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós-Graduação em Administração - PROPAD

Rafael dos Santos Fernandes Sales

Políticas públicas e sua implementação: Um estudo de caso da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana Do Recife

RECIFE, 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco é definido em três graus:   

"Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas); "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em consequência, restrita a consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada; "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou custódia;

A classificação desta dissertação/tese se encontra, abaixo, definida por seu autor. Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração.

Título: Políticas Públicas e sua implementação: Um estudo de caso da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana Do Recife Nome do Autor: Rafael Dos Santos Fernandes Sales Data da aprovação: 28 de agosto de 2013 Classificação, conforme especificação acima: Grau 1 Grau 2 Grau 3 Recife, 28 de agosto de 2013.

________________________________ Rafael dos Santos Fernandes Sales

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Rafael dos Santos Fernandes Sales

Políticas públicas e sua implementação: Um estudo de caso da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana Do Recife Orientadora: Profª. Drª. Jackeline Amantino de Andrade

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração, área de concentração em Organização Cultura e Sociedade, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco.

RECIFE, 2013

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Catalogação na Fonte Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773

S163p

Sales, Rafael dos Santos Fernandes Políticas públicas e sua implementação: um estudo de caso da política de mobilidade urbana da Região Metropolitana do Recife / Rafael dos Santos Fernandes Sales. - 2013. 121 folhas : il. 30 cm.

Orientadora: Profª. Dra. Jackeline Amantino de Andrade. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Pernambuco, CCSA, 2013. Inclui referências e apêndices. 1. Mobilidade residencial . 2. Mobilidade social 3. Política urbana. 4. Crescimento urbano. 4. Administração pública. 5. Regiões metropolitanasI. Andrade, Jackeline Amantino de (Orientador). II. Título. 658 CDD (22.ed.)

UFPE (CSA 2016 –033)

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós-Graduação em Administração – PROPAD

Políticas públicas e sua implementação: Um estudo de caso da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana Do Recife

Rafael dos Santos Fernandes Sales

Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco e aprovada em 28 de agosto de 2013. Banca Examinadora:

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À minha companheira infalível, Fernanda Meira, e ao nosso maior amor, Aurora.

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Agradecimentos Agradeço, primeiramente, a meus Orixás, meu porto seguro inquestionável, a firmeza de cada passo, o sentido de cada recomeço, e o caminho, em si mesmo. Se é possível, de alguma maneira, chegar a essa reta final, é, sobretudo, por que trilhei muito bem acompanhado essa estrada tortuosa. E cada agradecimento colocado aqui é, primeiramente, direcionado a eles, que compuseram a melodia dissonante e complexa desse caminhar. Agradeço, assim, também aos antepassados que sustentam esse Axé, e pelos quais tenho um apreço gigantesco. E também a Jurema Sagrada, pela sua sabedoria e força compartilhados comigo. Essa força vem de dois templos religiosos de grande respeito e história em Pernambuco, e que tem me acolhido como filho e amigo, com amor, atenção, carinho e dedicação em cada momento da minha vida. É nesse lugar que eu me encontro, que recupero minhas forças, tantas vezes esgotadas nesse processo. Foi nesse lugar que me fortaleci em diversos momentos de desespero e tristeza, e de onde sai todas as vezes renovado, forte e confiante. Agradeço, portanto, ao Ilê Obá Aganjú Okoloyá – Terreiro de Mãe Amara, e a Roça Oxaguiã Oxum Ipondá, por serem meus eternos portos seguros. O meu mais sincero, enorme e efusivo agradecimento a Pai Júnior de Ajagunã, a Mãe Amara Mendes e a minha madrinha Maria Helena Sampaio, a Yabá Helaynne Sampaio, pela imensa dedicação, pela imensa paciência, pelo companheirismo e pelos infindáveis ensinamentos que me oferecem em cada estação da minha vida. Agradeço à minha companheira de todos os momentos, Fernanda Meira. Ela me dá sempre mais um motivo para viver, e vive cada momento comigo com a cumplicidade dos amores eternos. E é desse grande amor que raia o dia, todos os dias. E na alvorada de um novo tempo, Aurora, nossa filha, traz paz e candura a qualquer desafio. E a elas dedico esse trabalho. Por todos os momentos que estive ausente e completamente tomado pela árdua tarefa de escrever essa dissertação. Por cada vez que encontrei força nos seus gestos sutis. E por cada vez em que deram sentido ao meu despertar. Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Administração, pelos conhecimentos e experiência única que me proporcionou ao longo desses dois anos e meio de esforço intelectual. Sou inteiramente grato à dedicação, competência, paciência e compreensão da professora Jackeline Amantino de Andrade, minha já querida orientadora, que dedicou muito do seu tempo exíguo a um aluno peculiar. Cheguei à sua sala com cerca de dez páginas mal escritas e um monte de ideias mirabolantes e, depois de um processo tortuoso, conseguimos chegar a uma versão mais ou menos apresentável. Ela foi nesse período a mestra certeira, que me conduziu com precisão cirúrgica no embate com minha própria pesquisa. Agradeço imensamente. Agradeço também aos professores Sérgio Alves, Walter Moraes e Débora Coutinho por me ajudarem a acessar o mundo da Administração. Agradeço também ao professor Diogo Helal (UFPB) e a Eduardo Lucena, pelas contribuições durante a banca de qualificação do projeto de dissertação. Agradeço também ao Instituto Ethos, pela compreensão e flexibilidade sempre disponíveis, e aos meus colegas, já amigos, que tornaram cada dia de trabalho mais ameno. Meus sinceros agradecimentos a Felipe Saboya, Caio Magri, Angélica Rocha, Christiane Sampaio, Francisco Sadek, Lisandra Arantes, Mary Matsumura, Leila Meneses, Rita Lamy,

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Renato Moya, e a todos os (as) companheiros (as) do Ethos. Agradeço também aos vários companheiros de jornada, dentre eles, Zuleica Goulart, Maurício Broinizi, Victor Barau, Marcos Dionísio, Marise Costa, e Rubén Pechio. Agradeço aos colegas de mestrado que tornaram essa passagem menos dolorida: Roberto Ranieri, Kécia Galvão, Osiris Fernandes, Luciana Almeida, Virgínia Vasconcelos, Albino Simione, Roberto Souza e Vicente Melo. Agradeço aos companheiros do Observatório do Recife, com os quais compartilhei boa parte das discussões técnicas e políticas sobre Mobilidade Urbana: Mariana Lyra, Lucio Flausino, Amélia, Célia, Ligia Lima, Daniel Valença, Artemis, Germano Travassos, Oswaldo Lima. Sou imensamente grato aos amigos que encontraram alguma brecha na avalanche de atividades que desenvolvem para lerem esse texto. Essas contribuições tornaram, sem dúvida, esse trabalho mais consistente. Agradeço, portanto, aos meus queridos compadres Francisco Jatobá e Rayane Andrade, e aos queridos Gilberto Motta e Lena Costa. Por último, agradeço aos meus familiares, que entendem com grande esforço minha ausência temporária e a pressa infinda do meu dia-a-dia. Agradeço aos meus pais, Rubens Sales e Cláudia Sales, aos meus irmãos, Rubens Neto e Clarissa Sales, a minha cunhada, Camila Melo, a minha afilhada, Maria Cecília, a minha Avó, Neuza Sales, as minhas tias Bel e Teté, e a todos os primos e tios. Agradeço também a Eduvando de Souza e Mara Meira, por todo apoio, sempre.

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“Mobilidade é uma questão política. Os aspectos técnicos são fáceis de resolver. Difícil é escolher, politicamente, quem será beneficiado” (Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, durante seu discurso de posse, em 1998).

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Resumo Esse trabalho procurou analisar a capacidade dos atores locais de interferirem na implementação da Política Pública de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife. Para tanto, utilizamos o ferramental teórico-metodológico do Neoinstitucionalismo Sociológico, compatibilizando suas proposições centrais com os argumentos da Teoria da Estruturação, de Anthony Giddens. A análise constituiu-se em uma pesquisa exploratória, delineada em estudo de caso único, de caráter qualitativo. Inicialmente, é apresentada a problematização da pesquisa, com a delimitação de seus objetivos. Em seguida, é exposto o referencial teórico selecionado. Posteriormente, são apresentados os aspectos metodológicos que orientaram a realização do trabalho para, por último, serem apresentada a análise e discussão dos resultados. Palavras-Chave: Políticas Públicas; Implementação; Mobilidade Urbana; Administração Pública; Recife.

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Abstract This study examined the capacity of local actors to interfere in the implementation of the Public Policy of Urban Mobility, in the Metropolitan Region of Recife. We used the theoretical and methodological tools of Sociological Neo-institutionalism, aligning its central propositions with arguments of the Structuration Theory, by Anthony Giddens. The analysis consisted of exploratory research, outlined in a single case study of a qualitative nature. Initially, we present the problematic of the research, with the delimitation of its goals. It is then exposed the theoretical reference selected. Subsequently, we present the methodological aspects that guided the development this work to, finally, to present the analysis and discussion of results. Key-Words: Public policy; Implementation; Urban mobility; Public Administration; Recife.

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Lista de Figuras Figura 1 - Mapa de atores envolvidos na definição da Política de Mobilidade Urbana do Recife ___ 60 Figura 2 - Causas e efeitos da iniquidade e insustentabilidade da Mobilidade Urbana, segundo Ministério das Cidades. ____________________________________________________________ 85 Figura 3 – Dimensões da agência, segundo Giddens. ____________________________________ 101

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Lista de Quadros Quadro 1 – Desenho de Pesquisa. ......................................................................................................... 52 Quadro 2 - Observações realizadas ....................................................................................................... 56 Quadro 3 - Evolução do Conselho de Administração da EMTU para o CSTM – Conselho Superior de Transporte Metropolitano...................................................................................................................... 63 Quadro 4 - Espaços de atuação política identificados ........................................................................... 69 Quadro 5 - Documentos Norteadores da Política de Mobilidade – Âmbito Federal ............................. 79 Quadro 6 - Recategorização dos objetivos, princípios e diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. .................................................................................................................................................. 87 Quadro 7 - Marcos Legais do Recife relacionadas à Mobilidade Urbana ............................................. 89 Quadro 8 - Histórico da Política de Mobilidade Nacional e do Recife. ................................................ 98

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Sumário INTRODUÇÃO

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1.

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1.1. 1.2.

VERTENTES ANALÍTICAS ACERCA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PODER, POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA ANÁLISE: PRINCIPAIS VERTENTES INTERPRETATIVAS

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2. O NEOINSTITUCIONALISMO COMO POSSIBILIDADE EXPLICATIVA PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS

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2.1. 2.2. 2.3. 2.4.

NEOINSTITUCIONALISMO HISTÓRICO NEOINSTITUCIONALISMO DA ESCOLHA RACIONAL NEOINSTITUCIONALISMO SOCIOLÓGICO CONVERGÊNCIAS TEÓRICAS DO(S) NEOINSTITUCIONA-LISMO(S) E SUA UTILIDADE PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

33 34 35

3.

39

GIDDENS E A TEORIA DA ESTRUTURAÇÃO

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3.1. 3.2. 3.3.

AGÊNCIA VS ESTRUTURA: DUALIDADE OU DUALISMO? 39 REFLEXIVIDADE DA AÇÃO E O SENTIDO DE ESTRUTURAÇÃO 41 CONVERGÊNCIA DO NEOINSTITUCIONALISMO E DA TEORIA DA ESTRUTURAÇÃO PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS 44 3.4. A QUESTÃO DO DISCURSO COMO ELO NA CONVERGÊNCIA ENTRE NEOINSTITUCIONALISMO E ESTRUTURAÇÃO 47 4.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

4.1. MÉTODO DE PESQUISA 4.2. COLETA DE DADOS 4.2.1. DADOS DOCUMENTAIS 4.2.2. DADOS OBSERVACIONAIS 4.3. ANÁLISE DOS DADOS

51 53 53 54 55 57

5. MOBILIDADE URBANA EM UMA PERSPECTIVA SOCIO-POLÍTICA: A QUESTÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MOBILIDADE NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE 59 5.1. OS ATORES CAPAZES 5.2. OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO E AS ESTRATÉGIAS DE EXERCÍCIO DO PODER 5.2.1. ESPAÇOS DE INTERAÇÃO 5.2.2. FORMAS E ESTRATÉGIAS DE EXERCÍCIO DO PODER

59 67 68 72

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5.3. OS DISCURSOS DA MOBILIDADE 5.3.1. ÂMBITO NACIONAL 5.3.2. ÂMBITO LOCAL 6. 6.1. 6.2. 6.3. 6.4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DOMINAÇÃO / EXERCÍCIO DO PODER SANÇÃO / LEGITIMAÇÃO COMUNICAÇÃO / SIGNIFICAÇÃO ALCANCE E LIMITAÇÕES DAS ANÁLISES

78 78 89 100 101 103 105 108

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE

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Introdução O processo de urbanização verificado nos países em desenvolvimento, principalmente na última metade do século passado, resultou em grandes concentrações populacionais em um número reduzido de cidades(ALVAREZ, SILVA e SOTO, 2009). Nesse contexto, as necessidades de mobilidade cresceram de forma exponencial. Os seus padrões se alteraram significativamente nas últimas décadas, especialmente nas áreas urbanas, fruto da dispersão urbanística residencial e da concentração em certas zonas urbanas de atividades e serviços dentro das cidades. A ideia de Mobilidade Urbana está relacionada à necessidade primária das pessoas de se deslocarem nas cidades, transportando bens e mercadorias, ou simplesmente indo de um lugar a outro. Se deslocar para os espaços onde desenvolvem suas atividades (trabalho, escola, supermercado ou feira, hospital, etc.), ou levar e trazer materiais, é uma atividade corriqueira, fundamental para a sobrevivência das pessoas e para o funcionamento das cidades. Contudo, Mobilidade Urbana não se refere apenas aos meios de transporte disponíveis na cidade (moto, carro, ônibus, bicicleta, barcos, a pé, etc.), mas envolve, também, as vias em que as pessoas e bens se locomovem (ruas, estradas, rios, calçadas e mobiliário urbano, etc.). Assim, Mobilidade Urbana se refere à circulação de pessoas e bens no âmbito da cidade, incluindo toda a infraestrutura necessária para isso. No Brasil, o modo como as pessoas se deslocam nas cidades teve mudanças significativas ao longo dos últimos sessenta anos, caracterizado, sobretudo, pela substituição do bonde e de outros transportes coletivos baseados em trilhos, por uma grande utilização de transportes coletivos e individuais motorizados (carros, motos e ônibus). A mobilidade nos espaços urbanos é hoje uma realidade muito diversificada e complexa, marcada pela utilização crescente de transporte individual motorizado e pela ineficiência do transporte coletivo, traduzindo-se em um conjunto de consequências negativas para a população (engarrafamentos, aumento do tempo de deslocamento, desconforto, superlotação, etc.) (ANTT, s/d; ALBATROZ, 2005; ALVAREZ, SILVA e SOTO, 2009; BOARETO, 2008). Essa realidade pode ser verificada também em Pernambuco, onde mais de 40% da população está concentrada na Região Metropolitana do Recife1, o que equivale a aproximadamente 3,7 milhões de pessoas. Em 2000, aproximadamente 370,2 milhões de passageiros foram transportados na Região Metropolitana do Recife, apenas no modal ônibus. 1

Fonte: IBGE. Dados da estimativa populacional para o ano de 2007.

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Em 2004, esse número subiu para 419,2 milhões2, um aumento de mais de 49 milhões de passageiros (13,25%) em quatro anos3 (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO, s/d). Apesar do aumento substancial no número de viagens no modal ônibus (o que, em tese, reduziria a necessidade de utilização do transporte individual motorizado), a frota de veículos particulares do estado tem tido um incremento também substancial. Nos últimos dez anos (2001-2011) houve um aumento médio anual de mais de 33 mil novos carros na frota estadual de automóveis, o que equivale a um aumento médio de 6% ao ano4, ou a uma média de 2750 carros novos nas ruas por mês. Uma taxa de crescimento mais de cinco vezes superior do que a taxa de crescimento da população de Pernambuco nos últimos 10 anos (1,06%, segundo o IBGE5). Contudo, ter melhor ou pior mobilidade nas cidades está relacionado, sobretudo, ao conjunto de políticas e ações que são realizadas para melhorá-la, levando em consideração esses aspectos. E é esse o foco desse trabalho: o processo de implementação das políticas de mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife. Passemos agora para a delimitação do problema de pesquisa aqui proposto, então.

Caracterização do Problema

As políticas de Mobilidade Urbana no Brasil foram historicamente articuladas em nível nacional6 (GOMIDE, 2008). Mas é no nível local que elas se operacionalizam7, cabendo aos Municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (BRASIL, 1988)8. 2

Fonte: Grande Recife Consórcio de Transporte: www.granderecife.pe.gov.br Obviamente esse número é superdimensionado por uma contabilização cíclica de utilização do transporte: um determinado número de pessoas utiliza vários transportes, diversas vezes por dia. 4 Fonte: Detran/PE. 5 Dados referentes ao Censo 2010. Refere-se à taxa média geométrica de crescimento anual, apresentada em percentual (%). A taxa é calculada para o período 2000/2010 e considera a população de 2010, incluindo a estimada para os domicílios fechados. A população considerada para 2000 foi a recenseada. 6 Compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (Art. 21, inciso XX, Constituição Federal). Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes; trânsito e transporte (Art. 22, incisos IX e XI, Constituição Federal). 7 Compete aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. (Art. 30, inciso V, Constituição Federal); A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes(Art. 182, caput, Constituição Federal); No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido (Art. 41, parágrafo 2º, Estatuto da Cidade - LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001). 8 Constituição Federal, Art.30, inciso V. 3

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Diversos órgãos e corpos normativos foram criados ao longo dos últimos anos com o intuito de atender às demandas sociais e estruturais por melhores condições de mobilidade nas cidades, através da viabilização de ações específicas. Ao longo dos anos, as ações de melhoria da mobilidade urbana buscaram acompanhar as modificações sociais e estruturais nas cidades. Em termos gerais, elas se traduziram em ações de ampliação dos corredores de veículos, eliminação de barreiras ao tráfego e, em menor medida, qualificação do transporte coletivo. No caso do Recife, algumas das principais alterações ocorreram na década de 1980, com a Construção do Metrô do Recife, a Implantação de faixas exclusivas na Av. Sul, Av.Caxangá, Av. Cruz Cabugá, e a concepção do Sistema Estrutural Integrado (SEI) 9. Porém, essas ações governamentais ocorreram de forma parcialmente descoordenada, pela ação particular de vários órgãos responsáveis pela área, muitas vezes atuando em sentidos opostos. Nesse contexto, alguns marcos legais relativamente recentes na história do Brasil e do Recife visam direcionar as prioridades na área de Mobilidade Urbana, definindo diretrizes e ações específicas para ação coordenada nessa área. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) definiu as diretrizes gerais da política urbana e para o desenvolvimento das cidades, complementando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Segundo o Estatuto da Cidade, as cidades com mais de quinhentos mil habitantes devem elaborar um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido (BRASIL, 2012)10. Em 2008, o Plano Diretor do Recife foi revisado, adequando-se a essas normas. Em 2011, a prefeitura do Recife encaminhou à Câmara dos Vereadores um Plano Municipal de Transporte e Mobilidade, através do Projeto de lei Nº 012/2011. No ano seguinte, foi sancionada a lei Federal Nº 12.587/ 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Como estratégia, a Política Pública não é algo que as instituições possuem, mas algo que seus atores fazem e, portanto, é socialmente construída (JARZABKOWSKI, 2004). Um longo histórico institucional no âmbito nacional e local tem, nesse contexto, influenciado a configuração da Política Local de Mobilidade, através da interação de atores sociais distintos. Compreender esse processo exige, por um lado, entender a dimensão técnico-administrativa (isto é, organizacional) que se estabeleceu historicamente e, de outro lado, reconhecer que toda Política Pública é uma forma de intervenção nas relações sociais, em que o processo de implementação condiciona e é condicionado por interesses e expectativas sociais (FERNANDES, 2007). Ou seja, se por um lado a estrutura institucional e organizacional é definidora das competências e limites de atuação entre os atores sociais, por outro ela não 9

Discorremos melhor sobre isso no Capítulo 5. Art. 41, inciso 6º, parágrafo 2º

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elimina a dimensão política e social do processo de implementação. O planejamento de políticas públicas, nesse sentido, deve ser visto como um processo, e não como um produto técnico somente (OLIVEIRA, 2006). A importância da representação de interesses, assim, reside em que essas condições, quando referidas ao processo político em que se inscreve uma determinada Política Pública, não estão previamente dadas. Elas se manifestam através de diferentes atores sociais, que representam interesses diversos (LOBATO, 2006). É a relação entre setores afetados e atores relevantes do processo de formação da Política Pública que, em última instância, determina a atuação pública (SUBIRATS, 2006). A correlação de forças entre esses atores, nesse contexto, suas estratégias de exercício de poder, as instâncias legitimas, formais e informais e que exercem influências uns sobre os outros não é completamente conhecida. Entre 1979 e 2008, o transporte público metropolitano da cidade do Recife foi gerido por uma empresa pública, a Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU). Em 2008, ela foi extinta, dando lugar a um Consórcio público, envolvendo estado e municípios, e operacionalizado por dezessete empresas privadas, através de contrato de permissão (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO, s/d). Contudo, um conjunto de políticas vem sendo desenvolvidas por vários desses atores institucionais, ora individualmente, ora de maneira conjunta, mas não necessariamente no âmbito da estrutura institucional do consórcio. Algumas ações previstas no Plano de Mobilidade, proposto pela prefeitura em 2011, tem sido implementadas, e alguns conceitos da década de 1980 tem retornado à pauta de discussões. É o caso dos corredores exclusivo de ônibus. Essa ideia ficou guardada durante mais de vinte anos no Recife e agora constitui a principal estratégia local em termos de mobilidade11. Nesse sentido, a Política de Mobilidade Urbana do Recife pode ser entendida como uma estratégia específica, que vem sendo “negociada” historicamente, ora com avanços, ora com retrocessos, ora com retornos a questões antigas, no âmbito de um amplo processo social. Um exemplo desse processo de “negociação” ou disputa pode ser encontrado em um caso recente ocorrido na Zona Norte do Recife. Em julho de 2012, um trecho de trezentos e cinquenta metros de ciclofaixa12 foi implantado na Estrada do Arraial, Zona Norte e área nobre do Recife. Durante cerca de dois meses após a implantação da ciclofaixa nesse trecho, diversos grupos sociais se manifestaram a favor e contra a faixa, tanto em espaços oficiais (audiência), quanto em espaços não oficiais (protestos) (NE10, 2012; SOARES, 2012; LUCENA, 2012; SOARES,

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Vide por exemplo a construção dos corredores Norte-Sul e Leste-Oeste, previstos para a Copa do Mundo de 2014. 12 No total, a ciclovia tem 4,3 quilômetros de extensão.

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2012). No dia trinta de agosto de 2012, a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano13 (CTTU) decidiu remover os 350 metros da ciclofaixa que cortam a Estrada do Arraial para dar mais fluidez ao tráfego, revendo a posição tomada anteriormente (quando a implantou), e atendendo a demanda de um grupo social específico, que reivindicava maior fluidez no trânsito para os automóveis. Em pesquisa recente, o Instituto Maurício de Nassau avaliou que 93% dos recifenses afirmaram ser favoráveis à construção de ciclovias na capital (CARVALHO, 2012), o que aponta para uma posição contrária à decisão que foi tomada pelo órgão municipal. Esse fato nos indica o processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana do Recife como algo negociado cotidianamente, envolvendo grupos sociais distintos, em espaços sociais oficiais e não oficiais, e com um conjunto diversificado de atores e instituições sociais. Contudo, os elementos centrais relativos a esse processo ainda não estão claros. Assim, considerando o processo de implementação dessas políticas como uma construção política e social (onde os atores e instituições interagem para definir as políticas públicas mais adequadas, interferindo diretamente na sua forma e conteúdo), que deve ser vista como um processo (isto é, executado a todo o momento pelas pessoas envolvidas), e não como um produto técnico somente (não apenas fruto de um cálculo arquitetônico ou da engenharia, etc., mas um processo de negociação política, sobretudo), a análise aqui proposta buscou entender o processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana, especificamente na Região Metropolitana do Recife, procurando responder a seguinte questão: “Qual a capacidade dos atores e grupos sociais locais de interferirem na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife?”.

Objetivos

Objetivo Geral Analisar qual a capacidade dos atores e grupos sociais locais de interferirem na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

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Órgão municipal responsável pelas atividades relativas à gestão, operação e fiscalização da circulação de veículos e do transporte público de passageiros, no Recife. Lei Municipal No. 16.534/99; Art. 1º., inciso II.

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Objetivos específicos 

Identificar os principais atores envolvidos no processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.



Identificar as formas e espaços de interação, de “exercício do poder” em torno da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.



Analisar os distintos discursos em torno da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

Justificativa Dois elementos centrais justificam o desenvolvimento dessa investigação. O primeiro refere-se à possibilidade de investigar o processo de consolidação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife, que conta com um vasto número de beneficiários. Com isso, contribuir para uma análise circunstanciada do problema social. Por outro lado, esse trabalho procura discutir como se dá a interação política em torno da implementação de uma Política Pública específica, não apenas contribuindo para a compreensão do problema social, mas trazendo também elementos importantes para análise de políticas públicas, da definição de estratégias e de tomada de decisão, bem como auxiliando na ampliação de repertórios analíticos acerca do tema. Para além disso, a proposta apresentada se relaciona diretamente com a discussão mais da Administração Pública, na medida em que se trata de uma investigação acerca de aspectos ligados ao exercício do Poder Local, operacionalizado pelas organizações locais, em suas atuações específicas na área de Mobilidade Urbana.

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1. Vertentes analíticas acerca das Políticas Públicas Nesta sessão são apresentados os contornos conceituais que serão utilizados no desenvolvimento desse trabalho, visando dar lastro às análises subsequentes. Partimos do pressuposto de que as relações de Poder permeiam todas as relações sociais, sendo centrais para compreendermos o processo de implementação de Políticas Públicas, realizado pelo Estado, através do Poder Executivo. O Estado moderno se configura nos três poderes previstos por Montesquieu: legislativo, judiciário e executivo. É a este último que cabe a função de exercer a função administrativa, isto é, de operacionalizar as diretrizes previstas na legislação e implementar as Políticas Públicas. No Direito Brasileiro, cabe ao poder executivo14 governar e gerenciar os órgãos da Administração Pública direta e indireta, administrando os interesses públicos e cumprindo fielmente as ordenações legais (BRASIL, 1988). Woodrow Wilson (2005), em seu texto clássico, coloca a distinção entre Administração Pública e Política, visando estabelecer o objeto da Administração enquanto ciência. Segundo ele, a “Administração Pública é a execução detalhada e sistemática do Direito Público” (WILSON, 2005, p. 359). Assim, na sua concepção, os largos planos de ação governamental não seriam questões administrativas, mas sim a sua execução detalhada (WILSON, 2005). A relevante distinção de Wilson nos informa que questões administrativas não são questões políticas. Contudo, as ações governamentais são realizadas através de suas instituições, sendo implementadas por seus agentes políticos (que exercem mandato eletivo) e administrativos (servidores públicos, empregados públicos, exercedores de funções públicas). Os atos da Administração Pública, nesse contexto, executados a partir de tais agentes, podem ser de caráter vinculado ou discricionário. Os atos vinculados são aqueles nos quais não cabe à Administração tecer considerações de oportunidade e conveniência, nem escolher seu conteúdo. Deve apenas executar o ato conforme estrita especificação legal. Já o ato discricionário constitui-se como uma autorização legal para que o agente público decida, nos limites da lei, acerca da conveniência e da oportunidade de praticar, ou não, um ato administrativo e, quando for o caso, escolher seu conteúdo. Ou seja, diante de um caso concreto, 14

Cabe ainda ao Poder Executivo a possibilidade de iniciar o Processo Legislativo através da proposição de Projeto de Lei, a competência para sancionar as Leis; promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; vetar projetos de lei, total ou parcialmente, bem como dispor, mediante decreto sobre temas de sua competência (BRASIL, 1988, p. Art. 84).

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a administração, nos termos e limites legalmente fixados, decidirá, segundo seus critérios de oportunidade e conveniência administrativas, a conduta, dentre as previstas na lei, mais condizente com a satisfação do interesse público. Se, conforme Wilson, toda a aplicação particular de lei geral é um ato de administração (WILSON, 2005), a exigência de se observar o interesse público e a possibilidade de atuar de maneira discricionária constitui-se, por si só, em uma característica política da Administração Pública, sendo relevantes os aspectos sociais que influenciam a atuação dos seus representantes legítimos. Assim, o Estado, através do Poder Executivo, operacionaliza as Políticas Públicas, mas exerce essa atividade através de suas instituições e, principalmente, através de atores políticos. Ou, como na abordagem da estratégia como prática, são as pessoas, no interior das organizações, que fazem a estratégia (JOHNSON, LANGLEY, et al., 2007). Nesse contexto, um conjunto bastante variado de atores sociais (seja como indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações) participa com níveis diferenciados de influência sobre a definição de estratégias das Políticas Públicas, em um amplo processo de disputa de interesses, em um cenário de recursos limitados. Para buscar entender esse processo, utilizamos o corpo teórico estabelecido pela perspectiva Neoinstitucionalista e pela Teoria da Estruturação, conforme delineada por Anthony Giddens.

1.1.

Poder, Política e Políticas Públicas

Política e Políticas Públicas são entidades diferentes, porém se influenciam de maneira recíproca. Tanto a política, em sentido amplo, quanto as Políticas Públicas tem a ver com o Poder Social (PARADA, 2006). Contudo, a noção de Poder encontra várias definições ao longo da história, sendo necessário discorrermos um pouco sobre ela, antecipadamente. O conceito de Poder é tratado, muitas vezes, de maneira quase à priori, auto-explicável e que guarda sentido em si mesmo. Cotidianamente, ele se refere a ter a faculdade ou a possibilidade de realizar algo, ter domínio ou influência para realizar ou obter alguma coisa (MICHAELIS, 2012). Em seu significado mais geral, Poder diz respeito à capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos para si mesmo ou para o grupo ao qual pertence. Tanto pode ser referido a indivíduos e a grupos humanos, como a objetos ou a fenômenos naturais (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998; BERRY, 1976; DAHL, 1974). Porém, em

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sentido especificamente social15 compreende desde a capacidade geral de agir (de tomar uma atitude, de realizar algo), até à capacidade de um indivíduo em determinar o comportamento de outro (fazer com que alguém realize algo) (STOPPINO, 1998), excluindo-se, portanto, as relações de poder sobre objetos inanimados ou não humanos16 (DAHL, 1974). Alguns aspectos preliminares são importantes nesse contexto. Em primeiro lugar, o Poder Social, em seu sentido mais utilizado (influência de alguém ou de algum grupo sobre outra pessoa ou grupo, com vistas à obtenção de efeitos desejados, privada ou coletivamente), se afirma em um sentido fundamentalmente relacional. Quer dizer, seu exercício envolve necessariamente um ator adicional, diferente daquele que o exerce, e que se submete a essa influência. Dessa maneira, Poder Social não é uma coisa ou sua posse, mas uma relação entre pessoas (DAHL, 1974; BERRY, 1976; STOPPINO, 1998), caracterizada, em alguma medida, pela subordinação de um pelo outro, visando obtenção de ganhos. Isso remete a outro aspecto da discussão sobre Poder, qual seja, poder e desigualdade. Em sua definição relacional, já se encontra uma diferenciação de forças17 entre as pessoas que exercem poder, e as que se submetem a ele. Boa parte das conceituações de poder surgem nesse âmbito. Uma das primeiras acepções acerca do Poder parte de Aristóteles, em seu livro A Política, onde ele procura distinguir as formas de exercícios de poder de um indivíduo sobre outro, concentrando, sobretudo, no poder político18. O Poder para Aristóteles seria o elemento diferenciador de posições sociais e de modos de governar específicos, constituindo uma característica inerente aos indivíduos (DAHL, 1974; BERRY, 1976; GROSS, 1974; BOBBIO, 1998; SARTORI, 1981). Na concepção marxista, o poder é visto como derivado das atividades produtivas, das relações sociais envolvidas nos meios de produção. É a capacidade de uma classe social realizar os seus interesses e objetivos específicos. Assim, poder é um traço inerente das relações sociais, sendo a ordem normativa uma derivante das estruturas de poder estabelecidas (BERRY, 1976), e as classes sociais 19os principais agentes dos processos políticos (MARQUES, 1997).

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Referiremos-nos a Poder nesse sentido daqui a diante. O Poder sobre as coisas é distinto do Poder sobre as pessoas ou grupos de pessoas. O primeiro é relevante na medida em que pode se converter em um recurso para exercer poder sobre as pessoas. (STOPPINO, 1998) 17 Não me refiro aqui à força física (embora esse possa ser um dos recursos utilizados para garantir o exercício do poder), mas a força em um sentido da capacidade alheia de se submeter outra pessoa a sua vontade. Muitas vezes pode ser fundamentada na posse de recursos econômicos e financeiros, de prestígio, do convencimento ou da negociação, etc. 18 Ele distingue três formas principais de Poder, baseadas nos meios que um indivíduo utiliza para determinar o comportamento de outro: econômico, político e ideológico (BOBBIO, 1998; BERRY, 1976). 19 A unidade de análise do marxismo é a classe social. 16

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Para Weber, por sua vez, poder representa a probabilidade de que um ator, dentro de uma relação social, esteja em posição de realizar sua própria vontade, apesar das resistências, e independente das bases sobre as quais resida tal probabilidade (DAHL, 1974). Para ele, a legitimidade do exercício do poder é fundamental, sendo definidora tanto do conceito de Estado, que se diferencia por ser detentor exclusivo do uso da força (e por isso, capaz de impor sua vontade), quanto dos tipos de dominação que se operacionalizam na sociedade. De acordo com sua tipologia: dominação racional-legal, tradicional e carismática (DAHL, 1974; BERRY, 1976; STOPPINO, 1998). Outro ponto importante nessa discussão é que Poder abrange, por definição, a noção de ação ou de agência20 (potencial ou efetiva) e a consequente expectativa relacionada a ela. Ou seja, enquanto relação social, o exercício do poder depende: a) da faculdade de agir, própria do ser humano (de realizar uma ação que gere efeitos) e b) de seu reconhecimento 21 pelos que a ele se submetem (ou da aptidão de um dado ator para levar a cabo sua vontade de submeter outros à sua vontade) (BOUDON e BOURRICAUD, 2011). O conceito de agência, nesse contexto, diz respeito às categorias conceituais sobre as quais se fundamentam as explicações acerca dos fenômenos sociais (Objetivismo VS Subjetivismo; Individualismo Vs Coletivismo, etc.). Em outras palavras, trata-se de como podemos explicar/compreender a vida social em suas várias configurações e instâncias, e que termos utilizamos para realizar tal tarefa. Ela se insere no debate teórico metodológico entre individualismo e coletivismo metodológico (BERRY, 1976; EMIRBAYER e MISCHE, 1998). O individualismo metodológico ganhou força com a tradição utilitarista e liberal a partir de Hobbes. Seu enunciado diz que se os fenômenos coletivos são produzidos por pessoas, eles devem ser explicados por situações, orientações e crenças de atores individuais. Assim, sua explicação dos fenômenos sociais deve ser construída a partir de categorias analíticas voltadas para o indivíduo. A realidade social, nesse sentido, é consequência das orientações subjetivas de atores individuais. Em oposição, o coletivismo metodológico parte do pressuposto de que a totalidade é maior que a soma das partes e tem procedência sobre seus componentes individuais. Assim, as variáveis explicativas serão procuradas nas leis que governam o sistema ou nas determinações estruturais e funcionais que afetam indivíduos ocupando papéis ou posições

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A agência humana é colocada, nesse momento, apenas como a capacidade dos seres humanos em fazer escolhas e impor estas escolhas ao mundo, não se referindo a contornos conceituais específicos de qualquer autor. Mais adiante a conceituação de Giddens será utilizada. 21 A imagem que um indivíduo ou grupo faz da distribuição do Poder, no âmbito social a que pertence, contribui para determinar seu comportamento. Nesse sentido, a reputação ou as imagens do poder constituem um possível recurso do poder efetivo ou de seu exercício (BERRY, 1976; DAHL, 1974; STOPPINO, 1998; BOBBIO, 1998)

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socialmente definidas (BERRY, 1976; STOMPKA, 2005; PRATES, PAIXÃO e FREITAS, 1991). Em termos gerais, o debate sobre a agência humana se desenvolve acerca da influência (dependência de um pelo outro, e vice-versa) de contextos sociais mais amplos (estrutura) na vida dos indivíduos, e sobre como a ação individual (agência) pode ou não influenciar tais contextos. Diversos autores, em alguma medida, se depararam com essa problemática, ora defendendo uma das opções metodológicas, ora procurando integrá-las em um corpo argumentativo comum (BERRY, 1976; STOMPKA, 2005; PRATES, PAIXÃO e FREITAS, 1991). E é essa última opção, integradora, que consideraremos para fins desse trabalho, especificamente, a Teoria da Estruturação, de Anthony Giddens, a qual explicitamos mais adiante. Nesse momento, o relevante é atentarmos para a compreensão de que Poder tem a ver, portanto, com a noção de agência, de ação social, e que a compreensão de como a agência se operacionaliza socialmente implica em interpretações distintas sobre as “possibilidades” do conceito de Poder e, consequentemente, suas implicações sobre a noção de Política e de Políticas Públicas. Assim, é necessário entendermos também o conceito de Política. O termo política, por sua vez, é derivado de um adjetivo relacionado à ideia de polis (politikós), que significa tudo que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social (BOBBIO, 1998; SARTORI, 1981). Nesse sentido, poder, e política encontram seu significado numa interação entre os conceitos. Em outras palavras, o termo política está relacionado, genericamente, ao exercício do poder, em suas diversas formas (BOUDON & BOURRICAUD, 2000). No Estado Moderno, o exercício do poder é realizado pelo governo através de uma burocracia, que exerce a soberania e autoridade em um vasto território, com capacidade de prover segurança, ordem, leis, direitos a propriedade, etc. Nesse contexto, as Políticas Públicas, correspondem às soluções específicas para assuntos públicos, implementadas pelo Estado (PARADA, 2006) através de um aparato institucional e administrativo, na direção definida pelo governo, em consonância com as leis, por intermédio das pessoas incumbidas de implementar tais soluções. Assim, a agência estatal é realizada por indivíduos no âmbito das Instituições e possibilitada pela estrutura normativa e administrativa estabelecida. Porém, várias vertentes entendem de maneira distinta essa relação. Procuraremos explicitar as principais vias interpretativas na sessão seguinte, e identificar aquela que acreditamos ser mais adequada aos objetivos de análise desse trabalho.

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1.2.

Políticas Públicas e sua análise: principais

vertentes interpretativas A discussão sobre Políticas Públicas remonta duas fontes principais na Ciência Política: uma norte-americana e outra europeia. A primeira, nasce em campo estritamente acadêmico, voltada para análise da ação dos governos. A segunda, estava voltada para análise do Estado e suas instituições, mais do que na produção dos governos (SOUZA, 2006). De maneira geral, na Ciência Política costuma-se distinguir três abordagens principais, de acordo com os problemas levantados. Em primeiro lugar, teríamos o questionamento da política clássica, sobre o sistema político e sobre o que é/seria um bom governo. Em um segundo momento, temos o questionamento político acerca das forças cruciais nos processos decisórios. E, por último, uma via analítica mais preocupada com os resultados que o sistema político vem produzindo (FREY, 2000). Assim, como sugere Klaus Frey (2000), a análise política pode ser diferenciada a partir de três dimensões da política: polity, politics e policy. O primeiro termo (polity) se refere a uma perspectiva voltada a análise das instituições políticas, isto é, com foco na dimensão institucional, na ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo. O segundo termo (politics), refere-se a um conjunto de análises que tem se concentrado nos processos políticos, percebendo-os como eminentemente conflituoso no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões. E, por último, haveria uma última dimensão representada pelo termo policy, que se estaria preocupada com conteúdo material das decisões políticas (FREY, 2000). Várias vertentes interpretativas, nesse contexto, tratam em alguma medida de pelo menos uma dessas dimensões. Adiante, apresentaremos algumas das mais discutidas correntes de pensamento, com o intuito de evidenciar as opções teóricas que serão utilizadas durante o desenvolvimento posterior desse trabalho. Uma importante corrente de pensamento que tem se dedicado a discutir políticas públicas é a vertente institucionalista. Ela defende a existência de uma forte relação ente políticas públicas e instituições governamentais. Uma política, nessa visão, não se transforma em Política Pública se não for adotada, implementada e feita cumprir por alguma instituição governamental. Segundo essa vertente, as instituições concedem à política legitimidade, passando a serem consideradas obrigações legais. Elas também dão um sentido de universalidade, buscando

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beneficiar todas as pessoas da sociedade, além de exercer controle dos violadores de suas políticas, através do monopólio da coerção na sociedade (DYE, 2006; PEREIRA, 2007). Nessa perspectiva, as instituições governamentais são percebidas como padrões estáveis de comportamento de indivíduos ou grupos. A forma como esses padrões se estabelecem no âmbito das instituições governamentais podem afetar diretamente as políticas públicas. Assim, as instituições podem ser configuradas para facilitarem certas consequências políticas e obstruírem outras, favorecer certos interesses na sociedade e desfavorecer outros. Nesse contexto, alguns indivíduos podem ter maior acesso ao poder governamental do que outro, ou seja, a estrutura das organizações governamentais pode ter importantes consequências políticas. Nessa visão, importa destacar, o poder é localizado nas instituições, podendo os indivíduos acessá-lo através delas. Contudo, a perspectiva institucionalista tem sido criticada por não dar suficiente atenção à conexão entre as estruturas institucionais governamentais e o conteúdo das políticas, centrando esforços na descrição de estruturas governamentais específicas, sem indagar que impactos essas características institucionais tem nos resultados das políticas (DYE, 2006; PEREIRA, 2007). Outra perspectiva relevante acerca da discussão sobre políticas públicas é a do Processo. Aqui, a Política Pública é compreendida como um conjunto de processos políticoadministrativos que visam atender a demandas sociais específicas. Dessa maneira, um dos principais objetivos dessa concepção tem sido identificar padrões de atividade ou “processos”, evitando análises sobre o conteúdo das políticas. O interesse pela substância dos problemas e das políticas deve estar na forma como ele interage com o processo, e não com a substância em si mesma. Assim, o foco é ‘como’ as decisões são tomadas, ou mesmo como ‘deveriam’ ser tomadas. Uma importante contribuição desse modelo teórico tem sido identificar as diferentes fases do processo de construção de políticas públicas, compreendendo o seguinte esquema: a) identificar os problemas envolvidos, b) montar uma agenda, c) formular propostas, d) legitimar políticas, e) implementar políticas e f) avaliar políticas. Assim, o processo político é visto como uma série de atividades políticas que são desenvolvidas para atender a problemas sociais (DYE, 2006). Uma perspectiva distinta refere-se ao Pluralismo. Ela compreende que a formulação de políticas é dada segundo o jogo de forças empreendido por diferentes grupos de interesses que, atuando junto ao governo, procuram maximizar benefícios e reduzir custos. Ele concebe a distribuição do poder como um aspecto mais ou menos permanente das sociedades, especialmente as de democracia liberal. As sociedades são concebidas, nessa perspectiva, como compostas por diversos centros de poder, sendo que nenhum deles é totalmente soberano

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(ROCHA, 2005). Os indivíduos se reuniriam nesses grupos com vistas a defender interesses similares, e sua conquista estaria relacionada com a capacidade de serem politicamente mais fortes que outros grupos com interesses contrários. A política seria, portanto, a luta entre os grupos para influenciar as políticas públicas. Neste cenário, o sistema político deve administrar o conflito entre os grupos (DYE, 2006). O processo de formulação de políticas públicas compreende necessariamente condições relacionadas com a organização sociopolítica específica onde se formula a Política Pública: a organização social e política vigentes (regime político e padrão de organização da sociedade), as condições econômicas e, em maior ou menor grau, as condições tecnológicas e culturais. Nesse contexto, a importância da representação de interesses reside em que essas condições, quando referidas ao processo político que inscreve uma determinada Política Pública, não estão previamente dadas. Elas se manifestam através de diferentes atores sociais, que representam interesses diversos (LOBATO, 2006). Assim, o equilíbrio é determinado pela influência de cada grupo de interesse, e a Política Pública é orientada pelos grupos que ganham influência. É a relação entre setores afetados e atores relevantes do processo de formulação da Política Pública que, em última instância, determina a agenda de atuação pública. (LOBATO, 2006; DYE, 2006; SOUZA, 2006; SUBIRATS, 2006). Uma vertente interpretativa relativamente próxima (mas distinta) ao pluralismo é a Teoria das Elites. Ela argumenta que a sociedade está dividida entre os poucos que tem poder e os muitos que não tem22. Sugere que a opinião das grandes massas é moldada pela influência das elites. Assim, as políticas públicas traduziriam as preferências das elites, não refletindo as demandas do povo na mesma intensidade em que elas refletem os interesses e valores da elite (DYE, 2006; BERRY, 1976). Já na perspectiva da Escolha Racional considera-se que deve existir uma compatibilização entre os custos e benefícios das políticas públicas, garantindo sempre os maiores ganhos possíveis e diminuindo ao máximo os custos. Logo, não se deve adotar políticas cujos custos excedam os benefícios, considerando nesse cálculo aspectos sociais, políticos e econômicos. Para tanto, é necessário conhecer todas as preferências valorativas da sociedade, assim como todas as propostas disponíveis de políticas e seus respectivos saldos entre custo e benefícios, e selecionar, com base nesse critério, o caminho mais adequado (DYE, 2006). A perspectiva do Incrementalismo, nesse contexto, se posiciona inicialmente como uma crítica ao modelo racional tradicional de formulação das decisões. Na visão do

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Na versão marxista, entre os que detêm os meios de produção capitalista e os que não detêm.

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Incrementalismo, considera-se que os recursos governamentais para um programa, órgão ou dada Política Pública não partem do “zero”, e sim de decisões marginais e incrementais, que consideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos. Assim, as decisões dos governos seriam apenas incrementais e pouco substantivas. Nesse contexto, decisões tomadas no passado constrangem decisões futuras e limitam a capacidade dos governos de adotar novas políticas públicas ou reverter a rota das atuais (SOUZA, 2006; DYE, 2006). Os tomadores de decisão (decision makers), nesse sentido, não reveem anualmente o conjunto das políticas existentes e propostas, nem identificam os objetivos societários, nem pesquisam os benefícios e os custos das propostas alternativas destinadas a alcançar esses objetivos, tampouco escalonam as preferências em relação a cada alternativa política em termos de máximos benefícios líquidos para, então, fazer a seleção, com base em todas as informações relevantes (DYE, 2006). Isso acontece porque a) os formuladores de políticas não dispõem de tempo e/ou dinheiro para pesquisar exaustivamente todas as alternativas possíveis; b) porque eles tendem a aceitar a legitimidades das políticas anteriores, por causa da incerteza quanto às consequências de políticas completamente novas ou diferentes; c) há uma compreensão de que as organizações tendem a sobreviver ao longo do tempo, a despeito de sua utilidade, e que os indivíduos desenvolvem interesse pessoal pela continuidade de organizações e práticas, tornando difícil uma mudança radical. Assim, na maior parte dos casos as alterações em programas existentes satisfazem a demandas particulares, e as mudanças políticas mais fundamentais, necessárias à maximização de valores, são deixadas de lado (DYE, 2006; SOUZA, 2006). Na concepção da Teoria dos Jogos, parte-se do princípio de que a atuação governamental em relação ao conjunto da sociedade, expressa, em última instância, pelas políticas públicas, não pode ser entendida como um corpo uniforme e racional (PARADA, 2006). Criticam os chamados modelos Racional e Institucional, em que as políticas seriam resultantes, no primeiro caso, de um processo decisório do governo (visto aí como entidade individual) baseado em um cálculo para maximização dos benefícios em detrimentos dos custos ou, no segundo caso, como resultante de processos decisórios provenientes das diferentes unidades de decisão do governo (visto aí como organização, com tarefas distribuídas hierarquicamente por diferentes níveis de decisão). Para esses autores, os dois modelos não levam em consideração o conflito entre diferentes interesses inerentes ao processo de formulação de políticas (PARADA, 2006). Ao contrário desses, o paradigma do jogo institucional procura caracterizar o processo internamente. Nesse modelo, o jogo objetiva a aquisição de ganhos especiais por parte dos jogadores, caracterizados como agentes de decisão. Para tanto, os diversos agentes (burocratas,

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políticos e grupos de interesse) procuram garantir para si ganhos que lhes permitam aumentar seu poder de decisão dentro do setor público. Na vertente Neoinstitucionalista, as instituições são os produtos do delineamento humano, o resultado de ações propositadas por indivíduos instrumentalmente orientados. Por outro lado, elas também modelam as preferências individuais e a extensão na qual elas podem se realizar. Sob essa perspectiva, os fenômenos políticos, dentre eles, as políticas públicas, resultariam da interação entre as instituições (que definiriam as regras do jogo) e o comportamento dos indivíduos (que são profundamente influenciados por características simbólicas e valorativas institucionais). As instituições políticas, nesse contexto, afetam a distribuição dos recursos, o que por sua vez afeta o poder dos atores políticos, afetando, consequentemente, as instituições políticas. Em outras palavras, os resultados do processo político modificam as reputações de poder, as quais, por sua vez, modificam os resultados políticos (MARCH e OLSEN, 2008; HALL e TAYLOR, 2003). Assim, as políticas públicas seriam uma função das interações institucionais e de atores sociais. É a essa corrente de pensamento que nos vinculamos para fins desse trabalho e, por isso, procuraremos detalhá-la mais um pouco.

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2. O Neoinstitucionalismo como possibilidade explicativa para as Políticas Públicas O Neoinstitucionalismo, como uma corrente de pensamento23, abarca um conjunto de “subdivisões” ou tendências interpretativas relativamente coesas. Uma série de autores utiliza o ferramental teórico-metodológico neoinstitucional, desenvolvendo interpretações distintas que, em alguns momentos, converge e, em outros, diverge (DIMAGGIO & POWELL, 1999; MARCH & OLSEN, 2008; NASCIMENTO, 2009). Alguns autores tem feito o esforço de agrupar essas contribuições, identificando características comuns entre as diversas produções, mas nem sempre concordando com as categorias (LEONE, 2003; HALL, et al., 2003). De qualquer maneira, é consensual que a abordagem neoinstitucional surgiu como uma crítica, como o próprio nome sugere, ao velho institucionalismo, influente nos anos 1960 e 1970 (HALL e TAYLOR, 2003). Ele se opõe a ideia de que a soma das preferências individuais explicariam o comportamento coletivo. Assim, argumentam que a ação social é determinada por instituições, e não meramente pelo somatório das preferências individuais. Mas, por outro lado, rejeitam também o estruturalismo, o qual atribui a uma determinada estrutura social a força causal de todas as situações sociais(NASCIMENTO, 2009). Em termos teóricos, o Novo Institucionalismo situa-se como uma reação tanto às perspectivas voluntaristas, quanto às perspectivas estruturalistas dentro das ciências sociais (POWELL & DIMAGGIO, 1991), buscando um caminho intermediário. Assim, os fenômenos sociais são, por conseguinte, tanto o produto dos resultados das condutas individuais, bem como o reflexo de determinadas estruturas. Em outras palavras, o Novo Institucionalismo representa uma reação em considerar o sujeito social como um ator completamente autônomo, por um lado, ou como um elemento passivo, absolutamente sujeitado pelas estruturas sociais que delimitam suas possibilidades de ação, por outro (NASCIMENTO, 2009; HALL, et al., 2003). E é neste sentido que (...) a perspectiva neoinstitucionalista tenta demonstrar a necessidade de combinar a agência (a capacidade dos indivíduos de transformar a alterar a estrutura) e a estrutura como forma de explicar os fenômenos e resultados sociais (aqui, naturalmente, incluem-se, além das dimensões estritamente sociais, a política e a economia) (NASCIMENTO, 2009, p. 98).

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Peci (2006), por exemplo, argumenta que o Novo Institucionalismo não pode ser considerado uma “escola” ou corrente consolidada de estudos organizacionais, uma vez que há nele pontos cruciais de divergência teórica, com implicações empíricas.

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Contudo, há certa divergência no que se refere a essa relação. Existem pelo menos três métodos de análise relacionados ao que tem se nomeado Neoinstitucionalismo, e que tem nuances divergentes ao tratar do assunto: um Histórico, um Sociológico e um da Escolha Racional24. Tentemos, portanto, entender melhor essa corrente analítica.

2.1.

Neoinstitucionalismo Histórico

O institucionalismo histórico desenvolveu-se como reação contra a análise da vida política em termos de grupos e contra o estruturo-funcionalismo, embora tenha utilizado ferramentais teóricos dessas correntes enquanto se empenhava em ultrapassá-los. Nessa perspectiva as instituições são entendidas como sendo os procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política (HALL, et al., 2003; NASCIMENTO, 2009). Em geral, esses teóricos têm a tendência a associar as instituições às organizações e às regras ou convenções editadas pelas organizações formais (HALL e TAYLOR, 2003). Dois caminhos explicativos decorrem dessa perspectiva: um mais “calculista” e outro mais “culturalista”. Na vertente “calculista” do institucionalismo histórico admite-se que a ação humana é orientada por um cálculo instrumental estratégico, visando maximizar seus benefícios. Nesse contexto, as instituições orientam as ações individuais através da oferta de padrões estáveis de reação em suas relações sociais, regulando suas expectativas em relação aos outros. Isto é, “oferecerem aos atores uma certeza mais ou menos grande quanto ao comportamento presente e vindouro dos outros atores" (HALL e TAYLOR, 2003, p. 197). A concepção mais culturalista dessa vertente considera que a visão de mundo própria do indivíduo estabelece limites a esse cálculo instrumental. Assim, os indivíduos agiriam mais no sentido de satisfazerem suas vontades do que de otimizar os possíveis benefícios, recorrendo com frequência a protocolos estabelecidos ou a modelos de comportamento já conhecidos para atingir seus objetivos. Desse ponto de vista, as instituições fornecem modelos morais e cognitivos que permitem a interpretação e a ação. Assim, as instituições fornecem aos indivíduos um conjunto de referenciais simbólicos que compõem um repertório interpretativo da realidade, afetando sua identidade, sua imagem de si próprio e as preferências que guiam a sua ação (HALL e TAYLOR, 2003).

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Para Leone (2003), existe o Neoinstitucionalismo econômico, político e sociológico.

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Contudo, é importante salientar que os teóricos do institucionalismo histórico focaram sua atenção especialmente no modo como as instituições repartem o poder de maneira desigual entre os grupos sociais, conferindo a certos grupos de interesses acesso desproporcional ao processo de decisão (HALL e TAYLOR, 2003). Passemos agora à perspectiva ligada ao racionalismo.

2.2.

Neoinstitucionalismo da escolha racional

A perspectiva do Novo Institucionalismo ligado mais estreitamente a Teoria da Escolha Racional incorpora uma série de pressupostos comportamentais. Ele está baseado na perspectiva econômica neoclássica, na qual o indivíduo é concebido com um ser egoísta, autocentrado e racional. Essa subvertente representa um ressurgimento do interesse pelas instituições políticas e econômicas, preocupando-se em enfatizar que as decisões individuais (rational choice) não podem ser explicadas sem referência ao marco institucional mais amplo sob o qual elas estão inseridas (HALL & TAYLOR, 1990; NASCIMENTO, 2009). De modo geral, considera-se que os atores sociais compartilham um conjunto determinado de preferências ou de gostos, e agem de maneira fundamentalmente utilitária para atender as suas vontades. E as instituições oferecem ao indivíduo, nesse sentido, um conjunto de oportunidades e os impõem restrições (NASCIMENTO, 2009). Nessa concepção, as instituições funcionam como fonte de segurança para os interesses individuais, reduzindo os custos de transação, porque regula as expectativas e torna mais previsível a conduta dos demais atores envolvidos (NASCIMENTO, 2009). Seu foco está mais precisamente sobre as regras do jogo político, as quais tendem a ser associadas à estrutura material dos cenários e aos interesses dos autores, independentemente se, no mundo real, afastam-se dos parâmetros tangíveis (NASCIMENTO, 2009). Aqui, o processo político é realmente conduzido pelos atores. A partir disso, temos um pressuposto decorrente, cujo enunciado argumenta que os indivíduos tendem a considerar a vida política como uma série de dilemas de ação coletiva, onde os benefícios individuais podem ou não se sobrepor as necessidades ou preferências da coletividade. Assim, tanto na esfera privada quando na pública, as pessoas são movidas não por forças históricas impessoais, mas por um cálculo estratégico. E esse cálculo é fortemente influenciado pelas expectativas do ator, relativas ao comportamento provável dos outros atores (HALL e TAYLOR, 2003). Assim, o impacto das instituições é sentido mais estritamente sobre

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as estratégias. Os interesses e as preferências dos atores seriam formados independentemente do ambiente institucional e seguiriam uma chamada lógica da maximização. Neste contexto, a importância teórica das instituições origina-se de seu efeito mediador sobre os cálculos dos atores, podendo a base analítica do Novo Institucionalismo ser compreendida como a ideia de escolha sob regras (NASCIMENTO, 2009). Dito isto, passemos ao Institucionalismo sociológico.

2.3.

Neoinstitucionalismo Sociológico

O Neoinstitucionalismo sociológico surgiu no quadro da teoria das organizações como contestação à distinção tradicional entre a esfera do mundo social (burocráticas), e as esferas influenciadas por um conjunto variado de práticas associadas à cultura. Ele considera que as Instituições não se referem apenas a regras, procedimentos ou normas formais (como no institucionalismo histórico), mas também à dimensão dos sistemas simbólicos, os esquemas de cognição e aos padrões morais, que fornecem significado a ação humana, influenciando inclusive a identidade e a imagem de si que as pessoas possuem. Com isso, rompe-se a dicotomia tradicional entre “instituições” e “cultura”, muitas vezes considerando os termos como sinônimos (HALL e TAYLOR, 2003). O Neoinstitucionalismo sociológico retoma a preocupação clássica com as instituições, contudo, rompendo com a posição de que a estabilidade social é uma função da estrutura social, reconhecendo a autonomia dos indivíduos e admitindo que suas ações e relações sociais localizam-se numa dimensão intermediária - entre os atores e as macroestruturas (NASCIMENTO, 2009). Trata-se, portanto, de tentar focar na dimensão interativa e criativa do processo pelo qual as instituições são socialmente construídas, e o que confere a legitimidade dos arranjos institucionais(HALL & TAYLOR, 1990; NASCIMENTO, 2009). Assim, nessa perspectiva há um processo de constituição mútua na relação entre indivíduos e instituições. Isto é, quando as pessoas agem estão ao mesmo tempo se tornando atores sociais, mas também estão executando e reforçando convenções institucionais que dão sentido a sua ação. Assim, (...) a relação que liga o indivíduo e a instituição repousa, portanto, sobre uma espécie de “raciocínio prático” pelo qual, para estabelecer uma linha de ação, o indivíduo utiliza os modelos institucionais disponíveis ao mesmo tempo em que os confecciona. (...) aquilo que um indivíduo tende a considerar como

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uma “ação racional” é ele próprio um objeto socialmente constituído (...) (HALL e TAYLOR, 2003, p. 210)

Aqui, assim como no institucionalismo histórico, as instituições afetam não apenas as estratégias e os interesses dos atores sociais (como na versão racionalista), mas também fornecem modelos de relação entre os atores, preferências, objetivos e identidades. Elas não somente representam restrições ou oferecem oportunidades para a ação, mas são em si mesmas indispensáveis para a compreensão do processo de formação de preferências dos próprios atores. Assim, elas estão envolvidas em várias dimensões da política e elas modelam o processo político ao seu modo (NASCIMENTO, 2009).

2.4. Convergências teóricas do(s) Neoinstitucionalismo(s) e sua utilidade para análise de Políticas Públicas Em suas diversas abordagens, o Neoinstitucionalismo nos fornece um vasto repertório teórico e metodológico para entender processos políticos. Procuraremos destacar aqui os ferramentais teóricos dessa corrente de pensamento que serão úteis para nossa análise de Políticas Públicas. O argumento central dos neoinstitucionalistas é que as instituições moldam a ação, em alguma medida. Logo, a ação, jamais ocorre no vácuo institucional (NASCIMENTO, 2009). Contudo, eles rejeitam a concepção de que as instituições são um reflexo de forças sociais, recusando a ideia de que as instituições são meros instrumentos que podem ser manipulados pelos autores. Por outro lado, autores neoinstitucionalistas estão longe de conceituar a interação entre agência e estrutura de uma mesma maneira (GAZZOLI, 2005). Mas parecem concordar sobre um aspecto comum da relação entre instituições e ação: atores adaptam seu comportamento a estruturas institucionais previamente existentes, por isso mesmo, tais autores estão mais predispostos a legitimar arranjos institucionais e acreditar na continuidade institucional. Estes atores, embora inseridos em um contexto institucional que os constrange, também têm liberdade de ação consciente que lhes permite traçar estratégias que modificarão o ambiente institucional, embora nem sempre o resultado das mudanças seja aquele inicialmente pretendido. O resultado alcançado depende igualmente da interpretação e absorção das mudanças por outros atores organizacionais, assim como de sua interação na construção de

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normas, valores e significados; ou seja, de instituições sociais. De outro modo, os atores sociais são reconhecidos como agentes das mudanças sociais e organizacionais (GAZZOLI, 2005). Como aspectos convergentes do Novo Institucionalismo, temos a noção de que os agentes individuais e os grupos perseguem seus projetos em um contexto coletivamente constrangido (constraints). Estas restrições são oriundas de instituições sociais, que fornecem padrões organizados de normas e papéis socialmente construídos, e condutas socialmente prescritas, os quais são criados e recriados continuamente pelos atores. Os mesmos fatores contextuais que constrangem as ações dos indivíduos e dos grupos também moldam seus motivos, desejos, preferências, podendo ser o produto de raízes históricas, resíduos de ações e decisões pensadas. As restrições preservam, representam e distribuem diferentes recursos de poder a diferentes grupos e indivíduos. Nesse contexto, todas as perspectivas do Novo Institucionalismo compreendem uma profunda relação entre ação individual e campo institucional, a partir de uma influência mútua (embora desigual, em alguns casos) em termos normativos, simbólicos, de recursos e de poder. Assim, tanto a esfera individual influencia, em maior ou menor grau, as instituições, quanto as instituições influenciam, em alguma medida, a ação individual. Ora limitando, ora possibilitando situações novas. Por outro lado, nenhuma delas deixa muito claro como isso acontece. Em segundo lugar, mesmo que o funcionamento dessa influência mútua não esteja claro, a ação individual é central, funcionando através de cálculos utilitaristas mais ou menos influenciados por questões culturais. E, mais uma vez, a relação do indivíduo com a instituição (papel que ele exerce, os recursos que dispõe, etc.) são fundamentais para favorecer ou dificultar a satisfação de suas vontades. Isso implica, portanto, que as instituições sociais são tanto ferramentas da busca auto-interessada dos indivíduos, quanto palco dessa disputa. Assim, as Políticas Públicas seriam uma função das interações institucionais e de atores sociais, exercidas durante uma disputa utilitarista (mas influenciada por características simbólicas e valorativas institucionais), com implicações sobre o poder dos atores políticos e afetando, consequentemente, as instituições políticas. Dessa maneira, ocorre, (...) por um lado, uma articulação do micro e do macro que enfatiza o papel das mediações nesses dois níveis dos fenômenos sociais, e desenvolve-se, por outro lado, a complexificação da relação entre as instituições e a conduta dos atores, o que abre caminho para comportamentos inovadores em planos institucionais dados (THÉRET, 2003, p. 247).

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Contudo, faz-se necessário ainda um corpo teórico que nos ajude a compreender melhor a relação entre ação individual e aspectos macro-sociológicos. Nossa opção foi pela Teoria da Estruturação, de Anthony Giddens, por entendermos que ela é a mais adequada/capaz de auxiliar nessa compreensão. Adiante, especificaremos seus contornos teórico-metodológicos.

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3. Giddens e a Teoria Da Estruturação Um tema central na história da teoria sociológica, se podemos assim nomear, são as categorias conceituais sobre as quais se fundamentam as explicações acerca dos fenômenos sociais. Em outras palavras, trata-se de como podemos explicar/compreender a vida social em suas várias configurações e instâncias, e que termos utilizamos para realizar tal tarefa. Nesse contexto, a discussão sobre agência e estrutura é central e dissonante. Em termos genéricos, esse debate se desenvolve acerca da influência (dependência de um pelo outro, e vice-versa) de contextos sociais mais amplos na vida dos indivíduos, e sobre como a ação individual pode ou não influenciar tais contextos. De maneira transversal, esse debate perpassa toda a história das ideias sociológicas, durante muito tempo constituindo uma dicotomia bastante tensa. A importância desse debate se localiza exatamente na forma como vemos e compreendemos o mundo e na margem de possibilidades que as diferentes perspectivas nos oferecem25.

3.1.

Agência VS Estrutura: Dualidade ou Dualismo?

A discussão mais ampla proposta por Giddens, nesse contexto, está inserida no campo meta-teórico da teoria social. Sua preocupação está focada em uma discussão mais ampla sobre como podemos pensar, de maneira diferenciada do que vinha sendo proposto na teoria social, a respeito dos fenômenos sociais e da própria constituição da sociedade. Assim como outros autores (Pierre Bourdieu, Marshal Sahlins), mas de forma distinta, Giddens parte de uma discussão acerca da agência humana e sua relação com a estrutura, para compor um amplo e dinâmico argumento sobre como as coisas acontecem cotidianamente. Inicialmente, ele propõe a mudança do dualismo (no sentido de disputa dos conceitos em um mesmo espaço) entre subjetivismo e objetivismo (e questões decorrentes) para uma dualidade (mais próximo da noção de ambivalência, talvez), eliminando a noção de concorrência entre eles. Ao que ele nomeia de dualidade da estrutura. Para tanto, a partir da percepção de que agência individual e estrutura constituem uma dualidade e não um dualismo, ele engendra uma densa argumentação sobre como o nível macro e micro social se influenciam

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Se entendermos que a forma como compreendemos o mundo orienta nossa ação nele. Vide, por exemplo, as concepções de filosofia da história conforme expostas em KUMAR, Krishan. Da sociedade industrial à pósmoderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006..

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mutuamente. Não se trata mais, portanto, de argumentar que aspectos da estrutura ou do sistema social “constrangem” os indivíduos a realizarem ações específicas, simplesmente. Ou mesmo, em sentido oposto, tentar compreender grandes fenômenos sociais (como economia, por exemplo) apenas a partir da análise de práticas individuais (GIDDENS, 2003; COHEN, 1999). Em termos amplos, ele reconhece a importância dos constrangimentos estruturais em relação ao indivíduo, o que não significa sucumbir às atrações da sociologia estrutural (determinação da estrutura sobre a ação individual). Por outro lado, ele não acredita que as proposições do individualismo metodológico sejam a solução (explicação de fenômenos sociais a partir da ação dos indivíduos). Giddens considera os indivíduos como seres cognoscentes e suas ações como declaradamente intencionais (mesmo as omissões ou abstenções). O autor procura articular (ou integrar, para considerar a terminologia de Parsons26) em sua teorização os conceitos de a) ação, significado e subjetividade, por um lado, com as noções b) de estrutura e coerção, por outro. Trata-se, portanto, de eliminar a primazia de uma perspectiva sobre a outra. Agência, nos termos de Giddens, não se refere às intenções que as pessoas tem ou não ao fazer determinada coisa27 (ação intencional ou não), mas à capacidade delas para realizar essas coisas. Nesse sentido, agência compreende necessariamente a noção de poder. A ligação entre ação e poder, portanto, se estabelece na capacidade (ou no poder) que o indivíduo tem de “atuar de outro modo” (GIDDENS, 2003, p. 17), de intervir ou de se abster em relação a determinado processo ou estado específico de coisas28. A noção de ação, no sentido que Giddens emprega, compreende uma capacidade transformadora: “Isso pressupõe que ser um agente é ser capaz de exibir (cronicamente, no fluxo da vida cotidiana) uma gama de poderes causais, incluindo o de influenciar os manifestados por outros” (GIDDENS, 2003, p. 17). A noção de estrutura em Giddens refere-se ao conjunto de regras e recursos implicados, de modo recursivo, na reprodução social. Segundo ele, as características institucionalizadas de sistemas sociais têm propriedades estruturais, no sentido de que as relações estabelecidas em seu interior são estáveis no tempo e no espaço. De outra forma, para Giddens, a estrutura é a dimensão social (muito próximo do conceito de “campus”, em Bourdieu), formada por aspectos

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Ele faz uma crítica à teoria parsoniana dos sistemas, por apresentar a noção de integração social e integração do sistema de maneira estritamente abstrata. Giddens tem uma preocupação especial na operacionalização empírica de seu corpo teórico. 27 Como em Merton (1970), nas noções de consequências explícitas e latentes da ação. 28 Esse argumento se opõe nitidamente à concepção estruturalista de que os constrangimentos da estrutura eliminam a escolha dos indivíduos.

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normativos (formais e informais) e códigos de significação, que fornece sentido a ação dos indivíduos, ordenando-a no tempo e no espaço.

3.2.

Reflexividade da ação e o sentido de Estruturação

Para Giddens, os atores sociais29 executam a todo o momento o que ele chama de ‘monitoramento reflexivo da atividade’. Ou seja, os indivíduos, em sua concepção, tem como aspecto inerente do que fazem (ação social), a capacidade de entender o que fazem, enquanto fazem, tendo em mente (direta ou indiretamente) o sentido e a intenção do que fazem. Eles avaliam e controlam continuamente o fluxo de suas atividades, assim como monitoram rotineiramente aspectos sociais e físicos dos contextos em que se movem, e esperam isso dos outros indivíduos30. Essa reflexividade da ação exige a racionalização, operando em dois níveis diferentes. O primeiro seria um nível discursivo, no qual as pessoas conseguem conscientemente evidenciar o sentido de sua ação. E o segundo, seria a consciência prática, que é aquela na qual os indivíduos conhecem tacitamente sua continuidade na vida social, mas não conseguem descrevê-la discursivamente. Segundo Giddens, é a forma especificamente reflexiva da cognoscividade dos agentes humanos que está mais profundamente envolvida na ordenação das práticas sociais. A própria continuidade das práticas envolve reflexividade, não apenas como autoconsciência, mas como monitoramento mútuo (realizado pelos diversos atores) durante o fluxo contínuo da vida social. “Ser um ser humano é ser um agente intencional, que tem razões para suas atividades e também está apto, se solicitado, a elaborar discursivamente essas razões (inclusive mentindo a respeito delas) ” (GIDDENS, 2003, p. 3). A chave conceitual de Giddens para esse processo se localiza na interação social. Giddens coloca ainda três dimensões nas quais a agência humana se estabelece: a comunicação, o exercício do poder, e a sanção. Essas três formas de interação são analiticamente associadas a três dimensões estruturais correspondentes no sistema social – significação, dominação e

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O autor usa o termo atores sociais (ou humanos) e agentes de maneira indistinta. Trata-se, da noção de que os indivíduos agem de maneira consciente, avaliando suas possibilidades e executando conscientemente suas escolhas (embora de maneira parcialmente clara em alguns níveis). Esse conceito é particularmente importante nas ciências sociais por refutar a compreensão de que os indivíduos são determinados a agir, a depender das situações. Ou mesmo na argumentação central da teoria da contingência, no campo da Administração. 30 É possível observar um claro diálogo com a noção de representações cotidianas dos indivíduos, conforme proposta por Goffman (2007).

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legitimação (WHITTINGTON, 2010). Assim, no processo de interação social os indivíduos, através da comunicação executam aspectos estruturais relacionados à significação, estando condicionado a seu posicionamento específico nas possibilidades de dominação e, a partir de sanções, legitimando comportamentos desejados (WHITTINGTON, 2010). Ou seja, é no nível do discurso que os indivíduos demonstram seu entendimento da sua própria ação, e é no fluxo da interação social que ele se coloca em relação aos padrões de dominação socialmente estabelecidos, executando sanções para os comportamentos que ele considera desejáveis ou indesejáveis. Nesse sentido, os discursos proferidos pelos atores (entendo isso aqui também como uma prática social) durante a interação estão condicionados pela estrutura social, refletindo seus interesses (GIDDENS, 2003; WHITTINGTON, 2010). Logo, em resumo, para ele, os atores sociais (e aqui ele considera todos os atores) são essencialmente cognoscentes (ou seja, procuram agir sempre de maneira lógica e racional). Ao longo de sua ação cotidiana (práticas sociais) reproduzem aspectos da estrutura social (normas formais e informais, interpretações simbólicas), mas também são capazes de, ao longo de sua atuação – que tende a ser duradoura, repetida no tempo e no espaço, constituindo o que ele chama de práxis -, modificar os aspectos da estrutura31. Talvez uma metáfora útil seja a do direito. O direito, nas sociedades modernas, informa aos indivíduos uma série de normas que devem ser seguidas. Em casos de litígio, são essas normas que orientam a resolução dos conflitos. Sucessivas decisões convergentes em relação a determinado tópico constituem o que o direito chama de jurisprudência. Logo, a jurisprudência é um conjunto de decisões judiciais num mesmo sentido, indicando uma tendência a ser seguida por outras decisões futuras. Ou seja, práticas sociais (decisões 32 judiciais), constituídas de maneira duradoura (constituindo uma práxis), podem modificar aspectos da estrutura (corpo normativo, nesse caso). Para ele, ação humana está compreendida em três níveis diferentes, que não se opõem, tampouco possuem limites nítidos. Para ele, ação humana é desenvolvida ora a partir de uma consciência discursiva (ações sobre as quais o indivíduo consegue verbalizar, explicando suas motivações), ora a partir de uma consciência prática (na qual o ator apenas faz, sem maiores reflexões sobre porque o faz), ora a partir de motivos inconscientes ou relacionados à cognição. Em outros termos, em alguns momentos o indivíduo age de maneira consciente e intencionada,

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Bourdieu, por exemplo diz que a estrutura social é ao mesmo tempo estruturada pelos indivíduos (e seu habitus – o que é próximo do conceito de práxis, em Giddens) e estruturante das práticas sociais. 32 Perceba o aspecto dual disso. Os atores (os juízes) têm que tomar decisões, com base em sua cognoscitividade, mas orientadas pelas normas estabelecidas.

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em outros ele apenas reproduz aspectos da estrutura (executando direta ou indiretamente determinadas atividades) e, em outras, os motivos se localizam em elementos inconscientes (como na concepção Freudiana) ou relacionados à cognição (saber ou não determinado fato, ou aspecto da realidade – noção de racionalidade limitada). Nesse sentido, se por um lado a estrutura possibilita e dá sentido as ações dos indivíduos, por outro lado a ação dos indivíduos é estruturada e estruturante (para dialogarmos um pouco com Bourdieu), ao mesmo tempo. Ou seja, a ação dos indivíduos é orientada a partir de aspectos localizados na estrutura, mas tais aspectos são (re)significados a partir da prática cotidiana vivida pelos indivíduos. Dessa maneira, Giddens compreende que o processo de estruturação social é realizado por todos cotidianamente, embora seus efeitos só sejam visíveis na medida em que produzam efeitos sociais mais amplos. A noção de ‘durante’ (dureé) é particularmente importante em Giddens, porque ele considera que a ação humana deve ser entendida ao longo de sua execução, de maneira contextualizada. Ele considera necessária a incorporação das categorias tempo e espaço na teoria social, aproximando-a da história e da geografia (mas sem assumir as limitações específicas de ambas) 33. Isso remete a sua noção de historicidade dos fatos sociais. Para ele, (...) a história é construída pelas atividades intencionais dos indivíduos. Não acontece de forma premeditada, mas resulta do desejo de buscar uma direção consciente para as ações, ainda que as consequências de uma determinada ação possam não ser àquilo que se intencionou originalmente (RODRIGUES, 2009, p. s/n). Dessa maneira, Giddens considera que as práticas sociais, ao penetrarem no tempo e no espaço, estão na raiz da constituição do sujeito e da sociedade (e, obviamente das organizações sociais e instituições). Tais práticas sociais, embora não sejam muito bem definidas por Giddens, podem ser entendidas como procedimentos, métodos e técnicas executados apropriadamente pelos agentes sociais, mas não necessariamente vinculadas a motivos claros para o agente (COHEN, 1999). Ao mesmo tempo, e talvez uma reminiscência de Simmel, Giddens também observa como as práticas são continuadas ou duradouras, e como elas são reproduzidas. Como resultado, a ação social e a interação como "práticas tacitamente estabelecidas" tornam-se "instituições ou rotinas" e "reproduzem formas familiares da vida social" (COHEN, 1999).

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Como expõe Harvey (1992), com base na geografia temporal de Hagüerstrand.

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Este argumento permite a Giddens integrar a ação social humana com os sistemas maiores, as estruturas e instituições das quais fazemos parte. É a repetição contínua da ação social e da interação em formas bastante regulares e habituais que constituem o que podem ser as formas sociais mais amplas. Em resumo, a abordagem de Giddens para a ação social é o da práxis, padrões regulares de comportamento promulgados por atores ativos que interagem uns com os outros em situações habituais, sob formas reflexivas e conscientes. No decorrer das práticas, os indivíduos dispõem de recursos diferenciados e distribuídos de maneira desigual. Para Giddens, recursos são as facilidades ou bases de poder a que o agente tem acesso e que ele manipula para influenciar o curso da interação com os outros. “São propriedades estruturadas de sistemas sociais, definidos e reproduzidos por agentes dotados de capacidade cognoscitiva no decorrer da interação”. Mas a manipulação dos recursos não ocorre em práticas distintas; sua mobilização sempre envolve aspectos semânticos e normativos do conhecimento mútuo. Ele compreende dois tipos de recursos: a) os alocativos e b) os de autoridade. Recursos de autoridade são capacidades que geram o comando sobre as pessoas (oportunidades na vida, posicionamento espaço-temporal, organização e relação entre os seres humanos). Os recursos alocativos são capacidades que geram o comando sobre os objetos materiais (matérias-primas, meios de produção). Os recursos são veículos através dos quais o poder é exercido, como um elemento rotineiro da exemplificação da conduta na reprodução social.

3.3. Convergência do Neoinstitucionalismo e da Teoria da Estruturação para análise de Políticas Públicas A compreensão do Papel do Estado e de como as Políticas Públicas são implementadas são fundamentais para a consecução desse trabalho. Tais reflexões serão fornecidas fundamentalmente pelo modelo Neoinstitucional, por um lado e, por outro, pela Teoria da Estruturação. O objetivo principal deste trabalho é investigar como a influência exercida por atores e grupos sociais locais interfere na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife. Muitas das pesquisas que analisam a implementação das políticas públicas consideram ou o Estado como executor impessoal ou o ator governamental como entidade pública personificada, focando apenas no ator organizacional responsável por colocar as políticas em prática (LOTTA, 2010). A perspectiva neoinstitucionalista, nesse contexto, permite pensarmos o funcionamento e a implementação das políticas públicas como atividade

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estatal, mas realizada por atores sociais, que interagem com o ambiente e com atores externos às instituições governamentais. Exclui-se com isso a ideia de que atores isolados são responsáveis pela implementação das políticas, ou de que o Estado executa as políticas públicas de maneira impessoal. Ora, se são os atores sociais que implementam as políticas públicas em nome do Estado, suas ações e interações são fundamentais para o entendimento do próprio processo de implementação da Política Pública. Como argumenta Lopsky (1980 apud LOTTA, 2010), a ação individual dos implementadores acaba por tornar-se o comportamento da agência pela qual responde e representam. Ou seja, para compreender a ação efetiva do Estado, é necessário entender a ação e a interação realizada por seus implementadores. Ocorre, portanto, uma influência mútua (em termos normativos, simbólicos, de recursos e de poder) entre e esfera individual e as instituições, sendo as políticas públicas implementadas por atores ou grupos de atores organizacionais, a partir de suas interações, relações e, consequentemente, negociações e conflitos (HJERN E PORTER, 1993 apud LOTTA, 2010). Conforme colocado anteriormente, em referência a Giddens, os aspectos estruturais e individuais interagem, oferecendo aos indivíduos uma margem de possibilidades que eles podem utilizar ou não. Assim, os interesses individuais e coletivos, em consonância com aspectos mais amplos em que os atores estão inseridos compõem, a partir da interação mútua entre essas dimensões, uma agenda de atuação política (LOBATO, 2006; SUBIRATS, 2006). A possibilidade de construir ou de influenciar questões específicas em termos de políticas públicas (política vs. políticas públicas) compreende necessariamente a noção de poder. Como foi dito anteriormente, Poder, em seu significado mais geral, diz respeito à capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos para si mesmo ou para o grupo ao qual pertence. A noção de recursos em Giddens também é fundamental nesse contexto. Alguns atores têm maior possibilidade de “alterar” a estrutura a partir dos recursos que dispõem. Para o Neoinstitucionalismo isso é possível durante a execução da ação do indivíduo e a depender da sua “relação” com a estrutura institucional. No caso do direito, por exemplo, os recursos de autoridade provenientes do cargo que os juízes exercem possibilitam a eles que suas ações tenham maior capacidade de transformação da estrutura. O mesmo pode ser pensado em relação a políticas públicas. Embora possa se considerar a existência de estratégias emergentes (provenientes de todos os indivíduos, em diversos níveis hierárquicos) em uma organização (ou mesmo fora dela), alguns atores (líderes, políticos, lobistas, empresários, etc.) têm maior capacidade de implementar estratégias devido

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aos recursos (alocativos e/ou de autoridade) que estão à sua disposição. Importante relembrar aqui que tal relação de poder tem uma lógica própria, envolvendo aspectos formais e informais. Ainda em relação a este aspecto, uma chave conceitual importante que encontramos em Giddens para entender o processo de construção de políticas públicas é a noção de reflexividade da ação. Os indivíduos sabem o que fazem, enquanto fazem, e esperam isso dos demais atores. A noção de reflexividade da conduta, realizada mutuamente por atores (ou grupos de interesse) durante a interação elucida um ponto importante da competição ou da disputa política. Ou seja, eles sabem o que fazem enquanto o fazem, mas também procuram entender o que os demais fazem, e quais os seus interesses ao fazê-lo. A noção de agência, nesse contexto, implica também, conforme argumentado anteriormente, na expectativa relacionada a ela. Ou seja, enquanto relação social, o exercício do poder depende da faculdade de agir e de seu reconhecimento pelos que a ele se submetem (BOUDON e BOURRICAUD, 2011). Dessa maneira, a interação em torno de interesses diferenciados evidencia, ao menos parcialmente, condições de disputa entre atores ou grupo de atores, nos dando importantes pistas sobre como processos políticos ocorrem. Isso nos coloca para fora da noção de que grandes processos sociais acontecem por uma ação meramente estrutural, sem interveniência de atores individuais ou de grupos. Mais ainda, nos proporciona uma importante compreensão: a de que amplos processos sociais compreendem um sentido de mudança social essencialmente interacional e não determinística. Como informa Souza (2006), Bachrach e Baratz (1962) mostraram que não fazer nada em relação a um problema também é uma forma de Política Pública. Isso nos remete a noção de agência em Giddens. Como vimos, agência, nos termos de Giddens, não se refere às intenções que as pessoas tem ou não ao fazer determinada coisa (ação intencional ou não), mas à capacidade delas para realizar essas coisas ou não. Logo, abster-se sobre determinado aspecto da realidade é também uma ação. Em termos de políticas públicas, deixar de atuar sobre questões específicas conhecidas também é uma espécie de ação social. Da mesma forma, efeitos intencionais e não intencionais são consequências da ação (como já argumentava Robert Merton, bem antes). Outro ponto importante é sobre como aspectos estruturais influenciam a ação individual. Esse argumento se coaduna com a perspectiva Neoinstitucionalista, no sentido de que tanto as relações sociais quanto as funções institucionais são mutuamente influenciadas. Essas dimensões oferecem um espaço de atuação para os atores, que, na medida em que agem, os alteram e ressignificam o que está posto na estrutura, através do que Giddens chama de estruturação.

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Por último, um ponto específico levantado por Giddens nos remete a uma ressalva metodológica, geralmente utilizada para criticar alguns teóricos da teoria da escolha racional. A noção de ‘durante’ (dureé), isto é, de que a ação humana deve ser entendida ao longo de sua execução, de maneira contextualizada. Ou seja, processos históricos (políticas públicas, por exemplo) devem ser entendidos com base na conjuntura e na informação que estava disponível para os atores sociais na época em que realizaram a ação. Assim, acreditamos que a junção do Neoinstitucionalismo e da Teoria da Estruturação nos fornecem robustez teórica suficientes para compreendermos a influência exercida por atores e grupos sociais locais no processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

3.4. A questão do Discurso como elo na convergência entre Neoinstitucionalismo e Estruturação A convergência entre Neoinstitucionalismo e Teoria da Estruturação apresentada até aqui será útil para compreender o processo de implementação da Política Pública selecionada. Contudo, ainda é preciso explicitar a relação entre discurso, agência e instituições, tendo em vista os objetivos desse trabalho. Isto é, de que maneira podemos, através dos discursos, discutir a capacidade dos atores em interferir em determinada Política Pública. Os argumentos expostos até o momento já nos dão alguma pista sobre isso. Em primeiro lugar, o Neoinstitucionalismo Sociológico compreende que as instituições não se referem apenas a regras, procedimentos ou normas formais, mas também à dimensão dos sistemas simbólicos, os esquemas de cognição e aos padrões morais (HALL e TAYLOR, 2003). A agência humana não ocorre, nesse sentido, em um vácuo institucional, sendo, por um lado, constrangida pelas definições localizadas no âmbito das instituições, mas, por outro, modificando tais definições a partir de suas práticas cotidianas. A Teoria da Estruturação, por sua vez, reforça essa concepção ao argumentar que a estrutura é formada por aspectos normativos e códigos de significação, fornecendo sentido a ação dos indivíduos (GIDDENS, 2003). Ao longo de sua ação cotidiana (práticas sociais), os indivíduos reproduzem aspectos da estrutura social (normas formais e informais, interpretações simbólicas), mas também são capazes de, ao longo de sua atuação modificar os aspectos da estrutura. Em um sentido convergente, Phillips, Lawrence e Hardy (2009) argumentam que “comportamentos sociais constituem instituições ao longo do tempo, enquanto as instituições

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constrangem a ação em um momento no tempo”34 (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2009, p. 638). Ocorre, portanto, uma influência mútua (em termos normativos, simbólicos, de recursos e de poder) entre e esfera individual e as instituições, sendo as políticas públicas implementadas por atores ou grupos de atores organizacionais, a partir de suas interações, relações e, consequentemente, negociações e conflitos (HJERN E PORTER, 1993 apud LOTTA, 2010). Giddens considera que as práticas sociais, ao penetrarem no tempo e no espaço, estão na raiz da constituição do sujeito e da sociedade (e, obviamente das organizações sociais e instituições). E, no decorrer das práticas, os indivíduos dispõem de recursos diferenciados e distribuídos de maneira desigual. Esses recursos são manipulados pelos atores para influenciar o curso da interação com os outros. Mas a manipulação dos recursos não ocorre em práticas distintas; sua mobilização sempre envolve aspectos semânticos e normativos do conhecimento mútuo (Giddens). Giddens coloca ainda três dimensões nas quais a agência humana se estabelece: a comunicação, o exercício do poder, e a sanção. Essas três formas de interação são analiticamente associadas a três dimensões estruturais correspondentes no sistema social – significação, dominação e legitimação (WHITTINGTON, 2010). Assim, no processo de interação social os indivíduos, através da comunicação executam aspectos estruturais relacionados à significação, estando condicionado a seu posicionamento específico nas possibilidades de dominação e, a partir de sanções, legitimando comportamentos (in)desejados (WHITTINGTON, 2010). Ou seja, é no nível do discurso que os indivíduos demonstram seu entendimento da sua própria ação, e é no fluxo da interação social que ele se coloca em relação aos padrões de dominação socialmente estabelecidos, executando sanções para os comportamentos que ele considera desejáveis ou indesejáveis. Nesse sentido, os discursos proferidos pelos atores durante a interação estão condicionados pela estrutura social, refletindo seus interesses (GIDDENS, 2003; WHITTINGTON, 2010). Assim, é principalmente através de textos que as informações sobre as ações são amplamente distribuídas e chegam a influenciar as ações de outras pessoas (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2009, p. 635). Phillips, Lawrence E Hardy (2009) argumentam, por exemplo, que boa parte do conhecimento que alguns gestores tem acerca de sua própria organização é proveniente de textos, e não da observação direta: 34

Tradução livre. Texto original: “social behaviors constitute institutions over time, while institutions constrain action at a moment in time”.

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(…) most of what they (directors) knew about their own companies, and especially other companies, would have come from texts such as organizational charts, reports, conversations, stories, and so forth. In other words, the institutionalization of the multidivisional form did not occur because actors in the various organizations directly observed it in action but because of the accumulation of business, professional, and academic texts that explained, legitimated, validated, and promoted it (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2009, p. 639). Assim, é através de processos linguísticos que as definições da realidade são constituídas (PHILLIPS e LAWRENCE, 2009, p. 635). Nesse contexto, a Estruturação não ocorre através da práxis, simplesmente, mas através da criação de textos de apoio que vão desde descrições de conversa entre colegas de trabalho e de textos mais elaborados e amplamente distribuídos, tais como manuais, livros e artigos de revistas. Nesse sentido, instituições não são apenas construções sociais, mas são construções constituídas através do discurso (PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2009). Instituições são, nesse sentido, construídas principalmente através da produção de textos, ao invés de diretamente através de ações. Ações não permitem facilmente a leitura por vários indivíduos, que são necessárias para que as ideias sejam transmitidas através do tempo e do espaço na organização. Textos, no entanto, permitem que pensamentos e ações transcendam o caráter essencialmente transitório dos processos sociais e alcancem configurações locais distintas e diversificadas. Em outras palavras, as ações tem a possibilidade de formar a base de processos institucionalizados. Mas sendo observadas e interpretadas, escritas ou falada, ou descritas de qualquer modo, as ações geram textos, que mediam a relação entre a ação e discurso. Assim, as instituições são, portanto, constituídas pelas coleções estruturadas de textos que existem em um determinado campo e que produzem as categorias sociais e normas que moldam os entendimentos e comportamentos dos atores. Isto é, o mundo social e as relações de poder que o caracterizam são determinados pelas formações discursivas que existem em determinado tempo histórico. Em outras palavras, os discursos "não apenas descrevem as coisas, eles fazem as coisas", através da forma como eles fazem sentido do mundo para seus habitantes, dandolhe significados que geram determinadas experiências e práticas (PHILLIPS e LAWRENCE, 2009, p. 636). Os discursos, porém, não são completamente coesos e nem completamente capazes de determinar totalmente a realidade social. Em vez disso, existe um espaço substancial no qual os agentes podem agir auto-interessadamente e trabalhar para a mudança discursiva em formas

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que privilegiam seus interesses e objetivos. Portanto, há sempre a possibilidade de que atores podem influenciar discursos através da produção e difusão de textos (PHILLIPS e LAWRENCE, 2009). Dessa maneira, a relação entre discurso, texto e ação é mutuamente constitutiva: os sentidos dos discursos são compartilhados e sociais, e emanam de ações dos atores na produção de textos. E serão esses os pressupostos que orientaram a realização desse trabalho.

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4. Aspectos Metodológicos A pesquisa apresentada tem caráter eminentemente qualitativo. A utilização da pesquisa qualitativa, aqui, se relaciona a sua característica central de buscar compreender processos dinâmicos vividos por grupos sociais, descrevendo a complexidade de determinado problema e analisando a interação de certas variáveis (RICHARDSON, 2009). Em geral, ela possibilita maior nível de profundidade no entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos (RICHARDSON, 2009), e compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas, que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo, nesse sentido, traduzir e expressar os sentidos do mundo social (NEVES, 1996). Inicialmente, foi realizada a revisão bibliográfica, que resultou no referencial teórico delineado no capítulo anterior. Em seguida, foi realizada a coleta de dados, na qual foram coletados dados documentais e observacionais, como exposto adiante. Os dados coletados foram analisados à luz do referencial teórico selecionado, gerando o relatório final de pesquisa. Para atender aos objetivos propostos nessa análise, procuramos alinhar a proposta em termos de subprodutos analíticos, buscando responder ao problema de pesquisa apresentado. A figura a seguir apresenta esse alinhamento, o qual será desenvolvido no capítulo de análise dos dados.

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Quadro 1 – Desenho de Pesquisa. OBJETIVO GERAL: Investigar qual a capacidade dos atores e grupos sociais locais de interferirem na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

Capacidade de Agência (em relação a Política de Mobilidade)

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

PRODUTOS DA ANÁLISE

DADOS UTILIZADOS

Identificar os principais atores envolvidos no processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

Identificação dos Atores e grupos envolvidos

Documentos oficiais e notícias da imprensa local. Dados observacionais

Identificar as formas e espaços de interação, de “exercício do poder” em torno da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

Identificação das formas e espaços de interação e exercício do poder

Documentos oficiais e notícias da imprensa local. Dados observacionais

Identificar e analisar os distintos discursos em torno da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

Identificação e Análise dos Discursos

Documentos oficiais e notícias da imprensa local

Fonte: Elaboração própria

Os objetivos de pesquisa foram desmembrados em termos de produtos de análise que, em conjunto, procuraram responder ao problema de pesquisa. A confecção dos produtos contou com a utilização de dados distintos. Na etapa de identificação dos discursos foram utilizados dados documentais oficiais e notícias da imprensa local. A identificação dos atores foi realizada através de análise documental e de notícias da imprensa, além de dados provenientes da observação realizada. O último produto considerou dados, sobretudo, da observação realizada, mas também de fontes documentais e de notícias veiculadas na imprensa local. A seguir, são detalhados os procedimentos de coleta e análise desses dados.

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4.1.

Método de Pesquisa

Nesse trabalho foi adotado como método de pesquisa o estudo de caso único. O estudo de caso consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos, ou de um acontecimento específico, tendo como foco o esclarecimento de uma decisão ou de um conjunto de decisões, o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com quais resultados (SCHRAMM, 1971 apud YIN, 2004). Ele possibilita a utilização de um conjunto variado de técnicas de coleta de dados, e é indicado para casos em que há impossibilidade de realização de experimentos, pouco ou nenhum controle sobre os eventos analisados, foco em acontecimentos contemporâneos, e questionamentos sobre como e porque determinados fenômenos sociais acontecem. (YIN, 2004; CAMPOMAR, 1991; MEIRINHOS e OSÓRIO, 2010). Considera-se aqui também a adequação do estudo de caso devido à proposta de investigação estar focada em um fenômeno contemporâneo (a implementação da política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife) no qual as relações entre ele e o seu contexto não estão claramente definidos, conforme argumenta Yin (2004). Como se pretendia abordar um processo incipiente, a pesquisa foi de cunho exploratório, na qual se buscou informações sobre assuntos com pouco tratamento. Gil (1995) argumenta que a pesquisa é de caráter exploratório quando visa oferecer uma versão preliminar, em andamento, sobre o problema abordado, buscando desvendar aspectos ainda não enfatizados, ampliando, assim, o escopo a ser estudado em outras ocasiões. Destarte, essa pesquisa será interpretativa com caráter exploratório. Para tanto, utilizamos os procedimentos de coleta e análise dos dados conforme especificados abaixo.

4.2.

Coleta de dados

A presente pesquisa objetivou investigar a influência exercida por atores e grupos sociais locais sobre o processo de implementação de uma Política Pública específica, a de Mobilidade Urbana, da Região Metropolitana do Recife. O pressuposto que fundamentou a coleta (e a análise) dos dados foi o de que a disputa política em torno da implementação de uma determinada Política Pública é realizada através de diferentes discursos, proferidos por diversos atores sociais, em espaços formais e informais, com o objetivo de impor sua posição ou a posição dos grupos que representa (GILL, 2010; HALL e TAYLOR, 2003; GIDDENS, 2003;

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PHILLIPS, LAWRENCE e HARDY, 2009), funcionando como tentativa de fixar sentidos em um cenário de disputa (PINTO, 2005). A coleta de dados, apresentada a seguir, privilegiou, nesse sentido, a obtenção de informações em profundidade que elucidem o contexto do processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana do Recife, focando nos elementos discursivos disponíveis. Foram utilizadas, nesse sentido, as seguintes técnicas de coleta de dados.

4.2.1.

Dados documentais

A coleta de informações documentais compreendeu duas etapas. A primeira, relativa à coleta de documentos oficiais, e a segunda, referente à coleta de notícias relativas ao tema no espaço delimitado. A coleta de dados documentais relativos à Política de Mobilidade da Região Metropolitana do Recife compreendeu os seguintes documentos: legislação vigente relacionada ao tema, dados quantitativos oficiais relacionados ao assunto abordado na pesquisa, registros de reuniões e eventos em que a temática foi abordada (veiculada ou coletada durante etapa observacional), e informação cedida por órgãos governamentais através de pedido de acesso à informação35. As informações levantadas aqui objetivaram evidenciar os conceitos, definições e prioridades que “venceram” a disputa, no âmbito do poder legislativo, acerca das Políticas Locais de Mobilidade Urbana. A coleta de notícias para análise foi realizada através de ferramenta de pesquisa específica para esse tipo de material, fornecido pelo Google36. Foi considerado o período entre 01 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2011. A seleção dos dados foi realizada a partir da adequação do título e do conteúdo da notícia com a proposta de pesquisa, não se restringindo veículos. A coleta foi realizada, portanto, apenas por meio digital (internet). Assuntos específicos também foram pesquisados, na medida em que a necessidade foi evidenciada durante a análise dos dados, podendo extrapolar o intervalo de tempo definido para a primeira 35

Conforme possibilidade estabelecida pela Lei de Acesso à Informação (Lei Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), e sua legislação derivada. 36 Google News: https://news.google.com.br. Considera-se esse canal adequado, na medida em que compila as informações noticiadas em um número bastante amplo de canais de comunicação, disponíveis em meio digital, tendo várias possibilidades de refinamento da pesquisa, tais como: a)locais de busca (web, páginas do Brasil, páginas em português, etc.); b) tipos de conteúdo (conteúdo de sites, blogs, etc.); c) período de veiculação da notícia; e d) classificação diversa dos resultados encontrados (por data, por relevância). Foram utilizadas para a coleta de notícias as seguintes palavras-chave, nas respectivas combinações: Transporte + Recife; Transporte Pernambuco;Mobilidade Urbana + Recife; Mobilidade + Recife; Política + Mobilidade + Recife; Política + Mobilidade + Pernambuco.

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busca de notícias. Por exemplo: Regularização do transporte alternativo em Recife; Reformas da Av. Caxangá e da Av. Conde da Boa Vista; Programa de Mobilidade Responsável da PCR, etc. Além disso, foram considerados também entrevistas e pronunciamentos públicos de especialistas e gestores locais, disponíveis em meio digital. A utilização dos dados documentais é evidenciada durante o capítulo analítico, e foram também listadas no apêndice.

4.2.2.

Dados observacionais

Foi realizada observação participante de vários espaços de discussão em Recife sobre o tema da Mobilidade Urbana nos últimos dois anos (2011/2012). A observação consistiu na participação em espaços onde a Política de Mobilidade Urbana foi objeto de análise, discussão ou ação efetiva, e com acesso disponível. Nesse sentido, foram acompanhados eventos públicos (seminários, congressos, audiências, etc.) e, quando possível, reuniões restritas. Foram privilegiados espaços de livre acesso ao público, como seminários, audiências, reuniões abertas, etc. O acesso a esses espaços se deu através do exercício do papel de cidadão. Essa condição legitimou minha posição em campo e quase sempre me livrou da necessidade de explicações adicionais sobre minha presença em determinados espaços. Algumas oportunidades de observação surgiram também devido ao meu acompanhamento das atividades de espaços coletivos de análise e acompanhamento de políticas públicas na cidade do Recife, como o Observatório do Recife, a Rede Brasileira e Cidades justas e sustentáveis e a própria universidade. Em algumas ocasiões, representei um ou outro coletivo. Minha condição de pesquisador, nesse sentido, foi sempre explicitada no momento da minha apresentação, como parte adicional na minha vinculação institucional. Em geral, acredito que essa condição favoreceu o acesso a dados, conversas e espaços que o cidadão comum não teria acesso. Sendo alguns dos diálogos presenciados bastante privilegiados. Certamente essa condição me excluiu de outros espaços, mas não consegui identificar essa dimensão durante o trabalho em campo. Todo o trabalho em campo foi registrado através de anotações de campo, e captação de áudio e vídeo, quando possível. A seguir, apresento os espaços acompanhados.

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Quadro 2 - Observações realizadas

EVENTO

DATA

LOCAL

REALIZAÇÃO

PERIODICIDADE

Audiências Públicas sobre Mobilidade Urbana Audiência Pública sobre Projeto Novo Recife

29 de setembro de 2011. 27 de fevereiro de 2013

ALEPE

ALEPE/Comissão de Mobilidade ALEPE

Seminário “Mobilidade e Sustentabilidade” Seminário “Cidade e Mobilidade”

25, 26 e 27 de abril de 2011 21 e 22 de junho de 2012.

Auditório do Anexo I da ALEPE, RecifePE. Auditório do Porto Digital, Recife-PE Teatro Apolo, em Recife-PE

Periodicidade variável. 01 observação. Evento único

Prefeitura do Recife

Evento único Evento único

Seminário “O novo Recife que precisamos”

18, 19, 20 e 21 de fevereiro de 2013 17 de maio de 2011

Universidade de Pernambuco; Prefeitura do Recife (Instituto da Cidade do Recife Pelópidas Silveira); Universitat Politècnica de Catalunya Observatório do Recife, Ateneu. Diário Associados

Mensal, durante 10 meses. 02 Observações.

Observatório do Recife, Instituto Ethos, PPGS/UFPE, MDU/UFPE, PPGDH/UFPE, PROPAD/UFPE e Fundaj. Observatório do Recife

Evento único

Periodicidade variável. Aproximadamente 20 observações. Evento anual. Mesa redonda específica.

Fórum “Desafios para o Trânsito do amanhã”

Faculdade de Direito do Recife, Recife-PE. Auditório do Diário Associados, Recife-PE. CCSA/UFPE, Recife-PE

Seminário "O desafio da sustentabilidade nas Políticas Públicas”.

16 de maio de 2012

Discussões com especialista sobre “as causas do engarrafamento em Recife” Discussões do GT Espaço Urbano, Mobilidade e Moradia

-

TGI Consultoria em Gestão, Recife-PE.

-

TGI Consultoria em Gestão, Recife-PE.

Observatório do Recife

UFMG, Belo Horizonte/MG

Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (ANPET) Instituto da Cidade, da Prefeitura do Recife, Recife-PE

Mesa BRT, com Oswaldo Lima Reunião sobre o Pacto da Mobilidade, no Instituto da Cidade, da Prefeitura do Recife. Fonte: Elaboração própria.

Instituto da Cidade, da Prefeitura do Recife, Recife-PE

Evento único

Periodicidade variável. 2 observações.

Três observações

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Além disso, um conjunto de conversas, questionamentos e discussões informais com especialistas, militantes e gestores locais fornecem também subsídio para análise realizada aqui.

4.3.

Análise dos dados

Os dados coletados foram analisados utilizando a técnica da análise do discurso, considerada mais adequada para essa tarefa. Contudo, sob a denominação de análise do discurso encontram-se várias linhas analíticas, tendências e modelos distintos (GODOI, 2005; CHIZZOTTI, 2010; GILL, 2010). Godoi (2005) sugere uma sistematização entre essas vertentes em três grandes convergências de análise: a informacional-quantitativa (análise de conteúdo), a estrutural-textual (análise semiótica) e social-hermenêutica (interpretação social dos discursos). A análise Informacional-quantitativa consiste na contabilização das ocorrências de termos e temas de interesse do (a) pesquisador (a), para consequente busca de inferências generalizadoras (CHIZZOTTI, 2010). Ela é utilizada para analisar materiais qualitativos, nos quais não se pode utilizar técnicas estatísticas (RICHARDSON, 2009; GIL, 1995; GILL, 2010), explorando a dimensão manifesta dos textos (GODOI, 2005). A palavra é o elemento central desse tipo de análise, não havendo sujeito na leitura do texto, apenas descrição e objetivação dos componentes léxicos encontrados, desconsiderando-se a subjetividade do analista e os elementos contextuais (GODOI, 2005). A perspectiva analítica estrutural-textual, por sua vez, surge como alternativa ao modelo anterior, sendo constituída de dois períodos fundamentais. O primeiro, mais vinculado à análise linguística saussareana, focado no signo e sem levar em consideração a enunciação do discurso e de seu conteúdo, e, o segundo, identificada como semiótica contemporânea, e que questiona o conceito de signo (considerado ingênuo e atomístico), e abandonando o plano dos signos para se ocupar de sistemas de significação complexos (formado pelos elementos constituintes dos signos, em especial o significado) (GODOI, 2005) A terceira vertente, a análise social-hermenêutica, “trata de organizar a reconstrução dos sentidos dos discursos em sua situação – micro e macrossocial – de enunciação”. Trata-se de buscar no texto concreto a historicidade de suas proposições, desde a reconstrução dos interesses dos atores que estão implicados no discurso e do contexto social em que é proferido (GODOI, 2005, p. 95). A análise do discurso, sob essa perspectiva, constitui-se, portanto, como um tipo de análise que ultrapassa os aspectos meramente formais da linguística, para privilegiar

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a função e o processo da língua no contexto interativo e social em que é prolatada, considerando a linguagem, em última análise, como uma prática social (CHIZZOTTI, 2010). Todas as “sub-perspectivas” dessa vertente compartilham, nesse contexto, o entendimento de que a linguagem não é simplesmente um meio neutro de refletir37 ou descrever o mundo, mas sim um elemento central na construção da vida social. Além disso, alguns pontos convergentes dentro da variedade que o compõe podem ser identificados. Em termos gerais, as diversas nuances, no interior do que tem se chamado de análise social-hermenêutica, compartilham a) a noção de que o conhecimento que se produz acerca do mundo não é um reflexo direto da realidade, sendo b) histórica e socialmente construídos, c) definidos por processos sociais, e d) que são fundamentais para o processo de construção dos próprios discursos. Assim, a produção dos discursos acontece na história, por meio da linguagem, que é uma das instâncias por onde a ideologia se materializa (CARNEIRO, 2008; GIDDENS, 2003). No que tange a esse trabalho, não nos interessou o discurso em si, mas aquilo que essas narrações têm como objetivo conseguir. Nessa visão, o discurso proferido pelos atores, pelos textos institucionais, etc., é visto como prática social. As pessoas empregam o discurso para fazer coisas, para reivindicar questões que consideram relevantes, para defender posições, acusar, para pedir desculpas, etc. Nesse sentido, essa abordagem foi útil para analisar o significado dos discursos e as considerações sócio-históricas de produção, evidenciando a relação entre o dizer e as condições de produção desse dizer (BRANDÃO, 2004), traduzido nos discursos dos atores locais envolvidos na discussão sobre a Política de Mobilidade do Recife e/ou nos documentos que foram analisados.

37

Como na concepção marxista de Luckács, por exemplo: SANTOS, R. A Sociologia da Literatura de Georg Lukács. Revista Senso Comum, nº 1, 2009, p. 67-75.

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5. Mobilidade Urbana em uma perspectiva

Socio-Política: A questão da implementação da Política de Mobilidade na Região Metropolitana do Recife Esse capítulo apresenta a análise dos dados coletados, bem como os resultados da pesquisa realizada. Primeiramente, é apresentado um panorama dos atores envolvidos no processo de implementação da Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife. Posteriormente, são detalhadas as formas e espaços de interação entre os atores identificados na coleta de dados. Em seguida, são apresentados os discursos estruturantes da Política de Mobilidade Urbana, tanto no nível nacional, quanto local. Por último, procura-se responder ao problema de pesquisa apresentado, a partir das etapas expostas.

5.1.

Os atores capazes

Conforme argumentado anteriormente, é ao Poder Executivo que cabe a função de exercer a função administrativa, operacionalizando as diretrizes previstas na legislação, implementando as políticas públicas e “administrando os interesses públicos” (BRASIL, 1988). Assim, o Estado, através do Poder Executivo, operacionaliza as Políticas Públicas, exercendo essa atividade através de suas instituições e atores políticos. Contudo, não apenas atores governamentais interferem na Política Pública, mas um conjunto diversificado de atores busca influenciar sua implementação. Alguns deles têm competência institucional para isso, outros fazem parte de grupos sociais interessados nos resultados da política. A partir dos documentos oficiais e notícias coletadas, foi montada a figura a seguir:

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Figura 1 - Mapa de atores envolvidos na definição da Política de Mobilidade Urbana do Recife

ANTT

Ministério das Cidades

Sindicatos de trabalhadores

Usuários

Academia/Uni versidade/Inst . Pesquisa

Organizações da Sociedade Civil

Governo Federal

Conselho Nacional de Integração de Política de Transporte

Ministério Público

Ministério dos Transportes CBTU

Política de Mobilidade Urbana do Recife

CTTU

Instituto da Cidade Pelópidas Silveira

Empresa Pernamb. Transporte Intermunicipal

Consórcio Grande Recif e

Governo Municipal

Poder Executivo

Empresas concessionárias / Sindicatos patronais Cadeia produtiva derivada

Governo Estadual

Secretaria Estadual de Transportes

Secretaria Estadual das Cidades

Congresso Nacional Poder Legislativo

Assembleia Legislativa

Câmara dos Vereadores

Empresas de setores beneficiários (petróleo, automobilistico, imobiliário, etc) Setor informal

Fonte: Elaboração do Autor

Como dito anteriormente, a relação do indivíduo com a instituição (papel que ele exerce, os recursos que dispõe, etc.) são fundamentais para favorecer ou dificultar a satisfação de suas vontades. A partir da análise dos dados documentais e das observações realizadas, foi possível perceber que a atuação dos atores identificados é exercida de maneira distinta, a depender da localização institucional que ocupam. Isso implica, portanto, que as instituições sociais são tanto ferramentas da busca auto-interessada dos indivíduos, quanto palco dessa disputa. Assim, as Políticas Públicas seriam uma função das interações institucionais e de atores sociais, exercidas durante uma disputa utilitarista (mas influenciada por características simbólicas e valorativas institucionais), com implicações sobre o poder dos atores políticos e afetando, consequentemente, as instituições políticas. Nesse contexto, o Poder Executivo, embora tenha o papel de operacionalizar as políticas públicas, não o faz isoladamente. Eles interagem cotidianamente com os atores no interior do próprio Poder Executivo, com os atores de outros Poderes, ou com organizações externas ao poder público.

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No âmbito federal do Poder Executivo estão localizados os ministérios que dialogam com o tema (Ministério das Cidades e Ministérios dos Transportes), a agência reguladora relacionada ao setor (Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT), instâncias colegiadas de acompanhamento da política (Conselho Nacional de Integração de Política de Transporte38), e empresas públicas executoras de serviços públicos (CBTU). O papel fundamental desse nível é de dar unidade aos esforços nacionais e locais em termos de Mobilidade Urbana. Isso fica mais evidente ao analisarmos os discursos acerca da política mais adiante (sessão 4.3, pág. 78). No âmbito supranacional, até a década de 1980, o nível metropolitano teve o enfoque principal. Localmente, a Fundação de Desenvolvimento Municipal (Fidem) e o Instituto de Planejamento de Pernambuco (Condepe) tiveram papel fundamental na Política Urbana local como um todo. Com a Constituição de 1988, o papel metropolitano fica sob responsabilidade, sobretudo, dos estados, resguardadas as competências e autonomia dos demais entes federados. No cenário atual a atuação dessas instituições é de reduzida importância, ficando, inclusive, fora da Figura 1 - Mapa de atores envolvidos na definição da Política de Mobilidade Urbana do Recife (pág.60). Ao nível estadual do Executivo coube, portanto, uma “metavisão” do território, exercendo um papel integrador, inclusive no que se refere à mobilidade. Cabe ao estado, portanto, implementar as políticas relativas à mobilidade que extrapolem os limites territoriais da capital pernambucana, buscando, sobretudo, ampliar a integração da Região Metropolitana. Os últimos investimentos em Mobilidade Urbana indicam isso. Os corredores Norte/Sul e Leste/Oeste, por exemplo, desenvolvidos pelo estado no escopo da preparação para a Copa 2014, atravessam vários municípios, não cabendo às autoridades municipais a responsabilidade na gestão das obras. Duas Secretarias Estaduais são centrais nesse processo: Secretaria das Cidades e Secretaria de Transportes. A primeira foi criada em 2007, em substituição à antiga Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Incorpora à sua missão valores como a promoção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis, o combate às desigualdades sociais, ampliação do acesso à moradia, saneamento e transporte. Em geral, a ela cabe planejar desenvolver e acompanhar as ações relativas à habitação, ao transporte público de passageiros da RMR, e a engenharia e

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O Conselho é formado pelos seguintes integrantes: Ministro dos Transportes, Ministro da Justiça, Ministro da Defesa, Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento, Ministro de Orçamento e Gestão, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministro das Cidades, Secretário Especial de Portos da Presidência da República.

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fiscalização de trânsito do estado. É também essa secretaria que tem desenvolvidos os projetos estruturadores da Mobilidade Urbana no âmbito do Executivo estadual, além de ter o Consórcio Grande Recife atrelado ao seu organograma. A segunda, se refere especificamente à atividade de implementação das políticas relativas às atividades de transportes, com foco nas rodovias estaduais. Existe ainda no contexto estadual uma empresa pública (Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal) que exerce o papel regulador é do transporte público intermunicipal no Estado de Pernambuco. É responsável pelo planejamento, operação e fiscalização das linhas que operam interligando as cidades entre si e à capital. Em relação especificamente ao transporte público metropolitano da cidade do Recife, entre 1979 e 2008, foi gerido por uma empresa pública estadual, a Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU). Ela foi criada em 1979 (Lei Estadual n° 7.832/1979), com o objetivo de estruturar, gerenciar e fiscalizar um Sistema de Transporte metropolitano. Na época, as linhas de ônibus funcionavam em regime de concorrência, não tinham restrições de circulação e a maioria operava apenas em horário de pico. A maior parte das linhas eram municipais, com algumas ligações intermunicipais. Eram gerenciadas isoladamente pela prefeitura e o Estado, fazendo, muitas das vezes, itinerários idênticos, o que acabava limitando o atendimento em locais de acesso mais difícil (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO, s/d). Com a instituição do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife - STPP/RMR, gerenciado pela EMTU, foi definido um zoneamento da RMR e as empresas (algumas em consórcio) passaram a operar em áreas específicas, através de termo de permissão (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO, s/d). Os usuários começaram a participar do funcionamento do serviço em 1983, com a criação da Central de Informações e Reclamações, mas apenas para tirar suas dúvidas, dar sugestões e registrar suas críticas. Em 1985 eles passam a ter espaço no Conselho Administrativo da EMTU, juntamente com o Sindicato dos Rodoviários. Em 1989 foi criado o Conselho Metropolitano de Transportes Urbanos - CMTU, que através de representantes da sociedade, passou a definir as diretrizes, condições e normas gerais relativas ao STPP/RMR. O quadro a seguir apresenta a evolução da representatividade de setores da sociedade nos conselhos de transporte metropolitano.

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Quadro 3 - Evolução do Conselho de Administração da EMTU para o CSTM – Conselho Superior de Transporte Metropolitano

Composição Federal Estadual Recife Demais Municípios da RMR

Cons. Adm. 1980 (8 membros) 1 EBTU 4 Executivo 1 Executivo 1 Executivo (em rodízio)

Sociedade Civil 1 SETRANS

Cons. Adm. 1985 (17 membros) 1 EBTU 4 Executivo 2 Legislativo 1 Executivo 2 Legislativo 1 Executivo 2 Legislativo (em rodízio) 1 SETRANS 1 Sind. Rodoviários 2 Usuários

CMTU 1989 – 2008 (28/29 membros) 1 CBTU/Metrorec 3 Executivo 1 Legislativo 2 Executivo 1 Legislativo 13 Executivos (fixos) 2 Legislativo (em rodízio) 1 SETRANS 1 Sind. Rodoviários 3 Usuários 1 Estudante

CSTM (19/43 membros) 1 CBTU/Metrorec 6 Executivo 1 Legislativo 2 Executivo 1 Legislativo 1 Executivo 1 Legislativo (+ 24 potenciais) 1 SETRANS 1 Sind. VPP´s 2 Usuários 1 Estudante 1 Gratuidade

Fonte: Adaptado da apresentação de Germano Travassos, durante apresentação no Seminário Cidade e Mobilidade, realizado em Recife, no dia 22 de junho de 2012.

Em 2008, a EMTU foi extinta, dando lugar a um Consórcio Público, envolvendo estado e municípios, e operacionalizado por dezessete empresas privadas, através de contrato de permissão (GRANDE RECIFE CONSÓRCIO, s/d). Um dos especialistas em Mobilidade abordou o assunto durante a observação realizada: O Consórcio foi tocado, originalmente, pela Prefeitura do Recife e pelo Governo do Estado, porque o Governo do Estado já tinha a gestão através da EMTU, e a prefeitura delegava através de um convênio. Foram ouvidos, e foram envolvidos e consultados todos os prefeitos da Região Metropolitana. E um deles, que foi o de Olinda, a prefeita anterior, graças a Oswaldo Lima Neto, que tava lá como secretário, então, aderiu ao Consórcio. Então, com esses três sócios você já consegue realizar 90% do sistema. E tá de bom tamanho. Por que se fosse aguardar, esperar Jaboatão... As linhas de Jaboatão que são integradas ao SEI já são gerenciadas pelo Consórcio. Então, na verdade, o resíduo que ficou de fora, não chega a comprometer a solução, digamos assim, o arranjo institucional, organizacional, nem tão impedindo. Muito pelo contrário. O protocolo de intenções prevê a adesão de qualquer município em qualquer hora que interesse, só que boa parte dos nossos municípios da Região Metropolitana sequer tem sistemas locais de transporte. (Germano Travassos, durante apresentação no Seminário Cidade e Mobilidade, realizado em Recife, no dia 22 de junho de 2012).

O Consórcio adotou o antigo Conselho Administrativo da EMTU, nomeado atualmente de Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM). A ele, cabe propor políticas e diretrizes gerais, implementar e monitorar políticas e diretrizes aplicáveis ao Sistema de Transporte Público de Passageiros. Ao substituir a EMTU, o Consórcio passa a ter papel central na gestão do transporte de passageiros da RMR, prescindindo, inclusive, da participação de

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alguns municípios. Embora a estrutura colegiada no interior da EMTU seja datada da década de 1980, a centralidade do Executivo estadual nesse contexto é inquestionável. Mesmo com o poder de gestão da EMTU sendo repartido com a realização do Consórcio, a centralidade do Executivo estadual não diminuiu. Inclusive devido ao fato da empresa pública (anteriormente) e do Consórcio (atualmente) estarem localizados no interior da estrutura organizacional das secretarias estaduais. Nos dados coletados, o Grande Recife Consórcio de Transporte aparece, sobretudo, nas discussões relativas a reajustes de passagem. Não é frequente a vinculação da instituição a projetos estruturantes de grande porte. Em disputas sobre a tarifa, a responsabilidade é repassada em níveis institucionais. Em um dos casos, a interferência ministerial foi requisitada, solicitando desoneração de impostos para redução da tarifa. A atuação do poder judiciário e do ministério público também foi constante em questões relativas ao reajuste tarifário, mediando conflitos. Porém, as políticas relativas à Mobilidade, no sentido amplo que tem sido abordado aqui (e não apenas no que se refere ao transporte de passageiros, como no caso do Consórcio grande Recife), são desenvolvidas por diversas secretarias e órgãos ao longo dos anos, com uma articulação “presumida”, ao menos no interior de cada nível do Poder Executivo. Nesse momento, apenas, evidenciar os principais atores que tem feito parte desse processo. No âmbito municipal, a prefeitura tem papel central na definição da política, operacionalizando-a, sobretudo, através da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU). O órgão municipal é responsável pelas atividades relativas à gestão, operação e fiscalização da circulação de veículos, e do transporte público de passageiros, no Recife. Ela opera através de agentes municipais (com o apoio de policiais do BPTran, da Política Militar – Estadual), tanto autuando infrações de trânsito (processadas pelo Detran, sob coordenação da Prefeitura, através de convênio com o Executivo estadual), quanto gerenciando a Engenharia de Tráfego (implantação e manutenção da sinalização gráfica e semafórica da cidade, definição de áreas de circulação de veículos e pedestres, bem como definição de espaços para estacionamento). Recentemente (2009), foi criado (Lei Municipal Nº 17.568/09), no âmbito municipal, um instituto com a função de “pensar o Recife do futuro”. Trata-se do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (IPS), cujo foco é o “bem-estar do cidadão, o meio ambiente, as áreas de interesse histórico-social e com o crescimento ordenado e sustentável, respeitando as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor”. As palavras do prefeito João da Costa, no dia do anúncio da criação do IPS, resumem a responsabilidade do novo órgão:

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O novo instituto terá o objetivo de pensar a Cidade para os próximos anos, o planejamento urbano de forma estratégica, os grandes projetos, aqueles que estruturem a Cidade para o futuro. Com isso, nós estabeleceremos algumas metas, como a preparação do Recife para a Copa do Mundo de 2014, que envolve a elaboração de um conjunto de projetos; a aplicação do Plano Diretor, que se desdobra em uma série de obras de estruturação; além do desenvolvimento de áreas de proteção ambiental, corredores viários, entre outros. Queremos estruturar uma cidade com serviços modernos, enfatizando os princípios de acessibilidade e sustentabilidade (Prefeito João da Costa, durante anúncio da Criação do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira. Recife, 13 de agosto de 2009).

Durante os últimos cinco anos, o Instituto foi responsável por desenhar as ações estratégicas em termos de Mobilidade Urbana e uso e ocupação do solo na cidade do Recife, lançando, inclusive, o Plano de Mobilidade Urbana, em 2011. O Plano foi lançado no âmbito da prefeitura, não do Consórcio Grande Recife (embora a prefeitura seja um dos entes consorciados), e parte das obras propostas foram iniciadas, posteriormente, pelo Executivo estadual. O Poder Legislativo tem exercido, nesse contexto, como era de se esperar, o controle das definições do Executivo. Foi observado o protagonismo do poder legislativo m relação ao tema, inclusive com realização de audiências públicas sobre o tema, além da realização de seminários e de posicionamento político na mídia. A relação entre Executivo e Legislativo tem sido mais ou menos tensa, a depender da força política da bancada governamental em cada casa (Assembleia Legislativa ou Câmara dos Vereadores), e da capacidade dos gestores municipais e estaduais de exercer “consenso”. No caso do executivo municipal, o fracasso ao tentar aprovar o Plano de Mobilidade proposto demonstra um pouco desse cenário. No que se refere à Sociedade Civil (diferenciada aqui do setor empresarial), alguns atores merecem destaque na análise. Os primeiros são os usuários do Sistema de Mobilidade. Entende-se aqui como sendo todas as pessoas que circulam pela cidade: pedestres, ciclistas, motoristas, etc. Diversos atores e grupos tem buscado influenciar a política local de Mobilidade Urbana, com relativo sucesso, em alguns casos. A depender do nível de organização, atores e grupos sociais tem se destacado nesse processo. Primeiramente, por se constituírem em eleitores, o que lhes conferem maior importância no processo político durante os ciclos eleitorais. Como argumentaria Max Weber, os liderados são vistos pelos líderes enquanto coletividade. E são, portanto, percebidos por suas demandas ao longo do processo de implementação. Secundariamente, pelo pertencimento

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social e legitimidade dos grupos, suas formas de pressão política e acesso a espaços de negociação. Detalharemos esses aspectos na sessão adiante. Outro grupo historicamente relevante tem sido os Sindicatos de Trabalhadores, que reivindicam, em geral, melhores condições de trabalho, tendo impactos importantes em definições tarifárias do transporte público. Tais reivindicações geram negociações entre trabalhadores e empresas de transporte, mediados pelo Consórcio Grande Recife e, em último caso, por instâncias jurídicas. A academia cumpre um papel clássico nesse processo, fornecendo análises, legitimando ou não escolhas políticas, e acrescentando densidade a debates públicos. Sua participação no processo local tem sido pontual, quando solicitada, ou individual, quando é do interesse do ator específico (área de pesquisa, atuação profissional, etc.). É comum sua requisição em Audiências Públicas e Seminários, sendo requisitada por entidades governamentais e não governamentais. Por último, cabe destacar, no que se refere à Sociedade Civil, a atuação mais sistemática de entidades (que muitas vezes partem da atuação mais organizada de grupos de interessados) e organizações sociais. Várias têm atuado politicamente em relação à Mobilidade Urbana, procurando definir prioridades para atuação pública, avaliando e monitorando a implementação, inclusive com a utilização de ferramentas como indicadores, articulação de Fóruns e Grupos de trabalho, etc. Dentre esses grupos, se destacaram na análise os grupos relacionados à defesa da utilização de meios não motorizados (sobretudo, bicicletas) com forma de transporte (Grupo Bicicletada Recife, Cicloação, BikeAnjo, etc), e o GT Mobilidade Urbana do Observatório do Recife. Além disso, foi possível observar o reposicionamento político de algumas organizações e movimentos sociais que discutiam historicamente na região temas conexos (habitação, reforma urbana, moradia, etc.), e incorporaram a discussão sobre Mobilidade Urbana à sua pauta mais ampla. Observou-se também a mobilização pontual de pessoas em torno de questões específicas (existência de buracos, mudanças no trânsito, etc.), mas sem continuidade da atuação. Em relação ao setor empresarial, vários grupos também tem se destacado. Um grupo que tem atuado diretamente no processo de implementação da Política de Mobilidade são os Sindicatos Patronais de empresas de transporte (URBANA-PE), e suas empresas, isoladamente. Discorremos um pouco sobre isso na sessão 4.2.2, página 72). Outro grupo bastante relevante, de atuação mais atomizada, são os empresários do setor imobiliário. Ao definirem espaços de maior ou menor interesse comercial para fins imobiliários, e investirem neles, criam polos geradores de demanda para o transporte, e para toda estrutura decorrente necessária para circulação de bens e pessoas (calçadas, sinalização, disponibilidade

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de transporte coletivo, etc.). Sua atuação é regulada pelo Plano Diretor da Cidade, em termos de limites construtivos (coeficientes de utilização, taxa de solo natural, etc.), mas continuam definindo os locais de interesse para moradia e impactando nas necessidades locais de mobilidade sobre o critério da lucratividade. Outros grupos se destacam pela sua atuação mais nacional, como a cadeia produtiva de derivados do petróleo (posto de gasolina, empresas de pavimentação asfáltica, indústria de pneus, etc.) e a indústria automobilística (montadoras, redes de serviços e fornecedores de peças relacionadas ao setor, etc.). Ambos, ao definirem suas prioridades em termos de negócios e produtos, influenciam o consumo nas cidades. É o caso da priorização de combustíveis fósseis em detrimento de combustíveis de base renovável, a indisponibilidade de combustíveis renováveis no transporte público, o impacto da venda de derivados de petróleo na economia nacional, a pressão do setor automobilísticos através de demissões e seu impacto no Produto Interno Bruto, etc. Constitui-se como uma atuação indireta, mas que influencia a política. A redução de IPI para automóveis39, por exemplo, é uma resposta governamental à pressão de demissões em massa colocada pelas montadoras de automóveis, e o impacto dessa atividade na taxa de crescimento do país. Por fim, destacamos que alguns atores têm maior possibilidade de “alterar” a estrutura a partir dos recursos que dispõem. Em outras palavras, alguns atores tem maior capacidade de influência na política do que outros, sendo reconhecidos como agentes das mudanças sociais e organizacionais. Procuraremos delinear esse argumento nas próximas sessões.

5.2.

Os Espaços de interação e as estratégias de

exercício do poder Conforme demonstramos na sessão anterior, um conjunto bastante variado de atores sociais (seja como indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações) participa com níveis diferenciados de influência sobre a definição de estratégias das Políticas Públicas, em um amplo processo de disputa de interesses, e em um cenário de recursos limitados. Se, conforme

39

Em notícia do jornal O Globo, de 30 de março de 2013, a questão da redução do IPI é abordada: “A desoneração do IPI para automóveis foi anunciada em maio de 2012 e tinha vigência prevista de três meses. Com os sucessivos indicadores negativos da economia, o Ministério da Fazenda decidiu, em agosto, postergar a medida por mais um trimestre. Em outubro/2012, anunciou outro pacote, mas com recomposição gradual da alíquota, em três aumentos ao longo de todo o primeiro semestre de 2013” (BONFANTI e BECK, 2013).

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argumentado anteriormente, são os atores sociais que implementam as políticas públicas em nome do Estado, então, suas ações e interações são fundamentais para o entendimento do próprio processo de implementação da Política Pública. Contudo, como argumentam os Neoinstitucionalistas, tal ação jamais ocorre no vácuo institucional, sendo moldada, em alguma medida, pelas instituições (NASCIMENTO, 2009). Nesse sentido, procuramos identificar os espaços de negociação nos quais os indivíduos atuam, assim como as principais estratégias (formais e informais) de exercício do poder relativas à Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife. A seguir, apresentamos os espaços de negociação identificados e, posteriormente, explicitamos as principais formas de exercício do poder acerca da Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife.

5.2.1.

Espaços de interação

O Neoinstitucionalismo sociológico retoma a preocupação clássica com as instituições, contudo, rompendo com a posição de que a estabilidade social é uma função da estrutura social, reconhecendo a autonomia dos indivíduos e admitindo que suas ações e relações sociais localizam-se numa dimensão intermediária - entre os atores e as macroestruturas (NASCIMENTO, 2009). Trata-se, portanto, de tentar focar na dimensão interativa e criativa do processo pelo qual as instituições são socialmente construídas, e o que confere a legitimidade dos arranjos institucionais(HALL & TAYLOR, 1990; NASCIMENTO, 2009). Nesse sentido, os atores adaptam seu comportamento às estruturas institucionais previamente existentes e, embora inseridos em um contexto institucional que os constrange, também têm liberdade de ação consciente que lhes permite traçar estratégias que modificarão o ambiente institucional. O resultado alcançado depende igualmente da interpretação e absorção das mudanças por outros atores organizacionais (o que Giddens chama de monitoramento reflexivo da atividade: pág. 41), assim como de sua interação na construção de normas, valores e significados; ou seja, de instituições sociais. De outro modo, os atores sociais são reconhecidos como agentes das mudanças sociais e organizacionais (GAZZOLI, 2005). Assim, a relação do indivíduo com a instituição (papel que ele exerce, os recursos – alocativos e de autoridade - que dispõe, etc.) é fundamental para favorecer ou dificultar a satisfação de suas vontades. Isso implica, portanto, que as instituições sociais são tanto ferramentas da busca auto-interessada dos indivíduos, quanto palco dessa disputa. Assim, as

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Políticas Públicas seriam uma função das interações institucionais e de atores sociais, exercidas durante uma disputa utilitarista (mas influenciada por características simbólicas e valorativas institucionais), com implicações sobre o poder dos atores políticos e afetando, consequentemente, as instituições políticas. Nesse contexto, procuramos identificar algumas configurações institucionais em que essa disputa é operacionalizada. O Quadro a seguir apresenta uma categorização dos espaços identificados, considerando as formas de atuação neles. Quadro 4 - Espaços de atuação política identificados Espaços Identificados

Descrição

Espaços com previsão de participação multissetorial e sem periodicidade definida

Audiências e Consultas Públicas, Conferências de políticas setoriais, etc.

Espaços com previsão institucionalizada

de

participação

Espaço sem previsão institucionalizada

de

participação

Conselhos de políticas públicas, instâncias colegiadas, fóruns, etc. Ex.: Conselho Nacional de Integração de Política de Transporte, Conselho Superior de Transporte Metropolitano. Reuniões técnicas de secretarias e órgãos públicos

Manifestações e protestos Mobilizações autônomas da Sociedade Civil

Passeatas, bloqueios de ruas e avenidas, realização de greves, etc. Espaço de discussão constante, grupos de trabalho sobre a temática.

Mídia

Jornais impressos, televisivos, programas de rádio, etc.

Espaços variados de discussão

Seminários, debates, fóruns temáticos, grupos de pesquisa, etc.

Espaços Virtuais de manifestação individual e/ou coletiva

Blogs, redes sociais, etc.

Fonte: Elaboração própria.

Esses espaços representam configurações institucionais que podem ser acessadas (ou não) pelos indivíduos. Eles são o campo onde a interação social ocorre, com níveis diferenciados de institucionalização. Neles, os indivíduos, a partir dos recursos alocativos e/ou de autoridade que disponham, podem interferir, em medidas distintas, no processo de implementação da Política Pública. Alguns desses espaços fazem parte da atuação cotidiana do poder público, outros são construídos com o intuito de gerar acesso a espaços não disponíveis, ou de influenciar, direta ou indiretamente, outros atores. Partamos, então, para uma descrição mais detalhada desses espaços. Os espaços com previsão de participação multissetorial institucionalizada funcionam, em grande medida, como espaços legitimadores de decisões políticas específicas, com

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possibilidade restrita de definir aspectos mais amplos da política. Eles podem chegar a gerar princípios e diretrizes para a Política Pública (como no caso das Conferências temáticas), mas, embora possuam legitimidade, geralmente não possuem força vinculativa, muitas vezes não sendo implementadas. Em geral, o espaço desse tipo com mais evidência no que se refere à Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife é o Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM). Ele é formado por vários seguimentos da sociedade40 e está vinculado ao Consórcio de Transportes Grande Recife. Sua participação mais consistente nos últimos anos tem sido sobre casos relativos ao rejuste das tarifas de ônibus, tenho reduzida influência na implementação da política. Outros espaços do tipo são os Conselhos Setoriais de Políticas Públicas, mas que não se destacaram durante nossa análise. No âmbito nacional também é possível observar a existência de um espaço desse tipo, o Conselho Nacional de Integração de Política de Transporte, conforme apresentado na sessão anterior. Os espaços sem previsão de participação institucionalizada, por sua vez, são, geralmente, de acesso restrito ao poder público, sem participação de atores externos. Compreendem espaço privilegiado no que se refere à implementação da política, sendo bastante característico do exercício da atividade do Poder Executivo. Em geral, definem os contornos gerais, orçamento, e prioridades da política. Reuniões entre níveis distintos do Poder Executivo (prefeituras e governo federal, estado e municípios, etc.) são os principais exemplos desse tipo de espaço. Outro espaço identificado é o das manifestações e protestos. Eles constituem um processo de pressão social coletiva (passeatas, bloqueio de ruas, utilização de faixas, etc.), baseados na ampliação da visibilizarão de pautas específicas. Em geral, visam capacitar atores para interlocução em espaços de acesso restrito, ampliando a importância de demandas específicas. Correspondem, em grande medida, a forma de atuação clássica dos movimentos sociais, embora seja possível observar mais recentemente a diversificação de atores nesse tipo de espaço 41. A atuação difusa de entidades estudantis nesse contexto foi evidente, quase sempre abordando, sobretudo, o tema do transporte público de qualidade, mas motivados por reajustes pontuais da tarifa. As negociações decorrentes dos protestos foram, em geral, acompanhadas por entidades consideradas legitimadas para mediar o conflito (OAB, ALEPE, Câmara de Vereadores, MPPE), e ocorreram em espaços mais restritos. Um espaço característico da atuação da Sociedade Civil identificado, mas distinto do anterior, é o que nomeamos de ‘mobilizações autônomas da Sociedade Civil’. Nessa categoria, nos referimos aos locais onde são realizadas discussões permanentes sobre determinado assunto 40 41

Vide página 94. Vide, por exemplo: IBOPE, 2013.

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(mobilidade, acessibilidade, etc.), com o objetivo de formar conceitos e capacitar atores para interlocução no espaço público. São exemplos desse tipo de espaço os Grupos de Trabalho de organizações sociais (como o GT de Espaço Urbano e Mobilidade, do Observatório do Recife, ou mesmo o próprio Observatório), Grupos de Pesquisa Vinculados a universidades, ou mesmo fóruns específicos formados autonomamente para discutir determinado tema. São, em geral, desconexos do poder público, embora requisitem com frequência a participação de atores governamentais. São caracterizados também pela fluidez e rotatividade da participação que, em geral, possui vínculos relativamente fracos. Ao se constituírem como espaço coletivo, contudo, conferem maior legitimidade (recurso de autoridade) para atuação dos atores em outras instâncias. Isto é, ampliando a capacidade dos atores de intervir sobre a Política Pública. A convocação de representantes desse tipo de espaços para reuniões e discussões foi bastante evidente durante a observação realizada, seja por outros fóruns, seja por gestores. A Mídia também é considerada aqui como um espaço em que a disputa é operacionalizada. Em grande medida ela funciona como canal de posicionamento político, capitaneado dos diversos atores. É corriqueiramente utilizada para lançamento de políticas, propagação de opiniões contrárias ou a favor de ações específicas. Contudo, sua atuação não se restringiu a veiculação de conteúdos e notícias. Embora não seja o foco desse estudo, foi possível perceber a inserção da questão da Mobilidade Urbana como tema de interesse da mídia, aparecendo com mais frequência nas pautas cotidianas e, assim, atuando de maneira seletiva, repercutindo notícias que considera de maior interesse para si ou para a população. Assim, deve ser considera também como ator, na medida em que atua de maneira autônoma, gerando, inclusive, espaços derivados, como Seminários e Debates, com atores centrais na política42. Porém, os espaços de discussão (Seminários, debates, etc.) assumem dinâmica própria, sendo construídos por vários atores, em momentos diferenciados, com o intuito de influenciar, direta ou indiretamente a Política Pública. Eles constituem uma importante estratégia de demarcação conceitual, formação e acúmulo de conteúdo. O mesmo pode-se dizer, guardadas as devidas proporções, acerca dos Espaços Virtuais de manifestação individual e/ou coletiva. Referimos-nos aqui a espaços autônomos de comunicação virtual entre atores (blogs, redes sociais, sites, etc.). Funcionam como espaço de discussão, troca de materiais e mobilização para atuação in loco. A atuação virtual dos indivíduos começou a ser considerada no processo 42

Por exemplo, na notícia do dia 11 de fevereiro de 2011, o Diário de Pernambuco comunica o lançamento de um Fórum para discutir o assunto: “No Fórum Permanente - Desafios para o Trânsito do Amanhã, que o Diário de Pernambuco lança hoje às 9h, no auditório do Diários Associados, no Recife, se abre uma série de discussões do nosso desafio de melhorar o tráfego e ajudar no processo de educação dos motoristas antes da Copa de 2014. Está lançado então o desafio” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2011).

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eleitoral de Recife de 2012. Alguns grupos virtuais também começaram a participar de discussões sobre Direitos Urbanos, mobilidade não motorizada, contando, inclusive, com manifestações públicas não virtuais. Geralmente organizados por temática e pautas específicas, são geridos de maneira independente, com adesão voluntária, mas podendo compreender a participação de organizações sociais. Todos esses espaços funcionam como cenário para exercício do poder, podendo ser configurados para facilitarem certas consequências políticas e obstruírem outras, favorecendo certos interesses e desfavorecendo outros, como argumenta o Neoinstitucionalismo. Em todos esses espaços de negociação alguns indivíduos podem ter maior acesso ao poder governamental do que outros. Contudo, eles não compreendem, obviamente, todas as possibilidades de se influenciar a Política Pública. Nesse contexto, em uma organização (ou mesmo fora dela), alguns atores (líderes, políticos, lobistas, empresários, etc.) podem ter maior capacidade de implementar estratégias devido aos recursos (alocativos e/ou de autoridade) que estão à sua disposição. Tentamos identificar algumas das estratégias engendradas pelos atores em alguns desses espaços, ou mesmo fora deles, conforme discorremos adiante.

5.2.2.

Formas e estratégias de exercício do poder

Como argumenta Lipsky (1980 apud LOTTA, 2010), a ação individual dos implementadores acaba por tornar-se o comportamento da instituição pela qual responde e representam. Ou seja, para compreender a ação efetiva do Estado, é necessário entender a ação e a interação realizada por seus implementadores. Agência, nos termos de Giddens, não se refere às intenções que as pessoas têm ou não ao fazer determinada coisa (ação intencional ou não), mas à capacidade delas para realizar essas coisas. Nesse sentido, agência compreende necessariamente a noção de poder. Como nos informa a Teoria da Estruturação, atuar nesses espaços pressupõe que os atores são capazes de exibir (cronicamente, no fluxo da vida cotidiana) uma gama de poderes causais, incluindo o de influenciar os manifestados por outros (GIDDENS, 2003, p. 17). Poder, como exposto em outro momento, diz respeito à capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos para si mesmo ou para o grupo ao qual pertence. E a ligação entre ação e poder, como argumenta Giddens, se estabelece na capacidade (ou no poder) que os indivíduos têm de “atuar de outro modo” (GIDDENS, 2003, p. 17), de intervir ou de se abster em relação a determinado processo ou estado específico de coisas.

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Poder Social não é uma coisa ou sua posse, mas uma relação entre pessoas (DAHL, 1974; BERRY, 1976; STOPPINO, 1998), caracterizada, em alguma medida, pela subordinação de um pelo outro, visando obtenção de ganhos. Para Weber, poder representa a probabilidade de que um ator, dentro de uma relação social (como a que acontece no âmbito dos espaços identificados), esteja em posição de realizar sua própria vontade, apesar das resistências, e independente das bases sobre as quais resida tal probabilidade (DAHL, 1974). E as resistências dos outros atores (ou seja, a ação ou a expectativa de ação relacionada à possibilidade de agirem favorável ou contrariamente) são consideradas durante a atuação dos indivíduos (reflexividade mutua, in dureé). Isto é, eles avaliam e controlam continuamente o fluxo de suas atividades, assim como monitoram rotineiramente aspectos sociais e físicos dos contextos em que se movem, e esperam isso dos outros indivíduos. Durante as observações realizadas, ficou evidente que alguns atores consideram a reação popular (nos espaços identificados ou nas urnas) para a implementação da Política Pública. Em reportagem especial do Diário de Pernambuco, publicada no dia 21 de novembro de 2009, por exemplo, a preocupação com a reação da população devido à proposta de redução de espaço para o automóvel é evidenciada: (...) no trecho Sul (da Av. Agamenon Magalhães), a prioridade vai significar redução do espaço destinado ao automóvel, o que implicará em ônus político para os executores. O projeto do futuro corredor entre o Complexo Joana Bezerra e Cajueiro Seco, em Jaboatão, prevê a adequação do sistema viário ao longo das Avenidas Herculano Bandeira, Domingos Ferreira, Visconde de Jequitinhonha e Ayrton Senna, onde os automóveis têm preferência. Nesse caso, os carros perderão uma faixa de cada um dos lados, o que deverá gerar críticas por parte da população. “A sociedade do automóvel vai reclamar, até porque a maioria dos projetos feitos na cidade são voltados para o transporte individual. Diferentemente dos curitibanos, que historicamente têm a cultura do transporte público, o recifense precisará criar empatia com o Norte-Sul para que ele dê certo”, observa César Cavalcanti, diretorregional da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) no Nordeste e chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (SOARES, 2009)

Contudo, Poder pode envolver também estratégias, como a troca ou a cooperação. A doação de campanha é, nesse sentido, uma estratégia de “troca”, onde a busca por legitimidade para exercer um cargo eletivo (isto é, adquirir recursos de autoridade através do processo eleitoral), pode ser influenciada por atores que possuem recursos alocativos (financeiros, no caso) e, portanto, ampliar sua capacidade de influenciar processos políticos geridos por “aliados”. Os recursos alocativos podem dar ao indivíduo, nesse sentido, acesso privilegiado aos atores que possuem recursos de autoridade, frequentando espaços mais restritos, e influenciado (ou não) mais diretamente determinada Política Pública.

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Embora essa relação não seja claramente estabelecida através de dados, a presença de setores específicos dentre os principais doares de campanha evidenciam ao menos o interesse de determinados atores no processo de definição do gestor local. Na eleição de 2012 para a prefeitura do Recife, por exemplo, dentre os doadores não anônimos (que corresponde a apenas a cerca de 50% do total de doações ao candidato eleito), no que se refere a atores relacionados ao tema da mobilidade mais diretamente, é possível observar forte presença do setor da construção civil (construtoras, empresas especializadas em engenharia, etc.), do setor imobiliário e de empresas relacionadas aos serviços de transporte (de passageiros e de mercadorias). Outra estratégia possível relacionada à posse de recursos alocativos é o investimento direto na própria Política Pública em que se está interessado. O sindicato de empresas de transporte público, por exemplo, financiou a realização do projeto do Corredor Norte/Sul, no valor de dois milhões, conforme notícia: Encomendado pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), o projeto do Norte/Sul foi elaborado pelo urbanista Jaime Lerner, pioneiro na implantação de corredores exclusivos de ônibus no Brasil. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2010)

Seguindo esse argumento, em 2003, observou-se forte pressão do empresariado de ônibus para restringir o transporte clandestino de passageiros. Algumas estratégias foram a solicitação de reajuste da tarifa para compensar o prejuízo, a solicitação de intensificação da fiscalização e a retirada imediata do transporte. O que resultou em um rápido (apesar das resistências) e tenso processo de regulamentação do transporte complementar de passageiros, que teve sua área de atuação reduzida em grande medida. Nesse contexto, o reconhecimento do conflito de interesses é claro para os atores. Como argumentou a Promotora Belize Câmara na Audiência Pública do Projeto Novo Recife, os interesses são diversos, tem interesse financeiro, tem interesse da sociedade, enfim, que se contrapõem a todo momento43. Um dos gestores também evidenciou esse conflito em sua fala: Uma primeira decisão a ser tomada, que vem sendo criticada, é que a gente não iria, após a aprovação do Plano Diretor, nós não iríamos fazer imediatamente a revisão da Lei de Uso [e Ocupação do Solo]. Até porque aquilo que era mais criticado na Lei de Uso do Solo, que é de 1996, que é o coeficiente bastante elevado, coeficiente 4, o Plano Diretor já baixou. Boa viagem baixou pra 2, pode chegar a 3 mediante outorga onerosa. (...) O Plano Diretor reduziu o potencial porque isso foi um clamor da 43

Belize Câmara, Promotora do Ministério Público de Pernambuco, durante Audiência Pública sobre Projeto Novo Recife, realizada no dia 27 de fevereiro de 2013, no Auditório do Anexo I da ALEPE, Recife-PE.

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sociedade.(...) Só pra gente pontuar algumas mudanças conceituais, porque a tradição de Lei de Uso e Ocupação do Solo foi predomínio dos economistas sobre o Urbanismo. Você indexa tudo. Você não fala mais da dimensão estética da arquitetura, da cidade. Você não fala mais de gabarito, de altura, abertura, de largos, de escala, de proporção. Você fala de coeficiente de utilização, taxa de ocupação, taxa de dissolução natural. Então você indexa tudo pra saber quanto custa. Por isso que eu digo assim..." ah, a cidade está entregue ao mercado imobiliário"... Desde a Lei de Uso do Solo de 1983, que foi feito para se entregar ao mercado e se aboliu a área rural de Recife. Recife não tem área rural desde 1983, que é pra poder abrir expansão imobiliária e arrecadação de IPTU. (Milton Botler, durante Seminário a “Cidade e a Mobilidade”, realizado no Teatro Apolo nos dias 21 e 22/junho de 2012)

Um exemplo desse processo de “negociação” ou disputa pode ser encontrado em um caso citado anteriormente, ocorrido na Zona Norte do Recife. Em julho deste 2012, um trecho de trezentos e cinquenta metros de ciclofaixa foi implantado na Estrada do Arraial, Zona Norte e área nobre do Recife. Durante cerca de dois meses após a implantação da ciclofaixa nesse trecho, diversos grupos sociais se manifestaram a favor e contra a faixa, tanto em espaços oficiais (audiência), quanto em espaços não oficiais (protestos) (NE10, 2012; SOARES, 2012; LUCENA, 2012; SOARES, 2012). No dia trinta de agosto de 2012, a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano44 (CTTU) decidiu remover os 350 metros da ciclofaixa que cortam a Estrada do Arraial para dar mais fluidez ao tráfego, revendo a posição tomada anteriormente (quando a implantou), e atendendo a demanda de um grupo social específico, que reivindicava maior fluidez no trânsito para os automóveis. Como argumenta o Neonstitucionalismo, o resultado alcançado, dependeu igualmente da interpretação e absorção das mudanças pelos atores envolvidos, assim como de sua interação na construção de normas, valores e significados. Isso pode ser estendido a um outro caso. Tratase de um esforço engendrado para impedir a discussão de um projeto com impacto direto na Mobilidade de uma região central do Recife: O Projeto Novo Recife. Ele compreende a construção de um empreendimento imobiliário considerado de alto impacto ambiental, em uma área degradada da cidade, mas de grande beleza e importante valor para a regulação térmica do Recife. A interação conflituosa entre atores interessados nesse caso específico no Recife invocou alguns desses aspectos: Na última sexta-feira, dia 21 de dezembro de 2012, uma Liminar concedida pelo Juiz da 7ª Vara, José Viana Ulisses Filho, a favor da Ação Popular que denuncia a falta de legitimidade do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) para deliberar sobre o Projeto Novo Recife devido à falta de paridade entre sociedade civil e poder público em sua composição, por vacância de três das quatro cadeiras destinadas a representação das 44

Órgão municipal responsável pelas atividades relativas à gestão, operação e fiscalização da circulação de veículos e do transporte público de passageiros, no Recife. Lei Municipal No. 16.534/99; Art. 1º., inciso II.

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associações comunitárias e ONGs, interrompeu e cancelou os efeitos da segunda reunião marcada com o intuito de aprovar o projeto (DIREITOS URBANOS, 2012).

Aqui, os princípios de funcionamento da instância colegiada impediram o prosseguimento, ao menos temporariamente, de um projeto considerado inadequado por parcelas da população. Logo, o espaço que seria legítimo para tratar do tema, tornou-se ilegítimo. Outra estratégia possível identificada no âmbito do poder público é o atrelamento da disponibilização de recursos ao atendimento de exigências conceituais específicas, o que constitui uma estratégia clara de influenciar diretamente a Política Pública local. A Via Mangue, por exemplo, é um projeto inicialmente voltado para o transporte individual motorizado, mas teve seu projeto modificado por solicitação do Ministério das Cidades, sob risco de não ser financiado. A fala de um dos gestores evidencia isso: A concepção da Via Mangue é um desmembramento da concepção da via costeira, que existia no Plano Metropolitano da década de 1970. Só que ela vinha ali, acompanhando a linha férrea pelo outro lado, pelo lado da (Avenida) Mascarenhas de Moraes, e não pelo lado onde ela tá passando agora. Mas ela faria essa conexão metropolitana. E a decisão de fazê-la foi anterior à discussão de mobilidade no padrão que a gente tem hoje. Ela foi tomada mermo para fazer a conexão metropolitana sul para automóvel. Mas para ela ser aprovada, o município teve que assumir o compromisso com a Casa Civil de implantar uma linha semi-expressa, para se ter o compromisso de ter o transporte público utilizado. A gente não sabe se tem demanda, não foi feito estudo aprofundado, mas foi colocado isso. Então, há essa esquizofrenia entre o conceito dela, o compromisso político de fazê-la, que foi antes de toda essa discussão, e vários discursos que se fazem. Porque, de fato, se implantar a Via Mangue, você facilita, libera pros carros para botar corredor de transporte público na (Avenida) Domingos Ferreira, sem causar grandes problemas. Porque, se você for botar o corredor, sem a Via Mangue, você vai ter uma grande barreira para essa conexão, uma questão operacional durante um ano, dois anos, tal. Então, causa menos transtorno fazer. Agora, se for dizer assim, friamente, tecnicamente, se de fato, dentro de um planejamento sustentável, de mobilidade sustentável, se a via mangue era de fato necessária, isso é uma pergunta para se pensar mermo. (Milton Botler, durante Seminário a “Cidade e a Mobilidade”, realizado no Teatro Apolo nos dias 21 e 22/junho de 2012).

Isso remete à própria discussão sobre a influência mútua entre esfera individual e instituições, operacionalizada através de aspectos normativos, simbólicos, de recursos e de poder. A definição conceitual sobre Mobilidade Urbana federal, que influencia no nível do discurso as políticas locais, é complementada com o atrelamento dos recursos aos aspectos normativos e simbólicos definidos. O Ministério, nesse caso, sabia dos obstáculos e procurou interferir nos valores que orientavam a ação política local, buscando restringir e redirecionar a ação dos agentes públicos, em um nível discursivo. Porém, o discurso não necessariamente tem força impositiva (sanção), sendo necessário o atrelamento financeiro.

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Os argumentos do Neoinstitucionalismo e da teoria da Estruturação são convergentes, nesse sentido. Isto é as instituições políticas afetam a distribuição dos recursos, o que por sua vez afeta o poder dos atores políticos, afetando, consequentemente, as instituições políticas. Em outras palavras, os resultados do processo político modificam as reputações de poder, as quais, por sua vez, modificam os resultados políticos (MARCH e OLSEN, 2008; HALL e TAYLOR, 2003; GIDDENS, 2003). Na vertente Neoinstitucionalista, as instituições são os produtos do delineamento humano, o resultado de ações propositadas por indivíduos instrumentalmente orientados. Por outro lado, elas também modelam as preferências individuais e a extensão na qual elas podem se realizar. É nesse sentido que consideramos o esforço federal de delinear em uma série de documentos sem caráter legal (manuais, etc.)

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os conceitos que deveriam orientar a política

de Mobilidade. E a força impositiva dessas definições é, em geral, exercida através da vinculação orçamentária extraordinária. Nesse sentido, as restrições preservam, representam e distribuem diferentes recursos de poder a diferentes grupos e indivíduos. O indivíduo, nesse contexto, utiliza os modelos institucionais disponíveis ao mesmo tempo em que os confecciona. Um exemplo disso foram os seminários realizados pela prefeitura do Recife, que objetivaram estabelecer um Pacto pela Mobilidade. Os eventos foram, em grande medida, uma estratégia para tentar vencer os obstáculos impostos pelo poder legislativo municipal (Câmara dos Vereadores) à aprovação do Plano de Mobilidade Urbana, lançado no formato de Projeto de Lei. Através dos seminários buscava-se, implicitamente, ganhar legitimidade técnica e representatividade política para a proposta, que há meses transitava na Câmara dos Vereadores. Como nos diz o Neoinstitucionalismo sociológico, as ações e relações sociais estabelecidas entre atores e macroestrutura podem conferir legitimidade ao arranjo institucional. Sobre o assunto, um dos especialistas argumenta o seguinte: (...) Sobre a questão institucional do [Consórcio] Grande Recife, eu digo que é robusta porque é baseada na Lei de Consórcios É uma lei recente, de 2005, e é a única solução para mobilidade, transporte público. Por que não atrai todos os municípios? Eu vi uma palestra do professor Jose Viegas, ele é um português, professor de uma universidade portuguesa, eu não sei exatamente qual, mas ele é consultor internacional. E José Viegas diz o seguinte, que todos esses pactos de mobilidades, todos esses consórcios, todas essas coisas, é como astronomia... É preciso esperar o alinhamento dos astros. Então, essa é uma questão política. Se você imaginar que 14 prefeitos, mais o governo do estado vão se alinhar para assinar um contrato você vai ficar careca como eu e não vai ver esse contrato. (Germano Travassos, durante apresentação no Seminário Cidade e Mobilidade, realizado em Recife, no dia 22 de junho de 2012).

45

Conforme exposto na próxima sessão.

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E mais uma vez voltando à convergência entre Neoinstitucionalismo e Teoria da Estruturação, estes atores, embora inseridos em um contexto institucional que os constrange, também têm liberdade de ação consciente que lhes permite traçar estratégias que modificarão o ambiente institucional, embora nem sempre o resultado das mudanças seja aquele inicialmente pretendido. No caso do Recife, a prefeitura lançou um Plano de Mobilidade com a intenção de se tornar uma ação mais duradoura, independente da gestão, mas teve seu desejo “travado” ação do poder legislativo municipal. Assim, o caso específico aponta para o fato de que a autonomia relativa dos atores e a capacidade específica de interferir na Política Pública requer uma maior capacidade de se estabelecer uma concertação política, executada por atores legitimados socialmente. Passaremos agora a discutir a dimensão discursiva da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife

5.3.

Os Discursos da Mobilidade

Um conjunto de valores tem orientado, ao longo dos anos, a implementação da Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife. Esses valores têm sido fornecidos tanto por documentos nacionais, quanto tem sido produzido localmente. Contudo, uma grande variação conceitual e institucional tem sido observada ao longo dos anos. A própria concepção de “Mobilidade Urbana” vem sendo desenvolvida por diversos atores, em níveis institucionais distintos. Tais valores vêm sendo evidenciados através dos discursos e delimitações conceituais e práticas, especificadas em documentos oficiais. Nesta sessão, procuramos identificar e analisar os distintos discursos em torno da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife.

5.3.1.

Âmbito Nacional

Alguns marcos regulatórios e documentos de referência são fundamentais para compreendermos a delimitação conceitual e institucional que a Política de Mobilidade (ou de trânsito e transporte, como era considerada nacionalmente até 2004) desenvolveu ao longo dos anos, no Brasil. No quadro a seguir, estão os principais documentos norteadores da Política, os quais foram analisados para fins desse trabalho.

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Quadro 5 - Documentos Norteadores da Política de Mobilidade – Âmbito Federal ANO DOCUMENTO DESCRIÇÃO Constituição Federal Define as competências com Transporte no Pacto Federativo 1988 (Art. 182 e 183). Código de Trânsito Brasileiro (Lei Normas gerais para o trânsito terrestre, instituição do Sistema 1997 Nº 9.503/1997) Nacional de Trânsito (composição, competências, etc.), normas gerais de circulação e conduta, demais normas derivativas Estatuto da Cidade (Lei Nº Regulamenta os Arts. 182 e 183 da Constituição Federal e 2001 10.257/2001) estabelece diretrizes gerais da política urbana. 2004 2004

2005

2007

2012

Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável (Documento de Referência) Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (Documento de Referência)

Mobilidade e política urbana: subsídios para uma gestão integrada (Documento de Referência) PlanMob - Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana (Documento de Referência) Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012)

Estabelece princípios e diretrizes para orientar a ação do Governo Federal na formulação, implementação e avaliação da Política Nacional da Mobilidade Urbana Sustentável. Estabelece um diagnóstico do desenvolvimento da Política Urbana no Brasil. Referenda princípios, diretrizes e objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, definidos na 1ª Conferência Nacional de Cidades, realizada em 2003. Define princípios e diretrizes para promoção da Mobilidade Urbana sustentável e cidadania no Trânsito. Orienta a implementação da Política Urbana, evidenciando as interfaces e complementaridades entre a política de promoção da mobilidade urbana e as políticas de habitação, saneamento ambiental e ordenamento territorial. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana

Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. Estabelece novas definições sobre conceitos derivados e define princípios, diretrizes e objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana, além de normas gerais de funcionamento.

Fonte: Elaboração Própria.

O primeiro desses documentos é a própria Constituição Federal, promulgada em 1988. Ela estabelece a competência e a responsabilidade dos entes federados em relação aos serviços de transporte em suas diversas modalidades (aquático, ferroviário, rodoviário, nacional, internacional, etc.). Seu foco é, portanto, na organização dos Poderes e entes federados, e suas respectivas competências e responsabilidades, dentre as quais o transporte é considerado parte das necessidades básicas dos indivíduos. Logo, o conceito central é o de transporte, sobretudo com o enfoque da integração entre territórios, da atividade comercial nacional e internacional, da geração e distribuição de impostos e de prerrogativas especificas para legislar. Aqui, o termo “Mobilidade Urbana” ainda não estava presente. Ele surge em textos oficiais apenas em 2004, inicialmente no texto da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Nesse momento, apenas o conceito genérico de transporte é apresentado, referindo-se ao serviço público de

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deslocamentos no território, classificado a partir do meio (rodoviário, aquaviário, aéreo) ou do deslocamento (interestadual, internacional, etc.). A Constituição, embora tenha um capítulo sobre “Política Urbana”, traz apenas normas de eficácia reduzida (que só produzem efeito a partir de lei complementar ou específica), que delegam ao legislador derivado a responsabilidade de definir em detalhe a matéria 46. Ela direciona à União a competência de gerir os serviços de transporte ferroviário e aquaviário, os serviços de transporte rodoviário de passageiros entre estados e entre países (BRASIL, 1988)47; a definição das diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (BRASIL, 1988, p. Art.21, inciso XX), tendo prerrogativa para legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes; regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial, além de trânsito e transporte (BRASIL, 1988, p. Art. 22 incisos IX, X e XI). Aos municípios, a Constituição Federal dedicou a responsabilidade de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (BRASIL, 1988, p. Art. 30, inciso V). Também é direcionada ao município a responsabilidade acerca da Política de Desenvolvimento Urbano, com foco no pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e na garantia do bem-estar de seus habitantes (BRASIL, 1988, p. Art. 182). Para tanto, o município deve lançar mão do plano diretor (obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes), que é, segundo o legislador originário, o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (BRASIL, 1988, p. Art. 182, § 1º). Nesse contexto, tanto à União quanto aos estados, cabe um papel mais integrador dos territórios, sendo a cidade o principal espaço de desenvolvimento urbano, pelo qual a gestão municipal é responsável. Na Constituição Federal são direcionados à união os temas relativos à unidade nacional, visando o equilíbrio das disparidades e disputas regionais. O transporte é visto como essencial para o funcionamento das cidades e, por isso, deve ser, segundo o texto constitucional, gerido localmente, em consonância com as diretrizes nacionais, adequando-o às necessidades e realidades específicas das cidades. Nesse contexto, o papel dos estados não é especificado, sendo as responsabilidades repartidas, inicialmente, entre União e municípios. Para além das competências específicas de cada ente federado, o transporte, embora seja um tema correlato, é tratado de maneira dissociada da Política Urbana. E assim permanece por vários anos.

46 47

Nesse caso, o Estatuto da Cidade regulamenta, especificamente, os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Art. 21, inciso XII, alíneas “d” e “e”

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Em 1997, o Código Brasileiro de Trânsito passou a estabelecer as regras para circulação terrestre, tendo o “trânsito” como conceito central. O conceito se refere à utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga (CBT1997, Art1, § 1º). Aqui o termo “Mobilidade Urbana” também ainda não está presente. O foco do CBT é a definição de normas gerais de circulação e conduta, assim como a estruturação e competência dos órgãos que compõe o Sistema Nacional de Trânsito, ao qual ele institui. Este, é formado por um conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com a finalidade de planejar e gerenciar a circulação de veículos e pessoas por via terrestre, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, além de fiscalizar seu cumprimento; (CBT1997, Art. 5ª e 6º). Embora não seja um documento que defina as diretrizes que a Mobilidade do país deve seguir, tratando apenas das normas e regras para o funcionamento do trânsito, alguns valores do que viria a ser uma Política de Mobilidade já estão embrionariamente inseridos no CBT, como a hierarquia entre veículos (sendo o pedestre a prioridade), a noção de controle social, etc. Contudo, ele não aponta detalhadamente os parâmetros que devem ser adotados por uma Política de Mobilidade. Por outro lado, já é possível perceber uma maior vinculação entre ocupação urbana e necessidades relativas ao trânsito48, que só seriam tratadas com mais atenção no Estatuto da Cidade, em 2001. O Estatuto da Cidade, sancionado em 2001, executa um desdobramento dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tratam especificamente da Política Urbana. Ele estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam “o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (Estatuto da Cidade- Lei Nº 10.257/2001, Art. 1º, parágrafo único). Nele, embora não seja utilizado o termo “Mobilidade Urbana” ainda, o transporte é tratado como parte fundamental do direito a cidades sustentáveis, juntamente com o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer (Estatuto da Cidade- Lei Nº 10.257/2001, Art. 2º). É a primeira vez (em documentos legais) que o termo sustentabilidade aparece qualificando a noção de transporte. Ou seja, aqui ele aponta o caminho que esse assunto deve seguir, isto é, vinculado ao conceito de sustentabilidade.

48

“Nenhum projeto de edificação que possa transformar-se em pólo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de acesso adequadas” (CTB1997, Art. 93).

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No Estatuto da Cidade, assim como na Constituição Federal, cabe à união, entre outras atribuições de interesse da Política Urbana, definir as instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (Art. 3º, inciso IV). Contudo, é no âmbito municipal que o estatuto oferece as principais ferramentas para gestão da Política Urbana, como o estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), o Plano Diretor, instrumentos legais para regulação do processo de uso e ocupação do solo, etc. Embora o Estado lance mão de algumas desses instrumentos, o legislador considerou que cabe ao município o papel de executar a Política Urbana. Mas até aqui ainda não temos definidas quais sãos as diretrizes da Mobilidade Urbana. Em 2004 é lançada a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. Trata-se de um documento técnico-político, sem força de lei, produzido em reuniões nas capitais brasileiras e de debates no Conselho Nacional das Cidades e no Denatran. Nele, o conceito de mobilidade é finalmente é colocado, ao longo do texto, de maneira genérica, quase como sinônimo de circulação de bens e pessoas, apenas. O elemento diferenciador em relação à Mobilidade Urbana nesse documento é sua defesa sobre o foco na articulação e união de políticas de transporte, circulação e acessibilidade com a política de desenvolvimento urbano, tratadas até o momento como políticas distintas e desarticuladas. É, nesse sentido, uma tentativa de estabelecer uma política-síntese, cuja finalidade aponta para a noção de acesso amplo e democrático ao espaço urbano, de forma segura, socialmente inclusiva e sustentável (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Nela, são definidos os princípios norteadores da Política de Mobilidade, partindo do entendimento de que a Política de Mobilidade Urbana tem sido historicamente tratada no Brasil de forma dissociada da Política Urbana, em um processo de expansão de vias para dar conta do acelerado e desordenado processo de urbanização das cidades (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). São estabelecidos, nesse contexto, uma série de princípios e diretrizes que devem nortear a implementação da Política de Mobilidade. Alguns valores podem ser explicitados a partir disso: 

Integração entre Políticas;



Gestão Democrática;



Priorização do transporte público coletivo e não motorizado



Articulação entre entes federados



Gestão da informação e monitoramento da Política



Promoção da integração urbana e territorial



Estabelecimento de uma estrutura intermodal integrada



Utilização racional do transporte individual motorizado

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Melhoria da acessibilidade



Financiamento e acesso a transporte público49 (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Também em 2004 foi lançada Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Ela é

produto das discussões realizadas na 1ª Conferência Nacional de Cidades, realizada no ano anterior (2003). Após um denso diagnóstico sobre a Política Urbana no Brasil, o documento referenda princípios, diretrizes e objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, definidos na Conferência e, nesse escopo, define princípios e diretrizes para promoção da “Mobilidade Urbana Sustentável e cidadania no Trânsito” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Nele, a Mobilidade Urbana defendida é a que tem características sustentáveis (como no Estatuto da Cidade), e que deve, necessariamente, envolver o planejamento integrado de transporte e uso do solo urbano, a atualização da regulação e gestão do transporte coletivo urbano, e a promoção da circulação não motorizada e uso racional do automóvel. Nesse sentido, a Política de Desenvolvimento Urbano tem como objeto o espaço socialmente construído, aprofundando paradigmas já presentes no Estatuto da Cidade e se contrapondo ao modelo tradicional de se gerir a mobilidade urbana. A tese central é a de que vivemos uma crise urbana, que exige uma política nacional orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos dos vários níveis de governo e, também, do poder legislativo, do judiciário, do setor privado e da sociedade civil (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). A Mobilidade deve, conforme o documento, mudar seu foco de um modelo centrado na mobilidade do veículo particular para um modelo centrado na mobilidade das pessoas, articulando gestão do transporte com o controle territorial, visando à redução das deseconomias da circulação e a oferta de transporte público eficiente e de qualidade, o uso equânime do espaço urbano, a melhoria da qualidade de vida, a melhoria da qualidade do ar e a sustentabilidade energética (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). Contudo, a forma de articular esses temas, tradicionalmente tratados de maneira dissociada, ainda era um obstáculo à implementação da Política. Por isso, no ano seguinte (2005), o governo federal lança mais um documento orientador50, fornecendo subsídios para a gestão integrada da mobilidade e da política urbanas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005).

49

Tais valores foram obtidos a partir da sistematização dos princípios e diretrizes presentes no documento em questão. A sistematização completa consta nos anexos. 50 Mobilidade e Política Urbana: subsídios para uma gestão integrada (Documento de Referência) – Vide Bibliografia.

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Este documento define Mobilidade Urbana como “resultado da interação dos fluxos de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, contemplando tanto os fluxos motorizados quanto os não motorizados” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 11). Em outros termos, a Mobilidade Urbana se refere aos deslocamentos efetuados na cidade, podendo ser mais ou menos adequada às necessidades da população. Por esse motivo os últimos documentos tem qualificado a Mobilidade “desejável” como sendo a Mobilidade Urbana Sustentável, isto é, definindo a sustentabilidade como valor central que será defendido na Política Pública de Mobilidade Urbana. Nesse contexto, Mobilidade Urbana é entendida de maneira sistêmica, integrando deslocamentos distintos, em um espaço urbano compartilhado, de responsabilidades multi-setoriais, e que mantém fortes relações com outros sistemas e políticas urbanas. O esforço central do documento é delinear as interfaces entres a política de Mobilidade e as políticas correlatas (habitação, saneamento, desenvolvimento urbano, etc.), propondo uma maior integração setorial e entre esferas governamentais, para promoção de uma melhor Mobilidade Urbana. A própria produção do documento aponta para a ausência dessa articulação como um obstáculo à consecução da Política de Mobilidade Urbana, dentre outros aspectos. O contexto em que o documento é escrito é caracterizado, portanto, como desigual e insustentável, por causa (...) (I) da motorização crescente, (II) do declínio do transporte público, (III) dos altos custos sociais dos congestionamentos, da poluição atmosférica, dos acidentes no trânsito e do consumo de fontes não renováveis de energia, (IV) do agravamento da exclusão social, (V) da carência de recursos humanos capacitados nos órgãos de gestão da mobilidade, (VI) da baixa integração setorial, modal e territorial, (VII) do transporte público ineficiente, caro e inadequado, (VIII) a indefinição de competências em alguns setores – o que favorece a informalidade e dificulta o investimento público e privado – e (IX) da ausência de fontes e instrumentos alternativos de financiamento (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 8).

Dentre os aspectos listados no documento, fizemos um esforço de diferenciar entre causas possíveis apontadas e efeitos relacionados, conforme a figura a seguir.

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- Carência de recursos humanos capacitados nos órgãos de gestão da mobilidade - Baixa integração setorial, modal e territorial - Indefinição de competências em alguns setores - Ausência de fontes e instrumentos alternativos de financiamento

Efeitos

Causas

Figura 2 - Causas e efeitos da iniquidade e insustentabilidade da Mobilidade Urbana, segundo Ministério das Cidades.

- Motorização crescente - Agravamento da exclusão social - Altos custos sociais dos congestionamentos, da poluição atmosférica, dos acidentes no trânsito e do consumo de fontes não-renováveis de energia - Declínio do transporte público - Transporte público ineficiente, caro e inadequado

Fonte: Adaptado de Ministério das Cidades (2005).

É possível perceber que, dentre as possíveis causas evidenciadas, todas são de caráter institucional, compreendendo desde a ausência de recursos, fragilidades na integração entre setores, indefinição de competências e falta de mecanismos de financiamento. Em outras palavras, além da necessidade de mudança de foco que os documentos federais vêm apontando ao longo dos anos, percebe-se que fragilidades institucionais também são consideradas obstáculos ao processo de implementação da política de mobilidade. Em 2007, o Ministério das cidades lança o “PlanMob - Caderno de Referência para Elaboração de Planos de Mobilidade”. Trata-se de um documento orientador para construção de planos de mobilidades, com foco sobretudo na gestão local. Nele, o argumento simplesmente econômico acerca da mobilidade é, em grande medida, recusado, colocando a mobilidade urbana como um caminho para se alcançar cidades sustentáveis e com qualidade de vida, com uma apropriação equitativa do espaço público. O documento é explicito ao argumentar que a situação da mobilidade nas cidades “tem raízes em fatores sociais, políticos e econômicos, mas, fundamentalmente, é produto de decisões passadas nas políticas urbanas”. Segundo ele, Nossas cidades foram, ao longo de décadas, construídas, reformadas e adaptadas para um modelo de circulação, hoje percebido como insustentável, fundado no transporte motorizado, rodoviário e individual: o automóvel. (...) À falta de uma infraestrutura urbana adequada, deve ser acrescida a frágil atuação dos poderes públicos na gestão dos serviços de transporte coletivo urbano. Em muitos casos, a subordinação aos interesses econômicos privados dos operadores, e não ao interesse público, impediu um planejamento adequado das redes de transporte coletivo, já prejudicadas pela falta de prioridade no uso do sistema viário, moldando-a de forma insuficiente, desarticulada, inadequada aos desejos e necessidades da população e

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ineficiente operacional e economicamente (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 40)51.

O diagnóstico presente no documento aponta para aspectos institucionais relevantes, sugerindo uma incapacidade da gestão pública em dar respostas adequadas ao problema da mobilidade urbana, por um lado, e, por outro, indicando também a existência de um processo desarticulado, no qual o interesse público é colocado de lado, em detrimento dos interesses de indivíduos específicos. Em outras palavras, o diagnostico aponta para uma forte influência econômica na implementação da política, na qual alguns atores foram mais capazes de influenciá-la. A própria “falta de prioridade política para o transporte público” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 54) aponta para a subordinação da política aos interesses dos indivíduos localizados em posições de poder favoráveis. E posições de poder confortáveis geram uma noção de status quo que os interessa. Por isso, esses serviços são comumente administrados pelo poder público, dentro das estruturas administrativas, de forma estanque (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 40). Em grande medida, esse cenário está relacionado à forma como é definido o conceito de mobilidade no documento. Segundo ele, a mobilidade é (...) um atributo associado às pessoas e aos bens; corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento, consideradas as dimensões do espaço urbano e a (...) complexidade das atividades nele desenvolvidas”, ou, mais especificamente: “a mobilidade urbana é um atributo das cidades e se refere à facilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano. Tais deslocamentos são feitos através de veículos, vias e toda a infraestrutura (vias, calçadas, etc.) (...). É o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade52. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 41)

Nesse sentido, a própria mobilidade urbana é, por um lado, o resultado da interação entre os indivíduos ao utilizarem o espaço público, assim como, por outro, é produto das respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento. E, nesse contexto, cabe ao poder público intervir nos conflitos entre os diversos agentes. O Ministério das Cidades, nesse contexto, relaciona esse conflito à ausência de uma gestão metropolitana integrada, conforme texto a seguir: No que diz respeito à organização do transporte público urbano nessas regiões, existem obstáculos à organização de uma gestão metropolitana que integre, de forma racional, os municípios conurbados. Existem conflitos de competência no exercício da 51 52

Grifos do autor. Ibdem.

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coordenação sobre os modos ferroviários de transporte metropolitano que ainda permanecem sob a tutela federal (trens metropolitanos de Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte e demais trens de subúrbio das capitais) ou estadual (metrôs de São Paulo e Rio). Constatam-se, também, conflitos de competência no exercício da coordenação e integração dos deslocamentos entre municípios vizinhos das regiões metropolitanas, pois sendo de competência municipal a estruturação e coordenação dos serviços locais de transporte urbano, esta só poderia ser exercida na dimensão metropolitana, com o compartilhamento da gestão entre esses municípios e o estado. Existem fragilidades da organização metropolitana, que passou a se constituir em uma quarta instância de poder sem, entretanto dispor de recursos financeiros próprios nem de autonomia administrativa, porém com forte polarização ou concentração de poder político das capitais além do acirramento de conflitos de interesse pela gestão de recursos financeiros (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p. 5).

Em 2012, por fim, é sancionada a lei Nº 12.587/2012, a chamada Lei de Mobilidade Urbana. O Projeto de Lei que a originou53 resulta da sistematização de quatro proposições que tramitavam na Câmara dos Deputados: o próprio Projeto de Lei (PL) nº 694, de 1995, que “institui as Diretrizes Nacionais do Transporte Coletivo Urbano e dá outras providências”; o PL nº 1.974, de 1996, que “dispõe sobre a prestação de serviços de transporte rodoviário coletivo de passageiros sob o regime de concessão ou permissão, e dá outras providências”; o PL nº 2.234, de 1999, que “dispõe sobre sistema integrado de transporte coletivo urbano”; e o mais recente, o PL nº 1.687, de 2007, de iniciativa do Poder Executivo, que “institui as diretrizes da política de mobilidade urbana e dá outras providências”. Ela, em certa medida, positiva os valores e conceitos defendidos pelo governo federal na década anterior, como sugere a própria sequência de proposições que ele sistematiza. Seu foco é principalmente a definição de papéis, regras de funcionamento, princípios e diretrizes para o funcionamento do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. Além disso, define os objetivos, princípios e diretrizes que devem ser executados na Política de Mobilidade Urbana. A seguir, fiz uma recategorização deles para entender melhor o conteúdo estabelecido. Quadro 6 - Recategorização dos objetivos, princípios e diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. OBJETIVOS PRINCÍPIOS DIRETRIZES I - reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;

II - promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;

III - equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; VIII - equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e VI segurança nos deslocamentos das pessoas;

53

VI - priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; e

O Projeto de Lei nº 166, de 2010 (no Senado federal), proveniente do Projeto de Lei nº 694, de 1995, na Câmara dos Deputados.

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IX - eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana. III - proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; IV - promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e

VII - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; I - acessibilidade universal; IV - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano;

II desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais;

V - consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana. Fonte: Elaboração própria.

V - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana;

VII - integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional. -

I - integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos; II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano; IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade; V - incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes; -

No documento, a mudança de foco da política é reiterada, sendo a mobilidade urbana uma forma de alcançar melhor qualidade de vida nas cidades, reduzindo desigualdades, promovendo acesso ao espaço público, atendendo a critérios de acessibilidade, promovendo um desenvolvimento sustentável, gerida de maneira democrática e com participação social institucionalizada. A mobilidade desejável aqui, como nos demais documentos lançados após o Estatuto da Cidade, é qualificada como sustentável, sendo o eixo que teve mais desdobramentos em termos de princípios e diretrizes. O instrumento principal para implementação desses objetivos é o Plano de Mobilidade Urbana. Sua execução cabe, segundo o documento legal, principalmente ao município, devendo ser integrado ao plano diretor da cidade. Para os deslocamentos intermunicipais, o estado tem

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preferência, devendo, sempre que possível, buscar-se arranjos institucionais mais adequados, como os consórcios públicos. Dessa maneira, a legislação indica aos municípios a necessidade de construir planos de mobilidade54, atendendo a esses critérios, redirecionando seus esforços, sob pena de ter o acesso a financiamentos restringido. No caso de Recife, assim como em várias outras cidades do país, a política de mobilidade vem sendo exercida anteriormente a essa regulamentação federal. E mesmo antes dela foram lançados alguns planos de mobilidade, mas que tiveram dificuldade de serem implementados. A seguir, analisaremos o cenário local para entendermos melhor esse processo.

5.3.2.

Âmbito Local

No âmbito local, a primeira tentativa para melhorar a mobilidade na Região Metropolitana do Recife foi uma pesquisa de origem/destino realizada pela SUDENE na década de 1970 (PASSOS, 2011). A primeira definição legal relativa à Mobilidade Urbana na cidade foi o Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Recife (1982), conforme quadro a seguir. Esse é um documento de difícil acesso, mas que constitui o marco regulatório do Desenvolvimento Urbano do Recife, com regras para uso e ocupação do solo, e diretrizes para a Política Municipal de Mobilidade urbana. Foi concebido em um esforço da FIDEM em exercer um planejamento e uma gestão metropolitana, “controlada a partir de um único centro de planejamento – a própria FIDEM -, sendo os municípios entidades administrativas e não gestoras. Assim, a expansão espacial assumiria formas de um processo unificado – uma cidaderegião – onde as diferenças municipais tenderiam a desaparecer” (ZANCHETI e LACERDA, 1999, p. 387).

Quadro 7 - Marcos Legais do Recife relacionadas à Mobilidade Urbana

ANO DOCUMENTO DESCRIÇÃO 1982 Plano Diretor de Transporte Urbano Constitui o marco regulatório do desenvolvimento da Região Metropolitana urbano do Recife, com regras para uso e ocupação do solo, e diretrizes para a Política Municipal de Mobilidade urbana. 1990 Lei orgânica do município do Recife Define as competências do município, a organização (1990) dos poderes municipais, aspectos da política urbana, de habitação, saneamento, meio ambiente, etc. 54

Obrigatórios para municípios acima de 20 mil habitantes (BRASIL, 2012).

90

1991

1996 2005 2005

2007

2007

2007

2008 2011

2012

Plano Diretor de Transporte Urbano Estabelece as diretrizes gerais em matéria de política da Região Metropolitana (Lei Nº urbana, institui o plano diretor de desenvolvimento da 15547/1991) cidade do Recife, cria o sistema de planejamento e de informações da cidade. LEI N° 16.176/1996 Estabelece a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife. Regulamento dos Transportes Define os meios e/ou mecanismos para a promoção da Públicos de Passageiros da Região gestão associada do STPP/RMR Metropolitana do Recife RTPP/RMR Plano de Mobilidade Responsável Projeto elaborado pela CTTU e lança pelo prefeito do Recife com o objetivo de reduzir o impacto ambiental e social na mobilidade urbana, causado pelo uso excessivo de automóveis (JC ON LINE, 2005). (Documento indisponível.) Lei Nº 17360/2007(Recife) Autoriza a criação do Consórcio Público denominado Consórcio de Transportes da Região Metropolitana do Recife - CTM e Ratifica o protocolo de intenções celebrado entre o estado de Pernambuco e o município de Recife LEI Nº 13.235/2007 (Pernambuco) - Ratifica o Protocolo de Intenções celebrado entre o Estado de Pernambuco e os Municípios do Recife e de Olinda, visando à criação do consórcio público denominado Consórcio de Transportes da Região Metropolitana do Recife - CT M. Lei Nº 5553/2007 (Olinda) Autoriza a criação do Consórcio Público de Transportes da Região Metropolitana do Recife, ratifica o Protocolo de Intenções celebrado entre o Estado de Pernambuco e os municípios de Olinda e Recife. Plano Diretor de Transporte Urbano Promove a revisão do Plano Diretor do Município do da Região Metropolitana (Lei Nº Recife 17511/2008) Plano Diretor de Transporte e Visa regulamentar a Política de Municipal de Mobilidade Urbana (projeto de lei) Mobilidade Urbana, definindo ações prioritárias nessa área na cidade. Ainda não foi aprovado pela Câmara dos Vereadores. LEI Nº 17.694/2011 Dispõe sobre a criação do sistema cicloviário no município do Recife LEI Nº 14.762, DE 31 DE AGOSTO Institui a Política Estadual de Mobilidade por Bicicletas, DE 2012. no âmbito do Estado de Pernambuco, e dá outras providências. Projeto de Lei do Executivo Institui o Plano municipal de transporte e mobilidade. Nº012/2011

Fonte: Elaboração Própria.

O plano previa cinco milhões de pessoas na RMR em 2000, o que não se confirmou. Além disso, estava prevista a conclusão da 2ª e 3ª perimetrais (não foram concluídas), a instalação de um corredor de ônibus na 4ª perimetral (BR 101), que não ocorreu, a proposta de um corredor exclusivo na PE 15 (que opera parcialmente atualmente), a criação do Anel Norte (Presidente Kennedy até a BR 408), que não foi realizado, a implantação do Metrô até Jaboatão

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(realizada em 1986/87), a expansão da linha até Camaragibe (finalizada em 2002), e a expansão da Linha Sul do Metrô (concluída em 2009 sem os terminais integrados) (PASSOS, 2011). Em outros termos, boa parte das ações previstas já em 1982 não foram implementadas. Sobre o assunto, em uma das observações realizadas, um gestor municipal se referiu à forma como os Planos Diretores vem sendo tratados historicamente: (...) se você olha a nossa tradição de fazer plano diretor e lei de uso do solo, você, assim que faz a lei de uso do solo, você engaveta o plano diretor. (Milton Botler, durante Seminário a “Cidade e a Mobilidade”, realizado no Teatro Apolo nos dias 21 e 22/junho de 2012).

Assim, aparentemente, o Plano Diretor de 1982 foi “engavetado”, mesmo apontando soluções que fariam parte do horizonte do planejamento urbano do Recife nas próximas décadas. Em 1982, foram implantados dois corredores de transporte exclusivo de ônibus (Av. Sul, Av.Caxangá, Av. Cruz Cabugá.), foi iniciada a construção da PE-15, e Constituição do Consórcio METROREC. Isso aponta para a presença, já naquela época, de conceitos que vem sendo defendidos atualmente como a solução para a mobilidade urbana nas cidades: priorização do transporte coletivo. É provável que o transporte individual, sobretudo o motorizado, não tivesse sido uma alternativa viável economicamente para a população na época (década de 1980). Além disso, os estados e municípios contavam com a atuação especializada do Geipot para orientação da política de transporte. De qualquer maneira, a questão relevante aqui é que esses conceitos só foram retomados localmente muitos anos depois, como veremos a seguir. No início da década de 1990 é sancionada a Lei Orgânica do Município de Recife que, dentre outras coisas, define as competências do município, a organização dos poderes municipais, aspectos da política urbana, de habitação, saneamento, meio ambiente, etc. Nela já é prevista a possibilidade de se realizar articulações institucionais com os demais entes federados para provimentos de serviços, entre eles, transporte. Certamente resquícios de uma gestão mais metropolitana em um passado recente. O termo mobilidade só aparece no documento em referência a “pessoas com mobilidade reduzida”, ou seja, referindo-se a dificuldades de algumas pessoas em se deslocar, mas não tratando do assunto (mobilidade urbana) como uma prioridade para a Política. Existe, contudo, um capítulo sobre a política do transporte e sistema viário. Nesse capítulo é colocada a responsabilidade do município em relação ao transporte. Tem-se um foco grande no transporte público, e apresenta como prioridade a circulação de pedestres e de coletivos urbanos. Para tanto, o município se responsabiliza legalmente pela compatibilização do serviço de transporte

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com o uso do solo, promoção da integração física, operacional e tarifária entre as diversas modalidades de transportes, em consonância com as diretrizes do sistema de gestão do transporte público de passageiros da Região Metropolitana (RECIFE, 1990). Porém, a noção de Mobilidade Urbana ainda não está claramente definida no documento. Os aspectos relativos a seu desenvolvimento são parcialmente tratados na dimensão operacional do serviço público, embora com alguns valores definidos. O modelo de gestão das políticas públicas até meados da década de 1980 tinha seu processo decisório e administrativo concentrado, em grande medida, no âmbito federal. Isso implicava em uma reduzida responsabilidade local em relação às políticas públicas (ZANCHETI e LACERDA, 1999). Zancheti e Lacerda (1999) discorrem sobre isso: O governo central em face da crise fiscal, se desresponsabiliza de determinadas políticas públicas. Consequentemente, gera novas formas de relação entre o Estado e a sociedade civil ao transferi-las da instância nacional para as subnacionais, como também do setor público para o privado, criando condições para atuações atomizadas do capital no território nacional. Os processos de descentralização e desestatização ou privatização passam, então, a ocupar lugar privilegiado nos instrumentos norteadores de políticas públicas, entre elas aquelas relativas às infraestruturas urbanas (ZANCHETI e LACERDA, 1999, p. 403).

Nesse contexto, o governo federal transfere a responsabilidade com a consecução das políticas públicas para instâncias subnacionais, em particular para os municípios. E esse processo de descentralização político-administrativa começou a mostrar sinais de institucionalização na Constituição Federal de 1988 (ZANCHETI e LACERDA, 1999). Como o Plano Diretor de 1982 foi um documento gerado pela FIDEM, antes mesmo da Constituição de 1988, não gerou obrigatoriedade efetiva nos municípios, e a Lei Orgânica do Município (1990) abordava questões já em consonância com a nova constituição, surge a necessidade de um novo Plano Diretor para a cidade. Em 1991 é lançado pela prefeitura do Recife o Plano Diretor de Desenvolvimento da Cidade do Recife. O Plano Diretor de 1991 tem como objetivo principal estabelecer as diretrizes municipais em termos de política urbana. É evidente seu foco no desenvolvimento econômico e uma perspectiva de desenvolvimento social alcançada através do fluxo de investimentos e recursos movimentados localmente. O princípio central é o de que a cidade do Recife deveria participar do desenvolvimento nacional (Art. 2º, inciso IV), promovendo a integração no contexto metropolitano (Art. 2º, inciso III), alcançando o bem-estar e a melhora da qualidade de vida dos citadinos (Art. 2º, inciso II), através do pleno desenvolvimento das funções socioeconômicas da cidade (Art. 2º, inciso I). O ambiente natural é visto no texto legal como o

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suporte para o processo de desenvolvimento da cidade (Art. 8º, inciso I), o qual deve fundar-se em um processo de geração de riqueza e de distribuição dos seus benefícios, visando o bemestar de toda a sociedade (Art. 8º, inciso III). Os serviços públicos são referidos no documento como “negócios de interesse público” (Art. 8º, inciso VI), e devem privilegiar os investimentos geradores de bem-estar coletivo (Art. 8º, inciso IX) (RECIFE, 1991). O transporte é, nesse contexto, um dos “negócios públicos”, cuja função é possibilitar “o acesso dos indivíduos ao processo produtivo, aos serviços, aos bens e ao lazer” (RECIFE, 1991, p. Art. 51, caput). Dessa maneira, o princípio norteador da Política Urbana do Recife durante toda década de 1990 foi de um viés econômico, sobre o qual estariam firmados o desenvolvimento local e as políticas sociais decorrentes. Em 2005 a prefeitura lançou também um Programa de mobilidade Responsável, o qual não se tem registro de execução, detalhamento ou orçamento. Mas já aponta para o interesse do Executivo Municipal de modificar a concepção acerca da Mobilidade Urbana. Em 2008, a prefeitura do Recife deflagra um processo de Revisão desse plano, tendo como justificativa a necessidade de atualização diante da dinâmica urbanística da cidade, do tempo decorrido entre o que se planejou e o que foi efetivamente realizado, e as novas diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, em 2001. A Mobilidade Urbana é definida explicitamente no documento como a função pública destinada a garantir a circulação das pessoas e bens no espaço urbano, utilizando para isto veículos, vias e toda a infraestrutura urbana de maneira efetiva, mas caracterizada por ser socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável (RECIFE, 2008). A Política de Mobilidade Urbana é definida no documento como um instrumento da Política de Desenvolvimento Urbano, e tem como objeto a interação dos deslocamentos de pessoas e bens com a cidade (RECIFE, 2008), objetivando “contribuir para o acesso amplo e democrático à cidade, por meio do planejamento e organização do Sistema de Mobilidade Urbana e a regulação dos serviços de transportes urbanos” (RECIFE, 2008). O Sistema de Mobilidade Urbana é definido nesta Lei como o conjunto estruturado e coordenado de meios e serviços de transporte urbano e infraestruturas de mobilidade urbana, os quais estão sobre responsabilidade do Poder Executivo municipal. Ele envolve, em resumo, as vias e o mobiliário urbano necessários para circulação de bens e pessoas, e o sistema de transporte urbano. E a gestão desse Sistema deve ser orientada, nesse contexto, pela garantia dos direitos fundamentais das pessoas, inclusão social, desenvolvimento sustentável da cidade, segurança e ao bem-estar da população, equidade no acesso e utilização dos bens e serviços públicos, respeito às diferenças (RECIFE, 2008). Nesse sentido, o foco da Política de Mobilidade Urbana é modificado completamente, atendendo, em grande medida, as

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delimitações conceituais do Estatuto da Cidade, mas também pelos documentos lançados pelo governo federal entre 2004 e 2007. Tal conformidade pode ser percebida nesse trecho: (...) o sistema de mobilidade urbana pode ser considerado como um conjunto estruturado de modos, redes e infraestruturas que garante o deslocamento das pessoas na cidade e que mantém fortes interações com as demais políticas urbanas. (...) A mobilidade urbana, dessa maneira, pode ser entendida como resultado da interação dos fluxos de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, contemplando tanto os fluxos motorizados quanto os não motorizados. (...) Há que considerar ainda a necessidade de trabalhar as diferenças entre o que é socialmente desejável (mobilidade para todos) e as aspirações individuais. Ainda que individualmente desejável, não é socialmente viável nem ambientalmente sustentável resolver as questões de mobilidade pelo transporte individual, como é fartamente ilustrado pelos congestionamentos nas grandes cidades. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005, p. 10-11)

Em outras palavras, os discursos técnico-políticos definidos em âmbito nacional influenciaram diretamente a definição local do que deveria ser a Política de Mobilidade Urbana do Recife. Em termos institucionais, até 2008 o transporte coletivo seguiu sendo gerido pela Empresa Metropolitana de Transporte Urbano, ligada ao governo do estado, e as políticas relativas à mobilidade sendo desenvolvidas separadamente por cada órgão responsável, tanto no nível estadual quanto no nível municipal. Em 2008, lançado o Consórcio de Transportes Grande Recife, que tenta articular estado e municípios da Região Metropolitana para gestão compartilhada do transporte municipal. Embora tenha inovado no arranjo institucional, o Consórcio teve dificuldades de articular municípios partícipes, fazendo parte atualmente apenas dois municípios da Região Metropolitana (que compreende 14 municípios): Recife e Olinda. De qualquer maneira, configura-se como um espaço colegiado de definição das ações relativas a transporte público na região. Discutiremos um pouco mais sobre seu papel na sessão seguinte. No que nos interessa aqui, cabe apenas destacar que, embora em um contexto institucional articulado, a política de mobilidade continuou, porém, sendo gerida de maneira desarticulada entre os níveis institucionais. Em fevereiro de 2012 a prefeitura do Recife lançou um Plano de Mobilidade. Acompanhado de várias críticas, o plano foi encaminhado no formato de Projeto de Lei (Nº012/2012) para a Câmara de Vereadores do Recife. Entre julho de 2011 e junho de 2013, o projeto passou por várias comissões dentro da casa, chegando a ser discutido em plenário apenas uma vez. Recebeu também uma séria de emendas, quase todas detalhando questões já explicitadas na proposta inicial55. Por fim, foi retirado para análise da Câmara de Vereadores 55

Texto integral, trâmite e adendos disponíveis em:

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pelo sucessor do prefeito anterior. Em outras palavras, a capacidade da prefeitura de definir a política esteve, em grande medida, subordinada a legitimação do poder Legislativo, como é previsto no modelo democrático. Entre 2011 e 2012 a prefeitura do Recife articulou dois Seminários56 sobre Mobilidade Urbana como forma de discutir os temas estruturadores da política. Em ambos, experiências internacionais foram discutidas e comparadas ao cenário local, com a presença de políticos e agentes do poder público, profissionais, consultores e pesquisadores. No segundo deles, o objetivo era estabelecer os argumentos básicos para a construção de um Pacto da Mobilidade para o Recife. Ele aconteceu alguns meses após o lançamento do Plano de Mobilidade, pela prefeitura, e após várias polêmicas em torno do projeto de lei apresentado pelo Executivo à Câmara dos Vereadores. Segundo os gestores, era necessário pactuar as ações de Mobilidade com os cidadãos e os demais setores envolvidos com o tema, caso contrário o Plano de Mobilidade Urbana, lançado anteriormente, não “sairia do papel”. Alguns argumentos centrais podem ser destacados desse momento. Em primeiro lugar, as dificuldades em torno da mobilidade urbana seriam consequências da falta de planejamento urbano, não falta de planejamento da mobilidade, especificamente. Dessa forma, o plano de mobilidade não pode ser isolado do urbanismo, devendo olhar a mobilidade de maneira integrada ao planejamento urbano da cidade, considerando o contexto metropolitano, regulando a utilização do solo, e com perspectiva de longo prazo. É necessário, portanto, ter um conhecimento preliminar e profundo sobre a realidade e a dinâmica dos deslocamentos que acontecem na cidade (perfil das pessoas, das motivações, horários, origem-destino, etc.). Um dos aspectos mais importantes apontados na ocasião foi a necessidade de se pactuar as ações. Construir um pacto de mobilidade envolve repartir o passeio público e dividir as responsabilidades entre os órgãos envolvidos. Além disso, o foco da política de mobilidade deveria ser o transporte público, por meio de transportes sustentáveis, mas motivada pela existência de pontos positivos e não por falta de alternativas. Deveria se alterar o foco dos veículos para as pessoas, promovendo a inclusão social (política de tarifa, terminais e infraestrutura acessível), com participação e controle social. O esforço do executivo foi, em outros termos, definir aspectos simbólicos e normativos da política. Mas percebeu que tal definição implica em um processo social muito mais

http://sapl.recife.pe.leg.br/consultas/materia/materia_mostrar_proc?cod_materia=24519 56 Seminário Mobilidade e Sustentabilidade, realizado no auditório do Porto Digital, em Recife, nos dias 25, 26 e 27 de abril de 201; e Seminário Cidade e Mobilidade, realizado no Teatro Apolo, em Recife, nos dias 21 e 22 de junho de 2012.

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negociado. Por isso, a proposta de um Pacto, que ampliasse a legitimidade e representatividade da proposta. O caso do governo do estado de Pernambuco é relevante, nesse contexto. Em resposta a Pedido de Acesso a Informação57 realizado para fins dessa análise, recebemos o seguinte texto: (...) todos os projetos de mobilidade urbana do Governo de Pernambuco estão inseridos no Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU). Por isso, para passar uma linguagem única para a população, a Secretaria das Cidades nomeou de Programa Estadual de Mobilidade Urbana (PROMOB), o conjunto de ações gerenciadas pelo Estado para melhorar a mobilidade urbana da RMR. O velho institucionalismo, por exemplo, argumenta que as instituições concedem à política legitimidade, passando a serem consideradas obrigações legais. Ora, isso não ocorreu com os documentos orientadores lançados pelo governo feral, tampouco foi possível com o lançamento do plano de mobilidade da cidade do Recife. Foram necessárias outras estratégias de enforcement (ou sanções, como prevê Giddens) para a política atender as delimitações propostas. Desse sentido, o velho institucionalismo não foi suficiente para explicar esse processo. Nesse contexto, foram apontados alguns desafios alcançar a para a Mobilidade Urbana desejável: a) Foi colocado que seria necessário fazer valer a integração dos municípios no sistema integrado de transporte, incorporando mais cidades; b) Apontou-se também que seria necessária a consolidação dos Arranjos institucionais existentes; Existe uma conjuntura institucional específica, baseado na lei de Consórcios, mas que tem encontrado dificuldade de atuação e de integração com outros municípios; Dificuldade de estabelecer uma Política de Mobilidade concertada; Além disso, a discussão de Mobilidade não funcionaria mais na escala municipal, devendo ser pensada de maneira metropolitana; c) A existência de políticos despreparados para lidar com a complexidade da cidade, onde a cultura de planejamento é geralmente relegada a segundo plano; d) Considera-se também que o histórico de mobilidade no Brasil esteve inserido em uma cultura rodoviária. A formação da cidade se deu em função do automóvel. A maioria dos projetos que visam dar eficiência ao transporte público de passageiros

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Pedido de Acesso à Informação nº 201346118. Solicitação enviada em 12 de junho de 2013, e respondida em 09 de julho de 2013.

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são projetos rodoviários, que isolam comunidades e dificultam o acesso ao próprio sistema. É preciso ter cuidado com a própria cultura técnica de planejamento; e) Foi apontada também uma incompatibilidade entre políticas econômicas e de Planejamento Urbano. f) A América Latina tem padrões de ocupação e mobilidades próprios; Trabalhar as especificidades dos problemas brasileiros relacionados à mobilidade e suas causas; g) A dimensão cultural dos cidadãos foi apontada como um obstáculo: fetiche pelo automóvel, noção de status social vinculada à forma de se deslocar, imagem do transporte público como ineficaz, de baixo rendimento, etc.; h) Ficou como dúvida “como desenvolver um diálogo participativo para firmar o pacto com a sociedade recifense? Quais são os canais de participação e as ferramentas de Controle Social”? A dúvida final é sobre os obstáculos de consolidação da proposta. E ficou sem resposta até o fim da gestão municipal que o propôs. Por outro lado, observa-se uma mudança histórica conceitual na definição da política de Mobilidade Urbana, que vem passando do diversos conflitos, e que é influenciado pelo discurso e ação de diversos níveis institucionais. Durante o debate eleitoral de 2011, inclusive, o tema da Mobilidade Urbana foi central. E foi um momento importante para colocação de propostas que defendessem esses conceitos. E isso foi feito por todos os candidatos. Em um debate televisionado sobre Mobilidade Urbana, o Deputado Estadual Silvio Costa Filho, com claras pretensões eleitorais à época, argumentou o seguinte: "Caiu a ficha. Se você pegar os planos de governo que foram apresentados pelos prefeitos no processo eleitoral, a quatro anos atrás, pouco se tinha a respeito da mobilidade urbana. Depois que, de fato, esse problema chegou na classe média, e a classe média está indo nas ruas, está discutindo nas universidades, nas faculdades, a sociedade começou a despertar. (Deputado Estadual Silvio Costa Filho, Programa Ponto Final, em 01 de dezembro de 2011).

De fato, no ciclo eleitoral anterior o tema de maior frequência na disputa foi a segurança pública. E nesse, o da Mobilidade Urbana. Não por acaso. A Mobilidade Urbana só entra em pauta no com maior força em Recife quando a circulação do transporte individual motorizado é comprometida. Isto é, atingiu parcelas específicas da população. Notadamente, as que têm recursos financeiros para possuir ao menos um veículo. Propostas que foram colocadas na década de 1980, são retomadas, como a dos corredores exclusivos de ônibus. Acompanhado disso, tem-se a noção de que o planejamento da década de 1990 foi incapaz de solucionar

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questões que já eram previstas, a forte definição conceitual federal (que passou a ser vinculada a disponibilidade de recursos na década de 2010), e o estrangulamento da circulação da cidade em diversas vias. E, em grande medida, a ineficiência do transporte público é colocada como uma justificativa pela opção do transporte individual. O importante aqui é destacar que o discurso da Mobilidade Urbana se desenvolveu ao longo dos anos (in durré, como diria Giddens), com influência de diversos atores, em vários níveis institucionais. E se consolidou como proposta viável no último debate eleitoral. Como argumenta Giddens, padrões regulares de comportamento (práxis) promulgada por atores ativos que interagem uns com os outros em situações habituais, sob formas reflexivas e conscientes, podem ter capacidade estruturante. Por último, coloco a transcrição da fala do professor César Cavalcanti, que atesta: É muito interessante observar a evolução da postura dos representantes públicos. Nós ultrapassamos uma fase em que as prioridades eram para a movimentação de veículos, e agora a gente observa que a prioridade é para a movimentação de pessoas. E isso tem implicações profundas para as políticas públicas que devem ser implementadas. (...) (Cesar Cavalcanti, Programa Ponto Final, em 01 de dezembro de 2011).

Nesse contexto, fizemos uma breve sistematização dos principais eventos históricos em relação à Política de Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Recife: Quadro 8 - Histórico da Política de Mobilidade Nacional e do Recife. 1965 1979 1980

Criação do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes - GEIPOT58 (Decreto nº 57.003/1965) Criação da EMTU/Recife (Lei Estadual n° 7.832/1979) Reformulação do Sistema de transporte urbano da RMR

1982

Elaboração do Transcol e do PDTU. Construção do Metrô do Recife

1983

Início das obras do Metrô do Recife

1984

Criação da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

58

Inicio da construção da Constituição do Consórcio PE-15; METROREC Implantação de faixas exclusivas na Av. Sul, Av.Caxangá, Av. Cruz Cabugá.

O GEIPOT foi criado pelo Decreto nº 57.003, de 11 de outubro de 1965, na forma de Grupo Executivo para a Integração da Política de Transportes, constituindo-se de representantes de quatro Ministérios, sob a coordenação do então Ministério da Viação e Obras Públicas. Pelo Decreto-Lei nº 516, de 7 de abril de 1969, foi transformado em Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes, vinculando-se ao então recém-criado Ministério dos Transportes. Essa transformação foi mantida pela Lei nº 5.098, de 20 de agosto de 1973, que alterou esse Grupo de Estudos para Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, preservando-se a sigla GEIPOT. A Medida Provisória nº 2.201/2001, convalidada pela Medida Provisória nº 2.217/2001, acrescentou o art. 102-A à Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, dissolvendo o GEIPOT.

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1986 1988

Concepção do SEI Implantação da Câmara de Compensação Tarifária. Promulgação da Constituição de 1988

1989 1990 1991

Criação do Conselho Metropolitano de Transportes Urbanos – CMTU Promulgação da Lei Orgânica do Município do Recife Publicação do Regulamento dos Plano Diretor da Cidade do Recife (Lei Municipal Nº 15.547/91) Transportes Públicos de Passageiros da Região Metropolitana Instituição do Código de Trânsito Brasileiro (Lei Nº 9.503/1997).

1997 2001

2004

Criação do Conselho Nacional de Integração e Políticas de Transporte – CONIT. Extinção do GEIPOT. Criação da ANTT (Lei nº 10.233/2001) Regulamentação do Sistema de Transporte Criação do Ministério das Cidades, 1ª Complementar na cidade do Recife Conferência Nacional das Cidades. Programa Bicicleta Brasil (Nacional)

2005

Programa de Infraestrutura para a Mobilidade Urbana (Pró-Mob) (Federal)

2003

Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)

Plano Municipal de Mobilidade Responsável (Recife) 2006

Programa Brasil Acessível (Federal)

2007

Programa Mobilidade Urbana (Federal)

Criação da Secretaria Estadual das Cidades

Criação da Empresa Pernambucana de transporte Intermunicipal – EPTI (Lei 13.254/2007) 2008

Mudança de EMTU para Grande Recife Consórcio de Transporte – CTM (Lei Estadual 13.461/2008)

2010

Pró-Transporte (Federal)

2011

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC da Copa)

2012

Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012)

Fonte: Elaboração própria.

Revisão do Plano Diretor da Cidade do Recife (Lei Municipal Nº 17511 /2008)

Criação do Conselho Estadual das Cidades do Estado de Pernambuco (Lei nº13.490/2008)

Envio do Projeto de lei Nº 012/2011 a Câmara dos Vereadores pela Prefeitura do Recife: Institui o Plano Municipal de Transporte e Mobilidade. Programa de Aceleração do Crescimento II (PAC 2 - Mobilidade Grandes Cidades)

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6. Considerações finais O objetivo geral dessa investigação foi analisar qual a capacidade dos atores e grupos sociais locais de interferirem na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife. Para responder a esse questionamento, as três etapas apresentadas anteriormente são fundamentais. Primeiro, buscamos identificar os atores relevantes nesse processo para, em seguida, evidenciar os espaços em que atuam e quais as estratégias que desenvolvem nesses espaços. Por último, buscamos evidenciar quais os principais discursos nesse contexto, e como o nível discursivo interfere, em alguma medida, no desenvolvimento dessas estratégias. Cabe, nesse momento, portanto, retomar mais uma vez o conceito de capacidade de agência que temos utilizado, e buscar responder ao problema de pesquisa proposto, isto é, capacidade dos atores e grupos sociais locais de interferirem na implementação da Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife. Em primeiro lugar, Giddens considera os indivíduos como seres cognoscentes e suas ações como declaradamente intencionais (mesmo as omissões ou abstenções). Agência, nos termos de Giddens, não se refere às intenções que as pessoas tem ou não ao fazer determinada coisa, mas à capacidade delas para realizar essas coisas. Capacidade de agência se refere, nesse sentido, a própria possibilidade de agir, de “atuar de outro modo” (GIDDENS, 2003, p. 17), de intervir ou de se abster em relação a determinado processo ou estado específico de coisas. Durante essa ação, os atores sociais executam a todo o momento, portanto, o que ele chama de ‘monitoramento reflexivo da atividade’, avaliando e controlando continuamente o fluxo de suas atividades, e monitorando aspectos sociais e físicos dos contextos em que se movem, além de considerar que o mesmo esteja sendo feito pelos outros indivíduos. Como vimos anteriormente, Giddens coloca três dimensões nas quais a agência humana se estabelece: a comunicação, o exercício do poder, e a sanção. Essas três formas de interação são analiticamente associadas a três dimensões estruturais correspondentes no sistema social – significação, dominação e legitimação (WHITTINGTON, 2010).

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Figura 3 – Dimensões da agência, segundo Giddens.

Comunicação • significação

AGÊNCIA Dominação • exercício do poder

Legitimação • Sanção

Fonte: Elaboração própria a partir de (GIDDENS, 2003)

Assim, no processo de interação social os indivíduos, através da comunicação executam aspectos estruturais relacionados à significação, estando condicionado a seu posicionamento específico nas possibilidades de dominação e, a partir de sanções, legitimando comportamentos desejados (WHITTINGTON, 2010). Ou seja, é no nível do discurso que os indivíduos demonstram seu entendimento da sua própria ação, e é no fluxo da interação social que ele se coloca em relação aos padrões de dominação socialmente estabelecidos, executando sanções para os comportamentos que ele considera desejáveis ou indesejáveis. Nesse sentido, procuramos sistematizar essa sessão a partir dessa categorização, mas seguindo a ordem anterior de apresentação dos dados.

6.1.

Dominação / Exercício do poder

Como argumenta Giddens, o posicionamento institucional específico dos atores condiciona, em certa medida, sua atuação. E é no fluxo da interação social que eles se colocam em relação aos padrões de dominação socialmente estabelecidos. Assim, o Estado, através do Poder Executivo, operacionaliza as Políticas Públicas, exercendo essa atividade através de suas instituições e atores políticos. Contudo, não apenas atores governamentais interferem na

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Política Pública, mas um conjunto diversificado de atores busca influenciar sua implementação. Embora o Poder Executivo tenha o papel de operacionalizar as políticas públicas, ele não o faz isoladamente. Ele interage cotidianamente com os atores no interior do próprio Poder Executivo (nos diversos níveis do pacto federativo), com os atores de outros Poderes, ou com organizações externas ao poder público. A atuação dos atores identificados, nesse contexto, é exercida de maneira distinta, a depender da localização institucional. No âmbito federal do Poder Executivo, os ministérios relacionados com aspectos da Mobilidade Urbana, juntamente com outros órgãos conexos (agências, empresas públicas, instância colegiadas) da administração direta ou indireta, atuam com grande capacidade de agência, relacionada, sobretudo, aos recursos alocativos e de autoridade que a função pública os concede. E a sua localização institucional implica, nesse contexto um papel mais unificador da política em termos nacionais. No âmbito supranacional, estados e municípios repartem responsabilidades e, consequentemente recursos dos dois tipos. O nível estadual, ao exercer controle sobre a integração de regiões do seu território (sobretudo a região metropolitana), apresenta uma capacidade significativamente maior que os municípios. Mesmo no caso específico do Recife, que conta com um Consórcio para gestão do transporte de passageiros em sua Região Metropolitana (o que, em tese, repartiria o poder com os municípios partícipes), continua com grande domínio sobre a agenda local (prescindindo, inclusive, da participação de alguns municípios). Isso se dá tanto pela sua localização no pacto federativo, mas também pela configuração dos acordos locais. É o caso do referido Consórcio, que se encontra no interior da Secretaria Estadual da Cidade, assim como pela própria capacidade administrativa dessa Secretaria em relação à Política de Mobilidade Urbana. No âmbito municipal do Poder Executivo, a prefeitura possui papel central na definição da política, operacionalizando-a, sobretudo, através da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), mas necessitando executar parcerias com órgãos estaduais (BPTran e Detran, por exemplo) para ampliar sua capacidade de agência. Durante os últimos cinco anos, o Instituto da Cidade também atuou em relação da Política de Mobilidade Urbana, buscando desenhar ações estratégicas no âmbito da prefeitura. A intenção implícita era dotar a prefeitura de legitimidade técnica para propor mudanças, chegando a lançar, inclusive, um Plano de Mobilidade. Mas o Plano a continuidade de sua implementação cessada no Poder Legislativo municipal. Em outras palavras, o nível municipal do executivo demonstrou reduzida capacidade de agência em relação à própria política pública que buscou implementar.

103

O Poder Legislativo, nesse contexto tem exercido, como era de se esperar, o controle das definições do Executivo. Embora não seja constitucionalmente competente para implementar a política, exerceu forte protagonismo através de audiências públicas sobre o tema, além da realização de seminários e de posicionamento político na mídia. Os grupos externos a esfera governamental, nesse contexto, também tiveram atuação significativa em torno da Política de Mobilidade Urbana, alguns de maneira mais direta que outros. A Sociedade Civil, de maneira geral, contou com a atuação mais sistemática de entidades (que muitas vezes partem da atuação mais organizada de grupos de interessados – como os ciclistas, por exemplo) e organizações sociais. Além disso, foi possível observar o reposicionamento político de algumas organizações e movimentos sociais que discutiam historicamente temas conexos (habitação, reforma urbana, moradia, etc.), e incorporaram a discussão sobre Mobilidade Urbana à sua pauta mais ampla. Observou-se também a mobilização pontual de pessoas em torno de questões específicas (existência de buracos, mudanças no trânsito, etc.), mas sem continuidade da atuação. As empresas relacionadas em alguma medida com o tema também atuaram diretamente no processo de implementação da Política de Mobilidade. Dentre eles, os Sindicatos Patronais de empresas de transporte (URBANA-PE), e suas empresas, isoladamente, além da atuação mais atomizada dos empresários do setor imobiliário. Outros grupos se destacam pela sua atuação mais nacional, como a cadeia produtiva de derivados do petróleo (posto de gasolina, empresas de pavimentação asfáltica, indústria de pneus, etc.) e a indústria automobilística (montadoras, redes de serviços e fornecedores de peças relacionadas ao setor, etc.). Assim, esses atores, no fluxo da interação social, procuram se colocar em relação aos padrões de dominação socialmente estabelecidos, construindo novas configurações institucionais, acionando recursos alocativos e de autoridade e, sobretudo, exercendo poder. Passemos agora para a dimensão da Sansão / Legitimação.

6.2.

Sanção / Legitimação

Como dissemos há pouco, é a partir de sanções que os atores procuram legitimar os comportamentos que eles consideram desejáveis ou indesejáveis. Os espaços de negociação identificados são, nesse sentido, o lócus onde esse processo ocorre e onde as principais estratégias são realizadas. Eles representam configurações institucionais que podem ser acessadas (ou não) pelos indivíduos, e onde a interação social ocorre, com níveis diferenciados

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de institucionalização. Neles, os indivíduos, a partir dos recursos alocativos e/ou de autoridade que disponham, podem interferir, em medidas distintas, no processo de implementação da Política Pública. Em alguns desses espaços a participação multissetorial é institucionalizada, isto é, a capacidade de alguns indivíduos é antecipadamente prevista, embora o desempenho específico de cada ator seja variável. Embora funcionem, em grande medida, como espaços legitimadores de decisões políticas específicas, com possibilidade restrita de definir aspectos mais amplos da política, a capacidade de agência dos atores, mesmo que reduzida, é claramente estabelecida. Enquanto espaço de implementação da política, ainda que possuam legitimidade institucional, suas definições geralmente não possuem força vinculativa, muitas vezes não sendo implementadas, o que aponta para uma reduzida capacidade de agência. Por outro lado, nos espaços em que não há previsão de participação multissetorial a capacidade de agência é geralmente concentrada nos agentes governamentais, sendo espaços privilegiados de implementação da política. Os demais espaços identificados funcionam no sentido de capacitar atores para interlocução em espaços de acesso mais restrito, conferindo maior legitimidade (recurso de autoridade) para atuação em outras instâncias. Isto é, ampliando a capacidade dos atores de intervir sobre a Política Pública. Isso ocorre, portanto, através processo de pressão social coletiva (manifestações e protestos), da formação de conceitos e capacitação de atores para interlocução no espaço público (espaços de discussão), do posicionamento político midiático para demarcação conceitual, formação e acúmulo de conteúdo, etc. Algumas estratégias são, nesse contexto, engendradas pelos atores no sentido de buscar legitimar os comportamentos que eles consideram desejáveis ou indesejáveis. Conforme expomos anteriormente, a ação mútua dos atores, ou mesmo a própria expectativa de ação é considerada durante a interação. A expectativa de reação popular (nos espaços identificados ou nas urnas) em relação a implementação da Política Pública, é um dos casos identificados. Outras possibilidades envolvem a troca ou a cooperação (como na doação de campanha onde a busca por legitimidade para exercer um cargo eletivo pode ser influenciada por atores que possuem recursos alocativos), a construção de alianças políticas, o direcionamento de recursos alocativos à própria política (como no financiamento do projeto do Corredor Norte/Sul), a invocação da legitimidade institucional para atuação (como no caso do Conselho de Desenvolvimento Urbano da prefeitura do Recife), ou mesmo o atrelamento da disponibilização de recursos a conceitos específicos.

105

Assim, todos os espaços em questão funcionam como cenário para exercício do poder, podendo ser configurados para facilitarem certas consequências políticas e obstruírem outras, favorecendo

certos

interesses

e

desfavorecendo

outros,

como

argumenta

o

Neoinstitucionalismo. Em todos esses espaços de negociação alguns indivíduos podem ter maior acesso ao poder governamental do que outros. Nesse contexto, em uma organização (ou mesmo fora dela), alguns atores (líderes, políticos, lobistas, empresários, etc.) podem ter maior capacidade de implementar estratégias devido aos recursos (alocativos e/ou de autoridade) que estão à sua disposição. Passemos agora para a dimensão da Comunicação / Significação.

6.3.

Comunicação / Significação

Ao se referir ao processo reflexivo que os indivíduos executam durante a ação, Giddens argumenta que ele opera em dois níveis, dos quais um deles é um nível discursivo. É nele que as pessoas (e grupos, e organizações) conseguem conscientemente evidenciar o sentido de sua ação; é através da comunicação que executam aspectos estruturais relacionados à significação, e é quando demonstram seu entendimento acerca dela. Fazendo o caminho inverso, através do nível discursivo é possível entender a ação, ao menos parcialmente. Conforme procuramos evidenciar anteriormente, as concepções acerca da Mobilidade Urbana foram se desenvolvendo ao longo do tempo. E junto com elas, a própria Política Pública. Alguns conceitos abordados em determinado momento retornaram posteriormente, o que indica que, no tempo inicial, não tiveram força suficiente de se transformar em ação pública efetiva. No caso da Constituição Federal, ao estabelecer a competência e a responsabilidade dos entes federados, ela define o transporte como parte das necessidades básicas dos indivíduos. Nesse momento, apenas o conceito genérico de transporte é apresentado, referindo-se ao serviço público de deslocamentos no território, classificado a partir do meio (rodoviário, aquaviário, aéreo) ou do deslocamento (interestadual, internacional, etc.), e tratado de maneira dissociada da Política Urbana. Anos depois, o Código Brasileiro de Trânsito (CBT) retoma o tema, mas tendo o “trânsito” como conceito central (utilização das vias por pessoas, veículos e animais para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga). Aqui o termo “Mobilidade Urbana” também ainda não estava presente. Contudo, alguns valores do que viria

106

a ser uma Política de Mobilidade já estavam embrionariamente inseridos no CBT, como a hierarquia entre veículos (sendo o pedestre a prioridade), a noção de controle social, etc. Em 2001 o Estatuto da Cidade, embora não utilize o termo “Mobilidade Urbana”, trata o transporte como parte fundamental do direito a cidades sustentáveis. É a primeira vez que o termo sustentabilidade aparece qualificando a noção de transporte, indicando o caminho que esse assunto seguiria mais adiante. Três anos depois a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável era lançada, e com ela o conceito de mobilidade é finalmente é colocado, ao longo do texto, mas ainda de maneira genérica, quase como sinônimo de circulação de bens e pessoas, apenas. Aqui, destaca-se a tentativa de estabelecer, a partir do nível discursivo, os caminhos para construção de uma política-síntese, que considerasse a articulação de políticas de transporte, circulação e acessibilidade com a política de desenvolvimento urbano. Mais que isso, no documento, os principais valores da política de Mobilidade são explicitados, mesmo que sem poder vinculativo. Em outras palavras, é no nível discursivo que a política pública foi definida, em grande medida. Mas não só isso, também é no nível discursivo que o modelo de gestão desejável é defendido, como o faz a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, lançada em 2004. O documento argumenta a necessidade de uma política nacional orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos dos vários níveis de governo e, também, do poder legislativo, do judiciário, do setor privado e da sociedade civil (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). O mesmo faz outro documento, lançado em 200559. Nele, Mobilidade Urbana é entendida de maneira sistêmica, integrando deslocamentos distintos, em um espaço urbano compartilhado, de responsabilidades multissetoriais, e que mantém fortes relações com outros sistemas e políticas urbanas. O esforço central do documento é delinear (no nível discursivo) as interfaces entres a política de Mobilidade e as políticas correlatas (habitação, saneamento, desenvolvimento urbano, etc.), propondo uma maior integração setorial e entre esferas governamentais, para promoção de uma melhor Mobilidade Urbana. Em 2007, o Ministério das cidades lança o “PlanMob - Caderno de Referência para Elaboração de Planos de Mobilidade”, com foco, sobretudo, na gestão local. Nele, o argumento simplesmente econômico acerca da mobilidade é, em grande medida, recusado, colocando a mobilidade urbana como um caminho para se alcançar cidades sustentáveis e com qualidade de vida, com uma apropriação equitativa do espaço público.

59

Mobilidade e Política Urbana: subsídios para uma gestão integrada (Documento de Referência) – Vide Bibliografia.

107

Um movimento parecido, conforme apresentado anteriormente, ocorreu no nível local. Na Lei Orgânica do Recife (1990) o termo mobilidade só aparece em referência a “pessoas com mobilidade reduzida”, assim, a noção de Mobilidade Urbana ainda não está claramente definida no documento. Os aspectos relativos a seu desenvolvimento são parcialmente tratados apenas na dimensão operacional do serviço público. No ano seguinte, o Plano Diretor da cidade (1991) passa a nortear a Política Urbana do Recife a partir de um enfoque econômico, sob o qual estaria firmado o desenvolvimento local e as políticas sociais decorrentes. Assim, o desenvolvimento econômico e social deveria ser alcançado através do fluxo de investimentos e recursos movimentados localmente. O transporte, nesse contexto, é considerado um dos “negócios públicos”, cuja função é possibilitar “o acesso dos indivíduos ao processo produtivo, aos serviços, aos bens e ao lazer” (RECIFE, 1991, p. Art. 51, caput). Apenas em 2005 surgem indícios de uma mudança conceitual, com o Programa de Mobilidade Responsável, lançado pela prefeitura, mas que não chegou a ser implementado. Em 2007 o Governo do Estado cria a Secretaria das Cidades60, que incorpora as diretrizes do Governo Federal por meio do Ministério das Cidades – e dos documentos orientadores citados há pouco aqui. Apenas em 2008, a prefeitura do Recife deflagra um processo de Revisão do Plano Diretor. Aqui é definido explicitamente que a Política de Mobilidade Urbana é o um instrumento da Política de Desenvolvimento Urbano, e tem como objeto a interação dos deslocamentos de pessoas e bens com a cidade (RECIFE, 2008, p. Art. 70), objetivando “contribuir para o acesso amplo e democrático à cidade, por meio do planejamento e organização do Sistema de Mobilidade Urbana e a regulação dos serviços de transportes urbanos” (RECIFE, 2008, p. Art. 71). Nesse sentido, o foco da Política de Mobilidade Urbana é modificado completamente, atendendo, em grande medida, as delimitações conceituais do Estatuto da Cidade, mas também pelos documentos lançados pelo governo federal entre 2004 e 2007. Em outras palavras, os discursos técnico-políticos definidos em âmbito nacional influenciaram diretamente a definição local do que deveria ser a Política de Mobilidade Urbana do Recife. Em 2010, o Governo do Estado, por meio da Secretaria das Cidades, cria o primeiro programa focado especificamente na Mobilidade Urbana – o PROMOB, com o intuito de assegurar condições de mobilidade e acessibilidade aos cidadãos, garantindo fluidez, conforto e segurança nos deslocamentos de pessoas e cargas por meios motorizados ou não. Mas,

60

Pedido de Acesso à Informação nº 201346118. Solicitação enviada em 12 de junho de 2013, e respondida em 09 de julho de 2013.

108

conforme resposta a Pedido de Acesso à Informação61, o programa recebeu esse nome “para passar uma linguagem única para a população”, compreendendo as ações já existentes no âmbito da Secretaria. Em outras palavras, o Governo do Estado buscou, através uma estratégia de comunicação, ressignificar suas ações para os demais atores. Em outro exemplo citado anteriormente, a dimensão simbólica é utilizada quando executivo municipal lança o Plano de Mobilidade, em 2012. Seu esforço foi, em outros termos, de tentar definir através do discurso (o próprio plano) os valores da política. Mas percebeu que tal definição implica em um processo social muito mais negociado. Por isso, a proposta de um Pacto, que ampliasse a legitimidade e representatividade da proposta. Porém, foi evidente que o a definição no nível discursivo, embora gere efeitos, nem sempre tem capacidade vinculativa, sendo necessárias outras estratégias de enforcement (ou sanções, como prevê Giddens) para a política atender as delimitações propostas. Assim, os discursos estruturadores no interior da Política de Mobilidade Urbana foram se desenvolvendo ao longo dos anos (in durré, como diria Giddens), com influência de diversos atores, em vários níveis institucionais. Em resumo, o nível discursivo foi utilizado não apenas para modificação valorativa e conceitual da política pública. Mas também para induzir mudanças no nível institucional, isto é, modificar a estrutura, utilizando-se para tanto, dos recursos alocativos e de autoridades disponíveis aos atores.

6.4.

Alcance e limitações das análises

Nesse trabalho, procuramos analisar a capacidade dos atores locais de interferir na implementação de uma política pública específica. Embora o esforço realizado aqui tenha sido focado na Política de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Recife, certamente os recursos teóricos e metodológicos que utilizamos são úteis para analisar outras políticas públicas. O estudo apresentado, como era de se esperar, possui algumas limitações analíticas, sobretudo relacionadas à complexidade, fluidez e acessibilidade dos dados, assim como da capacidade de se analisar um conjunto vasto de dados, em um período determinado. Certamente propostas mais pontuais de análise poderiam aprofundar várias das questões levantadas aqui, mas nesse trabalho a opção foi de buscar uma visão mais panorâmica que detalhada do fenômeno social. 61

Ibdem

109

Outra limitação clara em relação ao estudo é que ele se refere apenas a estratégias lícitas engendradas pelos atores. Isto é, situações que poderiam influenciar a implementação da política, mas que se constituem como atos criminosos (fraude, propina, ameaça, uso da violência, etc.) não fazem parte dessa análise. Embora sejam recursos passíveis de utilização pelos atores, requerem outro ferramental teórico e habilidades específicas para coleta de dados, tendo em vista o desejo inerente de serem ocultados. Do ponto de vista das possíveis contribuições, acreditamos que o estudo apresentado, avança no sentido exploratório proposto, evidenciado aspectos da política pública selecionada, em uma gama considerável de dimensões, mesmo que não as esgote. Além disso, pode ser considerado uma das poucas aplicações empíricas da Teoria da Estruturação, propondo, adicionalmente, sua compatibilidade com o corpo teórico do Neoinstitucionalismo. Espera-se, portanto, que o estudo seja útil para entender tanto o problema social (a Mobilidade Urbana), como a discussão mais geral proposta (Políticas Públicas).

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Apêndice A. Lista de notícias analisadas DATA

TÍTULO

20010107 20010111 -

Grande Recife anuncia se haverá aumento na tarifa dos ônibus _ Últimas notícias _ Pernambuco Nota à imprensa - Grande Recife

20010424 -

Pressão nas mídias sociais

20011001 -

Briga para viabilizar reeleição

20011028 -

Transporte de massa em foco

20050922 -

PCR lança Programa de Mobilidade Responsável (2)

20051124 -

PE -liminar suspende reajuste de tarifa de ônibus

20051201 20060529 -

Pernambuco quer interferência de ministro para diminuir preço de passagens em Recife Câmara discute transporte complementar

20060530 -

Audiência Pública discute transporte complementar

20070510 -

Caminhões e ônibus deixam de circular na Madre de Deus

20070905 -

Caminhões e ônibus deixam de circular nessa quinta

20080626 -

Paralisação deixa 1,7 milhão sem ônibus no Recife

20080626 -

Paralisação deixa 1,7 milhão sem ônibus no Recife (2)

20090105 -

Setrans pede aumento de 30% nas passagens de ônibus

20090105 20090324 -

Setrans pede aumento de 30% nas passagens de ônibus _ Últimas notícias _ Pernambuco Recife - metro inaugurado

20090608 -

Ônibus mais confortáveis e seguros

20090608 -

Ônibus mais confortáveis e seguros[Conflito]

20090615 -

A briga pelo transporte público

20090626 -

Greve de ônibus pega população desprevenida no Recife

20090707 -

Audiência pública debate a licitação do sistema de transporte da RMR

20090707 20090730 -

Audiência pública debate a licitação do sistema de transporte da RMR (2) Demolindo não, contruindo

20090819 -

Muito mais que um terminal de ônibus

20090828 -

Prefeitura no quer mais abrir viass para carros

20090907 -

Grande Recife Consórcio de Transporte completa um ano

20090910 -

Câmera reduz assalto a ônibus no Grande Recife

20090920 -

Na cidade sem meu carro

20090924 -

Primeira via expressa

20090927 -

Tá tudo no papel

20091006 -

Questionamentos sobre a Via Mangue

20091011 -

Todos contra a Via Mangue

20091029 -

Recuo na Via Mangue

20091122 -

O transporte do Futuro - Recife

118

20100115 -

Projeto prevê faixa suspensa para ônibus na Avenida Norte

20100130 -

Segunda etapa da Via Mangue só em Maio

20100211 -

Recife lança plano para melhorar trânsito e transporte público

20100315 20100420 -

Transporte municipal de Olinda é incorporado ao Grande Recife; passagem vai aumentar Diario Político - indicadores

20100606 -

A cidade refém dos automóveis

20100803 20101006 -

Qualidade no transporte é o que importa para o usuário do Grande Recife Maria de Pompéia Pessoa é a nova presidente da CTTU

20101006 -

Sinal Fechado

20101007 -

Entrevista Maria de Pompéia

20101007 -

Novo comando para um problema antigo

20101126 -

Entenda o reordenamento no Centro do Recife

20110107 -

Grande Recife anuncia se haverá aumento na tarifa dos ônibus

20110111 -

Nota a imprensa - Grande Recife

20110206 -

Mobilidade é questão central para Prefeitura

20110217 -

Recife não tem projeto para o PAC da Mobilidade

20110219 -

Entrevista Mauricio Pina

20110220 -

O difícil caminho da mobilidade na RMR

20110220 -

Problemas por todos os lados

20110220 -

Um futuro ainda incerto

20110220 -

Um Recife que não consegue andar

20110223 -

Plano de mobilidade volta a ser discutido

20110312 -

Diario Político

20110315 -

Aline Mariano convoca audiência sobre obras inacabadas

20110527 -

20110608 -

A cada R$ 1 investido em transporte público, governo dá R$ 12 em incentivo para carro e moto Governo convoca audiência pública para apresentar projetos de mobilidade para o Grande Recife Diario Urbano - Várias

20110620 -

Estrangulamento para todo lado

20110620 -

Minutos a menos na Av Agamenon

20110702 -

20110706 -

Depois de cinco meses, projeto de mobilidade chega, enfim, à Câmara. Mesmo assim a espera não acaba Maré Malta diz que plano de mobilidade de João da Costa é carta de intenção Diario Urbano - Ontem teve espetáculo

20110726 -

Diario urbano - menos carros

20110729 -

Mobilidade urbana é discutida no simpósio Engenharia de Tráfego x Urbanismo O tempo perdido para ir trabalhar

20110527 -

20110704 -

20110729 -

20110827 -

Mobilidade Urbana será principal foco até o final da gestão de João da Costa Grande Recife terá novas ciclovias previstas no projeto de mobilidade para a Copa 2014 Diário Político

20110908 -

Mobilidade urbana nos Excluídos

20110908 -

Trânsito do Recife terá plano alternativo

20111005 -

João da Costa recebe Comissão de Mobilidade Urbana da Alepe

20110817 20110823 -

119

20111011 -

Comissão de mobilidade da Alepe quer conhecer o VLT

20111101 -

Diario Urbano - Várias

20111101 -

Plano de Mobilidade só no Recife

20111102 -

Projeto na mão e pé na estrada

20111108 20111118 -

Comissão de Mobilidade da Alepe tira o dia para visitar Roberto Magalhães Diario Político - Importa sim

20111118 -

Prefeitos fogem do tema mobilidade

20111123 -

Diario urbano - ônibus depois

20111214 -

Diario Político - o tempo perdido

20120903 -

Durou pouco

20121219 -

Entrevista com a futura presidente da CTTU

20121224 -

O que muda na CTTU Recuo na Via Mangue

B. Recategorização das diretrizes da política Nacional de Mobilidade Sustentável Integração entre Políticas

Gestão Democrática Priorização do transporte público coletivo e não motorizado

Articulação entre entes federados

16. Promover e viabilizar a associação e coordenação entre a política nacional de mobilidade sustentável e de transporte e trânsito emconsonância com as políticas de promoção habitacional, desenvolvimento urbano, meio ambiente e saneamento ambiental em especial as de drenagem de águas pluviais e resíduos sólidos. 27. Promover e incentivar a utilização de combustíveis alternativos e menos poluentes. 18. Promover a capacitação dos agentes públicos e o desenvolvimento institucional dos setores ligados à mobilidade. 1. Promover a ampla participação cidadã, de forma a garantir o efetivo controle social das políticas de Mobilidade Urbana. 2. Promover o barateamento das tarifas de transporte coletivo, de forma a contribuir para o acesso dos mais pobres e para a distribuição de renda. 17. Promover políticas de mobilidade urbana e valorização do transporte coletivo e não-motorizado, no sentido de contribuir com a reabilitação das áreas urbanas centrais. 20. Promover o desenvolvimento do transporte público, com vistas à melhoria da qualidade e eficiência dos serviços. 19. Promover e apoiar a regulamentação adequada dos serviços de transporte público. 26. Apoiar e promover medidas para coibir o transporte ilegal de passageiros. 3. Articular e definir, em conjunto com os Estados, Distrito Federal e Municípios, fontes alternativas de custeio dos serviços de transporte público, incorporando recursos de beneficiários indiretos no seu financiamento. 23. Promover a articulação entre os municípios e destes com os estados nos projetos de melhoria da mobilidade nas Regiões Metropolitanas. 24. Promover e apoiar a elaboração de planos de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido para as cidades com mais de quinhentos mil habitantes.

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Gestão da informação e monitoramento

Promover a integração urbana e territorial

Estrutura intermodal integrada

Uso Racional do Transporte individual motorizado

Melhor acessibilidade Financiamento e acesso a transporte público

6. Promover e difundir sistemas de informações e indicadores da Mobilidade Urbana. 21. Apoiar a adoção de tecnologias de maior eficiência que aperfeiçoem os sistemas de controle dos serviços de transporte público. 25. Promover e incentivar o desenvolvimento de sistemas de transportes e novas tecnologias que resultem na melhoria das condições ambientais. 4. Combater a segregação urbana por intermédio da Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. 12. Apoiar Políticas e Planos Diretores urbanos que favoreçam uma melhor distribuição das atividades no território e reduzam a necessidade de deslocamentos motorizados. 28. Apoiar e incentivar a formulação de planos diretores municipais que prevejam mecanismos de adaptação do sistema viário e de transporte nos projetos considerados pólos geradores de tráfego, garantindo que a sua implantação mitigue os efeitos negativo decorrentes, inclusive com ônus ao empreendedor, quando couber 8. Incentivar e apoiar sistemas estruturais, metros-ferroviários e rodoviários de transporte coletivo, em corredores exclusivos nas cidades médias e nas Regiões Metropolitanas, que contemplem mecanismos de integração intermodal e institucional. 14. Os planos diretores das cidades devem prever a utilização de áreas lindeiras dos sistemas metros-ferroviários. 9. Promover e apoiar a implementação de sistemas cicloviários seguros, priorizando aqueles integrados à rede de transporte público. 29. Instituir diretrizes para o transporte urbano. 11. Incentivar e difundir medidas de moderação de tráfego e de uso sustentável e racional do transporte motorizado individual. 15. Promover a preservação do Patrimônio Histórico dos centros urbanos, regulando a circulação de veículos. 13. Apoiar planos e projetos que ordenem a circulação de mercadorias de maneira racional e segura, principalmente em relação às cargas perigosas. 10. Promover e apoiar a melhoria da acessibilidade das pessoas com deficiência, restrição de mobilidade e idosos, considerando-se o princípio de acesso universal à cidade. 5. Promover o acesso das populações de baixa renda, especialmente dos desempregados e trabalhadores informais, aos serviços de transporte coletivo urbano. 7. Estabelecer mecanismos permanentes de financiamento da infraestrutura, incluindo parcela da CIDE-combustíveis, para os modos coletivos e nãomotorizados de circulação urbana. 22. Desenvolver modelos alternativos de financiamentos para implementação de projetos da mobilidade urbana.

- Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

2004

2012- Política Nacional de Mobilidade Urbana

2007 – PlanMob

• Positiva os valores e conceitos defendidos pelo governo federal na década anterior. • Foco na definição de papéis, regras de funcionamento, princípios e diretrizes para o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. • Define os objetivos, princípios e diretrizes que devem ser executados na Política de Mobilidade Urbana. • Mudança de foco da política é reiterada, sendo a mobilidade urbana uma forma de alcançar melhor qualidade de vida nas cidades, reduzindo desigualdades, promovendo acesso ao espaço público, atendendo a critérios de acessibilidade, promovendo um desenvolvimento sustentável, gerida de maneira democrática e com participação social institucionalizada.

•Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana • Foco na gestão local. • Recusa o argumento simplesmente econômico acerca da mobilidade, colocando-a como um caminho para se alcançar cidades sustentáveis e com qualidade de vida, com uma apropriação equitativa do espaço público. Defende que a situação da mobilidade nas cidades “tem raízes em fatores sociais, políticos e econômicos, mas, fundamentalmente, é produto de decisões passadas nas políticas urbanas”.

• Documento orientador para construção de planos de mobilidades, com foco sobretudo na gestão local. • Rejeição do argumento simplesmente econômico acerca da mobilidade, sendo considerada um caminho para se alcançar cidades sustentáveis e com qualidade de vida, com uma apropriação equitativa do espaço público. • Aponta para uma forte influência econômica na implementação da política, na qual alguns atores foram mais capazes de influenciá-la. • “a mobilidade urbana é um atributo das cidades e se refere à facilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano.

• Define princípios e diretrizes para promoção da “Mobilidade Urbana Sustentável e cidadania no Trânsito” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). • Tese central de que vivemos uma crise urbana, que exige uma política nacional orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos dos vários níveis de governo e, também, do poder legislativo, do judiciário, do setor privado e da sociedade civil (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004). • A Mobilidade deve mudar seu foco de um modelo centrado na mobilidade do veículo particular para um modelo centrado na mobilidade das pessoas, articulando gestão do transporte com o controle territorial, visando à redução das deseconomias da circulação e a oferta de transporte público eficiente e de qualidade, o uso equânime do espaço urbano, a melhoria da qualidade de vida, a melhoria da qualidade do ar e a sustentabilidade energética

2005 - Mobilidade e política urbana: subsídios para uma gestão integrada

• O conceito de mobilidade é finalmente é colocado, ao longo do texto, de maneira genérica, quase como sinônimo de circulação de bens e pessoas, apenas. • Foco na articulação e união de políticas de transporte, circulação e acessibilidade com a política de desenvolvimento urbano, tratadas até o momento como políticas distintas e desarticuladas. • Define princípios e diretrizes que devem nortear a implementação da Política de Mobilidade (Integração entre Políticas; Gestão Democrática; Priorização do transporte público coletivo e não motorizado; Articulação entre entes federados; etc.)

2001- Estatuto da Cidade

- Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável

• Conceito de Mobilidade Urbana ainda ausente. • Trata transporte é como parte fundamental do direito a cidades sustentáveis., e parte da Política de Desenvol. Urbano. Primeira vez que o termo sustentabilidade aparece qualificando a noção de transporte. • Município como principal executor da Política Urbana.

1997- Código de Trânsito Brasileiro

2004

• Estabelece regras para circulação terrestre, tendo trânsito como conceito central, e compreendendo a circulação de veículos e pessoas por via terrestre. • Maior clareza conceitual, mas ausência de definição detalhada sobre valores da política. • Vinculação entre ocupação urbana e necessidades relativas ao trânsito presente. • Termo “Mobilidade Urbana” também ainda não está presente

1988- Constituição Federal

• Foco na organização dos Poderes e entes federados, e suas respectivas competências e responsabilidades, dentre as quais o transporte é considerado parte das necessidades básicas dos indivíduos. • Concepção de transporte, com o enfoque da integração entre territórios, da atividade comercial nacional e internacional, e parte integrante da Política Urbana, mas sem grande clareza conceitual. • Refere-se ao serviço público de deslocamentos no território, classificado a partir do meio (rodoviário, aquaviário, aéreo) ou do deslocamento (interestadual, internacional, etc.). • Ausência do termo Mobilidade Urbana

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