PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO -DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL- HABILITAÇÃO: PUBLICIDADE E PROPAGANDA PROJETO EXPERIMENTAL

June 4, 2017 | Autor: B. Augusto Borba ... | Categoria: Queer as Folk, Lesbian Gay Bisexual Transgender Studies
Share Embed


Descrição do Produto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO - DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL-

HABILITAÇÃO: PUBLICIDADE E PROPAGANDA

PROJETO EXPERIMENTAL

BRUNO AUGUSTO BORBA DA SILVA Projeto Experimental para obtenção do Diploma de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade & Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob a orientação do Professor Doutor Renato Cordeiro Gomes.

QUEER AS FOLK SEASON 2 – UMA CELEBRAÇÃO ÀS IDENTIDADES MÓVEIS E AOS ESTEREÓTIPOS MIDIÁTICOS

RIO DE JANEIRO 2016

A Vida, no fundo das coisas, apesar do caráter mutável dos fenômenos, é indestrutivelmente Poderosa e Cheia de Alegria – (Nietzsche IN BRUM, 1998, p. 75).

AGRADECIMENTOS

Obrigado Oxóssi, Ricardo Grifo , Rodrigo Gomez, Meu Pai Isaías, Minha Mãe Celeide , Minha Tia Professora Cleane Camelo , Marcele Balan Silva e Richard Andéol, Antônio Abreu, Mamãe Dilma e Papai Lula , ao Professor Renato Cordeiro, ao Professor Eduardo José, ao INVEST e aos seus Professores Voluntários, à PUC-Rio e a todos meus Professores de Graduação, especialmente Meg, Favilla, Leo, Zé, Maria Inês, José Eudes, Denise Lopes, Edgar Lyra, Marcia, Ernani, Tatiana, Rosangela, Claudia, Gabriel, Larissa, Hermes, Stan, Marcinha, Ney, Teresa, Samara, Julia, Isabel, e ao FESP pelo carinho e força. Tudo está dando certo!!

RESUMO Esse estudo tenciona a dissertar sobre as várias representações dos gays, lesbicas, bissexuais na Segunda Temporada da serie estadunidense e canadense Queer as Folk. Queer as Folk foi exibida nos EUA pelo canal Showtime e no Canadá pelo canal Showcase entre 2000 e 2005. QAF retrata as lutas, os dilemas, os preconceitos, as questões de gênero, a homofobia, o respeito, o medo, as relações homoconjugais, a intolerância, o fundamentalismo religioso, a questão da AIDS e o dia-a-dia de 5 homens e 2 mulheres homossexuais que vivem em Pittsburgh, Pennsylvania. Essa dissertação percorreu os vinte episódios da Segunda Temporada de Queer as Folk e à luz das Teorias das Identidades Móveis, da Hegemonia e das Representações Sociais ensejou uma série de constatações inerentes às temáticas trabalhadas na série. Queer as Folk de inicio expõe os preconceitos , discriminações e problemas sociais relativos aos LGBTTS, para, depois em alguns episódios ora problematizá-los, reformulando e contestando as representações dos LGBTTS no nível do imaginário social; e em seguida, em outros episódios, ora conformar, reproduzir e fortalecer as representações de caráter pejorativo aos LGBTTS no nível consensual da sociedade. Queer as Folk, portanto, é um produto cultural Hibrido. Dispõe de articulações ora mais ou menos conservadoras, ora mais ou menos liberais em seu texto para atrair a maior audiência possível, agradando a todos conservadores e liberais. Palavras-chaves: Estudos Culturais, Cultura da Mídia, Representações Midiáticas, LGBTTS, Estereótipos, Relações Homoconjugais

ABSTRACT This study intends to elaborate on the various representations of gay, lesbian, bisexual in Season 2 of American and Canadian series Queer as Folk. Queer as Folk was shown in the US by Showtime and Canada by the Showcase channel between 2000 and 2005. QAF portrays the struggles, dilemmas, prejudices, gender issues, homophobia, respect, fear, Homosexual Relationships, intolerance, religious fundamentalism, the issue of AIDS and the day-to-day from 5 homosexual men and homosexual 2 women who live in Pittsburgh, Pennsylvania. This dissertation toured the twenty episodes of the second season of Queer as Folk and in the light of the Mobile Identity Theories, of Hegemony and Social Representations gave rise a number of inherent themes the findings worked in the series. Queer as Folk early exposes the prejudice, discrimination and social problems relating to LGBTTS for, then a few episodes now discuss them, reformulating and challenging representations of LGBTTS in the social imaginary level; and then in other episodes, now conform, play and strengthen the character representations derogatory to LGBTTS in the consensus level of society. Queer as Folk, therefore, is a hybrid cultural product. It has joints now more or less conservative, sometimes more or less liberal in their text to attract the largest possible audience, appealing to all conservatives and liberals. Keywords: Cultural Studies, Media Culture, media representations, LGBTTS, Stereotypes, Homosexual Relationships

SUMÁRIO 1- INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 6 2 - APORTE TEÓRICO ........................................................................................................... 11 3 - ANÁLISE DE CENAS-CHAVE ........................................................................................ 18 3.1 - A Homofobia nas várias instâncias da Sociedade ............................................................ 18 3.2 - Politica e diversidade: o discurso libertador de Queer as Folk ........................................ 22 3.3 – Pontos de resistência ........................................................................................................ 24 3.4 – Batalha simbólica entre gays e héteros ............................................................................ 26 3.5 – O anonimato conformista dos LGBTTS na Sociedade ................................................... 30 3.6 – Elucubrações sobre a função do Humor em Queer as Folk ............................................. 33 3.7 – Celebração à Identidade Móvel ....................................................................................... 40 3.8 – Ben, namorado de Michael, é Portador do vírus HIV. Repercussões e desdobramentos nas relações sociais dos personagens. ........................................................................... 49 4 – CONCLUSÃO .................................................................................................................... 60 4.1 – Carta à Audiência Mundial em 2001 ............................................................................... 62 5 - REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA ................................................................................ 65 6 - ANEXO ............................................................................................................................... 67 Figura 1 – Da esquerda para a direita: Lindsay, Melanie, Justin, Ted, Brian, Michael, Emmett, Ben, Debbie. ................................................................................................................. 67

6

1- INTRODUÇÃO Em meu projeto experimental de conclusão do Curso Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, eu pretendo dissertar sobre as várias representações dos gays, lesbicas, transexuais na Segunda Temporada da serie estadunidense e canadense Queer as Folk. Queer as Folk foi exibida nos EUA pelo canal Showtime e no Canadá pelo canal Showcase entre 2000 e 2005. “O nome do seriado é uma brincadeira com um ditado em inglês, de "ninguém é tão estranho como nós" ("nobody is so weird as folk"), para "ninguém é tão gay como nós" ("nobody is so queer as folk").”( wikipedia) QAF foi Adaptado por Ron Cowen e Daniel Lipman. A série foi baseada no seriado britânico Queer As Folk, de Russell T Davies, que durou só 2 Temporadas. O seriado foi dirigido por Russell Mulcahy, Bruce McDonald, David Wellington, Kelly Makin, John Greyson, Jeremy Podeswa e Michael DeCarlo e tendo como escritores principais Ron Cowen e Daniel Lipman. O seriado é distribuído pela Warner Bros. Television. QAF retrata as lutas, os dilemas, os preconceitos, as questões de gênero, a homofobia, o respeito, o medo, as relações homoconjugais, a intolerância, o fundamentalismo religioso, a questão da AIDS e Drogas e o dia-a-dia de 5 homens e 2 mulheres homossexuais que vivem em Pittsburgh, Pennsylvania. Minha intenção ao investigar e consequentemente dissertar sobre a 2ª Temporada de QAF é tão somente elucubrar sobre os diversos elementos e aspectos da narrativa televisionada e dos respectivos personagens que respondam as seguintes indagações: Há processos de estereotipagem nos personagens e no próprio tratamento das temáticas expostas no seriado? Queer as folk reproduz um texto conservador ou subverte os ditames heteronormativos normatizantes da Sociedade? Qual seu papel no imaginário social, no âmbito do senso comum? É uma temática polêmica, problemática e espinhosa, mas, concomitantemente, relevante, pertinente e contemporânea e eu acrescentaria mais: QAF tornou-se atemporal por dar visibilidade e posicionar os LGBTTS como protagonistas num TV Show Americano e não mais como meros coadjuvantes. Os LGBTTS são infelizmente ainda categorizados,

7

tipificados, estereotipados e denominados como Minorias rechaçadas e demonizadas pelas Sociedades ao longo do Tempo. Kellner em seu livro a Cultura da Mídia afirma que “há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens , sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentais sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade.” (KELLNER, 2001, p. 9).

Cultura são os princípios e categorias legitimamente convencionados pela sociedade os quais perpassam todas as relações humanas. A cultura é, portanto, esse tecido, essa malha viva e dinâmica e ativa na qual há coesão e coerência simbólica e nos possibilita relacionarmo-nos com os outros, com nós mesmos e com a própria cultura. A cultura tece o homem e o homem tece a cultura. Esse pensamento permeará e perpassará toda a Minha Análise. Será o tijolo e o cimento sobre o qual edificarei e fundamentarei minha Monografia. Será um Mantra, digamos assim.

“As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir um cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo hoje.” (KELLNER, 2001, p. 11)

Creio que QAF foi um marco na Luta pelos Direitos dos LGBTTs. E com certeza QAF moldou e norteou o imaginário de muitas Pessoas ao redor do Mundo para que tolerem e respeitem os LGBTTS. Aceitação. Perdão. Empatia. Respeito. Igualdade de Direitos. QAF celebra a Vida dos LGBTTS! Sem Medo de mostrar a Vida dos LGBTTS na TV! Os Dilemas, Alegrias, dissabores, prazeres, amores! Meu objetivo é analisar alguns episódios e suas respectivas cenas e sequências emblemáticas da Segunda Temporada de QAF e Identificar, correlacionar e comparar com as análises temáticas da Primeira Temporada contidas no Livro Principal e Base dessa Monografia - rupturas possíveis: representação e cotidiano na série Os Assumidos (Queer as folk) de Sofia Zanforlin, Editora Anablumme ( 2005), e com outros textos da Bibliografia presentes no fim deste documento. Ambiciono, humildemente, ensejar uma continuidade à

8

análise da Sofia Zanforlin, pois acredito ser de grande valia essa contribuição para os estudos de Representação de Gêneros e de LGBTTS na TV, Meio de Comunicação de Massa expressivo e Universal e contemporâneo (ainda). No Capítulo Aporte Teórico, dedico 7 páginas dessa dissertação a um resumo do Capítulo Desenvolvimento Teórico em que Zanforlin disserta sobre os Conceitos de Hegemonia e de Representação na Cultura e nos Produtos Culturais. No capítulo Análise de Cenas-Chave, me debruço a elucubrar sobre as minúcias das cenas e dos diálogos mais pertinentes e correlacionados com o escopo e proposta do projeto. No decorrer da dissertação, percebi que diferentes assuntos e seus respectivos desdobramentos no decorrer dos episódios pululavam da narrativa audiovisual. Decidi então classificar em 8 subtítulos temáticos: 1 - A Homofobia nas várias instâncias da Sociedade; 2- Politica e diversidade: o discurso libertador de Queer as Folk; 3- Pontos de resistência; 4- Batalha simbólica entre gays e héteros; 5- O anonimato conformista dos LGBTTS na Sociedade; 6- Elucubrações sobre a função do Humor em Queer as Folk; 7- Celebração à Identidade Móvel; 8- Ben, namorado de Michael, é Portador do vírus HIV. Repercussões e desdobramentos nas relações sociais dos personagens; A conclusão na forma de Alegoria em formato de Carta inspirada em passagens do Livro A Cultura da Midia, de Kellner fecha apropriada e coerentemente esse estudo. A Metodologia que mais se adequa a essa Monografia é a de Estudo de Caso. Estudo de Caso, de acordo com o Capítulo 14 do Livro Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação, organizado por Jorge Duarte e Antônio Barros, possui várias definições tais quais: “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidencia são utilizadas” (Yin in Duarte, Barros, 2009, p. 216) ; (...) “análise intensiva, empreendida numa única ou em algumas organizações reais”( Stake in Duarte, Barros, 2009, p. 216);

9

“alguns tem um intento de exploração e tentam descobrir problemáticas novas, renovar perspectivas existentes ou sugerir hipóteses fecundadas, preparando assim o caminho para pesquisas ulteriores” (Bruyne, Herman e Schoutheete in Duarte, Barros, 2009, p. 217) .

Estudos de Casos, portanto, são de natureza qualitativa, ricos em interpretações e significados novos sobre o objeto analisado, explicativos, descritivos, particulares, indutivos, específicos, abertos, flexíveis, sugestivos e uniformes. O Estudo de Caso é o método ideal para se analisar eventos contemporâneos e delinear e evidenciar padrões e regularidades da parte que compõe o todo, ou seja, o objeto estudado é uma fração ínfima, uma amostra, de um universo grande sobre a qual busca-se arduamente mensurar sua representatividade no todo . Por conseguinte, no Método de Estudo de Caso, há inferências significativas e descobrimento de novos sentidos e visões outrora desapercebidas sobre o objeto de estudo em questão. Ao utilizar de raciocínio indutivo, pretende-se investigar dados particulares para deixar emergir os princípios e as generalizações. No entanto, é preciso que os Pesquisador tenha certo distanciamento apropriado do objeto para não deixar-se macular por visões tendenciosas advindas do sentimento de certeza forte e , consequentemente, contaminar, comprometer e prejudicar sua Pesquisa. Para se evitar tal ameaça, é imprescindível que haja uma definição clara das questões da pesquisa, um planejamento adequado e crível, texto conciso e objetivo, revisão bibliográfica satisfatória e rigor no processo de desenvolvimento de categorias e definição do escopo e limites e recortes. O projeto de pesquisa para o método de Estudo de Caso é, em outras palavras, um plano de ação, um manual. É composto por questões de estudo, proposições de estudo, unidades de análise ( casos) e lógica de ligação dos dados às proposições do estudo e aos parâmetros para a significação e contextualização das descobertas. Se planejado com pericia, maestria e destreza, o projeto de estudo de caso qualificar-se-á como estrutura possante, robusta e potente que possibilitará o desenvolvimento do aporte teórico para o Estudo do Caso em questão. Para o desenvolvimento do estudo de caso, há cinco estágios segundo Wimmer e Dominick em Duarte, Barros, 2009, p. 225: 1- Planejamento; 2- Estudo Piloto;

10

3- Coleta de dados; 4- Análise da informação; 5- Redação do Relatório ( com a interpretação dos dados coletados).

Sofia Zanforlin utilizou o Método de Análise de Conteúdo em sua dissertação , que pode ser definido como uma abordagem qualitativa em que a interpretação dos dados é auferida a partir da “ relação dinâmica, uma interdependência entre o mundo real, o objeto da pesquisa e a subjetividade do sujeito” ( Santaella in ZANFORLIN, 2009, P. 55) . Tais dados foram organizados e obtidos na etapa de Pré-Análise e classificados na etapa de Categorização. Ela reuniu os 22 episódios de QAF em VHS, anotou sinteticamente cena por cena, frame por frame descrevendo assim a cena e os respectivos diálogos dos personagens na cena. Feito isso, ela criou um roteiro e observou a recorrência de temas “ em torno dos quais se estabelecia a narrativa apresentada em capítulos no seriado. Esses temas foram relacionados a partir da frequência e recorrência temáticas, como a militância em grupos e associações de gays e lésbicas , por exemplo. Também através da comparação entre experiências comuns de vivencias entre grupos de homossexuais e heterossexuais, a experiência da primeira relação sexual das personagens, vivenciada entre um garoto gay e uma garota heterossexual”( ZANFORLIN, 2009, P. 57).

É importante sublinhar aqui que “ o projeto de estudo de caso é um instrumento passível de alteração e revisão durante os estágios iniciais do estudo” ( Duarte, Barros, 2009, p. 228) . Sendo assim, ele não engessa, interdita , congela ou cerceia a criatividade, perspicácia e inquietação do Pesquisador. É preciso também estar atento e aberto às provas contrárias que refutem, contestem e rejeitem as hipóteses formuladas. Aconselho-te, estimado leitor, a abrir sua mente, desvencilhar-se de seus preconceitos e aventurar-se nessa dissertação. Tenha em mente que em Queer as Folk, o terreno é movediço, pedregoso, e a nebulosidade é ás vezes densa e nos envolve de tal maneira que

11

temos que redobrar a cautela ao divisar o que nos aparenta ser um Oásis no árido deserto, mas que, ao aproximar-nos dele, percebemos se tratar de uma miragem projetada pelo nosso próprio entendimento enviesado por nossas ideologias e delírios intelectuais enviesados.

2 - APORTE TEÓRICO Livro rupturas possíveis representação e cotidiano na série os assumidos (queer as folk)1 Sofia Zanforlin em sua dissertação de Mestrado na UNB analisou a Primeira Temporada de Queer as Folk a partir da Metodologia de Análise de Conteúdo Temática. Nas palavras da autora: “Buscou-se apreender os significados das representações trabalhadas pelo seriado, sendo este, talvez, a primeira tentativa de romper a predominante representação do homossexual apenas como o soropositivo, ou como aquele que se coloca na posição de clown, pronto para dar o tom cômico da cena . “ (ZANFORLIN, 2005, P. 15)

A Primeira Temporada de Queer as Folk, com 22 episódios, foi baseada na série britânica criada por Russel T. Davies, e exibida pelo Canal Showtime, rendendo altos índices de audiência para o Canal, com publico que varia de 18 a 35 anos. Gravado em Toronto, Canadá, a fictícia Liberty Avenue é ambientada na cidade de Pittsburg, EUA. Considerada um paralelo a Manchester, no contexto dos produtores Daniel Lipman e Ron Cowen, uma típica “working-class city”. De acordo com os produtores, os LGBTTS em Queer as Folk são representados como sendo pessoas comuns, “que podemos

1

Nota 1: Na Capa do Livro as iniciais são minúsculas. Talvez a autora se utilizou desse recurso para explicitamente estabelecer ruptura com a norma culta. Nesse caso, podemos apreender que até na forma de se entregar um produto cultural , temos a oportunidade de contestar os modelos e normas vigentes no contexto cultural em questão. Nota 2: Optei por resumir o capítulo de Desenvolvimento Teórico do Livro basilar dessa Dissertação para servir como preâmbulo, introdução e aporte teórico de meu trabalho. Como já foi explicado na introdução, meu trabalho é uma continuação da análise de Sofia.

12

encontrar na porta ao lado” (ZAFORLIN, 2005, P. 16), sem o utilizar de símbolos tais quais roupas, trejeitos, modos de falar e se comportar comuns à imagem do homossexual. A descrição dos personagens é sintetizada na apresentação dos produtores Daniel Lipman e Ron Cowen copiada do site (www.showtime.ca): “Há um casal doméstico de lésbicas ( Lindsay e Melanie) com uma criança; Brian e Michael , que estão perto dos 30, o que significa uma espécie de morte nesse mundo. Há Ted, que tem 33 anos e corre atrás de rapazinhos inapropriados para ele; [...] há a mãe de Michael, Debbie, vivida por Sharon Gless, que de tão prestativa nos dá vontade de estrangulá-la. Há também o tio de Michael, (Vic) que está próximo dos 50 anos e tem AIDS, e vive à base de coquetel de remédios; e, claro, Justin, um garoto de 17 anos sem conflitos sobre sua sexualidade. Esse não é um especial para depois da escola, onde ele caminha pela praia em cenas de conflitos emocionais...”

Há ainda a personagem Emmett Honeycutt , que trabalha com Moda e é o mais efeminado do grupo. Zanforlin afirma ainda que o seriado rompe com a virtualidade, com a coadjuvância do gay nas outras narrativas audiovisuais e o insere como protagonista na série. A série é concebida para o público gay. A autora é bem critica em relação a essas representações dos LGBTTS na Série, pois, apesar da série romper com modelos anteriores de representação do homossexual em meios audiovisuais, ainda assim se utiliza de tipos e de estereótipos de LGBTTS corroborados e oriundos pelo senso comum da Sociedade. Será que as representações dos LGBTTS e seus respectivos papéis sociais na narrativa intentam conformar e reproduzir estereótipos e estigmas dos LGBTTS na sociedade, ou contestam e prescindem desses modelos pejorativos ao representarem os LGBTTS no Meio TV? São esses os questionamentos que nortearam a Pesquisa de Zanforlin e que terão continuidade em minha dissertação. A autora legitima e justifica a relevância e necessidade de se estudar os produtos culturais pois são esses últimos que assumem o expediente de recipientes de sentidos, representações, significados e imagens inseridas no cotidiano da Sociedade. Estudos culturais abrangem estudos de gênero, raça e etnia. Os meios de Comunicação de Massa, portanto, são mediadores entre as diversas instituições e esferas da Sociedade cível, pois são eles que detêm as ferramentas técnicas e materiais simbólicos e informativos necessários à vida em um Mundo Globalizado, no qual a dependência das Tecnologias de Informação e Comunicação é fator preponderante no dia-a-dia da Sociedade de Consumo.

13

Nas palavras da autora, “A mídia, como um mediador de sentidos e representante de um grupo detentor de capital financeiro e simbólico, representada pelos donos do aparato tecnológico dos meios de comunicação, configura-se um meio de transmissão e conformação de representações, algumas vezes sustentadas pela falta de conhecimento adequado, outras pela redução dos significados a modelos de fácil reconhecimento. Stuart Hall (1997) ressalta que “ o poder envolve conhecimento, representações, ideias, liderança cultural e autoridade. Assim como coação econômica. ”” ( ZANFORLIN, 2005, P. 19)

Dessa forma, a autora elucida que há na mídia um espaço privilegiado de negociação, disputa, produção

e

reprodução de conteúdo simbólico, o qual, por sua vez, contêm

estereótipos inerentes às representações ora adequadas ora bizarras ora exóticas dos diversos grupos sociais. Na pesquisa dela, o conteúdo temático é a categoria norteadora do exercício das análises. São seis as categorias temáticas ( que no livro se traduzem em capítulos) : 1º Tema – Primeira Experiência Sexual ( homossexual X heterossexual) 2º Tema – Família ( como a família lida com a orientação homossexual) 3º Tema – Parcerias ( relacionamentos, casamentos) 4º Tema – Trabalho ( identidade homossexual e as consequências no trabalho) 5º Tema – Militância ( reivindicação de direitos sociais, violência a homossexuais) 6º Tema – Personagem soropositivo (e o medo da doença) Ela diz ainda que em cada categoria há muitas perguntas e questões inerentes ao contexto do seriado e que tais perguntas foram extraídas das representações dos papéis sociais recorridas pelos autores do seriado; e da persistência ou não de modelos de conduta sedimentados e de estereótipos oriundos do imaginário dos homossexuais e dos heterossexuais na sociedade. No desenvolvimento teórico, a autora insere a critica de Stuart Hall ao marxismo o qual apregoava que a superestrutura, portadora das idéias e significados originários da base

14

economicista da sociedade é, portanto, residual. Para Stuart Hall, as expressões e formas da cultura relacionam-se às práticas sociais, ao cotidiano. No campo dos estudos culturas, a Cultura é arena de lutas, conflitos, negociações, inovações e resistências das relações sociais legitimadas e descritas por poder e de suas relações com gênero, raça, etnia e classe. Zanforlin ressalta que o elucubrar sobre as mensagens disseminadas nos Meios de Comunicação de Massa é uma forma de apreender os significados engendrados nelas e de “trabalhar o simbólico , nas relações de cultura como prática social , nas questões relacionadas à manutenção ou quebra de poder e à resistência” ( ZANFORLIN, 2005, P. 32) Hall, portanto, afirma que “As indústrias culturais têm de fato o poder de retrabalhar e remodelar constantemente aquilo que representam; e, pela repetição e seleção , impor e implantar tais definições de nós mesmos de forma a ajustá-las mais facilmente às descrições da cultura dominante ou preferencial. [...] Essas definições não têm o Poder de encampar nossas mentes; elas não atuam sobre nós como se fôssemos uma tela em branco. [...] Creio que há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual , por parte da cultura dominante [...] há pontos de resistência e também momentos de superação. Esta é a Dialética da luta cultural” (HALL IN ZANFORLIN, 2005, P. 33)

Assim, na codificação ( produção) e decodificação ( recepção) das narrativas audiovisuais nos Meios de Comunicação de Massa estão inseridos e referenciam a estrutura sociocultural da Sociedade. Hegemonia é um poder em constante mutação e transformação na dinâmica da Vida em Sociedade. Assim sendo, as relações entre o grupo dominante ou dirigente e os dominados ou dirigidos envolve uma série de jogos de negociações e concessões ao longo da história para conquistar o consentimento das classes sociais ‘dominadas’. Hall , dessa forma, afirma que o domínio não é apenas imposto ou que possui qualidade de dominador, mas, sim , “ de uma enorme capacidade de autoridade social e moral, não dirigida simplesmente a partidários imediatos, mas à sociedade como um todo” e que “as superestruturas da sociedade civil são como sistemas de trincheiras de guerras modernas”. ( Hall in Zarfolin , 2005, p. 39) A autora atribui ao termo trincheiras as Igrejas, escolas, associações voluntárias, organizações culturais, partidos políticos, sindicatos,

além das especificidades das

identidades de gênero, raça, etnia, aonde são travadas as guerras ideológicas modernas sobre

15

os mais variados assuntos e interesses. Assim, o campo da cultura é tão importante quanto o econômico e o político. Zanforlin explana que Para se conquistar e se manter a hegemonia é necessário estar inserido no debate cultural, nas redes de significação, no terreno do simbólico e, fundamentalmente, no senso comum das sociedades. “Porque então o senso comum é tão importante? Porque constitui o terreno das concepções e categorias sobre a qual a consciência prática das massas realmente se forma. É o terreno já formado e não questionado sobre o qual as ideologias e filosofias mais coerentes devem disputar domínio; o solo que novas concepções de mundo devem considerar, contestar, transformar, para moldarem as concepções de mundo das massas e, dessa forma, se tornarem historicamente efetivas “ (Hall in Zanforlin , 2005, P. 41)

O pressuposto da autora é o seguinte: o senso comum e as generalizações estão inseridas nas mensagens e símbolos nos programas veiculados pelos Meios de Comunicação de Massa. Dessa maneira, deve-se necessariamente trabalhar no nível do senso comum , ou consentimento, para conservar, manter, visões, estereótipos, representações, conformação ou contestação de Poder. A questão da representação em meios audiovisuais é ponto chave no livro. A representação está implantada no cotidiano das pessoas “ como um mecanismo de reconhecimento, identificação e inserção. “ ( ZANFORLIN, 2005, P. 41) A representação, portanto, é um modo de saber prático, com a função de ligar sujeito ao objeto. “É uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET IN ZANFORLIN, 2005, P. 42). A representação é, assim, um fenômeno cognitivo, o qual implica o inculcar e interiorizar de modelos de condutas socialmente estabelecidos. O individuo se insere e tem o sentimento de pertencimento na sociedade ao interiorizar as representações do circuito cultural em questão. “É através do uso que damos às coisas, como a denominamos, pensamos e sentimos – como as representamos-, que damos sentido a essas coisas. Em parte nós significamos objetos, pessoas e eventos a partir de esquemas de interpretação. [...] Representação conecta sentido e linguagem à cultura. Representação é uma parte essencial do processo no qual o sentido é produzido e cambiado entre membros de uma cultura. Envolve o uso de linguagens, de signos e imagens que usamos para representar coisas” (HALL IN ZANFORLIN, 2005, P 42)

16

A Comunicação Social se situa “no nível das trocas e das interações responsáveis pela criação de um universo consensual” (ZANFORLIN , 2005, P. 43). E é nesse universo consensual que se constroem e se repetem os estereótipos na cultura midiática através dos meios de comunicação de massa. Há que se diferenciar o que é estereotipar e o que é tipificar. Hall explica que sem a utilização de “tipos” seria quase impossível e dificílimo de compreender o Mundo. Classifica-se pessoas, objetos, acontecimentos através de esquemas formulados subjetivamente. “Nós conhecemos algo sobre uma pessoa através dos papéis que ela desempenha : se é uma criança, um adulto, um trabalhador, um amante, aposentado. Nós a associamos a membros de diferentes grupos de acordo com o gênero, classe social, idade, nacionalidade, raça, grupo lingüístico, preferência sexual, etc. Nós a ordenamos através da sua personalidade,: se é feliz, sério, depressivo, ativa. A representação que fazemos dessa pessoa é construída através das informações que correspondem a sua tipificação” (HALL IN ZANFORLIN , 2005, P . 44)

Para Hall, o estereótipo apresenta determinado grau de diferenciação da tipificação quando este reduz as características que se apreendem de alguém ou de algum grupo de pessoas, quando , ao exagerar, as simplifica e as fixa. “O estereótipo reduz, essencializa, naturaliza e fixa as diferenças” (HALL IN ZANFORLIN, 2005, P. 44). De acordo com Hall, o estereótipo, produzido em via unilateral, relaciona-se com a circulação de poder, separando o que é “normal” e aceitável daquilo que é sancionado, excluído e punido pelo padrão. O Estereótipo, de acordo com Hall, “é parte da manutenção da ordem simbólica. Demarca uma fronteira simbólica entre o “normal” e o “desviante, o aceitável e o “inaceitável”, o que pertence e o que não, “nós “ e “eles”. O estereótipo tende a ocorrer onde há desigualdade de poder. Classifica pessoas de acordo com uma norma e constrói a exclusão do “outro”. ( HALL IN ZANFORLIN, 2005, P. 45)

Hall elucida que há um Poder contido na representação circulada nas mensagens do aparato midiático ao afirmar que: “O poder tem que ser compreendido não apenas em termos de exploração econômica ou coerção física, mas também em termos culturais e simbólicos, incluindo o poder de representar alguém ou algo de uma certa maneira – dentro de um certo regime de representações. Isto inclui o exercício do poder simbólico através de práticas representacionais. Estereótipo é um elemento chave no exercício da violência simbólica” ( HALL IN ZANFORLIN, 2005, P. 45)

A seguir, finalizando seu desenvolvimento teórico, Zanforlin aponta que a mídia detentora desse Poder Simbólico ao transmitir e conformar representações sustentadas pela falta de conhecimento adequado ou reduzidas a moldes de fácil apreensão e reconhecimento,

17

se esquiva de oportunidades para contestar representações e modelos já existentes e consagrados no imaginário coletivo, no âmbito do consentimento da sociedade. A mídia produz e reproduz, constrói e destrói significados e concomitantemente molda e referencia as realidades cotidianas. A mídia é onipresente. Cada vez mais passamos mais tempo dedicados a receber informações midiáticas. A mídia é nossa Vida. “A mídia depende do senso comum. Ela o reproduz, recorre a ele, mas também o explora e distorce [...] O medo da diferença, os preconceitos de nações e gêneros. Os valores, atitudes, gostos, as culturas de classes, as etnicidades, etc., reflexões e constituições da experiência e, como tais, terrenos-chave para definição de identidades, para nossa capacidade de nos situar no mundo moderno. Além disso, é pelo senso comum que nos tornamos aptos a partilhar nossas vidas com os outros e distingui-las umas das outras.” ( SILVERSTON IN ZANFORLIN, 2005, P. 48)

A mídia, portanto, tem grau elevado de Poder de interpelação pessoal. A mídia é destinada a Massa. E para que isso efetivamente ocorra, a TV “familiariza “ os conteúdos, e, assim, simplifica-os, reduzindo-os, descomplexificando-os, formulando-os em mensagens adaptadas e clichês não muito caros à uma Comunicação efetiva entre o emissor e o receptor. Ajusta, assim, o conteúdo às expectativas da audiência para não chocá-los. “A televisão opera mediante o reconhecimento da audiência correspondente a cada gênero específico e em sintonia com os interesses do mercado” (ZANFORLIN , 2005, P. 51) A autora cita Silverstone ao indagar se a característica mais preponderante do meio TV, a visibilidade, constitui um caminho para respeito à diversidade humana ou seria o oposto, a reafirmação, reprodução e criação de novos estereótipos. “Como represento o Outro no que escrevo ou filmo sem, de outro lado, absorvê-lo no próprio senso que tenho de mim mesmo?” (SILVERSTONE IN ZANFORLIN , 2005, P. 52)

18

3 - ANÁLISE DE CENAS-CHAVE

Nesse capítulo, analisarei as cenas e diálogos mais relevantes e expressivos na Temporada para a análise ( eu arriscaria a dizer um singelo ensaio)

em questão. O

procedimento adotado é o mesmo em que Zanforlin utilizou em sua dissertação: Descrição das cenas e diálogos das personagens. A autora assegura que “com essa medida, procurou-se esclarecer os contextos nos quais me baseei para desenvolver os pressupostos de análise, bem como compartilhar com os leitores as minúcias das cenas investigadas”. (ZANFORLIN , 2005, P. 21) Uma forma de compensar as diferenças entre linguagem audiovisual e linguagem verbal no texto em sua Pesquisa.

3.1 - A Homofobia nas várias instâncias da Sociedade

Após o episódio final da 1º Temporada em que Justin Taylor recebe um golpe de bastão de beisebol na cabeça por seu colega Chris Hobes no Estacionamento do Colégio após o Baile de Formatura, Brian, seu namorado, derruba o agressor e carrega Justin nos braços para o Hospital. Chris Hobes atacou Justin porque Brian e Justin estavam dançando e se beijando no Baile de Formatura. Justin está consciente, mas há seqüelas provenientes do golpe na cabeça: sua coordenação motora foi comprometida. Ele, que outrora pintava quadros de Brian, já não consegue segurar nada em suas mãos. Suas mãos desobedecem os comandos do cérebro. Debbie, ao tentar abraçá-lo, desencadeia medo e pavor em Justin, pois ele vê a mancha de comida na blusa dela e pensa que é sangue. Sua mãe o acalma. [...] Brian relembra a noite em que Justin quase morre. Justin diz que não foi culpa dele. No tribunal, o Juiz declara : Eu posso imaginar o quão doloroso pode ser para um jovem como Chris Hobbs, ser tocado sexualmente por um rapaz ( Justin masturbou Chris na

19

1º Temporada) , e então ver ele assumindo seu modo de vida e trazer seu namorado para o salão e iniciarem o que pode ser descrito como uma dança provocante. Dados os fatos de que ele estava bebendo, o que não deveria estar fazendo, eu posso entender o porque de Chris Hobbs ter perdido o controle do seu julgamento. Mesmo assim... isso não justifica suas ações. E então eu venho tentando encontrar a sentença apropriada para punir esse trágico crime. [...]Christopher Mark Hobbs, essa corte aceita sua alegação como culpado por este crime. Por conta da sua idade e por não ter antecedentes criminais, e também por ter sido provocado, você irá cumprir uma sentença de dois anos em liberdade e terá de cumprir 500 horas de serviço comunitário. Debbie é a que mais se indigna com a sentença. Ela chora ao dizer na saída do Tribunal: Eu vou ligar para todos os ativistas desse país. Eu não vou deixar isso como está. Nem por um simples segundo. Nós vamos ás ruas. Vamos carregar grandes cartazes que irão fazer esse juíz saber o que pensamos dele. Basta. Nós vamos fazer uma passeata em Washington se preciso for. Irmã! Você ouviu isso? Ted e Michal e Mellanie e Emmett a acalmam. Enquanto Justin treina com uma bola ao arremessa-la para Brian na porta de sua casa, ele diz: Eu sabia que deixariam ele ir.

Eles não se preocupam conosco. Eles nos querem

mortos. A mãe de Justin chega e pede que Justin e Daphne entrem em casa. Ela diz a Brian: [...] eu gostaria que você fosse embora e nunca mais se encontrasse com ele. Eu me preocupo com ele. Foi por sua culpa que ele quase foi morto. Me perdoe por ser tão estúpida. Eu tentei aceitá-lo pelo que ele é, aceitar o mundo dele e de onde ele faz parte. Eu tenho tentado aceitar você. E como resultado, eu quase perdi ele. E eu não pretendo perdê-lo novamente. Então, se você se preocupa com ele... você vai fazer o que eu pedi, e fazer com que meu filho volte pra mim. Brian, desolado, liga o carro e vai embora. Nesse caso particularmente, o seriado escancara a temática da Homofobia e seus desdobramentos em diferentes gradações nas instituições jurídicas, escola e família.

20

A condescendência do Juiz, o riso debochado do réu, o choro de Debbie, as seqüelas em Justin, a relutância e desistência da mãe de Justin em aceitar o filho homossexual, e, finalmente, a tristeza de Brian são situações e circunstâncias corriqueiras no dia-a-dia daqueles que tem a coragem de assumir para o mundo suas orientações sexuais. Nesse sentido, a TV é um Meio de Comunicação de Massa que assume o expediente de reproduzir, transfigurar, os fatos cotidianos corriqueiros em narrativas ficcionais persuasivas, emblemáticas, sedutoras e deveras caras, pois passam a traduzir e viabilizar a visibilidade das inquietações das minorias rechaçadas, expurgadas e sancionadas da Sociedade Moderna. A TV assume um papel de proeminência ao impregnar no imaginário coletivo os textos de uma nova Agenda. A Queer as Folk atribuir-se-á ousadia, destemor, coragem e audácia ao transplantar da tela da tv para a memória do público essas imagens. Rogerio Diniz enfatiza: “Não é casual a quase completa justaposição entre as características negativas atribuídas a judeus e homossexuais: ambos seriam ardilosos, dissimulados, vingativos, imorais, inconfiáveis, traiçoeiros, mentirosos, aberrantes, ligados a “lobbies” poderosos, “complôs”, subversão, etc.” (DINIZ, p 16). Percebem-se essas adjetivações aos homossexuais implícitas na atitude nefasta e complacente do Juiz. Rogerio aponta ainda que estamos “diante de um processo em que o anti-semitismo (a 360 graus) se fortalece, se aprofunda e se desdobra, imbricado na (re)produção de múltiplos mecanismos (hetero)normativos.” (DINIZ, p 15). Ainda sobre a questão da intolerância tão recorrente na Segunda Temporada, Diniz aponta na página 17 – “ E mais: de todos os setores sociais minorizados, “homossexuais” continuam sendo insistentemente apontadas como os mais odiados (MOTT, 2000, p. 100). Assim, ao lado de numerosos discursos que não salvaguardam nem sequer vagas enunciações acerca de princípios de igualdade, não são poucos os que, dentro e fora da escola, se sentem confortavelmente legitimados a adotarem, de maneira ostensiva, posições preconceituosas e discriminatórias homofóbicas, amparados em uma maior aceitação da expressão de preconceito, discriminação e violência contra transgêneros, homossexuais e bissexuais. ”

A intolerância apregoada exaustivamente por esses personagens é um discurso segregacionista e desumanizante. Destitui, concomitantemente, a dignidade e caráter de Ser Humano dos LGBTTS. Os idealiza e hierarquiza, assim, como seres degenerados, perversos,

21

indecentes, subversivos não confiáveis e abaladores da ordem “normal” e “natural” do Mundo. No senso comum, o Gay, a Lesbica, o Transexual, o Bissexual e o Travesti são estorvos, empecilhos à continuidade da Vida (dois iguais não geram filhos) e ulteriormente, assim, a Sociedade deixaria de existir e o Mundo jazeria em extinção de Pessoas. O indivíduo pertencente à comunidade LGBTT é uma aberração, um ser composto por ausências, por falhas e faltas e que precisa inexoravelmente passar por esse processo de restauração espiritual e corporal a fim de que se redima e retorne ao lar, à família tradicional. A cerca do espetáculo protagonizado na Cultura da Mídia, Marilena Chauí explana: O que os meios ( ou a mídia) veiculam? O que transmitem? Sobe a forma de romances, novelas, contos, notícias, músicas, debates, danças, jogos, espetáculos, transmitem informações. [...] “Hoje, invadimos culturas inteiras com informação enlatada, diversão e ideias “(MCLuhan in CHAUI , 2006, P. 37) [...] Se a TV é o mundo, é porque ela se apresenta como dotada de poder de produzi-lo por meio de imagens e palavras [...] ( A novela) Opera reforçando o senso comum social, mantendo a suposta clareza da distinção entre o bem e o mal, a naturalização da hierarquia social e da pobreza, o desejo de “subir na vida” , a recompensa dos bons e a punição dos maus ( CHAUI, 2006, P 50-52)

Em Queer as Folk, os LGBTTS são punidos pela Sociedade . O telespectador interpelado por esses textos midiáticos ante à sua TV no conforto de seu lar pode se permitir “resistir aos significados e mensagens dominantes, criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropria-se da cultura de massa, usando a sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar significados, identidade e forma de vida próprios. Além disso, a própria mídia dá recursos que os indivíduos podem acatar ou rejeitar na formação de sua identidade em oposição a modelos dominantes. Assim, a cultura vinculada pela mídia induz os indivíduos a conformar-se à organização vigente da sociedade, mas também lhes oferece recursos que podem fortalecê-los na oposição a essa mesma sociedade” ( KELLNER, 2001, P. 11)

À audiência cabe, portanto, o decidir se contagiar-se-á pelo texto midiático que conclama empatia aos LGBTTS ou resistir à persuasão da narrativa e continuar insensível às causas do outro e concomitantemente ao próprio outro. Assim, estabelece-se constante e dinamicamente a “batalha cultural” e simbólica mediada pela mídia e protagonizada pelo indivíduo, pela sociedade e pela própria mídia.

22

3.2 - Politica e diversidade: o discurso libertador de Queer as Folk

Debbie, Vic e Jenifer Taylor estão jantando na casa de Debbie. Jenifer se queixa dos pesadelos de Justin por causa do atentado a sua vida. Vic fala a Jenifer , que elogia sua comida: nós gays temos um monte de habilidades , você tem que reconhecer isso. Debbie fala a Vic: Indestrutível também. Se AIDS, os homofóbicos, os cristãos malucos e os republicanos não podem destruir você , nada pode. Vic fala a Jenifer: E justin também superará. Você verá. Nesse diálogo, o seriado assume uma posição de militante da causa LGBTT. QAF também é, em contrapartida, uma celebração à Vida dos LGBTTs na TV Americana. Nietzsche veementemente afirma que o Homem Dionisíaco vê que “A Vida, no fundo das coisas, apesar do caráter mutável dos fenômenos, é indestrutivelmente Poderosa e Cheia de Alegria” (Nietzsche IN BRUM, 1998, p. 75). Na imagem da esquerda, contemplamos o deus Baco. (Dioniso ou Dionísio (em grego: Διώνυσος ou Διόνυσος, transl. Diōnisos ou Diónisos) era o deus grego equivalente ao deus romano Baco, dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, do teatro, dos ritos religiosos mas, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. Wikipedia) Análise do quadro Baco2 : Na mística de Baco (mística é o contato de Deus com o homem ) , o homem permanece no mundo . Baco está sentado, relaxado. Ele representa o laico. Baco aponta para baixo: A Terra, a existência física, o mundo onde vivemos, o caminho para o mundo, a vida, o aqui e o agora. Baco , ao apontar para a Terra, indica que o caminho da Sabedoria é esse em que estamos vivendo. Baco usa pele de Carneiro. Ora, o carneiro é um animal sacrificial. Logo, há sacrifícios na nossa busca pela Sabedoria. Seja ela Divina ou Terrena. Escolhemos nosso caminho. 2

Análise retirada de anotações do meu caderno de Estética da Comunicação de Massa ministrada pela Professora Doutora Rosangela Nunes em 2013.2

23

Brian Kinney na direita deitado com lençóis envolvendo seu corpo nu e cansado após o coito sexual com outro homem do qual nem sabe o nome, corporifica e personifica Dionísio na Série. Brian é bonito, másculo, promíscuo, beberrão, extremamente narcisista e hedonista e que curte orgias. Brian é o macho alfa na série. Aquele que pega geral. Publicitário bemsucedido, Rico e com apetite sexual insaciável. Com uma luxuria exacerbada. E poder exorbitante de sedução incontestável.

Sobre O Homem Dionisíaco: “Uma vida na dissonância prazer/dor , uma vida trágica sem redenção e sem escapatória , esta é a “vida eterna , o eterno retorno da vida” de que fala Nietzsche em Crepúsculo dos Ídolos: “Para que haja o eterno prazer de criar, para que a vontade de vida se perpetue em uma alegre aceitação , é preciso também que haja eternamente ‘ as dores da parturiente’ [...] Eis tudo que significa a palavra Dionísio ” ” (NIETZSCHE IN BRUM, 1998, P. 75) Nietzsche explana o que quer dizer com seu homem dionisíaco: “A aquiescência à vida , até em seus problemas mais afastados e mais árduos ; o querer-viver sacrificando alegremente os seus tipos mais realizados para a sua própria e

24

inesgotável fecundidade - é tudo isto o que chamei dionisíaco [...] ” (NIETZSCHE IN BRUM, 1998, P. 75) O artefato cultural Queer as folk transubstanciou a dura realidade dos LGBTTS em Sociedade no Mundo Real para um texto irreverente, otimista, positivo, afirmativo, empolgante, entusiasta, contagiante. Brian é o Dionísio. O deus que celebra a Vida mesmo esta sendo carregada de tensões e injustiças. Nietzsche vê na Arte o “Grande Estimulante da Vida “ ao afirmar em fragmentos póstumos dos anos 1888 e 1889 no texto O Pessimismo da Arte : “ O efeito das obras de Arte é suscitar o estado no qual se cria a arte, a embriaguez[...] O essencial da arte permanece a sua realização existencial, que faz nascer a perfeição e a plenitude . A arte é essencialmente aprovação, bênção, divinização da existência [...] o que quer dizer uma arte pessimista? Não é um contradictio – Sim. Não há arte pessimista [...] A Arte diz sim ” ” (NIETZSCHE IN BRUM, 1998, P. 106) Nietzsche nos aconselha a buscar o prazer nas formas conhecidas de prazer. Ele enxerga alegria, positividade, afirmação mesmo diante das mazelas da vida. A mensagem Positiva de Queer as Folk diz: É possível, sim, ser feliz num mundo homofóbico. Mesmo sendo alvo de chacotas e piadas deveras e frequentemente agressivas, em QAF os LGBTTS são fortes, alegres, otimistas e hedonistas. Celebram a Vida mesmo na Dor! As cenas na Boate Babylon – ponto de encontro noturno dos LGBTTS em QAF-, só confirmam e reiteram e validam a minha hipótese acima supracitada. Musica eletrônica, homens dançando e homens se beijando, se mesclando em corpos suados, cheios de tesão. Amigos se divertindo enquanto paqueram e bebem seus drinks. È a Afirmação e Visibilidade dos não-heterossexuais na tela da TV. Os LGBTTS dizem sim à Vida.

3.3 – Pontos de resistência

Debbie tenta convencer Jenifer a deixar Justin ver Brian. Justin vai ao apartamento de Brian, mas este se recusa a deixa-lo entrar. Justin discuti com a mãe e a acusa de ter falado

25

com Brian para deixa-lo. Jenifer pede desculpas a Brian e pede pra que ele receba Justin de volta. Brian diz a Jenifer em seu apartamento : Você quer que eu transe com ele? Jenifer incomodada diz: Você é o único em que ele confia. Brian : Eu achei que você não quisesse que eu o visse novamente . Jenifer: Eu não quero. Mas se a única coisa que verei de meu filho é a imagem remota do que ele era, eu não tenho escolha. Brian o recebe em sua vida de volta. Justin ainda tem medo de ter relações sexuais. Brian o protege, cuida dele. Justin supera o medo e transa com Brian. Jenifer representa a mãe heterossexual submissa que chora e sofre com a homossexualidade do Filho. Jenifer ainda apreende o conceito de homossexualidade como algo negativo, um problema que desencadeia outros problemas em sua vida. Justin nasceu defeituoso , na visão de Jenifer. E cabe a ela tentar apaziguar e compensar da melhor maneira possivel o que a natureza lhe impôs. Nesse caso, o constrangimento de Jenifer frente ao assumir que tem um filho gay, bem como o ato de protegê-lo do mundo vil gay reproduz o discurso há tempos urdido e fortalecido na cultura – aquele em que “a homossexualidade é tratada como um mal menor, mas ainda assim algo a se lamentar” (ZANFORLIN , 2005, P. 109) Isso desencadeia decepção, raiva, tristeza e angustia em Jenifer, a mãe conciliadora , compreensiva e amorosa. Posteriormente, nos próximos episódios, Jenifer Taylor aceita o filho e chega até a ir com ele na Parada do Orgulho Gay na Cidade. Só que o seriado não explicita o processo de transformação da mãe. Apenas informa que ela se torna condescendente no decorrer do tempo. Nesse sentido, mesmo sem explicitar o processo de transformação e evolução das identidades dos personagens, o seriado é bem sucedido ao explanar a transitoriedade das Identidades no vídeo. O seriado, nesses momentos, diz sim à celebração móvel das identidades, temática a ser tratada mais adiante nessa dissertação.

26

3.4 – Batalha simbólica entre gays e héteros

Melanie e Lindsay, o casal de Lésbicas, vão ao casamento da irmã de Lindsay acompanhadas de Emmett e Ted, como 2 casais heterossexuais. Lindsay diz aos três: Olhem, desculpem por vocês fingirem serem nossos namorados. Lynnete ( irmã de Lindsay) insistiu para eu e Mellanie não atraíssemos a atenção para nós.[...] Eu prometi que nós seguiríamos a linha dos casamentos tradicionais. Mellanie e Lindsay observam os presentes do casamento e Mellanie diz: Patético não é? Pessoas heterossexuais e seus rituais. Ted : ah, deixa disso Mellanie. Se fosse legal , ( O casamento gay) vocês se casariam. Mellanie: você sabe que não podemos, qual o problema? [...] Lynnete diz a Lindsay: eu quero te agradecer por não me envergonhar. Você sabe, não que eu tenha algo contra a Melanie, e você sabe que eu adoro o Gus ( filho de Lindsay com Brian ) mas, considerando que é meu casamento, [...] Eu não quero ver nenhum motivo para as pessoas me julgarem. Lindsay( rindo): E se intrometerem na minha vida particular. Lindsay , na frente dos convidados, pede licença e faz um discurso: Quero parabenizar minha irmã e seu esposo por estarem na frente de amigos para declarar seu amor e comprometimento sob olhos de Deus e da Lei. É um Privilegio. Não pra ser tratado superficialmente. Eu sei disso pois tenho compartilhado minha vida com minha parceira por 6 anos maravilhosos mesmo não sendo casadas. E só não fazemos porque não podemos. Mas isso não vai proibir de duas pessoas fazerem o que eles verdadeiramente querem. Ou vai? Então gostaria de perguntar a minha amada. Melanie. Quer se casar comigo? A família e os convidados lançam olhares fuzilantes de desprezo e vergonha para as duas lésbicas. Burburinhos de reprovação são audíveis na cena.

27

[...] Lindsay na cama com Mellanie atende o telefone. Sua mãe está chorando. Lindsay: Droga mãe. Se Lynnete pode se casar 3 vezes, porque não posso? Bem, francamente não dou a mínima pra que os outros pensam. Mãe de Lindsay: Duas mulheres não podem se casar. Como podemos mostrar nossos rostos depois disso? [...] Lindsay diz a Mellanie: eu quero reconhecimento igual e total. Se não for perante a lei, que seja perante meus pais. Melanie: Eu começaria sendo expulsa de Missisipi. [...] olhe, nós não podemos nos casar. Quero dizer, não legalmente. Apenas simbolicamente. Por outro lado, você sabe como me sinto sobre casamentos: Eles são antiquados . rituais sem significados para heterossexuais. [...] nós não precisamos disso pra provar que nos amamos. Lindsay volta a dormir, pensativa. Lindsay está montando uma barraca no campo. Brian concorda com Mellanie ao dizer para Lindsay : foda-se casamentos, foda-se rituais. No episódio seguinte, Melanie pede Lindsay em casamento. Lindsay aceita. Nessa cena, além da reincidência das mesmas atitudes discriminatórias e preconceituosas por parte dos personagens, constatamos a demarcação clara entre heterossexuais e homossexuais já apontada por Zanforlin : Reduzem-se suas características pessoais ao fato de se relacionarem com pessoas do mesmo sexo, [...] conforme elucida silva: As relações de identidade e diferença ordenam-se , todas, em torno de oposições binárias: masculino/feminino, branco/negro, heterossexual/homossexual. Questionar a identidade e a diferença como relações de poder significa problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam. Fixar uma determinada identidade como a norma é uma das formas privilegiadas de hierarquização de das identidades e das diferenças. [...] Numa sociedade em que impera a supremacia branca, pro exemplo, ser “branco” não é considerado uma identidade étnica ou racial. É a sexualidade homossexual que é “sexualizada “ , não a heterossexual ( 2000b: 83) ( ZANFORLIN, 2005, P. 114)

O seriado recorre à repetição de modelos estereotipados nas representações da sexualidade humana na cultura de midia sem sequer esforçar-se minimamente para promover

28

uma transformação nos debates sobre tal temática. Assim sendo, tais representações não inovam ou rompem com moldes já pré-estabelecidos no imaginário social da sociedade ao longo dos tempos. O seriado não problematiza os esquemas de representações e consequentemente, imprime na narrativa o confronto antigo e caro entre a minoria e a maioria, e perpetua no vídeo o jogo da inversão dos modelos de representação , “o nosso modelo substituindo o modelo deles” ( HALL IN ZANFORLIN 2005, p. 154) Dessa forma, o seriado não rompe com a circularidade do Poder indicada por Hall “ O argumento é que todos, o poderoso e o fraco são capturados, pensados , não nos mesmos termos da circulação do poder, mas ninguém, seja aparentemente vitima ou agente, pode situar-se fora do campo onde ele opera (Hall In Zanforlin, 1997: 261). O poder seduz, persuade, convence outrem a aderir à ideologia X em detrimento de ideologia Y. Procedendo assim, o seriado só conforma as relações de Poder e de demarcação de diferenças, irrompendo exclusões entre heteros e gays. O hetero no seriado é assim representado: anormal, esquisito, excêntrico, extravagante, invulgar, extraordinário, insólito, singular, exótico, bizarro, inusitado, misterioso, enigmático. Esse recurso de inversão de modelos utilizado pelo seriado, suscita a discutir o quanto gays reproduzem estratégias sectárias e "estereotipantes" como estratégia de defesa e empoderamento, e até que ponto isso não acaba servindo ao mesmo discurso de poder que estas estratégias tentam criticar ou se proteger, ao fortalecer a segregação e ao se assumir diferenças mais construídas do que naturais. Poder-se-ia até questionar o quanto isto não alimenta o falso-vitimismo reacionário de parte da sociedade que utiliza essas estratégias como desculpa para se auto-vitimização ao inverter o ônus da culpa criando um mecanismo coercivo inexistente: a heterofobia. O que QAF demonstra é que os mecanismos de coerção, estratificação e poder são sempre herdados e reproduzidos até certo ponto pelo oprimido contra outra minorias (lésbicas, travestis...), mas esse mecanismo nunca funciona contra o opressor já que estas estratégias existem apenas para imitá-lo, salvo na forma de ironia crítica. Não basta ser irônico, desdenhoso ou até preconceituoso para se ter fobia ( relaciono aqui o termo inexistente “heterofobia” cunhado pelos homofóbicos – heterosssexuais não são perseguidos, discriminados ou mortos por sua orientação sexual) ; é necessário ter medo, horror, ódio,

29

sentimentos que servem apenas a quem detêm o discurso de poder para delimitar e segregar as minorias. Outra questão interessante é que o discurso de poder sempre se apropria do discurso do oprimido utilizando-o em seu benefício, como no caso da "invenção" do termo "heterofobia". Everardo Rocha, no capítulo Pensando em Partir do livro O que é Etnocentrismo, define o Etnocentrismo como sendo “uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência.” (ROCHA, 1988, p. 5). Ele ainda afirma que o etnocentrismo está presente tanto no plano intelectual ou racional quanto no afetivo ou emotivo do ser humano. Ele afirma que essas dificuldades e sentimentos de estranheza e assombro pululam no espírito humano quando há o choque entre as culturas. Everardo segue falando que o etnocentrismo é universal e que, nesse choque de culturas, o outro é visto como errado e selvagem, desprovido de alma humana. Há sempre a dualidade superior e inferior, certo e errado, puro impuro, etc. Através de exemplos hipotéticos, mas que não deixam de ser plausíveis e possíveis no mundo real, Everardo declara categoricamente que “O etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura do “outro” nos termos da cultura do grupo do “eu”” e que “no mais das vezes, o etnocentrismo implica uma apreensão do “outro” que se reveste de uma forma bastante violenta.” (ROCHA, 1988, p. 8). Everardo ainda menciona que há estereótipos que estão arraigados na cultura de massa na qual estamos inseridos. Os Índios , nos livros de história da educação básica, são rotulados como sendo preguiçosos, indolentes, ingênuos, desprovidos de sabedoria, e, assim, parece que tal classificação atribui só ausências na sociedade indígena. Ainda falando dos grupos indígenas, Everardo diz que o índio ocupa três papéis na História do Brasil. São eles: o papel de selvagem (descobrimento do Brasil), o papel de criança (catequese) e o papel de corajoso (Etnia Brasileira). Everardo também mostra que no nosso dia a dia rotulamos e estereotipamos os outros e, ao mesmo tempo, somos rotulados e estereotipados pelos outros e pela cultura de massa. Everardo finaliza o capítulo definindo o que vem a ser a relativização. Para ele, a Relativização é uma das “ideias que se contrapõem

30

ao etnocentrismo”. (ROCHA, 1988, p.9). E introduz a área da Antropologia Social como sendo “uma ciência sobre a diferença entre os seres humanos” (ROCHA, 1988, p.9). No seriado, os gays rotulam os heteros. As lésbicas rotulam os gays. Os gays ofendem as lésbicas. Não há relativização efetiva no entorno dessas batalhas culturais e simbólicas no seriado. Nada de novo. Tudo do velho. Portanto, o ato de somente dar visibilidade às minorias num seriado não basta para se engendrar transformações no consenso da Sociedade sobre tais minorias... O seriado se esquiva de ensejar novos debates a respeito da homossexualidade nesses episódios, quando tão-somente se utiliza de fórmulas já consagradas na cultura da midia que comunicam bem para um público amplo sem no entanto discordar, opor-se, resistir, protestar ou perturbar o que já se sedimentou no imaginário social coletivo. Mellanie e Lindsay se casam posteriormente na Segunda Temporada. Mas não contam com apoio dos Pais. Não há, efetivamente, reformulações nas representações das relações entre LGBTTS e héteros nesses episódios.

3.5 – O anonimato conformista dos LGBTTS na Sociedade

No escritório de Controladoria onde TED trabalha, vários homens assistem filmes com mulheres nuas nos computadores. TED é o único que vê vídeos pornôs gays. Ted é flagrado pelo chefe. Ted tenta se justificar, sem sucesso. O chefe o demite. Ted fala a Michael e Emmett: Eu estava apenas assistindo, como todos os outros. A única diferença: Eu não estava olhando o mesmo que os outros no escritório. Emmett: Sexo hétero [...] Michael : Isso é discriminação no local de trabalho Ted: está certo! Se pensa por um minuto que não lutarei porque tenho medo de revelar minha sexualidade como você, Ele está totalmente enganado.

31

Michael: não se preocupe Ted. Com sua formação e experiências, você vai encontrar outro trabalho. Ted: Sim, eu não estaria tão seguro. Não depois de descobrirem a razão pelo qual fui demitido. Jesus! Mellanie, Lindsay e Ted estão na casa de Lindsay. Mellanie diz: Não há leis nesse Estado contra a discriminação no Trabalho. Seu chefe pode fazer o que ele quiser [...] Ted sai chateado. Mellanie diz a Lindsay: Mais um exemplo de que nós não temos direito. Ted vai à sala do ex-chefe e diz: Eu apenas quero que saibas o quão irracional e justo é que você me demitiu por uma infração secundária. Eu estou certo que se fosse com os outros, você olharia de outro modo. A única diferença é que eu sou ... Chefe: Um homossexual? Ted: Exato. Chefe: vocês gays. Toda vez que algo acontece, pensam que é discriminação. Bem, isto nada tem a ver com discriminação. Isto é política da companhia: “Qualquer um que for pego usando a internet para outros propósitos inadvertidamente para o negocio , será despedido imediatamente. “ Tem sorte de eu não te cobrar pelo tempo que passou on-line. Ted : Sim , senhor. Obrigado, senhor. Chefe: Você é feliz sendo Contador? Seu coração bate mais forte? Ted: não, senhor. Chefe: Então estou lhe fazendo um favor. Da próxima vez, procure algo que sinta paixão. Senão estará se masturbando a si mesmo. Nesse episódio emblemático, Ted se cala. Os LGBTTS se calam. Acatam à discriminações heterosexistas dos heterossexuais. A postura subserviente de Ted ante à discriminação do chefe é peremptoriamente a conformação exacerbada por parte dos LGBTTS ao paradigma heteronormativo. Não há resistência alguma por Ted à justificativa fútil e fajuta do chefe. A humilhação colossal perante ao desrespeito com a minoria é

32

infelizmente o combustível que alimenta a hegemonia e fortalece o processo de heteronormatização dos corpos em sociedade. A apatia e tristeza são as únicas reações esboçadas na linguagem corporal de Ted na presença do chefe. O heterossexismo – e aqui eu adoto uma definição americana – é a discriminação e a opressão baseadas em uma distinção feita a propósito da orientação sexual. O heterossexismo é a promoção incessante, pelas instituições e/ou indivíduos, da superioridade da heterossexualidade e da subordinação simulada da homossexualidade. O heterossexismo toma como dado que todo mundo é heterossexual, salvo opinião em contrário (WELZER-LANG IN MAKINO & BARROS, 2001, p. 467-8).

O seriado mais uma vez reforça a opressão heterossexista e o silêncio dos oprimidos LGBTTS subalternos ao paradigma heteronormativo. E tal ratificação é nociva aos LGBTTS pois os subjuga e os hierarquiza e qualifica-os inferiores na pirâmide social em relação aos heterossexuais. Diniz Corrobora com os argumentos supracitados, quando afirma que É preciso, então, considerar a existência de um variado e dinâmico arsenal de normas, injunções disciplinadoras e disposições de controle voltadas a estabelecer e a impor padrões e imposições normalizantes no que concerne a corpo, gênero, sexualidade e a tudo o que lhes diz respeito, direta ou indiretamente. A homofobia, [...], inclusive, diz respeito a valores, mecanismos de exclusão, disposições e estruturas hierarquizantes, relações de poder, sistemas de crenças e de representação, padrões relacionais e identitários, todos eles voltados a naturalizar, impor, sancionar e legitimar uma única seqüência sexo-gênero-sexualidade, centrada na heterossexualidade e rigorosamente regulada pelas normas de gênero. O que vemos, então, é um sistema binário, disciplinador, normatizador e normalizador graças ao qual a heterossexualidade só poderia ganhar expressão social mediante o gênero considerado naturalmente correspondente a determinado sexo (genitalizado, tido como “natural”, “dado”, “pré-discursivo” e, portanto, “evidente” e anterior à cultura – como se existisse corpo avant la lettre) . Desta feita, o gênero acaba por ser não só o mediador: é o responsável mais do que por possibilitar, mas por revelar as supostas coerência e unidade entre anatomia, comportamento, sexualidade e identidade. Em outras palavras: tal seqüência tem sua eficácia garantida por mecanismos de introjeção e controle (sexualmente diferenciados e sexualmente diferenciantes) ligados à crença de que a determinado sexo deva corresponder, de modo bi-unívoco, um determinado gênero, o qual, por sua vez, implicaria um determinado direcionamento do desejo sexual. (DINIZ, 2002, P 10)

Ted , no decorrer dos episódios, se tranca em sua casa e vicia-se em masturbar-se a todo momento na companhia dos filmes pornôs. Depois ele decide seguir seu sonho e inaugura um serviço de assinaturas de um website em que os atores pornôs transmitem via streaming online e ao vivo suas performances sexuais.

33

O anonimato conformista de Ted é um recurso muito utilizado por LGBTTS no campo familiar, social, nas relações de trabalho, enfim, na vida em sociedade. Ele aceita de cabeça baixa a culpa e o respectivo ônus do crime praticado contra os padrões heteronormativos de controle da vida em sociedade. Ted é gay. Ted é marginal. Não interessa suas qualificações pessoais e profissionais bem como seu tempo no trabalho. Ao proceder assim, o seriado perde “uma oportunidade de aprofundar a discussão e levar à audiência que o preconceito, seja de que natureza for, é um ato criminoso, sujeito às penalidades da lei, e que os indivíduos devem ser vistos e analisados por outros critérios que não passam pelas orientações subjetivas, como sexuais ou religiosas, ou de cor ou de etnia ( ZANFORLIN, 2005, P. 150)

3.6 – Elucubrações sobre a função do Humor em Queer as Folk

Nesse capitulo, analisarei algumas cenas-chaves em que piadas, diálogos e passagens supostamente “engraçadas” se utilizam de recursos textuais humorísticos para comunicar situações e temas tidos como tabus pela sociedade. Sabe-se que “O humor é um poderoso instrumento que serve para refletir sobre temáticas que circundam o atitudinal, o cultural, a organização social dos povos. A partir dessas perspectivas, o humor satiriza, através de sua linguagem descompromissada, desassociada e desvinculada dos rigores e molduras sociais, estreitando as relações sociais, e suas variações diastráticas, tornando-se um elemento subversivo, rompedor, apaziguador, mediatizando fatos indigestos” ( ALMEIDA, 2014, P.1)

Recorrentemente em Queer as Folk, o humor é empregado para tratar de temáticas deveras problemáticas e caras tais quais a questão de igualdade dos direitos dos LGBTTs; as preferências sexuais dos personagens; discursos religiosos; discriminação na escola e trabalho.

34

O humor é divertido e sério ao mesmo tempo; é uma qualidade vital da condição humana. Ele também fornece pistas para o que é realmente importante na sociedade e na cultura. O humor quase sempre reflete as percepções culturais mais profundas e nos oferece um instrumento poderoso para a compreensão dos modos de pensar e sentir moldados pela cultura ( ALMEIDA, 2014, P. 8)

E é nessa acepção do humor como

sendo um recurso textual e midiático de

reprodução, contestação e conformação de representações utilizadas recorrentemente e amplamente no seriado. É possível sugerir ou até mesmo elucidar as intenções subentendidas e latentes no texto midiático suavizado, amenizado, e enfeitado ou ornamentado pelo humor? Será que a critica à sociedade e aos modelos e padrões heteronormativos é efetiva? Ou diluirse-á e perder-se-á na ambiguidade da mensagem que provoca riso na audiência? Emmett, o mais efeminado do grupo, presta serviços esporádicos a uma agência que disponibiliza empregados domésticos vestidos seminus que servem aos seus clientes serviços “extras “ além de limpar a casa e de servi-los. Um casal gay contrata Emmett para fazer serviços domésticos. Quando Emmett chega na casa deles, abaixa as calças e o casal pede pra ele vesti-la novamente, pois eles são casados há 11 anos e acreditam na monogamia como base sólida de relacionamento entre casais gays. Emmett , no decorrer do episódio, faz sexo oral em cada um dos dois homens, em momentos distintos, e pede perdão a Deus por acabar o casamento de 11 anos. Ted, Emmett e Micheal estão andando na LibertyAvenue. Emmett: Num instante eu estava engomando o colarinho dele, no outro, chupando o pau dele. Ou seja, em um minuto destruí 11 anos de fidelidade. Sou um canalha. Sou pior que um canalha. O que é pior que um canalha? Michael diz a Emmett: Nós sabemos que ninguém faz o que não quer fazer. Esse Blair ( um dos integrantes do casal que contratou Emmett) não é nenhum anjo. Emmett: Ele era. Agora é um anjo caído. Eu sou a serpente do Jardim do Eden. Michael: Para de se culpar. Ted: Não. Comece a se culpar. Isso não teria acontecido se você esquecesse do sexo e pensasse em outra coisa.

35

Emmett: tipo o que? Ted: tipo ir a um museu, ler um livro. Emmett: Um livro? Ted: Sim. Aquilo tem páginas, umas palavrinhas, uma capa. Dizem que aprimora a mente. [...] Emmett: Oh meu Deus, vou ter que preparar o jantar para eles. O que vou dizer? Michael: não diga nada. E não deixe que isso se repita. Emmett assente com a cabeça e Michael sai de cena. [...] Emmett está sentado no sofá entre o casal gay. Emmett: Sinto muito por ter de lhes dizer isto. Espero que não fiquem chateados... mas estou lhes dando o aviso prévio. Blair: - Emmett, não! Blaine: - Não está feliz aqui? Fizemos algo que o aborreceu?

Emmett: Não é por causa de vocês. É por mim. Sou indigno de trabalhar para dois homens tão distintos. Blaine: Não fale assim. Ninguém jamais nos prestou serviços como você. Emmett: Receava que dissessem isso. Blaine: Na verdade, Blair me contou como está feliz... com seu desempenho. Não foi, Blair? Blair: Claro. E Blaine fez o mesmo. Não fez, querido? Nós nunca tivemos um empregado tão apropriado. Emmett: Esperem aí. Ambos sabem? Blair e Blaine : - Mas é claro. Emmett: Mas pensei...não disseram que eram totalmente monogâmicos?

36

Blair: E somos. Mas sempre precisamos de ajuda em casa. Blaine: Você não vai ficar? Emmett: Sabem... eu posso ser promíscuo... mas, ao menos, sou um promíscuo honesto. Por isso, arrumem outro para engomar suas calças. É isso. Emmett sai da casa. __________________________________________________________________ Howard Bellwather, escritor famoso na série, foi flagrado por Michael e Ted numa orgia à moda Bareback (Bareback ou barebacking é um termo em inglês utilizado para se referir à prática de atos sexuais (ou, mais especificamente, sexo anal) sem a utilização de um preservativo. A palavra original indicava o ato de cavalgar um cavalo sem sela.) Emmett, Ted, Debbie, Lindsay, Vic, Mellanie estão vestidos com trajes de gala sentados numa mesa assistindo a premiação entediados e enojados com tamanha falsidade e falso-moralismo. Numa cerimônia de entrega de prêmio ao gay do Ano, na Associação de Gays e Lésbicas de Pittisburg, os apresentadores falam: Nosso próximo vencedor é um homem cuja voz.... tem sido um farol da verdade... em um mar revolto de incerteza moral. Um homem que nos desafiou a responder por nossos atos. Que exige que não aceitemos de nós mesmos, nada menos... que decência e dignidade. O prêmio de destaque deste ano para o Defensor dos gays vai... - para o Sr. Howard...- Bellweather! Howard Bellwather: Como vamos reclamar dos estereótipos... da marginalização...quando muitos membros da nossa comunidade... através de atos irresponsáveis, perpetuam tal tratamento? Nós somos nosso pior inimigo. Portanto, devemos nos unir... - Concluindo... Debbie: - Ele disse "concluindo"?

Howard Bellwather :Cabe a nós... mudar a percepção errada de que a vida gay é só sexo. Provar que somos... cidadãos preocupados e empenhados... que no fundo somos. Obrigado. Ele é ovacionado pela plateia. Ted olha pra Emmett: Eu ainda acredito no que ele diz. Embora não acredite nele.

37

Em ambas as cenas, os personagens ao assumirem uma postura promíscua, com intensa volúpia, só reforçam o estereótipo de que todo gay é promiscuo, incapaz de ter relacionamentos monogâmicos e duradouros e profundos. Dessa forma, o recurso textual com tom cômico participa do processo de reprodução, reforço e consequente manutenção e cristalização de modelos de representações já naturalizados, delineando os LGBTTS à apenas essas características, ignorando e omitindo outras. Assim, em Queer as Folk, nesse episódio especificamente, os homens gays só pensam , só querem, só vivem sexo. Na fala de Ted “Eu ainda acredito no que ele diz. Embora não acredite nele.” a respeito do discurso proferido por Howard, há uma clara criação de uma utopia:

gay não é e não pode jamais ser

monogâmico e ter relacionamento amoroso estável. Nesse ponto especifico o seriado mais uma vez se esquiva de retrabalhar e de reformular as já estigmatizadas e cristalizadas representações dos LGBTTS nos produtos da cultura da mídia e no imaginário da sociedade. Ao se utilizar de modelos já existentes, baseados em binarismos de gênero em que o homem tem que ter vários parceiros sexuais, em nada contribui para produzir e disseminar um discurso que sirva de modelo e que os LGBTTS possam identificar-se com. A respeito do conceito de Identidade tão importante e tão concatenado com o de hegemonia, Hall elucida: “Podemos pensar, a partir dessa lógica, que a construção da identidade pode ser reformulada e transformada, visto que as construções das relações existentes são estereotipadas, portanto, passíveis de modificação, ou seja, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes e, não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento”(HALL IN REIS, 2011, P 106)

Cabe aqui uma observação: não compete a essa análise discursar ou formular juízos de valor sobre modelos de relacionamento monogâmicos ou poligâmicos. Aliás, nesse ponto, o seriado assume uma postura subversiva, ao contestar os valores e princípios hegemônicos da sociedade, destoando , assim do paradigma heteronormativo monogâmico. O seriado, portanto, caçoa , repudia, despreza e rejeita as normas e padrões “normais” sociais e propõe a pegação gay como alternativa a esse padrão heteronormativo. A pegação gay é definida e contextualizada no seriado : é um deleite transar sem compromisso com vários homens; o homem tem que se satisfazer sexualmente com outros; o apetite sexual masculino é insaciável. Tais significados contidos nas mensagens da narrativa audiovisual coadunam com o que se foi dito por Nunan e que sintetiza assim concomitantemente o produto “

38

representação dos LGBTTs” contido no imaginário social coletivo no nível consensual: “A socialização de gênero na nossa cultura ensina os homens a serem mais interessados em sexo e em variedade sexual do que as mulheres. Por outro lado, para muitas mulheres, independente de sua orientação sexual, sexo e amor estão intimamente ligados, o que faz com que relações casuais sejam menos atraentes” ( NUNAN IN REIS, 2011, p. 108) Só um adendo: desde a 1º Temporada, o casal de lésbicas Lindsay e Mellanie é representado nos moldes e trâmites heterosexistas: Lindsay, a passiva da relação, mais feminina, é dona do lar, é mãe e cuida da casa e do filho. Mellanie, a ativa da casa, mais masculinizada, é a que sustenta a família e que trabalha fora. Justin é passivo e depende financeiramente de Brian, que é ativo e independente financeiramente. A respeito disso, Fry e Macrae também sintetizam nítida e poderosamente: A superioridade social do “ativo” sobre o “passivo” é nitidamente expressa nas palavras de gíria que usamos para falar das relações sexuais como: “comer” e “dar”, “ficar” por “cima” e “abrir as pernas”. Quem “come” , vence, como um jogador de xadrez que tira as peças de seu adversário do tabuleiro, “comendo-as”. Quem “come” está “por cima” e quem “abre as pernas” é quem se rende totalmente (FRY & MACRAE IN REIS, 2011, P. 118)

O seriado se utiliza de modelos de representação heteronormativos

3

presentes no

imaginário da sociedade ? Sim. Mas concomitantemente , “samba na cara da sociedade” heteronormativa e falso-moralista, ao mostrar na tela da TV sem nenhum pudor e censura o sexo entre LGBTTS tal qual acontece no mundo real. Queer as Folk se legitima e se impõe como produto da Contracultura, a que destoa da cultura dominante, no Meio de Comunicação de Massa mais preponderante até então: a TV. Retomando as questões do humor mencionadas no começo desse capítulo: É possível sugerir ou até mesmo elucidar as intenções subentendidas e latentes no texto midiático suavizado, amenizado, e enfeitado ou ornamentado pelo humor? Será que a critica à sociedade

3

A heteronormatividade é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados , mas é uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e “natural” da heterossexualidade. (WELZERLANG IN MAKINO & BARROS , 2014, P298)

39

e aos modelos e padrões heteronormativos é efetiva? Ou diluir-se-á e perder-se-á na ambiguidade da mensagem que provoca riso na audiência? Creio não haver uma resposta certa, sem formulações enviesadas por preconceitos. O que se nota, em elucubração mais auspiciosa, é que há controversas e antagonismos que pululam tanto da forma quanto do conteúdo do texto midiático em questão. Os personagens movem-se dinâmica e rapidamente por vários papéis sociais, assumindo posturas ora conservadoras, ora subversivas, ora revolucionárias, ora passivas, ora ativas, ora tolas, ora inteligentes, ora agressivas, ora no ataque, ora na defensiva, ora se revelando , ora se escondendo, ora pacíficas. Os gays são tão humanos quanto os outros humanos. São tão idiossincráticos quanto os heteros. Os LGBTTS são gente como a gente! É a dança da Identidade inacabada do homem posmoderno em constante mutação e transformação no decorrer das eras: O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não- resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (veja Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar — ao menos temporariamente. (HALL, 2006, P 2,3 (EBOOK))

Por conseguinte, Queer as folk não é total e absolutamente conservador nem liberal. Dispõe de articulações controversas e paradoxais em sua estória para atrair grande espectro de audiência e portanto angariar maiores lucros financeiros .

40

3.7 – Celebração à Identidade Móvel

Michael conhece seu futuro esposo Ben em sua Loja de Quadrinhos e este o convida para dar uma palestra sobre Homorotismo na Literatura na Universidade em que trabalha como Professor de Literatura. ( Michael se demitiu do Big Q e resolve comprar a loja de Quadrinhos e montar seu próprio negócio. Passa a ser “ativo “ na vida, em contraposição à sua preferência sexual “passiva” na cama. Aqui mais uma vez o seriado habilmente e brilhantemente avança no sentido de retrabalhar as representações dos LGBTTS ao mostrar que eles não são só sedentos desesperados por sexo sem compromisso e com maior número possível de parceiros, mas que, também, e felizmente, são complexos, espaciais, diferentes entre si, com seus questionamentos internos, formulando-se assim o estabelecimento de uma relação de casualidade de seus comportamentos, e suas preocupações gerais e o envolvimento com outros temas; enfim, as diferenças que os fazem semelhantes a quaisquer outras pessoas e não um desenho simplista, chapado e generalizado, representando-os apenas como pessoas sem múltiplas facetas, sem caráter similar a de outras, como se fossem extra-terrestres destituídos de outras emoções humanas. Ao promover essa celebração móvel da Identidade de Michael, o seriado questiona a Identidade e a diferença “ como relações de Poder ( e isso por sua vez) significa problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam” (SILVA IN ZANFORLIN , 2005, P. 151) Ou seja, o seriado propõe à audiência discussões sérias, substanciais e imprescindíveis sobre a transitoriedade das identidades na PosModernidade ) Michael, no púlpito no auditório da Universidade fala ao microfone para todos: A figura masculina tem sido adorada de Michelangelo... até Capitão Astro. A força e musculatura... do... do... Sinto muito. Não faço idéia do significado do Homoerotismo na Literatura. Eu sei que The Flash fica bem de roupa justa. Eu comecei lendo The Flash. Super-Homem, Capitão América... quando era criança. Primeiro porque era divertido. Eu gostava das histórias e imagens... e era uma boa forma de escapar da droga... ou melhor, das coisas que me incomodavam.

41

Minha mãe não queria que eu lesse gibis. Depois quando descobri... que eu era gay... eu os li por outros motivos. Porque talvez de forma não intencional... aqueles super-heróis eram como eu. No trabalho, eles são humildes... pouco apreciados... os caras nunca transam... e quando estão com outras pessoas... eles mantêm distância, para não revelarem seu verdadeiro eu. Eles sobrevivem aos vilões, monstros, e forças... que querem destruí-los. A kriptonita, no caso do Super-Homem... contra a qual ele não é imune... no final, sabemos que ele sobreviverá... e ele será capaz de salvar o mundo. Eu acredito que o mesmo vale para nós. Foi o que aprendi com os quadrinhos. Que apesar de tudo... nós sobreviveremos... e venceremos. Mas voltando aos caras de roupas justas... Tal proclamação é um Ode aos LGBTTS. Todos os dias os LGBTTS são discriminados, perseguidos, intimidados, punidos, desencorajados, expurgados por familiares, amigos, colegas de trabalho. Em maior ou menor intensidade, tais situações são corriqueiras e recorrentes no cotidiano dos que se assumem publicamente sua orientação sexual. Fugidios a padrões heteronormativos normalizadores. E há implicações políticas ao se assumir publicamente para o mundo. Vale ressaltar aqui que “essa posição vai ao encontro dos movimentos políticos de gênero como um todo, já que uma das bandeiras dos primórdios do movimento feminista e uma das principais contribuições levadas aos estudos culturais , foi apontar o pessoal como político, ou seja, ao chamar atenção para as questões da vida privada, , como o trabalho domestico das mulheres, por exemplo, transforma-se este espaço como uma arena de lutas e negociações ativas” ( ZANFORLIN, 2005, P. 157)

Há ainda outra episodio que corrobora e se correlaciona com o conceito de Identidade Móvel mencionado no capítulo anterior. No episódio treze, Michael descobre que seu Pai biológico é uma Drag Queen. E que sua mãe mentiu pra ele durante todo esse tempo a respeito de sua origem. Michael entra no camarim da Drag Queen Divina Devore após ela ter feito uma performance num show para arrecadar verba financeira para a Associação de Ajuda a Pessoas com AIDS de Pittisburg.

42

Drag : Michael Michael: Posso passar? Drag: Bom, eu... Não fico nu diante de um homem, mas, contigo, farei uma exceção. Como vai? Conseguiu muito dinheiro para "Anjos de Pittsburgh" Michael: Suficiente para muito tempo. Graças a tua ajuda. Drag: Bom, é a única que podia oferecer Michael: Não duvido Drag aperta na mão de Michael: Bem Cuide-se, Michael Foi genial conhecer você Michael: De fato, quero pedir outro favor Drag: Oh, para.. ...outra ONG Já não fizemos o suficiente para todo mundo? Algo mais.. e ficarei fula por toda a semana Michael: Não é ato benéfico Ainda que seria uma grande ajuda . É teu anuário do Colégio e esse é você ( entrega um album com fotos de formandos) Drag: Oh, Deus. Não o via há 30 anos . Tinha 18. Michael: Não se parece a alguém? Drag: Sim. Sem dúvida. Igualzinho a Tom Cruise. Michael: Se parece a mim. Drag ri : A você? Bom, aprecio seu gesto Mas francamente, Não acho. Michael: Está cego? Mas, a forma como você é, como me olha agora Acho que somos quase gêmeos Drag: Bom, se você fosse estrábico , Seríamos ligeiramente parecidos. Ajuda-me com o zíper. Pedi um vestido E estes sovinas.. Michael: Você é meu pai?

43

Drag: Bom momento pra perguntar-me . Justo nesse momento Michael: Esteve com minha mãe no tempo exato para ter... Drag: uma transa? Bem, tive a curiosidade Michael: O que? O que quer dizer? Ela e você nunca... Drag: Olha pra mim . Vê um homem que vá por aí fazendo filhos? Tua mãe nunca foi meu tipo. Michael: Mas você disse que era super linda. E que saíram juntos, como namorados Drag: Nós Drag Queens somos umas mentirosas todo mundo sabe disso. Bem, o que te disse tua mãe? Michael: Ela me disse que meu pai foi um herói de guerra. Drag: por que não acredita nisso? Michael: Por que ela muda a história a cada momento Drag: Só há uma foto dele e não se parece a mim. Michael: Não te exijo nada Não quero sequer manter contato. Só quero a verdade Ele retira a fantasia de Drag sai vestido de homem: Michael, eu somente... posso dizer que a única verdade que aprendi durante a vida A verdade... é que você pode escolher a quem acreditar e a quem não Quando estou no palco, As pessoas acreditam que sou Divina Devore Não porque seja um bom imitador mas porque eles querem acreditar nisso

Michael: O que poderia fazer se você fosse meu pai, ou, se minha mãe me estivesse mentindo?

44

Drag: Tua mãe Te deu algo em que acreditar. Um herói Um pai pra você se sentir orgulhoso. Porque ela te ama . Isso é a verdade. Você pode escolher em acreditar nela ou não... Você decide Michael suspira. Fim da cena. [...]

Debbie, sozinha em sua casa, começa a guardar as fotos e objetos santos tal qual terço, do altar dedicado ao “pai” biológico de Michael. Michael entra no recinto escuro. Michael: Mãe, o que está fazendo acordada tão tarde? Debbie: Não consegui dormir. Michael: O que houve? Debbie: A mesma coisa Michael : Vim devolver isso (o álbum de formandos da mãe.). Debbie: Pode ficar com ele Michael: O que está fazendo? Debbie: Jogando porcarias fora arrumando a sala algo que deveria ter feito há muito Michael: É algo sagrado para papai. Debbie: Sim, e? Michael: Por isso, não pode jogar fora Debbie: Não preciso disto. Michael: O que está dizendo Debbie: Não sei o que pretende, Michael.

45

Michael: A verdade é..simplesmente o que você me disse. Meu pai... é o tenente John Michael Novotny Morreu no Vietnã, em 10 de abril de 1970 . Duas semanas depois que eu nascesse, Quando um Jeep passou sobre uma mina Enquanto cruzava uma floresta Numa missão para salvar sua tropa. Não foi isso, mãe? Debbie: Foi isso Michael e Debbie: Por isso, ele recebeu uma estrela de 12 pontas E suas últimas palavras foram... "Diga-lhe a meu filho que sempre o amarei... mais que a minha própria vida... Michael: e que sempre estarei orgulhoso dele" Michael abraça sua mãe. Fim do episódio 13 O Pai Biológico de Michael, a Drag Queen, ao longo da vida decidiu assumir sua homossexualidade, mas já disfarçou a sua homossexualidade se passando por hétero, assumindo uma identidade heterossexual, tendo, porém, desejos homossexuais, tentando, ao mesmo tempo, ser heterossexual, e assim adotar uma postura aceita pela Sociedade, coadunando com o que Hall mencionou : “O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” . (HALL, 2006, P 2,3 (EBOOK)) E não somente o Pai de Michael, Debbie e o próprio Michael assumem e tem identidades contraditórias ao criarem o Pai imaginário de Michael que morreu em guerra, ignorando o fato de seu verdadeiro Pai biológico estar vivo, interiorizando, assim, tal incompatibilidade factível. Brian, egoísta, promiscuo, narcisista , que, ao longo das 2 primeiras temporadas assume uma postura anti-casamento e anti-monogamia, é o responsável pela organização do Casamento de Lindsay e Mellanie na metade da Segunda Temporada. Brian também leva Justin para morar com ele. Emmett diz ser um rapaz sério, ético, mas aceita trabalhar como ator pornô para o website de Ted. Ted ama ópera clássica, mas também vive enfurnado na Babylon, aonde só se toca musica eletrônica. Debbie é pro-LGBTTS mas

46

surta quando o filho diz que vai namorar um cara soropositivo. Mellanie se posicionava contra casamentos. Na cena final da Segunda Temporada, Brian organiza um evento para lançamento da HQ criada por Michael e Justin – Capitão Rage , um super-herói gay com características físicas inspiradas no próprio Brian. Todos os personagens estão lá. Homens bonitos, sarados. Há uma encenação de um episódio da HQ em que Capitão Rage socorre um gay que está sendo atacado por heteros. Capitão Rage age em suas mentes e faz com que se ataquem mutualmente ao perceber que são gays. Os heteros homofobicos se matam. Há uma série de acontecimentos que se seguem: Ben abandona a ideia de ir ao Tibet para meditar com os monges e decidi ficar com Michael; Emmett se rende às cantadas e ao charme de Ted e se beijam apaixonadamente; Justin beija Ethan e sai de mãos dadas com ele, sugerindo a Brian, que observa tudo com olhar impassível, que o relacionamento dos dois terminou . No som de background,

a canção Human Behavior de Bjork, com imagens

intercalando entre plano geral e closes nas ações e diálogos dos personagens principais : Se você chegar perto de um humano E o comportamento humano Esteja pronto para se confundir E eu e meu aqui depois

Definitivamente, definitivamente não há nenhuma lógica Para o comportamento humano Mas ainda assim é irresistível E eu e meu medo não podemos

E não há mapa incerto

47

São terrivelmente mal-humorados

Do comportamento humano Então de repente ficam felizes E eu e meu aqui depois

Mas oh, se envolver em troca De emoções humanas É sempre prazeroso E eles e meu aqui depois

E não há mapa incerto

Comportamento humano, comportamento humano Comportamento humano, comportamento humano

Não há mapa E uma bússola Não ajudaria de jeito nenhum Incerteza

48

Comportamento humano, humano, humano

Comportamento humano, comportamento humano

Definitivamente, definitivamente não há nenhuma lógica Humano, humano, humano Nessa cena final, de Celebração às Identidades Móveis, as Identidades flutuam livre e espontaneamente. Os personagens projetam nossos desejos, aspirações, dilemas, contradições, paixões, medos. E seja hetero, bi, ou homossexual, o telespectador é interpelado a refletir sobre sua vida ante ao texto que lhe adentra a casa através da TV.

É o ápice, o clímax da

festa da não-estereotipagem das representações dos LGBTTS na TV. Em Queer as Folk não há pasteurização nas representações dos LGBTTs. Há o gay efeminado, o másculo, o novinho, o amoroso, o bondoso, o tímido, o mais sedento por sexo, o mais romântico, o ativo, o passivo e o versátil. E tais adjetivações não restringem-se a qualificar univocamente a cada personagem. Assim, o efeminado em alguns momentos é mais romântico. Em outros é mais másculo. Na cama. Na vida. Na arte. “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas —desalojadas —de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem "flutuar livremente". Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha.” (HALL, 2006, P. 20)

49

3.8 – Ben, namorado de Michael, é Portador do vírus HIV. Repercussões e desdobramentos nas relações sociais dos personagens. Nesse capítulo, analisarei o impacto e as repercussões nas relações sociais dos personagens quando Ben, namorado de Michael, revela que é portador do Vírus HIV. Como a família e amigos de Michael reagem a essa notícia? Há reformulações ou há reproduções e conformações de modelos de representações da doença na mídia? Como Queer as Folk representa Ben? A descrição das cenas-chaves e diálogos mais pertinentes à temática intenta elucidar a indagação supracitada. Ben é um homem alto, branco, atraente, sarado, não-efeminado. É Escritor e Professor Universitário. Diversa do Estereótipo do soropositivo magro, esquelético, tão-comum em outros produtos culturais. Ben não recorre a discursos de vitimização, de autocomiseração. Ele é feliz. É uma abordagem não-estereótipada das características físicas e psicológicas dos soropositivos na cultura da mídia.4 Michael e sua mãe Debbie estão conversando na Loja de HQs de Michael. Ben entra : Ben: Eu estava na vizinhança. Você deixou isso na minha casa. ( entrega uma camisa a Michael) Debbie: Na casa dele? Eu não sabia que você estava transando. Sorte sua. - Eu sou a mãe dele. Ben: - Sim. Eu me lembro. Debbie: Ele se lembra de mim. Michael: É um pouco difícil esquecê-la. E para a sua informação, eu não transei. 4

Queer as Folk teve uma atitude honesta, positiva frente à temática da AIDS. O ponto de vista do Ben é posto em destaque no decorrer da trama, coadunando com o que se foi dito no artigo acadêmico Uma Doença no Espaço Público. A AIDS em Seis Jornais Franceses : ” Mas não podemos deixar de levar em conta as observações de Susan Sontag sobre “o problemático aparelho da metáfora”. “A atitude mais honesta que se pode ter junto à doença”, ela escreve, “a maneira mais honesta de estar doente consiste em depurá-la da metáfora, em resistir à contaminação que a acompanha” (SONTAG, 1980, p. 9). Pode-se perguntar, no entanto, sobre a possibilidade de os doentes escaparem a essa palavra do outro: a experiência da doença constitui sempre, como diz Ronald Frankenberg (1986), uma confrontação com as metáforas produzidas e impostas pela sociedade. O que os doentes entendem quando um “se” que não se pode situar com precisão, mas que parece vir de todos os lugares, fala para eles, e deles, em termos de sangue, sexo, morte, calamidade e de castigo?” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P. 96)

50

Debbie: Que pena. Preciso voltar à lanchonete. Foi um prazer vê-lo novamente. Tenha mais sorte desta vez. Tchau. Ben: Esta mãe vale por duas. Michael: Você não sabe nem a metade. Ben: Eu gostaria de saber. E gostaria de saber tudo sobre você. Michael: Pare, está me fazendo corar. Pensei que isso seria impossível. Ben: É, eu também queria saber... como você ficou depois de ontem à noite. Você sabe, depois da minha revelação... Meu nome é Ben, tenho 33 anos, sou de Peixes, adoro a natureza e sou HIV positivo. Você sabe, isso é... Ainda não sei como jogar esta bomba de forma atraente. Michael tranqüila e serenamente responde: Lamento se pareci desanimado. É a 1ª vez que ouço isso... de alguém em que estou interessado. Ben: Ainda está interessado? Michael concorda com a cabeça. Ben: Isso é ótimo. Alguns caras saem correndo. Então você não está apavorado? Michael: Por favor, ao saber que eu era gay... minha mãe me deu uma aula sobre sexo. Aprendi a colocar camisinha num pepino. Depois eu aprendi a dirigir. Ben: Eu ia convidá-lo para sair hoje, mas já não sei mais. Michael: Por que não? Ben: Michael, é difícil competir com um pepino. Ambos riem.

[...]

No parque, Ben e Michael andam e conversam. Ben: Faz tempo que não namoro no parque. Michael: Fique comigo e talvez acabe transando. Ben: É mesmo? Michael: Acabei de ler o seu livro. Ben: É? O que você achou? O escritor inseguro não quer parecer indiferente. Michael: Na verdade... eu adorei. Ben: Você...

51

Michael: Especialmente quando a alfândega na Tailândia... confiscou seus remédios. Ben: Aquele foi um dos piores dias da minha vida. Mas como dizem... da adversidade, vem o conhecimento. Eu aprendi a deixar o medo de lado... e a encontrar serenidade no caos. [...] O segredo é parar de se lamentar pelo passado... e parar de temer o futuro. E... é apenas viver no presente. Michael: Minha mãe diria isso. Ela sempre diz... "Com um pé no futuro e outro no passado você fará xixi no presente." Na verdade, ela diz.... cocô. Mas eu quis melhorar um pouco. Ben: Sua mãe e Buda tem algo em comum. Michael: O que, os dois são gordos? Ben: Não, não... Eles nos ensina a pura concentração nos detalhes. A brisa no seu rosto. A forma como a camisa cai sobre o seu corpo. A sensação da mão de alguém nas suas costas. Ele nos ajuda a perceber... que agora, só existe... o agora. Se isto é verdade... devemos aproveitar isso. Vamos. [...] Michael e Ben estão dançando na Boate Babylon. Ted, Brian, Justin estão recostados a um canto bebendo. Justin: Lá está Michael com um gostosão. Ted: Ei, Michael. Aqui! Michael: Eles nos viram. Meus amigos podem ser... Ben: O que? Críticos? Maliciosos? Condescendentes? Michael: Você os conhece? Ben, estes são... Ted, Justin e Brian. Ben: Prazer em conhecê-lo. Brian: Não ia fazer o inventário? ( da loja de HQs) Michael: Eu ia mesmo. Ted: Você parece familiar. Estudou na Penn? Ben: Yale, mas não colei grau e fui para Iowa. Michael: Ben escreveu um livro chamado: "Você também é?" Ted: Sim, eu vi sua entrevista numa revista. Eu fui comprar correndo. Ben: Foi? Então foi você. Ted: Ora, as críticas foram ótimas. Era tão sincero... direto... tão revelador. Ben: É... escritores fazem isso. Nós nos cortamos e deixamos sangrar nas páginas.

52

Michael: Achei que quisesse dançar. Até mais, rapazes. Justin: Ele é um tesão. Brian: Ele é o padrão. Ted: Veja, Brain... Ele é um cara bonito, e é um cara legal também. Ele é perfeito, exceto por uma coisa. Ele é positivo. [...] Michael, Ted, Brian e Emmett estão jantando no restaurante em que a mãe de Michael, Debbie, trabalha como garçonete. Michael: "Sou positivo", Foi o que saiu da boca dele. Brian: Depois do seu pênis. Ted: Ele foi honesto mas você está brincando com fogo. E se a camisinha romper? Ou se a gengiva dele sangra? Brian: Ou se ele gozar e você estiver amarrando o sapato... e acabar entrando no seu traseiro? Ted: Nossa, Brian, você tem de fazer piada sobre tudo? Até da segurança de um amigo? Michael: Eu sei me cuidar. Ted: Não, você acha que sabe. Todos nós achamos. Você sabe que está morando com a morte. Ben está com algo que o levará à morte. E se você se descuidar um momento somente, um errinho que seja... isso poderia matá-lo também. Emmett: Acho que você está sendo meio dramático, Teddy. Muitos têm namorados positivos. Ted: Eles não são Michael. E você pirou quando achou que estava infectado. ( na Temporada anterior) Michael: Ouça, agradeço a preocupação de vocês. Mas estão falando de Ben como se ele fosse uma doença, e não uma pessoa. E se você namorasse alguém assim, teria outra opinião. Ted: Não, eu sei que não é politicamente correto... mas eu não faria isso, mesmo se gostasse dele. Debbie chega para servi-los: Não faria o quê, querido? Emmett: Não namoraria alguém positivo.

53

Debbie: Esta é uma postura péssima. E isso me surpreende, sabendo que transaram com muitos. Ted: Os números variam entre cada um de nós. Debbie: Um de vocês poderia ser positivo. Mas, se não são, não é porque vocês se cuidam. Eu sei que isso não é verdade. Vocês têm sorte. Muita sorte. Então, não me digam que não podem amar alguém... só porque ele não tem a mesma sorte que vocês. Este é mais um motivo, se querem saber. Michael: Obrigado, mãe. Debbie: Por que, querido? Michael: Ben é positivo. Debbie congela seu sorriso: Vocês querem mais alguma coisa?

[...]

Debbie está aborrecida limpando a casa. Vic, seu irmão, chega. Vic: Você limpou os enfeites quando Michael foi morar com David. Debbie: Estou cheia de ver este lugar como um chiqueiro. É só isso. Vic: Você quer parar e falar comigo? Debbie: Eu não posso. Vic: Por que não? Debbie: É pessoal. Vic: O que é mais pessoal além de limpar meu traseiro? Debbie: Você não limpou o meu. Vic: - Você já limpou esse. Debbie: Deixe-me em paz! Debbie deixa cair a bonequinha de porcelana e esta se espatifa no chão ( sua vida se espatifa quando Michael revela que seu namorado é HIV Positivo) : Droga! Veja o que você fez! Vic: Desculpe-me. Mana... Debbie: - Saia! Este novo rapaz... com quem Michael está saindo... Ben... ele é positivo. Vic: E então?

54

Debbie: Então... não quero que ele namore alguém doente. Vic: Quem disse que ele está doente? Debbie: Eu sabia que não podia falar com você. Vic: Pessoa negativas não podem namorar pessoas positivas? É isso? Debbie: Não mude o que eu disse. Vic: O que você está dizendo? Debbie: Ele é meu filho. Eu não quero que ele pegue nada. Nunca imaginei que eu diria isso. Mas pela primeira vez na vida, queria que Michael não fosse gay. ( Michael entra em cena, ouvindo escondido atrás da porta) Vic: Você não quer dizer isso. Debbie: Quero, se eu tiver de vê-lo vomitando... e defecando... até se acabar. Vic: Não posso mais ouvir isso. Debbie: Acha que eu quero que Michael acabe como você? Ela vê Michael saindo e vai ao encontro dele. Debbie: Droga! Michael! Michael: Só vim pegar algumas coisas e vou embora.

Debbie: Querido... ouça, Michael, querido... Michael: Como você pôde falar assim com tio Vic? Você o magoou!

Debbie: As pessoas dizem coisas quando estão contrariadas. Eu estou contrariada, muito mesmo. E, quanto tempo ia esperar para me contar sobre Ben? Michael: Achei que não se importava. Especialmente depois de todo sentimento nobre que demonstrou. Debbie: Certo. Vou lhe deixar muito feliz. Você sempre quis uma mãe normal. Certo, agora você a tem. Não quero que namore esse cara. Michael grita: Não importa o que você quer. E não me diga o que fazer. Eu tenho 30 anos. Quem eu namoro... e o que eu faço, não é da sua conta

Brian e Justin no Loft de Brian, nus, se beijando, conversam: Justin: Nós temos muita sorte. Brian: Por vivermos nesta terra de abundância?

55

Justin: Vire-se. Todas as vezes que Michael e Ben transam... imagine o que eles enfrentam. Brian: A decisão é de Michael. Justin: Tem uma espinha no seu traseiro? Brian: - Onde? Justin: - Bem ali. Brian: Sem essa. Justin: Não importa quanto tempo fiquem juntos... mesmo que seja para sempre... não podem fazer nada sem camisinha. Brian: Nem nós. Justin: É? Mas poderíamos... se quiséssemos. Isto é... nós somos negativos. Brian: Quer transar sem camisinha? Justin: Sim. Brian: Quer que eu goze dentro de você? Justin: Quero. Transe comigo. Brian: Vá... se danar. Justin: O que foi? Brian: Seu idiotinha. Nunca transe com ninguém sem camisinha. Justin: Você não é qualquer um. Brian: É, foi o que Ben pensou do cara que o contaminou. Coloque a camisinha em mim. Quero você a salvo. E quero que você viva por muito tempo.

[...]

Vic e Debbie estão limpando o jardim da frente da casa. Debbie larga a vassoura no chão: Nós vamos conversar? Ou vamos varrer toda a vizinhança? Vic: Se você quiser falar, fale. Debbie: Você sabe que eu não quis dizer aquilo. Saiu de forma errada. Eu estou cansada desta maldita doença. Vic: Não me diga. Debbie: Eu sei, querido. Eu não posso passar por isso de novo.

56

Vic: Por que acha que passará? Michael não tem HIV. Debbie: Ben tem. E não há nada na vida dele que não será afetado por isso. Inclusive Michael. E o que afeta Michael, me afeta. Vic: Isto é o que dizem sobre casamento. Você se casa com a família toda. Debbie: Não gosto muito dos parentes por afinidade. Vic ri. Debbie: Mesmo se eles fizerem sexo seguro... e se acontecer algo? E se Michae nos disser que pegou? O que nós faremos? Vic: Primeiro, nós morreríamos. E depois, lidaríamos com isso.

[...] Michael e Ben estão seminus no sofá na casa de Ben se beijando apaixonada e calorosamente. Michael olha para Ben: Camisinhas? Ben: No banheiro. Michael: Eu vou buscá-las. Michael abre a porta do armário do banheiro e divisa muitos potes de coquetéis antiHIV. As imagens se intercalam entre o rosto apreensivo de Michael e os potes de coquetéis organizados, enfileirados no armário no banheiro Ben chega nu no banheiro: Encontrou? Ben abraça Michael e o beija. Michael: Encontrei. Eu não posso fazer isso. Ben: Mê dê aqui. Deixe-me tentar. Michael: Isto é, não posso... Eu achei que pudesse. Achei que poderia lidar com isso... mas acho que estava me enganando. Desculpe-me. Ben: Não se desculpe. É melhor descobrirmos isso agora... antes que alguém se machuque. Fim do episódio.

Sabe-se que desde sua irrupção, no começo da década de 80 ( 1981 mais precisamente),o campo da Mídia ( Imprensa) e o campo da Medicina urdiram “o discurso doravante estereotipado, sobre o sexo, o sangue e a morte” (HERZLICH & PIERRET , 2005,

57

P. 94) a respeito da AIDS quando explanam que a doença é uma “maldição”, uma “doençapunição”, a “pneumonia dos homossexuais”, “câncer gay”, devido às evidências que apontavam inicialmente que a AIDS só atingia e matava homossexuais. A AIDS, na década de 80, é um fenômeno social que enuncia exclusão, segregação e batalhas simbólicas e culturais entre LGBTTS e Heterossexuais. Os denominados “grupos de risco” - comunidades homossexuais americanas atingidas pela “maldição”, estampavam capas de jornais , engendrando “ uma realidade social a partir de fatos ou de noções científicas.” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P. 95). “ Noções como as de “grupo de risco” ou “portador sadio” são, como diz Philippe Roqueplo, “culturalmente habitáveis” (ROQUEPLO, 1974, p. 91-92) e propiciam uma multiplicidade de elaborações no plano social.” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P. 95). Assim, a AIDS foi assimilada e condensada historicamente ao câncer, à peste, à sífilis e à lepra . Vale lembrar aqui que “ os primeiros artigos publicados em 1981-1982 aproximavam-na sobretudo do câncer, protótipo da doença “moderna”. Em seguida, foi assimilada a doenças desaparecidas no Ocidente, totalmente distantes de nossa experiência: à peste, mais freqüentemente. A assimilação a essa doença é mais freqüente que à sífilis, menos longínqua, da qual ela está no entanto mais próxima. A AIDS é assimilada, portanto, ao ressurgimento de uma realidade totalmente desaparecida. Mas, apesar de parecer despertar lembranças de um passado abolido, a AIDS aponta de fato, pelo contrário, para a intensidade de nosso esquecimento. As epidemias só desapareceram muito recentemente das sociedades industriais e estão presentes nos países do Terceiro Mundo.” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P. 95)

Assim, em síntese, a AIDS é um mal biológico de alta periculosidade de acordo com o discurso midiático da época e

é sempre “um discurso sobre o outro ( e que se impõe

rigorosamente e sistematicamente ao outro), o mais longe possível de nós, o mais estranho possível.” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P. 96) estigmatizando-o e estereotipando-o nas relações entre os grupos sociais. Em menor intensidade, mas ainda assim enérgico e persuasivo,

ainda hoje, há vestígios, resíduos,

desse enunciado no imaginário social

coletivo, no nível do senso comum, contaminado mentes e corações sadios e empáticos ao outro, minando a possibilidade de apreender o outro sem as máculas e os preconceitos. Nesse ponto específico, os personagens, com exceção de Michael e Emmett e Vic, se posicionam exacerbadamente contra o relacionamento de Michael com Ben pois consideram que Ben é A AIDS Corporificada e não pode ter relacionamento amoroso pois vai contaminar seu parceiro. O Medo, terror, horror, pavor, ojeriza, desprezo e repulsa são sentimentos

58

desvelados nos personagens que intensificam a tensão na narrativa, problematizando a questão da AIDS, revelando preconceitos escondidos, ignorando completamente todos os avanços no campo da Medicina para prolongamento e melhoramento da Vida dos infectados pelo vírus( Ben é um portador são do vírus e convive e vive muito bem com o HIV), confirmando e conformando visões retrógradas e falso-moralistas que não mais se sustentam. Resquícios estes nefastos de uma época obscura, na qual se construiu certo “histerismo patrocinado tanto pelas elucubrações médicas , ainda sem evidências fundamentadas em pesquisas , quanto por parte da mídia, que, tão ávida por especular sobre as causas daquela nova doença, produziu uma paranóia coletiva em torno do tema” ( ZANFORLIN, 2005, P. 176). A mesma Paranóia coletiva se instaura rigorosamente, fixa suas garras ferozmente no imaginário social dos personagens, impregna em suas mentes seu mecanismo segregacionista e pseudo-científico, e os usa e deles abusa para que apregoem exaustivamente seus discursos antiquados e excludentes da alteridade. Michael , nesse episódio, cede à pressão da Sociedade e acata às suas prescrições e mandamentos, mesmo que para isso ele prescinda de sua felicidade ao lado do amor da sua vida. Quando Debbie diz a Vic que não queria que Michael fosse gay corrobora com o objetivo cruel e atroz do discurso “correto e cristão”, empreendido pelos falso-moralistas pois “ desde o inicio dos primeiros casos de AIDS e as indefinições do contágio, abriram-se espaços para visões moralistas que buscavam no comportamento “correto e cristão” ( confirmação da visão judaico-cristã que estabelece o homem para a mulher e apenas isso, o que fugir disso é perversão, abominação ), e no retorno dos valores familiares, a proteção para as pessoas evitarem a doença, até então vista como uma punição ao comportamento mundano” (ZANFORLIN, 2005, P. 179) . Debbie, a mãe Super Pro-LGBTTS se desespera quando sabe que o filho está se relacionando com um soropositivo, protagonizando um verdadeiro retrocesso , contrariando seus ideais de igualdade e respeito aos LGBTTS. Todavia, no Episódio Nove, acontece uma reviravolta na trama. Michael ignora e desacata os conselhos da mãe e dos amigos e decide assumir um relacionamento sério com Ben. Inicialmente, sua mãe e seus amigos ainda olham de cara amarrada para o casal. Depois, no decorrer da temporada, vão se acostumando. A definição e contextualização do Amor Gay nesse episódio “destruiu qualquer conceito de desvio de gênero, [...] gerando um novo

59

orgulho e um senso de integridade na natureza do homem gay” ( SPENCER IN ZANFORLIN , 2005, P. 187) Michael, ao se posicionar veementemente contra a paranoia coletiva da mãe e dos amigos, exercita a dialética cultural mencionada por Hall: “há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual , por parte da cultura dominante [...] há pontos de resistência e também momentos de superação. Esta é a Dialética da luta cultural” (HALL IN ZANFORLIN, 2005, P. 33). Michael e Ben sugerem que é descabido, retrogrado, cruel e segregacionista o discurso disseminado pelos amigos e pela mãe. Através de sua resistência à paranoia coletiva e de sua contestação à essa AIDS mental5, Michael e Ben reformulam e retrabalham no nível do consenso, a estereotipagem do Soropositivo e de suas relações com os não-soropositivos. Michael e Ben são a cura dessa AIDS Mental. Michael e Ben são a luz que dissipa o obscurantismo há tempos urdido e impregnado no Imaginário Coletivo da Sociedade. Após tais inferências e interpretações, percebemos que Queer as folk foi felizmente bem-sucedida ao contestar os estereótipos e estigmas, problematizar, complexificar e questionar as representações dos soropositivos na TV.

Quiçá tenha engendrado novas

perspectivas, dimensões e percepções sobre os LGBTTS no nível consensual da sociedade. A transformação profunda de uma cultura começa nas ínfimas sinapses nas mentes dos homens, atores, co-autores e escritores da História; e reverberar-se-á pelo Gigante Mundo.

5

“A AIDS – e por aí se pode explicar sua construção enquanto “fenômeno social” – se tornará o símbolo de todas as ameaças e de todos os opróbrios, o alvo de todos os anátemas. Não se falará, em dezembro de 1986, de “AIDS mental”?” (HERZLICH & PIERRET , 2005, P.78)

60

4 – CONCLUSÃO Essa dissertação ( a leio mais como um singelo ensaio com intuito de indicar pistas para se tentar apreender os significados contidos nas mensagens ) percorreu os vinte episódios da Segunda Temporada de Queer as Folk e ensejou uma série de constatações inerentes às temáticas trabalhadas na série. O livro da Sofia Zanforlin, especialmente no capítulo do desenvolvimento teórico, foi de grande valia para justificar, e legitimar, a importância de estudar o conteúdo das mensagens transmitidas pelos Meios de Comunicação de Massa. Zanforlin, em suas considerações finais, a propósito, esclarece que “os estudos culturais e fundamentalmente os estudos de Stuart Hall forneceram importante aporte teórico.” (ZANFOLIN, 2005, P. 189) O conceito de hegemonia, elaborado por Gramsci e utilizado por Hall em seus estudos, é um poder em constante mutação. Passível, portanto, de ser retrabalhado, remodelado, reformulado no circuito da cultura. “Ao pensar a hegemonia como um jogo de concessões e conquistas, Gramsci propõe que não existe uma única visão de vitória. Para prevalecer uma liderança específica é necessário realizar um amplo diálogo e uma negociação constante entre os diversos estratos que compõem a sociedade, na “conquista do consentimento” . (ZANFORLIN, 2005, P. 39) . Nesse sentido, o que posso concluir com o máximo de imparcialidade e distanciamento imprescindíveis à análise científica desse objeto de estudo, nas análises das cenas-chaves , é que Queer as Folk de inicio expõe os preconceitos , discriminações e problemas sociais inerentes aos LGBTTS, para, depois em alguns episódios ora problematizálos, reformulando e contestando as representações dos LGBTTS no nível do imaginário social; e em seguida, em outros episódios, ora

conformar, reproduzir e fortalecer as

representações de caráter pejorativo aos LGBTTS no nível consensual da sociedade. Queer as Folk, portanto, é um produto cultural Hibrido. Dispõe de articulações ora mais ou menos conservadoras, ora mais ou menos liberais em seu texto para atrair a maior audiência possível, agradando a todos conservadores e liberais. Em Queer as Folk, o terreno é movediço. Necessário é ter-se muita cautela para não afundarmos e enveredar-mo-nos em direções incoerentes , imprecisas e díspares, para não macular e comprometer nossas análises científicas.

61

Kellner já nos admoestava a sermos críticos ao elucubrar sobre os significados contidos nas mensagens dos Meios de Comunicação de Massa. Averiguar nossos métodos, sempre questiona-los. Por isso a importância e relevância de se atualizar o estudo sobre o seriado Queer as Folk. A 2º temporada de Queer as Folk é um diagnóstico contundente e possante da realidade da Sociedade Posmoderna. Queer as Folk denuncia o ódio das pessoas aos LGBTTS. Mas há momentos de superação. Também. “Devido à proximidade que mantêm com as condições sociais em que surgiram, os textos populares da mídia constituem um acesso privilegiado às realidades sociais de sua era; assim, a sua interpretação possibilita a compreensão daquilo que está de fato acontecendo em determinada sociedade em dado momento. Por conseguinte, as ideologias da cultura da mídia devem ser analisadas no contexto da luta social e do debate político, e não simplesmente como dispensadoras de um tipo de consciência cuja falsidade é exposta e denunciada pela crítica da ideologia. Embora a desmistificação faça parte da critica da ideologia, expor simplesmente a mistificação e a dominação não basta; precisamos olhar por trás da superfície ideológica para ver as forças e as lutas sociais e históricas que geram discursos ideológicos e examinar o aparato e as estratégias cinematográficas que tornam atraentes as ideologias” (KELLNER, 2001, P. 143) Assim, para uma melhor compreensão do que eu quis dizer nos argumentos supracitados,

esquematizo no quadro abaixo os avanços e retrocessos em relação aos

movimentos sociais nas batalhas culturais e simbólicas empreendidas por Queer as Folk. Avanço

Retrocesso

3.1- A Homofobia nas várias instâncias da 3.4 – Batalha simbólica entre gays e héteros Sociedade 3.2 - Politica e diversidade: o discurso 3.5 – O anonimato conformista dos LGBTTS libertador de Queer as Folk

na Sociedade

3.3 – Pontos de resistência

3.6 - Elucubrações sobre a função do Humor em Queer as Folk

3.6 - Elucubrações sobre a função do Humor em Queer as Folk 3.7 – Celebração à Identidade Móvel 3.8 - Ben, namorado de Michael, é Portador do vírus HIV. Repercussões e desdobramentos

62

nas relações sociais dos personagens

Nota-se que nessa Segunda Temporada, Queer as Folk perdeu muitas oportunidades de reformular as representações dos LGBTTS no nível consensual da Sociedade. Creio que essa dissertação sugeriu pistas, mesmo ínfimas, a um possível prolongamento da dissertação de Zanforlin. Sinto que cumpri minha missão nesta existência material, que é a de compartilhar e desenvolver conhecimentos que contribuam para a evolução da Humanidade. O Conhecimento é semelhante a um mineral precioso encontrado nas profundezas da Terra e que vai passando por várias mãos distinguíveis e individualizantes entre si que vão limpando, polindo e , por conseguinte e concomitantemente, discernindo e divisando sua forma pura. Todos somos mineiros nessa busca pelo Conhecimento. Todos deixamos marcas nessa Pedra preciosíssima!

A alegoria que se segue abaixo propõe um entendimento mais claro e mais didático sobre a conclusão desse estudo.

4.1 – Carta à Audiência Mundial em 2001

De: Queer as Folk Para: Telespectador /// Carta à Audiência Mundial, 2001/// Aborrecer e ofender um pouco aqui a alguns, deleitar e satisfazer a outros ali. Ser ora discreta ora indiscreta. Agir nas entrelinhas. Dispor de articulações textuais oriundas do conservadorismo e do binarismo de gênero num determinado momento para, depois, no desenvolvimento da trama narrativa, desconstruí-las reformulá-las, contestá-las mais adiante em alguns episódios. Reproduzir e não problematizar tais mensagens de caráter mais conservador em outros episódios. Tudo isso o faço para ganhar o jogo da conquista do consentimento das massas. Desde liberais até conservadores e, porque não, aqueles que se

63

vêem em cima do muro. Quero que você reflita sobre a vida dos LGBTTs em sua casa, e que saibas que não posso assumir uma posição ideológica estrita,

clara e objetivamente

delimitada sob o alto risco de perder anunciantes e verbas financeiras e espaço no Canal. São vários interesses políticos, financeiros, sociais e ideológicos em jogo. Não sou inocente. Assumo piamente que priorizo lucros, dinheiro, status, poder, em detrimento de causas socais e políticas à frente de necessidades das minorias. Até mesmo quando insinuo ou subentendo que sou pró-direitos iguais aos LGBTTS e respeito à diversidade, o faço tão-somente tencionando conquistar maiores índices de audiência. Tenho que agir sorrateiramente, pacientemente. São vários interesses políticos, financeiros, sociais e ideológicos em jogo. Não sou inocente. Repito isso. Tenciono agradar as minorias rechaçadas e expurgadas da sociedade para que assistam-me e sintam-se representadas e visíveis ao mundo através de mim. Dessa forma, conquistando grandes índices de audiência como venho alcançando, vocês terão um produto cultural com que se entreter nas horas vagas, desanuviando-os das preocupações e problemas desse mundo vil, e eu, simultaneamente, me posiciono como produto cultural subversivo , implacavelmente blasfemo, ofensivo e herege, e insubordinado à tirania heteronormativa ( mesmo que em muitos aspectos ainda me utilize de muitos padrões heteronormativos na trama), atraindo e mantendo investidores e verbas financeiras para nossos estimados acionistas. Me utilizo de mecanismos e discursos do Sistema para criticar O mesmo Sistema. Meu texto ás vezes é confuso por conta desses antagonismos em que me alicerço ideologicamente. No mais, espero que você reflita sobre sua vida e seu propósito no mundo ao identificar-se com os personagens . Meu texto irreverente, criativo, encantador e cativante lhes persuade ( as vezes sutilmente, as vezes grosseiramente) a paulatinamente meditar sobre o Outro. Sem o Outro não há razão para existir. Espero também que de alguma forma eu tenha engendrado transformações em sua mente e que você respeite as diferenças. LGBTTS, lutem por seus direitos. Mas cuidado com o mundo mal e homofóbico que lhes afronta e lhes impõe suas regras e padrões. Heterossexuais, respeitem os LGBTTS. Eles são seres humanos cheios de defeitos, limitações e qualidades. São idiossincráticos, multifacetados, celebram, tais quais vocês, a dança das Identidades Móveis na PosModernidade. Meu texto perpetuado no vídeo, sedimentado no imaginário social coletivo e compenetrado em suas mentes é um diagnóstico preciso e contundente sobre atual cenário de discriminação e de lutas da minoria

64

LGBTTS. É uma ruptura com os moldes heteronormativos que aprisionam os corpos e impedem os LGBTTS de serem felizes e livres. E nesse processo, há dor, sofrimento, alegrias e tristezas. Há controversas, paradoxos e contradições em meu texto, mas isso faz parte da Vida no Mundo real. Eu irrevogavel e peremptoriamente transubstanciei para a mídia TV as controversas, antagonismos, dilemas, imbróglios, complicações, trunfos, glórias e vicissitudes dos LGBTTs!!! Eu também Celebro a dança das Identidades Móveis Descentradas na PosModernidade. Sou um Produto Cultura Midiático hibrido, portanto. Ora assumo posições mais ou menos conservadoras, ora mais ou menos liberais. Mas você, telespectador, precisa estar atento ao meu jogo de dialogar com os vários estratos da sociedade multicultural e globalizada do Século XXI. Quero ter um relacionamento de almas com você, telespectador. Relacionamento de almas: Almas se entrelaçando no não-local espaço-tempo ; se refrescando com águas do amor que jorram de seu coito espiritual; liquido imaculado e divinal que vivifica os espíritos e cura as feridas. Sem julgamentos e preconceitos, me completo com você, telespectador amado. Atenciosamente: Queer as Folk 6

6

Discurso inspirado em dois parágrafos do Livro A Cultura da Midia, de Kellner:

“Em geral, ( a cultura da mídia) não é um sistema de doutrinação ideológica rígida que induz à concordância com as sociedades capitalistas existentes, mas sim os prazeres propiciados pela mídia e pelo consumo. O entretenimento oferecido por esses meios frequentemente é agradabilíssimo e utiliza instrumentos visuais e auditivos , usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições.” (KELLNER, 2001, p. 11) No entanto, os textos culturais não são intrinsecamente “conservadores “ ou “liberais”. Ao contrário, muitos textos tentam enveredar por ambas as vias para cativar o maior público possível, enquanto outros difundem posições ideológicas específicas que muitas vezes são esmaecidas por outros aspectos do texto. Os textos da cultura da mídia incorporam vários discursos, posições ideológicas, estratégias narrativas, construção de imagens e efeitos ( por exemplo, cinematográficos, televisivos, musicais) que raramente se integram numa posição ideológica pura e coerente. Tentam oferecer algo a todos, atrair o maior público possível, e, por isso, muitas vezes incorporam um amplo espectro de posições ideológicas. Além disso, como vimos, certos textos dessa cultura propõem pontos de vista ideológicos específicos que podemos verificar estabelecendo uma relação deles com os discursos e debates políticos de sua época, com ouras produções culturais referentes a temas semelhantes e com motivos ideológicos que, presentes na cultura, estejam em ação em determinado texto. (KELLNER, 2001, p. 123)

65

5 - REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA , Everardo dos Santos. HUMOR E LINGUAGEM NAS TELAS DA MÍDIA: da conversação à ressignificação linguística na programação de entretenimento da televisão brasileira. XVII CONGRESO INTERNACIONAL ASOCIACIÓN DE LINGÜÍSTICA Y FILOLOGÍA DE AMÉRICA LATINA (ALFAL 2014). João Pessoa - Paraíba, Brasil. http://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R0077-1.pdf Acessado em 15-03-16 às 16h BRUM, J. T. O Pessimismo e suas Vontades. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 CHAUI, Marilena. Simulacro e Poder: uma análise da mídia. São Paulo: Perseu Abramo, 2006. Conversas via Facebook com meu amigo Richard Andéol, o qual me ajudou em muito na revisão ortográfica e me deu muitos insights durante as análises e na escrita. DINIZ, Rogério. Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em meio a disputas. UFRN http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v01n01art07_junqueira.pdf Acessado em 15-09-15 às 16h DUARTE, Jorge, BARROS, Antônio. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. Atlas: 2009. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 1ª edição em 1992, Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006, 102 páginas, tradução: tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro)( ebook)

66

HERZLICH , PIERRET, Claudine, Janine. Uma Doença no Espaço Público. A AIDS em Seis Jornais Franceses. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):71-101, 2005 http://www.scielo.br/pdf/physis/v15s0/v15s0a05.pdf Acessado em 15-03-16 às 16h KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001. MAKINO, Rogerio; BARROS, Sulivan Charles. THE ‘L’ WORD & QUEER AS FOLK: UMA LEITURA QUEER. OPSIS, Catalão-GO, v. 14, n. 2, p. 295-313 - jul./dez. 2014. http://www.revistas.ufg.br/index.php/Opsis/article/view/30604#.VfsVnE3Njcs Acessado em 15-09-15 às 16h REIS, Ramon Pereira dos. Lésbicas ='Afeto' / Gays ='Sexo'?: Discutindo Práticas Homoconjugais no Seriado Queer as Folk. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 2, n. 1, p. 104-121, jan. / jul. 2011. http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rlagg/article/viewArticle/1617 ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo (e-book). São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1988. ZANFORLIN, Sofia. Rupturas Possíveis: representação e cotidiano na série Os Assumidos (Queer as folk), Editora Anablumme( 2005) Acessado em 15-09-15 às 16h

67

6 - ANEXO Figura 1 – Da esquerda para a direita: Lindsay, Melanie, Justin, Ted, Brian, Michael, Emmett, Ben, Debbie.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.