Por que é que os seres humanos têm aversão à perda?

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Por que é que os seres humanos têm aversão à perda? Paulo Finuras, Ph.D. Independent Researcher

Resumo: Este artigo procura resumir as origens evolutivas da aversão à perda como um mecanismo psicológico adaptativo ao mesmo nível que outros mecanismos que constituem a arquitetura mental humana moldada na savana. Propõe-se que, no entanto, o mesmo mecanismo pode em certas circunstâncias evolutivas, ser substituído pelo seu oposto dependendo do que está em causa em termos de importância da aptidão inclusiva para o indivíduo. Sugiro cunhar outro mecanismo adaptativo na forma como os indivíduos se deitam com a designação de «redução da vulnerabilidade» e que o mesmo tem também as mesmas origens evolutivas no sentido da proteção e defesa face aos perigos contribuindo deste modo para a preservação da integridade dos seres humanos. Qualquer mecanismo psicológico adaptativo funciona ao nível inconsciente.

Palavras-chave: Aversão à perda, mecanismos evolutivos, adaptação, redução da vulnerabilidade

Artigo publicado no site academia.edu – Por que é que os seres humanos têm aversão à perda

«Se tu compreendes, as coisas são como são. Se tu não compreendes, as coisas são como são». Provérbio Chinês

Um dos exemplos de comportamento humano moldado pela nossa longa história evolutiva é o da aversão à perda. Basicamente significa que os seres humanos dão mais importância ao que perdem do que ao que ganham. Por outras palavras, a dor de perder algo é mais intensa do que o sentimento de satisfação de um ganho. Mas porquê? E será que é «sempre» assim? Quando um comportamento resolve problemas adaptativos, ou seja, problemas relacionados com a nossa sobrevivência e reprodução (fim último dos organismos vivos) a natureza tende a premiálo fixando-o como um mecanismo psicológico evolutivo ou adaptativo (MPA). O que são então estes MPAs? São basicamente regras, conjunto de procedimentos ou decisões para processar informações com que a evolução, através da seleção natural e sexual, equipou todos os seres humanos. Eles funcionam como «módulos» que permitem resolver problemas específicos de adaptação e constituem a nossa arquitetura mental. Por exemplo, entre os vários módulos que nos equipam temos os módulos que nos ajudam a evitar predadores e outros perigos, encontrar a comida correta, formar alianças e amizades, cuidar da descendência e dos parentes, ler a mente dos outros, detetar oportunistas, encontrar parceiros para acasalamento e reprodução, etc.. Uma vez sendo eficazes tendem a generalizar-se nas cópias genéticas reproduzidas numa população. Talvez nunca tenha pensado nisto mas o facto de a esmagadora maioria das pessoas quando se deita ficarem com os pés na direção da entrada ou da porta do quarto e não com a cabeça, resulta de um mecanismo adaptativo de «redução da vulnerabilidade» porque tal comportamento permitiu-nos aumentar o estado de alerta face aos perigos, nomeadamente predadores e salteadores, reduzindo deste modo a vulnerabilidade a que ficaríamos expostos caso dormíssemos com a cabeça a apontar para a entrada. Por esta via, aumentámos as hipóteses de sobrevivência e reprodução. Portanto, o mecanismo psicológico de aversão à perda desenvolveu-se (e ainda se mantém ativo) porque foi adaptativo para os desafios e as pressões impostas pelo ambiente e relacionadas com a sobrevivência que os nossos antepassados enfrentaram. É que quando vivíamos na Savana, onde vivemos literalmente durante centenas de milhares de anos, qualquer súbita perda de comida, água, abrigo ou outro recurso qualquer, podia ter um impacto enorme em termos de capacidade de sobrevivência, muito maior do que qualquer súbito aumento de recursos. É preciso (re) lembrar que a vida dos nossos ancestrais decorreu durante

Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

Artigo publicado no site academia.edu – Por que é que os seres humanos têm aversão à perda centenas de milhares de anos no limite e todos os mecanismos que ajudaram a adaptar-nos foram premiados e fixados pela evolução, equipando as gerações seguintes. Mas atenção, sobretudo nos nossos tempos, nem sempre é obrigatoriamente assim. Ainda que na atualidade a aversão à perda continue a ser um mecanismo psicológico adaptativo ativo, este comportamento é também sensível ao contexto e às circunstâncias, ou seja, depende daquilo que estiver em jogo e do «Eu» que gere e decide sobre a situação. A aversão à perda pode, ao contrário, dar lugar ao «esbanjamento» ou ao consumo sumptuoso e aparentemente fútil. Por exemplo, onde o número de homens for superior ao número de mulheres, particularmente nas cidades das nações ricas e industrializadas, os gastos com cartões de crédito são significativamente mais altos do que nos sítios onde há mais mulheres do que homens, e estes gastos são sobretudo realizados pelos homens solteiros. Mais uma vez, o nosso comportamento é comandado pela racionalidade evolutiva e em particular pelas preocupações de seleção e reprodução. Mesmo quando, aparentemente, e do ponto de vista estritamente económico, um comportamento pode parecer «irracional» convém olhá-lo de forma mais profunda para perceber a verdadeira «racionalidade» que o suporta. De resto, todos os nossos comportamentos, em geral, têm uma raiz evolutiva. Quando se trata de cortejar uma potencial parceira, os homens, em particular, não se importam de aparentemente «perder», ou melhor, gastar e investir no consumo mais ou menos oneroso e até mesmo exibicionista, ou aparentemente supérfluo, porque o que se pretende é sinalizar e exibir a generosidade e a capacidade de recursos presente ou potencial daquele que gasta ou oferece (daí os anéis de noivado)! Nestas situações a «aversão à perda» é substituída pelo desejo de adquirir, consumir e gastar quantias que vão muito para além da estrita lógica de sobrevivência ou do necessário. O que muda neste caso, portanto, é o mecanismo adaptativo e a lógica que está subjacente a outro objetivo do comportamento: surpreender e agradar para atrair o outro género (normalmente a mulher). Dito de outro modo, embora a aversão à perda funcione «by default», sempre que necessário é substituída pelo consumo mesmo «supérfluo» se o objetivo for o de obter benefícios indiretos ou em diferido. Mas por que motivo (evolutivo) cabe dominantemente ao homem este tipo de comportamento? Porque como em qualquer espécie em que um dos géneros efetua menos investimento parental, como no caso dos homens na nossa espécie, cabe-lhes a eles publicitar e sinalizar as suas capacidades, qualidades e recursos que são preferidas pelas mulheres.

Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

Artigo publicado no site academia.edu – Por que é que os seres humanos têm aversão à perda Contudo, como qualquer outro mecanismo psicológico adaptativo, também este (s) funciona (m) na esmagadora maioria das vezes de forma inconsciente e por isso os indivíduos não têm consciência dele. Limitam-se a «cumprir o programa evolutivo». Pode-se discordar do que expliquei, caindo na falácia fantasiosa que consiste em confundir o que (a realidade) é com o que gostaríamos que fosse. Podemos até mudar os nomes todos ao que foi exposto ou utilizar o autoengano, mas no «final do dia» a evolução não quer saber nem de estados de alma nem dos estados hedónicos de perceção da felicidade de cada um. Além do mais, a realidade não muda só porque lhe chamamos outra coisa qualquer!

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Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

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