Por detrás da sátira: uma análise político-cultural através de charges

July 24, 2017 | Autor: Jaqueline Hansen | Categoria: Cultura política, Charges
Share Embed


Descrição do Produto

i

UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo.

JAQUELINE RESMINI HANSEN

Por detrás da sátira: uma análise político-cultural através de charges.

TOLEDO-PR 2012

ii

UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo.

JAQUELINE RESMINI HANSEN

Por detrás da sátira: uma análise político-cultural através de charges. .

Trabalho apresentado como pré-requisito de conclusão do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo, tendo como orientador o Professor Dr. Gustavo Biasoli Alves.

TOLEDO-PR 2012

iii

FICHA CATALOGRÁFICA

Biblioteca da Universidade Estadual do Oeste do Paraná HANSEN, Jaqueline Resmini. Por detrás da sátira: uma análise político-cultural através de charges./ Jaqueline Resmini Hansen; orientação Prof. Dr. Gustavo Biasoli Alves, 2012.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Unioeste de Toledo.

1.Ciência Política. 2. Análise Critica do Discurso. 3. Charges

ii

TERMO DE APROVAÇÃO

JAQUELINE RESMINI HANSEN

Por detrás da sátira: uma análise político-cultural através de charges.

Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, pela banca examinadora formada por:

____________________________ Orientador: Professor Doutor Gustavo Biasoli Alves UNIOESTE/TOLEDO

____________________________ Professor Doutor Geraldo Magella Neres UNIOESTE/TOLEDO

____________________________ Professor Doutor Wander Amaral Camargo UNIOESTE/CASCAVEL

Toledo, 22 de novembro de 2012.

3

Dedico este trabalho ao irmão que não tive, e a vida me deu: Everton Luis Mikalzenzen Strapasson (in memorium).

4 AGRADECIMENTOS A execução deste trabalho só foi possível devido à colaboração de algumas pessoas que passaram pela minha vida, desde amigos, familiares e professores de todas as etapas escolares. Por isso gostaria de agradecer em especial alguns deles, principalmente meus pais, Lourdes Resmini Hansen e Jorge Luiz Hansen. pela educação e valores que passaram para mim, pelas condições materiais e simbólicas que me propiciaram para que eu pudesse fazer a minha graduação da melhor maneira possível, e em especial para a minha mãe que desde pequena me acompanhou na escola, me incentivou a leitura e o amor pelos livros. Minha irmã Gisele Resmini Hansen, que além de amiga é também companheira de ciências sociais merece todos os agradecimentos possíveis, pois muitas das minhas angustias acadêmicas, discussões, interpretações e conclusões foram antes, ainda de forma incongruente, despejadas em seus ouvidos. E, também, a minha tia Relindes Jacoby Resmini, com a qual compartilhei inúmeros momentos da minha formação. Agradeço aos meus amigos de Cascavel, mas principalmente a amiga Taisa Bueno, que mesmo não sendo da área de humanas sempre foi muito receptiva as minhas descobertas acadêmicas, angústias e conclusões. Aos meus amigos de graduação Juliana Almeida Matos, Kamila Guimaraes Schneider e Tcharles Gonçalves Schmidt pelos momentos de tensão e descontração, pelas felicidades e conflitos encarados juntos. Agradeço também aos colegas de sala que apesar de todas as diferenças foram quatro anos juntos. Aos veteranos, calouros e colegas de ciências sociais, principalmente, a Fernanda Pamplona Ramão, Franciele Cristina Neves, Laysmara Carneiro Edoardo e Naara Raquel Mingori, pelas diversas conversas, conselhos e cervejas, e também, o pessoal do xerox Michele Igreja e Rafael Igreja e ao amigo Tiago Klaus pela companhia nas noites em Toledo. E, um agradecimento especial a secretária da coordenação do curso Débora Saling, pelas conversas acompanhadas de cafés, chás e bolachinhas. Todos vocês tornaram esses quatro anos muito mais agradáveis.

5 Agradeço a todos os professores do curso de ciências sociais que de alguma forma sempre cooperaram com minha formação, mas principalmente, meu orientador Gustavo Biasoli Alves pelos quatro anos trabalhando juntos com os quais cresci academicamente e também no âmbito pessoal.

As

professoras de Laboratório de Pesquisa, Iara Schneider e Rosangela Silva, as quais me ajudaram muito nas formulações dos meus inúmeros projetos até que conseguisse me consolidar neste. Também, aos professores Allan de Paula Oliveira e Eric Gustavo Cardin os quais foram responsáveis por cobrir algumas falhas que ocorreram no processo de formação acadêmica, fazendo as amarras necessárias.

6

RESUMO

Neste trabalho procuro desenvolver um exercício critico analítico do discurso chárgico das charges vencedoras do concurso “As melhores charges do ano” promovido pelo jornal paranaense Gazeta do Povo em 2011. O objetivo consiste em identificar os diálogos entre: as estruturas políticas, as representações sociais do publico-leitor e o discurso chárgico. Para tanto, defino os conceitos de democracia, cultura política e mídia, apresentando as particularidades

deles

na

sociedade

brasileira,

além

de

apresentar

considerações sobre o poder social, o poder simbólico do discurso, ideologia, manipulação e acesso, categorias importantes para efetivação da técnica de análise crítica do discurso que utilizada. Palavras-chave: Democracia. Mídia. Cultura Política.

7

ABSTRACT

In this paper I try to develop an exercise critical analytical discourse chárgico the cartoons winners of the contest "The best cartoons of the year" promoted by the newspaper Gazeta do Povo in 2011. The goal is to identify the dialogues between: the political, the social representations of public-reader and discourse. To do so, define the concepts of democracy, political culture and media, giving them particularities in Brazilian society, and presents considerations about social power, the symbolic power of discourse, ideology, manipulation and access important categories for effective technique critical discourse analysis that used.

Keys-word: Democracy. Media. Political Culture

8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Charge 01 – O contraditório império brasileiro .................................................... 48 Charge 02 - Lei Áurea: a abolição da escravidão................................................. 49 Charge 03 – A questão da imigração ................................................................... 50 Charge 04 – A lógica democrática brasileira. ....................................................... 50 Charge 05 – O “voto de cabresto” ........................................................................ 51 Charge 06 – Getúlio Vargas defende sua política autoritária. ............................. 51 Charge 07 – O verdadeiro direito ao voto. ........................................................... 52 Charge 08 – O fim do Estado novo. ..................................................................... 52 Charge 09 – O dom de Vargas............................................................................. 53 Charge 10 – A volta democrática de Getúlio. ....................................................... 54 Charge 11 – As metas de JK................................................................................ 54 Charge 12 – Governo militar versus liberdade. .................................................... 55 Charge 13 – Morre a democracia. ....................................................................... 55 Charge 14 – As “conversas” da ditadura. ............................................................. 56 Charge 15 – O AI-5 .............................................................................................. 56 Charge 16 – A transição democrática. ................................................................. 57 Charge 17 – Brasil: o grande devedor. ................................................................. 57 Charge 18 – Saindo do labirinto ........................................................................... 58 Charge 19 – Diretas Já! ....................................................................................... 58 Charge 20- A eleição de Tancredo Neves. ......................................................... 59 Charge 21- 100 anos de abolição. ....................................................................... 59 Charge 22 – A nova constituição.......................................................................... 60 Charge 23 – O caso Collor. .................................................................................. 60 Charge 24 – A reeleição. ..................................................................................... 61 Charge 25 – As privatizações............................................................................... 61 Charge 26 – A eleição de Lula. ............................................................................ 62 Charge 27 – O “homi” e o poder........................................................................... 62 Charge 28 – Ademir Paixão ................................................................................. 80 Charge 29 - Tiago Recchia................................................................................... 82

9 Charge 30 – Bennet. ............................................................................................ 84

10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 - Evolução da confiança no parlamento em alguns países latino – americanos (1984-2008) ...................................................................................... 24 Gráfico 02 - Evolução da confiança nos partidos politicos em alguns paises latino-americanos (1984-2008)............................................................................. 25 Gráfico 03 - Evolução da confiança no judiciário em alguns países latinoamericanos (1984-2008) ...................................................................................... 25 Gráfico 04 - Evolução da confiança nos serviços públicos de alguns países latino-americanos. (1984 – 2008). ........................................................................ 26 Gráfico 05 - Os significados de democracia (%) Brasil. ....................................... 27 Gráfico 06 - Tipologias de atitudes politicas. ........................................................ 34 Gráfico 07 - Percentual de domicílios com alguns bens existentes, no total de domicílios particulares permanentes – Brasil 2000/2010. .................................... 42 Gráfico 08 - Hábito de leitura de jornal e revista, no Brasil. ................................ 44

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - A mídia nas narrativas sobre o declínio da confiança na classe política .................................................................................................................. 39

LISTA DE TABELAS

Tabela 01- Conteúdos Associados com a democracia- respostas estipuladas (%)1993-2006 TABELA MODIFICADA ................................................................ 28 Tabela 02 - Tipos de público, de acordo com a penetração da mídia e escolarização. ...................................................................................................... 42 Tabela 03 - Hábito de leitura de jornal, por renda familiar mensal ...................... 44

11 SUMÁRIO 1 Introdução ........................................................................................................ 14 2 DIÁLOGOS ENTRE A DEMOCRACIA, CULTURA POLÍTICA E MÍDIA NO BRASIL ................................................................................................................ 17 2.1. DEMOCRACIA: INSTITUIÇÕES, PROCEDIMENTOS E CONTEÚDOS ...... 17 2.1.2 Entre vários tons: olhando para o caso das jovens democracias latino americanas ............................................................................................... 23 2.2 CULTURA POLÍTICA: CULTURALIZANDO A POLÍTICA E POLITIZANDO A CULTURA ......................................................................................................... 29 2.2.1 Entre patrimonialismo, clientelismos e “surtos” democráticos emerge uma cultura política .............................................................................. 32 2.3.

MÍDIA:

INFORMATIVO

FORMADOR

DE

OPINIÃO

OU

ARMA

MANIPULADORA? ............................................................................................... 35 2.3.1 Brasil, diversos sabores filtrado por poucos ......................................... 40 2.3.2 Entre a notícia e a opinião, a charge ....................................................... 45 3. HISTÓRIA DO BRASIL E AS CHARGES, UM BREVE RESGATE ................ 48 4. CHARGES: PARA ALÉM DAS SÁTIRAS, UM DISCURSO E UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL .............................................................................. 63 4.1 UM OLHAR CRÍTICO AO DISCURSO: TEORIAS E TÉCNICAS................... 64 4.1.1 As relações entre discurso e poder ......................................................... 66 4.1.2 Discurso, sociedade e cognição .............................................................. 69 4.2. ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO CHÁRGICO: UMA CRÍTICA DA CRÍTICA ............................................................................................................... 70 5. DOSSIÊ: O LADO OCULTO DAS CHARGES ............................................... 76 5.1. GAZETA DO POVO: NOTÍCIAS, DEMANDAS E IMAGENS DO PARANÁ ............................................................................................................................. 77 5.1.1 Os homens da sátira: Paixão, Recchia e Benett. .................................... 78 5.2. “AS MELHORES CHARGES DO ANO” - INFORMAÇÃO E OPINIÃO NO DISCURSO CHÁRGICO DA GAZETA DO POVO ............................................... 79 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 89 7. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 92

14

1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa se propõe a analisar criticamente como as charges, – um humor de cunho político veiculado em diversas mídias –, podem expressar interpretações político-culturais das estruturas politicas brasileiras. A pertinência do tema está na questão de que entendendo como a população brasileira pensa a democracia, e como ela se efetiva no país, contrapondo estas com um ideal democrático, tem se respaldo para chegar a conclusões quanto à interlocução entre a representação das charges, a opinião pública e a cultura política. Atualmente, vivemos em uma sociedade permeada por diversidades culturais, religiosas, políticas, entre inúmeras outras. Vivemos, também, em uma sociedade tecnológica, na era da informática, das grandes possibilidades de acesso ao mundo, - embora uma parcela da população tenha mais acesso que a outra -, as notícias e informações aparecem a cada momento das mais variadas formas em jornais impressos, televisivos, na internet, enfim, em diversos tipos de mídias. Neste sentindo, acredita-se que a sociedade atual é a que mais indivíduos têm com

mais espaço para ação política, para se

expressar criativamente, se manifestar, em relação a configurações políticosociais anteriores. Portanto, vivemos teoricamente e institucionalmente em uma sociedade democrática, pois, respeitamos alguns quesitos propostos pela literatura especializa para configurar uma democracia, tais como: eleições livres, limpas e competitivas; respeito aos direitos fundamentais, e um crescente respeito às diversidades. Entretanto, a sociedade brasileira mantém em seu cerne alguns pontos de uma prática autoritária, principalmente, o clientelismo e o patriarcalismo, porém, atualmente, devido à liberdade de expressão garantida pela democracia, críticas à política, economia e a diversos outros setores tem aparecido em maior quantidade. Assim sendo, a mídia tem um papel fundamental neste processo, pois, ela é o veículo dessas informações, e portanto, atua diretamente na formação da opinião publica. Todavia, existe uma vertente da mídia, a que produz um discurso satírico e humorístico, que parece atuar não só na formação da opinião pública, mas ser uma representante

15 dessa opinião, como é o caso das charges, haja vista que, é uma interpretação da realidade social pelo cartunista, que gera uma identificação do público com aquele desenho maior que a de um texto. Assim as charges, por meio da sátira, abrem um diálogo entre as percepções do público-leitor e as estruturas político-culturais do Brasil, o nível deste, ou seja, a graça do discurso chárgico vai depender do contexto, das representações mentais e sociais do indivíduo, do acesso a diferentes discursos, bem como a formação do mesmo, fatores que influenciam diretamente na interpretação da charge. Por isso, procura-se verificar como este diálogo entre o público e as estruturas pode ocorrer. Uma característica da charge é seu humor dual, que é cômico soft e descontraído, capaz de legitimar as mazelas da política brasileira, as quais são expostas criticamente através do lado cômico hard e cínico. Neste sentido, o discurso chárgico demonstra duas possíveis interpretações da sociedade sobre determinado fato, uma primeira, manipuladora e uma segunda, que geralmente escracha alguma estrutura politica

social,

cultural ou

econômica. Se

a

sociedade percebe

as

incongruências do sistema político brasileiro e, ainda assim, continua acreditando, que o simples ato de votar em eleições presidenciais, estaduais ou municipais a cada dois anos nos faz um país democrático é porque, talvez, a contradição esteja nos próprios eleitores, os quais podem expressar uma tendência em acreditar nos ideais democráticos, embora, não acredite nas instituições democráticas, propiciando um desafeto político. O presente trabalho se divide em quatro partes para elucidar como podem interagir a sociedade (público-leitor), o discurso, (charge) e o poder (estruturas políticas). A primeira parte denominada “Diálogos entre a democracia, cultura política e mídia no Brasil”, traz discussões acerca das maneiras que as Ciências Sociais, principalmente, a Ciência Política, já analisaram estes conceitos unidos às particularidades de cada um deles na sociedade brasileira. Já na segunda, “História do Brasil e as charges, um breve resgate” expõe um apanhado de charges políticas publicadas no Brasil desde o Segundo Império até os dias atuais com o intuito de ilustrar a presença constante do discurso chárgico na imprensa brasileira. A terceira parte denominada “Charges: para além da sátira, um discurso e uma representação social” discute-se o aporte teórico e metodológico da

16 técnica de Análise Crítica do Discurso (ACD), bem como, sua relevância para análise do discurso chárgico. E por fim, a quarta parte, “Dossiê: o lado oculto das charges” trazendo considerações sobre a Gazeta do Povo, jornal veículo das charges analisadas, além de relatar brevemente sobre os três chargistas: Paixão, Recchia e Bennet. Finalizando-o com o exercício critico-analítico do discurso chárgico das três primeiras colocadas do concurso “As melhores charges do ano” promovido na última quinzena de dezembro de 2011.

17

2. DIÁLOGOS ENTRE A DEMOCRACIA, CULTURA POLÍTICA E MÍDIA NO BRASIL. Este primeiro capítulo é dedicado à apreciação de conceitos chave para a posterior análise crítica do discurso chárgico, neste sentido, serão discutidos e relacionados com a realidade brasileira os conceitos: democracia, cultura política e mídia. 2.1 DEMOCRACIA: INSTITUIÇÕES, PROCEDIMENTOS E CONTEÚDOS. A Ciência Política é uma vertente das Ciências Sociais que surgiu com o intuito de teorizar o Estado, como por exemplo: o caso de Maquiavel, Rosseau, Locke, Hobbes, e todos os contratualistas. Com a consolidação dos Estados, a Ciência Política passou a considerar questões como, a participação dos indivíduos no Estado, as instituições, as formas de regime. Portanto, a democracia é um tema recorrente na literatura política, e está em constante apreciação e contraposição com a realidade vivida. Assim, existe uma vasta literatura acerca deste conceito, o qual foi abordado por diferentes vertentes de interpretação, que se resumem em dois grandes grupos: os institucionalistas e os culturalistas. A vertente institucionalista define a democracia a partir de suas instituições e o respeito às regras do jogo, não desconsiderando os valores e crenças da população, mas isto não explica a democracia, é uma consequência dos procedimentos institucionais. Robert Dahl e Adam Przeworski são dois grandes nomes dessa linha, o primeiro deles entende a democracia como um sistema em que os cidadãos são politicamente iguais, e o governo têm como responsabilidade atender as preferências da população. Neste sentido, Dahl (1997) desenvolve o termo Poliarquia para designar o que seria a democracia real e não idealizada, ou seja, um regime popularizado e liberalizado (inclusivo), e amplamente aberto às contestações populares.

18 Já

Przeworski

(1994)

define

a democracia

a

partir de três

pressupostos: (1) “um sistema de resolução de conflitos”; (2) é um regime em que sempre haverá ganhadores e perdedores; (3) uma competição organizada. O primeiro pressuposto se explica pela necessidade de espaços para contestação pública o que vai gerar ou não conflitos. Assim, um dos aspectos mais importantes da democracia é a necessidade de ganhadores e perdedores – o segundo pressuposto -, porque o que legitima a democracia são as eleições e o sufrágio universal. Já o terceiro pressuposto, ser uma competição organizada, se explica, pois, os resultados são incertos – existe a possibilidade de prevê-los, mas o resultado final não é uma certeza -, pois a democracia depende exclusivamente da força política, ou seja, o povo que age por meio do voto para que os resultados sejam representações de seus interesses e valores. Assim, tanto para Przeworski, como para Dahl uma democracia deve respeitar alguns requisitos básicos, tais como: eleições periódicas, livres, limpas e competitivas, além de multiplicidade de partidos políticos, os quais tem papel fundamental, pois são os representantes da população no processo de decisão política. “Dessa forma, a abordagem institucionalista, pautada nos pressupostos da teoria da escolha racional, compreende a origem e a manutenção das instituições políticas como um acordo voluntário firmado entre os atores interessados. Estes guiados por comportamentos racionais e estratégicos avaliam um conjunto de preferências e escolhas, de modo inteiramente utilitário, escolhendo aquela que lhes oferecerá maiores benefícios. Nessa perspectiva, democracia é definida como um conjunto de regras procedimentais que visa selecionar um governo e gerar resultados que decorrem de negociações entre as forças políticas, as quais competem entre si dentro de estruturas institucionais, em intervalos periódicos, resultando na vitória de uns e na derrota de outros.” (AMORIM, 2010, p. 24).

Outra vertente de interpretação da democracia é a culturalista, a qual considera a cultura política uma variável importante para uma efetiva democracia. Consequentemente, é relevante compreender como os indivíduos interpretam o mundo político e, por conseguinte, que significados e valores atribuem ao mesmo. Por isso, o modelo institucional é de suma importância,

19 haja vista que este se relaciona dialeticamente com os valores dos cidadãos, de maneira que juntos – instituições e cultura política – refletem os movimentos da democracia. Allain Touraine (1996) faz considerações contundentes acerca do que é a democracia, o autor defende que devemos buscar uma “democracia da libertação”, haja vista que a experiências vividas no mundo ao longo da história nos mostram o fracasso da democracia social, participativa ou deliberativa, gerando uma perda de sentido no termo, e surgindo a necessidade de uma concepção democrática que não dê respaldo para a onipotência do Estado em relação aos direitos dos cidadãos. Assim, Touraine acredita que ação democrática deve ser definida a partir da “libertação dos indivíduos e grupos dominados pela lógica de um poder, isto é, submetidos ao controle exercido por senhores e gestores de sistemas para os quais não passam de uma fonte de recursos.” (TOURAINE, 1996 p. 21). Portanto, a concepção de democracia para tal autor atribui um papel significativo ao indivíduo na qualidade de sujeito, o qual só existe em um regime democrático, onde tem principalmente suas liberdades e diversidades respeitadas. O sujeito para Touraine é um ser humano capaz de ser criador de sua vida individual e coletiva, portanto, o indivíduo deve conseguir articular sua individualidade e particularidade com algo universal, ou seja, um sujeito, guia suas ações associando o desejo de liberdade (individualidade), filiando-se a uma cultura (particularidade) e o recorrendo sempre à razão (universalidade). Neste sentido, o sujeito se constitui como liberdade e tradição, e precisa mesclar as duas racionalmente, ao passo que se controlam mutuamente. A sobreposição de liberdade sobre tradição, ou vice e versa, põem em cheque os princípios democráticos e dá respaldo para uma ação totalitária do Estado. Nas palavras do autor: “O sujeito – cuja condição política de existência é a democracia – é, simultaneamente, liberdade e tradição. Nas sociedades dependentes, corre o risco de ser esmagado pela tradição; nas sociedades modernizadas, de ser dissolvido em uma liberdade reduzida à do consumidor no mercado” (TOURAINE, 1996, p. 33)

20 Por conseguinte, o autor nega a concepção de que a democracia se define perante a separação dos poderes, para ele, a esta se define pelos elos entre os três poderes: sociedade civil, Estado e sistema político. Para ocorrer uma democracia é necessário que esteja claro qual o papel de cada uma das esferas do poder, e que nenhuma “tome o lugar da outra”. Assim, Estado e sociedade civil ao mesmo tempo em que necessitam de distância, devem ser ligadas por um sistema político que preze por, (a) respeito aos direitos fundamentais; (b) pela cidadania; e (c) pela representatividade dos dirigentes, sendo que a interdependência dos mesmos é uma das garantias para a democracia. Neste sentido, o sistema político apresenta-se como mediador das relações entre Estado e sociedade civil. Desta maneira, o papel do Estado é elaborar e defender a unidade nacional, no exterior e no interior de seu território, preservando a memória coletiva. Assim, o Estado exerce uma atividade executiva, que, também, é administrativa e burocrática. No que concerne à sociedade civil, esta é dominada pela desigualdade, mas, não se resume aos interesses econômicos, pois isso reduziria o indivíduo a simples consumidor. Ela é entendida a partir das relações sociais, conflituosas ou não, tomada de autonomia em relação ao Estado. Por conseguinte, uma das condições de existência da democracia é que a relação entre Estado e sociedade civil não seja direta e sim por intermédio do sistema político, que é o que “tem o encargo de fazer funcionar a sociedade em seu conjunto, combinando a pluralidade dos interesses com a unidade da lei, estabelecendo relações entre sociedade civil e Estado.” (TOURAINE, 1996 p. 67). Assim para o autor é o sistema político o espaço de atuação da democracia, e não a sociedade como todo, abarcando as três esferas, pois, o Estado ao prezar pela unidade nacional e a sociedade civil, ao agir em prol de seus interesses, os quais são guiados por valores culturais e pela preservação da sua liberdade, se apresentam como antagônicos, haja vista que, interesses individuais e universais não estabelecem uma relação direta sem um dominar o outro, afetando o principio de igualdade da democracia. Por isso, o sistema politico é essencial, pois é por meio dele que se unem instituições e valores

21 culturais, que se combina individualidade e universalidade, entretanto, a eficiência do sistema politico depende da relação, embora indireta, entre sociedade civil e o Estado, fazendo com que seja a sociedade civil quem legitime o Estado e não ao contrário: “A democracia não significa o poder do povo, expressão tão confusa que é possível interpreta-la de todos os sentidos e, até mesmo para legitimar regimes autoritários e repressivos; mas significa que a lógica que desce do Estado para o sistema político e depois para a sociedade civil seja substituída por uma lógica que vá de baixo para cima, da sociedade civil para o sistema politico e dai para o Estado; isso não tira autonomia do Estado ou do sistema político.” (TOURAINE, 1996 p. 64)

Desta forma, podemos perceber que, para uma efetiva democracia, é necessário que uma cultura política democrática permeie as relações entre sociedade civil, sistema político e o Estado, para que a lógica do “de baixo para cima” se legitime. Assim, a cultura politica democrática, refletida no sistema politico, faria a ligação entre a soberania popular e o chamado respeito às regras do jogo, já que, a história nos mostra que a sociedade civil precisa de mediação na sua relação com o Estado, pois quando é direta gera a subordinação de um por outro, fato que deslegitima princípios democráticos fazendo do sistema político, o responsável por essa mediação e uma condição de existência da democracia. “Sendo realmente um tipo de sistema político e não um tipo geral de sociedade, a democracia define-se não somente por determinadas instituições e modos de funcionamento, mas pelas relações que estabelece entre os indivíduos, a organização social e o poder político” ( TOURAINE, 1996 p. 105)

Existe uma terceira abordagem acerca do conceito de democracia, esta segundo Moises (2010) é concorrente e completa as duas anteriores, pois, mescla a importância das instituições e da cultura política, para analisar a democracia a partir de um viés qualitativo, ou seja, a democracia se efetivará de diferentes formas dependendo do contexto do país, portanto, procura-se analisar qual a qualidade da democracia que esta sendo exercida. Tal conceito é baseado na ideia de mercado, referente à qualidade do produto ou serviço prestado, e sua capacidade de satisfazer as expectativas dos consumidores.

22 Transferindo e adaptando a ideia de qualidade para analisar a democracia vemos que ela focaliza principalmente no conteúdo do regime, ou seja, a qualidade é medida a partir da interação dos cidadãos com as instituições do regime, a partir das respostas as suas demandas e também, refere-se ao comportamento dos cidadãos enquanto eleitores e eleitos, mesclando, neste sentido, as ideias institucionalista e culturalistas de democracia. “No caso da democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as expectativas dos cidadãos quanto a missão que eles atribuem aos governos ( qualidade de resultados); confia-se que ele assegurará aos cidadãos e as suas associações o gozo de amplas liberdades e de igualdade políticas necessárias para que possam alcançar suas aspirações ou interesses (qualidade de conteúdo); e conta-se que suas instituições permitirão, por meio de eleições e de mecanismos de checks and balances, que os cidadãos avaliem e julguem o desempenho de governos e representantes (qualidade de procedimentos). Instituições e procedimentos são vistos, neste caso, como meios de realização de princípios, conteúdos e resultados esperados pela sociedade do processo político que envolve a governança democrática.” (MOISES, 2010, p. 278)

Neste sentido, existem algumas dimensões que afetam diretamente na qualidade da democracia, referindo-se as suas regras, procedimentos, conteúdos e a sua substância, sendo elas: (a) primado da lei; (b) participação e competição política; (c) modalidades de accountability (horizontal social e vertical); (d) respeitos às liberdades civis e aos direitos políticos; (e) implementação da igualdade política, social e econômica; (f) responsividade dos governos e representantes. (MOISES, 2010). A partir de pesquisas de opinião, quantitativas e qualitativas, pode-se inferir o grau que atingem essas dimensões na sociedade analisada e, portanto, assinalar os alcances da democracia, através de análises das instituições, e a qualidade através das análises sobre a cultura política. Assim, tal perspectiva demonstra que, mesmo definindo a democracia por seus princípios e conteúdos de maior expressão valorativa, ocorre uma integração entre estes e os procedimentos institucionais, “sem deixar de se referir aos resultados práticos do regime por meio do pressuposto de que a igualdade social e econômica pode ser alcançada se e quando a igualdade política seja efetiva.” (MOISES, 2010, p. 279)

23 2.1.1 Entre vários tons: olhando para o caso das jovens democracias latino americanas. No que se referem à realidade brasileira e latino-americana, estes são países que não possuem uma forte tradição democrática, haja vista que, por longos anos estiveram sob o jugo de regimes autoritários. No caso do Brasil, apenas durante o século XX, e em dois momentos é que se “efetivou” uma estruturação democrática: de 1946 a 1964, as chamadas democracias populistas, quando governaram Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, em seu mandato eleito, e no final do século, a partir de 1989 com o fim da ditadura militar através da proclamação da constituição democrática, configurando a atual realidade brasileira. O processo de transição democrática no Brasil inicia-se em meados da década de 1970, com a liberalização do regime, através de aberturas econômicas, da derrubada de atos institucionais, principalmente, o AI-5, que se refere às suspensões das liberdades civis e políticas, e, portanto, abrindo, lentamente, espaços para contestação pública. Neste sentido, dizemos que o Brasil teve uma transição democrática pactuada, ou seja, as forças autoritárias e democráticas se uniram na modificação do regime, que teve seu ápice com o movimento das “Diretas Já” em 1984, quando a população foi às ruas clamar pelos seus direitos políticos. Desde

o

início

de

tal

processo

até

hoje



se

passaram

aproximadamente 40 anos, sendo 24 deles regidos sob uma lógica constitucional democrática. Se entendermos a democracia como uma cultura que influência e reflete num movimento dialético, a lógica das instituições, a lógica dos procedimentos e dos valores culturais pode dizer, de acordo com a literatura especializada (BAQUERO 2001; BAQUERO e GONZALEZ 2011; BAQUERO E LINHARES, 2011; MOISES 2008; 2010; RIBEIRO, 2011.) que o Brasil é institucionalmente um país democrático desde 1989, com a primeira eleição presidencial livre depois de quase três décadas de regime militar, pois: “cinco eleições nacionais para escolher governos e o Congresso Nacional foram realizada. Coordenadas por um tribunal de justiça independente, as eleições são livres e asseguram a participação de

24 cerca de 126 milhões de eleitores de uma população total de 186 milhões, ou seja aproximadamente 70% da população.” (MOISES, 2008, p. 22)

A partir da citação de Moises, percebe-se que a instituição fundamental da democracia, um sistema eleitoral, é eficiente no Brasil. Porém, se as eleições não definem um sistema democrático são necessárias outras instituições desenhadas sob esta lógica, bem como, valores dos cidadãos, os quais são varáveis que auxiliam a inferir o alcance e qualidade na democracia. Neste sentido, a realidade brasileira apresenta que os brasileiros são a favor da democracia, embora o nível de confiança nas instituições seja baixo. Quatro gráficos elaborados por Ednaldo Aparecido Ribeiro (2011), que comparam a confiança em diferentes instituições em quatro países latino-americanos demonstram os níveis de desconfiança política na região, bem como as proximidades e distâncias do Brasil com o quadro político regional. Gráfico 01 - Evolução da confiança no parlamento em alguns países latino – americanos (1984-2008)

Fonte: RIBEIRO, E. A. Confiança política na América Latina: evolução recente e determinantes individuais, 2011, p. 172.

Gráfico 02: Evolução da confiança nos partidos politicos em alguns paises latino-americanos (1984-2008).

25

Fonte: RIBEIRO, E. A. Confiança política na América Latina: evolução recente e determinantes individuais, 2011, p. 172.

Gráfico 03: Evolução da confiança no judiciário em alguns países latinoamericanos (1984-2008)

Fonte: RIBEIRO, E. A. Confiança política na América Latina: evolução recente e determinantes individuais, 2011, p. 173.

Gráfico 04: Evolução da confiança nos serviços públicos de alguns países latino-americanos. (1984 – 2008).

26

Fonte: RIBEIRO, E. A. Confiança política na América Latina: evolução recente e determinantes individuais, 2011, p. 174.

Os gráficos demonstram que no contexto latino-americano existe uma tendência a desconfiança nas instituições políticas, bem como, um aumento da mesma. Os dados sobre o Brasil apontam que com exceção do poder judiciário e dos serviços públicos os níveis de confiança não atingem a casa dos 40%, os quais podem ser atribuídos nos dois primeiros casos à existência da mídia, a qual a todo o momento bate de frente com essas instituições, parlamento e partidos. Porém, não se pode descartar a ideia de que a fragilidade institucional está atrelada a práticas tradicionais tais como patrimonialismo e clientelismo, que continuam a orientar principalmente o sistema político brasileiro, atribuindo-lhe estabilidade, coesão e fortaleza. (BAQUEIRO e LINHARES 2011; RIBEIRO 2011.) No que tange a confiança ao poder judiciário e ao serviço público sua alta porcentagem pode ser atribuída a ideia da cultura bacharel desenvolvida por Sérgio Buarque de Holanda, na qual, os brasileiros apresentam uma tendência a confiar em quem porta o anel de bacharel, ou seja, possui um curso superior, um diploma, fato que o coloca acima dos indivíduos comuns, que lhe atribuem liberdades para comandar a política, reflexos de práticas clientelistas,

entendidas

essencialmente

como

uma

“cultura

política

patrimonialista da política e do poder, segundo a qual se concebe a política

27 como extensão do espaço privado, o que permite satisfazer os interesses particulares.” (BAQUERO E LINHARES, 2011,p. 96). Portanto, o Brasil delineia uma situação interessante, em que se prefere um regime político democrático e existem instituições consolidadas para exercê-las, porém ao passo que estas convivem com práticas clientelistas e patrimonialistas (corrupção, tráfico de influência, poderes paralelos, como a facção criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC) geram um ambiente político culturalmente híbrido e instável institucionalmente, propiciando o surgimento de um desafeto político, um “sentimento de impotência, cinismo e falta de confiança no processo político, nos políticos e nas instituições democráticas, porém sem questionar o regime político” (TUNER 2003, apud BAQUEIRO E LINHARES 2011, p. 90). Gráfico 05: Os significados de democracia (%) Brasil

Fonte: MOISES, J. A. Os significados da democracia segundo os brasileiros. 2010, p. 289.

Outro fator que corrobora com esta estrutura é o fato dos brasileiros responderem congruentemente indagação o que é democracia? , definindo-a em seus princípios, conteúdos e procedimentos como apresenta o gráfico 05, e a Tabela 01, a qual foi modificada, pois, a original apresentava cinco variáveis de análise: Muito a ver; Tem a ver; Pouco a ver; Não tem a ver; Não sabe / Não respondeu, e para o presente trabalho é mais interessante três variáveis: Tem

28 a ver; Não tem a ver; e Não sabe/ Não respondeu. Assim a modificação realizada foi o somatório de duas variáveis: Muito a ver, mais, Tem a ver, gerando a primeira variável, Tem a ver; e Pouco a ver, mais, Não tem a ver gerando a segunda variável: Não tem a ver. Os dados referentes para Não sabe / Não respondeu foram mantidos. No que concerne aos dados do gráfico 05, este demonstra três aspectos interessantes: (1) a baixa relação estabelecida entre a democracia e seus fins sociais, atingindo seu ápice em 2006 com apenas 8,3%, embora, se analisadas sozinhas, como na Tabela 01, estas apresentam porcentagens expressivas, acima dos 70%; (2) as respostas inconsistentes e as pessoas que não responderam, apesar de uma elevação em 1997, apresentaram uma queda relevante em 2006, indicando um aumento na percepção do que é a democracia, e consequentemente uma posição em relação à mesma; (3) as repostas referentes às liberdades aparecem como as mais relacionadas a democracia, mesmo em 1993 e 1997 quando os não sabiam ou não responderam atingiram as maiores porcentagens. A Tabela 01, também mostra que as opções relativas às liberdades são as que atingem os maiores percentuais, a exemplo da variável direito de escolher o governo através de eleições com 89,5% em 2006 e 78,4% em 1993. (MOISES, 2010). Tabela 01: Conteúdos Associados com a democracia- respostas estipuladas (%) 1993-2006 TABELA MODIFICADA QUESTÃO Você acha que a democracia tem a ver com: Direito de escolher o governo através de eleições Liberdades politicas de organização e expressão (sind., movimentos, etc.) Igualdade social Igualdade perante a lei Fiscalização do governo para Congresso e Tribunais de Justiça Menos corrupção e tráfico de influência Governo como provedor de saúde, emprego, educação, etc. Igualdade de direitos para as

78,4

1993 Não tem a ver: 13,3

65,3

22,1

12,5

83,3

13,2

3,5

55,4 60,3 52,5

31,9 28,3 32,6

12,6 11,4 14,9

81,5 81,6 77,0

15,4 15,4 18,4

3,0 2,9 4,6

49,8

35,2

15,0

81,5

24,3

4,2

69,2

20,9

9,9

87,9

9,7

2,3

68,0

22,0

10,1

86,5

11,0

2,5

Tem a ver:

NS/NR:

Tem a ver:

8,3

89,5

2006 Não tem a ver: 8,0

NS/NR:

1,9

29 mulheres Liberdade em questões morais e sexuais

49,8

35,8

14,5

77,7

17,9

4,4

Fonte: MOISES, J. A. Os significados da democracia segundo os brasileiros. 2010, p. 287.

Os dados apresentados e analisados por Moises (2010) revelam que o brasileiro possui uma percepção razoavelmente sofisticada da democracia, pois procedimentos ou liberdades isolados não definem o conceito, este é definido pela mescla da liberdade que o indivíduo tem para se controlar, ou seja,

manifestar-se, reunir-se,

posicionar-se,

com

o

suporte

que

os

procedimentos e instituições atribuem a esta liberdade. Portanto, “é como se os brasileiros, estivessem sugerindo, em suas próprias palavras, que forma e conteúdo não podem ser separados na consideração sobre os significados da democracia, pois ambos fazem parte do mesmo processo.” (MOISES, 2010, p. 291) 2.2. CULTURA POLÍTICA: CULTURALIZANDO A POLÍTICA E POLITIZANDO A CULTURA. O termo cultura política começou a aparecer na literatura especializada na década de 1960, com os estudos pioneiros de Gabriel Almond e Sidney Verba, que no intuito de mensurar a estabilidade democrática em diferentes contextos econômicos e políticos analisam crenças e valores dos indivíduos, apresentando uma nova variável para análises no campo da política comparada. Neste sentido, tais autores deram a primeira definição de cultura política como, “o padrão de atitudes e orientações políticas dos cidadãos em relação ao sistema político, internalizadas, na dimensão cognitiva, afetiva e avaliativa.” (AMORIM, 2010, p. 38). A partir disso, observa-se que tais autores utilizam uma perspectiva que considera tanto aspectos macro, quanto micro da política, ou seja, tanto influência das estruturas políticas, quanto a influência de questões e atitudes individuais. Para qualificar a mensuração dos níveis de cultura política, Almond e Verba criaram três tipos ideais, sendo que cada tipo de regime, democrático, autoritário ou tradicional, possui um tipo de cultura política que coincide com a estrutura do mesmo, sendo eles: Cultura Paroquial,

30 caracterizada a partir da carência de consciência política, bem como, pela falta de expectativas – tanto negativas como positivas - em relação ao sistema; Cultura Moderada, caracterizada a partir da existência de uma consciência política, porém os membros não têm interesse em participar; e Cultura Participante, caracterizada pela existência da consciência política, e pela disposição e efetiva participação dos membros. (AMORIM, 2010) A partir destes estudos pioneiros muitos outros foram realizados neste âmbito, focando em diferentes variáveis, procurando criar indicadores de análise, e utilizando de diversas metodologias, principalmente, de pesquisas de opinião com base em survey. De acordo com Amorim (2010), Luis Madueño ao revisar as diferentes categorias conceituais, propõem quatro premissas que devem ser consideradas ao se pensar à cultura política de determinada sociedade, sendo elas: (1) uma cultura política deve ter uma identidade congruente com a totalidade histórica em que esta dada, ou seja, ela se relaciona influência e é influenciada pelo contexto econômico-político-social; (2) define sua estrutura a partir de lógicas próprias, portanto, não existe um modelo, as especificidades de cada sociedade e contexto moldam a lógica estrutural da cultura política; (3) não está separada das estruturas econômicas e políticas, mantendo constantes relações com as mesmas; e por fim, (4) cultura política é um conceito histórico, ou seja, não existe sem a sociedade e o tempo que a legitima. Neste sentido, compartilha-se com a ideia de tais autores para conceituar cultura política, haja vista que, definem fazendo interlocuções com a antropologia – a excelência nos estudos de cultura -, e com o conceito de cultura proposto por Geertz, e amplamente difundido, de que cultura são teias de significados. A partir disso, infere-se que cultura é aquilo que os indivíduos de determinada sociedade valorizam, como eles lidam com os fatos, como se expressam, e, se não há expressões, o porquê disso. Portanto, a cultura pode ser pensada como aquilo que tem significado, no sentido valorativo, para determinada sociedade, e, a cultura política, se baseia no mesmo princípio, quais são os significados dados à vida pública, ao poder das instituições políticas, aos representantes pelas sociedades contemporâneas? Estes

31 significados refletem que princípios, democráticos ou autoritários? Assim, notase que tais reflexões são importantes, pois a cultura ao atribuir significados, também, atua como legitimadora da realidade, além de guiar as atitudes politicas, econômicas e sociais do indivíduo. Portanto, define-se cultura política como: “contexto onde encontramos um conjunto de significados tecidos pelo homem e pelas instituições, onde os atores individuais e coletivos se reconhecem mutuamente e reproduzem as ações sociais e políticas sobre a base de crenças, hábitos e rituais, convertendo-se estas em regularidades de ação onde se estabelece força a dimensão tempo e espaço.” (MADUEÑO, 1999, p. 124 apud AMORIM, 2010, p.39 e 40.).

Se retomarmos a base conceitual de democracia pode-se ver a ligação da mesma com a ideia de cultura, tendo em vista que, tal concepção diz que a democracia, por diversos fatores, se configura como uma característica do sistema político, que é formado tanto por componentes do Estado, instituições, normas, técnicas -,como da sociedade civil, - as concepções individuais e coletivas que movem a ação -, por isso, necessita de uma cultura política democrática que permeie a relação, de maneira a equilibrar Estado e sociedade civil, para que nenhum se sobressaia. Neste sentido, Touraine (1996) demonstra que, a democracia não é suas instituições, estas são reflexos do que ela é realmente, uma cultura, haja vista que, atuando como o óleo que move as engrenagens, Estado e sociedade civil, a democracia é refletida no sistema político, e, em um sujeito que mescla os seus três princípios: razão, liberdade e memória; assim, a democracia, enquanto cultura que aceita e respeita as outras permitiria que a sociedade fosse, ao mesmo tempo, unificada e diversa. “O sujeito é o esforço do indivíduo ou da coletividade para unir as duas faces de sua ação; a democracia é o sistema institucional que garante a combinação dessas duas faces no plano político e permite que uma sociedade seja simultaneamente, una e diversa. É a razão pela qual a democracia é uma cultura e não somente um conjunto de garantias institucionais. O que faz a liberdade de um indivíduo e o caráter democrático de um sistema político exprime-se pelos mesmos termos. Nos dois planos, trata-se de combinar elementos que são complementares, mas, ao mesmo tempo, opostos; além disso, nenhum princípio superior poderá reduzi-los a unidade. A ideia democrática impõem o reconhecimento do pluralismo cultural ainda mais do que do pluralismo social. A democracia deve ajudar os indivíduos a serem sujeitos e conseguirem em si mesmos, através de suas práticas como de suas representações, a integração não só de sua racionalidade, isto é, sua capacidade para manipular técnicas e

32 linguagens, mas também de sua identidade que se apoia em um cultura e tradição, reinterpretadas constantemente por eles em função das transformações do meio técnico.” (TOURAINE, 1996 p. 175)

Portanto, temos uma concepção de cultura política que não é determinista, pois não a coloca acima das instituições e nem abaixo, a ideia é que cultura política e instituições são igualmente importantes para analisar os alcances da democracia, e neste sentido, existe uma influência mútua entre cultura e estrutura, ou seja, as instituições, sua organização e propostos são reflexos dos valores sociais, assim, o seu bom ou mau funcionamento, influencia a cultura política, deste modo, essa “relação caracterizada por uma causalidade cruzada entre as duas dimensões, a estrutura institucional seria causa e efeito da cultura política, e vice-versa.” (MOISES, 2008, p. 17). 2.2.1 Entre patrimonialismo, clientelismos e “surtos” democráticos emerge uma cultura política. No tocante a realidade brasileira diversos autores já olharam para esta realidade e definiram em diferentes termos, Hélgio Trindade (1985) diz que o hibridismo institucionalizado é a principal característica da cultura política brasileira. Este hibridismo nasce na república velha, quando no afã da construção de um Estado – Nação, nos termos liberais e capitalistas a elite política, transforma a estrutura estatal em liberal, entretanto, a sociedade não acompanha essas transformações, e mantém a sua estrutura patriarcalpatrimonial, fazendo com que coexistissem uma lógica e uma práxis divergentes. Já Edson Nunes (2003) define a cultura política brasileira a partir de quatro gramáticas, as quais funcionam como engrenagens, portanto, uma dá movimento à outra, sendo elas: (1) Corporativismo: é a formação de um espirito de corpo no seio da estrutura estatal, favorecendo os interesses de determinados grupos; (2) Insulamento burocrático: é a criação de um lócus de poder baseado nas idéias políticas da classe dominante, tomando corpo ao passo que esta elite se distancia do todo para dominar, indo diretamente contra a quarta gramática, o universalismo de procedimentos; (3) Clientelismo: relação de troca de favores entre candidato x eleitor, por exemplo, votar naquele

33 candidato que lhe trará benefícios diretos; e por fim, (4) Universalidade de procedimentos: é o que a cultura política brasileira almeja a ser. Segundo Nunes (2003), cada gramática sobressaiu em algum período da história republicana brasileira, agindo sempre em prol do desenvolvimento capitalista no Brasil. O corporativismo e clientelismo foram destaques na década de 1930, com a república velha e a ditadura Vargas; já o insulamento burocrático é uma característica que aparece nas democracias populistas, principalmente, com Juscelino Kubistchek e se estende ao Regime Militar, ambos caracterizados pela modernização do Brasil, a qual era utilizada como pretexto para tal atitude. O universalismo de procedimentos passa a maior parte do tempo como situação almejada que começa a aparecer na década de 1980, com o fim da ditadura burocrático-militar. Roberto Da Matta (1991) analisou como a essência da cultura política brasileira, a confusão entre o publico e o privado, de maneira que atitudes privadas adentram o campo do publico e modificam as relações sociais, gerando relações como patriarcalismo, clientelismo, ou seja, a ideia ocidental burocratizada das estruturas convive com a ideia tradicional de que as estruturas se dão por laços afetivos e de parentesco, e desta maneira atribui uma lógica mais personalista do que ideológica ao sistema. Retomando que a cultura política é um conceito histórico, com lógicas próprias, que influencia e é influenciado pelas estruturas políticas, econômicas e sociais, demonstra que a preservação de certas atitudes e valores na significação do mundo politico brasileiro nos levou a uma “sociedade de massas que convive simultaneamente com avanços formais e atrasos em termos de predisposições atitudinais e comportamentais que inibem a constituição de uma base normativa de apoio às instituições políticas” (BAQUERO E LINHARES, 2011, p. 109) Portanto, podemos dizer que o Brasil possui uma cultura política híbrida, que mescla princípios democráticos e autoritários. Pois, ao mesmo tempo em que se acredita em ideais democráticos, acredita-se não ter problemas que o governo atue a margem da lei para atravessar fases difíceis.

34 José Álvaro Moises realizou uma pesquisa em 2008 onde procurou mensurar a relação de cidadãos de alguns países latinos com a democracia criando as seguintes categorias: democratas, para os que preferem sempre a democracia; autoritários, para os que preferem sempre os regimes autoritários; e ambivalentes, para os que o melhor tipo de regime depende da circunstancia. O que surpreende é o grande número de ambivalentes, principalmente no caso do Brasil onde esta categoria supera a dos democratas em 17 pontos, como demonstra o gráfico 06. Outro fator que corrobora com a ideia de uma cultura política hibrida é o

grande

contingente

de

desafetos

políticos,

ou

seja,

o

grande

descontentamento da população com os governos e instituições democráticas. Segundo Ribeiro (2011), uma das características do sistema politico latinoamericano é que o aumento e consolidação dos direitos civis e políticos foi acompanhado pelo aumento da desconfiança na política, como demonstram os gráficos 01, 02, 03 e 04 localizados na sessão sobre a democracia no Brasil. Gráfico 06: Tipologias de atitudes politicas

35 Fonte: MOISES, J. A. Cultura Política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira,. 2008, p. 24

Por conseguinte, tendo em mente o caráter híbrido da cultura política brasileira, e sabendo que esta é influenciada por diversos aspectos sociais, que geram diferentes vertentes de análise. Neste sentido, além de estuda-la por meio das instituições relacionadas à representação, pode - se olhar pelo viés do indivíduo e suas percepções, intermediado por pesquisas de opinião, por observação de espaços de socialização política, e por meio da influência da mídia, sendo que, esta por mais que tente a imparcialidade ela representa alguma ideologia, e, portanto, forma e representa opiniões. 2.3.

MÍDIA:

INFORMATIVO

FORMADOR

DE

OPINIÃO

OU

ARMA

MANIPULADORA? Na sociedade moderna e globalizada, como a atual, o fluxo e a quantidade de informações disponíveis ultrapassam os padrões históricos, neste sentido, pode-se dizer que estamos na era da informação e da comunicação.

Assim, essa chuva de informações influencia diretamente a

percepção dos indivíduos sobre a realidade, além de, atuar como a formadora de uma agenda de assuntos tanto públicos, quanto privados. Por exemplo, quando se lê um livro, ouve uma música, assisti a um filme ou noticiário e se comenta com alguém, estamos repassando informações, que já passaram pelo crivo das percepções e valores, de maneira que naturalizamos a presença e importância da mídia em nossas vidas. ( MIGUEL, 2006) “Nas sociedades contemporâneas, o provimento de informações sobre o mundo é tarefa de sistemas específicos, que formam o jornalismo, entendido aqui em sentido amplo ( a imprensa escrita, mas também a divulgação de notícias por outros meios, como rádio, televisão e internet). Em pequenas comunidades autárquicas, é possível imaginar que cada pessoa obtenha todas as informações significativas de que precisa para tocar sua vida através de sua vivência cotidiana ou do contato pessoal com testemunhas. No entanto, a medida em que esta sociedade cresce e amplia suas trocas com comunidades próximas e (e remotas), as informações significativas deixam de estar diretamente disponíveis. E a partir do momento em que aumenta o dinamismo desta sociedade, com o abandono de práticas tradicionais, cada indivíduo passa a precisar de um volume maior de informações.” (MIGUEL, 2004, p.93 e 94 grifos meus)

36 A palavra mídia é derivada do latim,- media que é o plural medium -, tendo como significado meio, neste sentido, mídia são os “meios de comunicação de massa” ( MIGUEL, 2004 p. 333). Por conseguinte, mídia é tudo que nos traga alguma informação ou percepção sobre o mundo, portanto, desde o jornal impresso, passando pela televisão, como pelas outras formas de entretenimento, – filmes, seriados, músicas, clipes musicais -, e atualmente, principalmente, a internet, umas das responsáveis pela dinamicidade e multiplicidade de informações, assim, uma característica intrínseca da mídia é ela ser “ um conjunto de meios que veiculam informações.” (MIGUEL, idem) Neste sentido, observa-se uma relação direta entre o indivíduo e a noticia que é consumida por ele, consequentemente, os diferentes tipos de mídia influenciam também na política como um todo, tanto em relação aos acontecimentos mais cotidianos como aprovação de leis, ementas, quanto em questões periódicas e cruciais para o sistema politico, como é caso das eleições. Outra característica que interfere nessa relação é a crescente importância da propaganda política, além da peculiaridade brasileira do horário eleitoral gratuito, demonstrando que estes são fatores que refletem no comportamento político-eleitoral da população. Portanto, com a emergência das facilidades de acesso as diversas mídias e seu reflexo no âmbito social e politico, muitos teóricos das ciências sociais pensaram a relação entre sociedade, mídia e política, o presente trabalho tem como intuito pensar, prioritariamente, a relação entre a mídia e política, e seu reflexo no comportamento politico e eleitoral, ou seja, nas possíveis interpretações politico-culturais da população. No âmbito da Ciência Política, os estudos pioneiros entre a relação mídia e política datam das décadas de 1940 e 1950, e se fizeram de maneiras diversas, primeiramente, com um caráter determinista, atribuindo demasiada importância à mídia e nenhuma ao indivíduo, passando por um grande declínio da mídia, invertendo a perspectiva, e chegando a um equilíbrio entre a importância do indivíduo e da mídia em relação à política. “Quem quer que estude o impacto social dos meios de comunicação de massa está familiarizado com a narrativa de transição de uma perspectiva, que via a mídia como quase onipotente para outra

37 chamada de ‘ efeitos limitados’, que reduziu brutalmente o alcance presumido de sua influencia. A primeira, surgida nas décadas iniciais do século XX e associada ao nome de Harold Lasswell, vê o usuário da mídia como consumidor passivo, um teleguiado que reproduz de forma automática aquilo que os meios transmitem. A pesquisa posterior desacreditou uma percepção tão simplista, observando que as pessoas que consomem as visões de mundo produzidas pela mídia também as reinterpretam de diferentes maneiras, de acordo com seus backgrounds, tradições, influências de outros aparelhos ideológicos etc.” (MIGUEL, 2004, p. 95).

Assim, segundo Miguel (2004,2008), a segunda concepção chamada de “efeitos limitados” trouxe grandes contribuições para análises acerca da influência midiática, através da teoria fluxo comunicacional. Tal percepção diz que a mídia não atinge a população como um todo, ela chega a um limitado número de pessoas que atuam como intermediários repassando as informações a outras pessoas, neste sentido, os indivíduos teriam um “comportamento de tipo mimético [,ou seja,] reproduzindo as atitudes e opiniões de seus familiares, colegas de trabalho, vizinhos e amigos.” (MIGUEL, 2004, p. 96). Assim, tal perspectiva coloca como essencial para a formação da opinião as informações vindas de fora, “sem a presença de informação vinda de fora, a opinião não emergiria; mas a única opinião que ela é capaz de fazer brotar é aquela a qual o indivíduo já está predisposto, pela ação do meio social.” (MIGUEL, idem). Por conseguinte, tal perspectiva influenciou uma segunda vertente, a hipótese da agenda-setting a qual defendem que a mídia além de influenciar no que a população pensa, também atua na formação do que são assuntos importantes. Assim, a mídia pode não nos diz como pensar, mas sim, sobre o que pensar. Neste sentido, a mídia, no contexto dos meios de comunicação de massa, “mais do que determinar o que o público pensa, tem um papel crucial na indicação de quais são os temas importantes no momento, influenciando, tanto cidadãos comuns, quanto o governo e a elite política.” (MIGUEL, 2004 p. 96) Portanto, entende-se que tal teoria trabalha com a ideia de um despertar do espírito critico, no sentido, que as estruturas políticas, bem como sua elite, possuem a mesma organização, - sendo essa aquela que é pensada

38 ultimamente, ou seja, políticos são corruptos e mesquinhos -, há tempos, mas isto não era percebido pelo público, que passou a notá-la em consequência do próprio sistema político, e, principalmente, pela influência midiática. Recentemente, estudos, na mesma linhagem, coordenados por Bernard Manin, analisam a mídia como a substituta dos partidos políticos na atualidade. Para tal autor, estaríamos em uma fase da democracia denominada de audiência, neste sentido, “após um período inicial de parlamentarismos, em que os representantes notáveis locais, escolhidos em eleições que espelhavam relações pessoais de confiança, e um período intermediário de ‘ democracia de partidos’, expressão de uma política de classes” (MIGUEL, 2004, p. 99) estaríamos agora em uma democracia de audiência, onde as relações voltam a ser pessoais, mas não oriundas de vínculos locais e sim a partir da imagem veiculada na mídia, demonstrando que “a centralidade da mídia, como a nova esfera do espaço público e como canal principal para o debate e a opinião, marca esta nova fase da democracia.” (ROCHA e CARMO, 2006, p. 5) Tal concepção oferece bases aos estudos críticos sobre a cobertura midiática do processo eleitoral, que podem ser resumidos a expressão “cobertura tipo corrida de cavalo (horse-race)” (MIGUEL, 2004). Isso significa dizer que para a mídia, o mais importante não são os programas de governo ou ideais dos candidatos, mas sim a posição que eles ocupam no pleito. Neste sentido, “Uma eleição é, sob diversos aspectos, idêntica a um campeonato esportivo, e tende a ser coberta de maneira similar – aquilo que os estudos de jornalismo chamam, há tempos, de abordagem horserace. Tal como numa corrida, não interessa o que os cavalos estão pensando, apenas saber quem vai chegar na frente.” (MIGUEL, 2008, p. 257)

Embasados na teoria da corrida de cavalos Cappella e Jamieson desenvolveram a hipótese “espiral cinismo”, em que os políticos são cínicos em reflexo

do

cinismo

do

público-eleitor,

atribuindo

à

mídia

a

grande

responsabilidade desta atitude. Isso porque, ao passo que a imprensa reproduz o pleito eleitoral a uma corrida de cavalos, não é somente para facilitar a apreensão do público-eleitor, que é despreparado para discussão de temas

39 substanciais, mas sim, por que o jornalista faz uma leitura cínica do mundo político. "A hipótese é que existiria um circulo vicioso de realimentação entre a cobertura da imprensa sobre a política, as expectativas do público e comportamento dos políticos. O cinismo de cada um reforçaria o cinismo dos outros: os políticos perceberiam que não vale a pena manter uma postura republicana que priorize o bem comum, já que sempre são encarados como auto interessados e carreiristas; os jornalistas saberiam que seus leitores esperam uma leitura política neste diapasão; o público veria sua crença no desregramento desta atividade, confirmada tanto pelo noticiário, quanto por seus eventuais encontros com políticos.” (MIGUEL, 2008, p. 255).

Permeando esses estudos sobre a influência positiva ou negativa da mídia, existem autores liberais que não a veem como um problema, ela é apenas mais uma instituição com intuito de passar informações, assim, como na economia em que o mercado se autocontrola, a mídia teria a mesma essência, se autocontrolar, a partir do momento em que todas as suas informações são consideradas verdadeiras. Neste sentido, o quadro a seguir, retirado do artigo “A mídia e o declínio da confiança na política” de Luis Felipe Miguel (2008), demonstra a relação entre as teorias sobre a mídia e a relação delas com a política: Quadro 01: A mídia nas narrativas sobre o declínio da confiança na classe política

Espiral do Cinismo

Despertar do espírito crítico

A influência da mídia se dá primordialmente... Tanto sobre o público quanto sobre os políticos

Essa influência toma a forma de...

Os jornalistas são...

Disseminação de valores

Profissionais “bitolados”

Difusão de informação

Provedores de informação

Indução e transformação do comportamento

Conturbadores do jogo político.

Sobre o público

Sobre os políticos Decadência das elites

FONTE: MIGUEL, L. F. A mídia e o declínio da confiança na política. 2008, p.

40 2.3.1 Brasil, diversos sabores filtrado por poucos. Até aqui apresentamos as diferentes maneiras que foram pensadas a relação entre mídia e política, sabemos que as teorias falam de processos idealizados que se modificam em cada contexto, assim sendo, não conseguimos e nem devemos tentar aplicá-la a realidade brasileira, entretanto, não ignoraremos suas contribuições em nossas análises. Neste sentido, devese considerar que o Brasil nunca possuiu um sistema representativo - partidário consolidado, de modo que, o advento da mídia e sua consequente relação com a política não explicam uma possível desorganização e desconfiança política. Além de que, existem outras peculiaridades brasileiras que interferem na relação mídia e política, sendo elas: (1) o sistema eleitoral; (2) a volatilidade do regime de partidos; (3) a concentração da mídia; (4) o peso diferenciado da televisão na sociedade brasileira. (MIGUEL, 2004). O sistema eleitoral brasileiro se configura a partir da representação funcional de listas abertas, ou seja, existem partidos e estes são necessários para que o indivíduo pleiteie uma vaga, mas as candidaturas são individuais, portanto, tem se uma base partidária, entretanto, o que se apresenta é o indivíduo-candidato, que é quem se vota, propiciando uma personificação do voto. Esse sistema se reflete na segunda característica, a volatilidade do regime de partidos, que são essenciais para que ocorra a candidatura, mas não tem um papel central neste sistema que por ser de listas abertas, personifica as candidaturas e desestabiliza o regime de partidos.

Essas duas primeiras

peculiaridades demonstram que o papel que a mídia seria totalmente secundário no enfraquecimento dos partidos, que se dá muito mais por “variáveis institucionais de longo curso no país.” (MIGUEL, 2004) Outra característica brasileira, e, também, de outros países latinoamericanos é a concentração da mídia, ou seja, vive-se um semi -monopólio privado da mídia , pois, a Rede Globo atinge mais da metade do níveis de audiência, chegando a marca de 70% no “horário nobre”, aquele em que tem mais pessoas no Brasil assistindo TV, das 20 horas as 23 horas, além de tal emissora possuir “ mais de três quartos da verba publicitária da televisão brasileira; está presente, também, com força, em todas as principais praças de

41 rádio, na mídia impressa, TV por assinatura, cinema e internet.” (MIGUEL, 2004, p. 105). Para ter um contraponto, nações como a estadunidense e as da Europa ocidental, as principais redes de comunicação não atingem 30% de audiência neste horário. Assim, percebe-se uma homogeneização no consumo televisivo brasileiro e consequentemente, com a ideologia, sendo esta a passada pela emissora supracitada, demonstrando que a inexistência de uma competição mercantil na comunicação brasileira. Tais fatores são agravados pela quarta particularidade, o papel diferenciado da televisão na sociedade brasileira, a qual assume um papel de socializadora do conhecimento, devido à estrutura precária do sistema de ensino, que também é deficiente, mais em qualidade que em quantidade na sua abrangência, que gera um alto número de “analfabetos funcionais, que frequentaram a escola apenas para aprender a desenhar o próprio nome e são incapazes de absorver informações a partir de um texto escrito” (MIGUEL, 2004); acarretando, desta forma, em uma baixa receptividade da mídia impressa, que somada a massiva presença da televisão em lares brasileiros, como demonstra o Gráfico 7, onde 95,1 % dos lares possuem televisão, 7 pontos a mais que em 2000, e 81,4% rádio, este apresentando uma queda de 6 pontos em comparação a dez anos atrás. Gráfico 07: Percentual de domicílios com alguns bens existentes, no total de domicílios particulares permanentes – Brasil 2000/2010.

42

Fonte: Censo/IBGE 2000- 2010.

Tais dados refletem uma população com baixa escolaridade e alta penetração da mídia, ou seja, em um público dependente da mídia, como mostra a Tabela 02 retirado do artigo “Mídia e vinculo eleitoral: a literatura internacional e o caso brasileiro” de Luis Felipe Miguel. Tabela 02: Tipos de público, de acordo com a penetração da mídia e escolarização. Alta escolaridade

Baixa escolaridade I – público III – público Alta penetração informado com potencial dependente da mídia: da mídia critico: Brasil Europa (hoje) Baixa penetração da mídia

II – público IV – público escolarizado em redes tradicional (ou ausência tradicionais: Europa de publico): (inicio do século XX) África

Fonte: MIGUEL, L. F. Mídia e vínculo eleitoral: a literatura internacional e o caso brasileiro. 2004, p. 106.

43 Neste sentido, o cidadão brasileiro precisa da mídia, além de provedora de informações relacionadas ao momento, também provem informações que deveriam vir da escola, que devido sua ineficiência não o faz, como por exemplo, a significativa influencia das telenovelas de época para a percepção da história brasileira. Assim, nota-se que a desconfiança politica é um reflexo da classe política ser estruturalmente incapaz de responder as demandas, bem como, cumprir seus compromissos constitucionais devido a sua formação e a configuração do processo representativo formal, neste sentido, não é porque a população “abriu os olhos” diante da estrutura política e a perversão dos governantes, ou porque a elite política enlouqueceu, mas sim, “de um processo histórico que evidenciou os limites da democracia eleitoral que temos.” (MIGUEL, 2008). Portanto, percebe-se que a televisão possui alta penetração no cotidiano e hábitos de informação do brasileiro, porém, no que concerne a mídia impressa, jornais e revistas, a receptividade é menor, atingindo uma média nacional de 42,7%, como demonstra o Gráfico 08, retirado do relatório da pesquisa “Hábitos de informação e formação da opinião da população brasileira II”. Tal pesquisa foi executada no ano de 2010, através da Secretária de Comunicação Social da Presidência da República – SECOM, com o objetivo analisar os padrões de informação da população nacional para guiar a comunicação entre o governo e a sociedade civil via mídia. Gráfico 08: Hábito de leitura de jornal e revista, no Brasil.

44

FONTE: Relátorio de Pesquisa Quantitativa – “Hábitos de informação e formação da opinião da população brasileira II” SECOM - 2010.

Tal pesquisa, também, traz dados relevantes acerca das características do público que possui por hábito ler jornais. De acordo com a mesma, a Região Sul é a que possui a maior porcentagem de indivíduos com este hábito, atingindo 52,2%. Os padrões de acesso a mídia impressa também variam conforme a renda familiar, quanto mais elevada, maior a receptividade da mesma, como demonstra a Tabela 03, informações que corroboram com a hipótese de que a mídia impressa brasileira é de uso quase exclusivo de uma elite, material e simbólica. Tabela 03: Hábito de leitura de jornal, por renda familiar mensal.

FONTE: Relátorio de Pesquisa Quantitativa – “Hábitos de informação e formação da opinião da população brasileira II” SECOM - 2010.

45 Assim,

se

correlacionarmos

a

ideia

de

mídia

os

conceitos

anteriormente propostos, democracia e cultura política, se defendeu que as duas últimas são variáveis interligadas e não independentes, neste sentido, se invertermos a perspectiva também para a mídia, colocando em meio a um ambiente cultural e politico, no qual, estão interligados e não são independentes,

apresentam-se

vertentes

mais

amplas

de

explicação.

(MIGUEL, 2008). 2.3.2 Entre a notícia e a opinião, a charge. Para uma coerente apreensão da influência da mídia na política, nos processos democráticos e na cultura política é relevante entender o que torna uma informação notícia, bem como, quais são as características do gênero chárgico. Neste sentido, são inúmeros os eventos que acontecem diariamente e que chegam “aos ouvidos dos jornalistas”. Para selecionar o que é noticiável ou não, os especialistas criaram os “critérios de noticiabilidade”, assim, “diz-se que para ser notícia, um fato deve ter atualidade, proximidade, proeminência (de pessoa envolvida), impacto e significância.” (MOUILLAND, 2002, apud BATISTEL, 2010 p. 55). Portanto, atualidade refere-se ao espaço temporal da informação, ou seja, quanto mais inédita e “quentinha” melhor, pois a curiosidade guiará a uma maior receptividade do público. A proximidade é em relação ao público que vai receber a notícia, pois se tiver em consonância com as experiências cotidianas do indivíduo, maior a receptividade, bem como sua significância e o impacto, outros critérios de noticiabilidade, os quais se referem à forma que a noticia é recebida pelo indivíduo, por exemplo, a morte de cem adolescentes devido a uma intoxicação alimentar oriunda de uma merenda escolar estragada, é mais impactante que a morte de cem outros adolescentes por uso de drogas. Além do critério de proeminência, ou seja, noticias sobre pessoas famosas e de proeminência pública nacional, como por exemplo, o presidente da república tem maior relevância do que outras pessoas desconhecidas. (BATISTEL, 2010.)

46 Neste sentido, a charge é um gênero que tem como essência opinar, e se utiliza da imagem para chamar a atenção do leitor fazendo com que aceite o discurso almejado, assim, a charge pode ser considerada como um penduricalho do jornal, a qual reflete também sua ideologia, explicando sua colocação nobre no jornal, as páginas editoriais. Por mais que a charge tenha um caráter explicitamente opinativo ela também é uma notícia, haja vista que, “as charges se equiparam na mesma linha de compreensão da construção da notícia, pois a partir delas é possível entender o acontecimento ocorrido.” (BATISTEL, 2010, p. 56). Assim sendo, nota-se a proeminência dos critérios de noticiabilidade no discurso chárgico, tendo em vista, que pelo desenho pode-se atingir níveis elevados de proximidade, identificação social e humana do indivíduo com a charge, na medida em que o primeiro encontra relação da mesma com o seu cotidiano e/ou experiência vivida. Portanto, infere-se que as charges ao serem representações do real exigem um conhecimento prévio de seus leitores para que se entenda o discurso e o mesmo se torne engraçado. De tal modo, constata-se que a charge, também, relaciona-se e representa o mundo político, haja vista a proeminência de personagens ligados a personalidades políticas nacionais e internacionais, tais como presidentes e ministros, isso é possível porque o sistema político é patético e cômico, igual ao cotidiano da sociedade civil. Por conseguinte, entendemos a charge como: “gênero discursivo permeado por múltiplas vozes, que se complementam, se intercruzam com intuito de assegurar a significação ao outro. O gênero chárgico apresenta ao leitor um descortinar do contexto sócio histórico, político e econômico, visto que os signos imagéticos e verbais refratam a realidade e materializam o discurso.” (BATISTEL, 2010, p. 60).

Portanto, sendo a charge um discurso posicionado na sociedade, bem como, contextualizado e datado ele se torna fonte de estudo acerca da posição política e ideológica do jornal, e também da população que consome essa notícia, resultando que tais produções artísticas refletem as percepções da população sobre o regime político, o modus operandi deste, entre outros fatores, por meio de uma representação do real, tendo em vista que esse discurso imagético, quando interpretado, goza de ampla receptividade do público-leitor.

47 Neste sentido, procuraremos relacionar os conceitos expostos com a realidade brasileira, analisando as charges ganhadoras do concurso “Melhores charges do ano” da Gazeta do Povo, procurando abrir horizontes interpretativos acerca das percepções sobre o sistema político, bem como, da democracia, além de considerar as interpretações político-culturais presentes em tais discursos, procurando compreender a ideologia presente por detrás dos mesmos, e possíveis reflexos disto na sociedade.

48 3. HISTÓRIA DO BRASIL E AS CHARGES, UM BREVE RESGATE.

Este capítulo se dedica a uma breve demonstração de como o discurso chárgico relatou as experiências políticas brasileiras. Datam da década de 1840 as primeiras publicações deste gênero na imprensa brasileira (Lemos, 2001) período inicial do recorte deste capitulo, que chegará aos dias atuais. Cabe ressaltar que as charges apresentadas neste capitulo não serão analisadas, estas servem, somente, a título de ilustração, as charges a serem analisadas encontram-se no capitulo 04. CHARGE 01 – O contraditório império brasileiro

FONTE: AGOSTINI. Revista Ilustrada, ano 8, nº 347,30/06/1883 (BN) apud LEMOS, 2001. p. 13.

49

CHARGE 02: Lei Áurea: a abolição da escravidão.

FONTE: AGOSTINI. Revista Ilustrada, ano 13, nº 491, 31/03/1889 (BN) apud LEMOS, 2001, p.15.

CHARGE 03 – A questão da imigração

50

FONTE: J. CARLOS. Careta, ano 14, nº 669,16/04/1921 (BN) LEMOS, 2001, p. 16.

CHARGE 04 – A LÓGICA DEMOCRÁTICA BRASILEIRA.

FONTE: STORNI. Careta, ano 18, nº 897,29/08/1925 (BN) apud LEMOS, 2001, p.34.

51 CHARGE 05 – O “VOTO DE CABRESTO”.

FONTE: STORNI. Careta, ano 20, nº 974,19/02/1927. LEMOS, 2001, p. 35.

CHARGE 06 – GETÚLIO VARGAS DEFENDE SUA POLÍTICA AUTORITÁRIA.

FONTE: STORNI, Careta, ano 25, nº 1247, 14/05/1932 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 63.

CHARGE 07: O VERDADEIRO DIREITO AO VOTO

52

FONTE: RAUL. Revista da Semana, ano 35, nº 40, 15/09/1934 (BN) apud LEMOS, 2001 P. 64.

CHARGE 08 – O FIM NO ESTADO NOVO.

FONTE: THÉO. Careta, ano 38, nº 1926, 26/05/1945 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 69.

CHARGE 09 – O DOM DE VARGAS.

53

FONTE: THÉO, O Globo, 14/06/1945 apud LEMOS, 2001, p. 69.

CHARGE 10 – A VOLTA DEMOCRÁTICA DE GETULIO.

54

FONTE: J. CARLOS. Careta, ano 43, nº 2202, 09/09/1950 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 75.

CHARGE 11 – AS METAS DE JK

FONTE: THÉO. Careta, ano 52, nº 2698, 12/03/1960 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 79.

CHARGE 12 – GOVERNO MILITAR VERSUS LIBERDADE

55

FONTE: MILLÔR FERNANDES, Pif paf, nº 3, 22/06/1964 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 91.

CHARGE 13 – MORRE A DEMOCRACIA

FONTE: FORTUNA. Correio da Manhã, ano 65, nº 22.264, 02/11/1965 apud LEMOS, 2001, P. 92

56 CHARGE 14 – AS “CONVERSAS” DA DITADURA

FONTE: ZIRALDO. Correio da Manhã, ano 68, nº 23. 068, 23/06/1968 apud LEMOS, 2001, p. 94.

CHARGE 15 – O AI -5

57 FONTE: ZIRALDO, 20 anos de prontidão, 1984 apud LEMOS, 2001, p. 95

CHARGE 16 – A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA

FONTE: CHICO CARUSO, Jornal do Brasil, 22/10/1978 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 103.

CHARGE 17 – BRASIL: O GRANDE DEVEDOR.

FONTE: ZIRALDO, 20 anos de prontidão, 1984 apud LEMOS, 2001, p. 108.

58

CHARGE 18 – SAINDO DO LABIRINTO

FONTE: MILLÔR FERNANDES, Veja, nº 662. 13/05/1981 (BN) apud LEMOS, 2001, p. 110.

CHARGE 19 – DIRETAS JÁ!

59 FONTE: HENFIL, Diretas já!, 1984 apud LEMOS, 2001, p. 114

CHARGE 20 – A ELEIÇÃO DE TANCREDO NEVES.

FONTE: Nani, Pasquim, 3/1985 apud LEMOS, 2001, p. 116

CHARGE 21 – 100 ANOS DE ABOLIÇÃO

FONTE: PESTANA, Desenho original apud LEMOS, 2001, p.124.

60

CHARGE 22 – A NOVA CONSTITUIÇÃO

FONTE: CHICO CARUSO, Full Collor, 1991 apud LEMOS, 2001, p. 127.

CHARGE 23 - O CASO COLLOR.

61 FONTE: HUMBERTO. Jornal do Commércio, 01/10/1992 apud LEMOS, 2001, p. 139

CHARGE 24 – A RELEEIÇÃO

FONTE: CLAÚDIO. Folha da Tarde. 14/10/1996 apud LEMOS, 2001, p. 142

CHARGE 25 – AS PRIVATIZAÇÕES

62 FONTE: AROREIRA. O Dia, 26/04/2000 apud LEMOS, 2001, p. 146.

CHARGE 26 – A ELEIÇÃO DE LULA

FONTE: ANGELI, apud BATISTEL, 2010, p. 112

CHARGE 27: O “HOMI” E O PODER

FONTE: ANGELI, 14/05/2004 apud BATISTEL, 2010 p. 135

63 4. CHARGES: PARA ALÉM DAS SÁTIRAS, UM DISCURSO E UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL. Este capítulo dedica-se a apreciação da técnica de Análise Crítica do Discurso (ACD), tendo como principal base às discussões trazidas por Teun A. van Dijk (2010) na obra Discurso e Poder. Primeiramente será realizado um breve resgate sobre os estudos do discurso e do texto abordando também, o surgimento da rede de estudos em ACD. Posteriormente, serão demonstrados os princípios teóricos desta técnica, e por fim, o porquê a mesma é relevante ao discurso chárgico. Os estudos referentes à análise do discurso e do texto despertam o interesse dos teóricos desde o século XIX, porém, diferente da análise de conteúdo que procura “atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. A questão que ela (análise do discurso) coloca é: como este texto significa?” (ORLANDI, 2007, p. 17). Neste sentido, na década de 1960, constitui-se uma relação entre Linguística, o Marxismo e a Psicanalise, ou seja, formula-se a ideia de que a linguagem e, também, a história não são transparentes, nem independentes, mas sim simbólicas e atribuem sentido ao mundo através do sujeito que produz, ou recebe esse discurso. “Nos estudos discursivos, não separam forma e conteúdo e procurase compreender a língua não só como uma estrutura, mas, sobretudo como acontecimento. Reunindo estrutura e acontecimento a forma material é vista como o acontecimento do significante (língua) em um sujeito afetado pela história. Aí entra então a contribuição da Psicanálise, com o deslocamento da noção de homem para a de sujeito. Este, por sua vez, se constitui na relação com o simbólico, na história.” (ORLANDI, 2007, p. 19)

Já a vertente crítica da análise do discurso (ACD) emerge na década de 1970 com o intuito de desvendar as funções da linguagem nas relações de poder. Tais estudos, em grande parte, possuem como aporte teórico as ideias formuladas pela Escola de Frankfurt, principalmente a de Habermas que: “a linguagem também é um meio de dominação e força social. Ela serve para legitimar relações de poder organizado. Na medida em que as legitimações das relações de poder, (...) não são articuladas, (...) a linguagem é também ideológica.” (HABERMAS, 1977, p. 259 apud BATISTEL, 2010, p. 15).

64 Neste sentido, os estudiosos que formaram o grupo de estudos sobre Análises Críticas do Discurso, a partir do simpósio realizado em 1991 pela Universidade de Amsterdã, bebem na fonte da Escola de Frankfurt, ao passo que trabalham com conceitos que passaram pelo crivo desta escola, tais como, poder, ideologia, hegemonia, e principalmente, focam-se nos estudos da linguagem midiática, a qual, mesmo com o intuito de ser neutra não é, pois, o discurso é em sua essência ideológico, uma vez que este é produzido por indivíduos dotados de capacidades cognitivas, crenças, valores e ideologias individuais e socialmente compartilhadas. No que concerne ao discurso chárgico, de caráter opinativo, o mesmo não comporta uma possível neutralidade. “Deste modo não se pode considerar o discurso publicado no gênero chárgico como neutro, pois se este reflete as percepções e os argumentos dos jornalistas ou chargistas há neles a presença da ideologia de determinados grupos ou instituições sociais.” ( BATISTEL, 2010, p. 18)

Portanto, os estudiosos da ACD se interessam por de que maneira o discurso é uma manifestação, controle ou reação ao poder, bem como, também, se preocupam em entender como o mesmo atua na construção social da realidade, procurando desmistificar e desnaturalizar o que foi dito para desvendar as ideologias. Por conseguinte, o caráter simbólico do discurso permite entender pelo dito e pelo não dito, a essência do mesmo. Cabe ainda ressaltar que o Simpósio supracitado, teve duração de dois dias e o encontro dos estudiosos Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunther Kress, Teo van Leeuwen e Ruth Wodak, resultando na emergência da Análise Crítica do Discurso como uma rede de estudos, que levou a um intercâmbio de estudo de três anos e se efetivou em um número especial do periódico Discourse and Society, criado por Teun van Dijk em 1990, o qual é considerado o marco inicial dos estudos em análise crítica do discurso, embora Norman Fairclough e Ruth Wodak tenham publicado obras que abordam esta temática já nos anos 1980. (BATISTEL, 2010). 4.1 UM OLHAR CRÍTICO AO DISCURSO: TEORIAS E TÉCNICAS.

65 A Análise Crítica do Discurso (ACD) é uma vertente analítica que se interessa em saber como o discurso – uma fonte de poder da sociedade moderna - é controlado e manipulado pelos grupos poderosos a fim de reproduzir sua hegemonia e dominação, afetando normas e valores dos indivíduos

comuns.

Neste

sentido,

a

mesma

se

apresenta

como

multidisciplinar, envolvendo questões da linguística, sociologia, ciência política, entre outras, pois a ACD “constitui um domínio de práticas acadêmicas, uma transdisciplina distribuída por todas as ciências humanas e sociais.” (DIJK, 2010, p. 11). Assim, algumas noções são necessárias para se empreender uma análise crítica do discurso, tais como, poder, acesso, contexto, estrutura do discurso. O diferencial da ACD é o fato de se concentrar nos abusos de poder provenientes das elites, pois, ao analisar o discurso não “como um objeto autônomo, mas também como uma interação situada, como uma prática social ou como um tipo de comunicação numa situação social, cultural, histórica ou política.” (DIJK, 2010, p.13) O analista se utiliza de um enfoque que prioriza as relações entre estruturas que se influenciam mutuamente e propiciam a existência deste abuso. Em outras palavras, devem-se estabelecer relações entre estruturas discursivas, cognitivas e sociais, e para tanto é preciso a multidisciplinariedade de métodos e teorias. Assim, é tarefa da ACD descrever as relações entre sociedade, discurso e cognição, procurando explicar como as estruturas do discurso moldam, manipulam e refletem comportamentos presentes na sociedade. Neste sentido, a ACD se fundamenta nos seguintes aspectos: “1) A ACD aborda problemas sociais; 2) As relações de poder são discursivas; 3) O discurso constitui a sociedade e a cultura; 4) O discurso realiza um trabalho ideológico; 5) O discurso é histórico; 6) A relação entre texto e sociedade é mediada;

66 7) A análise do discurso é interpretativa e explanatória; 8) O discurso é uma forma de ação social.” (DIJK, 2010, p. 115)

Com estes itens percebe-se que a análise crítica demonstra a historicidade do discurso e sua importância social e cultural, bem como seu poder ideológico e manipulativo. Isso, porque a ACD se preocupa com “ os modos como as estruturas do discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou desafiam as relações de poder e de dominação na sociedade” (DIJK, 2010, p. 115 grifos do autor). Dentro desta perspectiva a análise crítica procura estabelecer uma relação entre os níveis sociais macro e micro, através da interação entre discurso e poder, ao passo que o primeiro representa o micro nível e o segundo o macro nível. Se entendermos o poder como um poder social, ou seja, as formas que a elite – econômica, política, intelectual -, se utiliza para controlar a população e consequentemente, influenciar em suas percepções, normas e valores, o discurso se torna uma prima fonte de poder. Neste sentido, o poder social do discurso se apresenta como simbólico, haja vista que este depende do contexto em que está inserido, dos padrões de acesso na formulação e recepção do discurso, e também, da cognição, isto é, as representações sociais individuais e coletivas que terão influência direta na interpretação do discurso pelo indivíduo e consequentemente se estenderão a sua ação social. 4.1.1 As relações entre discurso e poder. Como já expusemos anteriormente, o discurso é uma fonte de poder, porém não tradicional, significando que o poder não se efetiva a partir do acesso ou controle a recursos materiais, mas sim por meio do acesso ou controle do discurso público. Em outras palavras, o poder que o acesso e controle do discurso revelam é simbólico, pois a população comum tem controle somente de seus discursos cotidianos como com amigos e familiares, ao passo que existem grupos sociais que controlam o que sai na mídia e de que forma isso é exposto. Com esse poder em mãos, as elites tem a possibilidade de controlar a mente, por conseguinte, o “Controle do discurso

67 público é controle da mente do público e, portanto, indiretamente controle do que o público quer e faz. Não há necessidade de coerção se se pode persuadir, seduzir, doutrinar ou manipular as pessoas.” (DIJK, 2010, grifos meus p. 23). Mas, o que caracteriza este poder social e simbólico? Quais são as estruturas que possibilitam o exercício do controle cognitivo da população através do discurso? De acordo com DIJK (2010) as características do poder podem ser definidas como as seguintes: (a) o poder social é uma relação entre os grupos que se efetiva através do discurso; (b) poder social é uma interação que implica no exercício do poder para uns e na liberdade social limitada para outros; (c) o poder social é indireto e age por meio da “mente” das pessoas, portanto, a forma como ele será recebido depende das características do grupo receptor; (d) grupos poderosos agem, geralmente, em prol de seus interesses; (e) o grupo que detém o poder para manter-se nele, precisa fazer com que os grupos sociais menos poderosos saibam o que eles desejam, para que o controle mental dos poderosos sob os menos poderosos possa se efetivar e isto ocorre por meio da estrutura ideológica; (f) nas sociedades ocidentais contemporâneas o poder é extremamente difuso, existindo elites políticas, econômicas, intelectuais que se mesclam, nesta perspectiva, o poder não é uma ação, mas sim uma interação social; (g) a estrutura ideológica do grupo no poder “é adquirida, confirmada ou alterada, principalmente, por meio da comunicação e do discurso.” (DIJK, 2010, p. 43); e por fim, (h) para se analisar o poder é necessário contrapô-lo as formas de contra poder presentes na sociedade. O simbolismo do poder se expressa através do controle do discurso e da produção mesmo que no fim, levarão a reprodução do discurso pelos que atuam como receptores dele. Desta forma, os donos das empresas de comunicação controlam a produção material do discurso, quer dizer, as condições financeiras, a equipe que fará isso, e como ela fará isso. Essa elite política e econômica controla também a distribuição dos tipos de discurso, principalmente os dos meios de comunicação de massa, e consequentemente, por intermédio dos mecanismos de cognição, têm influência nas ações e falas

68 públicas. Entretanto, no que se refere à articulação e influência do discurso, estas são exercidas, principalmente por uma elite simbólica de intelectuais que produz o discurso. “O modo de produção da articulação é controlado pelo que se pode chamar de “elites simbólicas”, tais como jornalistas, escritores, artistas, diretores, acadêmicos e outros grupos que exercem o poder com base no “capital simbólico” (Bourdieu, 1977, 1984; Bourdieu e Passeron, 1977). Esses grupos possuem relativa liberdade e, por essa razão, relativo poder para tomar decisões sobre os gêneros do discurso dentro do seu domínio de poder e determinar tópicos, estilo ou forma de apresentação de um discurso. Esse poder simbólicos não se limita à articulações em si, mas também inclui o modo de influência: eles podem determinar a agenda da discussão pública, influenciar a relevância dos tópicos, controlar a quantidade e o tipo de informação, especialmente quanto a quem deve ganhar destaque publicamente e de que forma. Eles são os fabricantes do conhecimento, dos padrões morais, das crenças, das atitudes, das normas, das ideologias e dos valores públicos. Portanto, seu poder simbólico é também uma forma de poder ideológico. (...) Ou seja, defendemos que, ao lado das elites política, militar e econômica, as elites simbólicas desempenham um papel essencial ao dar sustentação a aparato ideológico que permite o exercício e a manutenção do poder em nossas modernas sociedades da informação e da comunicação.” (DIJK, 2010, grifos meus p. 45 e 46).

As relações entre discurso e poder são complexas e envolvem questões como o contexto social, o acesso e controle da formação do discurso, bem como possibilidades de conhecer diferentes tipos de discurso, e a cognição social, que significa as representações socialmente compartilhadas, fatores que terão influência direta na interpretação do discurso por seus receptores. Neste sentido, esta vertente de análise, ao entender o poder como social e simbólico, que exercem um controle nos indivíduos, o qual pode se dar pela integração dos grupos dominantes a leis, normas, regras e, portanto, pode assumir a forma de hegemonia gramsciana, hegemonia significa que um grupo legitima seu poder através da integração do mesmo a normas, valores e leis. (DIJK, 2010). Em resumo, as relações entre discurso e poder podem ser definidas: “Para nossa análise das relações entre discurso e poder, portanto, constatamos em primeiro lugar que o acesso a formas especificas do discurso – por exemplo, da política, da mídia ou da ciência -, é em si um recurso de poder. Em segundo lugar, tal como sugerido anteriormente, a ação é controlada através de nossas mentes. Assim, se somos capazes de influenciar as mentes de pessoas – por exemplo, seu conhecimento ou suas opiniões –, podemos indiretamente controlar (algumas de) suas ações tal como sabemos a partir da persuasão e manipulação. Em síntese, fechando o circulo

69 discurso-poder, isso significa que aqueles grupos que controlam o discurso mais influente também possuem mais chances de controlar as mentes e as ações de outros.” (DIJK, 2010, p. 118)

4.1.2 Discurso, sociedade e cognição. Dijk propõe que para uma efetiva análise crítica do discurso é necessário estabelecer uma relação triangular entre discurso-sociedadecognição, porque, de acordo com o exposto até agora, o discurso é uma fonte de poder que têm um controle persuasivo ou manipulativo sobre os receptores dele (sociedade), em um contexto específico dentro de determinadas representações socialmente compartilhadas (cognição), fatores que possuem uma influência direta na interpretação do discurso e na sua consequente reprodução social. Desta forma, a ideia de contexto abarca “a estrutura mentalmente representada daquelas propriedades da situação social que são relevantes para a produção ou compreensão do discurso.” (DIJK, 2010, p. 119). Já a ideia de acesso e controle são as bases fundamentais para estrutura simbólica do poder discursivo (questões abordadas no item anterior), e a cognição social são as representações socialmente compartilhadas, tais como opiniões, normas, ideologias, valores. Em vista disto, o discurso por intermédio de seu simbolismo, pode estabelecer uma relação manipulativa com seus receptores, ao passo que esta é entendida como uma ação que integra comunicação e interação social. Manipular é quando alguém controla outra pessoa contra sua vontade, deixando de exercer um tipo de poder e passando a dominar o outro, sendo assim, a manipulação configura-se como um abuso de poder, pois exerce “uma forma de influência deslegitimada por meio do discurso: os manipuladores fazem os outros acreditarem ou fazerem coisas que são do interesse do manipulador e contra os interesses dos manipulados.” (DIJK, grifos do autor, 2010, p. 234). Porém, nem todo discurso é manipulativo, ele pode apenas exercer uma persuasão legítima, nestes casos os indivíduos deixam de serem receptores passivos do discurso e assumem um papel de interlocutores, diante disso, na persuasão existe a liberdade de escolha, aceitar ou não a ideia do persuasor, já na manipulação não.

70 O discurso manipulativo pode não exercer a mesma influência em todos os grupos sociais, mas quando o faz, seu poder atua sobre a mentalidade do grupo e os leva a acreditar que aquilo é o melhor para todos, mesmo não sendo. Neste sentido, pode-se afirmar que a manipulação é um fenômeno social, cognitivo e discursivo-semiótico, e, portanto, comporta o aporte teórico da análise crítica do discurso, a relação triangular sociedadecognição-discurso: “A manipulação é um fenômeno social – especialmente porque ela envolve interação e abuso de poder entre grupos e atores sociais –, é um fenômeno cognitivo, porque a manipulação sempre implica a manipulação das mentes dos participantes, e é um fenômeno discursivo-semiótico, porque a manipulação é exercida através da escrita, da fala e das mensagens visuais.” (DIJK, 2010, p. 236)

A manipulação discursiva tem como principal objetivo atingir o controle das representações sociais compartilhadas dos grupos, pois por intermédio destas que estes guiam suas ações. A eficiência de tal atitude depende do contexto sócio-histórico-cultural do grupo e também dos recursos linguísticos utilizados, tais como generalização, estratégia global de autoapresentação positiva e outra apresentação negativa, uso de figuras retóricas, expressões sonoras e visuais. “Em outras palavras, o discurso é definido para ser antes de tudo, manipulador, em termos de modelos de contexto dos participantes.” (DIJK, 2010, grifos do autor, p. 252) 4.2 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO CHÁRGICO: UMA CRÍTICA DA CRÍTICA. Tendo em vista as especificidades do discurso chárgico, principalmente seu caráter opinativo, fato que não o desqualifica como fonte de informação, bem como, a sua apropriação de estruturas imagéticas e discursivas para aproximação diferente com o leitor, através do humor, infere-se que a charge apresenta-se como uma forma de contra poder, ou seja, através da sátira ela expressa, e também desafia as relações de poder e dominação política que podem gerar e legitimar desigualdades sociais, fatores que são do interesse da análise crítica do discurso.

71 Cabe ressaltar ainda as características do riso em nossa sociedade. De acordo com George Minois (2003), uma característica do humor e do riso no século XXI, é sua presença em todos os âmbitos da sociedade – público, privado, na política, só para citar alguns exemplos – e, consequente comercialização do mesmo, tendo em vista as particularidades do século XXI, tais como a globalização, o neoliberalismo, a emergência de Estados democráticos, e principalmente, o triunfo do capitalismo, o maior propiciador da comercialização do humor. Gilles Lipovetski, citado por Minois nomeia de forma contundente a sociedade atual como sociedade humorística: “Sociedade na qual o riso é receita eleitoral, argumento publicitário, garantia de audiência para os meios de comunicação e até uma incitação a ação caritativa.” (MINOIS, idem, p. 594). Considerando os aspectos observados, vemos que na sociedade atual o riso assume um caráter dual, sua generalização pode banalizar o que seria uma crítica às estruturas sociais e políticas, bem como, ainda mantém sua essência subversiva, embora, esta se encontre escondida em um discurso precisando de um olhar crítico sobre a crítica que este efetua. Assim, pode-se dizer que o riso é um contra poder legítimo, pois, “um poder que não aceita a zombaria é um poder ameaçado, desprezado, votado a desaparecer. Só se zomba daquilo que ainda inspira algum respeito; o cúmulo do desprezo é a indiferença.” (MINOIS, 2003, p. 596). No que concerne na relação entre o mundo político e o riso, é que temos “consenso humorístico”, que propicia a duplicidade do cômico e o coloca como “o riso-ópio do povo” (MINOIS, idem, p. 599). Desta forma, o cômico comporta dois lados: (a) o cômico soft e descontraído, aquele que banaliza a crítica e naturaliza o processo e (b) o cômico hard e cínico, aquele que critica e subverte o processo. O discurso chárgico abarca estes dois lados, pois por ser interpretativo, pode em um primeiro olhar naturalizar a crítica, e em um segundo olhar, mais profundo e indagador, apresentar seu processo subversivo. Neste sentido, o gênero chárgico é essencialmente critico, e sua presença na ala nobre do jornal corrobora com sua posição, existindo leitores que se apropriam deste discurso e não de outros que podem estar presentes

72 no mesmo. Portanto, a charge através da sátira não reproduz a notícia de maneira neutra, pois por meio dos traços do desenho e de estruturas discursivas, as quais podem ou não ser utilizadas de maneira manipulativa, o chargista coloca sua identidade, visão e interpretação dos fatos no desenho, características que o ligam ao seu público. Se este estiver bem informado sobre o tema abordado, achará a charge mais engraçada do que os leitores desinformados, e justamente por isso, é raro que a charge do dia não esteja em consonância com as notícias do jornal, e principalmente, com as da primeira página. (BATISTEL, 2010). “[...] a charge é crítica porque discute e opina sobre acontecimentos noticiosos, ao utilizar para tal outra linguagem, a do desenho. E, por intermédio desta linguagem consegue resumir e criticar o que há de conteúdo relevante em um fato (fato que é de importância naquela edição); de forma que o leitor compreenda do que se trata e fique informado sobre algo importante que se passa no mundo ou no país aquele dia. Por último, é irônica porque interpreta ao utilizar como recurso a sátira, expõe o fato pelo ângulo do ridículo.” (NERY, 1998, p. 39 apud BATISTEL, 2010, p 64).

Neste aspecto, a charge é um recurso amplamente democrático, pois o chargista exerce sua liberdade em seus desenhos, bem como, por trabalhar com figuras públicas e criticá-las através da sátira, expõe a heterogeneidade social, as mazelas públicas e, também, colabora na construção da imagem do político ou situação social retratada. Entendendo que o discurso chárgico é socialmente, historicamente e culturalmente situado, aborda problemas sociais, e traz consigo uma ideologia. Percebe-se a relevância da técnica de análise crítica do discurso para a charge, pois esta aporta uma relação triangular entre (a) discurso: charge; (b) sociedade: público-leitor; (c) cognição: representações sociais e políticas que são socialmente compartilhadas pelos indivíduos, além das individuais, que estão além do recorte deste trabalho. Como já definimos, cognição social são as representações socialmente compartilhadas, a cognição política entra neste aporte, porém, focaliza para as representações sociais dos indivíduos enquanto atores políticos. Neste sentido, a cognição política relaciona às representações sociais individuais e coletivas às estruturas políticas vigentes, servindo como elo entre as dimensões pessoais e coletivas do discurso e da estrutura política. Logo, a compreensão do discurso chárgico depende do contexto do receptor, isto é, das informações

73 que ele predispõe para compreensão do discurso, bem como, dos seus padrões de acesso a diferentes fontes de informação, além da cognição política e social do mesmo, ou seja, das suas representações coletivas que podem ou não estar em consonância com as expressas no desenho, e que terão influência direta na interpretação, e aceitação do discurso chárgico. Tendo em mente que a mídia como um todo é responsável pela criação da agenda de assuntos, tanto públicos quanto privados e o caráter simbólico de seu poder, bem como, a face crítica do discurso chárgico, nota-se que, mesmo que o discurso possa atuar de forma manipulativa, inclusive a charge, isso não significa que os jornalistas, chargistas e o público em geral não tenha um controle mínimo sobre a informação que recebe e repassa, mesmo porque, a assimilação do discurso depende das cognições, que por sua vez dependem das percepções individuais e coletivas, uma vez que o discurso é uma representação social da realidade. Portanto, as elites materiais e simbólicas que possuem algum tipo de controle sobre a formação do discurso sabem da importância de um contraponto, sendo esta uma das funções sociais da charge, um discurso de contra poder que apesar de implícito estão junto ao discurso dominante explícito, fatores que corroboram para que a charge não seja engraçada para todos. “Os valores, as normas e os arranjos fundamentais são apenas raramente contestados de forma explícita nos meios de comunicação dominante. Na verdade, essa dimensão de discordância é em si própria organizada e controlada. A oposição, também a realizada pelos meios de comunicação, limita-se as fronteiras fixadas pelas instituições de poder e pode, assim, também se tornar rotineira. (DIJK. 2010, p. 75)

A partir do exposto, infere-se que a charge não é um discurso de fácil interpretação, e, por isso, não possui o mesmo nível de graça para todos, além de possuir um acesso limitado, quase exclusivo de uma elite material e simbólica, haja vista que sua presença é massiva no jornal impresso e internet, porém, limitada nas grandes mídias de massa como a televisão. Dados do Censo de 2010 corroboram com esta afirmativa, tendo em vista a grande presença da televisão em lares brasileiros, atingindo o patamar de 95,1%, demonstrando que esta é a principal fonte de informação dos brasileiros, juntamente com o rádio, que está presente em 81,4% dos lares, sendo que

74 estas mídias quase não se utilizam do discurso chárgico. Já a presença de microcomputadores com acesso a internet corresponde a 30,7% dos lares brasileiros. O Censo não traz informações acerca do consumo da imprensa escrita pela população nacional. Outros dados relevantes levantados pelo Censo de 2010, e que complementam a ideia de que

a

charge

é

uma

notícia

consumida,

prioritariamente pelas elites, é o grau de instrução da população no Brasil. Em um recorte de pessoas com 10 anos ou mais, 50,2% da população não possui instrução, ou tem apenas o ensino fundamental incompleto, 17,4% possui o ensino fundamental completo ou o ensino médio incompleto, 23,4% possui o ensino médio completo ou superior incompleto, e apenas 8,3% possui ensino superior. Se somarmos as duas últimas variáveis (ensino médio completo e ensino superior completo) tem-se 31,7% da população com um nível de instrução avançado. No que concerne ao Paraná, 35,6% da população com 25 anos ou mais possui pelo menos o ensino médio completo. A partir de tais dados conclui-se que menos da metade da população possui acesso a diferentes tipos de informação, bem como teve condições materiais e simbólicas para a conclusão dos estudos básicos, sendo menor ainda o acesso da população a universidade. Com isto não queremos afirmar que a população como um todo não possui capacidades cognitivas para interpretação da charge, mas sim, que o acesso a ela é limitado, e que o fator educação corrobora para esta limitação, que é tanto social, quanto intelectual, haja vista que o discurso chárgico trabalha a partir das representações socialmente compartilhadas (cognição social e politica), as quais podem estar sendo aceitas ou criticadas, e para isso é necessário que o leitor entenda o mínimo do que está sendo noticiado para compreendê-la e ver graça na mesma. Desta forma, o presente trabalho pretende através da técnica de análise crítica do discurso, desvendar as possíveis informações presentes no discurso das charges ganhadoras do concurso “As melhores charges do ano” da Gazeta do Povo, de maneira a elucidar as possíveis interpretações que uma parcela da população paranaense faz das estruturas políticas brasileiras, tendo

75 em vista que estas charges foram eleitas pelos leitores do jornal e, assim, compreende-se que estes compartilham da opinião do chargista.

76 5. DOSSIÊ: O LADO OCULTO DAS CHARGES.1 Este capítulo é dedicado à aplicação das teorias e técnicas, apresentadas anteriormente, na análise do discurso chárgico com o intuito de verificar a hipótese de que as charges atuam como uma representação da opinião pública, pois ao se utilizar de recursos discursivos e imagéticos, diferentes dos textos jornalísticos clássicos, a charge estabelece um vínculo distinto com seu público, principalmente aquele que entende sua essência cômica hard e cínica. Tal fator a coloca em outro patamar, não só de formadora da opinião pública, mas também, uma representante da mesma. Para isso, serão analisadas charges veiculadas no Jornal Gazeta do Povo de 2011, especificamente as ganhadoras do concurso “As melhores charges do ano” que elegeu as três melhores charges políticas de cada um dos três chargistas fixos e que publicam diariamente, Ademir Paixão, Tiago Recchia e Bennet. A escolha das imagens vencedoras do concurso é pertinente, haja vista que, foram escolhidas pelos leitores do jornal e expõe as relações estabelecidas por uma parcela do público paranaense com as estruturas políticas satirizadas nas charges. Segundo a redação do jornal, primeiramente, cada cartunista selecionou 10 de suas charges que foram publicadas, e essas 30 imagens formaram o rol de concorrentes. A eleição ocorreu via internet, – pelo site do jornal - onde os leitores votavam em uma charge de cada cartunista, do período de 21/12/2011 a 28/12/2011, sendo que o resultado foi publicado no caderno “Vida Pública” do dia 31/12/2011. No final da votação, que contou com 2.988 votos, publicaram-se as três charges mais votadas de cada chargista. Para este trabalho optou-se trabalhar com a charge mais votada de cada um deles, sendo que, a classificação se estabeleceu da seguinte forma: 1º

1

Análises preliminares deste capítulo foram apresentadas no IV Seminário de Sociologia e Política da Universidade Federal do Paraná – UFPR, de 25 a 27 de Setembro de 2012 na modalidade painel, com o título “Satirizando o Brasil: considerações acerca das percepções político-culturais dos paranaenses através da análise crítica do discurso de charges.” No Grupo de trabalho 05: Comunicação, Mídia e Ciberpolítica.

77 colocado: 382 votos – Charge de Paixão, 2º colocado: 292 votos – Charge de Tiago Recchia, 3º colocado: 265 votos – Charge de Benett. (BÜHRER, 2011). 5.1. GAZETA DO POVO: NOTÍCIAS, DEMANDAS E IMAGENS DO PARANÁ. Para efetivar uma análise crítica do discurso chárgico é relevante falar sobre a história da Gazeta do Povo, bem como, sobre os chargistas, pois, como exposto anteriormente, o discurso chárgico é uma representação social simbólica, que traz muito das percepções individuais e coletivas do artista, tais como suas ideologias, valores, percepções políticas e culturais, enfim, a identidade do chargista é explícita em seu desenho e está em consonância às propostas e práticas da instituição comunicativa em que publica. A Gazeta do Povo foi criada em 23 de fevereiro de 1919, na cidade de Curitiba, pelos advogados Benjamin Lins e De Plácido e Silva. Desde seu primeiro número se coloca como um meio de comunicação que estabeleça o elo entre a sociedade civil e o Estado.

Neste sentido, a gazeta procura

construir uma imagem de “Diário Independente”, como diz seu subtítulo, capaz de relatar a realidade da sua região, do país e interagir com diferentes instâncias políticas. É verdade que de início o jornal era mais um apanhado de propagandas, e algumas notícias, algo que se modificou estruturalmente ao passar dos anos possibilitando sua permanência no mercado jornalístico até a atualidade. O principal objetivo da gazeta é realizar um jornalismo que de conta das informações cotidianas, econômicas, sociais e políticas do Estado e da Nação, possibilitando que se efetive uma relação diária com o leitor. Logo, pode-se dizer que a Gazeta do Povo é um informativo que procurou estar em consonância com os ideais republicanos e independentes que fervilhavam na época, embora, muitas vezes os tenha desrespeitado, não seguindo o ideal apolítico e publicando matérias tendenciosas. (SANTOS, 2011.) “Portanto, cabia ao jornal mais do que divulgar, comentar e analisar, ampliar aquilo que julgasse ser do interesse da maioria. Construía-se, pois, a imagem de independência do periódico que não estaria − na produção discursiva de sua instituição − atrelado a interesses minoritários. Mas na prática tal não acontecia. A subscrição realizada para a transformação da empresa em Sociedade Anônima colocava

78 entre os acionistas majoritários do jornal proprietários das principais atividades econômicas do estado (a extração da erva mate e as indústrias madeireiras).” (Gazeta do Povo. 3 fev. 1935. Edição Comemorativa do 16º aniversário apud Santos, 2011, p. 25 e 26).

Atualmente, a estrutura do jornal continua a servir informações as elites materiais e simbólicas do Estado, abarcando temas referentes à capital, e ao interior do Estado, bem como, trazendo noticiais relevantes do território nacional e no âmbito mundial, isso porque, a gazeta é consumida

pelos

leitores de jornal impresso e eletrônico. Entretanto, o grupo ao qual o jornal pertence, o GRPCOM – Grupo Paranaense de Comunicação -, possui também outros jornais impressos: Gazeta de Maringá, Jornal de Londrina; Paraná Online e Tribuna; além de emissoras de rádio e televisão: 98 FM, Mundo Livre 93.9 FM, 102.5 Cultura FM, OTV, a RPCTV, filial da Rede Globo no Paraná, e a mais recente aquisição, a HDview uma unidade móvel em alta definição capaz de cobrir diversos eventos, desde shows a conferências institucionais em

tempo

real

em

alta

definição.

(GRUPO

PARANAENSE

DE

COMUNICAÇÃO). Tais características demonstram o alcance do grupo ao qual a gazeta pertence, e neste sentido, corrobora a afirmação de que o jornal impresso é de alcance das elites e o grupo atinge a população como um todo através da televisão e do rádio, os quais de acordo com os dados do Censo de 2010 estão presentes, respectivamente, em 95,87% e 88,22% dos domicílios paranaenses. 5.1.1 Os homens da sátira: Paixão, Recchia e Bennet. A Gazeta do Povo conta com três profissionais das charges políticas, Bennet, Ademir Paixão e Tiago Recchia, os quais publicam diariamente no editorial. Ademir Paixão é o mais antigo dos três chargistas, está na Gazeta do Povo há 25 anos, veio do interior do sudoeste do Paraná e é formado em jornalismo, atuando desde o inicio da carreira nas áreas do cartoon e da charge. Possui um traçado que se expressa muito pela associação com elementos externos ao desenho, porém sem perder a característica temporal da charge, a saber, iniciar e terminar em si mesma. (PAIXÃO, [entre 2009 e 2012]).

79 Já Tiago Recchia, é o único dos três que não é formado em jornalismo, é desenhista autodidata e diz que descobriu o gosto pelo desenho aos dez anos, ocasião em que quebrou a tíbia e o perônio da perna esquerda. Ele está no ramo das charges desde os 13 anos, quando publicava sátiras políticas no Jornal O Paraná, da cidade de Cascavel. Aos 16 anos, vai a Curitiba, e, com autorização dos pais, começa a publicar para extinto Correio de Noticias. Após isso, trabalhou no Jornal do Estado e aos 23 anos foi convidado para atuar na Folha de São Paulo. Retornou ao Paraná e desde 2005 publica duas charges diárias na Gazeta do Povo, uma política e comportamental e a tirinha futebolística “Los três inimigos”. Seu traçado é detalhado o que corrobora na ironia do discurso chárgico. (RECCHIA, 2009). Bennet tem 38 anos, é formado em jornalismo, se intitula como chargista, cartunista e ilustrador profissional há 12 anos, sendo que destes há 11 publica na Gazeta. Já publicou, também, nos jornais Primeira Hora, Jornal do Brasil e Folha de São Paulo. A principal característica de seus desenhos é a simplicidade do traço, porém sem deixar o caricato perder o brilho do ridículo. (BENNET, 2007). 5.2. “AS MELHORES CHARGES DO ANO” - INFORMAÇÃO E OPINIÃO NO DISCURSO CHÁRGICO DA GAZETA DO POVO. Tendo como aporte toda a teoria, técnicas e contexto que foram apresentados até então procuraremos expor como pode ocorrer à interação entre estruturas politicas, a charge e o leitor.

CHARGE 28 – ADEMIR PAIXÃO.

80

FONTE: PAIXÃO, Gazeta do Povo. “ As melhores charges do ano”.31/12/2011.

Esta é a charge vencedora do concurso “ As melhores charges do ano”, nela Paixão retratou a Esplanada dos Ministérios com duas garrafas de óleo de peroba no lugar das torres, tendo como informação direta o fato que os políticos que habitam este lugar são caras de pau. Esta primeira interpretação, remete-se ao cômico soft e descontraído, ou seja, um uso manipulativo do discurso chárgico, no sentido de naturalizar a prerrogativa que todo político não vale nada, sempre foi assim, e sempre vai ser. Porém, ao se olhar de maneira crítica para a charge, propiciada pelo acesso a diferentes discurso e pelos mecanismos de cognição social e política, percebe-se a informação indireta que carrega consigo, o cômico hard e cínico, ou seja, além da crítica pela crítica que é a de que todo político não vale nada. Se relacionarmos a função conservadora do óleo de peroba na madeira com a conservação no poder por diversas figuras polítcas que atuam em Brasília, infere-se que Paixão está ridicularizando as estruturas que estes utilizam para se manter no poder.

81 Retomando que a democracia brasileira é considerada consolidada, por respeitar diversos fatores institucionais, é percebida como razoalvemente sotifisticada pelos brasileiros, porém convive com ideais autoritários, práticas pratimonialistas e clientelistas, consequências da mistura entre os âmbitos públicos e privados que geram o hibridismo político cultural brasileiro. Infere-se que a crítica tecida por Paixão, refere-se ao sistema eleitoral brasileiro não necessariamente a população que colocou candidatos caras de pau para representa-la, mas, as estruturas que os políticos utilizam para se manter no poder, em outras palavras, a critica é a máquina que passa o óleo de peroba nos políticos e os conserva no poder. Entretanto, o que funciona como a máquina passadora de óleo de peroba? São vários fatores, tais como: processos eleitorais, financiamento dos mesmos e compra de apoio político no congresso com uso de dinheiro público, atitudes que demonstram o clientelismo presente na ação política brasileira. Outro fator é o desafeto político da população perante o sistema, ou seja, a preferência pela democracia combinada a desconfiança e descredito às suas instituições. Neste último ponto pode-se fazer uma interface com a música “Por pouco” da banda pernabucana Mundo Livre S/A, a qual fala das atitudes do povo brasileiro que corroboram com essas estruturas: “ Estamos quase sempre otimistas/ Tudo vai dar quase certo/ Pois o ano esta quase acabando/ Depois de termos quase certeza/ Que dento em breve teremos um quase/ Alegre carnaval/ Por pouco não trouxemos o penta/ Quase acertamos na loto/ Quase compramos a casa/ Quase ganhamos o carro/ A moça da banheira ficou quase nua/ A gostosa da praia quase dá, não dá/ Quase dá, não dá mole, não/ Por pouco não ganhamos o Oscar/ Quase ficamos no emprego/ Quase pagamos a dívida/ Quase evitamos a falência// A moça da banheira ficou quase nua/ A gostosa da praia quase dá, não dá/ Quase dá, não dá mole, não/ Contribuintes não contam/ Torturadores não sentem/ Esculturas de lama não morrem/ Jornalistas mortos não mentem/ Votamos no quase honesto, pois quase confiamos nele/ Acabamos de entrar pelo cano/ Por pouco não reagimos, quase nos revoltamos/ Mas quase confiamos na justiça e na sorte.” ( Mundo Livre S/A).

Dentro desta perspectiva, o cômico hard e cínico e, portanto a crítica executada por Paixão é a exposição do conformismo brasileiro que se unindo a prerrogativa que a democracia é o sistema eleitoral, votar a cada dois anos, confirmando o nosso desafeto político que permite que deixemos no poder

82 políticos caras de pau, os quais querem se manter lá, e usam destas características para consegui-lo. CHARGE 29 – TIAGO RECCHIA.

FONTE: RECCHIA, Gazeta do Povo. “ As melhores charges do ano”.31/12/2011.

Esta é a segunda colocada do concurso, e satiriza a demora no processo de julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal – STF. A informação direta, aquela que comporta o cômico soft e descontraído, demonstra a estátua da justiça sentada em frente ao STF, toda suja em coloração marrom, com um ar derrotado. Porém se analisarmos as informações indiretas, o fato das marcas de sujeira ser só marcas, a estátua não apresenta nenhum ferimento que possa tirar a justiça do jogo, juntamente com a peculiaridade da criação da Lei da Ficha Limpa, a qual é a primeira lei de iniciativa da sociedade civil que atingiu o 1% de assinaturas

83 de eleitores e foi aprovada em todas as instâncias. Segundo o sitio eletrônico do movimento, este visa: “melhorar o perfil dos candidatos e candidatas a cargos eletivos do país. Para isso, foi elaborado um Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a vida pregressa dos candidatos com o objetivo de tornar mais rígidos os critérios de quem não pode se candidatar - critérios de inelegibilidades. Assim, o objetivo do Projeto de Lei de iniciativa popular era alterar a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, já existente, chamada Lei das Inelegibilidades.” ( Portal Ficha

Limpa.)

O movimento Ficha Limpa iniciou-se em 2008, rodou o Brasil inteiro para coletar as 1,3 milhões de assinaturas ao se favor, os 1% dos eleitores, e em 29 de setembro de 2009, o Projeto de Lei, juntamente com as assinaturas, foi entregue ao Congresso Nacional. Nesta esfera do poder passou pela votação da Câmara de Deputados e do Senado, sendo sancionada, em 04 de junho de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Complementar nº 135/2010 que põem como requisito de legibilidade a Ficha Limpa. Porém, ainda faltava o crivo do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da lei, o qual só foi declarado como tal em 16 de Fevereiro de 2012, com sete votos a seu favor e quatro contra tendo validade já para as eleições municipais do mesmo ano. Essa particularidade da Ficha Limpa, ser uma lei que inverte a hierarquia comum, de cima para baixo remete ao fato que a cultura política brasileira é hibrida e este é um reflexo do lado democrático da mesma, é como se o brasileiro sugerisse, a democracia é o melhor regime, nós queremos ele, mas da forma que esta sendo executado, com tanta corrupção, não é democracia. Se unirmos este fator a uma das principais informações da charge, que são as marcas de sujeira na estátua, sendo que, nas que podem ser definidas, o desenho é da palma de uma mão, infere-se então que a justiça está lutando com o lado sujo do hibridismo, para que ela possa se exercer em sua plenitude. Neste sentido, o fato dela estar sentada com a face entre as mãos, deixa de representar a derrota e passa a se referir à vergonha, por ver que a prática política é permeada por características autoritárias, que interferem na qualidade da democracia e no desenvolvimento da mesma, colocando inúmeras barreiras ao seu funcionamento.

84 CHARGE 30 - BENETT.

FONTE: BENETT, Gazeta do Povo. “ As melhores charges do ano”.31/12/2011.

Está e a terceira colocada, e última charge a ser analisada do concurso “As melhores charges do ano”, produzida por Benett, na qual ele satiriza a corrupção política através das obras do megaevento que ocorrerá no Brasil em 2014, a Copa do Mundo de Futebol. O humor cômico soft e descontraído se utiliza das estruturas desta charge para mostrar a displicência dos políticos quanto ao dinheiro público, haja vista que a preocupação deles é que o dinheiro das propinas ainda não chegou até eles e não referente aos atrasos materiais da obra. Neste sentido, a mensagem direta traz críticas a corrupção de maneira a naturalizar e deixar engraçado o fato que ocorre desvio de verba pública no Brasil em qualquer obra, e com a Copa não seria diferente, pois são inúmeras obras espalhadas pelo país com data marcada para entrega, sem possibilidades de prorrogação que são um chamariz de dinheiro. Porém, como se sabe, charge também comporta o humor cômico hard e cínico, portanto, acima de uma crítica a corrupção política, o discurso chárgico de Bennet satiriza pelo discurso indireto, megaevento no Brasil,

a realização deste

e a manipulação midiática para que a população

acredite que a Copa do Mundo é um evento de importância para ela e trará inúmeras benesses ao país, embora não seja bem assim. A fala do político

85 “Estou preocupado com os atrasos! Faltam menos de mil dias para começar e as propinas nem caíram na minha conta ainda.”, bem como, sua expressão indignada, corroboram com esta perspectiva, tendo em vista que os políticos se encontram em um terreno de obras, o qual está totalmente parado. Portanto, o que Bennet pretende ridicularizar é a ação dos grupos poderosos, materialmente e simbolicamente, de manipular a população para que esta acredite que a Copa do Mundo no Brasil trará possibilidades para que a população vá ao estádio assistir os jogos, trará melhoria na infraestrutura, empregos e consequentemente obterá lucros. Entretanto, estas elites sabem que as benesses do evento serão para eles e não para a população como um todo por isso, ela se esforça a persuadir a população a acreditar que isto realmente será bom para eles, fato confirmado pela placa ao lado que diz: “Breve aqui: superfaturamento de obras; desvio de verba; elefantes brancos”. As duas primeiras conclusões referem-se diretamente a ação corruptiva das elites, já a última, elefantes brancos, refere-se justamente a manipulação de que a Copa será bom para nós, contudo, teremos alguns superestádios no país que depois deste megaevento serão pouco utilizados em sua plenitude, sendo literalmente, um elefante branco, ou seja, grande, bonito mas sem utilidade prática e extremante caros. Assim, a charge coloca em perspectiva o lado b da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, pois estão sendo investidos milhões para a realização das obras, as quais devem cumprir os requisitos da FIFA – Federação Internacional de Futebol -, e este dinheiro vêm quase em sua totalidade dos cofres públicos, como: BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento -, e da Caixa Econômica Federal, haja vista que, o Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou em 2011, que dos 23,35 bilhões previstos para os gastos com a Copa, apenas 336 mil, 1,44% vem de financiamento privado. Portanto, as obras da Copa estão aumentando a dívida pública brasileira, além de desapropriar inúmeras famílias, propiciando a especulação imobiliária. As supracitadas famílias, que, diga-se de passagem, são provenientes da base, não foram realocadas, e não tem interesse direto pelo evento, pois não participarão dele, já que o público alvo para os jogos não é a população brasileira,

esta como sempre,

86 acompanhará o evento pela televisão, mas

sim o público exterior,

principalmente o Europeu. Cabe ressaltar que, a Europa passa por uma crise financeira muito grande, que pode não se resolver até 2014, o que põem em risco o sucesso do evento, bem como, o fato de que a África do Sul, sede da Copa de 2010, teve de aumentar a verba destinada a manutenção de seus elefantes brancos posteriormente ao evento, além de que, quem obteve lucro com isso não foi o país e sim a FIFA, os grandes bancos, empresários e empreiteiros, ficando para a nação sul-africana os gastos e dívidas. Deixando explícito que a Copa do Mundo não traz gastos apenas antes do evento, após o mesmo, os estádios modernos precisarão de manutenção, a qual não é barata, e será realizada a partir do dinheiro público que poderia ser investido em outros âmbitos que de fato são necessários para o bem estar social. A partir das descrições e análises das charges acima e tendo em mente o caráter opinativo e de contrapoder legítimo deste discurso, nota-se que as três relatam o poder social da elite política brasileira, que significa, o controle que esta elite em específico exerce sobre as ações e mentes da população como um todo. Neste sentido, elas tecem críticas a dominância exercida por estas esferas do poder, e portanto, relatam os abusos de poder por parte da classe polítca, ou seja, a execução ilegitima do poder que leva a dominação de uns sobre outros, em prol dos interesses de uma minoria que geralmente resulta em desigualdades sociais. Nos casos apresentados, notase o poder simbólico e manipulativo do discurso, lembrando que manipulação é levar os indivíduos a acreditar que determinadas ações serão boas para eles, embora tragam benesses somente a classe dominante. Neste sentido, as charges criticam a ideologia dominante através da sátira, como já foi exposto na descrição e análise das mesmas. Aqui, entendese que a ideologia, juntamente com normas, valores e leis são representações socialmente compartilhadas, e portanto, referem-se a cognição social e política que por serem caracteristicas mentais interferem diretamente na interpretação dos fatos e no acesso ao discurso, tanto no que diz respeito a sua formação – quem fala, sobre o que/quem fala, como fala -, quanto na recepção do mesmo

87 em suas diferentes formas. Cabe ressaltar que o acesso a formação do discurso é limitado as elites tanto materiais, portanto, econômica, militar e politica, e quanto as elites simbólicas: intelectuais, jornalistas, jurista. Já população como um todo possui um acesso limitado tanto na formação do discurso, como na recepção de diferentes discursos, além de ter um controle precário sobre o que faz, pensa e diz, a população é limitada, também, no acesso a diferentes formas de discurso. Neste sentido, supre suas necessidades informacionais e de certa forma de diversão, através da mídia de massas, que no caso brasileiro apresenta a particulariedade de uma emissora atingir mais de 50% de audiência no horário nobre, demonstrando a massiva difusão do mesmo discurso no país. Assim, as elites, e também a mídia,

se utilizam do discurso de

maneira manipulativa, e portanto, dominam os leitores-eleitores, através da hegemonia,desta forma, os valores, normas e ideologias dos mesmos são naturalizados e estendidos a população como um todo de maneira que o controle das mentes e reprodução das estruturas de poder vigente ocorra de forma natural e não seja notada. Nesta perspectiva, a charge pode atuar tanto como legitimadora desta ideologia e abusos de poder, caso referente ao seu lado cômico soft, ou como prevê sua essência, ser um contrapoder legítimo, que por meio da sátira efetua críticas as estruturas do poder, a ideologia dos dominantes, demontrando desta forma, o lado cômico hard do discurso chárgico. Porém, como já explicitamos anteriormente, o acesso a essência do discurso chárgico, e portanto ao seu lado hard é limitado, haja vista que, para atingi-lo é essencial que os indivíduos tenham acesso a diferentes formas de discurso que combinados as suas representações socialmente compartilhadas o levem a essa interpretação. Portanto, nota-se a relação triangular entre discurso-sociedadecognição, ou seja, a charge é um discurso que por sua vez é uma fonte de poder na sociedade atual ao atingir uma parcela da sociedade, o leitor-eleitor do jornal, a qua através de suas representações socialmente compartilhadas, a congnição, interpreta a notícia. O fato da charge usar recursos imagético torna

88 difícil a sua compreensão , a qual leva a duplicidade cômica deste discurso, ser legitimador da manipulação ou delator da mesma.

89 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de entender a democracia brasileira, bem como a sua cultura política e as maneiras como a mídia interfere nas interpretações do indivíduo sobre a vida política. Neste sentido, procurou-se verificar a hipótese de que o Brasil é uma democracia consolidada, embora sua cultura política apresente aspectos tanto autoritários quanto democráticos, e também, que a mídia brasileira tem um papel diferenciado na sociedade. Assim, através da análise crítica do discurso buscou-se averiguar como parcela do público paranaense interpreta as estruturas político culturais do sistema político brasileiro por meio do discurso chárgico veiculado no jornal estadual Gazeta do Povo. De acordo com Allain Touraine (1996) a democracia depende tanto das instituições, quanto da cultura política que legitima a atuação das primeiras. Neste sentido, entende-se que a democracia não abarca a sociedade como um todo, mas refere-se somente ao sistema político, que é o único capaz de preservar o primado da lei, defendido pelo Estado, e as diversidades sociais, culturais e de interesses presentes na sociedade civil. Desta forma, entende-se que o sistema político é o elo entre Estado e sociedade civil, responsável pela mediação deles, para que nenhum se sobressaia sobre o outro e contradiga os pressupostos democráticos. Sendo assim, a cultura política democrática, entendida como as representações, valores e significados que o sujeito atribui ao mundo político em que vive, são fundamentais para o efetivo funcionamento da democracia. No que concerne à realidade brasileira, uma das características da cultura politica é não ser integralmente democrática, tendo em vista que a literatura especializada a define como híbrida, ou seja, nela, práticas clientelistas e patrimonialistas, heranças da longa tradição de regimes autoritários e da mistura entre os âmbitos públicos e privados, coexistem com a emergência de uma cultura democrática, iniciada com o novo período democrático, em 1989,e se estende até os dias atuais. Como demonstramos, a partir dos estudos de Marcelo Baqueiro (2001), José Álvaro Moisés (2008; 2010) e Ednaldo Ribeiro (2011), verificou-se que qualidade das interpretações da sociedade brasileira sobre o que é democracia evolui de maneira significativa ao longo dos anos ocorrendo uma queda nas respostas

90 incongruentes. Por conseguinte, as relações a democracia se efetivam de maneira mais significativa no que se refere às liberdades civis e políticas, e as instituições e procedimentos deste regime, fatores que funcionam bem na democracia brasileira, porém, a porcentagem mais baixa de relações ao regime refere-se aos seus fins sociais. Junto a estas características, verificamos também que a mídia de massas, principalmente a televisão e o rádio, são os maiores provedores de informação da sociedade atual. Neste sentido, o acesso às informações do jornal em forma impressa ou digital, locais onde a charge se encontra, é limitado a uma parcela da população, porque mesmo que o radialista leia as notícias do jornal em seu programa, com a fala, ele não reproduz o discurso da charge, pois ao passo que ele está interpretando o desenho este passa pelo crivo de suas representações socialmente compartilhadas, deixando de ser o discurso original, passando a ser a versão do radialista sobre ele. O discurso chárgico ainda apresenta a particularidade de possuir os dois lados do humor, um manipulativo que procura manter um sempre foi assim e sempre vai ser¸ o cômico soft e descontraído e o outro, que é sua essência satírica e crítica um cômico hard e cínico que escracha o mundo político. A partir da análise crítica do discurso chárgico das vencedoras do concurso “As melhores charges do ano” (2011), percebeu-se que os três chargistas criticam as características autoritárias da cultura política brasileira, ou seja, as práticas coronelistas, clientelistas que permeiam o sistema político brasileiro e o impedem de ser efetivamente democrático. Portanto, a análise apresentada, corrobora com as afirmações iniciais sobre a ideia de que a democracia brasileira é institucionalmente consolidada, e os brasileiros possuem uma percepção razoavelmente sofisticada da mesma, que devido ao hibridismo da cultura política brasileira gera uma coexistência de práticas democráticas e autoritárias. Assim sendo, os chargistas teceram críticas aos abusos de poder e a manipulação da elite política para com o restante da população, demonstrando que as representações socialmente compartilhadas, a cognição política e social dos brasileiros é hegemônica em termos gramscianos e portanto, significa que o brasileiro traz consigo representações que não lhe são próprias enquanto categoria social, pois remetem as percepções das elites, as quais,

91 através da manipulação do discurso são repassadas a população e internalizadas por esta, de maneira que ela acaba por legitimar as desigualdades sociais e permitir abusos de poder que impedem o efetivo funcionamento de nossa democracia. A partir das características apresentadas pela análise do discurso chárgico, e dos dados apresentados ao longo do trabalho, infere-se que a parcela da população paranaense, que é leitora da Gazeta do Povo e elegeu as charges do ano, percebem assim como o chargista, as incongruências e precariedades do sistema político brasileiro, confirmando a ideia apresentada por José Álvaro Moises (2008; 2010) referente à percepção sofisticada da democracia, bem como, o nosso hibridismo cultural que permite que práticas não democráticas permeiem o sistema político. Diante do exposto, pode se dizer que as elites materiais e simbólicas do Paraná, e, portanto, aqueles que têm acesso ao cômico hard e cínico do discurso chárgico e o acham engraçado, entendem as contradições do sistema político brasileiro.

92 REFERÊNCIAS AMORIM, Maria Salete. Democracia e cultura política e decisão eleitoral no oeste do Paraná. Cascavel – PR: Edunioeste, 2010. BANK, Marcus. Dados visuais para pesquisa qualitativa. Tradução José Fonseca. Porto Alegre: ARTMED, 2009. BAQUERO, Marcelo Cultura política participativa e desconsolidação democrática: reflexos sobre o Brasil contemporâneo. In: São Paulo em perspectiva. Vol. 15, n. 4, São Paulo Oct./ Dec. 2001. Disponível online em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s010288392001000400011&script=sci_arttext > Acesso em 30 Jul. 2012. BAQUERO, Marcelo; GONZALEZ, Rodrigo S. Eleições, estabilidade democrática socialização política: análise longitudinal da persistência de valores nas eleições presidênciais de 2002 a 2010. In: Opinião Pública, Campinas, vol. 17, nº 2, Novembro, 2011. Disponível online em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01042762011000200004&script=sci_arttext > Acesso em 01 Jun.2012 BAQUERO, Marcelo. LINHARES, Bianca F. Por que os brasileiros não confiam nos partidos? Bases para compreender a cultura (anti) partidária e possíveis saídas. In: Revista Debates, Porto Alegre, v. 5, n. 1, jan. - jun. 2011. Disponível online em: < http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/20058 >. Acesso em 05 Jun.2012. BATISTEL, Silmara S. Lula-lá e o PT em circulação nas charges de Angeli, um estudo em análise crítica do discurso. 153 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Educação, Comunicação e Artes, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2010. BENETT, Blog Salmonelas: 06/11/2007. Disponível online em: < http://www.gazetadopovo.com.br/blog/salmonelas/?aut=1> Acesso em 12 Ago.2012 BRASIL, Censo Demográfico 2010: Resultados Gerais da Amostra. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, Rio de Janeiro, 2010. BRASIL, Hábitos de informação e formação de opinião da população brasileira II (2010). Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, SECOM, Brasília, 2010. BÜHRER, Rodolfo. Leitor escolhe as charges de 2011. Gazeta do Povo. Curitiba, 21/dez./2011. Caderno Vida Publica. Disponível online em: < http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1205540 > Acesso em 23 Mar. 2012. BÜHRER, Rodolfo. As melhores charges do ano. Gazeta do Povo. Curitiba, 21/dez./2011. Caderno Vida Publica. Disponível online em: 31/dez./2011. Disponível online em:

93 Acesso em 23 Mar.2012. DAHL, Robert. Poliarquia: Participação e oposição. Tradução: Celso Mauro Parcionik. São Paulo, SP: Edusp, 1997. DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1991. DIJK. Teun A. van, Discurso e poder. Judith Hoffnagel, Karina Falcone (org.) 2 ed. – São Paulo: Contexto, 2010. FICHA LIMPA. Portal Ficha Limpa – A lei que o Brasil faz valer. Disponível online em: < http://www.fichalimpa.org.br/index.php/main/links > Acesso em: 20 Set.2012. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. HANSEN, Jaqueline Resmini. Os múltiplos olhares ante a democracia paraguaia. 2011. 60f. Relatório Final de Projeto Institucional Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/ Fundação Araucária). Ago. 2010 a Ago. 2011. HANSEN, Jaqueline Resmini. Satirizando o Brasil: considerações acerca das percepções político-culturais dos paranaenses através da análise crítica do discurso de charges. IV Seminário de Sociologia e Política, Curitiba, 25 a 27 Set. 2012. Trabalho apresentado na modalidade Painel. LEMOS, Renato. (org.) Uma história do Brasil através da caricatura: 1840 2001. – Rio de Janeiro: Bom Texto, Letras e Expressões, 2001. MIGUEL, Luiz Felipe. A mídia e o declínio da confiança na política. In: Sociologias, Porto Alegre, nº 19, jan/jun. 2008. Disponível online em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151745222008000100011&lng=en&nrm=iso > Acesso em: 20 dez.2011 _______________. Mídia e Opinião Pública. In: Sistema Político Brasileiro: Uma introdução. São Paulo, UNESP, 2006. _______________. Mídia e vínculo eleitoral: a literatura internacional e o caso brasileiro. In: Opinião Pública, Campinas, Vol. X , nº 1, maio, 2004. Disponível online em: Acesso em: 15 Maio 2012. MINOIS, George. História do riso e do escárnio. Tradução: Maria Helena O. Ortiz Assumpção. – São Paulo: Editora UNESP, 2003. MOISES, José Álvaro. Cultura Política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, Vol. 23 nº 66 Fevereiro, 2008. Disponível online em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010269092008000100002&script=sci_arttext > Acesso em: 15 Jun. 2012.

94 _____________: Os significados da democracia segundo os brasileiros. IN: Opinião Pública, Campinas. Vol. 16, nº 2, Novembro, 2010. Disponível online em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010462762010000200001&script=sci_arttext > Acesso em: 22 Jun. 2012. MUNDO LIVRE S/A. Por Pouco. Recife. Coqueiro Verde. 2000. 01 CD-ROOM. Faixa 01. NUNES, Edson O. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: Princípios e procedimentos. 7ª Edição, Campinas, SP: Pontes, 2007. PAÊBIRÚ. Domínio Público. Documentário, 17 min. 45 seg. Disponível online em: < http://www.youtube.com/watch?v=BIGMYjQzHdk> Acesso em: 11 Out. 2012. PAIXÃO, Ademir. Outra conversa com o Cartunista Paixão. OTV, Curitiba, 07/Maio/ [entre 2009 e 2012] 23 minutos. Entrevista concedida a Sandro Dalpícolo. Disponível online em: < http://www.otv.tv.br/video/outra-conversacom-o-cartunista-paixao/ > Acesso em: 18 set. 2012. PZERWOSKI, Adam. Democracia e Mercado: Reformas Políticas e Econômicas na Europa Oriental e na América Latina .Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro, RJ: Relume-Dumará,1994. RECCHIA, Tiago. Recchia e ‘Los 3 Inimigos’: divertir e educar. Jornal de Comunicação da UFPR. 10/abr./2009. Entrevista concedida a Helen Anacleto. Disponível online em: < http://www.jornalcomunicacao.ufpr.br/materia5779.html > Acesso em 17 Set. 2012. RIBEIRO, Ednaldo Aparecido. Confiança política na América Latina: evolução recente e determinantes individuais. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 12, n. 39, jun. 2011. Disponível online em: Acesso em 25 Jun.2012 ROCHA, Enivaldo Carvalho; CARMO, Erinaldo Ferreira. Uma contribuição no estudo da centralidade da mídia no Brasil. In: Comunicação & Estratégia [revista eletrônica] Vol. 03, nº 05, Dezembro, 2006. Disponível online: Acesso em: 01 Jul. 2012. SANTOS, Alexandre Correia dos. O jornalismo de região em consonância com a história de seu povo: um breve estudo da trajetória da Gazeta do Povo. In: REBEJ – Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo. Ponta Grossa: vol. 1, n. 8, jan. a jun. de 2011. Disponível para download em: Acesso em: 08 Set. 2012.

95 TRINDADE, Hélgio. Bases da democracia brasileira: a lógica liberal e a práxis autoritária (1822-1945). In: ROUQUÉ Allain., LAMOUNIER Bolívar. e SCHVARZER Jorge (Orgs).Como Renascem as Democracias. São PauloSP: Brasiliense, 1985. p. 47 a 72. TOURAINE, Allain. O que é democracia. Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis - RJ: Vozes, 1996.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.