Políticas públicas educacionais ou porque sou contra a redução da maioridade penal

June 29, 2017 | Autor: Renato Duro | Categoria: Criminal Justice, Education, Social Justice in Education
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Políticas públicas educacionais ou porque sou contra a redução da maioridade penal

Esta semana movimentos sociais organizados, estudantes e representantes de organismos de defesa dos direitos humanos conseguiram sobrestar a pauta que propunha a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que reduz a maioridade penal para 16 anos. O fato ocorreu junto ao plenário da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. Em uma tentativa de levar a diante a proposta de redução, os membros da CCJ, inverteram a pauta e o tema volta ao debate na semana que vem.

Em múltiplos espaços tenho visto posicionamentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal. Sem querer problematizar a falta de argumentos estampados em muitas destas reflexões, gostaria de, a partir de um olhar acurado sobre o campo educativo, defender porque sou contrário a redução da maioridade penal em nosso país.

O que são políticas públicas educacionais?
Ao reflexionar sobre as novas nuances do Estado Pós-Providência, em especial a regulação das políticas públicas Barroso advoga que as distinções entre os conceitos de regulação e regulamentação, afetam a concepção de como vemos o sistema educativo. Seu trabalho aprofunda e problematiza as políticas públicas educacionais, em especial na França, Bélgica, Grá-Bretanha (detidamente estudada por Bernstein), Hungria e Portugal.

Ao final de seu texto, Barroso dialoga intransigentemente pela defesa da escola pública, nos termos de que
podemos concluir que a repolitização da educação, a multiplicação das instâncias e momentos de decisão, a diversificação das formas de associação no interior dos espaços públicos e o envolvimento de um maior número de actores conferem ao sistema de regulação da educação uma complexidade crescente. Esta complexidade exige um papel renovado para a acção do Estado, com o fim de compatibilizar o desejável respeito pela diversidade e individualidade dos cidadãos, com a prossecução de fins comuns necessários à sobrevivência da sociedade – de que a educação é um instrumento essencial.
Ao tratar da regulação, Barroso procura buscar as variantes da palavra e seus possíveis conceitos. Dentro desta polissemia, Barroso vai entender regulação como
uma função essencial para a manutenção do equilíbrio de qualquer sistema (físico ou social) e está associada aos processos de retroacção (positiva ou negativa). É ela que permite ao sistema, através dos seus órgãos reguladores, identificar as perturbações, analisar e tratar as informações relativas a um estado de desequilíbrio e transmitir um conjunto de ordens coerentes a um ou vários dos seus órgãos executores.
Desta forma, o autor desenvolve um entendimento sobre as formas de pensar a regulação, em especial a regulação social, e a partir daí procura traçar uma compreensão lingüística e terminológica, acabando por apresentar alguns vetores desta complexidade conceitual:
- A regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema.
- O processo de regulação compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras.
- Num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes (centro/periferia, interno/externo, actor A/actor B etc.), de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias.
- A regulação do sistema educativo não é um processo único, automático e previsível, mas sim um processo compósito que resulta mais da regulação das regulações, do que do controlo directo da aplicação de uma regra sobre acção dos "regulados". [...]
Ao analisar os quadros situacionais das políticas públicas educativas na Europa, Barroso identifica acentua algumas similitudes, mas muitas distinções, em especial no modelo Francês, o qual o autor considera menos 'regulador'.
Fixa o olhar sobre os reflexos deste sistema regulador na educação, que produz efeitos semelhantes no contexto da educação brasileira, pode-se entender que as políticas neoliberais acabam por 'constranger' e 'deturpar' o papel do Estado junto às escolas, às universidades, às agências educacionais e o entorno educativo com um todo.
É por isso que, independentemente da alteração das formas de regulação e da variação do peso relativo dos vários níveis e actores, qualquer mudança neste domínio não pode ser vista independentemente de um projecto político nacional que, neste caso, tem de passar pela promoção e defesa dos princípios fundadores da "escola pública" (enquanto garantia da aquisição e distribuição equitativa de um bem comum educativo).
Entre esses princípios quero destacar: a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares.

Neste sentido, parece fundamental, quando se analisa a redução da maioridade penal, como a política pública educacional tem atuado, especialmente junto a parcela de jovens e adolescentes que se encontram dentre as camadas mais vulneráveis econômica, social e culturalmente.
Se atentarmos para uma análise quantitativa, é possível perceber, nas última década, um importante investimento na educação pública, especialmente no ensino superior. No entanto, ainda existe um déficit não mais de acesso, mas de qualidade social, quando se volta o olhar para a educação básica.
Souza elucida, quais os principais elementos (síntese das definições e modelos) que acabam sendo a marca das políticas públicas em educação:
- A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz.
- A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes.
- A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras.
- A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados.
- A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo.
- A política pública envolve processos subseqüentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação.
Em resumo, o papel das instituições ao tomarem decisões na formação e na operação das políticas públicas deve levar em conta não são só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas igualmente os que se encontram nas parcelas mais vulneráveis e excluídas.
Porque as políticas públicas educacionais podem produzir emancipação social
Notadamente a educação tem sido considerada por estudiosos de várias correntes do pensamento como sendo apta a responder às questões postas pela sociedade. Não é diferente o entendimento de Bernard Charlot

Portanto, devem também ser respeitado o princípio de base de uma educação democrática na sociedade contemporânea: uma educação para o respeito dos direitos do homem e da dignidade de si mesmo e dos outros: [...] uma educação que reconhece as diferenças culturais e que as respeita e as leva em conta (se estas não se opuserem ao direito à dignidade nem aos direitos do sujeito) [...] uma educação para o pensamento crítico e racional [...]

A educação emancipadora precisa (urge) de educadores que a busquem, pois para além de um currículo formal que estabeleça práticas pedagógicas integradoras e de promoção de autonomia, é preciso um docente comprometido (COSTA, 2003) com este diálogo. É, sobretudo na ação dos educadores, que se pode construir esta transformação social, pois como lembra Charlot:

Essa transformação deve ser acompanhada por uma formação dos educadores, ela mesma profundamente transformada. Implica o respeito aos princípios de organização democráticos: organização democrático-participativa do currículo, da gestão dos estabelecimentos (com participação dos próprios alunos, de representantes de pais, de representantes da comunidade); reuniões regulares entre educadores e desenvolvimento de práticas pedagógicas em equipe e interdisciplinares.

Assim, a formação do professor e a capacidade de interlocução docente com o cotidiano escolar são temáticas que envolvem o repensar das práticas pedagógicas para além dos muros escolares. Nestes termos, há que se concordar com Giroux, que compreende o papel do educador e do educando numa relação de troca e de discurso, o qual possibilita a emancipação e a reflexão, posto que

Os educadores devem ser considerados como intelectuais públicos que estabelecem a ligação entre as ideias críticas, as tradições, as disciplinas e os valores da esfera pública no seu dia-a-dia. Mas, ao mesmo tempo, os educadores devem assumir a responsabilidade de ligar o seu trabalho às questões sociais mais amplas interrogando-se sobre o que significa capacitar os seus alunos para escrever textos políticos, para ser perseverantes perante a derrota, para analisar os problemas sociais e para aprender a utilizar os instrumentos da democracia e a marcar a diferença como agente social.

Concorre para isso o entendimento da natureza do ensinar, que necessariamente, enquanto atividade social tem como compromisso assegurar que todos aprendam, à medida que a escolaridade contribui para a humanização e, portanto, para a redução das desigualdades sociais. Então, parece que o conceito de ensinagem comporta em si a superação da falsa dicotomia, pois carrega consigo esses compromissos éticos, políticos e sociais da atividade docente para com os alunos, a qual se realiza em determinado espaço institucional e fora dele, como se dá na educação não formal. Assim, pode-se afirmar que ensinar é um projeto coletivo. Embora cada professor, em sua sala de aula, possua autonomia para desenvolver sua disciplina, esta é parte integrante de um percurso formativo do aluno

Desta forma, para entendo educação emancipadora como sendo um processo educativo transversal e crítico, formal e não formal centrado numa visão transdisciplinar das ciências como fonte de conhecimento que objetiva estimular e sensibilizar o educando (individual e coletivamente) na sua consciência participativa, emancipatória e de pertencimento, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e do respeito às diferenças culturais.


Políticas públicas educacionais ou porque sou contra a redução da maioridade penal

Sou, portanto, uma das vozes que defende a educação com qualidade social, ou seja, uma educação inclusiva como espaço de transformação, sobretudo, acreditando na educação como instrumento capaz de humanizar e de produzir mudança social.

Tendo a concordar que já possuímos mecanismos suficientes em nosso sistema penal, inclusive em matéria de medidas restritivas de liberdade para jovens e adolescentes (ECA) que atentam para as necessidades fundamentais de quem comete algum tipo de ato infracional.

Defendo que a educação pública com qualidade social, e, sobretudo, investimentos massivos neste campo das políticas públicas, pode propiciar uma mudança paradigmática no modo de operação do sistema educacional refletindo sobremaneira em campos tão necessários como a prevenção da violência e a promoção de uma cultura de paz.

Por tudo isto, e acompanhando argumentos de notáveis educadores e estudiosos do Direito Penal, como o colega da FURG, Salah Khaled Jr, sou absolutamente contrário à redução da maioridade penal.

Concordo, neste ponto, com Arendt para quem "a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens".




Barroso, João. O Estado, a regulação, e a regulação das políticas públicas. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 92, p. 725-751, Especial - Out. 2005.
Ver Basil Bernstein em A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
Barroso, 2005, p. 747.
Op. cit., p. 728.
Id. ib., p. 745.
Grifei.
Souza, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16,jul/dez 2006, p. 20-45.
Charlot, Bernard. Texto apresentado no II Fórum Social Mundial pelo Fórum Mundial de Educação. Porto Alegre, 2003.
Giroux, Henry. Qual o papel da Pedagogia Crítica nos estudos de língua e cultura? Uma entrevista com Henry A. Giroux. Revista Language and Intercultural Communication, 6. Trad. Manuela Guilherme. Dez. 2005.
Para o conceito de "Ensinagem" ver Selma Garrido Pimenta; Léa das Graças Camargo Anastasiou. Docência no Ensino Superior – Volume I. São Paulo: Cortez, 2002.
Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.



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