Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo

July 14, 2017 | Autor: R. Kanayama | Categoria: Políticas Públicas, Nudge, Public Policy
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KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo.

Rodrigo Luís Kanayama, Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, Professor Adjunto de Direito Financeiro da Universidade Federal do Paraná, advogado em Curitiba.

Abstract People are free to choose between alternatives. Sometimes, the government can interfere on choices, because some alternatives could harm the people themselves. This paper analyses public policies and its limits about the interference on peoples' choices. The questions are: could the government force someone to take the right way (paternalism)? Or the government needs to be inert about that (liberalism)? Is there the right answer? Can the government nudge people to decide correctly? Resumo As pessoas são livres para escolher entre alternativas. Às vezes, o governo pode interferir na escolha, porque algumas alternativas poderiam prejudicar as próprias pessoas. Este artigo analisa as políticas públicas e seus limites sobre a interferência nas escolhas das pessoas. As questões são: o governo pode forçar alguém a tomar o caminho certo (paternalismo)? Ou o governo precisa ser inerte sobre isso (liberalismo)? Existe a resposta certa? O governo pode incentivar as pessoas a decidir corretamente? Keywords Liberalism - paternalism - nudge - public policy - freedom to choose Palavras-chave Liberalismo - paternalismo - nudge - política pública - liberdade para escolher Sumário 1. Introdução. 2. Recorte metodológico. 3. Entre o menos e o mais: liberalismo e paternalismo. 3.1. Liberalismo de John Stuart Mill. 3.2. Paternalismo coercitivo. 3.3. Paternalismo libertário. 3.3.1. Paternalismo libertário. 3.3.2. Sujeitos envolvidos. 3.3.3. A tendência à escolha da alternativa-padrão [default option]. 3.4. A crítica de Cass Sunstein à obra de Sarah Conly. 4. Síntese das três vertentes. 5. Os indivíduos não escolhem bem. 6. Argumentos finais. 1. Introdução O prefeito da cidade de Nova York, Estados Unidos, visando ao combate à

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obesidade, baniu, em 2012, os refrigerantes tamanho grande [grandes porções de refrigerante – bebida açucarada –, com aproximadamente um litro] do cardápio de restaurantes, estádios, cinemas, e outros locais de entretenimento. Foi acusado de representar o papel de babá estatal [nanny-state]. Sua justificativa: desencorajar o consumo exagerado. Retirou o refrigerante grande do alcance das escolhas individuais. 1 Essa é uma política pública de saúde. Para obter o resultado esperado, e impedir que as pessoas possuam a alternativa para escolher o refrigerante grande, que contribui para a obesidade e, por conseguinte, aumenta despesas públicas de saúde, simplesmente o prefeito proibiu. Limitou a escolha – agora, os consumidores só podem comprar porções menores de refrigerante. As escolhas são constantes na vida das pessoas, que possuem leques de opções para a eleição do caminho a ser percorrido. Predizê-las é difícil para um observador externo. O indivíduo tem diferentes preferências e sequências de preferências e, diante da pluralidade de interesses, desejos e necessidades, não se produz escolha homogênea da coletividade. Há várias nuances que devem ser consideradas, idiossincrasias que podem levar a produtos diferentes. A preocupação que o fato – o consumo excessivo de refrigerantes açucarados – acima provoca é de que o comportamento dos indivíduos pode trazer resultados não desejáveis. As pessoas podem não conhecer os efeitos a longo prazo, podem ignorá-los ou subestimá-los. Talvez os consumidores pensem que o refrigerante grande não provoque obesidade, ou que provoque, mas que não seja o principal causador, ou a vontade de beber o refrigerante seja tão irresistível que o indivíduo prefere correr riscos. O estudo que será feito nesse artigo é sobre mecanismos públicos que incentivam condutas, comparando-os com a simples omissão do governo ou, no outro extremo, com a imposição de obrigações por meio de instrumentos coercitivos. Mecanismos públicos que dirijam comportamentos a fim de se obter resultados desejáveis (sob o prisma dos governos). Lícito fazer perguntas simples, mas que podem despertar bons debates: por que as 1

SUNSTEIN, Cass R. It’s for your own good! In.: The New York Review of Books. Disponível em http:// www.nybooks.com/articles/archives/2013/mar/07/its-your-own-good/?pagination=false, acesso em 20 de maio de 2013. SUROWIECK, James. Downsizing supersize. In.: The New Yorker Magazine, edição de 13 de agosto de 2012, encontrado em http://www.newyorker.com/talk/financial/2012/08/13/120813ta_talk_surowiecki? mbid=social_tablet_e&share=gVneTT¤tPage=all, acesso em 23 de maio de 2013.

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pessoas são obrigadas a usar cinto de segurança ao dirigir ou ocupar um automóvel em movimento e por que não são proibidas de fumar ou beber bebidas alcoólicas? Qual o argumento que separa as situações, pois todas – não usar cinto de segurança, fumar, beber – provocam danos aos usuários e a terceiros? Se o argumento for “dano a si próprio” ou “dano a terceiros”, talvez a resposta seja inesperada.2 A definição de ações de governo (políticas públicas) não possui, normalmente, a preocupação de coerência. Visa-se a um fim e, casuisticamente, pensa-se no meio. Serão fatores culturais que influem a decisão? Preconceitos? Dados científicos? Política? De fato, a política não é coerente. A decisão política pode proibir uma conduta e não proibir outra, a despeito de ambas serem semelhantes em alguns aspectos. As políticas públicas seguem a mesma lógica (ou ilógica). Analisar-se-ão três pontos de vista diferentes, no que concerne à atuação estatal. O paternalismo coecitivo, o paternalismo libertário e o liberalismo. O paternalismo libertário (libertarian paternalism, a solução proposta por Sunstein e Thaler) é o meio do caminho entre o liberal e o paternalismo coercitivo. De um lado, na esteira de John Stuart Mill, liberalismo é a não intervenção do Estado na vida privada da pessoa, salvo se a liberdade dessa pessoa implique dano a outrem. Já o paternalismo coercitivo é o Estado decidindo em nome da pessoa, considerando-a incapaz de fazê-lo adequadamente. Necessário analisar os dois lindes antes de prosseguir na análise do paternalismo libertário. Adotar-se-ão, como marcos teóricos, os dois trabalhos atuais que vêm cuidando do assunto: Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness, de Cass R. Sunstein e Richard H. Thaler e Against Autonomy, de Sarah Conly. Também será abordada a obra de John Stuart Mill, On Liberty (um dos marcos de Sarah Conly, que o adotou para promover críticas ao liberalismo).

2. Recorte metodológico Em primeiro lugar, cabe a delimitação de algumas variáveis que influenciam o 2

Álcool é a droga que mais provoca danos, conforme estudo, para si e para terceiros, conforme reportagem da The Economist. Disponível em: http://www.economist.com/blogs/dailychart/2010/11/drugs_cause_most_harm, acesso em 9 de maio de 2013.

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resultado de escolhas. Em relação ao indivíduo, será ele considerado como conhecedor de sinais de comunicação. Neste trabalho, as pessoas são minimamente instruídas e capazes de compreender o que se está comunicando. O grau de instrução da sociedade é satisfatório. Sob esse recorte, excluem-se os sujeitos que não possuem qualquer conhecimento daquilo que os cercam – sejam leis, sinais, comunicações. Na mesma toada, ninguém será tido como quase-onisciente, capaz de tomar as decisões mais eficientes (Thaler e Sunstein os chamam de Econs”3). São simples humanos. No outro pólo estará sempre o Estado, como agente capaz de interferir na esfera privada. De um lado os indivíduos, seres humanos, falhos e imperfeitos, e no outro, o Estado. A análise apreciará a relação entre o Estado e os indivíduos: qual o limite da atuação do Estado na conformação da atuação individual na sociedade? Há uma resposta única para todas as hipóteses? Ainda, considerar-se-á a presença de uma Constituição que exprima vontades e interesses, sendo sua opção a guarida de determinados direitos – os chamados direitos fundamentais e direitos sociais. Nessa linha, tendo o Estado uma das funções a efetivação de alguns direitos – essa é a ordem vigente, embora haja discordâncias sobre o alcance das cláusulas –, reconhece-se, também, a exigência de recursos financeiros para o intento.

3. Entre o menos e o mais: liberalismo e paternalismo. A atuação do Estado e a relação com os sujeitos pertencentes à sociedade pode variar de intensidade. Mais intensa, com ações enérgicas, proibitivas; menos intensas, sem interferência na vida pessoal e com nenhuma ou poucas proibições.

2.1. Liberalismo de John Stuart Mill O liberalismo propõe a atuação mínima do Estado, seja no âmbito econômico, seja

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“To qualify as Econs, people are note required to make perfect forecasts (that would require omniscience), but they are required to make unbiased forecasts. That is, the forecasts can be wrong, but they can’t be systematically wrong in a predictable direction. Unlike Econs, Humans predicatably err”. (SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 7)

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no social. Não refuta o Estado, por completo, e admite sua interferência, num limite bem determinado.4 Pugna pela liberdade.5 Pela impossibilidade de alguém ser limitado por outro. Nas palavras de John Stuart Mill, “o único propósito para o qual o poder pode ser corretamente exercitado sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é para prevenir dano a outros”.6 A maioria, segundo Mill, não pode suplantar a minoria em sua vontade, suas opiniões e sentimentos; o indivíduo é soberano sobre si próprio (corpo e mente). É enfático ao afirmar que “a única liberdade que merece o nome é aquela que deixa perseguir nosso próprio bem do nosso próprio jeito, contanto que não tentemos tolher os outros, ou impedir seus esforços para obtê-la”. 7 Sinteticamente, Mill defende que os indivíduos podem fazer o que bem entendem, especialmente para si, exceto se seus atos causarem danos a outrem. Para o autor, um dos elementos do bem-estar é a individualidade.8 Nessa linha, “a natureza humana não é uma máquina para construir a partir de um modelo, e programá-la para fazer o trabalho exato para o qual foi designado, mas uma árvore, que requer crescimento e desenvolvimento próprio em todos os lados, de acordo com a tendência de internalização das forças que faz dela uma coisa viva”9 As pessoas devem poder manter seus impulsos e preferências; se elas possuem variados gostos, isso justifica o fato de não ser viável encaixá-las em um modelo. Trazendo à baila a liberdade individual, e considerando que proibições de condutas são admissíveis se essas condutas causarem mal a outrem, afirma Mill que “nenhuma pessoa

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Há graus de liberalismo. Desde a total rejeição do Estado (o que beira ao anarquismo), passa pelo libertarianismo e chega ao liberalismo, que hoje admite participação estatal. Nesse trabalho, não se adotarão as distinções, tratando-as de liberalismo. 5

“The aim, therefore, of patriots, was to ser limits to the power which the ruler should be suffered to exercise over the community; and this limitation was what they meant by liberty” (MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 1.) 6

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 6, tradução livre. 7

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 8, tradução livre. 8

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 39. 9

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 41, tradução livre.

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deve ser punida simplesmente por estar ébria; mas um soldado ou um policial deve ser punido por estar ébrio em serviço. Em tempo, em resumo, existe um dano, ou risco de dano, seja para o indivíduo, seja para o público, o caso é tomado da álea da liberdade e colocado na álea da moralidade ou lei”.10 Caminhando para o final da obra de John Stuart Mill, o autor levanta algumas aplicações do que defendeu. Por exemplo: em que medida precauções sanitárias ou providências para proteger trabalhadores devem ser impostas a esses trabalhadores? Essas questões envolvem discussões sobre a liberdade. Outro exemplo: o Estado pode proibir a venda de certas substâncias, como drogas ou venenos? “Essas interferências são de legitimidade duvidosa, não propriamente por infringir a liberdade do produtor ou do vendedor, mas do comprador”.11 Para Mill, a venda do veneno pode ser proibida se sempre se visar ao mal; como isso não se verifica, não é lícita a proibição do veneno.12 Da mesma forma a ingestão de bebida alcoólica.13 Conclui Mill que “as objeções à interferência do governo, quanto não envolvem o desrespeito à liberdade, podem ser de três outras ordens”: a) as coisas podem ser melhor realizadas pelos indivíduos que pelo governo (são eles próprios, os indivíduos, os interessados); b) caso não possam ser, assim mesmo é desejável que os particulares as façam, com objetivo de fortalecer a “educação mental”, o desenvolvimento do sujeito; c) a terceira, e mais imperativa razão para a não-intervenção do governo, é o mal que causa o aumento do poder governamental, com mais indivíduos se fiando ao governo (o governo absorverá os melhores trabalhadores, fortalecerá a burocracia e ela se tornará a barreira a qualquer mudança – por isso, vai ao encontro da liberdade das pessoas).14 O que Mill pretendeu demonstrar, em síntese, é que o Estado deve se ater a 10

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 58, tradução livre. 11

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 68, tradução livre. 12

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 68, tradução livre. 13

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 69, tradução livre. 14

MILL, John Stuart. On Liberty. Londres: The Walter Scott Publishing Co., ltd, versão sem data e de domínio público - Amazon Kindle, p. 77.

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atividades que não interfiram na ação individual. Ao invés de agir, deve deixar para os particulares. E se estes não souberem fazer adequadamente, deixe-os que se desenvolvam. É este o ponto exato da análise que se faz. Vem se promovendo estudos diversos sobre políticas públicas no Brasil, mas o estudo não analisa os limites da ação de governo (é como se a Constituição de 1988 houvesse outorgado carta branca para o governo interferir na esfera privada, sem sequer atentar para debates sobre a liberdade de escolha e, tema recorrente, a escassez de recursos). Claro que, conforme a visão de Mill, se o Estado não pode interferir na ação individual salvo se houver prejuízo a terceiro, sob o ordenamento brasileiro, muitos atos do indivíduo acabam, mesmo que indiretamente, causando danos a terceiros. Como os direitos dependem de recursos, o sujeito pode, ao exercer sua autonomia, provocar despesas estatais e, por consequência, prejudicar terceiros (alguém arcará com a conta).

3.2. Paternalismo coercitivo Recentemente, Sarah Conly, que é professora da Universidade de Bowdoin (doutora em Filosofia pela Universidade de Cornell), publicou um trabalho que contesta a vertente de que o Estado deve permanecer passivo, e respeitar a liberdade de escolha, em razão da incapacidade de as pessoas tomarem decisões adequadas. Critica, também, o paternalismo soft e o paternalismo libertário (cuja análise se verá adiante). A obra Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism defende, como explicita o título, que o paternalismo coercitivo é justificável. No livro, a autora recomenda que se “salvem as pessoas delas próprias fazendo certos cursos de ação ilegais”.15 E que o problema é a “existência de deficits cognitivos” por parte de todas as pessoas, deficits capazes de indicar a necessidade por leis que forcem o bem-estar para a cada um dos indivíduos da sociedade. 16 Como as pessoas não são perfeitamente racionais, não há como evitar os erros

15

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 1. 16

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 3.

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cognitivos.

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Assim, ingestão de bebidas alcoólicas, alimentação saudável, uso de cinto de

segurança em veículos automotores, fumo, são cenários que autorizariam o paternalismo coercitivo. Ao invés de desencorajar as pessoas a fumar (aumentando o preço), por que não, simplesmente, tornar o ato ilegal, já que ambos, segundo a autora, têm o mesmo efeito?18 O argumento que adota é que é preciso limitar a liberdade de ação e a autonomia em favor de uma vida melhor.19 E, para tanto, mister que se retire das mãos das pessoas o poder de decidir20, pois não há, por parte delas, a capacidade de determinar a escolha correta. A autora afirma que, para decidir se algo deve ser proibido ou não, há que se fazer a análise do custo-benefício (de fato, adota, exageradamente, o custo-benefício). Até mesmo para justificar a mitigação da privacidade – pois se o governo tem de legislar bem e proteger as pessoas delas próprias, tem de ter informações, o que pode gerar violações. Segundo Conly, os benefícios serão maiores que os custos. 21 Critica a teoria de Sunstein e Thaler – o paternalismo libertário –, quando afirma que “eles usam sua inclinação cognitiva (ou preconceito cognitivo), como a tendência de escolher a alternativa-padrão, para produzir efeitos positivos”. As pessoas tomam, no paternalismo libertário, suas decisões por meios não racionais e, mesmo assim, alcançariam o resultado esperado. Conly afirma não ser possível essa conclusão22, exceto se o indivíduo não esteja tão inclinado a tomar uma decisão errada.23 17

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 3. 18

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 5. 19

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 17. 20

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism,. Cambridge: Cambridge University Press, 2013 p. 19. 21

“The cost-benefit analysis clearly shows that the rational choice is to opt in, and yet we don’t do it if it requires us to choose”. (CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 23.). E, mais adiante, “If interference has more cost than benefits, then, obviously, it is not a good ideia” (p. 102). 22

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 30. 23

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 31.

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Além disso, ainda criticando os autores de Nudge, afirma que o paternalismo coercitivo é o sujeito racional que não possui desejos, regulando a si próprio, e que, em certos momentos, torna-se irracional (e a regulação criada quando permanecia em estado racional limitará a ação quando torna-se irracional).24 Na outra ponta, critica a argumentação de John Stuart Mill – On Liberty. Para a autora, a garantia da liberdade não pode ser razão contra o paternalismo, pois os defensores deste defendem a liberdade como um fim em si própria.

25

Ademais, a autora destaca que

embora Mill entenda que o governo não deve prevenir o dano do sujeito contra si próprio, mas apenas para terceiros, assim mesmo Mill admite que, devido a danos indiretos, é possível prevenir danos contra a própria pessoa.

26

Por isso, segundo Conly, Mill não conflitaria, em

todos os pontos, com suas razões. Punição, segundo a autora, não é o desejável. Só se justificaria para danos causados a terceiros, a fim de incentivar o cumprimento da determinação legal. “A pessoa que causa dano a si própria já tem um incentivo para parar”27, não exige punição legal. Assim, justifica-se a sanção pela falta do uso do cinto de segurança em veículos.28 O argumento de Conly peca por vários motivos. Em primeiro lugar, corre risco de violar o princípio democrático. Não obstante as normas de Direito que proíbem condutas sejam aprovadas por maioria no parlamento – o tamanho da maioria pode variar –, e mesmo sendo a maioria opção tomada pelo constituinte, a imposição de decisão que viola a autonomia das pessoas pode conflitar com normas constitucionais, oprimindo a minoria. É difícil, contudo, definir o limite. Em segundo, sustenta-se em elucubrações sem fundamento científico ou empírico, 24

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 38. 25

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 49. 26

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 52. 27

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 129 (tradução livre). 28

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 132.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

em muitos pontos cruciais de sua tese. Por exemplo: restaurantes servem comida em demasia devem ser proibidos de vender dessa forma (ao contrário do que defende Conly, não há como determinar o que é “em demasia”). A autora sugere que os restaurantes devem oferecer opções de tamanho de porções e que as pessoas agem irracionalmente ao se alimentar. Não cuidam, por exemplo, do consumo energético (em quilocalorias). De acordo com ela, “a cidade de Nova York tinha uma lei que obrigava os restaurantes de fast food a expor o número de calorias por porção desde 2008, mas um estudo recente sugere que não houve efeito: enquanto 57 porcento das pessoas entrevistadas notaram as informações, somente 9 porcento disseram que as informações influenciaram suas escolhas, e dados de relatório de faturamento não mostraram diferença nas compras antes e depois dos avisos com informações”. 29 Afora esses dados apresentados, muitos dos argumentos da autora são afirmações sem correspondente fundamento jurídico, empírico ou estatístico. Ao cuidar do vício em cigarro, traça observações sobre os efeitos personalíssimos do fumo e que os valores do cigarro não são obstáculo ao consumo – não há efetivo desincentivo.30 Além da forma como expõe a questão – a defesa pelo paternalismo coercitivo –, enumera as duas outras

alternativas: liberalismo, cuja análise se fez acima; paternalismo

libertário, que será apreciado adiante.

3.3. Paternalismo libertário de Cass R. Sunstein e Richard Thaler O paternalismo libertário é o ponto médio entre o liberalismo e o paternalismo coercitivo. Mantém a possibilidade de escolhas, mas incentiva a escolha adequada. O Estado dá um empurrão (nudge) para a escolha certa. Nudge é um pequeno empurrão, um direcionamento de conduta de uma certa pessoa, o destinatário. Cass Sunstein e Richard Thaler, na edição norte-americana do livro Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness, bem destacaram o sentido do termo 29

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 167 (tradução livre). 30

CONLY, Sarah. Against Autonomy: Justifying Coercive Paternalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 171.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

na ilustração da capa: uma mãe (ou pai, na opinião de Sunstein, que diverge de Thaler) elefante empurrando, levemente, com sua tromba, seu filhote31. Direciona o comportamento de seu filho. No mesmo sentido, a ação de governo pode, mutatis mutandis, ser o empurrão leve. Pode direcionar a ação das pessoas. Pode, mantendo a liberdade de escolha, produzir resultados previsíveis e benéficos, conforme a intenção governamental. Como Sunstein e Thaler definem,

“O empurrão [nudge], tal como se utiliza o termo na obra, é qualquer aspecto na arquitetura da escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem proibir qualquer alternativa ou mudar significativamente os incentivos econômicos”. 32

Mantém-se a liberdade na escolha, sem alterar incentivos econômicos ou proibir ou impor alternativa, visando ao alcance da escolha satisfatória, considerada aquela que traga maiores benefícios coletivos e individuais.

3.3.1. Paternalismo libertário O nudge é entendido por Sunstein e Thaler como paternalismo libertário, ou seja, não substitui a vontade das pessoas, mas incentiva comportamentos em determinada direção. Aparentemente contraditório em si, os paternalistas libertários “querem fazer com que seja fácil para as pessoas para seguirem o seu caminho; eles não querem obrigar ou impor uma obrigação àqueles que querem exercer sua liberdade” 33. A ideia, como explicam Sunstein e Thaler, é melhorar a vida das pessoas mediante esforços do Estado e de particulares a fim de guiar a vida. O paternalismo libertário é “um tipo de paternalismo relativamente fraco, leve, e

31

Interessante a conversa de Sunstein e Thaler sobre a capa: http://www.youtube.com/watch?v=Y7BoHeGhB0I, acesso em 23 de maio de 2013. 32

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 6 (tradução livre). 33

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 6 (tradução livre).

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

não-intrusivo porque escolhas não são bloqueadas, cercadas, ou significativamente impostas”. 34 Não é contraditório ou falso afirmar a existência do paternalismo libertário. Os protestos contra o paternalismo têm, segundo Sunstein e Thaler, “um falso pressuposto e, no mínimo, dois equívocos”. O falso pressuposto é que “as pessoas sempre (normalmente?) fazem escolhas que atendem o seu melhor interesse”. Com relação aos equívocos, “o primeiro é que existem alternativas viáveis ao paternalismo. Em muitas situações, alguma organização ou agente precisa fazer uma escolha que afetará as escolhas de outras pessoas”.

O segundo

equívoco “é que o paternalismo envolve coerção”, o que não é verdade. Os autores exemplificam com uma cafeteria que organiza seus alimentos para influir o consumidor – a alocação dos alimentos nas prateleiras pode melhorar ou piorar o bem-estar dos consumidores (argumento contra o equívoco primeiro) e tal alocação não coage ninguém a consumir (argumento contra o equívoco segundo). 35 A aplicação do paternalismo libertário não é contraditório ao liberalismo (liberdade, aliás, é pressuposto deste trabalho). É um complemento. Pela constatação de que as pessoas não fazem escolhas racionais, ou escolhas que atendem, realmente, seu melhor interesse, elas podem ser dirigidas, incentivadas, com um empurrão, a tomar o rumo certo. Não se viola o direito da escolha; mas se incentiva a escolha racional.

3.3.2. Sujeitos envolvidos O nudge pode ser realizado por sujeitos privados e públicos. Sujeitos privados podem ser empresas, desde o uso de nudges em propaganda36 – ou em sites de internet –, na seleção de detritos, na alimentação de seus funcionários, até na maçaneta da porta. Neste artigo, tratar-se-á do nudge praticado pelo Estado, mediante políticas públicas, escolhidas e densificadas por

34

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 6 (tradução livre). 35

THALER, Richard H. SUNSTEIN, Cass R. Behavioral economics, public policy, and paternalism. Libertarian paternalism. In.: The American Economic Review, v. 93, n. 2. Papers end Proceedings of the One Hundred Fifteenth Annual Meeting of the American Economic Association. Washington, DC, January 3-3, 2003, pp. 175-179. Disponível na internet: http://www.jstor.org/stable/3132220 (acesso em 5 de fevereiro de 2013). 36

Retirado do blog Nudges –“A devious little marketing nudge”– http://nudges.org/2011/09/21/a-devious-littlemarketing-nudge/ (acesso em 5 de fevereiro de 2013)

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

governos a partir de disposições constitucionais. O governo é o arquiteto da escolha [choice architect]. O ambiente propício e adequado para realização das escolhas é elaborado pelo governo. As alternativas, condições, benefícios de escolhas são determinados por ele, igualmente. As pessoas são as destinatárias desse ambiente. Porém, nada será imposto. Haverá alternativas diferenciadas. O que existe é um empurrão em determinada direção e sentido, que pode, é claro, ser alterado pelo indivíduo. Pessoas têm dificuldades ou são incapazes de realizar escolhas racionais. Fazem-nas automaticamente.37 Sunstein e Thaler idealizam os Econs, ou homo economicus, que fazem escolhas sem cometer erros. Os humanos, ao contrário, são falíveis. Não refletem ao fazer algumas escolhas. Portanto, é uma presunção a racionalidade das escolhas. Cada indivíduo acredita – e é uma crença, apenas – que está decidindo bem. Se a maioria da população é obesa, presume-se que a alimentação não é saudável (nem sempre é verdade).38 É demasiadamente otimista39 e pensa que corre menos riscos que outros40. Tende a ignorar as informações e toma decisões sob efeito de preconceitos e reflexões viciadas.

3.3.3. A tendência à escolha da alternativa-padrão [default option] Muitos estudos, de acordo com Sunstein, comprovam que as previsões das pessoas são imperfeitas e preconcebidas (preconceituosas, viciadas - bias). Elas têm forte tendência a 37

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 82. As pessoas escolhem, em determinadas tarefas, por um “sistema automático” e não pelo “sistema reflexivo”, conforme os autores. 38

Este e outros exemplos podem ser encontrados em: THALER, Richard H. SUNSTEIN, Cass R. Behavioral economics, public policy, and paternalism. Libertarian paternalism. In.: The American Economic Review, v. 93, n. 2. Papers end Proceedings of the One Hundred Fifteenth Annual Meeting of the American Economic Association. Washington, DC, January 3-3, 2003, p. 176. Disponível na internet: http://www.jstor.org/stable/3132220 (acesso em 5 de fevereiro de 2013). 39

SUNSTEIN, Cass R. Toward Behavioral Law and Economics. In.: GOWDA, Rajeev. FOX, Jaffrey C. Judgments, Decisions, and Public Policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 220 (edição eletrônica Amazon Kindle). 40

SUNSTEIN, Cass R. Toward Behavioral Law and Economics. In.: GOWDA, Rajeev. FOX, Jaffrey C. Judgments, Decisions, and Public Policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 223 (edição eletrônica Amazon Kindle).

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

manter o status quo (inércia) ou promover a escolha mediana ou padrão.

41

Nesse raciocínio,

“no clássico experimento de Itamar Simonson e Amos Tversky, pessoas instadas a escolher entre uma câmera fotográfica simples e uma mais sofisticada – mais cara –, com mais funções, dividem-se mais ou menos em igual número entre as duas opções. Entretanto, quando a terceira opção – uma atrativa, muito mais cara – foi adicionada, a maior parte das pessoas foi para a mediana [a segunda]”42. Essa câmera, a mediana, é a alternativa-padrão. Alternativas-padrão [default options] são as preferidas pelas pessoas e pelos arquitetos da escolha [choice architects]. Segundo Sunstein, “os efeitos de uma bem escolhida alternativa padrão [default option] é apenas uma demonstração do poder sutil dos empurrões [nudges]”43. Os paternalistas libertários promovem escolhas baseadas nessa alternativa-padrão, auxiliando-as. Assim, é possível utilizar essa alternativa em decisões relacionadas a contratos de seguro, previdência, dirigindo a escolha da pessoa, mas não a obrigando a se resignar com apenas um caminho. Mantém-se a liberdade de escolha, embora sugira, “explícita ou implicitamente o que representa o normal ou o recomendado caminho para seguir”.44 Utiliza-se as idiossioncrasias do indivíduo, os vieses [biases], compreendidos os preconceitos, ignorância, a ausências de regras formais de decisão [heuristics ou heurísticas] para alcançar o resultado desejado.45 Como a pessoa normalmente escolhe a opção mediana, a alternativa-padrão, lícito adotar essa estratégia para se obter os fins adequados de políticas 41

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 7-9. 42

SUROWIECK, James. Downsizing supersize. In.: The New Yorker Magazine, edição de 13 de agosto de 2012, encontrado em http://www.newyorker.com/talk/financial/2012/08/13/120813ta_talk_surowiecki? mbid=social_tablet_e&share=gVneTT¤tPage=all, acesso em 23 de maio de 2013. 43

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 8 (tradução livre). 44

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 84 (tradução livre). Um exemplo de alternativa-padrão é a doação de órgãos. No Brasil, entre 1997 e 2001, as pessoas eram doadores e, caso não quisessem manter o status, deveriam manifestar o não interesse em promover a doação (Lei 9.434/1997, na redação original – a Lei 10.211/2001 revogou o art. 4º, que trazia a disposição). 45

Sobre Heuristics and Biases, conferir: TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, New Series, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, encontrado em http://links.jstor.org/sici? sici=0036-8075%2819740927%293%3A185%3A4157%3C1124%3AJUUHAB%3E2.0.CO%3B2-M, acesso em 23 de maio de 2013 ; TOCCHETTO, Daniela Goya. PORTO JR., Sabino da Silva. Arghhhhh!!! Eu nunca mais vou comer pimenta... Oba! Pimenta! Homer Simpson, arquitetura de escolha e políticas públicas. In.: Economia & Tecnologia, v. 24. Curitiba: UFPR, 2011.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

públicas, dispensando coerção e sanção.

3.4. A crítica de Cass Sunstein à obra de Sarah Conly46 Sunstein critica a obra de Conly, que teceu comentários sobre o nudge. Afirma que “os Estados Unidos estão enfrentando uma série de disputas sobre os limites do paternalismo”, citando como exemplo o Obamacare (Patient Protection and Affordable Care Act), um plano governamental que, entre outras medidas, obriga as pessoas a contratar planos de saúde privados, com intuito de reduzir despesas públicas. Conforme explica Sunstein, um dos argumentos de Conly para justificar o paternalismo é que o governo já toma muitas decisões pelas pessoas e, por isso, não há nenhum problema. E o lado ótimo é que as pessoas evitam de perder tempo com decisões que poderão fazer mal a elas. Sunstein afirma que o problema é que a tese de Conly não respeita a diversidade de gostos pessoais e de situações: “algumas pessoas comem muito mais que outras, e a razão pode ser não a ausência de iniciativa ou negligência aos objetivos de longo prazo, mas nada além do gosto pela comida”.47 Liberdade de escolha é “importante salvaguarda contra equívocos potenciais dos mais bem motivados agentes públicos”48. Além disso, a autora usa demasiadamente da análise do custo-benefício. De qualquer modo, Sunstein reconhece que Conly levanta uma importante questão sobre a teoria de Mill: “Quando pessoas estão provocando sérios riscos a si próprios, não é suficiente celebrar a liberdade de escolha e ignorar as consequências. O que é preciso é uma melhor compreensão das causas e magnitude desses riscos, e uma cuidadosa análise de qual tipo

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SUNSTEIN, Cass R. It’s for your own good! In.: The New York Review of Books. Disponível em http:// www.nybooks.com/articles/archives/2013/mar/07/its-your-own-good/?pagination=false, acesso em 20 de maio de 2013. 47

SUNSTEIN, Cass R. It’s for your own good! In.: The New York Review of Books. Disponível em http:// www.nybooks.com/articles/archives/2013/mar/07/its-your-own-good/?pagination=false, acesso em 20 de maio de 2013, tradução livre. SUNSTEIN, Cass R. It’s for your own good! In.: The New York Review of Books. Disponível em http:// www.nybooks.com/articles/archives/2013/mar/07/its-your-own-good/?pagination=false, acesso em 20 de maio de 2013, tradução livre. 48

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

de resposta poderia trazer resultados agradáveis a danos”.49

4. Síntese das três vertentes Observadas as posições acima, importante que se organizem os argumentos. Entre o menos e o mais, requer-se posição conciliatória, se possível. Como dito acima, Mill defende que os indivíduos podem fazer o que bem entenderem, especialmente para si, exceto se seus atos causarem danos a outrem. No Estado em que há finanças públicas e recursos escassos, e a Constituição define obrigações estatais que não podem ser ignoradas, afirmar que existem ações que não causam danos a terceiros torna-se deveras difícil. Se os direitos têm custos, desimportando a diferença entre positivos e negativos, como já debatido em trabalho de Stephen Holmes e Cass Sunstein50, se o Estado tem o papel de efetivá-los, e esse Estado é sustentado pela contribuição dos indivíduos que vivem em sociedade, todos suportam as ações estatais. Se um indivíduo sofre ferimentos em razão de acidente, e este indivíduo, por decisão própria, ignorou as medidas de precaução (redução de riscos ou danos), em ultima ratio, todos suportarão os custos da cura. Fortalecendo a posição de Sunstein de que se as pessoas correm riscos, mas não se pode ignorar as consequências, não é permitido aceitar, de pronto, o argumento de John Stuart Mill. Há, sim, que se fazer algo. A questão controvertida é definir o quê. No outro extremo, o paternalismo coercitivo é invasivo. Não serve como modelo de atuação estatal, especialmente se as pessoas conseguem tomar decisões simples sobre si próprias e sobre seu bem-estar. E, assim sendo, se as pessoas querem causar danos a si próprias, não é lícito que o governo interfira na escolha dessa alternativa. Então, embora as pessoas tenham consciência do mal que lhes faz a ingestão de bebidas alcoólicas, não há motivo para proibi-las a beber – Conly reconhece esse fato, não obstante traga custos ao Estado, pois, diante dos males inerentes ao alcoolismo, pode haver necessidade de despesas de saúde para 49

SUNSTEIN, Cass R. It’s for your own good! In.: The New York Review of Books. Disponível em http:// www.nybooks.com/articles/archives/2013/mar/07/its-your-own-good/?pagination=false, acesso em 20 de maio de 2013. 50

HOLMES, Stephen. SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. New York: W. W. Norton & Company, 1999.

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tratamento de enfermos por ingestão contumaz de bebidas alcoólicas (a análise do custobenefício apontaria para políticas educativas, não as proibitivas, além de que a proibição seria pouco eficaz). Entretanto, a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança ao trafegar em veículos automotores é comum e poucos questionam sua legitimidade. É, evidentemente, política paternalista. Os motoristas e passageiros do automóvel devem proteger a si próprios. Da mesma forma, os motociclistas devem usar capacete. E, na mesma linha, os pacientes compram medicamentos apenas sob prescrição. Nesses casos, os benefícios superam os custos, sob a análise de Conly. A resposta a ser oferecida – ao se questionar se o Estado deve ser paternalista ou liberal – é complexa e não será apresentada, conclusivamente, neste trabalho. Traçar-se-ão linhas de argumentação e indagações a fim de produzir debates em torno da pergunta: qual o papel do Estado no que concerne à execução das políticas públicas? Retorna-se ao início do texto, no ponto em que se promoveu recorte metodológico. As pessoas conhecem sinais de comunicação. De fato, conhecem. Mas sabem elas promover escolhas adequadas, absorvendo informações para a tomada de decisão? Qual o alcance de políticas públicas educativas, considerando os defeitos decisórios dos indivíduos? Proibir é medida adequada, no lugar das políticas públicas educativas?

5. Os indivíduos não escolhem bem Conforme demonstram Sunstein e Thaler, as pessoas agem por meio de dois sistemas de pensamento: sistema automático (ou intuitivo) e sistema reflexivo (ou racional). Neste, as pessoas são controladas, esforçadas, dedutivas, cuidadosas, respeitosas a normas, mas são lentas; naquele, são incontroladas, não esforçadas, associativas (não dedutivas), rápidas,

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inconscientes e experientes.

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Em certos momentos, funciona um sistema; em outros, o outro

sistema. As tarefas repetitivas, cotidianas, são controladas pelo sistema automático – como dirigir carro; as tarefas novas que dependam de reflexão, pelo sistema reflexivo. De acordo com Tversky e Kahneman, os julgamentos sob incertezas levam a erros diante das heurísticas e vieses [heuristics and biases]. Os indivíduos promovem juízos de probabilidade e de aparências. Por exemplo, “a aparente distância de um objeto é determinada em parte por sua clareza [definição dos contornos]. Quanto mais definido o objeto é visto, mais perto ele parece estar”52. Essa regra heurística promove essa conclusão. Contudo, quanto mais longe, mais difícil determinar a distância (a imagem do objeto torna-se turva). A partir daí, julgamentos intuitivos de probabilidade levam aos vieses [biases], ou ideias preconcebidas de uma realidade, podendo resultar erro. Não se adentrará ao debate travado pelos autores, mas é importante ressaltar que, embora existam regras decisionais do indivíduo, embora a informação esteja disponível, a escolha acertada – a decisão de previsão de algo que acontece, ou suposições – pode não existir. Se as pessoas agem de maneira a cometer erros, o texto de Mill se enfraquece. Não se ignoram as consequências das decisões, que podem ser graves e irreversíveis. Nessa toada, o governo tem responsabilidade para indicar o caminho mais adequado do ponto de vista de suas políticas públicas e objetivos governamentais. Por exemplo, se quer reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, deve promover campanhas educativas; se pretende controlar o uso de 51

SUNSTEIN, Cass. THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Hapiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 20. A partir do trabalho de Daniel Kahneman e Amos Tversky, desenvolveuse a teoria das heurístics and biases, teoria que contribuiu para a análise do sistema automático e sistema reflexivo. (Cf. TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, New Series, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, encontrado em http://links.jstor.org/sici? sici=0036-8075%2819740927%293%3A185%3A4157%3C1124%3AJUUHAB%3E2.0.CO%3B2-M, acesso em 23 de maio de 2013). Daniel Kahneman explica os sistemas 1 (automático) e 2 (reflexivo): “System 1 operates automatically and quickly, with little or no effort and no sense of voluntary control. System 2 allocates attention to the effortful mental activities that demand it, including complex computations. The operations of System 2 are often associated with the subjective experience of agency, choice, and concentration” (KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Londres: Penguin Group, 2011, p. 20, edição eletrônica Kindle). Nessa linha, e abordando o conceito de nudge, conferir: TOCCHETTO, Daniela Goya. PORTO JR., Sabino da Silva. Arghhhhh!!! Eu nunca mais vou comer pimenta... Oba! Pimenta! Homer Simpson, arquitetura de escolha e políticas públicas. In.: Economia & Tecnologia, v. 24. Curitiba: UFPR, 2011, p. 101. 52

TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under uncertainty: heuristics and biases. Science, New Series, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, encontrado em http://links.jstor.org/sici? sici=0036-8075%2819740927%293%3A185%3A4157%3C1124%3AJUUHAB%3E2.0.CO%3B2-M, acesso em 23 de maio de 2013, p. 1124.

KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

antibióticos – a fim de evitar que infecções se tornem imbatíveis –, tomará igualmente medidas. De outro ponto de vista, por suposição, afirmar que as pessoas escolhem mal – no sentido de que promoverão escolhas que as prejudiquem – não justifica as políticas paternalistas. Se escolhem mal para si próprios, votarão mal. Ou seja, por não possuírem informações adequadas, ou por ignorarem consequências, poderão escolher deficientemente os gestores públicos. E, por consequência, estes farão políticas deficientes (sejam paternalistas ou não). Se os agentes políticos escolhem mal – ou podem escolher mal –, promover políticas públicas paternalistas é arriscado. Suponha-se, entretanto, que para votar as pessoas escolham bem. Escolham de acordo com suas opiniões pessoais (há, pois, liberalismo político), de acordo com o grau de coincidência entre suas convicções e as dos agentes públicos. Se a maioria refletir dessa maneira, será o mesmo que a sobreposição da convicção da maioria sobre a minoria. E aqui, a boa decisão será a decisão da maioria. Os que pensarem diferente serão sobrepostos pelas ideias dessa maioria. Isso viola o princípio democrático. Viola a liberdade dos destinatários das políticas. Permitir que agentes públicos escolham no lugar das próprias pessoas é reconhecer a incapacidade de que estas decidam seus rumos. Delegar ao governo a eleição e proibição do que é prejudicial às pessoas é correr o risco de presenciar a interferência governamental em muitas situações da vida privada. O problema é definir de que forma o governo pode promover essa interferência (pois, como visto acima, não pode deixar as pessoas ao léu, fazendo-as correr riscos desnecessários). No Brasil, governos proíbem, entre outras hipóteses: a) trafegar em veículos automotores sem uso do cinto de segurança ou capacete, neste para o caso de motocicletas; b) a compra de medicamentos sem prescrição médica; c) o consumo de substâncias entorpecentes; d) a compra de certos produtos químicos; e) ser trabalhador sem plano de previdência. Inversamente, não proíbem, por exemplo: a) consumo de bebidas alcoólicas, em qualquer quantidade; b) fumar em locais abertos; c) o consumo de alimentos em qualquer quantidade, inclusive refrigerantes; d) compra de ações em bolsa de valores. Difícil delimitar o paternalismo estatal. Dados empíricos podem ser necessários para reforçar os argumentos, análise do custo-

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benefício será elaborada. A despeito disso, a política prevalecerá. O que se escolher, de acordo com a vontade política, como danoso às pessoas será proibido. Não há coerência. E, mesmo que se adote como critério o custo-benefício, ainda assim haverá uma extrema dependência em informações que, provavelmente, não serão completas. Enfatiza-se que não é possível defender uma solução conciliatória, entre o paternalismo e o não-paternalismo, que seja coerente. Ao se afirmar que, nalguns casos, admitese paternalismo coercitivo, noutros, não, o argumento para distinguir um do outro será, possivelmente, de análise de custo-benefício. E não se adotará este critério. Baseado na enumeração das hipóteses fáticas acima, observe-se o consumo de cigarros. Os indivíduos podem escolher sem considerar os riscos (têm consciência do risco, mas o minimizam ou o ignoram). Nesse caso, em estudo realizado por W. Kip Viscusi (1993) e apresentado por Sunstein, “aproximadamente um terço dos fumantes adolescentes acreditam que não existem riscos por fumar um maço de cigarros por dia pelos primeiros anos após o início da prática. Pessoas jovens que fumam acreditam que correm risco abaixo da média. E 85% dos jovens do ensino médio que fumaram acreditaram que eles poderão não estar fumando em cinco anos, contrastando com um estudo contínuo que mostrou que apenas 58% pararam de fumar e 37% aumentaram seu consumo. Aproximadamente 32% desses que fumaram um maço acreditaram que eles poderiam parar de fumar em cinco anos, mas apenas 13% cumpriram sua crença”53 Sunstein diz que esses dados parecem indicar a necessidade do paternalismo (cometem erros ao prever suas futuras experiências), mas, ao contrário, é preciso determinar exatamente quando as decisões das pessoas produzem más experiências futuras, com a finalidade de agir a partir desse ponto. A solução de Sunstein e Thaler (nudge, paternalismo libertário) é evitar que, de um lado, o governo nada faça (evita o liberalismo de Mill) ou que proíba ou sancione condutas (o paternalismo de Conly). Deve-se, pois, manter os leques de escolha, não retirando-os das pessoas; ao mesmo tempo, é possível indicar, recomendar ou dirigir a conduta para que o 53

SUNSTEIN, Cass R. Toward Behavioral Law and Economics. In.: GOWDA, Rajeev. FOX, Jeffrey C. Judgments, Decisions, and Public Policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 225 (edição eletrônica Amazon Kindle), tradução livre.

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indivíduo escolha a alternativa que não lhe provoque danos ou prejuízos em prazos mais longos, que estão fora do alcance reflexivo desse sujeito. Caberá, então, ao arquiteto da escolha promover cenários que prestigiem escolhas melhores, na linha da política pública (da política de governo), mantendo o rol de alternativas para aqueles que desejarem outras soluções.

6. Argumentos finais Exclui-se o liberalismo de Mill, conforme argumentos expostos. Permanecem duas formas de paternalismo: o libertário e o coercitivo. No primeiro, há apenas um direcionamento da conduta, um incentivo para a escolha adequada, dentro de variadas alternativas, do ponto de vista governamental. No segundo, obriga-se a conduta, sem direito a liberdade de escolha, sob pena de, nalguns casos, sanção. Ao se afirmar que “dependerá do caso fático para que se opte pela forma do paternalismo”, estar-se-á, em verdade, optando pelo paternalismo coercitivo. Será requerido um processo reflexivo para fazer a opção para cada caso concreto e critérios como análise do custobenefício, fundamentos moralistas, preconceitos, serão adotados, indicando a inclinação pela segunda forma (a de Conly). Portanto, a saída conciliatória – que admite que em certos casos o paternalismo libertário vence, em outros é o paternalismo coercitivo – torna-se inviável (afirmar que são aceitas ambas as espécies de paternalismo demonstra, em verdade, que se adota o paternalismo coercitivo, pois para determinar qual deles aplicar-se ao caso concreto, será necessária a análise do custo-benefício, típico instrumento do paternalismo coercitivo). Diante do risco de aceitar que outros indivíduos (os representantes, os agentes públicos) decidam no lugar das pessoas, é preferível que se permita às pessoas decidirem os seus próprios rumos. Nada impede que o governo, para efetivar uma política pública, indique, sem coação, o caminho mais vantajoso e sem maiores prejuízos. Não obstante, avaliadas as alternativas, se o indivíduo quiser escolher a menos vantajosa, não é lícito que o governo promova essa escolha no lugar dele. Se o sujeito quiser consumir refrigerante em copo de um litro, deixe-o, embora seja imprescindível que se destaquem alternativas mais vantajosas. Que a alternativa-padrão seja o copo menor. Retiram-se duas pequenas reflexões para futuro debate: a) ao contrário de proibir,

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melhor realizar estudo para descobrir a causa da escolha defeituosa; b) deve-se utilizar os defeitos do processo de escolha das pessoas em prol delas próprias, ou seja, se elas cometem erros comuns, deve-se aplicar esses erros para obter o resultado esperado (como, por exemplo, a alternativa-padrão). O paternalismo libertário é, nesse sentido, preferível ao liberalismo e ao paternalismo coercitivo.

Para citar este artigo: KANAYAMA, Rodrigo Luís. Políticas públicas: entre o liberalismo e o paternalismo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 213-231, abr./jun. 2013.

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