Populações Neorrurais: Uma revisão teórica acerca dos conceitos de Urbano e Rural no Brasil - III Congresso Internacional de Gestão Territorial para o Desenvolvimento Rural (2016)

May 23, 2017 | Autor: Hendrix Freire | Categoria: Rural Development, Sustainable Rural Development, Territoriality, Neorruralismo
Share Embed


Descrição do Produto

POPULAÇÕES NEORRURAIS: UMA REVISÃO TEÓRICA ACERCA DOS CONCEITOS DO URBANO E DO RURAL NO BRASIL HENDRIX BARROS MANZANO VIDOTTO FREIRE Bacharel em Ciências & Humanidades pela UFABC – [email protected].

LEONARDO FREIRE DE MELLO Doutor em Demografia e Professor do Bacharelado em Planejamento Territorial e do Programa de Pósgraduação em Planejamento e Gestão do Território da UFABC – [email protected] MICHELLE SATO FRIGO Doutora em Agronomia e Professora da Engenharia de Gestão da UFABC – [email protected] Universidade Federal do ABC (UFABC)

Os autores agradecem ao CNPq pelo incentivo financeiro necessário a realização deste trabalho e à Universidade Federal do ABC pela disponibilização de recursos. Os temas e inspirações derivam dos estudos e discussões realizadas no Grupo de Estudo Paradoxo e no Observatório de Migração do ABC – MobiABC.

Resumo Após a década de 1980, observa-se no Brasil a existência de uma parcela da população urbana que tende a se deslocar para áreas que apresentem um certo grau de infraestrutura e, dessa forma, integram-se e recriam as dinâmicas de uma nova ruralidade, desenvolvendo formas de vida e trabalho que possam aliar atividades econômicas atreladas a modos de vida urbano e rural concomitantemente. Questionar o modelo tradicional de delimitação de áreas urbanas e rurais imposto pelo IBGE é um trabalho que já vem sendo feito extensivamente na literatura, portanto, enxerga-se nas populações neorrurais a oportunidade de aprofundamento deste debate conceitual e teórico. Como objetivo principal, estre trabalho vai buscar entender em que medida o conceito, ainda em pauta, de populações neorrurais, bem como suas dimensões culturais e identitárias, podem colaborar para o debate e questionamento dos conceitos formais de territórios rurais e urbanos impostos pela metodologia tradicional do IBGE. Em um primeiro momento, busca-se reexaminar os conceitos tradicionais que definem as áreas urbanas e rurais nos municípios brasileiros, colaborando com o debate teórico acerca de suas aplicações no planejamento territorial no brasil, a partir da contraposição de modelos alternativos. Em seguida, será abordada uma discussão teórica realizada na literatura até então acerca das populações neorrurais e se buscará delimitar um conceito a ser discutido neste trabalho. Como ponto central do trabalho, pretende-se criar um paralelo entre os modelos alternativos propostos por autores e organizações e a forma de inserção das populações neorrurais neste contexto de questionamento do modelo tradicional. Aqui, o objetivo será de aprofundar o debate teórico e questionar a viabilidade da adição deste tipo de população no planejamento territorial brasileiro. Acredita-se que o país possa obter resultados positivos ao incluir uma dimensão cultural e simbólica de identidades territoriais à delimitação de áreas urbanas e rurais, mas entende-se que isso deva passar por grandes reformas judiciais e adequações técnicas, comprometendo, inclusive, o sistema de confiabilidade histórica dos registros demográficos nacionais.

1

GT1 – Gestão de territórios rurais e urbanos

O presente artigo tem por objetivo levantar questões sobre a viabilidade de adoção de critérios identitários de populações para fins de delimitação formal dos territórios rurais e urbanos nos municípios brasileiros, tomando por parâmetro de argumentação a dinâmica demográfica observada em grupos denominados “neorrurais”1. Alguns autores como Maria José Carneiro e Maria Nazareth Wanderley vão buscar se aproximar de uma conceituação deste termo invocando noções de mobilidade destas populações em direção a territórios rurais e a capacidade de transpor suas identidades adquiridas em territórios urbanos para o campo, trazendo a problemática que existe sobre a inserção destes grupos em áreas anteriormente ocupadas por populações com características distintas.

Territórios rurais têm sido objetos de diversos tipos de estudos, devido a sua relevância para a incorporação de temas relacionados ao planejamento territorial brasileiro. Tais áreas, também, têm sido o destino para pessoas que buscam alternativas para o modelo de vida ofertado nas regiões metropolitanas majoritariamente urbanas, seja por melhores oportunidades de emprego e renda, melhor qualidade de vida, ou ainda por terem vivenciado experiências frustradas da vida urbana. O “campo” permeia o imaginário popular como uma alternativa de quietude, paz e afastamento do caos urbano. Assim, pode-se afirmar que “as dinâmicas demográficas do meio rural não estão associadas apenas ao seu esvaziamento mas também à descoberta de novos trunfos.” (ABRAMOVAY, 1998, p.46).

Há, entretanto, visões concorrentes sobre a importância de estudar as populações neorrurais no contexto brasileiro e sul-americano. Alguns autores como Marlon Sastoque e Yanko Cangas vão argumentar que os territórios rurais em toda a América do Sul sofrem de problemas equivalentes, derivados de processos históricos semelhantes, sendo necessária a atenção de solução destes problemas antes de discutir a adoção de novos termos para conceituá-los. Argumenta-se ainda que as dinâmicas demográficas observadas nestes países são parte dos mesmos processos de transição de populações vistas desde a década de 1950, com algumas peculiaridades entre os países, o que não justificaria a visão de que as populações neorrurais fossem um rompimento nos padrões demográficos observados até então (SASTOQUE, 2012). No cenário brasileiro, observa-se pela primeira vez uma mudança de padrão de mobilidade de populações a partir da década de 1990, que consiste na diminuição das taxas de transferência de populações das áreas rurais para as urbanas. Martine (1994) vai indicar que o efeito de contrametropolização2 não é capaz de explicar todos os casos de transferência de populações para as áreas rurais, inferindo que aspectos pessoais como a identidade possam ser também chaves explicativas para os casos de mobilidade a partir de áreas urbanas para áreas rurais, o que vai de acordo com a argumentação de Carneiro (2012).

José Eli da Veiga expôs estatisticamente que o Brasil apresenta áreas rurais muito maiores do que atesta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seus documentos oficiais. Partindo da premissa de que os critérios de classificação territorial do IBGE estariam equivocados por considerar área urbana qualquer centro com mais de 20 mil habitantes, Veiga foi capaz de propor uma nova delimitação destes territórios em escala municipal e regional a partir de novos critérios formais de delimitação considerando a interação direta destes territórios e um valor de corte de densidade de 80 hab/km² como critério decisivo para delimitação de área rural, chegando à conclusão de que o território nacional seria composto em 81% por atividades ligadas ao desenvolvimento rural e/ou áreas inalteradas pelo ser humano. Assim, Veiga pôde indicar que o Brasil é muito mais rural do que atestam os órgãos governamentais.

Entretanto, a teoria desenvolvida por Veiga traz à tona mais uma vez o debate sobre critérios formais de delimitação de territórios e discussão sobre os valores adotados, bem como as categorias finais optadas. Embora considere-se uma tipologia de território que se encontra entre as tradicionais categorias rurais e urbanas, as chamadas áreas periurbanas, ainda não há consenso de quais critérios se levaria em consideração para delimitá-las. As populações neorrurais, por sua vez, vão estabelecer-se nestas áreas periurbanas, que fazem contato tanto com as áreas rurais como o centro urbano dos municípios, permitindo-lhes a mobilidade entre estes territórios e o usufruto da ofertas de serviços urbanos. As populações neorrurais seriam, portanto, passíveis de serem interpretadas como a expressão de um fenômeno demográfico que agrupa características distintas das visualizadas em fenômenos demográficos até a década de 1990, como por exemplo a capacidade de mobilidade entre territórios rurais e urbanos, a identidade como elemento de multiterritorialização e a possibilidade de adaptação às áreas rurais com a 1 O termo “neorrural” foi ajustado às Novas Regras Ortográficas do Português, vigentes a partir de 1º de Janeiro de 2016.

2 Fenômeno migratório que leva pessoas a se deslocarem para áreas com menor densidade demográfica e maior integração com recursos naturais. Ver Martine (1994).

2

GT1 – Gestão de territórios rurais e urbanos

introdução de atividades econômicas que ainda não eram exploradas por populações que já vivessem nas áreas rurais. Este elemento, denominado por autores como Carneiro e Wanderley como pluriatividade, seria o que permitiria a introdução da população que se desloca do urbano para o rural e, de certa forma, impacta a vivência tradicional que as áreas rurais trazem historicamente, muitas vezes baseada na agricultura familiar e de pequena escala. Pensando nesta problemática, autores como João Rua vão explorar os impactos que a introdução destas populações neorrurais causam em áreas rurais marcadas por elementos de subdesenvolvimento, atividades econômicas predominantemente ligadas à agricultura familiar e relativamente próximas aos centros urbanos. O autor indica que as populações neorrurais funcionariam como um tipo de “indústria no campo”, trazendo suas identidades e formas de trabalho para dentro deste cenário rural, alterando as condições de vida daquele local e das pessoas que já viviam naqueles espaços. Regimes de contratação de funcionários, horário comercial de trabalho, imposição de metas, além de outras mudanças que alterariam significantemente o cenário rural de um município seriam parte do que a identidade dessas populações neorrurais trariam consigo.

Dentro ainda da perspectiva de expor a influência das populações neorrurais em áreas tradicionalmente rurais, a obra de Rogério Haesbaert pode contribuir no sentido de explicar que, para grupos econômicos distintos, a multiterritorialidade tem significados diferentes. Enquanto grupos de melhor condição financeira entendem suas capacidades de transpor territórios como oportunidades de vivência de novas experiências, aqueles grupos menos abastados encaram seus deslocamentos territoriais como a perda de controle sobre seus territórios, bem como laços sociais e, portanto, lutam contra isso. Há, portanto, a capacidade de influência e controle territorial de um grupo sobre outro, a partir de seus deslocamentos vivenciados, suas condições financeiras e seus elementos identitários apresentados. O que, portanto, cita-se neste artigo como “população neorrural” é o que João Rua compreende por “urbanidades no rural”. A noção de tempo da palavra “neorrural” pretende indicar que este movimento populacional é “novo” frente aos movimentos de migração populacionais em direção às áreas urbanas até a década de 1980 no Brasil. Aqui, a proposta é de incluir, em um mesmo termo, as compreensões de que, em primeiro lugar, o movimento populacional em direção às áreas rurais é significativo; em segundo lugar, ele é novo quando comparado aos movimentos migratórios em direção às áreas urbanas; finalmente, em terceiro lugar, que esta população carrega consigo questões identitárias importantes para o debate sobre os territórios que se estabelecem, considerando suas dimensões sociais, econômicas, políticas e principalmente culturais e simbólicas (CARNEIRO, 2001; RUA, 2006).

A urbanidade no rural, isto é, aquilo que chamamos aqui de “neorrural”, faz, portanto, a interface de todos os aspectos acerca das territorialidades e seus impactos sobre o território. Primeiro, os neorrurais encontram-se em um movimento de complexa desterritorialização, no sentido adotado por Haesbaert (2003), em que encontram-se em constante revaloração de suas identidades enquanto “perdem” domínio sobre um território – ou seja, saem de seus locais de origem – e “ganham” domínio sobre um outro território – fixam-se em outro território com características diferentes do anterior (HAESBAERT, 2003; CARNEIRO, 2001). Sendo assim, o que se busca levantar como questão é a possibilidade e a viabilidade de inserção de critérios identitários para a delimitação formal de territórios rurais e urbanos no Brasil. O que se conclui inicialmente é de que o rompimento da série histórica dos dados apresentados pelo IBGE e baseados em critérios estritamente geográficos deveria trazer benefícios ao planejamento territorial no Brasil que fossem capazes de superar os custos para sua implementação. Deve-se considerar que tipos de benefícios esse tipo de mudança traria ao planejamento de políticas públicas que tivessem o território como unidade de análise, visando maior eficácia e eficiência das políticas aplicadas e que pudessem tomar por base de análise não apenas o território mas também as populações que ali se inserem e as interações que exercem entre os diferentes grupos.

3

GT1 – Gestão de territórios rurais e urbanos

Referências bibliográficas CANGAS, Yanko González. Óxido de lugar: ruralidades, juventudes e identidades. Nómadas, n. 20, p. 194209, 2004. CARNEIRO, Maria José. Do rural e do urbano: uma nova terminologia para uma velha dicotomia ou a reemergência da ruralidade. In: SEMINÁRIO SOBRE O NOVO RURAL BRASILEIRO, 2., 2001, Campinas. Textos. Campinas: Unicamp/ie, 2001. CARNEIRO, Maria José. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 2, n. 11, p.53-75, out. 1998. HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, v. 29, n. 1, p.1769-1777, 2003.

MARTINE, George. A redistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Brasília: Ipea, 1994. 46 p. Disponível em: . Acesso em: 06 out. 2016. RUA, João. Urbanidades no rural: O devir de novas territorialidades. Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 1, n. 1, p.82-106, fev. 2006. SASTOQUE, Marlon Javier Méndez. El neorruralismo como práctica configurante de dinámicas sociales alternativas: un estudio de caso. Luna Azul. Manizales, p. 113-130. jun. 2012. VEIGA, José Eli da. A dimensão rural do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 71-93, 2004.

VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas: Autores Associados, 2002. 304 p.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas: o “rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro: UFRRJ/CPDA, n.15, p.87-145, out.2000.

4

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.