Políticas Públicas indígenas sob a margem da ineficiência tecnoburocrática brasileira

May 26, 2017 | Autor: C. Henrique Ferreira | Categoria: Sociologia, Administração Pública, Gestão de Polìticas Públicas, Antropologia
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

CAIO HENRIQUE CARLOS HENRIQUE FERREIRA LUCAS CABRAL MATHEUS LIMA SARAH ROCHA WILLIAM MARENGONI

Questão Urbana: Políticas Públicas indígenas sob a margem da ineficiência tecnoburocrática brasileira.

São Paulo 2016

CAIO HENRIQUE CARLOS HENRIQUE FERREIRA LUCAS CABRAL MATHEUS LIMA SARAH ROCHA WILLIAM MARENGONI

Questão Urbana: Políticas públicas indígenas sob a margem da ineficiência tecnoburocrática brasileira.

Trabalho

apresentado

à

Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo para conclusão

da

disciplina

ACH0042

Resolução de Problemas II, pelo 2º semestre do curso de graduação em Gestão de Políticas Públicas.

Prof. Dr. Wagner Iglecias

São Paulo 2016

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS Tabela 1. Censo Demográfico 1991/2010

06

Tabela 2. Municípios com as maiores populações indígenas do País

07

Tabela 3. Línguas indígenas mais faladas

12

GRÁFICOS Gráfico 1. Mapa: População indígena na Cidade de São Paulo

09

Gráfico 2. Uso exclusivo das línguas

14

SUMÁRIO 1.

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 4

2.

JUSTIFICATIVA ..................................................................................... 4

3.

OBJETIVO .............................................................................................. 5

4.

METODOLOGIA ..................................................................................... 5

5.

HISTÓRIA E DADOS ESTATÍSTICOS ................................................... 6

6.

HISTÓRIA DOS CECIs ......................................................................... 15 6.1 FUNCIONAMENTO.............................................................................. 15 6.2 ATIVIDADES ........................................................................................ 16 6.3 A IMPORTÂNCIA DOS CECIs ............................................................. 17

7. AS DISFUNÇÕES BUROCRÁTICAS BRASILEIRAS E SUA INFLUÊNCIA NO CICLO DE POLÍTCAS PÚBLICAS ............................................... 17 7.1 BREVE HISTÓRIA DA BUROCRACIA ................................................ 17 7.2. O PROCESSO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................... 19 7.3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INDÍGENAS ......................................... 25 7.4.

O

DEBATE SOBRE A DESCONTINUIDADE DE POLÍTICAS

PÚBLICAS............................................................................................................ 27 7.4. AGENDA DE REFORMA .................................................................... 30 8.

CONCLUSÃO ....................................................................................... 33

9.

REFERÊNCIAS .................................................................................... 35 APÊNDICE A – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA................................... 38

4

1.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como intuito analisar os Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI) na cidade de São Paulo, feitos a partir de 2004, na gestão da então prefeita Marta Suplicy, como exemplo de política pública afetada pela ineficiência tecnoburocrática brasileira com um enfoque descritivo sobre a situação atual e normativo para o debate da modernização do Estado brasileiro e a expansão do programa. Será demonstrada a importância do programa para a manutenção da cultura indígena em comunidades adjacentes aos centros urbanos que contribuem para a “contaminação” da cultura branca imposta aos índios (Ferreira, 2012). Ademais, uma revisão literária sobre o tema da ineficiência burocrática no Brasil, nos auxiliará a compreender as razões pelas quais determinados programas são diretamente afetados por tais entraves. O mapeamento da distribuição indígena no Brasil mostra que a região sudeste onde estão localizados as únicas três unidades dos CECIs – nas comunidades Krukutu, Tenonde Porã e Jaraguá – não é o local onde habitam mais índios no país. Portanto, a partir de uma análise da estagnação da política, em termos de expansão, dá importância para as comunidades usuárias do programa e de um diagnóstico referente ao funcionamento da administração do programa surge o questionamento: quanto o processo da formação dos CECIs é afetado pela problemática da ineficiência? 2.

JUSTIFICATIVA

Há uma vasta literatura sobre educação e cultura indígena no Brasil, entretanto, análises sobre os CECIs ainda são um tema pouco explorado. A manutenção da cultural indígena é uma questão urbana e toda história justifica tal afirmação. Além de podermos utilizar o exemplo do programa para a continuação do debate sobre a modernização do Estado no Brasil e todas as suas consequências para a população.

5

3.

OBJETIVO

Auxiliar no debate da manutenção da cultura indígena a partir do entendimento do funcionamento dos CECIs e compreender as possíveis razões pelas quais o programa não entrou de fato na agenda governamental dos Estados e se manteve estagnado em termos de expansão. 4.

METODOLOGIA

O presente trabalho foi elaborado por meio da revisão literária sobre os temas ineficiência burocrática e a modernização do Estado brasileiro e “educação escolar indígena”. Também foi feita a coleta de dados qualitativos através de uma entrevista não-estruturada com o coordenador do CECI – Jarguá, Karay Popiguá.

6

5.

HISTÓRIA E DADOS ESTATÍSTICOS

Há atualmente, segundo o censo demográfico do IBGE de 2010, no Brasil 190.755.799 de habitantes. Sendo que 817.963 são indígenas. Consta que 38,53 % desse total de indígenas moram na região urbana do país, totalizando 315.180 habitantes. Já na região rural temos um número de 502.783 indígenas povoando essas regiões. Podemos ver esses dados na tabela abaixo:

Censo Demográfico 1991/2010 1991

2000

2010

Total

146.815.790

169.872.856

190.755.799

Não indígena

145.986.780

167.932.053

189.931.228

Indígena

294.131

734.127

817.963

Urbana

110.996.829

137.925.238

160.925.792

Não indígena

110.494.732

136.620.255

160.605.299

Indígena

71.026

383.298

315.180

Rural

35.818.961

31.947.618

29.830.007

Não indígena

35.492.049

31.311.798

29.325.929

Indígena

223.105

350.829

502.783

Fonte: Censo IBGE 2010.

A tabela também mostra o aumento dos habitantes no país, de 1991 a 2010. Podemos notar um aumento substancial de indígenas nesse período: em 1991 somavam 294.131 indígenas no país, em 2000 esse número saltou para 734.127 índios e em 2010 foram contabilizados 817.963 indígenas no Brasil. Nas regiões urbanas esse aumento foi ainda mais considerável. Em 1991 o número de indígenas no país era de 71.096, em 2000 esse número ultrapassou a casa dos 383 mil indígenas sendo que neste ano o número de indígenas no espaço urbano

7

ultrapassou o total de índios nos espaços rurais do Brasil - em 2000 totalizou 350.829 indígenas na área urbana - e em 2010 esse número caiu para 315.180 índios no país. Na cidade de São Paulo, onde se encontram os CECIs que estudamos neste trabalho, o número de indígenas também demonstra certa notoriedade. O município de São Paulo está em lugar quarto entre as maiores populações indígenas do país, ficando atrás apenas de: São Gabriel da Cachoeira, São Paulo de Olivença e Tabatinga. Além disso, no espaço urbano a cidade da garoa está em primeiro lugar no quesito das maiores populações indígenas como podemos ver na tabela abaixo:

Municípios com as maiores populações indígenas do País, por situação do domicílio Brasil – 2010 Total

Urbano

Município

POP

Município

1

São Gabriel da Cachoeira

29.017 São Paulo

2

São Paulo de Olivença

14.974

Rural POP

Município

POP

11.918

São Gabriel da Cachoeira

18.001

Tabatinga

14.036

São Gabriel da 11.016 Cachoeira

3 Tabatinga

14.855 Salvador

7.560

São Paulo de Olivença

12.752

4 São Paulo

12.977 Rio de Janeiro

6.764

Benjamin Constant

8.704

6.072

Santa Isabel do 8.584 Rio Negro

5

Santa Isabel do Rio 10.749 Boa Vista Negro

6 Benjamin Constant 9.833

Brasília

5.941

Campinápolis

7.589

7 Pesqueira

Campo Grande 5.657

São João das Missões

7.528

9.335

8

8 Boa Vista

8.550

Pesqueira

4.048

Alto Alegre

7.457

9 Barcelos

8.367

Manaus

3.837

Amambai

7.158

7.936

Recife

3.665

Barcelos

6.997

10

São João das Missões

Fonte: Censo IBGE 2010.

Como podemos observar a cidade de São Paulo apresenta 12.977 indígenas sendo que 91,8% desses índios estão localizados na região urbana do município de São Paulo, totalizando 11.918 habitantes. O censo demográfico de 2010 identificou indígenas em todos os distritos de São Paulo como podemos ver na imagem abaixo. O censo resulta na divisão dos 12.977 indígenas nos distritos do município. Com a maior população estão Parelheiros (1002 indígenas), e o bairro de Jaraguá (583 índios) que é onde se situa o CECI Jaraguá que tivemos o maior contato, inclusive com entrevista, neste trabalho - nesta região está situado o povo Guarani.

9

Fonte: Censo IBGE 2010.

Antes de adentrarmos a história dos CECIs queremos, ademais, ressaltar um breve histórico das escolas indígenas no Brasil.

10

A escola para índios no Brasil começa a se estruturar a partir de 1549, quando chega ao território nacional a primeira missão jesuítica enviada de Portugal por D. João III. Composta por missionários da Companhia de Jesus e chefiada pelo padre Manuel da Nóbrega, a missão incluía entre seus objetivos o de converter os nativos à fé cristã (Caderno SECAD, 2007).

Para ensinar os índios a ler e escrever os missionários jesuítas encararam muita resistência por parte dos indígenas, a principal procura foi pelas crianças. Aos poucos foram sendo instaladas casas e os colégios para doutrinar os indígenas. Nesse tempo os estudos eram amplos e voltado pra ajudar os jesuítas serem ajudados para catequizar outros índios. Mas esses ensinamentos, impostos e distantes da realidade dos nativos, não produziram mudanças no seu modo de vida, da forma direta e com a rapidez e facilidade que esperavam os portugueses. Bastava que eles voltassem ao convívio com outros índios que, mesmo aqueles que eram batizados, retornavam aos seus costumes e crenças (Caderno SECAD, 2007).

Em 1757 foram criados diretórios que tinha o intuito de usar os indígenas pensando mais na contribuição deles para a reprodução agrícola. O uso da língua indígena EME sala de aula foi proibida, sendo apenas a língua portuguesa obrigatória. Em 1798 foi revogado o Diretório dos índios, voltando apenas em 1845 novamente com os missionários a frente da responsabilização dos ensinamentos com os índios, seguindo as diretrizes do Decreto 426 de 24 de julho de 1845. Assim, nesse período, incluía-se também como função da educação para os índios a formação voltada para certos ofícios. O Regulamento da Catequese e Civilização dos Índios, de 1845, propunha a criação de ofi cinas de artes mecânicas e o estímulo à agricultura nos aldeamentos indígenas, bem como o treinamento militar e o alistamento dos índios em companhias especiais, como as de navegação (Caderno SECAD, 2007).

Entre 1808-1889 no Período Imperial o ensino para indígenas esteve presente nas agendas políticas, porém nunca representou algo importante para os índios. Não foi desenvolvido algo que realmente entusiasmaram os indígenas em relação a educação dos mesmo.

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Em 1910 foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e em 1967 foi extinta e repassada a então Fundação Nacional do índio (FUNAI). A educação escolar, uma das ações de proteção e assistência sob a responsabilidade desses órgãos indigenistas, assume papel fundamental no projeto republicano de integração do índio à sociedade nacional por meio do trabalho. Ela é posta como fundamental para a sobrevivência física dos índios e inclui não só o ensino da leitura e da escrita, mas também de outros conhecimentos como higiene, saneamento, estudos sociais, aritmética, ensinamentos práticos de técnicas agrícolas, marcenaria, mecânica e costura. A finalidade disso é fazer com que os indígenas passem a atuar como produtores de bens de interesse comercial para o mercado regional e como consumidores das tecnologias produzidas pelos nãoíndios, constituindo também uma reserva alternativa de mão-de-obra barata para abastecer o mercado de trabalho. No programa de educação bilíngue então vigente, os índios eram alfabetizados na sua língua materna ao mesmo tempo em que eram introduzidos no aprendizado da língua portuguesa. Quando atingiam o domínio deste idioma, o ensino passava a ser realizado exclusivamente em português. Essa metodologia, na qual a língua materna é usada como ponte para o domínio da língua nacional, é chamada de bilingüismo de transição. A partir dela a língua indígena servia para facilitar, e mesmo acelerar, o processo de integração do índio à cultura da sociedade não-índia, pois quando

aprendia

o

português

e

deixava

de

falar

sua

língua,

simultaneamente, abandonava seu modo de vida e sua identidade diferenciada (Caderno SECAD, 2007).

Com a instalação da FUNAI no Brasil, diversas diretrizes e formas para o aprendizado dos índios foram desenvolvidas e aprimoradas, além das constantes reivindicações por parte de organizações indígenas. Chegando ao ponto de que as atividades educacionais deveriam ser desenvolvidas por iniciativa própria pelos professores indígenas, devido a proximidades destes com a cultura de sua comunidade. Como é visto nos projetos dos CECIs, por exemplo. A constituição de 1988 traz definições da educação indígena o que culminou com mudanças históricas para os povos indígenas do Brasil (Caderno SECAD, 2007).

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A partir dela a relação entre o Estado brasileiro e os povos indígenas se transforma e a política estatal indigenista, de caráter integracionista e homogeneizador, vigente desde o período colonial, dá lugar a um novo paradigma, no qual esses povos passam a ser considerados como sujeitos de direitos. Essa mudança se deveu, principalmente, à superação, no texto constitucional, da perspectiva integracionista. Isso se mostra de forma nítida quando se reconhece a pluralidade cultural e lingüística da sociedade brasileira, característica até então vista como obstáculo para a formação e desenvolvimento do Estado-nação. Em decorrência desse reconhecimento, fica definida como responsabilidade da União assegurar e garantir aos povos indígenas o direito de serem diferentes, de manterem sua organização social, seus costumes, suas línguas, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As políticas públicas relativas à Educação Escolar Indígena pós-Constituição de 1988 passam a se pautar no respeito aos conhecimentos, às tradições e aos costumes de cada comunidade, tendo em vista a valorização e o fortalecimento das identidades étnicas. A responsabilidade pela definição dessas políticas públicas, sua coordenação e regulamentação é atribuída, em 1991, ao Ministério da Educação (Caderno SECAD, 2007).

Feito esse caminho, as escolas hoje, para os indígenas são meios para pulverizarem seus ensinamentos antigos para os seus descendentes, além de se relacionarem com os não indígenas e fazerem parte da sociedade, respeitando suas culturas.

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Censo Escolar indígena - Línguas indígenas mais faladas por números de matrículas e de estabelecimentos Posição

Línguas indígenas Matrículas

Estabelecimentos

1

Tikúna

117

2

Kaiowá (Guarani) 13.082

53

3

Kaingang

10.762

81

4 5 6

Guajajara Nheengatú Makuxi

8.479 8.366 7.776

169 77 113

7

Terena

5.847

24

8

Xavante

5.190

89

9

Mawé

3.896

75

10

Yebá-masã

3.884

74

11

Mundurukú

3.482

51

12

Kaxinawá

2.857

78

13

Wapixána

2.274

26

14

Baniwa do Içana

2.273

58

15

Krikati

1.920

22

16

Kulina

1.912

40

17

Xeténte

1.748

40

18

Karajá

1.653

14

19

Yanománi

1.576

20

17.296

Fonte: MEC/Inep/Deep , 2008. A tabela acima se refere às línguas indígenas mais faladas nas instituições escolares. Sendo que hoje no Brasil, segundo o censo escolar de 2008, temos 220 tipos de línguas indígenas diferentes e que 180 línguas estão inseridas em escolas bilíngues ou escolas que apenas falam a língua da comunidade onde se localizam.

14

Fonte: Censo escolar indígena, 2008.

Continuando, em relação ao uso das línguas em escolas, temos o gráfico acima que se refere ao uso das línguas indígenas e da língua portuguesa nas cinco regiões brasileiras. Vemos que no Sudeste temos o maior índice de escolas que apresentam apenas a língua nativa nas instituições escolares. Essa preocupação com a língua é também a principal briga dos índios hoje com o MEC e com a FUNAI. A língua tem um aspecto de extrema importância para os índios.

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6.

HISTÓRIA DOS CECIs

Durante a década de 90, especialmente no ano de 1999, durante a gestão do prefeito Pitta, os índios guaranis, residentes em São Paulo, formularam um projeto que iniciaria algumas medidas para proteger e manter a cultura guarani, dentro delas estava a criação de escolas que seriam o principal meio de atingir os objetivos desejados. No entanto, após pesquisas em campo, foi descoberto que o projeto foi ignorado por completo pela gestão municipal, frustrando toda a população guarani que sonhava com uma forma de manter a sua cultura. Alguns anos se passaram e a gestão Marta teve início. Dessa forma, os índios guaranis viram uma nova esperança para que o projeto fosse colocado em prática. Logo de início, líderes das tribos se reuniram com secretários municipais e a própria Marta Suplicy para mostrar como o projeto funcionaria e de que forma a gestão municipal poderia ajudar. Segundo nossa entrevista, não houve rejeição por parte da nova prefeita, sendo que, segundo ela, haveria no máximo uma demora na implementação do projeto, o que de longe aconteceu. Em menos de três meses o projeto estava pronto e aprovado, e em pouco tempo a primeira unidade do CECIs foi entregue e estava em funcionamento. Logo após a entrega dessa primeira unidade, mais duas foram criadas, formando um tridente que reforça muito o mantimento da cultura indígena guarani. 6.1 FUNCIONAMENTO Os CECIs foram criados para manter a cultura indígena, desta forma, todas as atividades são voltadas para as crianças guaranis de até 6 anos, sendo que após essa idade, as aldeias possuem escolas estaduais direcionas para crianças a partir de 7 anos. Passada essa informação, pode-se dar início as atividades e funcionamento que os CECIs possuem. Todo o projeto pedagógico foi formulado por líderes das tribos em conjunto com antropólogos contratados pela prefeitura de São Paulo, com o objetivo de manter ao máximo todas as atividades de acordo com a os costumes indígenas. No entanto, os mesmos passaram por algumas dificuldades na hora de implementar

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certos pontos do programa pedagógico, entre eles a definição de cargos de professores e diretores, que tiveram de ser redefinidos para cargos de monitores e orientadores, devido a uma parte da legislação que diz que pessoas sem um diploma de magistratura não podem ministrar aulas. Desta forma, em parceria com diversas entidades educacionais, incluindo a USP, foram criados projetos de capacitação a indígenas, para que eles pudessem ministrar aulas como professores e diretores. Cada CECI possui 6 monitores, cada um sendo responsável por 20 crianças. Os CECIs ainda contam com outro diferencial: o calendário. Em conjunto com os guaranis, antropólogos criaram um calendário de aula que respeitasse toda a tradição indígena, sendo as que as atividades são reguladas de acordo com as festas, e demais atividades sazonais que os guaranis possuem. 6.2 ATIVIDADES Todas as atividades realizadas são de cunho indígena, desta forma, a maneira que os CECIs se relacionam com suas crianças é completamente diferente de como vemos escolas comuns. Todas as aulas e atividades são ministradas na língua guarani, de forma que as crianças mantenham essa parte da cultura, e depois dos 6 anos aprendam o português brasileiro. Desta forma, foram definidas quatro linhas temáticas para as atividades dentro dos Centros Educacionais: história e memória, artesanato, brinquedo e brincadeiras, culinária. Esse último item nos traz um curioso fato. Durante a semana são separados dois dias em que os pratos servidos seguem totalmente a linha de culinária indígena, sendo eles preparados em parte pelas próprias crianças. Existem ainda diversas outras atividades que são ministradas dentro dos CECIs, entre elas: caça, pesca, horticultura, aprendizado de como andar pelas matas e bosques.

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6.3 A IMPORTÂNCIA DOS CECIs Após pesquisarmos de diversas formas, e após a entrevista realizada, chegamos a conclusão que os CECIs possuem uma forte importância para o mantimento da cultura indígena e garante um futuro para as crianças, não só culturalmente, já que é importante ressaltar que antes desse projeto se tornar realidade existia um elevado índice de mortalidade entre as crianças guaranis devido a falta de alimento. Esse problema foi resolvido após a implementação dos CECIs, diminuindo drasticamente o número de mortos nas aldeias. 7.

AS

DISFUNÇÕES

BUROCRÁTICAS

BRASILEIRAS

E

SUA

INFLUÊNCIA NO CICLO DE POLÍTCAS PÚBLICAS No capítulo a seguir faremos uma análise de como as disfunções burocráticas brasileiras influenciam em todo o ciclo de políticas públicas, assim como, debateremos o sistema político e suas consequências para a formação de políticas públicas indígenas. 7.1 BREVE HISTÓRIA DA BUROCRACIA Para iniciarmos o debate sobre a influência que as disfunções burocráticas brasileiras têm no processo de formação de políticas públicas – e principalmente as indígenas que são nosso enfoque – devemos obrigatoriamente introduzir uma breve história da burocracia. Ademais, seguiremos o modelo de explicação de Motta e Vasconcelos (2006) 1 pela sua didática. A teoria da burocracia advém da sociologia e foi elaborada por Max Webber num período em que a administração estava atrás de modelos de gestão que fossem eficientes. Podemos definir a burocracia como sendo um sistema que busca organizar de forma duradoura e estável um grande número de indivíduos, dividindo as funções, separando o público e o privado.

1

Cf. Teoria Geral da Administração, 3°Ed. 2006.

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Para Weber, qualquer organização, sociedade ou grupo que se baseie em leis racionais é uma burocracia. E essas organizações burocráticas apresentam três principais características: formalidade, impessoalidade e profissionalismo, que compõem o tipo ideal de burocracia que tem como pretensão moldar o comportamento humano por meio do exercício da autoridade racional – legal, para assim, atingir os objetivos da organização. Formalidade: normas, regras e procedimentos que regem o comportamento dos indivíduos na organização. A autoridade é definida e aceita em forma de lei. Portanto, todos são iguais perante a lei. Impessoalidade: A autoridade dentro de uma hierarquia numa organização é dada pelo cargo e não pelo individuo em si. É uma destituição do patrimonialismo. Profissionalismo: Os funcionários de uma organização burocrática são remunerados por seus serviços, fazendo da organização uma forma de obter os meios de subsistência. São ingressados por suas qualificações – sistema meritocrático - que são aprimoradas via treinamento. Os princípios que regem essa teoria são: 

Funções definidas;



Direitos e deveres regulamentados por lei;



Hierarquia;



Separação entre propriedade e administração;



Meritocracia.

O oferecimento de uma teoria que é baseada em métodos científicos, como é a teoria da burocracia weberiana, permite, em tese, certa previsibilidade do comportamento dos indivíduos e, por conseguinte, evitam-se práticas como o despotismo e o clientelismo, gramática já muito conhecida dentro da política brasileira (NUNES, 1997). Toda via, o que a população enxerga como burocracia são suas disfunções. O excesso de papelada, processos extremamente cansativos e morosos, ou seja, apego exagerado à regras, normas e procedimentos. Maia e Pinto (2007) reforçam a ideia:

19

O problema da burocracia não é exclusivo da administração pública, apesar de que para o cidadão comum o contato maior com a idéia de burocracia se dá quando ele se vê obrigado a enfrentar filas, balcões, excesso de papéis, protocolos e exigências, entendendo a burocracia como uma organização que impede soluções rápidas e ou eficientes. O termo burocracia tem recebido uma conotação negativa nas organizações atuais, sendo associado a infinitas regras e problemas burocráticos

Por fim, há de ressaltar que a teoria da burocracia weberiana é uma escola da administração clássica, portanto, tem um enfoque formal-estrutural e de orientação fechada, fato que limita demasiadamente qualquer análise generalizada quanto a eficácia de seus conceitos. 7.2. O PROCESSO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Uma breve revisão literária nos fornece um importante entendimento sobre o processo que existe até a implementação de uma determinada política pública. Para auxiliar – não somente os atores detentores do poder político, mas também o cidadão comum – Harold Lasswell, Hugh Heclo e David Easton que são os autores pioneiros neste gênero de estudo da ciência política (HOWLETT, RAMESH apud NOGUEIRA, 2006) esquematizaram o desenvolvimento das políticas públicas elaborando o famigerado ciclo de políticas públicas. Contemporaneamente, há uma vasta quantidade de sistematizações deste chamado ciclo de políticas públicas, entretanto usaremos a definição da cientista política e professora da Universidade de São Paulo, Marta M. Assumpção Rodrigues que em seu livro “Políticas Públicas” (2010) diz: De acordo com esse modelo, as políticas públicas são concebidas como um processo, composto por um conjunto de atividades (“etapas” ou “estágios”) que visam atender as demandas e interesses da sociedade. Essas atividades constituem-se de sistemas complexos de decisões e ações, tomadas por parte da autoridade legítima (ou instituições governamentais), de acordo com a lei. Entre essas atividades estão: preparação da decisão política, agenda setting, formulação, implementação, monitoramento e avaliação. (RODRIGUES, M.M.A., 2010)

20

Esta sistematização foi de suma importância para o reconhecimento da sociedade civil como participante do processo de formação das políticas públicas (NOGUEIRA, 2006). Portanto, uma espécie de contribuição democrática. Entretanto, sabe-se que a ideia que a palavra “ciclo” nos transmite passa um quê de linearidade em todo o processo, mas não funciona desta forma. O ciclo funciona apenas como um método de análise (Ibidem). Veremos no decorrer no trabalho que a ineficiência burocrática é um dos fatores que mais contribuem para o atraso e a depreciação de todo esse processo. Por ora, destacaremos como funciona cada etapa. Preparação da decisão política: Na primeira etapa do ciclo de políticas públicas o que, de forma normativa, deve ser feito é a identificação da problemática (issue) e se de fato isso compete ao Estado como agente e responsável por formular uma solução/alternativa – a política pública, propriamente dita. Entretanto, não basta que a o tal issue seja de fato, algo da responsabilidade do Estado. Sabe-se que aqueles atores que possuem o poder político, na maioria das vezes não convergem no que concerne a ideal político, fator que molda esta fase do ciclo e a torna sem linearidade (NOGUEIRA, 2006). Ademais, a saúde econômica do Estado, a política externa, crises sociais e acidentes naturais também influem. Agenda setting Daremos um foco mais acentuado a essa fase do ciclo devido ao nosso estudo de caso e as informações que obtivemos do Coordenador do CECI – Jaraguá, Karay Popiguá. Como foi dito, o CECI partiu de uma iniciativa dos próprios guaranis, inclusive a criação do projeto: P: Foram vocês mesmos que elaboraram o projeto? W: Isso, elaboramos o projeto, pensamos de que forma íamos atender as crianças, apresentamos o projeto pro Estado, mas o Estado nem deu bolo pro projeto.

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P: Quem era o prefeito na época? O Pitta ou o Maluf? W: Foi antes da Marta, a gente levou o projeto. A gente queria que as crianças aprendessem a falar nossa língua. Aprendessem não, porque falar eles já sabem, mas um fortalecimento (inaudível) a gente sabe que o nosso espaço diminuiu bastante então nossa preocupação maior é com as crianças.

Como

conseguir

alimento

(inaudível)

então

a

ideia

foi

amadurecendo, ai levamos o projeto. P: Até a arquitetura foi ideia de vocês? W: Tudo. W: Na época teve a eleição municipal e na época assumiu a gestão do PT então: nós vamos tentar de novo. Mudou de prefeito, de gestão né? Pra ver o que a gente podia conseguir (inaudível). Na época da gestão do PT assumiu a Marta, ela ganhou, a gente viu na fala dela, a gente acompanhou na mídia, no site, nas emissoras. Ela estava falando muito de apoiar a comunidade que não tinha renda suficiente e falava da questão da cultura, que ia dar mais apoio na parte cultural, então vamos tentar. Então a liderança, o Marcos Tupan, o Timóteo, aqui a gente tem o José Fernandes, eles entregaram o projeto. P: Então a Marta aceitou o projeto? W: Assim, ela falou: vamos analisar e depois vamos ver como vai ficar. A aceitação foi rápida. Dentro de 15 dias chamaram as lideranças, conversaram sobre o projeto, que finalidade era, então ela falou: vamos, pra mim está tudo bem. Gostei do projeto, é interessante. O problema é que tem que passar pela câmara dos vereadores. E isso dentro de 2, 3 meses avisaram a liderança que o projeto foi aprovado (inaudível) o projeto da comunidade ser vista por eles, pela própria comunidade...ficaram bem felizes. Foi uma forma de fortalecer o alimento das crianças. Era muito difícil, a gente tinha a mortalidade. Quase duas, três crianças por mês, isso era preocupante pra gente... pessoal na época era a antiga FUNASA, o ministério da saúde estava muito preocupado. Isso... levamos ao conhecimento do ministério público, na época da gestão da Marta. Ela ficou muito preocupada também. Falou: Vamos ajudar sim porque o poder público tá pra isso também. Não é somente fazer melhorias, mas na parte da saúde, na alimentação sejam elas indígenas ou não indígenas. (POPIGUÁ, 2016)

22

Nota-se aqui, que o projeto CECI não estava na agenda. Obviamente, ele se quer existia. Não se sabe a razão pela qual a gestão anterior a da Marta, que o entrevistado cita, se quer prontificou-se a “dar bola” para o projeto dos guaranis, entretanto, como falamos anteriormente, esse processo de tomada de decisão não é linear e está sujeito a este tipo de resposta do Estado. A ex-prefeita Marta, já conhecedora deste processo já previa um entrave na câmara dos vereadores mesmo sendo ela a prefeita. É o jogo político inerente ao tipo de regime que vigora no Brasil. Em seu texto, How Do Issues Get On Public Policy Agendas? Kingdon define a agenda governamental como uma lista de temas ou problemas que os atores governamentais e aqueles próximos a eles estão seriamente atentos. Portanto, o processo da agenda setting limita-se a uma lista de temas concebíveis dentro de qualquer domínio (dentro da saúde, transporte, ou bem-estar social). (1993, tradução nossa).

Observando que os atores em volta do governo tinham preferências em relação a determinados problemas, Kingdon parte do modelo garbage can (COHEN, MARCH, OLSEN, 1972), onde as organizações se estruturam de forma “anarquizada”, e propõe três fluxos (streams) numa revisão do modelo garbage can: ele cita o reconhecimento da problemática, a propostas de soluções e a condição política.

Quando

funcionamento

esses

adequado

três é

streams que

ocorre

estão a

simultaneamente grande

mudança

em na

pleno agenda

governamental. Para que essa mudança repentina ocorra é preciso uma boa visão do momento. É o que ele chama de janela de oportunidade (mudança de gestão, mudança ideológica no congresso, etc.). Quando fecha-se essa janela, a inclusão do issue deve esperar outra oportunidade. Formulação Após reconhecer-se o problema como de responsabilidade governamental e em seguida inseri-lo na agenda, dá-se o passo em direção à formulação de uma

23

resposta/solução para o problema em questão. A partir de análises do ambiente sociopolítico e econômico, com o intuito de legitimar a política a ser feita, os gestores de políticas públicas, assim como os detentores de poder político iniciam a formação de coalizões, negociações, etc., para que a política saia de fato do papel (RODRIGUES, 2010). Embora a constituição de 1988 dê à sociedade civil poder para participar deste processo, Teixeira (2008), aponta que o que se observa de fato, é a dependência da vontade política do governo e da pressão da sociedade civil. Implementação Esta etapa tem por objetivo colocar a política desenhada no processo de formulação, em prática (RODRIGUES, 2010). A disposição dos recursos – humanos e materiais – também possui um papel importante. Lima e D’Ascenzi (2012), observaram que a literatura sobre implementação de políticas públicas tem um enfoque maior nas questões que permeiam o sucesso ou o fracasso da implementação dessas políticas públicas. Mazmani e Sabatier (apud LIMA; D’ASCENZI, 2012), por exemplo, pensaram em um modelo pré-estabelecido de variáveis, que do ponto de vista normativo, podem prever o sucesso da implementação. Eles apontam, ademais, que Berman (1978) e Elmore (1979) vão em direção contrária a previsibilidade de variáveis, indicando que a problemática gira em torno da interação política com as organizações executoras. Outros autores como Cline (2000) mostram que problemas de comunicação, especificação de objetivos e conflitos de interesses também influem. São, portanto, rubricas relativas à esfera político-administrativa. Monitoramento O processo de monitoramento é também extremamente importante para a consolidação da política pública. É aqui que se confere o andamento das diretrizes apontadas na implementação. Por conseguinte, há a possibilidade de correção de possíveis erros

com

o intuito

de

maximização

dos

objetivos

apontados

anteriormente. O conceito de efetividade é essencial aqui. Coelho (2012) define da seguinte forma:

24

(...) a Orientação para a Efetividade tem como esteio, que se traduzem como suas motivações, os déficits de democracia participativa e, ainda, a inequidade da gestão de políticas públicas na sociedade, bem como o não atendimento de direitos sociais ou, quando atendidos, as falhas de impactos (e efeitos) dos serviços e políticas públicas sobre o público-alvo. Tem entre os seus focos o princípio da participação e subentende a efetividade na perspectiva de se “fazer diferença para o beneficiário”, considerando os seus direitos sociais como cidadão vis-à-vis aos processos e resultados da gestão/políticas públicas. Surge com a ideia de desconcentração do poder do Estado para a sociedade civil, o que leva ao design de mecanismos de participação e instrumentos de controle social. Desenvolve-se, igualmente, pela ideia do desenvolvimento humano integrado, sobretudo da cidadania, respeitando a territorialidade das políticas públicas e o princípio da subsidiariedade e, assim, tendo como locus das inovações o nível subnacional.

Avaliação Finalmente, o último estágio do ciclo de políticas públicas se constitui no processo de avaliação. Por conseguinte, é um processo a posteriori. É a averiguação das metas e propostas debatidas e aplicadas durante todo o ciclo. Para Trevisan e Bellen (2008), a avaliação deve proporcionar informação que seja crível e útil para permitir a incorporação da experiência adquirida no processo de tomada de decisão. Entretanto, não há um consenso sobre a melhor metodologia de avaliação. Ala Harja e Helgason (2000) fazem uma síntese do debate sobre avaliação: Alguns enxergam a avaliação como um novo modismo que cria muita burocracia e gera poucos resultados. Outros a vêem como algo essencialmente teórico, de pouca aplicação prática e incapaz de gerar resultados com relação às políticas de maior alcance, tendo seu efeito limitado a questões marginais. Há, ainda, quem receie que possam levar a um controle excessivo, ou aqueles que simplesmente não querem se responsabilizar. Por último, podem-se levantar questões a respeito do valor da avaliação em um ambiente onde o desempenho é continuamente mensurado e tomado como base contratual.

25

Toda via, apesar do debate sem consenso, o processo de avaliação continua sendo de extrema importância para a concretização e análises dos objetivos. Seja uma política pública com orientação pela eficiência, eficácia ou efetividade 2. 7.3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INDÍGENAS As políticas públicas para povos indígenas têm se mostrado cada vez mais necessárias no âmbito de preservar e ampliar os direitos e a participação dos povos na discussão e formulação de políticas públicas que venham a impactar sobre a realidade dos indígenas. Por ser um grupo dotado de especificidades, é necessária a participação direta de povos indígenas na formulação dessas políticas, até mesmo para um melhor entendimento e eficiência da política, entrando nos espaços de participação como os Conselhos Nacionais de Educação Escolar Indígena, de Saúde e Saúde Indígena, Segurança Alimentar, Política Cultural, entre muitos outros espaços onde a participação e representatividade indígena se mostra necessária, para que haja voz a essa parcela da sociedade, e para que os modos de vida indígena sejam respeitados e valorizados em políticas desenvolvidas em todas as esferas. Algumas políticas públicas criadas como Ater, PAA, PNAE, tem buscado a inclusão dos indígenas em participação na troca de experiências e qualificação, relacionada à produção de alimentos, onde se busca integrar conhecimentos e reduzir o preconceito para com outras etnias. Alguns direitos já foram adquiridos visando o respeito e assessoria aos povos indígenas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho dispõe: Artigo 7o 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de

2

Cf. Reformas e Inovações na Gestão Pública no Brasil Contemporâneo, 2012.

26

controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação,

aplicação

e

avaliação

dos

planos

e

programas

de

desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria. 3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possíve1, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas. 4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam.

Dessa forma, se mostra essencial a colaboração entre as partes para o melhor encaminhamento de políticas que virão a desenvolver em conjunto as diretrizes de preservação e respeito às diferentes etnias que acabam sendo desfavorecidas por fazerem parte das minorias, e assim têm seus costumes e sua cultura ameaçados. A participação indígena em todas as esferas se mostra necessária não apenas no desenvolvimento de políticas específicas voltadas aos indígenas, mas na participação de políticas públicas no geral, pois mesmo que pequena, representam uma parte da população que muitas vezes tem sua cultura influenciada pelas diversas áreas que a colocam a margem e desconsideram a relevância e importância do povo indígena que fizeram e fazem parte da formação de nossa sociedade. Com as tentativas de integrar conhecimentos, organizações como a FUNAI, demonstram que assim como outras minorias da população, os indígenas querem apenas ter voz, e poderem ser representados, principalmente no tocante a

27

preservação de sua cultura e seu povo que cada vez mais é sufocado pelo crescimento urbano. 7.4. O DEBATE SOBRE A DESCONTINUIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS Levantaremos a questão da descontinuidade de políticas públicas pela análise que fizemos do CECI – Jaraguá. Não porque o projeto foi paralisado, mas pela razão de apenas existirem três unidades no Brasil inteiro desde a fundação, pelas dificuldades enfrentadas pelos funcionários do CECI em relação à troca de gestão – seja de prefeito, ou da instituição terceirizada que administra – e pela demanda dos povos indígenas por mais CECIs, já que existem outras áreas urbanas no Brasil com grande concentração de povos indígenas. A concepção de continuidade e descontinuidade de políticas públicas abrange as dificuldades encontradas na administração pública, geradas pelas sucessivas trocas de gestão. A descontinuidade administrativa tem origem no clientelismo e personalismo, na necessidade inovadora por parte da nova gestão. A expressão ‘continuidade e descontinuidade administrativa’ refere-se aos dilemas, práticas e contradições que surgem na Administração Pública, Direta e Indireta, a cada mudança de governo e a cada troca de dirigentes. Como fenômeno, manifesta-se pelas consequências organizacionais de preencher um sem número de cargos de confiança, explícita ou implicitamente disponíveis para distribuição no interior das organizações públicas (SPINK, 1987, p. 57).

Grande parte dos problemas de descontinuidade ocorre pela divergência entre os diferentes partidos políticos que alteram as diretrizes determinadas pelos partidos anteriores, os chamados “cargos de confiança” contribuem nessa mudança de foco (NOGUEIRA, 2006). Por fazer

parte

da

democracia,

as trocas

de gestões,

acarretam

consequências tanto para o corpo técnico, quanto para os dirigentes. A nova gestão herda da anterior tanto os avanços, quanto os entraves, sendo assim, o pensamento

28

inicial acaba sendo sempre o de “arrumar a casa”, traçando novas diretrizes e/ou procurando resolver as complicações geradas na última gestão. Por ser de natureza pública, dificuldades e tempo necessários para que a casa seja arrumada, acabam sendo grandes e demandando recursos, dessa forma, a nova gestão, leva boa parte de seu tempo de governo, nesse processo, postergando a implementação das políticas planejadas anteriormente. Para o corpo técnico, há também a dificuldade de a cada gestão estar sempre mudando o seu foco, e tendo que mudar as linhas traçadas anteriormente e não concluídas pela gestão anterior, podendo levar até ao que Spink (1987) diz relacionar-se ao estado de anomia de Durkheim, onde não existe o sentido de pertencimento a um órgão ou função, sem o entendimento burocrático da eficiência de cargos. Por outro lado, esse mesmo corpo técnico se utiliza da descontinuidade para justificar narrativas organizacionais diferentes aos dirigentes, resultando em visões fragmentadas e consequentemente a perda de memória organizacional. Os burocratas tendem a criticar as novas prioridades, pois as peculiaridades e história da instituição estariam sendo desrespeitadas. O outro lado ressalta o insulamento burocrático (NUNES, 1997), o imobilismo e a falta de espaço para inovações. É clara a necessidade, não de definir como negativos ou positivos os fenômenos de descontinuidade, mas entender os fenômenos e suas consequências na administração para que seja possível encontrar possíveis soluções. Continuidade e descontinuidade não ocorrem de forma extrema, em uma administração podem ocorrer elementos de ambas as situações, podendo haver mecanismos de continuidade em meio à descontinuidade administrativa. Em aparente paradoxo, a descontinuidade, com seus constantes retornos ao ponto zero, ao tempo zero, é condição essencial para que possa haver o continuísmo, pelas mudanças que se destinam a manter inalteradas as relações de saber e de poder. Em contraste, as rupturas, que são propiciadas pelos acontecimentos, pelas experiências planejadas ou ditadas pelo acaso, constituem a essência da continuidade, ao tecerem novas possibilidades de caminhos por onde a vida possa fluir, nos diferentes e

29

incertos modos de andar a vida (COLLARES, MOYSÉS e GERALDI, 1999, p. 216).

Spink (1987) chama de “Paradoxo Democrático”, pois a troca de gestão e contínua alternância entre partidos no poder, de acordo com a vontade do povo, é uma das premissas e faz parte do jogo democrático (DAHL, 1997). Sendo assim, existem aspectos positivos e negativos em ambas as situações. Uma continuidade permitiria um melhor aproveitamento no investimento de recursos, porém, a descontinuidade permite que haja por parte da gestão atual, completo domínio sem que tenha necessidade de negociar com a máquina pública, sem grandes entraves para implementar novas políticas. O número de partidos existentes no Brasil parece contribuir para as divergências de políticas pré-estabelecidas por partidos que antecederam o atual governo. O número de partidos no país só cresceu, chegando a 35 atualmente. Assim como o baixo número de partidos, pode ocasionar baixa representação popular, o excesso cria dificuldades para a governabilidade do presidente, gerando o termo cunhado por Abranches (1988), “Presidencialismo de Coalizão”. Em sua própria definição: Um sistema multipartidário no qual as condições da disputa eleitoral não permitem que o presidente obtenha a maioria [só] com o seu partido. Ao mesmo tempo, há uma tal interdependência entre Legislativo e Executivo que o presidente não tem condições de governar sem o apoio majoritário do Congresso.

Então

necessariamente

ele

têm

faz

uma

afinidade

aliança com

seu

com

partidos

programa

de

que

não

governo.

(ABRANCHES, 1988)

A necessidade de conciliar muitos interesses e pensamentos diferentes acaba trazendo instabilidade para a coalizão. Ainda havendo o problema apontado por Abranches dos custos elevados com o aumento do número de partidos, pois todos têm acesso ao fundo partidário subsidiado principalmente por recursos da União. O presidencialismo de coalizão é mais um dos fatores que contribuem para o fator da descontinuidade política, causada pela divergência e pluralidade partidária. Mas assim como o “paradoxo democrático”, faz parte da democracia, nosso regime

30

permite e fomenta a criação de cada vez mais partidos, levando a troca de favores e cargos, que contribui para a ineficiência e interesses particulares sobrepondo os interesses da população. 7.4. AGENDA DE REFORMA Observando atentamente a problemática deste trabalho, nota-se que o processo de formulação e implementação de políticas públicas no Brasil é extremamente complexo e depende de uma grande quantidade de variáveis. Porém, o nosso estudo de caso mostra que a formulação dos CECIs, embora tenha sido feita por iniciativa dos povos guaranis, sofreu com o desconhecimento e até mesmo por preconceitos dos atores que implementaram e que avaliam o projeto, como pontuou o nosso entrevistado ao ser perguntado se existem problemas em relação a troca de gestão: W: Sim, a gente tem problema de diálogo. Nessa ultima gestão [gestão Haddad] a gente teve esse diálogo. O secretário veio aqui já umas quatro vezes, olhou, disse: o que vocês querem? A gente quer reforma. Então vamos reformar o CECI. A gente quer capacitação. Então vamos capacitar vocês para alguma coisa. Para os professores... então é esse diálogo que a gente tem. Tudo aquilo que a educação indígena. Como eles estão trabalhando somente 14 anos, o município com o CECI, ela não tá conhecendo muito bem ainda. Várias questões que é importante pra gente. Eles tem que tentar entender. Eles tem um pouco de dificuldade. Ah, por que não tem cadeira, mesas dentro da sala de aula? Dentro da nossa cultura, a gente não tem como usar isso. Os materiais pedagógicos... eles mandam lápis, borracha, eu acho importantíssimo isso, mas por outro lado eles tem que fortalecer os nossos materiais pedagógicos. (POPIGUÁ, 2016)

Como vimos anteriormente, no capítulo Políticas Públicas para Indígenas, todo política pública, programa social, etc., que tem determinados povos como maior beneficiário, possui a obrigação de consultá-los e colocá-los dentro do processo de formulação e implementação. De Paula e Viana (2011) também indicam em seu trabalho à falta de transparência e a dificuldade que as Secretarias e demais órgãos responsáveis apresentam:

31

Não há dúvida de que a relação entre as três instâncias de governo – federal, estadual e municipal – pouco regulamentada no que se refere à eeI, é um dos principais problemas dessa política pública, reconhecido por todos os que nela militam. Muitas vezes, os complicados mecanismos de repasse de

verbas

implicam

dificuldades

para

que

insumos

básicos

do

funcionamento escolar – como a merenda e o material didático – cheguem até a ponta inferior do sistema, isto é, as escolas situadas nas aldeias e comunidades. Isto, para não falar na falta de transparência com que os recursos do setor são gastos, facilitando suspeitas de desvios e corrupção.

A falta de accountability é também um fator que influencia negativamente no nosso estudo de caso (informação verbal). Como todo o recurso do CECI é passado para uma instituição, sendo administrado, portanto, de forma terceirizada, fica à cargo da instituição a parte do balanço financeiro. Fator este, que fez com que os funcionários tivessem seus salários congelados durante um ano.

(informação

verbal) O debate sobre a agenda de reforma por uma burocracia profissional no Brasil é longamente exposto por Abrucio (2007). O doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) propõe quatro eixos estratégicos para o avanço da agenda reformista e a modernização do Estado brasileiro: profissionalização, eficiência, efetividade e transparência/accountability. No que tange a profissionalização os principais rumos que a agenda deve tomar são: A diminuição de cargos em comissão, que previne o clientelismo, os “cargos de confiança” e o despotismo. A profissionalização do alto escalão governamental, que facilita e é questãochave para o bom desempenho das políticas públicas. Este processo de profissionalização deve passar pela contratação de funcionários por via da meritocracia, sendo eles funcionários de carreira que podem vir tanto do mercado quanto da academia. O fortalecimento das carreiras estratégicas do Estado também deve ser feito. Ademais, para que haja maior investimento na capacitação dos servidores públicos, a União deve fornecer apoio financeiro já que na prática, as

32

políticas públicas são implantadas em plano local, e que por serem mais delimitadas, possuem capacidades gerenciais menos desenvolvidas. No mais, sobre o eixo orientado pela eficiência, Abrucio comenta que para além da transparência com os gastos, um enfoque para a otimização dos gastos públicos também deve ser levado em conta. Uma distribuição mais ampla do chamado e-commerce, e a desburocratização – no sentido de diminuição das disfunções – também promoverá diminuição e otimização dos gastos públicos. O eixo da efetividade, também essencial, visa uma gestão a longo prazo. Baseando-se em indicadores de impacto o “fazer a diferença” é o objetivo deste eixo. A colaboração intersetorial e o entrosamento dos vieses políticos em prol do bem comum são as ferramentas necessárias para alcançar tais objetivos. E finalmente, a consubstanciação dos três eixos favorecerá enormemente a transparência do governo frente a desconfiança da sociedade civil frente a política brasileira em geral. Entretanto, mesmo aplicando os três eixos, e punindo os responsáveis pelos diversos escândalos de corrupção no Brasil, se o sistema político não mudar, nada disso será o suficiente: A lógica do sistema político, ademais, pouco contribui para o controle social dos representantes e dos governos. O Brasil é recordista em amnésia eleitoral. A maior parcela do eleitorado — cerca de 70% — não lembra em quem votou nos pleitos legislativos. Os partidos são muito distantes dos cidadãos, pois a maioria não realiza prévias ou primárias. Pior do que isso: parte significativa das legendas constitui apenas um veículo eleitoral para políticos personalistas, algo que se consubstancia na prática perversa e intensa do troca-troca partidário. Decerto que a democracia brasileira avançou muito nos últimos anos, mas a frágil conexão entre eleitores e eleitos favorece o clientelismo e o patrimonialismo em várias instâncias de poder, sobretudo no plano subnacional. Daí que a manutenção do atual sistema político reforça as piores características do modelo administrativo. É preciso mexer no primeiro para modernizar as profundezas da gestão pública. (Ibidem)

33

8.

CONCLUSÃO

O ciclo de políticas públicas, como já vimos, é apenas uma ferramenta analítica e que não funciona como reflexo de uma avaliação eficiente. No decorrer do trabalho, a complexidade de todo processo que envolve todas as etapas do ciclo ficou muito esclarecida. Entre o desejo dos povos indígenas, de obtenção de reconhecimento, e a funcionalidade do jogo político, existe uma distancia abissal. As disfunções burocráticas e o sistema político orientam os caminhos para onde uma política pública vai ser direcionada. Por mais que os direitos indígenas estejam já institucionalizados, nota-se que de fato, eles não “se fazem valer”. Feltran (2010), num trabalho que envolve a concretização dos direitos civis e sociais dentro das periferias diz o seguinte: Se os primeiros queriam derrubar o regime, agora tratava-se, acima de tudo de fazer cumprir a lei. Tentava-se inscrever o mundo dos adolescentes de favela no universo dos direitos e da democracia, já formalmente assegurados (Feltran, 2010)

Podemos claramente fazer uma analogia com a fala de Feltran e direcioná-la aos direitos indígenas. O mapeamento demonstrado explicita a necessidade de uma expansão do programa. Ademais, mais importante ainda é a declaração do próprio coordenador do CECI – Jaraguá, Karay Popiguá: P: Vendo toda a modificação que o CECI fez na vida de vocês, você acha que seria importante ter um CECI em outras comunidades indígenas fora de São Paulo? W: Acho muito importante. Eu já tive uma conversa com uma liderança lá de Santa Catarina. Na época, eu levei um vídeo sobre o CECI eles viram com funcionava. Eles ficaram encantados. Mas depende muito do sistema do não indígena. Não adianta a gente pedi. Não precisa ser um CECI, mas um espaço que possa tender igual ao CECI. Mas depende muito... como eu estava falando com eles lá. Como eu tenho um pouco de experiência eu perguntei pra eles: como é a relação da prefeitura com a comunidade indígena aqui? Ele disse assim: é péssima! Não tem diálogo, quando a gente vai, a gente não é atendido... (POPIGUÁ, 2016)

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Há uma boa quantidade de leis institucionalizadas visando a diversidade e pluralidade de ações que conservem e respeitem a cultura indígena tanto no âmbito da educação como da saúde. Desde 1966 na Convenção da Unesco, Artigo V, item 1, alínea “c”: “Deve ser reconhecido aos membros das minorias nacionais o direito de exercer atividades educativas que lhes sejam próprias”. Embora, haja algum avanço na área da educação no Brasil (BECKHAUSEN, s.d.),e o CECI é um exemplo desse avanço, é preciso mais. Em termos de pesquisa, apresentamos um estudo sintetizado das ineficiências tecnoburocráticas brasileiras e como elas influenciam, desde a gênese de qualquer política pública, porém mantivemos a ótica voltada para o estudo de caso dos CECIs. Apresentamos o ainda vivo insulamento burocrático brasileiro, o preconceito e a falta de conhecimento dos gestores de políticas públicas, assim como todo o sistema político brasileiro, como sendo as principais variáveis durante todo o processo. Pontuamos, portanto, que embora o CECI tenha partido de uma iniciativa dos guaranis, sendo então, de baixo para cima, a tomada de poder ainda permanece sendo de cima para baixo. Espera-se que este trabalho possa ter contribuído minimamente com a questão dos direitos indígenas, principalmente na área da educação, o debate da agenda reformista de modernização do Estado brasileiro e com a divulgação da relevância dos CECIs para a comunidade indígena brasileira.

35

9.

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APÊNDICE A – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA Entrevista com William (nome indígena: Karay Popiguá), coordenador do CECI – Jaraguá. P: Como era a comunidade antes do Ceci (em relação aos estudos das crianças e as oportunidades de trabalho)? W: Primeiro vou me apresentar, sou William, nome indígena Karay Popiguá. O projeto do Ceci aconteceu já em 99. Quando a gente se reuniu com as três lideranças, as três aldeias. Uma aqui no Jaraguá, especificamente no Jaraguá e outras duas na zona Sul. A gente conversou e estávamos muito preocupados a intenção era fazer o centro de cultural porque vimos que era muito importante e até hoje tem o centro de cultura. Mas só que a gente viu que a comunidade é que deveria manter o centro de cultura. Então a ideia foi amadurecendo entre as três comunidades e combinou: vamos fazer o centro de educação e cultural indígena porque o centro cultural é uma coisa totalmente diferente do centro de cultura e educação. Pra que isso? Porque a gente chegou em uma época que tinha muita demanda das crianças por desnutrição. A nossa preocupação também focou nesse assunto (inaudível) o amadurecimento do projeto durou 2 anos (inaudível) P: Foram vocês mesmos que elaboraram o projeto? W: Isso, elaboramos o projeto, pensamos de que forma íamos atender as crianças, apresentamos o projeto pro Estado, mas o Estado nem deu bolo para o projeto. P: Quem era o prefeito na época? O Pitta ou o Maluf? W: Foi antes da Marta, a gente levou o projeto. A gente queria que as crianças aprendessem a falar nossa língua, aprendesse não porque falar eles já sabem, mas um fortalecimento (inaudível) a gente sabe que o nosso espaço diminuiu bastante então nossa preocupação maior é com as crianças. Como conseguir alimento (inaudível) então a ideia foi amadurecendo, ai levamos o projeto.

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P: Até a arquitetura foi ideia de vocês? W: Tudo. W: Na época teve a eleição municipal e na época assumiu a gestão do PT então nós vamos tentar de novo. Mudou de prefeito, de gestão né? Pra ver o que a gente podia conseguir (inaudível) Na época da gestão do PT assumiu a Marta, ela ganhou, a gente viu toda na fala dela a gente acompanhou na mídia no site nas emissoras. Ela estava falando muito de apoiar a comunidade que não tinha renda suficiente e falava da questão da cultural que ia dar mais apoio na parte cultural, então vamos tentar. Então a liderança, o Marcos Tupan, o Timóteo, aqui a gente tem o José Fernandes... eles entregaram o projeto. P: Então a Marta aceitou o projeto? W: Assim, ela falou: vamos analisar e depois vamos ver como vai ficar. A aceitação foi rápida. Dentro de 15 dias chamaram as lideranças, conversaram sobre o projeto, que finalidade era então ela falou: vamos, pra mim está tudo bem. Gostei do projeto, é interessante. O problema é que tem que passar pela câmara dos vereadores e isso dentro de 2, 3 meses avisaram a liderança que o projeto foi aprovado (inaudível) o projeto da comunidade ser vista por eles, pela própria comunidade... ficaram bem felizes. Foi uma forma de fortalecer o alimento das crianças. Era muito difícil, a gente tinha a mortalidade. Quase duas, três crianças por mês, isso era preocupante pra gente... pessoal na época era a antiga FUNASA, o ministério da saúde estava muito preocupado. Isso... levamos ao conhecimento do ministério público, na época da gestão da Marta. Ela ficou muito preocupada também. Falou: Vamos ajudar sim porque o poder público tá pra isso também. Não é somente fazer melhorias, mas na parte da saúde, na alimentação sejam elas indígenas ou não indígenas. P: E como é a parte da alimentação das crianças? Isso ajudou muito o CECI? W: Não só na parte da alimentação, mas no reconhecimento também...

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P: As crianças pararam de morrer por desnutrição ou só reduziu e não pararam? W: Diminuiu bastante. Na época eram duas, três crianças, não digo que ficou 100% mas melhorou bastante (inaudível) qualquer ação dentro da comunidade indígena tem que seguir o sistema dos indígenas. A legislação nos garante uma alimentação toda diferenciada (inaudível) recebemos batata doce, mandioca, abobora, tudo em natura. Mel também a gente recebe. Acabou os enlatados. Mas a gente recebe arroz, feijão que é o principal. Toda escola tem que ter o básico: arroz, feijão, macarrão ai vem outras coisas, batatinha, carne que é a principal da alimentação. Por outro lado a gente recebe canjica, fubá, farinha de trigo que são feitos alguns pratos tradicionais nossos então tem que ser respeitado pelo poder público. P: Tem alguma preparação pra vocês por parte da prefeitura? Como os professores entram aqui? W: A DRE (Diretoria Regional de Ensino) que nos acompanha. Toda semana vem uma pessoa da DRE aqui, visita, faz orientação, a gente recebe pessoas da Secretaria Municipal de Educação... todo esse papel burocrático eles passam pra gente. Se a gente não entender bem alguma coisa a gente avisa e eles passam pra gente a orientação. No começo a gente não sabia fazer matrícula porque tinha que entra no sistema do município que chama EOL (Escola Online). A gente entra lá onde aparecessem todas as crianças matriculadas dentro do CECI. A prefeitura tem o município, a Secretaria, tem a DRE Pirituba - Jaraguá também tem. Eles explicam toda a situação que acontece aqui... onde a gente guarda os cardápios...a gente recebe da DRE e também da Secretaria da Educação e do Município...o cardápio é feito em cima disso. Toda a burocracia, papelada a gente tá aprendendo aos poucos a gente não sabe tudo, mas devagarzinho a gente tá pegando o jeito de fazer a matricula ou de receber o leve leite... também refeições, temos o sistema, estoque que eles falam, alimentação...quantos quilos...ai a gente faz um balanço e entrega todo mês. E tudo isso são burocracias e infelizmente a gente tem que acompanhar (inaudível) a gente tem a questão dos recursos... a gente tem o APM aqui onde está sendo gasto corretamente pra implanta melhorias pras crianças, pra estrutura, tudo

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isso somos nós mesmo...adquirir algumas coisas da APM que é um direito nosso. Meu não, mas das crianças. O que a gente faz aqui é cuidar bem pras crianças. Então hoje temos televisões novas onde elas sentam depois do almoço, assistir um DVD pra ver uma reportagem dos nossos parentes... de qualquer etnia, a gente passa pra eles... P: E os professores? W: São todos indígenas, só falam guarani aqui dentro, manipuladores de alimentos, da limpeza são todos indígenas. A gente não tem essa preparação, a gente já é preparado. Quando a gente vive na comunidade... qualquer pessoa pode fazer atividade com as crianças. A gente não tem medo nenhum, a gente apoia ainda mais. Se amanhã ela falar: quero fazer uma atividade pra cortar lenha. A gente reúne os jovens, os adolescentes fala que essa pessoa vai fazer isso amanhã e quero que vocês acompanhem. Não é uma preparação P: Já é do convívio de vocês mesmo só vem aqui pra dentro e coloca em prática, né? W: Isso! Então a gente não trabalha assim: Você estudou até que série? Você fez uma faculdade? A gente não tem esse olhar que é diferente do não indígena, se você quer exercer uma profissão você tem que ter um diploma... depois de 5,6,7,10 anos...e você vai perdendo tudo isso. P: E eles são remunerados pela prefeitura e tudo? W: Isso, com carteira assinada tudo bonitinho. Quando a gente pensou no projeto a gente já pensou em tudo isso. Até pra que possa ter um incentivo a mais. Mas a pesar que a gente já as nossas crianças na nossa própria comunidade. Na nossa comunidade normalmente a gente faz assim: cada pessoa faz uma atividade dentro de cada 12 dias. Eu não posso pegar uma pessoa pra ficar a fazendo atividade a semana toda. Ele precisa fazer artesanato, sustentar a família dele. Se a gente trazer as pessoas pra cá da comunidade, tem que ter a remuneração. P: E quem contrata vocês?

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W: Nós somos terceirizados. Seja indígena ou não indígena. A prefeitura repassa o recurso pra uma empresa. Eles fazem a licitação onde as empresas fazem a concorrência e uma fica pra administração, mas a prefeitura repassa o recurso pra eles. Essa empresa contrata as pessoas pra trabalharem com eles. E: Qual o nome dessa empresa? W: A gente está trabalhando com uma instituição. Chama-se Instituto Rogacionista. Quando é aberto o edital de chamada pra licitação, o município não escolhe se é empresa ou instituição (inaudível) mesmo a instituição (inaudível) já faz parte de um trabalho em escolas... E: Esse instituto vem, contrata vocês e com o recurso da prefeitura... W: Eles fazem a remuneração dos professores... E: Desde a fundação a gente viu que aumentou razoavelmente bem o orçamento. Vocês perceberam que houve esse aumento? Ou vocês continuam recebendo a mesma quantidade de coisas, o salário dos professores é o mesmo? W: Olha, desde que a gente está com essa nova instituição...a partir do momento que ela fez o balanço da última gestão, eles ficaram até assustados. Disseram: Vocês não tiveram nenhum aumento durante todo o ano. Nem 1%, 4%... nada. Hoje não, hoje a gente é visto e eles se preocuparam com essa questão e disseram que iam assumir, aumentar o nosso salário e iam contratar mais três pessoas. O que a gente viu que com essa instituição... que sempre mensalmente eles apresentam o balanço daquilo que foi gasto pra escola. Durante esses 12,13 anos... porque eu assumi agora também. Faz só 1 ano. A última gestão não se preocupou de estar exigindo um balanço pra estarem acompanhando. E: Não tinha balanço na última gestão? W: Não tinha balanço. E: Quanto tempo ficou essa gestão? Quanto tempo dura o contrato de licitação? Quatro anos?

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W: quatro anos. P: Mas de quatro em quatro anos muda? Ou não? W: Ai depende do contrato que eles fazem tem a renovação né? Tipo agora mesmo a gente tá com o Instituto Rogacionista se depois de 3 anos...eles fazem a renovação juntamente com a Prefeitura. Não é com a gente. Tem a oportunidade de fazer a renovação do convenio que a gente fala, então o que a gente percebeu que com a última gestão até mesmo aqui, o gestor do CECI, ela não tinha essa preocupação em fazer o balanço, de exigir do que está sendo gasto, o que foi gasto durante o ano. E hoje não eu já falei com o pessoal da DRE (inaudível) um balanço a cada cinco meses... pra ver o quanto de recurso o CECI tá recebendo...se a gente gastar para as crianças, o que que a gente pode melhorar, onde a gente vai melhorar...temos parquinho, várias salas que precisam fazer melhoria...eles querem saber...ter o conhecimento disso, tanto de recurso especificamente...pra gente gastar aquilo que é importante para as crianças. P: Você sabe o nome da empresa da outra gestão? W: Na época eu não estava aqui, mas eu vi o pessoal comentando... Opção Brasil que é uma ONG também... Primeiro começou com uma ONG indígena... chamava IDET... Instituto das Tradições Indígenas. Tinha esse convenio... como eu não fazia parte da gestão como atualmente eu faço parte, então eu não tenho conhecimento sobre o quanto de recurso a CECI recebia. W: Eu não fiquei a par dos detalhes do que a última gestão fez aqui... hoje não, hoje eu recebi o balanço o Instituto Rogacionista do que eles fizeram durante os últimos 6 meses. Eu já tenho isso na minha pasta. Melhoria no espaço cultural onde temos telão, projetor, as pinturas, reforma... então a gente já tem um balanço do que foi gasto...no dia 26 do próximo mês a gente vai sentar com o Instituto Rogacionista onde eles vão fazer o balanço do ano o que foi gasto, o quanto de recurso tá lá no caixa pro ano que vem fazer novos projetos pra atender as crianças. P: Eles adicionam recurso ou eles só usam o que a prefeitura dá?

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W: (inaudível) O recurso que vai do município para eles, eles administram de uma maneira que é somente investido aqui. P: Como que é feita a transição das crianças para a escola de ensino fundamental que tem aqui ao lado? Porque aqui elas não tem o ensino do estado, é só específico indígena. Até os 7 anos? W: Até 5 anos em 11 meses que está previsto dentro da lei municipal. A gente não queria que a criança fosse... a gente tá tentando mostrar e até mesmo propor pra secretaria que a gente queria seguras as crianças até 7 anos aqui pra preparar bem eles pra passar pro ensino fundamental sem nenhum problema. Apesar de que já tem problema pra aprender a falar e a escrever português. Toda criança vai ter esse problema. Até mesmo o não indígena. A gente prepara... como os professores são todos indígenas a gente fica seguro de fazer essa transição das crianças para irem pra escola. P: Você considera que o projeto CECI, andou, evoluiu ou é a mesma coisa desde sempre? Você acha que é importante evoluir, ou se está bom desse jeito? W: A gente quer mais. A gente quer mais reconhecimento. Tudo que é feito aqui é feito pra fortalecimento da identidade da comunidade. Da comunidade e da nossa etnia que é guarani. A gente quer evolução. Mais reconhecimento. O CECI funciona igual a um CEU da prefeitura que tem do não indígena. A rádio, temos a sala de informática... a gente não fala educação. Essa palavra pra gente... eu não sei por que o indígena usa essa palavra. Para nós indígenas é totalmente diferente. Essa palavra educação vem primeiro em casa. Com os pais, com o avô, com a tia. Dentro desse espaço aqui a gente fala que é lugar de aprendizagem. Onde eles aprendem a fazer colar, brinco, pulseiras, ouvir histórias, aprende a fazer armadilhas. Não é pra pegar os animais. É pra conhecer. Eles estão aprendendo. Um dia eles vão estar indo pra outra aldeia que tem mais mata do que aqui, com certeza eles vão querer caçar, pescar, então a gente já ensina como eles podem se integrar numa aldeia que tem muita mata. E: Então você acha que não teve evolução em caso de investimento e reconhecimento?

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W: Acho que a partir do momento... nos primeiros anos que acho que não ouve. A gente pensa assim: é da rede municipal então a gente depende muito desses sistemas que acompanham a educação. Infelizmente vou ter que tocar na parte da educação para você até mesmo entender. Tipo assim: vamos fazer uma ação para os indígenas... na área de computação. Hoje evoluiu nessa parte. A gente tem formação pra usar os computadores, até mesmo pra gente... por que tem a rádio? Sem a capacitação de alguns professores a gente não teria. Eles vem aqui, fazem a capacitação. A gente tem o acompanhamento de um programa que tá dentro da rede de educação. Esqueci o nome. Antigamente eles davam o nome de Nas ondas do rádio. Atualmente mudou o nome lá. Cada gestão muda o nome. Quando muda a gestão muda o nome. Eles mexem com mídias. Eles fazem formação na rede toda. Eles tem a capacitação para os professores e o CECI também. Hoje a gente tem 4 professores que vem que faz a tradução do português para o guarani, do guarani para o português (...) Então nesse sentido evoluiu, mas a gente quer mais. Mais reconhecimento. O CECI tem que ser mais reconhecido pela população. E cada vez mais eu estou orientando os professores pra colocar no facebook para que a população possa estar conhecendo, vindo para conhecer o espaço. Então hoje, esse ano agora a gente vai fechar com quase mil pessoas passando por aqui. A gente vai chegar aos mil esse ano. A gente não fez o balanço aqui ainda...a cada visita não somente da escola...assim, por exemplo: tem da faculdade, você é da faculdade então a gente já faz o registro. O oficio é importante pra gente fazer o balanço. O CECI foi mais visitado do que o ano passado? Pra gente ter um balanço sobre isso. Algumas coisas agendadas pra dezembro, então eu acho que vai passar de mil pessoas. P: E quando troca de gestão, de prefeito igual agora, do Haddad pro Dória. O que vocês esperam do Dória, quanto a comunidade, o CECI? W: A gente tá esperando o mesmo dialogo que a gente tá tendo com essa última gestão. Essa última gestão a gente teve um diálogo. Nesse sentido, saber o quanto de recurso o CECI tem, faz um balanço com nós, com o pessoal da DRE. A gente

acompanha

o

quanto

de

recurso

que

tem,

que

manda

pra

CECI...transparência. E também um diálogo nesse sentido...do CECI ter uma visibilidade maior. Para município tem tudo. A gente vê ai na mídia, aparecem

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escolas, CEUs que é da prefeitura...quase todo mês aparecem algumas dessas escola na mídia. A importância desses escolas pra comunidade. A gente quer algo nesse sentido pro CECI. P: Vocês tem algum problema quando troca de prefeito na questão de relacionamento? W: Sim, a gente tem problema de diálogo. Nessa ultima gestão a gente teve esse diálogo. O secretário veio aqui já umas 4 vezes, olhou, disse: o que vocês querem? A gente quer reforma. Então vamos reformar o CECI. A gente quer capacitação. Então vamos capacitar vocês para alguma coisa.

Para os

professores...então é esse diálogo que a gente tem. Tudo aquilo que a educação indígena. Como eles estão trabalhando somente 14 anos. O município com o CECI, ela não tá conhecendo muito bem ainda. Várias questões que é importante pra gente. Eles tem que tentar entender. Eles te um pouco de dificuldade. Ah, por que não tem cadeira, mesas dentro da sala de aula? Dentro da nossa cultura, a gente não tem como usar isso. Os materiais pedagógicos...eles mandam lápis, borracha, eu acho importantíssimo isso, mas por outro lado eles tem que fortalecer os nossos materiais pedagógicos. E: Eles não mandam esses materiais específicos para vocês? Ou eles mandam só se vocês pedem? W: A gente pede. A gente faz o pedido. Tem os grafismos, tem os jogos. Eles também não entendem um pouco de como é a aprendizagem nossa. A gente tem dentro do sistema que é a educação infantil, que pra gente não tem essa divisão. Por exemplo: no ensino fundamental tem o primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, quarto ano, quinto ano. Então são coisas que no sistema do não indígena é: no quarto ano você fica aqui, do primeiro ano você fica aqui. Aqui ela não tem isso. Ela pode se misturar com crianças que estão no CEI por exemplo. Quando a gente vai fazer atividade, a gente junta os adolescentes e ai você vai ver essa diferença na hora das oficinas, na caminhada. Você vai ver essa diferença do sistema do não indígena.

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P: Vendo toda a modificação que o CECI fez na vida de vocês, você acha que seria importante ter um CECI em outras comunidades indígenas fora de São Paulo? W: Acho muito importante. Eu já tive uma conversa com uma liderança lá de Santa Catarina. Na época, eu levei um vídeo sobre o CECI eles viram com funcionava. Eles ficaram encantados. Mas depende muito do sistema do não indígena. Não adianta a gente pedi. Não precisa ser um CECI, mas um espaço que possa tender igual ao CECI. Mas depende muito... como eu estava falando com eles lá. Como eu tenho um pouco de experiência eu perguntei pra eles: como é a relação da prefeitura com a comunidade indígena aqui? Ele disse assim: é péssima! Não tem diálogo, quando a gente vai a gente não é atendido... P: Que ano você foi lá? W: Eu estava lá em 2012, 2013. Eles ficaram encantados. P: A comunidade lá é maior do que essa? W: É a mesma quantidade de pessoas. W: No município, lá é município é Joinville. Só nesse município tem nove aldeias guarani. Mas o diálogo lá é totalmente diferente daqui. Diferente dessa gestão [Haddad] estou dizendo. A gente teve um diálogo muito importante. Eles vinham aqui, tentavam saber o que a gente precisava. Infelizmente eu não sei como vai ser agora [gestão Dória]. W: Todas aquelas pessoas que estão fazendo o diálogo nessa última gestão, com certeza, a maioria não vai ficar mais na prefeitura. Eu acho que vai mudar tudo. Isso é um problema porque eles sabem das coisas que o CECI necessita, dos que as crianças necessitam. Vamos ter que começar desde o princípio, contando tudo de novo. A cada quatro anos nós temos que conversar tudo de novo. Como é o CECI, a forma de educação, como é o modo de ensino nosso. Tudo de novo. P: Bom, só pra fechar, eu queria que você falasse o que quiser falar.

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W: Vou focar nos trabalhos das faculdades. Acho que é importante cada vez mais. As faculdades de uma maneira geral... incentivarem os alunos a fazerem trabalhos com os indígenas, afrodescendentes, para que a gente possa cada vez mais respeitar as raízes dos primeiros habitantes do brasil. Que seriam, no caso, os indígenas. Porque hoje são poucos trabalhos. Eu tive recentemente na faculdade de medicina de campinas e chegando lá tinha um grupinho de quatro pessoas. Pessoas que já me conheciam. A gente foi em quatro pessoas. Eu, um professor e mais duas criança e eu percebi como é que os povos indígenas são esquecidos. Eles comparam pessoas de outros países. Por exemplo: chegando lá o próprio vigilante lá no portão, disse: o professor tá chegando com um grupo de bolivianos. Sem saber se a gente era boliviano... nem perguntou. Próprio da visão dele. Dentro da faculdade, quase a maioria dos alunos não sabiam que tinham indígenas no estado de São Paulo. Eles falam assim: meu professor fala que lá na Amazônia tem indígena, não no estado de São Paulo. É uma coisa que nesse sentido a gente é esquecido. As escolas e as universidades também deveriam se preparar. De repente, uma universidade pode receber um grupo de indígenas, nossos jovens. Hoje a gente tem um grupo de mais ou menos quinze jovens que estão fazendo o ensino médio. Logo, logo eles vão querer exercer uma faculdade. Eu tenho um filho de vinte anos que vai completar o ensino médio no próximo ano. Ele fala que vai querer fazer pedagogia. Como uma universidade vai receber esse tipo de aluno? Como? Então de repente ele vai acolher um indígena que tem o interesse de fazer medicina. De que forma eles vão receber? É uma coisa que a gente fica meio preocupado. Pessoal fala que quem recebe mais é a USP, a PUC, mas ainda é pouco. Hoje temos que estar interessados... um professor veio aqui, disse que eles tem umas cotas lá na universidade. Fica lá na Barra Funda. Pessoal pergunta pra ele: a universidade tá preparada pra receber nossos jovens? Então é importante vocês que estão fazendo faculdade, que possam conhecer cada grupo, pesquisa... a melhor pesquisa que vocês podem fazer não é pela internet. É ir até esses grupos. Tentar extrair o conhecimento deles. Convivendo com eles. Mesmo que seja por uma hora, meia hora, duas horas. Ai você vai notar a diferença do que está nos livros e da pesquisa que se faz aqui.

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W: Nas escolas não é diferente. É a mesma história. A menina até entregou o professor. Disse assim: vocês usam pinturas? A gente lê os livros e lá no Mato Grosso tem pintura pra isso, pra aquilo... eu falei assim: o livro é ultrapassado. A gente não usa mais o vestuário próprio, não tem mais. Acabou com a nossa mata, com nossos animais, os alimentos tradicionais a gente não esquece. Batata doce, mandioca, canjica. Outra menina falou assim: é verdade que vocês caçam, pescam? A gente falou assim: se você falar do Xingu, ele fazem toda essa atividade. Eles têm uma mata grande, o rio Xingu que é rico em peixes... até ali da pra fazer isso, mas como o guarani não tem um rio que tem essa fartura toda, como a gente vai pescar e caçar? A gente tem o parque aqui do lado. Mas é proibido. Mas a gente não acha que não foi importante proibir. Hoje a gente tem uma matinha ali que se a gente matar dois animais por semana, não dura nem um ano. Então como a gente vai fazer se não temos espaço suficiente nem para os animais se procriarem? A gente não tem rio perto. A gente tem várias etnias, 180 povos diferentes, com 305 línguas diferentes então cada comunidade tem sua maneira de se organizar dentro de sua própria cultura. P: Muito obrigado, Wiliam, foi um prazer te conhecer. W: Eu que agradeço.

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