Por dentro da Literatura Negro-Brasileira

September 17, 2017 | Autor: Ricardo Riso | Categoria: Literatura brasileira, Literatura Afro Brasileira, Literatura Negro-Brasileira
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Curso de Especialização UNIAFRO: Promoção da Igualdade Racial na Escola Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – Departamento de Letras – Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG)

III MÓDULO – O Negro: Artes, Língua e Literatura UNIDADE VIII

Por dentro da Literatura Negro-Brasileira Ricardo Riso1

Janeiro/2015

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Nome de Ricardo Silva Ramos de Souza (1974). Mestre em Relações Étnico-Raciais (CEFET/RJ). Graduação em Letras (UNESA/RJ). Com José Henrique de Freitas Santos organizou “Afro-Rizomas na Diáspora Negra: as literaturas africanas na encruzilhada brasileira” (Kitabu Editora, 2013). Autor do blog Riso – sonhos não envelhecem - . Email: [email protected]

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ÍNDICE

I.1 Os brasilianistas denunciam

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I.2 O viés não branco de Domingos Caldas Barbosa e Francisco de Paula Brito

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I.3 O cânone enegrecido: Luiz Gama, Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto

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I.4 A poesia negra de Lino Guedes no auge do Modernismo: Imprensa Negra e Racismo de Estado

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I.5 A resistência e o ainda isolamento literário: Solano Trindade, Carlos de Assumpção, Eduardo de Oliveira e Oswaldo de Camargo

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I.6 Contemporaneidade da Literatura Negro-Brasileira: os coletivos literários

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I.7 Cadernos Negros

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I.8 A importância das antologias e livros de ensaios

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I.9 O pluralismo dos poetas transnegressores: Arnaldo Xavier, Oliveira Silveira, Paulo Colina, Edimilson de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo e Ronald Augusto Referências

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O objetivo deste ensaio é apresentar, de forma ainda que breve, como os agentes da literatura negro-brasileira criam(ram) suas obras dentro de uma sociedade que não considera a questão racial nem o negro como escritor e as suas implicações como narrador ou sujeito lírico, muito menos a participação da personagem negra, quando ela aparece, nos textos em prosa. Conforme Frantz Fanon (2008), falar é existir para o outro, logo, os artífices dessa vertente literária desvelam a voz do sujeito negro ostracizado e desprezado durante o Brasil Colônia, Império e República. Discorrer sobre essa vertente literária é algo que ainda sofre com represálias por parte da crítica literária e acadêmica. Em razão disso, pretende-se mostrar como esse contradiscurso crítico desenvolve(u)-se ao longo dos anos. A literatura des(a)fia a linguagem. O poeta, seguindo a origem grega da palavra, é aquele que faz. O poeta cria e recria a linguagem. Diante disso, temos representações poéticas dissonantes que não se enquadram em determinadas tendências, escolas e sentidos assinalados por uma crítica acadêmica que, muitas vezes, se posiciona na dianteira dos poetas e suas obras. Nessa perspectiva, deparamo-nos com certas amarras na literatura brasileira baseadas em questões que fogem da simples análise do texto literário, mas que envolvem aspectos identitários, étnico-raciais, de classe, de gênero, entre outras categorias que contribuem para um caráter homogêneo dessas literaturas constituídas em cânones, por conseguinte, relacionadas a ideias identitárias que representam seus países. Trazer para o centro do debate a questão racial aguça a percepção para restrições do campo da literatura, colabora para o tensionamento da(s) diferença(s) que interroga(m) o cânone (PADILHA, 2002) da literatura brasileira e como a autoria negra lida com a linguagem. Importante destacarmos as considerações da intelectual e professora negra norte-americana bell hooks acerca do caráter dominador e opressor da língua, ainda que ela utilize como exemplo a língua inglesa, mas por mencionar uma experiência negra em contexto diaspórico podemos pensar no caso brasileiro, uma vez que uma das características das culturas negras em diáspora é a sua transnacionalidade (HALL, 2011; GILROY, 2001). hooks (2013) é bastante feliz ao afirmar que a língua padrão esconde os ruídos da matança e da conquista, fato comum no continente americano para os índios e para a população negra escravizada que foi retirada à força do continente africano. hooks considera que não é a língua que a machuca, mas o seu uso pelos opressores, pelo poder, que a limita e define numa forma de envergonhar, humilhar e colonizar. Para ela, a língua utilizada por negras e negros é uma contralíngua a partir do momento que passaram a utilizar uma fala quebrada, fragmentada, despedaçada, passando a ser uma forma de resistência, reinventando a língua para além das fronteiras da dominação com o uso incorreto e na colocação incorreta das palavras nas frases, fazendo do uso da língua um local de rebelião e resistência.

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Diante disso, vamos traçar um olhar diacrônico para a literatura negro-brasileira2 do século XVIII aos nossos dias apresentando alguns dos seus principais representantes. Para esta Unidade não trabalharemos com a autoria feminina negra, exceto Maria Firmina dos Reis. Esta será apresentada em ensaio próprio que constará da Unidade IX. I.1 – Os brasilianistas denunciam A literatura brasileira é pródiga em tratar a personagem negra de forma estereotipada, tanto da personagem masculina quanto da feminina, principalmente esta, em diferentes tipos de subalternidade, ainda assim quando estes aparecem nos romances, contos ou poemas. Para Regina Dalcastagnè3, “a literatura contemporânea reflete, nas suas ausências, talvez ainda mais do que naquilo que expressa, algumas das características centrais da sociedade brasileira” (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 309). Uma das características marcantes é a ausência de escritoras e escritores negros entre os nomes de maiores destaques na literatura brasileira. Eles existem, até são canonizados, mas sofrem com uma leitura crítica que desmerece e esvazia a sua condição racial, muitas vezes embranquecendo-os, casos de Cruz e Sousa, Machado de Assis e Lima Barreto. Entretanto, os primeiros a aprofundar essa questão são os chamados brasilianistas Roger Bastide (1943)4, Raymond Sayers (1958)5 e Gregory Rabassa (1965)6 que serão durante décadas vozes solitárias a pesquisarem com maior fôlego essa ausência de negros na literatura brasileira, tanto na personagem quanto na autoria. Assim, percebemos o quanto era “assunto de difícil ‘digestão’ para os próprios brasileiros” (CUTI, 2010, p. 15). Sayers e Rabassa tratam o negro apenas enquanto tema e não chegam a investigar a autoria (DUARTE, 2011, p. 28). Tal situação começa a mudar de forma tímida na década de 1970 com o importante estudo de Teófilo Queiroz Junior7 (1975), que segue a linha investigativa de Sayers e Rabassa, mas concentrando-se na representação da mulata na literatura brasileira e ganha fôlego com a proliferação de livros de ensaios e antologias a partir da década de 1980, porém, em outro contexto que trataremos mais à frente.

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“nasce na e da população negra que se formou fora da África, e de sua experiência no Brasil. A singularidade é negra e, ao mesmo tempo, brasileira, pois a palavra “negro” aponta para um processo de luta participativa nos destinos da nação e não se presta ao reducionismo contribucionista a uma pretensa brancura que a englobaria como um todo a receber, daqui e dali, elementos negros e indígenas para se fortalecer. Por se tratar de participação na vida nacional, o realce a essa vertente literária deve estar referenciado à sua gênese social ativa. O que há de manifestação reivindicatória apoia-se na palavra ‘negra’.” (CUTI, 2010, pp. 44-45) 3 Regina Dalcastagnè é responsável por uma pesquisa que teve como corpus 285 romances lançadas de 1990 a 2004 por três das principais editoras do país, a saber: Companhia das Letras, Record e Rocco. Os dados estatísticos desta pesquisa revelam que a participação de negras e negros nos romances apresentam índices irrisórios e estão reunidos no artigo “A personagem negra na literatura brasileira contemporânea”. In: DUARTE, Eduardo de Assis; FONSECA, Maria Nazareth Soares (Orgs.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Vol. 4 – História, teoria, polêmica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. 4 BASTIDE, Roger. A poesia afro-brasileira: estereótipos de negros através da literatura brasileira. In: Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1973. 5 SAYERS, Raymond. O negro na literatura brasileira. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1958. 6 RABASSA, Gregory. O negro na ficção brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965. 7 QUEIROZ JÚNIOR, Teófilo. Preconceito de cor e a mulata na literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1975.

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I.2 – O viés não branco de Domingos Caldas Barbosa e Francisco de Paula Brito Domingos Caldas Barbosa é um nome incontornável para nosso levantamento. Poeta do Brasil Colônia, nascido no Rio de Janeiro em 1738 ou 1740, mas tendo o 4 de agosto, dia de São Domingos – como o dia provável para o seu nascimento, já que era comum à época a criança receber o nome do santo do dia em que nascia (MARQUES, 2011, p. 49). Filho de branco e de negra, era um mestiço de primeira mão, como se dizia à época (CAMARGO, 1987, p. 28). De formação intelectual rígida, foi para Lisboa, logo tornou-se um poeta popular, respeitado, temido e invejado, passando a frequentar as tertúlias literárias de seu tempo, tais como a “Nova Arcádia”, da qual foi fundador, e Arcádia de Roma, com o pseudônimo Lereno Selinuntino. Caldas Barbosa faleceu em 9 de novembro de 1800, em Lisboa. O poeta respondia à discriminação com sua veia satírica, tanto que Bocage e Filinto Elísio foram nomes que procuraram difamá-lo, além disso era “considerado um poeta prejudicial à educação particular e pública, por suas composições de amor às mulheres” (MARQUES, 2011, p. 52). Caldas Barbosa consegue atravessar a linha de comportamento a serviço da estereotipia imposta pelo colonizador português para demonstrar a superioridade do branco e da cultura europeia de pureza perante ao negro africano escravizado e sua cultura de perversão, ou seja, trata-se de um conflito que envolve duas morais (BASTIDE, 1948). Para David Brookshaw, os negros ou mulatos ao atravessarem essa linha entre as culturas: tornam-se exceções ao estereótipo, implicitamente impedidos de mostrar qualquer vestígio de sua cultura anterior em troca de sua assimilação. Eu chamaria esta divisão de “linha de comportamento”, cuja função não é, aparentemente, segregar as raças, e sim as duas tradições culturais, a europeia e a africana, a moral e a imoralidade, daí a importância de uma transformação em comportamento cultural uma vez que a linha tenha sido atravessada (BROOKSHAW, 1983, p. 17).

Uma das formas pelas quais o negro poderia ser aceito no mundo branco era adaptarse àquilo que o homem branco espera dele, ou seja, manter-se no lugar do estereótipo (BROOKSHAW, 1983). Entretanto, Domingos Caldas Barbosa foi habilidoso ao lidar com um humor subversivo mascaradamente a serviço dos papéis estereotipados. Segundo Brookshaw (1983), o poeta fazia referência a sua “cor desgraçada” para tentar atingir a compaixão das mulheres de seu público branco como no poema Loreno melancólico: Pastoras não me chameis Para vossa companhia Que onde vou comigo levo A mortal melancolia. (...) Logo ao dia de eu nascer Nesse mesmo infausto dia, Veio bafejar-me o berço A mortal melancolia. (...) No meu inocente rosto Quem o notava bem via Q’em triste cor se marcava,

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Curso de Especialização UNIAFRO: Promoção da Igualdade Racial na Escola Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – Departamento de Letras – Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG) A mortal melancolia. (BROOKSHAW, 1983, p. 161-162)

A poesia de Domingos Caldas Barbosa conseguiu navegar entre a erudição exigida pela época, tanto que o poeta frequentava os salões nobres de Lisboa, e a veia popular, boêmio que era, foi registrada nas modinhas e lundus, seu conhecimento musical foi obtido abaixo da linha de comportamento, enquanto seus modelos literários provinham de acima da linha (BROOKSHAW, 1983, p. 163). O poeta foi hábil ao estar nesses espaços, mostrou-se não branco, chamando atenção para sua cor, para seu lugar de enunciação, com uma linguagem simples, musical e popular, contrapondo-se ao rebuscamento de outros poetas de seu tempo, mas ainda assim esteve inserido no meio árcade-neoclássico, ampliando-o com seu coloquialismo, modinhas e lundus, talvez responsáveis pela rejeição e discriminação de seus pares (MARQUES, 2011). O que muitas vezes o forçou a responder em versos a provocações de seus oponentes como nos célebres versos direcionados à forma pejorativa como era tratado por Bocage (CAMARGO, 1987; MARQUES, 2011), que se referia a ele como “Caldas de Cobre” para diferenciá-lo do padre e poeta Antônio de Sousa Caldas (1762-1814), conhecido como “Caldas de Prata”: Tu és Caldas, eu sou Caldas; Tu és rico, e eu sou pobre; Tu és o Caldas de prata; Eu sou o Caldas de cobre. (CAMARGO, 1987, p. 27)

Nome essencial para a construção do mercado editorial brasileiro, Francisco de Paula Brito, nascido no Rio de Janeiro a 2 de dezembro de 1809, exerceu múltiplas funções e destacou-se como editor, tipógrafo, poeta e contista. Francisco de Paula Brito (1809-1861) mostra seu espírito empreendedor ao tornar-se o primeiro editor brasileiro em um mercado até então monopolizado por estrangeiros (HALLEWELL, 2005), iniciando suas atividades com uma pequena oficina gráfica em 1831. Paula Brito aproveita o momento político conturbado em razão de D. Pedro I abdicar do trono e da impossibilidade causada pela pouca idade de seu sucessor, Pedro II, para assumi-lo, e edita diversos jornais de diferentes correntes, pois, acreditava, sobretudo, na leitura como desenvolvimento intelectual do país. Desde a primeira metade do século XIX, movimentos pró-abolicionistas demonstravam o problema racial brasileiro, com destaque para a atuação do editor e escritor Francisco de Paula Brito, criador do jornal O Homem de Côr, posteriormente chamado de O Homem de Côr ou O Mulato, que circulou de 14 de setembro a 4 de novembro de 1833, sendo, (...) o primeiro periódico dedicado ao combate franco ao racismo e editado por um negro, testemunha de algo surpreendente, pelo seu arrojo. Nesse contexto, defende a condição universal de súditos de todos os brasileiros, que não deveriam ser diferenciados pela cor, nem pela classe, mas sim pela virtude, ou pelo vício, pela ciência, ou pela ignorância. (FRANCISCO; SOUSA CRUZ, 2011, p. 81)

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O caráter antidiscriminatório e corajoso do jornal evidenciaram-se na primeira página de sua edição inaugural ao recorrer ao texto da Constituição de 1824, Parágrafo 14 do Artigo 179: “Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos e militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos e virtudes” (VIANNA, 1946, p. 218). Ou seja, na pequena passagem acima, apoiada na legalidade da Constituição, constata-se que Paula Brito expõe o racismo da sociedade em que viveu e simplesmente inaugurou a imprensa negra no Brasil. Para além do exposto, Paula Brito foi responsável por lançar Machado de Assis e o primeiro romance de Teixeira e Sousa, e como era muito bem relacionado com as pessoas de diferentes correntes políticas de sua época, destinou o espaço de sua casa para a criação da “Sociedade Petalógica”, onde se reuniam escritores, jornalistas, políticos, profissionais liberais e demais partícipes da sociedade carioca que discutiam livremente variados assuntos da época. A respeito desta sociedade, Machado de Assis afirmou: “Cuidavam muitos, que por ser petalógica, a sociedade nada podia empreender que fosse sério: mas enganaram-se"8. Interessam-nos para ilustração o poema “Versos a Mim Mesmo”: Tenho cinquenta e dois anos (De que bem pouco me lembro) Felizmente completei-os No dia dois de dezembro. O brasileiro monarca, De quem sou súdito amigo, Quis dar-me a subida honra De fazer anos comigo. (...) Meus anos, por consequência, São anos imperiais (Talvez por isso eu pertença À seita dos cardeais) Mas, apesar da farfança Da minha vida dourada, Não tenho coisa que preste; “Abro mão e não acho nada!” É verdade que se eu fosse Como quer ser muita gente, Vivendo, como outros vivem, Vivesse talvez contente... Mas... este mas quer dizer: “Cada um pra o que nasceu”: Todos cumprem o seu destino, “Eu cumpro o que Deus me deu”. (grifos do autor) (In: RAMOS JR. et al. Paula Brito: editor, poeta e artífice das letras, p. 77. Apud DUARTE, 2011, p. 91)

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Machado de Assis, também um frequentador, afirmou em 11 de setembro de 1864, no “Diário do Rio de Janeiro”

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O sujeito lírico não muito sofisticado de Paula Brito sinaliza em versos autobiográficos a rigidez entre as camadas sociais do Brasil Império, valendo-se apenas de sua capacidade intelectual para sobreviver (MARQUES, 2011). De vida intensa dedicada ao mercado editorial e à literatura, Francisco de Paula Brito publicou nas suas gráficas mais de trezentas obras entre livros de literatura, teatro, jornais e impressos vários no período de 1831 a 1861, ano de sua morte. Domingos Caldas Barbosa e Francisco de Paula Brito foram alguns dos nomes de destaque da literatura negro-brasileira dos séculos XVIII e XIX que muitas vezes não são lembrados pela historiografia literária nacional. Não foram os únicos, mas em razão do nosso pequeno espaço concentramo-nos nessa pequena amostragem, porém não deixamos de citar a relevância da produção literária de José da Natividade Saldanha, Silvério Gomes Pimenta, Gonçalves Crespo. I.3 – O cânone enegrecido: Luiz Gama, Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto Esta seção dedica-se aos escritores que foram reconhecidos pelo cânone, mas que para obter esse reconhecimento tiveram as suas condições de negros não apreciadas pelos críticos e pela historiografia literária. Por isso, um processo importante da geração dos anos 1970 da literatura negro-brasileira foi o de celebrar esses autores como negros. Recordamos que escreveram sob a condição desumana do sistema escravocrata, vivenciaram o nascimento do Brasil republicano, sentiram na pele o auge das teses racistas da intelectualidade nacional, inspiradas no pensamento europeu. Uma marca desses autores era a solidão, pois sentiam os dramas dos negros escravizados e conviviam em uma sociedade marcada pelo racismo e, para agravar a situação, seus pares literatos eram brancos e não compreendiam ou compartilhavam das ideias abolicionistas ou de humanizar os negros. Mas, talvez, o pior tenha sido escrever para um público leitor que não continha negros, ou representavam um quantitativo irrelevante para a época. Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu livre em Salvador, a 21 de junho de 1830, filho de Luiza Mahin – negra e livre – e de um homem branco e rico, foi vendido como escravizado pelo próprio pai em 10 de novembro de 1840 e levado para o Rio de Janeiro, depois São Paulo. Nesta cidade publicou seu único livro em vida, Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859). Gama, com empenho e autodidatismo, aprendeu a ler, quando os escravos e os libertos eram proibidos de frequentar escolas de acordo com as leis do Império; tornou-se advogado e jornalista, defensor ferrenho da abolição, defendeu escravizados condenados ilegalmente pelo sistema prisional, libertando-os de penas injustas, assim como conseguiu a alforria para muitos deles, era republicano convicto. Ou seja, uma figura desagradável para o sistema. Utilizou os pseudônimos Afro, Getulino e Barrabrás. Faleceu na cidade de São Paulo, a 24 de agosto de

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1882, o que impossibilitou vivenciar a abolição da escravidão, a principal bandeira de sua vida. De veia sarcástica, o poema Quem sou eu? (Bodarrada) revela a sua face contestatária: Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta, Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus, e outros nobres, Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios, importantes, E também alguns tratantes... Aqui, n’esta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas, Deputados, senadores, (...) Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas: Pois se todos têm rabicho, Para que tanto capricho? Haja paz, haja alegria, Folgue e brinque a bodaria; Cesse, pois, a matinada, Porque tudo é bodarrada! – (FERREIRA, 2011, p. 61-65)

Joaquim Maria Machado de Assis é considerado o maior nome da literatura brasileira. Foi poeta, romancista, novelista, contista, ensaísta, cronista, dramaturgo. Nasceu no Rio de Janeiro a 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908, na mesma cidade. De vasta e variada obra, destacamos Memórias Póstumas de Brás Cuba e Dom Casmurro, dentre tantos outras. Ilustraremos brevemente o Machado cronista presente em Histórias de Quinze Dias – VII, crônica publicada em Ilustração Brasileira, de 1 de outubro de 1876, sob o pseudônimo Manassés. De interesse geral é o fundo de emancipação, pelo qual se acham libertados em alguns municípios 230 escravos. Só em alguns municípios! Esperemos que o número será grande quando a libertação estiver feita em todo o império. A lei de 28 de setembro fez agora cinco anos. Deus lhe dê vida e saúde! Esta lei foi um grande passo na nossa vida. Se tivesse vindo antes, estávamos em outras condições. Mas há 30 anos, não veio a lei, mas vinham ainda escravos, por contrabando, e vendiam-se às escâncaras no Valongo. Além da venda, havia o calabouço. Um homem do meu conhecimento suspira pelo azorrague. — Hoje os escravos estão altanados, costuma ele dizer. Se a gente dá uma sova num, há logo quem intervenha e até chame a polícia. Bons tempos os que lá vão! Eu ainda me lembro quando a gente via passar um preto escorrendo sangue, e dizia: “Anda, diabo, não estás assim pelo que fiz!” — Hoje... E o homem solta um suspiro, tão de dentro, tão do coração... que faz cortar o dito. Le pauvre homme! (DUARTE, 2007, p. 31-32)

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Neste pequeno excerto temos a presença da campanha abolicionista, a propaganda do “Fundo de Aproximação”, fundo destinada para adesão e coleta de recursos para compra de liberdade dos escravizados, a citação à Lei do Ventre Livre, a denúncia do contrabando de escravos apesar de sua proibição imposta pela Inglaterra e, no melhor estilo machadiano, a ironia ao mostrar o senhor branco acostumado a tratar com violência os escravizados e reclamando dos novos tempos, pois o seu comportamento começa a ser criticado e repudiado por parte da sociedade. Machado ainda finaliza com a citação ao Tartufo, de Moliére, cujo protagonista tem como características o oportunismo e a hipocrisia e acaba sendo desmascarado a todo instante (DUARTE, 2007). Como podemos perceber no texto supracitado, assim como encontraremos por toda a obra machadiana, não há em nenhum momento palavras de apoio ao sistema escravocrata ou imagens de estereotipia dos escravizados, mas, há sim, a demonstração da bestialidade, da hipocrisia, da dissimulação dos senhores de escravizados e de todo o sistema que orquestra essa ordem. Tão o mais agravante é a maneira como a crítica lida com a obra de João da Cruz e Sousa, este catarinense da cidade de Desterro – atual Florianópolis – nascido a 24 de novembro de 1861 e vindo a falecer em Sítio, Minas Gerais, a 19 de março de 1898. Filhos de negros que foram alforriados, o seu acolhimento na casa senhorial possibilitou o acesso à educação e desde a tenra idade apresentou aptidão para a poesia. De sua obra destacamos os livros Missal e Broquéis, ambos de 1893, e Evocações, de 1898, tornando-se o mais importante poeta simbolista de seu tempo. Como bem sinaliza o ensaísta Ronald Augusto, Cruz e Sousa é um simbolista nos moldes de Charles Baudelaire, há uma revolta na dicção poética que rasura o ideal estético simbolista (AUGUSTO, 2010, p. 430) como no poema “Escravocratas”: Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio manhosos, agachados - bem como um crocodilo, viveis sensualmente à luz dum privilégio na pose bestial dum cágado tranqüilo. Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas ardentes do olhar - formando uma vergasta dos raios mil do sol, das iras dos poetas, e vibro-vos à espinha - enquanto o grande basta O basta gigantesco, imenso, extraordinário da branca consciência - o rútilo sacrário no tímpano do ouvido - audaz me não soar. Eu quero em rude verso altivo adamastórico, vermelho, colossal, d'estrépito, gongórico, castrar-vos como um touro - ouvindo-vos urrar! (AUGUSTO, 2010, p. 430)

Ronald Augusto chama atenção para a “brancura” típica do simbolismo – pureza, morte, esquecimento, luz etc. – presente na obra de Cruz e Sousa está em conformidade com grandes nomes do simbolismo, tais como Rimbaud e Verlaine, contudo, o poeta do Desterro

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não olha de forma passível para a folha de papel e agride a parede que o discrimina, é feroz com os escravocratas, é favor da abolição e utiliza a poesia para demonstrar sua revolta diante da estupidez humana. Sua poesia eventualmente branca, é também negra (RONALD, 2010, p. 431), como no poema “Emparedado” em que revela as dificuldades que o negro enfrenta em uma sociedade fascinada pelas ideias eugenistas e pré-determinada a asfixiá-lo: "Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da vasta edificação do Mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram acumulando, acumulando pedra sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí estás agora o verdadeiro emparedado de uma raça. Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah! ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo — horrível! — parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror absoluto... E, mais pedras, mais pedras se sobreporão às pedras já acumuladas, mais pedras, mais pedras... Pedras destas odiosas, caricatas e fatigantes Civilizações e Sociedades... Mais pedras, mais pedras! E as estranhas paredes hão de subir, — longas, negras, terríficas! Hão de subir, subir, subir mudas, silenciosas, até às Estrelas, deixando-te para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho...“ (CRUZ E SOUSA. Emparedado)

O racismo, quase que um personagem, tem sua estratégia de opressão aos negros desvelada no poema de Cruz e Sousa, o dito poeta branco para uma crítica que não consegue tirar o véu branco à frente dos olhos. Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro e faleceu 1 de novembro de 1922, na mesma cidade. Jornalista e escritor, Lima Barreto foi um arguto observador de seu tempo e da sociedade em que viveu, diferenciado-se dos três nomes anteriores dessa seção por ter uma veia mais direta em relação ao racismo. Dentre seus livros, destacamos Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) e Clara dos Anjos (1948, obra póstuma), para além das várias crônicas e contos. Com Recordações do Escrivão Isaías Caminha, o autor demonstra o lugar diferente de onde partia o discurso do narrador (CUTI, 2010), já que utiliza a escrita para publicizar a discriminação aos negros, como na passagem retirada do livro supracitado – E o caso do Jenikalé? Já apareceu o tal “mulatinho”? Não tenho pejo em confessar hoje que quando me ouvi tratado assim, as lágrimas me vieram aos olhos. Eu saíra do colégio, vivera sempre num ambiente artificial de consideração, de respeito, de atenções comigo; a minha sensibilidade, portanto, estava cultivada e tinha uma delicadeza extrema que se juntava ao meu orgulho de inteligente e estudioso, para me dar não sei que exaltada representação de mim mesmo, espécie de homem diferente do que era na realidade, ente superior e digno a quem um epíteto daqueles feria como uma bofetada (BARRETO, 1956, p. 110; Apud CUTI, 2010, p. 75)

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A passagem denuncia o contraste do tratamento doméstico para a recepção que os negros recebem nas ruas, de uma sociedade que a todo instante procura mostrar os lugares aos quais os negros devem ocupar. Dentro dessa perspectiva, o texto de Lima Barreto é inovador no contexto da literatura brasileira. Luiz Gama, Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto, ainda que atuando de forma isolada na literatura (CAMARGO, 1987; CUTI, 2010), cada um, a seu modo, desenvolveu um sujeito étnico negro. Nos seus textos percebemos “que o ponto de emanação do discurso reivindica para si a identidade com os discriminados e não com os discriminadores” (CUTI, 2010, p. 63). Esses foram os nomes que sofreram no Brasil da virada do século XIX para o XX, situação que não mudaria no decorrer do século passado e que Lino Guedes vivenciaria outro contexto de organização para os negros, porém numa sociedade racista. I.4 – A poesia negra de Lino Guedes no auge do Modernismo: Imprensa Negra e Racismo de Estado O Brasil da Primeira República foi um território de hostilidade extrema para a comunidade negra tanto na área rural quanto na área urbana. A abolição da escravatura em 1888 não apresentou nenhuma proposta de integração para os negros quando se tornassem libertos. No ano seguinte, com o fim da Monarquia e o início da República houve um reforço e maior inserção das teses racistas dos intelectuais brasileiros que já discutiam o problema do atraso da nação por causa da elevada miscigenação e da enorme presença de negros, para além do crescimento das cidades. Na construção da nação e da identidade nacional pela elite local não havia espaço para os negros, ou seja, “a pluralidade racial nascida do processo colonial representava, na cabeça dessa elite, uma ameaça e um grande obstáculo no caminho da construção de uma nação que se pensava branca” (MUNANGA, 2008, p. 48). Dessa maneira, o embranquecimento da população, a sua regeneração, passou a ser almejado como solução para o desenvolvimento da nação e da sociedade. O eurocentrismo atingia o seu apogeu. Com isso, esses intelectuais, ou “homens de ciência”, desde a década de 1870 adaptaram diversas teorias racistas excludentes da Europa para assumir a “quixotesca tarefa de abrigar uma ciência positiva e determinista, e, utilizando-se dela, liderar e dar saídas para o destino desta nação” (SCHWARCZ, 1993, p. 18). Durante esse período, esses intelectuais pensaram o problema do pluralismo racial brasileiro, buscavam a sua dissolução, o fim da diversidade para atingir uma sociedade una e homogênea. Para Silvio Romero, o cruzamento das três raças faria com que a predominância biológica e cultural do branco conduziria ao desaparecimento dos não brancos dentro de um processo que levaria três a quatro séculos (MUNANGA, 2008, p. 49-50); por outro lado, João Batista Lacerda era otimista, considerava, em 1911, que a miscigenação e a imigração embranqueceriam a população em apenas um século (SANTOS, 2006, p. 214); já Raimundo

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Nina Rodrigues contrariou as ideias anteriores e considerou o atavismo como um problema sem solução e que exigiria “a institucionalização e a legalização da heterogeneidade através da criação de uma figura jurídica denominada responsabilidade penal atenuada”, uma vez que as desigualdades entre as raças assinalavam que “índios, negros e mestiços não têm a mesma consciência do direito e do dever que a raça branca civilizada porque ainda não atingiram o nível de desenvolvimento psíquico, seja para discernir seus atos, seja para exercer o livrearbítrio” (MUNANGA, 2008, p. 51). Durante as décadas de 1920 a 1940 fortaleceu-se o movimento eugênico que permitia a “associação entre esterilização, saneamento e educação” e que promovia “a divulgação das ideias sobre a regeneração racial e social do país” (SANTOS, 2008, p. 13). Intelectuais de diferentes áreas atuaram neste movimento, alcançaram importantes cargos públicos, tinham força política para pressionar o congresso e de alterar a legislação, e suas obras foram disseminadas com sucesso, dentre tantos, estão o médico Renato Kehl, que foi o grande divulgador das ideias eugenistas, o sanitarista Belizário Penna, o escritor Monteiro Lobato e o antropólogo Roquette-Pinto. Para Renato Kehl, o futuro da nação estava comprometido em razão da miscigenação, portanto, para melhorá-lo, seria importante a atuação do Estado interferindo nos casamentos entre as pessoas, inclusive, tendo “como a obrigatoriedade de exames médicos prévios para que o casamento e a geração de filhos fossem autorizados, e, também a esterilização compulsória e permanente dos degenerados” (SANTOS, 2006, p. 312). Ou seja, os eugenistas permaneciam preocupados com a constituição identitária da nação. Tinham plena certeza da inferioridade do brasileiro em razão da miscigenação, entretanto, eles buscaram uma solução original, a saída dos eugenistas foi apontar para as péssimas condições sanitárias e da saúde do povo, “o obstáculo que emperrava o país seria superado mediante o fornecimento de condições sanitárias adequadas às áreas rurais. Proporcionar políticas de saúde pública e educação higiênica era a meta a ser atingida” contra a “mistura de raças inferiores [que] haviam gerado uma população preguiçosa, indisciplinada e pouco inteligente” (SANTOS, 2006, p. 314-315). Para isso, tornam-se fundamentais a educação higiênica e a esterilização. De acordo com Renato Kehl: A esterilização dá resultados na redução dos degenerados; estes resultados, porém, não são imediatos e só se farão sentir após muitos anos de uma execução perfeita e permanente (...) Em suma, para a melhoria física, moral e intelectual dos nossos semelhantes, é necessário lançar mão da esterilização, sem prescindir, porém, da prática dos demais preceitos ditados pela eugenia positiva, preventiva e negativa (SANTOS, 2006, p. 319).

A partir desse projeto de nação e de sociedade eugenista, “a figura do homem pobre, doente e analfabeto constituiu-se em alvo privilegiado das estratégias disciplinares” (SANTOS, 206, p. 317). Logo, perguntamos: quem seriam os pobres, doentes, analfabetos, ou seja, os degenerados que passariam pelas “estratégias disciplinares” e alvos da esterilização? Neste

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ponto passamos a situar a obra literária de Lino Guedes dentro do contexto sociorracial e político que apresentamos acima. Lino Guedes nasceu na cidade de Socorro (SP) a 24 de junho de 1897. Filho dos exescravos José Pinto Guedes e Benedita Eugênio Guedes. Em 1912 chegou a Campinas, formou-se na Escola Normal Antonio Álvares e posteriormente iniciou carreira no jornalismo com circulação por diversos jornais tanto em Campinas quanto em São Paulo, como o Diário do Povo, Correio Popular, Correio de Campinas e no Diário de São Paulo, onde atuou como chefe do Departamento de Revisão. Guedes também teve destacada atuação na Imprensa Negra de São Paulo (1915-1963), como fundador ao lado de Benedito Florêncio e Gervásio Marques do jornal Getulino, em 1923, onde ocupou o cargo de redator-chefe. O nome do jornal foi uma maneira de homenagear o abolicionista e poeta negro Luiz Gama (21/06/1830 – 24/08/1882) (DOMINGUES, p. 141). Como outros jornais da Imprensa Negra, o Getulino teve pouca duração e foi publicado durante três anos, totalizando 64 edições. Em 1926, o poeta chega a São Paulo e dois anos depois funda o jornal Progresso, com o argentino Celso Wanderley que durou de junho de 1928 a agosto de 1932, com 36 edições. A respeito desse grande movimento de resistência que foi a Imprensa Negra, ainda de pouco conhecimento de sua atuação e de como era ser negro naquela época, o historiador Clóvis Moura assinala que: Durante todo o tempo que a imprensa negra circulou, através de jornais de pequena tiragem e duração precária, as atividades da comunidade negra de São Paulo ali se refletiam, dando-nos, por isso, esses jornais um painel ideológico do universo do negro. Nela se encontram estilos de comportamento, anseios, reivindicações e protestos dos negros paulistas. (...) Nesta trajetória refletem-se as inquietações da comunidade e lá se encontram os conselhos para o negro ascender socialmente, procurando igualar-se ao branco. A preocupação com a educação é uma constante. O negro deve educar-se para subir socialmente. Para isso, deve deixar os vícios como o alcoolismo e a boêmia, deve abster-se de praticar arruaças, deve ser um modelo de cidadão. Em todas as publicações é visível a preocupação com uma ética puritana capaz de retirar o negro de sua situação de marginalizado. (...) Os jornais servem, portanto, para indicar, através de regras morais, o comportamento que deveriam seguir os membros da comunidade negra (MOURA, 2002, p. 6).

Sobre essas publicações e suas diferentes facetas, o escritor e ensaísta Oswaldo de Camargo afirma que: Os jornais que representam o pensamento da coletividade negra variam segundo a múltipla experiência do negro na vida brasileira. Alguns ficaram apenas no nível de contar notícias sobre um pequeno grupo de amigos; outros alcançaram um alto nível de exposição de ideias; outros, ainda, se propuseram ilustrar e preparar o negro para o livre debate e procurar soluções dos problemas comuns sentidos dentro da coletividade (CAMARGO, 2011, p. 114).

Salientamos que a multiplicidade da Imprensa Negra mostra como os negros tinham que buscar formas para se posicionar na sociedade racista, logo, a literatura não estava

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desvinculada de ações sociais e educativas, principalmente esta, o que Miriam Alves denomina como pedagogia da existência. Segundo a ensaísta: É interessante notar que a produção dos escritores negros brasileiros, apesar de desconhecida da mídia geral e canônica, sempre esteve presente nas entidades e manifestações negras. Isso demonstra que, na pedagogia da existência, o lugar enquanto espaço vivido exerce um papel revelador do espaço em que se está inserido e do espaço de que é excluído. Neste sentido, os jornais da Imprensa Negra, que sempre publicavam poemas em suas edições, colaboraram com essa prática para a formação de um “pensamento político negro”, reelaborando assim, a representação do negro/a, construindo um discurso próprio sobre a sua condição racializada, do ponto de vista político, social, cultural, e estético, bem como a relação existente desses universos com o restante da sociedade não-negra (ALVES, 2010, p. 46-47).

Dentro dessa perspectiva conservadora que foi desenvolvida a obra literária de Lino Guedes. Surpreende na trajetória deste intelectual negro, filho de ex-escravos e que alcançou a chamada “elite dos homens de côr”, a quantidade de publicações individuais de prosa e poesia, gênero da maioria de seus títulos. Guedes começa a publicar em 1924 com Luiz Gama e a sua individualidade literária, lança títulos como O canto do cisne preto (1926), Negro preto cor da noite (1936), Urucungo (1936), dentre outros, totalizando treze livros até a sua morte em 4 de março de 1951. A poesia de Lino Guedes chama atenção por ser a primeira a ser publicada em livro de autoria própria com eu enunciador negro. O escritor e ensaísta Oswaldo de Camargo enfatiza um angustiante silêncio da poesia negra no início do século XX: “Lino Guedes, um começo, 28 anos após a morte de Cruz e Sousa. Que aconteceu, irmãos, com a Poesia que o negro devia escrever, durante esses 28 anos?” (CAMARGO, 1986, p. XI). Para este ensaísta e também para o brasilianista David Brookshaw, Lino Guedes foi o “primeiro poeta negro do Brasil a experimentar e expressar conscientemente a alma de seu povo” (BROOKSHAW, 1983, p. 177). Porém, o poeta espelhava-se na cultura hegemônica do branco como exemplo a ser seguido pelos negros, o que não o impedia de ser solidário com os seus irmãos de cor: Oh, negrada, destorcida!/ Que não quer não, outra vida/ Melhor que esta de chalaça,/ por entre fumo e cachaça;/ Prá você, negrada boa,/ que chamam de gente à toa,/ Alinhavei tudo isso.// O que aqui está escrito/ Não conseguirá saber/ porque ninguém sabe ler.../ Isto muito me desconsola,/ Oh, getulina pachola,/ (...)// toma, gente do barulho,// este livrinho – um entulho/ à sua malemolência,/ o qual falará da dor/ desta infeliz gente negra,/ gente daqui da pontinha,/ desgraçada gente minha,/ a gente do meu amor! (GUEDES, sn).

No poema acima, “Dedicatória”, o sujeito lírico identificou e recriminou os problemas aos quais a sociedade branca infligia aos negros – o alcoolismo e a vadiagem – utilizando-os “como uma forma de denúncia e exorcização desses mesmos conceitos” (DAMASCENO, 2003, p. 70). Porém, a sua preocupação não atingiria diretamente o público ao qual está endereçada “porque ninguém sabe ler”. O grave problema do analfabetismo que prevaleceu na comunidade negra de sua época e foi revelado, mas ainda assim o poeta persistiu com fé na sua escrita que pôde atingir por via oral com a leitura do poema a “desgraçada gente minha”, assim como

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a pequena elite negra letrada. Com isso, Lino Guedes, de acordo com as possibilidades de sua época, aceitou-se como negro, iniciou uma negritude brasileira ainda que escorada no lamento e prenunciou a possibilidade de criação de um “olhar do leitor negro” (CUTI, p. 83) por meio da conscientização e da educação. Ele era ciente das dificuldades em um meio no qual as possibilidades eram mínimas, ou praticamente as mesmas da escravidão. Diante disso, o sociólogo Florestan Fernandes traçou um panorama da competitividade do mercado de trabalho na época em que os negros estavam entregues à própria sorte: As posições “altas” ou “intermediárias” estavam fora de cogitação, pois a elas só podiam concorrer os elementos das camadas dominantes e os estrangeiros ou descendentes de estrangeiros em ascensão. As posições criadas pelo trabalho assalariado, graças à expansão urbana e à industrialização, caíam na esfera em que era mais intensa e dura a concorrência com elementos estrangeiros ou nacionais (em menor proporção), tidos como mais aptos, competentes e produtivos. Assim, a questão de como “ganhar a vida” surgia como um grave dilema para o negro e o mulato. Malgrado o afastamento do regime servil, nada alterara o estado de coisas que produzira o inevitável desajustamento estrutural do antigo agente do trabalho escravo no regime competitivo. (...) O negro e o mulato, que ficaram à margem da eclosão da ordem social competitiva, continuavam na mesma situação em seus desdobramentos históricos posteriores. (...) a impossibilidade de “ganhar a vida” de maneira segura, compensadora e constante, mediante ocupações conspicuamente urbanas, está na própria raiz de todos os males que se abateram sobre a população de cor da cidade de São Paulo. A absorção de novos padrões de comportamento e do estilo urbano de vida dependia, naturalmente, da aquisição prévia e em larga escala das formas de “ganhar a vida” produzidas e reguladas pelo desenvolvimento da civilização urbana e industrial. Enquanto e na medida em que se viam excluídos de tais formas de “ganhar a vida”, o negro e o mulato, não tinham como participar econômica, social e culturalmente daquela civilização. Ficavam condenados a um isolamento disfarçado, ajustando-se deficientemente ao mundo urbano, através da herança sociocultural transplantada do antigo passado rústico do “escravo” e do “liberto” (FERNANDES, 2008, p. 164-166).

A longa citação de Fernandes corrobora a necessidade dos ideais que Lino Guedes procurava transmitir em sua poesia. A regeneração dos negros estava baseada na educação, na moral severa e na solidariedade racial e de classe (DAMASCENO, 2003; BROOKSHAW, 1983) para buscar a integração nesse mundo branco. Sendo assim, Lino Guedes demonstrou-se atento ao seu tempo, atuou da maneira possível para um escritor negro da primeira metade do século XX, apesar do seu bom relacionamento no meio literário modernista não se enquadrou neste movimento, ainda que Mennoti del Picchia tenha prefaciado o seu livro “O pequeno bandeirante”, ainda assim teve atuação destacada na Imprensa Negra, embora convivendo com críticas e divergências de acordo com a heterogeneidade de ideias desse grupo. Tudo isso em um contexto adverso, desigual e com predomínio ideológico eugenista, como agravante de um quadro de racismo configurado na sociedade e com apoio do Estado brasileiro, principalmente durante o Estado Novo, período que teve a maior influência do pensamento eugênico (KOIFMAN, p. 307).

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De uma época de abandono para a comunidade negra, concomitante a um projeto identitário brasileiro em que não havia espaço para a sua inclusão durante as primeiras décadas do século XX, restou aos negros a tentativa de união nas diversas associações dos homens de cor, nos clubes dançantes, nos grêmios recreativos, nos jornais da Imprensa Negra ou na Frente Negra Brasileira, a maior organização negra do pós-Abolição, criada em 1931, tornada partido político em 1936 e cassada pela ditadura Vargas no ano seguinte, o que levou a sua extinção definitiva. Ou seja, foi dentro de todo esse contexto que impulsionava a necessidade de união entre os negros que Lino Guedes legou uma poesia de transição para a modernidade, essencial para as poéticas vindouras, e permanente referencial para os nossos dias. Lino Guedes, um autêntico representante da literatura negro-brasileira. I.5 – A resistência e o ainda isolamento literário: Solano Trindade, Carlos de Assumpção, Eduardo de Oliveira e Oswaldo de Camargo Nesta seção temos as atuações de quatro grandes escritores negros de longas trajetórias, mas de escassas publicações, uma constante dos agentes da literatura negrobrasileira de então. Iniciamos nossos trabalhos com o Poeta do Povo: Solano Trindade. Este recifense nasceu a 24 de julho de 1908, militante negro, foi um dos organizadores do I e II Congressos Afro-Brasileiros, em Recife e Salvador, respectivamente, durante o ano de 1934. Com forte penetração no teatro negro, participou do TEN – Teatro Experimental do Negro, de Abdias Nascimento, Teatro Folclórico Brasileiro e fundou o Teatro Popular Brasileiro. Na literatura, inicia sua trajetória com Poemas Negros (1936), seu último livro em vida foi Cantares ao meu povo (1961). Solano Trindade faleceu em 19 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro. Hoje é um dos poetas mais conhecidos do Brasil e muito estudado na educação básica. Destaca-se na sua poesia a visão macro para os problemas do negro no Brasil, na diáspora africana e na África. Profundo conhecedor das literaturas negro-diaspóricas9, dedica poemas a Langston Hughes e Nicolas Guillén; também comunista, exalta as classes oprimidas e revela a opressão social no Brasil e no mundo, fazendo de sua poesia ato de denúncia constante. Sua poesia é de dicção simples e direta, de sujeito étnico negro como em “Sou Negro”, em que a sua história pessoal confunde-se com a história coletiva negra, referenciando origens, seus heróis, um discurso de autoestima e de rasura da história oficial: 9

Consideramos como literaturas negro-diaspóricas (RISO, 2014) as diferentes literaturas negras que trazem marcas da afirmação, inclusão e valorização do ser negro e da sua origem africana, do vínculo com as religiões de matrizes africanas, o uso da oralidade e de expressões africanas no texto literário, a revisão crítica da história, a denúncia incansável da discriminação racial em seus países, o olhar solidário e consciente para os problemas dos negros na diáspora e na África em diálogos incessantes, trocas ininterruptas com os textos de negras e negros desses países. As literaturas negro-diaspóricas encontram seus referenciais nos primeiros textos literários de negros durante a colonização nas Américas, na oralitura que o cânone ocidental desconsidera, tais como os cânticos dos escravizados, como nas spirituals songs e os orikis, assim como o grafite e o rap dos nossos dias; essas literaturas inspiram-se nos movimentos culturais das décadas de 1920-30, como o Harlem Renaissance, a Negritude, o Negrismo cubano, o Indigenismo Haitiano; no reggae jamaicano e demais movimentos negros na diáspora que, desde então, se relacionam de diferentes maneiras e intensidades. Dessa maneira, encontramos recursos estilísticos, estético-formais e temáticas que se assemelham, tendo na ininterrupta inventividade com a linguagem a forma para rasurar os cânones estabelecidos (SOUZA, 2014, p. 102).

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Eduardo de Oliveira nasceu em São Paulo em 1926 e faleceu em 2012, na mesma cidade. É autor da melodia e da letra de “Hino à Negritude”. Foi professor, militante negro e pan-africanista. Utilizava a forma fixa do soneto com grande desenvoltura para destilar a sua negritude. Atento aos movimentos da juventude negra, participou da primeira edição de Cadernos Negros, entre outras edições. De seus livros, mencionamos Banzo (1962/64) e Gestas Líricas da Negritude (1967). Segue um poema típico da Negritude, “Gestas Líricas da Negritude”: Eu quero ser no mundo uma atitude de afirmação que, unicamente, cante com poderosa voz tonitroante, A Gesta Lírica da Negritude... Serei na vida o intransigente amante de sua nobiliárquica virtude, e, como alguém que entoa ao alaúde uma canção, eu seguirei adiante... Eu seguirei feliz, de braços dados com meus irmãos dos cinco continentes... que a todos amam, porque são amados. E quando se ama a Humanidade inteira, os ideais – por mais nobres, mais ardentes – irmanam-se numa única bandeira. (OLIVEIRA, 1967, p. 43)

Autor de “Protesto”, segundo Oswaldo de Camargo o poema mais celebrado nos saraus de poesia da Associação Cultural do Negro, Carlos de Assumpção é paulista, nasceu a 23 de maio de 1927. Apesar da longa trajetória poética dispersa, iniciada em Série Cultura Negra n.

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1, da Associação Cultural do Negro, em 1958, suas publicações são poucas: Protesto (1982), Quilombo (2000) e Tambores da Noite (2009); com destaque para as participações na série Cadernos Negros. Mesmo que voltem as costas Às minhas palavras de fogo Não pararei de gritar Não pararei Não pararei de gritar (...) Senhores O sangue dos meus avós Que corre nas minhas veias São gritos de rebeldia (...) Eu quero o sol que é de todos Quero a vida que é de todos Ou alcanço tudo o que eu quero Ou gritarei a noite inteira Como gritam os vulcões Como gritam os vendavais Como grita o mar E nem a morte terá força Para me fazer calar. (DUARTE, 2011, p. 554-555)

Oswaldo de Camargo é o grande elo de gerações, o decano da literatura negrobrasileira, divulgador, pensador e defensor incontestável da literatura negro-brasileira, atua como poeta, prosador, professor, palestrante, prefaciador e incentivador dos jovens. Rigoroso, faz de sua produção literária uma das mais consistentes dessa vertente literária, o que pode ser atestado no poema “Meu Grito”: Meu grito é estertor de um rio convulso... Do Nilo, ah, do Nilo é o meu grito... E o que me dói é fruto das raízes, ai, cruas cicatrizes!, das bruscas florestas da terra africana! Meu grito é um espasmo que me esmaga, há um punhal vibrando em mim, rasgando meu pobre coração que hesita entre erguer ou calar a voz aflita: Ó África! Ó África! Meu grito é sem cor, é um grito seco, é verdadeiro e triste... Meu Deus, porque que é que existo sem mensagem, a não ser essa voz que me constrange, sem ecos, sem lineios, desabrida? Senhor! Jesus! Cristo! Por que é que grito? (CAMARGO, 1963)

Da consciência de um passado de dor, refletida nos versos de maneira inquieta para refazer a sua (nossa) história e assumir sua identidade, o sujeito lírico agoniza com sua dor,

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somente o reencontro com suas origens poderá aliviá-lo. Tornar-se negro é o caminho para liberar as correntes do grito. Nascido em 1936 no interior de São Paulo, Oswaldo de Camargo cedo perdeu seus pais, foi criado e instruído em um seminário católico, onde logo mostrou vocação para o sacerdócio, mas impossibilitado de continuar em razão da cor de sua pele. “E a noção de que existia, sim, preconceito na sociedade brasileira mostrou-se clara para mim nos meus 16 anos, idade em que comecei a escrever”, afirma o escritor em entrevista a Eduardo de Assis Duarte (DUARTE, 2011, p. 30). A partir dessa decepção ocorrida em 1954, Camargo mergulha na literatura. Dois anos depois começa a frequentar a Associação Cultural do Negro onde conhece Solano Trindade, também passa a conviver com intelectuais como Sérgio Millet, Florestan Fernandes, entre outros. Em seguida, inicia colaboração na histórica Imprensa Negra paulistana e conhece nomes fundamentais da Frente Negra Brasileira, tal como José Correia Leite. Logo em seguida, é contratado para trabalhar no jornal O Estado de São Paulo. Seu primeiro livro de poesia, Um homem tenta ser anjo sai em 1959, seguido de 15 poemas negros (1961, poesia), O carro do êxito (1972, contos), A descoberta do frio (1979, novela), O estranho (1984, poesia), A razão da chama – antologia de poetas negros brasileiros (1986, organizador) e O negro escrito – apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira (1987, ensaio), entre vários artigos sobre literatura. Percebemos a longa trajetória deste escritor, por isso, destacamos a relevância de Oswaldo de Camargo como elo de gerações (CUTI, 2010; AUGEL, 2010). Foi um dos raros escritores negros a lançar livros nas décadas de 1950 e 1960 ao lado de Eduardo de Oliveira, Solano Trindade e Carlos Assumpção; posteriormente, juntou-se a geração de jovens escritores surgida ao final dos anos 1970, a que lançou Cadernos Negros, sendo um dos autores a publicar no livro de estreia em 1978, como também foi co-fundador do coletivo Quilombhoje (1980) que viria a assumir todo o processo de publicação de Cadernos Negros a partir de 1983. Nesta seção deixamos de nos aprofundar em nomes como os de Ruth Guimarães, Romeu Crusoé e Abdias do Nascimento, dentre outros, porém focamos nos autores que fizeram literatura com a garra e a marca negra de um sujeito étnico incontestavelmente negro, caso da poesia amplamente divulgada de Solano Trindade, e da verve corrosiva contra a discriminação racial de Eduardo de Oliveira, Carlos de Assumpção e Oswaldo de Camargo. Esses foram alguns dos agentes responsáveis por manter acesa a chama da literatura negrobrasileira no período de 1950 a 1970 e essenciais ao partilharem suas experiências e incentivo para a efervescência que começaria a crescer ao final dos anos 1970, quando, pela primeira vez, escritoras e escritores negros começam a atuar coletivamente em plena noite sangrenta da ditadura.

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I.6 – Contemporaneidade da Literatura Negro-Brasileira: os coletivos literários No auge da ditadura militar, os escritores negros permaneciam atuando da mesma maneira das décadas anteriores, porém, naquele contexto, pós-1964 e principalmente com o recrudescimento do AI-5, mencionar problemas raciais no país enquadrava o cidadão na Lei de Segurança Nacional10. Sobre esse período, Miriam Alves tece as seguintes considerações: As questões raciais estavam sempre presentes nas pautas de discussão, apesar da ordem sociorracial imposta pelo sistema opressão/repressão do Regime Militar – baseada na ideologia da democracia racial, como a representação social preponderante das relações raciais – impedir o questionamento público e a denúncia contra o racismo que os frequentadores dessas entidades, assim como os demais negros do segmento populacional brasileiro, vivenciavam cotidianamente. A autoafirmação cultural negra no regime ditatorial opressivo, no qual o tema racial era proibido e definido como questão de segurança nacional, não traduzia somente uma ação de confronto estético, ideológico, entre outros, mas embutia um fato, essencialmente político, pouco percebido não só por boa parte dos raros intelectuais e pesquisadores que analisavam as questões negro-brasileiras em seus estudos, mas também pela esfera governamental do poder. Havia, de fato, por parte das autoridades brasileiras, a preocupação com relação às atividades das entidades negras, em especial do Movimento Negro, vigiadas com a finalidade de se reconhecer em que medida poderiam ser consideradas subversivas para o Regime Militar (ALVES, 2010, p. 34-35).

Apesar do patrulhamento feroz do período ao movimento negro, na segunda metade da década de 1970, podemos perceber manifestações maiores do resurgimento de organizações negras como o Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN), periódicos negros como o jornal Sinba, a Revista Tição (Porto Alegre), o Jornal Capoeira e o Jornal de Abertura, ambos de São Paulo, assim como o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Também nessa época o Quilombo de Palmares ganha destaque, o movimento negro contemporâneo11 procura dar visibilidade a liderança negras (SILVA, 2006, p. 29), a figura de Zumbi passa a ser exaltada como representativa dos negros e a data de sua morte, dia 20 de novembro, passa a ser reconhecido como o dia da Consciência Negra, tendo especial destaque a atuação do Grupo Palmares12, liderado pelo poeta Oliveira Silveira.

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Amílcar Pereira exemplifica com uma passagem esse período ao comentar sobre a Segunda Assembléia Nacional do MNU, realizada no dia 4/11/1978, em Salvador/BA, pois “sua realização foi proibida pela polícia, amparada pela Lei de Segurança Nacional, que no Decreto-Lei nº 510, de 20 de março de 1969, determinava em seu artigo 33º a pena de detenção de 1 a 3 anos por ‘incitar ao ódio ou à discriminação racial’. A Assembléia acabou sendo realizada nas instalações do Instituto Cultural BrasilAlemanha (ICBA), graças à intervenção de seu diretor, Roland Shaffner. Como o ICBA era considerado território alemão, a polícia brasileira não pôde impedir a realização da Assembléia (...)”. PEREIRA, Amílcar Araujo. “O mundo negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo (1970-1995). Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História, 2010. p. 101. 11 Atacar de forma ostensiva o mito da democracia racial e a “reavaliação do papel do negro na história do Brasil” foram algumas das especificidades do movimento negro contemporâneo, assim denominado pelo historiador Amílcar Pereira, que assinala outras diferenças entre as organizações do passado, tais como a Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro, e as manifestações ocorridas durante o abrandamento da ditadura militar, principalmente as incentivadas pelo Movimento Negro Unificado. Ver PEREIRA, Amílcar Araujo. “O mundo negro”: a constituição do movimento negro contemporâneo (1970-1995). Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História, 2010. pp. 97-99. 12 O Grupo Palmares, da cidade de Porto Alegre/RS, atuou de 1971 a 1978.

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No caso da literatura, a primeira metade da década de 1970 vê surgir o auge da Geração do Mimeógrafo ou Poesia Marginal, contudo, salientamos que os escritores negros, assim como a geração formada por Chacal, Francisco Alvim, Ana Cristina César, entre outros escritores “marginais”, cuidavam da edição, confecção e distribuição dos seus livros ao encontro do que seria o seu público-leitor em um processo à margem do mercado editorial. Porém, os anos passaram-se, os “marginais” chamaram a atenção da crítica acadêmica e começaram a ser publicados pelas editoras, tendo como grande marco dessa virada a antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. “Estranhamos” o fato dos escritores negros não terem sido agregados pelas editoras e pelo meio acadêmico, sendo forçados a permanecer, insistindo e resistindo, com as edições de autor e/ou coletivas. Durante esta década, a literatura negro-brasileira adquiriu dinamismo até então inédito, enfrentando a ideologia da democracia racial propagada pela ditadura militar, que os escritores eram obrigados a utilizar meios “independentes”, para além do fazer literário, cuidavam da diagramação de seus textos, da edição por meios artesanais, distribuição e venda direta ao público leitor em espaços de ampla circulação negra, como os bailes blacks ou escolas de samba, ou em espaços marginalizados desassociados da leitura, dentre outros, como em comunidades, presídios ou casas de recuperação; quando muito lançavam seus títulos por editoras de pouca expressão, entretanto, como os escritores negros demonstravam a discriminação racial em seus textos, foram excluídos pela crítica especializada, pelas editoras e universidades. O ano de 1978 foi crucial para o fortalecimento da literatura negro-brasileira, pois tivemos a manifestação em razão do 90º aniversário da abolição da escravatura, e lançamentos de livros de expoentes dessa vertente literária, tais como “Memória da noite” de Abelardo Rodrigues, “Poemas da Carapinha”, de Cuti, “Cadernos Negros 1”; e no ano seguinte “A descoberta do frio” de Oswaldo de Camargo e “O Arco Íris-Negro”, de José Carlos Limeira e Éle Semog. Sobre o ano de 1978, a ensaísta Moema Parente Augel tece o seguinte: 1978 foi um ano decisivo para o Brasil, envolto nas trevas da ditadura. Começou a delinear-se uma certa abertura política e, entre os muitos acontecimentos marcantes, deu-se também a fundação do Movimento Negro Unificado, na esteira do qual muito em breve se verificou uma extraordinária multiplicação de grupos negros em todo o Brasil, com os mais diversos e diferenciados objetivos, desde agrupamentos com fins políticos a agremiações culturais ou sociais (AUGEL, 2010, p. 157).

Marco incontornável dessa história que une literatura e movimento social negro é o surgimento da série Cadernos Negros, dando início ao fim do isolamento que determinou as gerações anteriores.

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I.7 – Cadernos Negros O início da experiência coletiva de Cadernos Negros naquele ano, então formado por oito escritores - Angela Lopes Galvão, Eduardo de Oliveira, Henrique Cunha, Hugo Ferreira, Célia Pereira, Jamu Minka, Oswaldo de Camargo e Cuti -, ilustra a efervescência sociopolítica estimulada pelo abrandamento da ditadura e das rearticulações de movimentos da sociedade civil. Essa agitação acompanha a ambientação de euforia das independências dos países africanos de língua portuguesa anos antes, dos quais nossos escritores conheciam e dedicavam poemas a líderes e poetas africanos como ao angolano Agostinho Neto13, a denúncia da segregação racial na África do Sul pelo Movimento da Consciência Negra. O prefácio-manifesto (SOUZA, p. 105) de estreia de Cadernos Negros, coloca-nos a par da intensidade da época: A África está se libertando! já dizia Bélsiva, um dos nossos velhos poetas. E nós brasileiros de origem africana, como estamos? Estaremos no limiar de um novo tempo. Tempo de África vida nova, mais justa e mais livre e, inspirados por ela, renascemos arrancando as máscaras brancas, pondo fim à imitação. Descobrimos a lavagem cerebral que nos poluía e estamos assumindo nossa negrura bela e forte. Estamos limpando nosso espírito das idéias que nos enfraquecem e que só querem nos dominar. ‘Cadernos Negros’ marca passos decisivos para nossa valorização e resulta de nossa vigilância contra as idéias que nos confundem, nos enfraquecem e nos sufocam. As diferenças de estilo, concepções de literatura, forma, nada disso pode mais ser muro erguido entre aqueles que encontram na poesia um meio de expressão negra. Aqui se trata da legítima defesa dos valores do povo negro. A poesia como verdade, testemunha do nosso tempo. Neste 1980, 90 anos pós-abolição – esse conto do vigário que nos pregaram – brotaram em nossa comunidade novas iniciativas de conscientização, e ‘Cadernos Negros’ surge como mais um sinal desse tempo de Áfricaconsciência e ação para uma vida melhor, e nesse sentido, fazemos da negritude, aqui posta em poesia, parte da luta contra a exploração social em todos os níveis, na qual somos atingidos. ‘Cadernos Negros’ é viva imagem da África em nosso continente, é a diáspora negra dizendo que sobreviveu e sobreviverá, superando as cicatrizes que assolaram sua dramática trajetória, trazendo em suas mãos o livro. Essa coletânea reúne oito poetas, e a maioria deles da geração que durante os anos 60 descobriu suas raízes negríssimas. O trabalho para a consciência negra vem de muito antes. Por isso, ‘Cadernos Negros’ 1 reúne também irmãos que estão na luta há muito tempo. Hoje nos juntamos como companheiros nesse trabalho de levar adiante as sementes da consciência para a verdadeira democracia racial. 25 de novembro de 1978. (ALVES, 2012, p. 222)

Enfatizando o processo de conscientização da identidade negra, através do poema elevar a autoestima negra, referenciar suas raízes africanas, a poesia engajada como observadora das relações raciais, o prefácio-manifesto passa a ser uma característica da série Cadernos Negros que pretende: Conduzir ou interferir na recepção dos poemas ou contos. O leitor é instado a refletir sobre os aspectos que os autores consideram os mais significativos 13

De José Carlos Limeira podemos citar os poemas “Para Monteiro Lobato” (p. 31) e “Os olhos dos nossos mortos” (p. 45), do livro Atabaques (1983); já de Abelardo Rodrigues, o poema “Sentinela” (p. 17), do livro Memória da noite revisitada & outros poemas (2013).

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Intercalando poesia nos anos pares, contos nos anos ímpares, em 2014 Cadernos Negros atinge a trigésima-sétima edição de forma ininterrupta. As suas cinco primeiras edições (1982) ficaram a cargo de Cuti, responsável por estabelecer contatos, recolher textos, buscar colaboradores para capa, revisão, diagramação e prefaciadores (CUTI, 2010, p. 128). Em 1980, surgiu o grupo Quilombhoje, originalmente formado por Cuti (Luiz Silva), Abelardo Rodrigues, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina e Mário Jorge Lescano. Em 1983, houve um racha no grupo em razão de posições divergentes, uma vez que Oswaldo de Camargo, Paulo Colina e Abelardo Rodrigues desejavam que o Quilombhoje e Cadernos Negros priorizassem mais a literatura e que o texto literário não fosse tão engajado politicamente (COSTA, 2008, p. 33). Com isso, a série passou a ser organizada pelo grupo Quilombhoje, já com outra formação: Cuti, Esmeralda Ribeiro, Jamu Minka, José Alberto (até julho de 1984), Márcio Barbosa, Miriam Alves, Oubi Inaê Kibuko, Sonia Fátima Conceição e Vera Lúcia Alves (CUTI, 2010, p. 129); no ano seguinte, José Abílio Ferreira passou a integrar o grupo. Em 1999, Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro assumiram o Quilombhoje e a organização de Cadernos Negros até os dias atuais. Como características dessa produção literária, a crítica literária Florentina da Silva Souza considera que há uma pequena uniformidade, apesar das divergências, mas que se aproximam quanto à função social da literatura e do viés político. Para além desses parâmetros, a ensaísta afirma que há: construção de uma origem de bases africanas; valorização de costumes, religião e outras tradições herdadas das culturas africanas; resgate de episódios históricos que evidenciam o comportamento heróico de negros na história do Brasil e o trabalho de conscientização do negro no Brasil para a necessidade de assumir uma identidade afro-brasileira, insurgir-se contra o racismo e disputar o acesso aos espaços de poder (SOUZA, 2006, p. 110).

Assim, em suas trinta e seis edições, temos essas características como marcas da literatura negro-brasileira, entretanto, devemos frisar que não quer dizer que escritoras e escritores negros restrinjam suas produções a uma postura de combate incisivo ao racismo, conforme sinaliza Edimilson de Almeida Pereira (2010) que há também uma tendência inventiva partilhada por outros escritores que buscam experimentações com o uso da linguagem, para além da tendência histórica que marca autoras e autores vinculados a Cadernos Negros. Importante mencionar que a publicação coletiva acaba sendo uma saída necessária para autoras e autores negros brasileiros, principalmente os que denunciam a discriminação racial e o mito-ideologia da democracia racial brasileira, pois seus textos não encontram

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espaço no grande mercado editorial, além disso há dificuldade financeira para patrocinar seus livros obrigando-os ao uso de recursos próprios para publicação de seus livros. Isso justifica, na maioria dos casos, a escassa bibliografia, ainda que determinados nomes tenham mais de trinta anos de vida literária, pois devemos considerar os altos custos dos serviços gráficos no Brasil e também valor elevado de distribuir livros pelas principais cidades de um país com dimensões continentais. Sendo assim, naquele momento, a opção de Éle Semog e José Carlos Limeira, como exemplo, de publicar em parceria tinha um forte apelo econômico também, o que resultou em dois livros que hoje são considerados clássicos da literatura negro-brasileira: O arco-íris negro (1979) e Atabaques (1983). Essa dificuldade de publicar era de tal ordem, que o prefácio de Oliveira Silveira (1980) denuncia o tempo levado para viabilização de Atabaques. Nesse sentido, é exemplar o caso de Não vou mais lavar os pratos, livro de poesia de Cristiane Sobral que em apenas seis meses de 2010 conseguiu esgotar a tiragem de mil exemplares, o que originou a segunda edição do livro já em 2011. Podemos considerar este caso como de sucesso editorial, já que foi produzido por uma pequena editora, com as conhecidas dificuldades de distribuição de livros em um país continental como o nosso, e também os impedimentos para atingir as grandes livrarias que preferem ignorar e criam exigências ou empecilhos de diversas ordens para esses potenciais sucessos de venda, que são os livros dessas escritoras negras. Ou seja, a divulgação e a rápida vendagem acontecem em razão da mobilização dos diversos agentes do movimento negro, da rede de contatos entre os apreciadores da literatura negro-brasileira e o bom uso da internet para divulgar o livro no blog da autora, assim como em redes sociais como o Facebook e o Twitter. Nessa nova reconfiguração de facilidade de acesso e ampliação de contatos independentes dos meios tradicionais que a internet possibilita, o crítico literário Silviano Santiago considera que essa redefinição cosmopolita tem como: princípio básico o questionamento da ineficiência e da injustiça cometidas por séculos pelo discurso intelectual e governamental no plano da cidadania nacional. No plano dos marginalizados, a crítica radical aos desmandos do estado nacional, tal como este está sendo reconstituído em tempos de globalização, não se dá mais na instância da política oficial do governo nem na instância da agenda econômica assumida pelo Banco Central, em acordo com a influência coercitiva dos órgãos financeiros internacionais. Ela se dá no plano do diálogo entre culturas afins que se desconheciam mutuamente até os dias de hoje. Seu modo subversivo é brando, embora seu caldo político seja espesso e pouco afeito às festividades induzidas pela máquina governamental (SANTIAGO, 2008, p. 61).

É essa espessura subversiva que concluí em uma declaração de Cristiane Sobral quando disse que “Minha literatura não é fútil, é útil”14 ao apontar a receptividade do seu texto literário e de outras autoras negras para um público feminino negro que ali se espelha. Ainda 14

Declaração de Cristiane Sobral ao autor deste ensaio quando ocorreu o lançamento de Não vou mais lavar os pratos, livro de poesia de Sobral na Kitabu Livraria Negra, em 2011.

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nessa perspectiva de subversão, agora ao imposto pelo mercado editorial canônico, que visualizamos os livros dessas escritoras sendo consumidos rapidamente e depois circulando numa ininterrupta rede de trocas e cópias, pois, infelizmente, essas autoras e as editoras que as publicam não conseguem realizar maiores tiragens por causa dos altos custos de produção. Por causa do nosso pouco espaço, de forma breve mencionamos outros coletivos literários que surgiram nos anos 1970 e na década de 1980, tais como os já citados Palmares (Porto Alegre/RS), Garra Suburbana (Rio de Janeiro/RJ), Negrícia – Poesia e Arte de Crioulo (Rio de Janeiro/RJ) e GENS – Grupo de Escritores Negros de Salvador (Salvador/BA). Todos esses foram marcantes para a formação e divulgação da literatura negro-brasileira. A poesia da geração Cadernos Negros é direta no combate e denúncia ao racismo, como no poema “Ser e Não Ser”, de Oliveira Silveira (1941-2009): O racismo que existe, o racismo que não existe. O sim que é não, o não que é sim. É assim o Brasil ou não? (RIBEIRO; BARBOSA, 2008, p. 108)

A questão identitária aparece como primordial, a afirmação de ser negro é uma reivindicação incontornável, como no poema “Identidade”, de José Carlos Limeira (1951): Houve um tempo em que constava de sua carteira o dado cor na minha: pardaescuracabeloscarapinhados. Diante do espelho, me pergunto que faço com estes lábios grossos, este nariz achatado? Que faço com esta memória de tantos grilhões, destas crenças me lambendo as entranhas? Será que não é demais ter o direito de ser negro? Causa espanto? Pardaescura é o aspecto que vocês deram à nossa história. Morra de susto! Sou, vou sempre ser: NEGRO! ENE, É, GÊ, ERRE, Ó. Aqui, Ó! (SEMOG; LIMEIRA, 1979. p. 45)

A reivindicação de uma literatura produzida por negros inserida no cânone brasileiro é exposta por Cuti (1951) no poema “Tradição”: sob a vasta bigodeira de machado os lábios da raça escondidos acho a lâmina do riso e o discreto escracho em cruz fico muito à vontade para reunir setas de revolta

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Curso de Especialização UNIAFRO: Promoção da Igualdade Racial na Escola Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – Departamento de Letras – Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG) angústias e cravos ensaio o arrombamento de portas com o pé-de-cabra que me empresta com o deboche de sua risada o gama com o lima afio as facas entro na trama solano eu abraço no boi-bumbado socialistado num salto a-rap-iado chego junto com os mano nossa vida muito tato e tutano. (CUTI, 2007, p. 14)

Parte importante desse processo é a ruptura com a estereotipia da personagem negra na literatura brasileira. A intertextualidade é uma ferramenta de conscientização e afirmação identitária como no poema “Outra Nega Fulô”, de Oliveira Silveira, contrapondo-se ao poema “Nega Fulô”, de Jorge de Lima: O sinhô foi açoitar a outra nega Fulô - ou será que era a mesma? A nega tirou a saia, a blusa e se pelou. O sinhô ficou tarado, Largou o relho e se engraçou. A nega em vez de deitar pegou um pau e sampou nas guampas doz sinhô. - Essa nega Fulô! Esta nossa Fulô!, dizia intimamente satisfeito o velho pai João pra escândalo do bom Jorge de Lima, seminegro e cristão. E a mãe-preta chegou bem cretina Fingindo uma dor no coração. - Fulô! Fulô! Ó Fulô!! A sinhá burra e besta perguntou onde é que tava o sinhô que o diabo lhe mandou. - Ah, foi você que matou! - É sim, fui eu que matou – disse bem longe a Fulô pro seu nego, que levou ela por mato, e com ele aí sim ela deitou. Essa nega Fulô! Esta nossa Fulô! (RIBEIRO; BARBOSA, 2008, p. 109-110)

Também crucial nesse processo é o ponto de vista negro para combater as narrativas da história oficial. O uso da poesia como forma de revisitar a história e mostrar que a visão dos

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negros difere, e muito, da visão dos vencedores, de um país branco e racista. Éle Semog (1952) vai direto à questão no poema “Ponto Histórico”: Não é que eu Seja racista... Mas existem certas Coisas Que só os NEGROS Entendem. Existe um tipo de amor Que só os NEGROS Possuem, Existe uma marca no Peito Que só nos NEGROS Se vê, Existe um sol Cansativo Que só os NEGROS Resistem. Não é que eu Seja racista..., Mas existe uma História Que só os NEGROS Sabem contar ... Que poucos podem Entender. (SEMOG; LIMEIRA, 1978, p. 94)

Jamu Minka (1946) expõe uma característica das literaturas negras no mundo, que é o seu caráter transnacional, de perceber a atuação do racismo onde o negro se encontra, pois, conforme Fanon (2008), um negro é um negro em qualquer lugar, por isso o poeta alia-se aos sofrimentos dos negros na África e na diáspora. “Apartheid” é um típico poema negrodiaspórico: humanidade vesga o homem lobo do homem heresia, branquistudo estúpida eurhorrores hipocriazul nos músculos hitlerismo hoje humanidade outra esperança ébanidade heroica azeviche-húmus virando o século • Lumumba • Nkrumah • Touré • Mondlane • Cabral • Biko • Mandela • Moloise • Tutu • Neto (Cadernos Negros 11, p. 42)

Marley Tambo Makeba Nujoma e Samora semente sempre

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Outro ponto essencial para essa geração é a reflexão sobre as consequências do racismo, do ideal de branqueamento, do patrulhamento ininterrupto submetido aos negros e que os leva, muitas vezes, a incorporar o discurso dominante, prejudicando a autoestima. “Quebranto”, poema de Cuti, é significativo desse amadurecimento perceptivo dos poetas e de desvendar as táticas do racismo para oprimir a população negra: às vezes sou o policial que me suspeito me peço documentos e mesmo de posse deles me prendo e me dou porrada às vezes sou o porteiro não me deixando entrar em mim mesmo a não ser pela porta de serviço às vezes sou o meu próprio delito o corpo de jurados a punição que vem com o veredicto às vezes sou o amor que me viro o rosto o quebranto o encosto a solidão primitiva que me envolvo com o vazio às vezes as migalhas do que sonhei e não comi outras o bem-te-vi com olhos vidrados trinando tristezas um dia fui abolição que me lancei de supetão no espanto depois um imperador deposto a república de conchavos no coração e em seguida uma constituição que me promulgo a cada instante também a violência dum impulso que me ponho do avesso com acessos de cal e gesso chego a ser às vezes faço questão de não me ver e entupido com a visão deles sinto-me a miséria concebida como um eterno começo fecho-me o cerco sendo o gesto que me nego a pinga que me bebo e me embebedo o dedo que me aponto e denuncio o ponto em que me entrego. às vezes!... (CUTI, 2007. p. 53-54)

A geração de Cadernos Negros é paradigmática por apresentar uma postura de enfrentamento

ao

racismo,

de

denúncia

à

discriminação

racial,

de

combate

ao

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embranquecimento dos negros, de desvelar os ardis da história oficial, de valorizar as religiões de matriz africana, de incorporar o léxico dos falares africanos e as gírias dos negros das cidades no texto literário, de dizer abertamente que o Brasil é um país racista. I.8 – A importância das antologias e livros de ensaios Se em 2014 ainda urge a necessidade de traçarmos um olhar diacrônico para a literatura negro-brasileira, para isso, basta recordarmos o polêmico artigo do escritor Ferreira Gullar, Preconceito Cultural15, extremamente incomodado com a publicação de “Literatura e afrodescendência no Brasil: uma antologia”, organizada por Eduardo de Assis Duarte. A seguir, um excerto de Gullar: Mas, infelizmente, na literatura, essa descriminação começa a surgir. Não acredito que vá muito longe, uma vez que é destituída de fundamento, mas, de qualquer maneira, contribuirá para criar confusão. Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura. Consequentemente, foi aqui que tomaram conhecimento dela e, com os anos, passaram a cultivá-la. Se é verdade que, nas condições daquele Brasil atrasado de então, a vasta maioria dos escravos nem sequer aprendia a ler (...) (GULLAR, 2011).

O discurso de Ferreira Gullar marca o lugar da fala, da legitimidade e da autoridade de quem fala e em nome de quem fala. O colunista expõe um problema da literatura brasileira que é o da representação, tanto na literatura quanto nas posições de destaque da sociedade brasileira. Não há espaço para o negro na literatura canônica. Representar é falar em nome de outro e quando Gullar determina que não há cabimento, ele está impondo o seu discurso, porque ele é a voz capaz, de maior competência e de esclarecimento no que diz respeito à literatura. Para Michel Foucault, em toda sociedade a produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos, que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 2012, p. 8-9).

Se ao final de 2011, um intelectual como Ferreira Gullar demonstra completo desconhecimento do que foi a experiência de ser negro no Brasil, de que os escravos não aprendiam a ler porque não queriam, mas não aprendiam porque era proibido por lei, de afirmar “não ter cabimento” uma literatura negra no Brasil, podemos fazer um exercício e tentar imaginar o que essa geração surgida ao final da década de 1970 passou. Sendo assim, como eram raras as publicações sobre a literatura produzida por negros, as antologias – publicação coletiva que é, como Cadernos Negros – tornaram-se uma fonte viável de circulação de diversos autores. Tal fato, de certa maneira, estimulou escritoras e escritores a investirem na 15

Artigo publicado na coluna dominical de Ferreira Gullar no caderno Ilustrada, jornal Folha de São Paulo, de 4 de dezembro de 2011. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/12790-preconceito-cultural.shtml > Acesso em: 4 dez. 2011.

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formação acadêmica, tanto que hoje nomes de destaque da literatura negro-brasileira possuem títulos de doutorado em Literatura Comparada, casos de Cuti e Conceição Evaristo. Com isso, Axé – antologia contemporânea de poesia negra brasileira, organizada por Paulo Colina, publicada pela Global Editora em 1982, reúne catorze escritoras e escritores16 de diversos estados, tido como uma proposta do organizador de mostrar que essa poesia pulsa “fora do grande eixo São Paulo-Rio (...) escritores negros espalhados e ilhados em outros Estados deste continente que chamamos Brasil” (COLINA, 1982, p. 7-8). A antologia reúne poetas de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio de Grande do Sul e Paraíba. Naquele momento era importante mostrar o quanto essa vertente literária tinha alcance nacional, assim como era uma forma de celebrar o fim do isolamento que as gerações anteriores vivenciaram. Colina também denuncia a dificuldade de publicar por uma editora, já que apresentação está assinada com a data de 30 de novembro de 1980: Todavia, um, entre milhões de erros históricos, está sendo parcialmente reparado, agora. Somente uma editora que se preocupa com o homem, em valorizar, acima de tudo, a condição humana através da palavra, poderia trazer às mãos do público esta antologia de poesia negra contemporânea brasileira. Não sei quais foram os motivos que levaram a GLOBAL a me honrar com a coordenação deste trabalho. O que importa é que o leitor conhecerá aqui, talvez, não os melhores, ou os mais importantes, mas alguns dos poetas negros atuais de quilate, que brigam constantemente com a palavra no afiador. (COLINA, 1982, p. 7)

Assim, percebemos a necessidade de quebrar a barreira da publicação, de visibilizar essa produção literária feita por negros. Caminho parecido encontrado em A razão da chama – antologia de poetas negros brasileiros, organizada por Oswaldo de Camargo em 1986, pela GRD. Na apresentação da antologia, Camargo justifica a escolha dos vinte e dois poetas17, que sejam negros ou mulatos e que se revelam negros em seus escritos, pois “o momento por que nós negros passamos na Literatura Brasileira exige essa atitude” (CAMARGO, 1986, p. IX). O grande valor desta antologia é ter uma visão diacrônica para a literatura negro-brasileira, resgatando nomes dos séculos XVIII e XIX aos chamados “novíssimos”. No centenário da abolição da escravatura, uma importante antologia foi publicada para além dos limites territoriais do Brasil, em edição bilíngue alemão-português, a Drª Moema Parente Augel organiza Schwarzie Poesie – Poesia Negra18, sob a chancela da Edition diá (1988) tendo esgotado a primeira tiragem com apenas três meses de circulação no solo alemão totalizando a venda de três mil exemplares. Com o sucesso de público e crítica literária 16

Em Axé estão presentes Abelardo Rodrigues (SP), Adão Ventura (MG), Arnaldo Xavier (PB), Cuti (SP), Éle Semog (RJ), Geni Mariano Guimarães (SP), José Alberto (SP), José Carlos Limeira (RJ), Maria da Paixão (SP), Miriam Alves (SP), Oliveira Silveira (RS), Oswaldo de Camargo (SP), Paulo Colina (SP) e Ruth Souza (SP). 17 N’A Razão da Chama encontram-se Domingos Caldas Barbosa, Luiz Gama, Gonçalves Crespo, Cruz e Souza, Lino Guedes, Eduardo de Oliveira, Carlos Assumpção, Oswaldo de Camargo, Oliveira Silveira, Adão Ventura, Geni Mariano Guimarães, Paulo Colina, José Carlos Limeira, Cuti, Miriam Alves, Abelardo Rodrigues, Éle Semog, Jônatas Conceição da Silva, Ronald Tutuca, José Luanga Barbosa, J. Abílio Ferreira. 18 Na Schwarzie Poesie estão incluídos os seguintes poetas: Abelardo Rodrigues, Adão Ventura, Arnaldo Xavier, Cuti, Éle Semog, Geni Guimarães, Jamu Minka, Jônatas Conceição da Silva, José Alberto, José Carlos Limeira, Lourdes Teodoro, Márcio Barbosa, Miriam Alves, Oliveira Silveira, Oswaldo de Camargo e Paulo Colina.

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alemães, alguns dos antologiados foram convidados para ministrar palestras em universidades de diferentes cidades para falar da literatura brasileira e de ser negro escritor, assim como os poemas foram recitados em rádios locais e até um disque-poema19 que disponibilizava poesia negro-brasileira para o ouvinte. Outra publicação de grande repercussão foi Poesia negra brasileira – antologia, de Zilá Bernd, em 1992, assim como a Schwarzie Poesie, esta apresenta a visão da crítica acadêmica para essa vertente literária. A organizadora critica a pouca valorização da autoria negra na história literária oficial e a não inclusão desses autores nos currículos escolares, e na quase inexistência de antologias e bibliografias sobre literatura negra brasileira, algo que dista de outros países que têm população negra e se encontra com facilidade antologias de escritores negros (BERND, 1992). A antologia reúne treze autores20 e encerra mencionando três coletivos literários; expõe um olhar diacrônico para essa vertente literária, separada por eixos temporais e subdivididos por temas, apresenta comentários críticos para cada escritor e traz o conceito de literatura negra21 para a organizadora. Durante a década de 1980 as escritoras e os escritores negros viram-se obrigados a teorizar a literatura que faziam, o que era literatura negra ou afro-brasileira, a existência de um eu-enunciador negro, as rasuras da literatura brasileira, a estereotipia da personagem negra nos clássicos da nossa literatura, entre outras questões, Raça e cor na literatura brasileira (1983), do brasilianista David Brookshaw, os debates para as edições de Cadernos Negros, tendo o próprio Quilombhoje publicado o livro Reflexões sobre a literatura afro-brasileiro (1985) com ensaios dos seus integrantes; o livro O Negro Escrito – apontamentos sobre a presença do negro Literatura Brasileira (1987) de Oswaldo de Camargo e que ainda incluía uma antologia ao seu final; de Zilá Bernd, Introdução à Literatura Negra (1987) e Negritude e Literatura na América Latina (1988); de Benedita Gouveia Damasceno intitulada Poesia Negra no Modernismo Brasileiro (1988); e principalmente nas três edições do Encontro de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros, de 1985 a 1987, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Petrópolis (RJ). A primeira edição originou o livro de ensaios Criação crioula, nu elefante branco (1987); a seguinte chegou a ter uma edição mimeografada, intitulada Corpo de negro, rabo de brasileiro (CUTI, 2010, p. 130). Com o passar dos anos, principalmente neste século XXI, temos, dentre outras, as antologias de Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa, Quilombo de Palavras – a literatura dos afrodescendentes, de Fernanda Felisberto temos Terra de Palavras (2004), e Negrafias – literatura e identidade (2008), de Marciano Ventura; Cadernos Negros Melhores Poemas 19

Informação passada pelo poeta José Carlos Limeira, em sua residência, com o autor deste ensaio em outubro de 2012. São eles: Luiz Gama, Cruz e Sousa, Lino Guedes, Solano Trindade, Eduardo de Oliveira, Oswaldo de Camargo, Domício Proença Filho, Cuti, Miriam Alves, Oliveira Silveira, Antônio Vieira, Paulo Colina, Abdias do Nascimento; os coletivos literários são Quilombhoje, Negrícia e Poetas Baianos. 21 (...) em nossa perspectiva, não será apenas a utilização de uma temática negra (o negro como objeto), nem a cor da pele do escritor (critério epidérmico) que caracterizariam a existência de uma literatura negra, mas a emergência de um eu-enunciador que se assume como negro no discurso literário (BERND, 1992, p. 13) 20

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(1998) e Melhores Contos (1998); os livros de ensaio de Maria Nazareth Soares Fonseca, Brasil afro-brasileiro (2000) e Poéticas afro-brasileiras (2002) em parceria com Maria do Carmo Lanna Figueiredo; Literatura afro-brasileira, de Maria Nazaré Lima e Florentina da Silva Souza, entre tantos outros que mostram a efervescência que a literatura negro-brasileira vivencia nos dias atuais, porém, ainda distante do satisfatório e que a integre como referência natural na literatura brasileira. I.9 – O pluralismo dos poetas transnegressores: Arnaldo Xavier, Oliveira Silveira, Paulo Colina, Edimilson de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo e Ronald Augusto Desde seu surgimento e após trinta e seis anos de publicações ininterruptas, Cadernos Negros tornou-se o grande referencial para a literatura negro-brasileira contemporânea, tanto que nas edições mais recentes passamos a ter acesso a autoras e autores negros nascidos depois do surgimento do número inicial, com as mesmas propostas de ativismo social e recursos estéticos e temáticos constantes no prefácio da primeira edição, reconfigurando o espaço da antologia como um interessante encontro de gerações, uma vez que nomes históricos como Esmeralda Ribeiro, Cuti e Márcio Barbosa, dentre outros, continuam participando ativamente da série. Entretanto, esse predomínio de Cadernos Negros é obrigado a conviver com críticas de diferentes prismas, muitas por não engolirem a denúncia sistemática do racismo brasileiro, logo, fora do delírio de harmonia racial almejado pela elite brancocêntrica. Por outro lado, no campo literário, autoras e autores vinculados a Cadernos Negros são acusados de produzirem uma literatura sem conseguimento estético, pobre de recursos que fazem da experimentação com a linguagem aquilo que se considera como literariedade. Contudo, a literariedade possui estratégias de exclusões implícitas e aqui podemos citar o uso correto da norma culta da língua, o lugar de onde vem o(a) autor(a), sua profissão, grau de instrução, atividade que exerce, as referências a uma suposta literatura universal, entre outros critérios que legitimem o lugar de um(a) escritor(a). (DALCASTAGNÈ, 2012). Entre a falta de ou o excesso de, a literatura negro-brasileira de Cadernos Negros segue firme com seus ideias estético-formais e temáticos, ciente de que muitas das acusações são oriundas de olhares pré-determinados que enquadram a literatura em um meio restrito, hostil às diferenças. Porém, essa vertente literária possui uma diversidade enorme, muitas vezes não reconhecida inclusive pela recepção crítica da literatura negro-brasileira exatamente por não ter essa dimensão de combate ininterrupto à discriminação racial (AUGUSTO, 2010). Com isso, essa crítica deixa de considerar importantes autores que radicalizam suas propostas, buscando diferentes formas de expressar o seu sujeito étnico negro, são os transnegressores.

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Transnegressão é um feliz neologismo do poeta Arnaldo Xavier constante do seu livro de poesia Lud Lud e título de um ensaio bastante provocador e necessário de Ronald Augusto. Transnegressão tenta dar conta – através da justaposição de vocábulos (negro + transgressão), ao estilo da montagem cinematográfica – de uma proposta estética interessada em lesar tanto as ideias feitas que orientam nossas filosofias de vida quanto à imagem de um cânone totalizante, “universal”, vantajoso (para quem?) a ponto de poder ser aplicado em qualquer tempo-espaço (AUGUSTO, 2010, p. 434).

Arnaldo Xavier, poeta paraibano (1948-2004), fez uso do experimentalismo e do diálogo com a poesia visual-concreta de forma explícita, afastando-se da linguagem direta da poesia engajada. Seus livros apresentam imagens transgressoras, de subversão constante da linguagem, dentre outros, mencionamos Roza da Recvsa (1982) e Lud Lud (1997), livros que merecem urgente revisita por parte da crítica. O poema a seguir é direto no seu propósito e não necessita de maiores explicações, apenas o dado que o número 1888 é repetido trinta e três vezes (AUGUSTO, 2010) 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 1888 (AUGUSTO, 2010, p. 435)

Paulo Eduardo de Oliveira, nome do escritor Paulo Colina (1950-1999), nasceu em Colina-SP, a 9 de março de 1950 e faleceu em São Paulo no dia 8 de outubro de 1999. Participou das primeiras edições de Cadernos Negros e foi um dos fundadores do grupo Quilombhoje. Atuou na prosa, poesia, ensaio, teatro e organizou a antologia Axé (1982). Da sua lavra, destacamos os livros Plano de voo (1984) e A noite não pede licença (1987). Foi profundo conhecedor da forma poética japonesa tankas, sendo inclusive exímio tradutor desse estilo de poesia. O poema Primeira regra de voo dialoga com o poder de síntese vocabular e as imagens aparentemente dispersas de cada verso: Quando sonhamos com o horizonte, a precisão é fundamental (COLINA, 1984, p. 33)

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Oliveira Ferreira da Silveira, nome de Oliveira Silveira (1941-2009), teve grande atuação na articulação dos coletivos literários, atuou no Grupo Palmares de 1971 a 1978, participou da revista Tição e do grupo Semba, foi idealizador do dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como o Dia Nacional da Consciência Negra. Com enorme prestígio no meio literário negro, escreveu ensaios, prefaciou livros e chegou a traduzir o Cahier d’um retour au pays natal, de Aimé Césaire. Seu livro Roteiro dos tantãs celebra as diferentes manifestações negras de África e de sua diáspora não se descuidando das raízes negro-brasileiras “usando a estratégia da dissimulação, Oliveira persegue – numa espécie de revanche secreta – uma linguagem negra formalmente ousada, a par de ser contemporânea e universal” (AUGUSTO, 2012, p. 28). Trazemos o exemplo de sua inventividade e diálogo com o concretismo impregnado pela religiosidade afro-brasileira no poema “Atabaques”:

(AUGUSTO, 2012, p. 154)

Infelizmente, os três poetas acima já não se encontram entre nós, mas suas obras deixaram importantes seguidores que continuam propondo o esgarçamento da literatura negrobrasileira. O mineiro Ricardo Aleixo (1960) é um desses casos de poeta de múltiplos e ousados recursos que não descuidam da crítica contundente à discriminação racial

eles que são brancos e os que não são eles que são machos e os que não são eles que são adultos e os que não são eles que são c r i s t ã o s e o s q u e n ão s ã o e l e s q u e s ã o ricos e os que não são todos os que são mas não acham que são como os outros que se entendam que se ex pl i quem que se cui dem que s e

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Curso de Especialização UNIAFRO: Promoção da Igualdade Racial na Escola Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – Departamento de Letras – Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG) (AGUSTONI, 2010, p. 483)

O poema inverte as posições ao falar dos brancos, mas direcionando-se aos negros, além disso, ainda aproveita-se do aspecto visual para causar ainda maior incômodo ao leitor, pois evidencia o seu tom de ameaça e os significantes da cor preta e do ser negro vêm à tona, desconfortando outras cabeças (AGUSTONI, 2010). Reescrever a experiência histórica da escravidão é outra marca do texto negrobrasileiro, visto que o texto canônico suaviza, quando simplesmente omite, o processo de dor e sofrimento dos negros forçados a trabalhar para que se realizasse a construção do Brasil colonial. Nesse sentido, Edimilson de Almeida Pereira (1963), com sua cuidadosa artesania da linguagem, vale-se da ironia para tensionar uma versão da história que difere da consagrada oficialmente no poema “Ouro Preto (roteiro de interpretação)”: Ao contemplar o barroco das igrejas e a rouquidão do ouro, o visitante olhar não funde o corpo ao tempo: outeiros tão escuros e não compreende o silêncio de um totem antes jamais percebido. O barroco não é o cansaço do ouro mas o direito do explorado corpo.” (BARBOSA, 2011, p. 410)

Ronald Augusto (1961) é poeta, músico e ensaísta, já com longo percurso poético remetendo ao início dos anos 1980, possui uma obra ensaística de enorme apuro e aguçada percepção literária, também participa ativamente dos debates raciais brasileiros. A questão racial aparece com frequência em suas obras, mas sem a centralidade e a linguagem mais engajada de outros nomes de sua geração inserida na literatura negro-brasileira. A obra poética de Ronald Augusto distancia-se dessa vertente literária por não explicitar essas questões, estando dentro e fora, abrindo-se para o que chamamos de pluralismo dos transnegressores, conjunto de poetas negros brasileiros com obras mais comprometidas com a reinvenção da linguagem, ainda que tenha uma vertente historicista também acentuada (PEREIRA, 2010), arriscando-se por caminhos complexos que, muitas vezes, o discurso engajado não proporciona. Essencial para nossa análise as considerações da crítica literária Prisca Agustoni (2010) acerca da poesia não-verbal de Ronald Augusto, uma vez que seus poemas se tornam imagens de extrema estilização, pois codificam signos das religiosidades afro-brasileiras, característica que revela o profundo conhecimento do poeta neste campo. Dentre os poemas de Ronald, alguns são dedicados aos orixás, caso de “Ogum”:

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(AUGUSTO, 2012, p. 93)

Importante destacar que para análise desses poemas, Agustoni (2010) necessitou conversar com o poeta para que lhe passasse explicações, somente a partir daí que foi possível desenvolver seu pensamento crítico. No caso do poema supracitado, este aparece sem título no livro “Cair de Costas” e na sua primeira versão, em “Puya” (1987). Há no poema a supressão total da letra, abstraindo-a, assim o poema transforma-se em ícone. Agustoni recorre ao crítico literário Cândido Rolim (2012) que já havia afirmado o caráter radical de síntese na poética de Ronald, alcançando a sua extremidade neste poema “Ogum”, que a faz considerar que o poema passa do poema-verbo para o poema-escultura, ainda que preso à bidimensionalidade da folha de papel. A percepção do poema se dá com as referências ao ferro e aos instrumentos utilizados pelos ferreiros, pois “Ogum é o orixá do ferro e da metalurgia, o campo semântico relativo ao ferro e aos instrumentos forjados neste metal remete às suas características” (AGUSTONI, 2010, p. 502). Diante disso, a referida crítica considera o trabalho desenvolvido por Ronald com um nível de experimentalismo e conceitualismo refinado, aguçado, que necessita do reconhecimento por parte do leitor desses códigos que circulam pelo Atlântico Negro. Agustoni frisa ainda que a especificidade da poesia de Ronald é experimentar, ousar com a linguagem dentro das nossas tradições negras, rasurando a experiência concreta brasileira focada nos ideogramas da cultura chinesa. Estes foram alguns dos breves exemplos de autores que ampliam o conceito de literatura negro-brasileira e mostram que as vanguardas, os experimentalismos estético-formais também estão contidos nesses poetas que não deixam de ser engajados, ainda que sem a veemência dos vinculados a Cadernos Negros. É essa diversidade dos artífices da literatura negro-brasileira que procuramos apresentar, mostrando que os cuidados estético-formais também integram as obras literárias desses agentes, ainda que a crítica canônica insista em afirmar o contrário, muitas vezes por total falta de conhecimento, por não realizar as leituras desses autores, agindo e reforçando as estratégias do racismo calcadas em ideias preconcebidas que se desmancham diante de um olhar mais sensível e menos discriminatório.

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A literatura negro-brasileira resiste, insiste e se renova rasurando as certezas da literatura brasileira. Foi assim nos séculos passados e continua firme e determinada em nossos dias.

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