Por que é tão urgente se falar em FEMINISMO NEGRO?

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Por que é tão urgente se falar em
FEMINISMO NEGRO?
Por Bia Rodrigues

Era uma vez a história da luta das mulheres.
Quando a mulher branca sentiu a necessidade irremediável de lutar por melhores condições de trabalho legal, a mulher negra ainda se via escravizada; Quando a mulher branca legitimamente lutou para reivindicar seu direito ao voto e passou a adentrar as instituições de ensino superior, a população negra ainda sofria de analfabetismo crônico. Ainda que generalizados e não localizados, esses pontos nos remetem brevemente a uma realidade inquestionável: a população negra sofre de consequências históricas adversas às da população branca. E a história de luta das mulheres da qual ouvimos falar é, na verdade, a história de luta das mulheres brancas.
As mulheres negras brasileiras sempre lutaram. Elas estavam desde os quilombos, comandando movimentos, resistindo com o próprio corpo, mantendo culturas e tradições perseguidas e tornadas ilegais. Lutando para se manterem vivas. E protagonizando a sobrevivência de suas famílias. Continuam assim - nada disso está datado ao passado. Mas pouco, pouquíssimo disso se tem registrado, ou fora repassado como conhecimento pelos meios ditos oficiais.
Racismo é uma palavra em negrito aqui.
Por que tão pouco (ou quase nada) se ouve falar em Carolina Maria de Jesus, escritora e poetisa que sobrevivia da catação e que teve obras traduzidas para treze idiomas? Por que Dandara, guerreira do Quilombo dos Palmares, tão próxima a nós, não é estudada nas nossas escolas? E, ainda em Pernambuco, onde tendo o maracatu se tornado o que é hoje - disseminado e pertencente a um circuito de mainstream cultural -, não entendemos que a razão pela qual a rainha é a figura mais importante da corte (em se tratando de baque virado), e que esta muitas vezes remete especificamente à Nzinga Mbandi, rainha que comandou por 30 anos uma resistência à invasão portuguesa na sua região Bantu, e é figura da qual pouco se ouve falar, mesmo sendo cultuada por diversas manifestações culturais até hoje?
A história é tão longa quanto injusta.
Quando falamos de feminismo negro, ou seja, quando pensamos nos direitos dessa mulher como ser social que, além do machismo, sofre também racismo, estamos reforçando a necessidade de se pensar na mulher negra como uma camada da sociedade duplamente oprimida.
A recente reinvindicação pelo cabelo crespo natural, por exemplo, evidenciada por diversos movimentos que reforçam o não alisamento e que mobilizam marchas e manifestações, reflete uma urgência básica e particular: a de ter o direito de usar o cabelo crespo sem químicas que o descaracterize como tal. Afinal num país onde se tem, como piada, que "cabelo ruim é que nem bandido: quando não tá preso tá armado.", o simples fato de deixar o cabelo crescer sem tais intervenções é um ato político, que vai muitas vezes contra a própria opinião da família, dos amigos, do ambiente de trabalho e da sociedade como um todo.
Movimentos recentes como o #NãoMeVejoNãoCompro questionam a publicidade e a falta de representatividade midiática. As mulheres negras, além de terem pouca voz na sociedade, também pouco se veem nos produtos que compram, o que caracteriza uma extrema insensibilidade por parte dos anunciantes para com seu público-alvo, quando ignoram serem estas grande parte das consumidoras (geralmente por volta dos 50%, tendo em vista os dados da população brasileira em geral). Tal insensibilidade (onde aqui se pode ler racismo) permeia toda uma indústria que vai da agência de modelos à agência de publicidade, um trajeto que resulta numa porcentagem absurdamente baixa em termos de representatividade nas mídias se comparada com a população brasileira real.
Em termos de números atualizados, temos dados chocantes. Tomemos a pauta feminista do aborto como exemplo. Em 2014, estima-se que um milhão de abortos foram realizados no Brasil. Desta prática ilegalizada, apenas trinta e três mulheres foram punidas pela lei. Destas trinta e três que chegaram a ser presas, todas tinham duas características em comum: eram negras e pobres.
Falando em violência obstétrica e racismo institucional nos serviços de saúde, segundo dados oficiais da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) do estado de São Paulo, mulheres negras morreram quatro vezes mais que mulheres brancas em causas maternas nos anos de 2002 a 2004.
Entre outras desigualdades, constatou-se que 5,1% de mulheres brancas não receberam anestesia no parto normal. Nas negras, ocorreu o dobro (11,1%). (...) Vemos, no documento, que 77,7% das mulheres brancas foram orientadas para a importância do aleitamento materno e que apenas 62,5% das negras tiveram essa orientação. Enquanto 46,2% das brancas tiveram acompanhantes no parto, apenas 27,0% das negras exerceram tal direito.
É na análise de dados como estes que se verifica de uma forma amplificada como funciona o racismo que acomete a mulher negra brasileira. E como esta forma de descaso e desrespeito resulta muitas vezes em mortes. Talvez seja essa a maior reinvindicação do feminismo negro hoje, sendo essa a população que mais encara situações de risco diariamente, seja na violência doméstica, policial, ou obstétrica: o direito à vida
e esta é urgente.





Informações são do jornal O Estado de São Paulo e podem ser visualizadas em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/33-mulheres-foram-presas-por-aborto-em-2014
Para mais informações acesse: http://www.revistacapitolina.com.br/a-saude-da-mulher-negra/
Dados da pesquisa "Desigualdade racial no Brasil: um olhar para a saúde" Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)



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