Por um direito que nao é

June 6, 2017 | Autor: Breno S. Amorim | Categoria: Alain Badiou, Direito, Graciliano Ramos, Manoel De Barros, Lyra Filho, Belchior
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Por um direito que não é "Meu bem, não pense em paz,/ que deixa a alma antiga." (Belchior, Voz da América)

Alain Badiou [1], ao analisar o anúncio do evangelho, feito por Paulo, mostra-nos que, diante da categoria acontecimento (como ponto real), a língua é colocada num impasse. Dito de outro modo, como Paulo deveria abandonar, ao mesmo tempo, o "discurso da razão" (dos gregos) e o "discurso do poder" (dos judeus), restou-lhe imperioso o rompimento com os discursos existentes "a fim de que a palavra do Cristo não se torne vã". Neste sentido - acreditamos -, caso queiramos anunciar um novo discurso, dentro do direito, é necessário romper com o "discurso da razão" (dogmática jurídica) e com o discurso do poder (lei). Destarte, ao anunciarmos o direito com um outro discurso, comprovaremos que ele não é o "direito da razão dogmática", tampouco o "direito da lei/poder". Aqui, pois, exsurge a imprescindibilidade em narrar um direito sem latim e toga, tomados, respectivamente, como símbolos dos dois tipos acima descritos. Ao destacar o enunciado, tido como mais radical por Badiou - "Deus escolheu as coisas que não são para abolir aquelas que são" -, o filósofo nos diz que é, na invenção de uma língua em que a loucura, escândalo e fraqueza suplantam a razão do conhecimento, a ordem e o poder, onde o não ser é a única afirmação validável do ser articulado pelo discurso cristão. [2] De tal modo, como o apóstulo Paulo, caso intentemos criar uma nova perspectiva dentro do direito, será necessário evidenciar a incompatibilidade entre direito, lei e dogmática (dentro dos termos supramencionados, bem entendido). Neste ponto, a propósito da elisão encetada por o apóstulo, Paulo se faz incompreensível ao próprio Pascal, outro grande "antifilósofo". Outrossim, não se nos apresentará como novidade aquele que, mesmo em busca de um "novo direito", não alcance o entendimento do que, aqui, vai formulado como proposta. Dentro desta perspectiva, importante salientar uma interessante divergência entre Paulo e Pascal, explicitadas por Badiou. O primeiro rejeita qualquer hipótese de "mediação" entre o acontecimento Jesus Cristo e o próprio Deus de outrora. Para este, tal acontecimento aparece como completa supressão com os discursos anteriores, portanto, exclui-se toda e qualquer forma de continuidade.

Permitir, pois, na ótica do apóstulo, que exista determinada "mediação" é o mesmo que reconhecer a "legalidade do pai", ou, como preleciona Badiou, uma surda negação da radicalidade pertinente ao acontecimento. Trazendo para o direito, o que podemos considerar? Ora, na tentativa de erigir o "novo", não nos parece concebível a introdução do "velho". De outro modo, esbarraremos no que o Maffesoli chama de "novidades que já nascem velhas". No entanto, é preciso atenção, para nós, enquanto militantes de uma "nova ideia de direito", não é velho o que, embora com o seu "acontecimento" no passado, apresenta-se com vida, pulsante. Assim, é-nos novo a Nova Escola Jurídica, do excelente Roberto Lyra Filho, o qual deixou uma frase a ecoar, a saber: direito nunca 'é', definitivamente, e sim 'vir a ser', na prática evolutiva. Ao revés, é-nos retrógrada toda essa ladainha verborrágica que, ao tempo em que anuncia uma suposta postura crítica, um senso incomum, tem como porto o ludíbrio dos ingênuos e alimentação da própria fatuidade. Só assim, libertando o direito das amarras que o prende em discursos já consagrados, possibilitaremos um grande encontro entre este e a linguagem das ruas (já iniciado pelo "direito achado na rua"). Sem brocardos jurídicos, enquanto representação do poder, faremos com que o direito alcance "meninos", como os da obra de Graciliano Ramos [3], detentores de um léxico tão escasso quanto a comida que lhes alimenta. Por último, uma nova visão do direito (repetição kafkiana da palavra) reclama, desespera por uma negação à dogmática senil na tenção de erigir uma nova construção sobre (no sentido de destruir) o que representa o "discurso da razão". O jurista, enfim, haverá de ouvir o poeta Manoel de Barros: "Aprendo com abelhas do que com aeroplanos./ É um olhar para baixo que eu nasci tendo. / É um olhar para o ser menor, para o/ insignificante que eu me criei tendo./ O ser que na sociedade é chutado como uma/ barata - cresce de importância para o meu olho./ Ainda não entendi por que herdei esse olhar/ para baixo./ Sempre imagino que venha de ancestralidades/ machucadas./ Fui criado no mato e aprendi a gostar das/ coisinhas do chão -/ Antes que das coisas celestiais./ Pessoas pertencidas de abandono me comovem:/ tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.". [3]

[1] Badiou, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. Tradução de Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2009. [2] idem, p. 58. [3] Ramos, Graciliano. Vidas Secas. 116ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. [4] Barros, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. in Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

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