POR QUE ÁREAS VERDES NÃO SÃO ÁREAS NATURAIS? DIFERENÇAS SIGNIFICATIVAS NA CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

May 23, 2017 | Autor: Edegar Bernardes | Categoria: Conservation, Gardening, Paisagismo, Landscaping, Biodiversidade E Conservação
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Edegar Bernardes Silva

POR QUE ÁREAS VERDES NÃO SÃO ÁREAS NATURAIS? DIFERENÇAS SIGNIFICATIVAS NA CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Recentemente, houve uma discussão sobre a substituição de grafites em uma certa avenida da cidade de São Paulo por plantas, numa espécie de jardins verticais ao longo dos muros. Sem entrar no mérito da questão se isso é certo ou não, quero abordar aqui apenas um comentário que li nas redes sociais. Nele, a pessoa falava sobre o aumento da biodiversidade, atração de insetos, melhora da qualidade ambiental etc., que a medida proporcionaria. Fiquei um pouco reticente com esse comentário, pois não acredito que o modelo atual de jardins verticais seja capaz de trazer benefícios em relação à conservação da biodiversidade de modo tão relevante como foi exaltado, sobretudo se houver o emprego de espécies exóticas, como se vê na maioria dos projetos paisagísticos que vemos hoje. Não se pode negar os benefícios de um jardim ou de áreas verdes na qualidade de vida de um cidadão urbano. Aliás, os jardins estão na história da humanidade desde tempos distantes, justamente por trazer para perto do homem um pouco da natureza que lhe é retirada com o desenvolvimento das sociedades. Mas jardins são construções essencialmente humanas, possuem conformações e, conseqüentemente, vocações bastante diferentes de áreas naturais, por considerar aspectos sociais, práticos, técnicos e estéticos. Do ponto de vista da riqueza de espécies e dos processos ecológicos, pensar que áreas arborizadas, jardins suspensos, verticais, convencionais, áreas gramadas etc. podem substituir facilmente áreas naturais é um equívoco. Existem áreas em São Paulo que ainda guardam resquícios de vegetação natural, sejam elas de matas, campos alagados ou de campos cerrado e que sofrem com a ameaça da urbanização ou mesmo da falta de conhecimento da população de qual vegetação se encontrava ali anteriormente. O livro de Daniel Caballero (Guia de campo dos Campos de Piratininga ou o que sobrou do Cerrado Paulistano ou como fazer seu próprio Cerrado Infinito) elucida bem esta questão ao contrapor, por exemplo, um projeto de telhado verde, que tem sua importância na cidade, mas que foi criado em cima de um edifício onde havia outrora uma série de espécies nativas isoladas e mais ou menos conservadas. Mesmo essa área hipotética, a qual terá um certo nível de degradação visto sua posição no mosaico urbano, tem sua importância ecológica, ainda mais por serem consideradas relíquias de uma paisagem praticamente extinta. Uma comunidade ecológica, tal como uma floresta ou um campo natural, quando desenvolvida, é capaz de se manter em equilíbrio. Esse equilíbrio é perdido quando a comunidade sofre uma forte perturbação que descaracteriza o equilíbrio de seus processos naturais. Para que os processos naturais estabilizem-se novamente, é necessário um tempo que, via de regra, está muito além de uma vida humana. Este valor pode variar de mais de 100 anos para florestas até cerca de 10 mil anos, a depender das condições ecológicas. No estágio final da sucessão ecológica, conhecido como clímax, há diversas perturbações naturais, mas que, no todo, não alteram drasticamente o status final da vegetação naquele ecossistema. Abrem-se diversas clareiras na Mata Atlântica e na Amazônia devido a quedas de árvores, mas nem por isso perdem-se as características essenciais que dão forma ao ecossistema como um todo. Outra característica visível em comunidades clímax é que quanto

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mais próximas desse estágio, mais complexas são as relações ecológicas entre os seres vivos e maior tende a ser sua biodiversidade. A depender do nível de degradação de uma área natural, é necessário um longo tempo para que ela se recomponha e, como se sabe atualmente, o resultado desta recomposição poderá ser muito distinto do estado anterior. Poderá ser dito, por exemplo, que haverá perda de espécies de animais e/ou vegetais que outrora habitavam a localidade, ou então que algumas espécies, cujas populações eram antes controladas em um equilíbrio complexo, agora já predominam umas sobre as outras, levando a possíveis extinções de espécies, sobretudo daquelas que possuem estratégias ecológicas mais lentas de desenvolvimento, maturação e reprodução. Recuperar um ecossistema de modo a preservar a biodiversidade é uma tarefa difícil e que exige dedicação intensa e ocasionalmente bastante tempo. Mesmo os processos e métodos mais atuais de recuperação de ecossistemas, como os empregados em restaurações ecológicas, cujo alguns dos objetivos são acelerar e dar previsibilidade aos resultados da sucessão, não são capazes de alcançar o estado de complexidade ecológica anterior à perturbação. Qualquer forma de intervenção atual, desde as mais simples e livremente deliberadas, como a criação de áreas verdes em espaços urbanos, às mais complexas e cientificamente embasadas, como a restauração ecológica, jamais apresentarão características de qualidade e riqueza de espécies de uma comunidade natural, levando-nos a pensar que é mais interessante (e barato) conservar o que já existe a tentar reconstruir a paisagem, qualquer que seja o método utilizado. Voltando à questão de uma área hipotética (porém ainda bem comum se procurarmos por aí) composta por resquícios de uma vegetação nativa e relacionando-a com a questão dos graus de sucessão ecológica, nota-se que a capacidade de uma área similar no espaço urbano se regenerar é pequena quando solitária na mancha urbana, assemelhando-se à dinâmica de espécies em ilhas oceânicas: em isolamento, as trocas genéticas, que atuam na formação de diversidade, permanecem restritas às populações daquele espaço. Fosse de outro modo, caso houvesse interação entre comunidades próximas de vegetação, teríamos incremento de diversidade de cada comunidade e maiores trocas genéticas. A exemplo do que foi citado sobre a Amazônia e suas clareiras, é muito mais fácil um ecossistema de cerrado se regenerar após um distúrbio por fogo, seja natural ou antrópico, se ele estiver cercado ou próximo de outras áreas de cerrado do que estando isolado em fragmentos pequenos, isolados. Diante dessa problemática, a proposta de criação de pequenos corredores verdes1, com indivíduos nativos, conectando fragmentos de vegetação existentes, pode ser uma estratégia 1

Não quis usar aqui o termo corredor ecológico, pois acho que esses corredores seriam mais complexos em áreas rurais que urbanas. Seria bem ambicioso usar esse termo para essas áreas com tão pouco espaço. De qualquer forma, seria ótimo experimentar essa proposta de corredores ecológicos em algumas regiões da cidade com técnicas de restauração e embasamento ecológico. Será que um corredor de herbáceas de cerrado se sustentaria tendo 5 metros de largura e 10 km de comprimento ao longo de uma avenida, por exemplo?

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que facilitaria a dispersão de espécies, o aumento de fluxo gênico, das relações ecológicas, e, consequentemente, a conservação da biodiversidade e manutenção do equilíbrio ecológico. Unir fragmentos, sejam florestais, de cerrado ou de qualquer outro tipo de vegetação dentro da malha urbana paulista, pode ser uma ação para não só melhorar a qualidade ambiental (papel este constantemente delegado aos jardins e outras áreas verdes), mas também contribuir para a conservação das espécies que um dia fizeram parte da paisagem natural da cidade.

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