Por um ensino do Design emancipatório na Amazônia

July 23, 2017 | Autor: Alexandre Oliveira | Categoria: Amazonia, Ensino Do Design
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Por um ensino do Design emancipatório na Amazônia Design, cultura e desenvolvimento regional

Por um ensino do Design emancipatório na Amazônia1 Oliveira, Alexandre Santos de. Mestre, FUCAPI | FAPEAM | PUC-Rio | CAPES

Resumo O presente ensaio tem como objetivo levantar pontos/ideias que permitam refletir sobre a possibilidade de equacionar a tríade Design, Desenvolvimento e Amazônia. Visando situar o locus da reflexão, apresento um panorama do ensino do Design na Região Norte para em seguida sublinhar aspectos do Livro Azul que representam oportunidades ao desenvolvimento regional, culminando com a indicação dos desafios a serem enfrentados pelo ensino do Design no Amazonas visando a efetivação de um projeto de desenvolvimento sob uma via emancipatória. Palavras-chave: ensino do design, desenvolvimento, Amazônia

Introdução A importância das reflexões e discussões envolvendo o Design e o desenvolvimento regional deve-se às lacunas ainda existentes sobre a ação teórica e o exercício da prática, envolvendo esta temática na Região Norte. A partir desta provocação, a construção de referenciais regionais passa a ser um desafio para as instituições de ensino superior, o que se configura como perspectiva para pensar o desenvolvimento da região de forma interligada, interdependente e contextualizada. É importante notar que uma agenda como esta poderá interessar ao campo do Design de forma ampla e ao ensino do Design de forma específica, quer na definição de áreas estratégicas de atuação, quer na observação de campos de inserção profissional ou ainda, de áreas que representem visão de futuro, bem como temas que poderão nortear pesquisas com vistas tanto ao desenvolvimento de produtos ou estudo de processos. Contudo, quero ressaltar o cuidado em não atribuir ao campo do Design responsabilidades que não lhe competem, tal como um olhar salvacionista para a sociedade, expectativa esta que se estende aos seus atores o que, no meu entendimento, acaba por limitar a atuação do Design e dos designers, ao tempo que minimiza a real capacidade do campo em propor soluções que estejam conectados com uma agenda mais ampla e progressista, uma pauta que envolva o desenvolvimento econômico com equidade social, questão esta que, para além do milagre ou da salvação, requisita uma revisão dos modelos de crescimento, de consumo e de produção para fazer frente ao desafio de um desenvolvimento regional contextualizado. 1

A realziação deste trabalho conta com financiamento das seguintes instituições: PUC-Rio | FAPEAM | FUCAPI | CAPES

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Outrossim, coloca-se em questão o papel e importância do campo do Design de forma ampliada e do ensino do Design como atividade específica, nas reflexões que tenham como perspectiva o planejamento de ações estratégicas que comportem uma noção de desenvolvimento, envolvendo não apenas a otimização dos recursos, mas também a garantia da participação dos diferentes atores sociais tanto no gerenciamento dos recursos como na busca de soluções para os problemas concernentes à Amazônia. O ensino do Design na Região Norte do Brasil No tocante ao panorama do ensino do Design na Região Norte, Oliveira, Maciel e Abrahão (2010) identificam, a partir de dados do MEC/INEP (2010), a existência de 24 cursos na área do Design nas seguintes modalidades: Formação Sequencial (1), Bacharelado (7), Graduação Tecnológica (16). Dentre os 07 (sete) cursos de graduação, os mais antigos são o da Universidade Federal do Amazonas, criado em 1988 e o da Universidade Estadual do Pará, criado em 1999. Ao considerar a sua localização física, os autores observam que o maior quantitativo de cursos de Design está no estado do Pará, com 1 (um) curso de Formação Sequencial, 4 (quatro) na modalidade Bacharelado, 7 (seis) na modalidade de Graduação Tecnológica e 1 (um) curso de Design, na modalidade Graduação Tecnológica na cidade de Santarém, o único localizado fora da capital do Estado. Em seguida, está o Estado do Amazonas com 5 (cinco) cursos na modalidade Graduação Tecnológica e 3 (três) na modalidade Bacharelado, todos eles na cidade de Manaus. Completando o cenário, destacam ainda a existência de 1 (um) curso na modalidade Graduação Tecnológica em Design nos estados do Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins, confirmando a presença de atividades de ensino relacionadas ao campo do Design em todos os estados da Região Norte do Brasil. Dados fornecidos pelo MEC/INEP demonstram o processo de desenvolvimento das instituições, cursos e número de alunos matriculados em cursos de Graduação em Design e Estilismo na Região Norte do Brasil, no período de 1995 a 2009, o qual pode ser observado através da Tabela 1 abaixo: Evolução do Número de Instituições de Ensino Superior, Cursos e Matrículas de Graduação para a Área de Design e Estilismo – Região Norte 1995 – 2009

Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Número de Número de Instituições Cursos 1 1 1 1 2 1 3 4 6

1 1 1 1 2 1 3 4 6

Número de Matrículas 76 142 139 131 184 164 323 383 567

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2004 2005 2006 2007 2008 2009

6 9 11 9 11 11

6 9 11 9 12 13

617 907 1.107 1.259 1.400 1.394

Fonte: MEC / INEP; Tabela elaborada por INEP/DEED

Considerando este panorama bem como o processo evolutivo do campo do Design nesta Região do país, pergunta-se: Qual o papel do Design e do ensino do Design quando o tema é desenvolvimento regional? Esta discussão convida-nos a pensar quais as estratégias que precisam ser desenvolvidas com vistas a dar respostas aos desafios da região amazônica, visando a um desenvolvimento socioeconômico sustentável, haja visto o compromisso do campo do Design no que se refere ao desenvolvimento de produtos e processos que visem à melhoria da qualidade de vida dos seres humanos. Uma reflexão sobre as perspectivas que o ensino do Design pode trazer para iluminar o tema, constitui-se tanto num desafio como numa oportunidade para a comunidade acadêmica do Design na Região Norte, no entanto, e antes de adentrarmos em proposições que tenham como objetivo a discussão deste tema, é importante que situemos a questão do ensino do Design na região, a partir das propostas contidas na agenda para a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Design, C T & I e o Tema do Desenvolvimento. A agenda brasileira para Ciência, Tecnologia e Inovação (C. T & I) sinaliza, dentre outros temas e através do Livro Azul (2010)i, a redução dos desequilíbrios regionais e da desigualdade social como metas a serem perseguidas na próxima década, tendo em vista a constatação de que “diante das disparidades regionais prevalecentes e da grande diversidade regional do país, o apoio das políticas públicas e a elevação dos níveis de investimentos devem considerar a leitura da realidade regional brasileira” (Livro Azul, 2010 p.13) É importante notar que a possibilidade de uma agenda como esta venha a interessar o campo do Design de forma ampla e ao ensino do Design de forma específica, quer na definição de áreas estratégicas de atuação, quer na observação de campos potenciais que envolvam a inserção de profissionais em setores que representam visão de futuro, bem como temas que poderão nortear pesquisas e atividades de ensino e extensão com vistas, tanto ao desenvolvimento de produtos como no estudo de processos e ainda de um quadro teórico e reflexivo próprio e autônomo, corroborando com um amplo programa que entende o conceito de desenvolvimento regional como um tema sob o qual o campo do Design deverá debruçar-se de forma mais detida nos próximos anos. No entanto, é importante considerar que a promoção do desenvolvimento perpassa antes de tudo, pela promoção de avanços sociais, econômicos, políticos, infraestruturais, e culturais, capazes de melhorar os índices de qualidade de vida das populações envolvidas (Araújo e De Paula, 2009).

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Esta ótica convida o campo do Design a pensar, por exemplo, nas questões que envolvem a agenda de ciência e tecnologia brasileira, tal como apontada no já citado Livro Azul, qual seja: “a inovação nas empresas e na sociedade, a utilização sustentável dos grandes biomas nacionais, com ênfase especial na Amazônia e no mar; a redução dos desequilíbrios regionais e da desigualdade social; o desenvolvimento de tecnologias estratégicas; a consolidação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia; o fortalecimento da ciência básica e da educação em todos os níveis” (Livro Azul, 2010 p. 4-5). Ao enfrentar o desafio de refletir sobre o desenvolvimento, tomando como ponto de partida a agenda proposta para a Ciência, Tecnologia e Inovação apresenta-se como uma oportunidade de aproximação com um tema que no meu entendimento, muitas vezes, é pouco familiar ao campo do Design, o que se constitui também numa oportunidade. Por hora quero destacar 3 (três) pontos evidenciados no “Livro Azul” (2010) que, penso eu, são estratégicos para o campo do Design na Amazônia: a diminuição das desigualdades regionais e sociais, o olhar sobre a Amazônia e Ciência, Tecnologia e inovação para o desenvolvimento social. No que concerne à diminuição das desigualdades regionais e sociais, observam-se no âmbito brasileiro uma série de medidas implementadas nos últimos 8 (oito) anos e que já tem demonstrado seus efeitos, mesmo que ainda discretos. No entanto, e por uma série de questões, tais políticas precisam avançar na identificação das potencialidades tanto no que concerne ao avanço, com vistas à diminuição das desigualdades entre as regiões, como na continuidade de políticas que favoreçam o desenvolvimento para que diminuídas as desigualdades, o crescimento possa se constituir numa constante. Demandas e potencialidades regionais precisam ainda ser identificadas de forma mais clara e, para tanto, o envolvimento de diversos atores da sociedade civil faz-se necessário, objetivando dar conta da agenda que deve nortear as ações de ciência, tecnologia e inovação para diminuição das desigualdades regionais. Por outro lado, há que se considerar a participação de campos de conhecimento e áreas emergentes tais como o Design, a Cultura, a Biotecnologia, setores de Petróleo e Gás, o Conhecimento Tradicional, Automação, Entretenimento, só para citar alguns campos que, de certa forma, ainda não receberam a devida atenção na Região Norte de forma geral, e no Amazonas de forma específica. É importante nesta lista que a atenção dada a estes campos não é nula, alguns com mais investimentos, outros com menos e alguns até negligenciados tanto pela academia como pelas instituições de fomento, campos estes que poderiam constituir-se, juntamente com outros segmentos, grandes oportunidades para investimentos, pesquisa, desenvolvimento e inovação. No que respeita ao olhar sobre a Amazôniaii, penso que o documento traz contribuições importantes e significativas para pensar esta região do Brasil. O desenvolvimento é apontado como questão estratégica, e como desdobramento, o valor da biodiversidade, a constituição e integração de redes de pesquisa e instituições, a ampliação e fortalecimento de recursos humanos qualificados na região; a superação das carências sociais; a consolidação de uma base tecno-científica para uso sustentável do território amazônico e a Amazônia como potencial de futuro são os pontos em destaque.

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O tópico ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento social, também merece atenção, pois a inserção do desenvolvimento social na agenda da ciência e tecnologia se constitui em um avanço que reconhece outras formas de produção de conhecimento e desenvolvimento econômico, social e ambiental a partir de práticas e modos de fazer que estão presentes no conjunto da vida social, ao tempo que oportuniza também a geração de novos conhecimentos por meio da investigação e de investimentos voltados para o desenvolvimento de inovações sociais, vistas como ciência e como importantes elementos para a melhoria da qualidade de vida e de direito à cidadania. O campo do Design e os desafios ao desenvolvimento regional A análise de alguns aspectos que, considero importantes para pensar a relação entre o ensino do Design e o tema do desenvolvimento regional na Região Norte aponta para a necessidade de pensar este tema de forma multidisciplinar, considerando o aporte de vários campos de conhecimento na proposição de estratégias e soluções que tenham como meta a elevação da qualidade de vida na região de forma sustentável e considerando as especificidades sociais, culturais, políticas e econômicas, bem como as tecnologias disponíveis, o que envolve uma intrincada cadeia de saberes que requisita também a participação do campo do Design. Assim e diante do surto de desenvolvimento que atravessa o país, aliando a um relativo cenário de estabilidade econômica e distribuição de renda, destaco a posição estratégica da Região Norte no que concerne à sua instrumentalização para, a seu tempo e considerando as suas especificidades, marcar seu posicionamento neste processo. Nesta perspectiva, proponho ao ensino do Design na Amazônia uma reflexão sobre os seus desafios, as suas potencialidades e também os limites do campo no equacionamento de ações que tenham como base o conceito e a prática de um desenvolvimento regional sustentável, incentivando através da ação projetual a promoção de uma consciência crítica e ecológica em projetos, discussão esta ancorada na percepção de que o desenvolvimento sustentável não depende tão somente das ações engendradas pelo Estado (Witkoski e Souza, 2007) mas, tende a congregar outros setores e segmentos que respondam pelas ações e estratégias em regime de cogestão com a participação significativa dos grupos sociais que são objeto das ações de desenvolvimento. Nesta ótica faz-se necessário requisitar uma nova forma de pensar, de fazer e também de ensinar Design na Região Norte, para tanto recorro às ideias de Boaventura de Souza Santos que antevê a emergência de novos paradigmas de produção de conhecimento fundados tanto num conhecimento que aspira à totalidade, tal como vivenciado no paradigma da modernidade, mas que ao mesmo tempo é local, assim, no paradigma emergente proposto por Santos (2010), o conhecimento, sendo total, é também local, ao reunir-se em torno de temas que em dado momento são adotados como projetos de grupos sociais concretos com vista a resolução de problemas igualmente concretos. O paradigma proposto por Santos me parece instigante e desafiador para pensar o desenvolvimento na região Norte do Brasil, uma vez que, a proposta do sociólogo parece congregar a possibilidade de diálogo entre saberes, no entanto, convida à

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inversão da lógica de universalização e adoção de modelos exógenos às realidades locais com vistas à resolução de problemas eminentemente locais, nesta perspectiva a possibilidade de uma sociologia das ausências e das emergências (Santos, 2008) me parece um percurso reflexivo que aponta caminhos para as questões aqui colocadas. Diminuição das desigualdades Observemos, por exemplo, a diminuição das desigualdades sob a ótica da sociologia das ausências e das emergências. O diálogo e os conflitos possíveis entre formas de produção diferentes, tal como proposto por Santos (2008) parecem constituir-se em oportunidade de reflexão para o ensino do Design na Região Norte. A percepção/descoberta/atenção sobre outras experiências alternativas ao modo capitalista dominante apontam por exemplo para modos de economia solidária que sejam alternativas ao modelo de economia vigente, questão esta possível de ser resolvida através do trabalho de tradução, tal como proposto por Santos. Por outro lado, a impossibilidade de diminuição das desigualdades precisa estar atrelada a um reconhecimento daquilo que Souza Santos (2008 p. 130) denomina de “trabalho de tradução” que ocorre nas zonas de contato locais, “(...) onde diferentes modos-davida normativos, práticas e conhecimentos se encontram, chocam e interagem”. Este processo de tradução com vistas à diminuição das desigualdades deve considerar ainda o que traduzir, quando traduzir, quem traduz e como traduz, numa referência direta a um pensamento alternativo requisitado pela sociologia das ausências e das emergências, objetivando propor soluções alternativas ao modelo de desenvolvimento neo-liberal e globalizado que, por sua natureza totalitária e hegemônica, não consegue reconhecer a riqueza e a pluralidade do mundo. Eis aqui um desafio ao campo do Design, reconhecer a existência destas forças e ressignificar-se para enxergar a complexidade do mundo por outras vias que não a racionalidade técnica e neo-liberal/hegemônica, assumindo um compromisso com um projeto regional de diminuição das desigualdades sociais a partir de um pensamento local. Olhar para a Amazônia Outra questão identificada como desfio ao campo do Design na Região Norte diz respeito ao olhar para a Amazônia. Penso que o enfoque com vistas a uma Amazônia sustentável como proposto no documento, talvez se apresente de forma tardia pois, o debruçar-se sobre a Amazônia, talvez se constitua numa ação que já tenha sido desenvolvida por organismos externos à região rotulando-a como celeiro e propriedade transnacional, no entanto, tal perspectiva me parece emblemática e possibilitadora de uma discussão se ousarmos questionar e identificar aquilo que não é alcançado pelo olhar totalitário fundado no que Santos (2010) denomina de paradigma dominante. Quero apostar aqui, mesmo que provisoriamente, que um olhar para a Amazônia precisa ser levado a cabo utilizando-se de lentes desenvolvidas na região e a partir da ótica desta, das suas necessidades internas, a partir de demandas específicas que venham contribuir com o seu desenvolvimento e emancipação. Levanto ainda como aposta que as lentes até aqui utilizadas para olhar este rincão do país assumiu como padrão de desenvolvimento, as realidades exógenas, as perspectivas econômicas globais, os

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modelos de urbanização das grandes metrópoles, projetos sociais importados e ali implementados sem considerar, dentre outras questões, as especificidades amazônicas. Neste sentido, as experiências de conhecimento de que fala Santos (2008 p. 121) me parecem um caminho interessante na perspectiva da sociologia das ausências e das emergências, quando chama a atenção para os conflitos bem como a possibilidade de diálogos entre diferentes formas de conhecimento. O desafio que se coloca é a identificação dos saberes e conhecimentos e práticas que passaram despercebidos ou que não foram capturados pelas lentes utilizadas pelo paradigma dominante (racionalidade dominante), a identificação de tais saberes poderá se constitui numa possibilidade de olhar interno para a Amazônia que lhe permita pensar a si mesma, numa possibilidade de construção de um saber contra hegemônicoiii. Um olhar para a Amazônia e da Amazônia requisita o fortalecimento de estruturas que permitam a geração de conhecimento sobre/para a região a partir de uma agenda definida localmente, oportunizando assim um trabalho de “tradução de saberes” que favoreça a transformação de práticas não-hegemônicas em práticas contrahegemônicas. Neste processo, ao campo do Design coloca-se o desafio de (re)pensar o olhar e protagonizar um outro modo de ver a Amazônia para além da perspectiva globalizadora, neo-liberal e internacionalista de expropriação dos recursos da região ou ainda de disseminação de uma identidade regional estereotipada rumo a uma compreensão mais densa sobre as possibilidades e impossibilidades de uma prática projetual contra-hegemônica que caminhe em direção ao enfretamento dos problemas, interesses e expectativas da região e de suas populações, com vistas a um desenvolvimento mais justo e menos desigual. Desenvolvimento social A vertente do desenvolvimento social também me parece propiciadora de oportunidades para o campo do Design, quando aponta para a uma outra lógica colocando em pauta a dimensão social, desmistificando a ideia de um desenvolvimento calcado apenas sob bases tecno-econômicas no entanto, e como tive a oportunidade de pontuar anteriormente e a partir do pensamento de Boaventura de Souza Santos, faz-se necessário pensar tal processo sob a lógica da tradução ancorada na sociologia das ausências e das emergências,. No caso do desenvolvimento social, há que cuidar para que a lógica do paradigma racionalista e dominante não se constitua a medida que deverá norteá-lo pois, vista pela ótica do lucro monetário, dos rendimentos e das metas quantitativas, o desenvolvimento social acaba por se constituir um feudo do desenvolvimento econômico. Para fazer frente a esta perspectiva, proponho que pensemos num desenvolvimento social que tome como ponto de partida a própria realidade social, nas contradições oportunizadas pelas “zonas de contato” onde seja possível observar o câmbio entre práticas sociais institucionalizadas, acadêmicas e hegemônicas e práticas sociais tradicionais, não-canônicas, cotidianas e/ou assistemáticas, onde a relação entre saberes e práticas possa ser, como defende Souza Santos (2008), mais horizontal. É o mesmo Souza Santos que nos adverte sobre o perigo de que a zona de contato não acabe por submeter os conhecimentos e culturas que estiveram à margem, a uma

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linearidade tal que preserve as relações de poder e hierarquias de saber, próprias do paradigma dominante. Faz-se necessário vigiar o contato, através de mecanismos que permitam as aproximações com vistas a um intercâmbio de saberes efetivamente igualitário e que redunde em inovações sociais. Ao campo do Design esta matéria apresenta-se também como oportunidade, haja vista a necessidade de mudança de foco no que respeita a um olhar para o design sob a perspectiva de um design social. Assim, um exame das ideias propostas por Whiteley (1993), que propõe uma análise do Design enquanto envolto nos sistemas de consumo e a necessidade de repensá-lo sob uma perspectiva ética; por Manzini (2008) e Manzini e Vezoli (2002), que com foco na sustentabilidade e nas inovações sociais, apresentam propostas e ideias para pensar um outro papel para o Design no que se refere à relação com a comunidade e com os problemas enfrentados por estas. Ou ainda, com destaque para Papaneck (1995) que desenvolve uma reflexão no tocante às discussões sobre a ética na atividade projetual, com vistas a um projeto de design responsável e sensato, num mundo cada vez mais deficiente em recursos e energia. Assim, um exame desta literatura, vista também sob a ótica da zona de contato, poderá constituir-se num ponto de partida que possibilite ao campo do Design, pensar um desenvolvimento social, assente nas necessidades da Região Norte do Brasil e que as encare de frente e positivmante. Design: por um desenvolvimento emancipatório na Amazônia Podemos pensar, no âmbito do Design, em um desenvolvimento calcado num paradigma de emancipação social? E a frustração de que a resposta seja um contundente e veemente NÃO coloca o desafio de buscar uma afirmativa, mesmo que provisória e em um plano teórico e reflexivo, tal como fiz neste ensaio. Esta dúvida está amparada pela percepção de que o campo do Design possui ainda uma forte participação num projeto universalizante e hegemônico de sociedade e não existe dificuldade para identificarmos esta tendência no âmbito da produção material do campo. Por outro lado, a ambiguidade provocada pela ausência de respostas para a pergunta pode ser lida como oportunidade para uma mudança na rota/lógica que vem guiando o campo/ensino do Design na Amazônia, de forma a fomentar a sua inserção no conjunto de ações que tenham como meta tanto um reordenamento do Design na região com vistas à construção de um projeto emancipatório. A seguir passo a listar algumas das contradições, as quais identifico também como oportunidades: 1. O Design possui uma sua gênese, uma forte vinculação com uma hegemonia econômica, a serviço da industrialização, da produção em série e da disseminação dos padrões de vida modernos, nas quais residiria a dificuldade do campo em olhar para outra lógica de produção, outro modelo de economia. 2. É notório que o campo do Design foi assumindo, ao longo do seu desenvolvimento, um compromisso com a manutenção de uma determinada ordem social e econômica, baseada no acúmulo de capital, no consumo desenfreado e na disseminação de valores, ideias e conceitos, através da sua produção material e simbólica.

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3. Os compromissos com uma estrutura dominante e universalizante de produção apresentam-se como fator de resistência ao reconhecimento da função social do Design a partir de uma ótica contextual, localizada e assente em outro modelo de produção. 4. As incursões do Design na realidade amazônica, mesmo que ocorrendo de forma tímida e pontual, sinalizam oportunidades para a emergência de um Design, voltado para as questões locais e comprometido com a solução de problemas locais, com vistas a um desenvolvimento local. Assim, é possível concluir, por hora, que o cenário atual no qual o Design se encontra imerso requisita um reposicionamento de forma geral e do ensino do Design de forma específica. Reposicionamento que aproveite o que de melhor tem sido produzido para/na região, no que se refere às experiências/experimentos no campo do Design. Por conseguinte e a partir da interrogação proposta por Santos (2011 p. 54), ponho-me a perguntar de que modo o campo do Design e o ensino do Design, podem responder ao desafio do desenvolvimento na região Amazônica, para tanto, faz-se necessário a superação da sua tendência à continuidade, à manutenção de um modelo de homem e de sociedade, que no meu entendimento, traz para a Amazônia respostas de baixo impacto. Portanto, há que se ressignificar, romper com o paradigma dominante e assumir-se como campo de fronteira que é, com vistas a dar contribuições inovadoras para um desenvolvimento que coloque o homem, a sociedade, e a cultura como pontos de partida e de chegada com vistas a efetivação de um Design, comprometido com o desenvolvimento regional na Amazônia.

Referências WITKOSKI, Antônio Carlos e SOUZA, Davyd Spencer Ribeiro. O mundo como invenção: uma análise do surgimento e formação da reserva de desenvolvimento sustentável Piagaçu-Purus. XXXI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 29 de maio a 01 de junho de 2007, UFPE, RECIFE (PE). ARAÚJO, José Júlio César do Nascimento, DE PAULA Elder Andrade de. Novas formas de desenvolvimento do Amazonas: Uma leitura as ações do Programa Zona Franca Verde. Revista Brasileira de gestão e Desenvolvimento Regional. v. 5, n. 3, p. 140-154, set-dez/2009, Taubaté, São Paulo, 2009. Disponível em http://www.rbgdr.net/revista/index.php?journal=rbgdr&page=article&op=viewFile&path[]= 253&path[]=169. Acesso em 31.01.2011. OLIVEIRA, Alexandre Santos de. MACIEL, Francimar Rodrigues, ABRAHÃO, André Luiz Batista. Educação em Design na Amazônia: caminhos para a sustentabilidade na Região Norte. In: 9o Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2010, São Paulo. Anais do 9o Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design 2010. São Paulo - SP: Programa de Pós-graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi, 2010. NIGEL, Whiteley. Design for Society. Reaktion Books, London, 1993.

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MANZINI, Ezio. Design para a inovação social e sustentabilidade: comunidades criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. (Cadernos do Grupo de Altos Estudos; v.1) COPPE-UFRJ, Rio de Janeiro: E-papers, 2008. MANZINI, Ézio. VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis : os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP, 2002. PAPANEK, Victor. Design for the real world: human ecology and social change. Academy Chicago Publ. Chigado, USA, 1985. SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 16ª ed. Porto: Afrontamento, 2010. SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. 3ª ed. (material disponibilizado em aula pelo autor, não publicado). Coimbra, 2011.

i

O Livro Azul é o resultado da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que reuniu em Brasília, em maio de 2010, um público superior a 4 mil participantes. Foi convocada por decreto presidencial para discutir uma política de Estado para ciência, tecnologia e inovação com vistas ao desenvolvimento sustentável, sendo precedida de encontros estaduais, fóruns de discussão e conferências regionais, realçando o caráter democrático e participativo do evento. A quarta edição da Conferência Nacional organizou suas discussões com base nas prioridades do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional no período 2007-2010. ii iii

Por uma Amazônia Sustentável” ( Livro Azul, 2010 p. 41-45)

Algumas ações podem ser indicativas de um movimento ou de um outro olhar para a Amazônia a partir do incremento do número de instituições de ensino superior na Região, a criação de fundações de amparo à pesquisa em todos os estados da Região Norte, com destaque para a recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa do Estados do Tocantins (FAPT) no último dia 01 de abril de 2011, só para citar algumas ações que poderão favorecer o desenvolvimento/construção de novas lentes que permitam pensar a Amazônia sob um outro olhar.

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