Por um outro amanhã: apontamentos sobre aprendizagem histórica

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BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton [orgs.] Por um outro amanhã: apontamentos sobre aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2016. Disponível em: www.simpohis2016.blogspot.com.br www.revistasobreontens.blogspot.com.br ISBN 978-85-65996-42-6

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ÍNDICE INTRODUÇÃO p.13 "BOLANDO UM SOM": ENSINANDO HISTÓRIA COM MÚSICA Adauto Santos da Rocha Miriam de Lima Cabral p.15 MINHA CIDADE SE FAZ DE ENCANTOS: O ENSINO DE HISTÓRIA NO I CICLO - 3ºANO A Adriane Cristine Silva p.22 DESENVOLVENDO A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E SOCIAL NA VIDA DOS ALUNOS E ALUNAS Ana Carolina Prohmann p.27 HISTÓRIA ANTIGA E LIVRO DIDÁTICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ana Flávia Crispim Lima p.31 A DOCÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR Ana Luiza de Vasconcelos Marques p.37 IDENTIDADE QUILOMBOLA: OLHARES SOBRE AS PRÁTICAS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA BOM SUCESSO Ana Lourdes Queiroz da Silva Josué Viana da Silva p.42 UMA ALEGORIA DO PROCESSO COLONIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA ATRAVÉS DO FILME AVATAR: UMA EXPERIÊNCIA COM AULA OFICINA NO ENSINO FUNDAMENTAL II André Moreira da Silva p.46 ENSINAR HISTÓRIA ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: DESAFIOS NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO Andréa Giordanna Araujo da Silva p.52 ENSINO E DOSSIÊS: A CAVALARIA MEDIEVAL PARA SE VER E APRENDER Alan Rogério Raiol Ferreira p.59 NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS E DAS RELAÇÕES INTERAMERICANAS Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior p.66 ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO: PERCURSOS DE UMA EXPERIÊNCIA Antonio Alves Bezerra p.70

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MÃE ÁFRICA DESFIGURADA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DOCÊNCIA E AS QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS Antonio José de Souza Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios p.78 A COMISSÃO NACIONAL DE MORAL E CIVISMO E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA Amanda Marques de Carvalho Gondim p.84 UMA ANÁLISE DO PAPEL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO ESTADO DO PARANÁ EM RELAÇÃO AO ENSINO E APRENDIZAGEM Aparecida Molitor DellÈst Pereira Evelline Soares Correia p.89 A HISTÓRIA E O ENSINO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA Alexandre Claro Mendes p.98 A VIDA ENCONTRANDO A MORTE: A HISTÓRIA DA CIDADE CONTADA ENTRE AS SEPULTURAS DO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE UNIÃO DA VITÓRIA Aristides Leo Pardo p.104 AULAS SHOW DE BOLA: A UTILIZAÇÃO DO FUTEBOL NO ENSINO DA HISTÓRIA Aristides Leo Pardo p.111 ONDE ESTÃO AS MULHERES NA HISTÓRIA? REFLEXÕES E POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA Ary Albuquerque Cavalcanti Junior p.115 O QUE TEM A VER A HISTÓRIA ENSINADA NA UNIVERSIDADE COMO CIÊNCIA COM A HISTÓRIA ENSINADA NA ESCOLA COMO MATÉRIA? A CRIAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA UFPR EM 1971 E A ANÁLISE DA RELAÇÃO HISTÓRIA ACADÊMICA E NÃO-ACADÊMICA Bruno Flávio Lontra Fagundes p.120 O ORIENTALISMO DE GILBERTO FREYRE E O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: RELACIONANDO RELATOS DE DOCÊNCIA E PESQUISA SOBRE A CHINA Carlos Alberto Bento Corrêa p.126 ESTUDO INTERDISCIPLINAR: A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO Carlos Jordan Lapa Alves p.132 O DESENVOLVIMENTO DO PENSAR NA INFLUÊNCIA DA SOCIOLOGIA NA SÉRIE DIDÁTICA HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL DE CLAUDIO VICENTINO E GIANPAOLO DORIGO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO SÉCULO XXI Carlos Mizael dos Santos Silva

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p.139 O “CAMPO INTELECTUAL” E AS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE HISTORIADORAS BRASILEIRAS Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik p.143 O GUIA DO VIAJANTE NO TEMPO E NO ESPAÇO: UMA PROPOSTA DE ESCRITA DE NARRATIVA HISTÓRICA EM SALA DE AULA Carolina Corbellini Rovaris p.149 POR UMA HISTÓRIA CONTADA E SENTIDA PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS SENTIDOS Carolyne do Monte de Paula p.155 DESAFIOS À APLICAÇÃO DA LEI 11645/08 NA EDUCAÇÃO BÁSICA Cássio Júnio Ferreira da Silva Luan Moraes dos Santos p.161 A VIOLÊNCIA COMO LINGUAGEM: UM HORIZONTE TEÓRICO PARA A HISTORICIZAÇÃO DA CULTURA DA VIOLÊNCIA César Henrique Guazzelli e Sousa p.166 ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UM NOVO OLHAR SOBRE O BRASIL COLÔNIA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA Claucia Cristine Vladyka Maia p.170 AS IMAGENS E O ENSINO DA HISTÓRIA Cyanna Missaglia de Fochesatto p.176 ESTILOS DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO DA DISCIPLINA HISTÓRIA Daniel Rodrigues de Lima p.182 RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS NO ENSINO DE HISTÓRIA: ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA HILDA DE AZEVEDO TRIBUZY (ENSINO MÉDIOEJA) Daniel Rodrigues de Lima p.189 O DISTANCIAMENTO ENTRE A EDUCAÇÃO INTEGRAL E ENSINO TÉCNICO NO MODELO ADOTADO PELOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO Danyllo Di Giorgio Martins da Mota p.197 OS CAMINHOS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Daniele Cristina Frediani p.201 CICLO X PERÍODO: A DISCIPLINA 'ESTUDOS AMAZÔNICOS' ENTRE DUAS PROPOSTAS CURRICULARES Davison Hugo Rocha Alves p.206

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A DISCIPLINA DE HISTÓRIA E OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS Danielle Krislaine Pereira p.212 O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Diêgo Santana Soares p.218 O ORNITORRINCO ESCOLAR E O OFUSCAMENTO INDÍGENA Edilson Ribeiro Silva p.224 MEIOS DE COMUNICAÇÃO NAS AULAS DE HISTÓRIA DO ENSINO FUNDAMENTAL EM AQUIDAUANA/MS: NOTAS DE PESQUISA Edvaldo Correa Sotana p.230 CONCEPÇÕES DE FORMA DE GOVERNO DE ATENAS EM LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS Elvis Rogerio Paes Luís Ernesto Barnabé p.237 LUZ, CÂMERA, AÇÃO... EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS DENTRO DO PROJETO "CATADORES DA MARGEM ESQUERDA EM UNIÃO DA VITÓRIA (2009-2011)" Elois Alexandre de Paula p.244 HISTÓRIA E LITERATURA: DEBATES E NOVAS LINGUAGENS Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr p.251 LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO: O CASO D'AS JÓIAS DA COROA (1882), DE RAUL POMPÉIA Evander Ruthieri da Silva p.256 RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS UM FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA RELAÇÃO ENTRE: PROFESSOR E ALUNO Evelline Soares Correia p.262 "RELATO DE UM CERTO ORIENTE": A TEMÁTICA INDÍGENA COMO PROBLEMATIZADORA DA DIVERSIDADE CULTURAL EM SALA DE AULA Everton Demetrio p.271 HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS Evelyn Rodrigues de Souza p.277 SOCIEDADES ESCOLARES POLONO-BRASILEIRAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20: ESPAÇOS DE ENSINO DE HISTÓRIA, INTERCULTURALIDADE E IDENTIDADE ÉTNICO-CULTURAL Fabiana Regina da Silva p.281

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PROFESSORES PRIMÁRIOS DE SALVADOR: ENTRE AS BRECHAS DA CRISE E DA INSTABILIDADE POLÍTICA (1912-1918) Fabiano Moreira da Silva p.289 POR UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE NOTAS HISTORIOGRÁFICAS FILIGRANADAS ENTRE HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE E ENSINO Fagno da Silva Soares p.295 PARA QUE SERVE A HISTÓRIA ORAL? NOTAS SOBRE A HISTÓRIA ORAL E O ENSINO DE HISTÓRIA Fagno da Silva Soares Vera Lucia Silva Oliveira p.303 SOBRE A QUESTÃO DE GÊNERO NO ENSINO DE HISTÓRIA: OLHARES ACERCA DO IDEAL DE MULHER EM ATENAS Filipe Matheus Marinho de Melo p.309 O FILME COMO AUXILIAR DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: ANALISANDO O PRIMEIRO EPISÓDIO DA SÉRIE ROMA Flaviano Oliveira dos Santos p.314 REGISTROS HISTÓRICOS DOS ESPAÇOS RURAIS AMAZÔNICOS: FORMAS DE INSTRUMENTAÇÃO DA PRÁTICA DE PROFESSOR DE HISTÓRIA Francivaldo Alves Nunes p.321 REPENSANDO A AULA DE HISTÓRIA: PROFESSORES E ALUNOS COMO AGENTES ATIVOS DA "HISTÓRIA" Gabriel José Brandão de Souza p.327 A LITERATURA DE CORDEL NO ENSINO DA GRÉCIA ANTIGA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ESCOLAS PÚBLICAS DO PARÁ Geraldo Magella de Menezes Neto p.333 QUADRINHOS COMO FONTE: POSSIBILIDADES DE ENTRE A FOICE E O MARTELO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA Gildson Nascimento Pereira Vieira p.341 O ATO DE APREENDER AO ENSINAR. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA Giane Kublitski p.349 EXERCÍCIO DOCENTE EM FOCO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA Giovana Maria Carvalho Martins p.355 CIÊNCIAS HUMANAS E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE CONCEITOS, PRÁTICAS ESCOLARES E PARADIGMAS SOCIAIS Graziella Fernanda Santos Queiroz Manoel Caetano do Nascimento Júnior p.362

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ESCOLA DO ROCK OU ROCK NA ESCOLA: QUATRO ACORDES SOBRE ROCK E ENSINO DE HISTÓRIA Gustavo Silva de Moura p.368 PÉS AMARRADOS - VIDAS EM LAÇOS UMA REFLEXÃO SOBRE O RITUAL DOS PÉS DE LÓTUS E A FORÇA DA AMIZADE ENTRE AS MULHERES DO SÉCULO XIX, NA CHINA E A EDUCAÇÃO DAS MENINAS NO BRASIL Helayne Cândido p.374 OS FENÍCIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA A PARTIR DA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL Isaias Holowate p.380 HISTÓRIA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO ACERCA DA IMAGEM COMO FONTE E SEU USO NO ENSINO DE HISTÓRIA Israel de Lima Miranda p.384 A HISTÓRIA ESCOLAR NO BRASIL: TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA OU CONHECIMENTO AUTÔNOMO Ivone Maria Dos Santos Gomes p.388 HISTÓRIA PRA QUÊ? O USO DO "VELHO E BOM" JORNAL NO ENSINO DE HISTÓRIA Janaína Jaskiu p.394 ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ALGUMAS INFLUÊNCIAS AFRICANAS AO VOCABULÁRIO BRASILEIRO Jessica Caroline de Oliveira p.399 LITERATURA DE CORDEL NA SALA DE AULA: NOVOS CAMINHOS PARA A HISTÓRIA Jessica Kaline Vieira Santos p.406 HISTÓRIA SUBIDA DO MORRO DA URCA: APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E HISTÓRIA AMBIENTAL José Lúcio Nascimento Júnior p.410 CONDIÇÃO JUVENIL: ELEMENTOS PARA UMA APROXIMAÇÃO DAS JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS Joilson de Souza Toledo p.414 POEMA QUE TECE O PASSADO: CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA João Pedro Pereira Rocha p.421 AS MULHERES NO CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA José Luciano de A. Dias Filho p.427

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O ENSINO DE VALORES NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES Júlia Helane Assis da Silva p.432 REFLEXÕES EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA NA GRADUAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ José Petrúcio de Farias Júnior p.436 GÊNERO E ENSINO: A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE GÊNERO EM SALA Jorge Luiz Zaluski Maycon André Zanin p.444 A MORTE PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA Leonardo Candido Batista p.451 PRÁTICA CURRICULAR E HISTÓRIA ANTIGA: DESAFIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA Luana Neres de Sousa p.456 CAPOEIRA: PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PERNAMBUCO EM SALA DE AULA Lucas Rodrigues Pereira da Silva Jessika Lima Costa p.460 ECOS DA RECLUSÃO: O ENSINO DE HISTÓRIA PARA ADOLESCENTES EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Luciana Mendes dos Santos p.463 O ROCK BRASILEIRO DAS DÉCADAS DE 1970-80 E O ENSINO DE HISTÓRIA: DISCURSOS E POSSIBILIDADES Luis Alberto Gottwald Junior p.468 A INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO: REFLEXÕES SOBRE O SEU PAPEL NO ENSINO Luis Fernando Tosta Barbato p.472 CONSTRUIR O OLHAR CARTOGRÁFICO EM SALA DE AULA: NOVAS CONCEPÇÕES AO MAPA NO ENSINO DE HISTÓRIA Maria Cristina Pastore p.478 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E O ENSINO DE HISTÓRIA Marlon Barcelos Ferreira p.485 O QUE VOCÊ SABE SOBRE A HISTÓRIA DAS MULHERES? CONHECIMENTOS PRÉVIOS DOS ALUNOS SOBRE QUESTÕES DE HISTÓRIA E IDENTIDADE DA MULHER BRASILEIRA Matheus Henrique Marques Sussai p.490

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O CENÁRIO EDUCACIONAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES DURANTE O SÉCULO XX Munir Abboud Pompeo Camargo Vinicius Carlos da Silva p.496 A PRÁTICA COMO PESQUISA NO ESTÁGIO: UMA AULA SOBRE O HOLOCAUSTO Natália da Silva Madóglio Martines Marisa Noda p.502 POR UM ENSINO DE HISTÓRIA SONORO: MÚSICA E HISTÓRIA NOS PCN‟S, NA SALA DE AULA, NA VIDA Nayara Crístian Moraes p.510 FILMES NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CONFRONTO ENTRE A NARRATIVA E OS DOCUMENTOS Paulo Roberto de Azevedo Maia p.517 PRÁTICAS DOCENTES E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA Rafael Moura Hoffmann p.522 O LÚDICO DIGITAL NAS AULAS DE HISTÓRIA: APLICAÇÃO DO GAME CAESAR III COMO MATERIAL LÚDICO NAS TURMAS DE SEXTO ANO DO CENTRO EDUCACIONAL SÃO JOSÉ (MIRACEMA – RJ) Ramon Mulin Lopes p.528 APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA Rebecca Carolline Moraes da Silva p.536 DISCUTINDO A NOÇÃO DE VERDADE HISTÓRICA POR MEIO DA LITERATURA: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DO ROMANCE HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA DE JOSÉ SARAMAGO Rodrigo Conçole Lage p.542 ABORDAGENS DA IMIGRAÇÃO NO ENSINO: DESCONSTRUINDO A IMIGRAÇÃO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA MÃO DE OBRA ESCRAVA E APRESENTANDO A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XX E XXI Rodrigo dos Santos p.547 PENSANDO AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA ALUNOS DO CEJA Rogério Silva de Mesquita p.552 A COMUNIDADE EPISTÊMICA COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE DISCURSOS E O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA Roper Pires de Carvalho Filho p.558

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A HISTÓRIA ORAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA ABORDAGEM DAS MIGRAÇÕES EM RORAIMA Rutemara Florêncio p.566 FEMINISMO E APRENDIZAGEM DE GÊNERO NOS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA Samanta Botini dos Santos p.572 IMAGINÁRIO SOCIAL E LITERACIA NA EDUCAÇÃO HISTÓRICA Samara Elisana Nicareta Valter André Jonathan Osvaldo Abbeg p.577 REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL Simoniely Kovalczuk p.583 PROFESSORES DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAS: DIFERENTES ESPAÇOS E TEMPOS DE FORMAÇÃO Sueli de Fátima Dias Mario de Souza Martins p.590 RPG, OS PROCESSOS COGNITIVOS E A COMPLEXIDADE: METODOLOGIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA Sara Schneider de Bittencourt Alexandre Silva da Silva p.598 A ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA E SUA ABORDAGEM EM PAINÉIS INTERATIVOS Suellen Cristina Rodrigues de Lima p.604 REFLEXOS DA DITADURA MILITAR NO ENSINO DE HISTÓRIA Thaísa Caroline Falcão p.611 DESMISTIFICANDO O ISLÃ EM SALA DE AULA: O ISLAMISMO PELA ÓTICA DO HUMANISMO Thays Bieberbarch p.617 CONCEPÇÕES DE REPÚBLICA E CIDADANIA NA ROMA ANTIGA E NA SOCIEDADE ATUAL: ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS Vinícius Augusto do Prado Furtado Luís Ernesto Barnabé p.622 O OFÍCIO DO HISTORIADOR, O ENSINO DE HISTÓRIA E AS SUAS FERRAMENTAS Vitor Angelo Cardozo Frasca p.627 A UTILIZAÇÃO DE QUADRINHOS NO ENSINO MÉDIO: O APRENDIZADO DE CONCEITOS Weber Abrahão Júnior p.633

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O ENSINO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA NAS ESCOLAS BÁSICAS DE SANTARÉM-PARÁ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PRODUÇÃO E DO USO DOS LIVROS DIDÁTICOS EM SALA DE AULA Wilverson Rodrigo Silva de Melo p.640

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INTRODUÇÃO O ano de 2016 será decisivo para o Ensino de História no Brasil. Em meio à discussão do BNCC - Base Nacional Comum Curricular – revelam-se as tendências e forças relativas ao futuro da docência histórica. O panorama é confuso: de um lado, amputa-se o Ensino de História; de outro, diminuem-se conteúdos, sem levar em conta que, ao invés disso, talvez devêssemos aumentá-los. Preconceitos, reservas de mercado, visões ideológicas restritivas, tudo transparece na luta pelo destino de uma nova educação histórica que se delineia. Todavia, o público acadêmico de história não se aquietou. O Ensino de História é pauta do dia. A aprendizagem histórica é compreendida, finalmente, como o alicerce sobre o qual se assenta a continuidade da conscientização social e histórica brasileira. Não apenas „o que‟, mas „como‟ ensinaremos, construiremos e trabalharemos a história no porvir? Ninguém mais pode ficar indiferente a isso. A alienação acadêmica, responsável por tantos anos de distanciamento do público, tem perdido a empáfia de sua exclusividade, diante das forças sociais que tentam promover mudanças. E mais uma vez, nisso tudo, está o Ensino de História, no centro das polêmicas. Por essa razão, o LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica da UNESPAR, promoveu a construção dessa ampla coletânea sobre experiências educacionais. Nosso livro trata do profícuo encontro de experiências e propostas para o Ensino de História hoje no Brasil. As temáticas são variadas. O campo da História Antiga, tão atacada pelo BNCC, mostra sua preocupação com a aprendizagem histórica, e a formação da consciência crítica, tão caras a existência da História nos Currículos escolares. Mas outras áreas estão presentes com força: no vento das mudanças a que se encaminha nossa civilização, questões sociais relevantes se manifestam com presença marcante, tais como a História da África, a História das Mulheres, entre outras. O resultado é um livro multifacetado, rico, e aberto ao amplo público da história, que luta por um outro amanhã. Desejamos uma leitura enriquecedora! André Bueno Prof. Dr. UERJ

Dulceli Estacheski Prof. Dt. UNESPAR

Everton Crema Prof. Dt. UNESPAR

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COLETÂNEA

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"BOLANDO UM SOM": ENSINANDO HISTÓRIA COM MÚSICA Adauto Santos da Rocha Míriam de Lima Cabral

A música é um proveitoso instrumento para o ensino de História, visto que funciona como meio de difusão de conteúdos através de uma justa harmonia entre sons, o que em síntese é tratado como eficiente no que diz respeito ao campo de ensino da História. Com o intuito de subsidiar a proposta desse simpósio e de apresentar possibilidades de ensino através da música, esse trabalho norteia-se na busca e na análise de composições dos mais variados estilos musicais, fundamentadas no repasse de conteúdos históricos, implícita ou explicitamente. No decorrer do texto serão apresentadas ao leitor algumas composições, a fim de fomentar uma discussão subjetiva sobre possíveis diálogos entre música e história, visando como as composições podem ser aplicadas no espaço educacional. Por séculos a escola foi vista como um local de ensino estático, no qual o poder sempre esteve centrado nas mãos do professor, este por vez, convencionalmente, sempre estava posicionado "acima dos alunos", como um ser autoritário, munido de artifícios que o transformava em um profissional, na maioria das vezes, provocador de exclusão do aluno em relação às aulas. Embora esse método autoritário de ensino permaneça em vigor dentro de várias escolas nos dias de hoje, o profissional do ensino de história deve por si só procurar novos métodos de repasse dos conteúdos que deveram ser tratados no decorrer das aulas como descrito a seguir por Maria Auxiliadora Schmidt: "As transformações da sociedade contemporânea, bem como as novas perspectivas historiográficas, como as relações entre história e memória, têm estimulado o debate sobre a necessidade de novos conteúdos e novos métodos de ensino de história". (SCHIMDT, 2004, p. 24). Nessa perspectiva a escola atua como espaço social, e o professor de história como instrumento de ensino, no sentido de utilizar de outros meios de instrução fora dos artifícios convencionais para colaborar com a produção do conhecimento, nesse processo, o trabalho do professor está centrado em cobrar do aluno a leitura das

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fontes musicais, a fim de estimular o gosto pela leitura, tão quanto a formação de um senso crítico e analítico que será posto em prática pelo aluno através da análise das letras de determinadas músicas, enquadrando-as no contexto social vivenciado por cada aluno, buscando fazer um relação entre a música ali tratada e sua realidade. A grande jogada na utilização de composições para o ensino de história do Brasil, por exemplo, é evidenciar o período da ditadura militar no país, como uma forma de mostrar que nem mesmo a censura e os métodos de repressão dos militares fez com que as músicas deixassem de ser produzidas, basta pensar apenas nas fortes composições abrolhadas na época por artistas que acabaram virando ícones da produção musical do Brasil até os dias de hoje, como Chico Buarque e Milton Nascimento por exemplo. A grande maioria da produção musical do Brasil em torno do Golpe de 64 esteve ligada ao feitio de denúncias metafóricas proliferadas contra o estado e suas práticas em relação à repressão, tortura e silenciamento da população.

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A musicalidade serve como uma fonte inesgotável quando se trata de ditadura militar no país, é importante ressaltar ainda, que o ensino de História através da música engloba questões que vão além do quadro político, tais como: aspectos culturais, religiosos, além de tratar de expressões artísticas singulares de cada povo, como descrito por David no trecho a seguir: "Como função cultural, o exercício da música possibilita vivenciar sentimentos pretéritos e presentes de uma época, pela percepção de como o compositor diz o que diz. Como código musical envolve a ideologia e a "maneira de ser" de determinada época, sua vivência estimula formas de pensamento distintas do rotineiro, o que significa dizer que a música possibilita ao educando atentar para seus sentimentos, alimentando-os com experiências vivenciadas e ressignificadas em novas relações. E se a obra musical aponta determinada direção aos sentimentos do educando (ouvir música é ouvir direções), ela também descortina novas possibilidades de que ele se sinta e se conheça, pois a maneira de vivenciála é exclusivamente pessoal, é exclusivamente função do receptor. Expressando sentidos irredutíveis a palavras, a música cria um espaço em que os sentimentos dos educandos acabam por encontrar novas e múltiplas possibilidades de ser." (DAVID, p. 133, 1990).

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O ensino de história que explora o campo das mentalidades e das musicalidades faz da música um novo paradigma para o ensino da história, para tanto é necessário que o professor conheça características do período historiográfico ao qual a música está inserida e/ou será relacionada, a fim de evitar equívocos em relação à transparência dos conteúdos propostos, para que se possa fazer a analogia com o assunto indicado, sempre lembrando muito bem de fazer um recorte temporal ao que será apresentado aos alunos no decorrer das aulas. É importante ressaltar que a ludicidade está invadindo os ambientes escolares, e é nesse sentido que a música entra no local de ensino, engendrada nos smartphones, tablets, e quaisquer outros objetos portáteis que permitam o armazenamento dos conteúdos musicais. Para Élia Santos: "O lúdico é uma estratégia insubstituível para ser usada como estímulo na construção do conhecimento humano e na progressão das diferentes habilidades operatórias, além disso, é uma importante ferramenta de progresso social e alcance de objetivos institucionais" (SANTOS p.2, 2001). Partindo do pressuposto de Santos, a música enquadra-se no vasto campo da ludicidade, ao tempo em que há uma harmonia entre aprender e brincar, nota-se que através da música o aluno absorve conteúdos se divertindo, estimulando além da capacidade de aprendizagem o prazer. O uso dessa ferramenta no ensino de história visa desenvolver a percepção auditiva e a memória musical dos alunos, uma vez que a utilização das composições musicais nas aulas implicará em uma leitura acurada e árdua, para que seja possível uma proveitosa extração de informações dos textos propostos. A metodologia de ensino mostrará aos alunos como conhecer, apreciar e adquirir posturas de respeito frente às várias manifestações culturais do país e além dele, se for utilizada uma composição estrangeira, uma vez que a diversidade cultural está presente dentro e fora do ambiente de ensino, sendo necessário que o aluno desperte o senso de curiosidade frente ao contato com as mais variadas e distintas culturas.

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Além de tudo, o aluno deve tomar partida de usos e funções da música em épocas e sociedades em distinção, visando a projeção de analogias, uma vez que a sociedade em que vivemos encontra-se mergulhada em uma espécie de eterna transformação e modernização, a música consequentemente acompanha essa modernização. Conforme descrito na parte inicial deste texto, apresentaremos a seguir algumas composições musicais brasileiras, em seguida serão feitos comentários que abriram horizontes para que os leitores e professores interessados pelo assunto pensem e repensem a música como instrumento no ensino de história. Música:"Camelô" Compositor: Edson Gomes

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Sou camelô, sou do mercado informal Com minha guia sou profissional Sou bom rapaz, só não tenho tradição Em contra partida sou de boa família Olha doutor, podemos rever a situação Pare a polícia, ela não é a solução não Não sou ninguém nem tenho pra quem apelar Só tenho meu bem que também não é ninguém Quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera (2x) Até parece (6x) Sou camelô, sou do mercado informal Com minha guia sou profissional Sou bom rapaz, só não tenho tradição Em contra partida sou de boa família Olha doutor, podemos rever a situação Pare a polícia, ela não é a solução não Não sou ninguém nem tenho pra quem apelar Só tenho meu bem que também não é ninguém Quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera (2x) Até parece (6x) Nesta música o compositor baiano Edson Gomes tenta mostrar as dificuldades enfrentadas pelos profissionais que dependem do comércio informal para sobreviverem, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos. É importante notar, que no desenrolar da música pode ser notado o enfoque em torno das dificuldades que circundam os vendedores de rua, dentre as dificuldades enfrentadas pelos camelôs, a repressão fiscal e a pressão policial estão entre as mais latentes, pois, fazem com que estes trabalhadores sejam excluídos do mercado de trabalho e fiquem a mercê da sorte,

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levando em consideração a venda informal como único meio de subsistência dos trabalhadores informais. Música "Roda viva" Composição: Chico Buarque Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo então que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração A gente vai contra a corrente Até não poder resistir Na volta do barco é que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá Roda mundo (etc.) A roda da saia, a mulata Não quer mais rodar, não senhor Não posso fazer serenata A roda de samba acabou A gente toma a iniciativa Viola na rua, a cantar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a viola pra lá Roda mundo (etc.) O samba, a viola, a roseira Um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levou No peito a saudade cativa

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Faz força pro tempo parar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a saudade pra lá Roda mundo (etc.) A música Roda Vida de Chico Buarque é passível de fazer o ouvinte adentrar ao contexto social que o Brasil estava inserido durante o período da ditadura militar, no que diz respeito ao âmbito cultural da época, essa música acabou metaforicamente representando o fim da liberdade de expressão. "Roda-viva" faz alusão aos representantes da ditadura, na segunda estrofe quando Chico Buarque fala de destino, no sentido de lutar pela liberdade pessoal e artística, ele cita que "a roda viva carrega o destino pra lá e pra cá", refere-se à censura imposta às pessoas que dilacerava os planos de liberdade social. No sentido formal do termo, a expressão Roda-Viva é, conforme os dicionários, movimentos incessantes; corrupio; cortado; é ainda confusão e barulho, termos que implicitamente são percebidos na genial composição acima descrita.

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A letra fala em dois momentos, um que manifesta o trabalho sistemático enfrentado pela população, e outro relacionado ao desejo das pessoas serem sujeitos de sua própria história, a isto está ligado a vontade de ter voz ativa, de ir contra a ditadura. Para ajudar na compreensão da letra e no contexto social em que foi escrita pode-se ler o nome da composição de "trás para frente", e o termo se tornará: Viva a dor, manifestando todo o sentimento envolvido durante a ditadura, período em que a música foi escrita e amplamente difundida. Conforme planejado no corpo deste trabalho, nós dispomos de composições distintas relacionadas a temas históricos que podem ser trabalhadas em sala de aula, com uma análise da letra da música abordada em aula, tecendo desta maneira, parte dos conteúdos que devem ser apresentados pelo professor no decorrer das aulas. Referências ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 3. Ed.- Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV, 2005. ALVES, Hilana Oliveira de; SANTOS Maele dos. O lúdico e o ensino de história. XVII Simpósio nacional de história. Conhecimento histórico e diálogo social, 2013.

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DAVID, Célia Maria; FAGUNDES, Gustavo Henrique Godoy; JANUARIO, André Alves. Música: uma ferramenta para o estudo da História. Franca - SP: CAMINE, 2010. DAVID, Célia Maria. Criação e interpretações musicais em França: palco e plateia (1872-1964). São Paulo: Unesp, 2002 (Dissertações e teses, v.6). DAVID, Célia Maria. Música e ensino de história: uma proposta. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2009 GUIMARÃES, Márcia Noêmia. Os diferentes tempos e espaços do homem: atividades de geografia e história para o ensino fundamental 2ed.- São Paulo: Cortez, 2006. LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão - 5ªed. - Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. PINSKY, Jaime. O ensino de história e a criação do fato. 14 ed -São Paulo : Contexto, 2012. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História São Paulo: Scipione, 2004. SILVA, Marcos A. da. Repensando a História. 1° Ed- Rio de Janeiro, RJ: Editora Marco Zero, 1984. VICENTIN, Carolina; REBELLO, Bernardo. Balada dos Deuses. Darcy. UnB, Brasília, (2), p. 50-53, 2009.

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MINHA CIDADE SE FAZ DE ENCANTOS: O ENSINO DE HISTÓRIA NO I CICLO - 3ºANO A Adriane Cristine Silva

Neste texto tenho por objetivo apresentar um relato de experiência realizado na turma do 3º ano do 1º Ciclo, na Escola Estadual "13 de Maio", através do projeto Minha Cidade se faz de Encantos. Em município de Porto Esperidião Mato Grosso, na perspectiva de desenvolver atividades relacionadas ao ensino de História dentro da temática cidades, e suas especificidades.

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Assim o projeto se articulou inicialmente direcionado para as áreas de História e Artes, depois pelo fato da necessidade de atividades e ações interdisciplinares, realiza se então atividades que envolveram geografia, ao analisarmos mapas e localizações mediante instrumentos das tecnologias e cálculos de distancia, e a área de Linguagem através da escrita e correção de poesias. De acordo com a Instrução Normativa nº002/2015, do Conselho Estadual de Educação no Capítulo II, Seção I das disposições gerais a Composição da Educação Básica tem por finalidade o desenvolvimento da pessoa na sua totalidade por meio de uma articulação entre as áreas do conhecimento. §3º Cada prática pedagógica deve ser compreendida como parte integrante da totalidade representada pela Educação Básica, superando as formas fragmentadas do currículo. §5º A metodologia articulará os saberes dos estudantes com o conhecimento historicamente construído e organizado pela sociedade, para que o próprio estudante (re) construa sua realidade, expressando-a em novas formas de pensar, agir e sentir, rompendo com as velhas formas de planejar e ensinar, como por exemplo, a reprodução do conhecimento livresco de acumulação e memorização.(MATO GROSSO, 2015, p23) Compreendemos com a legislação que se remete a organização do ensino em Mato Grosso a Necessidade de nossas atividades pedagógicas, além de ter a ação interdisciplinar é preciso configurar a história local e significativa a nossos alunos.

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Para compreendermos as cidades As cidades são, portanto, uma reflexão, porque, como já se disse, sua aparência torna os homens livres e iguais, mesmo que a realidade, com freqüência, permaneça longe do ideal. (LE GOFF, 1997, p. 91). Aprendemos com o historiador Jacques Le Goff, a perceber a cidade em sua realidade congruente, e que se apresenta ainda com sinônimos de cultura, permeada por uma dinamicidade própria, em vias de desenvolvimento constante de forma desordenada. Temos aqui um tema relevante ao trabalho na escola, no interior das disciplinas, visto que de forma ampla pode ser desenvolvido para atender as muitas áreas do conhecimento. Através das cidades criadas em praticamente todas as sociedades humanas para superar ou eliminar as distâncias e permitir as interações sociais. Ao pensar em áreas do conhecimento, para desenvolvermos a temática cidades demonstramos ainda a relevância, pois trata-se de uma atividade interdisciplinar e paralela as atividades desenvolvidas em sala de aula. A partir do tema que envolve cidades, ainda em Santo Agostinho entendemos as cidades não apenas constituídas de pedras, ou o que temos hoje a dureza nas construções e o verde de nossas matas nos arredores, mas uma constituição de cidadãos que perceberam a sua constituição e contribuem com seu desenvolvimento no decorrer de suas vidas. Então temos a utilização da historia oral, que se desdobra diante de nós, em histórias contadas e recontadas pelos habitantes da cidade. A relevância do tema vincula-se também ao ritmo e estrutura da urbanização em nosso município de Porto Esperidião e ao aumento da população urbana observada em gráficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi escolhia a temática Cidades para podermos desenvolver a expressão do universo cultural de nossos alunos, valendo-se de observações do local em que moram. Para ampliar o conhecimento histórico e social da cidade de Porto Esperidião. Ainda, assim, estimular o olhar da criança para a valorização do patrimônio cultural local, observado na atividade desenvolvida.

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A atividade desenvolvida A partir dos estudos relevantes a temática Cidades , em sala de aula, partimos para uma visita exploratória na sede do município e depois foi solicitado para cada aluno registrar por meio de desenhos, as suas impressões a partir de observações de alguns locais da sede do município de Porto Esperidião. E em seguida , escrever poesias com o tema: Cidade. Foram atividades realizadas a partir do objetivo de constituir um Livro com as ilustrações e poesias dos alunos envolvidos neste projeto. Temos aqui um tema relevante ao trabalho na escola, no interior das disciplinas, visto que de forma ampla pode ser desenvolvido para atender a muitas áreas do conhecimento. Através das cidades criada em praticamente todas as sociedades humanas para superar ou eliminar as distâncias e permitir as interações sociais.

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A partir do tema envolvendo Cidades, para Santo Agostinho as cidades não são apenas constituídas de pedras, ou o que temos hoje a dureza nas construções e o verde de nossas matas nos arredores, mas uma constituição de cidadãos que perceberam a sua constituição no decorrer de suas vidas. Através de atividades interdisciplinares, com mapas, gráficos, história local, bairros, total de população e ainda despertar habilidades artísticas, capazes de construir um novo olhar, a partir de textos para provocar reflexões, que dialoga com o mundo, a partir de dados estatísticos sobre esta cidade de Porto Esperidião, em um percurso que se descortina pela curiosidade, e pela leitura, mediante textos que abordem a história de nossa cidade. Enquanto educadores ao desenvolvermos o projeto trabalhamos com a conscientização e motivação das crianças e dos adolescentes para a sensibilização de um olhar mais aguçado sobre a cultura local e sobre história que define a cidade de Porto Esperidião, através da valorização do município e de seu patrimônio natural, arquitetônico, cultural e histórico. Aspectos Metodológicos Nesta atividade desenvolvida buscamos despertar habilidades artísticas, capazes de construir um novo olhar, a partir de histórias, que provocam reflexões, que dialoga com o mundo, e ainda a partir de dados estatísticos sobre esta cidade de Porto Esperidião, em uma

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interação entre curiosidade, e pela leitura, mediante textos que abordem a história de nossa cidade. Para desenvolver a conscientização e motivação das crianças e dos adolescentes e a sensibilização de um olhar mais aguçado sobre a cultura local e sobre nossa história que define as características culturais desta cidade de Porto Esperidião. Agregando a oportunidade de desenvolver um material próprio criado pelos alunos e para os alunos. Com isso, trabalharemos o fortalecimento da cidadania, a valorização de seu município e de seu patrimônio natural, arquitetônico, cultural e histórico. Utilizamos da história oral, através de relatos de moradores desta cidade e que se disponham a contar histórias do cotidiano que compõem o universo de memórias desta cidade, nas narrativas orais realizadas por meio de entrevistas aos membros da família. Atividade realizada como o momento de tarefa de casa que permitiu aos alunos a conversa, a escuta e principalmente a troca de informações. A docência envolve uma proposta pedagógica e um modo de conceber a produção do conhecimento histórico que estão intimamente ligados. A relação professor-aluno expressa sempre uma concepção de historia mesmo quando professores e alunos não se dão conta disso (...). Embora o passado enquanto tal não se modifique, a construção do conhecimento se modifica de acordo com o modo pelo qual o historiador se vê no presente, pensa o social e se insere nele, enquanto sujeito social e enquanto pesquisador (Vieira, et al. 2007, p. 65) Desenvolver as atividades de história por meio de pesquisa permite o contato com aspectos teóricos de forma prazerosa para despertar no aluno o sujeito pesquisador que compõem o seu conhecimento além dos livros. E o contato com as várias fontes de pesquisa nas séries iniciais, atividade fundamental. Algumas Considerações No processo de elaboração do projeto que originou nesta pesquisa ação apuramos que a dinamicidade da aula influencia a compreensão de aspectos teóricos da história de forma a compreensão histórica se referir a épocas em sua dinamicidade e

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diferenciação e com exatidão e interesse dos sujeitos envolvidos na educação. Dentre os trabalhos desenvolvidos, foram reproduzidos e impressos no formato de livro de poesia, dando condições de um contato dos seus escritos como forma de dar valor ao que é produzido extraclasse ou no interior da disciplina. E esse formato de livro permite a difusão dos trabalhos, a valorização do patrimônio local e o intercâmbio cultural dentro da escola. Referências Bibliográficas

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GOFF, Jacques Le et al. [org]. A nova história. Coimbra: Almedina, 1990. ________ Por amor às cidades. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. ________História e memória. Trad. de Benardo Leitão: 5ed. Campinas. São Paulo: Editora UNICAMP, 2004. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia Das Letras, 1998. JULIA, Dominique. A Cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, n.1, p. 9-44,2001. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 1998. VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A Pesquisa em História. São Paulo: Ática, 2007.

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DESENVOLVENDO A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E SOCIAL NA VIDA DOS ALUNOS E ALUNAS Ana Carolina Prohmann

Apesar de muitos acreditarem que a História só serve para compreender o passado, isso não é verdade. A História nos mostra o presente, estudar o passado para poder compreender o que está acontecendo agora, todas as relações presentes na sociedade, que existiram até então, e são importantes hoje. Qual seria a função da História? Estudar a ação dos seres humanos no tempo, e não o passado por si só. É isso que deve ser percebido pelos alunos e alunas em sala de aula. Dessa forma quando o professor e professora estão em sala de aula, eles têm que fazer relações com o ser humano na história, é ele o sujeito da história. O aluno e aluna por sua vez tem que se ver presente nessa história, tem que se sentir representado/a, caso contrário a História não fará sentido algum. Por isso, não podemos valorizar apenas o conhecimento do professor e professora. É o conhecimento dos/as alunos/as e professores/as, uma troca de conhecimentos. Nunca podemos partir do pressuposto de que a classe não tem consciência histórica, ela tem sim, e é nisso que o/a professor/a tem que trabalhar. Utilizar essa consciência em sala de aula, valorizando, e até mesmo desconstruindo e formando outras formas de consciência histórica. Para o aluno e aluna adquirir mesmo o conhecimento, não basta uma transmissão, é necessária uma produção, o conhecimento deve ser produzindo em sala de aula, e não entregue ao aluno/a pronto, não pode ser apenas uma assimilação de informações. A História tem que ser interpretada, analisada, relacionando com a vida prática dos alunos e alunas. Temos que pensar sempre nos usos da História para a vida humana. Não seria apenas ensinar, é apreender para que serve a História, se nem os/as professores/as souberem para que serve o que estão ensinando, como os alunos e alunas vão entender o sentido de estudar certo tema. Por isso da importância dos/as professores/as estarem cientes do que estão ensinando. É necessário entender o mundo que nos cerca, perceber a realidade do/a aluno/a, os temas ensinados não vão ser aplicados da mesma forma para cada turma, os professores sempre terão que modificar seus métodos.

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Segundo Rüsen (2001) a consciência histórica está presente em três dimensões do tempo: o passado, presente e futuro. Esses três tempos fazem sentido a uma narrativa histórica. A consciência histórica nos leva as narrativas críticas e a problematização, dessa forma os temas trabalhados devem estar relacionados com a vida prática, se não for dessa forma a História não tem sentido. Temos que pensar para que serve a história para os alunos e alunas, como foi dito tem que ser útil para a sua vida prática, durante o Regime Militar em 1964, por exemplo, os sujeitos históricos interessavam ao estado, foi nesse período que foram criados os heróis, nós no papel de professores/as temos que sempre estar revendo os temas aplicados e repensando a função prática na vida do/a aluno/a. São eles que tem que se ver representados/as na história. No Regime Militar a história servia para ensinar a cidadania, seria para respeitar a pátria, não era nem para o aluno ou aluna, nem para o professor ou professora pensar, os/as alunos/as e professores/as tem que pensar se isso mudou.

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Essa mudança pode ser percebida a partir de como os temas são trabalhados em sala de aula. Se existe pesquisa histórica, utilização de fontes, se os temas são tratados de diferentes maneiras, com vários recursos. Não apenas passar o conteúdo para o/a aluno/a, mas fazê-los produzir esse conteúdo. Construírem o conhecimento. Os alunos e alunas são capazes de desenvolver o próprio saber e romper com seus próprios pré-conceitos sobre os temas trabalhados. Quando realizei meu estagio supervisionado, trabalhei com a Ditadura Militar, e para que os alunos e alunas desenvolvessem o seu próprio saber, utilizei o método da aula- oficina, trabalho organizado pela Isabel Barca em 2004, a ideia da aula oficina, é que primeiramente o/a professor/a escolha o conteúdo a ser trabalhado com a turma. Então perguntar aos alunos e alunas o que sabem a respeito do tema, no meu caso utilizei em forma de texto, pedi para que escrevessem um texto, ou o que sabiam sobre o assunto. Em seguida o/a professor/a seleciona fontes históricas que sejam pertinentes. Em sala os alunos e alunas analisam as fontes, construindo o saber, a professora e professor podem auxiliar, todos então, estão participando do processo de construção do pensamento histórico. As opiniões e as conclusões dos/as alunos/as devem sempre ser valorizadas. Dessa forma avaliadas, e quando não estiverem apropriadas, podem ser reconceitualizadas com a ajuda da professora ou professor. Dessa forma, os alunos e alunas estão cientes do que estão apreendendo e motivados/as, por que será

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gerada uma curiosidade por eles/as, e o prazer da descoberta, e não da narrativa pronta. Qualquer vestígio do passado pode ser considerado uma fonte, cabe ao educador/a saber selecionar as que se adequem mais para cada turma. E para ela ser estudada o historiador, ou quem for analisá-la, no nosso caso os/as alunos/as, saberem questionar as fontes e extrair delas respostas. É interessante levar fontes que já foram vistas pelos alunos e alunas, como em redes sociais por exemplo. Documentos que são utilizados de uma forma manipulada, por isso da importância de levar para os alunos para que possam analisar e perceber na sociedade como essas articulações podem interferir na História. Com o auxílio e cuidado da professora ou professor, juntamente com textos explicando os acontecimentos históricos, essas análises serão possíveis e válidas para a vida dos/as alunos/as. A aula oficina, além de ser mais produtiva, torna a aula mais interessante. Afinal, uma aula que seja somente explicativa, não permite o contato dos/as alunos/as com a História, eles/as devem construir o conhecimento, rompendo com os métodos tradicionais de ensino. Até por que nossos alunos e alunas não se adaptam mais aos métodos tradicionais utilizados, os/as professores/as devem acompanhar essas mudanças e tornar sempre o ensino próximo ao aluno/a. O método da historiadora Isabel Barca (2004), permite a participação da turma e o debate, maneira que permite uma criticidade para os alunos e alunas. É a partir dos conhecimentos do/a aluno/a, que o professor e professora podem dar ênfase nos temas. Para finalizar o/a professor/a deve fazer novamente a atividade de investigação para perceber a compreensão do passado. Dessa forma docentes e discentes podem perceber o ganho histórico que o conteúdo ofereceu. Temos que pensar que vivemos em um mundo no qual as informações são recebidas de forma muito rápida, e as pessoas tem acesso a tudo. A internet, por exemplo, deve ser um instrumento dentro da sala de aula, é ela o lugar que o/a aluno/a mais tem acesso, a professora e o professor devem aproveitar essas informações para utilizar na sala de aula. O cuidado deve ser grande, pois sabemos que muitas das informações e notícias vistas pelos/as alunos/as podem não ser verdadeiras, por isso a necessidade da pesquisa. Já que vivemos na era da tecnologia, porque não, aproveitá-la? A professora e professor devem utilizar os recursos que

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a própria classe tem para utilizar na sala de aula. Dessa forma as aulas tendem a ser mais interessantes. Para o/a aluno/a não é nada chamativo receber um texto pronto, retratando uma história passada, na qual ele não vê interesse algum. Até porque não faz nenhum sentido aprender alguma coisa que não vai servir para nada. Por isso a importância de ensinar temas úteis para a vida prática do/a aluno/a, coisas que ele/a vai perceber no seu cotidiano. A ditadura acabou, mas o/a aluno/a tem que perceber que não houve uma ruptura completa, isso não existe na história, ainda temos uma herança da ditadura muito grande, seja pelos nossos governantes, pela polícia e pela própria sociedade, afinal, existe pessoas que estão pedindo a volta desse período. Quando um aluno ou aluna consegue analisar uma música escrita contra a ditadura, que até então eles escutavam e não viam outro sentido, esse/a aluno/a será capaz de analisar a sociedade em que vive e poderá mudar sua realidade e seu futuro, e não apenas o seu, mas o do outro, perceber o outro e respeitá-lo.

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Os/as alunos/as quando estudarem a História devem olhar para si mesmos e ter a capacidade de olhar para o outro, e respeitá-lo, mesmo que seja diferente. Por isso acredito que o ensino de História seja capaz de gerar mudanças sociais e culturais na vida dos/as aluno/as. Referências BARCA, I. Aula Oficina: do projecto à avaliação. In. Para uma educação histórica de qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga (PT): Ed. Universidade do Minho, 2004. RÜSEN, J. Razão histórica: Teoria da história: Os fundamentos da ciência histórica. 1.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

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HISTÓRIA ANTIGA E LIVRO DIDÁTICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ana Flávia Crispim Lima

Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores ao deixarem o meio acadêmico e entrarem em contato com o Ensino Básico é a chamada "Transposição Didática" (Bittencourt, 2011, p. 35-37), que segundo Bittencourt, é a forma pelo qual os professores irão passar para seus alunos os conteúdos acadêmicos em conteúdos que possam ser aplicados no Ensino Básico, (Ensino Fundamental e Médio) já que a forma de "escrever" e "pensar" a História é diferente em ambos os casos. Atualmente a História, quer seja como disciplina acadêmica ou como disciplina básica, está passando por um processo de adaptação às inovações tecnológicas. Logo, a História, como disciplina, precisa encontrar formas de "sobreviver" nesse mundo. Segundo os PNC´s (Parâmetros Curriculares Nacionais) é preciso que se leve em conta a opinião dos alunos, os seus questionamentos e o modo de viver dos mesmos, tentando aproximar os fatos ocorridos à realidade vivida e para que haja uma melhor compreensão dos alunos sobre o que é ser sujeito histórico e se entenda como tal. Em pleno século XXI, se tratando do ensino de História, um dos temas mais difíceis de ensinar é a História Antiga, já que entre diversos motivos, esta não é muito "querida" pelos alunos, os quais questionam o porquê de estudar uma "coisa" que aconteceu há muito tempo (considerada tão distante da nossa atual realidade) e que para muitos não tem nenhuma influência nos dias atuais e também por ser vista como algo exótico, diferente (Silva, 2010, p.145). Esses conceitos apresentados pelos alunos decorrem da falta de exposição de uma aula de História Antiga bem feita. No entanto, os professores têm muita dificuldade em obter essa aula necessária. Um dos principais motivos que contribui grandemente com essas dificuldades são da estrutura do livro didático. O livro didático, tal como se apresenta hoje estruturado, é um instrumento pedagógico eficaz quando se trata de ensinar os conteúdos de História Antiga? Ou, dito de outro modo, o professor do Ensino Fundamental/Médio ao ensinar os conteúdos de História Antiga, pode apoiar-se com segurança no material mais recorrente à sua disposição, que é o livro didático?

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Analisando essas questões podemos notar a presença de inúmeras informações errôneas e bastante desatualizadas, bem como uma quantidade alta de simplificações que comprometem o estudo da disciplina por parte dos alunos, que muitas vezes, torna-se enfadonho de se ler. Baseados nos escritos do Dr. Gilvan Ventura da Silva(2010), podemos ver que a falta de compromisso com a definição prévia e clara dos conceitos empregados na explicação de determinados processos históricos, torna-se particularmente grave se tratando de História Antiga. Segundo Silva (2010) muitos dos termos utilizados pelos especialistas ou não fazem parte do vocabulário habitual dos alunos, ou não possuem o mesmo significado que a linguagem corrente lhes atribui no presente. É fundamental atentar, se o significado é baseado no período antigo, extinguindo conceitos contemporâneos, que muitas vezes se difere e só serve para confundir a compreensão do estudante. Os professores do Ensino Fundamental e Médio não buscam, muitas vezes, acompanhar as discussões recentes acerca da produção científica na sua área por meio de leituras mais recentes, o que os leva a submeterem-se passivamente ao saber condensado nos livros didáticos (LIMA, 1998, p. 196). Como afirma Bárbara Freitag (1989, p. 124), o livro didático não é visto como um instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como a autoridade, a última instância, o critério absoluto da verdade, o padrão de excelência a ser adotado na sala de aula. É de suma importância que o professor use outros instrumentos de trabalho que vão ajuda-lo a tornar sua aula mais dinâmica. Pois, "a aula é do professor e não do livro. E o bom docente é livre, autônomo e procura sempre a melhor maneira de produzir conhecimento" (KARNAL, 2007, p. 158). Em outras situações podemos observar também a utilização de conceitos que há muito tempo já foram superados ou redefinidos pela historiografia.Como exemplo, temos o uso já ultrapassado do conceito de classes sociais para tratar da Antiguidade, a famosa linha do tempo desenhada nos quadros por professores que ensinam para os alunos que a História é uma linha de causas e consequências. Ou ainda, o uso problemático do conceito de decadência para marcar o fim do Império Romano, já criticado por historiadores de renome, como Jacques Le Goff, que propõe o uso do termo desagregação (GONÇALVES, 2001, p. 05) dando a ideia de transformação que é mais próxima do que a ruptura total.

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Mais um conceito usado em livros didáticos e bem discutido nas pesquisas historiográficas é o de Alto e Baixo Império Romano, onde denotam, para os alunos, o sentido de momento de auge e queda, sem refletir sobre a História enquanto transformação. Há historiadores como Peter Brown (O Fim Do Mundo Clássico, 1972) que propõe o uso do termo Principado em substituição ao Alto Império, para marcar os três primeiros séculos do Império Romano e Antiguidade Tardia, para marcar já o momento em que as estruturas politico-administrativas de Roma estavam sendo transformadas, como elementos típicos do período seguinte, o Medievo. Ventura, sobre o conteúdo de História Antiga, classifica a sua estrutura geral, de duas maneiras: o levantamento de forma panorâmica de todas as civilizações antigas orientais e ocidentais, ou buscando aproximar o mundo contemporâneo do passado. E, em seguida, expõe as consequências dessas estruturas ensinadas alegando que ao tentar sintetizar, as informações acabam perdendo o seu contexto geral. E por fim, nos mostra uma possível opção, que, classificada por ele como razoável, seria o de analisar um conteúdo menos extenso, aprofundando mais no assunto (VENTURA, 2001, p.127-128) Portanto, como já vimos, a quantidade de anacronismos, erros, simplificações, juízos de valores e, principalmente, falta de atualização dos assuntos tratados dos livros com as pesquisas na área de História Antiga, é enorme. Mas, embora haja muitos livros de História com conteúdos desfalcados, há também ótimas publicações atuais de livros didáticos. Um exemplo disso seria o fantástico livro Grécia e Roma - Vida Pública e Privada, do Professor Dr. Pedro Paulo Funari (2008) onde alia as novas descobertas arqueológicas e suas interpretações históricas, com reflexões de pesquisas que trazem novidades em termos teórico-metodológicos. Este livro é fácil de achar e de linguagem acessível até mesmo para um trabalho de analise e leitura por parte dos alunos de Ensino Médio. Uma outra obra de suma importância para o ensino de Historia Antiga desse mesmo autor é a obra Antiguidade Clássica. A História e a Cultura a partir dos documentos, Onde sua importância para o ensino didático é mostrar aos alunos como é o trabalho do historiador, de onde tiramos e como interpretamos as informações sobre o passado.

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Mas para saber utilizar corretamente estes livros, e mesmo outros recursos, o professor de História precisa de criatividade, boa vontade e uma boa formação acadêmica, refletidas em praticas de ensino, estágios, atividades acadêmicas, cientificas e culturais e também pesquisas de Iniciação Cientifica feitas ainda durante a primeira formação na graduação. Diversas vezes, anteriormente, mencionamos a necessidade do professor lecionar a História Antiga para os estudantes de ensino básico fazendo uma comparação com a contemporaneidade. No entanto, é preciso, antes de tudo, muita cautela com as comparações propostas, inclusive com o intuito de evitar anacronismos, um dos equívocos mais graves em se tratando do conhecimento histórico. Comparar realidades muito distantes no tempo e no espaço requer ainda um cuidado redobrado, pois no esforço de tentar tornar mais inteligível para os estudantes contemporâneos, processos muito recuados do tempo mediante a comparação com elementos do cotidiano, podem ser cometidas serias distorções.

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Ao se relatar as experiências do passado, são pouquíssimos os livros didáticos que se atentam em deixar explicito ao mostrar de que muitos dos fatos narrados nas diversas civilizações apresentadas ocorreram de forma simultânea. Segundo Andréa Lúcia D.O.C. Rossi (1998) o que tem mais ocorrido é o de abrir capítulos para cada uma das civilizações. Como por exemplo, o surgimento, desenvolvimento e crise da sociedade egípcia, o surgimento, desenvolvimento e crise da sociedade mesopotâmica, o surgimento, desenvolvimento e crise da sociedade grega, o surgimento, desenvolvimento e crise da sociedade romana. Como se essas sociedades não tivessem interagido entre si. Um recurso metodológico extremamente necessário no ensino de História Antiga são os mapas. O uso de filmes em sala de aula, desde que trabalhados com uma metodologia própria, se faz extremamente válido. Além dos filmes, imagens de monumentos da Antiguidade, de construções e objetos do uso cotidiano e mesmo de documentação escrita, são interessantes para o aluno visualizar mais de perto o que o professor fala. Existe a necessidade de mostrar para os estudantes, a importância de aprender a História Antiga. Pois, "de olhos voltados às origens do espetáculo das ações humanas, e porque não, a seus antecedentes, a História Antiga é capaz de orientar os mais diversos grupos sociais a

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visualizar o mundo presente de maneira crítica e cidadã" (ROSSI, RODRIGUES, s/d, p. 256). Uma metodologia da aprendizagem eficaz para a disciplina que lecionam é aquela que permite ao aluno desenvolver três habilidades básicas: 1) compreender a realidade na qual se encontra inserido, a partir da problematização entre o presente e o passado, não esquecendo de evitar os erros mencionados anteriormente; 2) alcançar níveis mais amplos de abstração e de generalização; 3) posicionar-se de modo critico acerca dos processos históricos estudados. Como vimos no decorrer desse trabalho, construir a História em sala de aula junto com os alunos não é uma tarefa fácil, entretanto, com muito esforço e dedicação e uma boa formação do docente, a tarefa se torna agradável e bem realizada. Para utilizar o Livro Didático com maior perícia e autonomia, seria necessário, no entanto, que o professor (nos referimos aqui ao professor de História, em particular) tivesse recebido uma formação minimamente satisfatória. Especialistas em História Antiga, seria a solução para tais problemas enfrentados. Em face dessas modestas reflexões, gostaríamos de lançar aqui o convite para que se multipliquem os especialistas em História Antiga no Brasil, de modo que, no menor espaço de tempo possível, tenhamos condições de reverter tal situação, dando oportunidade para que os docentes habilitados pelas Universidades possam transitar com desenvoltura por todos os ramos do conhecimento histórico e fazer um livro didático que seja de fato formador, e não deformador. Referências BITENCURT, C. (Org) O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. CABRINI, Conceição et al. O Ensino de História: Revisão Urgente. 4. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes. Uma "Transposição Didática?" In: Ensino de História: Fundamentos e métodos 4 ed. ___São Paulo: Cortez, 2011- (Coleção docência em formação. Série ensino fundamental/ Coordenação Antônio Joaquim Severo, Selma Garrido Pimenta), p. 35-37; FREITAG, B. et al. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1989.

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FUNARI, P. P. A. Antiguidade Clássica. A História e a Cultura a partir dos documentos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. ________. Grécia e Roma. Vida Pública e Vida Privada. São Paulo: Contexto, 2000. ________. " A Renovação da História Antiga" In: História Na Sala De Aula. 5 ed. São Paulo, SP: Contexto, 2008 ________. A Importância de uma abordagem crítica da História Antiga nos livros didáticos escolares. Hélade, 2001, p. 25-29. LIMA, S. C. F. de. O livro didático de História: instrumento de trabalho ou autoridade "científica"?. História e Perspectivas, Uberlândia, n. 18/19, p. 195-206, 1998. MENDONÇA, N. O uso dos conceitos. Petrópolis: Vozes, 1985. RADUCH, M.C. Temas de História em livros escolares. Porto: Afrontamento, 1970. SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no Brasil: Algumas observações. In: Alétheia; Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, Volume 1, Janeiro a Julho de 2010, ISSN: 1983-2087, p. 145-155;

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A DOCÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR Ana Luiza de Vasconcelos Marques

Esta comunicação tem por objetivo refletir sobre a ação de ensinar, considerando a docência enquanto prática social, sobretudo no que tange aos objetos de ensino e sujeitos envolvidos. Para tanto, trará como ponto de partida um relato de experiência que vise esmiuçar as Diretrizes Psicopedagógicas de uma determinada instituição, a fim de evidenciar por meio das metodologias, práticas e fundamentos por ela adotados, os limites e críticas que envolvem os docentes e, consequentemente, os discentes no exercício do ensinar. Tem-se constatado que, independentemente da instituição em que o aluno esteja vinculado, ainda é pouca a preparação dada ao estudante na fase que compreende a sua transição para a profissão de professor. Afinal de contas, não há uma fórmula prática para a socialização no exercício de ensinar. Ao atravessar os portões de uma instituição de ensino, este já se depara com suas normas, valores, regras, assumindo todas as tarefas que os experientes já executam. Assim, conforme evidencia Lortie (1975), o professor inicia o seu ofício na perspectiva do "aprendizado por observação". Para o autor, o aprendizado por observação é a experiência de todos aqueles que entram na carreira de professores, iniciando-se no processo de socialização na profissão de uma forma particular. Neste sentido, as histórias diversas de professores vão ter um papel importante na sua atividade diária, de forma que a aprendizagem por observação se torna uma aliada da continuidade e não da mudança (LORTIE, 1975, p. 67). Por outro lado, Ferenc (2005) atenta que a "aprendizagem por observação" também tem seus limites no que diz respeito à compreensão dos "bastidores" da profissão, a exemplo de apreender os procedimentos, bem como as estratégias utilizadas pelos professores quando da seleção de um conteúdo ou mesmo para lidar com a diversidade na sala de aula. Além disso, "a convivência com professores, por longos anos, pode acabar por subestimar as dificuldades da profissão, contribuindo para a elaboração de um quadro de referência sobre essa que não possui conexões reais com a mesma" (FERENC, 2005, p. 50).

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Eu, particularmente, passei por algumas dificuldades na perspectiva da prática docente quando conclui o curso de licenciatura em história. Na graduação foquei nos grupos de pesquisa, fui bolsista em projeto de iniciação científica e dei pouca importância ao exercício de ensinar. Só procurei uma monitoria quando estava no último semestre do curso, dado que minha maior preocupação se pautava na perspectiva da publicação de artigos científicos, sobretudo, porque já fazia planos em galgar um mestrado no futuro. Só tive a experiência em "aprender enquanto se faz", literalmente, durante o estágio supervisionado, na graduação, e, posteriormente, no estágio docência, já no decorrer da pós-graduação.

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Quanto tive oportunidade de realizar o meu primeiro concurso público me dei conta que tinha uma boa base teórica, mas que necessitava me debruçar com mais afinco na questão prática, mergulhando de fato no exercício da docência. Paralelamente, comecei a direcionar o meu saber para o ensino, buscando na mediação à distância, enquanto tutora do curso de pedagogia, meus primeiros passos para a atuação em sala de aula, tanto no ambiente virtual quanto ambiente presencial. Aparentemente deu certo em termos de aprimoramento em experiência, porém quando busquei trilhar meu segundo concurso público tive êxito na prova didática, mas fui infeliz na prova de títulos devido à razoável experiência em termos de prática de ensino, além da ausência de um diploma de doutorado em história, o que diminuía vastamente minhas vantagens em relação aos outros concorrentes "doutores". A partir de então busquei conciliar nas "coxias da profissão" a linha tênue entre a teoria e a prática enquanto principais aliadas no processo de ensino-aprendizagem. Desde então tenho ministrado aulas continuadamente e buscado a sincronia entre teoria e prática, sem perder de vista o foco no âmbito da pesquisa e na produção de saberes técnico-científico-metodológicos. Por vezes, tem sido uma tarefa árdua conciliar o ensino e a pesquisa, mas faz parte da profissão. Foi durante essa jornada de experiências enquanto docente que me deparei com uma instituição que, consequentemente, incentivou-me a escrever este relato. Localizada em um bairro de classe média, a faculdade oferecia cursos de graduação a baixos custos, atraindo principalmente pessoas com menor poder aquisitivo, especialmente indivíduos residentes em comunidades carentes. No caso, o curso de pedagogia contava com cerca de 50 alunos por turma, sendo majoritariamente composta por mulheres, na faixa etária entre 18 a

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45 anos. As aulas ocorriam somente aos sábados, no horário das 8h às 18h, com intervalo para almoço das 13h às 14h. O espaço físico das salas de aula pode ser considerado mediano, contando com arcondicionado e alguns recursos didáticos como quadro e pincel e, quando necessário, disponibilizava-se o data show e/ou televisão. Após ficar a par das Diretrizes Institucionais Psicopedagógicas oferecidas pela instituição, tive acesso à ementa do Plano de Curso da Componente Curricular a qual fui destinada. A disciplina de Ensino da História I constava de 60 horas de carga horária total e 24 horas de carga presencial, devendo ela ser ofertada em 3 sábados. Quanto à sua ementa, delimitava-se em seguimento aos primeiros ciclos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), reiterando em ipsis litteris os objetivos gerais de História para o ensino básico, bem como o conteúdo e os critérios de avaliação de História para o primeiro ciclo. Neste sentido, organizei o Plano de Curso apresentando como objetivo geral a necessidade de se compreender os conteúdos e métodos curriculares no ensino de história, instituídos no contexto da modernidade, problematizando as rupturas e permanências. No entanto, apesar das várias possibilidades de planejar e ministrar as aulas, era preciso seguir todas as diretrizes sugeridas pelas faculdades. Dentre elas, destaco primeiramente a exigência para que os professores preparassem um Material Didático, contendo até dez páginas por semana, e encaminhassem à Coordenação Acadêmica com antecedência para confecção. Acostumada a trabalhar com materiais bem mais extensos em outras instituições, questionei sobre o nível de leitura e complexidade do conteúdo que ali seria empregado, dado o limite de páginas imposto pela Coordenação. Não obstante, apesar da dificuldade em "condensar" um conteúdo programático de suma importância ao alunado - trazia dentre eles uma exposição sobre "os Conteúdos e Conceitos Básicos do Ensino de História" - em poucas laudas, fui orientada a seguir à risca o que estava nas Diretrizes Psicopedagógicas da instituição e assim o fiz. Dado os limites estipulados ao material, foi um desafio conduzir a aula com o material didático solicitado, uma vez que a maioria dos alunos não estava acostumada a um determinado ritmo de leitura e interpretação textual, conforme evidenciarei no ponto a seguir. A saída válida para suprir a limitação do material foi a adoção de outras linguagens na ação educativa que puderam dinamizar o ensino-aprendizagem da história e tornar as aulas mais atrativas ao alunado, a exemplo do uso de documentários, imagens e dinâmicas criativas.

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Em segundo lugar, enfatizo também a exigência da faculdade em se realizar um estudo dirigido, ao final do módulo, composto de 25 questões objetivas com indicação de página para obtenção das respostas, abrangendo todo o conteúdo do módulo. Para além da problemática de se trabalhar com as questões objetivas no ensino de história - que quando não bem elaboradas e/ou discutidas podem trazer o risco de servirem apenas para memorizar/decorar/reproduzir datas ou fatos - estimulava-se os alunos a continuarem na cômoda posição de expectador/repetidor do conhecimento na lei do "menor esforço", uma vez que teriam a indicação da página para a obtenção das respostas. À contrarregra, entreguei para a Coordenação do Curso as questões sem o indicativo de respostas, reafirmando a necessidade de construção do conhecimento e da importância do papel da criticidade e autonomia dos alunos. Na sala de aula, conforme esperado, as questões não foram muito bem recepcionadas pela maioria dos alunos. Contudo, eu entendia aquele momento como fundamental para a "quebra de paradigmas" em uma suposta transição que não seria fácil, mas que se fazia necessária.

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Em terceiro e último lugar, destaco as avaliações e atividades pedagógicas decorrentes da instituição. Nas Diretrizes Institucionais Psicopedagógicas salientava-se ser imperativo que todos os docentes aplicassem uma avaliação por semana, acompanhada de algumas atividades pedagógicas, a exemplo de debates, dinâmicas, resenhas, etc. Recomendava-se também que não fosse aplicada mais de uma avaliação por dia, assim como era obrigatório que uma das avaliações fosse individual (prova). Não obstante, quando aplicada à prova individual e subjetiva, muitos alunos reclamaram, ressaltando que as avaliações - quando transcorriam - costumeiramente eram aplicadas em dupla e/ou com consulta. No final do módulo, ao corrigir as provas, algumas constatações: insegurança nas respostas, dificuldade ao lidar com a subjetividade do conteúdo e, notoriamente, falta de estímulo ao pensamento crítico. Ademais, quando se abria o debate sobre o entendimento acerca do ensino de história, logo eles faziam alusão à história dita tradicional, a qual foi disseminada durante a vida escolar de boa parte dos alunos, isto é, uma história factual, memorialista e voltada para os "grandes homens". Portanto, "desprender-se" de tão apregoado método - quiçá "positivista" - demandava esforço e, especialmente, tempo. E um tempo que, ao olhar daqueles que, em maioria, admitiam ter pressa pelo papel timbrado do diploma, deveria ser breve. Por isso a opção de um curso "sucinto" e focado na

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perspectiva de entrecruzar a teoria e a prática, sendo essa última já empregada ao magistério, ao passo que parte considerável da turma estava ministrando aulas no ensino fundamental. Portanto, isso explica a pressa de alguns em concluir o ensino superior. As mudanças na educação superior brasileira, implantadas a partir da Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estão inseridas em um contexto econômico maior, no qual as universidades são pressionadas a se tornarem mais autônomas e cada vez mais voltadas às exigências do mercado. Portanto, não se pode negar que as Instituições de Educação Superior (IES) privadas no Brasil estão buscando estratégias de marketing e procurando se posicionar no mercado de forma diferenciada, além de interferirem na construção de projetos pedagógicos e em sua consecução. De modo geral, como é o caso da instituição acima relatada, buscam o ensino de massa, tendo seu diferencial nos preços acessíveis das mensalidades. No que diz respeito ao considerado ensino de massa no Brasil, de acordo com Rogerio Tineu (2010), pode-se afirmar que é um novo paradigma segundo as concepções mais ortodoxas da educação. Para o autor, é preciso levar em consideração que, no caso do Brasil, não houve tempo hábil para a formação de novos professores bem qualificados para atuarem em salas de aula lotadas. Portanto, pensar na formação do professor no Ensino Superior é atentar para a necessidade da criação de políticas públicas e institucionais que possibilitem uma abordagem que, antes de se respaldar no plano mercadológico, valorize o caráter institucional, individual e coletivo da formação. Logo, para além do elemento da formação, espera-se também que as IES, em sintonia com a gestão pedagógica e professores do curso, juntos, comprometam-se em prol da construção do conhecimento, seja no âmbito de planejarem as disciplinas, seja na perspectiva de escolher as metodologias ou mesmo na definição dos critérios avaliativos. Referências FERENC, A. V. F. Como o professor universitário aprende a ensinar? Um estudo na perspectiva da socialização profissional. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, SP, 2005. LORTIE, D. C. Schoolteacher: a sociological study. Chicago: University of Chicago, 1975. TINEU, R. A universidade e o professor em um ensino superior em transformação no Brasil. Revista Belas Artes, v. 3, p. 1-11, 2010.

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IDENTIDADE QUILOMBOLA: OLHARES SOBRE AS PRÁTICAS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA „BOM SUCESSO‟ Ana Lourdes Queiroz da Silva Josué Viana da Silva

Introdução

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Buscamos, como ponto de partida, refletir sobre a importância do currículo oficial na construção da memória e identidades étnicoraciais, numa escola de ensino fundamental da comunidade quilombola de Bom Sucesso (MA). Do ponto de vista histórico, a memória dá ênfase à continuidade, duração e estabilidade, não como uma forma de violência simbólica ou imposição institucional, mas como forma de ratificar a coesão afetiva de um grupo, através da adesão afetiva (POLLAK, 1992, p.3). Neste ensejo, o conhecimento incorporado ao currículo jamais poderá ser dissociado daquilo que os sujeitos se tornarão como seres sociais. (SILVA, 2009, p. 102). Neste contexto, vale ressaltar a Lei Federal nº. 10.639/2003 que em sua essência traz à tona a obrigatoriedade de um debate, silenciado por propostas reprodutivistas, que remetem a discursos orientados para datas festivas e comemorativas, que celebram os mitos de origem nacional, enaltecendo identidades dominantes e tratando as "identidades dominadas como exóticas e folclóricas" (SILVA, 2009, p. 101). Consoante a este aspecto, vale mencionar os quilombos, historicamente referendados como redutos de negros fugitivos, revoltos e à margem de uma sociedade que lhes tira o direito de identidade. A reflexão sobre estes fatos permite-nos reconhecer a importância do currículo como um importante instrumento de controle social, que envolve disputas ideológicas e estratégias de manutenção ou silenciamento do discurso de elites simbólicas, responsáveis diretas pela forma como esta visão, lateral ao discurso, a identidade, será construída, articulando memória e história. Diante do exposto, emerge a questão: qual a importância do currículo oficial para a construção das identidades raciais? A partir deste desafio, este estudo se propõe a investigar importância do currículo oficial na construção da memória e identidades étnicoraciais, tendo por base uma escola de ensino fundamental da comunidade quilombola de Bom Sucesso (MA).

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Para tanto, é fundamental a compreensão da construção do currículo oficial tanto como instrumento de controle, seleção, organização, redistribuição e silenciamento da memória e identidade de africanos e afrodescendentes quanto possibilidade de rupturas epistemológicas que permitem a valorização da história e cultura desses sujeitos, conforme preconiza a Lei 10.639/2003. A lei supracitada e suas diretrizes curriculares preconiza a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura afro-brasileira, com vistas no combate das propostas de visão culturalmente hegemônica, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. A partir de então, pensar em identidade racial, é deixar a transversalidade do assunto e tomálo como questão central da produção de um discurso de conhecimento, poder e identidade dentro de um currículo proposto, sobretudo no resgate e manutenção da memória e identidade de comunidades consideradas minoritárias: os quilombos. Contudo, observam-se ainda, nos currículos propostos, ideias folcloricamente engessadas, distanciadas e terapêuticas, de um documento que está longe de movimentar e relacionar memória e história para a consolidação da identidade do negro dentro das comunidades quilombolas. Urge, desta forma, a necessidade de reflexões e debates sobre a influência do currículo escolar para a construção da memória e identidade do negro dentro das comunidades quilombolas, historicamente registradas como antros de negros rebeldes, silenciados pela marginalidade imposta por uma sociedade elitista. Desta forma, percebemos a importância da reflexão acerca da influência do currículo para a construção da memória e identidade do negro dentro da comunidade quilombola do Bom Sucesso. Na maneira como os materiais didáticos participam para a construção de mecanismos de controle e silenciamento das memórias e identidades neste território e como se articulam memória e história dentro da tradição oral evocada nas práticas pedagógicas. Materiais e metodologia O cenário de investigação escolhido é a Comunidade Quilombola de Bom Sucesso, localizada na zona rural do município de Mata Roma, situado a leste do Maranhão. A área ocupada hoje encontra-se muito próxima de onde se encontrava, no século XIX, fazenda Lagoa Amarela, sede das operações comandadas por Negro Cosme na Balaiada. O território conta hoje com 38 comunidades. Todos os habitantes são de descendência comum: os escravos do Brigadeiro, termo genérico utilizado no passado para referendar os senhores de escravo. O lócus específico a ser pesquisado, encontra-se, portanto,

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na Escola de Ensino Fundamental localizada na sede da comunidade. A ideia parte do convívio direto com a comunidade em constantes observações e cotejamento de teorias que transversalizam a produção e controle de sentidos do discurso (Foucault) e o currículo (Silva) como formas de controle e violência simbólica. Nesta pesquisa, buscamos compreender os efeitos de sentido construídos em torno da identidade do quilombo a partir do currículo aplicado no Ensino Fundamental, propondo intervenções que nortearão para o resgate e manutenção da memória na comunidade.

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Propomos a realização de um estudo de campo, sob a orientação da abordagem qualitativa em pesquisa educacional (FLICK, 2004), processo que consistirá em uma observação direta de um grupo em estudo, contemplando entrevistas aos sujeitos, com vistas na captação de informações e explicações das percepções do entorno social, com procedimentos que ensejarão a análise de documentos, fotografias, filmagens etc. No processo de sistematização e coleta de dados utilizaremos técnicas e instrumentos de coleta de dados com objetivos exploratórios: observações diretas e entrevistas semiestruturadas, buscando valorizar todo o processo investigativo, analisando a realidade dos sujeitos envolvidos, no processo das entrevistas. Dessa forma, as observações e as entrevistas semiestruturadas serão feitas com um roteiro de perguntas abertas e com registro de gravador, a fim de compreender os sujeitos pesquisados a respeito de suas práticas educativas por meio da descrição dos acontecimentos em torno da questão central da pesquisa. As informações coletadas serão transcritas e apresentadas ao colaborador para aprovação e utilização para os registros da pesquisa (MEIHY; HOLANDA, 2007) Resultados e discussões Até o momento, com o início das pesquisas foi possível constatar, através da observação direta e visita às residências, um apagamento da memória cultural do quilombo de Bom sucesso, no que tange às festividades e do ensino da história oral pelas gerações mais antigas. Segundo impressões iniciais dos sujeitos consultados, falta aos educadores e gestores educacionais, estes últimos encaminhados por indicação da política local, as informações necessárias para manter viva a memória da comunidade através dos contos, cantigas e festas.

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Conclusão Diante dos resultados até agora observados, podemos inferir acerca da importância que o currículo oficial possui para a construção da memória e identidades étnico-raciais, dentro da comunidade quilombola do Bom Sucesso. A escolha de materiais didáticos para cumprimento do disposto no currículo oficial devem assegurar o cumprimento da Lei 10.639/2003, ressaltando a preservação, reflexão e debates acerca memória e identidade da comunidade, contribuindo para a emancipação social, ao articular memória e história oral, nas práticas educativas realizadas no espaço educativo. Referências ARRUTI. José Mauricio. "Quilombos". In: Raça: Perspectivas Antropológicas. [org. Osmundo Pinho]. ABA / Ed. Unicamp / EDUFBA, 2008; FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre: Bookman, 2004; FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 22ª. Ed. São Paulo: Loyola, 2012; LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011; NASCIMENTO, A. do. O quilombismo. 2. ed. Brasília: Fundação Palmares, 2002; MEIHY, José Carlos Sebe Bom e HOLANDA, Fabíola. História Oral. Como fazer, como pensar. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2007; POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, v. 2. Rio de Janeiro, 1989. RATTS, Alecsandro J. P. (Re)conhecer quilombos no território brasileiro; In:FONSECA, Maria de Nazareth Soares (Org.) Brasil afrobrasileiro. Belo Horizonte, Autêntica, 2001; SCHMIDT, Mª Luíza Sandoval e MAHFOUD, Miguel. Halbwachs: memória coletiva e experiência. São Paulo: USP, 1993; SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009; SOUZA FILHO, Benedito de. Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. Belém: UFPA, 1998; VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015.

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UMA ALEGORIA DO PROCESSO COLONIAL NA AMÉRICA PORTUGUESA ATRAVÉS DO FILME AVATAR: UMA EXPERIÊNCIA COM AULA OFICINA NO ENSINO FUNDAMENTAL II André Moreira da Silva

A experiência relatada e discutida aqui foi elaborada e executada na cidade de Vitória da Conquista - BA em turmas do 7º ano do Ensino Fundamental de um colégio público, a saber, o Centro Integrado Navajo de Brito. A atividade foi realizada num total de cinco aulas, cada uma com 50 minutos e consistiu no desenvolvimento de painéis considerando o conhecimento dos alunos a partir de discussões prévias acerca da temática indígena e do processo de colonização na América portuguesa e diante da exibição e contextualização do filme Avatar (2011), de James Cameron.

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A aprendizagem de história desenvolvida ao longo da experiência de aula oficina apresentada pretendeu permitir aos alunos modificar opiniões, paradigmas e preconceitos comumente evidenciados a partir da problematização da questão indígena na sala de aula, na formação cultural na América e também propôs-se a lançar um olhar sobre os processos coloniais no continente. Partimos, para tal, da concepção da sala de aula como espaço de interatividade e troca mútua de conhecimentos pensando-a como um ambiente propício para o desenvolvimento do diálogo professor/aluno em função de uma melhor estruturação e construção de visões e significações que permeiem a realidade de cada indivíduo social não apenas ao estabelecer tais conexões, mas, e especialmente, em seu convívio no cotidiano, nos mais variados contextos sociais nos quais transita. De acordo com Terezinha Azerêdo Rios (2008), a aula é uma construção realizada tanto pelos professores quanto pelos alunos, estabelecendo um diálogo entre as diferentes partes, sob a premissa básica de que, apesar das diferenças, todos, indistintamente, são capazes de ensinar/aprender algo novo com o outro, a propósito, é esta mesma diferença que nos possibilita conhecer e ampliar os horizontes. Conforme nos lembra Freire:

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Não há docência sem discência [sic], as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 23), grifo meu. A elaboração da aula-oficina pretendeu, dessa forma, estabelecer entre professor e alunos, amarrações que dessem condições de organizar os conhecimentos adquiridos não apenas em sala de aula, mas ao longo da trajetória de vida de cada um dos indivíduos. Desta maneira suas experiências pessoais, seu modo de pensar o mundo, seus hábitos e práticas estiveram intimamente conectados àquilo que se pretendia observar e desenvolver em sala de aula. Este mecanismo de ensino permite, conforme Isabel Barca (2004), romper a tradição reducionista e simplificada da observação de fontes históricas e do próprio conhecimento histórico pelos alunos ao abordar de diversificadas maneiras questões que os provoque e que os estimule a partir da elaboração de conexões entre a vivência dos indivíduos envolvidos e o saber histórico. O conhecimento histórico objetiva perceber os processos e a ação dos sujeitos históricos analisando os relacionamentos estabelecidos entre diversos grupos humanos em diferentes períodos e em diferentes locais. Essa premissa se fez presente ao longo da prática aqui analisada, pois a partir dela, foi possível observar diferentes maneiras de, por exemplo, manifestações culturais de uma nação, povo ou grupo social, num dado período (ou mais), nesse caso, em específico, permitiu inclusive associar às discussões a questão do silêncio atual acerca dos grupos indígenas que habitavam a região do Planalto da Conquista na região sudoeste da Bahia. Foram utilizados previamente diversos mecanismos para este fim como imagens, músicas, relatos de viajantes, pinturas, material arqueológico, etc. Quando devidamente esclarecidos e ponderados os objetivos, as atividades propostas - pesquisa de fontes históricas, relatos familiares, uso de relatos da memória local acerca do tema, conhecimentos próprios adquiridos em vivência - deveriam mostrarse eficientes na discussão, na concepção e organização dos textos. Na verdade, a conclusão destas atividades pretendeu, acima de tudo, levar à desconstrução de paradigmas e preconceitos que com certa naturalidade se fundamentam ao longo da vida de cada indivíduo, não pela vontade ou ação exclusiva do docente, mas a partir do estabelecimento de diálogos que valorizem o caráter pessoal de cada indivíduo na medida do possível.

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Dessa forma, foi elaborada uma análise que aprofundasse o entendimento da amplitude de possibilidades de análise histórica das relações humanas enxergadas a partir de uma série incontável de objetos, quer dizer, no bojo dos estudos acerca dos relatos das atividades e dos frutos elaborados pelos seres humanos está a sua passividade de observação historiográfica. Estabelecer relações com outros saberes permite maior profundidade aos exames históricos sobre as mais variadas temáticas sejam elas políticas, econômicas, culturais, em âmbitos públicos ou privados, tratando casos específicos ou amplos é claro, dentro de suas possibilidades (BURKE, 1992).

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Dadas as devidas coordenadas e, discutindo com os alunos acerca dos primeiros contatos entre indígenas e europeus na América e no Planalto da Conquista, foi proposta a observação do filme Avatar (2011), de James Cameron. A forma como se pretendeu observar o filme, construindo paralelos entre ficção e realidade e pontuando estas relações, permitiu ilustrar relatos históricos e desenvolver suas habilidades de identificação e concentração diante das propostas de análise da mídia. Ao relacionar aspectos como as questões econômicas e organicidade política dos povos nativos, os novos costumes e veículos de padronização cultural utilizados pelos estrangeiros e os mecanismos de resistência daqueles primeiros, almejou-se estimular a percepção da classe para estes quesitos quando aplicados aos nativos da região sudoeste da Bahia, em especial, ao apresentar narrativas históricas, recortes de periódicos locais, imagens e narrativas que denunciem estas pontuações. A obra de ficção científica de Cameron traz a história de um soldado americano, Jake Sully, num planeta chamado pelos colonizadores humanos de Pandora. Os humanos transmitem sua cultura para os nativos ao passo que ambicionam simultaneamente obter lucros utilizando matéria-prima de uma região considerada sagrada pelo grupo nativo Na'vi. Como atividade proposta os alunos tiveram a oportunidade de montar painéis contendo ilustrações, colagens e texto escrito objetivando representar desta forma as observações feitas a partir da leitura do filme e dos relatos históricos examinados. Cada cartaz continha uma confecção relacionada a uma temática definida previamente e contextualizada ao tema geral. Os alunos foram divididos em dois grandes grupos nos quais orientados por eixos, tentaram identificar aspectos apresentados no filme que podem ser

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relacionados ao processo histórico analisado na aula. Seguindo o proposto, as ilustrações e colagens foram realizadas obedecendo seus respectivos agrupamentos e micro temas. Em seguida foram apresentados à turma. Dessa forma, obtivemos: Europeus

Nativos

Grupo 01

Apontar os interesses e as questões econômicas envolvidas

Grupo 04

Apontar a relação dos nativos com a terra

Grupo 02

Apontar as tentativas de padronização cultural

Grupo 05

Apontar a diversidade política/organizacional dos nativos

Grupo 03

As formas de violência

Grupo 06

As formas de resistência

Conforme o historiador francês Marc Ferro (2010), o cinema pode proporcionar duas importantes perspectivas históricas, a primeira diz respeito à análise do filme enquanto resultado das relações estabelecidas no período de sua produção. Uma vez que o mesmo é construído por um grupo social e destinado a um público característico dentro de um contexto histórico específico, as representações feitas por estes grupos de seus personagens, seu roteiro, suas imagens, etc. são capazes de delinear muito claramente ideais que se tenham por objetivo enaltecer ou mesmo depreciar. Além disso, trata-se de uma obra realizada por profissionais das mais diversas áreas, o que pode criar um leque ainda maior de referências e proposições na sua constituição. Sem dúvida, afirma Ferro, esses cineastas, conscientemente ou não, estão cada um a serviço de uma causa, de uma ideologia, explicitamente ou sem colocar abertamente as questões. Entretanto, isso não exclui o fato de que haja entre eles resistência e duros combates em defesa de suas próprias ideias. (FERRO, 2010, p. 16). A segunda análise está relacionada com a forma como um dado contexto é apresentado ao público de um momento histórico diferente. Neste caso, Ferro chama a atenção para os discursos construídos por um grupo social a respeito de outro grupo - nos chamados filmes históricos. As representações são apontadas aqui

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como uma tentativa de "resgate", não do contexto da produção fílmica, mas daquele que se tenta retratar. Passa, assim, a estabelecer parâmetros que recuperem ou evoquem representações e práticas de outro contexto. Apesar disto, o total distanciamento de seu próprio tempo é impossível. As leituras feitas dependem, imprescindivelmente, do período histórico aos quais aqueles que o fazem estão inseridos (FERRO, 2010, p. 21). Compreendemos, dessa forma, que Avatar, ainda que não pretendesse representar os processos de colonização nas Américas, ou algum outro período histórico - conforme a segunda proposição de Ferro, o filme é capaz de proporcionar considerações bastante pertinentes como alegorias ao período colonial na América se forem observadas, é claro, as devidas orientações. Os painéis foram expostos à turma e, associando pontuações feitas no decorrer das aulas anteriores e conhecimentos prévios dos alunos, foram levantadas questões para discussão. Neste momento, os alunos expuseram dúvidas, posicionamentos e discursos evidenciados cotidianamente acerca do tema.

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Pensar os espaços, ambientes, as tradições (ou o que delas resistiu ao tempo), os mecanismos de configuração cultural europeia, as formas de resistência e o pouco que vemos a respeito da cultura indígena nesta região abriu uma série de perspectivas relacionadas à temática. A utilização da metodologia de aula oficina permitiu esboçar de forma clara e eficiente estas propostas. Este mecanismo de ensino é capaz de proporcionar um aprofundarse maior e mais intenso nos objetivos escolhidos. Por prever a inclusão de saberes, costumes e práticas das pessoas envolvidas nas atividades, se não estiverem bem direcionadas e bem fundamentados os objetivos, corre-se o risco de desnortear o ensino proposto ou simplificar tudo à possibilidade de transformar as situações históricas a seu bel-prazer ignorando, assim, as determinações históricas e condições sociais, políticas e econômicas as quais todos estamos submetidos (SEFFNER, 2013, p.55). Para a prática desta metodologia, conforme notado acima, é imperativo que estejam bem delineados os interesses e a constante ênfase nas competências que se pretendem desenvolver. É possível, a partir da utilização destes métodos, fugir do tradicionalismo ao dispor diversas fontes históricas e considerar como elemento importante o conhecimento e as leituras que os alunos fazem em sua

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vida pessoal. Estes atributos permitem a discussão de preconceitos, paradigmas e permite também que os discentes da disciplina de História compreendam em seu tempo conceituações e fragmentos dos tempos passados. Referências BARCA, Isabel. Aula oficina: do projeto à avaliação. In: Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED). Instituto de educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131-144. BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola de Annales (1929-1989). São Paulo: UNESP, 1992. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010. RIOS, Terezinha Azerêdo. A dimensão ética da aula ou o que nós fazemos com eles. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Aula: Gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas, SP: Papirus, 2008. SEFFNER, Fernando. Aprendizagens significativas em história: critérios de construção para atividades em sala de aula. In: GIACOMONI, Marcelo Paniz; PEREIRA, Niltom Mullet. (orgs.). Jogos e ensino de história. Porto Alegre: Editora Evangraf, 2013, p. 47-62.

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ENSINAR HISTÓRIA ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: DESAFIOS NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO Andréa Giordanna Araujo da Silva

Introdução O construto apresenta os resultados da pesquisa sobre a formação do professor-pedagogo que leciona história nos anos iniciais do ensino fundamental e do trabalho de elaboração de arquétipos de programas curriculares para o ensino de história. Considerando as diretrizes oficiais para o ensino da disciplina no Brasil e as demandas sociais e culturais das escolas públicas e privadas da região metropolitana de Maceió, o estudo foi desenvolvido no período de 2012 a 2013 e teve como coautores os estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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Logo, como referência oficial, para o desenvolvimento das atividades de pesquisa e para a elaboração dos arquétipos curriculares, utilizou-se os seguintes documentos: Lei nº 11.645/03, Lei nº11. 645/08 e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de História (nos anos iniciais do Ensino Fundamental). Na elaboração dos programas curriculares "experimentais" consideraram-se, ainda, como subsídios teóricos, metodológicos e práticos, os saberes e práticas apreendidos pelos graduandos nas disciplinas de "Educação e Diversidade Étnico-Racial", "Tópicos de História da Educação em Alagoas" e "Estágio Supervisionado", que se caracterizam como vivências concomitantes ou estudos anteriores às práticas das disciplinas Saberes e Metodologias do Ensino de História I e II, em que estavam matriculados os estudantes de Pedagogia participantes da pesquisa, que também já atuavam como professores (ou estagiários) em escolas públicas e privadas. Como o estudo teórico e a criação apresentaram-se como atos associados, a pesquisa seguiu três movimentos: primeiro realizou-se o estudo de textos acadêmicos que tratavam da constituição da História como disciplinar escolar no Brasil, das correntes historiográficas e pedagógicas que têm influenciado o ensino de história na Educação Básica e das especificidades do conhecimento histórico escolar. Por conseguinte, realizou-se a análise das

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propostas de ensino de história expressas nos projetos políticos pedagógicos das instituições de ensino em que os estudantes atuavam como professores ou em que estavam realizando o estágio supervisionado, e, também, a análise de coleções de livros didáticos e de "Sistemas de Ensino", que funcionavam como se fossem o currículo escolar. E no último momento, a partir da criação de grupos de estudo, discussão e produção, os estudantes elaboram protótipos de programas curriculares para o ensino de história, nos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, considerando a realidade sociocultural das comunidades escolares em que atuavam como professores ou estagiários. Ao contrário de ser um modelo-padrão ou uma prescrição para as escolas, a elaboração do arquétipo curricular teve por objetivo propiciar ao graduando participar (mesmo que de forma simulada) do processo de discussão, aprofundamento e confronto teórico e político necessário a elaboração das práticas pedagógicas no interior das escolas. É importante salientar que no campo da Pedagogia, o trabalho do professor configura-se como uma atuação de caráter polivalente, na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Logo, para esse profissional em formação, as disciplinas que tratam de questões metodológicas e didáticas são fundamentos indispensáveis à realização das práticas didático-pedagógicas nos diferentes campos disciplinares (língua portuguesa, matemática, ciências, história, geografia, arte e, em alguns casos, educação física), especialmente durante a realização das atividades de estágio. Por conseguinte, o estudo partilhado e as experiências de pesquisa de campo, voltadas à identificação e compreensão das práticas e problemáticas que corporificam o ensino da História, possibilitam ao futuro pedagogo analisar, refletir e intervir na constituição dos conhecimentos escolares. Porém, a forma como a produção do conhecimento histórico escolar é tratada tem forte influência sobre a atuação do Pedagogo no interior das escolas. Assim, existem duas formas de apreciação do conhecimento histórico escolar. A primeira seria observá-lo como a simplificação e vulgarização do conhecimento histórico acadêmico e a segunda seria caracterizá-lo como uma produção cultural (campo de conhecimento) autônoma e específica (FONSECA, 2004; BITTENCOURT, 2009).

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Segundo a primeira vertente explicativa, o corpo de saberes constitutivos da disciplina de História, integrante do currículo escolar, seria resultante de uma transposição didática. Ou seja, o conhecimento histórico escolar seria um tipo de reestruturação dos saberes científicos, mediada por instrumentos didáticos. Essa percepção do conhecimento disciplinar posiciona a escola como receptora e reprodutora passiva de conhecimentos externos (científicos). Tal prepositiva serve de respaldo teórico e metodológico para configuração de programas curriculares elaborados por especialistas e legitima a hierarquização de funções e poderes no campo educacional. Sendo assim, os professores universitários são apresentados como pesquisadores, produtores de conhecimento, e como grupo sócio-político e intelectual qualificado para definir os rumos da escola. Já o corpo docente da Educação Básica estaria condicionado à categoria de reprodutores de saberes e executores de tarefas didático-pedagógicas (aplicadores de métodos e técnicas de ensino).

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A percepção do professor como receptor, reprodutor e executor de tarefas se agrava na constituição das propostas curriculares para os anos iniciais do Ensino Fundamental (e na educação Infantil). Como os professores polivalentes não participarem de um processo de formação específica, por campo disciplinar, suas capacidades de vivenciar, de forma qualitativa, os saberes do campo da História é apresentada como limitada (BITTENCOURT, 2009). Tal constatação acaba por legitimar as intervenções realizadas por especialistas (e editoras) na constituição dos currículos escolares, sem a participação efetiva do conjunto de profissionais que trabalham diretamente com as crianças. Por conseguinte, as intervenções e orientações técnicas, efetivadas por especialistas, acabam servindo como instrumentos silenciadores de um problema maior: a falta de qualidade da formação inicial dos professores polivalentes para o trabalho com saberes e práticas de diversos campos disciplinares. A interferência de especialista na composição do currículo atenua, ou silencia, as discussões conflituosas em torno da formação sociocultural, intelectiva, ético e política dos professores polivalentes a ser ofertada nas universidades. A segunda tendência explicativa apresenta o conhecimento histórico escolar como uma produção cultural autônoma e específica. Ou seja, as disciplinas escolares "não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar." (JULIA, 2001, p. 33). A ação docente é um ato

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coletivo delineado por contribuições culturais, históricas, econômicas, políticas e pedagógicas. Como um microssistema, funcionando dentro de um macrossistema (a sociedade), a escola se estrutura por uma rede tensionada de relações que originam a negociação de objetivos, sentidos e significados entre os sujeitos da escolar e os dispositivos oficiais (diretrizes curriculares oficiais). Por conseguinte, mais que uma simplificação ou reprodução, os conteúdos e práticas constitutivos do conhecimento histórico escolar são recriações de sentidos e de significados, mediadas pelo mundo físico (natural) e social (cultural) em que se inserem alunos e professores. Assim, os conhecimentos disciplinares escolares se distanciam do currículo prescrito (oficial) e dos conhecimentos acadêmicos (ciências de referência) porque sofrem a interferência dos objetivos, necessidades, interesses e posicionamentos políticos da comunidade escolar. Destarte, as propostas curriculares prescritas constituem-se pela idealização de um tipo específico de professor e de escola (BITTENCOURT, 2009), logo não abarca a pluralidade de contextos socioprodutivos, culturais e étnicos da sociedade. Ainda, temáticas e práticas normatizadas, usualmente, tomam como referência a existência e atuação de um corpo docente com habilidades intelectivas e investigativas que não correspondem ao tipo de instrumentalização recebida nos espaços de formação de professores de História, tão pouco dos pedagogos. Assim, a História se torna conhecimento histórico escolar após passar por dois filtros político-culturais: um acadêmico, onde se constitui como parte do acervo cultural a ser transmitir de forma oficial e sistemática, e o outro circunscrito pelo contexto e demandas formativas das instituições de ensino. Nessa via de argumentação, observa-se que o conhecimento disciplinar escolar resulta de duas formas de intervenção políticopedagógica imprimida ao conhecimento acadêmico: uma oficial e outra local. A primeira corresponde à mediação didática efetivada aos conhecimentos acadêmicos, por dispositivos oficiais e pedagógicos, para que eles se tornem ensináveis e consensuais às diretrizes oficiais. A interferência local corresponde as reelaborações efetivadas coletivamente na organização do programa curricular escolar e nas práticas de sala de aula. Seleções e recriações que negam, silenciam, omitem e/ou substituem os conhecimentos e práticas estruturantes dos currículos prescritos. São esses

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movimentos que fazem do currículo de História um espaço flexível e de possibilidades, e que se transforma de acordo com os contextos socioculturais. É importante esclarecer que, embora, o conhecimento histórico acadêmico e o conhecimento histórico escolar apresentem características específicas e funções sociais distintas, ambos têm o seu valor social e político definido por seu caráter científico. Tal condição independe da corrente historiográfica a que vincula o saber produzido e disseminado. Pois a escola (que oferta o ensino básica ou superior) caracteriza-se como um canal objetivado de acesso ao conhecimento científico.

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Neste sentido, o papel da escola é garantir o acesso ao conhecimento sistematicamente produzido utilizando-se de processos metodológicos e instrumentos didáticos que provoquem discussão, análise, crítica, reflexão e criação. Logo, é fundamental que os professores tenham conhecimentos teóricos sobre as diferentes correntes historiográficas e abordagens pedagógicas (AZEVEDO; STAMATTO, 2010), a fim de realizar o trabalho de seleção de conteúdos e das metodológicas de forma articulada e coerente com o objetivo formativo geral da escola: tipo de sujeito que se deseja formar. Pois a definição do tipo de formação a ser ofertada pela escola está diretamente ligada ao tipo de projeto societário que a escola acolhe como ideal político, econômico e cultural. É esse ideal que funciona como elemento indicativo dos critérios a serem definidos na seleção dos conteúdos e dos procedimentos de ensino. Por isso, na produção (simulada) do programa curricular, desenvolvido com graduandos do Curso de Pedagogia, algumas ações foram imperativas: *Conhecer, interagir e dialogar com os sujeitos da unidade de ensino (professores, alunos, diretor, coordenadores, cozinheiras e secretários) e com comunidade em que se inserir a escola, para "inventariar" e classificar a ordem de prioridades das demandas, necessidade e interesses formativos da comunidade escolar; *Definir que tipo de sociedade se desejava construir e como a escola poderia colaborar com esse ideal futuro, atuando no presente imediato dos estudantes;

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*Estudar em profundidade as correntes historiográficas, as teorias pedagógicas e os saberes históricos definidos nos documentos oficiais como necessário a formação das crianças, a fim de realizar relações objetivas entre os ideais formativos da instituição de ensino e os conteúdos a serem selecionados como objeto de ensino e as práticas didáticas a serem desenvolvidas. Considerações Finais Ao selecionar conteúdos conectados com as relações socioculturais vividas pelos educandos e criar práticas pedagógicas que buscam o desenvolvimento da "compreensão da realidade mais racional e argumentativa, permanentemente submetida à reflexão a ao debate" (SANTOMÉ, 2013, p.11), os graduandos ampliam suas habilidades técnicas e passam a refletir de forma mais sistemática sobre os interesses políticos e valores sociais fundamentais ao trabalho docente. Referências ABUD, Kátia; SILVA, André; ALVES, Robaldo. Ensino de história. São Paulo: Cengage Learning, 2010. AZEVEDO, Crislane; STAMATTO, Maria Inês. Teoria historiográfica e prática pedagógica: as correntes de pensamento que influenciaram o ensino de história no Brasil. Antíteses, vol. 3, n. 6, jul.-dez. de 2010, p. 703-728. BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. Lei nº10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura AfroBrasileira", e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".

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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997. FONSECA, Thais Nívia. História e ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, n.1 jan./jun. 2001. SAMTOMÉ, Jurjo. Currículo e justiça social: o cavalo de Tróia da educação. Porto Alegre: Penso, 2013.

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ENSINO E DOSSIÊS: A CAVALARIA MEDIEVAL PARA SE VER E APRENDER Alan Rogério Raiol Ferreira

As dificuldades de ensinar e aprender história Ensinar e aprender História nunca foram tarefas fáceis no Brasil. Uma simples pesquisa sobre a trajetória da disciplina e de sua prática de ensino pode, tranquilamente, comprovar essa realidade. As raízes destas dificuldades estão fincadas no terreno preparado à época regencial sob forte influência do liberalismo francês, mais especificamente em 1838 com a inserção dos estudos históricos no então Ginásio Nacional. Mesmo com o surgimento da dita "Nova Historia" inaugurada pelos Annales na primeira metade do século XX, o ensino da disciplina sempre foi um campo de discussões teóricas, metodológicas e políticas acaloradas que dificultaram um consenso acerca do lugar social da história. "Um currículo de História é, sempre, um produto de escolhas, visões, interpretações, concepções de alguém ou de algum grupo que, em determinados espaços e tempos, detém o poder de dizer e fazer" (SILVA, FONSECA, 2010, p. 16). Mudanças realmente concretas, resultado das lutas de educadores durante a década de 1980, só puderam ser observadas a partir dos noventa com medidas que impactaram consideravelmente as percepções da história enquanto disciplina. Dentre elas, a aprovação das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996 e a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em 1997 impulsionaram o reconhecimento da História como ferramenta importante à formação da identidade do indivíduo, da pluralidade nacional e do fortalecimento da democracia. Contudo, ainda é possível constatar um grande desinteresse dos aprendentes bem como um desafio aos professores que, de um lado, reclamam de alunos passivos para o conhecimento, sem curiosidade, sem interesse, desatentos, que desafiam sua autoridade, sendo zombeteiros e irreverentes. Denunciam, também, o excesso e a complexidade dos conteúdos a ministrar nas aulas de História, os quais são abstratos e distantes do universo de significação das crianças e dos adolescentes, (CAIMI, 2007, p. 18)

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de outro, os alunos reivindicam um ensino mais significativo, articulado com sua experiência cotidiana, um professor “legal”, “amigo”, menos autoritário, que lhes exija menos esforço de memorização e que faça da aula um momento agradável. (CAIMI, 2007, p. 18). É exatamente essa conjuntura que desperta os interesses de pesquisadores que buscam, cada vez mais, estratégias e metodologias que promovam uma experiência de aprendizagem da História de forma mais atraente e prazerosa. Por isso, procuramos expor a realidade da disciplina no ensino fundamental ajustando o foco especificamente para a Idade Média procurando desfazer estereótipos e apresentando-a como um período de importância intensa para todo o ocidente. A importância da imagem no estudo da Idade Média

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Desde a grande revolução documental promovida pelo Annales, ampliando as possibilidades de estudo do historiador, as imagens ganharam imensurável importância por sua contribuição na construção da história das mentalidades e da vida cotidiana entre outros domínios. “Não seria possível desenvolver pesquisas nesses campos reativamente novos se eles tivessem se limitado a fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas administrações e preservado em seus arquivos” (BURKE, 2004, p.11). Os estudos sobre as sociedades da pré-história, bem como da Antiguidade, foram extremamente favorecidos com a aceitação das imagens enquanto evidência tais quais os documentos escritos. “Seria realmente difícil de escrever sobre a pré-história europeia, por exemplo, sem a evidência das pinturas das cavernas de Altamira e Lascaux, ao passo que a história do Egito antigo seria imensuravelmente mais pobre, sem o testemunho das pinturas nos túmulos” (BURKE, 2004, p. 12). As imagens, dessa forma, guardam informações úteis e são vestígios indiscutíveis do momento em que foram construídas, no nosso caso a Idade Média. Neste período, a grande quantidade de iluminuras (pequenas imagens capitulares com frisos em ouro ou prata que decoravam as escrituras produzidas em conventos e mosteiros) e outras pinturas nos possibilitam construir iconograficamente e de forma mais compreensiva os pensamentos e costumes da época. Vejamos, por exemplo, como, em parte, o medievo relacionava o corpo humano ao

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macrocosmo universal representado nas ilustrações do homem zodiacal que constavam nos livros de medicina da Baixa Idade Média. Ou, a percepção construída durante a grande peste, quando não importava a classe social pois a morte igualava todos, comumente retratada nas pinturas do século XIV que ficaram conhecidas como “dança macabra”. Outras expressões iconográficas foram relevantes para a obtenção de informações onde a grande parte da sociedade era analfabeta. A Batalha de Hastings, retratada na Tapeçaria Bayeux, foi reproduzida com detalhes importantes que contam de forma clara como aconteceu a conquista normanda da Inglaterra por Guilherme II da Normandia. Enfim, as imagens contribuíram significativamente para a compreensão mais cognoscível dos acontecimentos, conferindo-as valor irrefutável de vestígio histórico da humanidade, pois “nos permitem imaginar o passado de forma mais vívida” (BURKE, 2004, p. 17). A metodologia da utilização dos dossiês A busca pela tentativa de um ensino da História mais atraente e prazeroso demanda criatividade e compromisso docente. O professor do século XXI está cercado de novas possibilidades e tecnologias que podem ser extremamente úteis para o exercício da sua função no objetivo de obter um aluno que, não apenas aprenda o conteúdo, mas que o reflita. A proposta de atividade trata-se, assim, da análise de imagens, ou melhor, da composição de dossiês iconográficos. O intuito dessas atividades deve ser "desenvolver uma autonomia intelectual capaz de propiciar análises críticas da sociedade em uma perspectiva temporal” (BITTENCOURT, 2004, p. 327), objetivo da disciplina escolar História, e não esperar que o aluno "se transforme em um pequeno historiador" (BITTENCOURT, 2004, p. 328). Responsável pela supervisão desse tipo de atividade o professor deve sempre ressaltar o caráter ilusório de que as imagens são representações fieis do passado. "É preciso sublinhar que tais fontes são construídas em contextos específicos, e que os receptores poderão tanto introjetar acriticamente as mensagens veiculadas pela escrita e pela imagem, como também (re)significá-las" (SILVA, 2011, p. 2). Dependendo da abordagem da atividade, deve-se chamar a atenção dos alunos para anacronismos, exageros estéticos, contexto de produção e outras características que influenciem negativamente

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a formação de conceitos a partir da tarefa. Num contexto que privilegia as fontes escritas de conhecimento as imagens ganham destaque e despertam a curiosidade. Deste modo, tarefas dirigidas à análise dessas figuras propõem uma "experiência rica de aprendizado, servindo para o questionamento das verdades imagéticas estanques e, portanto, para a sua análise crítica" (FEIJÓ, 1997, apud SILVA, 2011, p.3). A Cavalaria Medieval em imagens

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A discussão sobre as dificuldades do ensino, passando pela tentativa de desmistificar preconceitos e de oferecer novas metodologias para o trabalho da disciplina História que constam neste artigo, é resultado do trabalho desenvolvido no Projeto de Iniciação Científica do Departamento de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA, onde a demanda principal deste plano de atividades era a construção de uma metodologia criativa para abordar a Cavalaria Medieval nas aulas do ensino fundamental. Assim, a partir das reflexões sobre Idade Média e, especificamente da Cavalaria Medieval, adequamos o tema à proposta já citada da construção de dossiês iconográficos. Para tanto, foi importante estabelecer alguns objetivos que regeriam a composição do recurso. Primeiramente, buscou-se analisar o livro didático utilizado nas aulas. Apesar dos problemas da maioria dos manuais, algumas de suas qualidades podem ser utilizadas para introduzir o aluno nos processos de análises que são fundamentais para a progressão do conhecimento histórico, e não podemos negar, os livros estão repletos de imagens que, quase sempre, nem são exploradas como poderiam. No entanto, atividade de análise de ilustrações não precisa ficar retida às oferecidas nos livros, podendo compor dossiês iconográficos preparados pelo educador com o objetivo de "fornecer aos alunos uma série de dados que possam ser confrontados ou comparados" (BITTENCOURT, 2004, p. 343). Em geral a cavalaria é citada de forma extremamente superficial na composição das classes sociais do medievo e sua relação com as Cruzadas. Quase sempre o conceito de cavalaria e seu papel social são pobres e generalizantes resultando numa imagem vaga desta porção da história do ocidente. Assim, o dossiê começa apresentando imagens que auxiliam na construção imagética da cavalaria enquanto estratificação social e onde é possível observar e

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descrever um cavaleiro: quem é, como se veste, quais suas ferramentas e qual sua função. É importante ressaltar que, inicialmente, a cavalaria tratava-se se uma parcela da sociedade voltada à atividade marcial da guerra e só depois tornou-se uma instituição com peculiaridades clericais “colocando-a a serviço de Deus e dos pauperes (...) sacralizando-a por meio de uma cerimônia de iniciação específica, o adubamento” (CARDINI, 2006, P.473), características da instituição Cavalaria. Este processo de sacralização da cavalaria também pode ser apesentado através de imagens que mostram o cavaleiro e sua relação com a Igreja. Em seguida, é feita a descrição do cavaleiro instituído, bem como, do cavaleiro que compunha as Cruzadas. O professor tem aqui, a oportunidade de ressaltar todos os aspectos que diferenciam o cruzado da forma original do cavaleiro, desde sua indumentária ao prestígio religioso característico deste personagem. A atividade permite ainda relacionar passado e presente quando apresentamos aos alunos temas mais contemporâneos. É possível, hipoteticamente, propor uma discussão sobre o papel da mulher na Idade Média, com a possibilidade de sua participação na cavalaria, e seu lugar na atualidade a partir de imagens como as ilustrações de Joana d‟Arc por exemplo, poder ser excelentes pontos de partida para discussões que despertem a criticidade do aluno. Não poderia faltar no referido recurso as representações atuais do cavaleiro. Assim imagens como a dos Cavaleiros do Zodíaco e reproduções de filmes ajudam, a partir de comparativos, a identificar o que é historicamente reconhecido como características do cavaleiro e o que faz parte do mundo mítico, irreal e distorcido do cavaleiro “de armadura brilhante que salva princesas e luta com dragões”. Reforça-se mais uma vez o papel do professor como mediador e condutor do aprendizado dos discentes adequando o foco das análises empreendidas por eles.

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Dossiê Iconográfico (Foto: Arquivo pessoal)

A sacralização do cavaleiro (Foto: Arquivo pessoal / Fonte da Imagem: http://medievalimago.org/author/pauloedmar quesgmail-com/page/5/)

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Joana d‟Arc. Uma Cavaleira? (Foto: Arquivo pessoal. Fonte da imagem: http://oblogdosespiritas.blogspot.com.br/20 09/09/biografia-joana-darc.html)

Referências do dossiê (Foto: Arquivo pessoal)

Considerações finais Existem inúmeras possibilidades de diversificar as atividades em sala de aula que beneficiam um aprendizado eficiente e mais agradável. Muitas opções estão em trabalhos acadêmicos, como este, realizados com o intuito de atribuir ao ensino de História uma conotação diferente das que as gerações passadas têm levado para as escolas. As perspectivas são, desta forma, a diminuição da distância

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que separa estas duas instâncias educacionais: ensino e aprendizagem. Em outra frente, as formações continuadas são excelentes formas de inserir-se nas pesquisas e assim, forçar uma mudança mais significativa no ensino da disciplina. Muitos trabalhos sobre a Idade Média por exemplo estão ao alcance de qualquer professor e oferecem diversas opções de uso das novos recursos didáticos ou a resignificação dos veículos tradicionais de conhecimento. A tendência é de uma renovação constante com a evolução das técnicas de pesquisa que já podem ser observadas em alguns livros didáticos e nas próprias legislações que forçam uma projeção na crescente qualidade dos conteúdos e nas formas como se ensina e aprende História. Referências BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez. 2004 CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Revista Tempo. v. 11, n. 21, p. 17-32, 2007. CARDINI, Franco. “Guerra e cruzada”. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. (orgs.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Vol. I. Bauru – SP: Edusc, 2006, pp. 473-487 FONSECA, Selva Guimarães. A formação do professor de história do Brasil: novas diretrizes, velhos problemas. Disponível em: http://www.cefetes.br/gwadocpub/PosGraduacao/Especializa%C3%A7%C3%A3o%20em%20educa%C3%A 7%C3%A3o%20EJA/Publica%C3%A7%C3%B5es/anped2001/textos /t0853028647036.PDF> Acesso em: 24 jul. 2015. SILVA, Edilene. Cinema e ensino de história: a Idade Média em O Nome da Rosa de Jean-Jacques Annaud. O Olho da História. Salvador (BA), n. 17, dez. 2011. SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.

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NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DOS ESTADOS UNIDOS E DAS RELAÇÕES INTERAMERICANAS Alexandre Guilherme da Cruz Alves Junior

Em livro didático utilizado em muitas escolas brasileiras públicas e privadas, no capítulo referente à independência dos Estados Unidos, encontramos um quadro explicativo da razão pela qual os norteamericanos se autodenominam "americans". Para Mario Schmidt (2002, p.70), "o que ocorre é que aquele país é tão poderoso que dá a impressão de ser o dono de todo o continente". Na verdade, essa vertente interpretativa baseia em parte de uma corrente teórica bastante difundida nos anos 1960 e 1970, que percebia a história latino-americana submetida aos interesses e vontades do colosso do Norte.

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Com afirma Moura (1980, p.43), "as interpretações de natureza mecanicista e economicista estão bem exemplificadas na literatura política que atribui, por exemplo, todo e qualquer acontecimento importante na América Latina à ação do 'imperialismo americano'". Essa "vitimização" da América Latina influenciou gerações de estudiosos engajados em demonstrar que os interesses econômicos e políticos norte-americanos haviam soterrado o desenvolvimento social e econômico no subcontinente. Para Gilbert Joseph (1998, p.5), a Teoria da Dependência orientou diversas análises sobre as relações entre América Latina e Estados Unidos, onde "'a subordinação estrutural da América Latina como uma periferia dentro do sistema capitalista mundial foi responsável pelo o desenvolvimento do subdesenvolvimento', entendido principalmente em termos econômicos" Neste sentido, os diferentes atores responsáveis pelas relações interamericanas - governos, elites políticas, etc - eram interpretados muitas vezes de forma monolítica, e, aparentemente, sem contradições significativas, uma vez que a lógica econômica e estrutural subordinava todos os demais aspectos dessas relações.

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Para Perez Jr. (1992), o paradigma da dependência elaborou a visão de uma América Latina passiva, subordinada aos interesses econômicos e militares norte-americanos. Vítimas dos interesses dos Estados Unidos, e também da traição de parte de suas elites, os países da América Latina pareciam ter pouco controle sobre suas histórias. Por outro lado, recentemente podemos perceber algumas modificações importantes em tais abordagens, repercutindo em novas análises nas relações interamericanas. Para Sonia Torres (2001, p.11) "O fenômeno da globalização do mundo levanta uma série de questões cruciais para os Estudos Americanos, na medida em que exige que consideremos novas construções e revisões criticas da modernidade. [...] Esta crescente pluralidade, marcada pela co-existência de culturas, língua (gens) e etnicidades cruzadas, na cartografia cultural contemporânea, vem redefinindo os rumos dos Estudos Americanos nos últimos anos". Estudos Americanos no sentido proposto por Sônia Torres não se refere apenas aos estudos de relações diplomáticas no sentido tradicional, mas sim a uma gama variada de temas e abordagens que abarcam objetos como literatura, política, fotografia etc., ampliando, portanto, as questões capazes de contribuir para o entendimento das relações entre Estados Unidos e América Latina. Sendo assim, os novos olhares lançados sobre a história dos Estados Unidos em geral, e das relações interamericanas em particular, têm trabalhado de forma a buscar interpretações alternativas à tradicional perspectiva do antagonismo norte x sul, ricos x pobres; fortes x fracos de cunho estruturalista; ou o antagonismo das leituras culturalistas que enfatizam os pares antitéticos civilizados x bárbaros; anglos x latinos. Como salienta Gilbert Joseph (1998, p.4), "Passando longe de modelos político-econômicos dicotômicos que vêem apenas dominação e resistência, exploradores e vítimas, latino-americanistas [...] estão sugerindo formas alternativas de conceituar o papel que os Estados Unidos, outros atores estrangeiros e agências, têm desempenhado na região durante os séculos

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dezenove e vinte. Ao mesmo tempo, estão integrando gênero, etnicidade, análises lingüísticas em suas investigações; combatendo a separação convencional entre as esferas e (e, assim, expandir noções do político); incomodados com categorias aparentemente fixas, como 'estado', 'nação', 'desenvolvimento', 'modernidade' e 'natureza'" É importante salientar que este processo de revisão historiográfica não está restrito a uma determinada corrente teórica ou disciplina acadêmica, sendo possível perceber avanços em diferentes correntes, como na Histórica Cultural, História Política, e mesmo uma renovação nos estudos baseados no paradigma da Dependência. Ainda em 1980, Gerson Moura, embora se utilize de conceitos como imperialismo, dominação e dependência, já apontava para o desgaste destes conceitos quando percebidos como determinantes estruturais únicos nas relações internacionais.

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Para Moura (1980, p.44), seria necessário analisar, o que ele chamou, de "determinantes conjunturais", conjugados aos "determinantes estruturais", ou seja, fatores intervenientes observados na "curta duração". "Quando falamos em conjugação de determinações estruturais e determinações conjunturais, queremos dizer que os processos imediatos de decisão política guardam uma grande autonomia, isto é, não são simples reflexos do sistema de poder". Mais recentemente, Perez Jr, apontou para uma revisão teórica dos chamados "dependentistas". Embora mantenha a premissa central de que as relações interamericanas estão pautadas em Estados Nacionais com poderes econômicos, políticos, sociais e militares desiguais, Pérez Jr. (1992) sugere que um entendimento das relações interamericanas não pode estar limitado às fontes produzidas somente pela Casa Branca, ou pela simples leitura dos ofícios produzidos pelo Departamento de Estado. Para Pérez Jr. (1992, p. 108), "o escopo da investigação deve se expandir para incluir o uso de fontes de arquivos e registros públicos, bem como jornais, periódicos latino-americanos e outras publicações e materiais inéditos".

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Além de considerar as fontes diplomáticas por um viés distinto do tradicional, como já foi enfatizado anteriormente, é necessário analisar e refletir também sobre a recepção brasileira e latinoamericana, analisando a repercussão na opinião pública e nos discursos dos representantes dos diversos países, não trabalhando apenas com o ponto de vista dos Estados Unidos. Se por um lado não se pode compreender a história latinoamericana excluindo os Estados Unidos, por outro lado, os Estados Unidos não podem ser interpretados como imunes às diferentes formas de contato com seus vizinhos abaixo do Rio Grande. Para Bender (2002), as histórias de outros países influenciam a história norte-americana, e vice-versa, não apenas atualmente, na era global, mas desde o século XV. Neste sentido, é necessário ter uma visão aberta da história, entendendo a história dos Estados Unidos e das Relações Interamericanas como algo construído e delineado tanto subjetivamente quanto por poderes objetivos, não necessariamente vinculados aos grupos políticos e econômicos dominantes. Referências SCHMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. 7ª. Série. São Paulo: Nova Geração, 2002. JOSEPH, Gilbert M. Close Encounters Toward a New Cultural History of U.S-Latin America Relations. In: LEGRAND, Catherine. SALVATORE, Ricardo. JOSEPH, Gilbert M. Writing the Cultural History of U.S.-Latin America Relations. Durham and London: Duke University Press, 1998. PEREZ JR, Louis A. Dependency. In: HOGAN, Michael J. PATERSON, Thomas G. (orgs) Explaining The History of American Foreign Relations. New York: Cambridge, 1992. TORRES, Sonia. Estudos Americanos: Raízes Nacionais, Rumos globais. In: TORRES, Sonia (org) Raízes e Rumos: perspectivas interdisciplinares em estudos americanos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001. BENDER, Thomas. Historians, The Nation, and the Plenitude of Narratives. BENDER, Thomas. Rethinking American History in a Global Age. Berkeley: University of Califórnia, 2002.

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ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO: PERCURSOS DE UMA EXPERIÊNCIA Antonio Alves Bezerra

Início de uma conversa... O presente texto se configura a partir de interpretações das experiências construídas nos meandros da mediação de duas disciplinas do curso de graduação em História da UFAL: Prática de Ensino de História e Estágio Supervisionado II e III, ao potencializar o desafio de motivar jovens estudantes universitários aspirantes ao "ofício de historiador", Marc Bloch (2001). Ao iniciarmos os trabalhos das disciplinas observamos que parte dos protagonistas do texto foram estudantes dos sextos e sétimos períodos do curso de graduação em História da Universidade Federal de Alagoas no ano de 2014.

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Ao assumir a mediação das disciplinas - uma no primeiro semestre (2014) e a outra no segundo semestre, sabíamos dos desafios que enfrentaríamos ao buscar um diálogo entre a universidade e a escola pública, notando-se que os aspirantes à docência na educação básica para essa disciplina, de um jeito ou de outro já haviam passado ou estavam experimentando os primeiros momentos da docência. Outros, porém, estavam apenas matriculados em disciplinas regulares da formação inicial. Notadamente, deve-se observar que estes estudantes, além de estarem vivenciando os primeiros momentos da docência, também já haviam estado na condição de estagiários nas escolas quando cursaram a disciplina de Prática de Ensino de História e Estágio Supervisionado I. Na oportunidade buscamos realizar uma avaliação diagnóstica acerca das inquietações dos futuros "professores pesquisadores" (TARDIF, 2012) tentando apreender qual seria o desejo destes jovens frente às disciplinas que lhes eram apresentadas. Dessa maneira, pareceu-nos que parte dos futuros docentes não manifestava sentido algum com a experiência até então vivenciada nas escolas quando ocorreu a primeira etapa de sua formação (Estágio I).

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Ao apresentarmos as disciplinas, explicitou-se na fisionomia dos aspirantes à docência algumas inquietações: "mais cem horas de estágio, mais planilhas a serem preenchidas, mais tempo perdido, mais relatórios..."! Questões como estas são fáceis de serem ouvidas e identificadas em qualquer ambiente universitário quando se trata de estágios supervisionados para a docência na educação básica. Antes de expor os planos de ensino das respectivas disciplinas e os referenciais teóricos que seriam adotados como eixos norteadores das mesmas, perguntei-lhes a respeito do que foi observado nas escolas no primeiro momento do estágio: Que recordações tinham daqueles momentos? O que lhes deixou inquietos face às múltiplas práticas desenvolvidas nas escolas pelos docentes e técnicos alocados naqueles espaços? As informações ali colhidas poderiam ser utilizadas como referências para melhorar técnicas e procedimentos metodológicos de ensino e pesquisa no ensino de história? E os conflitos no âmbito da unidade escolar, como poderia ser materializado em objeto de pesquisa para o ensino de história? Alguns silêncios se fizeram notar, mas também múltiplas respostas foram tecidas e justificadas naquele instante. Na ocasião indagamos aos estudantes matriculados nestas disciplinas o que gostariam de fazer nas escolas e/ou na sala de aula (reportando-nos ao espaço da universidade) nesta segunda e terceira fase de sua formação "teórico e prática", para usar a expressão de Pimenta (2012). A maioria dos estudantes assinalou que "gostaria de aprender a preparar e ministrar aulas de história na educação básica"! Segundo eles, até aquele momento de sua formação não haviam aprendido como preparar aulas. Perguntamos quem já exercia à docência de história ou de outros componentes curriculares do currículo básico? Alguns deles se manifestaram salientando que já atuava como docente, não necessariamente ministrando a disciplina de história, mas não se sentiram encorajados para expor a sua prática cotidiana em sala de aula. Mesmo sem a formação inicial concluída o docente traz consigo múltiplas experiências, inclusive de professores que estiveram presentes em suas vidas desde as séries iniciais. Nesse aspecto cabe observar que Um professor raramente tem uma teoria ou uma concepção unitária de sua prática; ao contrário, os professores utilizam muitas teorias, concepções e técnicas, conforme a necessidade, mesmo que pareçam contraditórias para os pesquisadores universitários. Sua relação com os saberes não é a busca de coerência, mas de utilização integrada no trabalho, em função de vários

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objetivos que procuram (TARDIF, 2012: p.263).

atingir

simultaneamente

O autor descortina a hipótese de que no cotidiano da sala de aula muitos saberes são mobilizados por parte dos professores que mediam as atividades didáticas. Cada aula é única. Sabe-se que o professor, além de ser um mediador entre o conhecimento e o aluno na disciplina, é, sobretudo, um mediador de conflitos. Por essa razão, muitas dificuldades se somam no momento de compreender e escrever acerca de suas práticas, pois estes se tornam sujeitos de múltiplas ações ao assumirem uma sala de aula.

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Tardif (2012: p.263) entende que o professor da educação básica "atinge simultaneamente diferentes tipos de objetivos na sala de aula", observando que este monitora os grupos de estudantes, motiva-os, leva-os à concentração no desenvolvimento das mais variadas atividades propostas, ao mesmo tempo em que atribui atenção individualizada a estudantes com dificuldades de aprendizagem; implementa atividades e, simultaneamente, debruçase acerca da progressão das mesmas junto aos estudantes das mais variadas séries/anos, buscando explicar aos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, de forma individualizada e/ou coletiva, promovendo a compreensão e aprendizagem dos estudantes nos múltiplos estágios de formação nos quais se encontram. O autor explicita que a postura profissional do docente da educação básica nos faz compreender que essa trama que se tece em cada aula no espaço escolar é muito complexa de ser explicada sob a perspectiva dos próprios professores da educação básica e às vezes pelos próprios especialistas em âmbito universitário. Recuperando o espaço da trama em que se teceram as atividades desenvolvidas pelas disciplinas citadas anteriormente, consideramos muito sério assumir uma sala de aula antes da conclusão da formação inicial, mesmo compreendendo as dificuldades financeiras de cada um dos professores que estão na condição de estagiários. Sinalizamos, também, que muitas surpresas poderiam se configurar nessa trajetória prematura da profissão, que dificuldades poderiam ser somadas a essa atuação acelerada da docência, podendo até ocasionar a desistência da profissão, pois muitas vezes os estudantes ainda não apresentam discernimento dos ingredientes que circundam a cultura escolar e, sobretudo, na sala de aula: conflitos, tensões e embates com a comunidade interna e externa que, na

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maioria das vezes, não são de sua responsabilidade, mas de um conjunto de questões que se imbricam nos sistemas de ensino - que se apresentam pouco efetivos do ponto de vista político, econômico e social. Apontamentos trazidos por Pimenta (2012: p. 43) são categóricos ao fazer notar que "No estágio dos cursos de formação de professores, compete às instituições formadoras possibilitar aos futuros professores a compreensão da complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seus profissionais como alternativa no preparo para a sua inserção profissional". Ancorado a essa reflexão, ponderamos que a docência é uma das poucas profissões que permite ao profissional assumir responsabilidades do cargo antes mesmo do término de sua formação inicial, especialmente em estados com déficit de profissionais da educação, como é o caso de alguns estados das regiões Norte e Nordeste do país. Com isso, experiências metodológicas de ensino de história são postas em prática por estes jovens com pouca eficiência na sala de aula do ponto de vista pedagógico. Destaque-se o uso dos manuais didáticos de forma generalizada, a solicitação de resumos dos resumos trazidos pelos manuais didáticos, a análise descritiva de algumas imagens e outras práticas que pouco colaboram para uma aprendizagem significativa do ensino de história. Partindo das inquietações dos futuros e (alguns já professores da educação básica), buscamos trazer a lume a proposta de trabalho elaborada pela CENP/SP com assessoria dos professores Marco Silva e Déa Fenelon Ribeiro nos anos oitenta, no estado de São Paulo, ao encorajarem os docentes daquela rede de ensino a trabalharem eixos temáticos no ensino de história nas salas de aulas. O objetivo foi discutir alguns autores que dentre outras questões tratassem das interfaces do ensino de história na educação básica numa perspectiva construtivista, fazendo-nos distanciar das práticas positivistas que tendiam focar no currículo de história um modelo de ensino direcionado à "memorização, repetição, monólogo do professor como espaço propício para a ideia de saber pronto e acabado, restando a esse professor apenas a oportunidade de transmitir o conhecimento", segundo Stephanou (1998: pp.19-20).

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Eixos temáticos: algumas possibilidades Ao serem provocados pelos autores debatidos na universidade tornou-se visível que ser professor de história não era tão fácil quanto parecia ser! Mas, mesmo sabendo dos desafios, os estudantes demonstraram confiança no trabalho proposto pelas disciplinas e buscaram, junto com o mediador, a superação das dificuldades. Ao procurar o professor orientador de estágio in loco para formalizar a segunda etapa das atividades "teórica e prática", os estudantes não foram mais com "a cara e a coragem" para formalizar a referida solicitação. Foram com uma proposta de intervenção nos planos de ensino dos professores regentes que lhes orientariam na condução das aulas. Com isso evidencia-se uma troca: ensina-se e aprende-se, segundo Freire (1996). Tal prática faz notar que

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O estágio, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou seja, é no contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá (PIMENTA, 2012: p.45). Percebe-se que a disciplina Prática de Ensino de História e Estágio Supervisionado pôde proporcionar aos estudantes da Licenciatura em História da UFAL a oportunidade de aprender a construir um plano de trabalho e, a partir de então, atentar-se aos procedimentos a serem adotados na elaboração e regência de uma aula de história no âmbito da educação básica, entendendo que "o saber da história é possibilidade e não determinação" Freire (1996, p.85). Na sequência, recorremos ao texto de Maria Elizabeth B. de Almeida, intitulado "Desafios à educação: o trabalho com projetos" (2001). A autora evidenciou algumas motivações que nos levou ao desafio de trabalhar com projetos na educação básica e nos fez pensar de forma efetiva na utilização de eixos temáticos na elaboração das aulas de história. A ideia de projeto-aula teve como premissa favorecer o estudante no sentido de buscar "examinar criticamente a sociedade, além dos conteúdos que abordam questões do presente, considerando suas experiências cotidianas e motivando-o à construção de

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um relacionamento ativo e crítico com o saber, negando o conhecimento como verdade absoluta e acabada" (BASSO, 2001, p.43). Face as questões trazidas pelo excerto acima e motivado por todo um aparado teórico e metodológico, os estudantes matriculados nessas disciplinas puderam experimentar e socializar em plenária seus avanços na elaboração e implementação de aulas utilizando-se de projetos. Por outro viés, notou-se que parte dos estudantes ainda tinham dificuldades em conceituar fontes históricas e linguagens para o ensino de história na educação básica. Apresentavam de certa maneira um discurso bastante arraigado ao afirmar que eram eles (estagiários, futuros docentes) que levariam o conhecimento até os estudantes. Foi comum ouvir nas aulas falas como: "ser professor é muito difícil hoje em dia, porque na hora que vamos transmitir o conhecimento de história os alunos não dão a mínima para nós, professores"! Noutra perspectiva, configurou-se nas representações dos estagiários a falácia acerca dos "alunos-problemas, aqueles indisciplinados que não queriam nada com a vida e que só iam para a escola infernizar quem queria aprender e os professores que queriam ensinar", fala esta reproduzida na maioria das vezes pelos professores da educação básica, marca da indignação dos docentes atualmente face as precárias condições de trabalho. Portanto, em alguns excertos de relatos dos estagiários emanaram os desafios enfrentados por estes ao longo das atividades, mas se fizeram presentes também alguns avanços e algumas possibilidades no que concerne à proposta apresentada pelas disciplinas. Destacase que não é pretensão do texto exaltar a proposta das atividades realizadas pelas disciplinas de estágios, mas se faz necessário assinalar a importância de se retomar a proposta em eleger eixos temáticos como possibilidades de efetivar o ensino de história buscando descortinar caminhos que promovam uma melhor compreensão do porquê estudar história? Em virtude dos fatos mencionados no relatório, entendemos que o estágio quando bem orientado proporciona um grande valor de campo, uma vez que precisamos ter essa experiência de campo antes mesmo de alçarmos o nosso espaço como professores titulares. A relação que tivemos com os alunos serviu de grande experiência para as futuras oportunidades que teremos na docência (Estagiários A e B, VII período do curso de História, 2014).

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Em um segundo trecho de relato, explicita-se que O estágio nos proporcionou experiências muito valorosas, pois pudemos perceber na prática a importância de ensinar história de forma mais dinâmica, atraindo a atenção dos alunos com novas metodologias de ensino, fazendo com que eles, acima de tudo, interagissem com a gente, professores. Pudemos perceber que apesar das precariedades do ensino público é possível diversificar a forma de se ensinar história, possibilitando a valorização da disciplina por parte dos alunos. O projeto foi concluído com êxito. Foi uma grande satisfação ter realizado esse projeto e ter saído com a convicção de estar no caminho certo, de ser um professor de história (Estagiários C e D, estudantes do VII período de 2014). Para um terceiro grupo de trabalho, evidenciou-se que

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A experiência com o projeto-aula foi muito proveitosa para todos os lados, a escola ganhou com a aplicação do projeto um novo gás nas atividades planejadas por nós. A professora regente teve a oportunidade de conhecer novas técnicas para implementar novas metodologias de ensino no sentido de facilitar o seu trabalho. Os alunos, além de aprenderem de uma forma dinâmica, ficaram mais estimulados a estudar e buscar a aprender. Por fim, nós, estagiários, ficamos muito contentes em participar da rotina de classe; aprender e ensinar de forma coordenada foram aspectos que nos deixaram cientes de que a sala de aula é um desafio constante, mas que pode ser driblado com planejamento, técnica e motivação (Estagiários E, F, G do VII período de 2014). Enfim, as proposições trabalhadas nesse texto se configuraram como norte de uma prática em sala de aula no curso de formação de professores de história em nível superior, não sendo discutido nesse momento o teor dos respectivos projetos nem o conteúdo dos relatórios apresentados pelos estudantes à disciplina, cabendo a estes e/ou a outros pesquisadores analisar e discutir os percursos e resultados alcançados pelos mesmos em formato de textos acadêmicos ou por meio de pesquisas mais acuradas sobre a temática.

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Referências ABUD, Kátia M. Ensino de História. São Paulo, CENGAGE Learning, 2010. ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (Org.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. 2ª. Ed., Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2009. ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de. Desafios à educação: o trabalho com projetos. In: Educação, projetos, tecnologias e conhecimentos. São Paulo, PROEM, 2001, pp.47-63. BASSO, Itacy S. As concepções de história como mediadoras da prática pedagógica do professor de história. In: DAVIES, N. (Org.). Para além dos conteúdos no ensino de história. RJ, Access, 2001, pp. 33-45. BLOCH, Marc. Apologia da História ou Oficio de Historiador. (Tradução André Telles). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001. FONSECA, Selva Guimaraes. Caminhos da História Ensinada. 3ª. Ed., SP, Papirus, 1995. ______. Didática e Prática de Ensino de História. Experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas, SP, Papirus, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, 20ª edição, Paz e Terra, 1996. MAGALHÃES, Marcelo. História e Cidadania: porque ensinar história hoje? In: ABREU, Marta & SOIHET, RACHEL (Org.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. 2ª. Ed., Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2009. PIMENTA, Selma G. & LIMA, Maria do S. L. Estágio e Docência. 7ª. Ed., SP, Cortez, 2012. STEPHANOU, Maria. Currículos de História: instaurando maneiras de ser, conhecer e interpretar. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 18, no36, 1998, pp.15-38. SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimaraes. Ensinar História no Século XXI: em busca do tempo entendido. Campinas, SP, Papirus, 2007. ______. História: o prazer em ensino e pesquisa. 1ª. Ed., São Paulo, Brasilense, 2003. TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. 13ª Ed., RJ, Vozes, 2012.

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MÃE ÁFRICA DESFIGURADA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DOCÊNCIA E AS QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS Antonio José de Souza Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios

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O Brasil, segundo censo do IBGE de 2002, tem a maior população negra fora do continente africano, procedente de uma ruptura populacional imposta, ou seja, somos um agrupamento humano, organizado em sociedade mantido e sustentado pela África. Ainda assim, as culturas africanas permanecem desconhecidas para grande parte dos brasileiros e, talvez por isso, estejam colocados, negros e negras, numa posição desigual diante aos demais grupos étnicoraciais partícipes da identidade e cultura brasileira. É também obscurecido o estudo de que antes mesmo da chegada dos negros escravizados ao Brasil, o continente africano manteve com a Europa um longo acordo. Foram séculos “de amizades e hostilidades várias, o bom e o mau, lucros e perdas [...], numa tessitura cada vez mais apertada” (DAVIDSON, 1981, p. 3). O continente africano foi integrado ao sistema internacional de comércio e colonização desde o século XV, através de contatos comerciais que faziam crescer vertiginosamente os interesses capitalistas europeus. Para tanto, era necessário que sucedessem manobras desonestas e atrozes com o objetivo de desviar os sentidos dos registros históricos que narravam uma África fidedigna, por esse motivo, mitos e preconceitos, retiraram das sociedades africanas o direito de terem uma historiografia notável. Assim, descrições agradáveis e apaziguadoras sobre a África passaram a ficar nebulosas, afinal de contas só com a divulgação de cenários horrendos, pestes violentas e uma população capaz de barbáries, poder-se-ia defender a expedição civilizadora protagonizada pelos colonizadores ocidentais. Isto implicou no desenvolvimento espantoso da alva e astuciosa Europa que, com propósitos imperialistas, expandiu os seus tentáculos para outras terras, despontando para a História Oficial como sendo o „Berço da Humanidade‟, em detrimento de uma África preta, empobrecida e degradada. Portanto, a “Europa acreditava ser um povo superior desde o nascimento: pessoas da raça branca” (COTRIM, 1999, p. 46), irrompendo para o mundo numa perspectiva eurocêntrica, isto é, uma concepção que entroniza os interesses e a cultura europeia como sendo as mais respeitáveis e avançadas, colocando-se num patamar proeminente às demais e, por

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isso, com direito de conquistar o resto do mundo. Assim, chegava ao fim o intercâmbio euro-africano, pois, definitivamente, na ótica eurocêntrica o negro (homem e mulher) tinha o status de „gado humano‟, despido das vestes dignas da humanidade. À vista disso, vários segmentos institucionalizados da sociedade brasileira (tais como igrejas, Universidades, escolas, cenário político e midiático) influenciaram a representação e posicionamento vexatório do negro na estrutura social, afinal a partir desse lugar de poder e controle, foi possível, numa articulação de vozes e silenciamentos, construir a imagem do negro como um ser humano inferior e „coisificado‟ por meio de uma engrenagem sistêmica, elaborada para negligenciar os conhecimentos que são transmitidos desde o nosso nascedouro, no tocante aos acervos culturais, educacionais, religiosos, dentre outras questões que envolvem os povos negros. Lamentavelmente, ainda predomina a insistência em manter o negro despojado de sua humanidade, assim como foi feito quando o Atlântico serviu de travessia para as importações contrabandeadas de africanos que forçosamente foram obrigados a participarem da corrente migratória, intitulada pela história por „diáspora‟, que vem a ser o deslocamento descontínuo, responsável pela instabilidade populacional e o rompimento com a população-mãe-África. Assim, aportaram no Brasil, na condição de escravos, a fim de trabalharem no desenvolvimento da colônia, imersos num processo de intensa e verdadeira dominação. Este cenário hostil é reforçado pelas influências advindas das correntes de pensamento racistas do século XIX, como o Darwinismo Social, o Racismo Científico, a Antropometria e as Teorias Evolucionistas que influenciaram no Brasil as reproduções simbólicas pejorativas atribuídas à figura do negro, como o mito da “vadiagem”, da “preguiça” e o mito da “mulata sensual” que estiveram arraigadas à estrutura social brasileira daquela época, a tal ponto de penetrar as estruturas contemporâneas que permanecem categorizando o negro como uma raça inferior; portanto, legado deixado pela experiência da diáspora, causadora da desarticulação dos modelos identitários e culturais dos povos negros africanos no Brasil colonial. Sendo assim, o negro é transfigurado num espectro, visto que nas representações sociais existem elementos determinantes para a classificação no regime de castas que, para tal, considera o desembarque pretérito dos africanos, desenvolvendo um imaginário de degenerações culturais, sociais e também biológicas, por isso a

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participação na formação do povo brasileiro com a cor da pele, crenças, costumes e a mestiçagem com as populações brancas e indígenas, significava, para as já mencionadas doutrinas raciais da segunda metade século XIX, uma descendência corrompida. Com efeito, o afastamento da eminente ameaça viria pelo branqueamento da sociedade brasileira, por meio da eliminação gradativa do sangue “subalterno”, resolvendo sumariamente a questão da formação identitária nacional, considerada incômoda por conta da pluralidade racial.

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Por outro lado, no percurso histórico brasileiro, homens e mulheres negras estiveram resistindo política e culturalmente a toda forma de opressão e discriminação, de tal modo que ações no intuito de promover a igualdade de oportunidades entre os grupos étnicos constituem conquistas reais na atualidade. No entanto, o reconhecimento dessas genuínas retratações e eventos antirracistas não elimina a memorável atrocidade diante das bizarras ideologias raciais e discriminatórias que na hierarquia conjuntural atual, ainda desloca o sentido ancestral africano para a centralização do processo estigmatizante do negro, personificado como o „outro‟ estranho, escravo, dominado e vítima permanente de miríades formas de exclusão. Do âmago dessas reflexões, brota a convicção de que as mudanças oriundas da contemporaneidade têm, inevitavelmente, respingado nas velhas e retorcidas estruturas escolares, advertindo-a sobre o surgimento da diversidade cultural como fundamento estruturante da educação nacional, rompendo, conforme Macedo (2007, p. 26), com a despropositada “história de alijamentos e de silenciamentos de vozes advindas de segmentos socioculturais não hegemônicos [...]”. Neste ponto, evidencia-se a desigualdade racial, perpassando o arcabouço educacional brasileiro, gerando disparidades que, no contexto das escolas, são ainda mais patentes, tendo em vista a lastimável herança de precariedades no tocante a formação inicial e continuada dos docentes. Recordo do quanto me sentia atraído pela majestosa África, ao passo que folheava o livro-didático de história. Nessa época, eu era apenas uma criança estudando no antigo ginasial, sentando na carteira da frente, vestindo uma farda branca de escudo no peito com o nome do patrono, emprestado aquele colégio estadual, escrito em azul. Os olhos curiosos daquele menino pousavam por sobre o mapa-múndi não por que conheciam os encantos do imponente continente africano e as fascinantes histórias dos povos negros, nossos

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ancestrais vindos de lá. Ele apenas sabia o que via e lia sobre a África, banhada ao norte pelo Mar Mediterrâneo, ao Oeste pelo Oceano Atlântico e ao Leste pelo Oceano Índico. Eram imagens estrategicamente ilustrativas que serviam ao objetivo de “verbalizar” informações acerca das dimensões cartográficas, relevos, flora e fauna do continente negro, mas que tinha também a tática de manter desconhecidas importantes visualizações, truncando as leituras sobre as identidades, as culturas, as existências e a origem da humanidade. Vivemos num país com grande diversidade racial e podemos observar que existem muitas lacunas nos conteúdos escolares, no que se refere às referências históricas, culturais, geográficas, linguísticas [sic] e científicas que deem [sic] embasamento e explicações que possam favorecer não só a construção do conhecimento, mas também a elaboração de conceitos mais complexos e amplos, contribuindo para a formação, fortalecimento e positivação da auto-estima [sic] de nossas crianças e jovens (ROCHA; TRINDADE, 2006, p. 55-56). Em vista disso, o meu repertório sobre a África não recebeu contribuições expressivas da escola, na verdade foi por meio da sua antiga ideia de currículo que, erroneamente, “aprendi” a respeito de uma África aprisionada a um passado forjado por outros e ancorada a um presente marginalizado. Foi através da prática docente serva e obediente ao sistema reprodutor da simplificada diversidade africana que eu „mordi a isca‟ e subliminarmente foi atribuindo a Europa o que de fato é da África: o título de berço da humanidade. Como se pôde ver, o percurso desse trabalho revelou a dívida que a educação básica brasileira vem acumulando em relação à população negra, visto que, durante muito tempo, determinou-se a aplicação de um currículo único, sob o pretexto de oferecer uma educação “igual” para todos, ignorando os estudantes afrodescendentes, ou indígenas, e se esses viviam em comunidades rurais ou em grandes centros urbanos. Com isso, as características singulares de cada grupo ficaram excluídas e ocultas durante décadas, resultando, entre outras coisas, na aversão do negro a sua etnia e ancestralidade. Revelando que, de modo geral, quando os negros (homem e mulher) chegam e permanecem nos bancos escolares, aprendem uma história brasileira forjada, onde os heróis, ou melhor, os principais personagens são marcadamente branco-europeus.

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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

Como já se sabe, após a homologação da lei federal nº 10.639/2003, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana passou a ser obrigatoriamente inclusa no currículo escolar, oportunizando a construção de uma imagem positiva do povo negro a partir da história brasileira, superando a visão de passividade tão difundida, evidenciando as muitas formas de resistência negra ao longo dos séculos. No entanto, o repertório de muitos alunos/as acerca do continente africano continua sem receber contribuições expressivas da escola, pois ainda vigora o currículo que, erroneamente, apresenta uma África aprisionada a um passado adulterado por outros e ancorada a um presente marginalizado.

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Assim sendo, como, por exemplo, uma criança negra se enxergará nesse quadro? Ela se reproduzirá no negro escravizado, marcado e espancado da senzala ou no branco nobre? É difícil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de utensílio, assim como é difícil perceber-se descendente daqueles que, por muitos séculos, têm sido marginalizados e massacrados. Torna-se importante tal adendo, pois, certamente, não é fácil estudar em uma escola que por incultura ou segregação consciente, ignora a descendência negra e se desinteressa pelo estudo da África, demonstrando descaso por sua história e persistindo na legitimação da relação tensa, devido às diferenças na cor da pele e traços fisionômicos que estão atrelados à raiz cultural plantada na ancestralidade africana. À vista disso, a escola é impelida a assumir outra proposta, visto que já não é possível caminhar na contramão da história, restringindo-se ao aspecto de uma educação mancomunada com os mecanismos de padronização e homogeneização. Evidentemente, as concepções acima apresentadas, com relação ao estudo da identidade e cultura afro-brasileira são suscetíveis a críticas. Nesse sentido, o objetivo maior é de estimular o debate para que se configure uma rede de discussões e reflexões de forma a enfraquecer ideologias homogeneizantes que pretendem solidificar o „outro‟, ameaçando as diferentes identidades. Neste sentido, percebemos que o estudo iniciado já sinaliza a necessidade de uma política de formação para a diversidade, contemplando sobretudo a perspectiva da identidade e da cultura afro-brasileira que historicamente é marcada pelo silenciamento e pela negação nas escolas brasileiras. Considerando que o estudo se encontra em andamento, pretendemos ampliar as análises sobre a temática no cenário da educação, buscando subsídios para o estudo mais aprofundado acerca da referida temática.

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Referências BRASIL. Censo Demográfico 2010. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. , acessado em 02/05/2015. COTRIM, G. História e consciência do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. DAVIDSON, B. Mãe Negra: África: os anos de provação. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1981. MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e eqüidade: luzes para uma educação intercrítica. Salvador: EDUFBA, 2007. ROCHA, R. M. de C.; TRINDADE, A. L. da. Ensino fundamental. In: BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientação e ações para a educação das relações étnicoraciais. Brasília: SECAD, 2006.

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A COMISSÃO NACIONAL DE MORAL E CIVISMO E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA Amanda Marques de Carvalho Gondim

A Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) surgiu no contexto do regime militar brasileiro e perdurou mesmo depois de findo o governo militar e a volta da democracia. Instituída pelo Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971, possuía entre suas atribuições promover o conhecimento do Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Na alínea a, que dispunha das finalidades da Educação Moral e Cívica (EMC), está a proposta de uma relação intrínseca entre o princípio democrático e o espírito religioso, pois afirma-se que o segundo é a base do primeiro.

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A disciplina de Moral e Civismo e suas correlatas, Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB) foram idealizadas com esse objetivo. Embora a EMC tenha existido em outros momentos da história da educação brasileira, foi no final dos anos 1960 e no decorrer dos anos 1970 e 1980 que passou a ter uma estrutura fomentadora das ideias do governo militar. A CNMC pregava a dualidade da democracia espiritualista e do comunismo ateu (FILGUEIRAS, 2006, p. 87). Essa ideia encontrava espaço na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) pregada pelos militares e uma instituição educacional foi criada especialmente para atender a essa demanda. O período compreendido entre os anos de 1969 e 1993 foi marcado por grandes mudanças na ordem social e política do Brasil. A educação naquele momento foi palco para a institucionalização de um projeto de identidade nacional voltado aos interesses de um grupo que afirmava defender a democracia. Foi criada uma disciplina com base nesse princípio, a Educação Moral e Cívica, instituída pelo decreto presidencial nº 869, de 12 de setembro de 1969. A Comissão Nacional de Moral e Civismo, inicialmente ligada diretamente ao Ministro de Estado e posteriormente subordinada ao crivo do Ministro da Educação e Cultura, tinha suas atribuições voltadas para a implantação e manutenção da "doutrina" da Educação Moral e Cívica, de acordo com a lei. Um órgão foi criado exclusivamente para fazer com que o Decreto realmente existisse nos estados e instituições de ensino de todos os

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níveis. Dessa forma, cabia à Comissão, entre outras finalidades, cultuar a Pátria, seus símbolos, tradições, instituições e grandes vultos de sua história. De acordo com essa finalidade, seria sua atribuição estimular a realização de solenidades cívicas ou promovêlas. A disciplina, instituída não apenas para ser lecionada na escola, teve papel importante na divulgação de discursos instituídos no sentido de estabelecer uma verdade. Um dos elementos ressaltados foi a ausência de preconceitos no país por meio da afirmação de que vivíamos uma democracia não apenas no campo político, mas também social e cultural. Assim, faz-se inferência ao surgimento de uma educação voltada para a cidadania nos moldes do contexto brasileiro da ditadura militar. Entende-se, por meio de um esforço realizado pelo governo brasileiro, a institucionalização de mecanismos para a inserção de ideias, conceitos e discursos formadores de uma identidade nacional. Silva (2006) em seu Dicionário de Conceitos Históricos afirma que "toda identidade é uma construção histórica" (p. 204) e, portanto, encontra-se sujeita ao tempo histórico em que é criada. Desse modo, cada tempo histórico pode ser capaz de produzir uma identidade que procura estabelecer-se na condição precípua e imutável. A reformulação de conteúdos, com a posterior inserção da Educação Moral e Cívica, representou mais um exercício do poder, no caso, político, sobre uma área importante da sociedade, a educação. Popkewitz (2008) afirma que "aprender gramática, ciências ou geografia é também aprender disposições, consciência e sensibilidades em relação ao mundo que está sendo descrito" (p. 185). Assim, a inclusão ou exclusão de uma matéria escolar representa também um objetivo a ser alcançado na elaboração de um discurso. Dessa maneira, a Educação Moral e Cívica, a partir do decreto-lei que a institucionaliza em todas as esferas educacionais, é apontada pelo estudo com o status de disciplina constituinte de uma identidade nacional brasileira nesse período. Entender uma identidade permite que seja compreendido o modelo de identidade que se procurava estabelecer. A educação configura-se como um dos campos de maior destaque não só na produção, mas na imposição de afirmações e pensamentos identitários. Subirats (2000) afirma ser a finalidade da educação "a produção de personalidades capazes de viver em sociedade" (p. 195). Mas, como se produzir uma personalidade capaz de viver em sociedade? Para o governo militar brasileiro o caminho seria a criação de uma

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educação moral e cívica como disciplina obrigatória. O Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, foi sancionado pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, valendo-se dos Atos Institucionais, que lhe conferiam plenos poderes. Assim como no início da chamada idade moderna na Europa, a massificação da educação escolar aconteceu para atender uma suposta necessidade social de estabelecer ordem social por meio de padrões de valores religiosos, sociais e morais. A escola brasileira, na segunda metade do século XX, conheceu o início de sua expansão e massificação. A educação escolar passa a ser obrigatória a todas as crianças, a partir dos 7 anos de idade. A reforma educacional proposta pela lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, estabeleceu a obrigatoriedade. De acordo com dados apresentados por Romanelli (2006), houve um aumento acentuado no ensino em geral a partir de 1964.

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O crescimento da oferta de ensino no Brasil entre as décadas de 1960 e 1980, com sua posterior massificação, atende a interesses bem específicos. Do ponto de vista econômico, é impossível não relacionar o crescimento industrial e urbano com a demanda por mais vagas nas escolas. A taxa de escolarização, na década de 1970, representava 53,72% da população em idade escolar enquanto que na década de 1950 era de 26,15%, representando, pois, a duplicação desse percentual em vinte anos. De acordo com a reflexão do sociólogo Florestan Fernandes (APUD Romanelli, 2006, p. 69), a educação promovida pelo governo, em 1960, era um Estado "fundador de escolas", cumprindo apenas a função de construir, administrar e supervisionar o sistema nacional de educação. A concentração das pessoas nas áreas urbanas passou a ser maior do que nas rurais a partir do final da década de 1960 e início da década de 1970, gerando com isso uma demanda cada vez maior pelo ensino escolar. Para resolver esse problema premente, o governo brasileiro adotou uma série de medidas com o objetivo de minimizar o déficit oferecido na educação escolar pública. A legitimação do poder político dos militares encontrou na educação escolar um caminho viável para inserir na sociedade vários discursos. Promover conceitos tais como homogeneidade entre os grupos sociais e regiões do país, contribuindo para a afirmação de uma identidade nacional refletia, de maneira apropriada, o interesse em salvaguardar a segurança nacional e o desenvolvimento econômico.

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De acordo com Fonseca (2005), "o projeto delineado nos planos e programas de desenvolvimento, na legislação e nas diretrizes governamentais representa o ideário educacional dos setores políticos dominantes" (p.16). Assim, os discursos elaborados e transmitidos por meio da Educação Moral e Cívica atendiam a interesses específicos de parcela da população, a quem interessava manter a sociedade na mais completa ordem social 'como sempre havia sido em toda história do país'. A construção de uma identidade nacional harmoniosa e sem conflitos pode ter sido um dos motes na elaboração de projetos e atividades em todas as esferas as quais a Educação Moral e Cívica atuava, com os seus órgãos de normatização e gerência do ensino. Referências BRASIL. Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 set. 1969. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decretolei-869-12-setembro-1969-375468-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 28 jan. 2016. BRASIL. Decreto nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971. Regulamenta o Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 jan. 1971. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/19701979/decreto-68065-14-janeiro-1971-409991-publicacaooriginal-1pe.html. Acesso em: 28 jan. 2016. BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 ago. 1971. Disponível em: . Acesso em: 28 jan. 2016. FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969 - 1993. 2006. 222 f.. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em:

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http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo =3301. Acesso em: 2014-06-26. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências, reflexões e aprendizados. 4 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003. POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regulação social e poder. In: O sujeito da educação: estudos foucaultianos. SILVA, Tomaz Tadeu da (org.), 6a. ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 173-210. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930/1973. 30 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2006. 267 p. SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. SUBIRATS, Marina. A educação do século XXI: a urgência de uma educação moral. In: A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. IMBERNÓN, F. (org.). Trad. Ernani Rosa, 2. ed., Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

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UMA ANÁLISE DO PAPEL DOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NO ESTADO DO PARANÁ EM RELAÇÃO AO ENSINO E APRENDIZAGEM Aparecida Molitor DellÈst Pereira Evelline Soares Correia

Neste texto, pretendemos apresentar algumas contribuições e produções acerca do Livro Didático a partir da revisão bibliográfica das dissertações de mestrados e teses de doutoramento, defendidas e aprovadas, entre 2005 e 2014, nos Programas de Pós-Graduação em Educação de quatro Instituições do Estado do Paraná (UEM, UEL, UNIOESTE E UFPR). O campo de investigação foi constituído a partir do levantamento geral dos títulos que englobam o Livro Didático como fonte de pesquisa. Os temas abordados são amplos e relevantes, no entanto, a princípio destacou-se os trabalhos publicados pelos Programas de Pós-Graduação das referidas instituições enfocando o objeto de forma geral, em seguida, os que tratam especificamente do Livro Didático de História, a partir do qual será considerado as principais ideias dos autores. Os aspectos que incidem sobre as principais ideias são: a) as temáticas trabalhadas nas dissertações; b) relações entre o uso do Livro Didático e o ensino de História a partir dos resultados da pesquisa. Compreender as especificidades de cada produção é essencial para que não se caia na ignorância de julgá-los como verdades absolutas, pois, dependendo do enfoque que o pesquisador atribui à sua pesquisa é levado a delimitar o objeto de estudo para atingir os resultados esperados. No caso dos estudos com o Livro Didático, os enfoques atribuídos pelos pesquisadores se respaldam no Programa Nacional do Livro Didático e nas teorias que fundamentam a Cultura Escolar, visto que a escola é tida como um espaço de construção social, dito de outra forma, um espaço de construção e reconstrução de conhecimentos. Julia (2001) define cultura escolar

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[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas. (JULIA, 2001, p. 02) O Livro Didático e as disciplinas são importantes "dispositivos pedagógicos" que fazem parte do cotidiano escolar, orientam o professor em sua prática dos conteúdos ensinados de acordo com o público e o contexto histórico, isto porque são encarregados de facilitar a aplicação das normas e das ações didáticas. Considerando todas as temáticas exploradas nos estudos sobre Livro Didático, no período delimitado, apresentamos a seguir uma tabela com as pesquisas desenvolvidas. Foram registrados: 27 dissertações de mestrado e 2 teses de doutoramento, num total de 29 produções, distribuídas conforme tabela abaixo. Tabela I - Produção sobre Livros didáticos - Período 2005 a 2014

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INSTITUIÇÃO DISSERTAÇÃO UEM 02 UEL 06 UNIOESTE 02 UFPR 17 TOTAL GERAL 27

TESE TOTAL (IES) 0 02 0 06 0 02 02 19 02 29

As dissertações se referem: 2 à disciplina de Educação Física; 2 Ciências; 2 Química; 3 alfabetização/cartilha; 1 Ensino Religioso; 5 Língua Portuguesa;1 Física/Ensino Médio; 1 História/Ensino Médio; 1 L.Portuguesa / Literatura e Ed.Física; 1 L.Portuguesa / Matemática/História/Geografia e Ciências e 8 sobre a disciplina e/ou ensino de História/Ensino Fundamental. As 2 teses se referem à Língua Portuguesa, ambas enfocando o Livro Didático paranaense. Visando delimitar a análise das dissertações de mestrado, apontaremos os temas trabalhados e as principais ideias acerca da produção sobre Livro Didático de História do Ensino Fundamental, conforme segue. Abel Ribeiro dos Santos (2007) escreve sobre Educação e relações raciais a partir de um estudo de caso de uma escola da periferia da cidade de Curitiba, dando ênfase às relações étnico-raciais presentes

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na escola a partir da prática docente, aborda ainda a função do Livro Didático e a imagem negativa do negro difundida nos livros de História do 6º e 7º ano. [...] partindo da hipótese que uma das instituições que mais reforçam a discriminação é a escola, faz-se necessário um estudo aprofundado desta instituição, enquanto formadora de identidades, bem como das práticas de seus professores, no que diz respeito à questão racial. (SANTOS, 2007, p. 13) Aírton Moraes (2007) investiga as concepções de História presentes no Ensino Fundamental e as relações entre a historiografia, metodologias e o ensino de História. Na introdução ressalta a importância de se questionar a linearidade da História. [...] acreditamos que o ensino de História possa contribuir decisivamente para a formação do indivíduo. Porém, para que cumpra seu papel perante a sociedade, temos que rever alguns "paradigmas" cimentados ao longo dos anos. Em nossa concepção, um dos conceitos que deve ser questionado é o entendimento da História como um processo linear. (MORAES, 2007, p. 18) Édina Soares Maciel (2011) estuda os Livros didáticos de história e experiência cultural dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, de uma Escola do Campo localizada no município de Araucária, estado do Paraná. Ao analisar o conteúdo presente em três manuais utilizados em uma escola do campo, bem como os encaminhamentos metodológicos que os autores fazem ou sugerem e as atividades propostas, buscou-se identificar as possibilidades de relação com a experiência cultural dos alunos abertas por esses materiais. (MACIEL, 2011, p. 17) Ida Hammerschmitt (2010) focaliza O livro didático em aulas de história e o seu uso por professores e alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola do município de Araucária, estado do Paraná. Pretende-se, portanto, com esta pesquisa analisar como se dá o uso do livro didático por parte dos alunos e dos

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professores, as formas pelas quais este material didático é utilizado no cotidiano de uma sala de aula em uma situação específica, que se refere ao fato de estarem em uso na sala de aula, simultaneamente dois livros de história. (HAMMERSCHMITT, 2010, p. 17) Jaqueline Lesinhovski Talamini (2009) investiga O uso do Livro Didático de História na 1ª e 2ª séries Ensino Fundamental, etapa da alfabetização e as relações dos professores com os conceitos históricos presentes nos manuais. A realização deste estudo sustentou-se na pressuposição de que os manuais didáticos podem contribuir para o conhecimento histórico do professores das séries iniciais, especialmente porque, em geral, são profissionais que não possuem formação em História e, portanto, podem encontrar nesse recurso didático o conhecimento histórico necessário para ministrar as aulas. (TALAMINI, 2009, p. 14)

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Lucinéia C. Steca (2008) estuda a prática docente do professor de História do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio das escolas estaduais do município de Londrina, estado do Paraná, a partir do ensino de História do Paraná. Pesquisar sobre o conhecimento dos professores, quais conteúdos eles dominam, é importante porque entendemos que é através do professor de História que também ocorreria a preservação de algumas culturas locais, que podem expressar-se desde a tênue lembrança de tempos idos da colonização até a compreensão da importância de não se depredar um patrimônio histórico. (STECA, 2008, p. 17) Sandra Regina Rodrigues do Amaral (2012) analisa os Livros Didáticos de História do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série/6º ao 9º ano) utilizados em oito escolas públicas estaduais do município de Londrina, estado do Paraná e, as significações do professor de História para a ação docente a partir da análise do manual do professor no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2008). A busca de significações do professor para o manual do livro didático está, neste trabalho, bastante imbricada com a existência e utilização do livro didático,

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considerando que o manual do professor encontra-se, fisicamente, como encarte /anexo ao livro didático enviado ao professor. Assim sendo, iniciamos nossa reflexão na consecução do entendimento sobre o livro didático e seu papel na educação brasileira. (AMARAL, 2012, p. 15) Sirlei Maria do Nascimento (2010) tematiza as Concepções de Professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental (1º ciclo) em relação ao ensino de História, por meio do estudo com Professores de uma Escola da Rede Municipal do município Londrina/PR. Os debates acerca do ensino de História continuam estruturados em duas questões: a dinâmica da prática/teoria na ação do professor e a segunda como os alunos aprendem História ou podemos dizer como constroem seus conhecimentos nesta área do saber. (NASCIMENTO, 2010, p. 76) Os temas trabalhados nas dissertações surgiram do interesse da própria prática docente, seja na atuação como docente, pedagogo e/ou diretor de escola. Com exceção, Steca (2008) que partiu do resultado do curso de pós-graduação em História Social e Ensino de História em 2003; e Moraes (2007) que relacionou sua pesquisa à experiência de estágio, a partir da qual procurou entender as metodologias de trabalho do professor do Ensino Fundamental, considerando os debates da historiografia presentes nas universidades brasileiras. Relações entre o uso do livro didático e o ensino de história a partir dos resultados da pesquisa A Historiografia, escrita da história, possibilita ao historiador organizar a história de acordo com o tempo e o lugar social onde o fato ocorreu, em outras palavras, a relação que se estabelece com o objeto de estudo permite-lhe interpretar e produzir um discurso acerca do fato, considerando os determinantes que implicam na objetividade que permeia o espaço social e o tempo histórico. No que se refere ao uso do Livro Didático e o ensino de História apresentado nas dissertações de mestrado elencadas anteriormente, constatou-se que os discursos resultantes da pesquisa estão coerentes com as questões levantadas pelos autores.

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A maioria das dissertações apontam o Livro Didático como instrumento de pesquisa e formação para preparar a aulas, organizar o ensino e orientar os alunos nas atividades; outras, se reportam para a articulação entre os conteúdos do Livro Didático e a experiência cultural dos familiares, a partir do resgate das memórias destes. Santos (2007, p.116-117) ao apresentar suas considerações afirma que no caso da escola pesquisada, a professora utiliza o livro didático com frequência, porém, como a quantidade de alunos é maior que o número de livros, não há participação dos alunos "do ponto de vista de leitura, discussão, debate e amadurecimento das ideias"; sobre o trabalho com história e cultura afro-brasileira, o planejamento da professora não contempla este conteúdo, "nem tampouco nos livros utilizados pela mesma". Moraes (2007) ressalta que os livros analisados apresentam abordagem cronológica, ou seja, os conteúdos são apresentados de forma linear. Ele critica esse modelo no ensino de História, pois,

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[...] poderá levar o aluno a compreender a história da humanidade como um processo teleológico, no qual os acontecimentos formam um grande "quebra-cabeça". Sendo assim, como a história se resume na distribuição cronológica dos diferentes acontecimentos, em cada série o professor disponibilizará ao aluno o acesso a determinadas "peças" para que, juntamente com seus colegas, possam "montar o passado dos homens”. (MORAES, 2007, p. 112) Maciel (2011) apontou a importância do livro didático para a organização do processo de ensino, no caso da escola pesquisada foram examinados três livros didáticos que auxiliam professora e alunos a trabalharem os conteúdos. As relações estabelecidas com esses materiais são distintas: o Livro 1 foi escolhido pela escola, a professora que trabalhava com a turma até o 2° bimestre já utilizou no início do ano, mas a segunda professora que foi entrevistada não o utilizou mais por que, olhando os conteúdos a trabalhar, constatou que ele não contribuiria nesse trabalho; o Livro 2 existe na escola por que foi escolhido no PNLD anterior e as professoras indicaram o seu uso para os temas em foco; o livro 3 é específico

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sobre a localidade e tem características específicas que o aproximam mais dos conteúdos que a professora deve ensinar.(MACIEL, 2011, p. 153) Hammerschitt (2010, p. 96) concluiu que por mais que o professor oriente os alunos a realizar as atividades estabelecidas no livro, leitura ou tarefas no caderno, percebeu-se, que "o uso do livro didático na sala de aula não se revela a mera transmissão de conteúdos". Talamini (2009, p. 53) observa que os livros didáticos, a partir dos resultados da pesquisa, "não se constituem apenas como um material utilizado para que os alunos possam construir os conhecimentos". Além dos estudantes utilizarem os livros para a realização das tarefas; o professor faz deste um importante recurso para "adquirir o conhecimento que precisam para ministrar as aulas por meio da explicação que é feita pelo autor". Steca (2008, p. 45) ressalta sobre as dificuldades que os professores do Ensino Fundamental II e Médio encontram devido à falta de material sistematizado sobre história regional e local. A autora (p. 85) defende a ideia de que o uso da história local no ensino de História possibilita a ampliação da compreensão de mundo que o aluno possui porque permite evidenciar as especificidades "dando voz a histórias antes silenciadas e que o aluno pudesse se sentir protagonista de sua história". Amaral (2012, p. 50) afirma que o Livro Didático passou a circular com a expressão "livro do professor", devido a ampliação do público ao qual se destina, entretanto, para ele O manual do professor pode variar quanto à forma física, constituindo-se em um caderno ou encarte que acompanha o livro do professor ou encontrando-se anexo ao corpo do livro, mas não deve variar quanto à sua função de orientação ao professor. (AMARAL, 2012, p. 50) Nascimento (2010, p.108-109) conclui que apesar da formação disponibilizar novos conhecimentos metodológicos as aulas de História "continuam numa estrutura tradicional, com leituras e atividades de fixação ou memorização e escrita de textos", pois, na maioria das aulas verificou-se que "os alunos não se sentem sujeitos

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históricos" por não participar de discussões e problematizações que os permitam relacionar o conteúdo estudado com suas experiências. Em suma, apesar do Livro Didático ser muito utilizado para a transmissão, construção e reconstrução de conhecimentos, de acordo com a dissertações de mestrado analisadas, cabe ao professor utilizá-lo de forma contextualizada, considerando as vivências dos alunos, assim o trabalho pedagógico poderá abarcar e ampliar as possibilidades de relação entre os conteúdos da cultura do indivíduo e da cultura universal da humanidade. Referências Dissertações de Mestrado

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AMARAL, Sandra Regina Rodrigues do. Significações do Professor de História para sua Ação Docente: O Livro Didático de História e o Manual do Professor do Segundo Segmento do Ensino Fundamental no PNLD 2008. 156 p. Londrina, 2012. Acesso em 09/10/2014. Disponível em: http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoesdefendidas/2012 HAMMERSCHMITT, Ida. O livro didático em aulas de história nos anos iniciais do ensino fundamental. Curitiba, 2010. Acesso em 05/12/2014. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Ida%20Hammerschimitt.pdf MACIEL, Édina Soares. Livros didáticos de história e experiência cultural dos alunos: estudo em uma Escola do Campo. Curitiba, 2011. Acesso em 05/12/2014. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Edina%20Soares%20Maciel.p df MORAES, Aírton. As concepções de História presentes no Ensino Fundamental: as relações entre a historiografia, metodologias e o ensino de História. 181 p. Londrina, 2007. Acesso em 15/10/2014. Disponível em: http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoesdefendidas/2007 NASCIMENTO, Sirlei Maria do. As Concepções de Professores das Séries Iniciais e a Aula de História: Um Estudo com Professores de

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uma Escola da Rede Municipal de Londrina. 120p. Londrina, 2010. Acesso em 09/10/2014. Disponível em: http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoesdefendidas/2010 SANTOS, Abel Ribeiro dos. Educação e relações raciais: um estudo de caso. Curitiba, 2007. Acesso em 05/12/2014. Disponível em: http://www.pgsocio.ufpr.br/docs/defesa/dissertacoes/2007/ABEL. pdf STECA, Lucinéia C. A prática docente do professor de história: um estudo sobre o ensino de história do Paraná nas escolas estaduais de Londrina. 2008. 157 p. Londrina, 2008. Acesso em 15/10/2014. Disponível em: http://www.uel.br/pos/mestredu/index.php/dissertacoesdefendidas/2008 TALAMINI, Jaqueline Lesinhovski. O uso do livro didático de história nas séries iniciais do ensino fundamental: a relação dos professores com os conceitos presentes nos manuais. Curitiba, 2009. Acesso em 05/12/2014. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/M09_talamini.pdf Bibliografia consultada BARREIRA, Luiz Carlos. História e historiografia: as escritas recentes da História da Educação Brasileira (1971-1988). 1995. 257f. Tese (Doutorado em Educação) - UNICAMP, Campinas, 1995. Acesso em 05/11/2014. Disponível em: www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=vtls00008447 9) CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. Tradução de Maria de Lourdes Menezes; Revisão Técnica [de] Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária 1982. p.65 119 JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Tradução de Gizele de Souza. Revista brasileira de história da educação n°1 jan./jun. 2001. Editora Autores Associados Campinas-SP. Acesso em: 05/11/2014. Disponível em: www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/download/273/281 NUNES, Clarice & CARVALHO, Marta Maria Chagas de. „Historiografia da educação e fontes‟. Cadernos ANPED, n.5, p. 764, set. 15 Reunião 1992/1993.

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A HISTÓRIA E O ENSINO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA Alexandre Claro Mendes

A sociedade contemporânea cada vez mais tem como principal base de desenvolvimento o binômio ciência e tecnologia, porém é importante lembrar que esses elementos sempre estiveram presentes na história humana. Isso pode ser analisado quando o homem do paleolítico lascou uma pedra sobre a outra e criou o biface. Esse artefato feito de pedra talhada foi produzido usando algo fundamental que está presente e é essencial na ciência, isto é, a imaginação, além disso, foi também necessário um processo técnico para sua confecção, fato que se encontrava dentro da própria sociedade.

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O objetivo desse artigo é fornecer subsídios ao professor para que ele possa utilizar a História da Ciência nas suas aulas, de modo que o estudante possua condições de ter maior conhecimento em relação aos processos históricos a partir de questões que discutam a ciência no contexto em que ela foi produzida; permitindo assim aos alunos compreender que a ciência não pode ser vista simplesmente como um processo evolutivo de algo “inferior para algo superior.” A introdução do ensino da História da Ciência contribui para uma discussão interdisciplinar do ensino dentro das escolas e permite aos alunos interpretar o mundo de forma holística no sentido grego do termo, ou seja, compreendê-lo como um todo, pois ciência, arte, filosofia, religião, política, economia e mitologia pode ser analisada pelo prisma da História da Ciência. Cabe ressaltar que essa interpretação não tem a pretensão de fornecer uma única resposta para aquilo que é selecionado pelo professor e estudado pelos alunos, mas sim de fomentar o debate através da possibilidade de outras hipóteses (MARTINS, 2006, p.17). Atualmente pesquisadores da ciência, educação e da história acreditam que o ensino da história da ciência é um importante instrumento no ensino como forma de facilitar a compreensão da própria ciência e consequentemente da sociedade que a produz (MARTINS, 2000, p.47).

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É importante lembrar que os aspectos da ciência de uma determinada época não podem ser desvinculados de seu contexto histórico, social e político (ZATERKA, 2004, p.30). Nesse sentido o uso da História da Ciência nas aulas de História ajuda no cumprimento do Artigo 22 da LDB que diz: "A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para a cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos superiores." Para que ocorra o desenvolvimento pleno da cidadania no mundo atual existe a necessidade de que os jovens tenham conhecimento técnico-científico. Esse conhecimento fornece a juventude algumas possibilidades de inserção no mundo do trabalho; vale lembrar aqui que uma das orientações existentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais é o de vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social. Essa tríada cidadania, mundo do trabalho e prática social deve ser encarada com um projeto interdisciplinar que é característica sine quo non da História da Ciência, daí sua função crucial de estar presente nas aulas de história. O momento atual de integração global de determinados valores políticos e morais estão cada vez mais contidos da difusão de um modelo de ciência e técnica que é Ocidental. A compreensão não só desse modelo de ciência como também de outros através da história torna-se algo fundamental na proposta de um ensino de História que priorize não uma, mas sim várias sociedades humanas (BURKE, 2000, p. 12). A História da Ciência: um breve relato A História da Ciência não pode ser vista simplesmente como a união de duas coisas distintas que acabam por criar geralmente uma terceira com características próprias. (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p. 9) Desse modo, faz-se necessário apresentar mesmo que forma sucinta alguns aspectos que perpassam a gênese da História da Ciência. Sua base teórica é a interdisciplinaridade, já que seu fundamento epistemológico está em três grandes áreas do conhecimento: filosofia, história e ciência. (MENDES, 2005) O nascimento da História da Ciência está diretamente relacionado com o próprio

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surgimento da ciência moderna ocorrida entre os séculos XVI e XVII. (FIGUERÔA, 2009, p. 154). No interior da ciência moderna é possível encontrar alguns dos vestígios da história da ciência como o processo da expansão marítima europeia que permitiu aos europeus ampliarem seus horizontes geográficos, culturais e políticos. Além disso, a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, fez com que os cristãos bizantinos procurassem abrigo na Europa Ocidental; levando consigo uma série de obras clássicas do mundo grego, ao lado desses livros era introduzido também o idioma grego que havia ficado durante muito tempo adormecido em grande parte continente europeu. O contato com diversas obras no original grego fez com que houvesse uma efervescência cultural na Europa que posteriormente recebeu nome de Renascimento (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p.10/20).

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Foi durante o período renascentista, aqui compreendido entre os séculos XIV e XVII, que ocorreu o surgimento daquilo que se convencionou chamar de "Revolução Científica". Entretanto cabe ressaltar que, de acordo com os critérios historiográficos da História da Ciência, o seu uso é impróprio uma vez que ruptura total com o passado nunca ocorreu (MARTINS, 2001, p. 113/129). Sua utilização neste artigo serve apenas para apontar o tripé na qual a ciência moderna vai se fundamentar, isto é, observação, experimentação e matematização da natureza com o objetivo de atingir a dominação do homem sobre seu meio natural. A "Revolução Científica", teria sido o acontecimento que aumentou a influência da ciência, cultura e política da Europa Ocidental sobre diversas regiões do globo (DEBUS, 1996, p.01). O aparecimento da ciência moderna e consequentemente da "Revolução Científica" foi acompanhado de uma grande discussão paradoxal entre dois grupos que ficaram conhecidos como "antigos e modernos". Para os antigos era fundamental retomar o conhecimento produzido pelos clássicos, já para os modernos, era necessário abandonar as autoridades clássicas e recomeçar, investigando a própria natureza. Nessa época, como também em períodos anteriores, não existia o conceito de ciência tal como conhecemos hoje. O que existia era a filosofia natural ou filosofia da natureza, denominação genérica que tem seu surgimento com os gregos que procuraram estudar e compreender a natureza. Isso incluía todos os fenômenos naturais do mundo físico, sendo assim, o objetivo da filosofia natural era o de estudar as causas físicas dos efeitos naturais.

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O mundo físico abrangia um vasto campo de conhecimento para os padrões contemporâneos, isto é, matemática, astronomia, física, química, biologia etc. Essas áreas estavam inseridas numa mesma lógica do pensamento sem nenhum tipo de fragmentação na forma de pensar a natureza, porém não cabe nesse artigo uma discussão mais arraigada da filosofia da natureza. É dentro desse contexto histórico da Europa dos séculos XV e XVII que tivemos o surgimento de homens como Nicolau Copérnico, Johannes Kepler, Giordano Bruno, Galileu Galilei e Isaac Newton, este último durante muito tempo teria sido o responsável pelo início da "Idade da Razão." Esses pensadores foram e as vezes ainda são tidos como os grandes "gênios da ciência", já que parte de suas ideias foram apropriadas na atual forma de se produzir ciência. O pensamento newtoniano talvez seja o maior exemplo pois, no século XVIII, e a partir de então, Newton passou a ser considerado o primeiro e o maior de todos os cientistas da era moderna. Ele teria ensinado a Europa a pensar segundo os moldes da razão fria e sem retoques (KEYNES, 2002, p. 382). Aliás ainda hoje em muitas aulas de física o pensador Isaac Newton é apresentado como um modelo de cientista que utilizou a matemática e a física para desvendar os segredos da natureza. Isso teria sido possível devido a sua peculiar genialidade. Essa forma como Isaac Newton é apresentado nas salas aulas da disciplina de física possui diversos problemas e distorce a maneira pelo qual ocorre a construção do pensamento humano. Além disso, muitos jovens passam a acreditar que a produção do saber científico é algo apenas para pessoas "iluminadas pelo saber". Com a utilização do ensino da História da Ciência alguns desses problemas seriam eliminados, vejamos: Numa aula sobre Renascimento o professor de história pode dar uma ênfase maior na "Revolução Científica" tendo como tema central Isaac Newton. Existem na língua portuguesa dois excelentes livros que são capazes de auxiliar o professor nessa tarefa são eles: A vida de Isaac Newton de Richard Westfall e Newton - textos,

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antecedentes e comentários. O primeiro é uma biografia e o segundo uma coletânea de artigos onde é possível trabalhar utilizando fontes primárias e textos de especialistas na área. Este livro também foi organizado por Richard Westfall, ao lado I.B Cohen. O professor, ao abordar o tema de Isaac Newton em sala de aula, tem condições de mostrar aos alunos algumas características importantes da conjuntura da Inglaterra seiscentista e quais eram as áreas de interesse de nosso pensador como alquimia, teologia, hermetismo, cronologia bíblica etc. Atualmente essas áreas são descartadas pela ciência, já que são consideradas esotéricas, entretanto elas foram fundamentais para a formação do pensamento newtoniano e receberam o mesmo rigor de estudo das áreas mais conhecidas como a matemática ou a física.

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Outro fator a ser destacado é a necessidade do trabalho em sala com o uso de documentos históricos. A utilização de fontes primárias fornece condições apropriadas para os alunos compreenderem que não existem gênios da ciência, uma vez que o processo de conhecimento é feito de permanências e rupturas. A frase postulada por Newton ajuda nessa orientação: "Se enxerguei além dos outros, é por que estava sobre ombros de gigantes." Por isso, a História da Ciência procura estudar o processo de constituição do conhecimento. Porém, é importante lembrar que esse estudo não deve procurar no passado da ciência aquilo que deu certo no nosso presente, pois estaríamos cometendo um erro capital no nosso ofício, o anacronismo. Portanto, a História da Ciência tem como objeto não só aquilo que hoje é aceito como ciência, mas que de algum modo já foi proposto ou aceito como ciência. O entendimento dessa questão é indispensável para a prática das habilidades e competências, a fim de lidar com a atual complexidade do mundo moderno e com isso promover a construção da cidadania e da prática social que passam a ser fundamentais no mundo do trabalho. Bibliografia ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria. O que é História da ciência? São Paulo: Brasiliense, 1994. BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: UNESP, 2000.

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DEBUS, Allen G. El hombre y la natureza em el renacimiento. Trad. S. Rendón. 2ª. Ed. México: Fundo de Cultura Económica, 1996. FIGUERÔA, Silvia. Ciência e Tecnologia, in PISNKY, Carla. Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009. HILL, Christopher. Origens Intelectuais da Revolução Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1992. KEYNES, JOHN MAYNARD. De "Newton, o homem". In COHEN, I Bernard & WESTFALL, Richard S. Newton - textos, antecedentes e comentários. Trad. Ver Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora UERJ, 2002. MARTINS, Roberto de Andrade. Que tipo de história da ciência esperamos ter nas próximas décadas? Episteme. Filosofia e História das Ciências em Revista (10): 39-56, 2000. ___.A história das ciências e seus usos na educação. Pp. xxi-xxxiv, in: SILVA, Cibelle Celestino (ed.). Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para aplicação no ensino. São Paulo: Livraria da Física, 2006. ___. "Como não escrever sobre História da Física" - Um manifesto historiográfico. Revista Brasileira do Ensino de Física. 23, 2001: p.113/129. MENDES, Alexandre Claro. A História da Ciência como instrumento da prática interdisciplinar nos cursos de graduação In: 1º Congresso de Graduação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Anais. São Paulo: USP, 2015. ZATERKA, Luciana. A filosofia experimental na Inglaterra do século XVII: Francis Bacon e Robert Boyle. São Paulo: Fapesp/Associação editorial humanitas, 2004.

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A VIDA ENCONTRANDO A MORTE: A HISTÓRIA DA CIDADE CONTADA ENTRE AS SEPULTURAS DO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE UNIÃO DA VITÓRIA Aristides Leo Pardo

Introdução O cemitério é um espaço sagrado que faz parte efetiva da vida cotidiana transportando o mundo dos vivos para o plano “Além Túmulo” através de representações individuais ou coletivas que estabelece um elo entre passado, presente e futuro, permitindo o conhecimento da sociedade local em diferentes épocas, por meio das localizações e disposições das sepulturas, monumentos, afrescos, fotografias, lápides, entre outros elementos dispostos nos jazigos dos entes queridos, de acordo com a religiosidade, profissão, grupo social ou preferências específicas do falecido ou de seus familiares.

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Conforme afirmado por Silva (2006), o primeiro local na cidade destinado exclusivamente para enterrar os mortos vem dos tempos em que a cidade ainda era denominada Porto União da Vitória e era adjacente a Igreja Matriz, característica comum em tempos passados, e que durou até o ano de 1880, quando os restos mortais existentes no local foram retirados, no terreno foi construído o prédio em que funcionou a escola Professor Serapião (antes do acordo de limites entre os estados do Paraná e Santa Catarina) depois Balduíno Cardoso e depois de 1933, o Grupo Escoteiro Iguaçu, utilização mantida até os dias atuais. A partir de 1881, o cemitério municipal de Porto União da Vitória foi transferido para o espaço em que se encontra ainda hoje, mas pertencente a Porto União, após a separação das cidades. O primeiro sepultamento no local foi da Sra. Guilhermina de Loyola Amazonas, primeira esposa do Coronel Amazonas, o mesmo que doou o espaço para o “campo santo” da nova cidade paranaense (pós acordo de Limites, em 1916), objeto deste estudo, acerca da utilização deste espaço fúnebre para o ensino da História Local. Ainda em Silva (2006), podemos saber que este novo cemitério, situado na área central da cidade foi usado pela primeira vez para o sepultamento de Silvio da Cunha Carneiro, genro do Coronel Amazonas Marcondes, em 03 de novembro de 1918.

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Figura 1. Entrada Do Cemitério Municipal com o Cristo em primeiro plano e vista para "Rua Principal". Foto: Acervo do Autor

Entre os vivos e os mortos: a representação social Esta saída de campo vai de encontro com o propagado pelo Caderno Pedagógico de Santa Catarina (2008), que prega que os professores podem e devem criar novas temáticas para os conteúdos programáticos de História “De acordo com a realidade da sua comunidade escolar, esta proposta não se encontra estanque, mas sim aberta a novas possibilidades de trabalho” e constata que: Um dos grandes problemas enfrentados pelos professores de História diz respeito ao interesse e motivação do aluno pela disciplina. A superação desse desinteresse é o nosso grande desafio. Para que a História tenha sentido para os alunos, ela precisa seduzir interessar e ter significado para sua vida. (CADERNO PEDAGÓGICO, 2008, p. 45). Antes de adentrar os muros que cercam o cemitério temos que lidar com algumas situações, como explanar ao alunado que o espaço é de oração, silencio e respeito, pois pode haver velórios, enterros ou visitas a entes queridos e por isso o cuidado e respeito aos que recordam ou despedem de seus entes queridos. Outro ponto crucial do uso do espaço como material didático é desmistificar que a visita pode parecer “desrespeitosa” com os falecidos ou mesmo “incomodar” os mesmos, sem contar que muitos não gostam de

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ouvir a palavra cemitério ou mesmo, entrar em tal lugar, provando assim, que os mundos dos vivos e mortos estão em constante encontro. Uma estátua do Cristo Redentor de braços abertos, medindo quase quatro metros de altura “guarda” a entrada ao cemitério que se inicia com a avenida principal, representação do mundo dos vivos e espaço em que estão dispostos os túmulos e mausoléus das primeiras famílias da cidade e as outras mais abastadas que foram chegando a cidade e ocupando espaços de destaque na “área nobre” do cemitério após a reforma do mesmo. A disposição dos túmulos leva para o mundo dos mortos os reflexos da sociedade, com “ruas” largas entre as sepulturas, placas informativas como a proibição do transito de motos e bicicletas, belas esculturas, túmulos sempre limpos e bem cuidados, que em muitos casos se tornaram “obras de arte” (exemplo deste fato é o mausoléu da família Sedano Rodrigues, uma réplica da Catedral da cidade). Nesta área estão em seu descanso eterno, as famílias mais tradicionais e/ou as de maiores poderes aquisitivos.

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Figura 2. Mausoléu da Família Sedano Rodrigues. Réplica da Catedral da cidade. Foto: Acervo do Autor.

Em destaque e no centro da parte antiga do cemitério encontra-se o jazigo perpétuo da família Amazonas Marcondes, em que estão sepultados o próprio Coronal Amazonas, figura proeminente na história da cidade e seus parentes mais próximos, como Dona Júlia, sua segunda esposa e filhos.

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A própria construção mortuária da família Amazonas por si só tem grande importância histórica, não só por abrigar um dos pioneiros no desenvolvimento local, como por estar tombado pelo patrimônio estadual. A construção é a maior do local (e continuará por todo o sempre assim sendo, pois nenhuma pode superar em tamanho de acordo com termos de doação do terreno) e pode ser vista de todo o cemitério e também através das ruas próximas ao local e tem em sua parte interna a pintura de um anjo com sua trombeta, referencia ao juízo final. Segundo uma lenda local, quando esse anjo tocar o instrumento, a cidade terá seu fim.

Figura 3. Mausoléu da Família Amazonas Marcondes em posição de destaque no cemitério. Foto: Acervo do Autor.

No espaço intermediário, disposto nas laterais e logo a área posterior do mausoléu dos Amazonas está disposta sepulturas das famílias abastadas e tradicionais, assim como de pequenos empreendedores, entre outros “moradores” e seus “lares” constantemente recebem visitas e mantém bom estado de conservação, podendo ser considerado Uma área de “classe média”. Já no espaço mais ao fundo, até o muro delimitador do cemitério encontra-se o local que pode ser a olhos vistos, classificados como “periferia” ou “favela”, com túmulos abandonados ou sem conservação periódica, pouco espaço entre eles e quase nenhum ostentando imagens ou símbolos, nem mesmo identificação dos que ali jazem. Além da reprodução social dos espaços urbanos, as sepulturas apresentam simbolismos que os mortos nutriam durante a vida, com conotações religiosas, esportivas, profissionais, entre outras.

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Figura 4. Três ambientes distintos e bem delimitados do Cemitério: Área nobre com túmulos caros e bem espaçados entre eles; Classe Média com um misto de cada ala; e periferia.

A simbologia da vida após a morte

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A utilização simbólica nos jazigos nem sempre é colocada de maneira consciente por aqueles de desejam marcarem os túmulos de familiares ou entes queridos, já que nem sempre o significado iconográfico é de domínio público, como os símbolos maçônicos. Os seguidores desta doutrina procuram em vida omitir sua participação nessa antiga confraria, porém, no túmulo, fazem questão de que seja colocados esquadros, a letra “G”, pirâmides com o “olho que tudo vê”, entre outros elementos da maçonaria. Esses símbolos utilizados no espaço cemiterial, segundo Bellomo (2000, p. 121) é entendido “não como objeto concreto, e sim, com o significado que este pode trazer, isto é, a transmissão de culturas e valores sociais”.

Figura 1. Túmulo com símbolo maçônico. Descrição em vida e exposição além túmulo. Foto: Acervo do Autor.

Correntes, flores, cruzes de diferentes formatos (inclusive a Cruz Ortodoxa, devido a colonização ucraniana da cidade), anjos de diversos tamanhos e poses variadas, entre outros simbolismos, com

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destaque para o túmulo de Juan Sichero, pioneiro no comércio de barricas e erva mate na região, que tem em sua amplo terreno, diversas referencias de suas atividades em vida, destacados em alto relevo em uma placa, alam de uma árvore da erva. Ou ainda, o espaço reservado ao exército, localizado logo a esquerda da entrada do cemitério, com símbolos militares nas gavetas destinadas aos oficiais de alta patente que estiveram em missões internacionais da ONU, ou combatentes da FEB na II Guerra. Entre esses elementos de cunho militar estão a cobra “fumando” ou a homenagem ao soldado desconhecido.

109 Figura 6. Espaço destinado ao enterro de pracinhas e militares participantes de Missões Internacionais, com detalhe a direita da Homenagem ao "Soldado Desconhecido" e a "Cobra Fumando". Foto: Acervo do Autor

Elementos não faltam para o ensino da história local entre os muros do cemitério municipal, despertando nos alunos um encantamento perceptível no olhar de cada uma delas ao descobrirem que no local de repouso dos mortos há uma estreita relação com o mundo dos vivos. Considerações finais Conforme visto nessas linhas, o cemitério pode ser uma excelente ferramenta pedagógica para apresentar aos alunos e professores a história da cidade, desde os dois primeiro espaços destinados aos sepultamentos, surgidos quando a cidade ainda se chamava Porto União da Vitória até o aparecimento do campo santo da nova cidade paranaense surgida após o acordo de limites em 1916, já que a representação do mundo dos vivos é amplamente difundida na hora do derradeiro descanso.

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Figura 2. Portal delimitador da parte antiga da parte nova do Cemitério com destaque para o Mausoléu Amazonas ao fundo. Foto: Acervo do Autor.

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Referências BELLOMO H. R. A Arte Funerária. In: BELLOMO, H.R. (Org.) Cemitérios do Rio Grande do Sul: Arte, Sociedade e Ideologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. P. 15-18. CADERNO PEDAGÓGICO. História. Secretaria de Estado e Educação: Florianópolis, 2008. SILVA, Cleto da. Apontamentos históricos de União da Vitória. Curitiba: Imprensa Oficial, 2006.

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AULAS SHOW DE BOLA: A UTILIZAÇÃO DO FUTEBOL NO ENSINO DA HISTÓRIA Aristides Leo Pardo

Este trabalho discorre acerca do uso do futebol, esporte mais popular do planeta e tema constante de conversas cotidiana em casa, bares, clubes e escolas, entre outros locais, no ensino da história, proporcionando ao alunado uma oportunidade de aprendizado distanciada das práticas tradicionais de ler e decorar textos e responder questões. Caminhando para seu segundo século de existência, o futebol esteve presente de forma ativa em diversos momentos de nossa história, como nos primeiros anos de sua chegada ao país, atrelada a expansão da revolução industrial e servindo de suporte para a classe operária se afirmar na sociedade que se transformava e assim, se não conseguisse uma ascensão social por meio do esporte, ao menos serviu para se envolverem com seus pares, pois os clubes que se formaram Brasil afora se tornaram importantes espaços de sociabilidade que rapidamente apagou do futebol o status de “jogo dos riquinhos” ou “esporte das elites” e fez do Brasil o “País do Futebol”, como explica Guterman (2009) em sua obra “O Futebol Explica o Brasil”. Partindo deste pressuposto, precisamos sem dúvida orientar nossos alunos, das diversas possibilidades ao analisar as fontes, pois os escritos são frutos da construção do autor a partir de sua época e de suas experiências, práticas e suposições, e é a ele a quem cabe, conforme nos diz Veyne (1998, p. 18), “simplificar, organizar e fazer com que um século caiba numa página”. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) discorrem sobre a necessidade de criação de uma consciência histórica nos alunos, seguindo a linha do historiador alemão, Rüsen (2001), que diz que a história só se legitima quando gera sentido para o aluno, e no nosso caso, a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, quando o assunto esporte se tornou corrente em todos os meios de comunicação facilitou a aproximação do tema para sua utilização em sala e aula.

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A grande preocupação na elaboração dos planos de aula com a proposta aqui defendida foi que a partir da história do futebol e suas particularidades e peculiaridades abrir o leque para a utilização do mesmo no ensino da História, já que o tema permite amplo debate sobre os mais variados assuntos, indo ao encontro do que prega o Caderno Pedagógico do Estado de Santa Catarina (2008), que diz que os docentes podem e devem criar novas temáticas para os conteúdos programáticos de História “De acordo com a realidade da sua comunidade escolar, esta proposta não se encontra estanque, mas sim aberta a novas possibilidades de trabalho”. Como o futebol permite a explanação das mais diferentes temáticas foi necessário selecionar o que levar para a sala de aula, visando de que maneira atingir o interesse de maior número possível de alunos, já que nem todos se interessam pelo futebol e que por parte destes a resistência inicial seria inevitável, sobretudo, por parte de boa parcela do público feminino.

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No primeiro momento foi pensado na introdução do esporte no Brasil, que envolve diretamente a expansão da revolução industrial e a chegada de imigrantes ao país, possibilitando trabalhar a formação do proletariado, a luta de classes, as transformações sociais na qual a recente república estava passando, o racismo, muito em voga naquele período pós-escravidão, entre outros assuntos. Com receio de ficar extenso e maçante, optamos em seguir por outro caminho e fragmentar o tema, buscando uma maneira de melhor chegar aos alunos e atrair o interesse dos mesmos para as aulas, como nos norteia o Caderno Pedagógico ao apontar que: Um dos grandes problemas enfrentados pelos professores de História diz respeito ao interesse e motivação do aluno pela disciplina. A superação desse desinteresse é o nosso grande desafio. Para que a História tenha sentido para os alunos, ela precisa seduzir interessar e ter significado para sua vida. (CADERNO PEDAGÓGICO, 2008, p. 45). Com os planos de aula montados, iniciou-se a aplicação da regência seguindo a estrutura de que cada um dos temas selecionados (Racismo, Gênero e História Local) ocupariam espaço de duas aulas cada um e para conquistar a turma logo no primeiro contato foi mostrado um chocolate “Diamante Negro” e o questionamento da relação desta famosa marca de chocolate com o futebol, pois o acertador ganharia a iguaria, o que não aconteceu em ambas as

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turmas, porém, o espanto e a surpresa dos alunos ao descobrirem que o nome do referido chocolate foi um jogador de futebol e a que a propaganda em torno do futebol, tão banal nos dias atuais, já acontecia nas primeiras décadas da introdução do esporte no país. Desta forma, foi notada pela expressão facial dos alunos e pelas indagações, as expectativas para o decorrer das aulas, pois sentiram que aprenderiam sobre história de uma forma não convencional, que como veremos mais adiante, cativaria até mesmo aqueles que não simpatizam pelo velho esporte bretão. A exibição de uma reportagem do programa Esporte Espetacular, da Rede Globo de Televisão sobre uma excursão da Portuguesa Santista em solo africano no final da década de 1950, quando em passagem pela África do Sul foi impedida de atuar com seus atletas negros, fechou este grupo de aulas gerando um proveitoso debate sobre o racismo e mostrando a faceta do regime segregacionista daquele país africano. Aproveitando esta deixa, foram explanados assuntos como a segregação racial, a higienização da raça “pura” e o branqueamento do Brasil pós-escravagista com a chegada incentivada pelo governo, de inúmeros imigrantes europeus e as formas eugenistas implantadas pelos EUA, Alemanha, Suécia, Argentina, entre outros países, assim como casos de racismo nos primórdios do futebol brasileiro, como o caso dos apelidos de Coritiba, o “„Coxa Branca” e o “Pó de Arroz”, Fluminense, ambos originados de atitudes racistas, além do caso da carta resposta do Vasco da Gama, que ao vencer a segunda divisão carioca na década de 1920, foi solicitado que afastassem do elenco seus jogadores negros, para integrar a elite do futebol carioca, o que não foi aceito pelo clube. No segundo grupo de aulas, o futebol feminino no Brasil foi o pano de fundo para as discussões sobre gênero, já que a modalidade não é vista com o mesmo entusiasmo pelo grande público aficionado por futebol e é visto como esporte de exibição, sem despertar as paixões clubísticas. Foi mostrado o machismo que vigora na sociedade brasileira que por muitos anos impediu que as mulheres jogassem futebol, pois assim “desvirtuava” futuras mães e donas de casa, como nos afirma Franzini (2005, p. 321): À mulher caberia entre outras obrigações, contribuir de forma decisiva com o fortalecimento da nação e o depuramento da raça gerando filhos saudáveis, algo que, pensava-se, só seria alcançado se a mulher preservasse sua própria saúde. Se esta condição não excluía a pratica

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de esportes, é certo que nem todo esporte a ela se adequava. Os principais pontos destas aulas foram decorrentes da proibição da prática de alguns esportes, entre eles o futebol pelas mulheres, após debates sobre o assunto, ainda durante o primeiro período de governo de Getúlio Vargas, decisão que foi sustentada durante a Ditadura Militar e que só foi revogada em meados dos anos de 1980 e a existência do campeoníssimo Radar, que apesar de inúmeras vitórias não foi capaz de angariar adeptos que lhe permitisse manter suas atividades, deixando este clube como legado, as primeiras formações da seleção nacional. Por fim, foi trabalhado acerca da história local, pelo viés futebolístico tendo como principal personagem o Ferroviário Esporte Clube, fundado por funcionários da malha férrea em 01 de maio de 1944 e tido como um dos maiores campeões da cidade, além de ter sido um importante espaço de sociabilidade no período áureo do transporte sobre trilhos.

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Após a aplicação das aulas conforme o descrito acima foi verificado por meio de avaliações e participação efetiva do alunado, com exemplos e questionamentos, que a possibilidade de não aceitação do tema por uma grande parcela dos estudantes não passou de receio deste que vos escreve, que teve certeza de ter superado de maneira satisfatória, o desafio de levar a temática, futebol para a sala de aula, já que o mesmo possibilita percorrer vários assuntos de maneira descontraída e atraindo a atenção do alunado, o que demonstrou ter sido bastante proveitoso e satisfatório o método utilizado . REFERÊNCIAS CADERNO PEDAGÓGICO. História. Secretaria de Estado e Educação: Florianópolis, 2008. Departamento de Ensino Básico. Diretrizes Curriculares de História. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação, 2008. FRANZINI, Fábio. Futebol é coisa de Macho? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 50, p. 315-328. São Paulo, 2005. RÜSEN, John. Razão histórica: Teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault Revoluciona a Historia. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998.

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ONDE ESTÃO AS MULHERES NA HISTÓRIA? REFLEXÕES E POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA Ary Albuquerque Cavalcanti Junior

Ao longo do século XX, a História passou por inúmeros debates e acompanhou o surgimento das teorias e dos novos métodos apresentados pela escola francesa do Annales. Liderada por Lucien Févbre e Marc Bloch, esta passou a questionar as “verdades” trazidas pelo positivismo e a enxergar a história como problema, no sentido das subjetividades e no campo amplo que esta possuía desde sua origem (BLOCH, 2001). Dessa forma, apesar de certo domínio da história política e econômica durante a metade do século anteriormente citado, nas últimas décadas foi possível observar o alargamento de obras e pesquisas que iam de encontro a campos como a cultura, gênero entre outros. Contudo, como rechaça Soihet e Pedro (2007, p. 281) “a história é a mais tardia das ciências humanas a abordar a mulher e sua vivência”, algo que para estas estudiosas, se deve ao fato de herdarmos da abordagem positivista a falta de estudos sobre as mulheres, localizando-as fora do âmbito político e de espaços públicos, estes só concernentes a homens. Nessa perspectiva, estudos sobre as mulheres na história passaram a ganhar força, principalmente na década de 70, com as contribuições de Edward Thompson, Natalie Davis e Michelle Perrot. Por conseguinte, no Brasil destacamos Mary Del Priori, Susel da Rosa, Joana Pedro, Rachel Soihet, Carla Pinsky, Ana Colling e Margareth Rago, que a partir de excelentes trabalhos, que hoje são referências, possibilitaram o crescimento considerável dos estudos sobre a temática no país. No seio das discussões sobre a história das mulheres, o enquadramento nos estudos de gênero permitiu ao historiador, ver a história de gênero como categoria útil para análise histórica como tão bem destaca Scott (1991) em seu célebre artigo de mesmo nome. Assim, a partir dos estudos da filósofa Judith Butler, bem como do célebre Michel Foucault é possível perceber o quanto as relações de poder e os discursos foram de extrema definição para a misoginia imposta pela sociedade ao dividir o que era “coisa de homem” e “coisa de mulher”. Como pontua Butler (2003), tanto sexo como

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gênero também podem ter sido construídos culturalmente, seja a partir de interesses políticos, sociais, etc. Logo, a naturalidade de se pensar tais questões na sociedade foram construídas a partir do discurso. Observando tais discussões, com o andamento de minha pesquisa no Programa de Pós-graduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia, que objetiva analisar memória de mulheres baianas e suas diferentes formas de resistência à ditadura civil-militar, comecei a refletir sobre a história das mulheres e/ou das relações de gênero em sala de aula, principalmente nos ensinos fundamental e médio.

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Contando com a experiência em sala de aula e com algumas referências aqui expostas, percebe-se que na maioria dos centros de ensino, o livro didático se apresenta como um grande manual de história, trazendo suas verdades como absolutas e cristalizando heróis. Nesse ponto, quando nos referimos a heróis, esta palavra se adéqua apenas a sujeitos do sexo masculino, no qual o livro didático os representa pelos grandes feitos. Assim, percebemos que em sua grande maioria, quando citadas, as mulheres apresentam poucas menções e voltadas a momentos isolados, ou por uma ação que a destacou entre homens (OLIVEIRA, 2011). Fazendo uma reflexão em nosso país, a figura feminina na história dita “nacional” é quase que inexistente. Se não fosse a militância social e política de muitos grupos, pesquisadoras (es) e estudos nas últimas décadas, muitas mulheres de grandes realizações ficariam no esquecimento histórico, tais como Berta Luthz (Bióloga brasileira e uma das primeiras mulheres a lutar pelos direitos femininos), Terezinha Zerbini, uma das fundadoras do Movimento feminino pela anistia, algo que traz reflexos até hoje na luta pelos direitos humanos. Ainda nessa perspectiva, não podemos deixar de pontuar a quantidade de mulheres em estados e municípios que possuem grande representação local e que não conhecemos. Logo, uma das considerações e possibilidades para os docentes que busquem realizar um trabalho mais aprofundado, a pesquisa sobre tais poderia ser uma atividade de grande importância cultural e histórica a ser aplicada. No campo cultural, se for pedida uma atividade com o intuito de pesquisar logradouros de ruas, nomes de grandes avenidas e até mesmo estádios de futebol, possivelmente os próprios discentes terão a sensação do quanto ausente é o nome das mulheres. Em

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contra partida, serão possíveis encontrar bustos e medalhas de honradez a militares de guerra, ex-presidentes dentre outros homens devido a seus grandes feitos. Logo, é possível perceber que as representações de grandes feitos sempre estão atreladas a feitos masculinos, influenciando a uma cultura histórica e educacional que afirma a falta das mulheres em acontecimentos ditos de grandes significados. Dessa forma, é importante refletirmos, enquanto docentes ou pesquisadores, como a história das mulheres pode ser apresentada em sala de aula, haja vista os espaços vazios e as representações culturais falhas que deixam estas de fora dos ditos grandes acontecimentos? Acostumadas a serem cerceadas e representadas enquanto sexo frágil e donas do espaço privado, a casa, rainha do lar, existe uma importante reflexão a ser levada para a sala de aula, que foge a sua formação sócio-política, mas da própria consciência histórica dos discentes. Haja vista que com o crescente número de mídias digitais e suas mais variadas redes sociais, as mulheres ainda são representadas como o “outro” sexo, que apesar dos avanços, ainda carregam em suas costas as representações e os princípios morais de uma Era longínqua, mas sólida em nosso cotidiano (BUTLER, 2003; COLLING, 2014). Ainda no que concerne a contemporaneidade, um grande exemplo, que para muitos passa despercebido, são às ofensas de gênero sofridas pela atual presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Em algumas redes sociais, é possível observar que as principais palavras e frases voltadas à presidenta não se remetem a sua forma de governo, mas à sua própria imagem de mulher. Assim, em sala de aula percebemos o poder da mídia e a reprodução por parte de muitos estudantes de uma distinção de gênero agressiva, onde nos principais adjetivos e comentários é representada como “cachorra”, “galinha”, “Isso que dá colocar mulher para governar”, “Mulher só comanda fogão”, “Se não dirige um carro, vai conseguir um país?” dentre outras que apesar de revoltantes, trazem a tona o centro de nossa discussão. Onde estão as mulheres na História? Na tentativa de apresentar algumas possibilidades, atualmente a tecnologia permite dentro de segundos se ligar ao mundo e a uma variedade de estudos, filmes e músicas que permitem encontrar grandes auxiliares na luta por uma consciência histórica mais uniforme. Recentemente, por exemplo, foi lançado o filme “As Sufragistas” (2015) que traz uma excelente abordagem dos trabalhos realizados por mulheres inglesas e a luta por conquistas políticas e

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sociais, algo que pode ser usado pelo professor de diferentes formas. Uma delas seria a tentativa de questionar os padrões femininos impostos pela sociedade, além de fazer uma relação entre o estado atual das conquistas femininas com a daquelas mulheres representadas na obra cinematográfica. Outra ferramenta a ser utilizada em sala de aula é a música, algo tão bem discutido por Napolitano (2002), pode-se usar a famosa música “Ai que saudade da Amélia”, aquela mesma que não tinha a menor vaidade e por isso era considerada “mulher de verdade” que foi composta por Ataulfo Alves / Mário Lago na década de 40. Com ela, será possível fazer uma análise da visão dos autores em relação à época a representação da mulher, algo que pode ser analisado com outras músicas até mesmo contemporâneas.

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Logo, é importante que enquanto professores/ pesquisadores abordem as questões de gênero em sala de aula, no intuito de conscientizar os estudantes, dos mais variados níveis de ensino a importância de se pensar a história fora dos padrões escritos, principalmente os livros didáticos. Além disso, buscar apresentar as mulheres que também tiveram papel importante na história de seu bairro, cidade e estado, afinal a consciência histórica não possui manual, onde o espaço da mulher precisa ser melhor apresentado. Referências BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo subversão da identidade. Trad: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 11ª ed. São Paulo: Contexto, 2008 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Prefácio, Jacques Le Goff; Apresentação à edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução, André Telles – Rio de Janeiro: Zahar, 2001 COLLING, Ana Maria. Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2014 GONÇALVES, Andréa. História e gênero. História e Reflexões. Ed. Autentica, Belo Horizonte, 2015 MATOS, Maria Izilda S.de. Por uma história da mulher. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2000 NAPOLITANO, Marcos. Música e história. História e Reflexões. Ed. Autentica, Belo horizonte, 2002

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PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad: Viviane Ribeiro. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2005 SILVA, Juliana. Ensino de história e questões de gênero nos livros didáticos. Anais eletrônicos do VI encontro estadual de história, ANPUH/BA, 2013 SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300 – 2007 SCOTT, Joan. Gênero; uma categoria útil para análise histórica. Trad. Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Do original Gender: An useful category of hystorical analyses. Recife: S.O.S. Corpo, 1991. OLIVEIRA, Wilson. A imagem da mulher nos livros didáticos e relações de gênero. Revista Fórum identidades. Itabaiana: GepiaddE, Ano 5, Volume 9 , jan-jun de 2011.

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O QUE TEM A VER A HISTÓRIA ENSINADA NA UNIVERSIDADE COMO CIÊNCIA COM A HISTÓRIA ENSINADA NA ESCOLA COMO MATÉRIA? A CRIAÇÃO DO CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA DA UFPR EM 1971 E A ANÁLISE DA RELAÇÃO HISTÓRIA ACADÊMICA E NÃO-ACADÊMICA Bruno Flávio Lontra Fagundes

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A história de cursos de História é campo recente de pesquisa, não por coincidência incrementado num momento em que muito do conhecimento histórico produzido pela ciência histórica sofre concorrência de produções que configuram uma "cultura da memória", da qual deriva "desde a década de 1970", segundo Huyssen (2004), a restauração historicizante de velhos centros urbanos, cidades-museus, empreendimentos patrimoniais e heranças nacionais, a onda da nova arquitetura de museus, o boom das modas retrô, a comercialização em massa da nostalgia, a obsessiva musealização através da câmera e do vídeo, a literatura memorialística e confessional, o crescimento de romances autobiográficos e históricos pós-modernos, a difusão das práticas memorialísticas nas artes visuais (tendo a fotografia como suporte) e o aumento do número de documentários na televisão". Nos EUA, o History Chanel é um canal só de História. São produções, praticamente, sem a assinatura de profissionais de formação em História. Produções acreditadas como "história", por mais que o especialista contradite dizendo que "não é história, é memória". Esse "neo-historicismo" (SARLO, 2007) não é exclusividade da Europa e Estados Unidos e sua análise favorece examinar o que disso alcança o Brasil. Duas, basicamente, podem ser as atitudes ante essa realidade que faz crer que podemos tudo guardar e nada esquecer. Uma, é, superiormente, desprezar toda essas "modalidades comerciais" de uma "indústria de memória", olhando-a a partir do lugar de autoridade que a academia nos atribui, seguindo sem se perguntar sobre prováveis efeitos desse quadro sobre a História ciência, ciosos do princípio de que a ciência só deve prestar contas a si mesma e entendendo que a legitimidade a qual justifica investimento público e políticas setoriais podem prescindir, sem consequências, do reconhecimento e do gosto de públicos que

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procurariam a História acadêmica caso suas práticas tivessem no horizonte de públicos outros públicos que não apenas especialistas e pares. A segunda atitude é aceitar que essa realidade coloca questões relevantes para a História ciência pensar a si mesma, e que esse auto-exame requer investigar o processo de institucionalização de cursos de História brasileiros e as razões que definiram qual tipo de profissional formar, com que habilidades, em que lugares de atuação e as funções do profissional da área. Algo que ensejasse, talvez, o valor de apresentar a História segundo linguagens universais sem hermetismos, em formatos editoriais e meios que se dispusessem a públicos não só de experts. Essa atitude facilitaria contar, a nosso ver, com a promoção do especialista em História como alguém cuja condição profissional justificasse o reconhecimento social do investimento público e da elaboração de políticas setoriais legitimadas, e mesmo moduladas, por pessoas que não estivessem envolvidas com interesses de verbas e recursos dentro do sistema de ciência. Há estimativas de que quase oitenta por cento dos colegiais aprecia história, mas em sites, fruídas no filme e na televisão, nas revistas e livros de desenho e em meios de entretenimento que acabam sendo formadores de ideias. O livro didático e sua indústria estão implicados nessa conjuntura. Seu público escolar pressiona para que se modifiquem a fim de acompanhar essa "indústria da História", confeccionados com imagens, desenhos, referências a links de sites que remetem a sons, a filmes, documentários, séries de tevê, onde a história é apresentada, e aceita, como produções que são tidas como história, mesmo sem o aval do especialista. Marc Bloch (2001) queria que a História também fosse diversão e Albuquerque Junior (2012) lamenta que a apresentação do conhecimento histórico pelo historiador profissional tenha perdido o componente estético de beleza e prazer que tanto encantava nos textos de historiadores da Antiguidade. É razoavelmente comum que muitos historiadores em formação relacionem História disciplina acadêmica e História matéria escolar segundo critério reprodutivista. Enquanto uma produz, a outra meramente reproduz. Ainda é comum -- com ressalva para autores do campo do Ensino -- lamentar-se, nostalgicamente, do fato de que

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progressos da ciência histórica na universidade demoram muito a chegar à escola, sempre em atraso. São de autores da área do Ensino a defesa do princípio do contraditório, advogando que são histórias diversas as que produzem universidade e escola. Se especialistas na universidade produzem conhecimento histórico pela adesão a temas e abordagens em escala de valor conforme interesses institucionais e de acordo com meios que reconhecem metodologicamente indispensáveis para uma "boa" história, assim não se passa na escola. Ali também se produz história, com a diferença de que seus "produtores" o fazem pela adesão a objetos segundo escala de valor e atribuição de fins à história que seguem interesses e curiosidades que não são as da academia universitária. O conceito de "cultura histórica escolar" embasa essa assertiva e põe cunha no argumento dos que ainda hoje defendem a matéria escolar História na escola reprodutora do conhecimento acadêmico. Conexo à ideia de "cultura histórica escolar", há outra de "cultura histórica especialista", cujos fins não se coincidem.

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Mas o que liga a reflexão até aqui com o curso de Mestrado em História da UFPR criado em 1971? Dissemos, acima, "ciência histórica que se pratica no Brasil", e importa considerar o fato de que ciência é prática que contém diferentes concepções e se estrutura numa organização que define contornos de procedimentos decisórios e gestão administrativa que impactam a formulação das finalidades, objetivos e funções de seus cursos. O conhecimento que se produz nesse lugar não é alheio a sua organização institucional. A história da implantação do sistema de ensino superior brasileiro em áreas não-práticas de conhecimento tem dupla filiação: alemã, no plano epistêmico, e americana, no plano organizacional. O sociólogo da ciência Joseph Ben-David assegura que a invenção da "universidade de pesquisa" é criação alemã do século XIX, sendo marco a Universidade de Berlim criada em 1808. O apoio estatal às novas universidades alemãs "decorria da aceitação de uma filosofia especulativa que exaltava uma ideia acientífica de uma cultura filosófica, literária e histórica, que, segundo se acreditava, era superior a tudo mais." (BEN-DAVID, p.162) No plano organizacional, o modelo americano de racionalização regulado pela produtividade acadêmica que pôs fim ao sistema de cátedras foi adotado no Brasil ao longo dos anos 1960, por medidas

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legais que redundaram na Reforma Universitária de 1968. Os acadêmicos norte-americanos "precisavam limitar-se a uma poderosa tradição anglo-americana de instrução prática integral. (...) Os estudantes desejavam ser inteiramente instruídos na prática: não desejavam começar a aprender esse aspecto de suas profissões depois de sair da universidade" (BEN-DAVID, p.202). Este o espírito da reforma universitária ao racionalizar o sistema de ensino superior no país, enfrentando a herança catedrática e oligárquica de nossas universidades. Muitos de nós sequer cogitamos de que História acadêmica e História escolar não tenham sido sempre separadas, de que esse descompasso durante muito tempo não existiu, acostumados com a ideia de um sistema de organização de ensino superior e com cursos de História como se fossem algo sem história. Aqui referimo-nos ao processo de institucionalização do curso de História da UFPR, com destaque para seu curso de Mestrado. O curso de História, então, reunia condições de pleitear junto ao Ministério a criação de sua pós-graduação no mesmo momento em que um sistema de pós-graduação estava sendo organizado no país como item estratégico da política desenvolvimentista dos governos militares. Na esteira do processo de prestigiar a ciência como investimento de retorno produtivo inequívoco, recursos financeiros foram liberados para universidades, e mesmo cursos que não tinham como finalidade a produção de resultados práticos foram beneficiados por grande financiamento. O estudo da História dos cursos de História favorece o conhecimento de como, no processo de institucionalização da História como saber de especialistas no Brasil, foram sendo separadas universidade e escola. O curso de História e seu mestrado da UFPR ilustra bem essa passagem que marca a história dos cursos de História brasileiros. A história do curso de Mestrado na UFPR e a relação de seus criadores com a história escolar registram o equacionamento da relação História acadêmica e História escolar postulada como coisas separadas. A criação da pós-graduação no Brasil separou não só escola e universidade, mas ensino e pesquisa e pesquisador e professor no horizonte dos formuladores de políticas públicas voltadas para a educação. Acontecimentos e personagens ligados à implantação do curso de Mestrado em História da UFPR, assim como acontecimentos derivados de sua consolidação, exemplificam

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como se configuraram as condições que caracterizaram a separação História universitária e História escolar. Baseado numa ideia superior de ciência, ancorado em resultados que o levaram a um grau de excelência nos anos 1970, o Mestrado em História da UFPR expressava aquele processo histórico de separação, firmado por uma política setorial para o ensino superior que superprestigiava a pesquisa - visando o projeto desenvolvimentista científico-tecnológico dos governos militares - e subprestigiava o ensino. Nesse processo, a ciência histórica produzida na UFPR ajudou a reiterar concepção hierárquica entre universidade - produtora - e escola - reprodutora - de conhecimento. Em 1975, a ANPUH passava a participar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o que inscrevia a História num sistema de ciência inequivocamente.

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Nos anos 1980, há acontecimento que revela o enraizamento do curso de Mestrado em História da UFPR numa referência de História Ciência em busca de legitimidade - e verbas - num sistema que hipervalorizava a produção de conhecimento novo pela pesquisa. Quando, em meados dos anos 1970, começaram pressões dentro da ANPUH para que professores secundários participassem da associação, houve reação. Professores achavam que a "História estava se abrindo demais", conforme testemunha ex-professora do Mestrado da UFPR, e compreendiam que a História Científica iria ser prejudicada pela intromissão de amadores e diletantes. Como contragolpe, especialistas da pesquisa criaram, em 1981, a Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), situação em que professores da UFPR se destacaram. Como convinha a uma prática de ciência que se concebia autossuficiente, e a escola a reboque do conhecimento acadêmico, a UFPR expunha a originalidade de uma separação ensejada pela instalação da pós-graduação e que supunha a ciência naturalmente superior a qualquer outra forma de se conhecer, sendo o conhecimento acadêmico de História sempre superior ao que a escola, e quem quer que seja, quisesse produzir. Beatriz Sarlo (2007, p.15) analisa as histórias que tanto agradam ao público de colegiais. "É verdade que as modalidades comerciais (porque essa é sua circulação nas sociedades midiatizadas) despertam a desconfiança, a crítica e a inveja rancorosa daqueles profissionais que baseiam sua prática apenas na rotina do método. Como a dimensão simbólica das sociedades em que vivemos está organizada pelo mercado, os critérios são o êxito e o alinhamento ao

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senso comum dos consumidores. Nessa concorrência, a história acadêmica perde por motivos de método, mas também por suas próprias restrições formais e institucionais, que a tornam mais preocupada com as regras internas do que com a busca de legitimações externas (...) as histórias de grande circulação, em contrapartida, reconhecem na repercussão pública de mercado sua legitimidade". Atualmente, a relação que "outras histórias" para "outros públicos" estabelecem com a sociedade vêm provocar na ciência histórica - ou deveria provocar - grande reflexão sobre si própria, que pudesse, em meio a interesses particularistas de seus praticantes, militar por um processo de produzir conhecimento que não supusesse com relação à sociedade tanto isolamento e distância. Referências ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Fazer defeitos na memória: para que servem o ensino e a escrita da História? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida et al (Orgs.). Qual o valor da História hoje? RJ: FGV Edit. 2012 BEN-DAVID, Joseph. O papel do cientista na sociedade. SP: Pioneira, USP, 1974. BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do historiador. RJ: Jorge Zahar Edit. 2001. HUYSSEN, Andreas. Passados presentes: mídia, política, amnésia. In: ______ . Seduzidos pela memória. RJ: Aeroplano Edit. MAM, RJ. 2000. p.9-39. SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da Memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte, MG, São Paulo: Ed. da UMFG, Cia das Letras, 2007.

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O ORIENTALISMO DE GILBERTO FREYRE E O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: RELACIONANDO RELATOS DE DOCÊNCIA E PESQUISA SOBRE A CHINA Carlos Alberto Bento Corrêa

No momento, venho estudando um texto clássico chinês chamado Zhuangzi (Chuang-Tsé), cuja pronúncia pode ser 'tchuân tsú', ou quase isso. Caso o leitor não tenha ouvido falar deste nome, ele é o sábio da música "O Conto do Sábio Chinês", do músico Raul Seixas. Na música, Raul conta que o sábio sonhou que era uma borboleta, e quando acordou não sabia mais se era um sábio mesmo ou se era uma borboleta. Esse conto, por sua vez, pode ser encontrado em qualquer uma das traduções do livro de Zhuangzi. O conto inteiro, aliás, pois Raul só contou uma parte. É o que faço também, não vou contar o resto, conservando assim a curiosidade do leitor. De resto, vou propor a questão de como apresentá-lo ao público brasileiro. Em especial, nas aulas de história da China, quando são possíveis.

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Zhuangzi é de 2.300 anos atrás, e escreveu na China que está do outro lado de um planeta tido como redondo, sendo assim de difícil abordagem em moldes historiográficos que dão prioridade a dicotomias ou categorias muito fechadas. Ora, é claro que dicotomias e categorias fechadas tem valor analítico, porém, para se ensinar a história da China no Brasil, penso que seria preciso retrabalhar alguns aspectos da noção que temos da própria história do Brasil. E posso citar algumas memórias com as quais possamos dialogar para tentar exemplificar essa necessidade de retrabalho. Na primeira dessas memórias, a professora Helayne Cândido (2015, p. 105) destacou que para as aulas que ministrou Foi elaborado um plano de aulas em que traríamos temas diversos sobre China e Cultura Chinesa para os alunos, tentando distanciar-nos de uma cronologia histórica já estabelecida que define, a priori, o que se deve olhar sobre essa civilização. Como uma das sociedades mais antigas do planeta, cuja continuidade histórica não encontra paralelo no Ocidente, analisar a China exige outras abordagens. O primeiro ponto a ser retrabalhado é o que Helayne apontou: "distanciar-nos de uma cronologia histórica já estabelecida que

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define, a priori, o que se deve olhar sobre essa civilização". Ora, como professor de História no ensino fundamental tive uma impressão parecida, pois não somente a China é perifericamente abordada no ensino, mas também os demais "povos orientais", "povos indígenas", "povos africanos", têm sido abordados de modo minimizado. O motivo dessa abordagem minimizada é comentado por Helayne (p. 109): Nossa educação é formulada de maneira ocidental, com fortes bases europeias e modismos, que mudam de tempos em tempos. É natural não encontramos evidências no ensino sobre a história asiática, mais especificamente sobre a China, ou resumi-la ao seu aspecto econômico apenas, em páginas rápidas dos livros didáticos. Mas também não podemos ser cruéis e dizer que os livros estão fracos. Sim, eles apresentam sucintamente outros aspectos da história mundial, que se o professor não explorar, passarão desapercebidos e inexplorados. Os "aspectos da história mundial" têm sido separados em categorias como "povos indígenas", "povos africanos" e "povos orientais" que acabam, por assim dizer, sendo abertas demais, homogêneas demais, etnocêntricas demais, e que por isso dariam apoio à continuação de velhos estereótipos. E se "o professor não explorar", e não detalhar essas categorias, suas singularidades "passarão desapercebid[a]s". De qualquer forma, se ainda precisamos dessas categorias para nos comunicarmos, penso que seja preciso ao menos retrabalhá-las. Em outras palavras, apresentar a China para os alunos do século 21 tendo base numa perspectiva de se contar as histórias do Brasil que destaquem sua relação com "o Oriente". Uma alternativa que me parece instigante, é a de retomarmos análises de intelectuais brasileiros, e não tanto estrangeiros, que tentaram chamar a atenção para a relação que o Brasil tem com os "povos orientais", não de agora, mas já no período da colonização europeia. Porque mesmo que utilizemos perspectivas importantes, como a de Edward Said, em seu livro "Orientalismo" (1990), para trazermos à tona os "traços orientais" do Brasil, ainda seria uma abordagem estrangeira. Por isso, penso que para termos dados mais contundentes em mãos, na hora de dialogar com a historiografia eurocêntrica, poderia ser pertinente se realizássemos, também, debates entre brasileiros. No sentido de tentar mostrar que existem, na história do Brasil, intelectuais brasileiros que se dedicaram a

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estudar a "presença do Oriente" no Brasil. Sim, tentar valorizar os estudos brasileiros dentro do que hoje se denomina Sinologia (estudos sobre a China), e um desses intelectuais pode ter sido Gilberto Freyre. Para apresentar melhor esta ideia, conto uma experiência que vivi no curso de Licenciatura em História. Quando estava no curso, fiz uma disciplina sobre historiografia e ensino de história do Brasil, e lá pude ter um contato inicial com a obra de Freyre. Sobretudo, CasaGrande & Senzala, mas, se não me falha a memória, nada ou bem pouco foi dito sobre as análises que trabalharam as relações Ocidente e Oriente no contexto da história do Brasil. Embora, professores e alunos admitissem várias vezes, durante o curso, a falta que estava fazendo um semestre de "história oriental", e, no fim das contas, fui saber das análises de Freyre bem depois. De todo modo, agora que tenho contato, compartilho questionamentos a respeito, pois a abordagem de Freyre me parece especial por abranger não somente a América Latina, a Europa e a África, mas também a Ásia. Fato que poderia incentivar novas abordagens a partir de sua obra. Discuto melhor esta proposta.

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Em 2003, foi publicado o livro "China Tropical" que reúne trabalhos onde Freyre se dedicou a mapear os "valores orientais" presentes na cultura brasileira. A respeito desses estudos, o organizador Edson Fonseca (p. 9-10) comentou que Freyre não chegou ao extremo de orientalizar-se. Mas como possuía em alto grau o dom da empatia e uma cosmovisão generosa e abrangente, soube conciliar valores ocidentais e orientais. Com tais valores - aos quais se juntaram os indígenas e os africanos - formou-se esta nação culturalmente mestiça que é o Brasil (...). Espero que a antologia o coloque na linha (...) de um Edward Said e de um Simon Schama, por exemplo (...). Tal comentário enfatiza o fato de que Freyre não teria dado maior ou menor importância para esta ou aquela cultura, apenas as analisou. Perspectiva que poderia ser relevante para o ensino, já que Helayne Cândido (2015, p. 105-106) conta que é problemático "utilizar a expressão ou a ideia de que uma cultura [seja] melhor ou pior que outra" (p. 105-106), pois tal uso gera preconceitos e atrocidades. Neste sentido, é preciso passar a palavra ao próprio Freyre, e ver com detalhes como ele abordava as culturas. Em Casa-Grande &

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Senzala, de 1933, dizia que, a partir do fim do século 16, o Brasil fora colonizado na época em que os portugueses, senhores de numerosas terras na Ásia e na África, se haviam apoderado de uma rica variedade de valores orientais. Alguns inadaptáveis à Europa. Mas todos produtos de finas, opulentas e velhas civilizações asiáticas e africanas. Desses produtos, o Brasil foi talvez a parte do império lusitano que, graças às suas condições sociais e de clima, mais largamente se aproveitou: o chapéu-de-sol, o palanquim, o leque, a bengala, a colcha de seda, a telha à moda sino-japonesa, o telhado das casas caído para os lados e recurvado nas pontas em corno de lua, a porcelana da China e a louça da Índia. Plantas, especiarias, animais, quitutes. O coqueiro, a jaqueira, a mangueira, a canela, a fruta-pão, o cuscuz. Móveis da Índia e da China (2003, p. 11-12). É válido destacar que Freyre fora criticado por suas análises. No entanto, respondeu às críticas que, segundo ele, consideravam suas análises meramente "materialista[s]", esclarecendo em seu texto "O Oriente e o Ocidente" (p. 23-24), de 1951, que há quem tenha por exagerada a importância por nós atribuída ao Oriente na formação da cultura que aqui se desenvolveu com a sociedade patriarcal e foi, em várias de suas formas, condicionada pelo tipo absorvente de organização de economia e de política, de recreação e de arte, de religião e de assistência social, de educação e de transporte - e não apenas de família, no sentido apenas biológico da palavra - que é o patriarcal. A verdade é que o Oriente chegou a dar considerável substância (...) e cor à cultura: o Oriente concorreu para avivar as formas senhoris e servis dessa convivência entre nós: os modos hierárquicos de viver o homem em família e em sociedade. Modos de viver, de trajar e de transformar-se que não podem ter deixado de afetar os modos de pensar. Frente a argumentação de Freyre, destaco a ampla abordagem que faz em seguida com relação aos "modos de pensar" e exaustivas notas de rodapé. Assim, a partir de Freyre, proponho a questão: seria possível que tais "valores orientais" pudessem ser também fatores a serem considerados nos interesses de leituras que intelectuais brasileiros fizeram da "literatura oriental"? Exemplifico

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tais interesses. Interesses como o da educadora Cecília Meireles (1996), ao tentar traduzir obras dos poetas chineses Li Po e Tu Fu, bem como a tradução do livro "A Importância de Viver", do chinêsamericano Lin Yutang, feita por Mario Quintana. Ou até mesmo interesses de músicos brasileiros como Raul Seixas (1980), ao compor a música "O Conto do Sábio Chinês". Ou ainda, a poesia japonesa do haiku (hai-kai), a qual Millôr Fernandes (1996) se interessou e compôs vários haiku a seu modo. Interesses que, por sua vez, podem ter algo em comum: Zhuangzi. Vejamos mais nitidamente os indícios que apontam para esse "algo em comum". Segundo Hamill e Seaton (2000), "ele foi estudado por todos os grandes poetas e filósofos da China, do Japão, da Coréia e do Sudeste Asiático dos últimos dois mil anos. Li Po o cita; Tu Fu nele busca consolo; Basho não saía de casa sem ele". Diante destas informações, nota-se que Li Po e Tu Fu, que foram traduzidos por Cecília, utilizavam os recursos literários de Zhuangzi, bem como os poetas japoneses do haiku, como Basho, fato estudado por Peipei Qiu (2005). Além de Quintana ter traduzido uma obra importante no desenvolvimento do pensamento de Lin Yutang, que se baseou, principalmente, em Zhuangzi, como argumenta Liu Jianmei (2016, p. 106-125). E o que se quer dizer com estas informações? Apenas trazer mais elementos para retrabalhar a pergunta que propus: poderíamos ir além dos indícios materiais chineses ligados à chamada "cultura popular", como o pastel, lembrado por Helayne Cândido (2015, p. 107) e, assim, abrangermos também a chamada "cultura intelectual [ou letrada]", onde os indícios materiais que nos ligariam à cultura chinesa poderiam ser os livros produzidos por brasileiros? Esta é a pergunta que gostaria de compartilhar. Afinal, estudo uma possível proposta educacional do chinês Zhuangzi, e a estudo estando no Brasil. Logo, por que não utilizarmos, também, estudos acadêmicos brasileiros quando introduzimos uma análise de um clássico chinês no ensino de História? Referências CÂNDIDO, H. "Ensinar História da China no Sul do Paraná: a experiência de um novo mundo que se descobre". In: BUENO, A; ESTACHESKI, D; CREMA, E (org.). Pensando Amanhãs: falando sobre o Ensino de História. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Sobre Ontens, 2015. Disponível em: . Acesso em janeiro de 2016.

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FERNANDES, M. Hai-Kais. Porto Alegre: L&PM, 1997. FONSECA, E. da F. Gilberto Freyre: China Tropical. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003. HAMILL, S; SEATON, J. P. Chuang Tzu: Ensinamentos Essenciais. Trad. Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo: Cultrix, 2000. JIANMEI, L. "Lin Yutang: Zhuangzi Travels to the West". In: Zhuangzi and Modern Chinese Literature. New York: Oxford University Press, 2016. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=HPGACgAAQBAJ&pg=PA 106&lpg=PA106&dq=Zhuangzi+lin+yutang&source=bl&ots=27GW YDB7KL&sig=8qtAjmt7pjoduMYMN-wg1Qth4eA&hl=ptBR&sa=X&ved=0ahUKEwizlvS2qtHJAhXHD5AKHTNkBA0Q6AEI LjAC#v=onepage&q&f=false>. Acesso em fevereiro de 2016. LI PO; TU FU. Poemas chineses. Trad. Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. QIU, P. Basho and the Dao: The Zhuangzi and the Transformation of Haikai. Honolulu: University of Hawai'i Press, 2005. Disponível em: . Acesso em fevereiro de 2016. SAID, E. Orientalismo. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das letras, 1990. SEIXAS, R. "O Conto do Sábio Chinês", Abre-te Sésamo. CBS/Sony Music, 1980. YUTANG, L. A Importância de Viver. Trad. Mario Quintana. São Paulo: Globo. Ed. 11, 1997.

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A LITERATURA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO: UM ESTUDO DE CASO Carlos Jordan Lapa Alves

Introdução

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Na sociedade contemporânea os docentes das mais diversas áreas do conhecimento deparam-se com o percalço cotidiano de criar e manter o interesse dos alunos no conteúdo proposto e no processo de ensino-aprendizagem. Por anos o ensino de História no Brasil evidenciou a mecanização da aprendizagem, pois o aprender estava intrinsecamente relacionado ao ato de decorar datas, nomes e os grandes feitos. Contudo, as novas correntes pedagógicas em união com as vertentes históricas que surgiram durante o século XIX e XX logo questionaram a visão da História Positivista e seus métodos de aprendizagem, por consequência acarretando mudanças dentro das salas de aula possibilitando nas últimas décadas um estudo histórico mais amplo e didático (SCHMIDT, 2004). As fontes históricas utilizadas por historiadores para produção do conhecimento histórico podem ser usadas em sala de aula, criando um ambiente de socialização de conhecimento, no qual os educandos participam de maneira ativa, pois para Schmidt (2004, p.54) precisa-se "entender que o conhecimento histórico não é adquirido como um dom", mas consegue-se através de pesquisas e descobertas. Torna-se, portanto, necessário transformar a sala de aula em um mundo onde os alunos precisam descobrir sua historia, ou seja, faz-se necessário outro modelo educacional que privilegia o ensino nas suas múltiplas variações, pois "o que é desejado é que o professor deixe de ser um expositor satisfeito em transmitir soluções prontas; o seu papel deveria ser aquele de um mentor, estimulando a iniciativa e a pesquisa" (PIAGET, 1973. p16). Entretanto, para uma melhor compreensão sente-se a necessidade de evidenciar que o conceito de fonte histórica, o qual na concepção positivista do século XIX privilegiava o documento escrito e oficial foi alargado a partir da contribuição revolucionaria da Escola dos Annales e passou a abarcar, também, a cultura material, as imagens, a Literatura (SILVA; SILVA, 2009).

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Chartier foi um dos expoentes da revolução historiográfica, pois em seus estudos, o historiador francês distanciava-se de uma visão oficial e marxista e esboçava um novo campo historiográfico em que as relações culturais, literárias e as diversas significações tinham um denominador comum que era a História Cultural. Atente-se que para Chartier (1990, p. 24) "a literatura representa a complexidade que o homem vive em seu meio social". Segundo Navarrete (2011, p.33), "Chartier define a literatura como uma relação intrínseca entre a crítica literária e a História". Visto que, o escritor está inserido no contexto e o historiador pode se apropriar de seus relatos em forma de prosa, poesia ou conto para construir o conhecimento histórico visando uma análise cientifica e imparcial da literatura. Pensando que as narrativas, sejam históricas ou literárias, ou outras, constroem uma representação acerca da realidade, procura-se compreender a produção e a recepção dos textos, entendendo que a escrita, a linguagem e a leitura são indivisíveis e estão contidas no texto, que é uma instância intermediária entre o produtor e o receptor, articuladora da comunicação e da veiculação das representações. (BORGES, 2010, p 95). Essa concepção de fonte histórica possibilita flexionar o seu uso como recurso didático em sala de aula, pois permite o diálogo do aluno com o passado ao desenvolver o sentido da análise histórica (CORREIA, 2013). Afirmando isso, objetiva-se relatar uma experiência com a utilização do poema como fonte histórica contextualizado com o conteúdo de História no ensinoaprendizagem deste campo do conhecimento. Metodologia Para alcançar o objetivo proposto a proposta desenvolvida segue em uma primeira etapa o conceito do estudo exploratório através de uma pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2008) "é um estudo desenvolvido a partir de material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos". Diante das considerações teóricas, buscou-se relacioná-las com a prática do uso do poema enquanto fonte histórica no processo de ensino- aprendizagem da disciplina de História e Língua Portuguesa. A atividade desenvolveu-se em grupos de alunos compostos de três integrantes, pertencentes a uma turma do 8º ano, do Ensino

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Fundamental II, da Escola Municipal Manoel dos Santos Pedroza em Piúma - ES, a partir da inciativa dos professores de História e de Língua Portuguesa. Os referidos alunos foram convidados a analisar o poema Navio Negreiro: uma tragédia no mar (1983), escrito por Castro Alves, contextualizando-o com o conteúdo de Brasil Colonial, estudado em aulas anteriores, para posteriormente, através de suas percepções sobre o poema contextualizado com o assunto, construírem Histórias em Quadrinhos (HQs) e uma encenação baseada no teatro das sombras. Resultados e Discussões

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Atualmente, a sociedade vivencia e valoriza o presenteísmo, porquanto se acredita viver um presente continuo desvinculado de qualquer passado. Portanto, é necessário do professor uma postura de reconciliação entre a história e os novos sujeitos mostrando-os que são atores e principalmente construtores diários do conhecimento histórico. Para que isso ocorra torna-se necessário do docente transformar sua sala de aula em um grande laboratório trocando por vezes livros por documentos-fontes que são acessíveis em diversos sites de domínio público como da Biblioteca Nacional e outros arquivos de competência estadual. O professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessárias; o saber-fazer, o saber-fazerbem, lançar os germes do histórico. Ele é o responsável por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas em problemáticas. (SCHMIDT, 2004, p.57) Nesta perspectiva, busca-se envolver o aluno em um sentimento de pertencimento e valorização da sua própria história, cultura e criação de sua identidade - conforme os Parâmetros Curriculares nacionais - PCNs (Brasil, 1997). Ainda segundo este documento torna-se prioritário que o ensino de História se paute na construção de uma identidade nacional através das relações sociais e individuais além de permitir analisar e compreender o tempo presente e explorar criteriosamente as múltiplas relações históricas que envolvem seu passado e sua memória. Neste aspecto a história vincula-se diretamente com a construção da cidadania relacionando-se ao conhecimento do outro como ser histórico permitindo compreender o entrelaço social, a cultura, a

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construção moral e a realidade que estamos inseridos. A Literatura reconhecida como fonte histórica para viabilizar o processo de ensino aprendizagem da História, permitiu contextualizar o poema Navio Negreiro: uma tragédia no mar (1983), escrito por Castro Alves com o conteúdo de História "Brasil Colonial". A atividade desenvolvida possibilitou relacionar muitos dos aspectos abordados no poema pelo autor com os conteúdos disponibilizados no livro didático. Isso vai de encontro ao que Silva (2010) propõe, pois "a ausência de comprometimento da Literatura com a realidade dos fatos, não exclui sua presença". A maior liberdade de imaginação e fantasia que proporciona a linguagem literária que evidencia Pesavento (1995) em seus estudos, contribuiu para uma maior riqueza de detalhes, despertando o interesse por parte dos alunos ao relacionarem o poema com o conteúdo, pois o interesse pela atividade prática estimula e desenvolve uma perspectiva de participação e construção de conhecimento. Nessa abordagem dialógica, o diálogo com o passado através da fonte possibilitou que os discentes desenvolvessem seus pontos de vista. De acordo com Teixeira (2010), o documento histórico como recurso pedagógico permite a construção de pontes entre o aluno com o passado, pois desenvolve-se o interesse pela investigação histórica oferecendo a possibilidade do aluno fazer sua própria leitura sobre os eventos que o documento trata. Pode-se perceber através das analises feitas pelos alunos um sentimento de reconhecimento de suas histórias através do poema, pois este enquanto expressão humana conseguiu criar uma relação intrínseca entre as condições sociais e humanas dos alunos e os personagens do poema, visto que a escola é localizada em uma área periférica, seria, portanto, quimera aos alunos uma representação de poema que elucidasse os grandes heróis e seus feitos. Tal fato é endossado, pois a maioria dos discentes não se vê representado por estes personagens, uma vez que, o estudante muitas vezes acaba assumindo apenas ao papel de expectador do grande espetáculo histórico provido pelas grandes elites e seus respectivos interesses, portanto sem desenvolver uma analise critica, tendo em vista não se identificar com a História que geralmente traz os discursos das rainhas, reis, príncipes, papas e presidentes. O poema, enquanto forma de Literatura carregada de emoção, provoca

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a identificação do aluno com os personagens (KARAWEJCZYK apud TEIXEIRA, 2010). Através das representações históricas que o poema transpõe foi estimulado a capacidade de interpretação dos alunos. As produções verbais e as em formas de Historia em Quadrinhos só foram possíveis por parte dos discentes, pois houve uma interação entre o texto literário e os conteúdos propostos pelo livro didático, visto que, precisa-se levar em consideração que as poesias não são predominantes nas leituras dos adolescentes. Ademais, Correia (2013) adverte que o texto literário, como recurso do conhecimento histórico, no processo pedagógico necessita ser trabalhado em sincronia com outras fontes de conhecimento, pois se torna preciso viabilizar as analises e as interlocuções entre os saberes que proporcionam analises complexas sobre fenômenos também complexos.

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Santomé (1998) destaca a importância da integração do trabalho de diferentes disciplinas, pois a desconexão e descontextualização dos saberes dificultam a criatividade e a imaginação, bem como as iniciativas dos alunos, que não entendem o sentido das partes estudadas. Nessa perspectiva, o poema trabalhado na aula de Literatura foi utilizado na aula de História, integrando os conteúdos das disciplinas, estimulando a criatividade e a iniciativa do aluno. Considerações Finais A partir da resignificação dos conceitos teórico-metodológicos acerca do que pode ser considerado documento histórico ou fonte histórica, criou-se o interesse por parte dos professores de História e de Literatura desconstruir paradigmas e aproximar o conhecimento dos discentes. A aceitação da Literatura pelos adolescentes e também enquanto recurso histórico possibilitou o seu uso como mediador e construtor de um conhecimento interdisciplinar abarcando teorias e metodologias da ciência literária quanto da ciência histórica. A História e a Literatura, no processo de ensino-aprendizagem, viabilizaram um espaço privilegiado de produção do conhecimento pedagógico. A integração das referidas áreas do conhecimento conferiu sentido e prazer à realidade cotidiana escolar dos alunos, pois estes perceberam que estavam interagindo com e construindo conhecimento.

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Diante do relato apresentado é importante destacar que alguns dos métodos utilizados durante as aulas, comprovaram as hipóteses e as teorias de pesquisa de grandes autores como: Correia (2013), Silva (2010) e Fonseca (2003) quando afirmam que os alunos aprendem fazendo, pois as atividades demonstraram que os métodos de ensino interferem diretamente no interesse pelo conteúdo e no processo de ensino-aprendizagem. Deve-se então ter em mente que os professores exercem um papel insubstituível no processo da transformação social, pois a formação dos educadores não se baseia apenas em técnica prontas, e nem como apenas executora de decisões alheias, mas, na formação de cidadãos com competências e habilidades na capacidade de decidir e agir. Em suma, novas técnicas de ensino tem o poder de produzir novos conhecimentos para além da teoria e da prática de ensinar, pois torna-se preciso (re)significar o ensino e colocar o aluno no papel de construtor do conhecimento. Referências CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. CORREIA, Janaína dos Santos. O uso de fontes em sala de aula: a obra de Maria Firmina dos Reis (1859) como mediadora no Estudo da escravidão negra no Brasil. 2013. 166 f. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados. 7 ed. São Paulo: Papirus, 2003. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 21ª ed. São Paulo: Loyola, 2006. PESAVENTO, Sandra Jatahy. „Relação entre História e Literatura e Representação das Identidades Urbanas no Brasil (século XIX e XX)‟. In: Revista Anos 90, Porto Alegre, n. 4, 1995. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. 1ª reimpressão. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, Camila Arantes. A literatura como objeto de reflexão política: olhai os lírios do campo de Érico Veríssimo (1937). 2010. Monografia (Graduação em História). Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2010.

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SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2009. TEIXEIRA, Luciana. História e poesia: uma discussão sobre fontes para o ensino de História. 2010. 22 f. Monografia (Graduação em Pedagogia). Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2010. SCHMIDT, Maria Auxiliadora „A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula‟. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

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O DESENVOLVIMENTO DO PENSAR NA INFLUÊNCIA DA SOCIOLOGIA NA SÉRIE DIDÁTICA HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL DE CLAUDIO VICENTINO E GIANPAOLO DORIGO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO SÉCULO XXI Carlos Mizael dos Santos Silva

O desenvolvimento do pensar na questão que esse texto menciona surgiu após a necessidade de tentar me adentrar no programa de mestrado em Ciências Sociais na mesma universidade a qual me formei. Uma das linhas de pesquisa desse programa se chama Sociabilidades, conflito e processos identitários. Essa linha de pesquisa foi escolhida por mim pelo fato de que ela me faz refletir a minha formação enquanto professor/historiador. Não buscava o conhecimento apenas dentro da universidade mas também fora dela. Um dos exemplos mais marcantes foram os movimentos sociais, pois aprendi direta e indiretamente a importância de pensar numa narrativa histórica que inclua todas as pessoas silenciadas da melhor forma possível, independente de sua etnia, religião, segmento social, e etc. Nas minhas aulas buscava, na medida do possível, fontes que me ajudassem a tirar alguns silêncios que rumavam nesse sentido: sites, documentários e etc, e aplicava isso em uma sala de aula dentro de um planejamento prévio. Porém, na pós acadêmica, que se difere da pós profissional, existe uma diferença muito grande entre investigar um problema social e ser um problema social. Portanto, não seria fácil encontrar um problema para investigar que não tivesse ligado ao campo de Ensino de História. A solução estava então em pensar na História do Ensino embasado na História, pois já havia trabalhado com isso antes em minha monografia ao pesquisar sobre o ensino da História do Brasil no fim dos oitocentos e início dos novecentos no Colégio Pedro II. Buscando então a fonte nos meus arquivos de livros didáticos acabei encontrando uma coleção que me chamou atenção. Essa coleção se chama História Geral e do Brasil, editora Scipione e foi escrita pelo Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. A razão por me sentir atraído pela obra foi pelo fato da mesma ter como um dos autores um graduado em Ciências Sociais (Vicentino) e professor de História em redes privadas de ensino. Outra coisa que atentou-me a essa obra foi a naturalidade com que a obra, no manual do professor, trata de

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assuntos que geralmente só se encontravam em discussão de grupos sociais: "Precisamos também ter claro que cada sujeito articula várias identidades que respondem a aspectos diferentes da vida (sexualidade, lazer, política, economia, classe) e não é aceitável, no processo de autoconstrução que cada criança ou adolescente executa, o constrangimento a assumir papéis que decorrem de estruturas e processos opressivos, como o racismo, o machismo, a homofobia, os preconceitos de classe, os regionalismos excludentes, entre outros. A formação para a cidadania é também tarefa da História, e significa a politização dos sujeitos Desde seu surgimento como disciplina escolar, cabe à História uma parcela expressiva da tarefa de preparar os futuros cidadãos para a vida em sociedade, sobretudo para a participação na esfera política." (VICENTINO;DORIGO, 2013, p. 07) No próprio manual do aluno encontrei uma determinada citação:

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"No Brasil, especificamente, vários grupos tidos como oprimidos passaram a buscar, escrever e valorizar suas histórias: os negros nas sociedades (aberta ou veladamente) racistas, as mulheres nas sociedades patriarcais e machistas, os trabalhadores, as minorias étnicas, os homens e as mulheres com diferentes opções sexuais, etc. Desse modo, várias transformações na maneira de compreender a história como ciência, dentro e fora do Brasil, exigiram que ela fosse construída e ensinada de novas formas. Em termos políticos, a emergência das reivindicações dos operários, trabalhadores rurais, negros e mulheres - entre outros sujeitos históricos - propiciou novos focos para a história, seu registro, sua escrita." (VICENTINO;DORIGO, 2013, p. 14) Desde então percebi que essa coleção didática para ensino médio tinha muito a me ensinar. Pelo fato de mostrar, por exemplo, de que pensar a História sob essa perspectiva não é algo novo, embora mesmo assim devamos pensar numa forma eficaz de executar essa dinâmica de ensino. De onde vem esse diálogo todo? Havia pensado a princípio com Vicentino, uma vez que ele é cientista social, porém ele não escreveu essa obra sozinho. Dorigo, por sua vez, é bacharel e

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licenciado em História e esse curso, como sabemos, costuma lidar também com esses tipos de problemáticas, dentro das suas possibilidades. Não podendo me render única e exclusivamente na análise do livro didático, precisava entender a possível influência da sociologia nessa obra para saber se o uso de determinados autores e determinadas obras discutidas em Sociologia (MARX, WEBER, ELIAS, FERNANDES) poderiam ter feito que os autores escrevessem a Historiografia Didática da maneira que escreveram. Mas será que a Sociologia foi a principal responsável pela atual configuração dessa escrita? Como o programa do mestrado em Ciências Sociais fala de sociabilidades, não podemos nos esquecer dos movimentos sociais enquanto possíveis espaços de sociabilidade e como os volumes 1, 2 e 3 da obra foram publicadas em 2013, constatamos que seria imprescindível a análise conjuntural dos movimentos sociais no século XXI. A partir daí, concluímos que dessa forma atribuiríamos um recorte temporal em nossa pesquisa. Trabalharemos com artigos que falavam sobre os movimentos sociais para fazermos um levantamento inicial desses movimentos e tentarmos fazer um comparativo disso com o momento em que o livro foi publicado para sabermos se há uma ligação entre uma coisa e outra. De que forma essas situações se conectam? Para pensarmos uma linha de pensamento resolvemos dialogar com Pierre Bourdieu, pois ele trata a da questão do Poder Simbólico, de como ele se manifesta em um determinado Espaço Social através das "Propriedades Atuantes", provocando uma determinada reação a cada agente influenciado por essas propriedades. O mesmo autor afirma que para entendermos sobre as propriedades devemos entender, por exemplo, sobre a origem de cada instituição. Entendendo sobre a origem das instituições poderíamos entender, por exemplo, sobre o fenômeno dos porta-vozes (pessoas que falam em nome da instituição que representam). Ao buscarmos o contexto dessa discussão em nossa pesquisa que tal pensarmos da seguinte forma: Vimos que os autores falam de estruturas e processos opressivos como machismo, por exemplo. Se pesquisarmos talvez sobre o movimento feminista no Brasil e no Mundo, poderemos entender como foi criada a propriedade atuante sobre os(as) ativivistas desse movimento, que os fazem se movimentar contra essa opressão específica, e pensarmos também de que forma são escolhidos(as) os(as) seus(as) porta-vozes para essa militância. Em qual Espaço Social eles (as) se manifestam?

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Seriam Dorigo e Vicentino os porta-vozes desse movimento no espaço da educação histórica? Para encerrar queremos afirmar, que dessa forma, acreditamos atribuir tanto para o campo do Ensino de História quanto para o de Ciências Sociais no que diz respeito à metodologia de um ensino mais igualitário para todos os tipos de cidadãos e cidadãs, e também para o mapeamento das manifestações do pensar identitário. Referências bibliográficas Livros didáticos: VICENTINO, Claudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. Manual do Professor. Vols 1, 2, e 3. 2ª Edição. Scipione. São Paulo. 2013.

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Outros: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. CHOPPIN, Alain. „O historiador e o livro escolar‟. Tradução de Maria Helena Camara Bastos. História da Educação. ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (11):5-24, Abr. 02. CORRÊA, Rosa Lydia Teixeira. „O livro escolar como fonte de pesquisa em História da Educação‟. Cadernos Cedes, ano XX, no 52, novembro/2000.p. 11-24. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, vol. 1. FERNANDES, Florestan. O Que É Revolução? Brasiliense, Distrito Federal,. 1981. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Boitempo, São Paulo. 2005. MOREIRA, Kênia Hilda. „Livros didáticos como fonte de pesquisa: um mapeamento da produção acadêmica em história da educação‟. Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v.2, n.4, p.129-142, jan/abr. 2012. SALLES, André Mendes. „O livro didático como objeto e fonte de pesquisa histórica e educacional‟. Revista Semina V10 - 2º semestre. 2011. SCHERER-WARREN, Ilse. „Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI‟. Política e Sociedade. Florianópolis. Vol.13. Nº 28. Set./Dez.de 2014.p. 1334. WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 14ª Edição. Pioneira. São Paulo. 1999.

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O “CAMPO INTELECTUAL” E AS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE HISTORIADORAS BRASILEIRAS Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik

As reflexões tratadas neste artigo são decorrentes da minha pesquisa de doutorado que tem como objetivo investigar as trajetórias profissionais e de vida da primeira e segunda geração de historiadoras universitárias brasileiras, de 1934 a 1990. Para tanto, as categorias analíticas como gênero, classe, geração e campo intelectual foram eleitas a fim de permitirem uma reflexão acerca de tais trajetórias, marcando diferenças e aproximações entre elas e os próprios homens no interior do espaço universitário e da profissionalização do historiador brasileiro. Logo, o presente trabalho pretende examinar as possíveis maneiras que as noções de campo intelectual e campo científico, desenvolvidas por Pierre Bourdieu, podem ajudar a compreender a trajetória profissional e intelectual de historiadores brasileiras no período de 1939 a 1972. Alice Canabrava, Maria Yeda Linhares, Eulália Maria Lobo, Olga Pantaleão, para citar as mais conhecidas, representam a primeira geração de historiadoras que ingressaram nos cursos de História no momento de sua criação e institucionalização nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. As alunas em questão tiveram contato com importantes cânones brasileiros das ciências humanas e professores europeus, especialmente franceses, que foram contratados com o intuito de formar um campo intelectual da História, constituído por disciplinas, currículos e cátedras. Pensamos que o estudo do percurso profissional destas historiadoras universitárias está atrelado, assim, à análise das condições do trabalho intelectual do historiador que configuram um campo acadêmico. Tomando como ponto de partida a produção do conhecimento histórico no campo universitário, abre-se uma via de comunicação com as expectativas e dificuldades operacionais das estudiosas quanto às práticas desenvolvidas por elas para a institucionalização da pesquisa histórica. Ao apreender o conteúdo das práticas intelectuais destas historiadoras (não omitindo, naturalmente, também a presença dos homens), seus projetos institucionais, disciplinares, políticos, profissionais e culturais, é possível compreender o sistema de ideias e valores que sustentou o

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padrão, a difusão e a consolidação do conhecimento histórico no Brasil.

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Tanto as práticas acadêmicas realizadas pelos intelectuais quanto suas escolhas por determinados temas de pesquisa não podem ser consideradas “puras” e “desinteressadas”. As maneiras de agir, falar, “fazer ciência” e, especialmente, as escolhas referentes ao assunto que será pesquisado, são orientadas para a aquisição de dois atributos não só estimados, mas também legitimados pelos agentes deste campo: o monopólio da autoridade e da competência científica. De acordo com Bourdieu, ambos aspectos estão associados ao reconhecimento da capacidade técnica e intelectual, poder social, ações e legitimidade de definir uma cultura científica no interior das instituições acadêmicas. Aliado a isso, o próprio gerenciamento das práticas de ensino e pesquisa, ou seja, do consenso dos problemas, métodos e soluções percebidas como científicos, encontra seu fundamento no conjunto dos mecanismos institucionais que asseguram a seleção social dos pesquisadores. No caso das historiadoras brasileiras perceberemos estas questões em função, por exemplo, da inserção delas em espaços científicos como congressos, revistas e conselhos editoriais; da obtenção de bolsas de estudos em outros países; do acesso à docência em universidades e das práticas de pesquisa e metodologias empregadas. No entanto, uma análise que isolasse apenas a dimensão “política” dos conflitos pelo monopólio do campo científico seria tão falsa quanto mirar apenas as determinações e os interesses puramente intelectuais dos seus agentes (BOURDIEU, 1983, p. 123). Ambos aspectos são importantes e interdependentes, uma vez que, como afirma Bourdieu, “(...) os conflitos epistemológicos são, invariavelmente, conflitos políticos (BOURDIEU, 1983, p. 124). É natural que um cientista procure realizar pesquisas que considere relevantes, embora a satisfação e o interesse não constituem suas únicas motivações. Ou seja, a pesquisa deverá gerar a possibilidade de fazer aparecer aquele que a produz como um intelectual importante e interessante aos olhos dos outros. Assim, a tendência das pesquisadoras a se concentrar nos problemas considerados mais relevantes de sua época se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta implicam no acréscimo de um capital simbólico importante em suas trajetórias intelectuais. Uma especificidade do campo científico é o fato de que o pesquisador necessita ocupar legitimamente a posição de autoridade e assegurar talentos científicos, os quais Bourdieu denominou também como “acumulação de capital científico”. E o que isso

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significa no interior de trajetórias profissionais e acadêmicas das profissionais de História? Trata-se de inferir que a posse de capital científico tende a favorecer uma carreira que, na visão deste sociólogo, seria qualificada como “bem-sucedida” (BOURDIEU, 1983, p. 124). Isso pode ser percebido conforme as variadas maneiras que distinguem um historiador do outro a partir de algumas informações, como por exemplo: realizar uma pósgraduação em país estrangeiro, ser membro de uma instituição científica, administrativa ou política, ter domínio de línguas estrangeiras, realizar pesquisas com bolsas de estudo, obter as melhores notas em provas e concursos, apresentar amplo número de comunicações em congressos e, finalmente, publicar um conjunto respeitável de artigos e livros. Isso para citar as maneiras distintas mais comuns que influenciam o posicionamento dos historiadores na hierarquia acadêmica. Esse processo é contínuo e muitas vezes ininterrupto, principalmente quando se trata do acesso aos cargos docentes nas universidades. Nela, o pesquisador dependerá também de sua reputação e liderança junto aos colegas para obter fundos para pesquisas e atrair estudantes e pesquisadores interessados. O reconhecimento, marcado e garantido por todo um conjunto de sinais de consagração que os pares-concorrentes concedem a cada um de seus membros, é função do “valor distintivo” de suas pesquisas e da originalidade que se reconhece coletivamente à contribuição que ele traz às pesquisas já acumuladas (BOURDIEU, 1983, p. 131). Aliado a isso, a visibilidade exprime bem o valor diferencial e distintivo dessa espécie particular de capital social: acumular capital é fazer um “nome”, um nome próprio, um nome conhecido e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador (BOURDIEU, 1983, p. 132). Em relação às historiadoras brasileiras, é nesse sentido que pretendemos verificar a incorporação, por parte delas, de mecanismos aliados à conquista da legitimidade de apresentar suas comunicações e pesquisas, promover suas respectivas visibilidades públicas e se posicionar perante uma comunidade científica marcada pela tradição masculina. Neste ponto, não podemos deixar de lado as contribuições da historiadora Helenice Rodrigues da Silva que, em “Fragmentos da História Intelectual”, lança mão da ideia de que não é possível separar a trajetória dos intelectuais do mundo histórico e das circunstâncias sob as quais viveram e atuaram. Ou seja, ao destacar a importância da produção e da recepção dos textos, bem como das

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intervenções públicas dos intelectuais franceses, a autora assinala toda a sua preocupação em distinguir a história intelectual de uma história de sistemas formais de pensamento, uma vez que esta encontra-se, frequentemente, dissociada da vida social e sem conexões com a realidade. Aliado a isso, a história intelectual se situa, como afirma Helenice Rodrigues da Silva, “na fronteira de diversos domínios do conhecimento” (SILVA, 1995, p. 46). Nesse sentido, ela pretende alcançar dois polos distintos de análise, mas que devem ser articulados e pensados associadamente. Em primeiro lugar, observamos a própria influência de Bourdieu nesta análise, ao elencar o conjunto de funcionamento de uma sociedade intelectual, suas práticas, seu modo de ser, suas regras de legitimação, suas modalidades de exclusão e de inclusão. Em segundo, as características de um momento histórico que impõe esquemas de percepção, sistemas de valores e modalidades específicas de pensar e de e de agir, por parte dos intelectuais.

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Ao adquirir todo o capital simbólico necessário para ter uma carreira bem-sucedida, o pesquisador terá o poder de definir, junto a seus pares, a cultura legítima inerente ao espaço universitário. Ou seja, a partir de um consenso mínimo em torno de regras, métodos e teorias, os interlocutores que possuem a delegação para gerir e produzir práticas acadêmicas, podem instituir modelos que serão consagrados e legitimados pela comunidade científica (BORUDIEU, 1983, p. 133). É a partir dessas relações que as cadeiras, disciplinas, currículos e linhas de pesquisa surgem, prevalecem ou se desqualificam; e as obras são publicadas ou impedidas, valorizadas, divulgadas ou levadas ao ostracismo. Os procedimentos acadêmicos vinculados aos cursos de História, bem como a vida acadêmica das historiadoras como um todo, não poderiam ser completamente compreendidos sem se levar em conta esses fatores, os quais estão intimamente relacionados aos professores que detinham a autoridade máxima para delegar a cultura legítima – as linhas historiográficas, por exemplo – que deveria prevalecer nos cursos de História. A especificidade do discurso de autoridade reside no fato de que não basta que ele seja compreendido (em alguns casos, ele pode inclusive não ser compreendido), é preciso que ele seja, antes de tudo, reconhecido. Tal reconhecimento relaciona-se a determinadas condições que são as mesmas que definem a cultura legítima do campo intelectual: ela deve ser pronunciada “(...) pela pessoa autorizada a fazê-lo, o detentor do cetro, conhecido e reconhecido por sua habilidade e também apto a produzir esta classe particular de discursos, seja sacerdote, professor, poeta etc.” (BOURDIEU, 2008, p. 91). Quanto aos historiadores catedráticos,

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por serem os únicos detentores autorizados e reconhecidos dos modos do saber e das maneiras de se fazer a ciência histórica, as estudantes e futuras historiadoras mantiveram uma vontade especial de provar aos mestres que possuíam atributos específicos do ofício do historiador, como por exemplo: habilidades para a escrita racional e objetiva, análise correta das fontes e vocação para o culto à pesquisa erudita. Percebemos também que o papel de um professor significativo é capaz de fazer florescer o interesse por uma área de atuação específica, servindo muitas vezes de “modelos” para as futuras pesquisadoras. Mas, ao mesmo tempo, quando analisamos o regime de cátedras presente nos cursos de História, podemos perceber que o status de “notório saber” dado a um catedrático vitalício limitava qualquer possibilidade de questionamento daquela autoridade já pretensamente acumulada (GAMA, 2010, p. 31). Ao fim destas análises, concluímos que o conceito de campo intelectual nos permite analisar a posição dos intelectuais na estrutura hierárquica do espaço universitário, bem como a concorrência interna entre os diversos grupos em torno da legitimidade cultural. Deste modo, a proposta de investigação ligada às situações pelas quais passaram as referidas historiadoras para conseguir se impor, divulgar seus trabalhos, valorizar-se, consolidar e legitimar suas carreiras mediante um local de trabalho marcadamente masculino, terá como problematização o reconhecimento da existência de disputas simbólicas pela obtenção de projeção, liderança, prestígio e cargos, especialmente no interior do sistema de Cátedra (SPIRADELLI, 2008, p. 13). Pretendemos pensar o espaço universitário que abrange o curso de História como uma área de diferentes disputas e de conflitos políticos e de gênero, nada harmonioso, equilibrado ou simétrico em termos de trajetória intelectual realizada tanto por homens quanto por mulheres. Nossa posição se sustenta na atenção dada aos processos de conflito e de colaboração, os quais corresponderiam às margens de manobras ou de negociações realizadas por parte das mulheres – por que não, subversão também – para as situações que se enredavam no espaço acadêmico em questão. Alguns desses conflitos podiam ser resolvidos por meio de transferências para outros cursos e universidades, ou até mesmo pela criação e desdobramentos de novas Cadeiras, disciplinas, cursos ou linhas de pesquisa.

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Referências

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BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: Ortiz, Renato (org.). Coleção Grandes Cientistas Sociais, n 39, Editora Ática, São Paulo, 1983. GAMA, Pereira, Ludmila.
O historiador e o agente da história: os embates políticos travados no curso de história da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1959-1969). Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2010. SILVA, Helenice Rodrigues. Crise ideológica e produção intelectual: esquemas de pensamento próprio a uma situação histórica. Cad. de hist., Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 45-49, out. 1995. SILVA, Helenice Rodrigues da. Fragmentos da história intelectual – entre questionamentos e perspectivas. Campinas, Papirus, 2002. SPIRADELLI, Claudinei Carlos. Trajetórias intelectuais: professoras do Curso de Ciências Sociais da FFCL - USP (1934-1969). Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Sociologia, 2008.

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O GUIA DO VIAJANTE NO TEMPO E NO ESPAÇO: UMA PROPOSTA DE ESCRITA DE NARRATIVA HISTÓRICA EM SALA DE AULA Carolina Corbellini Rovaris

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de atividade desenvolvida pelos alunos do curso de Bacharelado e Licenciatura em História (Carolina Corbellini Rovaris, Claúdio Luiz Pacheco e Jéssica Cristina Back Gamba), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), durante a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, e os seus resultados após ser realizada em uma turma de primeiro ano de ensino médio de uma escola pública da rede estadual de Santa Catarina, no ano de 2014. A temática definida pela professora regente da turma em que desenvolvemos a prática do estágio foi Grécia e Roma na Antiguidade. Neste sentido, no primeiro semestre de 2014, elaboramos um projeto de ensino de História a partir das observações realizadas em sala de aula. O principal objetivo do projeto era desenvolver o pensamento histórico nos alunos, a fim de capacitá-los com ferramentas de investigação próprias do saber histórico. A partir desta perspectiva, a proposta foi analisar as relações entre diferentes períodos históricos através do estudo da Antiguidade e sua relação com o presente. Ela se faz necessária porque quando questionados sobre o que entendiam por História, os estudantes responderam de um modo geral, que é o estudo do que "já aconteceu há muito tempo, estudo de tempos passados, das gerações passadas". Percebemos, portanto, que a disciplina é tomada somente como algo que estuda o que está distante da sua realidade. Os alunos não enxergam no estudo da História a possibilidade de desenvolvimento crítico e a contribuição da mesma para compreender e propor soluções para problemas sociais atuais, como preconceito e desigualdades, por exemplo. Tomando o ensino de História a partir da cognição histórica situada (SCHMIDT, 2009), considera-se que seu objetivo principal é desenvolver o pensamento histórico nos alunos, isto é, capacitá-los com ferramentas de investigação próprias da ciência historiográfica para trabalharem a partir da análise de documentos e/ou acontecimentos históricos. A concepção de aprendizagem histórica que se quer como modelo significa apreender os métodos de

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pesquisa e dar significado ao saber histórico, uma vez que o mesmo adquire sentido no decorrer de preocupações do presente instigando à pesquisa do passado. Para que o aluno consiga desenvolver o pensamento histórico ele precisa dominar habilidades de leitura, escrita e interpretação que o possibilitará compreender as relações entre passado e presente, perceber os movimentos que amarram diversas temporalidades, sujeitos e contextos diferentes (SILVA, 2012). Isto porque para que haja compreensão histórica se faz necessário apreender a especificidade da História. Aliada a isto, é necessário, também, que o aluno desenvolva habilidades de leitura e de escrita que o permitam, através da linguagem, atuar criticamente na sociedade em que vive (SOARES, 2004).

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Tendo este panorama em vista, a intervenção na turma foi pensada a partir da ideia de aula-oficina: o aluno terá espaço para demonstrar seu conhecimento prévio acerca das temáticas abordadas, e o professor, na condição de agente investigador, buscará aquilo que os alunos já sabem para organizar atividades que permitam complexificar e problematizar os conceitos a serem estudados (BARCA, 2004). No percorrer das aulas, o primeiro momento se deu de forma expositivo-dialogada. Em seguida, os alunos foram instigados a fazer uma atividade visando produzir conhecimento através do que foi discutido. A partir desta concepção de aula, elaboramos uma proposta de atividade de escrita individual para ser realizada em sala: o guia do viajante no tempo e no espaço. A proposta tinha como objetivo instigar os alunos a produzirem narrativas problematizadoras e a relacionar seu conhecimento cotidiano com o conhecimento científico. Após uma aula abordando a cidadania na Antiguidade e no presente, os alunos deveriam escrever uma narrativa que abordasse as duas temporalidades, percebendo rupturas e continuidades. Mas a proposta lhes impunha outro desafio: criar uma narrativa que apresentasse a possíveis leitores o conteúdo trabalhado como se estes fossem viajantes no tempo. Isto é, criar uma narrativa dinâmica e bidimensional, utilizando o tempo verbal no presente apresentando questões do passado: "Agora você é um viajante pelo tempo e espaço. O passado e o presente se diferenciam e se aproximam em algumas questões. Uma delas é o ser cidadão. O que o/a faz ser considerado/a cidadão? Imagine que você fez uma

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viagem no tempo e desembarcou no Mediterrâneo Antigo. Circule no mapa o local de chegada. Neste local, você seria considerado um cidadão ou um estrangeiro? Por quê?" Para além do desenvolvimento da escrita e do processo criativo dos alunos, a atividade tinha como objetivos abordar diferentes períodos históricos, interpretando-os como um processo e desenvolver nos alunos a capacidade de pensar o outro como sujeito do seu próprio tempo, desconstruindo noções de hierarquia entre presente e passado. Vinte e quatro alunos estavam presentes no dia desta atividade. Destes, quatro não a concluíram. No entanto, algumas marcas no papel nos dão alguns indícios: início de sentenças como "ser cidadão é" e a presença de marcadores para iniciar uma lista de respostas. Já percebemos, a partir daí, a dificuldade que estes alunos têm em desenvolver, através da língua escrita, suas ideias. Marcas de leitura e tentativa de reescrita da resposta também apareceram em outras cinco atividades: textos riscados com um "x" em cima ou frases inteiras apagadas com corretivo de caneta. Nas atividades que foram concluídas, percebemos não só uma dificuldade em atribuir sentido ao que se quer expressar através da escrita, bem como dificuldades decorrentes do próprio processo de alfabetização: problemas de sintaxe, gramática, estilística e até de semântica. Isto porque dominar a escrita é um trabalho que exige prática contínua. Se os alunos não são instigados a escrever e estão acostumados com atividades de transcrição de informações de textos para fazer atividades no ambiente escolar, a prática da escrita terá pouco rendimento e aproveitamento. As habilidades de se apropriar dos mecanismos de codificação da língua escrita não serão desenvolvidos. Abaixo segue a produção do aluno João (nome fictício), feita durante a aula de História do dia 19 de agosto: "Eu me favorecia como um cidadão porque seria melhor então eu pagaria meu impostos, serto sem precisar correr alguns riscos como ser um dos exercito de Roma. Porque eu não seria um dos exercito de Roma quero dizer um guerreiro Eu poderia correr muitas guerras e não poderia ver a minha família dia indiante e fora muitos propósitos também mais essa é uma delas."[sic]

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Percebemos na escrita acima que João tentou elaborar uma resposta tentando fazer comparações entre o que era considerado ser guerreiro na Antiguidade e a sua visão do que isto significa nos dias atuais, bem como o ônus de exercer esta função a partir de valores contemporâneos e não propriamente dos sujeitos da época. Tentou atribuir sentido às suas ideias através da escrita. Contudo, observase a dificuldade em fazê-lo: a disposição das palavras na frase e a relação lógica entre as mesmas nos demonstram a dificuldade em emitir um significado completo e compreensível a possíveis leitores. Na resposta de José, produzida no mesmo dia que a de João, ficam visíveis as práticas de escrita as quais o aluno está acostumado nas aulas de História: perguntas específicas que solicitam respostas diretas, sem problematizações. "R.: Ser cidadão hoje é ter direitos ter documentos, opinião publica. R.: Ser cidadão naquela época era ter 18 anos e ser um homem livre, crianças mulheres e escravos não eram considerados cidadãos."

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O aluno não conseguiu desenvolver uma narrativa diferenciada conforme solicitado pelos estagiários. Antes da resposta em si o aluno inicia a frase com a letra "R.:", anunciando que a resposta direta às questões do enunciado virá em seguida. Cada pergunta foi respondida separadamente, não havendo conexão entre as duas temporalidades. Além disto, o aluno mobilizou na resposta, talvez para tentar deixá-la mais satisfatória, informações que haviam sido trabalhadas anteriormente na aula expositiva: "crianças mulheres e escravos não eram considerados cidadãos.". Não é evidente na resposta o porquê desta informação estar ali presente e por que ela justifica ou não o próprio aluno ser considerado cidadão. A tentativa de construir uma narrativa histórica com explicações multidimensionais não foi alcançada. Diferentemente do que observamos na resposta de Maurício: "Primeiramente, preciso pertencer a um local e estar registrado. Consequentemente, irei possuir a cultura do local e tendo registro, terei direitos e deveres, ou seja, ser livre. Seria considerado um estrangeiro, pois não teria nascido em Roma. Porém, no período do Império, eu poderia me tornar um cidadão por conta da expansão territorial. O cidadão deveria ter a maioridade (18 anos), ser homem e ter nascido em Roma.

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Extensão questão 1. Tenho direitos e deveres por existir uma constituição no país a qual pertenço e seguir os deveres significa respeitar e cumprir o que é estabelecido na constituição, logo quando não sigo o dever, torno-me um ser que não é totalmente livre, apesar de ainda ter direitos dentro desta condição." Nesta resposta notamos que o aluno já domina melhor os mecanismos de escrita e de leitura. Após uma releitura mais atenta da sua resposta, o aluno decidiu inserir mais informações na primeira parte do texto. Isto indica o esforço do estudante em ampliar o sentido e significado daquilo que havia escrito, reforçando o que entende por ser cidadão e tornando a resposta, a seu ver, mais satisfatória. A partir destas análises evidenciamos que é necessário trabalhar com nossos alunos atividades em que os mesmos possam desenvolver um conjunto de operações intelectuais, mobilizadas na produção de saberes, que ampliem o pensamento histórico. Para isto, torna-se igualmente importante trabalhar a compreensão histórica a partir de leitura de textos, interpretação de gráficos e de documentos, para que o aluno entenda as intenções e os pressupostos de uma narrativa já construída. Ao trabalharmos tais habilidades, o aluno poderá identificar as relações entre passado e presente, isto é, compreender as possibilidades da disciplina de História, para além do seu aspecto conceitual e de conteúdo (CAIMI, 2006). Se pretendemos um ensino de história nas escolas no qual esta disciplina é encarada como uma possibilidade de construção de um futuro possível, a partir da inserção do indivíduo na sociedade e na sua atuação crítica em relação ao que está ao seu redor, é necessário e imprescindível considerar de que maneira estes estudantes articulam suas vivências cotidianas às narrativas históricas. Referências BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED) / Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131 - 144.

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CAIMI, Flavia Heloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo. Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, 2006.p. 17-32. SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Cognição histórica situada: que aprendizagem histórica é esta? In: XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH, Fortaleza: 2009. Anais eletrônicos: Disponível em: SILVA, Cristiani Bereta da. O ensino de história - algumas reflexões do Reino Unido: entrevista com Peter J. Lee. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 4, n. 2, pp. 216 - 250, jul/dez. 2012. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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POR UMA HISTÓRIA CONTADA E SENTIDA PROJETO CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA AFROBRASILEIRA NOS SENTIDOS Carolyne do Monte de Paula

Este texto é resultado da aplicação de um projeto de intervenção, uma alternativa de abordagem sobre cultura Afro-Brasileira na sala de aula. Contribuindo com o processo de formação instituído pela Lei 10.639/2003, que institui a exigência da inclusão da temática de História da África e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico. Seguindo o conselho de Hebe Mattos, reconhecemos que é preciso "menos discutir um texto, já aprovado, e mais tentar intervir nas maneiras de sua implementação para que elas possam concretizar suas possibilidades positivas de intervenção, neste aspecto da realidade escolar." (MATTOS, 2003, p.127). Nessa perspectiva que surgiu o projeto CULTURA 5: SENTINDO A CULTURA NOS SENTIDOS, que encontrou nos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) um meio lúdico e eficiente para colocar o educando em contato com as produções culturais da cultura afro-brasileira que fazem parte do seu cotidiano, porém nem sempre são percebidas. Desenvolvido no Laboratório de Ensino de História, da Mata Norte, em 2014. Fruto de pesquisas, discussões, apresentações em eventos acadêmicos e escolas da rede publica e privada de Pernambuco, iniciados a partir da disciplina de Pratica IV/ Educação Histórica e Ensino Fundamental na Universidade de Pernambuco. O projeto Cultura 5, é um projeto de intervenção que objetiva contribuir com a superação da carência quanto ao tratamento da temática, encontrada nas escolas de ensino básico. Busca-se proporcionar um contato direto entre os educandos e a cultura afrobrasileira, por meio de um momento experimental; levar ao conhecimento do educando a importância da contribuição dessa cultura para formação da cultura brasileira, com perspectiva de ressignificar as relações cotidianas na escola. Contudo antes de pensar em um projeto de intervenção decidimos realizar uma pesquisa empírica para levantar dados sobre a relação da escola com a temática, assim como a dos educandos. Entrevistamos educadores, que em geral consideraram que sua formação não lhe forneceu subsídios para trabalhar com a temática sobre cultura afrobrasileira, enquanto os educandos consideravam-na desinteressante, apesar de reconhecerem, em sua maioria, a forte presença do

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racismo na escola. Foram entrevistados professores de diversas áreas, e educandos com faixa etária entre onze e dezessete anos. Foi dentro dessa realidade que surgiu este projeto. Então, enquanto pensávamos em como elaborar este projeto elegemos algumas prioridades. Dar ao professor o caráter de trabalhador cultural, criar um projeto inovador, no sentido de adequar os conteúdos a realidade do educando, e pensar em algo que fosse totalmente prático. Nessa perspectiva encontramos nos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), um meio de colocar o educando em contato com a cultura afro-brasileira por meio de um momento experimental, aonde ele não só conheceria ou reconheceria, mas também sentiria esta cultura e refletiria sobre sua história.

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Começamos a nos debruçar em leituras e pesquisas que nos fornecesse fundamentação teórica para que pudéssemos conhecer e trabalhar com as produções da cultura afro-brasileira. E logo surgiram algumas questões: Será que algo que é afro-brasileiro é mais africano do que brasileiro? Porque se utiliza constantemente esse termo para identificar a presença e africana em algo, e não a de outras culturas como a lusa e italiana que também se fazem presente no Brasil? Todas essas questões são colocadas por Ivaldo França Lima em um recente artigo. Ivaldo coloca isso porque ele sabe que não existe África, mas Áfricas. Sabe dos riscos em que termos como esse podem causar se não forem colocados sob-reflexão. Para Ivaldo o grande problema dessas categorizações generalizadas, está no fato de ocultar as lutas políticas conquistadas por negros e negras. Para Ivaldo "afro-brasileiro é a forma de nomear as práticas e os costumes que homens negros e mulheres negras foram ou (são!) predominantes no processo de construção." Ou seja, constituição como afro-brasileiro aquilo em que os negros ou negras tiveram maior participação na produção. E foi sobre algumas dessas produções que nos debruçamos. Buscando sempre relacioná-las com um sentido. O momento de pesquisa e leitura neste processo de aplicação do projeto é fundamental para o educador. Sendo assim, segue algumas sugestões de leituras, as quais foram referencia para nós. Para trabalhar com o paladar e tratar da culinária Afro-Brasileira, temos a obra de Luiz Câmara Cascudo, A História da Alimentação no Brasil. No livro Cascudo detalhadamente expõe as principais características e transformações da cozinha indígena, africana e portuguesa. Assim como em uma parte da obra aborda os mitos e verdades da cozinha brasileira. Nesta parte, Cascudo revela o que pode, e, o que não pode ser considerado parte da culinária Afro-

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Brasileira. Utilizando fontes escritas e orais, ele aponta que o vatapá a moqueca e a feijoada são os símbolos de nossa culinária, e apresentam forte influencia dos elementos africanos, assim como indígenas. Já o olfato, pode ser trabalhado por meio do cheiro dos próprios pratos típicos, mas o produto que utilizamos foi o Azeite de Dendê. Plantado aqui no Brasil pelos africanos segundo o próprio Cascudo. É importante o aplicador está atento a possíveis alergias a alimentos. O próximo sentido que abordaremos é a audição. O professor não precisa se esforçar muito na escolha de um estilo musical que se encaixe no projeto, já que majoritariamente os ritmos adotados pelas massas possuem elementos da cultura Afro. Contudo o ritmo que nós indicamos para utilização no projeto é o samba, o ritmo que se tornou símbolo nacional e reconhecidamente afro-brasileiro. Para um melhor estudo sobre este ritmo tem-se o livro Historias do Samba, de Marcos Alvito. O mesmo em um recente artigo para a Revista da Biblioteca Nacional de História, como especialista da área, registrou algumas orientações para que o professor trabalhe com o samba. Muito eficaz para aplicação do projeto. Alvito, primeiramente, alerta que: "Para ser utilizado, em sala de aula, o samba, como qualquer música, tem que ser encarado como documento, uma fonte histórica. Não deve ser tratado como uma mera ilustração, mas sim como parte da história." (ALVITO, 2014,p.79) O samba em sua origem tratava das realidades vividas pelos negros recém libertos, é interessante que o professor escolha letras que conduzam o aluno a fazer esta reflexão. A religião como elemento essencial da história do samba, não pode ser esquecida, pois a música é um elemento de conexão entre o espiritual e o material, muito importante para a cultura dos africanos. Para finalizar, os dois últimos sentidos restantes são respectivamente a visão e o tato. Os dois sentidos podem ser trabalhados em conjunto, já que produções culturais que estimulam o visual geralmente podem ser tocadas. Atualmente há no Brasil a ANAMAB (Associação Nacional de Moda Afro-brasileira), cujo objetivo é Incentivar e fortalecer o desenvolvimento da Moda Afro-Brasileira, divulgar o trabalho dos criadores e de toda a cadeia produtiva, organizar a produção de moda Afro Brasileira, promover seminários, desfiles, curso de capacitação e fomentar novos negócios. O trabalho da ANAMAB é muito pertinente, pois além de ser contemporâneo, por destacar veementemente o legado africano, pois as roupas e os desfiles são pensados na perspectiva atual, ou seja, para o publico de hoje. Os

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empreendedores do ramo da moda afro-brasileira investem em modelos negras e negros. Uma perspectiva que deve ser explorada pelo educador, pois estamos ainda muito presos aos padrões de beleza europeu, basta olhar para nossa televisão. Uma das coordenadoras da ANAMAB, Makota Kizandembu Kiamaza, em entrevista à fundação Palmares falando sobre o I seminário de moda e estética negra no Brasil que teve como um dos objetivos mapear o número de ateliês e estilistas de moda afro-brasileira e qual é a realidade desses produtores, disse: "a partir do mapeamento, será possível identificar a cadeia produtiva da moda afro-brasileira e quais posições são ocupadas. A partir daí, vamos discutir porque a nossa moda não tem visibilidade no Brasil. Quando se fala que a moda brasileira movimenta cerca de 30% da economia, é importante questionar porque as produtoras de moda afro não estão inseridas nesse contexto". O questionamento de Makota só pode ser respondido a partir de uma reflexão histórica. Todavia a partir desse projeto o educador pode colocar o educando em contato com esse ramo da moda brasileira, dando visibilidade ao mesmo. O educador pode consultar o blog da ANAMB, para ter uma visão geral dos padrões da moda afro-brasileira, que oscilam entre os coloridos e estampados, e têm como marca os adereços para cabeças, como os turbantes. Nessa perspectiva podem-se utilizar os acessórios, que estão inseridos no âmbito da moda, para trabalhar com o tato. Os acessórios são produzidos majoritariamente de maneira artesanal, remetendo aos acessórios utilizados pelos escravos durante o regime escravista no Brasil. Os acessórios eram utilizados por homens e mulheres e uma das fontes indicadas para essa observação são as telas de Jean Baptiste Debret. A aplicabilidade é simples. Isolamos um espaço com mesa, e os participantes organizam-se para passar por ele, geralmente em filas. Os alunos iniciam com os olhos vedados, só então, têm contato com as produções culturais de acordo com o sentido. É sempre instigado com perguntas, que visam saber se ele conhece ou reconhece alguma das produções, assim como se sabe de qual cultura faz parte. Ao final, desenvolvemos um diálogo com os participantes, falando sobre a história de cada produção cultural. Feito isso, os convidamos a responder por escrito em um papel em branco, sem ser necessária sua identificação, a seguinte pergunta: "Você acha que o negro tem importância na formação da cultura brasileira?"

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Antonio Sergio Guimarães fala que o "ideário antirracista" é um grande problema em nosso país, reforçando cada vez mais o silêncio para com o tratamento da temática na sociedade, e violentando de "forma brutal as populações negras." (GUIMARÃES,1999). Logo acabar com este silêncio é de certa forma agir para conter essa violência. Foi nessa perspectiva que surgiu o projeto cultura 5: sentindo a cultura afro-brasileira nos sentidos, vendo no professor o protagonista deste processo. Pois o docente pode desenvolver um trabalho enquanto trabalhador cultural, capaz de causar mudanças na escola manifestando-se contra todas as formas de discriminação e preconceito (GIROUX, 1997,p.32). Sendo assim, o conhecimento do processo histórico e reconhecimento ou conhecimento dos elementos culturais refletem diretamente no desenvolvimento do cidadão, pois estes são estímulos que proporcionam consciência, principio básico para a prática do respeito à diferença. Tendo em vista isso, projetos como este parecem ser cada vez mais pertinentes, visto que eles atuam dentro de uma perspectiva inovadora no sentido de adequar conteúdos as realidades dos educandos (FERREIRA; TORRES,2014). O envolvimento do educando ao passar por cada experiência com os sentidos, a iniciativa própria do educando de reflexão para relacionar os sentidos e as produções culturais de modo total visando entender a experiência, assim como a sensação de descoberta que eles demonstraram ao escutar a explicação da experiência, nos apontaram que o trabalho no campo sensorial e o ensino podem abrir caminhos para novas investigações e discussões no âmbito da epistemologia e o ensino de História. Também contatamos o caráter universal do projeto, ou seja, podendo ter qualquer cultura como plano de fundo. Referências ALVITO, Marcos. Professor Samba. Revista da Biblioteca Nacional de História. Ano 9,n.97.Outunbro,2013.p.79-83. BRASIL. Lei n°10.639 de 09 de Janeiro de 2003. Institui nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Legislação Federal. CASCUDO, Luis Camara. História da alimentação no Brasil. Rio de Janeiro: Global,2004. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime da economia patriarcal. 30.ed. Rio de Janeiro: Record,1995.

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GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Atmed, 1997. GUIMARÃES, Antonio Sergio. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo, Fundação de apoio a USP/Editora 34,1999. RUSSEN, Jorn. História Viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB,2007. SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma história e cultura AfroBrasileira e Africana. IN: Ensino de Histórias e educação: Olhares em convergência / Luis Fernando Cerri (org). Ponta Grossa: UEPG, 2007.p.139-151. SILVA, Maria de Fátima Gomes. Percepções dos docentes sobre a vivência da interdisciplinaridade nas práticas docentes universitárias em Portugal e no Brasil. In: RODRIGUES, Luis Alberto; SILVA, Maria de Fátima Gomes. Linguagens e educação: possíveis interseções. Recife: EDUPE,2013.

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DESAFIOS À APLICAÇÃO DA LEI 11645/08 NA EDUCAÇÃO BÁSICA Cássio Júnio Ferreira da Silva Luan Moraes dos Santos

Considerações iniciais: o campo da pesquisa Cidade da região agreste do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios é terra proveniente de missão indígena, distante cerca de 135 km de Maceió. Foi fundada em 1835 e emancipou-se politicamente em 1889. Atualmente, com 126 anos tem economia baseada principalmente na agropecuária, com predominância do latifúndio. Em sua história, já produziu algodão e foi um dos mais importantes centros comerciais de Alagoas, possui ferrovia que, outrora, escoava a produção à Maceió. O clima é semiárido por estar localizada em uma região de transição entre o litoral e o sertão. Dona de cultura extremamente rica, considerada a terra de Graciliano Ramos, Jofre Soares, Luiz B. Torres, dos extintos e suntuosos cinemas entre outros. Os índios são mencionados na história do município como seres míticos ou lendários; o que por sua vez atribui caráter comercial, pois vários estabelecimentos se aproveitam da associação do município com os índios, como atrativo, na mesma medida que negam sua existência. Criaram-se lendas, popularizadas na região de forma romanceada e que encobrem os conflitos existentes e criam, entre a população, imagens estereotipadas, atípicas e pouco representativas das reais condições em que vivem as comunidades indígenas existentes nas cercanias do município. Folclorizados, os Xukuru-Kariri que habitam a região desde o século XVII (isso se considerarmos apenas o período datado), não encontram reflexos de sua realidade nas manifestações culturais e nas demais festividades da cidade. Tampouco as escolas, que deveriam ser lugares de intersecção cultural e de troca de conhecimentos, oferecem um ambiente socialmente democrático para estes cidadãos, de vez que o ensino é puramente unilateral e voltado aos costumes da elite, não considerando os saberes e a oralidade indígena para a construção da história local.

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A lei 11645/08 e o caso da Escola Estadual Humberto Mendes Em 2008, o governo federal aprovou a lei 11645/08 que regulamenta e torna obrigatório o ensino de história dos povos indígenas nas escolas desde os anos iniciais. O intuito era de que isso revolucionasse o aprendizado, porém nem todos os rincões do Brasil tiveram resultados realmente significativos. Um exemplo disso pode ser facilmente encontrado em Palmeira dos Índios, cerne dessa discussão.

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A maior escola da região é a Escola Estadual Humberto Mendes, conhecida nas imediações por oferecer Ensino Médio e pela sua estrutura de grande porte, contanto com um total de 27 salas de aulas, diversos laboratórios, quadra esportiva, piscina e campo de futebol. Os alunos matriculados na instituição são, em sua maioria, oriundos da zona rural e urbana, com renda per capta de até dois salários mínimos. Entre esses alunos encontramos jovens XukuruKariri que cursam o ensino médio regular na escola. Mas é aí que encontramos os problemas que nos levaram a fomentar essa discussão. Mesmo vivendo e estudando em um município cujo nome carrega sua origem indígena e que conta com a existência de 8 (oito) aldeias, esses jovens não se sentem à vontade para se afirmarem como indígenas, deixando-se passar despercebidos entre os demais alunos, pois a disputa territorial e a eminência de embates permeia seu cotidiano. O professor Edson Silva enfatiza que: O pouco conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico, com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduos de povos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas, etc. (SILVA, 2012, p. 41) O silêncio dos jovens Xukuru-Kariri é um resultado da imagem errônea difundida pela mídia local e, consequentemente, reproduzida pelos educadores. Omitem sua real identidade, porque a história dos indígenas que é ensinada nas escolas é limitada ao período colonial e não ultrapassa isso, o que faz entender que os índios tivessem desaparecido com a conquista dos seus territórios

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por não índios, invasores louvados pela colonização. (MONTEIRO, 2001) Um dos raros momentos em que os indígenas aparecem na escola (e isso é uma constante nacional) é no dia 19 de abril, marcado no calendário como o dia do Índio. Mas os educadores, despreparados, acreditam homenagear os índios confeccionando penas de cartolina e saiotes de fita, isso é claro acompanhado de uma dança ridícula a qual dizer ser da chuva. Isso perpetua, de fato, uma imagem não representativa dos índios e compromete todo o entendimento dos alunos, pois essas festinhas são realizas principalmente nos anos iniciais, o que significa dizer: os anos do aprendizado e da construção de ideias e do próprio ser nas crianças. É salutar destacar as preocupações de Edson Silva, que revelam a preocupação de uma gama de intelectuais. Dizem que estão imitando os índios numa tentativa de homenageá-los! Entretanto, tal homenagem se refere a qual índio? As supostas imitações correspondem às situações dos povos indígenas no Brasil? Como essas imagens ficarão gravadas na memória dos estudantes desde tão cedo? Quais serão suas atitudes quando se depararem com os índios reais? Quais as consequências da reprodução dessas "desinformações" sobre a diversidade étnica existente no nosso país? (SILVA, 2015) Então, parafraseando o professor Edson Silva (2012), quais são as atitudes dos alunos ao se depararem com índios reais? Espanto! Essa é a resposta, um espanto acompanhado de preconceito e perguntas, tais como: "Eles têm celulares?"; "Não moram em ocas?"; "Por que não estão nus?". Reações que entram em contradição com o mundo que criaram durante toda a sua vida e que institivamente defenderão, algo mais acentuado na adolescência, período onde a personalidade é acentuada. Considerações finais: caminhos para a aplicação da lei 11645/08 A lei está aí. Mas como aplica-la tendo em vista a péssima qualidade da maioria dos livros didáticos, que insistem em ignorar a pluralidade indígena? Como dizer aos nossos alunos que as imagens de ocas, utensílios e etc., são de índios amazônicos e não dos índios que são, em algumas vezes, seus colegas de sala? Um caminho

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possível é a crítica aos conteúdos prontos e enlatados dos livros didáticos e uma contextualização com a vivência dos índios. A formação docente também é um caminho a ser problematizado. Aprovou-se a lei, tudo bem! Mas não foram oferecidos aos professores cursos e um material que realmente os auxilie no ensino da história indígena tendo em vista a história desses povos na atualidade. Pois a própria trajetória de reivindicações aponta alternativas para a abordagem da história indígena em sala de aula. Referências

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MONTEIRO, John. Tupis, Tapuas e Historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas: Tese apresentada para o concurso de Livre Docência Área de Etnologia, subárea História indígena e do Indigenismo. Antropologia. UNICAMP, 2001. SILVA, Edson. Dia do Índio: a folclorização da temática indígena na escola. Disponível em: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=2090 Acessado em 07 de março de 2015 SILVA, Edson. Povos Indígenas: história, culturas e o ensino a partir da lei 11.645. In: Revista Historien, v. 7, p. 39-49, Petrolina: UPE, 2012.

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A VIOLÊNCIA COMO LINGUAGEM: UM HORIZONTE TEÓRICO PARA A HISTORICIZAÇÃO DA CULTURA DA VIOLÊNCIA César Henrique Guazzelli e Sousa

A relação existente entre índices de educação e índices violência, ainda que seja amplamente debatida nos mais diversos meios e a partir dos mais variados espectros, não recebe a atenção merecida das autoridades competentes, particularmente dos poderes executivos no Brasil. Ou seja, embora existam estudos de amplo espectro sobre o assunto conduzidos por instituições sérias e profissionais extremamente competentes (Abramovay, Waiselfisz, Pino, Boneti, Gonçalves, Sposito, Laterman, Priotto) não percebemos a aplicação dos resultados na forma de políticas públicas efetivas e nos e nos ambientes escolares. A agudeza da situação, facilmente perceptível por nós, torna-se clara quando constatamos que a maioria das pesquisas conduzidas no Brasil não se sustentam na elucidação das relações existentes entre a instrumentalização da educação e a redução da violência, e sim na chamada 'violência escolar'. Dessa forma, os estudos brasileiros têm como ponto de partida uma realidade material tão precária que a escola, que deveria ser percebida como um ambiente de socialização, cidadania e aprendizado, torna-se uma reprodutora da violência cotidiana. A instituição que deveria ser o eixo central das políticas de longo prazo para a diminuição da violência social não faz parte da solução, e sim parte do problema. Os jovens infratores, especialmente aqueles imersos em uma cotidianidade profundamente violenta, adotam a hostilidade e a crueldade como atitudes semióticas. Habituados a ambientes familiares e comunitários em que o diálogo e as instituições do Direito não têm qualquer efetividade, adotam a violência como linguagem. Nessa perspectiva, a violência não é simplesmente uma força material. Ela é o uso da força como ferramenta para ações humanas intencionais e carregadas de sentido, seja este sentido individual ou coletivo (LEMKE, 1995). Conforme aponta Ricoeur (1998) a questão da linguagem em confronto com a violência não está relacionada com problema da estrutura, mas antes disso com o problema do sentido, do sentido racional, ou seja, o esforço de integrar em um entendimento

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inclusivo o relacionamento do homem com a natureza, do homem com o homem, com a existência e, finalmente, a relação mesma entre violência e linguagem. Nessa relação, o autor defende que nós nos acostumamos a relacionar a linguagem e a violência como opostos, "os opostos mais fundamentais da existência humana" (RICOEUR, 1998, p. 40). Se a linguagem é um instrumento da civilização, então a violência é um instrumento da barbárie. Se a linguagem é diplomacia, a violência é a guerra. Se a linguagem é a compreensão, a violência é a cólera. Essa compreensão antitética torna particularmente difícil assumir os atos de violência como expressões antropológicas, como operações dotadas de sentido que, para serem adequadamente compreendidas devem ser investigadas a fundo.

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Devemos questionar, portanto, as implicações práticas que derivam da oposição entre discurso e violência. A adesão ao argumento do diálogo e do sentido em oposição à violência - assumida como o outro lado da fronteira do sentido - é um lugar confortável, a partir do qual os indivíduos encontram salvaguarda contra a acusação de serem apologistas do ódio, do gládio. O recurso à violência, dessa forma, sempre permanece "uma culpabilidade limitada, uma falta calculada; aquele que reconhece um crime como crime já está no caminho do sentido e da salvação" (RICOEUR, 1998, p. 40). Mais do que o discurso da não-violência, acreditamos na não-violência do discurso. O recurso ao pacifismo, a ode ao homem que se recusa a responder à violência com violência, caminha lado a lado com a justificação da violência como instrumento de regeneração social (SLOTKIN, 2000). O gesto do pacifista aponta para uma utopia, o testemunho de um futuro almejado. Porém, as constrições da realidade demandam dos homens, dentro de certas situações, a necessidade de imporem certas vontades - individuais ou coletivas - pelo uso da força. Estas duas formas de ação, conforme Ricoeur (1998), correspondem, respectivamente, à moralidade da convicção e à moralidade da responsabilidade. No primeiro caso, a ação deontológica, que condena a violência com veemência e de forma absoluta, é ilustrada com um modus vivendi avesso à corrupção da ação violenta. No segundo caso, a ação teleológica, que reconhece a necessidade do uso da violência em determinadas situações, se justifica pela percepção de que ela era a 'última ou única opção'. A utilização da violência como linguagem, evidentemente, associa-se a esse segundo tipo de moralidade. Entre os jovens latino-

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americanos em particular, especialmente aqueles que vivem em ambientes de abandono, às margens da assistência estatal e da comoção social, a violência se revela como uma forma de autoafirmação. Ela é um instrumento que busca reivindicar prestígio pessoal e respeito comunitário em agrupamentos sociais onde o mito do 'homem que se fez do nada' é levado em alta conta. Ela é um desafio à ordem das coisas imposta pelo status quo e pelo Estado de direito, que os impede de ter acesso a determinadas benesses materiais e simbólicas. Assim, muito além das estatísticas, das ações repressivas, da integração e diálogo entre a Educação e a Segurança Pública, é necessário entendermos os sentidos que constituem a cultura da violência, das energias que movem os jovens a repudiarem a educação formal e abraçarem a violência como uma marca identitária. De acordo com Salete Valesan (2015, p. 9), a violência pode ser entendida como "uma linguagem cujo uso é validado pela sociedade, quando esta se omite na adoção de normas e políticas sabidamente capazes de oferecer alternativas de mediação para os conflitos que tensionam a vida cotidiana". Ainda segundo a autora, a sensação de impunidade provocada por fatores como a lentidão dos processos judiciais, o investimento insuficiente nos aparatos de investigação policial e a falta de respaldo físico e financeiro para que as sanções penais aplicadas aos infratores sejam de fato cumpridas são elementos que sinalizam significados para a sociedade. Tais significados sintetizam-se na percepção de que "a violência é tolerável em determinadas condições, de acordo com quem a pratica, contra quem, de que forma e em que lugar" (Idem). Os números dessa cultura da força e da agressão são alarmantes. Entre 1980 e 2012, aproximadamente 497.570 jovens entre 15 e 29 anos foram vítimas fatais de armas de fogo. Isso corresponde a 56,5% do total de vítimas no período. Enquanto na série histórica o crescimento do número de homicídios no Brasil foi de 387% em 22 anos, entre os jovens esse percentual é de 463,6% (WAISELFISZ, 2015, p. 23). Se tomarmos o Índice de Vitimização Juvenil por Armas de Fogo (IVJ-AF) como referência, a situação é ainda mais alarmante. Morrem 285% mais jovens do que não-jovens no Brasil. Não é por acaso. A cultura da violência brasileira não é um fenômeno isolado. Em toda a América Latina, assim como na maioria dos países africanos, números estatísticos similares aos aqui apresentados são encontrados. O uso da violência como linguagem vincula-se a uma herança colonial e imperialista. Entre os 50 países com maiores taxas de homicídio no mundo, 48 se encontram em um

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desses dois continentes. A cultura da violência é um substrato da desigualdade, subproduto de uma ordem mundial que impõe aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento constrições econômicas que perpetuam a desigualdade social, a subvalorização da educação formal e a feitichização do progresso material individual.

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A percepção da violência como linguagem, como ação embasada em um conjunto de signos socialmente compartilhados e, por isso, dotados de sentido, cria uma inversão fundamental para o seu estudo. Os atores sociais, antes vistos como sujeitos passivos das constrições sócio-econômicas, se tornam agentes sociais. A partir de uma perspectiva estritamente socioeconômica, que credita unicamente à dominação e às constrições de subdesenvolvimento os surtos de criminalidade presenciados em países como Honduras, Venezuela, Brasil ou África do Sul, cria-se um modelo que assume a cultura da violência como resultado da falta de opção dos marginalizados. Essa perspectiva é muito bem ilustrada em Ianni (1970, p. 18), segundo o qual a relação intrínseca entre violência e dominação econômica na América Latina é resultado direto de dois processos complementares; por um lado, o ocaso da política de desenvolvimento econômico destinada a criar um 'capitalismo nacional' em alguns países latino-americanos (como é o caso do Brasil). Por outro, o também insucesso da política liberal de 'capitalismo associado'. Estes dois processos, ainda de acordo com o autor, se desenrolaram em um contexto de profunda dependência econômica e desigualdade social. Na América Latina, tanto do ponto de vista do desenvolvimento alicerçado em medidas protecionistas quanto dentro de uma perspectiva liberal, o crescimento econômico andou lado-a-lado com o aprofundamento das desigualdades sociais e regionais. Por essa lógica, aonde houver dominação imperialista e desigualdade, encontraremos instaurada a cultura da violência. Não podemos ignorar, contudo, que houveram processos análogos em outros países fora da América Latina e da África, como por exemplo Índia e Nepal. Apesar da desigualdade acachapante e dos séculos de dominação imperialista, eles apresentam níveis de violência social consideravelmente baixos quando comparados com o restante da América Latina. Na Argentina, Chile, Uruguai e Peru, os índices também se apresentam em níveis toleráveis (ou controlados) quando contrastados com o restante do cone sul. Portanto, e isso nos parece bastante óbvio, devemos ir além do determinismo econômico para compreendermos a cultura da violência.

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Ao considerarmos a existência de uma linguagem da violência, da atribuição de sentido dos atores sociais às ações atentatórias contra o 'outro', construímos um modelo analítico que, por um lado, atribui aos agentes sociais em contextos de violência a responsabilidade por seus próprios atos. Por outro, avançamos além da perplexidade com a situação imposta; as ações pedagógicas, as políticas de segurança pública e de assistência social devem partir sempre da compreensão de que determinados contextos de violência generalizada não são a barbárie - a ausência de civilização e de significação às ações individuais. Elas não são o avesso da cultura. Muito pelo contrário, os sujeitos que agem de forma violenta e atentatória o fazem como forma de produzir sentido, de serem vistos, de dialogarem com a sociedade, ainda que esse diálogo, dentro de nossa herança racionalista/iluminista, seja hediondo. A compreensão da violência como linguagem, deixo bastante claro, não significa a concordância com a cultura da violência. Muito pelo contrário, ela nos fornece um instrumento compreensivo para os contextos sociais de violência generalizada, creditando a cada sujeito a responsabilidade por seus próprios atos e, assim, tornando possível a ação social, pedagógica, política e jurídica não mais com base na premissa da hipossuficiência e da exclusão, mas com base em esforços que busquem, simultaneamente, enfrentar a cultura da violência por meio da educação e neutralizar os seus resultados mais nefastos por meio de ações jurídico-políticas que penalizem devidamente os indivíduos pelos seus atos, e não toda a sociedade. Referências SLOTKIN, Richard. Regeneration through violence: the mythology of the American frontier. 1600-1860. Oklahoma: University of Oklahoma Press, 2000. LEMKE, J.L. Textual Politics: Discourse and Social Dynamics. Washington, D.C.: Taylor & Francis, 1995. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência: mortes matadas por armas de fogo. Brasília: Juventude viva, 2015. RICOEUR, Paul. Violence and Language. Bulletin de la Societé Américaine de Philosophie de Langue Française. Volume 10, Issue 2, Outono de 1998. Pp. 32-41. IANNI, Octavio. Imperialismo y cultura de la violencia en America Latina. 12. Edição. Cidade do México: Siglo Veintiuno Editores, 1970.

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ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UM NOVO OLHAR SOBRE O BRASIL COLÔNIA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA Claucia Cristine Vladyka Maia

Estágio Supervisionado / TFES, assuntos que quando entramos para o mundo acadêmico sabemos que teremos que realizar, porém, a expectativa, a angustia estão presentes na hora de realiza-los. Nas linhas a seguir será explanado um pouco de minhas experiências vividas no campo de estágio.

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Ao iniciar esse ano já nas primeiras aulas já estava convicta do que gostaria de realizar, que seria trabalhar com uma turma no EJA Educação de Jovens e Adultos, pois me proporcionaria uma nova experiência. Meu primeiro passo foi entrar em contato com a professora Eliane Bughay do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos - CEEBJA de União da Vitória/PR, que me recebeu de uma forma muito acolhedora, me oportunizou trabalhar em sua turma, com o tema de minha monografia que fala sobre a arte da cura no Brasil do século XVIII. Com o tema em mãos cabe a nós selecionar dentre tantos assuntos o que vamos apresentar em nossas aulas e novamente indagações, dúvidas se fazem presente, pois afinal o papel aceita tudo, mas, na prática como isso funcionaria. Quando soube que poderia aplicar o tema de minha monografia intitulada "Entre Médicos e Curandeiros: A Arte de Curar no Brasil do Século XVIII" fiquei feliz, mas essa felicidade logo se transforma em apreensão, pois afinal, como apresentar esse tema para a turma. Dessa maneira me coloquei no lugar dos/as alunos/as e pensei, o que eu sei sobre como era viver no Brasil colônia, quem eram essas pessoas, como foi o contato dos povos que aqui se estabeleceram, e como seu convívio contribuiu para várias transformações dentro da sociedade colonial? Silva (2011, p. 77) apresenta que "nenhum outro lugar do mundo fundamentou suas bases sobre raízes portuguesas, indígenas e africanas", e partindo desses questionamentos passei a elaborar como seria melhor apresentar o tema para a turma, que instigasse novos questionamentos sobre "as verdades" que são apresentadas sobre o Brasil colônia.

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Com esse objetivo minha primeira preocupação era apresentar os diversos sujeitos dentro da história, que na maioria das vezes são pouco abordados, optei em apresentar o lado humano, e também minha proposta era apresentar que as transformações que ocorreram na sociedade colonial ainda se fazem presentes em nossa sociedade, como vários costumes, tradições, enfim uma grande herança, possibilitando assim desenvolver nos/as alunos/as um pertencimento a história que está sendo apresentada, pois enfim, são as raízes da nossa história. Com os assuntos definidos caberia agora saber como melhor apresenta-los para fazer sentido para a turma, e também para despertar o interesse e instigar a participação nas aulas. Minhas aulas foram pensadas e preparadas todas de forma expositiva dialógica, minha opção por essa técnica é porque acredito imensamente no diálogo como intercâmbio de conhecimentos e experiências para a reelaboração de novos conhecimentos, tornando-se cada vez mais críticos, independentes em sua maneira de agir e pensar, possibilitando tanto mudanças para si como para a sociedade. Para a primeira aula resolvi trabalhar com a carta de Pero Vaz de Caminha, explanei sobre a mesma, sobre o que ela significava para a história do Brasil, apresentei ela na íntegra, porém, por se tratar de um documento muito grande, trabalhamos com trechos específicos, sempre debatendo sobre quem eram os verdadeiros ocupantes dessa terra, quebrando assim uma "verdade" que sempre é apresentada nos livros de que foram os portugueses que descobriram o Brasil, e também que somente nobres vieram para povoar essa nova terra, o que proporcionou grandes discussões em torno do documento e a quebra de vários estereótipos que são apresentados. Com esse documento meu objetivo era apresentar para a turma como era a visão que os portugueses tiveram de nossa terra, como viram o índio, como o descreviam, o que falavam sobre a natureza e também como tentaram impor a sua fé e os seus costumes. Todos os trechos renderam várias discussões, o que fiquei muito satisfeita, ficaram impressionados em ver como descreveram os indígenas e qual era sua real intenção em relação a terra, falamos sobre as trocas de quinquilharias realizadas para conseguir conhecer cada vez mais a terra. Após essas discussões, comecei a abordar com a turma como foi o

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convívio entre as pessoas que se faziam presentes no Brasil e suas relações, comecei apresentando sobre o escambo, forma que os portugueses utilizaram para conseguir a mão de obra indígena principalmente para a extração do pau-brasil. Apresentei sobre a importância da colonização para os portugueses para garantir a posse da terra que usurparam dos indígenas, e também abordei sobre todas as transformações que foram ocorrendo a partir dessa tomada de terra.

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Quando comecei apresentar sobre a sociedade açucareira, a hierarquização social, a distinção do elemento humano se fez muito presente nas discussões, os indígenas, que já havíamos discutido um pouco, sobre sua mão de obra, sobre o escambo e também por meio de telas como de Debret, Spix & Martius discutimos sobre a escravidão indígena, mas como essa mão de obra foi ficando escassa, outra figura importante no contexto colonial se fez presente em nossas discussões, os africanos, ou "o negro". Comecei apresentando sobre a vinda deles, na tela "Negros no fundo do porão de navio" (Desenho: Johann Moritz Rugendas, 1835), discutimos como era sua resistência na África, para quebrar justamente com paradigmas apresentados por muito tempo sobre os africanos. Trabalhei as formas de castigo, parti da indagação de quais eram as formas de castigos que eles conheciam a respeito dos escravos, e a descrição foi unanime, falando que era o tronco, que é mais visto em filmes, novelas, etc. Foi ai que apresentei vários instrumentos de torturas (através de imagens) como a máscara de flandres, que era usada para punição de furto de alimentos, alcoolismo, ingestão de terra, na mineração de diamantes, para impedir que os negros extraviassem as pedras, engolindo-as. Os instrumentos de ferro de "castigos e penitências" usados para punir, como algemas, palmatórias, gargalheiras (espécie de coleira presa ao pescoço do cativo), apresentei o "bacalhau", chicote feito com cabo de madeira e de cinco tiras de couro retorcidos ou com nós, utilizado para açoitar, além é claro para acelerar o ritmo de trabalho. Muitos ficaram surpresos com a diversidade de formas de castigos falando que só conheciam o tronco em si. Com esse novo olhar, trabalhei com eles/as com o texto "Tortura de escravos e heresias na casa da torre" de Luiz Mott, explanei sobre o texto, selecionei alguns dos castigos para proporcionar um novo olhar sobre a escravidão e mostrar que os castigos eram aplicados a todos, não importando o sexo nem mesmo a idade. Quando começamos a leitura do texto pude perceber uma repulsa dos/as alunos/as ao que estava sendo

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apresentado, anos, onde pingavam a cera de vela em seu ânus, e ainda o de Leandra de apenas três, quatro anos de idade que colocou doce que estava sendo feito em um tacho na palma de sua mão, toda a leitura foi cheia de discussões de como poderia haver pessoas que faziam essas barbaridades com seres humanos, ficaram indignados e perplexos com o que estava sendo apresentado. Outra proposta foi apresentar sobre as mulheres presentes na sociedade colonial tendo como base as indígenas, as portuguesas e as negras, tendo como objetivo principal explicar como eram suas vidas, como e para que eram criadas, apresentar sobre a estrutura familiar patriarcal. Questionar o porquê da invisibilidade das mulheres na história, apresentar como elas foram e são muito importantes na formação das sociedades em geral, expondo que desde o início quando seus maridos/companheiros saiam para "o mundo" quem ficava à frente da casa, dos negócios eram justamente as mulheres, como hoje em dia ainda é muito comum, mulheres que são as mantenedoras de suas casas. Os temas que foram apresentados até aqui serviram como base para estruturar a explanação sobre meu tema de pesquisa, a arte da cura no Brasil colônia, como já tinham o conhecimento de como era viver nessa sociedade comecei minha explicação. Primeiramente comecei falando sobre o trabalho do historiador, sobre quando escolhemos estudar sobre um determinado assunto, nossa pesquisa deve estar embasada em fontes, e assim apresentei minha fonte de pesquisa o "Erário Mineral", um tratado de medicina, que foi escrito em 1735 por Luís Gomes Ferreira, português que veio para o Brasil em busca de fortuna fácil através da febre da exploração do ouro. No início fiquei com medo do assunto não chamar atenção da turma, mas com o passar da apresentação percebi que isso não aconteceu, eles/as questionavam, argumentavam tudo que estava sendo apresentado, como por exemplo, o medo da morte, a doença como castigo divino, o medo da mulher como bruxa/demônio, a Igreja e o Estado querendo agir no domínio do corpo, e assim foram atribuindo a santos/ santas as curas, além é claro a forma de diagnosticar as doenças que eram através da observação e aplicação dos remédios eram experimentos que poderiam dar certo ou não. Quando comei a trabalhar as receitas propriamente existentes no Erário Mineral, eles/as ficaram ainda mais surpresos e também pode-se dizer que enojados, pois puderam verificar que o receituário colonial incorporava tudo que estivesse perto, e foi assim que a

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medicina e a magia se mesclaram, utilizando-se tanto de propriedades da natureza do mundo sobrenatural além de elementos que jamais poderia se imaginar, e assim perceberam que o Brasil colônia foi um laboratório de experiências. Em todos os temas propostos e debatidos em sala os/as alunos/as fizeram atividades, produziram textos, elaboraram charge, e também foi realizada no final do estágio uma avaliação. Essa avaliação foi elaborada com a proposta de que os/as alunos/as pudessem colocar seu entendimento aos temas propostos, pois acredito que essa é a função do ensino de história, como Seffner (2000) argumenta em seu texto, nossos/as alunos/as devem compreender para reconceituar o que esta sendo colocado em debate, e é esse nosso papel como professores/as, auxiliar nessa leitura do mundo, respeitando suas opiniões, e possibilitando assim uma autonomia para expressar-se.

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Como minha intenção era proporcionar um novo olhar sobre o Brasil colônia, sobre nossa própria história, os resultados foram muito bons, foi a questão relacionada ao texto de Luiz Mott "Torturas de escravos e heresias na casa da torre", que mais demonstrou o quanto foi importante para a formação de um novo conhecimento histórico, como demonstra a resposta da Aluna "A".

A resposta da aluna em questão permite perceber que meu objetivo em relação ao tema foi alcançado, pois sua narrativa é muito claro, quando afirma que "eu tinha uma visão" e "agora (...) pude aprender que vai além". Essa fala é muito gratificante, saber que minha aula pode contribuir para a construção de um novo saber, uma nova visão sobre um assunto que muito é debatido.

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Quanto cheguei na parte para verificar como foi o entendimento sobre a arte da cura, minha intenção era abusar da criatividade deles/as, e foi assim que elaborei a seguinte questão: Como vimos o período colonial foi uma experiência em relações ao processo de cura, com a utilização de todos os elementos possíveis nas receitas. Agora imagine que você é um agente de cura daquele período e escreva a sua receita, use sua imaginação. Quando li a presente questão para eles/as, para explicar e lembrar um pouco do que havíamos visto, as risadas foram muito espontâneas, e começou um alvoroço em torno da questão, pois perceberão que poderiam escrever o que queriam. Os/as alunos/as abusaram de sua criatividade mesmo, elaboraram um receituário para os males que talvez estejam presentes em seus dias, ou quem sabe, para evitar que o façam. A receita do aluno "B" vem de encontro a um problema muito presente para a vida dos estudantes, a amnésia:

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O resultado dessa avaliação me mostrou que cada aluno/a apreendeu sobre os temas propostos, acredito que consegui cumprir o que tinha proposto fazer quanto aos objetivos traçados para cada aula, com os resultados aqui apresentados vejo que maiores foram os acertos do que os erros. Referências MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição e Sociedade. Tortura de escravos e heresias na casa da torre. Salvador: EDUFBA, 2010. 294 p. SEFFNER, Fernando. Teoria, Metodologia e ensino de História. In: Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000, p. 257- 288. SILVA, Camila Vieira da. Magia e Feitiçaria na Colônia: A Originalidade das Práticas Sincréticas. Revista Historiador Número 04. Ano 04. Dezembro de 2011.

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AS IMAGENS E O ENSINO DA HISTÓRIA Cyanna Missaglia de Fochesatto

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Nos últimos anos as discussões acerca do ensino da História têm apontado um significativo crescimento no âmbito acadêmico. Formas de dinamizar o ensino, de adequar os currículos escolares, de trabalhar através da interdisciplinaridade, a utilização de diversas fontes no ensino, as formas de avaliações e as novas tecnologias são questões que têm ocupado as discussões na área do ensino da História. Nesse sentido, busca-se acompanhar as transformações sociais e identitárias que ocorreram nos últimos anos na sociedade, e, certamente, influenciaram a vivência escolar, seja do grupo discente ou docente. Dessa forma, esse texto pretende trazer uma reflexão sobre a utilização de imagens no ensino da História, uma vez que elas estão amplamente presentes no cotidiano escolar, e em quase todas as áreas da vida em sociedade. As imagens carregam também uma responsabilidade pedagógica que precisa ser trabalhada de forma mais efetiva no ensino da disciplina histórica, pois a utilização de mídias, proliferações de vídeos, fotos, charges, pinturas e outras iconografias são abundantes no ambiente escolar, estando presentes nos livros didáticos, nos sites educativos e nos materiais de apoio utilizados pelos professores. As imagens, presentes nos livros didáticos, ampliam as fontes de conhecimento à disposição dos estudantes, embora ainda se tenha um longo caminho pela frente no que concerne a problematizar e a ensinar a refletir sobre fatos históricos por variadas fontes. Os livros didáticos têm alterado sua forma de apresentar as imagens, pois elas não são mais vistas, ou utilizadas - na maioria dos casos - como um mero instrumento ilustrativo. A imagem tornou-se parte importante da construção do conhecimento. As atividades encontradas nos livros escolares têm se dedicado a interpretação, análise e discussão de fatos históricos partindo de fontes como fotos, pinturas, charges e outras formas de representação imagética. O crescimento da utilização das imagens no ambiente escolar também surgiu como uma alternativa ao ensino da História que propõe a homogeneização, e que oferece perguntas e respostas prontas, pois este modelo está fadado ao insucesso, e se afasta cada vez mais das novas discussões sobre as formas de ensinar História. Também se afasta do objetivo de tornar o aluno um cidadão

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reflexivo, crítico e capaz de transformar sua realidade, objetivo esse comum em todas as áreas do conhecimento escolar. As aulas, ao contrário de trazer a informação pronta e dissolvida em textos limitadores e muitas vezes medíocres, devem estimular a reflexão e a interpretação das leituras, especialmente das fontes históricas, sejam elas documentais ou iconográficas, ou de qualquer outra natureza. O importante é que as instituições de ensino visem estimular diferentes habilidades nos estudantes, e que tornem a aprendizagem algo mais próximo da realidade do estudante, onde as fontes e as reflexões lhe tragam um significado para seu mundo e para suas vivências. O ensino da História tem uma função social que extrapola os limites do processo puramente educativo, pois ajuda a construir a trajetória dos sujeitos sociais, revela a memória de um passado estritamente aliado ao presente e à realidade das sociedades. Vai além de teorias e metodologias, pois constitui-se como uma base para entendimento do mundo. É preciso dotar o processo de ensino da disciplina histórica de um sentido crítico para a educação como um todo. Seffner considera que: O objetivo de uma aula de história é a produção de saberes de natureza histórica que façam sentindo aos alunos, que sirvam para que eles se indaguem acerca de sua vida social e familiar, de seus relacionamentos, de seus valores, de sua história enfim. Podemos dizer que o objetivo de uma aula de história é a realização de aprendizagens de conteúdos, conceitos, métodos e tradições que lhes sirvam para entender de modo mais denso o mundo em que vivem. (SEFFNER, 2011, p. 213). Por muito tempo ficamos acostumados a ver a imagem como sendo portadora de apenas uma função meramente ilustrativa e, por vezes, esquecemos da sua função informativa e pedagógica. As imagens podem nos contar sobre "o imaginário da época em que foram confeccionadas, ou sobre o entendimento que a sociedade, da qual o autor faz parte, tem sobre o assunto retratado". (BALDISSERA, 2011, p. 248). As imagens estão inseridas em nosso cotidiano desde o início da humanidade, onde o "homem das cavernas" deixou seus primeiros símbolos gravados em pedra. Atualmente as imagens ocupam um espaço significativo no cotidiano das pessoas, tratandose de um importante instrumento de educação para variadas culturas. As escolas estão se utilizando abundantemente das imagens, sejam nas aulas de História, ou nas demais disciplinas e

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áreas do ensino. Um exemplo disso são alguns livros didáticos que comportam em suas páginas imagens de todos os tipos, revelando a importância que as mesmas ganharam na educação, e propondo atividades de interpretação e leitura imagética aos alunos. Uma das funções da escola é contribuir para o estudante desenvolver um conjunto de habilidades e competências que o ajudem a viver em sociedade e fazer uma leitura da mesma, podendo participar de forma democrática da vida política e social. Uma dessas habilidades que o professor deve desenvolver nos seus alunos está relacionada à leitura e interpretação de imagens, que não deve mais ser vista apenas como uma ilustração do texto escrito, ou tratada como apêndice nas aulas de História.

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No entanto, dois elementos são colocados em discussão para que a utilização das imagens na escola possa ter um aproveitamento mais positivo. A primeira refere-se aos cuidados que se deve ter com esse tipo de fonte. É preciso sempre ter o cuidado de avaliar o nível da turma, a idade dos alunos, e vincular as imagens trabalhadas ao conhecimento prévio que eles têm. O olhar para a análise de uma imagem nunca será puro, ele sempre parte da bagagem de conhecimento que carregamos. Atenta-se que na questão da exploração da imagem, por exemplo, uma quinta série tem uma abstração completamente diferente de um aluno do final do ensino médio. Existe uma escala de complexidade de idades e níveis. Isso serve também para outras atividades, e, igualmente, para o texto escrito. (BALDISSERA, 2011, p.265). O professor precisa ter a sensibilidade de saber as limitações dos alunos, bem como as atividades devem ser coerentes com idade e a capacidade de abstração de uma turma. Baldissera aponta algumas questões fundamentais que devem ser feitas para a análise de uma imagem, tais como: O quê? (identificação da obra), tema (explicitação além do título), quem? (autor (s), escola, etc.), onde? (lugar de origem e onde se encontra), quando? (data, época), por quê? (motivo pela qual a obra foi criada, objetivo a ser alcançado), como? (as circunstâncias em que foi feita a obra, técnicas utilizadas...), para quem, contextualização histórica (a partir da época já indicada), análise (por exemplo, quando seu conteúdo é de fácil leitura e compreensão com elementos que não exijam a leitura complexa de signos, símbolos, etc.). (BALDISSERA, 2011, p.256).

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Cada imagem tem uma história para contar. Podem ser lidas e traduzidas em palavras, e seus signos revelam elementos que podem passar despercebidos ou serem omitidos dos textos escritos. O estudo das imagens deve estar associado à análise das circunstâncias de sua criação, à vida pessoal do artista e ao contexto do mesmo. Ainda assim, é importante ressaltar a falta de cuidado de alguns livros didáticos quando se refere as imagens, pois existe uma despreocupação em citar as referências desse tipo de fonte, apontando para uma desvalorização das mesmas enquanto fontes de pesquisa e de análise histórica. O segundo elemento importante de reflexão sobre o uso de imagens no processo de ensino refere-se ao preparo dos docentes. É possível questionar se o professor está sendo habilitado para poder utilizar as imagens em sala de aula através uma leitura crítica, pois de nada adiantaria trazer distintas fontes na educação básica se o docente embora bem-intencionado - não tenha um alfabetismo crítico da visualidade para contextualizá-la e dar sentido para esse material. A formação dos currículos das licenciaturas tem, igualmente, alterado alguns aspectos para incorporação de disciplinas nas grades curriculares das universidades. Um exemplo disso foram as mudanças ocorridas nos currículos das licenciaturas nos últimos anos, e que passaram a atentar para o ensino da cultura indígena e afro-brasileira, além a incorporação da disciplina de libras. Embora essas alterações tenham sido as recomendadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais, torna-se plausível que se pense em novas formas de ensinar e atender as demandas sociais atuais. Outro exemplo seriam as proliferações de especializações, pesquisas, e trabalhos acadêmicos que abordem como eixo central de análise as novas tecnologias em sala de aula. Isso evidencia que os docentes estão discutindo formas de incorporar no processo de ensinoaprendizagem questões diversas que permeiam nossa vida cotidiana. São muitos os benefícios que a utilização de fontes visuais pode trazer aos alunos. O alfabetismo visual vai além da sala de aula. Diversas são as leituras de signos que podemos fazer quando criamos o hábito de vincular as imagens à nossa rotina, despertando assim o olhar para interpretar esses símbolos que nos cercam a todo instante. A disciplina de História traz a possibilidade de contribuir para um entendimento sobre os fatos históricos ocorridos por meio de diferentes fontes, sejam elas documentos, literatura, imagens, fontes orais, fontes materiais. Todas essas formas de ensino somente podem ser lidas quando se tem a prática de trabalhar com elas em

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aula, favorecendo que o aluno possa se familiarizar com as imagens a ponto de poder fazer suas próprias inferências sozinho.

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Esse texto pretendeu trazer para discussão diferentes olhares para os procedimentos metodológicos e o uso de fontes imagéticas no ambiente escolar. As utilizações de outros recursos - que favoreçam o desenvolvimento de distintas habilidades - bem como tornem o ensino da História mais prazeroso e dinâmico, devem ser levados em consideração pelos educadores na hora de planejar as suas aulas. Atualmente somos cercados por imagens de todos os tipos, por todos os meios, pelas propagandas, jogos, televisões, celulares, filmes, fotos, publicidades, enfim, as imagens estão no cotidiano dos alunos em muitos momentos do dia a dia. Seria uma negligência da escola não contemplar essas questões, coisa que vem provando não ser o caso, pois, muito embora ainda encontremos carência no investimento de novas competências para o educador, ou ambientes escolares despreparados para aproveitar o máximo que as imagens podem oferecer aos alunos, elas estão inseridas, sim, nas atividades escolares, nos recursos midiáticos utilizados, e nos livros didáticos. As imagens possibilitam uma visão mais ampla ao aluno, apresentando outras - ou até novas - formas de entendimento sobre determinados conteúdos históricos. Referências Bibliográficas BALDISSERA, José Alberto. Imagem e construção do conhecimento histórico. In: PADRÓS, Enrique Serra; PEREIRA, Nilton Mullet; BARROSO, Vera; GEDOZ, Sirlei. (Org.) Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: Evangraf, 2011. BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. CALADO, Isabel. A utilização educativa das imagens. Lisboa: Porto Editora,1994. FRANÇA PAIVA, Eduardo. A iconografia na história - indagações preliminares. In: FRANÇA PAIVA. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Currículo e Estudos culturais: tensões e desafios em torno das identidades. In: SILVEIRA, Rosa Maria H. (org.). Cultura, poder e educação: Um debate sobre Estudos Culturais em Educação. 2 ed. Canoas: Ed. ULBRA, 2011. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Mudanças epistemológicas: a entrada em cena de um novo olhar. In: História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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SEFFNER, Fernando. Saberes da docência, saberes da disciplina e muitos imprevistos: atravessamentos no território do ensino de História. In: PADRÓS, Enrique Serra; PEREIRA, Nilton Mullet; BARROSO, Vera; GEDOZ, Sirlei. (Org.) Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: Evangraf, 2011. SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de História. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto B.; PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz; SCHMIDT, Benito B. (Org.). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000.

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ESTILOS DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO DIDÁTICOPEDAGÓGICO DA DISCIPLINA HISTÓRIA Daniel Rodrigues de Lima

Introdução O objetivo do artigo é analisar como a teoria dos estilos de aprendizagem pode contribuir no ensino e na aprendizagem da disciplina História, além de compreender o que são esses estilos e as suas principais teorias e simular uma prática com sua a utilização. Estilos de aprendizagem: conceitos e principais teorias

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No entendimento de Barros (2008, p. 15) estilos de aprendizagem são: “[...] maneiras pessoais de processar informação, os sentimentos e comportamentos em situações de aprendizagem", ou seja, são formas de identificar como os sujeitos aprendem de uma maneira mais significativa, onde se busca compreender qual o estilo predominante de cada um, havendo uma busca para o desenvolvimento dos demais. A teoria dos estilos de aprendizagem busca mostrar como os indivíduos se apropriam do conhecimento a partir das competências e habilidades no processo de aprender. Dessa forma segundo Cerqueira (2006, p. 35): O estilo de aprendizagem chama nossa atenção no sentido de compreender que cada um tem um jeito próprio de aprender e ensinar, no entanto, o professor ainda ensina segundo seu próprio estilo de aprendizagem sem levar em consideração que o aluno também tem um estilo de aprendizagem que é único. [...] Entende-se que o papel do professor nesse processo é de mediador e de identificar os estilos de aprendizagem dos alunos, devendo buscar mecanismos que estimulem os estilos menos desenvolvidos dos educandos no processo de aprender. Sobre o papel do professor, Cathólico (2010, p. 3), nos informa: De acordo com Blanc (1996), os estudantes aprendem mais por si mesmos e os professores não poderão

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transmitir conhecimentos previamente estruturados, mas orientar na seleção, ordenação e avaliação do conhecimento disponível, auxiliando os estudantes a pensar e organizar seus próprios caminhos de aprendizagem, ou seja, mediar. Tentou-se, acima conceituar o que são estilos de aprendizagem, diante disso, se entende que são diferentes maneiras de perceber e processar as informações, sendo formas ou maneiras diferentes como cada um dos indivíduos aprende, ou seja, não é o que se aprende, mas, a forma como se comporta durante o processo de aprendizagem. Vários foram os modelos e teorias criadas acerca dos estilos de aprendizagem, sendo propostas por educadores e psicólogos, em sua maioria, contudo o eixo básico de tais teorias ou modelos partem do seguinte: existem três caminhos perceptivos sendo estes: o visual, o sinestésico e o auditivo. Neste momento vai se descrever as principais teorias sobre estilos de aprendizagem, destaca-se as seguintes: a de David Kolb; Myers e Briggs; e Felder e Silverman. David Kolb, em 1976, elabora um instrumento chamado Inventário de Estilos de Aprendizagem, com o objetivo de identificar o estilo de aprendizagem preferencial dos estudantes. Em sua teoria de estilos de aprendizagem existem duas dimensões: a percepção e processamento da informação. A combinação das duas dimensões origina quatro tipos de estilos de aprendizagem: o Divergente (concreto e reflexivo) tendo como ponto forte a imaginação, o Assimilador (abstrato e reflexivo) tendo como ponto forte a criação de modelos teóricos através de um raciocínio indutivo, o Convergente (concreto e reflexivo) sua aprendizagem se dá a partir da aplicação de ideias à prática e o Acomodador (concreto e ativo) que aprende melhor experimentando e executando aquilo que é ensinado para melhor aprender. Acerca disso Barros (2008, p 3), expõe: Ainda nos estudos sobre Kolb podemos destacar que o ciclo de aprendizagem se organiza pela experiência concreta, passando pela observação reflexiva, pela conceitualização abstrata e, por fim, pela experimentação ativa.

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Kolb salienta que para um melhor aprendizado ou aprendizagem significativa deve-se explorar os quatro estilos, apesar dos aprendizes possuírem maior afinidade com um deles. Myers e Briggs acreditam nos estilos de aprendizagem como reflexos psicológicos, em sua teoria estabelecem quatro dimensões de estilos de aprendizagem: orientação para a vida (extrovertidos e introvertidos), percepção (sensoriais e intuitivos), julgamentos de ideias (objetivos e subjetivos) e orientação para o mundo externo (julgadores e perceptivos).

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Estudantes extrovertidos focam no mundo externo, experimentam as coisas e buscam interação em grupos, enquanto introvertidos focam no mundo interno e das ideias (sic), pensam sobre as coisas e preferem trabalhar sozinhos. Estudantes sensoriais são práticos, seu foco está direcionado para os fatos e produtos. Mostram-se mais confortáveis com a rotina. Já estudantes intuitivos são imaginativos, seu foco está voltado para significados e possibilidades. Preferem trabalhar mais em nível conceitual. Mostram-se avessos à rotina. Estudantes objetivos e com tendência a tomar decisões baseadas na lógica e regras são denominados reflexivos. Estudantes subjetivos e com tendência a tomar decisões baseadas em considerações pessoais e humanísticas são denominados sentimentais. Julgadores são estudantes que preferem seguir agendas e possuem ações planejadas e controladas; perceptivos são estudantes que possuem ações espontâneas e procuram adaptar-se de acordo com as circunstâncias. (ALMEIDA, 2010, p. 43, grifos da autora) Felder e Silverman propõem sua teoria de estilos de aprendizagem a partir de cinco dimensões: visual e verbal que estão relacionados à captação da informação, onde os visuais a captam melhor vendo e os verbais através de palavras faladas ou escritas. Os intuitivos e sensoriais são as formas de perceber a informação, em que os intuitivos possuem grande capacidade de interpretar textos e símbolos com facilidade. Os indutivos e dedutivos, os primeiros partem de ideias particulares a gerais, enquanto, os segundos partem de leis gerais a particulares, ou seja, uns partem de conhecimentos mais específicos para mais amplos, os outros partem de conhecimentos gerais para atingir conhecimentos mais

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particulares. Os ativos e reflexivos, os ativos processam as informações passadas executando atividades, experimentando para melhor compreenderem e gostam de trabalhar em grupos, já os reflexivos antes de experimentar algo precisam compreender, demorando a iniciar atividades, onde acabam privilegiando a prática de atividades individuais. Os sequenciais e globais, onde os sequenciais aprendem os conteúdos de forma linear e os globais analisando todo conteúdo exposto. A teoria proposta por Felder e Silverman segundo Almeida (2010, p. 46): Os estilos de aprendizagem são vistos como habilidades capazes de serem desenvolvidas e, portanto, os educadores devem elaborar aulas que explorem os estilos de aprendizagem preferenciais dos estudantes, e que possibilitem desenvolver também os estilos não preferenciais. Apresentou-se um conjunto variado de teorias de estilos de aprendizagem, diante disso, compreendeu-se as diferenças e aproximações das perspectivas descritas, contudo acredita-se que os estilos de aprendizagem são formas de como cada um dos indivíduos aprendem no processo de ensino e aprendizagem. Simulação de prática pedagógica por meio da teoria de estilos de aprendizagem na disciplina de História Os estilos de aprendizagem podem contribuir e mudar o perfil da disciplina de História, em que essa passa a ser uma disciplina ativa, que compreende todos como participantes do processo histórico. Antes de tudo, o trabalho com a teoria de estilos de aprendizagem pode ser feito de forma simplificada, pois seu manuseio na prática do cotidiano da sala de aula se torna menos complexa, sendo assim, analisa-se apenas como melhor os aprendizes/educandos obtêm e retêm as informações para transformá-las em conhecimento através: do visual, do auditivo e do sinestésico. O professor no início de seus trabalhos deve em primeiro lugar explicar sua metodologia de trabalho em sala de aula, e que trabalha a partir da teoria de estilos de aprendizagem, com isso, conceitua o que vem a ser „estilos de aprendizagem‟, para em seguida aplicar o teste de VAK que identifica quais os estilos de aprendizagem predominam em cada um dos alunos.

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Simula-se agora uma sala de aula de 8º ano do ensino fundamental, onde o professor de história está trabalhando sobre a Idade Média. O professor pode começar com uma aula expositiva dos principais acontecimentos do processo histórico em questão, que vai dos séculos V ao XV, em que pode utilizar no decorrer da aula figuras, mapas e textos relativos ao período. Fazendo isso, este já está trabalhando, a partir de seu diagnóstico, sobre o estilo de aprendizagem de cada um dos alunos, ao menos duas formas: a auditiva, que ocorre através de suas explicações e do diálogo que tem com os alunos, e a visual através da apresentação de imagens por meio das figuras e mapas.

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Na segunda aula, o professor pode trabalhar com partes de um filme que esteja relacionado com o assunto que é Idade Média, onde indica-se o filme "Em Nome de Deus" (É um filme de 1988, produzido na Inglaterra e na antiga Iugoslávia, com a direção de Clive Donner, que narra à história de Abelardo e Heloísa), através das partes selecionadas, os alunos deverão fazer um relatório acerca dos aspectos enfocados nos trechos do filme, acerca do que foi discutido em sala de aula, assim como, o que não foi discutido, mas percebido por este ao visualizar e escutar, esta atividade pode ser feita pelos alunos de forma individual. Nesse momento, mais uma vez se contempla os estilos de aprendizagem visual e auditivo utilizando a imagem cinematográfica como recurso didático auxiliar na sala de aula. Na terceira aula, busca-se contemplar o estilo sinestésico ou desenvolvê-lo nos alunos que melhor se apropriam da informação a partir de atividades corporais e táteis. Na aula divide-se a sala em dois grupos. O primeiro fica encarregado de produzir uma dança relativa ao período que será escolhida pelo professor para os alunos desenvolverem, enquanto, o outro grupo fará uma dramatização das relações sociais existentes durante o período medieval. A quarta e quinta aulas serão para apresentação dos alunos acerca do que foi proposto. A sexta aula, professor aplica uma avaliação para compreender como os alunos se apropriaram da informação e se com todos os mecanismos propostos através de todos os estilos de aprendizagem trabalhados e contemplados estes puderam transformá-la em conhecimento e melhor aprender. Acima, tentou-se simular uma prática do ensino e aprendizagem de história, onde na ação pedagógica se buscou contemplar todas as formas perceptivas de como os alunos melhor obtêm e retêm as

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informações para transformá-las em conhecimentos, pois, dessa forma, o objetivo era contemplar todos os estilos não privilegiando apenas uma forma, mas, tentando aprimorar o estilo de aprendizagem de cada um, e também desenvolver os outros estilos do aprendiz. Considerações finais A teoria de estilos de aprendizagem pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem da disciplina de História, onde através do auxílio dessas teorias na prática pedagógica de História, esta pode ser ensinada de forma com que os alunos a relacionem com sua ação cotidiana, tendo assim um aprendizado mais significativo. Por fim, acredita-se que hoje em nossa prática pedagógica não se deve somente ensinar os nossos alunos a aprender, e sim, deve-se é aprender as várias formas como ensinar e entender como estes melhor aprendem, e a teoria dos estilos de aprendizagem é uma excelente ferramenta se bem aplicada, para desenvolvermos práticas que norteiam tais condutas. O assunto não se esgota com esta breve discussão, mas muito ainda deve ser pesquisado sobre o tema para uma melhor prática educativa da disciplina História. Referências ALMEIDA, Karine Ribeiro de. Descrição e análise de diferentes tipos de aprendizagem. Revista Interlocução, v.3, n.3, p.38-49, publicação semestral, março-outubro/2010. Disponível em http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/anais/terc a_tema1/TerxaTema1Artigo21.pdf. Acessado em: 10/09/2011. BARROS, Daniela Melaré Vieira. A Teoria dos Estilos de Aprendizagem: convergência com as tecnologias digitais. Revista SER: Saber, Educação e Reflexão, Agudos/SP , v.1, n.2, Jul. Dez./ 2008. Disponível em http://www.revistafaag.brweb.com/revistas/index.php/ser/article/view/70. Acessado em: 20/09/2011. BARROS, Daniela Melaré Vieira (org.). Estilos de Aprendizagem e Educação a Distância: Algumas Perguntas e Respostas?!. Revista de Estilos de Aprendizagem, nº5, Vol. 5, abril de 2010. Disponível em http://www.uned.es/revistaestilosdeaprendizaje/numero_5/articul os/lsr_5_articulo_9.pdf. Acessado em: 23/09/2011.

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CATHÓLICO, Roberval Aparecido. Mediação da aprendizagem de Feuerstein à luz dos estilos de aprendizagem de Felder. Revista Eletrônica de Educação e Tecnologia do SENAI-SP, v.4, n.8, mar. 2010. Disponível em http://revistaeletronica.sp.senai.br/index.php/seer/article/view/117 Acessado em 25/09/2011. CERQUEIRA, Teresa Cristina Siqueira. „O professor em sala de aula: reflexão sobre os estilos de aprendizagem e a escuta sensível‟. Revista de Psicologia. Vetor Editora, v. 7, nº 1, p. 29-38, Jan./Jun. 2006.

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RECURSOS DIDÁTICOS UTILIZADOS NO ENSINO DE HISTÓRIA: ESCOLA ESTADUAL PROFESSORA HILDA DE AZEVEDO TRIBUZY (ENSINO MÉDIO-EJA) Daniel Rodrigues de Lima

Introdução Os objetivos que nos propomos a atingir são os seguintes: Objetivo geral: Analisar como os professores trabalham os recursos didáticos no Ensino de História no Ensino Médio da Escola Estadual Professora Hilda Tribuzy, em que temos como objetivos específicos: Conceituar o que são recursos didáticos e quais suas finalidades no ensino; Compreender qual a contribuição dos recursos didáticos na produção e aquisição do conhecimento. A pesquisa foi desenvolvida através de uma observação de campo, onde analisamos as instalações da Escola Estadual Professora Hilda de Azevedo Tribuzy, contudo não fomos autorizados assistir as aulas para não atrapalharmos o desenvolvimento das mesmas, apesar disso em nosso procedimento de análise qualitativa fizemos uma entrevista aberta com a professora Sallime Assam Caldas dos Santos, que nos foi de grande importância para desenvolvermos os resultados da pesquisa. O que são recursos didáticos: conceitos Entendemos que os recursos didáticos são materiais que auxiliam os professores no ensino, e ajudam os alunos na aprendizagem, estes são de extrema importância na aquisição e mediação de conhecimentos. Segundo Circe Bittencourt (2008): Uma concepção mais ampla e atual parte do princípio de que os materiais didáticos são mediadores do processo de aquisição do conhecimento, bem como facilitadores de apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma linguagem especifica de cada área - no nosso caso, da História. (BITTENCOURT, 2008, p. 296) Vários são os recursos e materiais didáticos que podem ser utilizados no ensino de História no Ensino Médio, onde o professor pode utilizar além do livro didático e do quadro, outros recursos como

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vídeo, televisão, rádio, retroprojetor, computadores, além de visitas técnicas e a partir destas produzir materiais que possam ser elementos de apoio na construção do conhecimento, em que a participação dos alunos é fundamental, pois estes também podem e devem produzir recursos didáticos, mostrando com isso domínio do conhecimento em aprendizado. Diante disso, Sheila Ferreira nos orienta sobre como alunos podem e devem usar e manusear tais recursos didáticos, onde segundo a autora:

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Nossa preocupação é observar se os alunos também constroem e utilizam os recursos didáticos uma vez que são aspectos que nos chamaram a atenção na necessidade deles manipularem os instrumentos e as ferramentas com os quais desenvolvem as suas aprendizagens. Os recursos podem estar na escola ou fora dela. Estes só podem ser usados se levamos o aluno até eles, no local em que se encontram. Os recursos de ensino levam os alunos a observar e prestar mais atenção e permiti-lhes distinguir melhor as coisas. Podem mostrar a forma, a sequência de fenómenos, à posição, o tamanho, a estrutura, o funcionamento de equipamentos, o movimento. Facilitam o reconhecimento de semelhanças e diferenças: de animais, de plantas, de sexos, de insetos, de objetos. (FERREIRA, 2009, p.25) Além disso, acreditamos que a utilização dos mais variados recursos didáticos no ensino da História no ensino Médio deve ir de acordo com as concepções teóricas e metodológicas que permeiam a prática do docente, onde este deve ter um conhecimento prévio de como usar e manusear tais recursos. Onde se pode afirmar: A escolha dos materiais depende, portanto, de nossas concepções sobre conhecimento, de como o aluno vai apreendê-lo e do tipo de formação que lhe estamos oferecendo. O método para a utilização dos diversos materiais didáticos decorre de concepções e não pode ser confundido com o simples domínio de determinadas técnicas para a obtenção de resultados satisfatórios. (BITTENCOURT, 2008, p. 299)

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Acreditamos que os recursos didáticos são materiais elaborados previamente que tem como principal objetivo dar apoio aos professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem, onde tem como busca e finalidade a dinamização da prática educativa, proporcionado aulas mais atrativas e menos enfadonhas, e com isso, um melhor aproveitamento dos conteúdos ensinados e trabalhados pelo professor em sala de aula, além de um processo de ensino aprendizagem mais significativo. Recursos didáticos utilizados no ensino de história: escola estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy (ensino médio-eja): entrevista com a professora de nível fundamental e médio (eja), Sallime Assam Caldas dos Santos A Escola Estadual Professora Hilda de Azevedo Tribuzy, fica localizada na av. Noel Nutels s/n°, no Bairro da Cidade Nova I, zona norte da cidade de Manaus. A Escola estadual Professora Hilda de Azevedo Tribuzy oferta o ensino médio apenas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), sendo que a entrevistada é professora de História de uma destas turmas. A entrevista que dá suporte à nossas observações foi feita em seis de junho com a professora Sallime Assam Caldas dos Santos, que nos forneceu muitas informações e esclarecimentos sobre o uso dos recursos didáticos no ensino médio da Escola Estadual Professora Hilda de Azevedo Tribuzy, onde o conteúdo da entrevista está gravada em áudio. A professora Sallime Assam Caldas dos Santos é formada em História pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE), onde teve como trabalho de conclusão de curso (TCC) um artigo intitulado: "A Importância da Identidade Regional no Ensino de História do Amazonas (1995-1996)", é professora concursada da SEDUC, e atua na Escola Estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy, desde 2011, sendo professora de História dos níveis fundamental e médio (EJA). A entrevista foi aberta que contou com as seguintes perguntas: 1) Quais os recursos didáticos que a escola dispõe? 2) Qual a função dos recursos didáticos no processo de ensino aprendizagem da disciplina História no ensino médio? 3) Qual a relação dos recursos didáticos utilizados e a formação docente do professor? 4) Como os materiais didáticos ajudam aos alunos no processo de ensino

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aprendizagem? E estes recursos didáticos permitem a interação e a participação dos alunos na construção, partilha e à consolidação de novos conhecimentos? 5) A utilização dos diferentes recursos didáticos permite a compreensão global dos conteúdos programáticos? A primeira pergunta que fizemos foi sobre quais e recursos didáticos a escola possui, onde segundo Santos:

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A Escola dispõe de salas bem preparadas e bem equipadas com mídias, no momento a Escola tem cinco retroprojetores, e cada professor tem seu notebook, quando há necessidade de ir para (sala da) Tv Escola o professor se desloca com os alunos, onde a Olívia que é responsável pela mídia já deixa tudo montado, ou então, se trabalha dentro da sala de aula com os alunos, sendo mais prático trabalhar dentro da sala de aula com a mídia montada do que levando os alunos para (sala da) Tv Escola, pois são muitos alunos e muitas vezes a Tv Escola não comporta todos estes. (SANTOS entrevista em 6 de junho de 2012). Analisando o que diz a professora vemos que a escola estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy, possui vários recursos didáticos, onde os professores utilizam os computadores e retroprojetores em especial para serem recursos auxiliares ao processo de ensino, além de possuir uma sala com tv e vídeo com muitos materiais didáticos disponíveis, através da Tv Escola. A segunda indagação que fizemos foi "Qual a função dos recursos didáticos no processo de ensino aprendizagem da disciplina História no ensino médio?", onde Santos nos responde: Depende do recurso que se vai utilizar e acredito ainda que para boa formação que nós queremos para nossos alunos como bons cidadãos, pessoas críticas e analíticas, depende de como você vai utilizar essa mídia e ou material didático, porque também, você tem que saber qual objetivo se quer atingir e saber qual ensino se quer que os alunos aprendam, pois não devemos apenas nos prender a parafernálias tecnológicas, pois estas por si só não trazem o conhecimento, e sim, contribuem a difusão da informação, então o que se tem que ter em mente é que para utilizar determinados recursos didáticos

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devemos já ter os objetivos traçados com o que queremos com o ensino. (SANTOS entrevista em 6 de junho de 2012). Entendemos pelas palavras da professora que não basta apenas às escolas serem bem equipadas com os mais variados recursos didáticos, se não soubermos quais finalidades e objetivos que queremos com o ensino, pois no dizer de Santos, não adianta ter apenas as "parafernálias tecnológicas" se não temos um objetivo traçado com o que o queremos ensinar e o que os alunos precisam aprender, ou seja, para utilização de quaisquer dos recursos didáticos que estão a nossa disposição devemos ter compromisso com a educação de qualidade e comprometida com a formação de um cidadão crítico e reflexivo para o viver em sociedade. Onde a interação entre professores e alunos é de fundamental importância para a produção e aquisição dos conhecimentos que estão em estado de informação e que estes passem a ser significativos, ou seja, que estejam interligados a sua vida cotidiana. Sendo dessa forma os recursos didáticos bastante importantes desde que os professores os utilizem de maneira eficiente e eficaz. Nossa entrevista segue, e perguntamos: "Qual a relação dos recursos didáticos utilizados e a formação docente do professor?", onde de acordo com Santos: Bom, a minha experiência na faculdade, acredito que foi boa. Porque me deu um suporte a mais, até porque a minha geração é mais antiga, então com essa Nova História já veio a aguçar em mim a forma de trabalhar diferente, e dentro da sala de aula, procuro trabalhar diferente do que quando aprendi no ensino médio, não sendo apenas aquela aula que o professor fala e os alunos ficam sempre ouvindo, o que deve ocorrer é uma troca de informações, onde deixo os alunos exporem suas ideias, procurando tirar proveito das informações que eles trazem de seu cotidiano, e com isso trabalhar um determinado conteúdo, administrando de forma proveitosa à sala de aula. (SANTOS entrevista em 6 de junho de 2012). O objetivo de nossa pergunta foi de identificar qual a concepção pedagógica e historiográfica da professora, e com a resposta que nos foi dada, entendemos que a utilização dos diversos recursos didáticos no ensino da disciplina de História está fortemente ligada a

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uma pedagogia critico social reflexiva e a corrente historiográfica denominada Nova História, onde fica claro que a formação da professora foi de suma importância para sua prática docente, pois se assim não ocorresse esta utilizaria o método tradicional de aula expositiva, livro didático e quadro negro, onde o professor é o detentor total do conhecimento e o aluno um ser passivo no processo sendo apenas um receptáculo de informações. O próximo questionamento que propomos foi: "Como os materiais didáticos ajudam aos alunos no processo de ensino aprendizagem? E estes recursos didáticos permitem a interação e a participação dos alunos na construção, partilha e à consolidação de novos conhecimentos?". Diante disso temos:

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Mais uma vez, digo que depende muito do professor. Ele tem que levar e fazer o aluno enxergar além dos livros didáticos, possibilitando o ensino e aprendizagem através de jornais, revistas, mapas e entre outros meios, onde tem que valorizar os recursos didáticos. [...] O professor tem que dar suportes para que eles (alunos) façam mais, através de pesquisas e leituras para não ficarem presos só naquela informação contida nos livros, e com isso as informações pesquisadas e estudadas transformarem-se em conhecimento (SANTOS entrevista em 6 de junho de 2012). O papel do professor como mediador no processo de ensino aprendizagem é de extrema importância, pois deve selecionar os recursos didáticos de acordo com os conteúdos a serem trabalhados, onde estes recursos devem ser auxiliares e complementares do livro didático, aonde dessa forma e com o instigamento dos alunos a pesquisas que vão além do que está nos livros e estes mesmos produzindo seus próprios recursos didáticos como mapas, cartazes e entre outros podem construir, partilhar e consolidar os conhecimentos apreendidos. Como última discussão temos: "A utilização dos diferentes recursos didáticos permite a compreensão global dos conteúdos programáticos?", em que Santos nos informa: Às vezes, mas nem sempre, contudo sabendo trabalhar colabora [...] Por exemplo, resolvi passar um filme sobre 'Tiradentes', ai assisti ao filme antes e verifiquei que aquele filme não era o que queria passar para eles

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(alunos), não era a informação que eu queria que eles entendessem, então fui procurar outros meios, propondo pesquisas para eles [...] o professor tem que ir para sala de aula com embasamento, tem que ter domínio do conteúdo, e tem que ter seus objetivos, porque a partir do momento que ele não sabe se programar e preparar sua aula as coisas complicam, ele (professor) tem que fazer a leitura, fazer a pesquisa, tem que planejar. Senão, podem ter as parafernálias eletrônicas e os mais diversos materiais didáticos que tiverem, contudo se o professor não possuir domínio dos conhecimentos a serem ensinados e não souber manusear os recursos didáticos à sua disposição, não adianta muita coisa. (SANTOS entrevista em 6 de junho de 2012) O papel do professor é mais uma vez salientado, pois este como mediador dos recursos didáticos e do ensino, deve sempre estar preparado sabendo e tendo domínio dos conteúdos, pois estes são de fundamental importância para um bom desenvolvimento das aulas, pois os recursos didáticos não são instrumentos que substituem aulas e professores, mas são antes de tudo meios para dinamizar, colaborar, auxiliar e facilitar a aquisição e apreensão de conhecimentos no processo de ensino aprendizagem Considerações finais Acreditamos que conseguimos atingir os objetivos que nos propomos no início do trabalho, e com isso desenvolvemos uma boa contribuição à compreensão de como os recursos didáticos são trabalhados no ensino da disciplina História em nível médio. Conceituamos o que são recursos didáticos, e descobrimos que são materiais que auxiliam professores e alunos no processo de ensino aprendizagem, podendo estes ser: livros de didáticos, filmes, revistas, jornais, cartazes, computadores com seus mais variados tipos de mídias, retroprojetores e entre outros. Além disso, passamos a entender que os recursos didáticos são importantes, pois ajudam a dinamizar as aulas, deixando estas mais atrativas, onde cabe ao professor buscar mecanismos e saber manusear tais recursos, para podermos ter um aprendizado mais significativo, ou seja, um aprendizado que sirva ao aluno em seu processo de viver cotidianamente.

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Observamos ainda, como os recursos didáticos são importantes para a aquisição, retenção e produção dos conhecimentos, onde a professora da escola estadual professora Hilda de Azevedo Tribuzy, a senhora Sallime Assam Caldas dos Santos, enfatiza o papel primordial do professor no manuseio de tais recursos didáticos, não como substituto de aulas ou do professor, mas, como mais um meio para se atingir uma educação preocupada com a formação de sujeitos críticos e reflexivos que se entendam como agentes histórico-sociais. Por fim, acreditamos que ainda há muito a se fazer, com o objetivo de compreendermos como os recursos didáticos auxiliam e são usados no ensino de História no nível médio, porém, por hora, entendemos que estes contribuem e devem ser mais bem utilizados pelos professores possibilitando aulas mais prazerosas e dinâmicas aos seus alunos, e com isso, melhorando o nível de aprendizagem e aquisição de conhecimentos. Referências

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BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Bases Legais. Brasília: MEC/SEED, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf. Acessado em: 22 de abril de 2012. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEED, 2000. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf. Acessado em 23 de abril de 2012. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394. pdf. Acessado em: 21 de abril de 2012. FERREIRA, Sheila Margarido Moreno. Os recursos didácticos no processo de ensino-aprendizagem: Estudo de caso da Escola Secundária Cónego Jacinto. 2007. Disponível em: http://www.portaldoconhecimento.gov.cv/handle/10961/1359. Acessado em: 24 de abril de 2012. SANTOS, Sallime Assam Caldas dos. Entrevista concedida pela professora da escola Estadual Hilda Tribuzi. Manaus, 06 de junho de 2012.

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O DISTANCIAMENTO ENTRE A EDUCAÇÃO INTEGRAL E ENSINO TÉCNICO NO MODELO ADOTADO PELOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO Danyllo Di Giorgio Martins da Mota

Introdução Este texto é o resultado parcial do trabalho de pesquisa desenvolvido no Instituto Federal de Goiás, Campus Aparecida, pelo grupo de bolsistas do PIBID da Licenciatura em História do IFG, Campus Goiânia. O objetivo inicial do projeto era mapear as avaliações dos alunos sobre o modelo de ensino oferecido pela instituição como forma de construir uma reflexão sobre a efetivação das propostas pedagógicas dos cursos. Ao longo do trabalho de analise de documentos sobre o Ensino Técnico Integrado ao Médio em Tempo Integral (legislação federal e regulamentações específicas da Instituição) e das intervenções (entrevistas com alunos e aplicação de questionários e formulários) identificamos a disparidade entre as propostas de formação e a efetivação deste processo que busca associar educação integral e formação para o trabalho. Ensino em tempo integral e Educação Integral Quando analisamos o modelo de ensino implementado na Rede Federal de Ensino Tecnológico a partir de 2008, quando os antigos CEFET's foram transformados nos atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, podemos perceber o quanto a relação entre Educação e Mercado de Trabalho é estreitada. O processo de expansão dessa rede federal teve como principal objetivo a ampliação do número de alunos formados no nível técnico a partir de uma avaliação do MEC (MOURA, 2007) de que havia uma quantidade excessiva de formados em cursos superiores, enquanto a maior necessidade do mercado era de profissionais com formação técnica de nível médio. Somada a essa necessidade do mercado identificada pelos especialistas do MEC temos a implantação do modelo de Ensino em Tempo Integral. Este modelo de ensino que tornou-se na última década a bandeira de diversas correntes políticas sendo apontada como solução para os graves problemas da Educação é identificado nos documentos do MEC como uma forma de ampliar o tempo do

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aluno em sala de aula e, assim, a quantidade de conteúdos ministrados e, ao mesmo tempo, afastar os alunos com maiores riscos sociais das ruas durante em um período mais extenso do dia (MOURA, 2007). O elemento principal que aproxima essas duas idéias é sua destinação para a população mais pobre. Temos assim a primeira das contradições presentes na formulação deste modelo de ensino, pois, ainda que apontada como uma forma de aumentar as possibilidades de ascensão social baseada na ideia de inclusão, o modelo traz em si um aspecto de exclusão. Ele distorce a noção de educação igualitária ao definir uma função específica - o trabalho técnico - para os grupos da sociedade considerados mais vulneráveis. Isso, contraditoriamente, pode limitar suas possibilidades de ascensão social.

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Outra ideia que encontra-se distorcida nas definições deste modelo de ensino é a de Educação Integral. Helen Ferreira e Dilys Rees (2015), discutindo a implantação do ensino em tempo integral na Rede Municipal de Ensino de Goiânia, apontam as confusões entre este conceito e a noção de Ensino em tempo integral também perceptível nos documentos referentes ao modelo oferecido pelos Institutos Federais. A ideia de Educação integral está ligada á formação ampla do educando, visando as várias áreas da vida (cognitiva, psicológica, emocional, física, corporal etc.). Essa ideia também aparece nos PPCs dos cursos técnicos em tempo integral do IFG Aparecida como sinônimo de Educação em Tempo Integral. Contudo, é possível perceber a partir da análise das matrizes curriculares dos cursos técnicos oferecidos no campus (Técnicos em Química, Agroindústria e Edificações) que a possibilidade de uma Educação Integral encontra-se bastante distante dos alunos. A excessiva carga horária (os alunos tem aulas de segunda à quinta feira das 7:30 às 17:10 horas com intervalo de almoço entre 12:10 e 14:05 horas, e na sexta tem aulas das 7:30 às 12:10 horas), o grande número de disciplinas técnicas que em alguns casos se sobrepõem (trabalham conteúdos muito parecidos), a carga reduzida de aulas nas áreas propedêuticas (contraditoriamente há uma grande expectativa em torno da aprovação em Vestibulares e por boas avaliações no Enem), a falta de instalações adequadas para a permanência dos alunos na escola durante o dia inteiro (não há restaurante e as instalações do refeitório não foram concluídas, não há quadra de esportes, nem espaço para descanso etc.).

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Com todos estes aspectos identificados no Instituto Federal de Goiás, Campus Aparecida de Goiânia, mas que podem ser encontrados em muitos dos campi implantados no processo de expansão da Rede Federal de Ensino Tecnológico, podemos afirmar que a atual estrutura e organização do modelo de ensino técnico em tempo integral não é capaz de garantir uma Educação Integral para os alunos. A formação é extremamente dificultada pelos obstáculos encontrados na estrutura inadequada e na limitação dos debates desenvolvidos ao longo do Ensino Médio que afunila em excesso a formação do aluno para áreas do conhecimento cada vez mais específicas dificultando a percepção global do mundo e as relações entre os vários conhecimentos pelos alunos. Considerações provisórias O que podemos afirmar como conclusão provisória deste trabalho de pesquisa é que a própria definição de ensino técnico já estabelece uma limitação para a noção Educação Integral. A despeito de correntes teóricas que buscam conjugar essas duas idéias apontando a formação para o trabalho como caminho eficaz de formação do aluno também para outras áreas da vida, a análise da prática do processo de ensino mostra que o ensino técnico no formato atual presente nos Institutos Federais é um limitador para a formação integral. Essa limitação é fruto da ligação demasiadamente próxima das instituições de ensino e dos órgãos reguladores com os entes ligados ao Mercado. Como indicado por Antônio Sérgio Gonçalves (2006: 05), a Educação integral seria uma forma de se contrapor à "lógica perversa do mercado" que impõe a lei do poder econômico para as melhores ofertas de educação. Contudo, no ensino técnico, essa lógica do mercado é que governa as ofertas de ensino em tempo integral ou mesmo as definições de educação integral, já que estas estão voltadas para o atendimento das necessidades do próprio Mercado. Referências FERREIRA, Helen Betane; REES, Dilys Karen. Educação Integral e Escola de Tempo Integral em Goiânia. Educação e Realidade. Porto Alegre, volume 40, número 1, p. 229 - 251, jan/mar. 2015. Disponível em http://www.ufrgs.br/edu_realidade. Acessado em 04 de agosto de 2015.

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GONÇALVES, Antônio Sérgio. Reflexões sobre Educação Integral e Escola de Tempo Integral. Cadernos Cenpec. n.º 2 - Educação Integral - 2º semestre 2006. Disponível em www.nexusassessoria.com.br. Acessado em 01 de setembro de 2015. GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Agroindústria Integrado ao Ensino Médio em Tempo Integral. Aparecida de Goiânia: IFG, 2014. Disponível em www.ifg.edu.br. Acessado em 01 de junho de 2015. GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio. Aparecida de Goiânia: IFG, 2014. Disponível em www.ifg.edu.br. Acessado em 01 de junho de 2015. GUIMARÃES, Gilda et al. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Química Integrado ao Ensino Médio. Aparecida de Goiânia: IFG, 2014. Disponível em www.ifg.edu.br. Acessado em 01 de junho de 2015. MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Educação Profissional: Legislação Básica. Disponível em: www.mec.gov.br. Acessado em 27 de maio de 2015. MOURA, Dante Henrique (Coord.). Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio: documento base. Brasília: MEC, 2007.

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OS CAMINHOS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Daniele Cristina Frediani

Quando se pensa na história da disciplina de História, uma primeira questão que se faz necessária a se discutir, ao menos de forma sucinta, é a história das disciplinas escolares. A definição utilizada atualmente define como disciplina escolar o conjunto de conhecimentos identificados por um título ou rubrica e dotado de identificação própria para o estudo escolar, com finalidades específicas ao conteúdo de que trata formas próprias para sua apresentação (FONSECA, 2006, p.15). História da Disciplina de História O ensino de História no Brasil ficou direcionado por um longo tempo a uma formação política e cristã da sociedade. "A História ensinada era uma História Civil articulada a História Sagrada, aprendia-se a moral cristã e o conhecimento histórico era utilizado como catequese" (PCN História,1997. p.19). Afirmando essa pragmática Circe Bittencourt (2004) relata que desde o início da organização do sistema escolar ,a proposta de ensino de Historia voltava-se para uma formação moral e cívica ,condição que se acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX .Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma idéia de nação associada à de pátria, integradas como eixos indissolúveis.(BITTENCOURT.p.61,2004). No Período Regencial Brasileiro (1831-1840), momento de grande efervescência política, devido a movimentos separatistas, usou-se o Ensino de História para construir uma suposta "identidade nacional". Para este intento, foi criado em 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sob a incumbência de imperador D. Pedro II, o instituto previa uma homogeneização de um passado nacional com ênfase nos grandes feitos da monarquia e desvelo a História Europeia. O IHGB assumiu a premissa de escrever a história oficial do País.

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Neste mesmo momento histórico e sob influencia do IHGB, o Ensino de História passou a se configurar como uma disciplina específica do ensino secundário, sendo ministrado no Colégio Pedro II, que era considerado público, mas era pago e voltado às elites. A História do Brasil só foi introduzida no ensino secundário após 1855. Foram desenvolvidos programas para as escolas elementares, mas mantendo a História Sagrada e também a História Nacional. No final da década de 1970, foram elaboradas reformulações no currículo, que visavam retirar a História Sagrada e criar apenas uma História Profana, já que estavam surgindo discussões como: o fim da escravidão, debates sobre o ensino laico, a transição do Império para a República, e a proposta de separação do Estado da Igreja. A História do Brasil seguia o modelo da História Sagrada com as ações dos Santos e dos Heróis que construíram a nação.

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"Os programas de História do Brasil seguiam o modelo consagrado pela História Sagrada, substituindo as narrativas morais sobre a vida dos santos por ações históricas realizadas pelos heróis considerados construtores da nação especialmente governantes e clérigos." (PCN de História, 1997. p.20). Percebe-se que o Ensino de História era somente através de memorização e repetição oral dos textos escritos, com materiais escassos, predominando apenas a fala do professor, transmitindo os conhecimentos dos livros como algo único e acabado, sem nada a acrescentar. Através de algumas mudanças que ocorreram no final do século XIX, a implantação da República, a abolição da escravatura e a vinda de imigrantes para o nosso país, o Ensino de História sofreu algumas modificações, buscaram-se novos meios de ensino para uma possível transformação do país. "No plano do currículo, os embates e disputas sobre a reelaboração de determinados conteúdos foram essenciais para a definição das disciplinas escolares, dividindo aqueles que o desejavam baseados em disciplinas mais científicas, portanto, mais técnicas e práticas, adequadas à modernização, e aqueles que defendiam as disciplinas literárias, entendidas como formadoras do espírito.(...) A História passou a ocupar

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no currículo um duplo papel: o civilizatório e o patriótico, formando, ao lado da Geografia e da Língua Pátria, o tripé da nacionalidade, cuja missão na escola elementar seria o de modelar um novo tipo de trabalhador: o cidadão patriótico." (PCN,1997.p.20) Em 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a reforma do ministro Francisco Campos, acentuou-se o poder central do Estado e do controle sobre o ensino, havia um único modelo de Ensino de História para todo o país, com ênfase ao estudo de História Geral. A educação estava sofrendo grande influencia do movimento escolanovista, e discutia-se neste momento, a implantação dos Estudos Sociais no currículo escolar em substituição à História e à Geografia. Com processo de industrialização e urbanização houve novas questões para o Ensino, preocupava-se com a inclusão dos povos brasileiros na História. Alguns historiadores procuravam identificar as causas de nosso atraso econômico, enquanto outros apontavam para a necessidade de se buscar conhecer a identidade nacional, integrando as três raças formadoras do país. "Nessa perspectiva, o povo brasileiro era formado por brancos descendentes de portugueses, índios e negros, e, a partir dessa tríade, por mestiços, compondo conjuntos harmônicos de convivência dentro de uma sociedade multirracial e sem conflitos, cada qual colaborando com seu trabalho para a grandeza e riqueza do País." (PCN, 2007.p. 21) Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreram muitas lutas referentes ao Ensino de História, e também um grande avanço dos Estudos Sociais. "Podem-se identificar dois momentos significativos nesse processo: o primeiro ocorreu no contexto da democratização do País com o fim da ditadura Vargas e o segundo durante o governo militar." (PCN, 2007. p.22) A História passou a ser considerada uma disciplina de extrema importância para a formação da cidadania. Começou, então, a apresentar-se conteúdos mais humanísticos e pacifistas, e também um imenso cuidado na organização curricular e na produção de materiais didáticos.

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(...) A Unesco passou a interferir na elaboração de livros escolares e nas propostas curriculares, indicando possíveis perigos na ênfase dada às histórias de guerras, no modo de apresentar a história nacional e nas questões raciais, em especial na disseminação de idéias racistas e preconceituosas." (PCN, p.22) Havia uma grande necessidade do Ensino de História trabalhar tanto os processos econômicos como os avanços tecnológicos e culturais do país, e com isso as disciplinas de História e Geografia passaram a dar mais espaço para os Estudos Sociais. A partir da lei n° 5692/71, durante o Governo Militar, a História e a Geografia são definitivamente substituída pelos Estudos Sociais , houve então a aplicação dessa disciplina ao lado da Moral e Cívica e com estudos históricos e geográficos.

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Nesse período houve muitas mudanças, tanto no Currículo como nos métodos de ensino, as propostas metodológicas relatavam que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de desenvolvimento psicológico do aluno, iniciava-se o estudo do mais próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais distante, o município, o estado, o país e o mundo; a história do mundo, por exemplo, não era ensinada na Escola Primária. Podemos citar também o ensino obrigatório de oito anos da escola de Primeiro Grau; o fim do exame de admissão, a criação das licenciaturas curtas, como exemplos dessas mudanças que ocorreram nesse período. A partir da década de 80, iniciou-se o processo de redemocratização do país, onde os conhecimentos passaram a ser questionados, ocorrendo algumas reformas curriculares. As reformulações datadas entre 1985 e 1995 revelam que os Estados de Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, decidiram por extinguir os Estudos Sociais, apresentando propostas especificas para as disciplinas de História e Geografia. As escolas apresentavam uma nova realidade, com uma nova clientela de alunos de diversas classes sociais. Alguns faziam parte do processo de migração do campo para a cidade, e estavam rodeados de novas tecnologias. Essas eram algumas das mudanças que não poderiam ser ignoradas.

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As propostas curriculares passaram a ser influenciadas por diversas tendências historiográficas como a História Cultural, Social e do Cotidiano. Os historiadores voltaram-se para a abordagem de novas problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizando por questões ligadas à História Social,Cultural e do Cotidiano, sugerindo possibilidades de rever no Ensino Fundamental o formalismo da abordagem histórica tradicional. (PCN, 2007.p. 24) Os currículos de História foram sendo analisados e desenvolvidos de acordo com a clientela a ser atendida, os conteúdos foram ampliados a partir das escolas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Obtiveram-se novas formas de trabalhar a disciplina de História, enquanto uns optaram pela forma cronológica, outros preferiram temas (eixos temáticos). Referências BRASIL. Lei n°5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.prolei.inep.gov.br Acesso em 16 de novembro de 2014. BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. FONSECA, Thaís Nivea de Lima. História e Ensino de História2ª ed, 1ªreimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Parâmetros Curriculares Nacionais - História e Geografia. Brasília: MEC, SEF, v. 5,1997. _____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. 5ª a 8ª séries. Brasília: MEC/SEF, 1998.

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CICLO X PERÍODO: A DISCIPLINA 'ESTUDOS AMAZÔNICOS' ENTRE DUAS PROPOSTAS CURRICULARES Davison Hugo Rocha Alves

Esta comunicação é fruto do meu projeto de pesquisa de mestrado realizado na UERJ, tendo como finalidade estudar a consolidação no Pará durante os anos 1990 de uma proposta regional para a escola. A partir da história da disciplina 'Estudos Amazônicos' há um confronto de narrativas sobre o que contar a respeito da Amazônia, isto fica claro quando observamos a formação dos professores acadêmicos que elaboraram os manuais didáticos dos anos 1990. Os manuais didáticos que foram analisados por esta pesquisa foram de dois professores pesquisadores sobre a Amazônia, Violeta Loureiro (2000) e Gerard Prost (1998).

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Os debates na Secretaria de Educação do Estado do Pará e a elaboração da disciplina Estudos Amazônicos, começaram a ser discutido em 1987, quando esta secretaria organizou um evento em Belém voltado para os professores da rede estadual, neste encontro os professores ressentiam-se da falta de material didático, que dialogasse com temas amazônicos para a escola. Neste sentido a SEDUC em parceria com o IDESP (Instituto de Desenvolvimento Econômico-social do Pará), publicou uma coletânea de textos voltados para os professores da rede estadual, que discutisse alguns acontecimentos recentes na região amazônica, processos sociais que até então eram silenciados no espaço escolar. A importância de construir novos caminhos para a História regional criando este livro-texto, e posteriormente uma disciplina regional parte da perspectiva de compreender a realidade atual da região amazônica, tentando fazer uma aproximação entre a experiência dos novos sujeitos sociais que surgem na região amazônica e qual a sua interação neste espaço. Com a intenção de que a Amazônia, não seja só mais um capítulo dentro dos livros didáticos que estude as regiões brasileiras, mas que evidenciam os problemas sociais percebemos que esta era uma crítica presente nos discursos dos professores. O que acontecia com os livros de geografia dos anos 90, que no ensino fundamental tem em sua proposta curricular estudar as regiões brasileiras, conteúdo a ser ministrado para o 7º ano (antiga 6ª série).

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Nesta pesquisa estamos trabalhando com dois grupos de professores/autores de livros didáticos regionais no Estado do Pará, de um lado estão os professores acadêmicos que chancelam a autoria dos dois livros didáticos e de outro os professores de História da rede estadual de educação que não estavam na academia, mas em sala de aula, colaborando com a escrita e a pesquisa do livro didático tendo que ensino e pesquisa para poderem construir seja em pesquisas no Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) e no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) fontes primárias para a elaboração do livro didático regional, no entanto, neste mesmo grupo de professores havia os que foram cedidos para a Secretaria Estadual de Educação como foi o caso dos professores Maria de Fátima Oliveira e William Junior na função de técnicos pedagógicos, outro como o professor Ribamar de Oliveira e da professora Edilena Barbosa que continuaram em sala de aula, mas que também colaboraram com a escrita do livro. O que mobiliza os professores acadêmicos e não acadêmicos que participaram da construção destes manuais didáticos e da disciplina regional a pensar esta disciplina criada no Pará, são as recentes transformações pelo qual passou a região amazônica, portanto, era necessário debater essa nova configuração sócia espacial da Amazônia nas escolas. Havia uma preocupação em construir uma nova relação no espaço escolar que dialogasse com as questões regionais sobre a relação passado-presente, há uma necessidade que fosse privilegiada a região amazônica a partir de suas transformações sociais que ocorreram logo após a abertura da Belém-Brasília e a ocupação de determinados espaços com a construção de rodovias. A concepção de História da região amazônica diferenciava-se de uma História do Pará, consolidada nos livros didáticos lançados no Pará durante o século XX, percebemos que os professores do Pará apresentam como concepção de estudo para os chamados "Estudos Amazônicos" uma narrativa que dialoga com algumas questões regionais, com o modelo de desenvolvimento, com os problemas sociais e as questões ambientais. Percebemos que as propostas curriculares apresentadas pelo Ministério da Educação durante os anos 1990 estavam em diálogo com a proposta de elaboração de uma disciplina regional no Pará, haja vista, que diante das recentes transformações pelo qual passou a região amazônica não era interessante continuar reproduzindo no

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espaço escolar uma narrativa que versasse somente sobre a História do Pará, mas que a História do Pará fosse incluída dentro de uma disciplina de amplitude regional que ficou denominada de 'Estudos Amazônicos'. Os pesquisadores da área das ciências humanas no Pará (historiadores, geógrafos e sociólogos) com a finalidade compreender a historicidade da região amazônica, apresentam suas narrativas sobre a região amazônica, que em alguns momentos dialogam com o Pará, com a cidade de Belém, com a floresta amazônica (problemas e perspectivas), com a história local e com a história recente (eventos chaves que aconteceram após a abertura da Belém-Brasília), e lançam no mercado editorial seu material didático para uso nas escolas públicas e privadas do Estado do Pará. Percebemos que a disciplina Estudos Amazônicos possui vários caminhos no Pará, pois, dependendo da formação do professor que está ministrando esta disciplina, ele possui uma abordagem sobre o que ensinar em relação da Amazônia.

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A SEDUC em 1995 juntamente com uma comissão de professores de História comprometeu-se com o projeto Estante da Amazônia a produzir livros didáticos que versassem sobre a realidade regional. A meta era colocar em cada escola da rede estadual, que a época girava em torno de 200 escolas um total de 30 exemplares de cada obra e não apenas um título. O projeto tinha como dinâmica que o professor utilizasse o livro em sala de aula, de forma prática, onde o livro didático poderia ser lido simultaneamente por mais de 50 alunos, dois a dois, haja vista, que toda a biblioteca da escola receberia, cada uma, 30 exemplares. O livro didático regional possui uma especificidade era produzido pensando no aluno, em seu uso no espaço escolar e não especificadamente para o professor da disciplina Estudos Amazônicos, podemos encontrar uma dificuldade em relação ao seu ensino, que gira entorno da seguinte perspectiva, não foi pensado um currículo mínimo para a disciplina e não existe manual para o professor, isto se torna complexo quando analisaremos as produções didáticas regionais, haja vista que os manuais didáticos nos apresentam várias leituras do passado amazônicas, que são possíveis de ser ensinado. No dia 20 de dezembro de 1996 foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, este documento tornou-se um instrumento importante na educação brasileira dos anos 90, pois, é considerado um momento de reorientação da educação curricular brasileira e tinha como finalidade básica da educação a "formação

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comum indispensável para o exercício pleno da cidadania" (BRASIL, 1996). A criação da disciplina regional Estudos Amazônicos, durante os anos 1990, a partir da resolução nº 630/97 aprovada pelo Conselho Estadual de Educação, dentro da chamada parte diversificada do currículo da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Pará. Em seu artigo 5º define que a parte diversificada do currículo será disciplinada pelo respectivo Conselho de Educação do Estado do Pará, mediante um elenco de disciplinas que foi sugerido às entidades mantenedoras dos Estabelecimentos de ensino a escolha de pelo menos duas destas. A resolução nº 231 de 05 de Maio de 1998 estabelece as normas que disciplinam a parte diversificada do Currículo do Ensino Fundamental do Sistema de Ensino do Estado do Pará, onde normatiza que em todas as escolas deste estado deverá ser mantida a igualdade de acesso para os alunos a Base Nacional Comum de maneira a legitimar a unidade e qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional a Base Nacional Comum e sua parte diversificada deverão integrar em torno de paradigma curricular que vise estabelecer a relação entre a educação fundamental e o médio. Em Ofício encaminhado para as escolas públicas do Estado do Pará a diretora de Ensino deste estado Violeta Refkalefsky Loureiro encaminha as novas matrizes curriculares para o Ensino Fundamental e Médio para o ano de 1999, no qual faz uma alteração na parte diversificada do currículo com a inclusão da disciplina Estudos Amazônicos em substituição a disciplina Estudos Paraenses, com duas aulas semanais na 5ª e 6ª séries e três aulas semanais na 7ª e 8ª séries, tendo a seguinte justificativa "pela imperiosa necessidade da escola contribuir para a formação de uma consciência nos cidadãos sobre a Amazônia como uma questão nacional e ser a Amazônia o maior e mais rico sistema natural do planeta Terra". Esta disciplina pode ser ministrada por professores licenciados em História, Sociologia e Geografia da SEDUC. Um momento importante para que se possa discutir no espaço escolar questões referentes aos últimos acontecimentos da região amazônica, esta era a proposta curricular que a professora Violeta Loureiro pensou nos anos 90, quando apresenta ao Conselho Estadual de Educação a ideia de criar uma disciplina regional que versasse sobre determinados temas amazônicos, com a função de conscientizar as pessoas sobre o futuro da região amazônica. As narrativas em torno do que ensinar sobre o estado do Pará possuem uma diversidade de abordagem, ao analisar as obras didáticas percebemos que a formação do professor que ministra esta

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disciplina seja na rede estadual, apresenta algumas questões que são por ele selecionadas como: aspectos sociais, políticos, econômicos e geográficos. Esta multiplicidade de narrativas sobre a Amazônia deve-se a formação heterogênea destes professores e o que eles liam e debatiam sobre o Estado do Pará, sobre a região amazônica e suas diversas identificações (Amazônia Legal, região geoeconômica, PanAmazônia, Região Norte), muito pautado por uma narrativa memorialística e de exaltação de um lado, ou de outro, por não serem historiadores e terem uma formação em Sociologia ou Geografia, estes autores de livros didáticos lançam mão de uma narrativa cronológica e adotam algumas questões recentes para referenciar seus estudos sobre a região amazônica. A partir desta evidência, percebe-se que há uma variação do conhecimento histórico escolar apresentado pelos livros didáticos, este descompasso entre o ensino de história do Pará, a proposta curricular e o livro didático regional, deve-se ao fato de que existem várias formações na área das ciências humanas em jogo, escrevendo estes livros didáticos regionais. A interdisciplinaridade apresenta-se como um elemento-chave, para analisar o lugar que a Amazônia e na esteira de análise a questão regional vai assumir nesta escrita escolar, visto que os manuais apresentam neste período duas propostas curriculares, que são: (a) ênfase ao meio ambiente e análise dos problemas recentes da Amazônia; (b) a história do Estado do Pará articulada a História da Amazônia, sendo analisada por períodos. Duas propostas didáticas. Duas concepções diferentes sobre a Amazônia. Duas formas de compreender o discurso regional para escola. Dois caminhos que divergem sobre o ensinar regional. O embate curricular em torno da disciplina 'Estudos Amazônicos' estava posto durante os anos 90 no Pará e continua em aberto no currículo estadual no início do século XXI, não há uma preocupação em debater uma proposta curricular sobre a Amazônia, que dialogue com os diversos campos de saberes, portanto, acaba sendo um ensino de história da Amazônia visto de forma compartimentalizada. Temos um desafio de pensar as questões regionais para a escola no Pará, de forma que contribua para que o aluno compreenda a importância da região amazônica, que seja crítica e com uma abordagem interdisciplinar. Está posto o desafio!

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Referências BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996. Disponível em URL: http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394. pdf LOUREIRO, Violeta. Amazônia: História e análise de problemas (do período da borracha aos dias atuais). Editora Distrobel, 2000. LOUREIRO Violeta. Amazônia: meio ambiente. Editora Distrobel, 2000. PROST, Gerard. História do Pará: das primeiras populações à Cabanagem. Belém, 1998. PROST, Gerard. História do Pará: do período da borracha aos dias atuais. Belém, 1998. PARÁ, Secretaria de Estado de Educação. Estudos e Problemas amazônicos: história social e econômica e temas especiais. Belém: Instituto Econômico e Social do Pará, 1989.

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A DISCIPLINA DE HISTÓRIA E OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO SOBRE AS REPRESENTAÇÕES IDENTITÁRIAS Danielle Krislaine Pereira

O Brasil é um país com grandes diversidades étnicas e culturais, marcada pela plurietnicidade dos povos indígenas, negros, europeus, dentre outros. Partindo-se dessa premissa optou-se, recentemente, por mudanças democráticas no país, com o intuito de implementar mudanças significativas no pensamento brasileiro para combater o preconceito e a discriminação. Nesse contexto, emerge a importância da escola como sendo uma instituição formadora tanto de saberes escolares como saberes sociais e culturais.

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A educação, segundo Marín (2003. p. 2), possibilita a preservação da diversidade cultural e cria um espaço democrático, dando lugar ao encontro e à convivência entre diferentes culturas. Segundo Kabengele Munanga: Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados (2005, p.17). Nessa perspectiva, a instituição escolar é considerada uma aliada essencial para combater as ideias e atos preconceituosos, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, geralmente, são crianças que apresentam muita curiosidade e dificilmente consegue-se esquecer dos conteúdos aprendidos nessa primeira etapa da vida escolar.

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Não nos enganemos a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos esta associada á história que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca o resto da vida. Sobre essa representação, que é para cada um de nós uma descoberta do mundo e do passado das sociedades, enxertam-se depois opiniões, idéias fugazes ou duradoras, como um amor [...] mas permanecem indeléveis as marcas das nossas primeiras curiosidades, das nossas primeiras emoções. (FERRO apud OLIVEIRA, 2010,p.15) Esse ensino nem sempre foi valorizado e ocorreram muitas indagações. Autores influenciados pela teoria piagetiana afirmavam que o pensamento infantil era operacional concreto e que, portanto, as crianças não conseguiriam compreender História, pelo fato de ser considerada uma disciplina composta por conceitos abstratos e distantes no tempo. De acordo com Oliveira (2003) poucos historiadores interessam-se pelo processo de construção do conhecimento histórico em crianças. Muitos sequer acreditam na possibilidade da criança aprender história nas séries iniciais. Segundo Barca (2000), esta discussão refletiu sobre o lugar da História no currículo e em estudos sobre o pensamento dos alunos acerca da História, fazendo com que esta disciplina fosse até retirada do currículo das séries iniciais de alguns países durante a década de sessenta e início da década de setenta. Atualmente, o ensino de História está presente desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, os conteúdos foram sendo analisados e desenvolvidos de acordo com a clientela a ser atendida, e através do PCN´s (1997) que foi um referencial para a educação do Ensino Fundamental em todo país. No cenário nacional, um ano após a promulgação da LDB 9.394/96, o Governo Federal colocou em circulação os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - para o primeiro (1ª e 2ª séries) e o segundo (3ª e 4ª séries) ciclo da escola fundamental. O destaque da proposta foi para um trabalho voltado para os quatros pilares da educação do futuro: aprender a ser, a fazer, a aprender e a conhecer. (OLIVEIRA,2009,p.123).

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Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997), um dos objetivos mais relevantes quanto ao ensino de História relaciona-se à questão da identidade. Conhecendo as características dos grupos sociais e de seu convívio diário, a proposta é de que ampliem estudos sobre o viver de outros grupos da sua localidade no presente, identificando as semelhanças e as diferenças existentes entre os grupos sociais e seus costumes; e desenvolvam estudos sobre o passado da localidade, identificando as mudanças e as permanências nos hábitos nas relações de trabalho, na organização urbana ou rural em que vivemos, etc. (BRASIL, 1997, p. 41). Através dos conteúdos abordados no primeiro ciclo, os PCN's trazem como meta vários objetivos, entre eles, espera-se que os alunos no final dessa fase sejam capazes de reconhecer as diferentes características dos grupos sociais, caracterizando o modo de vida dos povos indígenas e identificando as diferenças culturais entre o modo de vida desses povos e de sua localidade.

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No PCN de História do segundo ciclo do Ensino Fundamental, aborda-se o saber histórico escolar como primeiro passo para compreender com mais facilidade os conteúdos de História. O saber histórico escolar, na relação com o saber histórico, compreende de modo amplo, a delimitação de três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico.(PCN História,1997,p.35) O PCN de História tem como objetivo que ao final do segundo ciclo os alunos sejam capazes de: Reconhecer algumas relações sociais, econômicas, políticas e culturais que a sua coletividade estabelece ou estabeleceu com outras localidades, no presente e no passado; Identificar as ascendências e descendências das pessoas que pertencem à sua localidade, quanto à nacionalidade etnia, língua, religião e costumes, contextualizando seus deslocamentos e confrontos culturais e étnicos, em diversos momentos históricos nacionais; Identificar as relações de poder estabelecidas entre a sua localidade e os demais centros políticos, econômicos e culturais, em diferentes tempos; Utilizar diferentes fontes de informação para leituras críticas; Valorizar as ações coletivas que repercutem na melhoria

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das condições de vida das localidades. (PCN História, 1997.p62) Os PCN's incorporaram entre os temas transversais a Pluralidade Cultural e justifica-se a introdução dessa temática pela importância de trabalhar em sala de aula diferentes temas como o preconceito, o racismo, a imigração, as diversas religiões, entre outros temas. É sabido, que apresentando heterogeneidade notável em sua composição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do país consigo mesmo é comum prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais. Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O país evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por "mitos" que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta "democracia racial. (BRASIL, 1997, p. 22) A Diversidade Cultural e o Ensino de História Nos dias atuais em nosso país, além da elaboração do PCN de Pluralidade Cultural, também há as políticas públicas educacionais e as Leis 10.639/2003, de 09 de janeiro de 2003, sobre a obrigatoriedade do estudo da História da África e cultura afrobrasileira e posteriormente a Lei 11.645, de 10 de março de 2008, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, que surgem para a efetivação da diversidade cultural nos currículos e nas práticas escolares. As comemorações e festas comemorativas ainda fazem parte dos conteúdos, embora caiba lembrar que estão sendo introduzidos outros representantes da sociedade brasileira, como nos festejos do Dia do Índio (19 de abril) ou do Dia da Consciência Negra (20 de novembro).(BITENCOURT,2005,p.113) Para Faustino (2006, p. 98), uma das estratégias da política do multiculturalismo e interculturalidade é a de tentar articular desigualdade com diferença e estabelecer uma fabulosa plataforma de ações educativas que prometem promover a inclusão e resolver o problema da integração das minorias.

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O Ensino de História passou por um bom tempo realizando um ensino através de método etnocêntrico. Conforme Candau (2010, p.17) "a nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do "outro" ou por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação, de sua alteridade." Infelizmente, ainda há pessoas que possuem uma visão carregada de estereótipos e ambiguidade em relação aos povos considerados "diferentes". As nossas maneiras de situarmo-nos em relação aos outros tende "naturalmente", isto é, estão construídas, a partir de uma perspectiva etnocêntrica. Incluímos na categoria "nós", em geral, aquelas pessoas e grupos sociais que têm referencias culturais e sociais semelhantes aos nossos, quem têm hábitos de vida, valores, estilos, visões de mundo que se aproximam dos nossos e os reforçam. Os "outros" são os que se confrontam com estas maneiras de nos situar no mundo, por sua classe social, etnia, religião, valores, tradições, etc.(CANDAU,2009, p.69) Laraia definiu etnocentrismo com as seguintes palavras:

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O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais. (LARAIA, 1986, p.72-73) Sabe-se que a sociedade em geral, independente da cultura, possui o direito de ser tratado igualmente, sem preconceito e discriminação. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos povos estrangeiros residentes no País a inviabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (BRASIL,1988) Assim, as escolas como forma de combater o etnocentrismo, preconceito e discriminações, estão proporcionando espaços que favoreçam a consciência da construção da nossa própria identidade cultural, pois estimular o desenvolvimento positivo dos grupos considerados "diferentes" é fundamental para que os alunos consigam assumir um posicionamento mais crítico referente as diversidades culturais.

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Referências BARCA, Isabel. O pensamento histórico dos jovens: ideias dos adolescentes acerca da provisoriedade da explicação histórica. Braga: Universidade do Minho, 2000. BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In. ______(Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN Introdução. Brasília; mec,1997. BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN Pluralidade Cultural. Brasília; mec,1997. BRASIL, Ministério da Educação (mec). PCN História. Brasília; mec,1997. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. BORIS, Fausto. História do Brasil. Edusp,1996. CANDAU, Vera Maria. O currículo entre o relativismo e o universalismo: Dialogando com Jean-Claude Forquin. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 73, Dezembro/00. Disponível em:http://www.scielo.br/. Acesso em: 11 fevereiro 2016. CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. 7. Ed. Petrópolis: Vozes, 2010. LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. MARÍN, J. Globalização, diversidade cultural e prática educativa. Curitiba: Revista Diálogo Educacional, v.4, nº8, 2003. MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. Ensino Fundamental de Nove Anos, Orientações Pedagógicas para os Anos Iniciais. Curitiba, 2009. OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. O ensino de história nas séries iniciais:cruzando as fronteiras entre a História e a Pedagogia. História & Ensino: Revista do Laboratório de Ensino de História / UEL. vol. 9. Londrina: UEL, 2003.

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O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Diêgo Santana Soares

O ensino de história se consolidou através de vários movimentos sociais, dos quais buscaram a reestruturação da organização curricular e reconhecimento do professor. Portanto podemos estabelecer que as décadas de 1980 e 1990 com o fim da ditadura militar, proporcionou as melhoras que vinham sendo debatidas desde os anos 1960 e 1970.

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As teorias e metodologias estabelecidas pelos PCNs, no qual buscouse uma melhor organização curricular deu ao ensino de história uma nova face, encarregando-a da construção da identidade nacional e de cidadania, além de ajudar no processo de alfabetização. Todavia a educação não é tão valorizada quanto deveria em território brasileiro, o que fica claro quando analisa-se o déficit de muitos alunos quanto a produção e interpretação de texto. O professo acaba tornando-se um agente mediador entre os objetivos previstos pelos PCNs e a realidade social, a realidade escolar. Desafios e Perspectivas O processo educacional brasileiro passou por diversas transformações ao longo da segunda metade do século XX e início do século XXI. Com o golpe de 1964 e a implantação da ditadura militar o processo de ensino de história sofrera drásticas modificações, com a criação das licenciaturas curtas, a disciplina de História deu lugar a disciplina de Estudos Sociais, que agregava história e geografia. O professor de história, que passara a ser mero reprodutor da ideologia do governo militar, perdera cada vez mais espaço com a chegada de novos profissionais formados nas licenciaturas curtas em Estudos Sociais. Nesse processo, o aluno ficou à mercê de um ensino doutrinador que inibia o incentivo a reflexão e a participação dos alunos enquanto cidadãos. A partir dos anos 1980, quando ganha bastante ênfase os movimentos sociais em prol da redemocratização da educação, buscando reformular as metodologias do ensino de história, além de lutar pela valorização dos professores e o fim das licenciaturas curtas que deixavam uma lacuna na formação desses profissionais que se

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destinariam ao ensino de história. A década de 90 foi de grande importância para a reformulação do ensino de história, onde acontecera o desmembramento das disciplinas de História e Geografia, além da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em 1997 pelo MEC, sendo estabelecido o ensino de História e de Geografia também nos anos iniciais da educação em todo território Brasileiro. Em 2006 o Ensino Fundamental passa a ter duração de nove anos e matricula obrigatória a partir dos 6 anos (FONSECA, 2013, p. 5). Apesar das grandes conquistas e melhoras no sistema de ensino, Selva Guimarães atenta para alguns fatores causadores da precarização do ensino, onde Grande parte dos cursos de Licenciatura em Pedagogia e História, em 2008, ainda não preparava os professores para o estudo das temáticas no ensino fundamental. Somam-se a isso dificuldades para obtenção de materiais didáticos pertinentes. Logo, mais um consenso foi produzido: a necessidade de ampliação de projetos de formação continuada para suprir lacunas teóricas e metodológicas, além de revisão dos currículos das Licenciaturas e o incremento de livros e materiais didáticos no que concerne a essa problemática. (FONSECA, 2013, p. 5). Portanto, o processo de ensino de História passou por várias nuanças ao longo do tempo e através de debates entre estudiosos o ensino fora se reformulando buscando melhorar suas teorias e metodologias, destarte, foi de grande importância a criação dos PCNs, criando metas e métodos de ensino, tendo como objetivo orientar o processo de ensino e aprendizagem e também as práticas pedagógicas. O ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, estabelecidos pelos PCNs, tendo em vista a alfabetização e o déficit de leitura da qual boa parte dos alunos enfrentam nos primeiros anos escolar, estabeleceu o ensino de história voltado para a leitura e interpretação de textos históricos e/ou imagens de forma a ajudar no processo de alfabetização do aluno. Fora previsto o ensino da história local para os primeiros anos do Fundamental, de forma criar um sentimento de pertencimento e de construção da identidade, além de possibilitar ao aluno a refletir sobre o espaço em que ele está inserido e analisar a sua realidade atrelando-a ao passado. Buscavase exercitar o pensamento reflexivo e crítico de forma a tornar cidadãos ativos no seio de sua sociedade.

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Cabe aos professores buscarem sempre se renovar para melhorar o ensino atendendo aos PCNs. E vale ressaltar a parceria entre Academia e Escola, com a produção de projetos e de historiografia, ficando a cabo do professor adaptar e utilizar como complemento ao livro didático. Portanto, os professores têm autonomia para questionarem, criticarem e subverterem as práticas de ensino no âmbito escolar (PERNAMBUCO, 2013, p. 20), e cabe a ele selecionar os conteúdos e a metodologia a ser utilizada, como afirma Selva No debate, na busca de respostas, de novas possibilidades de conhecimento, nesse universo de ampliação de temas, problemas e abordagens, livros e materiais didáticos, devemos estar atentos para o fato de que ninguém poderá aprender, nem ensinar tudo de tudo. O trabalho de selecionar, eleger é uma exigência permanente. Um currículo de História é sempre fruto de uma seleção cultural. (FONSECA, 2013, p. 8).

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Para que a engrenagem (o processo de ensino e aprendizagem) funcione como se espera, de forma correta e eficaz, é importante investir na valorização do professor, assim como em sua formação, tornando-o capacitado para exercer uma função de tamanha importância e responsabilidade que é ensinar/educar, pois os professores acabam exercendo mais de uma função quando as bases familiares dos alunos são precárias. Além de destacar a importância do ensino de história para os alunos dos primeiros anos o Ensino Fundamental, que embora passem por um processo de aprendizagem exterior à escola, é no âmbito escolar que se formará sua visão de mundo de acordo com a construção da sua identidade, contribuindo para a formação de seres reflexivos e críticos, pois "espera-se que, ao longo ensino fundamental os alunos gradativamente possam ler e compreender sua realidade, posicionar-se, fazer escolhas e agir criteriosamente (BRASIL, 1997, p. 33). Os PCNs, de forma crítica, dividiram o ensino fundamental por eixos temáticos visando melhorar o processo de ensino e aprendizagem, combatendo os modelos como o "quadripartismo francês" que dividia o processo histórico em Idade Antiga, Media, Moderna e Contemporânea, além de se colocarem contra o modelo marxista da organização curricular, que previa o ensino de história através dos modos de produção, Primitivo, Escravista, Feudal, Capitalista e Socialista (PERNAMBUCO, 2013, p. 28). Analisemos o que fora proposto para os anos iniciais do Fundamental. Estabeleceu-se dois

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eixos temáticos nos primeiros anos do ensino, sendo eles I) História local e do cotidiano, subdividida em dois subitens: 'localidade' e 'comunidades indígenas'; II) História das organizações populacionais, subdividida em 'deslocamentos populacionais', 'organizações e lutas de grupos sociais e étnicos', e 'organização histórica e temporal'. [...] Além disso, o documento curricular estabelece como temas transversais Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo, demandas sociais emergentes. (FONSECA, 2013, p. 3). Essas medidas quebraram o engessamento do ensino de história e combateram o eurocentrismo no ensino de história, tornando-se uma importante ferramenta para que os alunos busquem apreender e compreender a história de sua localidade e das organizações sociais que compunham ou compuseram a sua comunidade. Segundo Bittencourt [...] a história do "lugar" como objeto de estudo ganha, necessariamente, contornos temporais e espaciais. Não se trata, portanto, de proporem conteúdos escolares da história local, de entendê-los apenas na história do presente ou de determinado passado, mas de procurar identificar a dinâmica do lugar, as transformações do espaço, e articular esse processo às relações externas, a outros "lugares". (BITTENCOURT, 2004, p.172). Esse tipo de atividade possibilitou a criação de um senso investigativo e um diálogo interdisciplinar, onde os temas transversais têm contribuído largamente com a formação de cidadão conscientes, seja com o meio ambiente, com a sociedade e entre outros. A re/organização curricular pelos PCNs fora de fato elementar para o ensino de história principalmente nos primeiros anos, já que, até então os anos iniciais não recebiam o ensino de história, pelo menos não possuíam tal disciplina em sua grade curricular. Objetivando a construção da identidade e da cidadania do aluno. Todavia, as teorias e métodos estabelecidos pelos PCNs, não funcionam como deveriam na prática. O processo de ensino caminha lentamente. Já fora aqui mencionado que os professores têm

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autonomia com relação ao ensino, porém não podemos tirar a responsabilidade dos órgãos que ficam a par do funcionamento da educação. A desvalorização do professor é uma lastima, seja ela financeira ou moral, negando ao profissional condições dignas de trabalho, Escolas muitas vezes sucateadas, faltando material didático e suprimentos para pôr em prática com efervescência os ideais propostos pelos PCNs. As escolas, na prática, acabam tendo realidades diferentes daquelas idealizadas. Nesse contexto cabe ao professor (muitas vezes saturado) adaptar-se, sempre buscando o melhor para seus alunos.

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A realidade dos alunos também é um fator determinante no processo de ensino e aprendizagem. Muitos deles se encontram em condições de vida preocupante, sem uma base familiar. Buscam refúgio nas escolas, a alimentação na escola acaba sendo para alguns a única no dia, ou uma das poucas. E quando lhe é negada essa alimentação? Quando a merenda escolar não acontece como deveria acontecer. O professor acaba exercendo várias funções no âmbito escolar, principalmente dos anos iniciais, com sua figura sendo associada a um parente próximo, exerce portando a figura de psicólogo, educador, professor entre outras. Portanto o ensino de história nos anos iniciais enfrenta situações adversas, sendo a formação do aluno a mais prejudicada. Porém, como já fora mostrado neste pequeno estudo, a educação passou por transformações relevantes e melhorou bastante se comparado aos anos anteriores a década de 90. A implementação do ensino de história nos anos iniciais representou a necessidade de se preencher uma lacuna na formação inicial dos alunos, além de estabelecer um apoio a alfabetização dos mesmos. Estabelecer métodos e metas é de fato crucial para se ter uma melhor organização e implementação do ensino, embora na prática muitas vezes não acontecesse como previsto. O ensino de história nos anos iniciais representa uma conquista de muitas lutas através dos movimentos sociais pela redemocratização do ensino. Mesmo com as melhoras alcançadas sabemos que estamos longe de alcançarmos uma educação com suas bases consolidadas, através do incentivo e de investimentos dos órgãos responsáveis pela mesma. Enquanto isso o professor vai se desdobrando para manter o ensino da melhor forma possível, principalmente no ensino de história nos primeiros anos, onde inicia-se a formação de sua consciência histórica e de cidadania.

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Cabe o professor ser um agente reflexivo e critico com relação ao processo histórico e seus métodos de ensino, cabe a ele (o profissional da educação) adequar-se à realidade dos alunos e à realidade escolar. Buscando por meio da história alfabetizar, e alfabetizar vai além de aprender a escrever o próprio nome. É a capacidade de ler e compreender o que o cerca, de abstrair os processos históricos criticamente. Além de tudo é ter o sentimento de pertencimento através da construção da identidade do aluno. Referências BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia / Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1997. FONSECA, Selva Guimarães. A história na educação básica: conteúdos, abordagens e metodologias. In. ANAIS DO I SEMINÁRO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, 2013. Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Parâmetros para a Educação Básica do Estado de Pernambuco Parâmetros Curriculares de História: Ensino Fundamental e Médio. Recife, 2013.

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O ORNITORRINCO ESCOLAR E O OFUSCAMENTO INDÍGENA Edilson Ribeiro Silva

Educação branqueada, mentes escurecidas A educação brasileira é herdeira dos moldes jesuítas que consistia em mascarar as práticas da colonização e substituir costumes nativos, por meio da imposição do modelo português. Esse sistema de formação se perpetuou até os dias de hoje e nossas crianças continuam recebendo o mesmo tipo de educação.

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Em pesquisas feitas em duas escolas públicas do município de Paulo Jacinto-AL, foram coletados dados importantes para entendermos a ineficácia da escola e comprovar que os conteúdos ministrados ao aluno do ensino fundamental são bem semelhantes ao do ensino médio, fazendo com que as informações sejam estanques, não evoluindo a cada turma ou abordagem. Desse modo, para comprovar o entrave frente aos estudos da temática indígena temos que levar em conta o que os alunos sabem sobre o assunto. Em entrevistas com 27 alunos do 9º ano do ensino fundamental e 24 do 3º ano do ensino médio pôde-se notar o quanto a escola paralisou, pois os conteúdos são bastante semelhantes nos dois níveis de ensino. E ao perguntar o que eles sabem sobre os índios as respostas são basicamente as mesmas. Sobre isso o entrevistado nº 1 responde que: Vivem em grandes grupos, em tribos, são diversas atividades diárias que eles têm. Suas características é morenos de diferente tamanho, eles descobriram muitas coisas que hoje utilizamos. Eles descobriram o fogo e como se faz. Andam nu [sic], depende da caça para sobreviver, tem seus rituais, pode ter várias mulheres. O índio tem cabelos bons, mora nas florestas, sua língua geralmente é o tupi guarani, foram os primeiros povos que moraram no Brasil. Nas entrevistas, os alunos expõem em poucas palavras o que sabem sobre os índios do atual Brasil, a partir da provocação sobre qual a situação do indígena depois de 500 anos de contatos com outros povos. A maioria dos entrevistados (alunos do 3º ano) deu a mesma

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resposta, podendo ser resumida na fala do entrevistado nº 1. Nesse sentido, pode-se enfatizar depoimentos que são de fundamental importância para entender o quão pouco os alunos sabem sobre os índios. É o relato de alunos do ensino médio que diz: Os índios eram muito trabalhadores, eles eram politeístas, matavam animais para sua sobrevivência e sua filha era obrigada a casar quando completasse uma idade já tinha que ser mulher com 12 anos, gostava muitos dos seus rituais principalmente a capoeira.[sic] Do mesmo modo, os alunos do fundamental ao serem questionados demonstram inquietações, a feição dos rostos deixa transparecer que desconhecem o assunto, escaparam alguns cochichos, como se estivessem com medo, alguns gritos dizendo 'índio é preguiçoso!' 'não existe mais índio!' O professor de história que estava presente durante as entrevistas revidou dizendo "e tudo que eu ensinei para vocês? Sentou-se e disse-me baixinho "esses jovens de hoje não prestam atenção em nada." Passado esse momento inicial, a entrevista fluiu e as falas são sintetizadas através do entrevistado nº 2: Eu não sei muita coisa sobre os índios, mais {sic} o pouco que eu sei é que os índios foram os primeiros habitantes do Brasil e que alguns índios usam poucas roupas e que eles caçam as próprias comidas e que eles vivem em aldeias dentro de ocas e que eles vivem livres.[sic] A fragilidade observada no conhecimento dos alunos leva-nos a inferir que provavelmente a escola não acompanhou a evolução dos conceitos nem a discussão sobre a imagem, a identidade ou a história dos primeiros habitantes do Brasil, descumprindo seu papel de promotora da evolução física dos indivíduos. É provável que a escola continua presa no passado como um ornitorrinco que mesmo agregando uma pluralidade de diferenças não evolui e está estacionada e ofuscada pela excessiva luz negra da história branca. As escolas reproduzem aquela velha visão do índio criada em desenhos animados, filmes e na televisão. Com base nos depoimentos, pôde-se constatar que existe um déficit no ensino da cultura indígena, assim as âncoras que sustentam as informações que falam sobre o índio imaginado ou tradicional do século XVI são as mesmas que ainda hoje estão atracadas nas salas de aulas, perpetuando a visão criada durante os primeiros contatos na época

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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

da colonização, fazendo com que os alunos aprendam de forma estática ou atrasada a respeito de algo que tem sofrido mudanças contínuas. O Brasil está repleto de influências do pensamento europeu, fases escuras causadas por brancos, onde os índios são vistos como povos atrasados ou como desocupados que querem apenas terras. Vale ressaltar, que alguns indígenas são bem sucedidos, estudam em universidades, tem profissão: são médicos, advogados, professores, jogadores de futebol, ou seja, estão inseridos na sociedade do não índio, no meio que os silenciou diversas vezes e os reduziu no processo de invisibilidade, na tentativa de inibir a autoafirmação e ressurgência étnica.

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Daí a afirmação de que o surgimento de uma nova sociedade indígena não é apenas o ato de outorga de território, de "etnificação" puramente administrativa, de submissões, mandatos políticos e imposições culturais, é também aquele da comunhão de sentidos e valores, do batismo de cada um de seus membros, da obediência a uma autoridade simultaneamente religiosa e política. Só a elaboração de utopias (religiosas/morais/políticas) permite a superação da contradição entre os objetivos históricos e o sentimento de lealdade às origens, transformando a identidade étnica em uma prática social efetiva, culminada pelo processo de territorialização. (OLIVEIRA, 1998, p. 66) Já não cabe mais, estudar o índio como um ser do passado, é mais viável enxergá-los como são atualmente; comunidades politicamente organizadas que lutam pela retomada de seus territórios, com os quais criaram vínculos (caça, pesca e sepultamentos) de sobrevivência dando-lhe sentido, tecendo seu modo de ser. Para isso, torna-se necessário e urgente que a escola refaça seus conceitos e redefina seus objetivos, dando uma abordagem mais real e menos folclórica as comunidades tradicionais. É notável e explicita a deficiência no aparelho escolar. Os professores, em sua maioria, não ministram aulas com imagens atuais e pressupostos teóricos fiéis para que os alunos possam desenvolver uma mentalidade amadurecida sobre o índio, sem isso, continuarão enxergando de forma errônea, esquecendo do indivíduo que passou por mais de 500 anos de colonização, perseguição e lutas e mesmo assim não perdeu sua cultura e se mantém firme em tempos de intempéries.

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A imagem construída do índio pela escola é a mesma retratada nos manuais didáticos, tornando os livros uma discrepância ambulante, mas por ser uma das armas que facilitam o trabalho exercido pelos professores para transmitir conhecimentos aos seus alunos, são fontes endossadas pelo governo que fazem as mentiras se solidificarem. Outro ponto para entendermos essas lacunas expostas pelos alunos é a preparação que eles tiveram dos 6 aos 10 de anos durante o primeiro ciclo (do 1º ao 5º ano) do ensino fundamental, uma vez que os mesmos foram preparados por pedagogos, pessoas que não tem formação específica, desconhecendo assim a temática indígena. Como falar de algo que não conheço? Seria o mesmo que um deficiente visual por a mão no fogo, pois iria apenas causar danos, a queimadura cicatrizaria, mas as informações distorcidas ou incompletas modificam a realidade, criam ou perpetuam estereótipos e o aluno não exercita ou não cria o senso critico. A pedagogia tem uma maneira bem jesuítica de colonizar as mentes das crianças. No dia19 de abril as professoras do fundamental pintam os rostos dos alunos, põem as músicas temáticas e dançam em círculos, talvez até acreditando que com tais performances ocorre o aprendizado sobre o papel e o lugar do índio na sociedade e na história. Se a história em quadrinhos mistura gêneros artísticos prévios, se consegue que interajam personagens representativas da parte mais estável do mundo - o folclore - com figuras literárias e dos meios massivos, se os introduz em épocas diversas, não faz mais que reproduzir o real, ou, melhor, não faz senão reproduzir as teatralizações da publicidade que nos convencem a comprar aquilo de que não precisamos, as "manifestações" da religião, as "procissões" da política. (CANCLINI, 1927,p 28) Muitas escolas continuam enaltecendo, em sala de aula, o índio como personagem folclórico, desvinculando-o da realidade para transformar em teatralizações, assim como muitos fazem com a história em quadrinhos ou com os contos infantis. Desse modo, o ensino de História indígena nas escolas utilizando materiais descontextualizados e desatualizados condena as crianças e viverem uma ideologia bitolada e contraditória, interferindo diretamente na história e na qualidade da educação oferecida ao nosso povo. Assim, precisamos estar cientes de que a presença indígena é bem mais importante, pois ela é a luz para desvendar como chegamos até aqui.

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Considerações finais Até agora, constatamos que, um novo horizonte se abriu para a cultura indígena, silenciada por mais de 500 anos, mas grande parte das escolas brasileiras ainda guarda paradigmas, podendo ser representadas pelo ornitorrinco, um animal de pouca visão (por viver em águas escuras) cuja função biológica não é bem conhecida (parece pato, castor e enguia), porém como este animal, a escola é assustada pelos poderosos que desrespeitam, caçam e destroem a sabedoria, a cultura e a visibilidade.

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A escola omitia a tradição nativa e valorizava apenas o que lhe era externo, estavam acorrentadas as âncoras dos navios portugueses, que traziam no seu interior a escravidão, os maus tratos e a opressão ao veio original da sociedade brasileira, engendrando uma imagem do índio como uma doença que precisava ser curada. Com a atualização do ensino de história incorporando o estudo das tradições indígenas é possível combater os preconceitos desde a base e estudar a história deste país de forma multicultural. Assim os alunos indígenas que estudam em escolas de não índios, vão se auto reconhecendo nos assuntos propostos em sala, tendo um melhor desempenho, a medida que, os não indígenas vão os vendo como semelhantes. Todavia, existe a necessidade de fiscalização para ver como tais leis estão sendo aplicadas na prática docente. Pessoas preparadas são necessárias para assumir tal tarefa e serão responsáveis por desconstruir o pensamento obscurecido pela escola ao longo do tempo com suas despreparações. É mister que em complemento ao livro didático sejam utilizados metodologias de aprendizagem cujo embasamento esteja em textos de autores engajados com a causa indígena ou produzidos pelos próprios índios, entre outros pressupostos que possam contribuir para que os alunos aprendam e entendam como este Brasil se formou. Referências LUCIANO, Gersem dos Santos. Educação escolar indígena no Brasil: avanços, limites e novas perspectiva. Goiânia-GO, 2013. BRASIL. LEI n. 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília, março de 2008: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10643688/artigo-231da-constituicao-federal-de-1988 acessado em 29/09/2015.

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CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-350: Culturas híbridas, poderes oblíquos p 28. DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987, p 4. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um Conceito Antropológico Rio de Janeiro: Zahar, 1995, p 52. PACHECO, João de oliveira. Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Rio de Janeiro, 1997 p 66.

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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

MEIOS DE COMUNICAÇÃO NAS AULAS DE HISTÓRIA DO ENSINO FUNDAMENTAL EM AQUIDAUANA/MS: NOTAS DE PESQUISA Edvaldo Correa Sotana

A presente comunicação objetiva apresentar dados iniciais da pesquisa sobre a utilização dos meios de comunicação como fonte e/ou objeto nas aulas de história, do Ensino Fundamental, das escolas públicas da cidade de Aquidauana, interior de Mato Grosso do Sul. Para tanto, até o momento dividimos as ações em duas etapas complementares: 1) pesquisa bibliográfica; 2) coleta de dados por meio de questionário estruturado. Partimos de uma constatação. Apesar do papel da mídia na sociedade contemporânea, ainda são poucos os estudos sobre a utilização dos jornais, das revistas, das emissoras de rádio e televisão nas aulas de história nas escolas públicas de educação básica.

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Dentre os pesquisadores, Zanchetta Junior (2011, p. 22) ressaltou a importância assumida pelos órgãos midiáticos na “arena política nacional”, indicando como decisiva a sua influencia na “formação do imaginário social e político sobre a escola, talvez em grau maior do que a influência dos próprios agentes escolares no mesmo processo.” Assim, como lembrou Zanchetta Junior (2011), com exceção dos jornais, os meios de comunicação são praticamente “ignorados” nas escolas e nos documentos que orientam o trabalho do professor, em que pese a existência de textos sobre trabalho docente com TV e rádio. De certo modo, os trabalhos de Faria (1996), Faria & Zanchetta Junior (2005), Assumpção (1999), Belloni (2003), Napolitano (2005), Busetto (2005, 2006, 2007 e 2008), Fischer (2001) e Zanchetta Junior (2005, 2009, 2010 e 2011) apresentam discussões teórico-metodológicas, sugestões de atividades didático-pedagógicas e podem inspirar atividades com diferentes meios de comunicação no ensino. Entretanto, pouco sabemos acerca da sua utilização no ensino de história nas escolas públicas de ensino fundamental situados no interior do Brasil. Além da pesquisa bibliográfica, procuramos levantar dados referentes a utilização dos meios de comunicação no ensino de

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história no conjunto de escolas públicas, de ensino fundamental, de Aquidauana. O levantamento consistiu em contato direto com as pessoas “cujo comportamento se deseja conhecer”. Desse modo, solicitamos “informações a um grupo significativo de pessoas acerca do problema estudado para, em seguida, mediante análise quantitativa, obterem-se as conclusões correspondentes aos dados coletados”. (GIL, 2002, p.50). Para a coleta de dados, utilizamos um questionário estruturado com dez questões, divididas entre fechadas e abertas. Com as questões, objetivamos conhecer a formação dos docentes, identificar o local de trabalho e o tempo que o mesmo está vinculado a este local, a jornada de trabalho semanal, a existência de material instrucional para orientação das atividades, bem como de material didático referente a utilização dos meios de comunicação no ensino. Também perguntamos sobre as possibilidades e dificuldades para se trabalhar com os meios de comunicação em sala de aula. Por fim, indagamos sobre o papel dos meios de comunicação em nossa sociedade. Para a aplicação do questionário, contamos com a atuação de Emerson Bandeira Bastos, discente do curso de História, Campus de Aquidauana, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Como bolsista de Iniciação Científica entre agosto de 2014 e julho de 2015, Bastos entrou em contato com dez escolas municipais e seis escolas estaduais. Em função da distância, não aplicou o questionário em três escolas municipais, localizadas fora perímetro urbano. Nas escolas, entrou em contato com vinte e três professores. No entanto, nem todos responderam o questionário. Por pelo menos três ocasiões, estabeleceu contato com cada um para solicitar a colaboração no trabalho. Argumentos como falta de tempo, esqueceram de responder e entregariam em outro momento foram às justificativas utilizadas para não entregar o material no prazo. Ao todo, dez professores responderam o questionário. De posse do material, o bolsista entregou-o ao orientador para prosseguimento das atividades. Com relação à formação, oito docentes concluíram o curso de graduação em história, sendo que um concluiu em 2009 e outro ainda não terminou a sua graduação, mas, mesmo assim, ministra aulas na educação básica. Dentre os nove formados, oito são graduados pela UFMS e um pela UNIDERP. Nenhuma participante indicou ter cursado pós-graduação. Outro dado, no entanto, chamou nossa atenção. Dentre os dez professores que ministram a disciplina de história, dois são formados em geografia, um em pedagogia e

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outro não identificou a sua graduação. Apesar do Campus de Aquidauana, da UFMS, ter um curso de história formando professores há mais de três décadas, podemos ensaiar uma explicação para o fenômeno apontado. Aqueles que não são graduados em história trabalham em escolas situadas nas aldeias ou na periferia da cidade, ministrando, ao mesmo tempo, aulas nas disciplinas de geografia e artes, completando, assim, sua carga horária com poucas aulas da disciplina de história. Por sua vez, a carga horária de trabalho semanal na escola pode ser observada na tabela a seguir: Tabela 1 - Carga Horária de Trabalho Semanal Carga horária 32 14 08 04 02 semanal horas horas horas horas horas Número de 06 01 01 01 01 Docentes

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Com relação ao tempo de serviço na escola, um docente trabalha mais de vinte anos no estabelecimento de ensino, cinco trabalham entre dez e vinte anos, três estão na escola entre um e três anos e apenas um leciona menos que um ano no estabelecimento escolar. Independente do tempo de formação, da graduação de origem ou do tempo de trabalho na escola, os dez professores indicaram utilizar os meios de comunicação no ensino de história. Nas respostas, cada professor listou mais que um meio como sendo utilizado. Assim, temos as ocorrências na tabela abaixo: Tabela 2 – Meio Utilizado Computador Projetor Multimídia Televisão Jornal Sala de Tecnologia Internet Revista Tablet Vídeo Rádio

de

Comunicação 05 05 04 04 03 02 02 01 01 01

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Alguns aspectos chamam a atenção do observador. Dentre eles, destacamos a confusão entre meio de comunicação e equipamento (Tablet) ou espaço de trabalho (ex.: sala de tecnologia). A questão seguinte visava indagar sobre a existência de material instrucional que oriente o trabalho docente na realização de atividades com meios de comunicação. Seis responderam que existe material enquanto quatro docentes indicaram que não. Dentre os professores que responderam positivamente, dois apontaram a existência de um espaço quando perguntado sobre o material (sala de tecnologia), um respondeu apresentando uma atividade de formação/ capacitação (oficina em evento acadêmico), um a internet e outros dois a existência de livros didáticos. A pergunta seguinte versava sobre a existência de material didático acerca dos meios de comunicação para os alunos. Gráfico 01 – Material Didático

233 3 Sim Não

7

Dentre os sete que responderam afirmativamente, seis indicaram de modo genérico o material (livro didático, computadores, livros, TV, jornal e revista). Apenas um participante apontou que o livro didático contem sugestões de atividades como os meios de comunicação (jornal e revista), sem, no entanto, indicar título, autor e editora. Do público investigado, apenas três professores fizeram sugestões de trabalho com os meios de comunicação nas aulas de história. Apontaram a possibilidade de utilizar como ferramenta para obter

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informações e também para divulgar conhecimento em redes sociais e blogs. Foi outra, porém, a resposta chamou nossa atenção. Um professor fez referência a possibilidade de trabalhar com jornal local, dificultada pela falta de estimulo dos alunos a leitura e, por isso, vislumbrou “maiores facilidades” para o a trabalho com material audiovisual: “Já com outros meios de comunicação talvez por ser audiovisual não apresentará dificuldades.” Outras dificuldades foram listadas mesmo por aqueles que não elencaram possibilidades de trabalho. Dificuldade de leitura, carência de recursos apropriados e materiais didáticos, falta de recursos financeiros e dificuldade em utilizar aparelhos e recursos tecnológicos da escola também foram apontados.

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Por fim, perguntamos sobre o papel exercido pelos meios de comunicação na atualidade. Cinco professores colocaram como tendo papel fundamental para o processo de ensino aprendizagem e um indicou como fundamental para a formação do cidadão crítico. Os outros não fizeram menção a educação no ambiente escolar, já que um apontou as mídias como centrais na formação da personalidade e outro como essencial na vida social. Também ressaltaram como fundamental para construir/desconstruir informações e para analisáramos os fatos em determinado tempo/espaço. Parece possível salientar que o conhecimento dos pesquisadores sobre a utilização dos meios de comunicação nas aulas de escolas públicas situadas no interior do Brasil ainda é limitado. A despeito da falta de conhecimento produzido na academia ou das dificuldades para se trabalhar com meios de comunicação na educação básica, tal como indicadas nas respostas acima, devemos ressaltar a importância de utilização de diferentes mídias para a formação do cidadão. Como asseverou Sylvia Magaldi (2001, p. 113) A formação para a cidadania não pode mais dispensar uma consistente educação para as mídias, em especial a mídia televisual. Como formadora de comportamentos e opiniões, a TV exerce um poder sem precedentes. Não cabe negar esse fato, nem abordá-lo emocionalmente. É necessário, sim, educar para uma compreensão objetiva e crítica da linguagem e das mensagens da TV, para a identificação de como ela funciona enquanto mídia comercial, de como ela interage com as realidades sócio-

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culturais e políticas no mundo todo, mas de modo especial no Brasil. Com a descrição dos dados levantados, objetivamos contribuir, ainda que pontualmente, com as discussões acerca da utilização dos meios de comunicação nas aulas de história. Almejamos, assim, despertar a curiosidade de pesquisadores para a temática, ainda carente de trabalhos com dados e descrições de experiências didático-pedagógicas. E, quem sabe, chamar a atenção para a necessidade de se produzir material didático e organizar de cursos de formação docente. Referências ASSUMPÇÃO, Zeneide Alves de. Radioescola: uma proposta para o ensino de primeiro grau. São Paulo: Annablume, 1999. BELLONI, Maria Luiza. A televisão como ferramenta pedagógica na formação de professores. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.2, p. 287-301, jul./dez. 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n2/a07v29n2.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2015. BUSETTO, Aureo. Ensino sobre a TV: preâmbulo de uma pesquisa. In: Pinho, Sheila Zambello, Saglietti, José Roberto Corrêa. (Org.). Núcleos de Ensino. São Paulo: Editora UNESP, 2005, v. 1, p. 215231. ____. Está entrando na sala de aula o Jornal Nacional: perspectivas para uma prática didática do ensino sobre a TV. In: Pinho, Sheila Zambello; Saglietti, José Roberto Corrêa. (Org.). Núcleos de Ensino.São Paulo: Editora UNESP, 2006, v. , p. 677-695. ____. Relações entre TV e poder político: dados históricos para um programa de leitura dos produtos televisivos no ensino e aprendizagem. In: Pinho, Sheila Zambello de; Saglietti, José Roberto Corrêa. (Org.). Núcleos de Ensino. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2007, v. , p. 178-207. ____. A TV digital rima com direito social, mas não na televisão brasileira: tema para o ensino de História do Brasil contemporâneo. In: PINHO, Sheila Zambello de; SAGLIETTI, José Roberto Côrrea. (Org.). Núcleos de Ensino.São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2008, v. , p. 812-826. FARIA, Maria Alice & ZANCHETTA, Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. MAGALDI, Sylvia. “A TV como objeto de estudo na Educação: idéias e práticas”. In: FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. NAPOLITANO, Marcos. Como usar a televisão na sala de aula. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2008. PÁDUA, Elisabete Matallo Marchesini de. Metodologia da Pesquisa: abordagem teórico-prática. 9. ed. São Paulo: Papirus, 2003. ZANCHETTA JUNIOR, Juvenal. Desafios para a abordagem da imprensa na escola. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1497-1510, set./dez. 2005. Disponível em: Acesso em 24 mar. 2014. ____. Educação para a mídia: propostas européias e realidade brasileira. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 30, n. 109, p.1103-1122, set./dez. 2009. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v30n109/v30n109a09.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014. ____. Circulação de textos midiáticos entre alunos de escola pública básica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 01, p. 297-310, jan./abr. 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ep/v36n1/a07v36n1.pdf>. Acesso em 20 mar. 2014. ____. Políticas educacionais e mídia no Brasil: apontamentos sobre o quadro atual. Resgate. Vol. XIX, n. 22, p. 21-31, jul./dez. 2011. Disponível em: . Acesso em 20 mar. 2014.

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CONCEPÇÕES DE FORMA DE GOVERNO DE ATENAS EM LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS Elvis Rogerio Paes Luís Ernesto Barnabé

O que tradicionalmente se conhece por História Antiga enquanto código disciplinar – o seu recorte espacial e temporal adotado – não pode ser visto como algo naturalizado, mas ao contrário, uma construção ocorrida na Europa por séculos e consequentemente como um processo que implicou para a sociedade brasileira, em meados do século XIX, em escolhas de filiação ocidental, o que resultaria na construção de uma memória social que predomina até os dias atuais (GUARINELLO, 2013). Tratava-se também de se fabricar uma antiguidade “sem conflitos, como uma idade de ouro perdida, servia a interesses não declarados” (FUNARI; SILVA; MARTINS, 2008.p.8). Por isso, é importante compreender como se deu a “invenção” do antigo. O Renascimento Cultural na Europa do século XIV trouxe consigo a redescoberta e uma “glorificação” do patrimônio do mundo greco-romano. Obras e autores até então esquecidos, a partir do Renascimento terão uma maior abrangência e na Itália do século XVII passam a serem vistos como: “a herança escrita dos antigos” (GUARINELLO, 2013.p.18). Isso evidencia que o surgimento da História Antiga “foi, no princípio, um movimento cultural e literário a partir de textos e objetos” (GUARINELLO, 2013.p.17) e o Renascimento “não foi um renascer passivo, mas uma construção profunda da memória” (GUARINNELO, 2013.p.19). Esses instrumentos foram suportes, “testemunhos dessa visão do passado” (GUARINELLO, 2013.p.18), responsáveis pela herança de uma memória social “tributária de dois grandes eixos culturais antigos: o mundo greco-romano e o mundo bíblico”, que constituíram o Ocidente. Se levarmos em conta a importância dada nos textos oficiais e nas reformas educacionais propostas após o fim da ditadura militar a temas como cidadania e democracia e ter em conta que “o livro didático faz parte intrínseca do processo educativo” (BRASIL, 1999. p.461), e que por conta do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) alcança praticamente todos os bancos escolares do país, acreditamos ser válido analisar como tais temas são apresentados no

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contexto do mundo grego (e relacionados, ou não, ao nosso mundo). Com efeito, este trabalho pretende mapear as abordagens nas edições aprovadas pelo PNLD 2014 das formas de governo ateniense em livros didáticos atuais. Isso implica compreender a dimensão complexa do livro didático. Estes “são instrumentos de trabalho do professor e do aluno, suportes fundamentais na mediação do ensino e aprendizagem”. (BITTENCOURT, 2011.p.295), mas também podem revelar as práticas sociais que incidem sobre seu feitio, isto é, as visões de mundo e concepções de história que foram, e são mobilizadas, e resultam em narrativas dos capítulos; e fica mais evidente quando se concebe o livro didático, “antes de tudo como uma mercadoria” (BITTENCOURT, 2002.p.71) e que, também, possui o “papel de instrumento de controle por parte dos diversos agentes do poder” (BITTENCOURT, 2011.p.298), portanto “a escolha do material didático é assim uma questão política” (BITTENCOURT, 2011.p.298).

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Identificaremos a construção narrativa das formas de governo e os conceitos de democracia, ostracismo, buscando compreender permanências ou rupturas de uma tradição na escrita acerca de Atenas. Os livros são utilizados no 6° ano do Ensino Fundamental II, e trabalhados na grade curricular de História Antiga, selecionamos 12 livros do referido PLND, que serão descritos no quadro abaixo. Livros

Título

Autor (es)

Editora

1

Vontade de Saber História

Marco Pellegrini; Adriana Dias; Keila Grinberg.

FTD S.A

2

Projeto Teláris Da Pré-História à Antiguidade

Gislane Azevedo; Reinaldo Seriacopi.

Ática

3

Leituras da História

Oldimar Cardoso

Escala Educacional

4

Por Dentro da História Pedro Santiago; Célia Serqueira; Escala Maria Aparecida Pontes. Educacional

5

Estudar História Das origens do homem à era digital

Patrícia Ramos Braick

Moderna

6

História Sociedade & Cidadania ed.

Alfredo Boulos Júnior

FTD

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Reformulada 7

Encontros com a História

Vanise Ribeiro; Carla Anastasia.

Positivo

8

Saber e Fazer História

Gilberto Cotrim; Jaime Rodrigues.

Saraiva

9

Jornadas.hist

Maria Luísa Vaz; Silvia Panazzo.

Saraiva

10

Perspectiva História

Renato Mocellin; Rosiane de Camargo.

Brasil

11

História Para Viver Juntos

Débora Yumi Motooka; Muryatan Santana Barbosa.

SM Ltda.

12

Projeto Araribá História

Maria Raquel Apolinário

Moderna

O quadro abaixo apresenta estruturação das formas de governo em Atenas apresentada por cada obra analisada: Livro

Formas de Governo

1 2

Rei; Aristocracia; Democracia. Basileu: rei escolhido entre grandes proprietários de terra e governava com o apoio destes; Aristocracia: “autoridade dos melhores”, do grego áristos, “os melhores”; kratos, “autoridade”; Democracia: do grego, 'demo', “povo” e 'cracia', “governo”. Rei: Menciona a figura do polemarca e a do arconte, estes eram auxiliares do rei escolhidos da nobreza, esse poder real enfraquece devido a aristocracia; Aristocracia: Nesse período não existe mais a figura do monarca, o governo fica na mão do arconte e do polemarca, ou seja, da aristocracia; Democracia: É a fase de Atenas, onde, o governo está nas mãos do cidadão. Monarquia; Arcontado; Aristocracia: Governo dos melhores (aristoi); Legisladores; Tiranos; Democracia. Monarquia; Aristocracia; Democracia. Rei; Aristocracia: Governo dos melhores. A aristocracia é um grupo formado por pessoas ou famílias que, por herança ou concessão, possuem poder ou uma série de privilégios sobre os demais. Democracia: Democracia é a junção de demos (povo) e kratos (poder). Monarquia: Governo de um rei. Formado pelo basileu. Oligarquia: Governo de poucos. Tirania: Aquele que governa pela força, despoticamente, sem obedecer às leis existentes. Democracia: do grego demo = povo e cracia = governo. Rei: Meados do séc. VIII, possuía a função de juiz, sacerdote e chefe

3

4 5 6

7

8

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militar. Arcontes: Séc. VII, aristocracia, composta pelos eupátridas “bemnascido”, famílias consideradas nobres. Democracia. Monarquia: Séc. VIII a.C., na época de sua fundação, o governo era exercido por um rei, chamado basileu. Oligarquia: Os eupátridas formavam essa oligarquia, palavra grega que significa governo exercido por um só grupo social ou de poucos grupos sociais, Democracia: Séc. VI, palavra grega que significa 'governo do povo'. Monarquia: Constituída de forma hereditária. O rei era denominado de basileu. Oligarquia: Somente os eupátridas governavam. Legislador; Tirano; Democrático. Eupátridas: Aristocratas. Democracia: Governo do povo. Aristocracia: Atenas no início do século VII a.C estava nas mãos dos aristocratas. Democracia: Governo do demos (povo).

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Foi possível identificar semelhanças e algumas variações entre os livros didáticos, e disto destacamos cinco padrões. O primeiro padrão forma uma sequência de: Rei, Aristocracia e Democracia, que pode ser observada nos livros 1, 2, 3, 5, 6, 9. Já o segundo estabelece uma sequência mais detalhada: Monarquia, Arcontado, Aristocracia, Legisladores, Tiranos, Democracia, e ocorre nos livros 4 e 8. O livro 10 é o único que apresenta sequência: Monarquia, Oligarquia, Legislador, Tirano e Democracia, enquanto que o livro 11: Aristocracia e Democracia. Finalmente, o livro 7 expõe: Monarquia, Oligarquia, Tirania e Democracia. Em relação a democracia este conceito está presente em todas as 12 obras analisadas, mas somente os livros 2, 3, 6, 7, 9, 11, 12, se preocupam em apresentar uma definição a respeito do conceito. Desta forma temos: N° Livro 2 3 6 7

Dados Obtidos Democracia: (do grego, demo que quer dizer „povo‟ e cracia, „governo‟. (p.172) Democracia: tem origem na palavra grega demos, nome dado pelos atenienses tanto à população em geral quanto as divisões administrativas de sua cidade. (p.104) Democracia: A palavra democracia é a junção de demos (povo) e kratos (poder), isto é poder do povo. (p.209) Democracia: do grego demo = povo e cracia = governo, governo do

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povo. (p.130) Democracia: palavra de origem grega que significa “governo do povo”. (p.199) Democracia: Era a democracia, o governo do povo. (p. 110) Democracia: democracia, isto é, o governo do demos, palavra grega que significa tanto “povo”, quanto uma divisão territorial de Atenas. (p.168)

Assim, é possível perceber que os livros 9, 11, possuem grande similitude na explicação dos conceitos. Os livros 2 e 7 também expressam semelhanças. Temos por destaque os livros 3 e 12, que atrelam ao conceito “demos” não apenas o sentido de povo, mas também uma “divisão territorial de Atenas”. A definição etimológica para o termo democracia, somente é encontrada no livro 6, o qual ao contrário dos demais (2,7,9,11), utiliza a palavra grega kratos para indicar poder e não governo. Em relação ao Ostracismo, uma lei implantada na Atenas democrática por Clístenes, que consistia em expulsar da cidade por um período de dez anos quem ameaçasse a democracia, não é mencionado nos livros 2,3,5,8,12. Quando mencionado nos livros 1,7,9, e 10 os autores ilustram o termo a partir das imagens de cacos de cerâmica. Considerando os fatos elencados notamos, que os livro 7,9,11, expressam como explicação de democracia “Governo do Povo” e o livro 6, que busca uma etimologia mais precisa, traduz kratos como “poder”, portanto a democracia seria “Poder do Povo”. Noutras palavras, a Democracia de Atenas não poderia ser definida como um Governo do Povo, pois o povo ateniense tinha o poder de fazer leis, destituir leis, fazer melhoramentos na cidade e isso não condiz com o modo de governo atual, que é uma democracia representativa, e que de fato o povo não exerce governo algum. Portanto, o termo kratos é melhor traduzido no contexto ateniense como “poder” do que como “governo”, pois o cidadão ateniense de fato exercia o poder sem passar por intermediadores. Enfim, foi possível perceber até aqui que há grande semelhança entre as obras na organização das abordagens acerca de Atenas e sua evolução política. Boa parte delas opta por três estágios – monarquia-aristocracia-democracia – numa possível alusão às próprias classificações feitas na antiguidade por Aristóteles e

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Políbio. Há ainda outras que escapam à tríade e incluem outras etapas: arcontado, legisladores, tiranos(ia), e outras que ficam na dualidade aristocracia-democracia. Outro ponto que chamou atenção foi a predominância em torno da definição do termo democracia como “governo do povo”, quando somente uma obra enfatizou kratos. Livros didáticos

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PELLEGRINI, Marco; DIAS, Adriana; GRIMBERG, Keila. Vontade de Saber História, 6° Ano. 2. ed. São Paulo: FTD, 2012. AZEVEDO, Gislane; SERIACOP, Reinaldo. História Da PréHistória à Antiguidade, 6° Ano. 1° ed. São Paulo: Ática, 2012 (Projeto Teláris: História). CARDOSO, Odimar. Leituras da HISTÓRIA, 6° Ano. 1° ed. São Paulo: Escala Educacional, 2012. SANTIAGO, Pedro; CERQUEIRA, Célia; PONTES, MARIA Aparecida. Por Dentro da História, 6° Ano. 3ª ed. São Paulo: Escala Educacional, 21012. BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: Das origens do homem à era digital, 6° Ano. 1ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 2011. BOULOS, Alfredo Jr. História sociedade & cidadania, 6° Ano. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2012. RIBEIRO, Vanise; ANASTASIA, Carla. Encontro com a História, 6° Ano. 3ª ed. Curitiba, Editora Positivo, 2012. COTRIM, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História, 6° Ano. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. VAZ, Maria Luísa; PANAZZO, Silvia. Jornadas.hist, 6° Ano. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. MOCELLIN, Renato; CAMARGO, Rosiane de. Perspectiva História, 6° Ano. 2ª ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012. MOTOOKA, Débora Yumi; BARBOSA, Muryatan Santana. Para viver juntos: história, 6° ano. 3ª ed. São Paulo: Edições SM, 2012. APOLINÁRIO, Maria Raquel. Projeto Araribá: história, 6° Ano. 3ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 2010. Referências BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011 BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional do Livro Didático – Guia de Livro Didático. Brasília, 1999.p.461.

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FUNARI, P.P.A.; SILVA, G.J. & MARTINS, A. L. (org.) História Antiga: contribuições Brasileiras. São Paulo: Annablume Fapesp, 2008 GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.

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LUZ, CÂMERA, AÇÃO... EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS DENTRO DO PROJETO "CATADORES DA MARGEM ESQUERDA” EM UNIÃO DA VITÓRIA (2009-2011) Elois Alexandre de Paula

Com aquela frase de Glauber Rocha: "Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", quero relatar aqui as experiências vividas durante o percurso do projeto "Catadores da Margem Esquerda: Coleta, sobrevivência e identidade no Médio Iguaçu no inicio do século XXI". Projeto desenvolvido pelo colegiado de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR com incentivo do Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI-PR, entre os anos de 2009 e 2011.

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Venho aqui comentar de forma sintetizada a nossa trajetória durante o período em que trabalhamos no projeto "Catadores", e de como se produziram os diversos documentários e seus resultados. Outro ponto é comentar sobre os grandes e significativos aprendizados dentro da história e para a vida acadêmica e profissional. Todo o trabalho realizado durante o período do projeto nos possibilitou reconhecer a dinâmica de vida e da história de diversos personagens chamados de "Catadores", localizados em grande parte na Margem esquerda do Rio Iguaçu de União da Vitória e demais localidades da cidade. Tendo como metodologia a história oral desses "catadores", transformando essas fontes em um trabalho cinematográfico. A História oral, como comenta Alberti, (2006), busca a legitimidade como área da pesquisa historiográfica, a história dentro da história. O contexto da micro história aborda o discurso dos indivíduos ditos anônimos da História. Portanto o projeto "Catadores da Margem Esquerda" veio ao encontro a essa proposta, criando o contexto da história local, em torno desses indivíduos e transformando-se em diversos documentários, como explicaremos logo a seguir. Criar documentário... Um aprendizado Diferenciado O projeto desenvolvido pelo departamento de História da FAFIUV integrou a proposta do subprograma „Diálogos Culturais‟

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(ESTACHESKI, 2010). Inicialmente o projeto tinha duas propostas a serem apresentadas, a primeira era construir um documentário no contexto longa metragem, ou seja, a ideia central. E a segunda era a publicação de um livro com artigos que os integrantes do projeto produziriam, discutindo vários assuntos sobre a dinâmica de vida dos catadores. Com relação aos integrantes que participaram do projeto, foi realizado no início 2009 um processo seletivo para se formar a equipe, em que foram selecionados os seguintes membros: (sem contar os coordenadores) Coordenadores: Jefferson William Gohl, Ilton Cesar Martins, na primeira fase e Everton Crema, na segunda fase. Orientadora: Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski. Recém formados: Fernando César Gohl Licenciatura em Relações Públicas UNIUV, Itamara Cris Marchi Licenciatura em História - FAFIUV, José Roberto Corrêa Such - Licenciatura em História - FAFIUV. Graduandos em Licenciatura em História: Adelir Farias, Daniele Aparecida Moreira Bueno, Elois Alexandre de Paula, Júlio Cesar Jacinto, Karoline Fin e Marília Gabrielle Puff. Com o início dos trabalhos em março de 2009, realizou-se um trabalho de campo para se entender e buscar os relatos de vida e a identidade daqueles indivíduos, que muitas vezes eram rotulados pela vadiagem ou pela ideia de pessoas indesejáveis. Desde o princípio percebemos que muitos desses indivíduos tinham histórias muito significativas que tratavam de relatos que iam desde a sua forma de trabalho como catadores, mas também, de seu cotidiano, de seu âmbito familiar e as relações deles com a sociedade. Diante desse primeiro contato se traçou um pré-roteiro e uma ideia de como se construiria o documentário, mas, além disso, iniciamos as filmagens desses indivíduos realizando entrevistas com questões "determinadas" que pudessem transmitir a ideia e o pensamento desses indivíduos sobre a suas vidas. Deste momento em diante a câmera entra em ação iniciando as tomadas e "captando" as mais diversas histórias que seriam aproveitadas em uma edição preliminar que foi a segunda fase do projeto que, proporcionando grandes experiências sobre a história desses "personagens".

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Edição e Roteiro e a Criação dos Curtas Como já comentado a proposta dos documentários era de relatar o cotidiano dos catadores. Mostrar ao público suas narrativas sobre a sociedade em que os mesmos estão inseridos, suas necessidades e a dinâmica da vida social e familiar, usando as fontes orais desses e as imagens que representam toda essa proposta no trabalho. Portanto, tínhamos muito trabalho por parte da equipe de edição, de que participei, e sem muita experiência começamos a realizar as edições e sempre visando a proposta do projeto e seguindo o roteiro determinado. Começamos então a analisar demais documentários sobre o tema "Catadores", como por exemplo, „Ilha das Flores‟ (1989), „Istamira‟ (2006), trabalhos que serviram como suporte para o desenvolvimento dos documentários. A ideia de se apresentar a construção de identidades sobre esses grupos, seus pensamentos sobre o mundo, como comenta Silva (1996), teriam de ser apresentadas dentro das mídias e, portanto nos preocupamos em transmitir essa ideia tanto no roteiro, como na montagem e edições do documentário.

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Como resultado conseguimos produzir bem mais que um documentário. Com a análise do material que tínhamos em mãos que foram mais de cem horas de filmagens conseguimos ir muito além da proposta. Com relatos diversificados e personagens que chamaram a atenção pelo contexto de suas histórias, produzimos mais três curtas, sendo eles, Zé da Viola, (2010), Dona Zenilda (2010) e Dagoberto (2010). O curta „Zé da Viola‟ apresenta a História de um senhor, coletor de material reciclável, residente no Bairro Ponte Nova, que além de sua atividade com material reciclável, também trabalha com materiais em madeira, em sua modesta carpintaria em sua residência. Suas principais criações são instrumentos de corda, violões e violas, assim como o trabalho de conserto dos mesmos. Um grande artífice na carpintaria, e nas horas de lazer usa seus dons musicais para compor músicas em sua viola preferida. Recitando sempre seus versos sobre a vida cabocla, o mesmo comenta sobre a sua trajetória de vida e também sobre a sua participação em rádios locais, em que se apresentava com sua viola e seus versos. O curta „Dona Zenilda‟ é uma história que aborda o drama de uma senhora que mora na ribeirinha do Rio Iguaçu, e que como consequência natural, ocorreu uma cheia no período da filmagem e

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em visita ao local a equipe abordou esta senhora e sua família numa situação calamitosa em que sua residência estava inundada. Sem ter aonde ir, e com perca de seus bens, o drama desta senhora e seus relatos, são exemplos que se repetem nessas regiões da cidade de União da Vitória. Historicamente o problema das cheias na cidade atinge essa parte da população, muitas vezes desassistida pelo poder público, e que sofre muitas vezes discriminação por parte da sociedade. Esses relatos são enfatizados por Dona Zenilda nesse documentário. O longa „Catadores da margem esquerda‟ foi o último trabalho a ser realizado pela equipe. O filme com a duração de mais de duas horas teve a participação de todos os atores dos curtas, e também de outros atores que tiveram suas imagens e discursos apresentados no trabalho. Personagens daqui de União da Vitória e também de Bituruna-PR, que também teve a participação de trabalhadores de uma cooperativa de material reciclável. Além de empresários do ramo de reciclagem, os demais catadores, de cooperativa ou não, tiveram suas vozes e suas imagens dentro deste trabalho, com suas críticas, necessidades e suas histórias de vida e trabalho. Tendo assim atingido a proposta central do nosso projeto. Dagoberto: Uma Surpresa? Com certeza o documentário Dagoberto foi surpreendente pela repercussão para a equipe de projeto. Graças a experiência adquirida no percurso do projeto, principalmente a nossa equipe de edição, tivemos a ideia de elaborar o curta Dagoberto em 2010. A dinâmica do processo de edição foi baseada em roteiro priorizando as falas do „ator‟ Dagoberto, juntamente com as imagens de seu trabalho no seu cotidiano. Dagoberto, morador do bairro São Cristóvão é um catador de material reciclável com uma dinâmica de trabalho diferenciada. Com sua bicicleta acorrentada a um carrinho ele percorre um longo caminho desde o bairro até a área central de União Da Vitória, passando pela ponte férrea do município com sua carga de material. A equipe de filmagem passou um dia acompanhando o trabalho deste senhor pelas ruas da cidade e realizando as tomadas de imagens de toda a trajetória de seu trabalho e de sua casa, na qual existe uma organização diferenciada desses materiais e da forma de como ele negocia esses materiais com empresas da cidade. De toda a forma, a maneira de vida de Dagoberto e seu discurso, sua vida e seu

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trabalho foi um material áudio visual muito bem elaborado pela nossa equipe de edição, graças as imagens que nós realizamos e um tratamento especial na montagem do curta. Esse trabalho diferenciado surtiu resultados satisfatórios. „Dagoberto‟ participou em eventos de cinema concorrendo em amostras internacionais juntamente com o documentário Zé da Viola, em 2010. Além de evento no nível estadual realizado em União da Vitória e em evento nacional realizado em São Paulo, em 2011. O curta "Dagoberto" (2010) foi nossa grande pérola do projeto, pois até mesmo nos dias atuais é bem aceito pela opinião pública e por profissionais da área e da região, rendendo elogios pela forma de como esse trabalho foi produzido. Não tem como não comentar que Dagoberto foi uma surpresa para mim e a toda equipe do projeto. A Importância do Projeto: O Conhecimento do Fazer História

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A dimensão que o projeto Catadores da Margem Esquerda atingiu para nossa formação acadêmica é inquestionável a sua abrangência. Quero apontar primeiramente o desenvolvimento técnico profissional que obtive com a questão de edição de vídeos. Desde o início, graças a ajuda dos coordenadores do projeto e de meu amigo de trabalho Fernando Gohl, despertei o interesse pela edição e filmagem de vídeos em que me desdobrei por horas em frente a ilha de edição para editar as imagens que nos chegavam, para que o trabalho se concluísse em tempo hábil. Ainda com relação à edição, meu empenho foi sempre acima do que foi proposto, porque meu interesse pelo trabalho e pela própria edição me despertou interesse em aprender sobre os fundamentos de edição. Com isso fomos chamados por várias vezes para realizar trabalhos para a FAFIUV, no período do projeto, em que realizei e realizo inúmeros trabalhos para a instituição entre vídeos institucionais documentários e demais outros vídeos que não temos espaço para mencionar. Destaco aqui o documentário "50 anos de história -uma fábrica de ideias”, em que tive a ideia de realizar um documentário estilo "media" sobre os 50 anos do curso que estava completando nos anos 2010 e 2011. Com a ajuda da equipe foram gravados vários depoimentos de ex-professores sobre o curso, usando imagens históricas sobre o curso de história na FAFI. O

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resultado então foi significativo e marcou a data alusiva do curso de história da FAFIUV. Com relação ao aprendizado histórico foi também muito gratificante o trabalho com relação à imagem dos Catadores. Segundo Vainfas (2002) é importante entender os protagonistas anônimos da história, ou seja, aqueles que são personagens anônimos que de qualquer modo participam das mudanças da sociedade ou são empurrados pelas mesmas. Desse modo a historiografia e a micro história vem ao alcance a essa temática, incluindo também nossos, muitas vezes esquecidos, catadores de União da Vitória. Além disso, todo o nosso trabalho foi bem além de nossa formação acadêmica, mas ficou um legado para se discutir em várias correntes da historiografia. Essas produções deixam espaço para o expectador compreender o cotidiano desses catadores que também fazem parte de uma história local. E indo além, os documentários sobre os catadores podem propor diversas discussões em várias áreas da história em sala de aula, como gênero, identidades, cultura e a história local, assim como material de pesquisa e fontes audiovisuais. Ainda a discussão sobre os trabalhos do projeto poderão ser abordadas para outras áreas como a sociologia, economia, filosofia e cinema. Enfim, todo o desenvolvimento do trabalho no projeto "Catadores Da Margem Esquerda" nos levou para além do conhecimento técnico da criação de mídias, mas também possibilitou a compreensão da história, da realidade de vida desses indivíduos, para além da sala da aula. Em outras palavras nosso aprendizado no projeto, abriu novos horizontes do conhecimento histórico, e aproveitamos esse conhecimento e projetamos nossos trabalhos sobre a História desses catadores nas telas de cinema. Referências Bibliográficas ALBERTI. Verena. „Histórias dentro da História‟. In: PINSKI, Carla Bassonazi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. Catadores da Margem Esquerda. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010. Dagoberto. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010. Dona Zenilda. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010. ESTACHESKI, Dulceli de Lourdes Tonet; CREMA, Everton Carlos (Orgs.) Catadores da Margem Esquerda: Coleta, Sobrevivência

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e Identidade no Médio Iguaçu no Início do século XXI. União da Vitória: Kaygangue, 2010. ESTAMIRA. Documentário. Rio de Janeiro: Direção Marcos Prado, 2004. SILVA, Maria Aparecida de Moraes. A voz do passado: tecendo possíveis. Itinerários, Araraquara n°9, 1996. VAINFAS. Ronaldo. Os Protagonistas Anônimos da História. Rio de Janeiro: Ed Campus, 2002. ZÉ DA VIOLA. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.

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HISTÓRIA E LITERATURA: DEBATES E NOVAS LINGUAGENS Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr

É na escola que obtemos o início de nossa formação acadêmica e social. Durante o momento das aulas somos expostos a diversas teorias, ideologias, e informações de grande relevância para o desenvolvimento intelectual de um indivíduo. É também neste espaço de educação que nos é introduzida aquelas que por um longo período de nossas vidas serão nossas referências culturais. A literatura é parte fundamental na criação deste cânone. A prova encontra-se na sua relação com outras áreas do conhecimento que buscam a interdisciplinaridade pelo fato de a literatura em suas composições reunir dados de todas as áreas do conhecimento. Diante deste cenário, a relação entre história e literatura apresenta possibilidades para aqueles que se dedicam aos estudos históricos e também como um recurso educacional. Contudo, esta relação, assim como todas, apresenta ascensões e quedas. Durante um considerável período de tempo, era notável uma resistência por parte dos historiadores em admitir outras áreas do conhecimento em conjunto com a História, principalmente pela forte influência do Positivismo no século XIX que tratava o estudo do passado com tanto rigor quanto uma ciência exata. "Hoje em dia, parece bastante claro que a crença do século XIX na dessemelhança radical entre arte e ciência resultou de um mal-entendido promovido pelo medo que o artista romântico sentia da ciência e pela ignorância que o cientista positivista tinha da arte". (WHITE, 1994, p.40-41). Esta influência positivista foi estendida também as salas de aula onde ainda hoje é notável a resistência na história dos grandes acontecimentos, dos grandes heróis, dos vencedores. Entretanto, na virada para o século XX, novas correntes de pensamento surgem com o objetivo de repensar o ofício do profissional da História e principalmente de problematizar o passado que parecia a nós tão engessado. Uma das propostas era de aumentar os diálogos que a História poderia fazer com outras áreas do conhecimento humano. A sociologia e a antropologia foram as primeiras a se integrarem a

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história, mas, com o crescimento do interesse em outras áreas de pesquisa como o cotidiano e a cultura foi dado também espaço as artes, e entre elas estava à literatura. "É bem possível que a tarefa mais difícil que a atual geração de historiadores é chamada a realizar seja expor o caráter historicamente condicionado da disciplina histórica, presidir a dissolução da reinvindicação de autonomia que a história mantém com respeito às demais disciplinas e promover a assimilação da história a um tipo superior de investigação intelectual que, por estar fundada numa percepção mais das semelhanças entre a arte e a ciência que das suas diferenças, não pode ser adequadamente assinada nem por uma nem por outra". (WHITE, 1994, p. 41).

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Após conquistar notoriedade no meio acadêmico, estes novos teóricos, principalmente os franceses, iniciaram um grande debate sobre as fontes do historiador, e lá estava a literatura novamente ocupando local de destaque. Estas inovações não se limitaram a academia somente, aos poucos as novidades foram penetrando também nas instituições de ensino. Aos poucos era possível perceber a adesão em sala de aula de um diálogo saudável entre a história e a literatura principalmente daqueles profissionais que desejavam ir além das limitações impostas pelo material didático. É impossível afirmar que não houve evolução na maneira a qual o livro didático propõe interações com outros conhecimentos e também com as artes, basta um breve olhar sobre os exemplares de auxílio ao professor onde se existem citações e indicações de obras literárias e artísticas, porém, somente a indicação destas obras não reflete a importância que adquiriram ao longo do tempo. "Por isso, nunca será demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível bibliografia crítica, comentários, interpretações. A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário". (CALVINO, 1993, p.12). Além de existirem as dificuldades de conciliar a interdisciplinaridade e o tempo hábil para exercer os tais projetos, a metodologia para o uso da literatura na maioria dos casos é mal executada. Este erro ocorre na maioria das vezes por dois motivos: A

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negligência com o material oferecido e má utilização da relação entre a literatura e a história. O primeiro ponto torna-se um grave erro pelo fato de não acompanhar, aconselhar e trabalhar a obra em sala. Buscar o interesse e participação do público alvo que são os estudantes também é fundamental, principalmente diante da dificuldade de oferecer para uma geração acostumada com a imagem, com as múltiplas explosões de uma tela, ou em outras palavras, uma geração que se adaptou a compreender símbolos. Com o avanço cada vez mais agressivo da tecnologia "preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real" (SANTOS, 2008, p.12). Uma alternativa para explorar o interesse das novas gerações nas imagens é, por exemplo, uma série de adaptações de obras clássicas para o formato de histórias em quadrinhos. Encontram-se desde exemplares de O Conde de Monte Cristo e da Ilíada e Odisseia até exemplares do Manifesto do Partido Comunista em mangá (a linguagem japonesa das histórias em quadrinhos). Esta tendência tornou-se crescente na busca das editoras para levar até as novas gerações obras que atualmente são reconhecidas como clássicos. Outro recurso que deve também ser levado em consideração é a utilização de obras que foram transpostas dos livros para as telas, nunca substituindo o uso do exemplar original, mas utilizar o filme como uma demonstração, uma introdução ao que será trabalhado com a obra. Contudo, mesmo com a falta ao acesso destes materiais, deve ser salientado que a escola tem a função de apresentar aos estudantes a literatura, e os clássicos. Ao realiza-los provemos aos alunos o suporte necessário para que o mesmo construa futuramente o se cânone. "A escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o 'seu' livro". (CALVINO, 1993, p.13). A outra problemática listada anteriormente o uso equivocado da relação entre história e literatura dá-se decorrente da primeira

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postura, ao não analisar e apresentar corretamente a obra escolhida o educador acaba por desperdiçar todo o potencial da obra escolhida, enquanto com simples questionamentos e o levantamento de alguns dados pode-se levar a leitura de uma obra a uma análise de fonte histórica sobre um período. Questionar-se sobre o período em que o livro foi produzido, sobre a origem do autor, sua posição social e política, perguntar-se sobre quais eram os principais debates de sua época são apenas pequenos pontos que ao serem abordados tornam o ofício de trabalhar com a literatura também uma descoberta de novas perspectivas para um mesmo período estudado.

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A literatura permite que pensemos além daquilo que nos é exposto até mesmo pelos livros de história, nos faz questionar sobre algumas posturas que até antes do contato com estas obras pensávamos ser inimagináveis. Outro aspecto que deve ser trabalhado com a literatura é a história das minorias, um exemplo encontra-se na antiga Grécia. Enquanto os livros didáticos persistem na postura de não problematizar a posição da mulher grega, encontramos na literatura personagens de grande poder, a exemplo de Antígona, pertencente a Sófocles e Medéia de Eurípides. Ambos os casos são personagens femininas e que demonstram que era possível a existência de mulheres de grande destaque na sociedade, algo que foge completamente do antiquado discurso das mulheres de Atenas. "O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência". (CALVINO, 1993, p.12). Entretanto, este método requer cuidados. Não podemos nos referir a um escritor, um criador de ficções como um profissional da história. Em A Poética, Aristóteles já atentava para esta diferenciação ao afirmar "é evidente que não compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade". (ARISTÓTELES, 2003, p. 43). Ou seja, ainda que a proposta do autor seja retratar um acontecimento, seu ofício lhe permite a criação de acontecimentos, de personagens para tornar seu produto mais interessante a seu

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público, enquanto o historiador em sua função obedece a rigores que o credenciam com o seu compromisso com a verdade. Logo, é de fundamental importância demonstrar que mesmo a literatura possuindo privilegiado espaço de debates com a história existe limitações que devem ser respeitadas. Por fim, podemos considerar que o uso da literatura em sala de aula, e, sobretudo na disciplina de história tem somente a acrescentar aos clichês que são citados ao referenciamos o uso das letras na educação. Contudo, novas considerações podem sempre ser acrescentadas a exemplo da formação e fortalecimento de um senso crítico por parte dos estudantes, além de estimular a visualização de um período histórico diante de diversas perspectivas, o reconhecimento e importância das minorias nos processos históricos. Se corretamente planejado e executado um benefício pode ser acrescido à lista anterior. Mais do que uma ferramenta de ensino "a leitura, portanto, não é uma experiência pessoal ou, dito de outro modo, a leitura é uma experiência em que o pessoal fica abandonado como condição da própria existência". Em outras palavras a literatura nos forma socialmente, forma seres humanos emancipados do senso comum. Referências ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2003. CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Editora Contexto, 2013. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: Danças, Piruetas e Mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é Pós-Moderno. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008. WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. São Paulo: EdUsp. 1994.

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LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO: O CASO D'AS JÓIAS DA COROA (1882), DE RAUL POMPÉIA Evander Ruthieri da Silva

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Entre a história e a literatura vislumbram-se campos de conhecimento que compartilham incessantes relações cognitivas com o mundo social, e que investem a experiência humana, por intermédio de tessituras narrativas, com sentidos e significações, no afã de representá-la e transformá-la. O interesse manifesto por muitos profissionais do campo da história com relação às fontes literárias, ao exemplo de romances, contos e folhetins, mas também aos seus leitores, editores e literatos, deixa em evidência um reconhecimento da capacidade destas narrativas em construir, no seu âmago sensível, afinidades e entrelaces com processos históricos específicos. Assim, torna-se um lugar privilegiado de representação e ressignificação de razões e sentimentos, dos imaginários e das sensibilidades partilhados pelos atores históricos em seus esforços de interpretar o universo de relações sociais de que fazem parte. Esta aproximação de pesquisadores e professores de história com os textos literários é decorrente e sintomática de um movimento de expansão das abordagens e dos métodos utilizados no ensino e na pesquisa, sobretudo a partir das discussões fomentadas, pelo menos desde a década de 1970, em torno dos aspectos narrativos relacionados à "operação historiográfica" (CERTEAU, 2002). Ademais, e em sintonia com as contribuições à prática da docência almejadas por este texto, a mobilização das fontes literárias enquanto recurso narrativo para a construção do conhecimento histórico alinha-se a um momento de intensos debates em torno da renovação dos aportes metodológicos pertinentes ao ensino de história, os quais acarretaram em uma ampliação de temas, problemas e objetos de estudo (FONSECA, 2003). Para levar a cabo tais questões, este texto visa deslindar as relações entre um movimento histórico - a saber, a constituição de um imaginário anti-monarquista e o uso político da literatura pelos defensores do republicanismo nas décadas de 1870 e 1880 no Brasil - e uma fonte literária: o romance As Jóias da Coroa, de Raul Pompéia, publicado originalmente como um folhetim no periódico carioca Gazeta de Notícias entre março e maio de 1882. Baseado em

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uma investigação policial que tomou conta da imprensa no início daquele ano, a saber, o roubo das joias da imperatriz Teresa Cristina, a análise histórica do romance intenciona demonstrar a proficuidade do escrutínio da literatura para a construção do conhecimento histórico na sala de aula. Se há um interesse ativo pela literatura enquanto objeto cultural e forma de acesso "ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais os valores que guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos" (PESAVENTO, 2012, p.82), há que se atentar que as relações entre narrativas literárias e históricas foram, em longa duração, demarcadas por tensões e aproximações. O historiador Jacques Revel enfatiza que os embates, diálogos e querelas entre operações de conhecimento histórico e formas narrativas são antigas, pois remetem a uma hierarquia de gêneros literários sugerida pela tradição aristotélica. Este contrato retórico se desfaz entre a segunda metade do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, instante em que espera-se que o historiador restitua o passado, não em vias de localizar seus exemplos morais, mas que fosse capaz de liberar sua significação de conjuntos. Este regime de historicidade concebe o passado como desconexo do presente, distante e fragmentário, e, apesar de certa solidariedade entre a literatura e a história, sobretudo pela via do romance histórico oitocentista, Revel conclui que não se trata de uma relação prolongada no interior do contrato retórico (REVEL, 2010). Ainda assim, cada qual ao seu modo, e em muitas vezes de modo complementar, muitos literatos e historiadores apresentavam interesses comuns ao longo do século XIX, dentre os quais, o esforço em estabelecer narrativas que fornecessem coesão e historicidade às nações modernas. Particularmente entre os românticos, homens de letras e da história compartilhavam o "interesse pelo humano", isto é, "o homem, alçado à condição de objeto de conhecimento" (CAMILOTTI; NAXARA, 2009, p. 20). Ademais, como sintetizam Virginia Camilotti e Márcia Naxara, história e literatura constituíram-se enquanto campos disciplinares de modo simultâneo, no limiar da modernidade, a partir das cisões com formas de saberes anteriormente estabelecidos, e em resposta às ambições de conhecimento do mundo, as quais atribuíram atenção redobrada à historicidade de acontecimentos humanos ou naturais (LEPENIES, 1996). O debate em torno das relações entre literatura, ficção e história, bem como do aspecto cognitivo das narrativas, sofreu uma inflexão

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entre as décadas de 1960 e 1970 diante das contribuições e das querelas provocadas pelo "linguistic turn", vertente teórica que enfatizava a linguagem enquanto sistema produtor de sentidos que definem o real. Autores como o classicista francês Paul Veyne, o norte-americano Hayden White e o inglês Lawrence Stone trouxeram à baila a questão da narrativa, ao apontarem a presença ou predominância de elementos literários e/ou ficcionais na escrita da história.

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Entre os intérpretes críticos do linguistic turn, ao exemplo de Michel de Certeau, Paul Ricoeur e Roger Chartier, a ênfase recaiu na especificidade das narrativas históricas, no lugar social da instituição histórica, nos métodos que orientam o trabalho dos historiadores e sua dependência com relação às fontes. Se estas querelas conduziram a uma compreensão da presença de elementos narrativos no ofício do historiador, no ínterim, diversos pesquisadores, sobretudo a partir da década de 1980, desafiaram-se a pensar a dimensão social e cultural, enfim, histórica, dos discursos literários, de seus produtores e de seus leitores. Ênfase tem sido concedida à literatura produzida durante o século XIX, pois se tratou de um momento de consolidação e expansão do mercado editorial brasileiro, bem como de complexificação das vias de difusão de textos literários. Dentre os suportes que ganham significância no Oitocentos, estava o folhetim. Inspirado no modelo francês de serialização de romances em jornais, galgou popularidade entre o público brasileiro, pois atendia a hábitos adquiridos de leitura ou audição da ficção (MEYER, 1996, p.33-34). Formato difundido na imprensa brasileira da segunda metade do século, localizado ao pé da página dos impressos, o folhetim adquiria relevância em um movimento significativo no período, a saber, os múltiplos intentos de letrados para fazer uso da cultura escrita no fito de garantir o protagonismo de determinados grupos sociais que se digladiam nas tramas da política. O folhetim As Joias da Coroa foi gestado no período em que Raul Pompéia muda-se para São Paulo, cidade no qual ingressa no curso de Direito na Faculdade do Largo São Francisco. Por meio de suas atividades na imprensa periódica, Pompéia articula-se politicamente junto ao movimento abolicionista e republicano, sobretudo por sua colaboração no jornal A Comédia, ainda em 1881. A militância política acarreta consequências em sua trajetória acadêmica, de

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modo que Pompéia foi reprovado pela banca examinadora no terceiro ano da Academia de Direito (ARANTES, 2002). Escrito ao modelo de um roman à clef, no qual nomes de personagens são intencionalmente trocados, mas não ao ponto de tornarem-se indistinguíveis aos seus leitores contemporâneos, As Jóias da Coroa narra as desventuras de Manuel de Paiva, fidalgo da corte que planeja e executa o roubo das jóias do Duque de Bragantina, ficcionalização do imperador Dom Pedro II. Além da Duquesa de Bragantina, representada como uma mulher gentil e caridosa, à corte integra o filho do casal, o "príncipe dos cortiços" Marques d'Etu, em referência ao Conde d'Eu. Na parte final do romance, Paiva é preso por ordens do Duque, mas é logo solto, por ter conhecimento das ações degradadas do nobre, dentre as quais a exploração sexual de jovens moçoilas. A trama encerra-se com a Duquesa de Bragantina impedindo o marido de abusar sexualmente de uma jovem que, sem seu conhecimento, tratava-se de uma filha ilegítima do aristocrata. O caso era inspirado em um fato extraordinário: o desaparecimento de várias joias da imperatriz Tereza Cristina em torno de 18 de março de 1882, no Paço de São Cristóvão. O roubo atraiu atenção da imprensa devido ao fato de que os culpados pelo crime terem sido soltos impunemente. Por extensão, a sátira crítica de Raul Pompeia em seu folhetim evidencia um momento de transformações políticas importantes no Brasil das décadas de 1870 e 1880, quais sejam, o crescimento do Partido Republicano e do abolicionismo, a demissão do Gabinete Conservador e a subida dos liberais depois de afastados do poder por pelo menos dez anos, e a desestabilização da imagem pública do imperador. A inspiração cientificista no romance, que observa a elite brasileira a partir de uma órbita da degenerescência moral, igualmente demonstra a recepção e difusão de novas vias de interpretação social entre a intelectualidade republicana (SCHWARCZ, 1998, p.410). Para o ensino de história, a literatura pode ser utilizada como documento histórico e fonte para a construção do conhecimento. Torna-se essencial, portanto, historicizar o texto literário, localizá-lo em seu contexto e conectá-lo com processos históricos específicos, para assim ter uma ideia clara das intencionalidades promovidas pelos literatos. A forma narrativa destes textos literários, edulcorados com descrições vívidas de personagens e lugares, tornaa uma ferramenta instigante para a docência em história, baseada na

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ampliação dos objetos e dos métodos aos quais os profissionais da área podem dispor em suas práticas pedagógicas.

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A incorporação da literatura enquanto fonte na pesquisa e no ensino em história adere, destarte, a uma "opção metodológica que amplia o olhar do historiador, o campo de estudo, tornando o processo de transmissão e produção de conhecimentos interdisciplinar, dinâmico e flexível" (FONSECA, 2003, p.163). Ainda assim, torna-se importantíssimo preservar a especificidade do discurso literário, pois se trata de uma produção ficcional, repleta de expectativas nãorealizadas, e ainda assim profundamente entrelaçada ao tecido social e cultural de um período histórico. O uso da literatura em sala de aula ainda pode ser pensado a partir de sua intertextualidade, isto é, do modo como a ficção dialoga, reafirma ou confronta outras produções escritas e visuais do mesmo período. As Jóias da Coroa, neste caso, poderia ser utilizado em diálogo com a imprensa ilustrada engajada com a campanha republicana no Brasil, sobretudo por intermédio das caricaturas políticas que visavam minar o governo imperial, ao exemplo das gravuras de Angelo Agostini, Luigi Borgomainerio e Rafael Bordalo Pinheiro (Cf. SCHWARCZ, 1998, p.417-421). Além disso, o caso d'As Joias da Coroa pode ser mobilizado enquanto recurso para explorar, junto aos alunos, as particularidades de um gênero literário típico do século XIX: o folhetim. A digitalização da Gazeta de Notícias pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (http://bndigital.bn.br/acervodigital/gazeta-noticias/103730) possibilita acesso ao periódico de modo integral, o que permitiria uma via de acesso digital aos rastros das experiências literárias no Oitocentos brasileiro. Ao privilegiar a intertextualidade e a interdisciplinaridade, o uso da literatura na prática de docência permite privilegiar a "natureza multiperspectivada" do passado histórico, "ou seja, contempla as múltiplas temporalidades pautadas nas experiências históricas desses sujeitos" (SOBANSKI, 2010, p. 10). Ao evocar sonhos imaginários e defesas letradas, romances como As Jóias da Coroa possibilitam uma construção de conhecimento histórico que privilegie os múltiplos posicionamentos dos sujeitos diante de processos políticos, e as formas pelas quais estes atores históricos interpretam e reelaboram as relações sociais que integram. Referências

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ARANTES, Rubens. A Trajetória de Raul Pompéia: um estudo bibliográfico. In: Revista Claretiano, n.2, jan-dez. 2002, pp.44-57. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, 2003. PESAVENTO, Sandra. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.82. REVEL, Jacques. Recursos narrativos e conhecimento histórico. In: REVEL, Jacques. História e historiografia: exercícios críticos. Curitiba: Ed.UFPR, 2010. CAMILOTTI, Virginia; NAXARA, Márcia R. C. História e literatura: fontes literárias na produção historiográfica recente no Brasil. In: História: Questões & Debates, n. 50, jan-jun. 2009, pp.15-49. LEPENIES, Wolf. As três culturas (1985). São Paulo: Edusp, 1996. MEYER, Marlise. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SOBANSKI, Adriane (et.al). Ensinar e Aprender História: Histórias em quadrinhos e canções. Curitiba: BASE Editorial, 2010.

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RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS: UM FACILITADOR DA APRENDIZAGEM NA RELAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO Evelline Soares Correia

Introdução Com a evolução das tecnologias, a sociedade tem se deparado com diferentes necessidades geradas por ela e, em consequência disso, as escolas necessitam se adequar à essa nova realidade. Diante do exposto, observa-se a importância de mudar as rotinas das salas de aula incorporando as tecnologias, pois elas podem contribuir e influenciar positivamente no modo de pensar, de aprender e de produzir dos alunos e professores (BRASIL, 1998).

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Segundo Moran (2007), faz-se necessário que o professor perceba que o quadro negro não é sua única opção de recurso, não que tal recurso não deva mais ser utilizado, mas incorporar outros recursos como as TICs- Tecnologias de Informação e Comunicação, por exemplo, à sua aula faz com que seus objetivos por meio deles sejam de colaborar com o ensino-aprendizagem dos alunos e por consequência colaborar nos resultados de sua prática pedagógica. Assim as TICs oferecem diferentes alternativas em sua utilização, dentre estas apresentaremos os REAs - Recursos Educacionais Abertos, que se tornam um forte aliado do professor no enfrentamento ao receio ou aversão dos alunos em relação a aprendizagem ou à determinada disciplina podendo despertar a curiosidade e o interesse do aluno em aprender. Entretanto, ao se propor esta utilização, precisamos estar atentos para as implicações que tal prática acarreta ao trabalho docente. Para o bom resultado do aluno, ele precisa se dedicar às suas atividades e cabe ao professor a tarefa de preparar e organizar práticas didáticas efetivas, tendo então a responsabilidade de inicialmente conhecer os recursos disponíveis, ter certo domínio sobre os mesmos e introduzi-los de forma coerente. Sendo assim o professor precisa buscar meios de conhecer e fazer uso das TICs na mediação de suas aulas, sem perder o foco do processo de ensinoaprendizagem.

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Moran (2007) salienta que se faz necessário a formação docente para que estes adquiram o domínio técnico e pedagógico das ferramentas educacionais ou recursos disponíveis que podem contribuir na prática. De acordo com a vida moderna, percebemos que a utilização dos recursos tecnológicos é extremamente necessária para qualquer pessoa inserida nela. Desenvolvimento As redes de computadores têm revolucionado o sistema educacional. A possibilidade de vencer distâncias levando material de alta qualidade faz desta tecnologia uma grande aliada da educação. Nos últimos anos, com o avanço dos computadores tem se alastrado cada vez mais o seu uso no processo educacional. São as chamadas TICs, ocupando o seu espaço. Com o aparecimento desses aparatos também surgiram os sistemas computacionais para gerenciamento do processo de ensino e aprendizagem e para a geração de material didático. Este contexto tem favorecido a produção de material didático e de novos sistemas para auxiliar o processo de ensino e aprendizagem. Estes materiais e sistemas precisam se comunicar com fluência para serem eficientes e possibilitarem o compartilhamento de seus produtos e recursos, por isso surgem os Recursos Educacionais Abertos que visam o compartilhamento de material didático por meio das redes computacionais, por isso a preocupação com a sua compatibilidade para que o material didático por meio de computadores seja facilmente intercambiável e compartilhável entre diversos sistemas computacionais. Para a produção deste tipo de material, com estas características, são utilizados princípios pertinentes às metodologias de desenvolvimento de software. Este caminho de desenvolvimento e produção de software é chamado de orientação a objetos e trata os sistemas computacionais de forma modular, hierárquica e padronizada. Surgem assim, os Objetos de Aprendizagem que nada mais são que materiais didáticos digitais, cuja produção/criação é inspirada na metodologia de orientação a objetos. Como o escopo principal é o compartilhamento dessa produção, floresceu a motivação de utilizar o material criado por meio eletrônico e incentivar a sua disponibilização livre e aberta.

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Com a facilidade oferecida pelas redes de computadores em fazer o mundo se comunicar, o conceito de recursos livres e abertos foi adotado pela UNESCO a partir do ano 2000 como um instrumento capaz de auxiliar a democratização da educação universal. Foi cunhada uma sigla em português para Recursos Educacionais Abertos - REA, em inglês OER - Open Educational Resources. REA são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou que estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso potencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento (UNESCO/COL, 2011).

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Não se trata somente de material digital. Livros e outros materiais impressos também podem ser “abertos” no sentido que utilizamos aqui. (MORAIS, RIBEIRO & AMIEL, 2011). Para Morais, Ribeiro e Amiel (2001), a ideia de REA (Recursos Educacionais Abertos) vai além de simples recursos, é um engajamento com recursos didáticos. Estes autores apresentam um quadro da seguinte forma: o primeiro passo é procurar recursos capazes de atender adequadamente a sua necessidade, você pode tanto criar seu recurso “do zero”, como pode combinar os recursos que você encontrou para montar um novo recurso, quase sempre será necessário fazer algumas adaptações no material que você encontrou para que ele se adeque ao seu contexto e assim finalmente você pode usar os REA na sala de aula, na Internet, em reuniões pedagógicas. Uma vez finalizado os REA, você pode disponibilizá-los à comunidade, de dentro e de fora da escola, que poderá reusá-los e assim recomeçar o ciclo novamente. Em relação a inserção dos REAs no Brasil, o Projeto Brasileiro sobre Recursos Educacionais Abertos: Desafios e Perspectivas (Projeto REA-Br) teve início em 2008 com a visita de uma delegação internacional ao Ministério da Educação e com a realização de uma série de eventos de sensibilização em São Paulo e Brasília. O projeto

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REA-Br foi fundado por Carolina Rossini em 2008 e é um dos primeiros projetos no Brasil que tenta apropriar à realidade e às perspectivas brasileiras a discussão internacional acerca dos Recursos Educacionais Abertos (REA) e da Educação Aberta. Mas isso não seria possível sem o apoio da comunidade: REA-Brasil. Essa comunidade é formada por educadores, cientistas, engenheiros, profissionais de TICs, jornalistas, advogados e todos aqueles que acreditam em educação aberta e recursos educacionais abertos. No Brasil, o projeto possui parcerias ou recebe apoio institucional do Instituto Educadigital, Casa de Cultura Digital, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, da UNESCO, entre outros. Internacionalmente, o projeto é financiado pelo Open Society Foundations e possui parceria com diversos projetos e iniciativas focadas em Recursos Educacionais Abertos. (http://www.rea.net.br) Os OA's- Objetos de Aprendizagem têm a função de propiciar o compartilhamento de recursos didáticos, isto é, permitir e facilitar o uso de conteúdo educacional por meio de especificações e padrões internacionalmente aceitos. Atualmente, existem várias interpretações, algumas delas consideram que tais objetos podem ser qualquer coisa (textos, imagens, vídeos, etc.) que possa ser utilizada ou não para a aprendizagem. Segundo Hilen (2013), os Objetos de Aprendizagem são recursos educacionais digitais disponibilizados de forma livre e aberta para a comunidade acadêmica em geral, que os utilizam para o ensino, aprendizagem e pesquisa. Os REA's abrangem os conteúdos de aprendizagem, ou seja, cursos, módulos de conteúdo, objetos de aprendizagem entre outros. Eles incluem também ferramentas para apoiar o desenvolvimento, o uso, o reuso, a busca e a organização de conteúdo, bem como Sistemas de Gerenciamento de Aprendizagem e ferramentas de autoria. E por último os REA contemplam os chamados recursos de implementação que abrangem licenças para a disseminação de materiais abertos, bem como recursos de localização de conteúdo. Desta forma, podemos dizer que os Objetos de Aprendizagem são, sim, um tipo de Recursos Educacionais e podem ser Abertos se forem devidamente licenciados para isso. A criação de Objetos de Aprendizagem trata de especificações técnicas, portanto relativas a adaptabilidade, acessibilidade, durabilidade, escalabilidade, granularidade, interoperabilidade, metadados e reusabilidade. Quando acrescida a questão de licença de uso e distribuição, privilegiando a forma aberta, torna-se um

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Recurso Educacional Aberto. Para a produção de Objetos de Aprendizagem que integram diversas mídias, temos vários sistemas computacionais que podem nos auxiliar nessa tarefa, como o Xerte, Reload, eXe-Learning, etc. Uma das principais características ou atributos dos Objetos de Aprendizagem é a possibilidade de compartilhamento. Vimos que Objetos de Aprendizagem são reutilizáveis, mas como encontrar e guardar estes recursos? A resposta a esta pergunta é: Repositórios de Objetos de Aprendizagem. Cresce a cada dia o número destes repositórios e às vezes não possuem a mesma denominação. Por exemplo, temos o Banco Internacional de Recursos Educacionais, criado em 2010 pelo INEP/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; Scielo Books; FGV on- line; e-Aulas USP; Domínio Público, entre tantos outros.

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O eXeLearning é uma aplicação fácil de usar, que dispensa que alguns conhecimentos sejam aprofundados, por exemplo, para usar essa ferramenta um professor não precisa entender detalhes técnicos sobre determinadas linguagens de programação de computadores. Esta facilidade provavelmente se deve aos iDevices, que são os recursos que o eXeLearning disponibiliza para inserção de textos, imagens, áudios e vídeos, e até a construção de questionários. Ele possibilita a importação e exportação de conteúdo em um formato próprio, de uso exclusivo do eXeLearning, que são os arquivos com a extensão ".elp". Deste modo, conteúdos inteiros (ou trechos de conteúdo) podem ser usados na construção de novos Objetos de Aprendizagem. Diante de tais informações precisamos ficar atentos, pois é possível que aconteçam algumas complicações legais na produção desse tipo material digital, caso o seu produtor desrespeite quaisquer dos direitos autorais envolvidos. Afinal, este tipo de material não deixa de ter propriedade intelectual. Por isso foram criados os REA's, que são materiais didáticos digitais de todo tipo (podem ser inclusive Objetos de Aprendizagem), porém devidamente licenciados para que qualquer pessoa tenha o direito de usá-los ou modificá-los conforme a necessidade e até mesmo compartilhá-los com outras pessoas. Uma forma elegante, democrática e responsável de compartilhar estes recursos é por meio de Licenças, isto é, com a autorização claramente expressa por seus autores em suas obras, respeitando-se a Propriedade Intelectual. Este fato é previsto pela Lei 9610/98 artigos 49.

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As licenças Creative Commons atualmente constituem uma padronização com reconhecimento internacional do desejo do autor referente a forma de disponibilização da sua obra. Este modelo de licença vem ao encontro das necessidades educacionais, mas precisa ser adaptado de alguma maneira à legislação de cada país. Por exemplo, no Brasil a licença Creative Commons foi devidamente traduzida e adaptada pelo CTS (Centro de Tecnologia e Sociedade) da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de modo a manter o seu caráter global, mas sem desrespeitar a legislação de âmbito nacional. Os Objetos de Aprendizagem podem ser usados em diversos contextos para diferentes fins, mas a finalidade prática da produção de OA's, na Educação a Distância, por exemplo, é a veiculação de materiais didáticos nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA. A cada dia que se passa o Moodle tem ganhado espaço nas instituições de ensino, tanto presenciais como à distância (provavelmente é o AVA mais usado no mundo), afinal, sendo um sistema praticamente completo e de natureza livre, em quase todos os casos o seu uso é gratuito e atende às necessidades do professor e da instituição de ensino. Além disso, embora possa ser considerado um sistema grande e complexo em termos computacionais na medida em que oferece uma enorme variedade de ferramentas administrativas, sua utilização é facilitada por uma interface intuitiva na Web, isto é, o Moodle é um sistema fácil de usar e pode ser operado a partir de um navegador e é um ótimo meio para veiculação e controle de acesso de Objetos de Aprendizagem. Considerações finais Entender todo este percurso tecnológico que enfrentamos não só dentro da escola, mas em toda sociedade, não é tarefa fácil e simples de ser compreendida, como por exemplo, fazendo apenas a leitura de um artigo como este, não teremos todo o conhecimento necessário sobre as TICs e os REAs, porém nos oportunizar a conhecer outros meios, buscar leituras à respeito, conhecer seu processo de inserção, estar abertos à novos conhecimentos e o que estes podem nos proporcionar, já é considerado uma inserção tecnológica dentro da prática do professor em relação as TICs. Moran (2007), enfatiza que é fundamental que o docente no seu planejamento saiba em quais conteúdos poderá utilizar e incluir as TICs como um facilitador do processo de ensino-aprendizagem e, principalmente tomar o cuidado para que essa ferramenta não se torne o único recurso de ensino, pois, se assim não o fizer, poderá

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provocar um efeito contrário, ao invés de despertar a curiosidade nos alunos em aprender, pode acabar por tornar suas aulas uma rotina, fazendo com que estes recursos percam sua real utilidade. Fator essencial para esta utilização é o docente estar familiarizado com tais tecnologias. O professor precisa do mínimo de conhecimento básico sobre computador e internet e formação constante, pois a evolução nesta área é muito veloz. Cabe ao professor buscar uma continuidade em sua formação, buscar acompanhar o que vem sendo produzido em nossa sociedade atual em termos de conhecimento. O professor não pode mais ser considerado pelo aluno como ultrapassado, o diálogo do aluno, como também seu comportamento nos dias atuais tem a internet como meio de maior influência comportamental. O docente precisa estar atendo às estas transformações para que alcance o mundo de seu aluno, consiga chegar aonde o quadro negro e o giz não conseguem mais.

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O professor precisa ter o domínio técnico e pedagógico das ferramentas ou recursos disponíveis para que possa dinamizar sua prática docente, porém a instituição escolar precisa em contrapartida investir na formação continuada de seus docentes, para que possa haver inovação do uso das TICs como ferramenta verdadeiramente ativa no processo ensino-aprendizagem. Tal formação pode ser realizada mediante cursos que são oferecidos pelo PROINFO- Programa de Inclusão Digital- Ministério da Educação, dentro do estado do Paraná, mais precisamente no município de Maringá, a Universidade Estadual de Maringá em convênio com o Ministério da Educação, oferece anualmente um curso de extensão à distância chamado: WEBDIDATA, gratuito, onde os profissionais da educação conseguem através desta capacitação entender o uso das TICS, os REAs e os OAs, de forma gradual por módulos, conhecer todo o processo e praticá-lo em forma de tutorial, de fácil entendimento, com tutoria online. Não podemos deixar de citar que de forma individualizada o professor também pode pesquisar por intermédio de artigos, livros, internet um vasto material disponível sem custo algum para sua formação continuada. Problemas eventuais dentro da escola, como por exemplo, poucos computadores para o número de alunos em sala, computadores sem condições de uso, computadores ultrapassados, e ainda esperar uma data para possível utilização de acordo com o cronograma de utilização do laboratório de informática, são obstáculos que não devem servir como impedimento à sua busca e à sua prática. É

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partindo da prática do professor que a escola terá a visibilidade da importância do uso dos computadores e de sua manutenção, o professor passará a utilizar mais este ambiente, portanto a escola deverá prepará-lo de forma adequada para sua utilização bem como planejar diferentes formações para os professores de acordo com a necessidade. Cabe então ao professor uma reflexão sobre a importância das TICs hoje em sua vida e em sua prática escolar, os recursos que estas oferecem, bem como os REAs e os OAS que podem colaborar não só com sua prática em sala de aula, também como um recurso de otimização do tempo e de grande compartilhamento de informações universais. Buscar recursos hoje ofertados para uma formação continuada e intervir nas dificuldades apresentadas em nosso cotidiano escolar, são fatores pertinentes à nossa realidade e hoje necessários ter a intervenção do professor. Ficando a critério deste, enfrentar esta realidade de forma aberta à novos conhecimentos hoje necessários ou continuar utilizando os mesmo recursos que já não faz relação à realidade de nossos alunos e que também já não faz relação à sua própria realidade. Referências bibliográficas AMIEL, T.; OREY, M.; WEST, Richard. „Recursos educacionais abertos (REA): modelos para localização e adaptação‟. EDT Educação Temática Digital, v.12, p.112-125. Campinas, 2011. Disponível em: . Acesso em 18 agosto. 2014. BERSCH, R. Introdução à tecnologia Assistida. CEDI- Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil. Porto Alegre- RS.2008 Disponível em: http://proeja.com/portal/images/semana-quimica/2011-10-19/tecassistiva.pdf . Acesso em 18 agosto. 2014. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares nacionais. Brasília: MEC/ SEF, 1998. EDUCAÇÃO ABERTA. Recursos Educacionais Abertos (REA): Um caderno para professores. Campinas, SP. Educação Aberta, 2011. Disponível em: . Acesso em: 12 junho. 2014. HILEN, J. Open Educational Resources: Opportunities and Challenges. OECD‟s Centre for Educational Research and Innovation. Disponível em

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. Acesso em: 05 agosto 2014 KRUEGER, Paulo Dalmonico. Matemática significativa. Centro Universitário Leonardo da Vinci - Inadaial: Grupo UNIASSELVI, 2009. MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007. SILVA, Ana Paula, Tecnologia da informação e comunicação: um recurso substancial no processo de ensinoaprendizagem da matemática, A formação de professores em foco. Claudete Cargnin, Adriana da Silva Fontes, Natália Neves Macedo Deimling (organizadores). Assis, SP. Storbem, 2013.172p. WEBDIDATA, 2013- Curso online- 2 Edição. Disponível em: http://moodle.webdidata.uem.br/. Acesso em: 21/08/2014 WENTLAND.Keila Priscila Guitierrez. Tecnologias assistidas produzidas pela UTFPR- Campos Camo Mourão. A formação de professores em foco. Claudete Cargnin, Adriana da Silva Fontes, Natália Neves Macedo Deimling (organizadores). Assis,SP. Storbem, 2013.172p.

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"RELATO DE UM CERTO ORIENTE": A TEMÁTICA INDÍGENA COMO PROBLEMATIZADORA DA DIVERSIDADE CULTURAL EM SALA DE AULA Everton Demetrio

Introdução O filósofo Sartre disse certa vez que "o inferno são os outros". Sem querer atacar questões educacionais, o francês põe em evidência o outro em nossas vidas. Quem são os Outros? Diluição das fronteiras, mobilidade e/ou movimentos migratórios são termos identificatórios de nossa atual gestão de mundo, seja quando tratada na dimensão física, como também, na esfera discursivo-teórica, em função dos constantes processos de reelaboração dos campos discursivo-conceituais. A emergência da globalização enquanto fato gerou certo descompasso latente entre etnocentrismos e universalismo; adjacente ao processo de globalização, a ideia do multiculturalismo como problematizador das relações entre localismo e universalismo. Em que medida as retóricas da moda - como por exemplo aquelas que reivindicam as bondades do multiculturalismo, que pregam a tolerância e que estabelecem o início de um tempo de respeito aos outros - estão anunciando pensamentos de ruptura com relação as formas tradicionais em que a alteridade foi denominada e representada? A pergunta não é casual, pois vem ao encontro de um tempo de instabilidade discursiva, no qual conceitos tais como cultura, identidade, inclusão/exclusão, diversidade e diferença parecem ser facilmente intercambiáveis, sem custo nenhum para quem assume, se apodera e governa as representações de determinados grupos sociais (Cf. DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001). Nossa experiência de pesquisa e regência de turma buscou inserir-se no contexto de debate mais recente sobre o ensino de História e da Historiografia, tomando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como uma das referências. Partindo do pressuposto de que o conhecimento não se adquire mediante a mera exposição de conteúdos, lições e exercícios de fixação, pois conhecer implica um movimento recíproco entre sujeito e objeto de estudo. É fundamental que, no desenvolvimento da aprendizagem, o aluno se conscientize de seu próprio processo de aquisição de conhecimento,

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isto é, aprenda o caminho que terá de percorrer para chegar à compreensão do que está sendo estudado. Os PCNs de História destacam que o objetivo dessa disciplina é contribuir para a formação da identidade social do estudante, enfatizando a importância da percepção do outro e das noções de semelhança-diferença e mudança-permanência. Para garantir esse intento, propomos que o estudo de História se concentre em torno de três conceitos básicos - levados sempre em consideração quando do planejamento das atividades do estágio: fato histórico, sujeito histórico e tempo. Evidenciando-se ainda a importância da construção, por parte do aluno, de conteúdos procedimentais, tais como, usar medidas de tempo, localizar acontecimentos, identificar ritmos, estabelecer relações, construir sínteses e generalizações, e de conteúdos atitudinais, como postura ativa diante do conhecimento, valorização da diversidade cultural, ação reflexiva, valorização e preservação do patrimônio sociocultural.

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Respeitando o exposto, optamos por conduzir a prática por meio da construção de conceitos e procedimentos, garantindo a possibilidade de abordar e comparar de diversos ângulos, diferentes sociedades, promovendo uma aprendizagem significativa e voltada para a formação de uma postura de cidadania ativa. Portanto, traçamos como objetivos de trabalho ao longo das atividades: Contribuir para a formação de cidadãos críticos que respeitem a diversidade de culturas e modos de vida, procurando desenvolver uma aprendizagem significativa, em oposição a uma aprendizagem mecânica centrada na memorização de datas e nomes; estabelecer um diálogo entre os conhecimentos que os alunos adquirem de modo informal e os saberes escolares, contribuindo para desenvolver conceitos que lhes permitam ler e analisar o mundo e seu tempo, adquirindo autonomia e sendo incentivados a buscar novas fontes de informação e conhecimento. Da experiência em curso A prática foi realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Francisca Martiniano da Rocha, localizada na cidade de Lagoa Seca-PB; o mesmo foi desenvolvido em turma regular de 2º ano do ensino médio no turno da manhã. As aulas forma planejadas para atender dois momentos, sendo que numa primeira semana o tema versava sobre as populações indígenas da América, identificando as diferentes realidades dos grupos indígenas de nosso território; bem como analisar a diversidade cultural indígena

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inerente à constituição do continente americano, levando em consideração as reações produzidas a partir do encontro dessas culturas. Num segundo momento (segunda semana) trabalhamos um caso especifico dentro da grande diversidade cultural de nosso continente: a antropofagia ritual entre os Tupinambás, discutindo qual a função na produção de uma identidade cultural própria à comunidade indígena. Todas as atividades planejadas para o momento da aula puderam ser executadas adequadamente, quero dizer, tiveram desenvolvimento satisfatório. Na 1ª semana utilizamos música, imagens e depoimentos de lideres indígenas para identificarmos as diferentes realidades dos grupos indígenas de nosso território, tentando demonstrar a situação desses povos "ontem e hoje" no que diz respeito a aspectos tais como: modos de vida, legislação, diversidade cultural e relacionamento com a sociedade dita branca (ou homem branco). Tentamos com isso, desmistificar a ideia de que o povo índio representa um padrão sem alterações, como também produzir conceitos a partir das experiências e debates em sala de aula sobre o que significa "ser índio". Esses debates foram amparados pela audição da música "Chegança" dos compositores pernambucanos Antônio Nóbrega e Wilson Freire, e pela leitura de depoimentos de líderes indígenas e da Declaração Universal dos Direitos dos Povos; ouvimos a música e lemos os documentos tentando em meio ao debate estabelecer relações entre as falas dos lideres indígenas e as informações da música, buscando compreensão mais apurada das ideias de povo nativo e índio. Sistematizando os procedimentos, 1º momento: exposição de transparências com imagens referentes à grande diversidade cultural indígena no continente americano, onde em seguida os alunos exporiam suas observações; 2º momento: audição da música "Chegança" (Antônio Nóbrega e Wilson Freire) seguida de debate; 3º momento: elaboração de conceitos sobre o que é "ser índio" a partir da leitura e discussão de depoimentos de líderes indígenas e da Declaração Universal dos Direitos dos Povos. Apesar de todos os procedimentos destacados terem sido realizados sem prejuízos, a participação dos alunos nas discussões/debates em sala pode ser considerado um aspecto negativo desse primeiro encontro, na medida em que somente uma parte da turma se dispôs a externar suas opiniões, o que certamente causou dificuldades no momento de avaliar o nível de compreensão dos assuntos abordados. De toda forma, parecia estar havendo atenção e

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observação daquilo que ocorria em sala de aula; este aspecto se refletiu no momento de elaboração dos conceitos ao fim dos debates. De maneira geral, as produções escritas apresentaram bom nível de compreensão e coerência, embora, as manifestações orais tenham ocorrido em numero reduzido. Na 2ª semana também utilizamos música, só que desta vez ao fim das atividades, para o simples deleite e apreciação da música indígena. Como já mencionado, desta feita, o tema era a antropofagia ritual entre os Tupinambás, empreendendo uma discussão sobre a construção da identidade cultural daquele povo através do ritual antropofágico. A imagem dos povos ditos primitivos têm sido segregada e hostilizada ao longo dos séculos, sobre tudo quando o tema é antropofagia - que muitos associam comumente a canibalismo -, por isso nossa intenção neste segundo encontro foi buscar esclarecer e causar uma reflexão sobre esse ritual mitológico.

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No ritual antropofágico se destaca o fato de um homem comer outro homem, o que, porém é cercado de significados de modo que os Tupinambás buscam sempre ter uma morte honrosa (ser degustado pelos inimigos), pois o mesmo significa que suas qualidades guerreiras são apreciadas e reconhecidas pelos inimigos, de modo que o mesmo acaba por se perpetuar a partir do momento em que seu inimigo acredita assimilar suas qualidades e equilibrar com a vingança a guerra, em um momento onde o nativo desperta um sobrenatural, acreditando despertar a sua parte animal na relação predador/presa, demonstrando a intenção de capturar o senso intelectual (alma) de seu oponente. A princípio fizemos a exposição de transparências com imagens referentes ao ritual antropofágico dos Tupinambás, seguido de discussão a respeito dos significados dessa prática ritual, onde verificamos um grau maior de participação dos alunos nas discussões, revelando não sei o que exatamente, se maior interesse na temática ou desinibição por ser já o segundo encontro; fato é que o nível manifestações orais inverteu-se em relação ao primeiro encontro, ao passo que na sua maioria houve participação da turma. Isso pode ser percebido pela constatação da longa duração dos questionamentos sobre o tema durante a aula. Na sequência da exposição das transparências sobre o ritual procedemos à apresentação e análise de infográfico - retirado da Revista Aventuras na História, n. 18, Fevereiro/2005 (vai em anexo) - sobre as etapas características de um ritual antropofágico; mantemos as discussões sobre o valor simbólico e mitológico dessa prática, encontrado considerável retorno por parte dos alunos. A

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tônica nesse momento da aula foi a curiosidade pela existência de práticas antropofágicas no Brasil, bem como o horror e a dificuldade de alguns em aceitar que aquela prática fazia parte de um processo de afirmação (construção/elaboração) de sua identidade. Talvez por possuírem um sistema de crenças fechado em demasia a experiências diversas de seus tradicionais rituais cristãos. Não podemos considerar essa situação como um ponto negativo, mas antes, um impasse gerado pelo encontro de sistemas de crenças distintos, tanto mais pela dificuldade de aceitarmos a alteridade. Aquilo que se esperava neste momento ocorreu também de forma satisfatória; os alunos participaram das atividades propostas, manifestando sua opinião de maneira adequada, sem desrespeito por crenças alheias. Pudemos sim, ao fim deste segundo momento de aula do estágio mostrar algumas músicas de origem indígena, reunidas e gravadas pela cantora Marlui Miranda em CD (Ihu - todos os sons). Não tínhamos a intenção de explorar as músicas afim de uma análise mais detalhada e conceitual, mas tão somente, promover uma mostra de música originalmente indígena, buscando com isso, estabelecer ligação entre realidades culturais diversas daquelas a que os alunos estão habituados a conviver. O principio deste procedimento era a apreciação desse material. Considerações finais (provisórias) Por tudo que pudemos ir costurando até então como prática de ensino, temos que a lógica da tolerância inspirada ou respaldada pela ideia do multiculturalismo pode e deve não supor apenas tolerar, aceitar. Na tentativa de educar para a diferença e o dialogo o termo alteridade funciona melhor que multiculturalismo. Na medida em que demarca limites e espaços, o termo alteridade pressupõe o repensar o outro, assumir o conflito inerente à prática de nomear o outro, bem como, seu correlato contraditório, a saber: quando dizemos do outro, dizemos de nós. Nomear o alheio é contornar aquilo que se é. Nesse sentido, se a visão que temos do outro fundamenta a visão que temos de nós mesmos, não tolerar o outro significa que não toleramos a nós mesmos? Negar o outro é negar a si mesmo? Não buscamos respostas a estas indagações, apenas criar um espaço de diálogo para o repensar das ações. "Necessitamos do outro, (....) pois de outra forma não teríamos como justificar o que somos. [...] Necessitamos do outro para, em síntese, pode nomear a barbárie, a heresia, a mendicidade etc. e para não sermos, nós

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mesmos, bárbaros, hereges e mendigos" (DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001: 124).

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Somos tolerantes quando nos furtamos ao exercício crítico dos valores que dominam a cultura contemporânea, todavia, também somos na medida em que evitamos olhar para crenças e prejuízos das culturas subalternas, sobretudo, quando evitamos o diálogo, a contaminação, mesclas e dispostas. Assumir o risco de reconhecer no outro uma parte inaudita de nós causa medo? Desconcerta nossas trajetórias já orientadas? Nesse caso, a tolerância funciona tanto mais como indiferença face ao estranho, violenta naturalização ou acomodação ao familiar. Somos o que somos e basta, cada um em seu lugar. Tolerar polariza e abandona toda possibilidade de laço coletivo. A lógica do discurso multiculturalista fixa identidades, impele cada um a ser o que se é indistintamente. Tolerar pode significar ao fim estar indiferente ao inferno que é o outro. Tomamos como inviável a prática de ensino para a diferença? Caso acreditemos que educar implique formatar a identidade alheia segundo critérios nossos, ou mesmo, que o outro sujeite seus valores a uma lógica dominante, é uma prática impossível. Todavia, pensar o exercício educacional como possibilidade de trânsito, de exposição ao toque daquilo que frequentemente diz respeito à alteridade, que o possibilite ser distinto do que é, representa dar a ver o contorno dos próprios medos. Uma educação que assuma o trânsito por um itinerário plural e criativo, sem formatações prévias, que possibilite a experiência. Referências DUSCHATZKY, Sílvia; SKLIAR, Carlos. O nome dos outros, narrando a alteridade na cultura e na educação. In: LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos (orgs.). Habitantes de Babel. Políticas e Poéticos da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. MIRANDA, Marlui. Ihu (todos os sons) [CD]. NÓBREGA, Antônio; FREIRE, Wilson. Chegança. In: NÓBREGA, Antônio. Madeira que cupim não rói [CD]. São Paulo: Estúdios Eldorado, 1997. PARLAMENTO Índio de San Bernardino, 1974. O Estado de S. Paulo. SP, 20 out. 1974.

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HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS Evelyn Rodrigues de Souza

Para analisar a forma como se aplica o ensino de História no Brasil é importante que se conheça a sua trajetória, uma vez que de acordo com as necessidades da época são selecionadas as prioridades no currículo de História. A delimitação sobre a Era Vargas carrega um papel importante por abarcar o início de medidas estatais acerca do ensino no país, como a menção sobre a educação na Constituição e a criação de um Ministério própria a ela. O Golpe de 1930 onde Getúlio Vargas subiu ao poder foi um marco de ruptura com a política vigente até o momento: a política do Café com Leite. Após a Grande Depressão ocorrida em 1929, o Brasil começou a ter problemas com a economia, a taxa de desemprego subiu, era portanto necessário fazer mudanças no sentido de reverter a situação. Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública no Brasil em novembro de 1930, liderado por Francisco Campos, que permaneceu no cargo até 1932 sendo substituído por Gustavo Capanema, o qual exerceu o serviço até 1945. As reformas feitas tinham o intuito de elaborar a delimitação de conteúdos e a especificação do tempo nas instituições de ensino. Procurava-se, assim, unificar o ensino do país, na maneira do possível, uma vez que se sabe que as práticas e as especificidades da escola criam um ambiente para que o ensino seja propício para aquele local e aquele momento, criando sua própria cultura escolar. Getúlio Vargas possuía a intenção de preparar intelectualmente a elite, para isso preocupou-se consideravelmente com o ensino secundário e superior. Na questão do ensino superior criou universidades que se dedicariam ao ensino e à pesquisa, estabelecendo um maior rigor para adentrar à universidade como se observa no trecho a seguir: "A reforma Campos estabeleceu definitivamente um currículo seriado, o ensino em dois ciclos, a frequência obrigatória, a exigência de diploma de nível secundário para ingresso no ensino superior." (Fausto, 2013, p.288), determinou-se também uma maior instrução para a formação de professores de ensino primário.

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É interessante ressaltar também que a Constituição de 1934, pela primeira vez, inclui um tópico onde estabelece a educação como direito de todos e a obrigatoriedade do ensino primário, direitos estes estabelecidos como obrigação do Estado. Boris Fausto (2013, p.289) observa uma mobilização da sociedade ao se discutir as reformas educacionais. A Igreja enfatizava o papel da escola privada e procurava incentivar o ensino religioso na esfera pública e privada, além de um ensino diferenciado de acordo com o sexo. O ponto de vista dos liberais foi expresso no Manifesto dos Pioneiros em 1932, constituído por um grupo de intelectuais, entre educadores e atuantes da mídia, onde reivindicavam determinadas propostas, afastando-se do sistema educacional tradicional defendendo o ensino público, gratuito e sem distinção de sexo, além do corte do ensino religioso nas escolas públicas, ficando restringida às escolas particulares mantidas pelas instituições religiosas. Para Vidal (2013, p.586), o Manifesto dos Pioneiros se constituiu como o marco fundador dos debates sobre a educação brasileira.

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Para o ensino de História haviam os objetivos específicos sobre a formação da identidade cultural e política do Brasil, discutidas desde o fim do século XIX, com a abolição da escravidão e a implantação do regime republicano. Ao historiador marxista Eric Hobsbawn (2013, p.18) "a história é a matéria-prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas" onde "o passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias". A História, portanto, é o caminho pelo qual se buscam as "raízes", as familiaridades que tornam grupos distintos unidos por determinados fatores considerados nacionais. Para se compreender melhor a questão racial no Brasil e sua concepção no âmbito escolar é necessário investigar as teorias intelectuais sobre o mesmo até a terceira década do século XX. Pode-se iniciar observando os escritos literários de Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, que de acordo com Roberto Ventura (2000, p.332) "consideravam o Brasil como uma nação multiétnica ou uma 'sociedade de raças cruzadas'". Sílvio Romero, observando a mestiçagem de três raças, termo utilizado pelo autor, acreditava que, baseado na teoria evolucionista, fundamentado nos escritos de Charles Darwin e utilizado para justificar ideologicamente o racismo cientifico, com a miscigenação a predominância do elemento branco, por sua superioridade evolutiva, se sobrepujaria em relação às outras, tornando-se portanto questão de tempo até que toda a sociedade brasileira se embranquecesse.

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O médico e antropólogo Nina Rodrigues partindo "dos métodos da frenologia e da antropometria,(...) que determinavam a capacidade humana a partir do tamanho e da proporção do cérebro dos diferentes povos" (VENTURA, 2000, p.346) temia o futuro do país por ocasião da diversidade de povos não-brancos, levando a acreditar que era necessário delimitar os direitos de cidadania de boa parte da população brasileira. Euclides da Cunha escreveu Os sertões em 1902, onde demonstra o embate entre diferentes mestiçagens brasileiras. Analisando a Guerra de Canudos a partir da concepção de Nina Rodrigues, considerava o sertanejo como a miscigenação entre brancos e índios, contra os mestiços do litoral, que eram a mistura de brancos e negros. Em sua análise valorizou o mestiço do sertão, pela ausência de componentes africanos e seu maior isolamento no interior do país. Assim, ao se constituir a participação de índios e negros na formação do Estado Nacional, percebe-se o motivo de serem considerados a partir de uma perspectiva secundária, cada qual exposto de acordo com os ideais que a elite queria apresentar acerca dos mesmos na época. Os índios eram vistos pela concepção romancista elaborados a partir das obras literárias de José de Alencar e Gonçalves Dias, expondo os indígenas pelo caráter formado do "bom selvagem", relatando-os sempre no passado, ignorando sua situação atual e sua participação como integrantes da nação brasileira, sendo caracterizados apenas como ancestral que formou o brasileiro atual. Enquanto que para a formação da sociedade ao negro, os livros dedicavam pouco espaço como objeto de Etnografia/Antropologia. Ele sempre era tratado como mercadoria, produtor de outras mercadorias. Enquanto ao índio se conferia o estatuto de contribuição racial, os livros didáticos salientavam a importância do africano para a vida econômica do país, mas procuravam mostrar que a negritude estava sendo diluída pela miscigenação. (ABUD, 1998, p.5) Essa perspectiva educacional acerca desses grupos pouco mudaram com o passar das décadas no Brasil, transmitindo o mito da democracia racial, constituída e difundida a partir da publicação Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre em 1933, que criou "o mestiço como elemento de mediação entre os dois mundos, capaz de reduzir e amortecer as tensões sociais e os antagonismos culturais" (VENTURA, 2000, p.358).

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A partir de manifestações foi discutido e aprovado a elaboração de temas nos currículos escolares sobre as contribuições culturais, históricas e sociais das populações afro-brasileiras e indígenas nas leis 10.639/03 que determina a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e a lei 11.645/08 que torna obrigatório o estudo da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena. Nesse sentido se dá a importância de se estudar o passado do currículo de história e suas mudanças, pensando o contexto atual e reavaliando temáticas e propostas de se articular o ensino de História. Referências

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ABUD, Katia Maria. Formação da Alma e do Caráter Nacional: Ensino de História na Era Vargas. Rev. bras. Hist. v. 18 n. 36. São Paulo, 1998. BRITO, Silvia Helena Andrade de. A Educação no projeto nacionalista do primeiro governo Vargas (1930-1945). Campinas: Grupo de estudos UNICAMP, 2006. FAUSTO, Boris. História do Brasil; colaboração de Sérgio Fausto. 14 ed. atual. e ampl., 1reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução Cid Kinipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. MORAES, Maria Célia Marcondes de. Educação e Política nos Anos 30: a presença de Francisco Campos. R. bras. Est. pedag., Brasília, v.73, n. 17-4, p.291-321, maio/ago. 1992 MOSER, Giancarlo. História da Educação. 2 ed. Indaial: UNIASSELVI, 2011. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova(1932). Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.188-204, ago. 2006. SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do Ensino de História no Brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação - RHE.Porto Alegre , v. 16 , n. 37 , Maio/ago. 2012 , p. 73-91. VENTURA, Roberto. Um Brasil mestiço: raça e cultura na passagem da monarquia à república. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000) Formação: histórias. São Paulo: Ed. do SENAC, 2000. VIDAL, Diana Gonçalves. 80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: questões para debate. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 577-588, jul./set. 2013.

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SOCIEDADES ESCOLARES POLONO-BRASILEIRAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20: ESPAÇOS DE ENSINO DE HISTÓRIA, INTERCULTURALIDADE E IDENTIDADE ÉTNICO-CULTURAL Fabiana Regina da Silva

O Ensino de História tem sido importante objeto de estudo de pesquisadores no cenário educacional e de pesquisa acadêmica nos últimos anos, estes, buscam lançar novos olhares para tão relevante disciplina, sua didática, aportes teórico-metodológicos, direcionamentos e usos. Tais estudos receberam significativas contribuições possibilitadas em Jörn Rüsen e "sua reflexão sobre os fundamentos da consciência histórica, do pensamento histórico, da cultura histórica e da ciência histórica" (MARTINS, 2011, p. 7). São pesquisas que tratam em grande maioria do ensino de história praticado em instituições públicas e privadas, que seguem as diretrizes de ensino nacionais. Em meio aos atuais debates sobre a construção de uma Base Comum Nacional Curricular, cuja proposta pretende contemplar no Ensino de História um olhar mais crítico, questões mais amplas e interligadas, entre elas, interpretar, valorizar e reconhecer as diferentes manifestações culturais e étnicas que compõe o cenário social brasileiro e sua história, e, enquanto profissionais da Educação e da História, é necessário ter clareza que as manifestações étnicas estão presentes na História da Educação e no Ensino de História, no caso dos imigrantes europeus, articuladas no grupo étnico, e, efetivando a partir deste, processos educacionais escolares através de Sociedades Escolares Étnicas - iniciativas comunitárias e/ou particulares de instituições religiosas, permeados por culturas, línguas e história distintas. Não pretendemos trazer aqui um aprofundamento, apenas, levantar uma discussão que mencione também, como as condições históricas mudam o enfoque daquilo que se quer através da escola. Nosso desafio é pensar o ensino de história nos processos educacionais escolares étnicos, e, a relação com a identidade étnico-cultural polono-brasileira nas Sociedades Escolares Étnicas, presentes em maior número nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e

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Paraná, durante a primeira metade do século 20, definidas, a partir de 1896 como Sociedades Escolares. No período, além do fortalecimento da rede escolar e dos processos educacionais com definições próprias do grupo, tornam-se comuns, práticas de civismo, culto à bandeira, nominar escolas e sociedades se reportando a heróis poloneses - atividades que fortalecem definições significadas a partir de uma representação do passado como história, a construção de uma memória histórica polônica fortalecida nas relações de comunicação interculturais e interétnicas, dadas nos espaços sociais e na luta por poder (JORN RUSEN, 2008, 2014), forjam definições étnico-culturais e identitárias. São interfaces, que pensadas a partir da "História Cultural, tal como a entendemos tem por principal objeto identificar no mundo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler" (CHARTIER, 1982, p. 16).

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A rede escolar do grupo étnico polono-brasileiro, assim como a de outros grupos presentes nas regiões de colonização e/ou inserção imigrantista, se configura como iniciativa articulada a partir de definições étnico-culturais. Ao se estabelecerem, a formação de espaços sociais como igrejas e escolas, são iniciativas comuns entre imigrantes na primeira, e, na segunda fase da colonização dirigida. Para Fredrik Barth (1969, p. 190) "Grupo Étnico é aquele que compartilha os valores culturais fundamentais, constitui um campo de comunicação e de interação com os seus membros, identificandose e sendo identificado pelos outros". A escola, em tal contexto, pode ser vista como "providência tomada em detrimento de uma realidade educacional elitista e excludente" (SILVA, 2014, p 87), mas, também como resistência em um contexto de adaptação e de diversidade étnico-cultural. No caso das iniciativas escolares da imigração polonesa durante o século 19, devido à situação de dominação, estiveram fragilizadas, com pouco ou nenhum livro didático e falta de professores capacitados. Tal situação irá mudar somente a partir do século 20, com a reunificação da Polônia durante a Primeira Guerra Mundial e a instituição do consulado polonês em Curitiba no Paraná, a chegada de intelectuais poloneses e a criação da União das Sociedades Polonesas Kultura e Oswiata, quando, os processos educacionais são revitalizados e as orientações para o ensino são veiculadas por associações e sociedades tanto no Brasil, quanto na Polônia, entre estes, o Departamento de Educação em Lwów, na parte Austríaca, a Escola Popular e a Associação de Professores no Paraná.

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As Associações União das Sociedades Polonesas Kultura e Oswiata, orientavam e coordenavam a distribuição de materiais trazidos da Polônia, a produção de livros, de manuais escolares, e outros materiais didáticos e da imprensa pedagógica, além, da formação de professores. Ambas as Associações possuíam orientações teóricopolítico, ideológico, e religiosa distintas, e, filiavam escolas que constituíam a rede escolar polono-brasileira no sul do Brasil. Tais orientações são desenvolvidas na Polônia dividida a partir do século 18 entre os impérios da Prússia, Áustria e Rússia, a primeira representava à esquerda/socialista, e a segunda clericais e Igreja Católica Romana - posições formadas a partir da resistência étnica à submissão imposta pela Igreja Ortodoxa Russa e o conservadorismo czarista. Após a reunificação, muitos intelectuais emigram para o Brasil. Também, muitos professores das escolas étnicas polono-brasileiras que retornaram para atuar na Primeira Guerra Mundial e no ressurgimento da Polônia, voltam para o Brasil e retomam suas atividades. Os incentivos ao espírito nacionalista polonês são fortalecidos, impulsionados também pela vinda de orientadores de ensino. Conforme Malikoski (2014, p. 166), "É nesse tempo, de uma Polônia independente, que haverá um fluxo maior de professores e educadores poloneses para o Brasil com o objetivo de melhorar o processo de ensino étnico da imigração com acompanhamento oficial". O fortalecimento da rede escolar, a recuperação de símbolos e o ensino de história da Polônia nas escolas, visava, entre outros objetivos, dimensionar aos imigrantes que emigram de uma Polônia dividida e fragilizada em sua polonidade, a retomada do sentimento de pertença, tendo como ápice, o fortalecimento da identidade étnico-cultural. A partir de 1920, a escola polono-brasileira vai vivenciar a sua melhor fase, quando, "a escola polonesa é o único fundamento de um trabalho sistemático pela manutenção do polonismo no Brasil" (GLUCHOWSKI, 2005, p. 149). Ao pensar o ensino de história e sua relação com a identidade étnicocultural, partimos de Rüsen (2012, p. 283), que destaca: "No nível aprofundado de geração de sentidos, a história é um meio de lidar com identidade, com unidade e diferença". Assim, podemos compreender o fortalecimento dos processos educacionais e do ensino de história a partir da reunificação na construção de uma memória coletiva e na geração de sentidos. Para o sociólogo espanhol Manuel Castells (2002, p. 23. V2) "A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história,

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geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso".

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O processamento mencionado por Castells, na seleção de definições identitárias, ocorre mediado pelas concepções de mundo dos sujeitos, objetivos pessoais e do grupo, em uma dimensão cultural que "é relacional, ela se manifesta nos símbolos, nas representações e nas valorizações dos grupos, concorrendo nas organizações dos grupos e da vida social". (KREUTZ, 2001, p. 122). Conforme o pesquisador da comunidade polonesa Edmundo Gardolinski (1976, p. 131), em entrevista concedida por um ex-professor declara que "além de lecionar matérias básicas como, português, aritmética, História do Brasil, geografia, noções de ciência, canto, entre outros, deveria lecionar, como é óbvio, noções da língua polonesa, sua história e literatura e noções da língua alemã". Ainda na Polônia dividida, muitos poloneses foram obrigados a aprender o alemão, numa tentativa de germanização, já no Brasil, a História do Brasil e língua portuguesa também são incorporadas aos processos educacionais, seja em detrimento da tentativa de desviar a atenção da nacionalização que aos poucos se instaurava, e, também, em intenção de compreender a língua, cultura e história do país que agora pertenciam, pois, "Compreender é um pressuposto necessário do reconhecimento" (RÜSEN, 2014, p. 306). Para Kreutz (2001, p. 123), "a educação e a escola são um campo propício para se perceber a afirmação dos processos identitários e os estranhamentos e as tensões decorrentes da relação entre culturas". Dentre as práticas comuns nas escolas polono-brasileiras também estava o hasteamento da bandeira da Polônia e do Brasil, uma ao lado da outra. Em relação à língua no contexto da escola étnica, tem papel fundamental em relação à cultura, história e a identidade étnica. Através da língua, muitos aspectos são agenciados para a constituição do pertencimento étnico-cultural. Além do ensino de História da Polônia, conforme Malikoski (2014, p.135), "A idealização dos considerados "heróis poloneses", aparece contextualizada nas escolas, desempenhando um papel da identificação étnica", ainda, "Os nomes das sociedades e escolas polonesas no Rio Grande do Sul sempre retomavam personagens consideradas importantes para a História da Polônia, como, revolucionários, estadistas, escritores, cientistas e músicos poloneses" (MALIKOSKI, 2014, p. 135-136).

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Neste mesmo sentido, Wonsowski (1976, p. 31) ao falar sobre escolas étnicas polono-brasileiras no Rio Grande do Sul e a visita de um sacerdote polonês, destaca que este, despertou o "sentimento de polonidade autêntica", pois, "Mandou vir de além-mar livros escolares, devocionários, quadros murais de santos e de ilustres personagens, por ex., a série dos reis da Polônia". Tal atitude representa a adoção de narrativas que possibilitam a formação de uma memória e de uma consciência histórica ligada à identidade étnico-cultural. Para Rüsen (2011, p.9) "Essa consciência se exprime pelo discurso articulado em forma de narrativa" e em experiências como a escolar. As definições étnico-culturais e identitárias processadas na escola étnica se dão mediadas pela possibilidade de diálogo interculturas em um ensino que pratica algo mais próximo daquilo que Jörn Rüsen trata como interculturalidade na educação e no ensino de história, contemplando história, língua e cultura alemã, polonesa e brasileira, denotando narrativas que não possuem caráter totalmente etnocêntrico, mas sim, potencial de reconhecimento da diferença e sua relevância: "As culturas se interpenetram, delimitam-se umas em relação às outras, combatem-se, aprendem umas das outras e se modificam no relacionamento mútuo" (JÖRN RÜSEN, 2014, p.296). Pensar a identidade étnico-cultural é saber de seu não aprisionamento a determinadas características fixas e de sua definição a partir de si mesma. A identidade é movimento, são definições e representações em processo, de caráter relacional e intercultural - significados passíveis de construção e reelaboração "se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores, num contexto dado de relações interétnicas" (POUTIGNAT & STREIFF-FENART, 2011, p.141). São interações que não tratam de determinada cultura como superior ou inferior, mas sim, como diferença. As atividades das Sociedades Escolares Étnicas são extintas com o decreto de nacionalização de 1938 e as ações para o enquadramento da educação em uma pretensa identidade nacional; "As diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de "teto político" do estado-nação que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades culturais modernas" (HALL, 2006, p.49), estabelecendo a presença das escolas públicas nas distintas regiões do país, voltadas para as orientações de ensino definidas em

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nível nacional. A versão da história nacional é apresentada nos livros didáticos, fiscalizados pela Comissão Nacional do Livro Didático CNLD, também criada em 1938. A partir daí, orientando professores a "intensificar o ensino de história e geografia do Brasil" (KREUTZ, 2010, p. 78). Nesse contexto, "A História dá forma à identidade ao criar as chamadas narrativas-mestras", estas, "dizem às pessoas quem elas são: indivíduos ou grupos, nações ou mesmo culturas inteiras" (JÖRN RÜSEN, 2012, p. 283. O ensino de história passa a ser importante na materialização dos objetivos traçados pelo estado brasileiro a partir de uma identidade nacional. Já nos processos educacionais escolares étnicos entre polono-brasileiros emerge o diálogo intercultural, relações interétnicas, confronto de aspectos culturais, que embasam processos identitários dados no reconhecimento da diferença e na produção de uma memória coletiva.

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Nesse sentido, compreendemos a discussão como necessária, no intuito de propiciar reflexões relacionadas ao ensino de história efetivado em contextos escolares tão diversos culturalmente como os das escolas brasileiras, com distintas contribuições, e, inscritas em uma representação do passado como história. Caso contrário, "Por mais que lutemos arduamente para evitar os preconceitos associados a cor, credo, classe ou sexo, não podemos evitar olhar o passado de um ponto de vista particular" (BURKE, 1997, p. 15). São dimensões, que, se consideradas, possivelmente resultem em mudanças, e, na qualificação das relações sociais. Referências BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. Ed. Unesp, 1997. CASTELLS, Manuel. Paraísos comunais: identidade e significado na sociedade em rede. In: CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 21- 48. v. II. CHARTIER, Roger. A História Cultural, entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1982. GARDOLINSKI, Edmundo. Escolas da Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1976. 138p. GLUCHOWSKI, Kazimierz Os poloneses no Brasi", Porto Alegre: Rodycz&Ordakowski, 2005.

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PROFESSORES PRIMÁRIOS DE SALVADOR: ENTRE AS BRECHAS DA CRISE E DA INSTABILIDADE POLÍTICA (1912-1918) Fabiano Moreira da Silva

A Primeira República tem como característica a instabilidade política envolvendo a disputa pelo poder entre as oligarquias políticas e a tensão nos meios populares devido à situação socioeconômica. A situação do ensino primário da cidade de Salvador e o movimento reivindicatório dos seus professores ocorrido em 1918 nos oferecem elementos para verificar o quanto as questões políticas e sociais estavam relacionadas. A organização do ensino estava entre os temas de interesse republicano. Na Bahia destaca-se a constituição estadual de 1891 que tratava da municipalização do ensino primário e sua organização (Menezes, 201l, p.22-23). No caso da cidade de Salvador a municipalização do ensino primário não atendeu aos anseios republicanos e se tornou fator gerador da crise devido às dificuldades financeiras para o município custear os prédios escolares, recursos didáticos, mobiliário e manter a pontualidade no pagamento dos professores (Luz, 2008, p.242-243). As condições físicas das escolas era tema recorrente nos jornais assim como a situação dos professores devido aos salários atrasados. A abordagem sobre educação primária na capital tinha relação com a conjuntura política. O período após o ano de 1912 é um marco importante para relacionar a conjuntura política e o movimento dos professores da capital baiana. O ano de 1912 marca a eleição do governador J.J. Seabra e o domínio seabrista que durou até 1922 (Sampaio, 1998, p.25). Mesmo no comando do governo estadual os seabristas enfrentaram a oposição de outros grupos que tinham como chefes políticos Rui Barbosa e ex-governadores como Severino Vieira e José Marcelino. Um dos meios utilizados tanto pelos governistas como os opositores para as divergências de opiniões e críticas era a imprensa. Muitos dos jornais que circulavam na capital estavam ligados a grupos políticos (Sarmento,2011, p.21). Os periódicos ligados a oposição como Diário da Bahia, Diário de Notícias, A Tarde, exploravam as dificuldades do governo para tecer críticas. Havia também os jornais que apoiavam o governo como a Gazeta do Povo e o Democrata. A

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situação educacional seria um dos temas presente nas páginas desses periódicos principalmente o atraso no pagamento dos professores. O atraso no pagamento dos professores não era algo novo. Entre os anos de 1901 a 1908 o município já enfrentava dificuldades para o pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p-36). Os professores representavam, aproximadamente, a metade dos funcionários municipais (Santos, 2001, p.34). O censo de 1920 aponta que as mulheres representavam em torno de 81% dos professores do ensino primário (Costa e Conceição, 2001, p-121). Muitas professoras estiveram à frente do movimento que reivindicavam melhorias nas condições de trabalho e regularização dos pagamentos atrasados.

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Os professores e professoras utilizavam-se da habilidade para o discurso e escrita nos momentos em que dividiam espaços com as autoridades políticas ou quando escreviam para os jornais. Em 16 de dezembro de 1912 o jornal A Tarde trazia trechos do discurso do professor Vicente Ferreira Café durante inauguração da exposição dos trabalhos escolares onde estavam presentes o intendente do município, professores e o povo que prestigiava o evento. Nesse discurso o professor tratou das queixas, o abatimento moral e intelectual da classe dos professores e animava os colegas lembrando-os que estes contribuíam para o caminho da civilização e do progresso apesar "do pequeno e minguado vencimento que mal chega ao professor". Outros momentos de contato entre professores e autoridades ocorreram durante as conferências pedagógicas ocorridas em Salvador nos anos de 1913, 1914, 1915. Esse era um evento de atualização docente, sociabilidade, reflexão sobre as práticas e as condições de trabalho do professorado , constituindo-se em espaço de troca de experiência em que os docentes divulgavam teses sobre as práticas pedagógicas e discutiam a sua situação profissional (Brandão, 2012, p.12). O município enfrentava dificuldades para manter o funcionamento de serviços como iluminação pública, água e esgoto e limpeza urbana além do pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p36). As dificuldades financeiras se refletiam na dificuldade de concluir as obras de modernização da cidade assumidas em 1912 e o pagamento dos prestadores de serviços. Essa situação era impactada pelas dificuldades oriundas da Primeira Guerra que trazia

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consequências negativas para a economia baiana e dificultava o acesso ao financiamento estrangeiro para conclusão das obras e equilíbrio orçamentário (Leite, 1996, p.60). Esse também foi um período de intensificação dos protestos populares devido a carestia, o desabastecimento de alimentos e de greves motivadas por questões salariais (Santos, 2001, p.110-116) A intendência municipal tentava explicar, por meio do periódico governista essa situação era consequência da queda da arrecadação e desacertos do passado. Também demonstrava preocupação com a movimentação do professorado que queixava-se do atraso nos pagamentos tentando sensibilizar a classe para não se "afastarem da legalidade" além de acusar a oposição de estimular a anarquia, ódios e rixas (O Democrata, 1918). Em 1918 a situação do professorado municipal estampou as primeiras páginas dos jornais. O reclamação dos professores se juntava a outras descontentes com o governador Antonio Muniz Aragão sucessor de Seabra e seu aliado político. Os grupos de oposição criticavam o governo expondo as dificuldades do ensino primário. Mesmo o ensino primário sendo de responsabilidade do município as criticas eram direcionada ao chefe político uma vez que a intendência da capital era conduzida por integrantes do grupo seabrista. Em 15 de janeiro o jornal A Tarde trazia na capa a matéria intitulada "A greve da fome em eminência" informando da decisão dos professores em não abrir as escolas no inicio do ano letivo e anunciando que um manifesto seria publicado. De fato em 31 de janeiro um grupo de professores e professoras publicava no Diário da Bahia um manifesto informando que não reabririam as escolas citando "a deprimente e embaraçosa situação do professorado" provocado pela fome, a falta de crédito e o não pagamento dos salários. Iniciava-se a greve dos professores do ensino primário da capital. Diante do impasse outro manifesto foi publicado em 9 de março pelo Diário da Bahia onde os professores relatavam a sua situação, exigiam o cumprimento da legislação e apelavam para a caridade pública. O periódico publicava também os telegramas enviados a Rui Barbosa e Miguel Calmon em informavam a decisão de solicitar contribuição pública, pediam o apoio dos políticos, mobilização da comunidade baiana que residia na capital federal e espaço na impressa nacional.

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O professorado manteve-se firme no seu movimento de paralisação e o jornal Diário da Bahia publicava em 18 de março as reivindicações dos professores. A professora Emilia de Oliveira Lobo Vianna propôs que o fim da greve estaria condicionado a revogação da suspensão do professor Isauro Coelho (suspenso por protesto contra o governo), o pagamento dos salários atrasados, continuidade do pagamento mensal e respeito aos professores. O professor Vicente Ferreira Café apresentava uma moção de confiança à intendência municipal e o professor Alberto de Assis convocava os professores para discutir o estatuto do Centro de Defesa do Professorado Baiano. A professora Anna Moreira Bahiense publicava uma carta de apoio ao movimento e se dispunha a arcar com as consequências da não abertura das escolas.

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A situação do professorado repercutia fora do estado. No Rio de Janeiro o jornal Lanterna em maio de 1918 tratava do assunto da greve dos professores e de outros problemas que assolavam a Bahia criticando o governador Antonio Muniz chamando-o de "maluco". Em junho o mesmo periódico trataria da continuidade da greve. Em julho o jornal o Estado de São Paulo publicava uma nota referente à arrecadação realizada pelo Comitê Paulista de Socorro ao Professorado Bahiano. Na capital baiana houve mobilização de populares em favor dos professores através de cartas enviadas aos jornais como a publicada no Imparcial em junho onde um leitor pedia uma "subscrição" em benefícios dos professores e o mesmo disponibilizara 20$000 como oferta inicial. A mobilização do professorado da capital também agitava o meio político. Em discurso publicado pelo Democrata, o Senador Estadual Campos França tratou do assunto afirmando a falta de recursos do município para manter o ensino e acusava os opositores de provocar agitação nos professores. A oposição aproveitava da instabilidade de relacionamento entre o governo baiano e o governo federal para o envio de uma carta, com a intermediação de Ernesto Simões Filho, proprietário do jornal A Tarde e opositor de Seabra , ao presidente Wenceslau Braz denunciando que após a municipalização do ensino primário as leis que garantiam os recursos para o pagamento dos professores não estavam sendo respeitadas e apelavam para ação do presidente por meio da intervenção (A Tarde, junho 1918). Diante da pressão a intendência propôs o pagamento escalonado dos atrasados além de revogar a punição ao professor Isauro Coelho. Em início de setembro era publicado no jornal A Tarde o fim da greve

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dos professores. O fim do movimento, no entanto não significou a regularidade da situação já que em início de 1919 o Imparcial publicava nota sobre a demora no pagamento dos salários atrasados e que o governo municipal só poderia quitar três meses do débito de dois anos. A situação dos professores da cidade de Salvador durante a Primeira República serve de reflexão sobre período tanto em relação ao meio político como entre a população e de como a instabilidade política aliada a uma conjuntura socioeconômica desfavorável provocou tensões. Essa tensão também estaria presente nas diversas categorias profissionais que já adotavam a greve como uma maneira de ver atendidas suas reivindicações. Por outro lado os grupos da elite oligárquica se confrontavam pelo poder dando brechas para que os trabalhadores apresentassem o seu descontentamento com a condução política. Esses conflitos se estenderiam provocando dificuldades para administração política contribuindo assim para as mudanças que ocorreriam a partir de década de 30. Lista de fontes A Tarde, 16 de dezembro de 1912, f.4; 15 de janeiro de 1918, 22 de junho de 1918, f.1; 9 de setembro de 1918 Diário da Bahia, 31 de janeiro de 1918 ; 9 de março de 1918, f.1; 18 de março de 1918 Lanterna, 31 de maio de 1918, f.1 O Democrata, 16 de maio de 1918; O Democrata, 18 de abril de 1918, f.1 O Estado de São Paulo de 21 de julho de 1918 O Imparcial, 20 de junho de 1918; 06 de fevereiro de 1919 Referências BRANDÃO, Verônica de Jesus. Práticas curriculares nas escolas públicas primárias: estudo das teses apresentadas nas Conferências Pedagógicas em Salvador (1913-1915). Salvador: UNEB, 2012. (Dissertação de Mestrado) COSTA, Ana Alice A. Conceição, Hélida. Revolta dos resignados: a participação feminina na greve dos professores (1918/1919). In. Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Salvador: NEIM/UFBA, 2001. LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anticivilidade em um contexto de

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modernização urbana. Salvador 1912/1916. Salvador: UFBA. 1996. (Dissertação de Mestrado) LUZ, José Augusto. Educação, Progresso e Infância na Salvador Republicana: Percursos Históricos. In: LUZ, José Augusto e SILVA José Carlos (orgs). História da Educação na Bahia. Salvador: Arcádia, 2008 MENEZES, Jaci Maria Ferraz. A República e a Construção Do Direito À Educação Na Bahia. In: SANTANA, Elizabete Conceição. (Org.). A construção da escola primária na Bahia: guia de referências temáticas de reforma e regulamento. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2011, v. 1, p. 7-20. SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Políticos da Bahia na Primeira República. Salvador: Edufba, 1998. SANTOS, Mário Augusto da Silva. A República do povo: sobrevivência e tensão-Salvador (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2001. SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira República. Salvador, EDUFBA, 2011.

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POR UMA HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: NOTAS HISTORIOGRÁFICAS FILIGRANADAS ENTRE HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE E ENSINO Fagno da Silva Soares

O historiador do tempo presente é contemporâneo do seu objeto e, portanto, partilha com aqueles cuja história ele narra. Roger Chartier

Introdução Papai, então me explique para que serve a História. Marc Bloch, 2001, p. 41. Esta, certamente não é um pergunta simples de ser respondida e, por essa mesma razão, faz-se mister perscrutar os caminhos e descaminhos da história na tentativa de respondê-la ainda que, não satisfatoriamente. São muitos os que assim como o garoto Henri, filho do historiador Marc Bloch que questiona o pai sobre a importância de se estudar a história na introdução da obra inacabada em 1943, de Bloch permanecem sem resposta. A despeito disto, o teatrólogo Bertolt Brecht sublinha que todos fazemos a história, para além dos heróis conhecidos, os anônimos, sem os quais a história deixaria de ser história. A busca por possíveis respostas norteou esta nada sucinta, porém, loquaz reflexão preambular acerca das relações entre história oral, memória e ensino de história, promovendo reflexões historiográficas a partir da análise bibliográfica dos conceitos de história oral e memória perpassados pelo tempo presente. Ainda nestes termos, o historiador Peter Burke para quem a função da história seria de ordenar informações sobre o passado (Burke, 1992) ou como nos propõe Eric Hobsbawm que o historiador deve sempre lembrar o que a sociedade insiste em esquecer, (Hobsbawm, 1995, p. 13) não basta ao historiador registrar apenas o passado, mas refleti-lo, problematizadoramente calcado no presente. Destarte, o historiador do século XXI está singrando o "oceano da historiografia que se acha povoado por inúmeras ilhas com sua flora

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e fauna particular", (Barros, 2004, p. 08) tendo vez por vez, de ancorar em diversos portos, formando um verdadeiro [...] caleidoscópio de sub-especialidades [...] perpassando um todo cada vez mais compartimentado deste campo do saber [...] o historiador de hoje é um historiador da cultura, um historiador econômico [...] microhistoriadores [...] fragmentação de especialidades. (Barros, 2004, p. 08)

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No novo século, a hiper-especialização e as interconexões dos saberes são oriundos da crescente complexificação do conhecimento humano que fazem do conhecimento histórico um caleidoscópio com infinitas possibilidades de estudo. Ainda segundo o autor "a história, neste início de milênio, divide-se em inúmeras modalidades que fazem do ofício dos historiadores contemporâneos um universo vasto e complexo" (Barros, 2004, p. 08). Destarte, não existem fatos exclusivamente políticos, econômicos, religiosos, sociais ou culturais em um mesmo campo historiográfico, todas possuem interfaces e enfoques para o desnudamento da sociedade em um tom quase babélico de possibilidades. Nós historiadores somos tomados por um certo encantamento de fontes, se por um lado é um manancial de possibilidades de pesquisa, por outro, pode ser o nosso calcanhar de Aquiles. Pois, o risco de afogar-se nelas pode ser maior do que o da 'euforia da ignorância' (Ginzburg, 2007, p. 296). de que trata Carlo Ginzburg. Afinal, o que fazer com as fontes que já dispomos? Não menos despicientes são os aportes metodológicos e teóricos utilizados em uma pesquisa, que constituem necessariamente, em como fazer? E com quem dialogar? O desafio do professor de história do século XXI é articular a produção historiográfica aos saberes históricos no espaço escolar, bem como, a incorporação de diferentes linguagens e narrativas históricas em sua práxis pedagógica, fazendo o uso adequado das tecnologias de informação e comunicação aplicadas ao ensino da história solapando os eixos tradicionais da história linear francesa quadripartite, por uma história temática, interdisciplinar, problematizadora atenta às transformações do novo século, a partir das relações de identidade-diferença, continuidade-ruptura em diferentes contextos sócio-culturais. Eis, o grande desafio do ofício do professor historiador (Soares, 2011, p. 09).

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Trazemos aqui, uma história do tempo presente à revelia dos que pensam equivocadamente que história é coisa apenas do passado, rompendo com visões maniqueístas e evitando cometer anacronismos. Neste contexto, cabe ao professor de história situar o aluno enquanto sujeito histórico, agente transformador e crítico sa sua realidade para o pleno direito da cidadania ensinando-o a aprender para conhecer, fazer, ser e conviver por uma história atenta a temáticas para além da história política ou econômica. Uma história cultural? História do tempo presente? Por uma história do tempo presente Para pensar a história do tempo presente, o conceito de René Rémond é basilar ao afirmar (...) que é a história que vivemos: faz parte das nossas lembranças e de nossas experiências. Ora, vale lembrar que essa história exige igual rigor ou maior do que o estudo de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina e a higiene intelectual, as exigências de probidade. (REMOND, 2006 p.206). O autor em primeira instância relaciona a história do tempo presente á lembranças ou memórias e em seguida ressaltar o rigor científico com que os historiadores devem tratá-la, exigindo do estudioso do tempo presente uma maior acuidade intelectual e meticuloso arcabouço metodológico com o seu objeto de estudo locado no tempo presente. Tal argumento está à revelia do que afirmou o historiador Eric Hobsbawm, quando a (...) vivência pessoal deste tempo molda inevitavelmente a forma como o vemos, e até mesmo o modo como determinamos a evidência à qual todos nós devemos apelar e nos submeter, independente de nossos pontos de vista (...) a diferença de gerações é suficiente para dividir os homens. (HOBSBAWM, 1995 p. 105). No campo da pesquisa histórica o distanciamento temporal dos fatos pouco importa a verossimilhança, seja na antiguidade ou contemporaneidade desde que o estudo seja problematizado como ponto de partida adequado quando se deseja reconstituí-la para melhor compreender a realidade. Afinal, "toda história é uma história contemporânea" afirmou Benedetto Croce por ser revisitada por historiadores e para leitores do nosso tempo. Justificar-se a

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importância de se estudar a história à medida que, desvelamos quem fomos, somos e seremos no espaço e no tempo de maneira crítica rompendo com a visão maniqueísta e evitando cometer anacronismos que tanto a história do pretérito quanto a do presente podem incorrer. Faz-se mister afirmar que, a história do presente remonta os tempos de Heródoto e Tucídides que faziam uso do testemunho oral, ou seja, surgiu com a própria história. Com efeito, a historiadora Marieta de Morais Ferreira alerta que, É preciso lembrar que a história dos fatos recentes nem sempre foi vista como problemática. Na Antiguidade clássica, muito ao contrário, a história recente era o foco central da preocupação dos historiadores. Para Heródoto e Tucídides, a história era um repositório de exemplos que deveriam ser preservados, e o trabalho do historiador era expor os fatos recentes atestados por testemunhos diretos. Não havia portanto nenhuma interdição ao estudo dos fatos recentes, e as testemunhas oculares eram fontes privilegiadas para a pesquisa" (2000, p.111).

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Muito embora, na atualidade se coloque toda uma complexidade dada os aportes teórico-metodológicos dos quais fazemos usos ao optar por um recorte temporal do tempo presente, o que para muitos significa um 'objeto problemático', o que em nenhuma medida inviabiliza o sucesso da pesquisa, nem tampouco legitima a expressão. De modo que, a discutível fragilidade da história do tempo presente é na verdade uma fonte potencializadora que rompe com suas fragilidades. Segundo Agnès Chauveau e Philippe Tètart (1999, p. 07), o que convencionou-se chamar "de história imediata, história próxima ou de história do tempo presente", nada mais que é do que história. Jean Pierre Rioux(1999, p. 39), pergunta lança o questionamento "Pode-se fazer uma história do tempo presente?"Sua resposta configuraria outro artigo, o que não é o caso, embora de modo simplista sabe-se que sim, caberia justificar. Para tal, basta perceber a grande profusão temática que os dias atuais propõe a oficina do historiador. Para muitos historiadores que ainda resistem transitar pelas regiões fronteiriças da história, a história do tempo presente não é lócus temporal do historiador, como sublinha a pesquisadora Helena Isabel Muller (2007, p.17) que E. P. Thompson afirmou "ao historiador cabia trabalhar o passado, o presente seria pertinente aos estudos da sociologia." Um ledo engano, no mundo atual tais

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barreiras tem sido diluídas em nome da interdisciplinaridade. Já Pierre Lagrou (2007, p.31) pesquisador do IHTP - Instituto de História do Tempo Presente enfaticamente afirma "o tempo presente é passado", tal como o passado se faz no presente. Com efeito, a abundância de fontes torna-se um grande desafio na construção de indagações que responda aos propósitos do historiador. Entre esses desafios, a proximidade com o objeto a ser estudado é o mais caro ao profissional da história. Como diria o poeta modernista Carlos Drummond de Andrade em sua elegia, poema de dor e luto ao historiador que não por acaso, "[...] veio para ressuscitar o tempo e escalpelar os mortos, as condecorações, as liturgias, as espadas, o espectro das fazendas submergidas [...]" (Andrade, 1980, p. 34). A esse respeito, Michel de Certeau questiona: "o que fabrica o historiador quando faz história? Em que trabalha? Que produz?" (Certeau, 1995, p. 17) tais questões remetem o historiador da importância de seu ofício para si e para o grupo social do qual pertence, auxiliando-o na construção do seu fazer, fazendo-se historiador como uma operação de construção de sentidos ao passado e ao presente, comungamos das mesmas inquietações do autor, acreditamos ser possível fazer história para além dos muros da academia. Certeau endossou ao afirmar que a operação historiográfica "[...] se refere à combinação de um lugar social, de práticas científicas e de uma escrita" (Certeau, 2002, p. 66). Esta operação de que tanto fala o autor, trata dos esforços empreendidos pelos que escrevem a história. Considerações finais Do alto do Olimpo, com olhar contemplativo Clio, a musa da história com clarim heroico e sua clepsidra, filha dileta entre as musas, compartilha com a sua mãe Mnemósine, deusa da memória, a responsabilidade de não deixar obliterar o passado. A memória gerou a história. A história registra a memória. Clio (Musa da história e da criatividade, conhecida como a proclamadora, cujo nome representa celebrações e perpetuidade) mira no passado para explicar o presente, pari passu, projetar o futuro dizendo: - Decifreme ou lanço-te no mar do esquecimento, atirando-o ao limbo. Do contrário, é desvelar quem fomos, somos e seremos no espaço e no tempo de maneira crítica rompendo com a visão maniqueísta, confazendo, um todo nada anacrônico. Assim sendo, "o historiador, este detentor do olhar arguto que é capaz de ver o que não mais se impõe a visão", (Pesavento, 2004, p. 25) municiado de seu aparato crítico e ancorado na perspectiva do presente, tem sua atenção mais recentemente voltada para o ensino da história.

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O historiador não é mais o profissional que estuda o passado acabado, mas a sua relação com o presente inacabado em que as fontes não falam por si, há que fazê-las falar a partir das inquietações do presente. Somos, pois, convidados a revisitar temporalidades mais recentes e fontes diferenciadas, lançando mão quase sempre, das mesmas perguntas que faria um historiador do século XVIII a suas fontes, mas tracejando novos caminhos de pesquisa.

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Para Chartier, a história do tempo presente desperta um mau sentimento: a inveja (Chartier, 1996, p. 215). Com efeito, além de contar com recursos documentais abundantes sejam visual, escrita e sonora que parecem não se esgotar, mas, ao contrário, se multiplicam na sociedade contemporânea. Aos novos historiadores cabe fazer boas escolhas em meio ao manancial de fontes apensadas. Mais uma vez somos convencidos da assertiva de Le Goff que o historiador deve "decidir sobre aquilo que irá considerar como documento e o que irá rejeitar", (Le Goff, 2003, p. 101), podendo construir seus próprios repositórios digitais de documentos. Nesta seara em que tudo é história, passado presente e futuro confundem-se. Somos e fazemos história. Entendê-la é compreender a si e ao mundo, com a consciência do que fomos para transformar o que seremos. Dito isto, voltemos a pergunta inicial: Para que serve a história do tempo presente? Para saber quem fomos, conhecer quem somos e projetar quem seremos. Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. O historiador. In: A paixão medida. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1980, p. 34. BARROS, José D'Assunção. O campo da história: Especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004. BÉDARIDA, François. "Tempo Presente e Presença na História." In FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. (coords.) Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, pp.219232. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Trad.: André Telles, Rio de Janeiro; Zahar, 2001, p. 41. BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. SP: UNESP, 1992. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 66.

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PARA QUE SERVE A HISTÓRIA ORAL? NOTAS SOBRE A HISTÓRIA ORAL E O ENSINO DE HISTÓRIA Fagno da Silva Soares Vera Lucia Silva Oliveira

A história é filha do seu tempo./ Cada nova geração deve reescrever a história à sua própria maneira. Lucien Febvre & Fernand Braudel, 2009

Introdução Sabemos, pois, que atualmente a história oral atingiu status quo e consagração entre os historiadores que dedicam suas análises ao tempo presente. A gênese da história oral nas terras tupiniquins data dos anos 70, mas só em meados da década de 90 alargou-se sua utilização enquanto metodologia de pesquisa, onde cada depoente é em certa medida um legítimo guardião de memórias capaz de tornálas coletivas as suas memórias individuais. Como são os griots, antigos contadores de histórias nas comunidades africanas. Podemos exemplificar a bem sucedida experiência do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil/Fundação Getúlio Vargas CPDOC/FGV criado nos anos 70, inspirado na proposta da Oral History Program da Columbia University de 1948. Arregimentados esforços de estudiosos e pesquisadores das ciências humanas e sociais de diversas partes do Brasil, especialmente do sudeste, puderam criar em 1994 a Associação Brasileira de História Oral - ABHO que realiza sazonalmente encontros regionais e nacionais a cada dois anos. Atualmente, constitui-se em um fórum aglutinador de debates e experiências em história oral realizadas em academias, instituições privadas e comunitárias em todo país. Concomitantemente a criação da Associação Brasileira de História Oral ABHO cresceu exponencialmente o número de programas, pesquisas e publicações que se utilizam da metodologia da história oral, bem como o considerável aumento de participantes nos eventos realizados pelas instituições. São provas cabais da credibilidade que esta metodologia tem auferido junto a profissionais de diversas áreas ao longo dos anos. Destacamos ainda que, apesar do apreço que

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temos à história oral, assim como outros estudiosos, reconhecemos que a sua denominação é um tanto equivocada, visto que, em vez de relacionar às fontes, adjetiva a história; (Ferreira & Amado, 2006, p. xii) por outro lado, foi com os historiadores que ele constituiu uma rede de profissionais, que imbuídos do devir historiográfico, perfazem um todo cada vez mais elaborado de sua metodologia. Embora consagrada, os praticantes da história oral costumeiramente são convocados a ratificar seus aspectos metodológicos relacionados à memória. Quanto a esta relação, os historiadores, assinalaram uma constatação na confraria da ABHO, sublinhando que, "[...] mas isso faz da história oral uma fonte não fidedigna para o pesquisador?" (Idem) Deste modo, o "[...] o principal alvo dessas críticas era a memória não ser confiável como fonte histórica, porque era distorcida pela deterioração física e pela nostalgia" (Thompson; Frisch; Hamilton. 2006, p. 66) do entrevistado que possa fazê-lo idealizar o passado. Porém, essa 'não confiabilidade da memória' pode ser encarada como um recurso e não como um problema. Destarte a história oral e o estudo da memória tem demonstrado força teórica na superação destas e de outras críticas.

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Afinal, para que serve a história oral? Sabe-se que o uso do testemunho oral é tão antigo quanto à história de Heródoto, mas foi a partir da Segunda Guerra Mundial que a história oral se desenvolveu, tendo como lócus fundador a Universidade de Columbia, Nova York, a primeira a formalizar um projeto de história oral, enquanto metodologia acadêmica. Sobre a sua gênese, o pesquisador José Carlos Sebe Bon Meihy assevera que "ela combinou três funções complementares: registrar relatos, divulgar experiências relevantes e estabelecer vínculos com o imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e imediata". (2005, p.22) Deste modo, a história oral nasce na academia com indeléveis dileções com a micro-história, assim como a história do tempo presente com a função quase que salvacionista das memórias dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Assim, os elementos motivadores para sua gênese que foram à necessidade do registro das experiências dos sobreviventes deste fatídico momento da história, através dos relatos orais somados ao uso do gravador analógico. Para além do que afirma Verena que "o trabalho com a história oral consiste na gravação de entrevistas de caráter histórico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas, movimentos instituições e modos de vida da história

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contemporânea", (Alberti, 2004, p. 77) que de outro modo, não seria possível. Assim sendo, a história oral "[...] permite o registro de testemunhos e o acesso a histórias dentro da história", (Alberti, 2005, p. 155) atestando sua riqueza e alcance metodológico, ao que parece está em franco crescimento. Outro aspecto bem marcante da oralidade é a sobrecarga de subjetividade que, em tese, deve ser considerada uma potencialidade, pois somos sujeitos e objetos no âmbito da pesquisa. Tal como Durval para quem "[...] se o sujeito produz o objeto, este também define o sujeito" (Albuquerque, 2007, p. 32) defendemos que na história oral somos sujeitos ao questionar, problematizar objetos, ao ouvir, registrar e ser observado, questionado e interpretado pelo outro. Visto nestes termos, reverberamos a assertiva de uma das maiores autoridades no assunto, Paul Thompson aponta que as fontes orais não devem ser utilizadas como tapa-buracos ou mero complemento aos documentos escritos, lançando o questionamento, Quão fidedigna é a evidência da história oral? [...] A pergunta propõe uma falsa escolha. Se as fontes orais podem de fato transmitir informação 'fidedigna', tratálas simplesmente 'como um documento a mais' é ignorar o valor extraordinário que possuem como testemunho subjetivo, falado. (Thompson, 1992, p. 138) Assim, na perspectiva de Paul Thompson a utilização das fontes orais enriquece sobremaneira a história, visto que tomam como objeto de estudo as narrativas orais dos sujeitos históricos que além de testemunharem a história, viveram-na. Existem, entretanto, pesquisadores que ainda acreditam que os documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais. Vale ressaltar que, corriqueiramente, tais documentos não passam de transmissões de relatos orais escritos por homens, sendo, desse modo, susceptível às mesmas 'falhas'. Seria pretensioso de nossa parte, pensarmos o documento como verdade e a história seu estatuto. Mesmo os documentos tidos como oficiais pelos positivistas trazem consigo a intencionalidade de seus produtores. Logo, podemos presumir que os documentos escritos legam marcas dos que o produzem e têm os mesmos problemas que as fontes orais, podendo estas serem tão fidedignas quanto qualquer documento escrito. Ainda nestes termos, fazemos uso da reflexão do sociólogo austríaco Michael Pollak para quem a memória

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É socialmente construída, é óbvio que toda documentação também o é [...] não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral [...] A crítica da fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve [...] ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta [...] apesar de terem uma forma sui generis. (Pollak, 1992, p. 207-208). De qualquer modo, todo documento é passível de críticas. Parafraseando obtusamente o historiador Durval Muniz (2007, p. 232), os textos escritos chegam até nós, como rins sem néfrons, corpos sem órgãos, falas sem sentimentos, dores sem gritos e voz sem emoções. Logo, um documento nada mais é do que a ponta de um imenso iceberg, onde o mais importante está na parte submersa, por isso somos forçados a mergulhar por entre grutas e blocos de gelo flutuantes que se desprendem do iceberg para entendermos as origens e o contexto do fabrico de um documento.

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Ao discutir os desafios da história oral, historiadores da Associação Brasileira de História Oral assinalaram uma das maiores críticas à memória "[...] é que a memória pode ser distorcida pela deterioração física do entrevistado e pela possível nostalgia que possa fazer o entrevistado idealizar o passado [...]"(ABHO, 2006). Assim para o historiador oralista ou professor de história "não confiabilidade da memória pode ser encarada como um recurso" (ABHO, 2006), e não como um problema científico. Existem, entretanto, pesquisadores que ainda acreditam que os documentos escritos são 'mais confiáveis' do que as fontes orais. Vale ressaltar que, corriqueiramente, tais documentos não passam de transmissões de relatos orais escritos por homens, sendo, desse modo, susceptível às mesmas 'falhas'. Segundo o historiógrafo inglês Edward Carr Nenhum documento pode nos dizer mais do que aquilo que o autor pensava - o que ele pensava que havia acontecido, queria que os outros pensassem que ele pensava, ou mesmo apenas o que ele próprio pensava pensar. Nada disso significa alguma coisa, até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o. (HUGHES, 2002, pp.43-44).

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Logo, os documentos escritos têm os mesmos problemas que as fontes orais, podendo estas ser tão fidedignas quanto qualquer documento escrito. De acordo com o sociólogo austríaco Michael Pollak, (1992, p) "se a memória é socialmente construída, é obvio que toda documentação também o é [...]". É sabido que, tal como a documentação escrita tem que seus lapsos, falseamentos, polifonias e entrelinhas, a oralidade também possui imprecisões. Porém a história oral tem ocupado a maior parte da prática historiográfica até os dias de hoje. Rompendo com a ditadura positivista do documento, qualquer texto pode ser considerado uma fonte para o historiador do século XXI, como afirma o historiador Barros, (2004, p. 134) ao dizer que "[...] o diário de uma jovem desconhecida, uma obra de alta literatura ou da literatura de cordel, as atas de reunião de clube, as notícias de jornal, as propagandas de uma revista, as letras de música, ou até mesmo uma simples receita de bolo [...]" Não há mais limites de fontes para os novos historiadores, pois os diferentes documentos os levam diretamente ao contato com o problema a ser investigado. Sobre história oral, o pesquisador José Carlos Sebe Bom Meihy (2005, p. 29) afirma ser uma "[...] prática de apreensão de narrativas [...]" que objetiva "[...] promover analises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato". A história oral está para o tempo presente assim como o marxismo está para os excluídos dando voz aos silenciados e evidenciando os esquecidos da história. Para Etienne François (FERREIRA & AMADO, 2001, p. 4) a história oral privilegia o cotidiano e a vida privada valorizando a historicidade local e regional da "[...] história vista de baixo [...]", ou seja, dos marginalizados "[...] numa perspectiva decididamente micro-histórica". Logo, história oral e micro-história são simbióticas. Considerações finais Diante do desafio proposto, cabe a nós historiadores a difícil tarefa de definir a utilidade da história e seu ensino. Perguntas não necessariamente geram respostas, trazem à tona novas indagações. Pesquisar história para além da história positivista é, sobretudo, voltar-se para temas como loucura, cidadania, sexualidade, alimentação, moda, biografia, meio ambiente, corpo, cotidiano, enfermidades, gênero, crianças, cinema, festas, direitos humanos e neste caso, a escravização contemporânea. Clio redimensionou seu olhar para uma outra história, uma zapeada nos estudos históricos

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recentes, catapultando-os, que no dizer de Júlio Aróstegui um "grande giro ou guinada dos anos 70 interrompeu uma certa trajetória da historiografia, mas propiciou o nascimento de muitas direções novas" (Aróstegui, 2006 p. 08) uma renovação da produção historiográfica sem precedentes. Com efeito, à medida que, adentra-se ao universo da pesquisa, mais complexa torna-se a tarefa do historiador e do professor de história, no mais, resta-nos tal como propõe o historiador Vainfas (1997, p. 449), "[...] percorrer os caminhos e descaminhos da história [...]". Afinal, a arte de historiar nunca foi tão complexa como hoje, devendo ser sempre revisitada por outros estudiosos. Referências

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SOBRE A QUESTÃO DE GÊNERO NO ENSINO DE HISTÓRIA: OLHARES ACERCA DO IDEAL DE MULHER EM ATENAS Filipe Matheus Marinho de Melo

A questão acerca das discussões sobre gênero - principalmente a discussão sobre o ensino de gênero - foram recentemente no Brasil, ganhando proporções que não apenas se detiveram nos debates do meio acadêmico ou nas conversas "intelectualizadas", mas invadiu as redes sociais mostrando uma gama de opiniões, contra e a favor no que se refere a inserção da questão do gênero na sala de aula. Seja de pais, futuros pais, professores, diretores. O ano de 2015 nos mostrou, principalmente nas redes sociais, que o que se conhece sobre o gênero está demasiadamente pautado na dicotomia entre masculino e feminino. Mas a questão é: será mesmo tão ruim tratar sobre gênero na sala de aula? Segundo Joan Scott, gênero é "uma maneira de indicar as 'construções sociais'", ou seja, "é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado" (SCOTT, 1989, p. 7), dessa forma, o gênero é baseado nas diferenças entre os corpos sexuais "masculino" e "feminino". É nesta diferença que este texto está proposto a tratar. Nas diferenças que foram criadas entre homem e mulher, macho e fêmea. Portanto, nos concentraremos na Grécia Clássica - por volta dos séculos VI a.C. ao IV a.C. - momento na qual se fortificou (ou pelo menos se tentou fortificar) uma ideologia de repressão que tentava buscar um modelo ideal de mulher chamado: mélissa ou mulher-abelha. Desde o Período Arcaico, Hesíodo (Teogonia, vv. 590-593) ensina que a mulher é um mal, na qual Zeus condenou a raça dos homens: "pois a raça dela é ruinosa, as tribos de mulheres, grande desgraça aos mortais". Entretanto, a mulher se torna um mal necessário, pois quem "não quiser casar, atingirá velhice ruinosa carente de quem o cuide" (HESIODO. Teogonia, vv. 604-605). O ideal mélissa ou mulher-abelha, também é confirmado por ele: "Como quando abelhas, em colmeias arqueadas, alimentam zangões, parceiros de feitos vis" (HESIODO. Teogonia, vv. 594-595). De certa forma, desde o Período Arcaico, Hesíodo já estabelece e ensina a função, por assim dizer, que é intrínseca a "raça" das mulheres. Segundo ele, as mulheres "parem filhos semelhantes aos pais" (HESIODO. Trabalho

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e Dias, vv. 235). Essa função é confirmada em demasia na documentação do Período Clássico, seja ela imagética ou textual, a mulher ideal é aquela que fica retida ao oîkos para administração e cumprimento de seu papel na pólis: gerar filhos homens. Fábio Lessa (2010, p. 46) em seu Mulheres de Atenas, organiza um quadro explicativo acerca das dualidades existentes entre homens e mulheres, ou seja, das diferenças que compõe ambos os corpos sexuais. Segundo este autor, aos homens, por exemplo, se destina "força, trabalho, sol, exterior", já para a mulher, "fertilidade, repouso, lua, interior". Dessa forma, podemos persistir na ideia de que havia uma ideologia repressiva sobre as mulheres, sobretudo, as mulheres bem-nascidas.

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Segundo Foucault (2014, p. 8), "a repressão funciona, decerto, como condenação ao desaparecimento [...] injunção ao silêncio, afirmação de inexistência [...] uma constatação de que não há nada para dizer, nem para ver, nem para saber". Tal afirmação se encaixa na lógica do modelo mélissa, pois, ao procurar uma mulher para casar-se, o homem deveria escolher uma mulher - que estivesse por volta de seus 15 anos - que se afirmasse como total inexistente para a sociedade ateniense. Em seu Econômico, Xenofonte nos insere em um diálogo entre Sócrates e Iscômaco, sendo este último tido como um exemplo de cidadão ideal. No decorrer do diálogo Sócrates questiona Iscômaco sobre como selecionar uma mulher para casar, e o cidadão responde: "não tinha ainda quinze anos, e, antes disso, vivia sob muitos cuidados para que visse o mínimo, ouvisse o mínimo e falasse o mínimo" (XENOFONTE. Econômico, VII-5). O que a documentação nos informa acerca da educação feminina era que a moça ficasse retida em casa como sua mãe e aprendesse o tear e os atributos do lar, até que atingisse idade para casar. Pois, "o deus preparou-lhes a natureza, a da mulher para os trabalhos e cuidados do interior" (XENOFONTE. Econômico, VII-22). Sobre a tecelagem, a literatura nos informa que tal atributo era essencialmente feminino: "Para teu quarto recolhe-te e cuida dos próprios lavores, roca e tear" (HOMERO. Odisseia, vv. 356-357) se dirige Telêmaco à Penélope ou "fico fazendo tricô enquanto a assembleia enche" (ARISTÓFANES, Revolução das Mulheres, p. 76) se pronuncia a personagem "2ª mulher" na comédia de Aristófanes. Em Apologia da História, Marc Bloch (2001, p. 78-79) ensina ao historiador uma maior e mais rigorosa observação dos documentos, porque eles "não falam senão quando sabemos interrogá-los" e que nos afeiçoamos pelo que "ele nos deixa entender, sem haver pretendido dizê-lo". Por mais que a documentação textual e

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imagética persista em exemplos do modelo mélissa, há críticas que devem ser feitas a tais documentações. Fábio Lessa (2010, p. 21) alerta para o que ele chama de "desvios a esse padrão e comportamento a ser seguido pela esposa bem-nascida". O que é facilmente encontrado na literatura, pois, "o artista, sob impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padrões de sua época, escolhe certos temas, usa certas formas e a síntese resultante age sobre o meio" (CANDIDO, 2014, p.31). A comédia grega tinha por função, além de despertar o riso, criticar e ridicularizar os acontecimentos na pólis de seu tempo e tinha em Aristófanes um grande comediógrafo crítico e conservador dos ideais tradicionais. Entretanto, se olharmos atentamente para suas comédias, veremos o desvio ao modelo feminino que a documentação não informa. Já se foi explicado que o modelo mélissa tem por dever prezar para a administração do oîkos e, portanto, ficar retida ao interior, enquanto o exterior é próprio ao homem. Todavia, vemos em Aristófanes que as mulheres dormiam na casa das outras, se ajudavam mutuamente em seus afazeres e até ajudavam as amigas no parto. "E se dormimos na casa de outros por brincarmos e estamos cansadas, todo tipo procura o mal dando voltas em torno da cama" (ARISTOFANES. Tesmoforiantes, vv. 795-797), relata o Coro; ou até mesmo na fala de Blêpiro quando não encontra sua mulher em casa: "Que negócio é esse? Aonde terá ido minha mulher? O dia já vem raiando e ela não aparece", e tem como resposta de Valentina: "A noite passada uma amiga minha me mandou chamar, pois estava para ter criança" (ARISTOFANES. Revolução das Mulheres, p. 223-357). É possível constatar tais desvios não somente na literatura, mas também na documentação imagética, pois, há representações de mulheres indo às fontes para pegar água ou colher frutos. Ora, para manter o oîkos em funcionamento era necessário que as mulheres saíssem de casa. Se analisarmos mais a fundo a quantidade de documentos que insistem na passividade e exclusão da mulher do mundo externo, chegaremos na conclusão de que se há tanta insistência em um modelo a ser seguido, decerto esse modelo não era seguido à risca como a documentação nos faz pensar. Por isso é importante saber interrogar o documento e, principalmente, saber o que interrogar. Então, será tão ruim tratar de gênero na sala de aula? Podemos ir mais além: há uma história das mulheres? Sabemos que atualmente há uma amplificação do conceito de gênero que não permite mais a redução da dicotomia masculino-feminino, mas há diversas categorias entre tal dicotomia. Percebemos que a escola não consegue, hoje, tratar da mulher como um sujeito histórico. Abrimos livros didáticos em que o conteúdo de Grécia se refere ao homem ideal, à filosofia, à mitologia, mas não às mulheres. Elas não estavam

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presentes? Ou quando se trata das mulheres, os livros apenas fazem reproduzir o modelo mélissa, que como vimos é uma ideologia de repressão que há seus desvios e que não é uma "verdade absoluta". Também tratam da mulher e não das mulheres. O que é um grave erro, pois reduz as mulheres apenas a uma categoria: a bem-nascida. Quando na verdade temos as cortesãs, as prostitutas, as mulheres pobres que saiam de casa para ajudar no sustento. Ainda temos para apresentar as Thesmophórias, um festival que era essencialmente feminino e que estava ligado à agricultura e ao culto as deusas Deméter e Perséfone. Além de documentos arqueológicos que certamente prendem muito mais a atenção dos alunos que palavras em um quadro branco.

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Em História na Sala de Aula, uma obra organizada por Leandro Karnal (2007), há dois capítulos que são essenciais para finalizar este trabalho e que servem como reflexão aos professores de profissão e aos professores que organizam materiais didáticos. O primeiro trata sobre da "História Antiga" e foi escrito por Pedro Funari, na qual, este propõe uma renovação no ensino de história antiga, tido muitas vezes como enfadonho, cansativo e distante de nossa realidade. Já o segundo, escrito por Jaime Pinsky e Carla Pinsky, discorre sobre "O que e Como ensinar" História. Segundo Funari (2007, p. 100), "em um mundo em que as mulheres têm cada vez mais sua atuação na vida social posta em evidência, a apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta interesse evidente", então, por que negligenciar as mulheres? Desde fins do século XX as vozes feministas lutam por direitos. Por que não trazer esses debates para a sala de aula? Por que não fazer as meninas e as adolescentes se sentirem tão parte da história como os meninos? A renovação do ensino de história antiga não somente possibilita aos alunos verem monumentos, vasos e representações mitológicas por meio de instrumentos tecnológicos, mas permite denunciar que os problemas do presente também estiveram no passado e que a história antiga não é tão distante de nós. Por que não mostrar uma Medeia, uma Lisístrata, uma Hécuba e inserir questionamentos em um trabalho de encenação de teatro ou uma roda de leitura? Isso é renovar, é fazer diferente. Como bem coloca Ítalo Calvino (2007, p. 13), "a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos", e são a partir desses clássicos e dessas renovações que podemos mudar a falsa ideia de História Antiga.

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Nada do que foi dito até aqui seria possível sem a questão do conteúdo. Se a história como disciplina, como diversos materiais didáticos costumam repetir, trata da formação de sujeitos críticos, como podemos discutir sobre gênero se nem os materiais didáticos e nem os profissionais de ensino se esforçam para dar atenção as pequenas questões sociais? Segundo Jaime e Carla Pinsky (2007, p. 22), "um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar boas aulas nem com o melhor dos livros". Mais do que estar preparado para desenvolver renovações no ensino de história, o professor precisa ter conteúdo, precisa ter cultura, pois só assim conseguirá corrigir as falhas que os materiais didáticos possuem e desenvolver, além do espírito crítico nos alunos, a percepção de que cada aluno, independentemente de cor de pele e gênero, é um sujeito histórico. Referências ARISTOFANES. A Revolução das Mulheres. Tradução de Mário Kury. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. (Edição Kindle) ______. Tesmoforiantes. Tradução de Ana Maria César Pompeu. São Paulo: Via Leitura, 2015. BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 13ªed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014 HESÍODO. Teogonia. Tradução de Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013. ______. Trabalho e Dias. Tradução de Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013. HOMERO. Odisseia. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2007. LESSA, Fábio de Souza. Mulheres de Atenas: mélissa - do gineceu à àgora. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. New York: Columbia University Press, 1989. XENOFONTE. Econômico. Tradução de Ana Lia A. Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

O FILME COMO AUXILIAR DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: ANALISANDO O PRIMEIRO EPISÓDIO DA SÉRIE ROMA Flaviano Oliveira dos Santos

Introdução "Podemos entender o exercício profissional da História de muitas formas. Vamos optar pela seguinte possibilidade: fazer um texto de Historia é estabelecer o diálogo entre o passado e o presente." (KARNAL, 2007, p. 7). A opção adotada por Karnal é de caráter simples e complexo ao mesmo tempo, pois tal diálogo consiste numa das ações mais necessárias de serem realizadas.

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Compartilhando o pensamento de que é tarefa do professor de história, e dos demais educadores, promover o constante diálogo entre o passado e o presente, procura-se aqui contribuir com esta questão que deve ser prática constante na trajetória dos educadores. Pode parecer simples já que o diálogo tem apontado que se trata de um "objeto delicado" que requer extremo cuidado do educador em diferentes aspectos. No decorrer processo deve-se atentar tanto para os assuntos abordados como também para os instrumentos e as ferramentas utilizadas no momento do processo de ensinoaprendizagem. A difícil tarefa pedagógica é parte de uma ampla discussão que vem sendo renovada à medida que os debates acalorados sobre o Ensino de História têm cada vez mais ocorrido por todo o país. Um dos assuntos debatidos envolvendo o papel do professor e o ensino de História diz respeito ao uso de novas metodologias e ferramentas como forma de facilitação e pluralidade do ensino na sala de aula. Tendo em vista este importante diálogo, aqui abordaremos o uso da produção audiovisual no Ensino de História, mais especificamente à História Antiga. O uso de instrumentos audiovisuais nas aulas de História: cuidados a serem tomados Pensar sobre os modos de como trabalhar em sala de aula os assuntos necessários para o desenvolvimento do pensamento crítico

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dos alunos, decidir o que se deve priorizar em meio às dificuldades do cotidiano, ajudando-os a refletir criticamente para compreender a sua realidade, é essencial e uma tarefa da qual nenhum professor deve se abster. Por isso a inovação no processo de ensinoaprendizagem torna-se não somente viável, mas também, imprescindível. Ao trazer esta discussão para o campo da História, podemos apontar um grande avanço em relação ao modo de se tratar e abordar os domínios do historiador quando a chamada "revolução dos Annales" possibilitou o uso de novas problemáticas e abordagens para o campo historiográfico, inclusive abrindo as portas também, para o uso do audiovisual como fonte de investigação por parte do historiador, e concomitantemente, a sua utilização no ensino de História. De certa forma, como defesa para a utilização deste recurso didáticopedagógico no ensino, elencamos dois fatores favoráveis a sua utilização: o primeiro é a evidência da atração, fascinação que a imagem traz para os alunos; e o segundo é o fator de que tais recursos de imagens em movimento encontram-se acessíveis aos alunos, seja por meio da internet, locadoras, sistemas educacionais (ABUD, 2003, p.183), DVD's etc. As facilidades de obtenção e visualização de tais materiais são formas de democratização e difusão do ensino. Além desses fatores, também é constatado que 50% do que é apreendido pelo aluno corresponde à audição e à visão, além de reterem uma informação mais duradoura (PROENÇA, 1990, p. 106 apud ABUD, 2003, p. 189). Desta forma, a produção audiovisual funciona como instrumento processador de símbolos sociais e culturais, opondo uma representação de realidade a da vivenciada pelo aluno, confrontando fatores do cotidiano e estimulando o pensamento crítico sob as instâncias do mundo de convívio. As imagens incitam a mente dos alunos em comparações, relações e ponderações da realidade, criando uma pluralidade interpretativa na sala de aula, e o mais importante, ocasionando o surgimento de perguntas, tornando-os inquietos da melhor maneira, e fazendo com que a aula flua melhor ao ser inundada de problemáticas. Creio que um bom professor não repudie bons questionamentos. No entanto, apesar de viável, a utilização de produções audiovisuais em sala de aula, sejam eles documentários, filmes, desenhos animados, seriados televisivos, videogames etc., não significa que o recurso deva ser utilizado por ele mesmo. Nenhuma produção de gênero fílmico encerra em si mesmo a verdade (KORNIS, 1992, p. 243). Sem um preparo do professor e de um método específico para

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abordagem e relacionamento com a discussão a ser levantada na sala de aula, o instrumento auxiliar perde sua validade. Desta forma, o professor/historiador deve primeiramente educar o seu olhar para adequar-se à análise do audiovisual, antes de empreender o seu uso, devendo identificar o que a produção diz ou não diz, voluntária ou involuntariamente. Neste processo de treinamento do olhar, o professor deve posicionar-se frente à produção e encará-la como fonte que a mesma é. Desta forma, o professor deve munir-se de indagações em relação ao material abordado. Podem ser feitas algumas perguntas como: Quem produziu o material? Quando e onde foi produzido? O que diz ou o que não diz? Para que e para quem foi feito? Qual público é o seu foco? Quais estratégias de apreensão utiliza? Quais aspectos eminentes da sociedade ele se centra? Por quê? etc.; além das respostas dessas perguntas, o professor deve realizar ponderações sobre o conteúdo explicitado pela produção, atentando sempre, no uso em sala de aula, para a faixa etária de indicações da produção e para as cenas inapropriadas para seus alunos, que não contribuem para o direcionamento dado a aula.

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Portanto, após falarmos da viabilidade da utilização de produções audiovisuais para o Ensino de História, como também da necessidade da análise do material e preparação do professor para este modo diversificado de ensino, salientamos que o audiovisual é uma boa alternativa para tornar o ensino mais agradável, retirando o caráter positivista, de uma história somente de grandes personagens e datas marcantes. Por fim, atento para o fato de que o audiovisual é um recurso auxiliador do professor, e não um substituto deste. Possibilidade de uso do audiovisual no ensino de História Antiga: seriado Roma Agora o nosso objetivo gira em torno de apresentarmos uma proposta de intervenção na sala de aula, efetuada pelo professor, com a utilização do recurso audiovisual. Desta forma, optou-se aqui pelo desenvolvimento da ação direcionando-a para a temática da Antiguidade, mais especificamente para a sociedade romana no período de conflito entre os cônsules César e Pompeu, que é retratada, com suas especificidades, no primeiro episódio do seriado televisivo Roma. Esta exemplificação fez parte do trabalho desenvolvido junto à disciplina de "História Antiga II" do curso de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no semestre 2014.2, e do projeto de iniciação científica "Ver e aprender História

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Antiga: análise do seriado televisivo Roma como instrumento didático-pedagógico". Para a utilização do material o primeiro passo a ser tomado deve ser o preenchimento de uma ficha técnica para o material e o episódio analisado: MATERIAL - TÍTULO: Rome (Roma) - SINOPSE: Quatrocentos anos depois da formação da República, Roma é a cidade mais abastada do mundo, uma metrópole cosmopolita com um milhão de habitantes, o epicentro de um imenso império. Os valores sobre os quais a República foi fundada a partilha do poder e uma feroz competitividade entre indivíduos impediram que um só homem pudesse tomar o poder absoluto. Mas agora, a corrupção e os excessos conseguiram corroer os mais nobres princípios. Após oito anos de guerra, os soldados Lucius Vorenus e Titus Pullo são envolvidos, contra a sua vontade, nos movimentados eventos históricos da Roma Antiga. Uma série dramática sobre o amor e a traição, escravos e os seus mestres, maridos e mulheres, ROME retrata uma era turbulenta, durante a qual se assistiu à morte de uma República e ao nascimento de um Império. - PRODUÇÃO: HBO (Home Box Office), BBC (British Broadcasting Corporation) e RAI Fiction (Radiotelevisione italiana S.p.A.) - PAÍSES DE PRODUÇÃO: Estados Unidos da América, Reino Unido, Itália. - ANO DE PRODUÇÃO: 2005-2007. - FORMATO: Audiovisual Série para TV. - GÊNERO: Histórico, dramático, ação. - TEMPORADAS: Duas. - EPISÓDIOS: 22 (primeira temporada com 12 episódios, segunda temporada com 10 episódios). - DURAÇÃO: 50 minutos (média por episódio). - IDIOMA ORIGINAL: inglês. -IDEALIZADORES: Bruno Heller, John Milius, William J. Macdonald. EPISÓDIO -TÍTULO: The Stolen Eagle (A águia roubada) - SINOPSE: Dois soldados romanos se vêem em meio a uma guerra pelo controle da Roma antiga, durante uma turbulenta era em que a luta entre a cobiça e a honra definirá a morte de uma república e o nascimento de um império. - DATA DA PRIMEIRA EXIBIÇÃO DO EPISÓDIO: 28/08/2005.

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- DURAÇÃO: 53 minutos Após o porte das informações técnicas, o professor deve agir como apontado anteriormente. Pois é tarefa do professor identificar o que o material diz, sua utilidade, seus imperativos, intencionalidades, não-intencionalidades e por fim adaptar este recurso para a sala de aula. Terminada a análise e o balanceamento do instrumento audiovisual, o professor deve ponderar suas reflexões sobre o assunto e o material, expondo-as em sala, como forma de complemento para a sua explicação e para o conteúdo contido no livro didático. Saber relacionar o conteúdo exigido com o material apresentado, instigando o debate entre os alunos é tarefa do professor. Aqui foram analisados três livros didáticos de história indicados pelo governo através do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM): História: volume único, da editora Ática (FIGUEIRA, 2005), História: das cavernas ao terceiro milênio, da editora Moderna (MOTA, 2005) e História geral e do Brasil, da editora Harbra (FREITAS NETO, 2006).

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Como última ficha, coloco aqui uma proposta de abordagem do primeiro episódio do seriado Roma: Proposta de intervenção com audiovisual: - MATERIAL: Série Roma - 1º episódio. - ANO DIRECIONADO: 1º ano do Ensino Médio. - MODO DE UTILIZAÇÃO: Episódio editado, média de 30 minutos de duração. - TEMAS PARA REFLEXÃO, PESQUISA E DEBATE: Sociedade romana na Guerra Civil; fim do sistema republicano romano?; expansionismo romano; classe dominante; plebe romana; estrutura política; constituição militar; religião romana; vestuário; estrutura da cidade; grandes personagens; "os excluídos da história"; escravidão; sistema familiar romano. - OBJETIVOS: OBJETIVO GERAL: Identificar e refletir o contexto social romano, discutindo o processo de mudanças em sua estrutura e os aspectos socioculturais envolvidos; OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

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Proporcionar a compreensão da passagem de regimes de poder em Roma, evidenciando o que viria futuramente a culminar no Império; Identificar hábitos e costumes tanto na vida pública como na vida privada daquela sociedade; Entender o sistema político da chamada República romana através do Senado romano que é retratado; Analisar aspectos da religião romana, relacionando-a com as cenas. - CONTEXTO HISTÓRICO DO EPISÓDIO: Conflitos civis em Roma. Conquista da Gália por Caio Júlio César e seu retorno a Roma. - A RELAÇÃO ENTRE A TELA E O ESPECTADOR: Desenvolvimento do senso crítico do aluno ao comparar a sociedade romana com suas desigualdades e com seu sistema político, social e cultura, com a sociedade contemporânea, focando na organização política e nas relações cotidianas do meio público e privado, além do estimulo ao estudo da língua inglesa, sendo opcional do professor, ao passar o seriado em inglês ou português. - ELEMENTOS DO EPISÓDIO QUE PODEM POTENCIALIZAR O CONHECMENTO HISTÓRICO: O momento de conflito onde as mudanças acontecem; Visualização da sociedade romana em detalhes através da reconstituição da cidade, da vestimenta dos personagens. Fato que nem todos os livros didáticos trazem ilustrados; Reflexão sobre os conceitos de: República, escravidão, religião pagã, classe e poder. Conclusão Finalizada a proposta, apresentamos nestas pequenas reflexões a possibilidade da utilização do audiovisual nas aulas de História. As formas e modos de análise mostram-se inúmeras, cabendo ao professor saber explorá-las conscientemente, não de forma "despreocupada", visando sempre o aprendizado do aluno. Mas sobretudo possibilitar que os alunos verbalizem o seu aprendizado, inclusive proporcionando para ele outras leituras que possam contribuir para pensar sobre o que é uma fonte histórica. Referências Material: ROMA (Rome). Idealizado por Bruno Heller, John Milius, William J. Macdonald. Estados Unidos da América, Reino Unido, Itália: HBO, BBC, RAI Fiction. 2005-2007. (Seriado televisivo) DVD.

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Livros didáticos analisados FIGUEIRA, Divalti Garcia. História: volume único. 1 ed. São Paulo: Ática, 2005. FREITAS NETO, José Alves de. História geral e do Brasil. São Paulo: HARBRA, 2006. MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1.ed. - São Paulo: Moderna, 2005. Referências Bibliográficas

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ABUD, K. M. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História. São Paulo, v.22, n. 1, pp. 183 a 193, 2003. AQUINO, E. D. Cinema em foco: Abordagens cinematográfica\historiográfica no ensino de história. In: XIII Encontro Estadual da Anpuh História e Historiografia: Entre o Nacional e o Regional, 2008, Guarabira - Paraíba. BARROS, José D'Assunção. "Cinema e História - considerações sobre os usos historiográficos das fontes fílmicas". Comunicação & Sociedade. Ano 32, n°55. p.175-202. BEHAR, Regina Maria Rodrigues. O Uso do Vídeo no Ensino de História. João Pessoa: UFPB, 2000. BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Documentos não escritos na sala de aula. In: __. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011. KARNAL, Leandro. Introdução. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007. KORNIS, M. A. História e Cinema: um debate metodológico. Revista Estudos Históricos, Vol. 5, Nº 10, 1992. p. 237-250. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

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REGISTROS HISTÓRICOS DOS ESPAÇOS RURAIS AMAZÔNICOS: FORMAS DE INSTRUMENTAÇÃO DA PRÁTICA DE PROFESSOR DE HISTÓRIA Francivaldo Alves Nunes

O Projeto "Registros históricos dos espaços rurais amazônicos, entre ensino e pesquisa: Formas de instrumentação da prática de professor de História", desenvolvido através do Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - 2014/2015 da Universidade Federal do Pará, se constitui na materialização do saber acadêmico produzido nas discussões presentes no processo formador dos graduandos do Curso de História do Campus Universitário do Tocantins/Cametá, assim como no exercício de diálogo entre os registros históricos e a transformação desses documentos em materiais de aprendizagem para discentes da educação básica. Ao fazer uso dos conhecimentos obtidos na academia, o projeto possibilitou a estes alunos e alunas estabelecerem diálogos com professores da rede pública e privada de ensino compartilhando estes saberes com as práticas docentes acumuladas pelos anos de experiências em sala de aula, numa relação dialógica de ensino em que pese à aproximação entre a construção do conhecimento formal e a realidade e interesse social. Outra faceta desta proposta foi permitir o contato de discentes de graduação e da educação básica com documentação histórica, presente no acervo do Arquivo e Museu Histórico de Cametá, que descreve as formas de vida das populações rurais no interior da Amazônica, principalmente os registros que fazem referência a atual região Nordeste do Estado do Pará, município de Cametá e adjacências. Diante de um quadro social em que se observa um permanente crescimento do saber científico, seria evidente que esse crescimento estivesse sendo acompanhado do aparecimento de especificidades tecnológicas. Sendo assim, na transposição do conhecimento histórico para a educação básica, é de fundamental importância o desenvolvimento de competências ligadas à leitura, análise, contextualização e interpretação das diversas fontes e testemunhos das épocas passadas - e também do presente.

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Nesse exercício, devem-se levar em conta os diferentes agentes sociais envolvidos na produção dos testemunhos, as motivações explícitas ou implícitas nessa produção e a especificidade das diferentes linguagens e suportes através dos quais se expressa, como nos alerta Carla Pinsk (2006, p. 18). Estas situações evidenciam a necessidade do uso dessas novas tecnologias na produção de materiais didáticos que facilitem o processo de ensino aprendizagem, conforme aponta os Parâmetros Curriculares (1999) quando destaca os sentido do aprendizado nas Ciências Humanas e suas tecnologias.

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Ao propor a construção de ferramentas facilitadoras da prática docente a partir de documentos históricos que desvelam as características dos espaços rurais amazônicos, estamos trabalhando na perspectiva apontada pelas diretrizes curriculares que norteiam a educação básica, ou seja, a produção de materiais didáticos não só devem ser pensados numa perspectiva a associar esses materiais às novas tecnologias da informação, como internet, jogos, vídeos e outras mídias eletrônicas, como ainda em articular essas novas tecnologias ao desenvolvimento de materiais didáticos que dialoguem com a realidade regional das comunidades que ocupam o interior da Amazônia (CORREA; BARRETO, 1999, p. 17). Ainda na relação universidade e sociedade foi possibilitado aos professores atuantes da rede pública e privada, que exercem suas funções na educação básica, apropriarem-se desses novos conceitos, reelaborando suas práticas docentes e repensando a própria produção dessas ferramentas de trabalho e a configuração dos materiais didáticos, na medida em que estes não se desvinculam das experiências e problemáticas presentes na sociedade (TARDIF, 2002, p. 56). O projeto que analisamos, de fato, configurou-se enquanto atividade de extensão e ação comunitária. No caso, procurou sustentar-se conceitualmente sobre o propósito de que a construção de um profissional com autonomia, na forma como propõe Jaime Pinsky (2006), proposta principal dos cursos de licenciatura, tem que priorizar uma formação mais ampla, que prepare os formandos para atuarem com criticidade, com capacidade de lidar com a diversidade cultural, de posicionar-se diante das situações sociais e políticas e com condições de desenvolver escolhas conscientes sobre a maneira como vai desenvolver seu trabalho.

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Indicativos de resultados O projeto permitiu à construção de atividades associadas à produção de ferramentas e instrução da prática docente em Historia, através da elaboração de materiais didáticos como cartilhas, textos, banco de imagens, planilhas e softwares, considerando os documentos históricos presentes no acervo do Arquivo e Museu Histórico de Cametá sobre os espaços agrários amazônicos. Envolveu professores do ensino superior, alunos de graduação e professores da educação básica correspondente aos municípios de atuação do Campus Universitário do Tocantins/Cametá, a exemplo de Cametá, Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajurú e Oeiras do Pará. O desenvolvimento do projeto contribuiu na produção e publicidade de estratégias didáticas e pedagógicas para o ensino de História, estabelecendo uma relação entre o saber acadêmico, a experiência docente e os registros históricos que guardam a memória das populações que contribuíram para formação desta região. Do ponto de vista de resultados envolveu cerca de 100 pessoas entre alunos de graduação e professores da educação básica e de ensino superior; assegurou a participação de 02 graduandos bolsistas na produção de materiais didáticos compartilhados com professores da rede pública e privada de ensino; envolveu 02 graduando bolsistas no levantamento, catalogação e análise de documentos históricos sobre os espaços rurais e que estão presentes no acervo do Museu e Arquivo Público de Cametá; promoveu duas oficinas de produção de ferramentas didáticas associadas aos documentos históricos; assegurou a participação de 20 professores da educação básica em cada oficina de produção de ferramentas didáticas associadas aos documentos históricos; e promoveu 01 evento científico de socialização dos resultados do projeto e que envolveu alunos e professores da educação básica. As atividades iniciais concentraram-se nos encontros de formação, com carga horária de 20 horas, nos quais foram apresentadas aos participantes as discussões teóricas e metodológicas que permeiam o ensino e a aprendizagem, os conceitos mais gerais de educação e educando, espaço escolar, materiais didáticos, prática docente e espaços rurais amazônicos. Posterior a apropriação de conceitos e categorias as atividades do projeto foram direcionadas, em um momento inicial, para a realização das oficinas de preparação de materiais didáticos que dialogassem com os documentos presentes no acervo do Arquivo e Museu Histórico de Cametá. Nestas oficinas, os participantes foram

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distribuídos por áreas temáticas de estudo. As temáticas das oficinas estavam voltadas para a construção de jogos no ensino de história, uso de documentos na prática docente, construção de textos didáticos e as temáticas imagens e filmes nas aulas de história. A integração do projeto PROINT entre seus executores se materializou na atuação direta dos bolsistas e professores no planejamento e na realização das atividades propostas para serem desenvolvidas nas oficinas de produção de materiais didáticos. Isso, além de permitir o conhecimento das etapas necessárias que envolvem o planejamento - a exemplo da escolha de conteúdos, seleção de materiais didáticos e aportes teóricos e metodológicos -, permitiu que os alunos bolsistas e professores tomassem ciência das atividades que envolvia um trabalho de produção de materiais didáticos ou transposição didática de conteúdo do ensino superior, e como este trabalho podia ser desenvolvido nas atividades pensadas para as disciplinas.

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A integração do projeto com a extensão efetivou-se, ainda, com o contato dos alunos bolsistas com os professores do ensino fundamental e médio, quando da execução de tarefas associadas à experiência docente. No caso, faz-se referência do momento em que atuaram e conviveram nos espaços escolares, estabelecendo relações e auxiliando os alunos da educação básica nas tarefas exigidas com requisitos de avaliação do conhecimento adquirido por esses alunos. Observa-se, também, a relação com a comunidade quando da atuação dos bolsistas nos eventos promovidos pela Faculdade de História e pelo Campus de Cametá. Os alunos bolsistas puderam atuar mais diretamente no planejamento e na execução de atividades pensadas para a disciplina de História no ensino fundamental e médio, assim como permitiu que os professores organizassem suas atividades, pensando na colaboração que teria desses bolsistas. O envolvimento dos alunos bolsistas garantiu, também, melhores rendimentos na avaliação, o que foi resultado de maior tempo de dedicação para com as atividades acadêmicas, assim como permitiu se apropriar de métodos e estratégias de leitura documental, formas de catalogação e registros históricos que revelavam aspectos dos espaços rurais da região. Do ponto de vista teórico, não há dúvidas de que os avanços foram bastante significativos, como se observou na apropriação de conceitos quanto ao ensino e aprendizagem, leitura escolar, plano de aula, plano de curso, projeto pedagógico, planejamento de ensino,

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documento histórico, espaços agrários e outras temáticas conceituais que envolvem a formação docente em História. No campo dos experimentos, a possibilidade de elaborar propostas de intervenção na sociedade, como oficinas, foi bastante significativo. Acrescentaríamos ainda a possibilidade de atuar na organização e no desenvolvimento de tarefas relacionadas à produção de evento acadêmico, o que permitiu, além de um senso de organização, a capacidade de articular interesses da academia com os da sociedade. A intervenção didático-científica, se por um momento foi estabelecida no processo de planejamento de atividades para as disciplinas, no planejamento dos eventos e oficinas, por outro foi ainda vivenciada no espaço da sala de aula, com a colaboração dos bolsistas na execução dessas tarefas planejadas para serem desenvolvidas junto aos discentes ou a comunidade. Portanto, tais ações sofreram interferência dos bolsistas não apenas quando da sua elaboração, mas também da sua execução. Para apontar os pontos positivos deste projeto, destacamos: o envolvimento dos alunos bolsistas com planejamento e execução de tarefas associadas às reuniões de formação e oficinas de produção de materiais didáticos; a possibilidade de estabelecer diálogo entre bolsistas e docentes de graduação, quanto ao planejamento e execução de atividades acadêmicas; a possibilidade de convivência dos bolsistas com as comunidades ribeirinhas da região; e a vivência de experiências docentes nos espaços escolares de ensino básico. Como questões que limitaram o desenvolvimento de algumas atividades do projeto, apontamos: dificuldades da aquisição de leituras pertinentes à temática do ensino de História, pelo escasso acervo bibliográfico presente na biblioteca do Campus de Cametá; número reduzido de computadores da sala de informática do Campus de Cametá, utilizada para planejamento de atividades pertinentes as atividades do projeto; dificuldade de acesso à informática, o que impossibilitava que documentos fossem baixados da rede mundial de computadores, sendo estes documentos importantes quando da leitura necessária para planejamento de atividades acadêmicas.

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Referências citadas BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC, 1999. CORREA, Paulo Sergio de Almeida; BARRETO, Edna Abreu. „O Ensino Médio no Estado do Pará segundo as estatísticas oficiais: Os impasses das políticas públicas educacionais e os desafios para o século XXI.‟ In: PAPER DO NAEA 122, agosto de 1999, p. 1-40. PINSKY, Jaime (Org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2006. PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Trad. Francisco Pereira. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

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REPENSANDO A AULA DE HISTÓRIA: PROFESSORES E ALUNOS COMO AGENTES ATIVOS DA "HISTÓRIA" Gabriel José Brandão de Souza

Introdução A sociedade vem passando por inúmeras transformações. No intuito de acompanhá-las, as atividades educativas e a formação de professores passam por novas concepções do fazer e construir um desenvolvimento da reflexão crítica e de novas possibilidades e não apenas transmissora de conteúdos. Diante da realidade educacional no país é necessária uma formação que entenda a importância do papel do estudante também como responsável por sua própria aprendizagem. O ponto de partida para a compreensão da História pode ser evidenciado na tentativa de despertar no aluno uma possibilidade de perceber-se como agente histórico, como ser atuante dentro do processo histórico, sendo a infância e adolescência os momentos mais oportunos para tal despertar. Somente a partir disso o professor pode desempenhar o seu papel social: formar cidadãos aptos a compreender a sociedade na qual estão inseridos. Segundo os Parâmetros Curriculares da Educação, a História enquanto disciplina escolar possibilita ampliar estudos sobre as problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades, servindo como arcabouço para reflexão sobre possibilidades de mudanças e necessidades das continuidades. Permite sedimentar e aprofundar temas, redimensionando aspectos da vida em sociedade e sobre o papel do indivíduo nas transformações do processo histórico, possibilitando a compreensão das relações entre a liberdade (ação do indivíduo-sujeito da história) e a necessidade (ações determinadas pela sociedade-produto de determinada história). (PCNs 2000;15-16) Neste sentido, temos como pretensão neste trabalho, perceber dentro do processo do estágio de regência, discussões juntamente com análises bibliográficas, acerca do processo de formação das aulas de história, buscando compreender a importância dos diálogos entre os conhecimentos escolares e acadêmicos necessários para compreender as sociedades nas suas variadas dimensões.

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Conhecimento histórico e processo de aprendizagem

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A construção do conhecimento histórico, a partir dos teóricos da escola dos Annales, vem passando por várias transformações, em que os historiadores vêm sugerindo novas abordagens, baseadas em diversas temáticas ligadas a história social, cultural e do cotidiano, de modo que estão possibilitando uma visão mais abrangente do contexto histórico. Entretanto, paralelamente a estas mudanças, o ensino de história não vem acompanhando os avanços historiográficos desenvolvidos em torno dos métodos e objetos de análise da história. Nesta perspectiva, o desafio que se coloca é de garantir que esta disciplina no ensino básico consiga fornecer aos educandos os elementos necessários para formação de uma visão crítica e transformadora perante esta sociedade tão desigual. Neste sentido, o estágio de regência pode ser compreendido como um processo de experiências e, sobretudo de aprendizado, pois permite por em prática todos os conhecimentos adquiridos ao longo da graduação. Ao adentrarmos em uma sala de aula, o que devemos ter em mente é a ideia de multiplicidade, porque diferentes tipos humanos fazem parte de seu contexto; podemos encontrar divergências raciais, econômicas, culturais e vários aspectos direcionados ao caráter e a personalidade do ser humano. Percebemos então que ensinar história não é, de maneira alguma, a mera transmissão de fatos e acontecimentos do passado de maneira descritiva, com métodos tradicionais e desinteressantes. Podemos compreender então o estágio como um momento necessário para que o ensino de história seja revalorizado e que o professor de história se conscientize de sua responsabilidade social. Segundo Janice Theodoro, o mundo contemporâneo passa por transformações constantes, tornando difícil a sobrevivência das pessoas que resistem à forma diferente de vida. Nesse contexto, cabe ao educador auxiliar os jovens a compreender melhor esse mundo repleto de variáveis. Para a autora em tela, torna-se difícil preparar o homem para esse desafio contemporâneo, um desafio onde nada, nunca, está no mesmo lugar, onde as relações de causa e efeito não fazem sentido porque a mudança cria uma infinidade de variáveis que nos obriga a trabalhar com as ideias de sistema ou de rede. Depois de tanta mudança, o homem pode também se perguntar se essa modernidade de certa forma criou condições para que ele aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro. Para isso, o mesmo precisaria criticar as premissas, precisaria aprender a ver (THEODORO, 2005:50).

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O grande desafio que se apresenta aos educadores é adequar o olhar as exigências do mundo, sem deixar de ser sugados pela onda neoliberal. É preciso mostrar a possibilidade de desenvolvimento da prática de ensino de história adequado ao novo tempo e ao novo aluno, um ensino rico em conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia (PINSKY, 2009:19). De fato, podemos perceber que ao longo dos últimos anos, a educação brasileira passa por um processo de mudanças quanto às percepções sobre o aprender e ensinar história. Neste sentido, torna-se necessário pensar as aulas em um sentido mais atrativo, possibilitando utilizar recursos que auxiliem a transformar as aulas num perfil mais lúdico e diferenciado, devendo existir um diálogo com o alunado no sentido de evidenciar que novas interpretações podem ser feitas a cerca daquilo que se estuda dependendo do enfoque que se tem. Embora o sistema do qual, fazemos parte, não proporcione mecanismo para a formação digna do cidadão através da educação, o professor não deve usar isso como desculpa para seu despreparo. O processo de aprendizagem pode ser beneficiado quando professor e aluno buscam o conhecimento conjunto de suas necessidades, tendo consciência de sua forma de relacionar-se, respeitando as diferenças. Lopes (2008) cita Bruner (1986) e Vygotsky (1978) afirmando que a educação é um processo essencialmente cultural e social, nos quais alunos e professores participam interagindo na construção de um conhecimento conjunto. A visão de Vygotsky e Bruner comunga com a visão de Freire, a qual da ênfase na interação professor e aluno, na construção de um conhecimento comum. A teoria de Freire (1968) chama de educação libertadora, pois o saber parte de uma experiência feita e não narrada ou transmitida. Dessa forma, o educador não é apenas o que educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado também educa, ou seja, a educação é vista como um desenvolvimento de conhecimento conjunto. "Um dos procedimentos básicos de qualquer processo de aprendizagem é o relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo que já sabe." (PCN, 1998; 32). Cada estudante precisa se perceber como um sujeito histórico, estando preparado para ocupar um espaço na sociedade globalizada sob o risco de ser sufocado por ela. Para tanto, eles precisam de cultura que vá além da técnica, ou seja, precisam perceber que a História esta em seu cotidiano. Neste

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sentido, o ensino da Historia deve aproximar o aluno da história, possibilitando que se interesse em interagir com ela. Falando em conhecimento, é importante designarmos o ato de conhecer como uma relação que se estabelece entre a consciência do aluno em saber o que é relevante para a formulação do conhecimento e a predestinação do professor em mediar esse conhecimento. Nesse contexto, a escola também assume um papel importante no processo educacional, uma vez que é nela, ambiente onde circulam questões relativas às formas de construção do saber, reafirmando a ideia defendida por Maria Lucia de Arruda Aranha (1997, p. 132) que, "a escola é por excelência um local que, por bem ou mal, circula o conhecimento".

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Ao pensarmos a ideia de aula expositiva, apesar de muitas vezes bastante criticada no meio acadêmico, tornou-se perceptível a sua importância, desde que seja dialogada, questionada, debatida e acompanhada da utilização de outras fontes e recursos. Neste sentido, é necessário buscar compreender nas aulas que o aluno deve ser o principal participante no desenvolvimento da aula de história, expondo seus conhecimentos prévios acerca dos assuntos trabalhados, opinando e questionando os mesmos, procurando ser o mediador na construção do saber histórico, tendo em vista a formação de cidadãos autônomos. Os métodos e técnicas de ensino servem para "conduzir o estudante a integrar no seu comportamento, conhecimentos, técnicas, habilidades, hábitos e atitudes que hão de enriquecer a sua personalidade" (Gil, 1997; 109). Compreendemos na utilização de músicas e filmes uma importante ferramenta metodológica, pois as mesmas permitem de maneira dinâmica e flexível transformarem-se em documentos históricos ao qual sugerem novas discussões teóricas e metodológicas para o ensino de história. Em relação aos conteúdos ensinados, Luckesi (1994) defende que não se deve atribuir relevante importância na quantidade de conteúdos a serem trabalhados, mas sim na maneira como estes são ministrados, levando em consideração as experiências vividas, onde o diálogo deva prevalecer sempre entre os sujeitos envolvidos, professor-aluno, aluno-professor. Neste sentido, entendemos a importância do ato de planejar, sendo o mesmo uma importante ferramenta para poder organizar e adequar a grande quantidade de conteúdo e as metodologias ao curto período de tempo.

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A avaliação reflexiva torna-se outro importante componente intrínseco aos processos intencionais de mudança, como são os processos de ensino e de aprendizagem. Segundo a concepção de Luckesi (1995), a avaliação da aprendizagem é um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão, enquanto Hoffmann (1996) diz que o julgamento de valores de resultados alcançados marca a relação entre professores e alunos. Contudo, atualmente a avaliação na maioria das escolas, tem o professor como centro, e, muitas vezes é caracterizada pelo autoritarismo e arbitrariedade, onde avaliar é somente classificar, aprovar ou reprovar. Tais equívocos e contradições, que presentes nas práticas da avaliação, têm como responsável a dicotomia entre educação e avaliação que, segundo Hoffmann (1996) faz parte da percepção da ação de educar e avaliar como momentos distintos e não relacionados por parte dos professores. Deste modo, o professor não da à importância necessária a avaliação, e mesmo procurando inovar, o professor "dá" matéria, aplica prova escrita, atribui nota e encerra o ato de avaliar. Nessa perspectiva, Moran (1991) compreende que "educar é procurar chegar ao aluno por caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações), pela multimídia. Partindo de onde o aluno está, e ajudando a ir do concreto para o abstrato, do imediato para o contexto, do vivencial para o intelectual, integrando o sensorial, o emocional e o racional". Desta forma, podemos concluir que com base no procedimento metodológico acima traçado aliada a experiência do cotidiano da regência, é que os conteúdos trabalhados devem está intrínseca a realidade dos alunos, percebendo que o tema e a metodologia se imbricam no sentido de fornecer a esses alunos os requisitos necessários para que os mesmos se posicionem a partir de uma visão crítica. Referências ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo. Editora Moderna, 1997. BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 1998

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BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 2000. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf Acesso em 17/12/2012 FONSECA, Selva Guimarães. Ser professor no Brasil: historia oral de vida. Campinas, SP: Papiros, 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1968b. _____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. Editora P.Z Terra. São Paulo, 1997. _____. Pedagogia do oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1986. GIL, A. C. Metodologia do Ensino Superior. 3 ed, São Paulo: Atlas, 1997. HOFFMANN, Jussara. Avaliação: Mito e Desafio - Uma Perspectiva Construtivista. 18ª Ed. P. Alegre: Mediação, 1996. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez. 1994 (Coleção magistério 2º. Grau. Série formação do professor). _____. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez, 1995. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do futuro. Editora Cortez, 2011. MORAN, José Manuel. Como ver televisão: Leitura crítica dos meios de comunicação. São Paulo: Edições Paulinas, 1991; PINSKY, Carla Bessanezi (org.) Novos Temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009. PINSKY, Jaime. História e a criação do fato. São Paulo, Contexto, 2009. THEODORO, Janice. Educação para um mundo em transformação. In: KARNAL, Leandro (Orgs.) História na sala de aula. Conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

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A LITERATURA DE CORDEL NO ENSINO DA GRÉCIA ANTIGA: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ESCOLAS PÚBLICAS DO PARÁ Geraldo Magella de Menezes Neto

Introdução Musas filhas de Apolo Tragam-me inspiração Para narrar uma guerra De nação contra nação Derramando sobre mim A luz da imaginação. (VIANA, 2006, p. 1) Contá-la com perfeição Nessa hora é o que mais quero Portanto caro leitor Sua atenção eu espero Pra voltarmos à história Conforme narrou Homero. (VIANA, 2006, p. 3) As estrofes acima fazem parte do início da narrativa do folheto de cordel História de Helena e a guerra de Tróia, do poeta Antônio Klévisson Vianna. Vianna narra em forma de versos de cordel a história da Ilíada, cuja autoria é atribuída ao poeta grego Homero, sobre a guerra de Tróia. O folheto de Klévisson Vianna se apresenta como um interessante recurso didático em sala de aula para tratar da temática da mitologia grega. Além disso, a linguagem em forma de versos pode tornar a leitura mais agradável para os alunos. Nesse sentido, o presente trabalho pretende socializar uma experiência da utilização de folhetos de cordel no ensino da Grécia Antiga. O texto será dividido em duas partes: na primeira, destacamos como a literatura de cordel pode ser utilizada como recurso didático nas aulas de História; na segunda parte, relatamos a experiência do uso do folheto História de Helena e a guerra de Tróia, em turmas de 5ª série (6º ano) nas escolas Prof. Remígio Fernandez e Prof. Abel Martins e Silva, do estado do Pará, no distrito de Mosqueiro (Belém).

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A literatura de cordel: recurso didático para o ensino de História

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Em primeiro lugar, o que é a literatura de cordel? O cordel é uma poesia em forma de versos rimados, com temáticas variadas. Márcia Abreu afirma que para adequar-se à „estrutura oficial‟ da literatura de cordel, um texto deve ser escrito “em versos setessilábicos ou em décimas, com estrofes de seis, sete ou dez versos”. Deve seguir um “esquema fixo de rimas e deve apresentar um conteúdo linear e claramente organizado”. Deve, portanto, ter “rima, métrica e oração.” (ABREU, 1999, p. 119). O principal suporte do cordel é o „folheto‟, que é impresso em papel pardo, de má qualidade, medindo de 15 a 17 x 11 cm. Nas capas se estampam o nome do autor, os títulos dos poemas, o nome da tipografia impressora e seu endereço. Algumas vezes, a data de publicação, o preço, a indicação do local de venda (TERRA, 1983, p. 23), além de uma imagem representando o tema da história. Em relação ao número de páginas, Joseph Luyten aponta que o folheto é feito a partir de uma folha tipo sulfite dobrada em quatro. Por isso, o número de páginas da literatura de cordel deve ser múltiplo de oito, já que cada folha sulfite dobrada em quatro dá possibilidade para oito páginas impressas. (LUYTEN, 2005, p. 45). Vários autores destacam que a literatura de cordel pode ser um recurso didático nas aulas de História. Lacerda e Menezes Neto apontam os chamados “folhetos de acontecido”, aqueles que tratam de informar sobre os “últimos acontecimentos” como “a melhor opção para os professores de História”. (LACERDA; MENEZES NETO, 2010, p. 226). Maria Grillo aponta que “inúmeros são os eventos do século XX contidos nos folhetos que relatam o cotidiano da nossa História e nos quais são dadas representações diversas das contidas nos livros didáticos” (GRILLO, 2006, p. 83). Não só eventos do século XX são abordados nos folhetos. A Antiguidade também é abordada pelos poetas, podendo ser também um excelente recurso didático nas aulas de História. No presente relato de experiência, trabalhamos com o folheto de cordel História de Helena e a guerra de Tróia, do poeta cearense Klévisson Viana. O folheto possui 16 páginas, sendo uma releitura da obra Ilíada, de Homero. (MENEZES NETO, 2015). François Lefèvre afirma que, segundo a tradição, Homero é um aedo cego que viveu na Jônia no final do século IX ou no século VIII. A Ilíada, que contém cerca de 15 mil versos, narra a cólera de Aquiles, ocorrida no

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décimo ano da guerra de Tróia. (LEFÈVRE, 2013, p. 93). Segundo Pedro Paulo Funari, “as cidades citadas por Homero, escavadas pela Arqueologia, existiram realmente, mas os detalhes narrados são invenções poéticas.” (FUNARI, 2011, p. 21).

335 Imagem 1: Capa do folheto História de Helena e a guerra de Tróia. Acervo pessoal do autor. O uso do folheto História de Helena e a guerra de Tróia em sala de aula: relato de experiência Nos anos de 2014 e 2015, utilizamos o folheto de cordel História de Helena e a guerra de Tróia em turmas de 5ª série (6º ano) para tratar do tema da mitologia grega. O objetivo principal era fazer com que os alunos conhecessem algumas histórias relacionadas aos deuses e herois gregos chamando a atenção para a importância da mitologia na sociedade grega da Antiguidade. Segundo Richard Buxton, “a religião dos gregos estava tão imbricada na sociedade que a ideia de separar „igreja‟ e „estado, tão fundamental para outras tradições religiosas, seria sem sentido no contexto da Grécia Antiga.” (BUXTON, 2002, p. 425). Pedro Paulo Funari afirma que “aos seus deuses, os gregos também reputavam histórias, aventuras, narrativas fantásticas – os mitos – que eram passadas, oralmente, de geração a geração”. Os gregos acreditavam

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que os mitos eram “relatos que provinham dos antepassados e, por isso mesmo, eram aceitos como acontecimentos de um passado distante.” (FUNARI, 2011, p. 58). Nesse sentido, relacionamos a abordagem da mitologia grega com o que é proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s) de História para o terceiro ciclo, destacando “as relações entre a sociedade, a cultura e a natureza, na História de povos do mundo em diferentes tempos”: mitos de origem do mundo e do homem; a natureza nos mitos, ritos e na religião; religiosidade, deuses zoomorfos, divindades femininas e masculinas e valores sobre a vida e a morte. (BRASIL, 1998, p. 59).

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Cabe ressaltar que os alunos já tinham um conhecimento prévio de alguns personagens da mitologia grega a partir de filmes, desenhos, jogos, a exemplo de: Hércules, Tróia, 300, Percy Jackson. A partir desse conhecimento prévio, fizemos uma abordagem inicial da mitologia grega, destacando suas características, os deuses e herois principais, sua influência na sociedade grega. Nessa atividade inicial, utilizamos duas aulas de 45 minutos. Após essas aulas mais teóricas, passamos a trabalhar com o folheto História de Helena e a guerra de Tróia, de Antônio Klévisson Vianna. A primeira atividade realizada, seguindo a sugestão de Ana Marinho e Helder Pinheiro foi a da leitura oral do folheto, considerada pelos autores como “indispensável”. (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p. 129). Fizemos junto com os alunos a leitura do folheto, alternando as estrofes: na primeira lia as meninas, na seguinte os meninos, na terceira todos liam juntos. Para Marinho e Pinheiro, “diferentes e repetidas leituras em voz alta é que vão tornando o folheto uma experiência para o leitor.” (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p. 129). A leitura oral do folheto foi bastante animada, com os alunos participando da atividade. Quando se deparavam com alguma palavra que não conheciam, fazíamos uma pausa para soletrar e explicar o significado da palavra, e logo em seguida retomávamos a leitura. Segundo Arievaldo Viana Lima, na leitura de um folheto, “o texto deve ser analisado e discutido por toda a classe, para que haja melhor aproveitamento.” (LIMA, 2006, pp. 57-58). Além da mitologia grega, o folheto de Viana possibilita relacionar o passado e o presente, a exemplo das estrofes abaixo: Quanto ao “Cavalo de Pau”

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E sua imagem, então Entrou logo pra história Representando armação Pra tapear o inimigo E ganhar uma questão. (VIANA, 2006, p. 14) Quando você ganha algo Que lhe traz desassossego O nosso povo hoje em dia Dessa expressão faz emprego Quando o presente é ruim Diz: - „É Presente de Grego!‟. (VIANA, 2006, p. 14) Essas estrofes remetem a expressões que são utilizadas hoje no diaa-dia. O “cavalo de pau” seria a ideia de enganar um inimigo. Durante a leitura do folheto, também chamamos a atenção para o termo “cavalo de tróia” relacionado à informática. „Cavalo de tróia‟ são programas maliciosos que executam ações não autorizadas pelo usuário.(http://brazil.kaspersky.com/internet-securitycenter/threats/trojans) O „Cavalo de Troia‟ se passa por um programa ordinário, que abre as portas para que o hacker invada o computador, desencadeando uma serie de ações não autorizadas pelo usuário para excluir dados, bloquear dados, modificar dados, copiar dados e atrapalhar o bom desempenho do computador. (http://www.mundotecnoweb.com.br/tecnologia/350-cavalo-detroia-entenda-o-que-e-o-virus-de-origem-grega-que-ataca-suamaquina.html) Nesse sentido, a atribuição de tal termo tem uma óbvia inspiração na história da Ilíada. Outra expressão bastante comum é “Presente de Grego”, que se refere a um presente ganho que não se gosta. Inspirado no cavalo de madeira dado aos troianos pelos gregos, foi o presente que custou a derrota a Tróia, pois os gregos escondidos no cavalo puderam abrir os portões e atacar a cidade. Alguns alunos já conheciam a expressão, e com isso podemos fazer a relação passado-presente, destacando como a cultura da Grécia Antiga faz parte do cotidiano dos alunos. Após a leitura oral, realizamos um questionário sobre a história do folheto para estimular a interpretação do texto. Perguntas como: Explique os motivos para a guerra entre gregos e troianos; Quem era Helena? Qual a fraqueza de Aquiles? Explique a ideia de Ulisses para terminar a guerra, etc. Tratando-se de alunos de 5ª série, muitos

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com dificuldades de leitura de escrita, não poderíamos elaborar questões muito complexas. Por outro lado, o fato do cordel ser uma linguagem em forma de versos rimados torna o texto mais compreensível para os alunos. Assim, sobre Helena, o cordel aponta que “Não havia em todo o mundo/Beldade mais cobiçada” (VIANA, 2006, p. 2); já em relação a fraqueza de Aquiles, “Se algum opositor/Usasse de sutileza,/Ferindo seu calcanhar/O matava com certeza” (VIANA, 2006, p. 5). Nosso objetivo com o questionário é que os alunos identificassem os principais pontos da narrativa para entendê-la melhor. Podemos dizer que a maioria conseguiu responder as questões de forma correta e entender a narrativa. Para a leitura do folheto e a atividade do questionário utilizamos três aulas.

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A última atividade realizada foi a elaboração de desenhos a partir do folheto. Arievaldo Viana Lima sugere, por exemplo, “pedir a cada aluno que escolha uma estrofe para ilustrar e depois montar uma exposição sequenciada dos desenhos, conforme o texto.” (LIMA, 2006, p. 59). Nesse sentido, solicitamos aos alunos que escolhessem as principais partes do cordel História de Helena e a guerra de Tróia para desenhar.

Imagem 2: Desenho de aluna da 5ª série sobre o folheto História de Helena e a guerra de Tróia. Acervo pessoal do autor.

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Imagem 3: Desenho de aluna da 5ª série sobre o folheto História de Helena e a guerra de Tróia. Acervo pessoal do autor. A maioria dos alunos desenhou o rapto de Helena por Páris, as batalhas entre gregos e troianos, a construção do cavalo de madeira por Ulisses e a derrota de Tróia. Entendemos que o desenho pode ser uma atividade que ajuda a reforçar a compreensão do texto pelos alunos, além de ser um exercício que foge da rotina da escrita nas aulas de História. Nesta atividade final do desenho, utilizamos duas aulas. Considerações finais Este breve relato de experiência busca chamar a atenção para a potencialidade da literatura de cordel enquanto recurso didático nas aulas de História. Além de utilizar uma linguagem em forma de versos rimados, de fácil compreensão aos alunos, o cordel tem o mérito de estimular a leitura. Portanto, mesmo um tema aparentemente distante da realidade dos alunos, como a mitologia grega, pode ser trabalhado de uma maneira mais atrativa para os alunos, visando uma aprendizagem mais efetiva. No total, foram cinco aulas com o recurso da literatura de cordel. Deixamos de lado alguns assuntos? Não demos “todo o conteúdo” de Grécia Antiga? A resposta para essas perguntas é sim, e estamos satisfeitos com isso, pois acreditamos que essas cinco aulas foram mais significativas e atrativas para os alunos do que se simplesmente continuássemos a copiar no quadro a matéria, já que as escolas não dispunham de livro

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didático. O texto fica aqui como objeto de crítica e discussão aos leitores. Referências Folheto de cordel: VIANNA, Antônio Klévisson. História de Helena e a guerra de Tróia. 2 ed. Fortaleza: Tupynanquim Editora, dez. 2006. Sites: http://brazil.kaspersky.com/internet-securitycenter/threats/trojans Acesso em 5 fev. 2016. http://www.mundotecnoweb.com.br/tecnologia/350-cavalo-detroia-entenda-o-que-e-o-virus-de-origem-grega-que-ataca-suamaquina.html Acesso em 5 fev. 2016.

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Bibliografia ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Campinas, SP: Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil, 1999. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história. Brasília: MEC/SEF, 1998. BUXTON, Richard. “Religião e mito”. In: CARTLEDGE, Paul. (org.). História ilustrada da Grécia Antiga. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2011. GRILLO, Maria Ângela de Faria. História em verso e reverso. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2, n. 13, outubro de 2006. LACERDA, Franciane Gama; MENEZES NETO, Geraldo Magella de. Ensino e pesquisa em História: a literatura de cordel na sala de aula. Outros Tempos. vol. 7, n. 10, dez. 2010, pp. 217-236. LEFÈVRE, François. História do mundo grego antigo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013. LIMA, Arievaldo Viana. (org.). Acorda cordel na sala de aula. Fortaleza: Tupynanquim Editora/Queima-Bucha, 2006. LUYTEN, Joseph. O que é literatura de cordel. São Paulo: Brasiliense, 2005. MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Hélder. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012. MENEZES NETO, Geraldo Magella de. Releituras da Ilíada: a Guerra de Tróia em versos de cordel. Philía: Jornal Informativo de História Antiga, Rio de Janeiro, Ano XVI, n. 51, p. 5, jul./ago./set. 2014. TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de lutas: literatura de folhetos do Nordeste (1893-1930). São Paulo: Global Editora, 1983.

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QUADRINHOS COMO FONTE: POSSIBILIDADES DE ENTRE A FOICE E O MARTELO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA Gildson Nascimento Pereira Vieira

Talvez a personagem de histórias em quadrinhos mais icônica de todos os tempos, o Super-Homem é aquela figura que aglutina todo um way of life a que estamos acostumados a conviver a partir dos tempos de globalização. Essa conexão de ideias que nos chega através da indústria cultural e sua comunicação de massa compõem as vivências, as práticas e os costumes a que, enquanto sociedade organizada e pautada por elementos globais, estamos inseridos. Dessa forma, as histórias em quadrinhos, elemento da comunicação de massa, espelham conceitos, eventos, espaços e personagens que revelam nossas inquietudes, enquanto observadores e agentes do espaço social em que vivemos. A mitificação da figura do Super-Homem, assim como de qualquer outro símbolo agregador de conscientes coletivos, oferece pauta para análise do imaginário social de que tanto nos preocupa, sendo assim, a utilização da personagem e dos seus símbolos já nos interessa por um estudo de conceitos em si. Nesse patamar, Umberto Eco, por exemplo, trata de nos alertar sobre a representação crítica da identidade humana do Super-Homem, o tímido jornalista Clark Kent. Embaraçoso e motivo de piada no trabalho, Clark Kent seria a crítica do Super-Homem à raça humana, e aquele que o leitor logo se apoiaria; “através de um óbvio processo de identificação (...)” o leitor “nutre secretamente a esperança de que um dia, das vestes da sua atual personalidade, possa florir um super-homem capaz de resgatar anos de mediocridade” (ECO, 2006, p. 248). Os caminhos são diversos no mundo dos quadrinhos, contudo, o que é proposto neste trabalho é a descrição de uma experiência pautada no encadernado Red Son, 2003 (“Entre a Foice e o Martelo”, em português) que trata da possibilidade do Super-Homem ter crescido na antiga União Soviética e, numa espécie de “determinismo ideológico”, tornando-se defensor da ideologia comunista durante os anos de Guerra Fria. A utilização das histórias em quadrinhos e seus personagens em sala de aula já não é mais tabu nas instâncias do país. Contudo, as precauções para que estas não se tornem apenas instrumento de distração e direcionem os leitores à reafirmação de

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estereótipos, precisam ter a atenção da escola que pretende trabalha-las. Nas aulas de História, esses estereótipos, por exemplo, podem ser discutidos em sala, a fim de criar uma “consciência das possibilidades representadas pelos quadrinhos, bem como dos vícios que predominam na indústria que os veicula” (SRBECK, 2006, p. 24.). O professor Túlio Vilela nos oferece mais possibilidades do uso dos quadrinhos em aulas de História; (1) trabalhar conceito de tempo e suas dimensões: sucessão, dimensão e simultaneidade, (2) ilustrar ou fornecer uma ideia de aspectos da vida social de comunidades do passado, (3) estudar a época em que o quadrinho foi produzido, assim como, o período em que a estória é ambientada, entre outros. Importante salientar que “nem toda história em quadrinhos é necessariamente ficcional. Muitas histórias em quadrinhos tem caráter autobiográfico ou semi-autobiográfico” (VILELA, 2009, p. 116), ou seja, algumas histórias em quadrinhos, como o trabalho de Art Spiegelman, tratam do uso da memória como fonte de seus contos.

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Uma outra discussão, além das sugestões do professor Vilela (2009) é sobre personagens históricos representados em histórias em quadrinhos. Em Entre a Foice e o Martelo (Mark Millar, 2004), por exemplo, a figura histórica de Josef Stálin (1922-1953) está presente e tem como destino morte por envenenamento ainda no primeiro volume do encadernado. Ainda assim, sobre Stálin, a história em quadrinho oferece além de um texto, uma imagem criada da figura do “grande pai” da nação soviética, devotado pelo povo, estadista nato e líder do Partido Comunista soviético. Stálin, importante personalidade histórica do século XX, logo poderá ser observado sobre o ângulo de uma história em quadrinho produzida por um escritor escocês-“americanizado” no século XXI, outro ponto que pode sofrer análise. Idealizada em 2003 pelo escocês Mark Millar (1969-), Red Son não faz parte da cronologia “oficial” do Super-Homem, e sim das séries especiais da personagem. Porém, utiliza a personagem para criar uma vertente da história da Guerra Fria (1945-1991) e, assim, contar uma versão nos quadrinhos para esse evento histórico. É importante salientar que a maioria das histórias em quadrinhos não se utiliza de temas políticos, como este de um conflito mundial como a Guerra Fria, contudo, deve-se fazer valer que as HQs em geral possuem muitas referências políticas que podem não estar tão claras na narrativa factual histórica, mas que partem de seu próprio criador.

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Os temas que são trabalhados em Entre a Foice e o Martelo vão de encontro a uma abordagem mais séria e que necessitam de um entendimento de conceitos históricos para melhor entender o segmento da narrativa que a revista apresenta. Em um dos grandes momentos da série Entre a Foice e o Martelo, por exemplo, vemos a posição do Super-Homem contra a estrutura do Estado para resolver problemas sociais, numa nação; a personagem não acredita que se sentiria capaz de suceder Stálin e comandar uma instituição tal como ela é construída. Porém, é num momento em que encontra uma fila de necessitados que pedem por comida que ele “é constrangido a acreditar que pode suceder Stalin no poder do Estado e resolver os problemas sociais” (MARQUES; ATAÍDES, s/d, p. 06). Fig. 01 (Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 48)

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Talvez o Super-Homem tenha entendido que “o marxismo é um instrumento para mudar o mundo através do conhecimento que,

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como políticos, então usamos. Não é um meio de vencer discussões políticas”. (HOBSBAWN, 1985, p. 124), trazendo-o para a ação no cenário político como líder da nação pós-Stálin. Este momento citado do quadrinho externa o pensamento da burocracia estatal que sempre apresenta a classe trabalhadora como um agente submisso e estático que espera pela vinda do salvador. Contudo, engana-se aquele que acredita que esta é uma visão exclusivamente soviética, em ambos os lados da Guerra Fria, nos EUA ou na URSS, há pessoas que pedem pela ajuda de uma força superior que trouxesse consigo a vitória sobre o outro. Neste trabalho, iremos identificar os temas de alguns trechos do primeiro volume de Entre a Foice e o Martelo que também podem ser utilizados em aulas de História da Guerra Fria para turmas do 9º ano do Ensino Fundamental. Vejamos alguns deles:

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 Os EUA descobrem a existência de um Super-Homem soviético e passam a noticiar o fato através das mídias. SuperHomem deixa de ser sujeito e se torna uma arma de destruição em massa, segundo a ótica dos americanos. Cenário típico do pavor da Guerra Fria que, apesar de ser considerada como um conflito não militar e de concessões dos dois lados, a histeria coletiva da possibilidade de uma guerra nuclear era bem mais visível. (Fig. 2. Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 05).

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 Como uma das características da Guerra Fria, a política de vigilância e consequente espionagem das superpotências envolvidas, causando a histeria pela perda do ambiente privado. (Fig. 3, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 06).

 O poder da propaganda política soviética, que enaltece a nação proletária e sua força poderosa, a partir da sua principal arma: o Super-Homem. No trecho, assim como ao longo dos três volumes da história em quadrinho, existem citações a instituições, pessoas, lugares, etc., que pertencem ao mundo real e que podem ser melhor contextualizados pelo professor no momento em que seus alunos sintam a dificuldade em entendê-los. (Fig. 4.1 e 4.2, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 07).

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 Super-Homem, um “campeão do campesinato” numa nação proletária. Discussão plausível para entendimento sobre de que tipo de comunismo estamos falando. O marxismo se fundamentou no trabalho do operário das grandes industrias e não no mundo camponês a qual o Super-Homem faria parte. (Fig. 5, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 19).

 Quanto à discussão ideológica, o marxismo é uma palavra comum nos discursos sobre a teoria política que vigora em Entre a Foice e o Martelo; há, inclusive, a discussão de que o Super-Homem, na verdade, seja a representação de uma contradição, ao defender o marxismo e ainda sendo bem mais que um homem comum. Criação de modelos para o capitalismo e/ou socialismo, de representação de uma ideia e

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se, de fato, há marxismo na ideia de governo do campesinato, entre outras que podem ser abordadas e debatidas em sala. (Fig. 6, Entre a Foice e o Martelo, vol. 1, página 26).

No campo das histórias em quadrinhos, muitas podem ser as visões sobre determinadas questões a que nos interessam, disto nós já falamos. Contudo, por algum motivo as histórias em quadrinhos ainda possuem uma ausência significativa nos anais das Ciências pelo mundo. Vítimas de uma “visão redutora que o grande público tem da HQ como um todo: um entretenimento colorido, fácil e consensual, que não exige esforço para pensar” (GROENSTEEN, 2004, p. 21), ou de dificuldade no manejo direcionado à educação, as histórias em quadrinhos estão ainda no limbo dos usos em sala de aula, como suporte em várias outras disciplinas. No caso específico de Entre a Foice e o Martelo, a utilização desse quadrinho pode se estender além do tema da guerra improvável, mas não impossível, a Guerra Fria, ou das teorias políticas que traduziram o período; há inúmeras possibilidades encontradas neste conto, da própria utilização de cores, letras e outros símbolos, passando pela competição bélica entre as duas superpotências, a utilização de mapas e da possível existência de um “determinismo ideológico”, onde o lugar que um indivíduo cresce direcionará aquilo que ele defenderá, até a citação a Norman Rockwell (1894-1978), importante ilustrador norte-americano que trabalhava com a visão patriótica estadunidense em suas obras. A certeza é só uma, em Entre a Foice e o Martelo encontramos bem mais que uma história em quadrinhos.

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Referências Bibliográficas

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O ATO DE APREENDER AO ENSINAR: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA Giane Kublitski

A concepção de história deve estar diretamente relacionada com o ensino, bem como o posicionamento do professor dentro e fora de sala de aula. A prática de um professor sempre deve ser avaliada e revista de forma que sempre possa ser aprimorada. O posicionamento frente aos alunos e frente à sociedade como um todo pode dizer muito sobre a sua prática como profissional da educação. Neste sentido é feita a discussão da valorização dos professores relatada pelo o autor Paulo Freire que aponta: De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, revelar a sombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo na rede privada em todo o país, quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve (FREIRE, 1997, p. 9). Dessa forma a crítica da sociedade aos (as) professores (as) não é para contribuir para que os mesmos avaliem sua prática docente, e procurem melhorar em sala de aula, a crítica acontece no sentido de derrubar, demonstrar que as "tias" não podem abandonar seus supostos sobrinhos para lutar pelos seus direitos. Neste sentido discutiremos nesse texto o desenvolvimento da consciência histórica de nossos estudantes. Ao refletirmos nossas experiências podemos chegar a consciência histórica e aprimorara-la de forma a chegar a perceber o mundo de outras maneiras, podendo assim interferir na vida prática. Dessa forma toda pessoa sabe algo ou vivenciou algum tipo de experiência, e dela agregou algo mesmo que essas experiências não tenham sido boas elas trazem para a pessoa uma concepção do que se viveu. Essa experiência é a bagagem histórica que todos os homens e mulheres possuem em menor ou maior escala.

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Paulo Freire discute a consciência crítica assim como o autor Jörn Rüsen, o qual acredita que ela se apresenta da seguinte maneira: O passado oferece a experiência de que necessita para orientar-se no presente e para desenvolver uma sólida perspectiva de futuro. "Essa experiência faz sentido quando pode ser utilizada para a configuração da própria vida" (RÜSEN, 2001, p. 10).

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O sentido que a ciência da história tem em nossa vida prática é a pergunta que sempre ouvimos de nossos (as) alunos (as), e para que serve estudar algo que já passou? A história é vista como a ciência que serve para dar aos seres humanos uma orientação do que foi o passado, e dessa forma pensar o futuro, e mais do que isso ela tem uma didática da qual faz uso para se apresentar aplicável, se utilizando da consciência histórica que cada indivíduo tem para contribuir dessa forma para ser uma ciência que busca desenvolver sujeitos críticos. "A história nos faz compreender o presente, explicando- nos onde for possível, as origens do atual estado das coisas (DROYSEN, 2009, p. 10). Assim Droysen apresenta o sentido que a história tem para a vida prática. Droysen foi uma das inspirações de Jörn Rüsen que é muito usado para se apresentar a questão da história e a sua aplicabilidade. Rüsen (2007, p.10) coloca que a história é o "passado compreendido, presente problematizado e futuro perspectivado" segundo Rüsen quando nos atemos ao passado, compreendemos o que se passa no presente, dessa forma o passado nos mostra que o futuro pode nos reservar. Não entendamos a história então como uma ciência que prevê o futuro a partir do passado, mas com uma ciência que nos dá dimensão do que poderá vir apresentar-se, se analisarmos o que se deu no passado. Rüsen nos apresenta então a consciência histórica que se agrega aos indivíduos pela sua cultura e pela vivência e suas experiências. Com base nessas análises podemos concluir que a escola é um espaço social onde há mais do que estudo. Existe nesse espaço um contexto de aprendizagem que vai além do quadro negro, porém seu papel ainda é educar para tornar os (as) alunos (as) seres sociais e explorar a sua consciência histórica, e torná-la mais ampla e crítica. Neste espaço descrevemos nossa experiência de estágio, e fusão de teoria e prática. Os estágios aconteceram do dia 22/07/2015 ao dia 14/08/2015, no Colégio Estadual Afonso Alves de Camargo Ensino Fundamental e Médio. Trabalhei com uma turma do 8º ano a qual tinha 37 alunos.

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Meu estágio foi supervisionado pela Prof.ª Jussara R. Cordeiro, e teve como tema a Revolução Industrial. O colégio tem boa estrutura, pois foi recentemente reformado. Tem quadra coberta, refeitório, biblioteca, laboratório de informática, porém acredito que uma escola não se faz somente com estrutura física, mas principalmente com a valorização das pessoas que frequentam esse prédio, como professores (as) alunos (as) e funcionários (as). Dessa forma entendo que não adianta estrutura física se os profissionais que lá atuam estão desmotivados e cansados de tanto desrespeito. O desrespeito é uma reação em cadeia, de modo que professores (as) e funcionários (as) cansados afetam de forma direta os estudantes. No meio disso tudo iniciei os meus estágios. Logo nas observações percebi que meu estágio seria mais que uma experiência, seria um desafio, afinal uma turma com 37 alunos (as) adolescentes sempre é um desafio. Por ser uma turma muito grande a dispersão de atenção era inevitável, mas não os culpo, afinal de contas são jovens com toda a sua energia e disposição para gastar. A turma não tinha sérios problemas com a disciplina, com algumas exceções. Foram 12 aulas ministradas e 8 de coparticipação com a turma. As aulas passaram por 3 horários diferentes por consequência da greve. Minhas aulas foram expositivas dialógicas, onde procurei partir sempre do conhecimento prévio dos estudantes para problematizar os questionamentos feitos por eles. Na aula expositiva dialógica o professor toma como ponto de partida a experiência dos alunos relacionada com o assunto em estudo. Os conhecimentos apresentados pelo professor são questionados e redes cobertos pelos alunos a partir do confronto com a realidade conhecida. Ao contrário do que ocorre na aula expositiva tradicional, a aula expositiva dialógica valoriza a vivência dos alunos, seu conhecimento do concreto, e busca relacionar esses conhecimentos prévios com o assunto a ser estudado. O fundamento dessa nova dimensão da técnica é que somente partindo-se do concreto é possível chegar a uma compreensão rigorosa da realidade. (FREIRE E SHOR apud LOPES, 1991, p. 43.) Diversos foram os fatores que dificultaram o acesso à turma que eu lecionei. Vou aqui citar dois pontos. Muitos estudantes em uma mesma sala facilitava que se dispersassem com frequência. Enquanto dois queriam prestar atenção os demais estavam fazendo qualquer outra coisa que não fosse estudar. Havia ali alunos com

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uma capacidade enorme, também alunos muito dedicados, porém uma turma tão grande uniu alguns estudantes que precisavam de uma atenção especial e com a falta de atenção que recebiam, as suas capacidades ficavam de lado e esquecidas. Eu não conhecia os alunos, nem suas vidas pessoais, mas ao propor uma tarefa pude perceber a dificuldade que cada um passava. A atividade era analisar uma tirinha e responder algumas questões (quanto tempo você gasta para chegar a escola? que programas de televisão você assiste? que horas acorda?). Quando li as respostas entendi que a vida de alguns já era bastante difícil e a escola era somente mais um lugar que deviam estar. A questão que eu quero levantar aqui é até que ponto a indisciplina dos nossos estudantes pode ser assim considerada. Segundo o texto de Julio R. Groppa Aquino,

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Decorrer disto que, apesar de o manejo disciplinar ter sempre estado em foco de um modo ou outro nas preocupações dos educadores, o que teria acontecido com as práticas escolares a ponto de a indisciplina ter se tornado um obstáculo pedagógico propriamente? Nossos antecessores talvez nunca tenham cogitado isto, uma vez que as prescrições disciplinares eram consideradas uma decorrência inequívoca do exercício docente . Ora, o mundo mudou, nossos alunos mudaram. Mudou a escola? Mudamos nós? Estas tantas questões nos levam, enfim, a considerar a indisciplina como sintoma de outra ordem que não a estritamente escolar, mas que surte no interior da relação educativa. Ou seja, ela não existiria como algo em si, um vento pedagógico particular, e no caso, antinatural ou desviante do trabalho escolar. (AQUINO, 1996. p. 41). Essa falta de interesse por parte dos estudantes pode ocorrer por diversos fatores, esse é um problema recorrente de nossas escolas nos dias atuais, muitas vezes os (as) alunos (a) que precisam de mais atenção e que tem algum tipo de dificuldades de aprendizado, são tratados por diversas vezes como alunos (as) indisciplinados, porém o que não se percebe é que é preciso uma nova forma de avaliar essa indisciplina, para que ela não prejudique o (a) aluno (a) na hora do aprendizado. Também é preciso perceber que nossos (as) alunos (as) tem acesso a um mundo diferente dos murros da escola e é preciso levar esse mundo em consideração na hora de ensinar.

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Segundo Rüsen, (2007) o desenvolvimento da consciência histórica se dá quando partimos do que sabemos para que então essas experiências nos levem a aprimorar nossa consciência histórica e crítica. Mesmo sabendo de tudo isso em diversos momentos deixei que meu lado mais autoritário falasse mais alto. Tudo isso no fim serviu para que eu reavaliasse minha prática como profissional da educação, se defendo que não posso ser uma "tia" da educação, também não posso exigir dos meus (minhas) alunos (as) que eles (as) também fiquem inertes aos problemas que estão a sua volta, sejam esses problemas de cunho familiar, social ou mesmo da escola e do sistema que os (as) envolve. Diante de todos os percalços apresentados no relato de experiência, temia muito pelos resultados que iria obter do estágio. Reconheço falta de tato, mas entendo que o estágio serve realmente para que se possa rever e compreender nossa postura como professor (a) e dessa forma aprimorar minha atuação. A maior dificuldade que senti como professora foi de me aproximar dos estudantes, pois durante todo meu estágio a antipatia da turma com relação ao tema e também a mim era visível, talvez por isso as aulas não fluíram como eu esperava que fosse acontecer nas três primeiras aulas não consegui atrair o interesse deles para o tema. Nem mesmo os filmes que eu passei chamaram atenção deles. Porém, algo ainda mais complicado é avaliar essa é uma tarefa extremamente difícil, e que requer muito profissionalismo, sensibilidade e cuidado do (da) professor (a) para não cometer erros que podem mudar a trajetória dos estudantes. Avaliar segundo as Diretrizes Curriculares do Paraná é compreender que "avaliação não é o ato final de um aprendizado uma atividade avaliativa representa, tão somente, um determinado momento e não todo o processo de ensino - aprendizado." (PARANÁ, 2008, p 32). E diante das atividades percebi o verdadeiro do desenvolvimento da consciência histórica e do papel do (a) professor (a). A resposta me fez perceber que o desenvolvimento da consciência histórica que relatamos acontece a partir de elementos diferentes. A sensibilidade de fazer com que os (as) nossos (as) coloquem no papel suas próprias experiências e que não decorem termos e conceitos e repitam tudo rigorosamente, é a maior dificuldade de educador, tirar dos (as) alunos (as) o melhor deles sem deixar de lado suas vivências e memórias fazê-los refletir, criticar e argumentar é algo muito complicado e ao mesmo tempo prazeroso. Diante dessas considerações pude perceber que o professor deve sempre reavaliar sua prática. Essa avaliação deve ocorrer de turma para turma, porque trabalhamos com pessoas que pensam e agem diferente das nossas vontades. Avaliar minha prática dentro da sala de aula me fez

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perceber e me questionar que tipo de consciência histórica estou pretendendo desenvolver nos (as) meus (minhas) alunos (as). E dessa forma não posso exigir que eles escrevam em uma avaliação que contém perguntas voltadas mais para teorias sendo diferente do que eles (elas) realmente pensam ser um processo de Revolução. Referências

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AQUINO, Julio Groppa (org). Indisciplina na Escola: Alternativas teorias e práticas. São Paulo. Summus, 1996. DROYSEN, Johann Gustav. Manual de Teoria da história. Petrópolis: Vozes, 2003. FREIRE, Paulo, Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d‟água, 1997. LOPES, Osima Antônia. Aula expositiva: Superando o tradicional: In: ALENCASTRO, Passos Veiga Ilma (org). Técnicas de ensino: Por que não? Campinas - SP: Papirus, 1991. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A cultura como referência para investigação sobre consciência Histórica. IN: BARCA, Isabel (org.) Educação e consciência histórica na era da globalização. Braga: Instituto da Educação, Universidade do Minho, 2011. RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Tradução de Asta-Rose Alcaide; revisão técnica de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2007.

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EXERCÍCIO DOCENTE EM FOCO: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA Giovana Maria Carvalho Martins

As discussões acerca do Ensino de História são muito variadas e congregam muitos aspectos distintos tanto da prática docente quanto da aprendizagem dos alunos. Além disto, é sabido que o Ensino de História na atualidade requer a presença de diversos aspectos que interferem e complementam o ensino em sala de aula. Hoje, muitos pesquisadores trabalham com a perspectiva da existência de uma cognição histórica, de maneira que não se pode trabalhar História com os alunos da mesma maneira que se trabalha outras disciplinas, e é necessário pensar as aulas para que se possa desenvolver uma aprendizagem efetiva de História, e não apenas a famosa “decoreba” que estava (e ainda está) presente na metodologia de muitos professores. Assim, é importante pensar os aspectos que interferem e complementam o ensino em sala de aula, seja o próprio cotidiano da sala de aula, seja a psicologia da criança e do adolescente (pois trabalhamos, em sala de aula, com alunos nestas faixas etárias), seja aspectos relacionados ao próprio ensino e à pesquisa em História. Sobre a “decoreba” no ensino de História e o papel do aluno no ensino, Dias (2007) afirma que, até os anos 1950, o que predominava era um “modelo tradicional de Ensino”, no qual predominam os conteúdos que, segundo uma concepção positivista a ele subjacente, são um saber feito, objectivo e ordenado cronologicamente deste a préhistória até à actualidade, ou seja um saber com carácter enciclopédico que pretende transmitir uma visão “completa” mas superficial da História.[...]. O aluno só tem que armazenar e reproduzir esse conteúdo numa prova escrita ou oral. Todo o processo é orientado de fora para dentro, tendo o aluno como um ente passivo e reprodutor do saber histórico, transmitido magistralmente pelo professor a partir do manual [...] (DIAS, 2007, p. 88). Porém, a autora afirma que tal modelo parece ser muito utilizado ainda hoje nas escolas, o que contribui para uma visão por vezes

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deturpada do valor da disciplina de História, seja pelos alunos ou pela sociedade em geral (cf. DIAS, 2007, p. 88). Schmidt e Cainelli (2004) também concordam com esta questão, comentando que, ainda hoje, há a predominância “[...] de uma metodologia do ensino da História baseada na repetição enfadonha dos conteúdos pelos alunos” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 30). Desta maneira, não podemos pensar o aluno como mera tábula rasa que apenas recebe o conteúdo ensinado pacificamente, já que todos trazem conhecimentos e pré-conceitos aprendidos seja na própria escola, seja em seu ambiente familiar, seja na cultura histórica que os cerca, que não deve ser ignorado e que deve, portanto, ser levado em consideração para que os saberes não sejam negligenciados e para que os possíveis preconceitos possam ser desconstruídos.

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O aluno é, então, visto como um agente ativo, “[...] capaz de criar o seu próprio significado do que aprendeu e de impulsionar a evolução das suas estruturas em resultado da experiência e das competências que vai adquirindo [...]” (DIAS, 2007, p.89), atribuindo um significado próprio aos estímulos vindos do exterior. O ensino de História deve pressupor, fundamentalmente, tomar a experiência do aluno como ponto de partida para o trabalho com os conteúdos, pois o aluno deve se identificar como sujeito da história e da produção do conhecimento histórico. Assim, a História ensinada deve levar em conta a multiplicidade e a multilinearidade históricas, bem como a concepção, que hoje é aceita pelas diferentes correntes historiográficas, de que a História não é mais feita pelos heróis ou personagens importantes, e sim que ela é construída no cotidiano de todos os homens (cf. SCHIMIDT; CAINELLI, 2004, p. 50). Sobre o público-alvo das aulas de História, tratam-se, sobretudo, de pré-adolescentes e adolescentes, que terão aulas de História até o final do Ensino Médio (que é o fim do ciclo escolar no Brasil). Desta maneira, é importante considerar algumas questões ligadas à psicologia da criança e do adolescente. O autor Matheus (2002) aborda sobre a passagem do mundo infantil para o adulto e seus desafios, questões que estão presentes em sala de aula visto que os jovens em idade escolar estão vivenciando esta etapa da vida. O autor cita Ruffino ao dizer que a juventude é um fenômeno socialmente construído, e a passagem pela adolescência em sociedades mais tradicionais e comunitárias seria menos conflituosa por causa de três fatores: primeiro, “as exigências sociais para ir se tornando adulto não eram tão distantes do cotidiano da criança” (MATHEUS, 2002, p. 84); segundo, uma relativa proximidade entre o indivíduo e seus familiares e a comunidade era mais constante por

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conta das experiências vividas no cotidiano, isso minimizava o impacto da puberdade; “terceiro e mais importante, havia rituais de passagem que, devido ao valor que lhes era atribuído, ofereciam referenciais compartilhados pela coletividade, que operavam como organizadores do processo” (MATHEUS, 2002, p.85). Assim, o autor considera que a passagem da juventude na sociedade ocidental atual é complexa e muitas vezes, conflituosa, e o professor do ensino básico deve ter em conta que este é seu público-alvo, e que muitos dos conflitos em sala de aula advêm do fato de os adolescentes estarem em fase de transição, de conflitos internos e externos. Isto não justifica, é claro, determinadas atitudes extremas, mas explica muitas vezes a introversão ou “rebeldia” que alguns alunos podem manifestar, de maneira que o professor deve levar em consideração estes fatores (além de diversos outros) na hora de preparar e ministrar suas aulas. Hoje, há um movimento grande de professores e pesquisadores que buscam modificar a concepção do ensino de História tradicional, e “[...] o que se procura é uma prática docente distanciada o mais possível da imagem do „professor-enciclopédia‟, detentor do saber, buscando a construção de uma „professor-consultor‟, que contribui para a construção do conhecimento [...]” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 30). Desta maneira, ensinar História passa a ser, então, dar condições ao aluno para poder participar do processo de fazer o conhecimento histórico, de construí-lo. O aluno deve entender que o conhecimento histórico não é adquirido como um dom [...]. O aluno que declara “eu não sirvo para aprender História” evidencia a interiorização de preconceitos e incapacidades não resolvidas (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, pp. 30-31). Outro aspecto a ser considerado, e que se relaciona não só com o ensino de História, mas também com o ensino de maneira geral, é o cotidiano da sala de aula. O autor Rodrigues (2002) defende que “a sala de aula, como espaço social, representa um campo plural e permanente de construção de saberes a partir de interações e representações que constituem as estruturas de produção de saberes” (RODRIGUES, 2002, p. 1). Isto acontece pois, apesar de o cotidiano escolar sofrer, de certa forma, limitações das normas institucionais e sociais, alguns eventos que ali acorrem demonstram a existência de uma independência relativa em relação a tais conformações, de modo que tais eventos assumem um sentido

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particular. Refletir sobre as práticas pedagógicas do cotidiano escolar é procurar compreender dimensões e sentidos muito particulares das ações que acontecem no contexto genérico tanto social quanto educacional, e como tais práticas se articulam com a realidade mais ampla (cf. RODRIGUES, 2002, p. 2). Deve-se levar em conta que o cotidiano tem como principal característica a espontaneidade – alguns aspectos podem sim ser planejados, mas “[...] características geográficas, a história dos sujeitos e a posição que ocupam na hierarquia social do lugar onde se situa a escola, têm reflexos nas condições sócioeconômicas, modos de ser, nas percepções sobre escola, trabalho e vida de professores leigos e alunos [...]” (RODRIGUES, 2002, p. 2), e tem também reflexos na maneira com que as atividades são desenvolvidas e com que os sujeitos interagem em sala de aula.

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As autoras Schmidt e Cainelli (2004) também trazem apontamentos sobre a questão da sala de aula, colocando que ela não é apenas o espaço onde se transmitem informações, sendo, sobretudo, “[...] o espaço onde se estabelece uma relação em que interlocutores constroem significações e sentidos” (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 31), carregada de tensões, e onde se estabelece uma relação em que os interlocutores constroem significações e sentidos – e a aula de História em si [...] é o espaço em que um embate é travado diante do próprio saber: de um lado, a necessidade de o professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção do conhecimento histórico [...]; de outro, a opção de se tornar tão somente eco do que já foi dito pelos alunos (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 31). O autor Paim (2006) reflete sobre a realidade encontrada por jovens professores em sua transição de estudantes para jovens profissionais do ensino. Ele considera que o período de transição é um “choque de realidade”, tido como um tempo de tensões e de muita aprendizagem em contextos geralmente desconhecidos, em que os professores principiantes urgem adquirir conhecimentos profissionais (além de necessitarem manter um equilíbrio pessoal). É um período marcado pela conhecida fórmula da tentativa e erro, pela “lógica da sobrevivência” (cf. PAIM, 2006, p. 129), visto que, mesmo que os estudantes entrem em contato com a realidade escolar durante os anos da faculdade, esta é diferente e mais intensa quando os “professores em formação” se tornam, efetivamente, professores, e passam a ter uma turma que é agora sua, e não mais

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estão sob a supervisão de outro professor, como acontece nos estágios. Paim menciona Guarnieri e afirma ainda que a própria sala de aula fornece pistas para que o professor articule os conhecimentos provenientes de sua formação e aqueles advindos da própria prática e do contexto escolar, de maneira que “[...] a relação entre formação e prática dificulta a identificação de quais os acontecimentos pertencem à formação e quais conhecimentos são provenientes da prática” (GUARNIERI apud PAIM, 2006, p. 130). Moreira e Candau (2003) também abordam sobre as dificuldades encontradas por professores em sala de aula, especialmente em relação a dois aspectos: “[...] tanto de tornar a cultura um eixo central do processo curricular, como de conferir uma orientação multicultural às suas práticas” (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.156), de maneira que é frequente deparar-se, no exercício docente, com dúvidas ligadas à forma de ensinar o conteúdo do livro didático aos alunos, ou como lidar com as grandes diferenças que encontramos em sala de aula, ou mesmo como relacionar o que se aprende na escola, de forma efetiva, com a experiência de vida dos estudantes. Os autores defendem que as salas de aula, no mundo globalizado de hoje, são “invadidas” por diferentes grupos sociais e culturais que antes eram ausentes nestes espaços, de maneira que tais questões não dão conta do inevitável caráter multicultural das sociedades contemporâneas, e também não respondem às demandas e contradições geradas a partir dos processos de globalização econômica e mundialização da cultura (cf. MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 156). É necessário levar em conta que a problemática das relações entre escola e cultura é inerente a todo processo educativo. Não há educação que não esteja imersa na cultura da humanidade e, particularmente, do momento histórico em que se situa. A reflexão sobre esta temática é co-extensiva ao próprio desenvolvimento do pensamento pedagógico. Não se pode conceber uma experiência pedagógica “desculturizada”, em que a referência cultural não esteja presente. (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 159). Acreditamos que esta é uma reflexão significativa para o trabalho tanto do historiador quanto do professor-historiador para que o ensino não seja colocado como “inferior” à pesquisa, para que não seja negligenciado. O professor também é um pesquisador, e há a necessidade inerente ao trabalho histórico de comunicar aquilo que foi pesquisado, de maneira que mesmo os pesquisadores que estão

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distantes das salas de aula necessitam da função didática da História para divulgar suas pesquisas. Em suma, há muitos aspectos que influem e confluem para o ensino de História e o exercício docente. O objetivo deste trabalho foi realizar uma reflexão sobre alguns dos aspectos que consideramos mais relevantes, tendo em mente que o trabalho do professor é essencialmente ligado às pessoas, de maneira que suas histórias particulares e concepções são levadas à sala de aula, e devem ser consideradas para que a aula de História (e de todas as outras disciplinas) não sejam “chatas”, ou mesmo ligadas apenas à memorização. Outro ponto a ser destacado é a necessidade de valorizar o ensino-aprendizagem, e não somente a pesquisa, pois um está ligado ao outro e se complementam. Referências

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BARCA, Isabel. Concepções de adolescentes sobre múltiplas explicações em História. In: BARCA, Isabel. Perspectivas em Educação Histórica. Braga: Universidade do Minho, 2001, p. 2943 DIAS, Paula (2007). As explicações de alunos sobre o Conflito Israelo-Árabe: um estudo no 3º ciclo do Ensino Básico. Currículo Sem Fronteiras, v. 7, n. 1, pp. 86-114, jan/jun 2007. Disponível em: . GAGO, Marília. Educação e cognição em História. In: GAGO, Marília. Pluralidade de olhares: Construtivismo e Multiperspectiva no processo de aprendizagem. Moçambique, EPM/CELP, 2012, p. 60-86. GOLDMAN, Luciana. Resenha de MATHEUS, Tiago C. Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. In: INTERAÇÕES, vol. VII, nº 13, p. 129-131, JAN-JUN 2002. LEE, Peter. Por que aprender História? Educar em Revista, Curitiba, n. 42, p. 19-42, out./dez. 2011. Editora UFPR. MATHEUS, Tiago C. Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. São Paulo: Annablume/ FAPESP, 2002. 199 p. MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Rev. Bras. Educ. [online]. 2003, n.23, pp. 156-168.

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PAIM, Elison Antonio. Chegando à escola: um momento de fazer-se professor. Revista do Centro de Educação e Letras, Unioeste, Foz do Iguaçu, v. 8, nº9, pp.125-139, 2006. RODRIGUES, José Ribamar Tôrres. A sala de aula e o processo de construção do conhecimento. Trabalho apresentado no II Encontro de Pesquisa da UFPI. 2002. Disponível em: . SCHMIDT, Maria Auxiliadora, e CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.

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CIÊNCIAS HUMANAS E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE CONCEITOS, PRÁTICAS ESCOLARES E PARADIGMAS SOCIAIS Graziella Fernanda Santos Queiroz Manoel Caetano do Nascimento Júnior

Introdução O ensino de História vem sendo com frequência repensado. Ideais consolidados por concepções iluministas bem como o enquadramento da disciplina no campo da ciência, limitou seus atores e acontecimentos. A História não pode ser baseada em generalizações e classificações de resultados, consequentemente seu ensino não deve se enquadrar em uma narrativa linear de fatos seletos e episódios simbólicos. Pensar nisso é questionar a dinâmica social da contemporaneidade.

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Pensamentos ligados a uma maneira tecnicista e positivista de encarar o mundo precisam ser revistos através de debates e análises dos meios. Problematizar o papel da escola, a atividade docente, e suspender visões que restringem a participação do aluno o tornando, agora, ativo e central no processo pedagógico é um trabalho que exige sensibilidade e intelectualidade. O presente trabalho discute as indagações supracitadas apoiando-se principalmente nas análises da Teoria Crítica e História Cultural. Onde tudo é ciência: uma breve análise do iluminismo e das ciências humanas O surgimento do iluminismo ou ilustração, no fim do século XVII e início do século XVIII traz à modernidade a exaltação da razão como único caminho para alcançar o conhecimento bem como a liberdade e autonomia. O estímulo ao questionamento, à investigação e à experimentação servia como forma para compreender a sociedade, política, natureza e o Homem. Dessa maneira, a individualidade, a autonomia e a universalidade se tornam frutos diretos da razão. Não se pode negar os avanços intelectuais consagrados por essa linha de pensamento, como por exemplo, a separação com o conservadorismo dogmático compenetrado anteriormente em todos os aspectos da sociedade estabelecido pela igreja católica.

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Entretanto, a mesma ideia racional consagrada pelo iluminismo foi usada como instrumento de dominação em direção às classes inferiores. A exploração das Américas, a sobreposição de “raças” e povos em detrimento de outros, as duas Grandes Guerras Mundiais, tendo como exemplo, transformaram vivências sociais em verdades absolutas comprovadas pela ciência justificando as barbáries cometidas pelos europeus. É fundamental então estar atento sobre esse discurso da razão ocidental e perceber que ele atingiu diferentes campos sociais e do saber. Nesse sentido, tratar de ciências humanas é reconhecer o privilégio dado às disciplinas exatas, como matemática, física e química e verificar a transformação das disciplinas humanistas em tendências cientificistas. Percebe-se, pois, que apesar de o campo científico da natureza ter conquistado glórias na vida humana devido a descobertas como a penicilina e a fermentação esse progresso pormenoriza as relações humanas no que tange aos seus variados sentidos e representações quando as força tendenciosamente para o campo das leis universais. Logo, se tem o propósito de aqui esgrimir o momento no qual essa razão posta em prática nas escolas no ensino de História ao invés de ajudar humanos a se tornarem críticos, se tornam subservientes e/ou apáticos. O ensino de História no campo das Ciências Humanas Eis então uma consideração importante: o ensino de História está intrinsecamente tomado de relações de poder e se molda de acordo com os pensamentos da sociedade da época. A História do ensino de História no Brasil se cruza com a própria cultura escolarizada no país. O autodidatismo foi presente ao longo de nossa vivência como país dito colonizado. A questão do letramento, dos conhecimentos matemáticos e de instruções voltadas para moral dogmática herdada dos jesuítas foram presentes ao longo da nossa trajetória nas classes mais favorecidas (FARIA FILHO,2015). Desde sua entrada nos currículos oficiais brasileiros que vai de 1838 até 1950, segundo Laville(1999), estudar História nas escolas não era nada mais do que uma forma de educação cívica.

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Seu principal objetivo era confirmar a nação no estado em que se encontrava no momento, legitimar sua ordem social e política e ao mesmo tempo seus dirigentes e inculcar nos membros da nação vistos, então, mais como súditos do que como cidadãos participantes o orgulho de a ela pertencerem, respeito por ela e dedicação para servi-la (LAVILLE,1999, p.126). Só então entre meados de 1970 e 80 através das influências de acontecimentos mundiais, dos estudos marxistas e também do campo das ciências humanas, diferentes intelectuais repensam a ordem mundial e as consequentes problemáticas nos currículos escolares das áreas humanísticas.

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Segundo pensadores da Teoria Crítica, a História, nesse sentido, vista como construção de relações que envolvem múltiplas dimensões humanas e expressa caráter descontínuo entre indivíduos e classes é capaz de dá luz à compreensão de fenômenos sociais, logo não pode ela ser relacionada à exatidão e àquela racionalidade que ao invés de emancipatória se torna instrumentalizada e de certa forma alienada (HORKHEIMER,1991). No espaço histórico, diferentes tendências historiográficas auxiliam no processo de debate em torno de novas maneiras de ensinar História. A escola dos Annales que tem como grande destaque a interdisciplinaridade e apoio nas diferentes ciências da humanidade para ampliar as discussões e possibilidades do estudo histórico, merece grande destaque, entretanto, parece ter sido superada pela Nova História e mais recentemente pela História Cultural. A nova história diferentemente dos que propuseram a História total dos acontecimentos, propõe a quebra da história estrutural e junto a ela os paradigmas reforçados na História Tradicional. Novos objetos, novos problemas e novas abordagens, como ressalta (BURKE, 1992, p.9). A história nova pode ser definida por tudo que ela não é se relacionada à tradicional. Uma história que fale de diferentes atores mostrando as diferentes perspectivas de um mesmo acontecimento, que use diferentes tipos de documentos, como imagens e fontes orais e considere a cultura como elemento fundamental das sociedades humanas são uma das características relevantes desse domínio.

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Mas a grande questão é: por que será que apesar de tantas propostas sobre o que é importante ensinar e aprender em História, se permanece nesta o caráter enciclopédico e/ou cívico herdado do positivismo? Uma proposta relevante: trabalhar com contextos, identidades e memórias Um dos grandes problemas ressaltados por diferentes alunos durante nossa vivência tanto como discentes como educadores é a alegação de que a História trabalha com “coisas” distantes demais da realidade deles ou “velhas”. Fica perceptível ai que há ausência de ação didática necessária que explicite as ligações entre coisas que parecem desconectas e sem contexto para os estudantes. Mas então em que se basearia uma ação didática eficaz? Pensamos que a abordagem histórica precisa se voltar tendenciosamente para os pressupostos da História Cultural, onde se considera que as sociedades constroem sujeitos conscientes de seu tempo e representam a realidade de acordo com os signos culturais por eles herdados através de suas experiências e memórias. O mesmo acontecimento histórico pode ser revisitado várias vezes e ainda assim ele não estará acabado. Multiplicam-se ainda mais os objetos, as fontes e o campo temático, como salienta (ROIZ,2008, p.184). Trazer para sala de aula entrevistas orais com os familiares mais velhos e tentar fazer uma relação entre a vivência de seus parentes e o conteúdo presente nos livros didáticos para que os alunos possam se identificar como parte de um todo; propor uma visita ao centro da cidade onde a escola está localizada e tentar fazer com que os próprios alunos contem a história dela; mostrar para os alunos que as músicas de rap ouvidas por eles podem ser comparadas com canções consagradas de artistas da MPB, no ponto em que se comunicam com a sociedade sobre os problemas que a circundam num determinado momento, são propostas atuais e contribuem para identidade, aproximação e criticidade do alunado. Não são necessários grandes shows pedagógicos para que se aguce a curiosidade ou questionamento do discente. Fundamental é que as provocações sejam intencionais, afetivas e contextualizadas com objetivos capazes de fazer o aluno olhar o mundo e perceber que a história é ele, o que passou, e o que está ao seu entorno agora.

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Se como educador queremos compreender a História dos alunos que vivem nos morros e favelas, nos subúrbios ou no sertão temos que considerar a dinâmica social, política e cultural do lugar e das pessoas. É evidente que percebemos que os debates em torno das ciências humanas transpondo aqui no ensino de História terminam permanentemente ressaltando problemas dos quais já conhecemos. O conteudismo da memorização e dos ídolos, os parâmetros curriculares que apontam o que deve ou não ser ensinado; projetos de lei, como o nº 1/2015, de autoria da deputada distrital Sandra Faraj denominado “Escola sem Partido”, no Distrito Federal, que proíbe a doutrinação política nas salas de aula; a diretoria da escola que exige que o professor não se posicione; o professor que em meio a tantas metodologias atuais permanece na aula expositiva não dialogada ou usa o livro didático como bíblia; os alunos que não querem prestar atenção; a pouca carga horária de História, o ENEM, o número esmagador dos discentes que querem ser engenheiros em relação aos que querem ser filósofos, historiadores ou sociólogos.

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O problema do ensino é proveniente do modelo contemporâneo social que traz consigo uma carga do que se tornou primordial e do que é válido ser colocado em segundo plano. Ser professor de História ou educador que pense em emancipar mentes é se questionar sobre o que é importante na vida e o que faz dele ter escolhido a profissão, como também reconhecer que apesar das adversidades citadas muito já se modificou. Se o ensino de História incomoda tanto, é por que ele fala e faz com que pessoas possam enxergar ao redor com seus próprios olhos. Mentes autônomas mudam o mundo. Conclusão Somos ensinados que milhares de pessoas morreram em grandes guerras, sabemos a data, o lugar do acontecido. Mas será que nos questionamos quem eram essas pessoas, qual o sentimento delas ao deixar seus familiares, se realmente elas queriam estar ali. Não mais nos chocam o ódio e a violência contanto que eles não nos atinjam. A razão que ensina a organizar esse texto é a mesma que dita conceitos e verdades a serem seguidas na proclamação de que “somos todos potencialmente iguais” para que assim ela, a soberana, atinja seus fins.

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A perda da sensibilidade nos torna seres humanos angustiados, e pior. Por vezes essa angústia é tão naturalizada a ponto de não levantarmos questionamentos do tipo o que nos move, se o consumo é mesmo a melhor maneira de satisfação, se o que a televisão diz é a versão mais próxima do acontecido, se estamos felizes por passar horas no trânsito em direção a um emprego que não gostamos. Questionamentos como estes nos levam a pensar na dinâmica que a sociedade se deixou impregnar. O progresso que nos distancia de nós mesmos, que nos torna rivais do outro, e que nos cega. Por fim, alegamos que paradigmas se quebram quando um grande número de pessoas nota e se conflita. Levar assuntos como este para sala de aula, para roda de amigos, para debates universitários, aliados ao que o saber histórico pode proporcionar é uma forma de tentarmos quebrar paradigmas e tratar humanos como humanos. Referências BURKE,P. Abertura: “a Nova História, seu passado e seu futuro”. In: A Escrita da História – Novas Perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. pp. 7-37. FARIA FILHO, L. M. Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: reflexões de alguns pressupostos e desafios. Belo Horizonte: Fae/UFMG,2005. HORKHEIMER, M. Teoria tradicional e teoria crítica. In: Textos escolhidos: Max Horkheimer, Theodor W Adorno. Tradução Zelijko Loparié (et. al.). 5. ed. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991. LAVILLE, Christian. Guerra de narrativas: debates e ilusões em torno do ensino da História. São Paulo: Revista Brasileira de História, v. 19, n. 38, 1999, pp. 125-138 NADAI, Elza. O ensino de História: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, v. 13, n. 25/26, São Paulo, 1993. ROIZ, Diogo da Silva. A Nova História Cultural. Questões e debates. In: Pensamento Plural. Pelotas: Jan/Jun. 2008, p. 181-186

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ESCOLA DO ROCK OU ROCK NA ESCOLA: QUATRO ACORDES SOBRE ROCK E ENSINO DE HISTÓRIA Gustavo Silva de Moura

Primeiro acorde: introdução A história vem se moldando durante as últimas décadas no Brasil, na área da pesquisa, assim como, na área do ensino em todos os níveis, estreitando as relações e mostrando a inevitável junção entre essas duas categorias, tendo a figura do professor-pesquisador em ascensão nas discussões atuais. Portanto temos como exemplo dessa junção programas de pós-graduação que tem como publico professores das redes publicas de ensino, no caso da História temos o ProfHistória.

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Esses programas de incentivo a formação continuado faz com que os professores troquem experiências e reflitam sobre suas metodologias, construindo e trocando conhecimento sobre à área Ensino de História, sendo uma forma de levar novamente os professores há uma discussão de suas práticas e metodologias na sala de aula e no âmbito escolar. Paulo Freire nos chama atenção para o seguinte ponto: "a reflexão critica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática" (FREIRE, 2006. p. 22), nisso vemos a importância da reflexão sobre as práticas de ensino na disciplina História. Essas transformações fizeram com que fossem colocadas nas mãos dos historiadores novas ferramentas, para o manejo de novas fontes, onde a escola é um espaço de disputas, seja ela política, intelectual ou das fontes históricas. (SILVA; FONSECA, 2010, p. 31). Nisso temos uma aproximação maior com a realidade dos indivíduos que agora conseguem enxergar a história com nitidez no seu cotidiano. Temas como música, literatura, artes plásticas, dentre outros, se ampliaram em suas analises nas ciências humanas. Pegamos como exemplo para fundamentar nossa reflexão neste trabalho as comunicações e conferencias apresentadas no I Simpósio Eletrônico de Ensino de História, estando elas publicas em forma de livros eletrônicos de livre acesso no site do evento, intitulados: Tecendo Amanhãs e Sobre Amanhãs , outro local que será empregado nossas analises é sobre os anais do I e II Congresso

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internacional de Estudos Sobre Rock, mais especificamente no GT Rock e Educação, focando nos trabalhos que tem como foco a contribuição ao ensino de História. Segundo acorde: limites e possibilidades A música teve analises de vários estudiosos das ciências humanas conhecidos que se debruçaram mostrando a sua importância para compreensão da sociedade em seu entorno, sendo alguns dos nomes Nietzsche, Adorno, Bourdieu dentre outros, mas sempre se voltando para a música clássica uma temática que recebia uma atenção que podemos chamar de prioritária dos pesquisadores do campo, levando em consideração a época em que viviam queremos deixar claro que entendemos essas percepções sobre música clássica como importantes quando analisamos Música, sociedade e cultura. Segundo Marcos Napolitano, temos a grosso modo três campos de analise da música Grosso modo, a abordagem acadêmica da música divide-se em três grandes áreas: a Musicologia histórica, a Etnomusicologia e um terceiro campo, que ele considera ainda confuso, intitulado de "Estudos em música popular", congregando Sociologia, Antropologia e História, onde o mesmo considera que nós historiadores chegamos atrasados em relação as outras áreas (NAPOLITANO, 2008. p. 254). Isso tudo reflete diretamente no ensino, pois, essas novas pesquisas começam a ser trabalhadas em âmbitos acadêmicos, formando profissionais que estão envoltos nessas novas questões e que futuramente estarão trilhando o caminho do ensino na maioria dos casos. Portanto essas temáticas que foram trabalhadas anteriormente nas graduações em história e instigaram o aluno, será levada aos níveis de ensino, sendo eles fundamental e médio, mostrando a importância da inter-relação que todos os níveis de ensino devem ter. Atualmente estamos vivendo um período no Brasil onde o ensino vive vários questionamentos em todas as suas estruturas, um desses exemplos são as discussões sobre as bases curriculares nacionais, não iremos nos aprofundar nesse assunto, mas isso nos traz a reflexão sobre a importância do ensino de História, importante essa que queremos enfatizar como primordial na formação de um cidadão reflexivo e critico diante da sociedade capitalista em que vivemos, essa importância é evidenciada quando nos períodos em que o Brasil viveu infelizmente governos ditatoriais, a História

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figurou como um dos primeiros alvos das adequações de ensino, sendo suprimida e eliminada. Diante das conquistas populares a disciplina história conseguiu se de certo modo se (re)estabelecer como uma das bases do ensino brasileiro, assim como vários outros direitos, que continuam a serem (re)conquistados diariamente. Isso nos traz ao objetivo desse texto, onde queremos mostrar como as transformações da sociedade brasileira se refletem no ensino de História no ensino fundamental e médio, estando como protagonista o Rock, mostrando como o seu uso nas aulas pode ser de grande importância quando abordado temáticas sejam elas nos âmbitos globais, nacionais e locais, trazendo uma pluralidade.

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Desde seu aparecimento o Rock vem participando de forma relevante de vários fatos históricos, sendo colocado algumas vezes como trilha sonora de uma geração, isso se dá pelas suas raízes, onde sua preocupação central é dar voz a uma percepção social, geralmente de alguém reprimido e perseguido socialmente, sendo a arma de resistência de um grupo, isso fica evidente quando empregamos analises como a do historiador estadunidense Paul Friedlander, chamada "Janela do Rock", onde a sociedade e sua recepção de publico são uma das bases desta metodologia (2012, p. 425). O uso do Rock pode ser uma grande arma para o educador, por ser uma temática atual e que desperta uma grande atenção dos jovens, pode ser usado para o principal objetivo do ensino de história que é mostrar as relações da sociedade no tempo, nisso é indispensável as artes, sendo elas presentes e atuantes. Essa temática: Rock e Ensino, vem sendo trabalhada nos últimos anos, mostrando como metodologicamente podemos fazer seus uso, temos exemplos na grande rede de professores que usaram do Rock e foram bem sucedidos. Temos como exemplo a reportagem publicada na revista de História da Biblioteca Nacional, onde um professor de História de Santa Catarina, fez shows em escolas e gravou um CD, usando o Rock para ensinar vários temas de História. Temos também o icônico exemplo do Professor Dewey Finn interpretado pelo Músico e Ator Jack Black no filme Escola do Rock, onde se passando por Ned um professor passa a dar aulas numa escola tradicional, mostrando a partir do filme uma música considerada transgressora pela direção da escola, sendo que as aulas realizadas fora dos olhos da direção da escola,

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sempre quando o diretor se apresentava o professor maquiava sua abordagem, mas mesmo sem formação especifica e somente com a paixão pelo rock os alunos conseguiam assimilar os conteúdos programáticos. Terceiro acorde: rock e ensino de história Uma das formas de divulgação dos conhecimentos produzidos são os eventos, sem eles simpósios, congressos, dentre outros, sendo uma forma de juntar pesquisadores de varias localidades em prol de uma temática comum, propondo assim novas concepções e visões sobre o campo de pesquisa. Por essa razão iremos usar como exemplo nesse trabalho dois eventos científicos, os dois coincidem sua realização no estado do Paraná. São eles: I Congresso Internacional de Estudos do Rock e II Congresso Internacional de Estudos do Rock, as duas edições ocorrem na cidade de Cascavel, a primeira entre os dias 25 e 27 de setembro de 2013 e a segunda entre os dias 04 a 06 de Junho de 2015, realizado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, Colegiado de Pedagogia, Programa de Pós-graduação em Educação/Campus de Cascavel e co-promoção da Facultad de Periodismo y Comunicación Social de La Univesidad Nacional de La Plata - Argentina, usaremos os cadernos de resumos publicados ao fim de cada evento. Nesse tópico também usaremos os dois livros lançados no 1º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História, esse evento teve como uma das suas particularidades a interação com os participantes por vias online, isso fez com que houvesse no site do evento mais de 20.000 visitas, quase 1000 perguntas e mais de 500 participantes, segundo estatísticas da própria organização, o evento ocorreu entre os dias 11 a 15 de Maio de 2015, realizado pelo LAPHIS - Laboratório de Aprendizagem Histórica da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, Campus União da Vitória. Nas duas edições do Congresso Internacional de Estudos do Rock houve o simpósio temático intitulado "Rock e Educação", sua proposta era de que houvessem pesquisas e experiências pedagógicas que discutam os fenômenos educativos relacionados, direta e indiretamente, ao rock e ao consumo e fruição deste; à utilização do rock como fonte e opção metodológica no processo de ensino-aprendizagem; à análise de letras que se detenham sobre a Educação; entre outros temas similares (2013; 2015).

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Na primeira edição o Simpósio teve 21 trabalhos apresentados, sendo que dentre as varias áreas que envolvem o processo educativo e que tiveram destaque, o Ensino de História figurou diretamente em 5 trabalhos. Na Segunda edição foram 15 trabalhos, dentre eles 4 tiveram a História no seu foco. Isso mostra que a preocupação com a interligação de varias práticas culturais para o ensino da disciplina faz com que o Rock seja importante ferramenta metodológica na educação na atualidade.

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No 1º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História não houve grupos temáticos específicos, mas uma temática central, condizente com a temática do evento. Dentre as conferencias as artes foram amplamente discutidas no processo de ensino/aprendizagem do professor de História, tendo no cinema uma atenção maior. Entre as comunicações temos um trabalho em que o Rock é usado para debater questões sobre gênero, onde há escolha pela produção da roqueira brasileira Pitty para empregar suas analises (ZALUSKI, 2015, P. 131-137). Mesmo que timidamente o Rock figurou entre a produção relacionada ao Ensino de História nesse evento, esse número pode ser atribuído a formato online, sendo um formato que só vem a contribuir para interligar pesquisadores de todo o mundo. Quarto acorde: breve (in)conclusão Vemos que há uma ampliação dos limites e possibilidade quando levamos em consideração o uso do Rock no ensino de História, assim como em qualquer disciplina, seja ela na área de humanas, exatas ou ciências naturais, nesses dois eventos percebemos essa multiplicidade. Nosso objetivo foi mostrar a partir deste trabalho como as relações do Rock e Educação vem sendo abordada e suas vantagens diante da escola atual, trazendo ao professor armas metodológicas, com uso de um tipo de mídia de grande difusão, sendo ela uma mídia de massa. Esperamos com isso mostrar para o professor que a empatia e busca da aproximação de conteúdos que figura na realidade do aluno são as melhores vias numa reformulação da educação no país, dando armas para compreensão da realidade por parte desses alunos, diante da sociedade capitalista atual. O Rock é uma arma social ainda hoje usada diante de todas essas mazelas, trazendo em suas letras e melodias à contextualização social em que está inserida,

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tentando assim trazer reflexões para seus públicos, isso faz com que seu uso na aula seja totalmente viável e recomendável. Referências BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton. [organizadores] Tecendo Amanhãs: o Ensino de História na Atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Sobre Ontens, 2015. _____. Pensando Amanhãs: Falando sobre o Ensino de História. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Sobre Ontens, 2015. CUNHA, Gabriela Nogueira. Rock 'n' Aula. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Ano 8, n. 96. Setembro de 2013. p. 10. FIUZA, Alexandre; ATAIDE; Antonio Marcio; LACOWICZ, Stanis David (COORDENAÇÃO). Caderno de resumos do II Congresso Internacional de Estudos do Rock. UNIOESTE: Cascavel- PR: 2015. FIUZA, Alexandre; ATAIDE; Antonio Marcio; LACOWICZ; VAILLÕES, Silvana (COORDENAÇÃO). I Congresso Internacional de Estudos do Rock: caderno de resumos, Cascavel, 25 a 27 de setembro de 2013. UNIOESTE: Cascavel- PR: 2013. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 33. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma história social. 7. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A História depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, n. 60, p. 13-33 - 2010. FILME: Escola do Rock. Direção: Richard Linklater. Paramount Pictures, 2003. 1 DVD (109 min). Título original: School of Rock.

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PÉS AMARRADOS - VIDAS EM LAÇOS UMA REFLEXÃO SOBRE O RITUAL DOS PÉS DE LÓTUS E A FORÇA DA AMIZADE ENTRE AS MULHERES DO SÉCULO XIX, NA CHINA E A EDUCAÇÃO DAS MENINAS NO BRASIL Helayne Cândido

O propósito deste texto é elaborar uma comparação e a reflexão sobre os padrões de beleza impostos para as mulheres, a partir do caso chinês, e relacionando-o com fins educativos ao caso brasileiro, tendo como base o livro “Flor de Neve e o Leque Secreto” [2005], escrito pela autora americana Lisa See.

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O livro aborda as difíceis condições femininas da China do século XIX, nos quais as mulheres eram submetidas a terríveis práticas sociais e estéticas. A estrutura do texto funciona como um diário, em que Lisa See usa a personagem Lily como narradora, e descreve a maneira como ela é colocada no mundo das mulheres adultas, com o objetivo de obter um bom casamento. De maneira mais objetiva, trata-se do ritual dos “Pés de Lótus” [...] Setenta e cinco anos se passaram, e eu ainda me lembro da sensação da lama entre meus dedos, da água correndo sobre os meus pés, do frio contra a minha pele. Lua Linda e eu éramos livres de uma forma que jamais seríamos de novo. (p. 27) E qual relação este acontecimento de uma cultura tão distante possui com nosso país? Vejamos: vivemos em um país de mulheres exuberantes, com corpos milimetricamente desenhados por cirurgiões plásticos, verdadeiras esculturas, o que não me parece uma ideia diferente do processo dos Pés de Lótus, dependendo do seu objetivo. Aqui saliento que a mulher é livre para fazer o que bem entende com o seu corpo, desde que ela tenha consciência disto, do seu lugar na história e porque de seu desejo. O que se pretende observar são as cobranças pelas quais as mulheres passam para se sentirem aceitas ou incluídas na sociedade. Tudo o que eu sabia era que a bandagem dos pés me tornaria um partido melhor e, portanto, me aproximaria daquilo que é a maior alegria e a maior paixão da vida de

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uma mulher – um filho homem. Para tanto, o meu objetivo era conseguir um par de pés perfeitamente contidos com sete atributos distintos: eles deveriam ser pequenos, estreitos, retos, pontudos e arqueados, além de cheirosos e macios. De todos esses atributos, o tamanho é o mais importante. Sete centímetros – mais ou menos o tamanho de um polegar – é o ideal. [...] Se eu conseguir isso, minha recompensa será a felicidade. (p. 41) Descrição, no mínimo chocante, aos nossos olhos ocidentais. Mas o que podemos julgar como sendo aterrorizante, quando em nosso próprio país também há meninas com esse objetivo, tendo como plano de vida, a busca pelo corpo perfeito para um bom casamento, em pleno século XXI. A intelectual Naomi Wolf denunciou esse fenômeno em seu livro O Mito da Beleza (1992), explicitando que um dos desafios da história da mulher seria superar a ideia de que a beleza é uma ponte para o sucesso social. A história se passa na China, durante o século XIX. Meninas de algumas aldeias são submetidas ao ritual dos Pés de Lótus, para conseguirem um bom futuro. Não que isto seja garantido, visto que o não nascimento de um filho homem poderia lhe acarretar vergonha, e sabendo que trabalhariam exaustivamente para sua sogra, com a qual, provavelmente, não teria uma boa relação. Seria isso, ou viver a margem da sociedade chinesa. Difícil comparar o que seria menos pior naquela época. Descrevendo toda uma cultura daquele período, Lisa See conta sobre os sentimentos de amor e amizade desenvolvidos no emaranhado da vida dessas meninas, que se unem para suportar a dor física, por um futuro melhor. Essa dor, sentida por essas meninas de cinco ou seis anos, até mesmo três, não era importante. Suas vontades, seus pensamentos, seus sentimentos, não eram levados em consideração. Expressar tudo isso era proibido. A ideia estava além da minha compreensão. Meus pés latejavam. Poucos minutos antes eu estava tão segura da minha coragem. Agora fiz o possível para conter as lágrimas, mas não consegui. Titia bateu no ombro de Lua Linda. - Levante-se e ande. Terceira irmã ainda estava no chão, soluçando.

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Mamãe arrancou-me da cadeira. A palavra dor não descreve o que eu estava sentindo. Meus dedos estavam presos sob meus pés, de modo que todo o peso do meu corpo caía sobre eles. Tentei me equilibrar sobre os calcanhares. Quando mamãe viu, me bateu. (p. 44) Porém, houve uma forma de tornarem todo esse sofrimento, um tanto quanto, acalentado. Algumas mulheres desenvolveram uma linguagem própria, chamada nushu. A escrita nushu realmente existiu, como podemos atestar nessa introdução histórica do livro feita pela própria autora: http://www.lisasee.com/onwriting.htm Uma linguagem reconhecidamente feminina. Elas usavam tais caracteres em lenços e leques, escrevendo seus desabafos em forma de pequenas frases ou canções e poemas. Muitas dessas meninas tinham suas histórias unidas para formarem uma aliança de afinidades e companheirismo para o resto da vida, como uma melhor amiga, chamada laotong. Flor de Neve era a laotong de nossa Lisa See, a pequeno Lírio.

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[...] Minha tia começou a me ensinar o nu shu. Na época, não entendi bem por que ela se interessou particularmente por mim. [...] Mas minha tia estava na verdade torcendo para trazer a escrita para as nossas vidas, para que Lua Linda e eu pudéssemos compartilhála para sempre. (p.39) Mas qual a relação disso tudo com o Brasil e/ou com a educação? Ora, vivemos em tempos em que as mulheres lutam por seus direitos e muito foi avançado nesse sentido, graças à luta de nossas antepassadas. Em contrapartida, muitas mulheres também não entenderam o que é de fato o feminismo, e vivem como que presas a uma ideia de submissão aos maridos, de falta de amor próprio, de não aceitação de seu corpo. Esses fatores se apresentam nas escolas, e como muitas vezes a maneira de pensar ou o despertar para uma outra visão acontece nela, nós como professores e professoras temos que debater tais assuntos com nossos alunos e alunas. Instigar a dúvida, essa é nossa missão. Como criticar meninas que se submetiam a tal tortura, no século XIX, se em pleno século XXI, no ocidente, deste lado do mundo, mulheres repetem ou são cobradas no mesmo sentido? E por quê? Cabe a educação de nossas meninas, questionar um futuro préestabelecido a elas e torná-las conscientes de suas possibilidades. Mas, de maneira alguma, deve-se julgar as meninas que se

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submetiam ao ritual dos “Pés de Lótus”. Devemos sim, admirá-las em sua força, coragem e ousadia em criarem o nu shu. E esses três elementos devem ser plantados em nossas meninas. Durante a leitura do livro, percebe-se que estas meninas não sofrem apenas a dor física da bandagem em seus pés. Elas também sofrem, indiretamente, uma pressão psicológica. Como ainda muitas meninas, e tendo na figura da mãe como um ser que as ama, o que as mães lhe faz passar é cruel, mas também é um ato de amor. E se elas se recusam ao ritual, não estariam agradando sua mãe. É uma relação um tanto complexa, para meninas tão pequeninas conseguirem compreender, com clareza, o que está acontecendo com elas. E tudo isso dentro de suas casas! O que ao fazermos uma relação com a sociedade brasileira, sabemos que muitas mulheres também sofrem os mais variados tipos de violência, dentro de seus próprios lares. [...] dentre todos os tipos de violência contra as mulheres existentes no mundo, aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, identificado como local acolhedor e de conforto passa a ser, nestes casos, um ambiente de perigo contínuo que resulta num estado de medo e ansiedade permanentes. Envolta no emaranhado de emoções e relações afetivas, a violência doméstica contra a mulher se mantém, até hoje, como uma sombra em nossa Sociedade (Revista Unifebe, p.3, 2004). Uma atividade para a aula Como proposta de atividade, sugiro que ao abordamos os aspectos da cultura chinesa, para além do livro didático, seria interessante realizar a leitura de um trecho do livro de Lisa See, sobre a bandagem dos pés das meninas. Em seguida, realizar uma troca de ideias sobre tal acontecimento e instaurar a dúvida se este processo ainda ocorre na China. Logo, a pesquisa seria solicitada e talvez até uma exposição com cartazes seria interessante. Junto a isso, seria preciso salientar que antes de qualquer comentário sobre tal prática, precisamos observar o que em nosso próprio país acontece com meninas, precocemente também. Até que ponto essas meninas possuem poder de escolha, consciência sobre tais atos, e de que forma podemos modificar tais situações?

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Por ser mais velha, fui a primeira, e estava determinada a mostrar o quanto era corajosa. Mamãe lavou os meus pés e esfregou-os com alume, para contrair o tecido e limitar as inevitáveis secreções de sangue e pus. Cortou minhas unhas o mais rentável possível. Durante esse tempo, minhas ataduras ficaram de molho, para que quando secassem na minha pele ficassem ainda mais apertadas. Em seguida, mamãe pegou uma das pontas de uma atadura, colocou-a na parte de dentro do meu pé, depois puxou-a por cima dos meus quatro dedos menores para iniciar o processo de empurrá-los para baixo. Dali, passou a atadura pelo meu calcanhar. Mais uma volta ao redor do tornozelo para prender e estabilizar as duas primeiras voltas. A ideia era fazer com que meus dedos se encontrassem com o meu calcanhar, criando uma fenda, mas deixando de fora o dedão para eu caminhar sobre ele. Mamãe repetiu esses passos até ter usado a atadura inteira; titia e vovó ficaram olhando por cima do ombro dela o tempo todo, certificando-se que não havia nenhum vinco no pano. Finalmente, mamãe costurou a ponta bem apertada para que as costuras não afrouxassem e eu não pudesse soltar o pé. ( p.42) Num país onde a taxa de meninas grávidas é precoce, onde ainda separam brinquedos para serem de meninos ou meninas ou a cor da roupa é escolhida de acordo com o sexo, ou onde se escuta meninas de quatro anos dizerem que querem colocar silicone quando crescerem, ler este livro traz uma certa proximidade, quando lemos por exemplo que [...] nem todos os meninos se tornam imperadores, mas todas as meninas se casam.” (p. 97) Percebemos aqui, um futuro já determinado pelo seu sexo e em nossa cultura, se você não tiver um corpo esbelto e rebolar direitinho, não será aceita no grupo, não terá nem casamento, nem status ou nem aparecerá na tv. Por causa disso, estatísticas recentes mostram que ao menos uma mulher morre, por mês, de operações plásticas mal sucedidas [http://noticias.r7.com/saude/ao-menos-uma-pessoa-morre-pormes-em-cirurgias-plasticas-no-brasil-25022013]; do mesmo modo, o número de meninas grávidas só tem aumentado, implicando no abandono da escola a na formação de famílias desestruturadas [http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/03/no-brasil-75-dasadolescentes-que-tem-filhos-estao-fora-da-escola.html] Sim, as mulheres hoje alcançaram muitas conquistas, mas a preocupação precisa estar voltada a que consciência elas tem disso. O porquê desejam fazer, o para quê e qual o objetivo?

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Se houve, nos anos 60, um convite à libertação do corpo, essa libertação mostra-se, muitas vezes, limitada pelo controle político da corporeidade. Le Breton (2007) questiona e critica esse convite, pois, na verdade “o homem só será “libertado” quando qualquer preocupação com o corpo tiver desaparecido” (p.87). Frente à propagação de infinitos discursos especializados, esse ideal parece cada vez mais distante (BOLTANSKI, 2004). Segundo Goldenberg (2007), se, por um lado, o corpo da brasileira emancipou-se de antigas servidões (sexuais, procriadoras ou indumentárias), de outro está mais do que nunca submetido às regulações estéticas. (Aquino, p.31) O que penso ser necessário é tornar nossas meninas donas de si! Conscientes de seus direitos e da liberdade que possuem como pessoas, podendo ser o que elas quiserem, independente do tamanho do sutiã. É na escola que esse debate e o exercício para a reflexão devem acontecer. Conhecer o texto de Lisa See, nos proporciona uma ferramenta para contribuir na educação de nossas meninas, para que elas percebam onde estão inseridas e para que possam questionar o que o senso comum dita como regra. Referências: AQUINO, Thalita Ágata Moura de. Do “se esconder” ao “se mostrar”: cirurgia plástica e normalização entre mulheres jovens de classe popular. Disponível em: https://www.ufpe.br/pospsicologia/images/Dissertacoes/2009/aqu ino%20thalita%20gata%20moura%20de.pdf.pdf Acesso em fevereiro de 2016 Revista da Unifebe. Violência doméstica contra a mulher: breve análise sobre a igualdade entre homens e mulheres no decorrer de situações históricas Diego Vinícius Mattos da Rocha Mariane Gonçalves Michele Darossi Disponível em: https://www.unifebe.edu.br/revistadaunifebe/2009/artigo030.pdf Acesso em: fevereiro de 2016. SEE, Lisa. Flor de Neve e o Leque Secreto / Lisa See; tradução de Léa Viveiros de Castro. – Rio de Janeiro: Rocco, 2005. WOLF, Naomi. O Mito da Beleza. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

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OS FENÍCIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA A PARTIR DA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL Isaias Holowate

Introdução No ano de 1851, o surgimento da escrita foi pela primeira vez utilizado pelos historiadores como o parâmetro de separação entre os tempos Pré-histórico e Histórico. Nessa época em que a História como Ciência dava seus primeiros passos, historiadores como Leopold Von Ranke defenderam a importância do documento escrito como a fonte histórica que relataria a verdade. (MARTINS, 2010) Nos tempos posteriores, após a ascensão da Escola dos Annales, diversos historiadores contestaram essa teoria demonstrando a presença de diversos discursos e subjetividades presentes nos estudos das fontes escritas.

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Nos livros didáticos de História Antiga, a escrita costuma aparecer apenas em breves citações, de forma simplificada. Geralmente aparece como: ponto de divisão entre Pré-história e História, a escrita hieroglífica egípcia, as escritas cuneiformes Mesopotâmicas, o alfabeto Fenício, o alfabeto Grego e as escritas ideográficas e logográficas Chinesas e Japonesa. Contudo o desenvolvimento da escrita, foi um importante fator aglutinador no desenvolvimento das sociedades. Desde o período paleolítico, quando os grupos de caçadores faziam suas pinturas nas paredes das cavernas, representando suas caças, esses signos pictográficos tinham um significado intrínseco para o grupo. Seu surgimento foi um dos marcos no desenvolvimento das civilizações alterando de forma drástica a estrutura dessas sociedades e complexificando suas estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais. A compreensão das especificidades dos processos de seu surgimento e das características nessas sociedades nos permite uma compreensão mais aprofundada da forma com que essas culturas se estruturavam. O projeto de ensino sobre a cultura fenícia teve como objetivos a compreensão dos laços de identidade e diferenças entre práticas culturais letradas do passado e do presente, a compreensão da

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História como um processo dinâmico, em que as práticas quotidianas da sociedade contemporânea descendem de inovações ocorridas no decorrer do tempo, além de buscar dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações buscando possibilitar uma melhor compreensão da influência escrita na estrutura social da atualidade. A escrita na História A Fenícia foi uma sociedade que entre aproximadamente os anos 3000 A.C. e 300 A.C. ocupou o território do atual do Líbano, organizada em diversas cidades-estados, onde a escrita esteve ligada ao desenvolvimento do comércio, possibilitando o contato com povos distantes, e permitindo o florescimento de uma cultura bastante diferenciada dos outros Estados existentes no período. Mantiveram uma estrutura política descentralizada e sem um poder absoluto. Sua cultura influenciaria de forma drástica a cultura grega, chegando até nós, notadamente através da invenção do alfabeto fenício. Esse sistema de escrita possibilitou a comunicação entre povos distantes e teve grande importância no desenvolvimento de toda a cultura ocidental. (HARDEN, 1971) A civilização fenícia se baseou principalmente no comércio marítimo. Seus barcos comercializavam com a Ilha de Chipre, Egito, península Itálica e a Espanha. Foram também fundadores de importantes colônias, das quais a principal foi Cartago, que dos séculos VI até o III A.C. era uma das mais importantes potências navais do Mediterrâneo Ocidental. A grande revolução na arte da escrita introduzida pelos Fenícios foi o alfabeto constituído de apenas 22 sinais, que representavam apenas as consoantes, não havendo sinal para as vogais. Esses signos quando combinados, podiam representar qualquer palavra na língua Fenícia, enquanto que outros sistemas de escrita, como o hieroglífico, possuíam centenas de signos. Materiais e métodos Pensamos o processo de ensino-aprendizagem como um processo de estímulos culturais em que as apropriação do conhecimento ocorre no ensino que está dentro da Zona de desenvolvimento próximo (VYGOTSKI, 1984) aos quais o aluno consegue realizar associações cognitivas.

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O professor, no processo de ensino-aprendizagem, deve funcionar como um mediador do conhecimento, de forma à compreender as necessidades e especificidades do ambiente social ao qual realiza suas atividades, buscando promover um ensino que forme cidadãos autônomos, capazes de pensar e questionar a sociedade em que vivem. (FREIRE, 2002) Na escolha pelo tema "Os Fenícios", foi optado por trabalhar "a escrita na História", dando ênfase na revolução do alfabeto Fenício, com o objetivo de ensinar a História partindo do presente para o estudo do passado, situando o aluno no tempo e espaço, apreendendo o dinamismo do processo histórico, em que as práticas históricas do presente descendem de outras práticas surgidas no passado.

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As aulas começaram com uma exposição sobre o tema. O objetivo dessa exposição era permitir aos alunos reconhecer laços de identidade e diferenças entre práticas culturais letradas do passado e do presente, compreender o dinamismo da História e dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações. A exposição partiu do presente para estudar o surgimento da escrita na Mesopotâmia no quarto milênio antes de Cristo, e passando pela escrita Hieroglífica egípcia, pelo surgimento do alfabeto Fenício e pelo alfabeto grego. Em seguida, foi realizada uma dinâmica com o objetivo de possibilitar aos alunos compreender a importância das diferentes formas de escrita nas sociedades antigas. Na parte final das atividades, os alunos montaram com apoio do professor, um quadro teórico sobre as estruturas sociais, políticas e culturais da sociedade fenícia e a partir dos resultados dos quadros, foi discutida as mudanças e continuidades dessa sociedade em relação à sociedade brasileira atual. Resultados Os resultados obtidos foram bastante positivos, embora, sendo o processo de aprendizado individual, cada aluno atingiu níveis variáveis de aprendizagem. A maioria conseguiu compreender a processualidade da História no estudo desse tema, de como algumas continuidades se mantém no tempo, sendo que inclusive alguns conseguiram tanto dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações, como compreender as mudanças

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que esta sofreu no decorrer do tempo, com debates questionando a influência da escrita na atualidade. Considerações finais As atividades realizadas permitiram uma melhor compreensão da processualidade do ensino, assim como das trocas sociais no ato de ensinar, sendo que ao mesmo momento em que ensinamos os alunos, também aprendemos a ensinar observando e refletindo sobre a aprendizagem do aluno. Também, o ensino da História Cultural aparece como extremamente importante para a formação do aluno como ser social, capaz de compreender e respeitar as diferentes culturas, conhecendo a história do passado para compreender a atualidade. Referências BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar a História: Das origens do Homem à Era digital São Paulo: Moderna, 2011. BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989 tradução Nilo Odália. - São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. CHARTIER, R. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 92p HARDEN, Donald Bazum. Os Fenícios. Traduzido por: M. Farinha dos Santos. Editora Verbo; Lisboa, 1971; RAMOS, Ronald. Cultura fenícia. In: www.monografias.com. Acesso em 5 de julho de 2014. RANKE, Leopold von. O Conceito de História Universal. In: MARTINS, Estevão Rezende (org.) A História Pensada. Teoria e Método na Historiografia Europeia do Século XIX. São Paulo: Contexto, 2010, pp. 202-216. RÜSEN, J. História Viva - Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: 4º ed. Martins Fontes, 2008. ______. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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HISTÓRIA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO ACERCA DA IMAGEM COMO FONTE E SEU USO NO ENSINO DE HISTÓRIA Israel de Lima Miranda

Atualmente a sociedade vive um momento em que a imagem se qualifica como a mais importante forma de linguagem. Podemos destacar como os principais meios que consolidam tal ideia: o cinema, a televisão e, o mais atraente, a internet. Nosso cotidiano, portanto, é envolvido por elas (imagens), são outdoors, redes sociais, comerciais de TV, etc. Além disso, o grande público imerso neste meio "imagético" é formado por jovens presentes na escola. Entretanto, a escola continua apostando em um ensino "tradicional", em que a escrita é a base do conhecimento histórico.

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Na escola, todavia, poucos docentes utilizam a imagem; ainda predominando o ensino da História a partir do texto escrito. Boa parte dos alunos considera o texto escrito muitas vezes desinteressante, de difícil compreensão e com pouco apelo para leitura. (BARROS, 2007, p.13) Pensando nisso, busco neste trabalho contribuir com uma breve reflexão acerca da importância da imagem na construção do conhecimento histórico escolar, e possíveis possibilidades de métodos para sala de aula. Devemos, como historiadores e professores de História, lançar um olhar sobre está ferramenta e, com isso, criar novas propostas para o ensino de história no Brasil. A imagem como documento Histórico A utilização da imagem na construção do conhecimento histórico ainda é algo recente, que ocorreu com a renovação historiográfica em meados do século XX. Uma nova perspectiva a respeito das fontes documentais se desenvolveu principalmente a partir do surgimento da Escola dos Annales, criada pelos historiadores Lucien Febvre e March Bloch. A percepção da escola francesa, iniciada por eles, buscou ampliar o conceito de fonte, propondo que a história fosse entendida como um processo de problematização, partindo do historiador. Além disso, se contrapôs a supervalorização do documento escrito, adotada pelos positivistas, desenvolvendo uma nova visão sobre as fontes e trazendo para o campo de análise

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histórica o documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outro tipo. Seguindo os passos de uma história renovada, a imagem, cada vez mais, se consolida como uma importante fonte para a pesquisa histórica. Servindo para a análise do cotidiano, bem como, das mentalidades. O seu uso, como fonte, pode revelar traços da história que os documentos escritos nem sempre dão conta. O que pode ser desafiador no estudo das imagens é seu sentido polissêmico e, as vezes, ambíguo. A partir da amplitude de variações podemos problematizar diversos temas, como: gênero, pensamento político, práticas de venda. Mas, é imprescindível que saibamos lidar com os textos imagéticos, pois ainda somos [...] analfabetos visuais, ou seja, sabemos entender o seu significado explícito, mas ainda estamos, em geral, pouco qualificados para ler os seus significados implícitos, causados, por exemplo, pela tensão entre forma e conteúdo. (BALDISSERA. 2008, p. 248) Ao entender pluralidade de significados podemos encontrar aspectos sobre sua confecção, e também fatos relacionados à sua "intenção" que são caros ao campo da História. Neste caso, a intencionalidade do autor pode elucidar uma série de pensamentos e ideias que perpassam determinado contexto histórico. Peter Burke nos alerta sobre alguns problemas que o uso da imagem pode acarretar. "As imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras seu testemunho." (BURKE, 2004, p.18) É necessário que o historiador esteja consciente de que embora a imagem seja imutável no tempo, o seu significado se transforma no decorrer do processo histórico. A imagem na construção do conhecimento histórico escolar Com a renovação historiográfica, ou revolução documental, a relação entre fonte documental e historiador sofreu grandes transformações. Uma delas, como já foi citada, foi a utilização de imagens na construção do conhecimento Histórico. "O documento, considerado vestígio deixado pelos homens, voluntário ou involuntariamente, passou a ser encarado como produto da sociedade que o fabricou, de acordo com determinadas relações de poder." (SCHMIDT, 2009, p. 116). A ampliação do conceito de fonte fez com que a escola também

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reformulasse seus métodos de ensino referente ao conhecimento histórico. Refletir sobre o uso de fontes iconográficas em sala de aula é, sem dúvida, indispensável, não só por que vivemos em uma sociedade consumidora de imagens, mas por sua carga de significados e valores que podem contribuir para História. Somente a imagem nos possibilita realizar um mergulho no passado. A imagem é, portanto: Uma fonte que contribui, também, para o entendimento das formas por meio das quais, no passado, as pessoas representaram sua história e sua historicidade e se apropriaram da memória cultivada individual e coletivamente. (PAIVA, 2006 p.13).

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Cada imagem carrega consigo o sentido de sua época, do contexto em que foi construída. Isso nos possibilita enxergar também as permanências e rupturas que permeiam o processo histórico. Como exemplo, temos os quadros pintados, no século XIX, por Pedro Américo e Victor Meireles. Tais documentos "são frequentemente tomados como fontes ricas em informações sobre o passado imperial do Brasil e sobre a imagem que a monarquia quis criar sobre ela e sobre a história do país" (PAIVA, 2006, p. 21). A utilização da imagem deve ultrapassar a ideia de uma simples ilustração. Mesmo que muitos livros didáticos apresentem essa perspectiva, devemos refletir e reformular novos métodos sobre o uso da imagem. Pensando nas possibilidades de usar a imagem no ensino da História, podemos refletir sobre os métodos de análise iconográfica e iconológica. "A análise iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicos formativos; o aspecto literal e descritivo prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente identificado." (KOSSOY, 2001, p.95). A descrição, na análise iconográfica, permite ao aluno buscar todos os detalhes possíveis e visíveis da imagem como: o que é? Quem produziu? Quando? Como? Por quê? Todas estas questões que remetem a aspectos de produção do documento iconográfico e ao seu conteúdo explícito. Para ir mais além, utilizamos a interpretação iconológica, que objetiva alcançar os significados implícitos da imagem. "Uma única imagem contém em si um inventário de informações acerca de um determinado momento passado; ela sintetiza no documento um

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fragmento do real visível, destacando-o do contínuo da vida." (KOSSOY, 2001, p.101). Nesse sentido, na medida em que vamos descobrindo a história por integrada a imagem, podemos ampliar a visão do passado e dinamizar o ensino da História. Refletir sobre a relação entre imagem-História-ensino é de extrema importância para o momento em que vivemos. Entender a imagem como a representação de um passado vivido, é também, compreender como se constitui o olhar do artista, do fotógrafo, sobre o seu presente. É preciso reforçar que o documento iconográfico pode dinamizar o ensino da História e também, trazer novos personagens e novos olhares sobre a cultura de um contexto histórico. Referências BALDISSERA, José Alberto. Imagem e construção do conhecimento histórico. In: BARROSO, Vera Lucia Maciel [et al.] (orgs.). Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST: EXCLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010. BARROS, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de História. 2007. 116 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007 BARROSO, Vera Lúcia Maciel et al. Ensino de história: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST: Exclamação: ANPUH, 2010. 296 p. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 225. _____. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989; tradução Nilo Odália. - São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene: Ensinar História. 2ed. São Paulo: Scipione, 2009. PAIVA, Eduardo França. História & imagens 2 ed., 1. reimp. Belo Horizonte: Autentica, 2006. PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de História? Sobre o uso de fontes no ensino de História. Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 113-128, dez. 2008.

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A HISTÓRIA ESCOLAR NO BRASIL: TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA OU CONHECIMENTO AUTÔNOMO Ivone Maria Dos Santos Gomes

As questões que implicam uma abordagem a cerca da História Escolar no Brasil deve fazer uma reflexão sobre os métodos e conteúdos que foram sendo aplicados ao ensino dessa disciplina em nosso país, desde a chegada dos jesuítas ate à aprovação da LDB em 1996. Após essa reflexão é que podemos analisar como a ideia de História Escolar é pensada nas escolas brasileiras a partir de duas correntes europeias: a Transposição Didática e o Conhecimento Autônomo. Conteúdos e métodos do ensino de história no Brasil: do período colonial ao século xx

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No Brasil durante o período colonial os jesuítas (partícipes no projeto de consolidação do Estado-nação Europeu) usavam os textos históricos bíblicos na tarefa de ensinar a ler e escrever, e através da leitura romântica e descritiva das paisagens. Em 1827 após o Brasil torna-se monárquico e independente a elite dominante teve acesso à "escola básica" ou de "primeiras letras" e se apropriou de conhecimentos primários, "os professores elementares ensinavam a ler utilizando textos como: a constituição do Império e História do Brasil." (BITTENCOURT, 2004, p.61). A partir da década de 30 do século XIX a História ganham status oficial de disciplina escolar ao ser introduzida no município do Rio de Janeiro pelo renomado Colégio Pedro II referência no ensino secundário em seu currículo escolar. O modelo educacional dessa escola seguia os moldes franceses, por isso essas disciplinas ganham espaço regulamentado nessa escola e em todas as outras instituições escolares do império e prosseguem até o período republicano. Essas disciplinas chegam a nosso país seguindo a herança europeia. Por esse motivo Fonseca (2009, p. 17) nos diz que: Durante o século XIX e início do século XX, privilegia-se o ensino da História Universal. O ensino de História do Brasil era visto em conjunto com a História Universal numa posição secundária. Essa concepção curricular ficou conhecida, entre nós, como 'europocêntrica' ou

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'europocentrismo'. Ou seja, a história ensinada a partir de um centro - a história da Europa. A propósito em 1840 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) com o apoio e incentivo do imperador D. Pedro II encarregou-se de escrever a "Historia oficial do Brasil" seguindo o mesmo modelo de conservação do patriotismo do qual falamos acima. É importante salientar que nesse momento as escolas primárias complementares não eram bem difundidas, apenas em algumas partes do império havia escolas desse nível. Em 1888 com a abolição da escravatura a população aumento graças à parcela de imigrantes que vieram trabalhar nas indústrias localizadas nos grandes centros. A luta por garantia de direitos surge tomando uma grande proporção. Tanto o imigrante quanto os escravos libertos clama por assistência por parte do governo republicano. O acesso à educação para garantir o aumento de alfabetizados e a obtenção da cidadania política pela população. No regime republicano a História Sagrada embora faça parte de alguns espaços escolares em outros cede espaço para a História daqueles que dedicaram sua vida pela pátria. Em 1892 na cidade de São Paulo houve um debate na Câmara dos Deputados sobre o primeiro projeto de lei para uma reforma do ensino público que garantisse a disseminação desses ideais. O ensino de História objetivava construir uma concepção de cidadania que buscava posicionar cada sujeito na sociedade. O espaço do Brasil Republicano era constituído da seguinte forma: os políticos cuidavam da política e todos os trabalhadores deveriam trabalhar obedecendo às normas da lei. Todos os esforços do início da República estavam concentrados em instruir pessoas sem conteúdo crítico. Apenas alguns professores nesse momento se comprometiam em ensinar aqueles ou aquelas oriundos das classes menos favorecidas. Mesmo assim os conteúdos ensinados versavam sobre o respeito ao padrão hierarquizado da sociedade para que pudesse ser mantida a ordem e o progresso da nação. Mas foi em 1930 durante o governo provisório de Getúlio Vargas que a proposta educacional dos Estados Unidos chega ao nosso país. Essa propositura unifica as disciplinas de História e Geografia, as transformando em Estudos Sociais. Nesse mesmo ano o educador Anísio Teixeira publicou uma declaração de ensino de Estudos Sociais com base no modelo norte-americano.

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Na década de 50 em consonância com o Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino elementar (PABAEE) que se trata de um convênio estabelecido entre o governo do Brasil, o governo de Minas Gerais e o governo dos Estados Unidos com ênfase na formação de professores para as escolas Normais e Primárias foram implantados nas escolas primárias mineiras os Estudos Sociais, esse programa ainda garantiu a publicação de material didático e tradução de obras sob a influência de autores norte-americanos não só no Estado de Minas Gerais mais em outros estados brasileiros. Durante a década de 60 os Estudos Sociais torna-se disciplina obrigatória na escola primária e optativa no ensino médio e após o golpe de 64 o ensino de Estudos Socais são alinhados à formação moral e cívica e possui inspiração norte-americana. Nos anos 70 no contexto da democratização do Brasil a luta dos professores por melhorias na condição de trabalho. Esse movimento também se propõe a discutir o ensino de História, dos conteúdos curriculares, dos livros didáticos e das metodologias de ensino. Em 1996 aprovou-se a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que desencadeou o processo de implementação dos PCNs e institucionalizou as avaliações do Ministério da Educação (MEC). Em decorrência disso, no ano de 1997, houve o retorno das disciplinas de História e Geografia ao currículo escolar com a elaboração e publicação dos PCN´s pelo Ministério da Educação (MEC) em todo o Brasil. Esse projeto educacional buscou colaborar com a política de globalização da economia, de desenvolvimento de novas tecnologias e consolidação da democracia. A disciplina de história no Brasil e a dicotomia entre transposição didática e conhecimento autônomo De acordo com Bittencourt (2005), na opinião de alguns pesquisadores franceses e ingleses, as disciplinas escolares são desinentes das ciências eruditas. Elas servem com meio de "vulgarizar" o conhecimento produzido nos grandes centros científicos. Com base nessa ideia o francês Yves Chevallard (apud Bittencourt 2005, p.36) nomeou tal feito de "transposição didática". Ele sustenta a opinião de que o conhecimento reproduzido pela escola se ordena pelo intermédio do que chama de "noosfera", conjunto de agentes sociais externos a escola - famílias, autores de livros e etc. São esses agentes que permitem o movimento contínuo a escola e garantem a adaptação do conhecimento científico produzido pela academia. Essa forma de pensar o conhecimento de maneira hierarquizada influenciou o Ensino de História nas escolas

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brasileiras durante o século XIX tomando como referência o ensino dessa disciplina no Colégio Secundário Pedro II onde o conteúdo de História Universal tem maior espaço no currículo enquanto que a História do Brasil fica em segundo plano. Fica evidenciado que o ensino da História do Brasil constitui uma espécie de "saber menor", e por esse motivo menos importante que a História Europeia. Segundo esse ponto de vista, o lugar da construção desses dois saberes também é categorizado. Os conteúdos da História do Brasil constitui um saber secundário em quanto que os conteúdos da História Universal Europeia constituem um saber primário e essencial para que o aluno obtenha êxito. Dessa maneira o saber em torno da identidade Cultural Brasileira fica invisibilizado, enquanto destacam-se o fazer históricos dos povos europeus, construindo e solidificando o mito dos grandes heróis "descobridores e salvadores" da nação brasileira. A disciplina de História nas escolas brasileiras nesse período torna-se receptáculo de um conhecimento produzido de maneira eurocêntrica. Onde a maior parte do seu conteúdo narra os processos históricos dos países daquele continente. Os autores dessa História também são europeus, pois o saber produzido naquele espaço resguarda premissas, que lhe confere o status de um "saber cientificizado" a respeito do mundo. Cabe à escola apenas adapta esse conhecimento, através daquilo que os teóricos da Transposição Didática chamam de métodos decorrentes de técnicas pedagógicas, transformando-se em didática e transmitir ao aluno que também é um sujeito passivo e que está apto a receber esse saber e o reproduzir. O professor é avaliado pela capacidade que tem de gerir esse processo. De acordo com os estudos de Bittencourt (2005) uma corrente que contraria esse pensamento é a crida pelo inglês Ivor Goodson e o francês André Chervel para eles a disciplina escolar é o resultado de uma teia de conhecimentos, havendo um processo complexo entre as duas formas de conhecimento, o escolar e o científico. Em primeiro lugar eles denunciam que: A hierarquização do saber, defendida pelos estudiosos da Transposição Didática acaba por influenciar o sistema de transmissão do conhecimento para a sociedade. Para esses pesquisadores a teorização a cerca do conceito de disciplina escolar, é um debate que se vincula a utilização do conhecimento como mecanismo de legitimação de

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poder por algumas classes sociais (BITTENCOURT, 2005, p.38).

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Para além do debate epistemológico a cerca do conceito de transposição didática existe uma debate sociopolítico. Em uma sociedade em que o conhecimento é hierarquizado, anulam-se as condições democráticas de sobrevivência, dando espaço para a desigualdade social. Equacionar um saber em detrimento de outro, estabelece uma divisão social, que desemboca em dificuldade de acesso a direitos sociais básicos por alguns cidadãos. Por esse motivo as críticas à transposição didática faz menção ao papel de sua manutenção das desigualdades sociais. Ao analisar os estudos de Chervel, Bittencourt (2005, p.38) afirma que "a disciplina escolar deve ser analisada historicamente, contextualizando o poder exercido pela escola em cada momento histórico". Ela defende a disciplina escolar como um ente epistemológico relativamente autônomo e da atenção às relações de poder no interior do ambiente escolar. Garante que é preciso desvia o olhar das questões exteriores a escola e pensar o conhecimento que por ela é produzido como o resultante de uma cultura. As disciplinas escolares integram essa cultura que precisa ser compreendida para que se possa analisar sua relação com a cultura geral da sociedade. Assim nas Escolas Brasileiras a disciplina de História passa a ser compreendida como um ente autônomo a partir do século XX quando em 1996 é criada a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e em 1997 surgem os PCN´S (Parâmetros Curriculares Nacionais) da disciplina de História, sendo esses não um subsídio obrigatório para a prática pedagógica do professor, mas um material para orientar as demandas pedagógicas de cada realidade escolar. Com a criação dos PCN´S de História o saber a respeito da nossa cultura, memória tem uma maior abrangência na grade curricular. Esse documento ainda propõe a organização dos conteúdos em dois eixos temáticos a História local e do Cotidiano e a História das Organizações Populacionais. Dar-se maior ênfase a temas da História do Brasil no último ano do primeiro ciclo do ensino fundamental. Referências bibliográficas ABUD, Kátia Maria. O ensino de história como fator de coesão nacional: os programas de 1931. Revista Brasileira de História. São Paulo: Anpuh/ Marco Zero, v. 13, n. 25/26, 1993, p.163-174.

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BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005. FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e Ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1976.

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HISTÓRIA PRA QUÊ? O USO DO "VELHO E BOM" JORNAL NO ENSINO DE HISTÓRIA Janaína Jaskiu

A educação escolar enfrenta inúmeros desafios das mais variadas razões e motivações. A escola, enquanto instituição, busca continuamente reafirmar sua função social: é um ambiente que "ensina" muito mais que conhecimentos sistematicamente organizados nas disciplinas tradicionais, ali se aprende conteúdos sociais e culturais associados a comportamentos, valores e ideias políticas. Para tanto é preciso perceber o/a aluno/a enquanto sujeito e partir daquilo que lhe é próximo.

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O ensino de História, num momento em que as informações são disponibilizadas com muita rapidez e a comunicação ocorre em tempo real, padece de muitos questionamentos. O que selecionar e como fazer para que tenha sentido para os/as estudantes? Essas perguntas estão presentes nas discussões da Base Nacional Comum em construção sob a responsabilidade do Ministério da Educação. Talvez a problemática maior nem seja o recorte de conteúdos, mas como desenvolver a habilidade de perceber o "não dito" nas narrativas históricas. Esse aprender a pensar é o desenvolvimento do pensamento histórico. Janice Theodoro em seu texto "Educação para um mundo em transformação", propõe "para que possamos vencer o desafio da vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos cerca. Para problematizar, o primeiro passo é conhecer." (2010, p. 51) Para tanto é preciso identificar a origem das narrativas postas como "verdades"; comparar os discursos relacionando as semelhanças e diferenças. Partindo da identificação dessa nova geração como pertencente à cultura das mídias, é primordial que se desenvolva uma capacidade de ler o mundo através dessas informações (BITTENCOURT, 2009, p.109). Nesse sentido, a História enquanto disciplina escolar tem fundamental importância. Não se trata da reprodução daquilo que está no livro didático ou mesmo de uma aula colóquio como categoriza Isabel Barca (2004), mas de uma aula dialógica na qual o/a professor/a apresenta uma fonte para o/a aluno/a, problematiza o objeto a ser estudado e reelabora as informações, produzindo o

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conhecimento. Essa iniciativa estimula uma consciência histórica crítica-genética para que possam compreender aquilo que lhes é dito através de qualquer mídia. Conforme Jaskiu (2014), nem sempre o trabalho com outras fontes em sala de aula é bem aceito pelos/as alunos/as. Isso se deve ao fato de que eles/as estão acostumados/as a um modelo de aula em que a reprodução de conteúdos é constante. É preciso rever esse conceito de aula levando-os/as a perceber que programas de TV, músicas, charges ou jornais selecionados, não significam apenas diversão, mas estão articulados a um conteúdo. O jornal, seja ele impresso ou digital, é uma estratégia interessante para aproximar aquilo que se discute na escola do que é vivido pela sociedade. Para utilizá-lo em sala de aula é preciso problematizá-lo ou será apenas mais um recurso didático. Segundo Kátia Abud, os jornais, quando narram fatos, contribuem com a História ao serem convertidos em documentos pelo/a historiador/a. De fato, todas as publicações jornalísticas, sejam programas de rádio ou televisão, revistas, sites informativos, jornais eletrônicos ou impressos são mediadores entre a escola e o mundo externo e ajudam os estudantes a relacionar seus conhecimentos e experiências pessoais com as notícias. Esse processo auxilia na formação de novos conhecimentos e conceitos, na ampliação do pensamento crítico do estudante e, consequentemente, de suas 'leituras' do mundo. (ABUD, 2010, p.29) Ao usar jornais como fonte para a produção do saber escolar é necessário "situar a produção jornalística em seu tempo e espaço, como forma de compreender suas relações com os fenômenos sociais." (ABUD, 2010, p.31) Um texto jornalístico, assim como qualquer outra narrativa, não pode ter um status de verdade absoluta, mas como um "testemunho histórico", assim definido por Kátia Abud. Uma boa alternativa é comparar uma mesma notícia veiculada em vários jornais e analisar as outras versões dadas ao fato ou mesmo a não divulgação de um acontecimento. É preciso considerar o contexto no qual foi produzido, pois todo texto carrega representações sociais de seu autor/a e/ou do grupo que ele/a representa. Importa também lembrar que nenhum/a leitor/a é neutro/a, uma vez que "ele também traz para a leitura do jornal ou de qualquer outro veículo de comunicação suas experiências e visões

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de mundo, o que o faz interpretar o que lê, reconstruindo conceitos e concepções". (ABUD, 2010, p.31) Portanto, é necessário problematizar desde o formato do jornal até o público ao qual se destina. Outro dado interessante a ser levado em consideração quando se utiliza o jornal como fonte é em relação à tiragem, ao preço, formas de venda e distribuição, pois através deles é possível perceber a penetração das informações na sociedade. Utilizar jornais em sala de aula exige, além da escolha de um eixo temático, a definição de períodos e publicações a serem pesquisados. Também é importante explicar aos/as alunos/as alguns elementos básicos que compõem os jornais, como as diferenças entre os tipos de textos - reportagens, artigos, comentários, crônicas, entre outros - anúncios, legendas e fotografias. (ABUD, 2010, p.31)

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Na obra "Como usar o jornal em sala de aula", Maria Alice de Oliveira Faria aponta a importância desta fonte para a formação do cidadão enquanto leitor crítico e na formação geral do/a estudante, desenvolvendo sua cultura e linguagem escrita. Ela ressalta ainda que tanto jornalista quanto leitor "desconstrói e reconstrói a notícia" de acordo com suas representações de mundo. É papel do/a professor/a levar os/as alunos/as a questionar essa fonte, interpretando o que leem, ouvem ou veem. (...) conhecer a postura ideológica do jornal, a seleção que faz da informação e a linguagem que usa para transmiti-la; confrontá-lo com outros jornais e não deixar de lado, também, a postura crítica do próprio leitor, que no caso da escola deve estar sendo continuamente desenvolvida. (FARIA, 2011, p.17) De fato, jornais e revistas são empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (LUCA, 2010, p.140) Tendo em vista o processo de criação do jornal, Tania Regina de Luca apresenta algumas dicas para o trabalho com essa fonte tais como: identificar colaboradores e fontes de receita, caracterizar o grupo responsável pela publicação e atentar para a materialidade (periodicidade, uso/ausência de iconografia e publicidade). É preciso uma leitura para além do texto!

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O uso de fontes para a produção de conhecimento histórico na Educação Básica não visa formar pequenos/as historiadores/as, mas leva-los/as a perceber que esses conhecimentos não existem de forma acabada, são narrativas construídas de acordo com vários procedimentos. Assim, a História concebida como processo, busca aprimorar o exercício da problematização da vida social, como ponto de partida para a investigação produtiva e criativa, buscando identificar as relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de outros povos; perceber as diferenças e semelhanças, os conflitos/contradições e as solidariedades, igualdades e desigualdades existentes nas sociedades; comparar problemáticas atuais e de outros momentos, posicionar-se de forma crítica no seu presente e buscar as relações possíveis com o passado. (BEZERRA, 2010, P.44) Isso não significa esvaziar as disciplina escolar de conteúdos substantivos, nem basear-se apenas na atualidade fazendo projeções do presente no passado, pois isso seria anacronismo, mas levar os/as estudantes a perceber que esses conhecimentos foram construídos e que carregam uma intencionalidade. Se as aulas de História derem conta desse quesito, possivelmente os/as alunos/as saberão utilizar as informações repassadas por qualquer veículo para orientar sua vida prática. Referências ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso. Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010. BARCA, Isabel. "Aula Oficina: do Projeto à Avaliação". In: Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131 - 144. BEZERRA, Holien Gonçalves. "Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010. BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009. FARIA, Maria Alice de Oliveira. Como usar o jornal na sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2011.

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JASKIU, Janaína. "Construindo representações de gênero no cotidiano escolar". In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense: produção didático-pedagógica, 2012. Curitiba: SEED/PR., 2014. V.2. (Cadernos PDE). Disponível em: . Acesso em: 29/01/1015. ISBN 978-85-8015064-3. LUCA, Tania Regina de. "História dos, nos e por meio dos periódicos". In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 2 ed. 2 reimp. São Paulo: Contexto, 2010. SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (orgs). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2011. THEODORO, Janice. "Educação para um mundo em transformação". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

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ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ALGUMAS INFLUÊNCIAS AFRICANAS AO VOCABULÁRIO BRASILEIRO Jessica Caroline de Oliveira

Anos após a Lei 10.639/03 ter fixado a obrigatoriedade do ensino da História africana e afro-brasileira nas escolas, podemos perceber que a tímida preocupação com as questões colocadas em pauta pela Lei vem conquistando espaço, seja no currículo escolar, materiais didáticos ou processos formativos. Não se pode ainda afirmar a sua prática efetiva em todos os espaços de ensino público, todavia, tomando como exemplo a minha experiência acadêmica e docente, pode-se ressaltar e dar visibilidade para as atividades desenvolvidas pela Universidade Estadual do Paraná, campus União da Vitória, que adequou tanto a sua matriz curricular para dar tratamento e formação sobre o tema proposto pela Lei, como também, desenvolveu através do Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência um subprojeto voltado para a História e Cultura Africana e Afro-brasileira, o qual desde o primeiro ano de graduação permite o contato com a temática afro e práticas docentes em sala de aula. Uma das discussões fomentadas por este subprojeto PIBID se dá pela preocupação na formação de seus bolsistas e, sobretudo, aos professores da rede de ensino em que o projeto atua, afinal, busca-se dar uma base teórica e metodológica para que os mesmos deem continuidade as atividades desenvolvidas nas escolas. Cabe salientar que o projeto trabalha em escolas públicas, com ênfase às turmas de séries iniciais do ensino fundamental. Portanto, sabendo que esse período escolar comporta o ensino de história voltado para elementos próximos à realidade das crianças, o PIBID busca através da interdisciplinaridade ensinar história da África e da cultura afrobrasileira por meio de aulas/temas que sejam significativas ao lugar social das crianças, possibilitando um diálogo entre suas experiências historicamente vividas com a temática proposta durante a aula (dança, música, culinária, máscaras, indumentária, religiosidade, entre outras). Uma das bases teóricas utilizadas para planejar essas aulas é a autora Lopes (1991), que permite entender e colocar em prática uma aula que favorece a aprendizagem e o desenvolvimento de experiências significativas, pois conforme expõe a autora, deve-se pensar e fazer o uso de uma aula expositiva dialógica, ou seja, durante a explicação, as crianças devem participar

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e dialogar com o seu conhecimento prévio, sendo estimuladas a refletir e responder questões sobre o tema, compartilhando, produzindo e (re)aprendendo novos saberes. Isto é, ninguém ficará em frente a turma 'passando' conhecimento, mas sim, construindo (ou mesmo desconstruindo) coletivamente o pensamento histórico por meio da troca de experiências.

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Neste sentido, através dos eixos outrora descritos (interdisciplinaridade-objeto de ensino-experiência significativa) pode-se pensar a construção do vocabulário brasileiro como exemplo desta dinâmica, afinal, far-se-á o uso da história para explicar o processo de historicidade da língua 'brasileira'; geografia para conhecer e orientar espacialmente os lugares africanos que contribuíram através das suas diferentes línguas; bem como, a própria disciplina de português, a qual pode esmiuçar através de atividades as peculiaridades, sentidos e significados do nosso vocabulário no seu contexto de formação e uso atual. (Ou seja, não podemos pensar a Lei 10639/03 como algo restrito à disciplina ou à docentes de história!) Além disso, através do vocabulário há a possibilidade de pensar a leitura e a escrita em sala de aula, competências fundamentais no processo de aprendizagem. Para pensar nestas duas competências, Freire (1981) fala que não devem ser realizadas de forma exaustiva, mas sim, associadas a leitura de mundo, relacionando com vida prática e realidade próxima. Portanto, a partir do vocabulário tem-se a possibilidade de conhecer e valorizar o legado afro, perceber o modo como se apresenta no dia a dia através de situações 'sutis', como também, expandir a aprendizagem por meio de leituras e dinâmicas que coloquem em contato com novas formas de ler, sejam contos, poemas, músicas, receitas, entre outros gêneros linguísticos que ressaltem o seu caráter afro brasileiro, dialogando e fomentando o respeito e conhecimento do legado afro, muitas vezes silenciado no processo formativo. Esclarecidas algumas questões que levaram a realização deste texto, vamos ao nosso foco: as influências do vocabulário africano ao vocabulário português/brasileiro. Para entender este recorte temático temos que retornar a outros contextos históricos, pois conforme argumenta Seffner (1999), devemos correlacionar o passado e o presente, discutindo os fatos históricos a fim de significá-los e dar um tratamento adequado aos seus sentidos. Oliveira (2010) complementa este raciocínio ao dizer que devemos colocar em prática um ensinar e pensar historicamente,

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relacionando a experiência humana com a vida prática em outros momentos históricos, suas permanências e/ou transformações. Nesta acepção, Lucchesi, Baxter e Ribeiro (2009) descrevem que a primeira adaptação linguística foi realizada no século XVI, através do contato entre portugueses e as comunidades indígenas que povoavam a costa, no qual, por fazerem uso de uma língua "aparentada" ao tronco tupi, eram capazes de comunicar-se por meio de uma espécie de koiné. Segundo os autores "essa língua franca, que viria a ser denominada língua geral da costa brasileira -- ou simplesmente língua geral" foi utilizada como mecanismo de comunicação pelos portugueses para cooptar a força de trabalho indígena, além disso, quando os evangelizadores iniciaram o processo de expansão da fé cristã, fizeram o uso e reforçaram o emprego dessa língua geral. Acerca do emprego e da disseminação dessa língua colonial, Mendonça (2012) afirma que "os bandeirantes, exploradores da vastidão do Brasil, foram outros propagandistas insuperáveis do tupi", marcando, deste modo, o processo de comunição entre indígenas e europeus. Com as mudanças econômicas e necessidades de uma nova mão de obra em larga escala e especializada, discorre Castro (s/d) que o tráfico transatlântico trouxe para o Brasil um equivalente entre quatro a cinco milhões de falantes africanos, tendo como principais origens a região bantu e a região "sudanesa". Vale ressaltar que a região bantu compreende um grupo de 300 línguas muito parecidas, entre as quais, no Brasil teve um maior número de falantes de matriz quicongo, quimbundo e umbundo. No que diz respeito às línguas "sudanesas", pode-se afirmar que as mais faladas foram as línguas da família kwa, tendo como principais representantes os yorubás e os "povos de línguas do grupo ewe-fon que foram apelidados pelo tráfico de minas ou jejes". O mapa abaixo demonstra as regiões onde estas línguas faziam-se presentes no continente africano:

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Representação da repartição das línguas na África em 1808. MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. Brasília: FUNAG, 2012.

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Com o translado de africanos para a substituição gradual do trabalho indígena, não só a cultura colonial passa por um processo de mestiçagens, como também, as línguas africanas com o português antigo. Partindo dessa ideia, Castro (s/d) ressalta que a densidade de africanos na Colônia Portuguesa deu origem há um contingente de africanos e afrodescendentes superior ao número de portugueses e outros europeus, possibilitando através das relações de trabalho e na convivência diária, a contribuição para a substituição daquela língua geral (com a redução do trabalho indígena vai sendo deixada de lado ou (re) ajustando-se com a nova modalidade linguística do Brasil). Sendo assim, o autor Mendonça (2012) fala que é impressionante a composição do vocabulário africano, visto que, mesmo uma língua sendo distante de outras também africanas, "apresenta os principais elementos formativos de outro grupo qualquer". Nesta acepção, haviam sujeitos denominados como "ladinos" que segundo a autora: eram aqueles que logo cedo aprendiam a falar rudimentos de português e podiam participar de duas comunidades sócio-linguisticamente diferenciadas [...] Na condição de bilíngües, atuavam como uma espécie de leva-e-traz, o que deu motivo ao ditado popular "diante de ladino, melhor ficar calado", desde quando podiam falar a um número maior de ouvintes, e influenciá-los,

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resultando daí por adaptarem uma língua a outra e estimularem a difusão de certos fenômenos lingüísticos entre os não bilíngües, no caso, o "escravo novo" e o chamado "escravo boçal", aqueles que não falavam português. (CASTRO [s/d] p.4-5) Após quatro séculos de contato entre os falantes africanos com a língua portuguesa nas terras brasileiras, Castro (s/d) salienta que o português do Brasil se distanciou do português de Portugal, no qual, ocorreu uma "africanização do português e, em sentido inverso, de aportuguesamento do africano". A autora também afirma que as trocas culturais e linguísticas acompanham o processo de mestiçagem biológica, sendo assim, podemos perceber a adaptação, permanência e assimilação entre o vocabulário português e africano (yorubá e bantu), conforme demonstram alguns exemplos a seguir: VOCABULÁRIO: 1. Palavras africanas que foram apropriadas pela língua portuguesa, conservando a forma e o significado originais: a) Simples: samba, tanga, berimbau, maracutaia, forró, capanga, banguela, cachaça. b) Compostos: lenga-lenga, Ganga Zumba, Axé Opo Afonjá. 2. Palavras do português que tomaram um sentido especial: a) mãe de santo (yalorixá), dois-dois (ibêji), despacho (ebó), terreiro (casa de candomblé). b) "O Velho" (Omulu) e "Flor do Velho" (pipoca). 3. Palavras compostas de um elemento africano e um ou mais elementos do português: a) bunda-mole, espada de ogum, limo da costa, pó de pemba, cafundó do Judas. MORFOLOGIA E SINTAXE 1. Adaptar o plural dos substantivos apenas pelos artigos que sempre os antecedem: "as casa", "os menino", "os livro". 2. As línguas africanas também desconhecem a marca de gênero: minha senhor. PRONÚNCIA 1. Palavras sempre terminadas em vogais: general: cafezal: "cafezá", mel: "mé". 2. Não existem encontros consonantais, como ocorre em português: "sarava" para salvar, "fulo" para flor. 3. Transformação do fonema lh pela semivogal y:mulher: "muyé", colher: "coyé".

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4. O fonema j passa para o silibizante z: Jesus: "Zezús", José: "Zozé". 5. Palavras que de elocução difícil: negro: "nego", alegre: "alegue". 6. Aféreses: está: "tá", você: "ocê", acabar: "caba", Sebastião: "Bastião". 7. Redução de ditongo: cheiro: "chêro", peixe: "pêxe", beijo: "bêjo", lavoura: "lavora". 8. Formas de tratamento carinhosas: sinhá, sinhô, Iaiá, ioiô. 9) Uso de diminutivos: tardezinha. 10) Repetição de sílabas: babá, bumbum, neném.

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Por fim, a partir das ideias do autor Mendonça (2012) é possível perceber como "a própria linguagem infantil tem um sabor quase africano": cacá, pipi, tatá, papato, lili, mimi, dindinho, bimbinha, o que bem demonstra como o modo africanizado permeia nos diferentes eixos da composição do vocabulário tal qual utilizamos hoje. (Re) Conhecer estes elementos é afirmar a contribuição africana ao legado nacional, é entender que mais do 'força de trabalho', os povos africanos contribuíram, mesclaram, transformaram, deram novos sentidos e significados à saberes, sabores, vocábulos, percepções de mundo, formas de ser, atuar e agir. Enquanto sujeitos brasileiros somos africanizados e para descobrir em que, como e onde, precisamos entender os processos de africanidades, sendo este texto, um breve exemplo dessa dinâmica. Referências ARAGÃO, M. S. S. de. Africanismos no português do Brasil. Rev. de Letras - Vol. 30 - 1/4 - jan. 2010/dez. 2011. Disponível em: http://www.revistadeletras.ufc.br/Revista%20de%20Letras%20Vol. 30%20-%201.4%20 %20jan.%202012%20.%20dez.%202011/rl30art01_Africanismos_n o_portugues_do_Brasil.pdf Acesso em: 17 Mai. 2014. BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura AfroBrasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 jan. 2003. CASTRO, Y. P. de. A influência das línguas africanas no português brasileiro. Acesso em: http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/documentos/linguasafricanas.pdf Disponível em: 17 Mai. 2014.

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FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1981. LOPES, A. O. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Técnicas de ensino: Por que não?. Campinas, SP: Papirus, 1991. LUCCHESI, D.; BAXTER, A.; RIBEIRO, I. O português afrobrasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ufba/209/1/O%20Portugu es%20Afro-Brasileiro.pdf Acesso em: 17 Mai. 2014. MENDONÇA, Renato. A influência africana no português do Brasil. Brasília: FUNAG, 2012. Disponível em: http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/Influencia_Afri cana_no_portugues_do_Brasil.pdf Acesso em: 17 Mai. 2014. OLIVEIRA, S. R. F. Os tempos que a história tem... In: História: ensino fundamental/Coordenação Oliveira, M. M. D. de. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. 212 p.: il. (Coleção Explorando o Ensino; v. 21) SEFFNER, F. Leitura e Escrita em História. In: SCHMIDT, Maria A.; CAINELLI, Marlene R. (orgs.) III Encontro Perspectivas do Ensino de História. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999.

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LITERATURA DE CORDEL NA SALA DE AULA: NOVOS CAMINHOS PARA A HISTÓRIA Jessica Kaline Vieira Santos

Introdução

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O ensino brasileiro de forma geral ainda é tradicionalista, e no ensino de história não poderia ser diferente, esse tradicionalismo ainda presente no uso do quadro, do livro didático e do giz é considerado por Nascimento como sendo "a santíssima trindade" da prática tradicional que compõem a realidade do ensino do país. Entretanto muitos são os recursos áudio e visuais e outras linguagens que podem ser utilizados para tornar as aulas dinâmicas e didáticas, e esse artigo tem por finalidade demonstrar o uso de recursos diferenciados que podem ser utilizados nas aulas de história, a exemplo desses recursos estão o jornal impresso, charges, jogos, fotografia, música, dentre outros. Hoje a exemplo dos quadrinhos, tirinhas, charges, leitura visual e da música que, são instrumentos de colaboração usados fartamente em sala de aula, a Literatura de Cordel vem a facilitar o trabalho do professor. (Nogueira, 2009) Contudo como foco principal da nossa análise está à literatura de cordel como recurso auxiliador na didática de ensino. Surgimento da Literatura de Cordel Algumas teses situam o surgimento da Literatura de cordel ainda na Europa, pois lá já possuía esse nome, então a literatura de Cordel produzida no Brasil é uma apropriação dos traços trazidos na vinda portuguesa para as terras brasileiras. A literatura de cordel, narrativa poética construída em versos, surgiu na Europa. Foi trazida para o Brasil pelos portugueses, no século XVII. (Nascimento p.2, 2005) A produção de folhetos de Cordel no Brasil se inicia a partir do fim do século XIX e inicio do século XX "com Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athaíde, autores que começaram a dominar o mercado de folhetos." (Grillo p.367 2011). Contudo, muito antes da produção de cordel impresso em forma de folhetos a poesia de cordel era transmitida de forma memorizada e cantada pelos poetas cantadores que faziam desse tipo de literatura

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um dos maiores meios de comunicação e informação que circulava no Nordeste Brasileiro. Marcada por elementos da oralidade e por uma escrita leve e humorística na maioria dos casos, o que facilitou a sua distribuição por diversas partes do Nordeste e do país, por conter essas características a literatura de cordel é ótima ferramenta para utilização na sala de aula. A Literatura de Cordel e as Aulas de História No campo da história podemos destacar cordéis sobre os mais variados assuntos e elencaremos aqui algumas literaturas de cordel que podem ser utilizadas para problematizar determinados assuntos nas aulas de história. Dos mais variados temas, estão à questão agrária no Brasil, revoltas como a do contestado, movimentos como o cangaço, primeira e segunda guerras mundiais, dentre outros. Exemplificaremos aqui uma aula que está na grade curricular dos alunos do 9º ano do ensino fundamental, com o assunto Era Vargas. Exemplo: O governo do presidente Getulio Vargas e os seus desdobramentos tanto no seu primeiro mandato quanto no segundo mandato é um dos assuntos amplamente abordados nos folhetos de cordel, Getulio assumiu o poder em 1930 após liderar o movimento revolucionário do mesmo ano. Promulgou a Constituição de 1934 e realizou mudanças consideráveis no que diz respeito aos direitos trabalhistas, criou o Ministério do Trabalho e assegurou direitos básicos aos trabalhadores, como o de férias anuais e descansos semanais remunerados, assim como o salário mínimo, jornada diária de oito horas, direitos das gestantes e a criação da carteira de trabalho. Além disso, realizou investimentos consideráveis como é o caso da Siderúrgica Nacional (1940), da Empresa Vale do Rio Doce (1942), da Hidrelétrica do Vale do São Francisco(1945) além da criação do IBGE em 1938. Também podemos observar em seu governo mudanças no que diz respeito a imprensa e a radiodifusão da época. O seu governo culmina com a sua morte em 1954 onde o presidente escreve uma carta antes de suicidar-se. Apesar de possuir aspectos ditatoriais favoreceu amplamente os trabalhadores e esses aspectos, fizeram com que Getúlio fosse bastante aceito nas camadas mais populares da sociedade. Tomaremos aqui alguns trechos de Literaturas de Cordel que exemplificam um pouco sobre a trajetória política de Getúlio. O primeiro folheto aqui exemplificado de autoria

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de Manoel Pereira Sobrinho que tem como Título: Getúlio fala ao seu povo. (Fragmento retirado do cordel folheto Getúlio fala ao seu povo. Autor: Manoel Pereira Sobrinho. Pagina de nº2 e 4 respectivamente.) O povo todo pedindo/Do norte ao sul do paiz/Dizendo que só comigo/O povo será feliz/E se com o meu sacrifício/Tira-lo do precipício/Pronto estou como juiz./(...)/Vou governar com justiça/Com lei e com harmonia/Dando liberdade ao povo/Com ordem e democracia/Protegendo os oprimidos/Amparando aos desvalidos/E apertando a burguesia. Nesse caso, por exemplo, esse fragmento pode ser confrontado com o livro didático e com outros folhetos de cordel de outros autores que abordam a Era Vargas, para que os alunos possam problematizar com relação às diferentes versões atribuídas ao presidente, a partir dos diferentes discursos dos cordelistas. Considerações Finais

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Enfim, buscamos de forma simples, apresentar nesse texto um exemplo de tornar as aulas de história mais atrativas, com elementos novos, que propiciem aos alunos, novas perspectivas do assunto estudado, que proporcionem o questionamento e a problematização e o debate em sala de aula. E partir de então, como produto dessa análise os alunos podem produzir, por exemplo, os seus próprios folhetos. Referências Folhetos de cordel: SOBRINHO, Manoel Pereira. Getúlio fala ao seu povo. Campina Grande, 1950. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCRB &pasta=Manuel%20Pereira%20Sobrinho&pesq= Bibliografias: ANPUH- XXIII Simpósio Nacional de História- Londrina, 2005. NASCIMENTO, Jairo Carvalho do. A literatura de cordel no ensino de História: Reflexões teóricas e orientações metodológicas. Londrina, 2005. BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar história: das origens do homem à era digital. 1. Ed.- São Paulo: Moderna, 2011.

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GRILLO, Maria Ângela de Faria. O Folheto de cordel e a sala de aula.__In: Cultura da Mídia, História Cultura e Educação no Campo. Editora da UFPB. João Pessoa, 2011. NETO, José Batista de Lira. A didática dos cordéis para o ensino de história. In: IV Enid- UEPB, 2013. NOGUEIRA, Ângela Maciel. Origem e característica da literatura de Cordel. Ariquemes- Rondônia, 2009.

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HISTÓRIA SUBIDA DO MORRO DA URCA: APONTAMENTOS SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E HISTÓRIA AMBIENTAL José Lúcio Nascimento Júnior

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Cartão postal da cidade do Rio de Janeiro, o Morro da Urca se localiza no complexo geológico do Pão de Açúcar que faz parte da Serra da Tijuca. Parte de um dos maiores cartões postais do Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar, o Morro da Urca se integra a história da cidade sendo um ponto de interesse geológico, ecológico, ambiental, cultural e histórico (LYRA: 2006, p. 201). Além disso, faz parte da lista de patrimônios culturais da cidade maravilhosa e um de seus principais atrativos turísticos (LYRA: 2006, p. 201), sendo um dos monumentos naturais que está na entrada da Baía da Guanabara, por onde os portugueses e outros europeus acessavam a região a partir do século XVI. Esta região foi palco da disputa entre portugueses e franceses pelo território sul-americano, com vitória dos portugueses nesta querela (WEHLING & WEHLING: 1994). Segundo o decreto-lei 25 de 30 de novembro de 1937, os monumentos naturais se equivalem aos elementos do Patrimônio Cultural brasileiro (SIRVINSCAS: 2009, p. 175). Um monumento, seja ele natural ou cultural, tem como primeiro sentido nos lembrar de algo importante tanto no presente como no passado. A ideia de Patrimônio vem de herança, algo que as gerações passadas deixaram para as gerações atuais e que tem relevância para a identidade comum, contribuindo para a formação de nossa brasilidade (PELEGRINI: 2009). O turismo e o lazer têm sido formas de acessar esta herança representada pelos diversos monumentos naturais e culturais que compõem nosso patrimônio e se constituem como formas de se incentivar a busca o passado (MENESES: 2006). Por ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), o turismo tem sido incentivada estando em consonância com a Política Nacional de Unidades de Conservação, lei número 9985 de 17 de junho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SIRVINSCAS: 2009, p. 373-383). Em parques naturais a prática do turismo e o incentivo a pesquisas científicas têm sido fomentados desde a criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 1937 no Governo Getúlio Vargas (DUARTE: 2006). Além disso, a ideia de encontrar algo preservado,

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como se o tempo não tivesse passado é algo que serve como incentivo a visitação e a atividade turística, seja em ambientais culturais ou naturais (MENESES: 2006; DUARTE: 2006). Por ser um atrativo turístico muito visitado, este se configura como um excelente lugar para a realização de uma visita técnica com estudantes do curso de Técnico em Guia de Turismo. A Visita técnica possibilita ao estudante a experimentação do atrativo turístico ainda em seu processo de formação, o que lhe possibilita ampliar as experiências vivenciadas neste percurso. Este método de ensino se relaciona ao Projeto Pedagógico do Senac que tem como slogan o "aprender fazendo" (SENAC: 2008; SENAC: 2013). A visita técnica também possibilita o desenvolvimento da consciência histórica (SCHIMIDT: 2014). Para pesquisadores da área do turismo, o Guia de Turismo se configura como a imagem do turismo para o turista que visita uma determinada região (BOITEUX & WERNER, 2009; CHIMENTI & TAVARES, 2007), tendo como função "prestar as informações necessárias, também acompanhará o turista e irá orientá-lo durante a viagem" (CHIMENTI & TAVARES, 2007, p. 20). Como principais atividades que este profissional de turismo pode realizar, temos os guiamentos em âmbito regional (ligado à cidade e/ou região onde o guia atua), nacional, internacional e o especializado em atrativos naturais e culturais (BOITEUX & WERNER, 2009; CHIMENTI & TAVARES, 2007). Considerando as características do Morro da Urca percebemos que este se liga tanto ao turismo regional quanto ao especializado em atrativo naturais e culturais, se constituindo um local de atividade do Guia no Rio de Janeiro. Ao analisar a relação que se estabelece entre a História e Turismo na análise do Patrimônio Cultural, Meneses descarta que para os historiadores o monumento é algo para se refletir sobre a relação passado-presente, enquanto para os turismólogos este se constitui como um produto a ser comercializado (MENESES: 2006, p. 11). Esta diferença de visão, contudo, não pode ser vista como algo que exclui a relação entre as duas áreas, mas como uma área de fronteira entre as duas ciências. Além disso, permite aos profissionais de turismo o desenvolvimento da competência narrativa com base na consciência histórica (SCHIMIDT: 2014). Como docente no curso Técnico em Guia de Turismo no SENAC Rio, venho analisando a relação entre o ensino de história e Turismo (NASCIMENTO JÚNIOR: 2015). No decurso da formação do técnico em guia, ao analisar o currículo proposto por esta instituição de

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ensino profissional, percebemos que as disciplinas ligados aos saberes históricos ocupam aproximadamente 10% (dez por cento) do mesmo (NASCIMENTO JÚNIOR: 2015). Na Unidade Curricular História aplicada ao Turismo Regional, que conta com 36 horas de aula, (SENAC: 2013) escolhi fazer duas visitas técnicas como forma de possibilitar uma aprendizagem histórica (SCHIMIDT: 2014) que esteja ligada a prática do Guia de Turismo.

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A visita técnica em termos de método de ensino se assemelha ao Estudo do Meio conforme proposto por Celestin Freinet (HAYDT, 2006; LIBANEO, 1994). Porém, enquanto no estudo do meio, o aluno é levado ao lugar para fazer um levantamento de dados sobre o ambiente, na visita técnica é feita uma simulação da prática profissional através da observação e da prática no ambiente onde poderá ser realizada a prática profissional. No caso do Guia de Turismo, Morro da Urca se coloca uma possibilidade singular, pois além de utilizar os conhecimentos advindos da aprendizagem histórica, torna-se possível relacionar os conhecimentos históricos com de outras ciências, tais como a Geografia, as Ciências Ambientais e o Turismo. Como nos diz Tardif (2013), as práticas docentes são baseados em diferentes saberes. Ao escolher a Morro da Urca como um local para realizar a visita técnica possibilita ao professor mobilizar tais saberes. Como atividades a serem realizadas nesta visita técnica escolheramse: (1) uma explicação sobre a história do Bairro da Urca e sobre a ocupação do Rio de Janeiro ainda no Século XVI; (2) seguido por uma trilha iniciada na pista Claudio Coutinho e a trilha para o alto do Morro; (3) observação da cidade a partir do alto do Morro e (4) descida através dos Bondes. Esta sequência de atividades tem por objetivo propiciar ao aluno futuro guia experimentar um pouco da realidade que o turista poderá usufruir neste atrativo turístico. Por fim, cabe destacar que, muitas vezes, ao se realizar uma visita alguns turistas e pessoas que estão realizando atividades de lazer se aproximam do grupo para ouvir as explicações que estão sendo oferecidas pelos alunos na simulação que a atividade proporciona. No caso em particular do Morro da Urca, muitas vezes, as pessoas que se juntam apresentam curiosidade em saber sobre o nome da Praia Vermelha, o nome do Pão de Açúcar e como foram levados os cabos do bondinho para o alto dos dois morros, o da Urca e o Pão de Açúcar. Esta visita técnica acaba proporcionando ao aluno uma vivência de como ocorre o trabalho do Guia de Turismo e auxilia no desenvolvimento de sua Consciência Histórica.

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Referências BOITEUX, B. do C.; WERNER, M. Introdução ao Estudo do Turismo. Rio de Janeiro, 2009. CHIMENTI, S.; TAVARES, A. de M. Guia de turismo: o profissional e a profissão. São Paulo: Senac, 2007. DUARTE, R. H. História e Natureza. Belo Horizonte, Autêntica, 2006. FONSECA, T. N. História e ensino de história. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. HAYDT, R. C. Curso de Didática Geral. São Paulo: Ática, 2006. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. LYRA, C. C. Documenta Histórica dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2006. MENESES, J. N. História e Turismo Cultural. Belo Horizonte, Autêntica, 2006. NASCIMENTO JÚNIOR, J. L. Ensino de História na Educação Profissional: Reflexão sobre ensino de História aplicada ao Turismo. in.: RICCI, C. S.; SIMAN, L. M. (org.) Encontro Nacional Perspectivas do ensino de História, 9; Encontro Internacional do Ensino de História, 4; questões socialmente vivas e ensino de história: caderno de programação e resumos. Belo Horizonte: CEA da UFMG, 2015, p. 110 - 115. PELEGRINI, S. A. Patrimônio Cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009. SCHIMDT, M. A. Cultura histórica e Aprendizagem Histórica. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 6, nº 10, p. 31 - 50, jan./jun. 2014. SENAC. Programa de Desenvolvimento Docente Ambientação. Rio de Janeiro: SENAC Rio, 2008. SENAC. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Guia de Turismo. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2013. SIRVINSKAS, L. P. (org.) Legislação de Direto Ambiental. 4º Ed. São Paulo, 2009. WEHLING, A.; WEHLING, M. J.; Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro, 1994.

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CONDIÇÃO JUVENIL: ELEMENTOS PARA UMA APROXIMAÇÃO DAS JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS Joilson de Souza Toledo

Introdução A prática de sala de aula convida as professoras e os professores a verem os estudantes não como alunos, sem luz, mas como crianças, adolescentes e jovens, que dentro dos traços de suas idades, são sujeitos de direitos e protagonistas de suas histórias de vida. Nesta perspectiva focada nos jovens, apresentamos estas figuras que povoam as salas de ensino médio a partir do conceito de condição juvenil. Uma primeira aproximação conceitual

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Groppo (2000) define juventude como uma categoria social. "A juventude é uma concepção, representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos como jovens, para significar uma série de componentes e atitudes a ela atribuídos" (2000, p. 7-8). Segundo Foraccchi (1977, p. 302) "juventude é, ao mesmo tempo, uma fase da vida, uma força social renovadora e um estilo de existência". De certa forma, podemos dizer que as juventudes são uma construção social. Ao pensar as juventudes enquanto categoria social, Santos nos convida a indagações. Mas que juventude é esta que já aparece diversa nessas páginas, juventude da periferia, juventude pobre e juventude adolescente? Desnaturalizar essas categorias, desconstruindo nossos pressupostos, vindas das representações do mundo social (em nós incorporadas), perguntando-nos de onde estamos falando, esmiuçando os pré-significados adquiridos sobre tal conceito, ou pré-conceito, que terminam por nos revelar que dentro do conjunto de significados atribuídos à juventude, ela se torna apenas uma palavra, na medida em que a categoria se torna tão ampla que não permite pensar as juventudes singulares (2002, p. 45). Sobre esta categoria no imaginário social brasileiro, Fernandes (2010, p. 61) aponta que ela "é construída levando-se em conta diferentes construções simbólicas do termo, seja na esfera pública ou

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privada". Por isso o lugar do educador deve ser considerado ao entrarmos neste debate. Buscamos entender as juventudes a partir do lugar de professores e educadores. Saindo do senso comum, é possível ver que a "juventude não é progressista nem conservadora por natureza, porém, é uma potencialidade pronta para qualquer nova oportunidade" (MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p. 29). Segundo Foracchi, "juventude e história são entidades que se confundem enquanto manifestação do novo" (1977, p. 303). Temos, nas juventudes, elementos latentes que serão acionados segundo as trajetórias, possibilidades e resiliências. Assim, "a juventude pertence aos recursos latentes de que toda sociedade dispõe e de cuja mobilização depende sua vitalidade" (MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p. 2930). Segundo Groppo (2010, p. 19) A condição juvenil se configura mesmo a partir de uma relação entre sociedade versus indivíduos e grupos juvenis. Entretanto, esta relação é dialética, ou seja, fundada numa contradição entre o movimento da integração/socialização e o movimento da autonomia/criatividade. Dito de outro modo, a condição juvenil é dialética porque está assentada sobre uma relação de contradição entre sociedade e juventudes. [...] Pode-se, deste modo, interpretar que desde o início do "percurso" das juventudes na modernidade houve possibilidades e concretas ações de protagonismo juvenil, criação de identidades diferenciadas, resistências e subculturas. Juventudes e suas marcas As pesquisas de Regina Novaes (2008) nos ajudam na aproximação da realidade juvenil, ultrapassando os mitos e as generalizações tão presentes no olhar que os adultos têm sobre os jovens. Juventude não é um tempo de transição, nem de preparação, nem a solução ou a causa de todos os problemas da sociedade. Em sintonia com Novaes, Sofiati argumenta que Há uma pluralidade de juventudes definidas a partir de grupos sociais concretos que possuem um recorte sociocultural de classe social, estrato, etnia, religião,

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gênero, região, mundo urbano e rural, sendo que várias juventudes convivem em um mesmo tempo e espaço social, havendo, também diferenças entre jovens que vivem numa mesma sociedade, como no caso da juventude brasileira (2011, p. 55). Entretanto, existem marcos geracionais que caracterizam esta geração? Quais seriam? Ser jovem no mesmo momento histórico é fazer uma experiência geracional comum? Existem alguns traços comuns que caracterizam as diversas juventudes? Ser jovem no mesmo momento histórico é fazer uma experiência geracional comum? Existem alguns traços comuns que caracterizam as diversas juventudes? Uma imagem construída por Novaes (2008, p. 44-8) é a do jogo de espelhos. Falar em juventudes seria falar de um espelho agigantador, que sinaliza as grandes marcas do século XXI. Assim, as juventudes refletem a sociedade e mostram os sinais que estão emergindo. A novidade da sociedade encontra sua incubadora nos jovens.

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A propagação veloz de símbolos e valores - via novas tecnologias - permite que jovens, de diferentes locais do mundo, tenham um mesmo universo de referência. Diversidades e identidades se manifestam em um mesmo país, entre países, regiões e continentes. Não há, hoje, participação social que não tenha algum grau de dependência das novas tecnologias de informação e comunicação (2008, p. 50). Ao se discutir sobre juventudes em geral emergem vários mitos, projeções e generalizações que nascem de projeções otimistas e pessimistas (NOVAES, 2008, p. 42-4). As juventudes carecem, pois, de serem consideradas e acolhidas em sua realidade para além de idealizações e projeções. Demandam, acima de tudo, serem escutadas e incluídas nos processos participativos como afirma Leon (2002, p. 35): Neste cenário, persiste o clamor amordaçado das mais diversas juventudes, movimentos, religiões e ideologias por igualdade de oportunidades, em verdade pela primeira oportunidade, e que vem sendo sucessivamente negada por nossos governantes aos jovens de nosso país.

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Novaes (2008, p. 46-7) sinaliza três marcas da experiência geracional atual: o medo de sobrar, o medo de morrer precocemente e a vivência em um mundo conectado. Algo mais sobre as três marcas No mundo contemporâneo, os jovens se perguntam: "como assegurar um lugar no mercado de trabalho"? A realidade do desemprego e as inovações tecnológicas mudaram as relações que os jovens estabelecem com o trabalho. A dificuldade de conseguir um emprego sinaliza que ninguém tem mais lugar garantido. Isso coloca boa parte dos jovens fora do sistema de proteção do trabalhador assalariado, conforme Sofiati (2011, p. 39). Sobrar é uma possibilidade que se coloca para todas as pessoas. Além disso, na sociedade neoliberal não há trabalho para todos e nem haverá. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo aponta que O Brasil chegou ao terceiro milênio carregando uma enorme dívida social. Nosso país ainda não se revelou capaz de satisfazer as necessidades básicas de milhões de cidadãos. Alimentação, saúde, moradia, educação, segurança e trabalho estão entre os bens existenciais fundamentais que são sonegados ou negados a imensos contingentes de excluídos (apud SOFIATI, 2011, p. 45). Outro traço da presente geração é o sentimento de desconexão em um mundo conectado. Nunca se esteve tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Esta geração vive algo nunca visto antes. As novas tecnologias se apresentam como um dos elementos que configuram esta geração: estar desconectado em alguns lugares do Brasil é como não existir. Conforme pondera Lacerda e Gama (2014, p. 70-1) "nossa vida mudou. Estamos inscritos em um mundo no qual a informação ocupa centralidade". Argumentam que "nessa esteira, podemos pensar que as práticas sociais "online" dos (as) jovens são formas de integração a uma cultura tecnológica que lhes permite circular em distintos espaços" (2014, p. 71). Bem como Pensar as novas tecnologias da informação e da comunicação como um importante disparador para a constituição das identidades e subjetividades juvenis representa mais que tomá-las como produtoras de assujeitamentos. É reconhecer a possibilidade de mútua interferência, e não meramente como resultado de um processo de identificação (2014, p. 72).

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Os jovens são apresentados como vítimas e autores da violência. Ser jovem é perigoso. A série dos mapas da violência tem ajudado a fundamentar este debate. O Mapa da Violência 2013 - Homicídios e Juventude no Brasil nos mostra isso (WAISELFISZ, 2013, p. 5-6). A violência tem lugar geográfico, social, econômico e étnico, conforme Waiselfisz (2013). A violência juvenil deve ser vista dentro do contexto de sociedade em que o jovem vive. Estamos diante de um cenário, ou de cenários, marcados pela violência e pelo extermínio de jovens homens, negros e das periferias e diante de um processo de criminalização das juventudes, em especial dessa mesma juventude empobrecida, negra e moradora das periferias, confirmado pela morte prematura de um grande número de jovens que vem crescendo nos últimos anos:

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A taxa de homicídios da população total, que em 1996 últimos dados desse primeiro mapa - era de 24,8 por 100 mil habitantes, cresceu para 27,1 em 2011. A taxa de homicídios juvenis, que era de 42,4 por 100 mil jovens, foi para 53,4. A taxa total de mortes em acidentes de transporte que em 1996 era de 22,6 por 100 mil habitantes, cresceu para 23,2. A dos jovens, de 24,7 para 27,7. Também os suicídios passaram de 4,3 para 5,1 na população total e entre os jovens, de 4,9 para 5,1 (WAISELFISZ, 2013, p. 6). Trata-se de um cenário alarmante. Temos, diante de nós, o que o Waiselfisz configura como "novos padrões de mortalidade juvenil" (2013, p. 12). Entre os jovens a morte prematura é algo muito próximo em vários lugares do Brasil. Não mais por doença, mas por armas de fogo. A taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes na população jovem subiu de 17,2 em 1980, para 53,4 em 2011. Esses dados ficam mais graves se considerarmos que na população em geral a taxa, da qual falamos, oscilou de 10,2, em 1980, para 21,4, em 2011 (WAISELFISZ, 2013, p. 18). Nossas taxas de homicídios superam até os dados dos grandes conflitos armados do mundo, segundo Waiselfisz (2013, p. 21). O cenário lança luzes sobre a afirmação de Novaes (2008, p. 46-7), sobre o medo de morrer precocemente como uma das marcas desta geração. Vivendo nestes contextos, os jovens vão descobrindo que tornar-se adulto é somente uma possibilidade, não uma certeza.

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Conclusão Um processo educativo que deseja contribuir na formação de sujeitos da história precisa reconhecer os jovens não só enquanto sujeitos, mas entender estes sujeitos em sua condição juvenil. Aproximar-se das pessoas jovens é uma questão vital para educadores. Neste ensejo, esta comunicação pretendeu ser uma contribuição para construir aproximações. Estamos certos de que, mais do que conceitos, a vivência de sala de aula é construída a partir da interação de sujeitos. Desejamos que o debate aqui apenas levantado, contribua não só no ensino da história, mas na trajetória de educandos e educadores. Precisamos superar o mito que "juventude" é algo que não se estuda; estudar juventude é cultivar o encanto por ela. Referências FERNANDES, Silvia Regina Alves. Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: Quartet, 2010. FORACCHI, Marialice M. O estudante e a transformação da sociedade brasileira. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. GROPPO, Luís Antonio. Condição Juvenil e modelos contemporâneos de análise sociológica das juventudes. Última Década, Valparaiso, n 33, p. 11-26, dez 2010. Disponível em . Acesso em 20 Abr. 2015. ____________. Juventude: Ensaios sobre Sociologia e História das Juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000. LACERDA, Mirian Pires Corrêa; GAMA, Silvia. Juventude e as novas tecnologias. In: RIBEIRO, José Jair et al (Orgs.). Juventudes na universidade: olhares e perspectivas. Porto Alegre: Redes Editora, 2014, p. 69-85. LEON, Alessandro Ponce de. "Juventude problema" - ou descaso oficial?. In: NOVAES, Regina R.; PORTO, Marta; HENRIQUES, Ricardo. A. Juventude, cultura e cidadania. ISER: Rio de Janeiro; UNESCO: Rio de Janeiro. Comunicações do ISER, Ano 21, Edição Especial, 2002, p. 31-6. NOVAES, Regina. Trajetórias Juvenis: desigualdades sociais frente aos dilemas de uma geração. In: FERÉS, Maria José Vieira et al.

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Texto complementares para formação de gestores. Brasília: ProJovem Urbano, 2008. p. 42-52. PORTO, Marta; HENRIQUES, Ricardo. A. Juventude, cultura e cidadania. ISER: Rio de Janeiro; UNESCO: Rio de Janeiro. Comunicações do ISER, Ano 21, Edição Especial, 2002, p. 43-56. SOFIATI, Flávio Munhoz. Juventude Católica: o novo discurso da teologia da libertação. São Carlos: EdUFSCar: 2012. ____________. Religião e Juventude: os novos carismáticos. Aparecida: Ideias&letras, 2011. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013: homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, 2013. Disponível em: Acesso em: 20 Ago. 2014.

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POEMA QUE TECE O PASSADO: CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA João Pedro Pereira Rocha

A relação ente História e Literatura, muito facilmente, acarreta conflito, que surge de seus respectivos discursos, sobretudo quando a primeira busca aproximações com a segunda. O imperativo em questão diz respeito à dicotomia que pode haver quando o historiador privilegia a literatura em sua análise sobre o passado. Embora a literatura seja uma arte humana, produto de homens no tempo, o conflito diz sobre a natureza ficcional da literatura, que não tem obrigatoriedade com a veracidade dos fatos. Em sentido oposto o historiador caminha em busca de representações alicerçadas em documentos que o aproxima do acontecimento real. Entretanto, as contribuições da Literatura para o Ensino de História tornam-se ainda mais possíveis quando refletimos sobre o papel da História, na escola. Como afirma Rafael Ruiz, sobre a edificação do conhecimento histórico no meio escolar: ...significa ensinar a construir conceitos e aplica-los das variadas situações e problemas; significa ensinar a selecionar, relacionar e interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da realidade que estiver sendo estudada; ensinar a construir argumentos que permitam explicar a si próprios e aos outros de maneira convincente a apreensão e compreensão da situação histórica, significa, enfim, ensinar a ter uma percepção o mais abrangente possível da condição humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas. (RUIZ, 2012, p. 78) Seguindo as especificações de Rafael Ruiz (2012), sobretudo naquilo que se refere a uma percepção abrangente da condição humana, pelo estudante em sala de aula, é possível identificar o uso positivo da Literatura nas aulas de história, uma vez que, a literatura permite o contato com possibilidades que não afloradas, em momentos de tensão da História. Para Selva Guimarães Fonseca, a literatura, enquanto elemento social, "... ao problematizar a realidade, oferece ao historiador, ao professor e aos alunos pastas e propostas reveladoras da identidade social e coletiva" (GUIMARÃES, 2012,

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p.318). Com isso a Literatura pode representar ferramenta importante ao trabalho de professores e estudantes, nas aulas de história. A partir dessas considerações, o presente texto tem por objetivo fazer um estudo sobre as contribuições da poesia para Ensino de História. Isso será feito a partir da observação e pontuação do discurso literário presente nos escritos de Castro Alves, poeta baiano do século XIX, e crítico declarado ao sistema econômico escravista vigente no Brasil da época. As reflexões e considerações serão feitas a partir de poemas presentes nas obras "Espumas Flutuantes" (1870) e "Os Escravos" (1883).

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Castro Alves foi decididamente um crítico às questões de seu tempo, algo perceptível na literatura das obras citadas, onde o autor faz menção a dois acontecimentos marcantes no Brasil do século XIX: a Guerra do Paraguai e a Escravidão de Negros. Em relação ao primeiro a historiografia tem evidenciado ser este um momento importante para a História Nacional, sobretudo pelo caráter nacionalista empreendido nas missões militares, mesmo que em grau embrionário. Em sala de aula, a Guerra do Paraguai é um tema que o professor de história pode vir a explorá-lo sobre diversas formas, como a partir das possíveis, causas e consequências que determinaram o embate entre nações no Cone Sul. Se o professor de história opta por explorar a realidade da Guerra sob uma ótica mais aproximada da realidade social, interrogando sobre os sujeitos históricos que compunha a formação militar brasileira, certamente encontrará da poesia de Castro Alves um documento de época que aponta para as condições de milhares de soldados. Isso está explicito no poema "Quem dá aos pobres, empresta a Deus", uma crítica ao tratamento dado pelo Estado aos soldados mortos nas batalhas. E esses Leandros, do Helesponto novo / Se resvalaram foi no chão da história / Se tropeçaram - foi na eternidade / Se naufragaram foi no mar da glória... / E hoje o que resta dos heróis gigantes? / Aqui - os filhos que vos pedem pão / Além a ossada que branqueia a lua, / Do vasto pampa, no funéreo chão. (ALVES, 2009, p.41) Outro momento no qual o autor faz referência a Guerra do Paraguai é representado no poema "Ao dois de julho", também presente na obra Espumas Flutuantes. Nele Castro Alves faz menção à batalha

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naval (Riachuelo) vencida pela marinha do Brasil na Guerra do Paraguai, em 1865. O poema é de 1867. Ao dois de julho Basta!... Curvai-vos, ó povo!... / Ei-los os vultos sem par, / Só de joelhos podemos / Nest'hora augusta fitar / Riachuelo e Cabrito / Que sobem para o infinito / Como jungidos leões / Puxando os carros dourados / Dos meteoros largados / Sobre a noite das nações / (ALVES, 2009, p. 52). Na obra Os Escravos os autor traça linhas que o consagraram o título de "poeta dos escravos". Questões abolicionistas e de denúncia ao processo de escravização salta dos versos e permiti uma visão, construída pela literatura, sobre aspectos da escravidão de negros no Brasil do século XIX. Chama atenção os relatos sobre as condições que passavam os escravizados, cotidianamente e durante o trafico entre África e Brasil. Uma ficção que buscava denunciar e evidenciar a desumanidade presente na escravidão, e presente nos poemas a seguir: A canção do africano O escravo então foi deitar-se / Pois tinha de levantar-se / Bem antes do sol nascer / E se tardasse, coitado, / Teria de ser surrado, / Pois bastava escravo ser. (ALVES, 2009, p. 37) O navio negreiro Ontem a Serra Leoa, / A guerra, a caça ao leão / O sono dormindo à toa / Sobre as tendas da amplidão! / Hoje... O porão negro, fundo. / Infecto, apertado, imundo, / Tendo a peste como Jaguar... / E o sono sempre cortado / Pelo arranco de um finado / E o baque de um corpo no mar. (ALVES, 2009, p. 101) O tratamento dado aos negros escravizados é de longe um traço forte no processo de escravidão no Brasil, que durante séculos teve sua economia alicerçada pela força do trabalho dos negros vindos da África. Sobre esse aspecto Michell Bergmann afirma que: "Na travessia, costumavam ficar presos, em parte pelo medo de motins, em parte para evitar que se jogassem ao mar, em gesto suicida." (BERGMANN, 1976, p. 39), algo que concorda e complementa os escritos de Castro Alves em "O navio negreiro". O aspecto complementar em questão esta no campo da percepção, segundo a

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qual o suicídio pode ser interpretado como ato de resistência à exploração, algo não perceptível no poema, mas que o professor de história poderá explorar em sala de aula. Assim os estudos de natureza não literária (antropológicos, históricos e sociológicos, por exemplo) podem suplantar uma limitação natural ao discurso literário, que não tem compromisso com os acontecimentos em suas particularidades mais específicas.

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O trato da literatura como documento em sala de aula pode ser percebida a partir da relação dialógica construía entre autor e leitor, informada por Mikhail Bakhtin (1997), e que amplia as possibilidades de interpretações sobre os acontecimentos, na medida em que permite a construção da cultura a partir da relação entre esses sujeitos. No caso dos poemas indicados neste trabalho, às visões construídas de modo a problematizar o tema em questão, podem dizer sobre a identidade do autor, o contexto da época, a forma como tais versos eram socialmente difundidos. Nesse contexto, e seguindo as indicações feitas por Roger Chartier (2010), que aponta a importância da posição do leitor frente ao texto, é importante identificar nos poemas de Castro Alves uma possibilidade de reflexão para professores e estudantes. A literatura construída por Castro Alves é um registro de seu tempo, por isso pode ser tratada pelo professor de história sob a ótica da inserção de documentos em sala de aula. Nesse sentido, e como afirma Circe Bittencourt (2011) e Selva Guimarães (2012) é preciso problematiza-lo a luz do conteúdo didático posto, e não mais como simples ilustração ou complemento novidadeiro. No caso particular deste trabalho os conteúdos, Guerra do Paraguai e Escravidão no Brasil, ganham quando o professor de história decide fazer uso das representações sociais presentes nos poemas de Castro Alves. Com isso, modos de vida, expectativas, lutas, resistências, opressão, são questões que saltam dos escritos, e que permitem ao estudante leitor uma visão sobre o espaço temporal dos acontecimentos, dimensões ausentes ou que podem estarem fragilizadas nos manuais didáticos. Uma aproximação entre Literatura e História, pode vir a ser algo representativo e importante para o campo do Ensino de História, uma vez que a escola pode ser percebida como um espaço público de produção e disseminação do conhecimento histórico, ações possíveis, sobretudo por meio da interdisciplinaridade. A trajetória dessa produção/disseminação para as normas historiográficas atuais deve estar alicerçada em uma serie de conhecimentos produzidos pelas mais diversas culturas. Tal aproximação, por meio de uma

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abordagem interdisciplinar em muito contribui para construção de um conhecimento histórico escolarizado e capaz de oferecer ao estudante o contato com múltiplas representações do passado, algo percebido por meio das artes, e da arte literária presente nas obras de Castro Alves. Com isso, há um ganho significativo para a construção do conhecimento histórico em sala de aula, uma vez que aos sujeitos envolvidos nesta ação, professores e estudantes, tem a sua disposição uma linguagem sobre uma dada realidade social que lhes permite problematizar a sua própria realidade, isso em movimento constante de verificação das identidades sociais. Por fim vale dizer que, sobre ensinar história, e de seu papel, o Ensino de História, tal como o movimento historiográfico nos últimos tempos, ganhou com o diálogo interdisciplinar entre a História e a Literatura no ambiente escolar. Tais aproximações permitem ao professor de história novos horizontes, novos documentos, conseguinte, novas possibilidades para o processo de ensino aprendizagem. O trabalho em sala de aula, com o gênero literário poesia mostra inúmeros caminhos e alternativas de discussão para conteúdos tradicionais na disciplina história. Para além da beleza estética, os versos de Castro Alves denunciam seu tempo, seja na Guerra do Paraguai ou sobre a Escravidão no Brasil, sua militância política põe em evidência sujeitos históricos marginalizados e auxiliam professores e estudantes no contato com a diversidade da condição humana no tempo passado, na História. Referências ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Martin Claret, 2009, 190 p. ___. Os escravos. São Paulo: Martin Claret, 2007, 148 p. BAKHTIN, Mikhail. O contexto de valores (autor e contexto literário). In: Estética da Criação Verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2ª ed. -- São Paulo: Martins Fontes -- (Coleção Ensino Superior), 1997, p. 208-215. BERGMANN, Michel. A condição escrava no Brasil. In: Nasce um povo. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976, p. 39-51. BITTENCOURT, C. M. Usos didáticos de documentos. In: Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 325-338. BLOCH, Marc. A história, os homens e o tempo. In: Apologia da história ou o oficio do historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.51-68. CHARTIER, Roger. História e Literatura. Topoi, Rio de Janeiro, nº 1, 2010, p. 197-216.

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Disponível: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi 01.htm Acesso em: 02/02/2016. RUIZ, Rafael. Novas formas de abordar o ensino de história. In: História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. KARNAL, Leandro (org.). Contexto, 2012, p. 75-91. GUIMARÃES, Selva. Literatura. In: Didática e Prática de Ensino de História: experiências, reflexões a aprendizado. 13ª ed. rev. e ampl. Campinas-SP: Papirus, 2012, p. 314-324.

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AS MULHERES NO CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA José Luciano de A. Dias Filho

Trabalhar com História Antiga no Brasil sempre foi um desafio por vários motivos, o fato de ser um período muito distante do tempo vivido é um deles. Por esse fato muitos preferem estudar a Modernidade, os conflitos sociais do Século XIX e as grandes guerras do século XX. Para complementar, é adicionado o período Colonial da América portuguesa, juntamente com o Império Brasileiro e a Proclamação da República, pelo fim o século XX nos oferece as disputas políticas divididas entre momentos de ditadura e momentos democráticos. Então, o que os antigos têm a nos oferecer? Para François Hartog, o Renascimento estabeleceu uma equivalência entre o moderno e a Antiguidade, de modo que o ser moderno significava imitar os antigos, foi sobretudo como uma forma de desembarcar-se da Idade Média, de romper com ela, relegando-a às trevas. (HARTOG, 2003, p.124) A Antiguidade não é importante apenas porque faz parte de um espaço na linha temporal da História do Homem, mas pelo fato de produzir uma base cultural responsável pelos fundamentos da sociedade. Segundo Norberto Luiz Guarinello, a História Antiga nos ocidentaliza, pois ela nos insere na linha do tempo, nos posiciona na História mundial como herdeiros do Oriente próximo, da Grécia e Roma. Por ela, viramos sucessores da História Medieval, e a História do Brasil se coloca como uma ramificação da História europeia nos tempos modernos. (GUARINELLO, 2014, p.13) Essa discussão em sala de aula é crucial, é importante deixar claro que as temáticas a cerca da Antiguidade não são meramente ilustrativas, mas tem uma ligação direta com a formação do indivíduo. É preciso salientar que os vestígios antigos não são restos de um passado distante, mas partes de uma memória viva, que se comunica com o presente. Uma ótima forma de criar uma ponte sobre essas discussões são com filmes, o cinema tem uma incrível capacidade de representar o passado; não é incomum filmes ambientados na Antiguidade virarem sucessos de bilheteria como Tróia "2004" e 300 "2006".

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É necessário salientar que o filme não é uma produção historiográfica, mas sim uma obra de arte, logo ele não nem tem comprometimento algum com a veracidade histórica. Ainda assim a sua exclusão nas salas de aula como uma ferreamente de ensino é uma atitude irreflexiva, por mais que um professor tente evitar, os próprios alunos acabam assistindo tais filmes e quando o assunto da aula for Grécia Antiga, a associação aos filmes Tróia e 300 é direta. É mais proveitoso usar o cinema como um aliado no ensino, dispor das vantagens que o filme tem em alcançar grandes públicos ou até mesmo de ser uma forma lúdica de aprendizagem, e se preciso, usar os próprios erros do filme em seu favor. "A história não são apenas palavras impressas, mas impressas em páginas que, na maioria das vezes, estão reunidas em espessos tomos cujo peso e volume ajudam a ressaltar a solidez das lições ensinadas." (ROSENSTONE, 2010, p.15)

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Mediante a capacidade do cinema de explorar o passado, gerando debates e discussões, e trabalhando o filme como uma ferramenta no ensino de História Antiga, me proponho a utilizar os filmes Electra, a vingadora (1962) e Ágora (2009) como recursos para repensar o papel e a forma de viver das mulheres na Antiguidade. Por muito tempo acreditou-se que a mulher estava restrita ao oikos, isolada da participação política e limitada nas atividades sociais. Ainda assim peças gregas como as de Eurípides (480- 406 a.C) e mulheres como Hipátia, (370-415 d.C) nos revela que havia exceções, a mulher nem sempre era tão passiva quanto a sociedade ordenava. Electra, a vingadora (1962) é um filme grego dirigido pelo renomado cineasta Michael Cacoyannis, a obra é uma adaptação de uma das peças do tragediógrafo Eurípides. A trama de Electra se consiste na vingança pela morte de seu pai, Agamenon, o rei de Micenas. Após o seu demorado retorno da Guerra de Tróia, Clitemnestra, sua própria mãe, juntamente com o amante Egisto assassinam Agamenon. Mesmo sendo a filha do rei, Electra não tem poder para se vingar, sua condição não permite tal ato. O único direito que Electra tinha era o de se lamentar no funeral do pai, porem nem isso Egisto permitiu. As lamentações serviam como uma forma de protesto e incentivo a vingança, pois a lamúria fúnebre atuava como uma forma de comunicação com o morto. Uma forma de gerar nas pessoas um sentimento de solidariedade na dor da perda, para que fosse motivado o ato da vingança. (SILVA, 2011, p.120) O ato da vingança era papel do homem, no caso seu irmão mais novo, Orestes, que foi exilado ainda na infância para que uma vingança futura fosse evitada.

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Segundo Marilyn A. Katz, a partir da perspectiva de ideais sociais, os espaços da polis eram segregados: a esfera pública pertencia aos homens, enquanto que as mulheres estavam presas ao domínio do lar. (CARTLEDGE, 2009, p. 164) Nem todos os ideais de uma sociedade são seguidos integralmente, existem exceções tanto nas sociedades atuais quanto nas antigas. Eurípides faz questão de mostrar em sua peça que a mãe de Electra é um modelo de mulher não convencional comparado aos ideais sociais dos gregos antigos. Após o irmão mais novo de Electra matar Egisto, marido de sua mãe, ela fala: "O marido da mulher e não o inverso. É um vexame a mulher cantar de galo em casa e não o homem". (Eurípides, 2009, p.116) E mais adiante ela continua: "Não quero como esposo alguém com ares frufru, mas com jeito macho" (Eurípides, 2009, p.116) É bem possível que durante a Antiguidade Clássica, período em que a peça foi escrita, existissem mulheres que mandavam na casa e homens que não tinham a autoridade devida para com suas esposas. A vingança do assassinato do pai de Electra só pode ser completa com a morte de sua própria mãe, mas Orestes fraqueja no momento de cometer o matricídio. Electra se apresenta forte e decidida, enquanto Orestes perde a coragem pensando no horror que é matar a própria mãe. Nessa cena esquecemos a condição de submissão da mulher, Electra se torna agente direta da trama que vivencia, diferentemente de seu irmão. O filme Ágora (2009) dirigido por Alejandro Amenábar, é um filme biográfico. Ele conta a história de Hipátia, filha de Teón, um grande matemático de Alexandria. Desde nova ela demonstrou interesse pelos estudos do pai, mas também se dedicou bastante a filosofia. É possível estudar a figura de Hipátia como uma exceção na sociedade do Império Romano, sua intelectualidade era muito reconhecida, alunos de muitos lugares vinham apenas para estudar com ela. "Ao contrário, por exemplo, das atenienses, era permitido à mulher casada romana sair de casa, desde que vestida adequadamente, freqüentar teatros, feiras e tribunais e sendo respeitada. O casamento era uma cerimônia solene, onde estava representada a passagem da tutela do pai sobre a filha para o marido." (MONGELÓS, 2011, p.3) O detalhe crucial é que Hipátia não era casada, após o falecimento de seu pai ela fica sem nenhum tipo de autoridade masculina sobre ela, já que o casamento representa a transferência de tutela do pai

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para o marido. No entanto, ela não teve as atividades restritas em Alexandria, continuava ensinando e tendo influência nos assuntos da cidade. É possível considerar até mesmo que Hipátia atuava diretamente na política de Alexandria, não que ela exercesse algum cargo público, mas falava livremente entre as autoridades de Alexandria, como Orestes, o prefeito da cidade. Segundo Ana Clara Cabeceira, Hipátia tinha uma grande importância política na cidade. Graças a ela, Orestes, pôde formar um grupo político tendo o apoio até mesmo dos judeus. Era claro e todos viam que o prestígio de Orestes aumentava com a ajuda de Hipátia. Até mesmo o bispo Cirilo, que espalhava mentiras sobre ela, como acusações de feitiçaria. (CABECEIRA, 2014, p.17-18) No filme essa importância política não é tão clara, mas muitas cenas mostram Hipátia dando sua opinião a cerca dos conflitos na cidade, mesmo sendo sempre oprimida.

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Hipátia vivencia um momento de forte intolerância religiosa, o cristianismo havia se tornado a religião oficial do Império desde 380 d.C., e o formato de vida da filosofa atraia a tenção dos cristãos.O Império Romano era cristão, Hipátia logo deveria ser casada e se dedicar a criação dos filhos, de acordo com modelo de vida cristão imposto as pessoas. Mas ela foi o oposto, era influente na cidade, não se declarava cristã e participava ativamente da política da cidade. Uma exceção do modelo de vida feminino em que estamos acostumados de ver na Antiguidade. Sabe-se que a imposição rigorosa do modo de vida para as mulheres não era algo da tradição helênica, embora não sugeria a igualdade de gêneros, mas também não rebaixava tanto a mulher. Pode-se admitir que esse tratamento tão desigual veio com o cristianismo. A imagem das mulheres, desde a Antiguidade, é ligada de alguma forma à heresia. A figura das "mulheres heréticas", fez com que no decorrer da história da Igreja Católica as mulheres fossem privadas dos cargos eclesiásticos. Essa associação das mulheres com a heresia revela o tamanho da opressão patriarcal com que elas foram tratadas no decorrer da história da Igreja. (CABECEIRA, 2014, p. 33, 37) Para Marc Ferro, o filme não é apenas um agente histórico por desempenhar um papel ativo contribuindo para uma conscientização, mas é uma contra-análise da sociedade. (FERRO, 2010, P.11) Os filmes trabalhados são representações da Antiguidade, mas refletem a sociedade e o tempo em que foram produzidos, logo a partir da trama inserida no filme é possível

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analisar a forma como a História Antiga é apresentada ao público ou que tipo de discussões o cinema pretende gerar. Os debates sobre gênero tem sido intensos na nossa sociedade, e de muitas formas chega à sala de aula. O cinema é um dos meios em que o professor pode explorar esses e outros assuntos, fazendo uma ponte entre o passado e atualidade. Diante dos dois filmes trabalhados, podemos notar que mesmo sob a opressão e exclusão feminina de suas respectivas sociedades, tanto Electra quanto Hipátia são representadas nos filmes como figuras que lutam por aquilo que acreditam. A representação da História Antiga no cinema não só abre discussões sobre a vida feminina durante a Antiguidade, mas nos propõe a refletir debates presentes na nossa própria atualidade. Referências CABECEIRA, Ana Clara da Silva. A vida de Hipácia de Alexandria: Representações de Gênero na Antiguidade tardia. Brasília: 2014. CARTLEDGE, Paul. História ilustrada Grécia Antiga. São Paulo: Ediouro, 2009. Electra(s)/ Sófocles, Eurípides: tradução: Trajano Vieira-São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010. GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013. HARTOG, François. Os Antigos, o passado e presente. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003. MONGELÓS, Rodrigo. A condição da mulher no Império Romano: noções jurídicas e sociais. Anais do II Encontro Nacional de Produção Científica- GPDH. Universidade Estadual de Santa Cruz- Bahia, 2011. ROSENSTONE, Robert A. A História nos filmes, os filmes na História. Paulo: Editora Paz e Terra, 2010 SILVA, Maria de Fátima. O trabalho feminino da Grécia Antiga: lenda e realidade. Portugal: Universidade de Coimbra, 2007. SILVA, Talita Nunes: As estratégias de Ação das Mulheres Transgressoras em Atenas no Século V a.C. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2011. XAVIER, Nathalia Agostinho (org.) Catálogo de Filmes: A Idade Média no discurso fílmico. Rio de Janeiro: PEM, 2013.

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O ENSINO DE VALORES NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES Júlia Helane Assis da Silva

Introdução Pensar em como ensinar História sempre suscitará debates acerca dos possíveis caminhos a serem percorridos. Mas quando os estudantes questionam: 'Mas... pra quê mesmo que eu preciso saber disso tudo? De toda essa 'História'?' A preocupação em tornar compreensível o sentido da História ensinada também se torna imperativo e as possíveis respostas nos leva a refletir em o que se pretende hoje no ensino desta disciplina.

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Por um bom tempo percebemos a necessidade de se ensinar História levando em consideração a importância de se discutir os métodos e processos presentes na construção de seu discurso, além do contexto e do lugar social do historiador que escreveu determinada narrativa. A preocupação consistia em levar o aluno a problematizar que o campo de conhecimento da História é constituído por discursos e escolhas, que nada mais são do que pontos de vista, e não verdades a serem adquiridas sob a forma dos conteúdos disponibilizados nos livros didáticos. Nesse sentido, como se realizaria então o ensino da História nesta perspectiva: sem o estudo de um conteúdo. A resposta encontrada seria que ao lado do procedimento metodológico, a necessidade do estudo de uma narrativa com enredos e personagens também é fundamental. Seguindo este pensamento, quais os conteúdos necessários para se compreender a História, e ainda mais, o que é levado em consideração quando se realiza a escolha desses conteúdos? O quadro de conteúdos reunidos para compor o saber histórico escolar constitui o que compreendemos por disciplina escolar - neste caso, a disciplina História - que é formada de acordo com FONSECA (2003), por um ''conjunto organizado de conhecimentos, apropriados para a escola'', representando o reflexo de sua época, onde, segundo a mesma autora: Elas podem ser compreendidas tanto em seu processo de construção no tempo, como em suas relações com a produção do saber científico, com os interesses políticos

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do estado ou de grupos específicos da sociedade, com os mecanismos de divulgação e vulgarização do saber, com as influencias de universos culturais específicos nos quais se produziram ou nos quais atuam e, é claro, com as práticas que as envolvem no universo escolar propriamente dito. (FONSECA, 2003 p.9) Deste modo, considerando as influências dos atores envolvidos na construção da disciplina escolar, escolhe-se também o que se deve ou não fazer parte da memória coletiva, abarcando deste modo a seleção dos valores que devem ou não ser incorporados pelos estudantes. O papel formador da disciplina escolar História Em uma visita à História do ensino de História no Brasil e no mundo, observamos que o saber histórico escolar foi ao longo dos anos pensado tendo em vista uma finalidade, seja no empreendimento de uma História Sagrada - no seio da Igreja Católica - seja pelo viés de uma História Nacional- de responsabilidade do estado - esta disciplina estava associada a um ideal, uma vez que se preocupava com a formação (moral) do ser humano o que implicava certamente o ensino de valores, expressos enquanto formas de condutas que deveriam ser respeitadas ou obedecidas dependendo do contexto para a vida em sociedade, reafirmando que: A História como formadora de subjetividades, é um saber e uma prática inseparável de discussões éticas e políticas. O ensino e a escrita da História implicam sempre a tomada de posição política e defesa de valores, mesmo quando não se está atento para esses aspectos. (ALBUQUERQUE, Durval Muniz, 2012, pp.33). A seleção implícita ou explícita de valores no campo da História ensinada tenderia, portanto, à conduzir e guiar, indicando deste modo o dever-ser, pois, uma de suas definições compreende que ''os valores não são coisas ou supra-coisas, não tem realidade ou ser, mas seu modo de ser é o dever-ser'' (ABBAGNANO, Nicola 2007 pp. 1004). Situando-se assim no campo das subjetividades, da vontade do homem social, neste caso, se relacionando com as atitudes de conduta que se deseja da humanidade em detrimento de outras possivelmente nocivas:

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A melhor definição de Valor é a que considera como possibilidade de escolha, isto é, como uma disciplina inteligente das escolhas, que pode conduzir a eliminar algumas delas ou a declará-las irracionais ou nocivas, e pode conduzir (e conduz) a privilegiar outras, ditando a sua repetição sempre que determinadas condições se verifiquem (ABBAGNANO, 2007 p. 1004).

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Para Dilthey ''A própria história é a força que produz determinações de Valor, ideias e metas, com base nos quais se determina o significado de homens e acontecimentos.'' (ABBAGNANO, 2007 pp. 1003). Os valores, compreendidos ainda na expressão dos significados do passado, seriam uma forma de conhecer as permanências e rupturas no seio da sociedade, além dos modos do saber e do fazer dos homens em função do tempo. A possibilidade de investigação desse movimento, nos leva a pensa-los ainda, concordando com Eric Hobsbawm (1998), como o setor inflexível da História, já que o processo de mudança de valores muitas vezes se faz lenta encontrando-se resistências, pois o ''passado social formalizado é claramente mais rígido, uma vez que fixa o padrão para o presente'' (HOBSBAWM, 1988 pp.23). Sendo assim, seu ensino se realizaria a princípio por duas vias: a primeira na qualidade de manter determinados valores; a segunda, de revê-los como é o caso da inserção do debate de gênero em sala de aula nos dias atuais. Um exemplo significativo do percurso de manutenção e até mesmo de revisão do sistema de valores no Brasil é a questão da cidadania, valor presente desde os primeiros indícios da História ensinada no país. Considerações: Quais valores queremos? Na medida em que é elaborada pelo estado, pelos agentes da educação e, de certa maneira, em diálogo com os desejos da sociedade em geral, ainda que se constituam em embates intermináveis do que seja moralmente certo ou errado, as subjetividades estão presentes nos programas curriculares do ensino escolar, que nos mostram quais são os valores desejáveis de nosso tempo. Sendo possível verificar que o ato da seleção de conteúdos históricos tem o intuito de ensinar um acontecimento para a partir daí tecer reflexões morais imersas de valores. Portanto, tendo em vista que a História tem sido mediadora do ensino de valores e que nos dias de hoje não se distancia desta

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tarefa, a pergunta que continua ecoando seria a de que: é possível estabelecer valores permanentes ou inerentes ao campo da História? Ou seja, valores imprescindíveis para o seu ensino, um valor que independa do tempo no qual se encontre, já que toda narrativa histórica transformada em saber histórico escolar tem um valor implicado. A resposta longe de ser única, acompanha a rede de relativismo em que a História foi constituída, uma vez que 'a história afirma o que é verdadeiro; no entanto, suas verdades não são absolutas', segundo (PROST,2014, p. 257). O debate em torno do ensino de valores entra, portanto, neste mesmo paradoxo de determinação da verdade, mas que ainda continua com a tarefa de conduzir e guiar o indivíduo. Tais reflexões são uma tentativa de responder aos alunos o que pretende o estudo da disciplina História, qual seu sentido de compreender o que somos hoje, ao mesmo tempo em que nos leva a refletir o que de fato é importante aprender e ensinar, que tipo de estudos a História pode ainda pode nos revelar, que dúvidas ainda podemos ter acerca do ensino dos diferentes discursos que encontramos ao longo do nosso percurso enquanto professores, e de como caminhar a partir destas considerações. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Fazer defeitos nas memórias: para que serve o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida ET AL (org.). Qual o valor da história hoje? -Rio de Janeiro: Editora FGV, 201, p. 21-39. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003. FONSECA, Thais Nívia de Lima. História & ensino de História. -3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. 120p. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. PROST, Antoine. Doze Lições sobre a história. -2 ed.;2. Reimp. -Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

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REFLEXÕES EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA NA GRADUAÇÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ José Petrúcio de Farias Júnior

Refletir sobre o ensino de História de Antiga tanto na Educação Básica, quanto no Ensino Superior, em tempos de reelaboração da Base Curricular Comum, assume, para muitos historiadores, caráter de militância. Ainda que saibamos que esta designação seja exagerada, ela sinaliza uma postura bastante comum no meio acadêmico, isto é, defendida por muitos historiadores. Não é difícil perceber que pesquisadores se questionam se não seria de fato mais produtivo suprimir dos projetos curriculares do ensino superior estudos dedicados à Antiguidade Oriental e Ocidental em detrimento da história pátria ou se não seria mais adequado investir na compreensão do aluno sobre a história regional ou nacional em lugar de períodos históricos mais recuados.

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Estes posicionamentos, mais presentes nos últimos dias, por ocasião das reflexões em torno da consolidação da Base Nacional Comum Curricular, mobilizaram os historiadores de História Antiga, de todas as regiões do Brasil, a apresentar seus argumentos acerca da relevância dos estudos da Antiguidade e do Medievo para compreensão do mundo contemporâneo. Entre eles, dois são os mais evidenciados: em primeiro lugar, considera-se tendenciosa qualquer proposta que limite as experiências cognitivas dos alunos, porquanto se subestima a capacidade dos estudantes em compreender os processos históricos, suas apropriações e ressignificações. Além disso, destaca-se que a Antiguidade e o Medievo, ainda que tenham sido momentos históricos constituídos por sociedades plurais, cujas categorias de pensamento, modos de agir, crenças, convicções, princípios e valores político-culturais sejam muito diferentes da sociedade na qual estamos inseridos, ajuda-nos a pensar sobre como determinadas experiências humanas foram ressignificadas ou sobre como atribuímos novos sentidos a nós mesmos, como cidadãos, e ao mundo em que vivemos. Afinal, como entender nosso mundo contemporâneo sem que observemos como ele começou a ser construído? Mais precisamente: como entender o socialismo sem estudar o surgimento da

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propriedade privada? Como entender a expansão do cristianismo no Ocidente sem conhecer o processo de afirmação do discurso cristão no Império Romano? Ou como entender a concepção moderna de democracia sem que reflitamos sobre a emergência dessa prática política na Antiguidade e suas apropriações pelo Ocidente? Estes questionamentos, entre muitos outros possíveis, levam-nos a reconhecer o motivo pelo qual não se deve negligenciar a Antiguidade e o Medievo na Educação Básica, menos ainda no Ensino Superior. Estes componentes curriculares, no Ensino Superior, tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos graduandos para lidar com elementos que compõem as nossas experiências cotidianas, como a concepção de democracia, a ideia de república, os movimentos cristãos, as circunstâncias históricas que viabilizaram a emergência de discursos religiosos, que movimentam hoje milhões de seguidores ou que possibilitaram a emergência do próprio gênero histórico, entre outros. Compreender a sobrevivência destas práticas político-culturais no mundo contemporâneo torna-se indispensável para pensar as particularidades das circunstâncias históricas nas quais estamos envolvidos. Trata-se, em outras palavras, de uma maneira de desnaturalizarmos o modo como nossa sociedade está organizada, isto é, entendê-la como uma invenção humana que não prescinde do acúmulo de experiências, as quais são, em certa medida, repensadas, ressignificadas ou tornam-se obsoletas, tendo em vista as demandas sociais que se apresentam em cada momento histórico. Além disso, a tentativa de compreensão de sociedades antigas, particularmente, torna-se uma atividade indispensável à formação do historiador que consiste em exercitar o olhar sobre o „outro‟, seus modos de agir e pensar, crenças e percepções de si. Olhar o ‟outro‟, a partir de suas experiências, seu universo simbólico ou a partir da forma como confere inteligibilidade a si e ao mundo em que vive, permite-nos aprimorar a reflexão sobre o nosso lugar no presente. Assim, ao contrário de estudar a Antiguidade como um período produtor de experiências culturais a serem emuladas por nós, convém pensar os antigos a partir de sua „diferença‟ em relação a nós. Queremos dizer, com isso, que é aconselhável estudar uma História Antiga que faça sentido às nossas indagações ou inquietações sociais. Sob esta ótica, o desenvolvimento de situações de aprendizagem por meio do uso de fontes históricas antigas deve

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contribuir para que nossos jovens manifestem um posicionamento crítico acerca das práticas culturais e políticas que emergiram na Antiguidade sob circunstâncias históricas específicas e se apresentam na contemporaneidade de uma maneira bastante particular.

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No que diz respeito aos currículos de graduação em História das regiões norte e nordeste, ainda que se percebam muitas diferenças quanto à disposição da carga horária das disciplinas que constam na matriz curricular, nota-se que o espaço dedicado ao estudo da Antiguidade tem se limitado a uma única disciplina semestral de aproximadamente 60 horas. Algumas universidades oferecem-na em 90 horas, mas são raros os casos em que elas são ministradas em dois semestres. E esta redução da carga horária tem se tornado comum em virtude das orientações provenientes das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Superior, as quais, no campo da História, têm requisitado a inserção de novos conteúdos, tais como História e Culturas africanas e afro-brasileiras bem como História indígena. Não questionamos a relevância de tais estudos, muito pelo contrário, mas sim a interpretação que muitos historiadores atribuíram a estas reformas curriculares. Dessa forma, as propostas de reformulação dos projetos políticopedagógicos dos cursos de Licenciatura em História, associada à desculpa de que não há historiadores de história antiga e medieval suficientes no país para atender às demandas das regiões norte e nordeste bem como a predisposição de muitos historiadores pelo estudo do tempo presente ou estudos voltados à História do Brasil ou da América Latina – perfil, diga-se de passagem, dos cursos de pós-graduação das regiões norte e nordeste – contribuíram para reforçar e até mesmo justificar o movimento de desvalorização da História Antiga e Medieval nos currículos de Licenciatura em História. Enfim, para muitos historiadores lotados institutos de ensino superior do norte e nordeste, as reformas curriculares estariam ancoradas na valorização da história do tempo presente ou da história do Brasil em oposição ao estudo das sociedades antigas orientais e ocidentais, incluindo a História Antiga da América. A redução da carga horária em História Antiga produz significativos impactos no ensino. Em virtude desta redução, muitos docentes se limitam ao estudo de alguns aspectos político-culturais da Grécia e de Roma, prática de ensino que, a meu ver, reforça as dicotomias

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entre ocidente e oriente, isto é, este recorte em geral desvaloriza a importância dos contatos culturais no Mediterrâneo como elemento fundamental para o desenvolvimento das sociedades antigas. Em outras palavras, o estudo da Grécia e de Roma são, em geral, apresentados de maneira dissociada dos diálogos que tais sociedades estabeleceram com os fenícios, sobretudo do norte da África, com os egípcios e demais sociedades nilóticas bem como com os impérios mesopotâmicos e grupos étnicos do Levante. O foco em determinadas experiências político-culturais da Grécia e Roma produz a falsa percepção de que tais sociedades produziram experiências políticas e culturais originais, isto é, desprovidas de quaisquer influências e relações com as sociedades antigas orientais. Os docentes que, a despeito da redução da carga horária, procuram desenvolver situações de aprendizagem que contemplam a Antiguidade Oriental e a Antiguidade Ocidental, grupo em que eu estou inserido, apresentam muitas vezes as sociedades antigas como uma espécie de catálogo ou quadros muitos genéricos e superficiais de tais grupos humanos por causa da falta de tempo em abordá-las de maneira mais apropriada, isto é, por meio de reflexões em torno de fontes históricas escritas, iconográficas, cartográficas bem como da cultura material. Este aspecto é um pouco minimizado na Universidade Federal do Piauí, campus de Picos, porque a disciplina de história antiga, ainda que seja concentrada no primeiro semestre e tenha carga horária equivalente a 60 horas, as aulas são ministradas duas vezes por semana com duração de, no máximo, duas horas. Então, em vez de 15 encontros semanais por semestre, nós temos 30 encontros semanais. No interior destas 30 aulas, 03 são dedicadas a uma espécie de introdução aos estudos da Antiguidade em que se mostramos aos alunos com que fontes históricas e quadros teóricometodológicos pretendemos trabalhar, a natureza interdisciplinar da História Antiga e, por fim, alguns aspectos indispensáveis à análise documental, conteúdos importantes para ingressantes do curso de História, já que a disciplina pertence ao primeiro semestre do curso de Licenciatura. Após este estudo introdutório, parte-se para a Mesopotâmia (04 aulas), com ênfase no processo de urbanização e consolidação das instituições político-administrativas e suas relações com as práticas religiosas; depois para o Egito (04 aulas), em que mais uma vez, confere-se destaque à relação mútua de solidariedade entre política e religião, em seguida, migramos para o estudo da História Antiga de

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Israel (04 aulas), no interior da qual salientamos as relações entre Arqueologia e História bem como elementos que nos ajudam a pensar a intencionalidade por trás da escrita do que comumente chamamos de „Antigo Testamento‟. Para evitar que tais sociedades antigas sejam estudadas às pressas, o que contribuiria para que os alunos tivessem apenas notícias sobre tais civilizações, cada módulo é iniciado por meio de uma situação de aprendizagem que intitulamos de Laboratório de História Antiga. A proposta desta aula consiste em analisar uma fonte histórica e utilizá-la como ponto de partida para refletir sobre determinada civilização.

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Dessa forma, antes de iniciar as reflexões sobre os principais impérios na Mesopotâmia, o Egito e sua relação com as sociedades nilóticas ou Israel e os povos do Levante, os alunos entram em contato com as fontes a fim de perceber diferentes categorias de pensamento, particularidades quanto a valores e princípios políticoculturais bem como especificidades no âmbito da organização administrativa. Iniciar um módulo pela fonte histórica permite, a nosso ver, instrumentalizar os graduandos quanto ao uso de diferentes tipos de fonte, suas marcas de autoria, destinatário, formas de circulação, entre outros aspectos, mas principalmente evita abordagens conteúdistas ou práticas de ensino meramente instrucionais. Então, ao final do estudo de determinada civilização antiga, é possível que o discente reconheça as circunstâncias históricas e condições de produção da fonte em questão bem como se posicione diante da historiografia que versa sobre as fontes analisadas. A proposta é que as aulas amadureçam o „olhar‟ do discente sobre a fonte. Esta estratégia de ensino evita, a nosso ver, o estudo da Antiguidade como uma espécie de catálogo de civilizações das quais temos apenas notícias. Quero dizer, mais precisamente, que o contato com os diferentes tipos de fonte possibilita experimentar a alteridade histórica e, adicionado a isso, dirimir perspectivas reducionistas ou simplificadoras sobre tais sociedades. O fato de os cursos de História Antiga estar, em geral, alocados nos primeiros anos da graduação, torna-se uma excelente oportunidade não só para treinar o graduando, historiador em formação, quanto ao uso de diferentes tipos de fonte, mas também para sensibilizá-los quanto às diferentes metodologias de análise documental de que o historiador faz uso.

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Após ter assisto às aulas sobre Mesopotâmia, Egito e Israel, por exemplo, a ideia é que os alunos já tenham entrado em contato com diferentes tipos de fonte. Neste ponto, os discentes já passaram por situações de aprendizagem centradas no gênero épico, como „Epopeia de Gilgamesh‟, em fontes epigráficas, como a „Estela de Hammurabi‟, fragmentos de fontes escritas de natureza biográfica, como „o nascimento de Sargão‟, escrito provavelmente pelo escriba Anet, 119, e administrativa, como os documentos produzidos pelos templos e palácios, os quais indicam a movimentação de bens e a dinâmica de concessão de propriedades privadas, como nos explica Emanuel Bouzon. Além disso, nas aulas sobre o Egito Antigo, os graduandos tem a oportunidade de conhecer outros tipos de fontes históricas como os hinos, dedicados a divindades do panteão egípcio, fontes iconográficas que remontam a atividades econômicas e práticas político-religiosas a fim de que compreendam a relação mútua de solidariedade entre política e religião na Antiguidade. E, nas aulas sobre a história antiga de Israel, mais um desafio: o uso de textos sagrados como fonte histórica; isto implica compreender o Antigo Testamento sob a ótica do processo de fortalecimento das monarquias israelitas no Levante, a partir do século VII a.C bem como sua natureza instrutiva ou pedagógica, sobretudo no âmbito da construção de identidades. Como se observa, estas situações de aprendizagem consomem quinze aulas das trinta dedicadas ao estudo da Antiguidade. Ainda no âmbito dos estudos da Antiguidade Oriental, uma aula é dedicada ao estudo dos persas com ênfase na concepção de império e nas estratégias adotadas pelos monarcas persas para assegurar a unidade político-administrativa. Aproveita-se esta oportunidade para relacionar os impérios persa, egípcio (reino novo) e mesopotâmicos (babilônio, assírio e neobabilônio) a fim de que se compreenda os dispositivos políticos que contribuíram para constituição de núcleos de poder e suas áreas de influência. Por fim, dedica-se mais uma aula ao estudo dos fenícios principalmente sob a ótica de seus contatos culturais no Mediterrâneo. Nota-se que este percurso é exaustivo e não prevê, por exemplo, eventualidades como feriados, afastamentos para congressos, bancas ou até mesmo casualidades quaisquer que impeçam o graduando de assistir uma parcela das aulas. Para que esta proposta de ensino funcione, é necessário que as 17 aulas sejam ministradas

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impreterivelmente, ainda assim, o estudo sobre os persas e sobre os fenícios ficam achatados em apenas uma aula (de duas horas) cada um. Outro agravante versa sobre o volume de leituras para cada módulo. Em geral, os graduandos têm dificuldade em ler e refletir sobre todos os textos e fontes históricas solicitados. Também não é difícil perceber que as interações em sala de aula ficam prejudicadas. As aulas são apresentadas no formato expositivo-dialogado, as intervenções ocorrem de maneira propositiva, mas as explicações fundamentais para o amadurecimento do „olhar‟ sobre as fontes são ministrados sempre às pressas, o que se torna um agravante quando se pretende lecionar a Antiguidade sob a ótica dos contatos culturais e a partir de inquietações contemporâneas sem que recorramos a comparações entre presente e passado de maneira anacrônica ou inadequada, tendo em vista as especificidades destas sociedades.

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Quanto às situações de aprendizagem que versam sobre a Antiguidade Ocidental, são reservadas apenas 13 aulas: aproximadamente seis para Grécia e seis para Roma. Tal como mencionamos anteriormente, a introdução de cada civilização ocorre por meio da leitura de fontes históricas em aulas intituladas por nós de „Laboratório‟. Para introduzir os estudos sobre Grécia Antiga, são recomendadas leituras de alguns capítulos da Ilíada, de Homero; Os trabalhos e os dias, de Hesíodo e apenas trechos da Constituição de Atenas, de Aristóteles. A fim de viabilizar tais investigações nosso recorte permanece voltado às relações mútuas de solidariedade entre política e religião. Como os estudos sobre as fontes históricas gregas e a democracia ateniense, em particular, demandam certo tempo de amadurecimento das ideias, as leituras sobre Roma Antiga, localizadas no final do semestre, ficam extremamente prejudicadas. A pretensão de um curso tão audacioso se justifica pela ambição de mostrar o diálogo profícuo e propositivo entre estas sociedades antigas, o que se desvencilha de uma perspectiva que as vê de maneira isolada ou que não reconhece compartilhamentos de ideias, valores e princípios político-culturais, assumidos de maneira singular por cada grupo étnico. Penso que, mais do que fazer ainda mais recortes ou cortes para tratar de experiências humanas em um arco cronológico tão extenso, devemos repensar sobre a importância de ampliar os estudos de História Antiga na universidade.

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Enfim, o estudo da História Antiga, no âmbito da graduação em História, instrumentaliza os graduandos, futuros pesquisadores e professores de História, a analisar diferentes tipos de fontes históricas; a reconhecer as limitações do conhecimento histórico, tendo em vista a natureza lacunar das fontes da Antiguidade; a compreender o ofício do historiador e suas responsabilidades no campo da História, a exercitar a compreensão do „outro‟ a partir de categorias de pensamento que se diferem substancialmente da nossa. Enfim, trata-se de um desafio por um currículo mais integrado e ofereça especialmente aos graduandos do norte e nordeste um amplo leque de possibilidades de pesquisa, ensino e extensão. Referências bibliográficas CANDIDO, Maria Regina. Pesquisas de Antiguidade Clássica no Brasil. ZIERER, A; XIMENDES, C. A. (Org.). História Antiga e Medieval: cultura e ensino. São Luís: Editora UEMA, 2009. CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008, p. 153-170. CHEVITARESE, André L.; CORNELLI, Gabrielle; SILVA, Maria Aparecida Oliveira. (Org.). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Fortium, 2008. FUNARI, P. P. A. A importância de uma abordagem crítica da História Antiga nos livros escolares. Revista História Hoje, São Paulo, n.4, 2004. ______. Poder, posição, imposição no ensino de História Antiga: da passividade forçada à produção de conhecimento. Revista Brasileira de História, SP, v. 18, n. 15, fev.1988, p. 257-264. GUARINELLO, N. L. Uma morfologia da História: as formas da História Antiga. Politeia: História e Sociedade, v.3, n.1, p.41-61, 2003. GOODY, J. O roubo da História: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. SP: Contexto, 2008.

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GÊNERO E ENSINO: A UTILIZAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DE GÊNERO EM SALA Jorge Luiz Zaluski Maycon André Zanin

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Nos últimos meses a educação escolar brasileira foi palco de novas discussões sobre o ensino e reformulações curriculares. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como ficou denominada, apresentada em 15 de setembro de 2015, veio em resposta ao Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que objetiva reorganizar o sistema brasileiro de ensino para melhor atender o currículo e as especificidades locais, regionais, dentre outras. (BRASIL, 2014) Em relação ao gênero, a BNCC é um dos primeiros documentos educacionais a diferenciar gênero, sexo e sexualidade. Como em relação à disciplina de sociologia, onde ao propor o ensino da formação indenitária, política e cultural dos/as indivíduos, destaca que, “[...] compreender a perspectiva socioantropológica sobre sexo, sexualidade e gênero.” (BRASIL, 2015, p. 300). Assim podemos destacar que os debates sobre gênero estão sendo inseridos gradativamente no sistema de ensino. Segundo a BNCC, “o componente curricular de História tem por objetivo viabilizar a compreensão e a problematização dos valores, dos saberes e dos fazeres de pessoas, em variadas especialidades e temporalidades, em dimensões individuais e coletivas.” (BRASIL, 2015, p. 241) Ou seja, a análise dos seres humanos no tempo. Ainda para o BNCC, “[...] uma questão central para o componente curricular de História são os usos das representações sobre o passado, em sua interseção do presente e a construção de expectativas para o futuro.” (BRASIL, 2015, p. 241). Partindo das premissas da BNCC, em desenvolver o ensino de História interessado na construção de expectativas para o futuro. E, da utilização de gênero como categoria de análise, este texto objetiva fazer uma breve discussão sobre a utilização de História em Quadrinhos (HQ) para o ensino de História e as discussões sobre gênero. Além de ser objeto de estudo da História, tais análises devem estar presentes em sala de modo a utilizar o debate para promover o combate às formas de violência e desigualdades de gênero. Para isso, como uma das várias possibilidades em utilizar os

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HQ´s, destacamos a história, “Tina em o feio”, publicada no Almanaque da Mônica, em setembro de 2012. Histórias em Quadrinhos, Gênero e Ensino Gradativamente as HQ´s foram inseridas nas práticas escolares. Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmavam a necessidade de inserir as Histórias em Quadrinhos em sala, principalmente para trabalhar os temas transversais (saúde, orientação sexual, cultura, meio ambiente e ética). (BRASIL, 1997, p.34) Desde então Mauricio de Souza, criador e roteirista de vários personagens, entre eles a Turma da Mônica, bastante conhecidos e consumidos por crianças, jovens e adultos. Junto à parceria com o Ministério da Educação (MEC) elaborou diferentes HQ´s temáticos e endereçados a atividades em sala. A História em Quadrinho analisada neste trabalho não faz parte destes HQ´s temáticos. Nossa escolha pela história selecionada consiste em destacar que a utilização dos HQ´s em sala não precisa abordar um tema especifico, ou no caso de história, tratar de um tema épico por exemplo. Os quadrinhos nas aulas de história além de servirem como um instrumento midiático para ampliar as possibilidades de ensino aprendizagem, como fonte histórica, e ainda, fazer com que os/as alunos/as tornem-se cidadãos críticos frente a realidade, permitindo que possam questionar, intervir e produzir o conhecimento histórico. A história destacada possui Tina como personagem principal. Segundo Luiza Baptista Fleury, a, [...] “Turma da Tina, composta por personagens adolescentes, sendo a Tina criada em 1964, se tornou hippie na década de 70, e nos anos 80 foi se tornando uma garota bonita e sexy, que fez tanto sucesso que ganhou uma revista própria.” (FLEURY, 2007, p. 21) Durante a década de 1990 em diante, várias das edições da Turma da Mônica passaram a publicar histórias curtas com a personagem Tina. Para Jussimara Sobreira de Campos, “[...] os temas de suas histórias são, em sua maioria, paquera e namoro, talvez numa antecipação de A Turma da Mônica Jovem.” (CAMPOS, 2013, p. 36) Assim, “Tina em: o feio”, numa trama desenvolvida para uma história de 4 páginas (71-74), onde inicialmente a personagem Tina ao atravessar a rua é chamada por um jovem que logo se apresenta como Antônio. Pergunta o nome de Tina, e assim que ela responde diz estar apaixonado por ela e a convida para uma conversa. Com a recusa da jovem, ele afirma que recebeu o não por ser feio.

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Constrangida a protagonista diz que aceita continuar a conversa. O rapaz a convida para tomar sorvete e a resposta negativa se repete. Antônio consegue o que quer ao fazer Tina pensar que ela esta o desprezando. Quando Antônio avista um amigo pede que Tina diga que eles são namorados, novamente com receio ela concorda com o acordo. Quando o amigo de Antônio se aproxima e toma conhecimento de que Antônio e Tina formam um casal, o rapaz acha que Antônio tem um problema por todo dia ter uma namorada diferente. Tina irritada da um soco em Antônio e vai embora. Não satisfeito, Antônio afirma que a garota não era “Tudo isso mesmo”.

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A história apresentada completa-se na medida em que as imagens e balões complementam a trama. Para Will Eisner, a [...] “função fundamental da arte em quadrinhos (tira ou revista), que é comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolvem o movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço.” (EISNER, 1999, pág. 38) Podemos perceber que para a compreensão da história, devemos entender que cores e gestos fazem parte da transmissão da mensagem, onde a diferente disposição e composição dos elementos que formam os quadrinhos podem influenciar ou contribuir para a leitura da história. Ressaltando a importância da disposição dos personagens nos quadros, os usos de diferentes formas de balões empregados na representação da fala ou pensamento podem contribuir para a interpretação do leitor. Assim, diante das limitações deste texto, estas observações consistem em apresentar possibilidades da discussão dos HQ´s em sala. Para Marjory Cristiane Palhares, a utilização dos quadrinhos em sala permite com que os/as estudantes sejam instigados a refletir sobre temas de seu cotidiano, mas que também são objetos da história. Entre algumas propostas de atividade, segundo a autora: “forma de utilização de HQ no processo ensinoaprendizagem pode ser a de inicialmente apresentar a HQ aos alunos que, após sua leitura, devem fazer um levantamento das temáticas presentes na mesma, e na sequência partirem para o estudo do conteúdo programático da disciplina em que tal temática está inserida”. (PALHARES, 2008, p. 13) Desta maneira, mesmo que o quadrinho selecionado não seja temático, épico, ou que trate especificamente sobre um tema, podem ser utilizados como fontes ou instrumentos pedagógicos. A história

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contada de Tina é um dessas HQ´s que contribuem para introduzirem temas importantes para serem discutidos na disciplina de história.

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Fonte: “Tina em: o feio.” Almanaque da Mônica. Editora Panini Brasil Ltda, nº 35. Ano 2012, p. 71-74. Acervo dos autores.

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Logo no ínicio da história nos chama a atenção a imagem introdutória da história. O personagem Antônio, é desenhado com apenas dois dentes na frente, facilmente caracterizando como uma mítica de um vampiro, olhando fixadamente para o corpo de Tina. Tina representada com um olhar de constrangimento e estranhamento ao ato de Antônio para para ouvir o jovem que a interrompeu de sua caminhada. Conforme David Le Breton, o corpo é resultante do contexto social e cultural do quais os/as sujeitos estão inseridos. É composto por gestos, expressão de sentimentos, produção de aparencia, jogos sutis da sedução, técnicas de corpo, dentre outras atividades que são desenvolvidas no cotidiano. (BRETON, 2009) Para tanto, uma das discussões iniciais para o ensino pode ser em relação ao corpo na história, como exemplo, de como nas relações entre homens e mulheres, o corpo é utilizado para o pertencimento e identidade de gênero. Ainda com base no quadrinho, podem serem inseridas discussões sobre as diferentes formas de violência de gênero, como a exposta na história de Tina, em que Antônio a constrange ao olhara para o seu corpo.

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Como destacado anteriormente, atribuiu-se gradativamente para a personagem Tina, o esteriótipo de uma jovem considerada sexy, com corpo claro e magro e a utilização de roupas curtas. Conforme Selma Regina Nunes de Oliveira, a representação feminina nos quadrinhos ganhou caracteristicas que diferenciam crianças, jovens e adultos. Enquanto as personagens infantis destituem a sexualidade, e as adultas, geralmente mães, são reafirmados traços da maternidade, as personagens jovens foram erotizadas, logo contribui também para a sexualidade dos/as leitores/as. (OLIVEIRA, 2002) Alexandre Eustáquio Teixeira, ao realizar um estudo sobre os quadrinhos da Turma da Mônica durante a década de 1990, com o objetivo de observar como foram tratados os personagens masculinos e femininos durante dez anos de edição, destaca que existiu a predominancia de atividades exercidas por personagens masculinos. Ainda conforme o autor, ao analisar uma entrevista de Mauricio de Souza sobre questões de sexo e drogas, destaca que Mauricio de Souza, especialmente nas edições da Turma da Mônica, preocupa-se em atender a heteronormatividade, que por ser “uma Revista de família” deve tratar sem abuso desses assuntos. (TEIXEIRA, 2009, p.12) O abuso que Mauricio de Souza se refere pode ser percebido aqui como a existencia de casais homoafetivos,

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que de certo modo contrariam com os ideias de uma sociedade concebida como heteronormativa. Além de tais discussões poderem ser trabalhadas em sala, nos incomoda a busca de manter certos valores. A história destacada de Tina nos aprsenta logo de inicio o possicionamento abusivo do jovem a garota, o que nos causa um estranhamento e incômodo. Ao darmos continuidade a história, percebemos que em todos os momentos Tina é representada como que incomodada com a situação, chegando a reagir de forma violenta a tentativa do beijo de Antônio e ao saber que todo dia ele estava com alguem diferente. Logo, podemos destacar dois pontos importantes: Tina como protagonista da história, não esta sujeita a dominação e imposição de Antônio; e, de que o título da história “Tina em: o feio”, pode corresponder as atitudes do personagem Antônio ter tomados atitudes consideradas “feias”. Sem adentrar em detalhes o decorrer da história apresenta diferentes atos feitos por Antônio que não são considerados corretos. Assim, a trama pode ser utilizada também para fazer com que os/as estudantes apontem os erros de Antônio, servindo como pontos iniciais para debater sobre as diferentes formas de violência de gênero. Entre os mais diversos meios de comunicação a possibilidade de ensino com a utilização das Histórias em Quadrinhos é bastante promissora. Histórias como esta protagonizada por Tina podem trazer diferentes contribuições para o processo de ensino aprendizagem, reafirmando seu papel educativo ao tratar de temas presentes na sociedade. Com as novas configurações curriculares, principalmente em não fixar-se em tempos históricos para a construção do conhecimento, os HQ´s podem ser utilizados como fontes e/ou instrumentos para desenvolver os debates iniciais do conteúdo. Referências BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1997. ___________. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1998. ___________. Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. __________ . Base Nacional Comum Curricular. MEC, Brasília, 2015. Disponível em:

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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documento/BNCCAPRESENTACAO.pdf Acesso em 13 de fevereiro de 2016. CAMPOS, Jussimara Sobreira de. Diferenças culturais na tradução de A Turma da Mônica. Dissertação em estudos linguísticos (146 fls) USP, 2013. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-18062013102220/pt-br.php. Acesso em 13 de fevereiro de 2016. EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FLEURY, Luiza Baptista. O discurso dos personagens secundários especiais da Turma da Mônica. Trabalho de Conclusão de Curso em Publicidade e Propaganda. Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, FASA, Brasília, 2007. Disponível em: http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1560/2/20427 290.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016. LE BRETON, David. A sociologia do corpo. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. OLIVEIRA, Selma Regina Nunes. O jogo das curvas. Revista Comunicação e Espaço Público. V. 5, n. 1 / 2, p, 2002, 32 - 43. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/12171/1/ARTIGO_Jogo Curvas.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016. PALHARES, Marjory Cristiane. História em Quadrinhos: uma Ferramenta Pedagógica para o Ensino de História. In: Secretária da Educação do Paraná: Arquivos. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/22628.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016. TEIXEIRA, Alexandre Estáquio. Meninos e meninas. Homens e mulheres: uma leitura sobre as representações de gênero em gibis da “Turma da Mônica”. In: Anais Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Salvador – BA. Disponível em: http://www.ses.uneb.br/anais/MENINOS%20E%20MENINAS.%20 HOMENS%20E%20MULHERES%20%20UMA%20LEITURA%20S OBRE%20AS%20R.pdf Acesso em 12 de fevereiro de 2016.

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A MORTE PARA OS ANTIGOS EGÍPCIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA Leonardo Candido Batista

A imagem mais conhecida, embora não a única do julgamento dos mortos, encontra-se no papiro de Hunefer. John Baines e Jaromír Málek (1996, p.218) descrevem a imagem com seu tema central sendo o coração do morto numa balança com Maat, a concepção egípcia da ordem correta, representada quase sempre como um hieróglifo, ou por uma pena de avestruz, ou por uma figura da personificação da Maat, deusa com uma pena metida numa fita à volta da cabeleira. Thot, o deus-escriba da sabedoria e da justiça, efetua a passagem diante de Osíris, que a preside a uma sala de julgamento com 42 juízes. Se o coração e Maat estão em equilíbrio, o teste é favorável e o morto (Hunefer) é apresentado a Osíris em trinfo. O julgamento é segundo Maat, ou seja, a conduta correta em vida. Em suma a figura demostra à esquerda Anúbis levando o morto, sendo que o mesmo verifica o equilíbrio da balança, enquanto Thot registra o resultado e uma figura conhecido como a "devorado" está à espera de comer o morto caso esse tão esteja em equilíbrio com a Maat. Hórus apresenta o morto a Osíris, cujos trono está colocado no "lago de natrão", do qual surge a lótus com os quatro filhos de Hórus; por trás encontra-se Isis e Néftis. Num pequeno registro superior o defunto venera um grupo e divindades compreendendo a enéade heliopolitana, sem Seth. Já as características são bem apresentadas por Ciro Flamarion Cardoso (1992, p. 99), apontando três grandes características da arte canônica egípcia. A primeira é o fato de evitar o uso da perspectiva. Os egípcios desejavam figuras que representassem os objetos e seres vivos como tais egípcios (ou alguns deles, aqueles que estabeleceram e mantiveram em vigor as regras da representação) achavam que eram. A segunda grande característica é o uso da variação no tamanho das figuras para indicar hierarquia - superioridade ou inferioridade relativa nas situações respectivas, sociais ou de outra natureza: o rei era superior a qualquer outro ser humano, sendo que tais hierarquias podem ser representadas graficamente por figuras de tamanhos diferentes. E a terceira característica seria sua unidade profunda com a escrita monumental daquela civilização (hieroglífica). Como a escrita usava também figuras, os limites entre arte representativa e escrita não eram estritos.

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Outra consequência da unidade básica da escrita e da arte é que eu muitos casos, os gestos das figuras humanas e divinas podem ser lidos, nas representações pictóricas ou nos relevos, como se fossem hieroglíficos. A arte para os antigos egípcios era utilitária. Acreditava-se que a figura de certo modo era aquilo que representava, podendo então suscitar magicamente a realidade. O artista, percebido como um artesão entre muitos outros, participava em seu próprio nível, segundo a ideologia oficial, da tarefa central de toda a sociedade egípcia: manter a ordem do cosmo, impedindo que este fosse engolido pelas forças do caos. Ao fazê-lo em forma adequada, no interior do sistema fortemente controlado das representações iconográficas, poderia no mínimo obter um status e uma remuneração médios em escala social.

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Muitos discursos se apropriaram do antigo Egito, com visões místicas, sendo muito romantizadas pelos filmes hollywoodianos, com múmias e suas implacáveis maldições, ou idealizadas com atores brancos nos papeis de faraós e outros personagens dessa civilização. Essa influência do Egito na sociedade ocidental está junto com o "Orientalismo" que tanto influenciou o discurso eurocêntrico, como Edward Said (2003, p. 34) comenta o Orientalismo depende dessa posição de superioridade flexível, que põe o ocidental em toda uma série de possíveis relações com Oriente sem jamais lhe tirar o relativo domínio. Esse estereótipo criado pela mídia, ajudou a fazer a imagem do Egito como uma civilização fúnebre, principalmente pelas diversas múmias encontras e mostradas por fotos e filmes. Sempre que o mundo egípcio é foco de um assunto, não têm como fugir das imagens das pirâmides e de todos os cuidados que os mortos tinham. É claro que os egípcios davam uma atenção especial para a morte, como destaca Sérgio Donadoni (1994, p.217) eles enchiam de papeis e parede com textos religiosos relativos aos mortos, o que permitiu conhecer, de uma forma articulada e direta, as concepções míticas, os rituais, as interpretações autênticas, conhecimento que não possuímos em relação ao resto do mundo antigo. Mas essa característica não pode ser tomada ao pé da letra, ela tem que ser contextualizada com as concepções míticas existentes dentro dessa sociedade, como explica Geoffrey T. Martin (1990, p.94) embora amplamente funérea e religiosa, em parte por acidente ou sobrevivência, a arte do antigo Egito está longe de ser funérea. Pelo contrário, é uma evocação alegre da vida e sua continuação para a eternidade. Muitas das informações que temos sobre a vida fúnebre do antigo Egito está contida em uma coletânea que se chama Livro

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dos Mortos, que seria uma coletânea de vários textos, como desde os textos das pirâmides que datam do Antigo Reino por volta de 23752150 a.C (data dos textos das pirâmides), aparecendo pela primeira vez como o rei Unis da V dinastia. Esses textos tinham funções tanto mágicas (focadas na palavra oral e escrita, tendo um efeito performativa, sendo que ao pronuncia-la ou coloca-la, por escrito, se torne concreto) quanto rituais, (de textos que eram recitados em funerais dos reis, evidenciando as continuas referências e oferendas). Antonio J. Morales (2015, p. 139) argumenta que o principal fator que explica desse corpus e sua notória transmissão é a heterogeneidade de sua constituição. Cada uma das seleções verificadas do Textos das Pirâmides representam uma sucessão de grupos, adaptada as práticas e crenças da tradição que se desejava refletir. Consequentemente no processo de transmissão do corpus, os sacerdotes e escribas encarregados da composição de novos programas podiam especular com os textos, e enfatizar diversas doutrinas teológicas, crenças populares e, sobretudo, tradições rituais. Os textos dos sarcófagos também estavam presentes no que se tornou o Livro dos Mortos. Sua compilação, embora não em um único livro com suas imagens e textos com certeza ajudaram a difundir as ideias fantásticas de maldições e outras atribuições melancólicas e desgraçadas. Como destaca Wallis Budge (2008, p. 55) o título Livro dos Mortos, pois ele não possui os conteúdos em massa dos textos religiosos , hinos, ladainhas e etc, na qual agora é melhor conhecido por esse nome, e não por qualquer que seja a representação do seu nome no antigo Egito REU NU PERT EM HRU "Capítulos do surgimento por dia", o nome Livro dos mortos, no entanto é mais satisfatório que o de "Ritual dos mortos", somente pequenas sessões podem ser descritas certamente como de caráter ritual, enquanto a coleção por completa das composições certamente se referem ao morto e o que acontece depois da tumba. Essas imagens ajudaram a propagar muito dessa visão estereotipa do Egito, ela ainda existe, mas os egípcios não viam não pensavam sua vida toda pensando no dia da morte, como destaca Donadoni (1994, p.218) uma civilização tão obstinadamente atenta aos precedentes de todas as suas manifestações como é a civilização egípcia está particularmente apta a continuidade do tempo e também a representação - mesmo apenas como memória daquilo que pode parecer terminado. Barry Kemp (1996, p.9) fala que que a principal dificuldade no estudo do antigo pensamento egípcio, são devidas as circunstâncias, já que enquanto um processo vivo, foi aniquilada por diversas mudanças culturais de grande magnitude, como a incorporação do Egito no mundo helenístico, a conversão ao cristianismo e a chegada do Islã, que conduziram a quase perda total

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ou destruição de sua literatura. Boa parte do que se podia capturar de forma associado por meio de símbolos ou associações de palavras desapareceram. Assim vemos que a vida funerária no Egito antigo era uma continuidade da vida mundana, além de comida era também enterrado, móveis e outras coisas luxuosas que faziam parte da vida do morto, inclusive representações em miniatura de seus funcionários chamados shabits. Como destaca Roger Chartier (2002, p.170) a imagem opera a substituições exterior onde uma força aparece apenas para aniquilar outra força em luta de morte, signos da força ou, antes, sinais e indícios que só precisam ser vistos, constatados, mostrados e depois contados e recitados para que se acredite na força de que são os efeitos.

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Para Dominique Valbelle (1990, p.64) a decoração dessas capelas construídas ou rupestres, quando não apresentam cenas de oferendas, nem desenvolvem ritos e fórmulas funerárias, especifica, conforme as épocas, apenas por meio do texto, ou também da imagem comentada, as propriedades do defunto e as atividades que ai se desenvolvem, os episódios notáveis de sua carreira e algumas manifestações de sua autoridade, dos acontecimentos a que assistiu ou nas quais participou, os membros de sua família, os amigos, os colegas, os superiores e os subordinados. Assim, o túmulo, para além de proclamar, pelas suas dimensões, pela qualidade dos relevos e pelo brilho das pinturas, a riqueza do proprietário, ainda recorda, até o ínfimo pormenor, a fortuna que permitiu sua existência. Referências BAINES, John e MALÉK JAROMIR. O Mundo Egípcio: Deuses, Templos e Faraós Vol II. Madrid: Edições Del Prado, 1996. BUDGE, Wallis. The Egyptian Book of the Dead. New York: Penguin Books, 2008. CARDOSO, Ciro Flamarion. Arte Canônica Egípcia: Regras Básicas para Relevos e Desenhos, 1992. CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: A História Entre Certezas e Inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade UFRGS, 2002. DONADONI, Sergio. O Morto. In: Donadoni (org.). O Homem Egípcio. Lisboa: Editorial Presença, 1994. FAZZINI A., Richard. El Egipto de los Faraones. El arte faraónica y la imaginación moderna. El Correo, Septiembre 1988.

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HARTOG, François. Memórias de Ulisses: Narrativas sobre a fronteira na Grécia antiga. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. KEMP, Berry. El Antiguo Egipto: Anatomía de una civilización. Barcelona: Crítica, 1992. MARTIN T, Geoffrey. FUNERÁRIA, MAS NÃO FUNÉREA: reflexões sobre a arte Egípcia da XVIII dinastia. In: Bakos, Axt, Pozzer, Costa Silva, Witczac e Oliveira (Orgs.). Anais do IV Simpósio de História Antiga e I Ciclo Internacional de Conferências Em História Antiga Oriental. 1990 MORALES, J, Morales. El ritual em los Textos de las Pirámides: sintaxis, texto y significado. Revista de Ciencias de las Religiones, 2015, 20, 137-164. SAID W, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. VALBELLE, Dominique. A Vida no Antigo Egipto. Mira-Sintra: Coleção Saber, 1991.

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PRÁTICA CURRICULAR E HISTÓRIA ANTIGA: DESAFIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA Luana Neres de Sousa

Introdução

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No segundo semestre letivo do ano de 2014, fui convidada pela coordenação do curso de Licenciatura em História do Instituto Federal de Goiás, campus Goiânia, para ministrar a disciplina de Prática Curricular, cujo recorte temático teve como foco os estudos sobre a Antiguidade. Na ocasião eu cumpria contrato como professora substituta, atuando tanto na Licenciatura quanto no ensino básico tecnológico. O objetivo geral da mesma foi analisar o modo como os conteúdos de História Antiga são apresentados em manuais didáticos do Ensino Fundamental e Médio no Brasil para posteriormente, os alunos produzissem novos materiais didáticos, mais atualizados. Como objetivos específicos, a disciplina se propôs a identificar problemas no ensino do conteúdo de História Antiga no Ensino Fundamental e Médio no Brasil e levar o aluno a se familiarizar com a transposição do conteúdo teórico e do saber acumulado em seu processo de formação para a prática de ensino, além de avaliar materiais didáticos que abordam conteúdos na área de História Antiga e problematizar o modelo dominante de ensino da História Antiga no Brasil, que reproduz o eurocentrismo e o enciclopedismo. Etapas desenvolvidas A disciplina foi metodologicamente pensada para ser trabalhada em três fases: na primeira, foram ministradas aulas expositivas e dialogadas nas quais analisamos a legislação referente à Prática Curricular nos Cursos de Formação de Professores da Educação Básica, o parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001, que versa acerca da Prática enquanto componente curricular e o que dela se espera nos cursos de formação de professores. Na segunda etapa, os alunos foram divididos em grupos a fim de que apresentassem em forma de seminário trabalhos de importantes professores e pesquisadores brasileiros que versam sobre o ensino de História Antiga e a maneira como este conteúdo é trabalhado nos livros didáticos. Destacamos os trabalhos de Ana Teresa Marques

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Gonçalves, Fábio Faversani, Pedro Paulo Funari, Gilvan Ventura da Silva, Maria Auxiliadora Schmidt e Andreia Dorini Rossi. A última etapa foi planejada para que os alunos analisassem livros didáticos de História utilizados na atualidade, identificassem os principais problemas referentes aos conteúdos de História Antiga presentes nessas coleções e produzissem novos materiais didáticos que suprimissem as lacunas presentes nos livros analisados. Todavia, em decorrência de inúmeras carências na formação desses alunos que foram sendo identificadas ao longo dos encontros, os mesmos não conseguiram produzir novos materiais. A avaliação precisou ser repensada e a nova proposta era que os alunos analisassem os livros didáticos, apresentassem os problemas identificados nas coleções e elaborassem um plano de aula em que seria utilizado o livro analisado (que é o que eles têm disponíveis nas escolas onde realizam o estágio ou até mesmo onde alguns já lecionam) procurando sanar as brechas identificadas. Apresentação dos resultados O exercício de projetar uma disciplina que abordaria o ensino de História Antiga em turmas do ensino básico foi bastante rico e produtivo, sobretudo no que diz respeito à troca de experiência entre mim e os graduandos, e entre eles mesmos. Para minha surpresa, à medida em que as apresentações aconteciam, diversas aspectos referentes à deficiência do ensino de História Antiga surgiram, inclusive, nos cursos de nível superior de História. Ao trabalharmos conteúdos que dizem respeito à Antiguidade Oriental, diversos graduandos demonstraram desconhecer sequer a localização geográfica das sociedades estudadas. Um aluno do 7º e último período da Licenciatura em História do IFG, que chamarei de A, afirmou que apenas naquele momento descobriu que a Mesopotâmia se localizava na região onde atualmente denominamos de Oriente Médio. O aluno A disse sempre ter imaginado que a Mesopotâmia fosse uma região da África, assim como o Egito. Complementando a fala do aluno A, uma aluna B, expôs que tanto na educação básica quanto na graduação, um mapa nunca foi utilizado na sala para que os alunos localizassem as sociedades do Antigo Oriente Próximo, salvo os mapas que apareciam nos livros didáticos que muitas vezes sequer eram utilizados pelos professores. Em relação ao conteúdo de Antiguidade Clássica, muitos estereótipos foram expostos pelos alunos durantes os debates. Posso

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citar como exemplo ideias de que os gregos eram homossexuais, ou que em toda a Grécia em todos os tempos se valorizava a Filosofia, que as mulheres gregas e romanas eram desprovidas de direitos (não apenas os direitos políticos, mas que as mulheres não possuíam quaisquer direitos nessas sociedades), que os deuses gregos e romanos eram os mesmos, apenas mudando de nome, dentre outras. Foi preciso trabalhar nas aulas de Prática Curricular conteúdos básicos que deveriam ter sido discutidos nas aulas da disciplina História Antiga e ensinar os graduandos a trabalharem com documentos produzidos na Antiguidade (fontes escritas e materiais).

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Diante de tantos problemas é necessário questionar sobre que professores estão sendo formados nos cursos de História nas Instituições de Ensino Superior brasileiras. Conforme afirma Renata Rodrigues é necessário que o professor seja capaz de realizar uma leitura atenta e questionadora dos conteúdos presentes nos livros didáticos (RODRIGUES, 2012, p.33). Mas como ter condições de realizar essa leitura se o professor não recebeu formação adequada? É sabido que não existem especialistas em Antiguidade lecionando aulas de História Antiga em todos os cursos de licenciatura em História no país. Muitas obras com debates fecundos e atualizados sobre conteúdos referentes às sociedades do Mediterrâneo sequer são traduzidas para o português ou estão disponíveis para os alunos. Para que seja possível que os professores da educação básica sejam capazes de analisar e questionar os livros didáticos disponíveis e produzir seu próprio material didático é preciso, antes, que haja uma transformação na estrutura e nos teores ministrados nos cursos superiores de História. Em contrapartida, a ideia da Prática Curricular nos cursos de licenciatura é extremamente positiva, pois proporciona aos alunos a capacidade de identificar possíveis problemas em sua formação e propor soluções que visem ampliar seu conhecimento ainda enquanto graduandos. E aos professores das Instituições de Ensino Superior, tal tipo de experiência oferece a oportunidade de repensar o curso que os mesmos oferecem. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001. Brasília, DF, 2001c. Disponível em: http://www.uems.br/proe/sec/Parecer%20 CNE-CP%20028-2001.pdf. Acessado em 06/02/2016.

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FAVERSANI, Fabio. Ler e Escrever: Livros Didáticos. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 11-18, 2011. FUNARI, Pedro Paulo. A Renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de sula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2013. p.95-107. ______. Poder, Posição, Imposição no Ensino de História Antiga: da Passividade Forçada à Produção do Conhecimento. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 8, nº 15, p.257-264, 1988. GONÇALVES, Ana Teresa Marques. Os Conteúdos de História Antiga nos Livros Didáticos Brasileiros. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 3-10, 2011. PINKSY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa e consequente. In: In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de sula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2013. p.17-36. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da Sala de Aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. p.54-66. SILVA, Gilvan Ventura da. História Antiga no livro didático: uma parceria nem sempre harmoniosa. Dimensões – Revista de História da UFES. Vitória, n. 11, p.231-238, 2000. ______. Simplificações e Livro Didático: um estudo a partir dos conteúdos de História Antiga. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 19-23, 2011. RODRIGUES, Renata Cardoso Belleboni. Reflexões no ensino da História Antiga. NUPEM. Campo Mourão, v.4, p.1-12, 2012. ROSSI, Andréa Lúcia Dorini; RODRIGUES, Lucas Luando Castela. Elaboração de Material Didático para o ensino de História Antiga. In: PINHO, Sheila Zambello de; SAGLIETTI, José Roberto Corrêa (orgs.). Núcleos de Ensino da UNESP: Artigos dos Projetos realizados em 2004, 2006, p. 655-665. Disponível em goo.gl/sgFuSm. Acessado em 09/08/2014.

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CAPOEIRA: PATRIMÔNIO IMATERIAL DE PERNAMBUCO EM SALA DE AULA Lucas Rodrigues Pereira da Silva Jessika Lima Costa

O presente trabalho mostrará a importância de abordar capoeira em sala de aula, pois é sabido que a capoeira é patrimônio imaterial do Brasil, entretanto, apenas este reconhecimento não é o suficiente para que o aluno a conheça bem, é necessário mostrar suas origens e sua grande importância para a cultura do país, para tal é necessário fazer com que o aluno olhe a capoeira não somente como uma arte marcial, mas também como uma maneira de um povo se identificar e se defender.

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É preciso salientar ao aluno que a capoeira mesmo possuindo raízes africanas é uma dança genuinamente brasileira, sendo assim tornase importantíssimo mostrar ao aluno como surgiu a capoeira. A capoeira tem suas raízes em Angola, no ritual de passagem para a vida adulta, os homens de algumas tribos participavam de uma dança com o objetivo e tocar a cabeça de outro homem com os pés; estes costumes chegaram ao Brasil pelos angolanos Os escravos eram proibidos de praticar qualquer tipo de luta, sendo assim, constantemente eram vítimas dos feitores e capitães do mato, mas o que era uma dança acabou-se tornando uma luta; disfarçadamente os escravos praticavam uma dança em terrenos que ficavam mais afastados das senzalas, eram conhecidos por "capoeira", que mais tarde daria nome a luta. Mas a capoeira demorou bastante tempo para ser reconhecida, até o século XIX a prática era considerada um crime, a capoeira não era praticada em ambientes fechados, mas sim nas ruas e praças, o que acabava em brigas com a polícia, maculando ainda mais a imagem da capoeira; entretanto, com a chegada das artes marciais orientais, a capoeira sofreu algumas mudanças, agora a capoeira começava a ser praticada em ambientes fechados, criaram-se academias para a prática da luta. Muitos mestres lutaram para o reconhecimento da luta, um deles, mestre Bimba, mostrou ao então presidente Getúlio Vargas a dança, o presidente ficou achou a dança muito bonita e a considerou como uma arte marcial puramente brasileira. A partir desta explicação o aluno perceberá que a capoeira tem suas raízes em Angola, ou seja, em apenas um país de todo o continente

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africano, quebrando o velho estereótipo de que a capoeira é conhecida em todo território africano; além disto, o aluno perceberá que, antes de receber o nome que tem, a capoeira era apenas uma dança ritualística que marcava a passagem do homem para a vida adulta, a partir destes dados o professor pode elaborar atividades com aluno para que o mesmo mostre as diferenças entre a dança feita em Angola e feita no Brasil, elencando seus diferentes objetivos; após esta atividade os alunos poderão expor aos colegas a opinião de cada grupo sobre o tema. Em seguida o professor pode organizar uma roda musical com os instrumentos musicais usados na capoeira, podendo explicar também a origem de cada instrumento. O professor também pode propor uma atividade mostrando como a capoeira é vista hoje em dia, quais preconceitos a acometem, e como ela vista na sociedade, o aluno pode fazer perguntas em sua casa e trazer as respostas para a sala, assim terá uma nova discussão sobre o tema, assim o aluno entenderá por quais motivos a capoeira é mal vista por uma boa parte da sociedade. O professor pode pedir para que os alunos discutam sobre a capoeira na comunidade, se há rodas com frequência e como a comunidade ver a capoeira. Para finalizar a atividade pode ter uma atividade extraclasse, os alunos poderão organizar rodas no pátio da escola, fazer oficinas com instrumentos musicais e também organizar uma sala de vídeo com documentários sobre a capoeira. Logicamente estas atividades não darão fim ao preconceito, mas farão com que muitos alunos tenham um novo olhar com relação a capoeira, sendo assim, fazendo com que tenham um senso crítico maior com relação a assunto voltados à África. De acordo com a Lei nº 10.639/03, torna-se obrigatório a inserção da temática cultura Afro-brasileira no ensino de História nas escolas, tanto públicas como privadas, pois se torna impossível compreender a história do Brasil sem conhecer a diversidade cultural que esteve presente em todo o processo de formação do país, principalmente com relação aos negros da África, os angolanos no caso da capoeira, que tiveram um papel de grande importância na nossa história. É devido ao que a capoeira representou que ela tornase um meio de socialização e educação, pois além de ser uma dança, arte, luta, ela faz parte da nossa história, transmitindo aspectos culturais dos africanos. Os conteúdos da capoeira são de grande importância dentro do âmbito escolar, pois ajudam na formação de seres humanos capazes de lidar com as diferenças, aplicando conhecimentos amplos da cultura popular, resgatando a história e influência do negro na manifestação da cultura brasileira. Pode-se

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trabalhar, por exemplo, dentro do contexto histórico da escravidão, com seus costumes e tradições culturais dos povos africanos dentro do contexto da América Portuguesa e como isso se reflete nos dias atuais, temas como os Navios Negreiros, Abolição, Quilombos, relações de poder entre os escravos e donos de engenho e muitos outros. A capoeira nas escolas, em especial na disciplina de história procura privilegiar os valores éticos e estéticos dentro da proposta educativa, esta metodologia de ensino estimula os alunos ao aprendizado, considerando a capacidade de formação de pessoas críticas e conscientes de sua própria história.

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A capoeira como tema da cultura afro-brasileira é inserida no ensino de história nas instituições de ensino colabora para uma educação contra o preconceito e consequentemente a construção de uma sociedade mais democrática para todos, que reconheça e respeite a diversidade. Portanto é necessário repensar o ensino de história neste âmbito, podendo contribuir para essa discussão a fim de dar maior visibilidade à participação e contribuição dos negros no processo de formação da nossa sociedade. A capoeira possibilitará aos alunos o conhecimento da história dos africanos e seus descendentes, e ao mesmo tempo desprendendo da presente segregação racial tão enraizada em nossa sociedade, sustentando o preconceito e a desigualdade. Referências História da Capoeira, disponível em: http://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/historia_da_capoe ira.htm. Capoeira/História, disponível em: http://www.suapesquisa.com/educacaoesportes/historia_da_capoe ira.htm. LISBOA, Magno da Nóbrega, SILVA, Alcione Ferreira. As contribuições da capoeira para o ensino de história e cultura Afrobrasileira, apud. Cadernos penesb - periódico do programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira - FEUFF (N.7) (novembro 2006) rio de janeiro/niterói - quartet/eduff, 2006. SANTOS, Isabele Pires. As contribuições da capoeira para o ensino de história e cultura afro-brasileira, apud. Cadernos penesb periódico do programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira - FEUFF (N.7) (novembro 2006) rio de janeiro/niterói - quartet/eduff, 2006.

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ECOS DA RECLUSÃO: O ENSINO DE HISTÓRIA PARA ADOLESCENTES EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE Luciana Mendes dos Santos

No ano de 2015 recebi a proposta de trabalhar como professora de História para turmas formadas por adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas socioeducativas privativas de liberdade no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da Grande Florianópolis. Esse não foi o primeiro contato com adolescentes infratores que tive em minha vida profissional, posto que já havia atuado em um projeto sobre o patrimônio de São Paulo pela Fundação Energia e Saneamento com adolescente em liberdade assistida (LI), no entanto era a primeira vez que seguiria um ano letivo inteiro com alunos em reclusão dentro de um espaço de privação de liberdade. Não aceitei essa proposta como um desafio, no sentido do obstáculo a ser superado ou de uma competição a ser vencida, encarei como uma possibilidade de experiência, colocandome como sujeito de um processo em que era essencial suspender alguns preconceitos e rever algumas cautelas, dando oportunidades para que as coisas me aconteçam nessa jornada, me expondo. Assim como argumenta Jorge Larrosa Bondia, "É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre" (2002, p. 25). As instalações do Case da Grande Florianópolis substituíram o antigo Centro Educacional São Lucas, também destinada à internação de jovens infratores e interditada em 2010 por descumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as normas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). O Case da Grande Florianópolis é uma unidade modelo para os outros municípios e suas atividades tiveram início em outubro de 2014, com capacidade de atendimento para até 90 adolescentes, sendo 70 em internação definitiva e 20 em internação provisória, segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania. A escolarização dos adolescentes era uma das premissas para que a instituição pudesse iniciar suas atividades, e optou-se por estruturar uma escola dentro das dependências do Case em parceria entre a Secretaria de Educação e de Justiça do Estado de Santa Catarina.

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Por conta da exposição pela mídia de crimes hediondos cometidos por adolescente nos últimos anos, a discussão sobre os jovens infratores no Brasil se tornou intensa e surgiram projetos de lei que defendem a alteração da maioridade penal para 16 anos sustentados pelo argumento de que as medidas socioeducativas são ineficientes no controle da criminalidade e estimulam a prática criminosa, fortalecendo a crença que a punição e a repressão são as melhores armas. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), no ano de 2013 tínhamos 23,1 mil adolescentes privados de liberdade por medidas socioeducativas. Estas medidas são definidas pelo Eca e possuem a função de educar, buscando estruturar o adolescente para que não haja a reincidência do ato e o tratamento é diferenciado por considera-lo penalmente inimputável entre os 12 e os 18, por conta da ausência de maturidade psíquica para entender a gravidade do ato infracional.

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O Case atendia em média 35 adolescentes entre internos e provisórios entre 15 e 18 anos, e grande parte deles tinha cometido atos infracionais como roubo e tráfico. As salas de aula são formadas por turmas pequenas, até cinco alunos, que eram divididas inicialmente por "casas", como são chamados os espaços onde os adolescentes vivem, e no segundo semestre foi adotada a seriação. A maioria dos adolescentes evadiu a escola e alguns não eram alfabetizados, o que colocava a nós, os docentes, em situações complexas de ensino, criando a necessidade constante de refletir sobre nossa prática e realizar trabalhos multidisciplinares tentando, sobretudo, evitar mais uma exclusão desses adolescentes do processo educativo. Em nossas conversas e reuniões, onde conseguíamos trocar nossas experiências, era lugar comum entre os docentes a ideia de que seria muito difícil realizar um trabalho em educação com os jovens sem considerar a vivência de cada educando, sem olhar para as histórias dos nossos jovens e as experiências acumuladas por eles em suas vidas, e refletíamos também sobre como trabalhar com a grande responsabilidade que assumimos de dialogar sobre possibilidades de vida e apresentar opções aos adolescentes que até então só viam a alternativa da criminalidade como caminho viável para uma vida confortável. Assim como defende Paulo Freire, a liberdade não é uma dádiva oferecida a alguém, ela deve ser conquistada em sociedade, "Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão" (1987, p. 29), o nosso processo educativo era baseado pelo diálogo, pelo questionamento e pela reflexão, construindo um espaço onde o educando podia

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expressar e questionar sua percepção da realidade, buscando formas de se libertar de sua presente situação. Quando iniciei o meu trabalho os adolescentes tive a possibilidade de construir meu planejamento em conjunto com os educandos. Na primeira semana de trabalho sugeri que todos pensassem em temas históricos que lhes fossem interessantes ou que eles quisessem aprofundar seus conhecimentos. Pedi que eles sugerissem algo que fosse próximo a sua realidade e que lhe chamassem a atenção, porque era a partir dessas sugestões que seria feito o cronograma de nossas aulas, e que se eles precisassem de apoio podiam consultar os livros disponíveis na biblioteca da instituição. Como conhecimento em História dos educandos não estava de acordo com a seriação de muitos, selecionei alguns temas de trabalho sobre a História do Brasil como sugestão, como período colonial e o tráfico negreiro, as revoltas no período monárquico e Ditadura Militar de 1964, pensando que discutir algo da História do país seria mais fácil pela proximidade cultural. Nenhum deles chamou a atenção dos jovens, porque o que eles realmente tinham interesse em saber era sobre as guerras, principalmente sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e eles queriam aprender sobre esse período a partir de filmes, histórias em quadrinhos e sobre as armas utilizadas pelos soldados. Segundo Hobsbawm, não é possível entender o século XX sem entender a Guerra Mundial. E utilizando o conceito de Guerra Total do autor, considerando os dois conflitos como único, tencionei trabalhar a vida dos indivíduos que estiveram envolvidos nos campos de batalha e dos civis que sofreram com os reflexos da guerra, buscando assim uma compreensão dos processos do conflito. Com os adolescentes do Case, eu considerei importante focar nas experiências pessoais da guerra e não apenas na construção do fato, para tentar aproximar e refletir sobre as relações entre os homens em uma situação de desumanização, cenário conhecido por muitos dos jovens em situação de reclusão. Como ferramentas de trabalho eu utilizei o filme Gloria Feita de Sangue (1957), dirigido por Stanley Kubrick, fotografias dos campos de batalha e das armas utilizadas, cartas de soldados e da família de combatentes, e uma história em quadrinhos feita pelo site Capinaremos (www.capinaremos.com acesso: 22 de jan. 2016). Trabalhamos com uma breve contextualização dos conflitos para que os adolescentes pudessem entender em qual conjuntura a Guerra Total estava se formando com o auxílio da história em quadrinhos.

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Nessa etapa utilizamos também slides como ferramenta de trabalho e sugerimos pequenos projetos de pesquisa entre os jovens com o apoio do material presente na biblioteca. Depois de apresentado os resultados da pesquisa, todos assistiram o filme Gloria Feita de Sangue, de Stanley Kubrick, discutindo a banalização da vida durante a guerra como tema central. Os professores de geografia, de português e de ciências começaram a trabalhar em conjunto com o projeto, refletindo sobre a vida do indivíduo em um processo de total violência, onde o sujeito se perde em benefício de algo que é considerado um bem maior. Nas conversas com os adolescentes, a assimilação com as situações de violência vivida por eles era inevitável e essa troca foi muito enriquecedora por possibilitar um diálogo entre a realidade dos adolescentes e as vivências da guerra pelos combatentes e os civis. O compromisso em ser o mais objetivo possível com a história era claro, e não tentamos igualar as experiências desses sujeitos com daqueles que viveram entre 1914 e 1945. Mas o objetivo inicial foi alterado com o processo: não bastava agora apenas entender os fatos relativos à Guerra Total, era necessário refletir sobre essa subjetividade onde o adolescente do século XXI observa os lampejos de sua vivência nessas experiências.

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Quando iniciei o trabalho com as cartas dos combatentes um dos educandos chegou a comparar a vida na guerra como a vida numa prisão, porque os jovens criaram relações diretas entre as cartas dos soldados com as cartas que eles escreviam para suas famílias, amigos e namoradas. Separei cerca de dez cartas de combatentes alemães, ingleses, franceses e russos e discutimos como as comunicações se davam naquele momento, como as cartas chegavam aos seus destinos e como elas chegaram até nós. A sugestão de atividade para essa etapa do trabalho foi chamada Ecos da Trincheira, onde os adolescentes deveriam escrever cartas como se estivessem nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, e ela rendeu ótimos resultados. Eles utilizaram toda a discussão realizada com as turmas para fundamentar seus argumentos nas cartas, questionando e refletindo sobre a situação de um soldado nos campos de batalha. Um dos adolescentes, W. de 17 anos, escreveu como um soldado alemão e disse seguinte em sua carta: "Querido amigo, venho firme e forte dizer que a guerra estava fácil, mas com a entrada dos Estados Unidos vai ficar difícil. A Rússia tinha desistido , mas o que adianta um país forte desistir e outro mais forte ainda comprar a parada". Nas cartas há uma mescla do que eles aprenderam com o que eles estão sentindo no momento. O adolescente M., de 16 anos, inicia sua carta dizendo que sente muita falta de sua mãe agora que ele está longe, e pede que ela não se afaste de sua mulher e de seu filho caso

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ele morra, outro, A. de 15 anos pede que a família não se preocupe com ele porque ele está lutando pelo o que ele acredita. O encerramento da atividade foi uma exposição chamada Ecos das Trincheiras, organizada no espaço da biblioteca com as cartas produzidas pelos adolescentes. Nesse espaço a família dos jovens puderam ver os trabalhos produzidos pelos educandos, o que foi emocionante para todos e os estimulou positivamente a continuar produzindo materiais durante o processo educativo. Outra troca interessante foi entre os adolescentes que leram as cartas dos colegas e comentaram entre si, fazendo elogios e sugerindo alterações. Com este processo, percebo que os estudantes do Case conseguiram pensar historicamente e refletir sobre sua realidade, questionando alguns lampejos do passado em sua contemporaneidade, assim como afirma Walter Benjamin, analisando o passado eles não o conheceram tal como ele foi, e sim buscaram um lampejo desse passado para observar as possibilidades de futuro (LOWY, 2005). E outras possibilidades de futuro é o que devemos buscar em conjunto para os adolescentes em situação de risco. Referências BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência IN: Revista Brasileira de Educação [online]. 2002, n.19, pp. 20-28. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003 acesso: 02 de fev.2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. LOWY, Michael. Walter Benjamin. Aviso de Incêndio: Uma leitura das teses "Sobre o Conceito de História". Trad. Wanda N. C. Brant, Jeane M. Gagnebin, Marcos L. Muller. São Paulo: Boitempo: 2005. SILVA, Enid R. A., OLIVEIRA, Raissa M. O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal: esclarecimentos necessários IN: Nota técnica. Nº 20. Brasilia: Ipea, 2015.

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O ROCK BRASILEIRO DAS DÉCADAS DE 1970-80 E O ENSINO DE HISTÓRIA: DISCURSOS E POSSIBILIDADES Luis Alberto Gottwald Junior

A música encontra-se ligada ao homem de diversas formas. Em diferentes situações, a música pode ser acalentadora, agitadora ou gerar ambos os sentimentos ao mesmo tempo. Por trabalhar as diferentes sensibilidades, a música passou a ser utilizada por compositores dos mais diferentes estilos, pois tem a capacidade de falar ao ouvinte sobre determinadas ideologias, práticas, comportamentos.

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Na ditadura militar, a música foi utilizada como ferramenta legitimadora ou contestadora. A ditadura militar foi um período da História brasileira que compreendeu desde o ano de 1964 até 1985. No cenário musical, a censura imposta pelo AI-5 inibe artistas de produzirem canções de protesto mais objetivas, com mensagens diretas. Com a gradual abertura política realizada ao longo da década de 1970, algumas letras passam a serem mais críticas. Para Carlos Fico (2004), A censura da imprensa acompanhou o auge da repressão (quando se pensa em cassações de mandatos parlamentares, suspensões de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos políticos) que se verificou entre finais dos anos 60 e início dos anos 70. A censura de diversões públicas, porém, teve seu auge no final dos anos 70, já durante a "abertura". (FICO, 2004, p.32). O autor divide a censura em dois aspectos específicos: a censura efetuada contra a imprensa e a censura direcionada a diversões públicas. No primeiro caso, o período de encerramento do processo de restrição se dá no início da década de 1970. Já a censura de diversões públicas ainda se mantém por tempo maior, devido ao controle exercido no campo social. Portanto, analisar canções produzidas nestes dois momentos históricos dentro de sala de aula é significativo para a produção de consciência histórica nos estudantes. Para Abud (2005), As letras de música se constituem em evidências, registros de acontecimentos a serem compreendidos pelos alunos em sua abrangência mais ampla, ou seja, em

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sua compreensão cronológica, na elaboração e ressignificação de conceitos próprios da disciplina. Permite que o aluno se aproxime das pessoas que viveram no passado, elaborando a compreensão histórica, que vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em relação à determinada situação. (ABUD, 2005, p.316). Dessa maneira, é importante que o aluno entre em contato com estas fontes, produza conhecimento histórico e compreenda que a música é uma das mais variadas formas de comunicação política e social de um período em que diferentes níveis de repressão condicionavam a diferentes tipos de obra. Portanto, analisar o processo da ditadura militar mediante o uso de canções é uma das formas de possibilitar aos alunos o ato de construir o conhecimento histórico. Esta pesquisa se deu pela necessidade de se repensar diferentes fontes para trabalhar a visão de intelectuais músicos na ditadura militar. Enquanto o conteúdo do livro didático é voltado a compreender aspectos político, econômicos e sociais do período, de forma geral, a música gera interesse dos alunos para o processo histórico vivido. Além disso, ao entrar em contato com diferentes letras de música, o estudante pode conhecer artistas que se posicionaram favoráveis ou contrários ao regime militar, o que auxilia na compreensão de uma História que opera na tensão de forças diferenciadas. Quanto ao estudo da música no espaço acadêmico, Napolitano ressalta que os estudos de música popular no Brasil devem realizar um trabalho urgente de ampliação do corpus documental que vem sustentando as pesquisas. Algumas recorrências documentais revelam uma certa dificuldade em ampliar as bases heurísticas dos estudos relativos à música brasileira.(NAPOLITANO, 2002, p.49) Sendo assim, para o autor, é imprescindível que pesquisas tratem de pesquisar temáticas ligadas à análise da música enquanto fonte, nos diversos espaços sociais. Dentre estes espaços, a escola figura como local em que a canção pode exercer a função de educar e transformar. Napolitano (2002, p.50) ainda ressalta que "a música, pensada em relação à cultura, poderia ser considerada como um veículo "universal" de comunicação, no sentido que não se tem notícia de nenhum grupo cultural que não utilize a música como meio de expressão e comunicação" (NAPOLITANO, 2002, p.50).

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Para este autor, a linguagem musical tem importância tão significativa dentro da sociedade que passou a ser um veiculo universal de comunicação. Além disso, essa diversidade cultural apresentada em diversas canções também auxilia no entendimento da dinâmica cultural de um país. Dessa maneira, analisar letras de música sob o viés problematizador da História é justificável. Inicialmente, a proposta consistiu em selecionar uma turma de 2º Ano do Ensino Médio para realizar a atividade. Após aula expositiva relacionada aos aspectos mais gerais da ditadura militar, os alunos foram convidados a selecionarem letras de canções diversas, previamente selecionadas pelo professor. Os papéis em que as letras se encontram foram espalhados aleatoriamente em uma mesa. Em seguida, o aluno fez a leitura da letra e pesquisou quem é seu cantor, compositor, produtor musical, ano de produção e posição política do cantor/compositor. Após trazer estas informações, o professor colocou trechos de cada canção colocada à escolha dos alunos e perguntou ao responsável sobre os itens pesquisados. Depois de ouvir a música, já conhecendo informações prévias a seu respeito, o aluno interpretou o que o cantor/compositor buscou retratar na canção, se sua posição era favorável ou contrária à ditadura, dentre outras particularidades. Por fim, os alunos compuseram uma letra de música de protesto, ligado à própria ditadura militar. Foi feita uma análise investigativa do processo de trabalho para perceber de que maneiras os alunos relacionam a produção musical ao período ditatorial. As letras de música escolhidas variam de músicas da Jovem Guarda (para mostrar que havia músicas alheias ao processo político que ocorria no país) e canções de protesto (bandas como Aborto Elétrico, Plebe Rude, entre outras). Para Dias (2000), a pesquisa investigativa possui análise quantitativa ou qualitativa. Neste caso, "a pesquisa qualitativa caracteriza-se, principalmente, pela ausência de medidas numéricas e análises estatísticas, examinando aspectos mais profundos e subjetivos do tema em estudo" (DIAS, 2000, p.129). Por priorizar o uso da fonte como viável na construção do conhecimento histórico, a pesquisa se caracteriza como qualitativa. Esta pesquisa teve por hipótese que, a partir do contato com fontes musicais da ditadura militar, os alunos podem construir um conhecimento pautado na diversidade de opiniões defendidas por sujeitos diferentes, ainda que em tempos de repressão. As letras ajudam a mostrar um processo histórico complexo, que não girava, exclusivamente, em torno da crítica ou defesa do regime. Havia um

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universo musical de intenções, práticas e gostos musicais que canalizavam ou não para o regime militar vigente. A construção do conhecimento histórico pode se dar através da música ou qualquer outra fonte, mas é preciso que o estudante tenha autonomia para pesquisar, criar, argumentar e refletir sobre o processo histórico do qual a fonte parte. Dessa maneira, é fundamental pensar na formação da consciência histórica enquanto um processo articulado de saberes que, ao longo do tempo, são aprimorados pelos estudantes. Referências ABUD, Katia Maria. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história. Caderno Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 309-317, 2005. DIAS, Cláudia Augusto. Grupo focal: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Informação & Sociedade: Estudos, v. 10, n. 2, 2000. FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 29-60, 2004. NAPOLITANO, M. Música & história: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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A INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO: REFLEXÕES SOBRE O SEU PAPEL NO ENSINO Luis Fernando Tosta Barbato

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Apesar da carência de estudos acadêmicos dedicados a investigar o papel e a importância da Iniciação Científica - IC - no processo de ensino-aprendizagem no Brasil (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 177179), há tempos a literatura dedicada ao tema reconhece a importância desse instrumento dentro das políticas educacionais. Entre os benefícios alcançados pela prática da IC dentro do contexto educacional, mapeados pelos autores, destacam-se, entre outros fatores: a fuga da rotina e da estrutura curricular; a conquista da autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades; vantagens para as instituições, através da exposição de seus resultados; além de ser observado um melhor desempenho do aluno em sala de aula (FAVA-DE-MORAES; FAVA, 2000, p. 75-76). Desta maneira, como nos trazem Luciana Massi e Salete Linhares Queiroz, a IC se torna um instrumento pedagógico essencial no processo de ensino-aprendizagem, pois quebra certas dicotomias há tempos sedimentadas no sistema educacional, que fundamentam o distanciamento entre teoria e prática, ensino e pesquisa, produção e reprodução do conhecimento, e graduação (e também o Ensino Médio) da pós-graduação (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 179). Nesse sentido, de criar uma interface entre ensino e pesquisa, que fomente o aprendizado e o desenvolvimento de uma autonomia de pensamento nos alunos, o trecho a seguir, de Zulma Souza e Carlos Henrique Souza, nos ajuda a compreender melhor a importância da IC para o desenvolvimento educacional: "O saber científico, construído a partir da experimentação e da pesquisa, é uma estratégia de construção e desconstrução do conhecimento" (SOUZA; SOUZA; 2011, p.42) Dessa maneira, podemos observar a IC como um instrumento capaz de integrar essas esferas até então distantes dentro do sistema educacional, uma vez que havia uma clara divisão entre os pares dentro desse mesmo sistema: havia os professores e havia os pesquisadores; havia a graduação (ou o Ensino Médio), como lugar

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de reprodução do conhecimento e a pós-graduação, como lugar de produção do conhecimento; havia a sala de aula, como lugar de ensino e teoria, e o laboratório, como lugar de pesquisa e prática. Tais distanciamentos, que ocorrem na prática - apesar de irem contra o que prega a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem uma associação entre pesquisa e ensino -, acabam também por dificultar, ou retardar, que os objetivos da educação proposta pelo Estado sejam plenamente atingidos. Assim, dentro desse contexto, a IC se mostra como uma ferramenta cada vez mais necessária dentro de nosso sistema educacional. Nesse sentido, podemos definir a IC como uma atividade na qual o aluno é iniciado à ciência, através de experiências vinculadas a um projeto de pesquisa, elaborado e desenvolvido sob a orientação de um docente. Segundo Massi e Queiroz, apesar de a IC ter se desenvolvido principalmente a partir da década de 1950, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa - o CNPq, atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico em Tecnológico -, em 1951. Foi na década de 1990, que a o programa passou a ser de fato valorizado dentro da política científica e educacional do país, o que refletiu no aumento significativo de bolsas de IC nesse período (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 175). No entanto, as iniciativas de desenvolver a IC, até 2003, ficaram, de maneira geral, restritas às Universidades, pois os projetos que buscavam levar essa prática aos alunos do Ensino Médio eram muito pontuais, como o Programa de Vocação Científica (PROVOC) da Fiocruz, de 1986, ou Programa de Iniciação Científica (PIC Jr), da UFRJ, de 1995, entre alguns outros poucos programas similares no país. Frente ao processo de valorização da importância da IC entre os pesquisadores da área, aos sucessos dessas iniciativas supracitadas, além dos resultados alcançados pelo próprio PIBIC do CNPq, destinado aos alunos de graduação, em 2003, o próprio conselho lança seu programa destinado a oferecer bolsas de iniciação científica aos alunos do Ensino Médio, o PIBIC-EM, que buscava introduzir a Iniciação Científica Júnior entre esses alunos, com o objetivo de atingir determinados resultados, como o próprio CNPq nos mostra: Com foco na criação de uma cultura científica, o PIBICEM é dirigido aos estudantes do ensino médio e

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profissional com a finalidade de contribuir para a formação de cidadãos plenos, conscientes e participativos; de despertar vocação científica e de incentivar talentos potenciais, mediante sua participação em atividades de educação científica e/ou tecnológica, orientadas por pesquisador qualificado de instituições de ensino superior ou institutos/centros de pesquisas ou institutos tecnológicos (CNPQ, s/d). O mesmo documento ainda traz como objetivo do PIBIC-EM:

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Fortalecer o processo de disseminação das informações e conhecimentos científicos e tecnológicos básicos, bem como desenvolver as atitudes, habilidades e valores necessários à educação científica e tecnológica dos estudantes do ensino médio (CNPQ, s/d). Desta maneira, o CNPq passou a fomentar de maneira mais intensa e efetiva a prática da IC dentro das instituições escolares, em um sistema operacionalizado principalmente por Instituições de Ensino e Pesquisa (Universidades), Institutos de Pesquisa e Institutos Tecnológicos (CEFETs e IFs), de maneira a desenvolverem uma educação científica capaz de integrar os estudantes das escolas de nível médio, públicas do ensino regular, escolas militares, escolas técnicas, ou escolas privadas de aplicação (CNPQ, s/d). Se as políticas que buscavam integrar a IC ao Ensino Médio já vinham sendo objeto de fomento desde 2003, com a criação dos Institutos Federais - os IFETs -, em 2008, essa política ganhou uma importância ainda maior, uma vez que a lei nº 11.892/08, que instituiu 38 IFETs por todo o Brasil ressaltava a necessidade dessas instituições tornarem-se centros de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e na de ciências aplicadas, em particular, oferecendo principalmente capacitação técnica à comunidade e atualização docente (OTRANTO, 2010). Vale ressaltar ainda que desde o Decreto n. 5.154/2004, que passa a admitir que a interação entre o ensino médio e a educação profissional possa se dar de forma integrada, o que resulta que formação básica e a formação profissional aconteçam numa mesma instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas únicas (RAMOS, 2011, p. 775), ajudou a dar um apoio ainda maior à proposta inicial que ensejou a criação dos IFETs, que buscava um

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ensino atrelado às necessidades de desenvolvimento locais, e à formação técnica e tecnológica, como a própria lei que os criou deixa claro: Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta lei (BRASIL, 2008). É nesse contexto que a questão da disciplina de História se torna objeto de análise, uma vez que adequá-la a uma proposta que tem seu foco voltado justamente para o ensino técnico e profissionalizante exige ações próprias, pois, aparentemente, produzir um conhecimento que de fato integre a História com as disciplinas técnicas dos cursos profissionalizantes, e que ainda garanta toda a formação cidadã que a própria disciplina se propõe, parece ser um desafio difícil de ser atingido. E é nesse sentido que a IC se torna um objeto importante dentro do ensino de História voltado ao ensino integrado, pois permite práticas que contribuem para que aflorem importantes interfaces entre a História e as disciplinas técnicas, uma vez que, além de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento técnico, necessário ao desenvolvimento profissional dos alunos desse tipo de curso, atua também no sentido de fornecer uma formação política e cultural mais ampla, dentro dos pressupostos defendidos por Ronaldo Araujo e Gaudêncio Frigotto sobre o ensino integrado: Assumimos o ensino integrado como proposta não apenas para o ensino profissional. O ensino integrado é um projeto que traz um conteúdo polí- tico-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos, principalmente (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p.63). O que buscaremos aqui é trazer um brevíssimo relato de minhas experiências relacionadas à realização de projetos IC junto aos alunos do curso Técnico em Logística Integrado ao Ensino Médio,

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realizados no Instituto Federal do Triângulo Mineiro - IFTM -, campus Patos de Minas/MG, no ano de 2015, além dos resultados alcançados. A proposta partiu primeiramente da necessidade de mapear os pontos nos quais a logística estabelecia uma interface com a História, e a partir de então, traçar planos para desenvolver pesquisas em história que fomentassem os conhecimentos técnicos de logística junto aos alunos. Por questões do espaço bastante exíguo neste capítulo, fica impossível descrever detalhadamente os projetos, mas ressalto que dentro dessa relação história-logística, orientei projetos que trabalharam questões como a liderança, recuperação de técnicas logísticas perdidas, e o estudo de autores clássicos, que descreviam processos logísticos em suas obras, e que não haviam sido objeto de estudos dentro desse parâmetro proposto. Todas essas pesquisas se utilizam da história como forma de aprofundar os conhecimentos já adquiridos em disciplinas técnicas do curso, tais como Empreendedorismo, Gestão de Cadeia de Suprimentos, Gestão de Estoques, entre outras.

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Os resultados foram bastante profícuos, pois acabaram confirmando o que trouxemos no início deste capítulo, ao afirmar que a prática da IC traz uma série de benefícios aos alunos, tais como a conquista da autonomia no aprendizado; o desenvolvimento do hábito de manusear fontes de referência; o aumento da capacidade de análise crítica e maior discernimento para enfrentar dificuldades, e principalmente, a quebra de certos paradigmas, como aqueles que colocam o aluno como mero receptor do conhecimento. Em um projeto que integra História e Logística, o aluno, mesmo que orientado por um docente, assume uma postura bastante ativa, uma vez que muitas vezes tem certos domínios de conhecimento técnico que não são do escopo da formação do professor orientador. A prática de IC em História, aplicada de forma integrada aos conhecimentos técnicos logísticos também permitiu a visualização de um melhor desempenho dos alunos envolvidos nas disciplinas técnicas, uma vez que para o desenvolvimento da pesquisa histórica, os alunos se depararam com a necessidade de aprofundarem seus conhecimentos em logística, o que resultou em ganhos profundos dentro dessa proposta de formação profissional que os cursos que integram o ensino médio ao ensino técnico oferecem. Assim, através de nossas experiências, podemos concluir que a IC é um importante elemento para se estabelecer um ensino de História

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de fato integrado ao ensino técnico, pois permite levar aos alunos problemas de cunho interdisciplinar, que exigem a utilização tanto dos conhecimentos próprios da disciplina de história, quanto dos conhecimentos próprios das disciplinas técnicas, colaborando para que a proposta de formação completa do aluno, que integre crescimento profissional e político-pedagógico engajados, se concretize. Referências ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; FRIGOTTO, Gaudêncio. Práticas pedagógicas e ensino integrado. In. Revista Educação em Questão, Natal, v. 52, n. 38, maio/ago, 2015. BRASIL. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso em 25/01/2016. CNPQ. PIBIC Ensino Médio. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio - PIBIC EM. Disponível em: < www.memoria.cnpq.br/editais/ct/2011/pibic_em.htm>. Acesso em 25/01/2016. FAVA-DE-MORAES, Flavio; FAVA, Marcelo. A iniciação científica: muitas vantagens e poucos riscos. In. São Paulo em Perspectiva, 14(1), 2000. MASSI, Luciana; QUEIROZ, Salete Linhares. Estudos sobre Iniciação Científica no Brasil: uma revisão. In. Cadernos de Pesquisa. v. 40, nº 39, jan./abr., 2010. OTRANTO, Célia Regina. Criação e implantação dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia - IFETs. In. Revista RETTA, Ano I, nº1, jan-jun 2010. RAMOS, Marise Nogueira. O currículo para o ensino médio em suas diferentes modalidades: concepções, propostas e problemas. In. Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, jul.-set. 2011. SOUZA, Zulma Ferreira de; SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. Iniciação Científica: uma análise da sua prática no Ensino Médio e seus reflexos no Ensino Superior. In. Interscienceplace. ano 4, nº 17, abril/junho, 2011.

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CONSTRUIR O OLHAR CARTOGRÁFICO EM SALA DE AULA: NOVAS CONCEPÇÔES AO MAPA NO ENSINO DE HISTÓRIA Maria Cristina Pastore

Cartografia: conjunto de saberes como tema gerador para o ensino de história Pensar o espaço urbano, a cidade e suas configurações sociais e culturais como temas e recursos pedagógicos, permite um movimento repleto de significados. Movimentos que expõe a interdisciplinaridade e busca contemplar os anseios da educação na expectativa da criação de novas metodologias aplicadas ao ensino de Historia.

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) solicita incluir temas transversais e regionais voltados para a formação do cidadão. Conforme registrado no PCN História, espera-se que os alunos possam ampliar a compreensão da realidade, e para tal os alunos deverão ser capazes de: Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; Utilizar as diferentes linguagens, verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação. (PCN 1998 História, p. 07) Refletir sobre um discurso de transformação e mudanças na educação e no ensino em História, sair do mediano e alçar novidades metodológicas, considera vivenciar, experimentar, redescobrir e ousar nas atividades em sala de aula. Encontrar eixo temático ou um tema gerador de diálogos nas diversas áreas do conhecimento tem se apresentado como um desafio interdisciplinar. Conforme Bittencourt:

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Os eixos temáticos ou temas geradores são indicadores de uma série de temas selecionados de acordo com problemáticas gerais cujos princípios, estabelecidos e limitados pelo publico escolar ao qual se destina o conteúdo, são norteados por pressupostos pedagógicos, tais como faixa etária, nível escolar, tempo pedagógico destinado à disciplina, entre outros aspectos. (BITTENCOURT, 2004, p126) Em um mundo no qual as inovações tecnológicas de comunicação eletrônicas e digitais de localização como o GPS (Sistema de Posicionamento Global) fazem parte do cotidiano, pensar no uso de mapas em sala de aula assemelham-se as didáticas passadas. Contudo, ao iniciar uma aula de História com a imagem do primeiro mapa conhecido no mundo (Fig. 01), os olhares curiosos e perguntas sobre o assunto revelam uma face envolvente no uso desta ferramenta. Podemos conceituar mapa como representação gráfica do social e cultural de povos, evento, época e espacialidade, porem percebe-se que essa definição vai além de um conceito fechado, trata-se de uma compreensão do mundo gráfico histórico e cultural. Tema gerador e atuante no campo do conhecimento interdisciplinar que auxilia a História, a Geografia, a Ciência, a Antropologia, a Arqueologia, a Arte, etc., o mapa instiga pesquisa, altera percepções e o imaginário. Provocante e captador de atenção, o mapa possui a impressionante relação de construção de conhecimento revelado através de símbolos, legendas e cores. Uma ponte entre arte, ciência e historia. A história da cartografia conforme DUARTE se apresenta anterior à escrita: Há muitos registros que comprovam que os mais variados povos nos legaram mapas, tais como babilônicos, egípcios, maias, esquimós, astecas, chineses além de outros, cada qual refletindo aspectos culturais próprios de sua sociedade. DUARTE, 2002 p 20 Os registros, as técnicas e as transformações mundiais que graficamente encontramos nos variados mapas, direcionam ao principio da cartografia, a comunicação e análise. A comunicação do grafismo do mapa pode se apresentar nas cores, nos desenhos, no suporte no qual está impresso, na leitura dos símbolos, na compreensão espacial, promovendo possibilidades de análise e

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compreensão de fatos. Surpreendente enigma interpretado pela tecnologia e conhecimento humano, requer certas habilidades para decifra-los. Registros pictográficos surgem nas paredes das cavernas e abrigos em diversas regiões do mundo, reiterando a cartografia como interdisciplinar e fonte histórica.

Fig.: 01 Ga-Sur 2300 a. C. Foto Google domínio publico Fig. 02 Foto Google Domínio Público

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A figura 01 mostra o mapa da Ga Sur na Suméria 2,500 AC, criado por babilônicos, esculpido em um tablete de argila cozida, estimulam nossa imaginação. Na figura 02, podemos observar o mapa da cidade de Çatal Huyuk cidade da antiga Anatólia, hoje Turquia, pintado nas paredes da caverna considerado o mapa mais antigo. Também apresenta a decoração de interiores em Catal Huyuk 8.000 anos a 5.000 anos antes da ascensão de cidades-estados da Grécia. As paredes foram pintadas com imagens de deusas e caçadores. Estas imagens foram fornecidas visualmente em sala de aula na tentativa de estimular o imaginário do aluno e chamar a atenção, o que causou o efeito desejado. A questão do reconhecimento do mapa como fonte, sugere uma releitura na história, o compartilhamento de imagem e texto como estratégias de rever o conteúdo explícito e implícito nos gráficos. Sua comunicabilidade de aspectos não revelados ou descobertos remete a um novo entendimento de mapas como fonte para pesquisas e estudos. Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia, superar a critica e desenvolver uma linha de raciocínio logico abrangente, buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como fonte histórica e de ensino, desta forma, é a prospecção levantada pelos mapas. Aplicabilidade da experiência em sala de aula Nos dias atuais, novos conceitos encontram-se incorporados as concepções de mapa. Conforme MENEZES, (2009, p. 250) “O ato de

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informar, esclarecer e traduzir significados de fenômenos não é recente, ocorrendo desde os primeiros registros do homem, para representação de seus pensamentos.” Nesse sentido procurar usar o mapa como instrumento de produção de conhecimento, adentrando na comunicabilidade que o mapa apresenta, sustenta relação entre imagem e problematiza o indicativo de pertencimento como um dos objetivos do trabalho. Busca nas origens dos registros imagéticos um olhar contemporâneo de representatividade simbólica dos códigos apresentados no mapa. Em uma interpretação mais contemporânea o mapa é a narrativa poética da história, uma historia de símbolos e identidade, cultura e tradições, vivenciadas por desenhistas, estrategistas de guerra, ou apenas por sujeitos históricos preocupados em demarcar um território. Na intenção de proporcionar um olhar interdisciplinar na cartografia como metodologia além de incentivar o aluno a criatividade e ao registro do pertencimento patrimonial e afetivo, a pesquisa considera o mapa como suporte de investigação para o ensino de História. Etapas da proposta Em um primeiro momento disponibiliza-se aos alunos o texto: “O que é um mapa? O que representa os gráficos e cores? O que são legendas?” Produzido com palavras simples e de fácil entendimento, apresentado de forma sucinta, continha em seu conteúdo as imagens (Fig. 1). Logo após, apresenta-se um mapa do continente Africano, muito colorido e com representação da agricultura, indústria e pecuária. A proposta é aplicada na turma de 6º ano, com 26 alunos e 7º ano com 24 alunos em uma escola no Rio Grande, RS. No segundo momento, trata-se do inicio da preparação emocional. Para tal, uma musica ambiental de relaxamento é ouvida, solicita-se que fiquem de olhos fechados. Solicita ao aluno que percorra o caminho, mentalmente, da casa até a escola. Este exercício favorece a memória e os processos cognitivos, preparando-os para a fase seguinte. Esse procedimento depende da maturidade da turma, sugere-se uma musica de no máximo dois minutos, pois os mais inquietos começam a rir e brincar. No terceiro momento, distribuem-se folhas de oficio, e solicita-se o desenho de um mapa, deve conter o percurso realizado pelo aluno da casa até a escola. Todo o material é considerado fonte de informação. Permite a relação com outros processos, pensar as

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mudanças da paisagem ao longo dos anos, na tentativa de compreender a História de forma prazerosa e artística. No ensino médio o procedimento inclui a quarta fase, no qual o aluno é incentivado a encontrar nesse caminho, escultura, prédio histórico ou monumentos e realizar a pesquisa sobre o que encontrou perto de sua casa ou da escola. Sugere a ampliação do conhecimento histórico e artístico do patrimônio material. Tecendo considerações

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A pesquisa em sua concepção propõe pensar a teoria e pratica intrínsecas em um processo formativo. Desta forma, no momento, as análises preliminares dos resultados apontam para a leitura do sentimento de pertencimento, imensurável em sua forma subjetiva. No entanto, visibilizado nos símbolos e códigos fornecidos pelos desenhos dos alunos, o mapa assinala uma comunicação que pode indicar pertencimento. Analisá-los e descobri-los prosseguem como desafio. Buscaram-se nos teórico da educação e da psicologia as bases metodológicas e teóricas necessárias para realizar as análises dos desenhos relacionando-os com o estudo aqui apresentado. Foram analisados 50 mapas com o intuito de identificar a hipótese da ideia de pertencimento e criadas categorias para essas análises. Categorias 1. Apresentam desenhos casa, prédios, ruas e a escola. 2. A existência da expressão MINHA CASA nas legendas. 3. O cuidado com a elaboração do conjunto casa/escola 4. A ampliação da visão panorâmica, incluindo outras referências como padaria, cinema, farmácia entre outros. 5. Segue um padrão de aproximação com a realidade. A experiência com o desenho de mapa como fonte de identificar a materialidade de pertencimento demonstra a força que possui. Desprezá-la seria como regredir aos estágios iniciais do desenho, como uma criança que inicia os rabiscos. Sujeitar o sentimento de pertencimento ao destino da subjetividade ou declará-lo imensurável, é combater as possibilidades de investigação. Os resultados aqui exibidos são meramente orientadores, e preliminares, uma vez que para apresentar os resultados finais serão necessárias as apreciações de outras experiências com turmas diferenciadas para finalmente cruzar dados, ampliando a compreensão do processo.

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Fig. 03 Mapas criados pelos alunos (foto da autora) A questão do reconhecimento do mapa como fonte (fig. 03), sugere uma releitura na forma de ensinar história usando esse recurso. O compartilhamento de imagem e texto como estratégias de rever o conteúdo explícito e implícito nos gráficos e sua comunicabilidade de aspectos não revelados ou descobertos remetem a um novo entendimento de mapas como fonte para pesquisas e estudos. Portanto, abre-se uma nova perspectiva para a cartografia, superar a critica e desenvolver uma linha de raciocínio lógico e abrangente, buscando demonstrar a proficuidade dos mapas como fonte histórica e de ensino é prospecção alçadas pelo uso dos mapas em sala de aula. Como mediadores do conhecimento é responsabilidade do professor o compartilhamento desse conhecimento, independente da idade do aluno, pois colabora com a construção do olhar no espaço urbano. Está implícito um aprendizado que revela conceitos fundamentais para a compreensão de espaço, onde o aluno esta inserido. Incentivando o aluno, em qualquer esfera educacional, perceber que as comunidades, a sociedade, se agrupavam e formavam cidades, tribos, grupos, desde o inicio da humanidade, promovendo assim um reconhecimento de lugar, de pertencimento ao espaço em torno e a inclusão. Desta forma, o professor preocupado com a formação dos alunos, em um tempo de negligencias, oportuniza momentos de reflexão sobre a história de cada um. Identifica que a história é construída por cada sujeito, e o mapa reflete essa condição. Cada aluno perceber-se participativo de sua formação, uma concepção para a vida. Não basta ler a História, o aluno deve ser incentivado a se sentir pertencente ao meio. Referências ABREU, Martha Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologias 2ed. Rio de Janeiro:Casa da palavra, 2009

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BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo. Cortez, 2004, p.121. BRASIL, Ministério de Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998. CASTELL, Cleusa Helena Guaita Peralta. A arte do grafismo infantil e a construção simbólica. Rio Grande: FURG, 2003 DUARTE, Paulo Araújo. Fundamentos da Cartografia. Editora da UFSC Florianópolis. 2002 FONSECA, Selva Guimarães História Local e fontes orais: uma reflexão sobre saberes e praticas de ensino de História. Revista de História oral, 2014 http://www.revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&pag e=article&op=viewFile&path%5B%5D=193&path%5B%5D=197 acessado em 10.10.2014 FRANCISCHET, Mafalda Nesi, A cartografia no ensinoaprendizagem da geografia.http://www.bocc.ubi.pt/pag/francischett-mafaldarepresentacoes-cartograficas.pdf http://www.bocc.uff.br/_esp/autor.php?codautor=793 Acessado em 22.07.2014 GOMES, Maria do Carmo Andrade. Velhos mapas, novas leituras: Revisitando a história da cartografia GEOUSPEspaço e Tempo. São Paulo, nº 16. 2004 pp.67-79 LUQUET, G. H. O desenho infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979. MENEZES, Paulo Marcio Leal de. Cartografia histórica: um instrumento de analise geográfica. Questões metodológicas e novas temáticas na pesquisa geográfica/ Ana Maria S. M. Bicalho, Paulo Cesar da Costa Gomes (org) Rio de Janeiro Publit 2009 PIAGET, Jean. O diálogo com a criança e o desenvolvimento do raciocínio. São Paulo: Scipione, 1997. PINSKY, Carla Bassanezi. Novos temas nas aulas de história. São Paulo- Contexto, 2009 PEREIRA, Lais de Toledo Krüchen. O desenho infantil e a construção da significação: um estudo de caso. http://portal.unesco.org/culture/en/files/29712/11376608891laiskrucken-pereira.pdf/lais-krucken-pereira.pdf acesso em 20.10.2014

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E O ENSINO DE HISTÓRIA Marlon Barcelos Ferreira

Este trabalho tem como objetivo apresentar um diálogo entre história, arqueologia e ensino e assim discorrer sobre o uso do patrimônio arqueológico no ensino da história do Brasil. Nas últimas décadas tivemos uma valorização das fontes históricas não escritas e o alargamento do objeto do historiador como resultado das inovações dos Annales, sobre a qual plasmou-se a - ainda hoje, nova e consagrada na década de 70 - História Nova. Assim, o professor de história para levar a cabo o seu objetivo de analisar as inúmeras facetas do passado em sala de aula, pode se utilizar atualmente de uma gama variada de fontes históricas para tal intento. Não apenas se prendendo a sala de aula ou ao uso de documentos escritos e imagens nos livros didáticos, filmes ou mapas. Destacamos aqui o uso do Patrimônio Arqueológico como forma de apreensão do passado por parte dos alunos. Desta forma os alunos terão uma história feita não apenas de páginas escritas e imagens, mais de objetos e construções, no qual eles podem ter acesso direto sobre vestígios materiais (objetos, ferramentas, construções, etc.) que mostram como era a vida de pessoas que viveram a dezenas, centenas e talvez milhares de anos (podendo ser uma casa antiga na rua da escola, um museu ou um sambaqui com dois mil anos). Isto poderá até causar estranheza em muitos alunos que só estão acostumados a fotos, filmes e livros didáticos. Mas, causar estranheza é um dos objetivos, pois confronta os livros e a imaginação com o mundo real, que é palpável e atiça todos os sentidos. Busca-se nesse sentido compreender que preservar não é só guardar um objeto ou espaço, preservar é tornar vivo para as pessoas aquele passado remoto. Desta forma, a educação desempenha um papel importante de conectar o cidadão enquanto indivíduo ao seu passado e ao passado de sua cidade ou nação, no caso o passado do Brasil. Afinal, o patrimônio arqueológico não são apenas vestígios do passado, eles são parte de nossa identidade cultura e herança dos povos que aqui habitaram.

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Foi na Idade Moderna com a afirmação do conceito nacionalidade e do Estado Nação que surgiu essa preocupação em inventariar e preservar seus patrimônios, seu legado material e imaterial das gerações passadas. Segundo o historiador, Haroldo Leitão Camargo (2004, p.21), os monumentos seria a materialização da identidade nacional. Em Portugal, Dom João V, ordenou a criação de um inventário a fim de determinar as construções e preservá-las, na França em 1837, os prédios históricos passaram a ser estudados e preservados pela Comissão de Monumentos Históricos (BASTOS, 2004, p.257). O patrimônio arqueológico se enquadra como parte do Patrimônio cultural de uma nação. Da mesma forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio PCNEM (Brasil, 2000) recomendam o uso de fontes primárias e sítios arqueológicos no processo educacional e ensino de história. Da mesma forma, os sítios arqueológicos são áreas que envolvem não apenas história ou geografia, podendo fazer parte de um projeto maior da escola e assim funcionam muito bem em um projeto interdisciplinar, como salienta Figueiredo:

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Acreditamos que alguns assuntos são transversais às diversas disciplinas e o debate em torno do patrimônio histórico-cultural constitui um deles. Interessa tanto aos profissionais da educação, das áreas de história, e de geografia e por que não, da literatura. A química e a biologia não podem ficar de fora. (2002, p 52) Dentro desta perspectiva tivemos no Brasil a introdução na década de 80 da metodologia que foi denominada de educação patrimonial. Esta metodologia se coloca como uma das mais importantes ferramentas a disposição do professor para trabalhar e se utilizar do patrimônio arqueológico na sala de aula. As primeiras experiências no Brasil aconteceram na década de 80, mais precisamente em 1983, quando aconteceu o I Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, no Museu Imperial em Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro. Assim, foi ganhando força no Brasil a ideia da importância da relação das pessoas com suas heranças históricas e arqueológicas, não apenas para reforçar sua ligação com o patrimônio com intenção preservacionista, mas também para demonstrar seu papel ativo como cidadão e ser histórico. Diante deste primeiro trabalho, surgiu o conceito e a metodologia de trabalho proposta pela Educação Patrimonial, que foi primeiramente

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defendido e definida no Brasil pelas pesquisadoras Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro: Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural (material e imaterial) como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e os adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de seu passado, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. (1999, p5) Assim, a educação patrimonial aparece como uma importante ferramenta metodológica nas mãos dos educadores não apenas na intenção de reforçar a necessidade de preservação e da importância histórica dos bens materiais e sítios arqueológicos, mas também na construção de cidadãos conscientes do seu passado e presente. Todas elas dentro desta perspectiva de olhar para o passado, mas pensando no presente, como salienta Maria Horta, Evelina Grunberg e Adriane Monteiro: A Educação Patrimonial é um instrumento de "alfabetização cultural" que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Esse processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural. (1999, p.6) O Patrimônio arqueológico tem um papel destacado no processo de formação da cidadania. Afinal, do ponto de vista educacional, em uma abordagem sócio-cultural, se reconhece o conhecimento como resultado das interações do indivíduo com o meio, concedendo ao sujeito o papel central na produção do saber. Onde segundo Paulo Freire, para que o homem se constitua como sujeito, é fundamental que ele, integrado num determinado ambiente histórico, reflita sobre ele e tome consciência de sua historicidade e da realidade social no qual está inserido. Pois desta forma:

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Ao apropriar-se do sentido e da peculiaridade de suas manifestações em todos os aspectos da vida diária, esses indivíduos tendem a modificar suas atitudes em relação aos bens, tangíveis e intangíveis, a recuperar os sentimentos de autoestima e de cidadania. (FREIRE, 1979, p151) A educação patrimonial não deve ser vista como uma simples ida a um museu ou a um sítio arqueológico, na verdade o ideal é que seja parte de um projeto pedagógico maior na qual a visita ao museu ou a um sítio arqueológico (Sambaqui, forte, etc.) se insira dentro da proposta pedagógico previamente planejado, pois a preparação dos alunos é uma etapa muito importante a ser realizada em sala de aula, mas o seu significado é o de estimular e levantar hipóteses em torno do bem e não chegar imbuídos de respostas prontas.

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Assim, previamente o professor deve elaborar um projeto elencando os objetivos e a maneira como aquele patrimônio vai ser trabalhado e absorvido pelos alunos. O próprio Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN), órgão com competência legal para tratar do patrimônio histórico e arqueológico, tem apoiado trabalhos e incentivando o uso desta ferramenta em salsa de aula e museus por todo o Brasil. Conhecendo o seu patrimônio arqueológico os alunos poderão reconhecer neles parte de seu passado, fazendo do patrimônio arqueológico de sua região ou país, parte de sua história também. Desta forma, a educação patrimonial se coloca como uma das mais importantes ferramentas de preservação do patrimônio cultural brasileiro e como proposta inovadora para o professor de história utilizar em sala de aula fugindo assim do binômio quadro - livro. Referências BASTOS, Sênia. Nosso patrimônio Cultural. Revista de Turismo Y Patrimônio Cultural. Passos: V 2 N 2. P. 257-265, 2004 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000. CAMARGO, Haroldo Leitão. Patrimônio Histórico e Cultural. São Paulo: Aleph, 2004 FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Patrimônio Histórico e Cultural: um novo campo de ação para os professores. In: GRUPO Gestor do

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Projeto de Educação Patrimonial. Reflexões e contribuições para a Educação Patrimonial. Belo horizonte: SEE/MG (Lições de Minas. 23), 2002 FREIRE, Paulo. Conscientização São Paulo: Cortez e Moraes. 1979 GRUNBERG, Evelina. Educação Patrimonial: Utilização dos Bens Culturais como Recursos Educacionais. Rio de Janeiro, 2014 Disponível em < http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo4/estudos_soci ais/educacao_patrimonial.pdf> Acesso em 23 de Dezembro de 2014. HORTA, M. L., GRUNBERG; E. MONTEIRO, A. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Museu Imperial - UNB, 1999.

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O QUE VOCÊ SABE SOBRE A HISTÓRIA DAS MULHERES? CONHECIMENTOS PRÉVIOS DOS ALUNOS SOBRE QUESTÕES DE HISTÓRIA E IDENTIDADE DA MULHER BRASILEIRA Matheus Henrique Marques Sussai

Apresentando a discussão O presente texto tem como objetivo refletir sobre as respostas de um questionário de conhecimentos prévios realizado com os alunos do 8º (B) ano do IEEL - Instituto de Educação Estadual de Londrina como atividade do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) de História da UEL (Universidade Estadual de Londrina) pelo ano letivo de 2015.

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O questionário fez parte de um conjunto de seis encontros com os alunos do 8º ano do IEEL, durante as atividades realizadas pelo PIBID nesse colégio. O tema proposta para a aula de História era: "Identidade, Alteridade e Representação: o estereótipo da mulher brasileira a partir de propagandas de cerveja (1992-2015)". Esse que é um subprojeto do projeto maior que se intitulou: "Brasil: de onde viemos? Onde estamos? Para onde vamos", onde o intuito era se trabalhar questões de identidade e tolerância sobre diversos temas no Brasil. A partir daí, a nossa escolha foi a representação da mulher na mídia, mais especificamente, nas propagandas de cerveja, que ainda hoje é um produto em que a propaganda é destinada com maior nitidez ao sexo masculino. Partindo dos pressupostos metodológicos da historiadora Isabel Barca, em seu modelo de "Aula-oficina" (2004, p. 131-144), o professor de história deve mediar o contato entre os alunos e as fontes de estudo do historiador. Dessa maneira, o aluno terá participação ativa na construção do seu conhecimento, fugindo dos modelos de "Aula-Conferência" e "Aula-Colóquio", onde a atenção e o dito "foco do conhecimento" estão ligados diretamente à figura do professor. É partindo desse modelo de "Aula-oficina" que utilizamos durante as atividades, que surgem os questionários de conhecimentos prévios que serão aqui analisados. Muitos pesquisadores se debruçam sobre os instrumentos de investigação de conhecimentos prévios, mas o que quero ressaltar, é que o nosso produto vem devido ao modelo de aula adotado durante as

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atividades, onde aqui, nos deteremos apenas e especificamente sobre esses questionários respondidos. Como já dito, foram realizados seis encontros com os alunos, onde apenas o primeiro objetivou-se o recolhimento das ideias prévias dos alunos. Ou seja, este, aqui, é o único que nos interessa. A pesquisa pelos conhecimentos prévios é um viés adotado para trabalho pela área da Educação Histórica, onde se tem como relevante: Aprofundar os níveis de compreensão do passado e do presente a partir das ideias de senso comum, integrando significâncias e critérios metodológicos próprios da História, [...] numa problematização aberta à argumentação, e no contexto de uma postura que genuinamente contenha um sentido humano. No que respeita à Educação Histórica formal, ela será um meio imprescindível para operacionalizar o passado histórico em termos de aprofundamento da orientação temporal no presente e para o futuro. (BARCA, 2011, p. 36). Ou seja, é o no trabalho com essas ideias de senso comum, capazes de serem investigadas via instrumentos de recolhimento do conhecimento prévio, que uma aula de história pode obter "sucesso", ou melhor, pode conseguir alcançar seus objetivos enquanto reflexão sobre passado/presente/futuro. É partindo do conhecimento prévio do aluno, partindo das ideias de senso comum da sociedade em que se está trabalhando, que uma aula de história deve ser pensada. Agora, segue abaixo as questões presentes no questionário respondido pelos alunos: *1) Quais são, para você, os homens mais importantes na História do Brasil? Por quê? *2) Quais são, para você, as mulheres mais importantes na História do Brasil? Por quê? *3) O que você já viu, nas aulas de História, sobre a história das mulheres (participações em acontecimentos históricos que você conheça)? *4) Você acha que existe algum tipo de desigualdade ou preconceito sobre o papel da mulher na História, e na nossa sociedade? Se sim, ou se não, por quê? *5) Você acha que a História, levando em conta os conteúdos que estuda em sala de aula, possui relação com a construção de uma imagem do homem e da mulher? Comente.

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*6) Os papéis do homem e da mulher, na nossa sociedade, são iguais? Eles sempre foram do jeito que são hoje? Explique. *7) Defina o que você entende por "machismo". *8)Defina o que você entende por "feminismo". *9) Quais tipos de propagandas (televisivas, veiculadas na internet, etc) são voltadas para as mulheres? E para os homens? Por que essa diferenciação acontece? *10) Como a mulher é representada na mídia, nas propagandas da TV? Agora, partimos para uma análise mais específica de algumas respostas referentes a essas perguntas. Visto que aqui não é possível uma exposição mais minuciosa de todos os questionários, escolhemos algumas respostas que achamos mais representativas, num sentido de amostragem, do âmbito geral dos questionários. Análise e reflexão sobre as respostas dos alunos: o conhecimento prévio e as discussões sobre história da mulher, e a mulher na história

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Foram recolhidos um total de 26 questionários respondidos, sendo 17 referentes a alunos do sexo masculino, e 09 do feminino. Os alunos possuíam uma faixa estaria correspondente de 12 a 15 anos. Para refletirmos sobre as respostas desses alunos, é importante pensar que este questionário foi pensado em um âmbito de continuidade do processo de aprendizagem, onde o recolhimento do conhecimento prévio é o ponto de partida para tomar o aluno como ativo na construção do seu conhecimento. Como nos mostra Regina Célia Alegro (2008, p. 39), "[...] quando trata do conhecimento prévio, Ausubel está referindo-se à situação de ancoragem, ou seja, ao processo de integração de novos conteúdos (conceitos, proposições) à estrutura cognitiva do sujeito". Aqui, no caso, não veremos a continuidade deste processo de aprendizagem, uma vez que o texto se dedica a analisar, dar uma amostra das respostas mais características dos alunos. Sobre as duas primeiras questões, obtivemos diversos nomes, como por exemplo, sobre os homens: D. Pedro I, Pedro Álvares Cabral, Machado de Assis, Pelé, Lula, e Santos Dumont. Algumas referências indiretas como: "Quem descobriu coisas eletrônicas, porque foi um grande avanço." (GABRIELA, 2015); "Os índios. Pois antes mesmo de descobrirem o Brasil, eles já ocupavam o território." (ANA, 2015). Já sobre as mulheres, tivemos os seguintes nomes: Dilma, Maria da Penha, Princesa Isabel e Maria Leopoldina. Vemos como o

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número de referências é bem menor. Chamaram-nos a atenção duas respostas que colocaram tanto sobre a questão 1, como a 2, os termos "Meu pai" e "Minha mãe", aludindo à cada pergunta, sobre os homens e as mulheres mais importantes do Brasil. Isso mostra certa capacidade de se perceber como sujeito da história, que a história é feita de "gente como a gente" (PINSKY; PINSKY, 2003, p. 27). Ainda sobre a questão número 2, mas já fazendo alusão à terceira, vemos muitas referências ao incêndio posto numa fábrica onde muitas mulheres foram queimadas. Não se sabe ao certo a data desse acontecimento famoso, mas estima-se 25 de Março de 1911. O relevante é que ele foi utilizado para a institucionalização do "Dia Internacional da Mulher". São essas as únicas referências que os alunos fizeram sobre a história da mulher no Brasil (mesmo algumas respostas não fazendo referência ao Brasil). Na questão número 4 tivemos várias respostas que citaram o salário menor da mulher, por exemplo: "Sim. Porque hoje em dia uma mulher não ganha igual a um homem" (JULIA, 2015). Mas também algumas apologias ao presente já ser melhor que o passado, onde hoje a mulher não seria mais injustiçada: "Não porque agora diferente do passado as mulheres tem mais independência para fazer oque (sic.) quizer (sic.) sem a ajuda do homem" (HELOIZE, 2015). Mas a resposta que mais nos chamou atenção foi: "Sim, que eu me lembre nunca tive conteúdo em que a mulher fosse uma protagonista" (MARCOS, 2015). Vemos, aqui, uma percepção crítica do aluno sobre os protagonistas da História, onde este percebeu, usando seu conhecimento prévio, que não teve contato com conteúdos de história onde a mulher tivesse um papel principal, ou nas suas próprias palavras, "protagonistas". As respostas da 4 e da 6 se assemelham muito, caracterizando argumentos como um passado pior para as mulheres, e um presente com menos preconceito, mas ainda existente. A questão número 5 teve a maioria das respostas baseadas em argumentos que diziam que a história mostra como as mulheres foram prejudicadas, que não tinham direito a votos, ou àqueles que discordaram sobre a história interferir na imagem do homem ou da mulher. Aquela que se caracteriza como uma resposta de amostragem refere-se a: "Sim, pois a história mostra que as mulheres batalharam para ter a sua independência." (HELOIZE, 2015). As perguntas 7 e 8, referentes as definições de "machismo" e "feminismo", relevantes para a continuidade do que trabalhamos em

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sala de aula, obtiveram, na maioria das respostas, os significados como um sendo o contrário do outro. Ou seja, a ideia de "Feminismo" muitas vezes veio não como se fosse uma luta pelos direitos da mulher (apareceram poucas vezes respostas semelhantes a isso), mas sim "[...] aquelas mulheres que também tem preconseito (sic.) com o homem." (LUCAS, 2015). Ou, como vemos em outro exemplo: "É quando a mulher acha que pode mais que o homem" (MATEUS, 2015). E sobre o "Machismo", de forma geral: "é quando o homem maltrata a mulher quando ele fas (sic.) a mulher e escrava" (WILLIAN, 2015). Outro exemplo com a mesma base de argumentação: "são homens orgulhosos que tem ainda muita desigualdade com as mulheres." (LUCAS, 2015). A partir daqui, trabalhamos a definição dos dois conceitos em sala de aula, que se mostraram muito confusos nas respostas dos alunos, como podemos ver.

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As duas últimas questões, 9 e 10, possuíam um caráter mais específico com o tema que trabalharíamos futuramente dentro de sala, levando em conta informações sobre mídia brasileira, propagandas, e etc. Muitas das respostas "não sei" que vieram para essas perguntas, acreditamos que surgiram devido ao maior grau de especificidade e complexidade dessas duas questões. Ainda assim, argumentos interessantes surgiram sobre as propagandas e a mulher brasileira representada pela mídia. Apontamentos certamente vindos de olhares mais atentos e críticos, tais como, sobre a questão 9: Para as mulheres são cosmético limpeza e etc... e para homem são conteúdos de comstrução (sic.), futebol e etc... porque assim "eu acho" que eles são muito preconceituosos com isso porque uma mulher pode limpa (sic.) uma casa bem, ser vaidosa o homem também pode, como o homem pode arrumar uma pia, construir uma casa a mulher também na televisão eles passa muito preconceito nisso, dividindo as coisas. (ALESSANDRA, 2015). A crítica à divisão que a mídia veicula os produtos devido ao gênero se mostrou dentro do argumento dessa aluna, como no de outros mais. Isso influenciou muito nas análises realizadas por estes nos documentos históricos (propagandas de cervejas contemporâneas) que foram feitos em seguida e não serão aqui trabalhados. O foco é perceber a importância de se investigar as informações prévias desses alunos, e objetivando o nosso tema, como isso embute em

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questões polêmicas da contemporaneidade, onde machismo e feminismo são assuntos do cotidiano desses alunos. A construção histórica de uma imagem de mulher e de um homem são temas que devem ser discutidos em sala de aula, onde a disciplina da História consegue problematizar essas questões. Referências ALEGRO, Regina Célia. Conhecimento prévio e aprendizagem significativa de conceitos históricos no Ensino Médio. 2008. 239f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2008. BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In: Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED) / Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131-144. _____. O papel da Educação Histórica no desenvolvimento social. In: CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria A. Educação histórica: teoria e pesquisa. - Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. p. 21-48. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História Prazerosa e Consequente. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. - SP Contexto, 2003. p. 17-36.

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O CENÁRIO EDUCACIONAL E SUAS TRANSFORMAÇÕES DURANTE O SÉCULO XX Munir Abboud Pompeo Camargo Vinicius Carlos da Silva

O desenvolvimento da modernidade prometera estabilidade perante as inseguranças humanas relacionadas ao mundo natural, tendo como referência a política e a ciência. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial e os desdobramentos deste evento histórico, o projeto racional passou a sofrer uma série de questionamentos, em especial no que tange a sua pretensa em responder a todos os anseios humanos.

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Esse processo gerou a aquilo que é chamado de pós-modernidade, que, como afirma Chevitarese “configura-se como uma reação cultural, representa uma ampla perda de confiança no potencial universal do projeto iluminista” (CHEVITARESE, 2001, p.41). Dessa maneira, se os grandes discursos, ou metarrelatos, supostamente ruíram, e a sociedade pós-moderna passou a ser permeada por uma ciência que, a despeito de visar o acúmulo de conhecimentos como um bem à humanidade, passou a focar apenas na eficiência de seus estudos e práticas. Os investimentos anteriormente destinados as universidades, voltados ao incentivo de pesquisas que pudessem realizar descobertas responsáveis por sanar enigmas da existência do homem, passaram a ser empreendidos em favor da produção. Para Marinho “Agora, o que é decisivo na circulação de um conhecimento não é a sua capacidade de retirar alguém da ignorância e sim sua potencialidade de melhorar a performance e o 18 desempenho de uma dada mão-de-obra para a melhoria do processo produtivo” (MARINHO, 2008, p.4). O relativo processo passou também a encontrar insuficiências nos modelos clássicos explicativos da sociedade. Assim, se antes, em contraposição ao saber tradicional (discurso científico) se legitimava a partir de sua condição tanto especulativa (ou filosófica) quanto prática (ou emancipação política), que prometia a primeira, “a humanidade como herói da liberdade” (LYOTARD, 2011, p. 58-60) e, a segunda “que a universidade deve remeter seu material, a ciência, à „formação espiritual e moral da nação‟”, responsável, de

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acordo com Lyotard, pela “formação de um sujeito plenamente legitimado do saber e da sociedade” e enxergava o discurso tradicional como “selvagem, primitivo, subdesenvolvido, alienado, feito de opiniões e costumes, de autoridade, de preconceitos, de ignorâncias, de ideologias” (Op. cit. 2011, p. 49), depois, como a já dita falência da modernidade, mudanças passam a ser empreendidas nas universidades, que passam a, não sendo mais embasadas por sua condição especulativa e prática, sofrer um processo de erosão, já que a ciência passa a ser vista como “um jogo de linguagem de [...] regras próprias” (Op. cit, 2011, p. 72). Indo de encontro ao ideal iluminista, que postulava que através da ciência se desvendaria os mistérios que permeavam o cotidiano do homem, a sociedade pós-industrial, portanto, passou por um processo gradual de esvaziamento dos cofres dos centros de pesquisas universitários, em especial os públicos, em detrimento de investimentos em empresas ou centros de pesquisas privados, almejando obter maiores proventos. Outro fator importantíssimo que a falência da modernidade traria ao Ocidente seria a corrosão do caráter legitimador das ciências tradicionais. Dessa forma, todo o discurso educacional foi posto em xeque no século XX, quebrando com uma construção histórica que se iniciou durante o século XVIII, onde iniciou-se o processo de formação das disciplinas dentro das instituições escolares, pautadas nas ideias iluministas. Acreditou-se nesse período que era necessário fornecer educação de forma ampliada para o desenvolvimento dos Estados e da eliminação daquilo que era chamado de “crenças irracionais” ou “incivilizadas”. Assim, iniciou-se a formação da escola contemporânea, cujo objetivo é trabalhar o corpo detalhadamente, exercendo uma coerção sem folga, mantendo-o no mesmo nível da mecânica, docilizando os corpos (FOUCAULT, 1987, p.118). Diferentemente de outros períodos da história, o controle social hoje não é mais ligado apenas aos elementos significativos do comportamento, mas sim à economia. Essa questão desenvolve-se devido à necessidade de ter-se corpos utilizáveis dentro da sociedade industrial nascente. É notório também a própria valorização da vida e a modificação nas formas de controle através da força. É criado um corpo de patrulhamento ostensivo (polícia) e as prisões passam da característica punitiva para carregar uma aparentemente corretiva. A partir do século XVIII, desenvolveu-se no mundo ocidental um esquema de controle de comportamento, onde o adestramento dos

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corpos tornou-se o centro das operações, fazendo-os máquinas produtivas. Com a queda dos paradigmas da modernidade e o desenvolvimento da pós-modernidade, a própria ideia tradicional de educação passou a ser relativizada. Já no século XX, a dinâmica produtiva sofreu alterações consideráveis, com especial destaque para a forma de se pensar utilizada pelas empresas, encabeçado pelo setor de Recursos Humanos destas. Pode-se dividir em cinco fases a história da gestão de pessoas: em 1930 inicia-se a primeira fase, conhecida como contábil, cuja única função era a administração dos custos da organização empresarial. Quase correlatamente, entre 1930 e 1950, teve início a fase legal. Nela, as leis trabalhistas se aperfeiçoaram, alterando a relação entre patrão e empregado onde o R.H se tornou um mediador das partes. Após 1950 entra a fase tecnicista, fazendo com que o R.H. adentrasse ao nível gerencial. O setor responsabilizou-se pelo treinamento, recrutamento e seleção, cargos e salários, higiene e segurança, benefícios, entre outros. De 65 até 85 tem-se a fase sindicalista. O nome vem das diversas modificações nas relações de trabalho geradas pelos movimentos sindicais do período. O gerente de R.H., conforme aponta Soares, tem a função de “transformar os procedimentos burocráticos e operacionais em responsabilidades voltadas para os indivíduos e suas relações.” (SOARES, et al, 2008. p.4). A última fase, estratégica, tendo surgido após 1985, carrega a preocupação com o funcionário no longo prazo, assim o profissional de R.H. passa para uma importante colocação estratégica dentro da organização. Tendo em vista as modificações sociais e tecnológicas da contemporaneidade, observa-se o surgimento de novas formas de concepção do papel do R.H. dentro de uma empresa. As sociedades de economia pós-industrial e de cultura pós-moderna carregam uma ligação muito forte com a questão da informação, tem-se uma queda nas fronteiras, tanto do conhecimento quanto as econômicas, alguns autores ainda defendem que ocorre um processo de falência do Estado moderno, o mesmo se restringindo a administração regional de seu território. Essas inúmeras modificações sociais fizeram com que as empresas tivessem que repensar todas as suas estratégias e rever diversos setores, a fim de se tornem-se mais competitivas. As empresas começaram a dar maior foco ao ambiente informacional e a geração de conhecimento dentro da mesma. O conhecimento se tornava assim um instrumento de mercado, cuja finalidade era o lucro e não mais a luz ou o acrescimento do indivíduo enquanto ser humano, ideais da educação de cunho iluminista. Essa organização pode ser compreendida através de três

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dimensões fundamentais: infraestrutura, pessoas e tecnologia, sendo estas compostas por diversas variáveis como estilo gerencial, visão holística, aprendizagem, criatividade, redes, entre outras, voltadas para a criação, captação, armazenamento, difusão e compartilhamento do conhecimento (SOARES, et al, 2008. p. 2). O conhecimento gerado pela empresa deve, necessariamente, estar ligado a suas questões de produção e produtividade. O conhecimento deve estar ligado com as necessidades da empresa, fazendo com que a mesma carregue um diferencial competitivo. Com as modificações causadas pela tecnologia da informação e a imensa volatilidade das informações, as empresas necessitam a todo instante modificar-se para adaptarem-se ao uso dessas novas tecnologias, gerindo de forma eficiente o conhecimento, para que o mesmo chegue para os sujeitos de forma correta, no momento mais pertinente. Além da necessidade de controle da informação, as empresas descobriram que com o bem estar de seus colaboradores toda a cadeia produtiva é alavancada qualitativamente, refletindo em resultados quantitativos de produção e lucro. Essa melhoria nas condições de trabalho, necessidade de informação, domínio nato de tecnologia e relativa liberdade criativa do empregado faz com que as corporações cobrem de seu capital humano qualidades como criatividade e conhecimentos tecnológicos. Dessa forma, é cada vez mais cobrado da escola – em sua função de criação de mão-de-obra – que faça com que o educando desenvolva as habilidades supracitadas vinculadas a competitividade do mercado e geração de capital, tornando o sistema escolar como um todo em um simples instrumento de possibilidade de ganhos financeiros. A solução talvez esteja na construção de uma nova visão educacional, onde a ciência – e consequentemente o sistema educacional – passe a se legitimar ao legitimar, sem pretensões ao universalismo e levando em conta as especificidades do meio social, educacional e regional no qual está inserido. Sem esta, continuaremos em busca de uma verdade tida como necessária à vida humana, pressuposto atualmente em decadência, abrindo espaço a todos os tipos de discursos, muitas vezes antagônicos e por vezes perigosos, como os atuais movimentos que apontam para a defesa da intervenção militar na sociedade e na escola, viés profundamente seletivo e acrítico as demandas atuais da nossa sociedade e educação, em especial no ensino de história.

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Referências

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PIRES, Hindenburgo Francisco. EAD e ensino de Geografia: a política da escala e a escala da política. Anais do 10º Encontro Nacional de práticas de Ensino em Geografia. Porto Alegre, 2009. Disponível em: Acesso em: 18.jun.2015. Porto, Fernando. Novas Tecnologias Definem o Futuro do R.H. Vagas, 2014. Disponível em: . Acesso em: 15.jun.2015 ROSA, Resemar. Trabalho docente: dificuldades apontadas pelos professores no uso das tecnologias. Revista Encontro de Pesquisa em Educação, Uberaba, v. 1, n.1, p. 214-227, 2013. Disponível em: Acesso em: jun. 2015. SANTOS. Edméa Oliveira. Ambientes virtuais de aprendizagem: por autorias livre, plurais e gratuitas. In: Revista FAEBA, v.12, no. 18, 2003. Disponível em: Acesso em: jun.2015. SILVA, Marcio. Sala de Aula Interativa: a Educação Presencial e à Distância em sintonia com a era Digital e com a cidadania.INTERCOM. XXIV Congresso Brasileiro de Comunicação, Campo Grande/MT, Setembro, 2001. Soares, Daniela Silveira; et al. Novas Tecnologias Aplicadas à Gestão do Conhecimento. Convibra, 2008. Disponível em: . Acesso em: 12.Maio.2015 Voges, Magnun Souza Ambientes virtuais para o ensinoaprendizagem em geografia. Disponível em: . Acesso em: 12.Maio.2015

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A PRÁTICA COMO PESQUISA NO ESTÁGIO: UMA AULA SOBRE O HOLOCAUSTO Natália da Silva Madóglio Martines Marisa Noda

Introdução

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Durante muito tempo, a experiência do Estágio Supervisionado tem sido vista por muitos graduandos como uma mera repetição da prática docente daqueles que estes observam em seus estágios. Todavia, como propõem as autoras PIMENTA e LIMA (2004), esta já não condiz mais com o objetivo a que se quer chegar ao se realizar o estágio. Neste artigo, temos como objetivo compartilhar a experiência de um estágio realizado a partir da ideia de um "estágio como prática de pesquisa", em que o discente é levado a pensar a sua prática a partir da experiência que o ambiente escolar lhe propiciará, assim como a demanda dos alunos, sempre visando o melhor aprendizado destes. A experiência que será descrita a seguir, referese à regência aplicada no primeiro semestre de 2015, aos alunos do 9º A, do Colégio Estadual Durval Ramos Filho, na cidade de Andirá. O tema foi "O Holocausto na Segunda Guerra Mundial". O Estágio Supervisionado Para muitos uma simples obrigação acadêmica, para outros um momento de pensar a sua futura prática como docente. Estes são um dos olhares que muitos graduandos, no nosso caso, da licenciatura em História, têm a respeito do Estágio Supervisionado. Muitos o realizaram apenas para completarem as horas necessárias. Alguns "imitam" o que lá veem em suas regências, outros utilizam modelos prontos e acabados. Alguns, todavia, buscam conciliar teoria e prática e utilizá-las para aprimorarem sua prática docente. A conciliação entre teoria e prática é necessária, todavia, muito recusada por alunos que realizam o estágio. São comuns as falas de que "a teoria é uma coisa, mas na prática tudo muda", ou que a teoria de nada vale. Entretanto, como salientam as autoras PIMENTA e LIMA (2004), a utilização de ambas auxilia na hora de ir para a escola. Os anos que passamos aprendendo sobre Metodologia do Ensino de História, Teorias do Ensino de História, Didática do Ensino de História devem ser referência no como pensar o ato de ensinar, a aprendizagem dos alunos, a escolha do conteúdo

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e a significação que este terá na vida deles. As autoras PIMENTA e LIMA descrevem bem qual seria o objetivo do estágio: "Propiciar ao aluno uma aproximação à realidade na qual atuará. Assim, o estágio se afasta da compreensão até então corrente, de que seria a parte prática do curso. As autoras defendem uma nova postura, uma redefinição do estágio, que deve caminhar para a reflexão, a partir da realidade" (PIMENTA e LIMA, 2004, p. 45). Com essa concepção, é ainda mais atraente pensar o estágio como pesquisa e, até mesmo desenvolver uma enquanto realizamos este. A incorporação do professor pesquisador, ou seja, aquele que investiga, reflete e analisa a sua prática, pensando as dificuldades, os diferentes contextos, seria o objetivo de cada graduando ao realizar o seu estágio. O objetivo, a nosso ver, é de encaminhar as possíveis discussões e, até mesmo reflexões que podemos realizar a partir de uma pesquisa feita em nosso estágio, além de, com esses dados, redirecionar nossas práticas. É claro, entretanto, que o devido cuidado deve ser tomado. As próprias autoras, PIMENTA e LIMA (2004) "advertem sobre os riscos de uma apropriação equivocada ou limitada deste paradigma de formação" (PIMENTA e LIMA apud CAIMI, p. 98, 2008), nos seguintes termos: "Ao colocar em destaque o protagonismo do sujeito professor nos processos de mudança e inovações, a perspectiva do professor reflexivo e pesquisador pode gerar a supervalorização do professor como indivíduo. Diversos autores têm apontado os riscos de um possível praticismo daí decorrente, para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente; de um possível individualismo, fruto de uma reflexão em torno de si própria; de uma possível hegemonia autoritária, se se considerar que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática; além de um possível modismo, com uma apropriação indiscriminada e sem críticas , sem compreensão das origens e dos contextos que a geraram, o que pode levar a banalização da perspectiva da reflexão e da pesquisa" (PIMENTA e LIMA apud CAIMI, p. 98-99, 2008).

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O que as autoras desejam nos mostrar, segundo a visão de CAIMI (2008), é que "uma prática pedagógica que só consegue olhar a si própria, numa espécie de praticismo/reflexismo, [...] não contribuem para o desenvolvimento profissional" (CAIMI, p. 99, 2008). Todavia, se bem empregada, essa prática pode auxiliar na melhoria da ação educativa, como também, para a formação de profissionais autônomos e reflexivos (CAIMI, 2008). Flávia Caimi insiste que não se deve, portanto, desvencilhar teoria e prática, pesquisa e ensino, muito menos conteúdo específico e conteúdo pedagógico, pois estes devem estar "a serviço do eixo principal da formação profissional" (CAIMI, p. 99, 2008). O Ensino de História

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Para tanto, levamos em consideração, na hora de refletir sobre o ensino de História, algumas considerações acerca da condição dos alunos. Devemos ter consciência, como sugere Jean Carlos Moreno (2004), que estes não são como "cera mole", ou seja, uma massa passiva que é modelada da maneira como quer o professor. Pelo contrário, estes já trazem consigo experiências do cotidiano, préconceitos, ideias formadas, etc. O que poderá ocorrer a seguir será a intervenção do professor para melhorá-las. Acrescenta-se ainda a esta concepção acima a que leva em consideração a condição do ser "jovem" dos alunos (CAMACHO, 2004), pois muitos professores tratam seus alunos como se estes fossem apenas alunos, e não jovens. Tendo isso em vista, compreende-se muitos dos comportamentos que estes portam, como a total dispersão frente a uma aula pouco estimulante. Outra consideração de importância fundamental para o ensino esta centrada na questão de "selecionar conteúdo" (MORENO, 2004). Não é possível trabalhar "toda a história" com os alunos, por isso, deve ser selecionado o que será trabalhado de acordo com o objetivo que o professor quer atingir ao longo do curso. Jorn Rusen também comenta em seu texto "Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria", a questão acerca do conteúdo a ser ensinado. Segundo o autor: "Não são quaisquer experiências do tempo (ou conteúdos históricos) que podem ser apropriadas por intermédio dos modelos de interpretação, enquanto fatores da orientação prática e da autocompreensão. Só se pode tratar daqueles conteúdos históricos que estejam contidos nas experiências da vida atual, ainda antes de sua apropriação pela aprendizagem. Devem ser aprendidos os conteúdos históricos que atuam nas

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circunstâncias atuais da vida de cada um, antes de sua tematização histórica expressa" (RUSEN, p. 105, 2012). Diante dessa concepção que RUSEN nos mostra sobre quais conteúdos se devem tratar, nós voltamos à contribuição de MORENO (2004) que também fala sobre "atribuir o ensino de história de sentido e de experiência". Deve haver um sentido em se ensinar determinado conteúdo, ou o aluno detestará cada vez mais a aula porque simplesmente ele não vê utilidade alguma em aprender sobre o que o professor teimosamente tenta ensinar. Deve-se empreender o conhecimento histórico tendo como objetivo que este exerça uma função prática na vida dos alunos que seja o de orientá-los em suas escolhas (RUSEN, 2012). Para tanto, uma boa aula de história deveria partir de um problema do presente para se voltar ao passado, e a partir de então, do que se pode aprender para então fazer uma projeção para o futuro (RUSEN, 2012), fora disso, não há sentido em se aprender História. Não para os alunos. Também é necessário oferecer aos alunos uma "diversidade didática" (MORENO, 2004), para que o ensino seja mais estimulante. Uma das opções é o uso do documento histórico, pois, segundo o autor: "Todo o trabalho deve ser problematizado e a seleção feita de acordo com nossos objetivos definidos anteriormente, mas temos certeza que tornar as linguagens objetos de estudo em sala de aula ajudará o ensino de história a ser mais estimulante para todos" (MORENO, 2004, p. 19). A utilização do documento histórico tornou-se uma forma de o professor motivar o aluno para o conhecimento histórico, de estimular suas lembranças e referências sobre o passado e, tornar o ensino menos livresco e dinâmico. Faz com que o aluno entenda o "agora historicamente". Nessa concepção, o documento não ilustra a aula, ele é tido como o próprio conteúdo (SCHMIDT e CAINELLI, 2009). Além disso, utilizar um documento durante a aula faz aproximar o aluno do fazer historiográfico, levando-o a perceber o ofício do historiador e como que este se dá.

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Regência: O Holocausto na 2ª Guerra Mundial Uma das preocupações que nos cercaram e acabou por nos nortear durante o estágio e, principalmente, durante a elaboração da regência, era a identidade de quem iria receber a ação do professor de história (CERRI, 2010). O objetivo de nossa aula era, por conseguinte, saber qual tipo de identidade estaríamos reforçando nos alunos, as "não razoáveis" ou as "razoáveis", como sugere CERRI (2010). As "razoáveis" seriam aquelas que prezam pela tolerância, compreensão, alteridade, etc. As "não razoáveis", por sua vez, são carregadas de intolerância, individualismo, racismo, etc. Para isso, durante o a realização da observação, 60 horas ao todo, buscamos detectar tais identidades. Vários foram os comentários, brincadeiras e falas racistas e preconceituosas entre os alunos. Muitos deles, durante várias conversas, satirizavam aqueles que tivessem "gosto por meninas negras", partidos políticos de esquerda, religiões diferentes das suas, dentre outros.

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A partir de tal diagnóstico, estruturamos nossa aula (regência) - que a pedido da professora da turma observada, Maria Virgínia Stefanutto, do 9º ano A, teve como tema "O Holocausto na Segunda Guerra Mundial"- a partir de questões de preconceito e intolerância presentes na atualidade. Recorremos a postagens do facebook e twiter, de caráter racista e preconceituoso, a exemplo: "Desculpem nordestinos, mas essa região do Brasil merecia uma bomba como em Nagasaki, pra nunca mais nascer uma flor sequer por 70 anos". "Não me acho uma pessoa "superior" ao povo nordestino..porque na realidade..nordestino não é gente né?". "70% de votos para a Dilma no Nordeste! Médicos do nordeste causem um holocausto por aí! Temos que mudar essa realidade!". Nosso objetivo ao mostrar tais postagens era o de que os alunos refletissem sobre os motivos pelos quais nossa sociedade é tão racista e preconceituosa. A partir de então, mostraríamos a eles o que resultou determinado exemplo de racismo, preconceito e ódio ao extremo contra o "outro", contra o "diferente": o holocausto dos judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. Museu do Holocausto de Curitiba Circe Bittencourt fala sobre a utilização dos objetos de museu como fonte de conhecimento histórico (2004). E é por isso que privilegiamos estes objetos em nossa aula. Para tanto, mesmo sem condições de levar nossos alunos a este museu em Curitiba, fizemos

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o possível para que ele viesse até os alunos. A estrutura da aula, por conta disso, relembra para aqueles que já o visitou, um tour pelo museu. Seguimos a trajetória que o próprio museu realiza para contar a "uma das histórias do Holocausto". Lembrando, é claro, que o museu foi projetado pela comunidade judaica de Curitiba, dentre os quais, alguns próprios sobreviventes do Holocausto que conseguiram mudar-se para o Brasil, e nesse caso, viver em Curitiba. Trazemos a seguir o conteúdo em que a aula se estruturou: * QUEM SÃO OS JUDEUS? * Por que estudar o HOLOCAUSTO? * Alemanha nazista, perseguição aos judeus e marginalização destes: 1919 - 1939; * Judeus no pós 1ª Guerra; * Surgimento do Partido Nacional Socialista; * 1923: Putche de Munique; * 1932: Hitler se torna chanceler; * 1934: Hitler assume o poder do parlamento alemão; * Leis de Nuremberg, 1935; * Queima de livros, Boicote e o Kristallnacht ( 9 de novembro de 1938); * PROPAGANDA NAZISTA; * A Segunda Guerra Mundial - O começo da perseguição judaica na Polônia - A criação dos guetos 1939 - 1941; * O avanço da ocupação nazista na Europa Oriental - Operação Barbarossa e o início do Assassino em massa - Junho 1941 - 1942; * O Extermínio e a Indústria da Morte - 1942 - 1945; * "Solução Final da Questão Judaica"; * OS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO; * Os Justos entre as Nações - 1939 - 1945; * OSCAR SCHINDLER; * As Marchas da Morte 1944 - 1945; * A evacuação dos últimos guetos e campos começou em meados de 1944 e tornou-se mais intensa em janeiro de 1945; * Sherith Hapleitá - Retorno à Vida 1945 - 1948; * ATÉ QUE PONTO CHEGAMOS NO SÉCULO XX? Com esta interrogação "Até que ponto chegamos no século XX?", buscamos encerrar a aula instigando os alunos a refletirem sobre a experiência que o acontecimento do Holocausto deveria ter causado nas pessoas. Mesmo após esta grande tragédia, não alcançamos uma consciência da grandeza de nossos atos, e acabamos por repeti-los. Se não fosse assim, outras tragédias jamais teriam acontecido, pois

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teríamos aprendido a lição. Entretanto, massacres continuaram, atos de xenofobia, racismo, intolerância religiosa, indígena, dentre tantas outras persistiram em ocorrer no século XX e agora no XXI. Considerações finais Buscamos compartilhar neste pequeno texto nossa experiência durante a realização do Estágio Supervisionado, do curso de História, da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Nele, buscamos ter como referencial o que as autoras PIMENTA e LIMA (2004) propuseram, que é o de ver o estágio como ambiente para se pensar a nossa prática docente.

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Após a aplicação da nossa regência, novos horizontes se abriram, pudemos pensar o que deu certo e o que foi significante, o que devemos mudar e o que se deve permanecer. No nosso caso, notouse que a aula ficou muito extensa, o que, todavia, não fez com que fosse totalmente desmerecida. Cumpriu-se com o objetivo inicial que era o de atuar nas identidades dos alunos (razoáveis ou não), e leválos a fazerem uma projeção para o futuro, com menos violência, racismo, intolerância, ou qualquer outra coisa que diminua a humanidade do meu semelhante frente as minhas escolhas. Por hora, penso que este é também o dever do ensino de História. Referências BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos São Paulo: Cortez, 2004 CAIMI, Flávia Eloisa. Contextos discursivos sobre formação de professores e ensino de história. IN: CAIMI, Flávia Eloisa. Aprendendo a ser professor de história. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2008, p. 81 - 114. CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. A invisibilidade da juventude na vida escolar. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 02, p. 325-343, jul./dez. 2004 CERRI, Luis Fernando. Didática da História: uma leitura teórica sobre a História na prática. Revista de História Regional 15(2): 264-278, Inverno, 2010. DAYRELL, Juarez. A escola Faz as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105 - 1128, out. 2007. MORENO, J. C. Pensar a História. Pensar seu Ensino. Curitiba: Faculdades Bagozzi, Mimeo, 2004.

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SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar história. 2. Ed, São Paulo: Scipione, 2009. PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. RUSEN, Jorn. Aprendizagem histórica: esboço de uma teoria. IN: RUSEN, Jorn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas. Tradução de Peter Horst Rautmann, Caio da Costa Pereira, Daniel Martineschen, Sibele Paulino - Curitiba: W. A. Editores, 2012, p. 69 - 112.

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POR UM ENSINO DE HISTÓRIA SONORO: MÚSICA E HISTÓRIA NOS PCN‟S, NA SALA DE AULA, NA VIDA Nayara Crístian Moraes

Tem-se como objetivo neste texto, acentuar a importância da música no ensino de história na sala de aula, tendo em vista que o ato educativo não é um ato banal ou formal, fechado, mas aberto, com vislumbres de mudança, e as canções fazem parte da nossa sociedade e representam diferentes pensamentos dos sujeitos que nela se inserem, fazendo com que o ensino musical se torne cada vez mais relevante em diferentes disciplinas, porque pode relacionar seus conteúdos com o mundo. É pensando nisso que os PCNs evidenciam a importância da música na sala de aula, principalmente devido ao envolvimento dos alunos com as músicas que ouvem no seu cotidiano:

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A música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época. Atualmente, o desenvolvimento tecnológico aplicado às comunicações vem modificando consideravelmente as referências musicais das sociedades pela possibilidade de uma escuta simultânea de toda produção mundial através de discos,fitas, rádio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema, publicidade, etc. Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir espaço para o aluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de apreciação e produção (BRASIL, 1998, p. 53). No Brasil, a lei que coloca a música na sala de aula como uma norma foi sancionada em 2008. Embora muitas vezes não tenhamos profissionais habilitados a colocar esta exigência educacional em prática, ou falte investimentos públicos suficientes para garantir que a música seja de fato colocada no ensino básico, pelo menos: A Matriz Curricular de música, especificamente, surge em um momento crítico para a Educação Musical no Brasil, no qual a música torna-se disciplina obrigatória

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no Ensino Básico. Sancionada em agosto de 2008, a Lei 11.769, altera o artigo 26 da LDB/96 (BRASIL,1996), acrescentando o § 6º, que regulamenta o ensino de Arte no Ensino Básico no Brasil. Esta modificação estabelece que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo”. A obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, apesar de ser uma questão polêmica, traz novas possibilidades de propostas para o ensino de música nas escolas e reforça a necessidade da promoção de políticas de formação continuada dos professores licenciados nesta área (EMRICH p.2, 2012). Contudo, temos uma conquista social e cultural na educação porque o ensino de música na escola foi ao menos reconhecido e sua importância na educação aparece nas matrizes curriculares, porque se entende que este elemento artístico da cultura deve fazer parte do aprendizado escolar. As injustiças do mundo, as mazelas sociais, a alegria de viver, a riqueza e a pobreza, a individualidade e a coletividade, sonhos e esperanças, podem ser expressos na música. Então é preciso entender que o ensino musical também é um ato educativo, tal como o da história. Para os PCN‟s. É necessário procurar e repensar caminhos que nos ajudem a desenvolver uma educação musical que considere o mundo contemporâneo em suas características e possibilidades culturais. Uma educação musical que parta do conhecimento e das experiências que o jovem traz de seu cotidiano, de seu meio sociocultural e que saiba contribuir para humanização de seus alunos [...] Valorizar as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região; bem como procurar a participação em eventos musicais de cultura popular, shows, concertos, festivais, apresentações musicais diversas, buscando enriquecer suas criações, interpretações musicais e momentos de apreciação musical (BRASIL, 1998, p. 79, p. 81).

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Os conteúdos musicais dentro da matriz curricular nacional e para os PCN‟s, segundo Ana Rita Oliari Emrich (2012, p.45), seguem três perspectivas: 1.Na perspectiva da expressão e comunicação em música, com ênfase na improvisação, composição e interpretação, na perspectiva da apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical: Experimentação, improvisação e composição a partir de propostas da própria linguagem musical (sons, melodias, ritmos, estilo, formas); de propostas referentes a paisagens sonoras de distintos espaços geográficos (bairros, ruas, cidades), épocas históricas (estação de trem da época da “Maria Fumaça”, sonoridades das ruas); de propostas relativas à percepção visual, tátil; de propostas relativas a ideias e sentimentos próprios e ao meio sociocultural, como as festas populares (BRASIL, 1998, p. 82).

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2.Na perspectiva da apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical: Apreciação de músicas do próprio meio sociocultural, nacionais e internacionais, que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer dos tempos e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras Modalidades artísticas e com as demais áreas do conhecimento (ibidem, p.84). 3.Compreensão da Música como produto cultural e histórico os PCN (1998) propõem a: Investigação da contribuição de compositores e intérpretes para a transformação histórica da música e para a cultura musical da época, correlações com outras áreas do conhecimento e contextualizações com aspectos histórico-geográficos, bem como conhecimento de suas vidas e importância de respectivas obras. (ibidem, p. 86). Ocorre que para a matriz curricular nacional de 2008, o ensino musical está somente inserido na disciplina de educação artística. Por mais que a disciplina seja multifacetada e tenha uma

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característica multidisciplinar, ela talvez não consiga alcançar resultados esperados se a música também não estiver presente no ensino de outras disciplinas como a história. O que se propõe aqui é na verdade a ideia de que a música não está acorrentada na educação artística, mas sim em todo contexto educacional em que o indivíduo se insere. Afinal de contas a música está no nosso dia a dia, em todos os lugares pois: O fazer musical é uma espécie de ação social com importantes conseqüências para outros tipos de ações sociais. „Música‟ é não apenas reflexiva; ela é também generativa tanto como sistema cultural quanto como capacidade humana. O fazer musical e um senso de musicalidade das pessoas são resultado da interação interpessoal com ao menos três conjuntos de variáveis: sons ordenados simbolicamente, instituições sociais e uma seleção de capacidades cognitivas e sensóriomotoras disponíveis do corpo humano” (BLACKING, 1992, p. 305 apud ARROYO, 2002 p. 102). Neste sentido, a música é mais do que um mero aprendizado porque a vida está cheia de musicalidade. Ela se torna, portanto, um instrumento social, político, cultural, educacional e historicizador: Vale observar que as dimensões sociais, cognitivas e psicomotoras estão integradas na experiência musical. A aprendizagem de música não implica apenas tornar-se tecnicamente competente, mas interiorizar representações sociais que lhes dão sentido, como cultura. As organizações sonoras não são neutras, mas investidas de rede de significados (ARROYO, 1999, p.178). Levar a música para a sala de aula a fim de contribuir com a formação social dos alunos também direcionar melhor o ensino da história com uma metodologia que envolve percepção para além da escrita. Toda música tem um contexto cultural, formando um processo histórico que deve ser avaliado no âmbito regional, nacional e internacional. Letras de música tratam da escravidão, do preconceito, das etnias diferentes, das favelas, da ditadura militar, etc. Estudar processos histórico-sociais através da música só se torna repetitivo quando observamos o nosso objeto de pesquisa somente por um viés, tentando separar a musicologia, história, sociologia, letras. O tema é multifacetado, repleto de saberes. Sem

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interdisciplinaridade seria impossível “pensar” a música, tal como se pretende aqui, pois é com a multidisciplinaridade que se enriquece as pesquisas voltadas para este tema, o que não impede um trabalho de cunho historiográfico, onde o historiador traz um recorte, uma problematização, uma metodologia, mas ao mesmo tempo dialoga com outros saberes: “Portanto, ainda que a História, como disciplina específica tenha muito a contribuir, o historiador deve, necessariamente, dialogar com outras disciplinas.” (NAPOLITANO, 2002, p. 75). Para José Carlos Reis:

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A história tende a abandonar as suas pretensões cientificas e a tornar-se um ramo da estética. Ela se aproxima da arte: da literatura, da poesia, do cinema, da fotografia, da escultura, da música... Isso quer dizer que a forma da história não é exterior ao seu conteúdo e indiferente à sua época. O discurso histórico não é só uma exposição analítica, conceitual e quantificada de uma documentação objetivamente elaborada. A história se apropria e ressignifica diversas linguagens. A sua forma, a sua linguagem, é a sua mensagem (REIS, 2003, p. 60). Junto à geografia podemos pensar a geopolítica, fazendo uma análise das músicas que falam do meio ambiente, discursando um novo mundo ou que criticam a modernidade. Paródias que falam dos conteúdos que objetivamos ensinar, músicas que podem ser representadas, mas também criadas, se conseguirmos colocar palavras adequadas em determinados ritmos. Os alunos assistem filmes, vão ao cinema, querem usar fones de ouvidos até na sala de aula, jogam vídeo games... por que não utilizar as músicas do cotidiano nestes elementos midiáticos em favor do aprendizado? Tais sons podem ligar seus conhecimentos ao conteúdo, ao entendimento das narrativas da história, do discurso, da história cultural, dos poderes simbólicos, e por quê não, da importância das fontes e do fazer do historiador/professor/pesquisador. Geralmente os licenciados em história pensam a didática sempre voltada para alunos já adolescentes ou adultos, mas há também a necessidade de contribuir com o aprendizado de história nas séries inicias, no alicerce do ensino. Historiadores podem contribuir com essa etapa, seja se envolvendo em projetos na área, ou desenvolvendo materiais paradidáticos na colaboração com os professores do ensino fundamental I.

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Na educação infantil, as cantigas, por exemplo, ainda têm forte presença no ensino, mas infelizmente estas canções na maioria das vezes não são problematizadas. Qual a história de determinada cantiga? Que imaginário as envolve? Às vezes o contexto de uma canção pode levar crianças a instigarem seus conhecimentos, valorizar os significados das coisas e deixar de aprender algo sem saber porque está aprendendo. A musicalidade nas atividades pode inclusive desenvolver melhor a coordenação motora. Pode fazer o dia delas mais feliz, pode fazê-las esquecer de abusos, ou compreender melhor suas dificuldades de leitura, pode leva-las a compreender as representações do passado, a historicização do ontem e hoje. Não à toa o gago não fica gago quando canta. Não é à toa todos nós temos uma trilha sonora. Somos sociais e a música consegue se apropriar de nossas aspirações e realizações. Com este pequeno texto consideramos que o ensino da música aliado ao ensino da história pode gerar um aprendizado diferenciado nos alunos, aproximando-os da realidade, do mundo e afastando-os da individualidade excessiva, do tédio de metodologias sempre repetitivas, e da ignorância da importância sonora na vida de cada um, tendo em vista que a todo o momento somos bombardeados por inúmeras informações através da música. Os sons ritmados significam mais do que ruídos, significam canções e poesia, histórias de vida e apreensões de vivências que podem ser compartilhadas na escola, na sala de aula, nas aulas de história. Referências ARROYO, Margarete. Mundos musicais locais e educação musical. Em pauta, v. 13, n. 20, p. 102, 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2016. ______. Representações sociais sobre práticas de ensino e aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música. 1999. 406 f. Tese (Doutorado em Música) - IA/PPG-Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 1999. BRASIL. Lei das Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF, 1996. ______. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília, DF: MEC-SEB, 1998. EMRICH, Ana Rita Oliari. Ensino musical escolar na matriz curricular do Estado de Goiás: elaboração e aplicação de sequências didáticas na disciplina música. 2012. 154 f. Dissertação

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(Mestrado em Música na Contemporaneidade) – Escola de Música e Artes Cénicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2016. NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

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FILMES NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CONFRONTO ENTRE A NARRATIVA E OS DOCUMENTOS Paulo Roberto de Azevedo Maia

Apresentação Ir ao cinema, assistir televisão ou ver um vídeo na internet se tornaram partes integrantes da vida moderna. Com tantas possibilidades de acesso a materiais midiáticos diversos, é necessário o domínio das linguagens audiovisuais para o desenvolvimento de jovens acostumados a consumir imagens, mas não fazer a sua devida leitura. A escola é o espaço do desenvolvimento de técnicas de decodificação de todos os tipos de linguagens e os professores de história tem um papel a cumprir na formação de leitores do audiovisual. A proposta desta comunicação é discutir a utilização de filmes no ensino de história através da desconstrução da narrativa cinematográfica, fazendo a integração entre a teoria, o discurso cinematográfico e o uso de documentos. A popularização do cinema na sala de aula não significou, necessariamente, um avanço em termos pedagógicos. Os filmes usados como ilustração de um tema ou mesmo como conhecimento em si são estratégias que pouco contribuem para a formação crítica do aluno, pois não geram reflexão, ao contrário, estimulam a uma visão estática da história onde a dinâmica da aprendizagem se esgota em verdades prontas, não representando momentos de construção de conhecimento. Cabe ao professor de história fazer o papel de mediador entre o aluno e o filme, demonstrando como esse é também um produto histórico, cujas "verdades" devem ser relativizadas já que são construções imagéticas. Explorar as questões suscitadas pelo filme, buscando coerências com o saber histórico e suas divergências, bem como entender as intenções autorais são preocupações relevantes para o professor de história. Uma forma de problematização nas aulas de história é o confronto entre as narrativas e documentos. Contribuições para a discussão do cinema na sala de aula A utilização do cinema na escola enquanto veículo pedagógico não é recente. O instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) nasceu em 1937 no governo de Getúlio Vargas. Apesar da relação entre

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Estado e cinema ser verificada desde a década de 20, foi o primeiro órgão estatal brasileiro voltado para o cinema aplicado ao ensino. Chefiado por Roquete Pinto, produzia conteúdo para alimentar um projeto de difusão cultural dentro da perspectiva de construir uma identidade nacional correlacionada com a ciência e o desenvolvimento industrial do País. A organização resistiu ao fim da era Vargas e sua atuação, sob o comando de Humberto Mauro foi até 1966. Durante os governos do regime civil-militar, o audiovisual passou a ser uma preocupação de pesquisadores ligados a educação. Na década de 70 foram lançados os livros Recursos audiovisuais para o ensino (DE CASTRO; DA SILVA JR., 1975) e Meios de ensino (GUEDES, 1979). Ambos trazem uma leitura tecnicista dos materiais audiovisuais, explorando a utilização de forma minuciosa, focando o antes, o durante e o depois da exibição com enfoque nos conteúdos, mas sem problematizações.

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A partir da década de 1980, com o início do processo de redemocratização e o surgimento dos aparelhos de videocassete (VHS), o cinema passou a fazer parte do cotidiano escolar e o filme se tornou elemento integrante do universo pedagógico. As discussões passaram a pautar o cinema como objeto de investigação para educação bem como um instrumento didático. Publicações como a coletânea Lições com Cinema (FALCÃO; BRUZZO, 1993), organizada pela Fundação de Desenvolvimento da Educação do estado de São Paulo, reuniu historiadores, biólogos e linguistas para discutir a importância de se criar referenciais teóricos consistentes na utilização do cinema na escola. Uma grande contribuição para a relação cinema e ensino foi a publicação do livro de Rosália Duarte Cinema e Educação (2002) quando afirma que o cinema não deve ser visto apenas enquanto recurso pedagógico, mas que a educação e o cinema são formas de socialização que produz saberes, visões de mundo e identidades.. Ao citar Pierre Bourdieu, afirma que o cinema ajuda na criação de uma "competência de ver" que não está restrito ao ato de assistir filmes, mas inserido no universo cultural dos indivíduos. (DUARTE, 2002, p. 19) Seguindo linha semelhante, mas com a preocupação de facilitar o trabalho de professores de história, Marcos Napolitano lançou seu livro Como usar o cinema na sala de aula (2003). O historiador discute vários aspectos do problema e especifica a necessidade de

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pensar no planejamento as competências e habilidades a serem desenvolvidas para determinar o caminho do processo. O cinema pode ser visto de diferentes formas: como instrumento, objeto de conhecimento, meio de comunicação e expressão do pensamento. Ruggero Eugeni apresenta o cinema como formas de saberes sociais, destacando que ele é, ao mesmo tempo, um "objeto" e um "instrumento". Essa dupla dimensão permite fazer do cinema algo que tem função em si mesmo, pois é conhecimento e pode ser uma ponte para se alcançar outros dimensões culturais. A ideia de objeto aponta ao estudo do cinema através da análise fílmica que pode ser a apreciação estética baseada nas formas ou mesmo em termos de conteúdos atingindo sua natureza ideológica. O estímulo às discussões das várias leituras levam para uma pluralidade de olhares díspares e até desconexos, dentro de uma lógica polissêmica própria das obras de arte. Um conhecimento explicito na narrativa observado de forma direta. (EUGENI, 1999, p. 43) Desconstruindo o filme O questionamento da obra cinematográfica deve ser feito de forma criteriosa, afinal, a narrativa, muitas vezes, se distancia dos fatos, o que pode ser visto como um problema de contextualização histórica ou um exercício de liberdade criativa. O filme Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino e O que é isso Companheiro? de Bruno Barreto apresentam narrativas que fogem do que se supõe historicamente correto. Um deixando isso muito claro, o outro se fazendo de relato histórico. Bastardos inglórios exemplifica a produção cinematográfica histórica ficcional. Um grupo de elite do exército americano, acostumados a matar nazistas de forma cruel, composto apenas por judeus e que planejam a morte de Hitler num cinema de um vilarejo francês. Depois de várias histórias paralelas que integram a trama, eles são bem sucedidos. Temos um roteiro que extrapola as "verdades históricas" estimulando a imaginação. Não foi feito para ser visto como verdade, mas para especular, divertindo. Não é informativo, e visto por pessoas que conhecem o contexto histórico do nazismo é intelectualmente estimulante e engraçado. O mesmo filme, assistido por pessoas que não tem formação no tema, podem fazer uma leitura equivocada, já que não possuem os pré requisitos necessários para o bom entendimento do enredo, assumindo sua narrativa como verdade histórica. O trabalho em sala de aula tornase estimulante se a leitura do filme for orientada pelo professor que pode confrontar documentos e a própria historiografia sobre o tema

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de tal maneira que o aluno poderá refletir sobre o quanto o diretor se distanciou dos fatos e o quanto isso colaborou para o sucesso da narrativa que não tem finalidades didáticas.

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O filme O que é isso companheiro? de Bruno Barreto conta a história do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em 1969. A liberdade poética do diretor o levou a criar uma história de livre interpretação a partir do livro homônimo de Fernando Gabeira. A forma como agiu, criando diálogos e situações inexistentes seria um mero exercício especulativo, mas o que torna mais delicada a situação foi o fato de que a grande maioria das pessoas envolvidas na trama estavam vivas quando de seu lançamento. A reação foi de grande proporção, com artigos surgindo na grande imprensa e, posteriormente, a publicação do livro Versões e ficções: o seqüestro da história (REIS, 1990) que traz críticas à obra de Bruno Barreto feitas pelos participantes do sequestro. A narrativa do diretor pode ser questionada a partir dos relatos daqueles que viveram a história. Assim como o filme, os textos dos participantes do sequestro podem ser analisados não como verdades absolutas, mas como documentos passiveis de crítica. O confronto entre as narrativas e os relatos enriquecem o estudo da história do período, levando a reflexão dos alunos sobre a relatividade das narrativas históricas e cinematográficas. Trata-se de uma experiência de desconstrução histórica com a intenção de apurar o olhar dos alunos, para perceber posicionamentos ideológicos ou mesmo posturas estéticas conservadoras na representação da história do Brasil. Esses dois filmes são exemplos da possibilidade de uso de filmes nas aulas de história a partir de uma problematização através do confronto entre narrativas e documentos, possibilitando uma utilização mais eficaz da sétima arte no ensino de história. Referências DE CASTRO FERREIRA, Oscar Manuel; DA SILVA JUNIOR, Plínio Dias; DA SILVA, Enio Longo. Recursos audiovisuais para o ensino. São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1975. EUGENI, Ruggero. Film, sapere, società: per un'analisi sociosemiotica del testo cinematografico. Vita e Pensiero: Milano, 1999. FERRO, M. O filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. GUEDES, Maria Jose. Meios de ensino. São Paulo: Loyola, 1979.

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LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação, p. 538-545, 1999. NAPOLITANO, Marcos. Cinema: experiência cultural e escolar. Caderno de Cinema do Professor, p. 10, 2009. ____. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003. REIS FILHO, Daniel Aarão. Versões e ficções: o seqüestro da história. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997. RIVOLTELLA, Pier Cesare. L'audiovisivo e la formazione: metodi per l'analisi. Cedam, Padova, 1998. THIEL, Grace Cristiane; THIEL, Janice Cristine. Movies takes: a magia do cinema na sala de aula. Curitiba: Aymará, 2009.

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PRÁTICAS DOCENTES E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA Rafael Moura Hoffmann

Este trabalho foi desenvolvido com base nas práticas do estágio supervisionado do ano de 2015, onde decidi pela utilização de autores com caráter mais pedagógico do que uma teoria focada na pesquisa histórica, pois se tratando de um estágio em sala de aula, julgo importante enfatizar teorias que dão importância ao desenvolvimento do aluno. Apesar de importante, apenas o conhecimento científico não é suficiente para o desenvolvimento de um bom profissional, como afirma Freire (2005).

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Os saberes escolar e acadêmico são diferentes, e por muitas vezes o que é aprendido na academia acaba se distanciando das escolas, mas o ideal é mantê-los próximos. É de extrema importância utilizar a metodologia e teoria aprendidas durante a graduação nas atividades desenvolvidas na sala de aula escolar e somente com uma boa base teórica o professor conseguirá organizar e administrar com perspicácia seus conteúdos (SEFFNER, 2000). É de grande importância a afirmação de Paulo Freire (2005, p. 21) “não há docência sem discência”, pois sempre ao ensinar um tema você precisa estudá-lo e aprendê-lo. Enquanto o processo de ensino é aplicado, o professor também está recebendo conhecimento pelo seu aluno através do seu conhecimento prévio. A troca de informações é constante em sala de aula e o aluno também estimula o professor nas pesquisas. Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. (FREIRE, 2005, p. 23-24) Aprender a aprender para aprender a ensinar, mesmo porque enquanto está ensinando, nunca para de se receber conhecimento. O bom profissional da educação deve sempre priorizar a Ética Universal do ser humano proposta por Freire (2005). Ser justo,

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agindo sem preconceito, respeitando o conhecimento do aluno e o que ele traz de seu meio através das suas experiências. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar. (FREIRE, 2005, p. 16) Sempre deve ocorrer o tratamento em igualdade entre os alunos, independente de inteligência ou qualquer outro critério. Dar mais atenção para determinado aluno por ter um melhor desempenho em avaliações ou participação deve ser uma prática abolida da atividade docente. Muitas vezes medir a inteligência de um aluno pode ser complicado, pois enquanto um aluno se destaca nas discussões orais, outro pode ter maior desempenho em exercícios escritos. Não há como dizer que um é mais inteligente que o outro. Fica a cargo do professor muito do que é proferido do conteúdo, mas deve haver uma conscientização na seleção dos conteúdos. Muito do que já vem pronto vem de uma classe que está no poder, e nós podemos filtrar o que é mais importante para o nosso aluno. É importante manter na escola um sentimento de troca de experiência e prazer em dar aula, pois se isso faltar tudo vira um processo mecânico e sem interação. Dessa forma seria melhor o aluno ler um texto por conta própria, pois o professor não teria utilidade. Assim como o conteúdo deve ser manipulado de acordo com a realidade escolar, o uso de diversas formas de material didático deve ser explorado para tornar a aula mais dinâmica e agradável, tanto para o aluno quanto para os professores. O discente deve ser inserido no processo de construção do conhecimento histórico. Para isso, como ponto de partida, o conhecimento do aluno tem que ser explorado. O ideal é adaptar as metodologias de ensino de acordo com o conhecimento prévio apresentado pelo educando, assim como a realidade dos alunos, do local e da comunidade em que se encontra a instituição de ensino. O ensino teórico cronológico, usado anteriormente, não prende a atenção do aluno. E quando a aula se torna monótona, dificilmente haverá bom resultado no aprendizado, pois sem interesse na aula

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não há possibilidade de adquirir o conhecimento. O ensino cronológico, método baseado em uma construção do tempo histórico homogêneo, com base no eurocentrismo, encontra-se superado para alguns autores. De acordo com Turini (2004) esta visão deve ser modificada, focando-se em eixos temáticos ao invés de cronológicos. O ensino se torna mais lógico e é possível ligar os conteúdos, facilitando a assimilação para os alunos e norteando a temática com a vivência e cotidiano do aluno. Uma discussão sobre o tema de tempo histórico foi levada aos Parâmetros Curriculares Nacionais nos anos 90, mas causou mais confusão do que ajudou no ensino. Ele foi relacionado na grade sem o contexto correto e simplesmente colocado como conteúdo em sala de aula. É difícil fugir totalmente do eixo eurocêntrico de organização temporal, o tema está na antiguidade, e esta antiguidade já vem do quadripartismo europeu.

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Essa premissa hoje é extremamente questionável por não levar em conta a diversidade, a multiplicidade de tempos, a especificidade de cada realidade social e cultural. Além do mais, como frisa o autor, ao estabelecer a divisão entre História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, em uma perspectiva eurocêntrica, a periodização quadripartite desconsidera, muitas vezes, a história de povos não europeus. (TURINI, 2004, p. 98) Outra questão relacionada ao problema com o tempo é a crença em uma evolução linear de acordo com a temporalidade, se tornando vã a ideia de considerar a evolução de uma sociedade pelo período em que viveu. Na aula referente a Filosofia e Ciências, usei alguns exemplos de outras sociedades que estavam desenvolvendo a chamada “razão” para explicar alguns fatos religiosos. Mesmo estas sociedades sendo consideradas primitivas em comparação a Grécia, estavam vivendo o mesmo momento cronológico. Logo, para melhorar o desenvolvimento dos alunos é melhor superar o ensino teórico cronológico e trabalhar com eixos temáticos, mantendo o tema próximo do aluno e não privilegiando nenhuma região como superior e evoluída em comparação a outras. Conseguindo a atenção, o trabalho vai para ensinar o aluno a levantar problemas, desenvolver o senso crítico e não só ficar naquele texto pronto do livro, deixar o aluno participar do processo

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do fazer a história. Em Pedagogia do Oprimido, Freire (1981) chama a atenção para uma educação problematizadora, em que ao ensinar não se transfere o conhecimento, mas sim compartilha-se a experiência para construir o ser crítico, é um diálogo entre professor e aluno. Mostrar que o conhecimento não é um dom, é normal surgir na sala de aula a frase: “não consigo, não dou certo em história”, isso porque o ensino está desfalcado em algum momento, faltando trabalhar com o próprio conhecimento do aluno e mostrar a compreensão do processo, cair nos saberes do aluno. A construção do conhecimento é dada por vários saberes, sendo saberes da disciplina, do aluno, da experiência, e não apenas do professor. Os espaços nos educam, a leitura de romances nos educa, os objetos educam nossos corpos, os modos de lecionar História nos educa tanto quanto o que é dito (ou silenciado) nas aulas. (SEFFNER, 2000, p. 264). A informação é o que o aluno tem normalmente, é o que está presente no seu cotidiano, na internet, na televisão, etc. Mas fica nas mãos do professor a transformação de um conteúdo para a linguagem acessível do aluno, tornando a ele interessante. É preciso ter conhecimento sobre o assunto e estar claro o que será ensinado. O passado deve ser interrogado a partir de questões existentes no presente, fazendo um link com problemas atuais, caso contrário o tema pode ficar sem sentido para o aluno. Será possível utilizar tudo que está no papel nas atividades práticas? Em sala de aula eu tentei manter a prática da teoria, e digo que é possível sim a aplicação do que foi citado acima. Mas devo ressaltar, sempre que lemos um autor falando dos alunos, eles os tratam como uma só entidade, o que é complicado porque os alunos não agem da mesma forma, cada um tem sua personalidade específica, o que é possível e facilmente trabalhado com tal aluno, com o outro pode ser complicado. Considerei de grande importância o diálogo com os discentes, dar espaço para que eles tivessem voz nas aulas, é uma metodologia que desenvolve muito a relação docente/discente. Tanto em conhecer o aluno, como também para colocar em prática o que Freire (2005), Schmidt e Cainelli (2005) afirmam.

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O maior tempo de estágio em uma sala de aula são 12 aulas, o que é um tempo curto para conhecer os alunos, que acredito ser de fundamental importância para desenvolver ou identificar a melhor metodologia de trabalho. Um exemplo é alguns detalhes que tive que alterar na aplicação das aulas, ao produzir o plano de aula ainda não tinha contato com os alunos e foram pensadas as aulas de uma maneira, mas ao ter contato percebeu-se a necessidade de tais alterações, e ao fim das 12 aulas se fosse aplicado uma segunda vez haveria mais alterações pelo pouco que foi conhecido da turma. Escrevo 12 aulas, excluindo o período de coparticipação, pois durante estas aulas raramente se tem um contato maior com os alunos. Há um contato muito superficial, mesmo que haja interação, auxílio ao professor supervisor, o acadêmico ao olhar dos alunos está apenas observando e não tem autoridade neste momento. Isto pode prejudicar na regência, pois o primeiro contato com o aluno foi sem autoridade.

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Lembrando que cada aluno tem seu próprio perfil, utilizei a proposta presente em Schmidt e Cainelli (2005), várias atividades focando cada uma em um método avaliativo diferente ajudou aos alunos que desenvolvem melhor em uma atividade específica. Apesar de importante para a aprovação perante a instituição de ensino, não vejo tanta relevância na nota em si, considero importante o aprendizado do aluno, ele pode não conseguir expressar seu aprendizado por métodos avaliativos específicos, tanto que deixei em aberto muitos prazos de entrega até o último dia. Considerei algumas questões não pelo certo ou errado da minha percepção, mas sim pelo modo de entender que o aluno expressou, cada um tem uma maneira particular de expressar seu conhecimento. Assim como o aluno tem vários modos de expressar seu aprendizado, também tem vários modos de aprender, considerando isto levei para sala de aula diferentes materiais didáticos para auxiliar nas aulas, o que se possível irei levar para as aulas futuras se continuar a lecionar. Outro ponto importante foi fazer a relação com o cotidiano do aluno, este método gerou um aumento no interesse, assimilação e participação dos alunos, através desta metodologia o aluno vê sentido em aprender, aproxima a História da sua vida, ele não vê apenas o conteúdo com aquela ideia clássica dos alunos de “para que estudar História?”.

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Após a conclusão do estágio posso afirmar que as propostas dos autores utilizados são aplicáveis em sala de aula, muitas delas podendo ser melhores trabalhadas em uma situação real de docência, com mais tempo disponível. Apesar de importante e essencial para a formação docente, ainda acredito haver muitos problemas na estruturação dos estágios, como o que apresentei sobre a coparticipação, a preparação dos planos de aula com muita antecedência ao estágio, pois muito do que é pensado na construção do material pode haver a necessidade de alterar após contato com o aluno. Referências FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 31.ed. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2005; FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981; PINSKY, J.; PINSKY, C. B. Por uma história prazerosa e consequente. IN: KARNAL, L. (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005; SCHMIDT, M. A. A formação do professor de História e o cotidiano em sala de aula. IN: BITTENCOURT, C. (org.) O saber histórico na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1998; SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Editora Scipione, 2005; SEFFNER, F. Desenhando o perfil de um bom professor/uma boa professora de ensino de história: faça a crítica da lista de critérios que segue, e acrescente suas opiniões. In: BUENO, André; CREMA, Everton e ESTACHESKI, Dulceli. Tecendo Amanhãs: O ensino de história na Atualidade. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Sobre Ontens, 2015. Disponível em: http://simpohis.blogspot.com.br/p/fernando-seffner.html. Acessado em: 20/11/2015; SEFFNER, F. Teoria, metodologia e ensino de História. In: Questões de teoria e metodologia da História. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p.257-288; TURINI, L. A. A crítica da história linear e da idéia de progresso: um dialogo com Walter Benjamin e Edward Thompson. Educação e Filosofia, v. 18, n. 35/36, p. 93-125, jan./dez. 2004.

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O LÚDICO DIGITAL NAS AULAS DE HISTÓRIA: APLICAÇÃO DO GAME CAESAR III COMO MATERIAL LÚDICO NAS TURMAS DE SEXTO ANO DO CENTRO EDUCACIONAL SÃO JOSÉ (MIRACEMA – RJ) Ramon Mulin Lopes

O presente texto pretende relatar a experiência da utilização do game “Caesar III” em turmas do Ensino Fundamental pelo professor de História Ramon Mulin. O objetivo desta aplicação foi de transformar o game em uma ferramenta de interação entre alunos, contexto histórico e política do antigo Império Romano em um ambiente lúdico e capaz de despertar o interesse dos alunos, uma vez estes imersos em um cotidiano ligado às tecnologias digitais. Considerações iniciais

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O cenário das TIC‟s (Tecnologias da Informação) faz com que seja necessária uma adaptação ao meio, visto a impossibilidade de se evitar tais transformações tecnológicas, e isto não é diferente no âmbito educacional. A educação tem buscado se moldar a essa nova linguagem num esforço de não se tornar obsoleta frente à ampla instigação proporcionada pelas TIC‟s. Um grande fruto dessas mudanças é aquele que compõe a geração dos nativos digitais (PRENSKY, 2001), que já nasceram imersos nessa conjuntura tecnológica. Logo, torna-se um grande desafio por parte da educação de adaptar seus métodos tradicionais de ensino em uma linguagem apropriada ao cotidiano e às relações interpessoais desta geração. Vygotsky (1998) já relevava a importância das brincadeiras e dos jogos lúdicos para a construção do saber e da visão de mundo para as crianças e adolescentes. Esses jogos também se modificaram com o advento dessas tecnologias. Atualmente, os jogos mais procurados por essa geração são os jogos eletrônicos, também conhecidos como games – sendo jogados em celulares, computadores, consoles (vídeo games), tablets, entre outros. Por isso, “diante dessa visão sobre o surgimento de uma nova cultura, os jogos eletrônicos não podem ser vistos apenas como instrumentos de lazer e diversão”, mas, sobretudo, devem ser vistos como possibilidades viáveis atuando “na produção do conhecimento e no desenvolvimento de habilidades

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necessárias na sociedade atual” (GALDINO e NOGUEIRA, 2005, p. 2). Entretanto, grande parte das instituições escolares parece conduzir a educação básica de forma distante dos instrumentos tecnológicos e, consequentemente, do cotidiano desses alunos, constituindo uma condição de não aproveitamento dos benefícios desses recursos. Apesar da evolução dos métodos baseados na tecnologia, a escola ainda utiliza formas tradicionais de ensino, e em alguns casos, o uso da tecnologia da informação é imposto, não envolvendo os alunos e dificultando a aproximação entre professores, alunos e TIC‟s. Nesse contexto, buscou-se em uma das aulas de História atender essas demandas para aproximação do ambiente escolar do cotidiano dos alunos, que se enquadram na sociedade enquanto nativos digitais: na aplicação do conteúdo “Império Romano” foi utilizado o game “Caesar III” como instrumento lúdico a fim mediar o processo ensino-aprendizagem. Considerações teóricas A busca pela motivação dos alunos na sala de aula por parte dos professores há tempos toma uma parcela importante das relações de ensino-aprendizagem nas escolas. Pensando nisso, é possível verificar a utilização de diversas atividades lúdicas nesse processo. A palavra “lúdico” deriva-se do latim Ludus que significa divertimento, escola, jogo. “A função educativa do jogo oportuniza a aprendizagem do indivíduo: seu saber, seu conhecimento e sua compreensão de mundo” (ROLLOF, 2010, p.1). As atividades lúdicas nas salas de aula tem demasiada importância visto que carregam consigo uma capacidade única de promover uma maior imersão e motivação dos alunos no processo de aprendizagem. Percebe-se que, no âmbito educacional, esses jogos contextualizados “tem uma maior aceitação por parte dos estudantes, o que, em geral não ocorre na metodologia tradicional de ensino” (GALDINO e NOGUEIRA, 2005, p.1). A ludicidade em sala de aula é ingrediente importante para socialização, observação de comportamentos e valores (ROLLOF, 2010, p.1). A relação jogo e educação tem grande importância no sentido intelectual e didático, pois pode auxiliar o estudante a estabelecer importantes conjecturas cognitivas. A comparação geracional entre “nativos digitais” e “imigrantes digitais” elaborada por Mark Prensky nos auxilia para uma melhor

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compreensão de como os alunos se comportam, brincam e aprendem atualmente. Segundo Prensky (2001, p .1) os “estudantes de hoje são todos „falantes nativos‟ da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet”, sendo estes pertencentes à geração dos “nativos digitais”. Essa geração se diferencia dos “imigrantes digitais” que são aqueles que não nasceram no mundo digital, mas em alguma época de suas vidas, ficaram fascinados e adotaram muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia (PRENSKY, 2001, p. 2).

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Tomando como fato que os alunos da atualidade fazem parte dessa geração imersa nas redes e nos ambientes digitais, afirma-se que a forma com que eles aprendem algo também se modifica, pois sua visão de mundo está imersa numa linguagem nativa dessas redes e ambientes. As escolas e professores tem a necessidade de se adaptarem a essas tecnologias da informação para que o processo ensino-aprendizagem bem sucedido continue a se perpetuar, principalmente, no ambiente escolar e, sobretudo, para que esse ambiente não venha a se tornar um local apático para os alunos frente às suas relações interpessoais, seus interesses e às TIC‟s (Tecnologias da Informação). Severino (2001, p.150) nos lembra que: O processo de ensino/aprendizagem não é osmótico. Entre o ensinar e o aprender há uma relação pedagógica. Não ocorre ensino e nem aprendizagem, se não houver entre docente e discente uma relação de intencionalidade, mediada pelo sentido. Por isso, o profissional não deve deixar de investir na dinâmica didático-pedagógica, pela qual o ensino torna-se educativo. Como nenhuma intencionalidade atua no ar ou pela força de vontade ou desejo, é preciso recorrer a mediações concretas, apoiadas em meios didáticos e metodológicos. Cabe uma referência às novas tecnologias no desempenho do trabalho pedagógico. (SEVERINO, 2001, p. 150) Mediante esse cenário, é necessário retomar a ideia de se estabelecer um ambiente lúdico na sala de aula juntamente a essas tecnologias, para que dessa forma, a linguagem da atividade esteja de acordo com o cotidiano desses alunos em suas relações exteriores à escola. Por isso é de suma importância a adaptação de todos os elementos envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

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Método de aplicação e resultados Desde o mês de agosto de 2015, dois meses após a entrada do professor de História no Centro Educacional São José (Miracema – RJ), tem sido estudada pelo mesmo a possibilidade de se trabalhar um game com os alunos das turmas sexto ano. O game escolhido foi “Caesar III”, por se tratar de um produto extremamente fiel ao contexto histórico que se propõe e pelo fato de ser uma mídia completamente dublada em português. Depois de muito pesquisar sobre o game, jogar e estudar suas possibilidades enquanto complemento de uma aula sobre o Império Romano, foi decidida sua aplicação no dia 14 de outubro de 2015 nas duas turmas de 6º ano do colégio. Uma breve introdução reavaliando os alunos sobre as civilizações do mundo antigo estudadas nos conteúdos dos bimestres anteriores foi realizada a fim de despertar debates e rever os temas, para posteriormente utilizar-se do game. “Caesar III” é um jogo de estratégia onde o jogador assume a posição de um governador de uma colônia romana com a finalidade de fundar ali uma cidade e estabelecer um pleno desenvolvimento cultural, social e econômico. Além disso, deve-se suprir as necessidades do imperador César. Tendo isso em vista, o professor transformou as turmas em um grande "Conselho do Império", onde os grupos eram divididos por setores de serviços públicos da Antiga Roma. Cada decisão tomada deveria estar sob a luz de argumentos que elucidassem seus objetivos para a sociedade do jogo. Nenhum passo poderia ser dado na colônia romana do game sem os argumentos e o consenso entre os alunos. Os resultados da experiência foram muito além do esperado. Muito positivo frente aos objetivos pretendidos durante a preparação dessa aula em especial. Todos os alunos participaram ativamente e debateram cada passo dado pela turma. Cada detalhe da cidade era analisado pelas turmas, desde a economia, o desenvolvimento cultural e social e até mesmo os detalhes das construções como aquedutos, casas populares, celeiros, mercados, templos religiosos, senado, entre outros. Nas duas turmas trabalhadas, obtiveram-se os seguintes resultados e conclusões:

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1- A primeira turma atingiu pleno desenvolvimento econômico e social, porém teve problemas graves com a infraestrutura urbana pois não tiveram atenção com o planejamento do espaço físico da cidade, promovendo apenas um progresso desenfreado onde a mobilidade urbana ficou comprometida. 2- A segunda, por sua vez, não conseguiu sequer alcançar os objetivos mais simples propostos pelo jogo, pois os choques de opiniões entre os alunos dentro de seu "Conselho" eram demasiadamente constantes. O estresse levou parte da turma a um total abandono do jogo, enquanto outros vociferavam suas vontades em observável nível de descontrole. Os alunos chegaram à conclusão de que um governo nesse período, com disposições tão precárias, era extremamente complexo. Posteriormente, o professor elaborou comparações entre as atitudes da turma e a política atual de nosso país, principalmente sobre o município onde residem.

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O game colaborou com a visualização das tecnologias do império romano, de como se dava o planejamento do comércio externo com outras cidades romanas, do desenvolvimento da própria cidade e de uma profunda reflexão sobre as atitudes de cada aluno no conselho. “Caesar III” tem uma falha grave no que tange aos interesses dos cidadãos e a divisão de classes sociais em sua população. O game não considera essas variáveis. Porém, justamente por isso, optou-se por esse jogo levando em conta de que as turmas não têm maturidade em certos âmbitos dos estudos sociais. Dessa forma, a adaptação e a simplificação do trabalho ao nível de turmas de 6º ano foi considerada, pelo professor, um sucesso.

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Registros fotográficos do uso do game em sala de aula

Informações sobre impostos e indústria da colônia – acervo do autor

533 Alunos durante a aula – acervo do autor

Debate sobre as ações que deveriam ser tomadas no game – acervo do autor

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Projeção do game em sala de aula – acervo do autor

534 Considerações Gerais do professor – acervo do autor Referências Bibliográficas BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Artes Médicas, Porto Alegre: 2000. CUNHA, Maria Isabel da. O Bom Professor e Sua Prática. 2 ed. Campinas – SP: Papirus Editora, 1992. FERREIRA, Carlos Augusto Lima. A Importância das Novas Tecnologias no Ensino de História. Universa, Brasília: nº 1, p. 125-137, fevereiro de 1999. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 1980. GALDINO, Anderson L.; NOGUEIRA, Adriana S. Games como agentes motivadores na educação. I Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação. UNEB: 2005. Disponível em: http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/seminariojogos/files/mod_seminary_submission/trabalho_12/trabalho.pdf. Acesso em: 28/12/2015. LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1996.

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___________. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2009 PRENSKY, Marc. Não me atrapalhe mãe - Eu estou aprendendo!. São Paulo: Phorte, 2010. ____________. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. De On the Horizon (NCB University Press, Vol. 9 No. 5, Outubro 2001). Texto traduzido por Roberta de Moraes Jesus de Souza. Disponível em: http://crisgorete.pbworks.com/w/file/fetch/58325978/Nativos.pdf. Acesso em: 26/12/2015. ROLLOF, Eleana Margarete. A Importância do Lúdico na Sala de Aula. Anais da X Semana de Letras 70 Anos: A FALE FALA. PUC – RS: 2010. SILVA, Edna Marta Oliveira da. Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo. Revista Intersaberes, vol. 9, n.17, p.70-82. UNINTER: jan. – jun. 2014. SAVIANI, Demerval. Educação e Questões da Atualidade. São Paulo: Cortez, 1991. SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, Sujeito e História. São Paulo: Olho d‟Água, 2001. SOUZA, Robson P. de; MOITA, Filomena M. C. da S. C.; CARVALHO, Ana Beatriz Gomes. Tecnologias Digitais na Educação. Campina Grande: EDUEPB, 2011. TORI, Romero. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010. VASCONCELOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em sala de aula. SãoPaulo: Libertad, 2002. VYGOTSKY, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria da Penha Villalobos. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1988. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA Rebecca Carolline Moraes da Silva

Por muito tempo os filmes ficaram à margem da pesquisa histórica porque os historiadores não os consideravam fontes verídicas. Apesar de por muito tempo ter sido renegado pelos historiadores, o filme, enquanto produção humana, pode ser tratado como documento histórico. Kornis (1992) lembra que foi na abertura da História para novos olhares que o filme entrou como “fonte preciosa para a compreensão dos comportamentos, das visões de mundo, dos valores, das identidades e das ideologias de uma sociedade ou de um momento histórico” (KORNIS, 1992, p. 239).

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A monumentalização dos documentos, como propõe Le Goff (1996), que também pode ser aplicada aos filmes, aponta que os monumentos têm uma característica intrínseca de se perpetuarem no tempo voluntária ou involuntariamente, elaborando inconscientemente uma roupagem de sua sociedade em determinado tempo. Nos filmes históricos essa essência de documento/monumento se amplifica pelo grande número de pessoas que assistem a eles; assim, o que um filme diz de um determinado momento histórico pode muitas vezes se tonar a verdade histórica. Estas interpretações podem ser agravadas nos casos em que há distorção proposital dos fatos, na má intenção de se passar como verdade. Nesses casos, cabe ao historiador analisar e, se for o caso, desmistificar. "O cinema é um dos mais poderosos instrumentos contemporâneos de monumentalização do passado, na medida em que pode fazer dele um espetáculo em si mesmo, com eventos, personagens, processos encenados de maneira valorativa, laudatória e melodramática" (NAPOLITANO, 2011, p. 276). Ferro (1975) considera que a imagem sonora teve dificuldades em ser aceita como documento por sua complexidade, por ter vários elementos de composição que dizem muito sobre o que o produtor e o diretor quiseram transmitir, como em gestos ou olhares prolongados. Segundo Ferro (1975), podemos extrair o que o filme testemunha, que realidade ele representa – concordância ou não

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com a ideologia representada, propaganda, denúncia, comoção pública, entretenimento – e a função do historiador é a de encontrar “o não-visível através do visível” (FERRO, 1975, p. 6). Os filmes que tratam a respeito de um tema do passado são chamados por Rosenstone (2010) de “filmes históricos”. O autor defende que a historiografia deve estar com os olhos voltados a esse cinema histórico, pois este chega a muitas casas pela televisão. Atualmente, o audiovisual é muito valorizado e os filmes estão em todas as programações das redes televisivas e também acessíveis por meio da internet. Além disso, o autor lembra que “os filmes históricos, mesmo quando sabemos que são representações fantasiosas ou ideológicas, afetam a maneira como vemos o passado” (ROSENSTONE, 2010, p. 18). Cláudio Aguiar Almeida (apud NAPOLITANO, 2011) também dá suporte a esse discurso, dizendo que, independentemente da qualidade estética de um filme, o público pode identificá-lo como uma „verdade histórica‟. A partir disso, pode-se aliar essa inserção do cinema como fonte histórica também no contexto escolar. Na perspectiva da Educação Histórica privilegiam-se as concepções dos alunos como agentes diretos da aprendizagem, de modo que eles devem trabalhar como formadores do próprio conhecimento (cf. BARCA, 2011). Essa perspectiva parte da ideia da “busca por um ensino de História que tenha mais significado para crianças e jovens alunos” (CAINELLI, SCHMIDT, 2011, p. 11). A necessidade de orientação do tempo está ligada ao conceito de consciência histórica que, conforme Rüsen (2007), é a “constituição de sentido sobre a experiência do tempo, no modo de uma memória que vai além dos limites de sua própria vida prática” (RÜSEN, 2007, p. 104). Desse modo, a consciência histórica dá suporte à consciência social e, assim, contém um sentido de identidade, ou seja, pelo conhecimento do passado o ser humano se orienta no tempo e se identifica com seus pares em seu espaço-tempo, podendo assim projetar suas ações futuras de maneira crítica e autônoma. Neste sentido, a Educação Histórica possibilita a formação dos indivíduos para lidar com as mudanças da sociedade a partir do que Rüsen (apud BARCA, 2011) denomina como consciência histórica genética, o que quer dizer: as informações são gradativamente interiorizadas pelos sujeitos, tornando-se parte de sua ferramenta mental para ser usada no dia-a-dia como forma de orientação. Tendo isso em vista, conforme Barca (2011), fornecer aos alunos

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uma narrativa singular da História ou uma sequência cronológica seguindo o senso comum não supre as demandas da Educação Histórica, pois esse tipo de conhecimento não é útil na lida com a sociedade atual. É necessário exigir leituras críticas porém sempre provisórias.

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Ana Maria Monteiro (2013) ressalta a importância de se trabalhar com a memória dos alunos através de uma exposição didática, esta que envolve quem conhece, quem aprende e quem ensina. Para isso é essencial a mediação do professor na produção de novos significados e até na ressignificação dos saberes dos estudantes, que sintetizam dialeticamente as novas informações com seus conhecimentos prévios. Abud (2005), neste âmbito, diferencia informação e formação, pois a informação é tudo o que o aluno recebe a partir das diferentes linguagens (objetos, textos, imagens, músicas, cinema, entre outros), é o que forma sua bagagem de conceitos espontâneos que serão trabalhados dentro da sala de aula, a partir da mediação do professor, atingindo a formação, que é o objetivo do ensino. O professor deve se atentar para estas questões no ensino de História e não ignorar o fato de que os alunos possuem conhecimentos prévios, e que esses devem ser considerados para que a aprendizagem seja prazerosa e a disciplina não se torne uma “decoreba” e não seja “chata” – estereótipos que a História já possui muitas vezes, em se tratando da educação básica. Cainelli e Schmidt (2004) afirmam que o conhecimento do aluno deve ser respeitado, o conjunto de representações que ele já construiu sobre o mundo em que vive e que vão com ele para a sala de aula – por isso é importante ter como ponto inicial dos trabalhos as representações dos alunos, mas não fixar o ensino nestes conhecimentos, já que algumas compreensões podem se apresentar como insuficientes para explicar a realidade. Tais conhecimentos prévios devem dar significado aos conteúdos históricos trabalhados. Além disso, devemos ter em mente que o aluno tem a possibilidade de efetivar suas próprias ideias sobre o mundo social, sem a necessidade de se tornar simplesmente um receptor passivo das informações trazidas pelo professor (cf. CAINELLI; SCHMIDT, 2004, p. 61-62). Segundo Flávia Caimi (2008), o campo do Ensino de História acompanhou as mudanças historiográficas da segunda metade do século XX. Conforme esta autora, foi a partir daí que novas linguagens foram incorporadas ao ensino e que houve a tentativa de substituição da memorização pela reflexão histórica, além da ênfase

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na produção de conhecimento através da apropriação dos procedimentos metodológicos da pesquisa histórica (cf. CAIMI, 2008, p. 132). Desta maneira, conforme Pereira e Seffner (2008), ao trabalhar com fontes é preciso deixar claro que o que está sendo trabalhado são representações do passado, sem compromisso com a realidade, competindo com outras representações, como pode ser percebido na literatura, filmes ou rede televisiva. É necessário que se tenha em mente que todas essas maneiras de representar a História podem ser encontradas dentro de casa, o que faz com que, por exemplo, um filme histórico produza uma memória de um passado tanto quanto ou mais que o aprendido na aula de História (cf. PEREIRA; SEFFNER, 2008, p. 117). Lana Mara Siman (2004) defende o uso de mediadores culturais no ensino de História, focalizando a ação mediadora do professor e a ação mediada da linguagem para relacionar sujeito e objeto. Ou seja, a autora argumenta que o professor de História deve buscar a historicidade da fonte para mediar a construção do conhecimento, de modo que se aliem intelecto, imaginação, intuição e sensibilidade, evidenciando que não é possível recriar o real vivido, apenas reimaginá-lo, ou representá-lo. Siman (2004) afirma que o trabalho com os mediadores culturais é considerado a dialogia da sala de aula, em outras palavras, considera as múltiplas vozes, as vozes dos alunos, o que eles pensam a respeito, colocando-os como agentes do conhecimento. Isso possibilita novos conhecimentos, pois cada aluno traz consigo sua bagagem cultural e, no diálogo com os colegas e com o professor, pode sintetizar um conhecimento mais crítico e mais complexo do que poderia se o trabalho com a fonte fosse unívoco. O cinema, visto como um mediador cultural, pode se agregar aos conhecimentos prévios dos alunos, desenvolvendo imagens que permitem uma ideia de reconstrução no sentido de levar o aluno a imaginar o não vivido diretamente. Mas, não no sentido de ressurreição histórica como acreditavam alguns dos primeiros teóricos sobre o uso do cinema no ensino. Nesse sentido, o papel do professor é de ser um “orientador de um processo em que o filme se torna objeto de reflexão e estudos” (SOUZA, 2012, p. 81). Assim, o professor mediador trabalharia com os alunos o filme como um documento histórico. Para isso, deve realizar observações que os levem a pensar de forma crítica em relação ao filme. Primeiramente

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poderia ser observado como se dá a representação, pensar nos cenários, caracterização dos personagens, os objetos, entre outras coisas. E para essa análise pode-se utilizar de comparações e analogias para que os alunos partam de uma situação mais próxima, do conhecido, para aprender o não conhecido. Conforme Magalhães e Alface (2011), os alunos precisam ser educados a ver o filme, é necessário ler e refletir sobre os elementos que são apresentados, adotando uma atitude crítica, combatendo o analfabetismo visual, ou seja, agregando ferramentas para orientar e estimular a capacidade dos alunos de realizar análises críticas. O professor deve propor leituras sobre o filme apresentado, ampliando o leque de possibilidades dos alunos, com uma ponte entre emoção e razão, formando espectadores mais exigentes e críticos.

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Bittencourt (2008) aponta que não há um modelo simplificado para o uso de filmes em sala de aula que introduza os alunos na análise crítica. Deste modo, levando em consideração o filme como fonte histórica, os conhecimentos prévios dos alunos e os filmes como parte da bagagem cultural dos sujeitos envolvidos, filmes históricos podem ser bons mediadores culturais em sala de aula, devendo o professor fazer a mediação para levar os alunos a uma leitura crítica e responsável. Referências ABUD, Kátia. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de História. In: Cadernos Cedes. Campinas, v. 25, n. 67. pp. 309-317, set/dez. 2005. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n67/a04v2567.pdf. BARCA, Isabel. O papel da Educação Histórica no desenvolvimento social In: CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (orgs). Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2008. CAIMI, Flávia Eloísa. Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de produção de conhecimento histórico escolar?. In: Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, pp.129-150, dez. 2008. CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo, Scipione, 2004. ____________. Percursos das Pesquisas em Educação Histórica: Brasil e Portugal. In: _________ (orgs). Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

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FERRO, Marc. O filme: uma contra-análise da sociedade? In: NORA, Pierre (org.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. KORNIS, Mônica Almeida. História e Cinema: um debate metodológico. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, pp. 237-250. LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In:_______. História e Memória. 4. ed. Campinas: Unicamp, 1996. MAGALHÃES, Olga; ALFACE, Henriqueta. O cinema como recurso pedagógico na aula de História. In: CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (orgs). Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre História e memória. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2014. NAPOLITANO, Marcos. Fontes Audiovisuais: a História depois do papel. In: PINSKY, Carla (org.); et al. Fontes Históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 235-289. PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de História? Sobre o uso de fontes na sala de aula. In: Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, pp.113-128, dez. 2008. ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. Tradução de Marcello Lino. São Paulo: Paz e Terra, 2010. RÜSEN, Jörn. História Viva: teoria da história III: formas e funções do conhecimento histórico. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. SIMAN, Lana Mara de Castro. O papel dos mediadores culturais e da ação mediadora do professor no processo de construção do conhecimento histórico pelos alunos. In: ZARTH, Paulo A. e outros (orgs.). Ensino de História e Educação. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2004. SOUZA, Éder Cristiano. O uso do cinema do ensino de história: propostas recorrentes, dimensões teóricas e perspectivas da educação histórica. In: Revista Escritas, v. 4, 2002, p. 70-93. Disponível em

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DISCUTINDO A NOÇÃO DE VERDADE HISTÓRICA POR MEIO DA LITERATURA: ALGUMAS REFLEXÕES A PARTIR DO ROMANCE HISTÓRIA DO CERCO DE LISBOA DE JOSÉ SARAMAGO Rodrigo Conçole Lage

Introdução

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O que é a verdade dentro da História? Como lidar com as diferentes versões de um determinado fato histórico em sala de aula? Como trabalhar com o aluno essa questão. Com o surgimento da internet e a facilidade de acesso a informação que ela nos dá o professor que se limitar a ser um mero reprodutor de fatos corre o risco de não despertar o interesse dos alunos e se tornar irrelevante. Diante desse fato o professor deveria buscar alternativas, repensando sua atuação, não se vendo mais como um mero reprodutor de uma determinada visão da História, mas como alguém que pode realmente contribuir para a formação dos alunos como cidadãos verdadeiramente críticos e reflexivos. Com esse objetivo, entendemos que questionar a noção de verdade deve ser o primeiro passo para aqueles que desejam seguir por esse caminho. Discutindo a noção de verdade histórica A noção de verdade é um dos pilares do ofício do historiador. Desde a antiguidade a História está pautada na escrita de fatos reais, daquilo que teria realmente acontecido e não naquilo que poderia ter acontecido. Esse fato é o que distinguia a história da literatura. Em sua Poética Aristóteles (1966, p. 50) afirma: Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta, por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser postas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser histórias, se fossem em verso o que eram em prosa), - diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder.

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Contudo, essa ideia de verdade tem sido contestada na contemporaneidade. Esse questionamento está baseado na convicção de que o fato histórico não existe em si mesmo, ele é "uma construção, um discurso elaborado por quem escreve os textos" (ROIZ; SANTOS, 2012, p. 281). Partindo desse fato o professor que deseja contribuir de forma eficaz para a formação dos alunos não pode se limitar a ser o mero reprodutor de uma determinada visão dos acontecimentos. Ele deve procurar levar o aluno a perceber como a História é construída e assim ser capaz de refletir a respeito desse processo de construção, da ideologia que está por trás desse processo. Ao mesmo tempo, acreditamos que o diálogo interdisciplinar com a literatura pode ser uma forma eficaz de trabalhar a questão e, juntamente, procurar despertar o interesse pela literatura, contribuindo assim para a formação de novos leitores. Para isso, escolhemos trabalhar com o romance „História do cerco de Lisboa‟ de José Saramago. História do certo de Lisboa e a falsificação da História Como muitos alunos, e mesmo professores, podem não conhecer o escritor apresentaremos um breve resumo. A obra de José Saramago, publicada em 1989, narra a história do revisor Raimundo Benvindo Silva que, um dia, ao revisar o tratado histórico intitulado História do Cerco de Lisboa introduz um "não", alterando assim a versão oficial da história: É evidente que acabou de tomar uma decisão, e que má ela foi, com a mão firme segura a esferográfica e acrescenta uma palavra à página, uma palavra que o historiador não escreveu, que em nome da verdade histórica não poderia ter escrito nunca, a palavra Não, agora o que o livro passou a dizer é que os cruzados Não auxiliarão os portugueses a conquistar Lisboa, assim está escrito e portanto passou a ser verdade, ainda que diferente, o que chamamos falso prevaleceu sobre o que chamamos verdadeiro, tomou o seu lugar, alguém teria de vir contar a história nova, e como (Saramago, 1989, p. 50). Esse ato introduziu alterações em sua vida sendo que a mais importante foi o fato da editora contratar Maria Sara como diretora

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dos revisores. Ela vai incentivar Raimundo a escrever uma nova versão da história a partir dessa ideia de que os cruzados não ajudaram a reconquistar Lisboa. Com o passar do tempo os dois vão se apaixonar e essa paixão vai ser representada na história que Raimundo está escrevendo por meio do romance entre o protagonista, Mogueime, e Ouroana. Em linhas gerais, essa é a história do livro. Na seqüência iremos discutir dois pontos a serem trabalhados no que diz respeito a questão da falsificação da história.

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Em primeiro lugar é preciso destacar o fato de o "não" introduzido pelo revisor não foi algo inventado, mas feito baseado em fontes históricas como, por exemplo, a carta Conquista de Lisboa aos Mouros (1147) de Osberno: "a informação é de boa origem, diz-se diretamente do célebre Osberno" (Saramago, 1989, p. 124). Assim, o que temos são diferentes versões do fato e essa divergência deve ser utilizada pelo professor para se discutir a ideia de verdade. Incluímos nas referência uma edição da carta que pode ser acessada na internet e trabalhada pelo professor que pode propor aos alunos uma pesquisa para verificar até que ponto a história oficial e o relato da carta são divergentes. Outra opção, para um trabalho interdisciplinar com a literatura, seria uma comparação do relato da carta com a nova versão da história escrita pelo protagonista de Saramago. Esse tipo de trabalho poderia ser realizado pelo professor de literatura em um trabalho conjunto com o de história. Outro fato que pode ser discutido é a questão dos excluídos da História. Se durante muito tempo a História estava voltada para os grandes homens e grandes feitos, deixando de lado grande parte da humanidade, a história na contemporaneidade tem procurado resgatar os que foram dela excluídos, apresentando assim outra visão dos fatos, procedimento também utilizado pelo escritor: Um outro momento da obra em que Saramago utiliza a fonte medieval "A conquista de Santarém" é o trecho no qual é mencionada a personagem histórica Mogueime, que depois se tornará um dos protagonistas do livro que Raimundo Silva escreve como versão alternativa ao cerco de Lisboa que as fontes factuais registram. Mogueime foi um soldado lusitano que participou da batalha em Santarém e que, por ser mencionado na crônica de D.

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Afonso Henriques, possui uma notoriedade histórica mínima (...) (MATIAS; ROANI, p. 6-7). Os alunos devem tomar consciência de que determinados grupos e pessoas não foram (estão) inseridos na História. Esse tema pode ser desdobrado pelo professor em muitas questões, tais como: Por que isso acontece (u)? Até que ponto essa exclusão falsifica ou distorce a História? Qual o caráter ideológico dessa exclusão? O que pode ser feito para mudar essa situação? Tais questionamentos podem servir de ponto de partida para a discussão da confiabilidade dos fatos históricos. Podemos dizer que esses são os dois principais pontos para os que desejarem trabalhar com esse tema. Conclusão Como vimos, a questão da verdade na história sofreu importantes transformações. Acreditamos que tais questionamentos não devem ficar restritos ao âmbito historiográfico, mas devem ser levados para as salas de aula. A partir dos questionamentos desenvolvidos ao longo do texto o professor tem uma base a partir da qual possa trabalhar com os alunos e desenvolver novas problemáticas. Ao mesmo tempo propomos um enriquecimento do ensino da História a partir do diálogo com a literatura. Nossa intenção ao discutir a questão da verdade não é esgotar o assunto, mas apresentar algumas propostas de trabalho que podem levar a outros assuntos como, por exemplo, a questão da construção do conhecimento ou dos usos da história. Com isso o ensino da História poderá ser relevante não só para a formação dos alunos mas também dos próprios professores. Referências ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Globo, 1966. BRAWDSEY, Osberto de. A Conquista de Lisboa aos Mouros, 1147. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2015. GUTERRES, Tiago da costa. „Heródoto e a noção de verdade na historiografia grega: um breve comentário‟. Revista Historiador, Porto Alegre, ano 04, n. 04, p. 15-22, 2011. Disponível em:

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. MATIAS, Felipe dos Santos; ROANI, Gerson Luiz. „História do cerco de Lisboa: as fontes medievais de José Saramago e a transfiguração literária da história‟. Revista Vertentes, São João Del-Rei, v. 32, p. 1-12, 2008. Disponível em: . ROIZ, Diogo da Silva; SANTOS, Jonas Rafael. As transferências culturais na historiografia brasileira: leituras e apropriações do movimento dos Annales no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2012, 296 p.

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ABORDAGENS DA IMIGRAÇÃO NO ENSINO: DESCONSTRUINDO A IMIGRAÇÃO PARA A SUBSTITUIÇÃO DA MÃO DE OBRA ESCRAVA E APRESENTANDO A IMIGRAÇÃO DO SÉCULO XX E XXI Rodrigo dos Santos

O presente instiga reflexões sobre a possibilidade de percepção do fenômeno migratório no ensino. Geralmente pensamos a imigração com um equívoco: não identificamos outras formas de imigração ao Brasil do que a visão cristalizada da imigração da virada do século XIX para o XX, em que ocorreu a substituição da mão de obra escrava para a imigrante. A autora Luca (2014) quando aborda sobre as possibilidades nos estudos com fontes periódicas também destaca, que em algumas vezes, a ênfase maior na imigração do século XIX para o XX, e que esquecemos as outras formas de imigração. Mesmo nessa imigração da substituição da mão de obra escrava para a imigrante outro equívoco é presente, conforme Pereira (2015) esse tipo de imigração é atrelada apenas na forma de trabalho, no emprego da mão de obra e esquecemos que no ponto de vista da elite brasileira, os imigrantes também possuíam como função o branqueamento da população. Além disso, é relevante destacar que Alvim (1998) demonstra que nesse período não foi exclusiva a imigração para as fazendas de café no interior paulista para a substituição da mão de obra, outros imigrantes foram para o sul do país conseguindo terras para cultivar seu sustento. A diferença entre esses dois grupos foi que os primeiros demoraram menos tempo para chegar ao local de destino, mas não puderam construir suas casas nas fazendas, essas em sua maioria eram senzalas adaptadas. Enquanto os imigrantes destinados ao sul do país, ficaram mais tempo esperando seu local desejado, mas conseguiram a construção de suas casas, e em sua maioria, casas com estrutura europeia. Outra forma de imigração ao Brasil é dos denominados deslocados ou refugiados de guerra. Alguns autores preferem a denominação de refugiados, afirmando que o termo imigrante é uma forma de amenizar o que esses sujeitos sofreram no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. Esses imigrantes, segundo Peres (1997), por geralmente não serem desejáveis, receberam nomenclaturas pejorativas como: seres nefastos, neuróticos de guerra, mau ou bom elemento e alienígena. A designação alienígena também foi

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trabalhada por Seyferth (2008). A autora apresenta que os imigrantes mais indesejados que os outros, os alienígenas, geralmente foram os alemães e japoneses. Stein (2011) também afirma a necessidade de um apagamento da designação de alemães, especialmente nos periódicos, para uma não vinculação desses sujeitos com o nazismo. A designação alienígena para o imigrante também foi trabalhada por nós em outro momento (SANTOS; ALMEIDA, SCHÖRNER, 2014).

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Diante do exposto, o professor deve desenvolver a Consciência Histórica do estudante, ou seja, A Consciência Histórica é "uma categoria geral que não apenas [apresenta] relação com o aprendizado e o ensino de história, mas cobre todas as formas de pensamento histórico" (RÜSEN, 2006, p.14). Como uma forma de desenvolver a Consciência História do estudante, o professor pode utilizar como suporte ao trabalhar com a imigração do pós-guerra as obras de Shephard (2008), Judt (2012) e outra deste autor (SANTOS, 2015) que mencionam como ocorreu o processo de deslocamento desses imigrantes. Antes do fim da guerra, a Alemanha nazista obrigou grande parte da população de terras ocupadas a virem para seu território trabalhar nas fábricas subterrâneas de armamento. Com o fim da guerra, com os territórios libertados pelos aliados, milhares de pessoas não tinham interesse em voltar para casa, pois seus países foram dominados pelos governos soviéticos. Diante dessa dificuldade, organizações internacionais auxiliaram no deslocamento desses refugiados para novas moradas, inclusive ao Brasil. Uma proposta de abordagem da imigração neste contexto do pósSegunda Guerra Mundial foi apresentada por nós e aplicada no Curso Pré-Vestibular UNICENTRO, numa aula ministrada pelos professores de História e Sociologia (SANTOS; LIMA, 2015). Nessa aula utilizamos como fonte histórica o periódico Folha do Oeste, produzido no Município de Guarapuava-PR no período de 1937 a 1981. Esse periódico reproduz discursos políticos sobre a recepção dos imigrantes, trazendo reportagens e matérias sobre esse fato no período de 1946 a 1960. Essas fontes do Centro de Documentação e Memória de Guarapuava - CEDOC/G, sob a guarda da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) mostram um panorama geral da imigração para o Brasil, e apresentam os imigrantes que escolheram o Município de Guarapuava. O destaque do jornal foi o grupo dos Suábios do Danúbio, estabelecidos no distrito de Entre Rios em 1951, que até os dias atuais realizam ações como forma de "preservação cultural".

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Caso o professor não tenha acesso a um arquivo público, outra forma de instigar os estudantes, desenvolvendo ações com fontes históricas, e ao mesmo tempo destacar a não separação entre ensino e pesquisa, é utilizar as fontes da Hemeroteca Nacional (http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/). A Hemeroteca, vinculada a Biblioteca Nacional, apresenta vários títulos de periódicos digitalizados de todo o Brasil. O professor também pode aproveitar as ferramentas de busca que auxiliam na consulta da temática que pretende propor. O arquivo online Family Search (familysearch.org) igualmente pode ser utilizado para visualizar a imigração da virada do século XIX para o XX, como a de meados do século XX. Essa ferramenta disponibilizada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias apresenta mais de 4 bilhões de nomes do mundo todo, tendo como objetivo que as pessoas reencontrem seu antepassados, saibam sua origem. Com relação, especificamente sobre a imigração, essa organização digitalizou cartões de imigração do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) do período de 1900 a 1965. Os cartões podem ser fontes para o estudo da imigração, o professor pode mostrar para os estudantes em confronto com a teoria. A imigração do século XXI é outro filão para os professores de História e Sociologia. Quem sabe ele possa fazer um contraponto com a imigração do século XIX ou XX. Destacar que o Brasil é um dos grandes receptores de imigrantes, mesmo que a mídia apresente a imigração do Oriente Médio para a Europa como preponderante, o Brasil recebe imigrantes sírios, bolivianos, haitianos, senegalenses, e tantos outros. Nossa intenção com esse trabalho não é desprezar a imigração do século XIX para a substituição da mão de obra escrava pela imigrante (e como vimos não apenas esse tipo de imigração ocorreu neste período), mas o objetivo é mostrar que outras formas de imigração também ocorreram e ocorrem no Brasil, sem contar ainda os reimigrantes que podem ser objetos de outros trabalhos. Com relação a aplicabilidade em sala de aula, não conseguimos uma "receita de bolo" e nem pretendemos isso, o professor deve desenvolver a Consciência Histórica dos estudantes, principalmente a partir de reflexões críticas sobre as fontes, nesse caso, apresentamos algumas alternativas para as fontes sobre imigração.

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Referências Bibliográficas

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ALVIM, Zuleika. „Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo‟. In: SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no Brasil -3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. JUDT, Tony. Pós Guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. LUCA, Tânia Regina de. „História dos, nos e por meio dos periódicos‟. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2014. PEREIRA, Márcio José. „Os imigrantes de origem alemã no Paraná: debate sobre a presença teuta no Estado‟. In: PRIORI, Angelo; BERTONHA, João Fábio (org.). Imigração e Colonização. Guarapuava: Ed. da Unicentro, 2015. PERES, Elena Pájaro. "Proverbial Hospitalidade"? A Revista de Imigração e Colonização e o discurso oficial sobre o imigrante (19451955). Acervo, v. 10, n. 2, p. 55-70, jul/dez 1997. RÜSEN, Jörn. Didática da História: Passado, Presente e Perspectivas a Partir do caso Alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, 16, jul.-dez. 2006. SANTOS, Rodrigo dos Santos. Discursos sobre imigração no jornal Folha do Oeste- Guarapuava, Paraná (1946-1960). 2015. 113f. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2015.

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SHEPHARD, Ben. A longa estrada para casa: restabelecendo o cotidiano na Europa devastada pela guerra. São Paulo: Paz e Terra, 2012. STEIN, Marcos Nestor. O oitavo dia: produção de Sentidos Identitários na Colônia Entre Rios - PR (segunda metade do século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011.

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PENSANDO AS QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA ALUNOS DO CEJA Rogério Silva de Mesquita

Introdução

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A presente proposta de pesquisa tem como intuito investigar a questão étnico-racial dentro do ambiente educacional, em particular nas aulas de história, procurando compreender a experiência histórica dos alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Alzira de Souza Campos-CEJA/Catalão-GO quanto a esta temática. Embora este trabalho não esteja concluído ele é de fundamental importância para pensar estas questões enunciadas. Minha relação e meu interesse pelo campo da Educação surgiram desde a mais tenra idade, já nos tempos de estudante do primário. Quando criança, a docência já me impressionava pelo conhecimento que os professores mostravam e pela forma como percebiam o mundo. Desse modo, os discursos, o modo de ensinar e o fato de aprender "coisas" novas, todos os dias, pareciam algo deslumbrante. Cada ano que passava mais certeza eu tinha sobre o que queria ser e estudar futuramente. Com o término do ensino médio entrei na universidade para o Curso de História e durante um ano e meio o processo de formação foi complicado, pois eu não tinha o hábito de leitura, nem o ritmo exigido na graduação. Com o passar do tempo, através de muito esforço, dedicação e colaboração de várias pessoas, aumentei, consideravelmente, minhas leituras sobre os autores e a compreensão sobre as vertentes que compõem a formação em História. No sexto período da graduação, tive minha primeira experiência como docente. Fui convidado para ministrar aula de Ciências no CEJA. Tive a oportunidade de aprender e conhecer novas culturas, tradições, hábitos, modos de vida, dentre outras, por meio das vivências com os alunos e a comunidade escolar dentro e fora do ambiente educacional. Já a formação no Curso de Psicologia foi bem distinta, pois, não era um aluno iniciante e trazia um arcabouço teórico mais consolidado. Muitas situações não eram novas, como o ambiente universitário e o

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dia a dia de um curso de graduação. Na graduação em Psicologia pude perceber elementos diferentes no convívio dos alunos e professores que doravante estavam latentes, como por exemplo, o contato cotidiano no período de tempo integral. E isso gera inúmeros desafios, além disso, os autores e os temas específicos da área (que têm a subjetividade como objeto de estudo) olham para os indivíduos com mais atenção, não que a História seja indiferente a eles, mas a Psicologia interessa-se mais pelos sentidos de afetos, carinhos e problemas ligados à subjetividade humana. A partir dessas duas formações acadêmicas, alarguei meus modos de pensar e agir e, ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas e indagações, a exemplo: como lidamos como nossa herança escravagista? O Brasil é mesmo o país da "democracia racial"? Como o é vivenciado a partir deste escamoteamento do preconceito racial? O racismo no Brasil manifesta-se de forma diferente nos diversos contextos regionais? É possível perceber historicamente transformações nas manifestações de discriminação racial? Essas são perguntas iniciais que trago como ponto de partida para minha pesquisa no mestrado em História. Enquanto, estudante universitário e professor, o interesse em investigar a questão dos processos educacionais, especialmente, aqueles referentes às relações étnico-raciais, pauta-se pelo cuidado idêntico ao amor incondicional pela Educação que vivenciei nos início da caminhada pelo saber. Um amor expresso na minha dedicação, no desejo de querer fazer o melhor para alunos, na preocupação e no cuidado cotidiano com a complexa tarefa de educar. Amor segundo o compromisso ético de ajudar a construir na escola, aquilo que ela se propõe: produzir conhecimentos junto com os alunos. Amor, conforme afirma Bauman (2004, p. 24): "vontade de cuidar e de preservar o objeto cuidado". Se afirmo que esse amor é incondicional sobre mim é porque ele me instiga a exercer a profissão de professor com todos os paradoxos que ela tem: sofrimento e prazer, cansaço e ânimo, vida e morte, acolhimento e repulsa, alegrias e tristezas dentre outras. Esse processo é cheio de frustrações, riscos, ansiedade, medos, desânimos, mas também, daquilo que Bauman chama de humildade, pois "sem humildade e coragem não há amor" (p. 22). Portanto, o tema que pretendo refletir, inicialmente, será a questão étnico-racial, que apesar de tantos problemas enfrentados, sobretudo, o racismo fez despertar a experiência histórica destes sujeitos. É esse amor incondicional que me move a pensar esse tema. Nossa proposta é desenvolver, a partir de uma experiência prática de

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pesquisa e intervenção pedagógica, um estudo sobre concepções históricas das relações étnico-raciais presentes nas experiências históricas dos alunos do CEJA. Com o intuito de compreender o significado do conhecimento histórico para os alunos do CEJA. Bem como, o lugar da questão racial no ensino de História e na vida dos alunos do CEJA, quando esta questão é pensada numa construção crítica e reflexiva. Concomitantemente, prende-se analisar as possibilidades e limites do uso da metodologia da unidade temática de investigação no Ensino de História voltado para jovens e adultos. O ensino de história e as relações étnico raciais O interesse pela temática surgiu em 2012 quando discuti o tema Apartheid na África do Sul em sala de aula do CEJA. Inicialmente, foi apresentado o filme INVICTUS que aborda a temática do racismo na África do Sul, durante o governo de Nelson Mandela. Em seguida, discutimos o filme dando destaque ao tema: o preconceito étnico racial. O envolvimento dos alunos com a discussão demonstrou que este é tema que afeta diretamente muitos seguimentos da sociedade brasileira, em particular a classe trabalhadora.

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Neste sentido, acho importante o estudo desta temática, pois ao longo da história da humanidade vivemos e vivenciamos a questão do preconceito étnico racial e no Brasil não seria diferente sendo que a mesma ainda se encontra em plena discussão. As relações étnico raciais continuam gerando polêmicas e conflitos quando emergem nos debates, sejam eles dentro ou fora da instituição escolar. Podemos afirmar que a questão da discriminação étnico-racial aparece desde os primórdios da sociedade brasileira, logicamente, de acordo com as peculiaridades de cada grupo social e do contexto, mas o importante é ressaltar que as questões sobre racismo gerou conflitos, atrocidades e extermínios fundamentados, ora por motivos de dominação territorial, ora por motivos religiosos. Todos baseados em fortes preconceitos raciais. Assim, ao propormos uma pesquisa que busca compreender o lugar da questão racial no ensino de História e na vida dos alunos do CEJA, nos apoiamos nas discussões sobre consciência histórica propostas por Rüsen. Ou seja, acreditamos que os alunos, de 5 anos ou 60 anos de idade, têm um conjunto de ideias com relação a sua história no que diz respeito ao cotidiano quando chegam na escola, isto porque, os seus saberes históricos podem ser adquiridos em outras instâncias que não seja a escola, exemplo disso são os veículos

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de comunicação em massa, o meio familiar, a comunidade local, o cotidiano, dentre outros. Para Rüsen "(...) [os] processos de aprendizagem histórica podem ocorrer em diversos e complexos contextos da vida do ser humano" (RÜSEN, 2007, p. 91). Logo, a escola e os professores não podem descartar ou ignorar as ideias prévias dos alunos. Cabe, portanto, ao professor no processo de ensino detectar tais ideias do senso comum para contribuir numa mudança da qual as tornará melhor elaboradas, ou seja, estabelecer uma relação entre a história ensinada e a experiência histórica dos alunos. Segundo Schmidt: (...) aprender é um processo dinâmico, no qual a pessoa que aprende muda porque algo é obtido, algo é adquirido, num insight, habilidade ou a mistura de ambos. No aprendizado histórico a "história" é obtida porque fatos objetivos, coisas que aconteceram no tempo, tornam-se uma questão de conhecimento consciente, ou seja, eles tornam-se subjetivos. Eles começam a fazer um papel na mente de uma pessoa, porque a aprendizagem de história é um processo de, conscientemente, localizar fatos entre dois polos, caracterizado como um movimento duplo, ou seja, primeiramente é a aquisição de experiência no decorrer do tempo (formulado de maneira abstrata: é o subjetivismo do objeto); em segundo lugar é a possibilidade do sujeito para analisar (ou seja, o objetivismo do sujeito). Isso não significa que essa aprendizagem seja empiricamente apresentada de uma forma fragmentada e seca (objetiva) e simplesmente reproduzida conscientemente - ou seja, simplesmente objetiva. Isso não significa também que a pessoa que está aprendendo seja simplesmente entregue ao que a história está ensinando a ele ou ela, mas que ocorre um movimento de autoconhecimento, o qual pode ser expresso por meio da narrativa histórica. (SCHMIDT, 2008, p. 82-83). Assim, o aprendizado da história possibilita que os indivíduos deem significado às suas experiências, se localizem no tempo e interpretem ações e proponham transformações. Essa "coerência de orientação" surgirá quando os indivíduos realizarem a autocrítica e a autorreflexão, necessárias "... para perceber os limites que separam sua própria identidade da alteridade dos demais". (RUSEN, 2007, p. 109). Para Rüsen

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As carências de orientação no tempo são transformadas em interesses precisos no conhecimento histórico na medida em que são interpretadas como necessidades de uma reflexão específica sobre o passado. Essa reflexão específica reveste o passado do caráter de "história." (RÜSEN, 2001, p. 31). Sendo assim, não é apenas trazer o passado para o presente, mas sim perceber que o passado contribui para as questões do presente, através de uma autocritica, reflexão, nisto possibilita ter um passado com caráter histórico, quando colocamos este passado a falar, através de um interesse em conhecer o passado historicamente, questionando-o, perguntando-o daí surge a carência de orientação. Considerações finais

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Durante vários anos do tempo a história nos revela que a sociedade passa por alterações em todos os âmbitos, seja político, social, econômico ou cultural. Estas alterações também fazem com que a escola altere seu processo educativo com o objetivo de adequar-se às novas demandas sociais. Isso também é válido para a produção do conhecimento histórico. Para tanto, nos dias atuais as pesquisas na área de Ensino de História vem crescendo e desenvolvendo novas teorias em todo o mundo. Dentre elas destacamos o trabalho desenvolvido por Jörn Rüsen em que o mesmo reaproxima a História acadêmica com a didática da História. Para tanto, a compreensão do ensino de história dentro do ambiente escolar, é essencial estabelecer um entendimento das ideias, consciência histórica, formação de identidade dos jovens acerca dos usos da história. Torna-se pertinente salientar que os alunos já possuem uma experiência do passado, contudo é necessário aproximar está experiência com a compreensão da vida humana, logo os alunos só poderão agir e transformar seu presente a partir de uma interpretação do passado, lógico que não há outra forma de pensar consciência histórica, pois ela é o local em que o passado é levada a falar - e o passado só vem a falar quando questionado; e a questão que o faz falar origina-se da carência de orientação da vida prática atual diante das virulentas experiências do tempo. (RÜSEN, 2001, p. 63).

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Para isso o professor tem que ser um questionador propor aos alunos um projeto educacional em que os mesmos tenham uma reflexão crítica, não só no que se refere ao conteúdo de história em si, mas a sua história de vida, de tal modo que eles percebam que fazem parte de um todo, sendo não só um reflexo deste todo, mas que eles podem interferir, mudar, questionar este todo em que vivem. Neste âmbito o ensino aprendizado tende a ser capaz de problematizar as questões presentes no dia-a-dia, as quais implicam perguntar, questionar ou recusar o que é imposto ou visto como natural. Isso implica, também em descontruir ideias, discursos e práticas hegemônicas que formatam nossos modos de existência, seja dentro ou fora dos espaços escolares. Referências BAUMAN, Zygmunt. 2004. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar. RÜSEN, Jörn. 2001. Razão Histórica. Brasília: editora UnB. _____. 2007. Reconstrução do Passado. Brasília: editora UnB. _____. 2007a. História Viva. Brasília: editora UnB. SCHMIDT, Maria Auxiliadora M. S. 2008. Perspectiva da consciência histórica e da aprendizagem em narrativas de jovens brasileiros. Tempos históricos, V. 12 - 1º Semestre.

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A COMUNIDADE EPISTÊMICA COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE DISCURSOS E O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA Roper Pires de Carvalho Filho

Introdução O conjunto de pesquisas sobre o livro didático, inicialmente restrito a focalizar o papel da ideologia nos manuais didáticos e a alguns aspectos históricos da educação brasileira tem se adensado no período recente, incorporando análises que buscam focalizá-lo em diferentes contextos. Ele é abordado como objeto inserido no contexto do processo de produção capitalista, que tem na indústria cultural uma importante fonte de recursos econômicos e de difusão de certa noção de cultura que circula entre os diversos segmentos sociais envolvidos na sua produção e consumo; ou ainda como texto impresso que veicula determinadas concepções teóricas.

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Em estudos mais recentes, o livro didático também é analisado como material pedagógico utilizado pelo professor nas práticas que desenvolve com o objetivo de ensinar os alunos. Nesse sentido, o livro didático é um produto genuíno da cultura escolar, pois é um artefato pensado e materializado para atender às finalidades precípuas da educação escolar. Ele é incorporado às rotinas inerentes ao trabalho pedagógico do professor, e em alguns contextos educativos sobressai como o mais importante suporte das suas práticas, conformando a seleção dos conteúdos e métodos de ensino. De acordo com Chopin (2004), o livro apresenta características únicas que o diferenciam das obras não didáticas: ele deve atender a uma clientela específica: a escolar. Sendo assim, o LD precisa ter uma linguagem (textual e gráfica) compreensível a essa clientela. No Brasil, a escolha do LD é uma atribuição do professor, com base em uma relação fornecida pelo INEP. Portanto, para conquistar a sua confiança quanto à utilidade desse material pedagógico para o processo ensino-aprendizagem, as editoras lançam mão de estratégias agressivas: visitas dos representantes comerciais às escolas e convite aos professores para participarem de palestras e workshops com os autores das obras didáticas (Cassiano: 2003). Quanto aos aspectos intrínsecos ao LD, para atender

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simultaneamente ao interesse do professor e do aluno, os textos, ilustrações, atividades e exercícios do LD são "escolarizados", isto é, passam por um arranjo que os torne adequados às exigências dos primeiros e com um conteúdo acessível aos últimos. O livro didático enquanto objeto de investigação é um campo de estudos bastante diverso quanto às perspectivas de abordagem. No entanto, uma questão tem recebido pouca atenção na pauta das pesquisas referentes a esse campo: refiro-me à atuação de atores não estatais, que por meio da atuação em diferentes espaços sociais muitas vezes com interesses contraditórios entre si - influenciam na produção das políticas públicas. Esses atores sociais têm em comum a destacada participação no seu campo de atuação, mediante a divulgação e circulação das suas ideias, discursos e ações (Beraldo e Oliveira, 2010), compondo o que vem sendo denominado por alguns autores de comunidade epistêmica (Ball: 2001; Lopes, 2006). Em relação à política educacional em nível nacional, em específico ao que se relaciona aos processos de seleção do livro didático de História destinado às escolas públicas brasileiras, concordo com a premissa desses autores de que a comunidade epistêmica é formada por pesquisadores desse campo do conhecimento e por docentes que atuam nas instituições de ensino superior voltadas à formação dos professores dessa disciplina para a educação básica. A presença marcante dessa comunidade pode ser notada principalmente por ocasião da sua participação nas comissões do PNLD - Plano Nacional do Livro Didático - que objetivam definir os critérios de seleção das coleções didáticas de História que irão compor o catálogo do Ministério da Educação, a ser submetido à apreciação dos professores da disciplina que atuam nas redes públicas de ensino do nível básico em todo o território nacional. Sem desconsiderar o fato de que essa escolha movimenta enormes recursos econômicos e envolve na mesma teia as editoras e o governo federal - as primeiras, disputando a hegemonia do mercado, e o segundo, atuando como principal comprador das obras didáticas, vale afirmar que para além da esfera propriamente econômica, nos deparamos com disputas em torno de abordagens teóricas e questões historiográficas, que comparecem de maneira explícita ou difusa no PNLD. Sendo assim, cabe perguntar até que ponto os critérios estabelecidos pela comunidade epistêmica formada pelos pesquisadores do livro didático de História e historiadores localizados na educação superior se articula às práticas e aos processos de reconstrução histórica pelos professores e alunos no cotidiano escolar, questão que não será possível responder por completo, visto não constituir o escopo dessa

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exposição. Por ora, tomando como base o PNLD 2013, contentarme-ei em aclarar alguns dos critérios que ele estabelece para a seleção das coleções didáticas destinadas aos professores e alunos das redes públicas de ensino do país, em que enfatizo a participação da referida comunidade epistêmica. O PNLD: Finalidades e critérios de seleção das coleções didáticas de História

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A importância atribuída ao livro didático para o desenvolvimento das práticas educativas pode ser medida pelo alcance do Plano Nacional do Livro Didático, o PNLD, programa criado e mantido pelo Ministério da Educação. Esse programa tem por objetivo prover as escolas públicas de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acervos de obras literárias, obras complementares e dicionários, sendo executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de determinada etapa de ensino e repõe e complementa os livros reutilizáveis para outras etapas. Para evitar algum imprevisto, a escola deve selecionar duas coleções. Assim, se a primeira opção selecionada não puder ser adquirida pelo PNLD, a escola receberá a segunda. (fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livrodidatico-apresentacao). Outro objetivo do PNLD é orientar a seleção das coleções didáticas pelos professores, sua aquisição nas editoras e a distribuição dessas coleções para as escolas brasileiras. Essas orientações estão em concordância com as recomendações do Parecer CNE/CEB 11/2010, ao definir os processos de seleção e a forma de organização dos conteúdos no planejamento curricular: No primeiro caso, é preciso considerar a relevância dos conteúdos selecionados para a vida dos alunos e para a continuidade de sua trajetória escolar. É também de fundamental importância que os conteúdos abordados respondam às demandas de um coletivo discente cada vez mais diverso, assegurando a igualdade de acesso ao conhecimento socialmente produzido. Em relação à organização dos conteúdos, é necessário superar o caráter fragmentário das áreas do conhecimento, integrando-as em currículo que possibilite tornar os conhecimentos abordados mais significativos para os educandos e favorecer a participação ativa de alunos com habilidades, experiências de vida e interesses muito diferentes (Portal do FNDE: Guia do Livro Didático 2013, p. 8).

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Na seleção do livro didático, a presença de um ator: a comunidade epistêmica Antes de chegar à escola, as coleções didáticas são submetidas à seleção prévia de avaliadores contratados pelo Ministério da Educação - MEC, a fim de garantir que essas coleções atendam aos parâmetros mínimos estabelecidos pelo PNLD. Somente depois de passar por esse processo e receber parecer favorável, as coleções didáticas podem ser adquiridas pelo MEC e enviadas às escolas. A avaliação dos livros didáticos atende a princípios e critérios conformes à legislação vigente: assim, as coleções didáticas de História precisam, por exemplo, contemplar aspectos relacionados à diversidade étnico-cultural, à questão da cidadania, "à coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela coleção, no que diz respeito à proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados, bem como à correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos" (Guia do livro didático 2013, p. 12). Em especial, os avaliadores manifestam preocupação com as obras didáticas que apresentam erros factuais e cronológicos ou que tratam de modo anacrônico e voluntarista, conceitos e fontes específicos à produção histórica. Em relação a esses dois últimos aspectos, considera-se: O anacronismo consiste em atribuir razões ou sentimentos gerados no presente aos agentes históricos do passado, interpretando-se, assim, a História em função de critérios inadequados, como se os atuais fossem válidos para todas as épocas. Trata-se, com efeito, de distorção grave, que compromete totalmente a compreensão do processo histórico. O voluntarismo, por sua vez, consiste em aplicar a documentos e textos uma teoria a priori, em função do que se quer demonstrar. Dessa forma, a escrita da História é utilizada apenas para confirmar as explicações já existentes na mente da autoria, que parte de convicções estabelecidas por motivos ideológicos, religiosos ou pseudocientíficos. Pode, ainda, originar-se da tentativa da aplicação de teorias explicativas, tomadas acriticamente (PNLD 2013). Se o trabalho dos avaliadores é a condição prévia evidente para que coleção didática chegue às escolas, outro aspecto desse trabalho

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permanece invisível: os avaliadores das coleções didáticas de História têm como principal campo de atuação o ensino superior como professores dos cursos de História. Eles fazem parte da comunidade de historiadores, que tem na Associação Nacional de História - a ANPUH - principal veículo de divulgação da produção científica do campo e espaço de atuação política, que repercute as posições dos historiadores em relação às questões acadêmicas e à História escolar. Como foi possível observar em estudo sobre a produção das propostas curriculares (Carvalho Filho, 2015), a participação hegemônica desse grupo na avaliação no PNLD, busca garantir que os conceitos, princípios e maneiras de operar a reconstrução histórica pela ciência de referência sejam observados nas coleções didáticas, e ajude a nortear, via manual do professor, as práticas docentes na escola básica.

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A análise dos critérios que nortearam a escolha da comissão de avaliadores das obras de História no PNLD permite apontar duas importantes características: a primeira é a ênfase nos vínculos desses profissionais com pesquisas ligadas ao livro didático e ao ensino de História; a segunda se refere à importância atribuída aos professores especialistas em histórias regionais e locais, o que se reflete na composição da comissão, formada por professores vinculados a instituições de ensino de todas as regiões do país. O perfil dos professores convidados para compor a equipe de avaliadores, informada no guia do PNLD, possibilita inferir que ela é formada por historiadores com destacada atuação acadêmica. O critério de escolha da equipe também evidencia o crescente interesse despertado pelo tema "ensino de História" na comunidade acadêmica, refletido na ampliação das linhas de pesquisas sobre o tema nos programas de pós-graduação por todo o país, no aumento da quantidade de trabalhos e na diversidade de temas propostos nos encontros específicos da área, além de denotar a forte presença desses profissionais nas questões educacionais. A atuação dos historiadores-avaliadores pode ser caracterizada como típica de uma comunidade epistêmica (BALL, 2001; LOPES, 2006), em que profissionais de um determinado campo do conhecimento, mediante diversas estratégias procuram manter ou ampliar a hegemonia desse campo. No caso em questão, está em jogo a preservação dos saberes canônicos da ciência de referência - a História acadêmica - nos manuais didáticos, por meio da inclusão ou

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exclusão das obras que não se conformem aos critérios definidos no guia do PNLD. A formulação dos critérios utilizados pelo PNLD para a seleção das coleções didáticas, além dos aspectos abarcados pela legislação, também tem a ver com as disputas travadas pelos historiadores em torno do espaço da História no currículo escolar, bem como o espaço de determinada concepção de História nesse currículo e nas coleções didáticas. Assim, a presença de grupo de historiadores vinculados a determinada concepção de ensino e de História, nas esferas de decisão relacionadas às políticas curriculares, e que se estende aos processos de avaliação das obras didáticas, expressa a hegemonia desse grupo nas discussões do campo. A análise dos documentos curriculares e outros documentos oficiais evidencia a presença de sujeitos e grupos que, em diferentes momentos, atuaram com o objetivo de influenciar as disputas em torno das políticas curriculares para a História ensinada nas escolas. Tais disputas envolvem processos de negociações em que está em jogo é o status de determinados saberes e disciplinas no arranjo curricular. Nesse contexto, Os textos oficiais são espaços privilegiados de manifestação desses embates, dentro das comunidades disciplinares, pois atuam como legitimadores do conhecimento a ser ensinado, contando tanto com seus significados simbólicos quanto práticos. Essas disputas podem se estabelecer em torno da seleção de conteúdos, da abordagem filosófica e de outros aspectos de ordem prática como carga horária e distribuição de recursos (ALVES, 2011, p. 29). O emprego da metáfora "territórios em disputa" se presta para situar o currículo e o livro didático como espaços sociais onde se trava o jogo de forças em torno dos sentidos e significados pelo qual determinada abordagem se torna hegemônica na área de conhecimento, e de como isso se reflete no contexto de produção de textos e orientações curriculares pelo poder central. Nesse sentido, dada a dimensão dos interesses econômicos e disputas por prestígio no âmbito acadêmico que envolve, o PNLD é um componente fundamental dessas disputas. Alves (op. cit.) informa que os últimos ciclos de avaliação promovidos pelo PNLD têm se caracterizado pelo rigor dos

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avaliadores em relação aos aspectos teórico-metodológicos e conceituais das obras didáticas. A "transposição" desses aspectos para o livro didático implica, por parte dos editores e autores, referenciar-se nas orientações dos avaliadores, e por extensão, na política curricular oficial, da qual o PNLD é um dos principais instrumentos. Nesse contexto, programas de aquisição de material didático como o PNLD, "desempenhariam simultaneamente funções relacionadas: à formação profissional dos professores e à configuração de matrizes curriculares" (idem, p. 31), alem da evidenciar a relação assimétrica entre o conhecimento acadêmico e o saber docente, com o predomínio do primeiro.

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No âmbito escolar, pela importância atribuída ao livro didático no cotidiano de trabalho dos professores, a obra selecionada influencia, em maior ou menor grau, o contexto das práticas, em que "as definições curriculares são incorporadas e reinterpretadas para constituir-se tanto na materialidade da obra produzida com a finalidade de atender ao PNLD, quanto no uso efetivo que os professores podem fazer destes livros, em suas salas de aula" (idem, p. 29). Referências ALVES, Irene de Barcelos. Entre regulação e persuasão: a política curricular para o livro didático de Geografia dos anos iniciais do Ensino Fundamental no PNLD 2010. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: 2011. BALL, Stephen J. Cidadania global, consumo e política educacional. In: SILVA, Luiz Heron. A escola cidadã no contexto da globalização, p. 121-137. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2001. BERALDO, Tânia Maria Lima; OLIVEIRA, Ozerina Victor. Comunidades epistêmicas e desafios da representação nas políticas curriculares do curso de pedagogia. Revista Teias v. 11 * n. 22 * p. 113-132 * maio/agosto 2010. CARVALHO FILHO, Roper Pires de. Currículo e ensino de História em uma escola da rede municipal de São Paulo: entre prescrições e práticas. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2015. CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. Aspectos políticos e econômicos da circulação do livro didático de História e suas implicações curriculares. Revista História, São Paulo, v. 23, p. 3348: 2004. In:

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http://www.scielo.br/pdf/his/v23n1-2/a03v2312.pdf Acesso em 11/08/2010. CHOPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 30, n. 3, p. 549-566, set/dez. 2004. LOPES, Alice Casimiro Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, pp.33-52, Jul/Dez 2006 Discursos nas políticas de currículo. Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil.

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A HISTÓRIA ORAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA ABORDAGEM DAS MIGRAÇÕES EM RORAIMA Rutemara Florêncio

Introdução Este trabalho apresenta as atividades desenvolvidas na disciplina de História em uma escola pública da cidade de Boa Vista, Roraima no primeiro semestre de 2015 com alunos do Ensino Médio (1º ano). Amparado na temática "História de Roraima", a proposta metodológica é História Oral utilizada para compreender o processo de migração no estado. Tanto o conteúdo quanto a metodologia de pesquisa, já fazem parte dessa disciplina desde 2013 devido a clientela escolar ser formada por migrantes ou filhos de migrantes.

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A primeira parte do trabalho foi planejada a partir do ensino e aprendizagem da História de Roraima sobre seus diversos aspectos: econômico, social, cultural e político tendo como autores visitados Aimberê Freitas (2009), Jaci Guilherme Vieira (2003), Carla Monteiro de Souza e Raimunda Gomes Silva (2006). Nesses autores, encontramos as informações necessárias para organizar as aulas para o 9º ano, pois os mesmos são pesquisadores da História roraimense e contribuem significativamente para a construção da identidade do estado. Assim, os conteúdos sobre História de Roraima foram discutidos no primeiro bimestre do ano letivo 2015. Considerando que a ocupação mais efetiva do estado de Roraima é um fenômeno recente e inserido no contexto do que Souza e Silva (p. 17, 2006) chamam de "modernização da Amazônia", Roraima possui, segundo o IBGE (censo de 2010), 50% dos habitantes vindos de fora do estado e os outros 50% nascidos em Roraima, dentre os quais estão 90% dos alunos do EM da escola. Porém, 97% desses mesmos alunos têm suas origens relacionadas aos migrantes que ocuparam o estado a partir do processo migratório mais intenso em meados dos anos 1970 a 1990 conforme constatamos a partir da análise das fichas individuais dos alunos (os 3% restantes se declaram indígenas). O fluxo migratório intenso tem suas motivações específicas, principalmente na necessidade política de ocupação da região e também na busca por uma "vida melhor" como ressaltaram alguns

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dos migrantes entrevistados pelos alunos do EM. No entanto, para que o projeto fosse levado a cabo, instituímos uma categorização de motivos, segundo os quais os entrevistados deveriam se encaixar para poderem participar do projeto. A categorização serviu para que os alunos selecionassem perfis específicos de migrantes objetivando delimitar os assuntos que seriam abordados nas entrevistas o que facilitaria a construção das perguntas-chave sem fuga do tema sendo organizadas da seguinte forma: migrantes que chegaram a Roraima por causa do garimpo de minérios; migrantes que chegaram a Roraima por motivo de concurso público; migrantes que chegaram a Roraima em busca de terras para atividade agrícola e pecuária e migrantes que vieram por motivos diversos (SOUZA & SILVA, 2005). A procura por migrantes inseridos nas categorias já citadas obedeceu a critérios já definidos historiograficamente e que, se constituem como motivação para a entrada intensiva de pessoas de diversas regiões do Brasil no solo roraimense a partir da década de 1970. É importante ressaltar que entre a década de 1970 e 1980, segundo Diniz e Santos (2006) a população de Roraima duplicou. Esse fenômeno de crescimento demográfico teve como mote as migrações que continuaram regularmente até a década de 1990. Considerando o intenso fluxo migratório para Roraima, principalmente da região nordeste (Barros, 1994 apud Diniz; Santos, 2006), a maioria dos alunos do 1º ano EM envolvidos no projeto se constitui como filhos de migrantes e por isso, mencionaram a facilidade de entrevistar pais e outros familiares. No entanto, orientamos que focassem a busca em pessoas que não fizessem parte do círculo familiar por considerarmos que seria mais enriquecedor, do ponto de vista do aprendizado, o contato com outras histórias por eles desconhecidas. Também foram orientados a buscar migrantes que chegaram a Roraima até o ano de 2005 dando um espaço de 10 anos entre a chegada e a pesquisa, pois consideramos que esse tempo dá ao pesquisado uma experiência maior em relação a mudança que fez saindo de seu estado de origem e vindo para Roraima. Apesar dos alunos acharem que seria mais difícil encontrar pessoas que concordassem em participar da entrevista por não terem ligação afetiva com eles, das 20 duplas de alunos envolvidos no projeto, cerca de 14 (catorze) duplas obtiveram êxito fora do ambiente familiar conseguindo entrevistar pessoas não ligadas aos mesmos. Porém, 6 (seis) duplas, não tendo encontrado pessoas fora do

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ambiente familiar, fizeram a pesquisa com seus pais e parentes próximos. As orientações sobre o modo de construção da pesquisa foram dadas em três oficinas, já no primeiro bimestre sendo que a primeira foi sobre a temática e importância da história oral como forma de se conhecer a história social, a história de cada um que no conjunto acaba se identificando com a história dos outros (THOMPSON, 1992). Dessa forma, os alunos do ensino médio, ao juntarem as "memórias" de cada migrante, poderiam no conjunto observar as semelhanças e diferenças existentes entre elas além das representações coletivas tanto sobre a mudança que essas pessoas experimentaram quanto pelos motivos que os trouxeram a Roraima.

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Posteriormente as outras oficinas foram sobre a escolha dos pesquisados, a construção das perguntas, a forma de posicionamento do pesquisador ante seu pesquisado, os recursos utilizados para a pesquisa e a transcrição da entrevista. É importante ressaltar que o recurso mais utilizado para a entrevista foi o celular com gravador de voz e que substituiu o gravador individual. A História Oral como metodologia de pesquisa sobre migrações em Roraima As fontes orais se constituem como elementos indispensáveis na construção da narrativa histórica contemporânea já que procuram reconstituir um tipo de "memória recente" pertencente a entrevistados que participaram do fato ou que foram testemunhas desse fato (ALBERTI, 1989:4). Ao serem testemunhas ou atores do fato histórico, os entrevistados usam a oralidade como forma de expressão para contar suas "histórias" as quais estão inseridas em um contexto social, econômico, político e cultural. Além disso, a memória a qual recorrem é uma memória permeada por elementos coletivos uma vez que a pessoa está inserida em grupos sociais e com eles dialoga, interage e troca experiências. O uso do método da história oral permite que os indivíduos que se constituem como fontes possam compartilhar suas vivencias e experiências através da memória e por isso, contribuem para a construção de uma história coletiva que pertence não apenas a ele, mas a um grupo. Dessa forma, utilizar a história oral para construir a história dos migrantes, possibilitou aos alunos do EM entrar em

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contato com uma história que também lhes é familiar, que faz parte da identidade do roraimense o qual é fruto de um fenômeno histórico: as migrações. A abordagem do fenômeno migratório na história de Roraima através da metodologia da história oral no EM (1º ano) permitiu aos alunos não apenas conhecer a narrativa dos historiadores sobre a ocupação do estado, mas a dinâmica do próprio agente histórico ao buscarem os entrevistados e realizarem as pesquisas. A experiência de se sentirem, por alguns momentos, como os construtores do conhecimento histórico (guardadas as devidas limitações da ação devido a modalidade educacional que pertencem) promoveu uma reflexão sobre a importância da história para o entendimento da sociedade humana onde passado e presente se relacionam dialeticamente. Alguns resultados da Pesquisa Com a finalidade de compor esse trabalho, escolhemos oito entrevistas (das 20 transcritas) feitas pelos alunos do EM 1º ano sendo 05 mulheres e 03 homens. Antes de saírem a campo (munidos de seus celulares com gravador) e já tendo combinado antecipadamente com os indivíduos pesquisados o dia e a hora da entrevista, os alunos do EM elaboraram dez perguntas-chave para fazer aos seus entrevistados as quais foram corrigidas pela professora da disciplina de História. Orientados para que o teor da entrevista fosse direcionado a questões relacionadas à mudança de estado, motivação da mudança e a vida em Roraima, as perguntas que cada dupla compôs ficaram parecidas no contexto geral, possibilitando que na análise das falas dos entrevistados pudessem observar semelhanças entre as histórias dos migrantes. As 20 entrevistas transcritas mostram que 50% dos entrevistados vieram do Maranhão comprovando estudos já realizados por Diniz e Santos (2006) que mostram esse estado como aquele que mais cedeu população para Roraima. Em segundo lugar, o estado do Pará é o lugar de origem dos migrantes: 5. A região sul aparece na origem de um entrevistado, confirmando dados da PNAD 2013 que mostra essa região como aquela que menos cede população para outros estados. Como motivos, a questão econômica se sobressai sobre outras em relação a 80% dos entrevistados.

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Considerações Finais Quando decidimos trabalhar a temática migração na história de Roraima para o ensino médio e para tanto, usar como metodologia de pesquisa a História Oral, o fizemos devido a importância que o migrante possui para a existência desse estado. Se não fosse pelo migrante, Roraima não teria o quantitativo populacional que tem apesar de ser o estado com menor população do Brasil. Ao adquirir o status de "estado" Roraima passou a ter um contingente burocrático que serviu aos interesses de povoamento além de promover o crescimento da região.

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No contexto da região amazônica, o migrante é decisivo para a construção histórica da mesma intensificada justamente no início do século XX. No solo roraimense a ocupação da terra se deu tanto pela Igreja catequizadora inicialmente quanto pelo migrante povoador de forma mais intensa no século XX. A concessão de terras facilitou o povoamento e arregimentou pessoas, principalmente da região nordeste do Brasil para vir povoar essas terras longínquas e inexploradas até então. O fato de serem nordestinos os principais povoadores dos estados da região norte se justifica pela situação econômica da região Nordeste, marcada pela seca, pela falta de condições estruturais na economia, entre outros fatores que forçam a migração para outras regiões do Brasil. Ter o povoamento de Roraima como uma necessidade é algo conhecido na história de Roraima. Lobo D´Almada, por exemplo, foi encarregado pela Coroa Portuguesa de introduzir a pecuária na região a fim de atrair pessoas para o local (VIEIRA, 2011:141). Para Aimberê Freitas (2009) as fortes estiagens que assolam o agreste nordestino foram decisivos para saída de pessoas daquela região para Roraima, seguida pelo garimpo nos anos 1990. Atualmente temos presenciado a chegada de agricultores do sul do Brasil motivados pela disponibilidade de grandes extensões de terras que estão sendo ocupadas pela produção de soja em larga escala. Para os alunos do ensino médio é importante observarem o processo de ocupação das terras roraimenses e a diversidade cultural que norteia as práticas e valores da população. Conhecendo a história local e refletindo sobre ela através da disciplina de história, poderão exercer a cidadania, agir politicamente e respeitar a diversidade cultural que é o âmago da sociedade roraimense.

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Referências ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990. ALMEIDA. Marcelo Mendes; SILVA. Paulo Rogério de Freitas. A Distribuição Espacial da População de Boa Vista: Diferenças Internas nas Quatro Zonas Urbanas. Trabalho apresentado a 61º reunião da SBPC. Manaus, 2009 BALTAR. Paulo Eduardo de Andrade: A Abertura da Economia e Emprego nos anos 90. Disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1996/T96V1A17 .pdf acesso em 09/09/2015. DINIZ. Alexandre M A; SANTOS. Reinaldo Onofre dos. Fluxos Migratórios e Formação da Rede Urbana de Roraima. Disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2 006_345.pdf acesso em 08 de setembro de 2015. FREITAS, Aimbere. História e Geografia de Roraima. Ed. LM, 7ª ed. 2009 MATOS. Júlia Silveira; SENNA. Adriana Kivanski. História Oral como Fonte: Problemas e Métodos. Historia Rio Grande, 2 (1): 95108, 2011 THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992. VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra 1777-1980 (Tese de Doutorado em História) UFPE, Recife, 2003. VIEIRA, Jaci Guilherme. Resenha de SANTOS, Odair J. História geral de Roraima. Boa Vista: Ed. UFRR, 2011. Revista, Textos e Debates, Boa Vista, n.18, p. 139-146. SOUZA. Carla Monteiro de; SILVA, Raimunda Gomes da. (org.) Migrantes e Migrações em Boa Vista: Os bairros Senador Hélio Campos, Raiar do Sol e Cauamé. 1ª ed., Ed. UFRR, Boa Vista, 2006.

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FEMINISMO E APRENDIZAGEM DE GÊNERO NOS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA Samanta Botini dos Santos

O presente trabalho é parte do Projeto Institucional de bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) que tem por objetivo selecionar e analisar manuais didáticos de História buscando compreender a dinâmica que permeia o conflito e a importância da luta das mulheres, utilizando do recorte histórico em dois momentos: o século XIX e a década de 60. A pesquisa parte da preocupação da ausência de uma narrativa que se atente a discussão de gênero e a história das mulheres. Busca-se através da análise dos manuais didáticos observar quais são as narrativas dentro da sala de aula e quais as possibilidades de inserção de uma narrativa que contemple a luta das mulheres e seus desdobramentos, para que fomente um debate acerca do gênero.

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O livro didático é um instrumento de trabalho do professor que realiza o intermédio entre professor e aluno e está presente na vida escolar há mais de dois séculos. No século XVII o livro didático veio para atender a uma proposta de se ensinar o maior numero de alunos ao mesmo tempo, e se tornou também auxiliar do planejamento do professor e instrumento de controle de conteúdos, que implicam na diminuição da subjetividade (cfme. MORENO, 2012). Além dessa relação entre professor e aluno dentro de sala de aula, o livro didático passou a ser estudado recentemente, estudos considerando o livro didático como objeto histórico datam, no Brasil, da década de 1980. Apesar de alguns movimentos anteriores, no Brasil, é nos finais da década de 1970 e, especialmente, no início dos anos 1980 que temos a publicação de obras de maior impacto que se dedicaram à análise de conteúdo dos manuais didáticos. Neste primeiro momento, o predomínio será da crítica ideológica dos conteúdos (MORENO, 2012). Especialmente no contexto europeu, a partir da segunda metade do século XX, desenvolvem-se estudos críticos sobre os conteúdos

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abordados nos livros didáticos, conteúdos esses que traziam consigo um grande teor de preconceito e visões estereotipadas sobre grupos e populações, e devido ao contexto pós Segunda Guerra Mundial, pode-se perceber a influência que o Estado teve, buscando evitar qualquer manifestação que pudesse gerar sérios conflitos entre os povos (BITTENCOURT, 2005 p.300). Dentre as relações que envolvem o livro didático, para a realização de sua análise, é preciso considerar diversos fatores que perpassam o material físico já pronto. Nesse sentido, deve-se levar em consideração na constituição do livro didático, primeiramente o Estado, suas políticas públicas, currículos e avaliadores (como por exemplo, o Plano Nacional do Livro Didático, que a partir do Decreto 9.154 de 1/8/1985 estabeleceu o fluxo regular de recursos para aquisição e distribuição de livros didáticos por todo o país) depois a Editora, que engloba a autoria e a relação de mercado, passando pelos professores e por último até a opinião pública, formada por país, alunos, imprensa e poder político (cfme. MORENO, 2012.p.727). Além de toda essa dinâmica empreendida na elaboração dos livros didáticos, Circe Bittencourt nos alerta para compreendermos o livro didático "como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista" (BITTENCOURT, 2012.p. 301). Na dinâmica escolar, espaço onde o livro didático circula, pode-se perceber diversas maneiras de se utilizar o manual, o que pode nos levar a refletir sobre como esses livros didáticos são trabalhados, mas acima de tudo como as representações que fazem parte desse material estão implicando na vida desses alunos que os utilizam. Portanto, analisando a trajetória do livro didático pode-se observar que esse material é investigado por seu conteúdo, contendo suas imagens e textos, mas também pelas suas representações. Busca-se compreender as representações desenvolvidas no livro didático acerca do Movimento Feminista, enquanto organização, separados em dois momentos: o século XIX e a década de 60.

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O que as pessoas dos movimentos feministas estavam questionando era justamente que o universal, em nossa sociedade, é masculino, e que elas não se sentiam incluídas quando eram nomeadas pelo masculino. Assim, o que o movimento reivindicava o fazia em nome da "Mulher", e não do "Homem", mostrando que o "homem universal" não incluía as questões que eram específicas da "mulher". Como exemplos podemos citar: o direito de "ter filhos quando quiser, se quiser" -, a luta contra a violência doméstica, a reivindicação de que as tarefas do lar deveriam ser divididas, enfim, era em nome da "diferença", em relação ao "homem" - aqui pensado como ser universal, masculino, que a categoria "Mulher", era reivindicada (PEDRO, 2005 p.80). O Movimento Feminista

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Nesta classificação, o feminismo de "primeira onda" começa no século XIX e vai até o início do século XX, com um momento de efervescência nos debates relacionados aos direitos das mulheres no Reino Unido e nos Estados Unidos. As mulheres que fizeram parte desse movimento foram chamadas de "sufragettes" e lutavam não somente pelo direito de votar, mas, paralelamente,por autonomia feminina em todas as esferas sociais.O movimento do século XIX tinha como objetivo debater quais eram as posturas adotadas por uma mulher emancipada, tendo, como intenção formar outra identidade feminina que se contrapusesse àquela imposta socialmente. A luta pelo direito ao sufrágio feminino foi uma das manifestações coletivas que mais geraram polêmicas na época em questão. Mulheres saindo às ruas e exigindo uma maior participação no mundo político - território exclusivamente masculino - foi recebido por muitos políticos e pela imprensa em geral, com risos e calúnias. Imagens denegrindo o movimento foram tão fortes que, até hoje, perpassam o imaginário popular quando se fala em sufragistas e feministas. "Mulhereshomens, solteironas, velhacas, mulheres rancorosas e sem amor, esses e outros estereótipos passaram a servir de epítetos para descrever tais mulheres" (KARAWEJCZYK,2013). A partir dos anos 60 entra também no cenário da análise histórica a categoria "gênero", que permitiu que pesquisadores da área conseguissem focar nas relações entre homens e mulheres, analisando os momentos do passado e as tensões e os acontecimentos foram produtores de gênero (cfme. PEDRO,2005 p .88)

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A "segunda onda", que seria um processo de continuidade dentro do movimento feminista, deu-se entre a década de 1960 e a década de 1980. A Segunda Onda do Movimento Feminista continua, novamente, mais forte na Europa e nos Estados Unidos. Esse período passa pela Guerra do Vietnã, o surgimento do Movimento Hippie e o Maio de 68. Esses movimentos vieram para contestar a sociedade vigente, pedir mudanças na educação e pelo fim da guerra. O feminismo de Segunda Onda traz uma pauta diferenciada em relação ao movimento anterior, especialmente no que diz respeito à luta pelo direito ao corpo, ao prazer, contra o patriarcado. A pílula anticoncepcional, surgida nessa época, contribui para que haja uma separação da procriação e do prazer, contestando assim o papel que durante séculos foi atribuído à mulher. O feminismo chamado de "segunda onda" surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, e deu prioridade às lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado entendido como o poder dos homens na subordinação das mulheres (PEDRO,2005 p.77). O feminismo nos livros didáticos, como objeto de pesquisa, proporciona que a aprendizagem acerca das lutas travadas e enfrentadas por mulheres em diferentes contextos históricos seja produtor de conhecimento do processo de luta das mulheres. A presente pesquisa busca, através das reflexões sobre a luta do movimento feminista, ser um potencial gerador de empoderamento de meninas/ mulheres. Esse empoderamento deve ser através do reconhecimento da movimentação da população feminina a cerca dos seus direitos e contra a subordinação imposta sob a sociedade patriarcal. No livro didático, objeto que faz parte do cotidiano escolar, possuir esse movimento histórico para possibilitar a reflexão, a discussão e a desconstrução de estereótipos. Essas reflexões contribuem para uma educação que forma cidadãos, que convivam harmoniosamente em sociedade compreendendo seu espaço no mundo, assim como as possibilidades de ser um agente transformador. Referências BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e métodos. 4. ed São Paulo: Cortez, 2012.

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IMAGINÁRIO SOCIAL E LITERACIA NA EDUCAÇÃO HISTÓRICA Samara Elisana Nicareta Valter André Jonathan Osvaldo Abbeg

A busca por explicações sobre nossa realidade complexa torna-se impiedosa a produção de sentido, de identidade, de laços; que permitam não apenas assentar as bases sociais, mas consolidar as diferentes dimensões da subjetividade. Nossos dias atuais, a crescente discussão sobre os sentidos da própria história, seus vieses, suas abordagens, seus materiais, signos, confrontam-se com a lógica capitalista, com a segregação de valores tradicionais, com o contexto escolar pauperizado por políticas educacionais cada vez mais minimalistas, Ocorre uma crescente indagação sobre os atores sociais, suas práticas e como adquirem consciência de seus atos. Assim, adentramos num campo de educação histórica cada vez mais problemático, onde as batalhas são travadas no plano crítico do próprio conhecimento histórico, da consciência histórica. Este estudo visa contribuir com este debate ao delinear algumas aproximações entre concepções do imaginário social e a perspectiva de literacia história. Reconhecemos que... "Os estudos desenvolvidos não são [devem ser] nem especulativos, prescritivos, nem impressionistas. Devem seguir uma metodologia científica e analisam desempenhos concretos de alunos, em tarefas cuidadosamente desenhadas, com materiais históricos e instrumentos de inquérito." (BARCA, 2001, p.20) Antevemos assim exigências lógicas de determinado conhecimento histórico, não enciclopédico, uma vez que se reconhece uma ação histórica consciente. Condizente com este pensamento, tem-se o pressuposto do imaginário enquanto uma construção histórica determinante das relações simbólicas, recaindo na rotina, no cotidiano das relações sociais, implicando numa perspectiva que ultrapassa os limites da própria história. Uma relação simbólica que não surge numa justaposição do concreto sobre o imaginário, mas, incide sobre as relações concretas de forma coletiva, tomando vida própria, uma continuidade singular no tempo e no espaço.

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Ao reconhecer que cada momento histórico é permeado por uma atmosfera própria, formas de pensar e organizar a sociedade, cultura social, política e econômica são tecidas, se entrelaçam para formar o corpo social ou o imaginário social. Segundo Veyne: "'Imaginário' não é um termo de psicólogo ou de antropólogo, diferentemente de 'imagem', mas um julgamento dogmático sobre certas crenças de outrem." (1984, p.103-4). O ato de pensar sobre o passado, suas crenças, costumes, cotidiano irrompem como julgamentos, verdades que foram construídas sobre a égide de serem únicas, onipotentes, numa congregação analógica. Dessa forma, essa construção sobre o imaginário partindo da verdade se constitui como objeto histórico concreto, se materializa nas relações sociais. Torna-se vivo e constante nas diferentes relações cotidianas, torna-se político, recorrente nas diferentes relações de poder.

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"O domínio do imaginário não se limita a isso: a política, queremos dizer, as práticas políticas e não apenas as pretensas ideologias, possuem a arbitrária e a esmagadora inércia dos programas estabelecidos; a "parte oculta do iceberg" político da cidade antiga durou quase tanto quanto o mito; sob a ampla roupagem pseudoclássica com a qual nosso racionalismo banalizador a envolve, teve delineamentos estranhos que só a ela pertencem." (VEYNE, 1984, p.133) As acepções do imaginário transcendem para a realidade, transbordam para a política, manifestam-se nas instituições, e torna-se imbricadas nas histórias particulares; um difuso na memória das pessoas, este imaginário não pode ser recusado, tal como um pressentimento secreto, substitui a verdade e a realidade, Trata de uma acepção absoluta da verdade envolta pela "fabulação".(VEYNE, 1984, p.130) Desta forma, as construções imaginárias representam a realidade não de um ponto de vista, mas, como própria aceitação da verdade. Compreendendo que a vida em sociedade é uma constante construção histórica, uma alternância de ideologias; um derrubar constante de verdades alcunhadas supremas ou intransponíveis enveredam um constante diálogo social. Poderíamos considerar que o imaginário, a princípio não é nem bom ou ruim, pois, evidencia uma disputa para legitimar uma verdade que se torna hegemônica na memória e na história das pessoas. Esse conjunto de ideias, esse imaginário conduzem e regulam o tecido social.

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"Não existe oposição entre verdade e a ficção que apareça como secundária e histórica; a distinção entre o imaginário e o real não o é menos. As concepções menos absolutas da verdade como simples idéia reguladora, ideal da pesquisa, não podem servir de escusa à amplitude que assumem nossos palácios de imaginação, que têm a espontaneidade das produções naturais e não são provavelmente nem verdadeiros nem falsos. Eles também não são funcionais e não são todos perfeitos; têm ao menos um valor muito raramente mencionado, do qual não falamos senão quando não sabemos dizer exatamente qual é o interesse de uma coisa: elas são interessantes." (VEYNE, 1984, p.139) Em função de um imaginário ou de visões de mundo, sociedades são construídas ou desintegradas, as percepções não são vazias de conteúdo ou de propósitos, o imaginário ficcional se materializa, forma e deforma a realidade. O ambiente cultural se camufla ou faz mimetismo dessa construção de forma espontânea, já não se sabe mais o que é verdade ou fantasia, aquilo que está posto fora do cotidiano, fora de uma regularidade social passa a ter um valor social. Agrega formas diferenciadas de perceber a atmosfera social, são atrativos constantes na busca pela coerência, pela verdade. Neste sentido, são fixadas como padrão, como forma de padronizar modelos sociais, podem ser materializadas, como nas obras de arte. Partem de uma imagem, que está claramente materializada na sociedade pelo autor, mesmo de forma subjetiva e passam ao ser interpretadas, reelaboradas e revisitadas por outro interlocutor, ganhando novo sentido, uma nova objetividade. "As imagens estéticas não se deixam nem traduzir validamente para conceitos, nem também são ; não existe nenhuma imago sem imaginário; possuem a sua realidade no seu conteúdo histórico, não há que hipostasiar as imagens, mesmo quando são históricas. - As imagens estéticas não são algo de imóvel, invariantes arcaicas: as obras de arte tornam-se imagens por processos, que nelas se petrificam em objectividade, falarem por si mesmos." (ADORNO, 2013, p. 103-4) A imagem, sua simbolização conquista espaço no imaginário, pois revê e inverte os valores da sociedade ao transmiti-los na forma material e social. A imagem se consolida no imaginário pela sua

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forma, seu espaço e tempo; tornam-se objetos e objetivas em si mesma; representam o imaginário e criam seu próprio imaginário ao se materializarem. Entre estes "antagonismos realmente inconciliados não se deixam conciliar mesmo no imaginário; actuam no interior da imaginação e reproduzem-se na sua própria incoerência proporcionalmente ao grau com que insistem na sua coerência." (ADORNO, 2013, p.193) A materialização da imagem, representa a materialização de seu imaginário, de seu simbolismo, confrontando os demais elementos sociais. A imagem antes meramente estética, torna-se política, coloca-se numa determinada posição de representar e incidir poder sobre os outros.

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Nossa percepção de mundo é moldado pelas imagens, por um conjunto imaginário anterior a nossa existência. Formas, cores, padrões estéticos, nuances irão compor nossa história social, traduzindo hábitos, sentidos e costumes. Enxergamos o mundo como um espectador, primeiro conhecemos, depois interpretamos para posteriormente traçarmos nossas construções, portanto, nossas interpretações, concepções, são formadas a partir do já posto, conhecido. O que a princípio era mera visão abstrata ganha contornos práticos e determinados. "Sempre seguindo o mesmo fio imaginário, é claro que esse espectador jamais tem, com as imagens que olha, uma relação abstrata, "pura", separada de toda realidade concreta. Ao contrário, a visão efetiva das imagens realiza-se em um contexto multiplamente determinado: contexto social, contexto institucional, contexto técnico, contexto ideológico. É o conjunto desses fatores "situacionais", se assim se pode dizer, fatores que regulam a relação do espectador com a imagem, que chamaremos de dispositivo." (AUMONT, 1993, p.15) Constantemente e de forma efetiva, planificada as imagens formam o universo social, determinam a institucionalização, a técnica e a ideologia que servirá de espectro. Criam dispositivos próprios que regulam a relação entre espectador e imagem. Imprimem condicionantes, arquitetam ações que determinarão o tipo de sociedade, de indivíduos e de instrumentos que servirão de dispositivos controladores. A criação deste imaginário muitas vezes suplanta a representação de realidade que está presente. "A noção de impressão de realidade, a de efeito do real mostram, pelo próprio

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vocabulário, a dificuldade da questão. Em um e outro casos, trata-se de sublinhar o fato de que, em sua relação com a imagem, o espectador acredita ate certo ponto na realidade do mundo imaginário representado na imagem." (AUMONT, 1993, p.112). O idealizável, formulado inicialmente na esfera mental ultrapassa as fronteiras do pensamento, da capacidade criativa para ganhar o mundo exterior. Ao formatar ou delinear seus estudos a partir de um imaginário, de um simbolismo, o estudante busca uma significação, intervêm e determina um universo múltiplo, articula vários elementos para alcançar seus objetivos. Abusa das formas, conforma e deforma a imagem proposta, pois ..."Certamente, sozinha, uma imagem não constitui o imaginário, mas o imaginário não pode ser descrito sem essa imagem, por mais frágil ou solitária que ela seja, sem o isto, indestrutível, dessa imagem." (BARTHES, 2007, p.222) Assim, o imaginário depende do contexto e do sujeito, e a partir desta relação, "...as imagens que o sujeito encontra depois vem nutrir dialeticamente seu imaginário: o sujeito faz funcionar, gracas a elas, o registro identificador e o dos objetos, mas inversamente só pode apreendê-los com base nas identificações já operadas. (AUMONT, 1993, p.119). O imaginário torna-se social, apresentável, passível de análise a partir destas identificações, ultrapassando a significação prevista ou esperada de seu criador. Desta forma, a perspectiva do imaginário social preenche lacunas para o aprendizado histórico, concebendo um sistema de representações simbólicas no qual o próprio sujeito da história está inserido. Compreendendo que...enquanto perspectiva na literacia histórica, ao instrumentalizar o aprendizado histórico, fomentando uma consciência e tomada de identidade por parte do estudante, criando uma capacidade de lidar com o tempo e com os processos históricos de forma crítica. As histórias "...não podem ser tratadas como um acúmulo de eventos" (LEE, 2006, p.134) Como reconhecimento da própria história e suas "Um conceito de literacia histórica demanda ir além disso ao começar a pensar seriamente sobre o tipo de substância que a orientação necessita e o que as compreensões disciplinares devem sustentar naquela orientação." (LEE, 2006, p.148). Esta substância incide sobre a própria necessidade de reconhecer a dependência entre os processos de significação tanto da imagem quanto do imaginário, pertinentes ao sujeito e suas diferentes categorias. A literacia enquanto processo educativo ganha contornos específicos no limiar da consciência

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histórica, semelhante ao próprio conceito de letramento aproxima o sujeito do objeto histórico, lhe fornece sentido, interpretação. A história assim se constituí de fragmentos num sentido específico interpretado pelo sujeito, constituí um imaginário acerca de determinada realidade, que é social e concreto nas relações históricas produzidas. Mapeando a relação entre imaginário e o conceito de literacia histórica, acreditamos ser possível, partindo de uma apropriação histórica, uma busca por elementos identitários, de origens, a construção de signos que estão presentes tanto no imaginário social quanto concretizados de formas variadas, compondo e articulando padrões, modelos ou representações que serão arquitetadas para a formação de uma identidade, de uma certa forma de ver e interpretar a sociedade, a História e suas relações num enlace entre passado e futuro. Referências

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ADORNO, T.W. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2013. AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993. BARTHES, R. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva, 2007. BURKE, P. A revolução francesa da historiografia: a Escola de Annales (1929-1989). São Paulo: Editora da UNESP, 1992. CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, vol.5, n.11, pp. 173-191, 1991. LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. LEE, P. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar, Curitiba, Especial, p. 131-150, 2006. RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001. VEYNE, P. Acreditavam os gregos em seus mitos? São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

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REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL Simoniely Kovalczuk

No passado, a história foi usada para legitimar a união política da nação, sendo a ela atribuída a importante tarefa de forjar uma identidade comum a todos. Contudo, o suceder do tempo exigiu novas necessidades. Atualmente, reflete Caimi (2010) historiadores, pesquisadores de ensino e professores têm defendido uma história que vem em contraponto ao fazer historiográfico dito tradicional. As novas demandas de história dão a ela um papel de orientar os sujeitos a pensarem historicamente, gerando uma consciência histórica, dando um sentido prático a essa disciplina, compreendendo as situações reais da vida cotidiana e do seu tempo. É resultado de uma mudança na estrutura da história, passando a valorizar novos sujeitos, espaços e novas temporalidades. Dessa forma, para garantir que as novas demandas sejam sanadas, é necessário o amadurecimento do uso da história local. O ensino de história local se dá no cotidiano, no espaço próximo e traz a tona lembranças e particularidades de sujeitos históricos que passavam despercebidos no panorama da macro-história. Assim, optar por esse viés não é diminuir a história, restringir as fontes, ao contrário, é um espaço promissor, onde a história está nas notas dos jornais, na arquitetura da Igreja, nas histórias que só existem quando lembradas. Para o professor, a ausência de fontes escritas dificulta, mas não limita, pois a pesquisa deve estar sempre presente na prática educacional. A história local costura ambientes intelectuais, ações políticas e processos econômicos que enlaçam o local, regional, nacional e quiçá global. Para Nikitiuk (2002), pensar um estudo sobre a história local significa analisar uma singularidade na totalidade. Em um movimento de dialética entre o micro e a macro-história. Para o uso da história local do ensino da História, Schmidt e Cainelli (2004, p.112) afirmam ser necessário observar duas questões: Em primeiro lugar, é importante observar que uma realidade local não contém, em si mesma, a chave de sua própria explicação, pois os problemas culturais, políticos,

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econômicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos. Em segundo lugar, ao propor o ensino de história local como indicador da construção de identidade, não se pode esquecer de que, no atual processo de mundialização, é importante que a construção de identidade tenha marcos de referência relacionais, que dever ser conhecidos e situados, como o local, o nacional, o latino-americano, o ocidental e o mundial.

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Contudo, cabe uma ressalva, um professor formado em um curso de pedagogia, possui a carga de conhecimento necessária para gerar tais articulações? Para produzir conhecimento e utilizar-se das fontes documentais transformando-os em história? Nikitiuk (2002) afirma que não existe a necessidade de ser formado em História, para trabalhar com tal disciplina nas séries iniciais, mas que, com certeza, é preciso que o profissional domine as noções fundamentais do conhecimento histórico. Na falta de cursos preparatórios nesse sentido, percebemos a existências de profissionais diversos, que se dividem entre aqueles que buscam aprimorar-se e buscar tais saberes e outros acostumados um comodismo, que os impede de adquirir tais procedimentos. O ensino de história local é importantíssimo para a geração e construção dos primeiros conceitos de consciência histórica. Abordar a história de uma determinada localidade vem em convergência da escrita de Anderson Fabricio Moreira Mendes, para a revista Tema Livre, quando o mesmo afirma Pensam a escola como um espaço de renovação, o lugar onde tradições e ideias, possam ser discutidas e não simplesmente reproduzidas, buscando, na realidade dos alunos a própria experiência da classe, historicizando os conflitos, mostrando que os estudantes, como sujeitos ativos e não passivos de história, estão inseridos nesse debate e podem mudar e transformar sua realidade. (MENDES, 2002.p. 3) Portanto, é plenamente possível que professores que não tenham formação específica na área de história consigam ministrar os conceitos históricos, tanto que haja interesse dos mesmos e dos órgãos de educação, em disponibilizar cursos e conteúdos que

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facilitem essa apropriação de conhecimento histórico. Caimi (2010) destaca que o estudo de história local permite estabelecer relações muito profícuas com os processos de formação de identidades sociais plurais, superando o verbalismo pouco prático das aulas de história apenas vinculadas a temporalidades remotas, a espaços geográficos distantes e a determinadas memórias pré-selecionadas em um currículo que é resultante de um jogo de poder e que não privilegia a todos. Fazendo com que muitos não se reconheçam tampouco seus grupos de pertença. Dessa forma, o ensino de história local faz com que possam ser desenvolvidas ações de resistência à padronização e homogeneização cultural. Retomando a noção de identidade e os riscos da globalização no processo de corrosão desse marco identitário, Nikitiuk (2002) afirma O processo de globalização hoje vivido cria um tipo de cidadão que, segundo Marc Augê, ocupa „não lugares‟ e tem sua identidade não mais ligada a espaços e tempos definidos, gerando dificuldades ainda maiores no ensino de história, pois torna esse cidadão ainda mais distante e carente de significado e, portanto torna mais difícil a apreensão de conceitos básicos que perpassam todo processo de compreensão histórica: os conceitos de espaço, tempo, identidade, fato histórico. (NIKITIUK, 2002, p. 3) As atividades desenvolvidas na escola, quando reconstroem as histórias vividas no cotidiano dos alunos, recuperam identidades que formam o seu cotidiano significativo, levando a se ver como parte de um processo global. “Quando esse aluno se percebe como um „ser histórico‟, ele evita a compartimentalização gerada pelo processo de globalização. Um dos mais eficazes para fazê-lo é por meio do estudo do cotidiano.” (NIKITIUK, 2002, p.6). Nesse contexto, cabe aos professores que lecionam história local, explorar o espaço, as representações e as vivências como uma forma de ir contra a hegemonia da história tradicional baseada nos modelos eurocêntricos. O rompimento favorece a consciência de identidades plurais bem como favorece a concretização de conceitos como tempo e espaço. As vantagens associadas ao ensino de história local são inúmeras, contudo, o mesmo não está isento de dificuldades. Fonseca (2003) aponta alguns percalços do estudo de história local no currículo escolar; A primeira está diretamente vinculada ao fato de que a cidade, o bairro, são vistos como unidades dissociadas do restante

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do país. Percebe-se também que o ser social aparece como elemento da população ou membro de uma comunidade abstrata; ocorre, ainda, o excessivo destaque dado aos aspectos políticos, como heróis, figuras políticas pertencentes às elites locais e, por último, o fato de boa parte das fontes expostas aos professores para o ensino desse viés historiográfico, estarem intimamente ligadas a órgãos administrativos locais, o que faz com que o mesmo esteja diretamente associado a interesses de grupos de poder, sendo, portanto, um aparato ideológico. Todo o documento escrito é manipulado, representa uma versão, tal como nos previne Marc Bloch(s/d) e Jacques Le Goff (1977), é preciso fazer um processo de heurística, buscando do documento aquilo que é, de fato, real. Destaca Sérgio Buarque de Holanda

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Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a História. (PARANÁ, 2008, p. 2) Tal citação de Holanda vem em convergência com a importância de se ensinar história local. Essa „multidão imensa dos figurantes mudos‟, somos nós, que não somos Napoleão Bonaparte, Dom João II, Princesa Isabel. Nossas ações podem não ser descritas individualmente nos livros mas o somatório delas moldam a sociedade e suas transformações. Uma das formas de se dar „voz‟ a essa imensa multidão ávida por difundir suas experiências, é adotar um método de história oral e vinculá-lo à proposta de estudar a localidade. Isso permite que “escapem das falhas dos documentos, uma vez que a fonte oral é capaz de ampliar a compreensão do contexto, de revelar os silêncios e as omissões da documentação escrita, de produzir outras evidências, captar, registrar e preservar a memória viva” (FONSECA, 2003, p. 155). Nesse sentido, defende Samuel (1989, p. 237-239): A história local não se escreve por si mesma, mas, como qualquer outro tipo de projeto histórico, depende da natureza da evidencia e do modo como é lida. Tudo pode variar, desde a escolha do tema até o conteúdo dos parágrafos individuais (...). O valor dos testemunhos

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depende do que o historiador lhe traz, assim como daquilo que ele leva, da precisão das perguntas e do contexto mais extenso de conhecimento e entendimento do qual elas derivam. O relato vivo do passado deve ser tratado com respeito, mas também com critica; como o morto” A história oral é, pois, um método de pesquisa que privilegia a realização de entrevistas com as pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se, como enfatiza Alberti, de trazer acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, à luz de pessoas que dela participaram ou testemunharam. “Entender como pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível questionar interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas.” (ALBERTI, 2007, p. 165). A história oral nunca é um fim em si mesmo, ou seja, ela sozinha não dá conta de produzir história. Como toda fonte histórica, a entrevista de história Oral, deve ser vista como um “documento”. Deve-se, pois, vinculá-lo a um elaborado processo de crítica documental, para que o mesmo possa ter validade como fonte. A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua identidade. O tema da memória está em voga, hoje mais do que nunca, fala-se da memória da mulher, do negro, do oprimido, das greves do ABC, memória da Constituinte e do partido, memória da cidade, do bairro, da empresa, da família. Talvez até da memória nacional, tantas vezes acuada (e tantas vezes acuadora) esteja retraída. Multiplicam-se as casas de memória, centros, arquivos, bibliotecas, museus, coleções, publicações especializadas (até mesmo periódicos). Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias especificas, já contam com força política e tem reconhecimento publico. Se o antiquariato, a moda retro, os revivals mergulham na sociedade de consumo, a memória também tem fornecido munição para confrontos e reivindicações de toda espécie. (MENEZES, 2000, p.9) O direito à memória deve ser garantido a todos, que devem ter acesso aos bens materiais e imateriais que representam a sua história. A memória é importantíssima para a construção de uma identidade.

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Ora, é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam, na fisionomia da cidade, sua própria história de vida, suas experiências sociais e lutas cotidianas. A memória, trazida a tona pela história oral, é imprescindível na medida em que esclarece sobre o vinculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha. (ÓRIA, 1998, p.139) Além disso, o ensino de história local amplia a educação popular em face de preservação patrimonial. Hugues de Várine destaca que cada pessoa é dona de um patrimônio próprio, sendo, ao mesmo tempo, coproprietário moral do patrimônio da sociedade a que pertence. “Portanto, poderá aprender a partir de algo que „é dele‟, que identifica como seu ou como integrando o seu meio, e que vai poder reconhecer, aprofundar e, por fim, utilizar” (VARINE, 2002, p. 292).

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Contudo, não podemos incorrer ao erro de considerar a história oral como único viés plausível para romper com essa tendência a homogeneização cultural. Ela é uma das possibilidades que, somada a outras, promove o respeito à pluralidade e a retomada da consciência de que somos seres históricos. Referências ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro, editora FGV, 2005. BLOCH, M. Introdução à história. 6ª ed. Portugal: Publicações Europa-América, s/d. CAINELLI, Marlene. Educação Histórica: ensinando e aprendendo história no ensino fundamental: Texto Mesa Redonda apresentado no VIII encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História: Metodologias e Novos Horizontes, realizado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, no período de 28 a 31 de julho de 2008. DIRETRIZES CURRICULARES DE HISTÓRIA. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Ensino Básico, 2008. MENEZES, Leila Medeiros de e SILVA, Maria Fátima de Souza. Ensinando História nas séries iniciais: Alfabetizando o olhar. In: MONTEIRO, Ana Maria. Etall (org.) Ensino de história: sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: MauadX: Faperj, 2007.215-228 NIKITIUK,Sônia M.L. A história como instrumento de formação. X Encontro Regional de História. ANPUH_ RJ, 2002.

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PROFESSORES DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAS: DIFERENTES ESPAÇOS E TEMPOS DE FORMAÇÃO Sueli de Fátima Dias Mario de Souza Martins

Nesse estudo que integra a pesquisa intitulada Ensino de História nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Relações da Formação Continuada dos Professores, desenvolvida no curso de Pedagogia da UNICENTRO-UAB, no ano de 2014 e 2015, propusemo-nos a conhecer como discussões, que devem parecer mais cotidianas aos formados em história, chegam ao professor que ministra a disciplina para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, mas teve uma formação inicial baseada em cursos de Pedagogia, Normal Superior ou outra licenciatura.

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Partimos indagando - como os professores de formação diversa da área da história acompanham e participam das discussões acerca do ensino da disciplina? E nessa problemática percebemos uma oportunidade de diálogo e reflexão da prática dos docentes, dos tempos e espaços de formação a que tem acesso a das identidades que constroem. O trabalho desenvolveu-se nas escolas municipais da cidade de Apucarana - PR realizando interlocuções com professores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da rede pública. Selecionamos 5 dentre as 36 escolas do município estabelecendo o critério de participação para professores que executam docência nos Anos Iniciais e têm formação adversa da área de história. Esse requisito ajudou a selecionar sujeitos que supostamente não tiveram contato ou aprofundaram especificidades da docência em história na formação inicial. Assim, interagimos com 21 professores que, na sua maioria, desempenham atividades com 3º, 4º e 5º Ano, ministrando todas as disciplinas como matemática, língua portuguesa, ciências, geografia e história. Destes, 90% fizeram o Ensino Médio profissionalizante no curso de Formação Docente e quanto ao Ensino Superior 42% são formados em Pedagogia, 9% em Normal Superior e 33% em outras licenciaturas como Ciências Biológicas, Matemática e Letras, mas há, também, pelo menos 9% formados em outros cursos acadêmicos que não habilitam em licenciaturas, como Administração de

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Empresas, Serviço Social e Comércio Exterior. Desse universo e diversidade de sujeitos surgiu a necessidade de distinguir a formação de professores. Para atuar na Escola Básica, conforme a Lei nº 9.394 de 1996, é preciso formação específica. Para os Anos Iniciais, compreendendo a docência do 1º ao 5º Ano aceita-se a formação em nível médio, mas admite-se preferencialmente formação em Pedagogia ou outra licenciatura. Já, para os Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio exige-se licenciatura plena em cada área exclusiva do conhecimento. Dentre os professores com os quais interagimos 47% afirmam que as contribuições mais efetivas para sua atuação nas aulas de História advêm da formação inicial. Também reafirmaram, em diversos momentos, a carência de formação continuada na área, seja por meio de temas e conteúdos comuns ou metodologias para a sala de aula. Indicam que este deve ser um processo sistemático e organizado pelas instituições a que estão ligados, garantindo assim, maior possibilidade para acompanhamento das discussões e reflexões da área. Quanto à formação inicial, mesmo no curso de graduação específico, conforme Fonseca (2006) as discussões acerca do ensino de História não são unanimidade, pois muitos ingressam vislumbrando a pesquisa como carreira profissional. No entanto, também não são poucos os acadêmicos que, movidos por intenção ou por apelo do mundo do trabalho, têm no magistério seu horizonte profissional. Dessa forma, ainda há elementos da formação de professores a ser intensificada no próprio curso de graduação e tanto quanto para os demais cursos como Pedagogia, ou até mesmo a Formação Docente no Ensino Médio onde a temática possivelmente não ocupa mais que o tempo e espaço de uma disciplina. Nesse contexto, surgem inúmeras questões para análise que se estendem de como e com quê o professor pode ensinar até como o aluno aprende. Zamboni (2005) destaca que há aí, uma discussão de fronteira para as áreas da Educação e da História e, portanto, não se define o lugar das discussões de demandas que envolvem o fazer e o pensar do professor de história. A situação é tanto maior para os docentes que atuam nos Anos iniciais do Ensino Fundamental. Uma demonstração desse panorama está no desenvolvimento das pesquisas de pós graduação. Grande parte das dissertações e teses que abordam o ensino de história e elementos como a formação de

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professores são executados nos Programas de Educação. São, ainda, poucos os programas de pós graduação em história que ofertam linhas de pesquisa relacionadas ao processo ensino aprendizagem e docência da disciplina. Esta situação pode ser muito positiva porque tem a faculdade de demonstrar que o ensino de história não tem uma guarda, não está sob a tutela de um curso ou grupo de pesquisadores. Não tem tutoria ou apropriação de um departamento acadêmico, antes disso, pode ser uma discussão ampla e aberta que qualifica o tratamento das questões educacionais, como destacou Fonseca (2010) no rigor de uma cultura complexa e plural. Mas, para o professor que atua nos Anos Iniciais há carência de estudos que abordem possíveis lacunas da formação inicial e que ofereçam compreensão sistemática das questões de ensino e aprendizagem da disciplina. Oliveira (2003, 2010) reconhece esta realidade e considera certa dualidade entre historiadores e pedagogos ao afirmar que

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Quando historiadores são questionados em sua competência pelos pedagogos (visto que as licenciaturas em história não habilitam para o magistério nas séries iniciais do Ensino Fundamental). Caso sejam pedagogos, as pedras são lançadas por historiadores (visto que a graduação em Pedagogia não aborda questões consideradas fundamentais para os historiadores) (OLIVEIRA, 2003, p. 264) A autora afirma ainda que o pesquisador dessa área nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e no processo de ensino e aprendizagem como um todo, constrói-se como um "ser híbrido", pois não existem "pesquisadores-historiadores-puros", tampouco "pesquisadores-pedagogos-puros". Reconhece o diálogo e interação científica como possibilidade para instrumentalizar o trabalho do professor visto que, também "não há saberes pedagógicos sem conteúdos específicos e, não há conteúdos específicos que possam ser transmitidos sem os saberes pedagógicos" (OLIVEIRA, 2003, p. 264). Os professores esperam dessa interação, pois relatam que mesmo com o domínio de saberes advindos com a prática e trabalho com a infância, a docência na disciplina de história exige domínios conceituais e tratos pedagógicos com fontes e documentos que

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passam muito pela formação específica do historiador. Em nosso estudo, 80% dos participantes apontam que a maior dificuldade que encontram no cotidiano da disciplina é a falta de materiais, 61% citam a falta de formação específica do professor, 42% destacam o acúmulo de conteúdos e 33% ressaltam a dificuldade de aprendizagem dos alunos, especialmente a partir da leitura e interpretação de textos. Estas dificuldades devem ser consideradas como propositoras de programas e processos de formação continuada para os professores que atuam nos Anos Iniciais. Para Ricci (2011), nas décadas de 1990 e 2000, iniciou-se uma construção na formação do professor, na área de história, instrumentalizando-o nas articulações com a Psicologia, em estudos piagetianos e elaboração de conceitos de aprendizagem. As contribuições se deram mais no campo da compreensão das temporalidades e causalidade histórica. Já, na primeira década do século XXI, para a autora, percebe-se maior preocupação com a estrutura do pensamento a ser desenvolvido nas aulas de história, surgindo a expressão "letrar em História" (RICCI, 2011, p. 36). As dificuldades relatadas pelos sujeitos que participaram desse estudo, também se relacionam com as orientações para a organização dos planos de ensino e trabalho docente. Estas também vieram de um processo de transformações, pois no anseio de romper com a divisão tradicional de conteúdos determinada pelos Estudos Sociais (os círculos concêntricos), a partir da década de 1990, surgiram propostas articulando as mudanças e permanências e rompendo com o consenso de progresso contínuo da sociedade. Porém, os professores relatam que conheceram e usaram estes documentos e tiveram dificuldades para interpretá-los sem o apoio da formação específica que trata do método e concepção epistemológica da História. Para o Estado do Paraná, o documento que norteou a ação dos professores, em 1990, foi o Currículo Básico do Paraná. Ele privilegiava a implantação do Ciclo Básico de Alfabetização, mas contribuía com uma nova seleção de conteúdos de história especificando tempo e espaço do evento histórico a ser abordado em sala de aula. No final da década, em 1997, as orientações vieram dos Parâmetros Curriculares Nacionais que foram amplamente utilizados nos planos de ensino. Contribuíam com a perspectiva de organizar a disciplina por eixos temáticos, mantendo organização cronológica e linear dos conteúdos. Oliveira (2010, p.123) considera

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que as principais críticas dos professores em relação aos PCNs devem-se ao seu caráter impositivo, ao "esvaziamento do conteúdo, ou com a dificuldade que os mesmos tiveram em elaborar um rol de conteúdos a partir dos eixos propostos."

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Os livros didáticos, especialmente os analisados e indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) conforme destaca Fonseca (2010), a partir de 1993 buscaram acompanhar tais mudanças, mas reconhecemos que apenas a oferta de material, ainda que, os manuais sejam sustentação e subsidiem a prática, não suprem plenamente a carência de formação do professor. Cainelli (2010) reconhece esta complexidade do trabalho do professor dos Anos Iniciais em selecionar conteúdos e o quanto ele precisa do apoio do livro didático. Enfatiza que, nas últimas décadas, os conteúdos tradicionais têm se diversificado com a introdução de novos objetos e temáticas de estudo como as identidades, mulheres, crianças, religiosidade, além de questões relacionadas à estrutura do conhecimento histórico como documentos e fontes. Esta diversificação é parte do processo de compreensão da função da história que, como destaca Rüsen (2001) deve apontar para a realidade e vida cotidiana dos sujeitos. É preciso apoiar e subsidiar o professor em sala de aula em formação permanente para que seu trabalho tenha uma aprendizagem significativa que, conforme Barca (2009) seja de diálogo entre o evento histórico e os sujeitos que o observam, levantando hipóteses, compreendendo diferentes perspectivas de tempo e espaço e produzindo suas próprias narrativas. A autora, ao defender a Educação Histórica e a formação da consciência histórica como possibilidade de ensino e aprendizagem, parte da realidade portuguesa e pode nos auxiliar ao considerar que as respostas às exigências do conhecimento e de uma sociedade de informação só poderá processar-se com professores conscientes de tais problemáticas. (...) Precisamos de preparar professores em quadros científicos actualizados. Seria útil que os professores experienciem a pesquisa histórica e, com base nela, aprofundem o debate em torno de conceitos inerentes ao saber histórico (BARCA, 2001, p.20) Estas também são as necessidades que ressaltamos para a formação de professores, especialmente após a interlocução que realizamos. Os sujeitos que investigamos afirmam que consideram a disciplina de história de fundamental importância na formação dos alunos. Dizem se "encantar pela oportunidade de reflexão e crítica que a

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disciplina oferece (P12)" e que os estudantes também apreciam a experiência. Quando ouvidos, os professores unidocentes citam uma tensão maior na tarefa de selecionar os conteúdos contemplando as Diretrizes e os demais documentos norteadores das práticas para a disciplina de história, que na ousadia de experimentar novas linguagens e metodologias para a sala de aula. Sugerem propostas de acompanhamento de seus trabalhos solicitando temáticas da história do Estado do Paraná, da história local e do trabalho com as identidades sociais como mulheres, crianças, idosos, indígenas regionais e cultura africana. Assim, reconhecemos a pertinência da formação continuada e nos apoiamos em Oliveira (2010, p. 60) ao considerar que "o que alimenta esse discurso em torno das "lacunas" é não termos uma concepção clara do significado, quanto à forma e ao conteúdo, do que seja ensinar História na escola para crianças." Os professores acreditam e esperam na contribuição da formação continuada e organizá-la de modo significativo deve ser responsabilidade de todas as áreas envolvidas, como a pedagogia e a história, mas também de políticas de formação de professores que o tratem como sujeito de direitos e saberes, entre os quais o de estudo, trabalho e análise de sua função social. Considerações finais Nesse estudo percebemos, ainda com maior evidência, a necessidade da formação continuada para os professores unidocentes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que ministram aulas de história. Destacamos que os professores reconhecem a importância e contribuição da disciplina na formação humana e científica daqueles que iniciam sua vida escolar, mas sentem dificuldades na seleção de conteúdos e no domínio de conhecimentos que, possivelmente estão na esfera da formação específica do graduado em história. Os professores citam a falta de material e buscam nos livros didáticos a maior sustentação para seus trabalhos, mas com a incorporação de novas temáticas nem sempre contempladas nos textos tradicionais, como a história das mulheres, das crianças, da cultura e identidade local, por exemplo, sentem certa tensão. Esta realidade precisa ser discutida, analisada e, conforme Barca (2005, p.23) tratar a formação de professores como responsabilidade compartilhada.

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Mesmo que os professores verbalizem seus anseios de formação em subsídios para melhor abordar temas como a história do Estado ou do Município, os paradigmas apontam para algo ainda mais substancial como a formação da consciência histórica e aprendizagem de sua construção, ou seja, aprender a pensar historicamente. No decurso do movimento de repensar o ensino de história acena-se para resignificar sua função e a ação dos seus sujeitos. Assim, diante da responsabilidade compartilhada entre a pedagogia, história e a estrutura que deve ser oferecida por secretarias e instituições onde se concentram os professores dos Anos Iniciais, é imprescindível interação e objetividade para que a formação continuada seja o alicerce de quem inicia nossos pequenos na aventura de desvendar o mundo. É nessa circunstância que os professores acreditam ser possível acompanhar e participar das discussões acerca do ensino de História. Referências

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ABUD, K. Combates pelo ensino de história. In: ARIAS NETO, J. M. (Org). Dez anos de pesquisas em ensino de História: VI encontro nacional de pesquisadores de ensino de História. Londrina: AtritoArt, 2005. p. 50-55. BARCA, I. Educação histórica: uma nova área de investigação. Rev da Faculdade de Letras - História. Porto, III série, vol 2, 2001, p. 013 – 021 BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. CAINELLI, M. R. O que se ensina e o que se aprende em história. In: OLIVEIRA, M.M.D. (coord). História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010. Coleção Explorando o ensino, vol-21. FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexos e aprendizados. Campinas: Papirus, 2006.. ______. A história na Educação Básica: conteúdos, abordagens e metodologias. In: Anais do I Seminário Nacional: Currículo em Movimento - perspectivas atuais. Belo Horizonte, novembro de 2010. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view= article&id=16110&Itemid=936> Acesso em 15 mai 14 OLIVEIRA, S. R. F. O ensino de História nas séries iniciais: cruzando as fronteiras entre a História e a Pedagogia. In: História

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& Ensino: Revista do Laboratório de Ensino de História da UEL. V. 9. Londrina: EDUEL. 2003. p. 259-272 ______. A progressão do conhecimento histórico na escola. In:FONSECA, S.G.: GATTI JUNIOR, D. Perspectivas do ensino de história: ensino, cidadania e consciência histórica. Uberlândia: EDUFU, 2011. p. 57-66. RICCI, C. S. O ensino de história nos primeiros anos de escolarização: saberes e fazeres. In: FONSECA, S.G.: GATTI JUNIOR, D. Perspectivas do ensino de história: ensino, cidadania e consciência histórica. Uberlândia: EDUFU, 2011. p. 33-43 RÜSEN, Jorn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência Histórica. Editora Universidade de Brasília, 2001. SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. VASCONCELLOS, M. M. M. Ensino de História: concepção e prática no ensino médio. In: BERBEL, N. A. N. Metodologia da problematização: fundamentos e aplicações. Londrina: EDUEL, 1998. p. 75-115. ZAMBONI, E. Digressões sobre a educação e o ensino de história no século XXI. História e Ensino. Londrina, v.11, p. 07-22, jul. 2005.

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RPG, OS PROCESSOS COGNITIVOS E A COMPLEXIDADE: METODOLOGIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA Sara Schneider de Bittencourt Alexandre Silva da Silva

Introdução Desde os primórdios das atividades Humana, passando pelos filósofos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau, as reflexões promovidas tendo como base a compreensão do "ambiente", do Ator Social humano e das relações sistêmicas presente entre os mesmos se fazem constantes no processo ensino/aprendizagem. Tendo como elementos base de tal processo a percepção e a experimentação, pois a mesma propícia uma relação de compreensão sistêmica funcional valorada que pode ser utilizada na construção da práxis. Pois como apresenta Morin:

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As noções de práxis, trabalho, transformação, produção não são unicamente interdependentes na organização que as comporta: transformam-se também umas nas outras e produzem-se mutuamente, visto que a práxis produz transformações, que produzem actuações, seres físicos, movimento. (Morin, 1997, p152) Neste contexto o RPG apresenta-se como metodologia de abordagem pertinente na resolução da demanda ensino/aprendizagem, pois tem seu fundamentos baseados em linhas de interação relacionadas por uma narrativa de convergência, onde tal, ao mesmo tempo em que constrói o caminho a ser "trilhado" pelo jogador, constrói também suas ações, ocorrendo de maneira dialética e "vibrante". Pois cada um dos jogadores deve criar seu personagem, o qual dispõe de características especificas, complexas e interdependentes. O Jogo é composto também pela figura do Narrador/Mestre (Mediador) o qual desenvolve a função de mediar as relações dos jogadores no ambiente da narrativa, propiciando as informações estruturais ricas em detalhes para os mesmos. O que em 2008 é apresentado por Schmit, o qual evidencia a relevância que as interações do RPG, promove por: Ser uma contação de histórias interativa, quantificada, episódica e participatória, com uma quantificação dos

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atributos, habilidades e características das personagens onde existem regras para determinar a resolução das interações espontâneas das personagens. Além disso a história é definida pelo resultado das ações das personagens e as personagens dos jogadores são as protagonistas. (SCHMIT, 2008, p, 48) Dispondo de cinco classificações fundamentais, o Live-Action, aventuras solo, RPG eletrônico solo, Massive multiplayer online Role Playing Game, mais conhecido como MMORPG e o RPG de mesa, este jogo interativo pode adequar-se as mais variadas simulações. Dentre as quais o "RPG de mesa" será o sistema referenciado neste trabalho, objetivando a possível compreensão e interação do aluno com a História, mais especificamente o "período Medieval", onde o jogo desenvolve a função de uma "ferramenta" mediadora no processo de aprendizagem. Buscando propiciar ao discente uma possibilidade de compreender a história através de uma abordagem lúdica, completamente interativa, por meio de uma imersão o mais profunda possível proveniente das práxis resolutivas das demandas que se apresentam no decorrer da narrativa (jogo), por assimilação. Pois como apresenta Piaget: Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio entre assimilação e acomodação, enquanto a imitação prolonga última por si mesma, poder-se-á dizer, inversamente, que o jogo é essencialmente assimilar, ou assimilação predominando sobre a acomodação. (PIAGET, 1994, p, 115). Estando estes processos presentes com características diferenciadas nas várias fases da vida do ator social, promovendo as mais variadas possibilidades de interação como apresenta Piaget: Quando interrogamos crianças de diferentes idades sobre os principais fenômenos que as interessam espontaneamente, obtemos respostas bem diferentes segundo o nível dos sujeitos interrogados. Nos pequenos, encontramos todas as espécies de concepções, cuja importância diminui consideravelmente com a idade: as coisas são dotadas de vida e de intencionalidade, são capazes de movimentos próprios, e estes movimentos destinam-se, ao mesmo tempo, a assegurar a harmonia do mundo e servir ao homem. Nos grandes, não encontramos nada mais que representações

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da ordem da causalidade adulta, salvo alguns traços dos estágios anteriores. Entre os dois, de 8 a 11 anos mais ou menos, encontramos, pelo contrário, várias formas de explicações intermediárias entre o animismo artificialista dos menores e o mecanismo dos maiores; é o caso particular de um dinamismo bastante sistemático, do qual várias manifestações lembram a física de Aristóteles, e que prolonga a física da criança enquanto prepara as ligações mais racionais. (PIAGET, 1982, p, 173)

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Sendo assim, se objetivamos um adulto reflexivo que disponha de múltiplas "ferramentas" que possibilitem a resolução de um numero de demandas cada vez mais complexas, devemos possibilitar que "respostas bem diferentes" não sejam substituídas por uma formatação sociocultural que perpetua simplesmente o Poder de elites minoritárias em uma relação de exploração da maioria em uma sistêmica não sustentável. Neste contexto, uma possibilidade para tal se apresenta na utilização de um dos mais conhecidos sistemas de jogo do RPG de mesa que é o Sistema D20. Sistema que tem como seu mais conhecido representante o Dungeons and Dragons (D&D) (Schick, 1991, p.19), lançado em 1974. O D&D trabalha com uma composição básica de 6 modelos de poliedros, ou seja, figuras geométricas formadas por vértices, arestas e faces, são os dados de RPG, chama-se esse sistema de D20 (dado de 20 faces, sendo os mais utilizados os D4, D6, D8, D10, D12 e D20, o 'D' correspondendo a palavra 'dado' e o número correspondendo a quantia de faces que ele tem, sendo assim, por exemplo o D4 é um Dado de 4 faces). Onde a utilização de um dado de 20 lados possibilita uma escala mais ampla numericamente, que quando relacionada aos demais dados, traduz um número de possibilidades elevadas que controlam as ações do jogador, com isso buscando uma representação cada vez mais próxima do "real". É através do lance de dados, e tendo como quesito necessário as fichas de personagens que são montadas antes de qualquer partida, com características já pré-definidas pelos livros de regras, como os dois livros básicos usados para esse jogo, que são "O Livro do Jogador", onde encontra-se todas as regras de jogo e de criação de personagem, forma de jogar, materiais e roupas para utilizar e "O Livro do Mestre", que é utilizado pelo narrador da história, que será decidida se determinada jogada irá ou não ser bem sucedida, ou seja, não dependendo apenas da intenção do jogador, mas também

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do "rolar de dados" e regras do jogo. Como é um jogo de mesa, além dos dados, consta-se também a ficha de cada personagem, incluindo formas físicas, conhecimentos, ofícios (o que ele faz de acordo com a época medieval, se é um ferreiro, um rei, um camponês, um guerreiro, etc), e sua história será montada por cada jogador individualmente e de acordo com sua posição na aventura. A relação de possibilidades que se apresenta constitui atividade que possibilita múltiplas interações do discente com "autonomia" de reflexão/ação, propiciando um número elevado de processos cognitivos por meio das interações com as demandas. Outro aspecto essencial para o jogo de RPG é o narrador/mestre. É ele quem guia(media), ou seja, narra toda a história do jogo, desde o processo de ambientação de cada jogador, quanto toda a fantástica e detalhada descrição de cada cena ao longo da aventura, sendo assim, a responsabilidade de montar, estruturar e organizar o ambiente do RPG é desse indivíduo. Pode-se, portanto, confiar tal papel ao professor, no momento em que o jogo está a ser introduzido em ambiente educacional, e partindo do pressuposto de que é ele, o professor é o mediador do conhecimento, o qual busca partilhar com os dissentes de forma dialética, por meio de uma "Realidade Virtual". Todo esse universo pode utilizar como lugar de partida para a compreensão das mais variadas práxis, qualquer localização geoespacial e temporal. A possibilidade de uma maior interação e compreensão da História através de tal processo lúdico pode fazer com que o indivíduo necessite de uma gama maior de leitura e entendimento de regras, além é claro de lhe ser essencial o estudo de inúmeros quesitos voltados a períodos específicos da História Humana, presente. Por exemplo, nas práxis medievais, não apenas para que a compressão do ambiente de jogo torne-se mais eficiente, como também para que cada personagem torne suas características únicas e impares a cada jogador. Percebe-se que ao trabalhar esses exercícios, muitas características acabam por tomarem "corpo" durante o processo, desde a leitura, a escrita, a pesquisa aprofundada e a extrema criatividade e imaginação, quanto as peculiares informações contidas em determinada estrutura de tempo, a compreensão mais complexa da sociedade da época até mesmo as formas de domínio e obediência, além de estratégias. Dessa forma propiciando inúmeras relações resolutivas para as demandas apresentadas, o que pode possibilitar o desenvolvimento da velocidade relativa para a resolução de demandas (raciocínio rápido) e até mesmo trabalhar com a compreensão de certas regras cotidianas de ética e moral, já

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que os jogadores estarão o tempo todo interagindo uns com os outros em situações diversas, mantendo assim um convívio social mais profundo. Pois o dissente, ao se sentir fazendo parte de tal ambiente, pode adquirir um processo reflexivo mais claro de tempo histórico que está inserido, de uma maneira que apenas as leituras "conservadoras e convencionais" das bibliografias propostas em sala de aula poderiam não suprir.

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No Brasil o MEC tem incentivado a utilização do RPG no ensino em sala de aula para distintas situações, como incentivo à linguística, leitura, história e até mesmo geografia e química, pode-se encontrar no perfil do professor, no site do próprio MEC, alguns dos modelos de aula que tem surtido efeitos ao longo dos anos desde 2008. Ocorrem também no Brasil Simpósios de Educação e RPG, o primeiro deles foi em 2002 na cidade de São Paulo, com o título "I Simpósio de RPG & Educação - Palavra: Transformação e Conhecimento", realizada pela LUDUS CULTURALIS (Associação civil sem fins lucrativos/Organização não Governamental, fundada na cidade de São Paulo em julho de 2002, que tem como intenção promover qualidade educacional por meios lúdicos), com apoio de Devir Livraria (Também é a editora dos mais famosos livros de RPG, como todas as linhas de Dungeons and Dragons - D&D), da Terra média (É a loja oficial da Devir e é especializada na venda de RPGs, card games, jogos de tabuleiros e histórias em quadrinhos.), APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e SINPEEM (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), e o último evento organizado no Brasil, também sediado em São Paulo foi "IV Simpósio de RPG & Educação - RPG: educação, entretenimento ou violência?" em 2006. O Brasil é o país que está na vanguarda das discussões a respeito do uso do RPG atrelado à educação. Desta forma compreendemos que, tem sido de vital importância estabelecer e retomar distintas formas educacionais de apropriação do saber, podendo ter na ludicidade um dos elementos chave para o processo de reflexão e de maior absorção cognitiva dos atores sociais, por meio das experimentações. Pois mesmo sendo como demonstrada uma metodologia que potencializa as capacidades cognitivas dos discentes, ainda hoje, mesmo com todo o contexto tecnológico contemporâneo de múltiplas interações, a implementação de metodologias não formais de ensino/aprendizagem, mais especificamente o RPG, mesmo dispondo de algumas colaborações como as apresentadas, ainda

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compreende um implementações.

número

razoavelmente

pequeno

de

Referências MORIN, Edgar. O método 1. A natureza da Natureza. 3.ed. Trad. Maria Gabriela de Bragança. Portugal: Publicações EuropaAmérica Ltda, 1997. PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon L. 2. ed. São Paulo: Summus, 1994. _____. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982 SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: Alguns Apontamentos Teóricos. Londrina: 2008. Referências Digitais: http://www.rpgeduc.com/old/congressos.htm http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscaGeral.html?q=rpg http://loja.devir.com.br/anais-do-1-simposio-rpg-educac-o.html

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A ALIMENTAÇÃO NA IDADE MÉDIA E SUA ABORDAGEM EM PAINÉIS INTERATIVOS Suellen Cristina Rodrigues de Lima

Introdução

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No século XX a escrita da História passou por um processo de mudanças significativas, que consequentemente, atingiu a historiografia medievalista. Esse contexto de renovação permitiu a revisão de inúmeras concepções anacrônicas relegadas à Idade Média no âmbito historiográfico até então. Os historiadores buscavam analisá-la sob a égide de um olhar equilibrado, que visava compreender, e não julgar sua realidade peculiar. As produções decorrentes dessa nova postura proporcionaram a historiografia medievalista mais respeito e atenção tanto do meio acadêmico, quanto da sociedade em geral. No Brasil, o interesse pela Idade Média se tornou mais acentuado a partir da década de 1980, principalmente através “da crescente compreensão da importância que teve o período medieval na formação da sociedade ocidental” (FRANCO JÚNIOR, 2004, p. 7). Novas perspectivas para o ensino de História Apesar dessa visível mudança positiva quanto ao que se pensava sobre o período medieval, ainda se perpetua por meio dos professores e dos livros didáticos um modelo ultrapassado de observação do medievo, centrado na análise evolucionista e linear da história. Os motivos que acentuam essa perpetuação de conceitos anacrônicos durante a aula de História são inúmeros, entretanto, gostaria de centrar a discussão na dificuldade presente nas escolas em introduzir novas formas de discussão dos conteúdos dessa disciplina com os discentes, tendência intensificada pela produção acadêmica insuficiente direcionada à pesquisa na área do ensino de História para a Educação Básica. Apesar disso, os profissionais da educação escolar estão buscando recursos diferenciados para suprir essa carência e provocar o interesse dos alunos pelo aprendizado. De acordo com Paranhos: Parcelas expressivas de profissionais, instigados pela necessidade de produzir novas pontes de comunicação com os alunos, passam a refletir criticamente sobre suas

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práticas educativas. Mais do que isso, como que tateando outros caminhos, tentam incorporar ao arsenal de recursos utilizados em classe outras linguagens para além das habituais (PARANHOS, 1996, p.8). Em uma realidade de carência metodológica, tanto os professores em formação quanto àqueles que pretendem alcançar a pósgraduação podem e devem contribuir efetivamente para a mudança do quadro, através da proposição de abordagens diferenciadas dos conteúdos já utilizados e conhecidos pela maioria dos alunos, bem como, de temas ainda pouco explorados na disciplina, no que diz respeito à análise do contexto medieval. Principalmente, quando se percebe a dificuldade em chamar a atenção do aluno para a temática da Idade Média, um período histórico distante do tempo em que vivem. Fator que seria amenizado se os alunos fossem sensibilizados para o conhecimento de que seu presente é profundamente marcado pela herança cultural medieval. Analisando as problemáticas existentes no cotidiano escolar somos levados a refletir sobre o conhecimento produzido em sala de aula, e sua possibilidade de gerar uma conscientização histórica capaz de transpor os limites da escola, para uma utilização efetiva no presente dos discentes. Mediante esse olhar, o presente trabalho apresenta uma proposta de metodologia para a abordagem da Idade Média através do tema da alimentação, cujo debate será feito através de painéis interativos, que objetivam explicitar a realidade do medievo através das práticas alimentares como reflexo sociocultural no devir histórico. Serão utilizadas imagens como ponto de partida para a análise do período, as iconografias serão representadas através de cenários da mesa medieval, que demonstrarão os alimentos característicos de cada classe social e seus significados diante da sociedade. Um tema pouco explorado, que tem a vantagem em chamar a atenção do aluno por ser uma realidade comum em suas vidas. O ensino escolar utiliza-se constantemente da palavra escrita como forma predominante de linguagem, contudo, esse modelo de comunicação bastante comum em nossa época, não deve ser tomado como medida para todo e qualquer período histórico. Exatamente, porque durante a Idade Média a maioria da população era analfabeta, comunicando-se, predominantemente, através do recurso oral e gestual, mas também do visual, devido a isso, a imagética tornou-se ponto forte de comunicação entre os medievos.

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O conhecimento dessa característica presente na Idade Média é primordial para nos ajudar a compreender seu cotidiano. Principalmente, quando percebemos que as inúmeras obras do período são repletas de sinais e códigos que não são meramente ilustrativos, mas, demonstram sim, parte da dinâmica real que constituía o universo do medievo. Característica que permite ao professor reavaliar o uso das imagens nos materiais didáticos para além de um suporte secundário, podendo ser usado como fonte principal de discussão nas aulas, para isso elas devem ser bem interpretadas, a partir de um olhar que consiga ver além do que está na superfície da imagem. Segundo Paiva: A iconografia é tomada agora como registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas (...). São registros com os quais os historiadores e os professores de História devem estabelecer um diálogo contínuo. É preciso saber indagá-los e deles escutar as respostas (PAIVA, 2006, p.17).

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A principal intenção ao fazer uso da iconografia no processo pedagógico revela-se quando o aluno percebe que existem outras formas de comunicação, que não a escrita, tão comum em seu cotidiano. Painéis Interativos O trabalho em questão vem trazer a possibilidade de usar essas imagens de maneira que o aluno interaja diretamente com o objeto de seu conhecimento, com vias a tornar o aprendizado um processo mais prazeroso, que em sua dinâmica consiga se fazer um método expressivo, no qual o aluno seja levado a sair do comodismo habitual, apenas recebendo informações, mas, impelido a pensar e refletir criticamente sobre o que está aprendendo. Como já dito, a proposição é interativa, pois, os alimentos presentes nas diversas mesas do medievo não estarão apenas representados nas obras visuais, mas, impressos em separado para que o aluno se familiarize com cada um deles com maior facilidade. Após a aula expositiva-dialogada sobre a temática, o professor apresentará os painéis, que são dois, um contemplando o banquete da nobreza e outro a refeição dos servos, exatamente, por serem as classes mais representativas e divergentes nessa sociedade. A turma se dividirá

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em dois grupos, sendo que cada um ficará responsável por um painel. Com a figura dos alimentos, em separado, os discentes terão o desafio de pregá-los nos painéis correspondentes a sua utilização pelas camadas sociais retratadas nos cenários. Esta dinâmica assemelha-se a que é empregada nos flanelógrafos, muito utilizados na educação infantil, mas, a diferença básica é que a ideia em questão foi adaptada para as turmas de 7º ano, momento em que os alunos têm a Idade Média como conteúdo do currículo de História. A prática cotidiana da alimentação na Idade Média representa cada classe social. A qualidade dos alimentos ingeridos pela sociedade representava um sinal exterior de prestígio, portanto, quanto menos qualidade um indivíduo tivesse, menos qualidade seu alimento teria, essa prerrogativa levou a criação de estereótipos alimentares bem determinados, em cada produto estava evidenciado sua identificação social. De acordo com Montanari (2006, p. 42-44), a nobreza alimentava-se basicamente de carne, que podia ser de animais domésticos, de caça (em pequena quantidade), de aves, de peixes de água doce ou salgada, podendo ser consumido fresco ou seco, conforme a região. Cujo preparo era predominantemente assado, sendo recheados ou cobertos com molhos feitos com a adição das especiarias, que por serem muito caras eram utilizadas constantemente, com o propósito de ostentar o luxo e a riqueza da aristocracia, em sua mesa, o pão e as saladas funcionavam como acompanhamento para os pratos de carne. Os camponeses por sua vez tinham uma alimentação baseada na ingestão de cereais, feitos sob a forma de papas e mingaus, mas, sobretudo de pão, aproximadamente meio quilo por dia, às vezes acompanhado de verduras e legumes que cultivavam com suas próprias mãos. Em suas pequenas propriedades, dificilmente criavam animais de grande porte, quando existiam eram utilizados para o transporte, podendo ter apenas algumas ovelhas, para se extrair leite e queijo, assim como galinhas e porcos, consumidos somente em ocasiões especiais ou no inverno. Quando se alimentavam de carne, à preparavam normalmente cozida, esta forma de preparo era tipicamente popular, por se utilizar o suco da própria carne.

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Conforme Montanari (2006, p. 45) cada classe deveria seguir o regime alimentar de acordo com seu grupo, pois, transgredindo as regras estabelecidas, poderiam causar enormes danos a si próprios. O rico por ter estômago delicado, habituado a fina alimentação, não seria capaz de ingerir alimentos pesados, da mesma maneira para os camponeses, estes não conseguiriam se adaptar aos pratos nobres da aristocracia. As iconografias abaixo representam alguns traços da alimentação no período medieval, que podem ser mais bem compreendida através da análise criteriosa das imagens. Banquete da Nobreza: O envenenamento de um príncipe à mesa. Em uma sala suntuosa, forrada de seda, o príncipe está isolado sobre um estrado, sozinho e sentado sob um dossel: símbolos de sua dignidade. Servem-lhe maior quantidade de aves e em um prato maior que o de qualquer outro conviva: outro sinal de seu poder.

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Imagem 1: História do grande Alexandre, séc. XV (Paris. Petit Palais, col. Dutuit). Acesso em: 10/12/2015 Refeição Camponesa: Poucas pessoas estão sentadas à mesa camponesa. A mulher prepara a ricota em um imenso caldeirão em forma de sino. O vinho tinto e o pão estão sobre a mesa. Um cincho lembra o queijo. Vaso de estanho, colher de madeira e concha de ferro são utensílios de cozinha e de mesa prováveis nesse contexto. Os pequenos cães dos castelos senhoriais são substituídos, aqui, pelo enorme mastim branco e preto, guardião do lar. (Foto BNF).

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Imagem 2: Tacuinum sanitatis. Sul da Alemanha, séc. XV, segundo um manuscrito italiano do séc. XIV (Paris, BNF, ms latim 9333, f° 60). Acesso em: 10/12/2015 Mediante a breve apresentação dessas peculiaridades medievais, fica mais fácil compreender que a alimentação vai além da função nutricional, possuindo função social, pois, o alimento é representativo da pessoa que o consome, e o comer, repleto de significados e subjetividade. Essa ideia permite dizer que é uma atividade cultural e, portanto, capaz de refletir a identidade de um povo. Na sociedade medieval essas características são bem acentuadas, se mostrando uma ótima oportunidade para fazer um paralelo entre essas singularidades e o tempo presente, e a vida contemporânea dos discentes. Para que eles entendam que as iconografias produzidas em outros tempos são, evidentemente, frutos de uma mente artística que busca produzir uma obra relevante, mas, também de sujeitos históricos conscientes de seu tempo, de seu povo, de sua identidade, sendo capaz de reproduzi-la com verossimilhança, um ato que possui uma profunda carga ideológica. Todo o conteúdo expresso nesta comunicação foi produzido com a intenção de que, após uma possível explanação da ideia aqui apresentada, o aluno tenha se sensibilizado em ter aprendido algo que nunca se interessou em saber, pois, sempre achou que tinha e sabia o necessário, no que tange, ao ato de comer. Que nossos jovens sejam desejosos em possuir mais que o senso comum, e que o ensino de História possa contribuir efetivamente com esse propósito.

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Bibliografia FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média, nascimento do ocidente. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. 205 p. MONTANARI, Massimo. “Alimentação”. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. (orgs). Dicionário temático do ocidente medieval. vol. I. Bauru - SP: Edusc, 2006. PAIVA, Eduardo França. História e Imagens - 2 ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2006. PARANHOS, Adalberto. Saber e prazer: a música como recurso didático-pedagógico. In FRANCO, Aléxia Pádua (org). Álbum musical para o ensino de história e geografia no 1º grau. Uberlândia. Escola de Educação Básica/Universidade Federal de Uberlândia, 1996. PEREIRA, Nilton Mullet. Ensino de História, Medievalismo e Etnocentrismo. Historiae, Rio Grande, 3 (3): 223-238, 2012.

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REFLEXOS DA DITADURA MILITAR NO ENSINO DE HISTÓRIA Thaísa Caroline Falcão

O ensino de história na ditadura militar A ditadura militar foi o período compreendido entre 1964 a 1985, em que os militares governaram o país, através de um golpe de estado. Esse golpe deu-se em 31 de março de 1964. Esse momento da história brasileira, foi caracterizado pelo autoritarismo, censura perseguições, torturas e prisões. O país foi governado por cinco presidentes militares, eleitos de forma indireta pelo Congresso Nacional e com poderes praticamente ilimitados. Nesse sentido, a ditadura significou para a história do país duras transformações marcadas pela luta e resistência. Para legitimação do governo era necessário mudar a ideologia vigente do país. Tornavam-se então, necessários instrumentos de doutrinação. Nesse sentido a educação, por meio da escola funcionaria como uma grande agência de doutrinação. Visando isso, no período em que os militares estavam no poder a educação brasileira passou por duas reformas. Em 1968 nas universidades, e em 1971 no ensino básico. Onde por exemplo, foram criadas disciplinas como OSPB (Organização Social e Política do Brasil) e Educação Moral e Cívica. No que refere-se ao ensino de história, a disciplina passou por grandes mudanças que estão ligadas à uma série de medidas tomadas durante o regime militar. O ensino de História passaria por medidas restritivas, tanto no âmbito da formação como também na atuação dos professores. Os programas curriculares seriam reorganizados no sentido de exercer controle ideológico e eliminar as possibilidades de resistência ao regime autoritário. (BERTOLLETI, V. A; COELHO, J. P. P; COELHO, M, P., 2009) Dentro desse quadro de mudanças, na educação superior, através da Lei 5692/71, foi estabelecido o funcionamento e organização dos cursos de licenciatura curta. No contexto, passou-se a exigir uma graduação rápida para atender a uma maior demanda de professores. Essa formação curta de profissionais,

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consequentemente resultaria em educadores menos qualificados, autônomos e críticos. Na onda das licenciaturas curtas, instaurou-se o curso de Estudos Sociais, que formava professores “habilitados” na área de ciências humanas no tempo de um ano e meio. Essa intervenção pode ser constada particularmente em dois aspectos: na desqualificação dos professores, sobretudo na área de Ciências Humanas, e na reorientação dada as disciplinas afins – a História em particular – desde a diminuição de suas cargas horárias até a redefinição de seus conteúdos. No primeiro caso, a intervenção deu-se através da implantação das licenciaturas curtas, com o intuito de atender as carências do mercado, bem como a fusão da História e da Geografia, com a criação de cursos de Estudos Sociais. A criação dos cursos de Estudos Sociais, por sua vez, ocasionou um empobrecimento da qualidade, formando professores pouco aparelhados teoricamente, tanto em história, quanto em geografia (CERRI, 2003, p. 40).

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Foi instaurada em 1971, a disciplina denominada Estudos Sociais, na qual abordava-se História e Geografia juntas. Essas disciplinas somem de cena no currículo escolar, nesse período, e tornam-se integrantes dos Estudos Sociais. Quanto a forma de ensino, era baseada nos livros didáticos. Esses, eram livros controlados pelo Estado, e que davam uma ênfase muito forte na cordialidade, na perspectiva de atender aos ditames do Estado. Tais livros didáticos passavam pelas mãos dos militares e precisavam de um “selo” de aprovação para circular nas escolas. Dos livros aos conteúdos e objetivos a se alcançar, tudo passava pelas mãos do regime militar. Os professores passaram a ser dependentes do material didático. Nos livros didáticos de História, agora Estudos Sociais, houve a diminuição dos conteúdos, por um historiografia focada na história econômica em detrimento da história social. A criação dos “Guias Curriculares”, teve como objetivo nortear o professor em sua prática cotidiana, pois no “Verdão” o professor encontraria a sua disposição, uma listagem dos conteúdos que “deveriam” ser trabalhados em cada série, além dos objetivos propostos para cada assunto, uma vez que a junção de História e Geografia em “Estudos Sociais” provocou entre os professores um total descompasso quanto a forma de ensinar e o que ensinar, já que

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a mistura entre os conteúdos foi muito grande. (PLAZZA; PRIORI, 2008) Não só na História, ou a Geografia, agora englobadas nos Estudos Sociais, mas o ensino como um todo estava a serviço do governo em vigor, sua organização de ensino servia primordialmente para legitimar a ideologia do regime militar. Não havia a necessidade nesse contexto de formar alunos críticos e autônomos no conhecimento, mas sim, meros subalternos do Estado. Passou-se a ensinar História como “apêndice” dos Estudos Sociais. A disciplina dividia espaço com o ensino de Geografia, OSPB, Sociologia, Antropologia e, ainda o Ensino Religioso e Educação Moral e Cívica. Ocorrendo, uma total descaracterização das especificidades que caracterizam as Ciências Humanas (HILSDORF, 2003). Reflexos da ditadura militar no ensino de história: A Escola sem Partido Em 1985, após a anistia e o fim da censura aos meios de comunicação, com um governo enfraquecido e o apelo da sociedade através do movimento Diretas Já, a ditadura militar chegou ao fim. Porém, seus efeitos ainda refletem em nossa sociedade. Hoje, 52 anos após o golpe, observa-se que na educação, no que tange especialmente a disciplina de História, ideias presentes no regime militar ainda se fazem presente. Trata-se de uma ONG criada em 2004, chamada Escola sem Partido, uma iniciativa que procura combater a “contaminação político-ideológica” na educação em escolas, colégios e universidades brasileiras. Segundo Miguel Nagib, coordenador da associação informal: A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo. Essa organização basicamente, conta com pais, alunos e educadores que simpatizam com suas ideias. No site da Escola sem Partido, estão claros os objetivos a que o movimento se propõe:

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Lutamos: pela descontaminação e desmonopolização política e ideológica das escolas; pelo respeito à integridade intelectual e moral dos estudantes; pelo respeito ao direito dos pais de dar aos seus filhos a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; Esses objetivos estão organizados em contraposição a temas transversais como política, discussões de gênero, orientação sexual, ética, trabalho e consumo, etc. Segundo o movimento, esses temas não deveriam ser tratados em sala de aula, pois, trazem por parte do professor, um teor de doutrinação e “assédio ideológico”. Além do professor, o livro didático também deveria ser investigado, pois, constitui marcas da perspectiva adotada pelo professor em suas aulas. Portanto os livros didáticos e paradidáticos deveriam passar por uma análise sobre o caráter ideológico e moral que possuem.

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Em março de 2015, foi apresentado pelo deputado Izalci (PSDB/DF), o Projeto de Lei nº 867/2015 que propõe a inclusão do Projeto Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional. Com isso, objetiva-se que o ensino não “discipline” o aluno a determinada orientação política ou conduta moral. Além desse projeto de lei, outros cinco entraram em pauta em busca da “neutralidade” na educação. Analisando o projeto, percebe-se um discurso muito próximo ao que vivenciou-se na educação nos Anos de Chumbo. No qual o professor não tinha o direito de liberdade de expressão no exercício da prática docente. Em que não tinha-se a preocupação em despertar a criticidade nos alunos, uma formação de cidadão crítico. O uso do livro didático também era controlado pelo Estado, desde a sua escolha. Observa-se, após 52 anos de ditadura militar, a intenção de retirar da disciplina de História sua identidade. E questão do porquê de se ensinar História nessas condições. Considerações finais A educação brasileira já passou por várias transformações, da ditadura militar a atualidade. Em meio às transformações o professor continua sendo desvalorizado profissionalmente, com salários baixos e condições precárias de estrutura para desenvolver seu ofício.

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Com a Escola sem Partido e os projetos de lei em pauta, pretende-se tirar do docente o que foi conquistado há 30 anos atrás, no final da ditadura militar, o direito da liberdade de expressão. Trata-se de um retrocesso. Em que o conhecimento passa a ser transmitido de maneira “neutra” e não construído com reflexões entre professor e aluno. Além disso, o que é proposto é um ensino descontextualizado da realidade, uma vez que não poderia tratar-se de temas em voga na sociedade. Realmente parece que não é só em protestos que vemos o desejo da volta da ditadura, esse desejo parece mais vivo em ser implantado em nossas escolas. Contudo, vivemos em uma sociedade democrática, e diferente de anos atrás, os professores já mobilizaram-se contra as leis que os colocam no papel de “alienadores”. Como traz Paulo Freire (1987) “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Portanto, a educação e dentro dela, especialmente, a História não pode perder novamente sua identidade de ensinar de forma emancipatória, tudo à todos. Sem amarras. Referências ARAUJO, Maria Paula; SANTOS, Desirree dos Santos; SILVA, Izabel Pimentel. Ditadura militar e democracia no Brasil: história, imagem e testemunho. 1. ed. – Rio de Janeiro: Ponteio, 2013. BERTOLETTI, Vanessa Alves; COELHO, João Paulo Pereira; COELHO, Marcos Pereira. Uma análise histórica do ensino de história no Brasil: regime militar (1968-1972) e conservadorismo pedagógico. IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, 2009. CERRI, Luis Fernando (Org.). O ensino de História e a ditadura militar. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação brasileira. São Paulo: Thomson, 2003. NAGIB, Miguel. Escola sem Partido. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/>. Acesso em 12 de fevereiro de 2016. PLAZZA, Rosimary; PRIORI, Angelo. O ensino de história durante a ditadura militar. Disponível em: . Acesso em 25 de janeiro de 2016.

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SILVA, Rebecca Carolline Moraes. O ensino de história e o período da ditadura militar: apontamentos e leituras acerca desta temática por professores de história. VII Congresso Internacional de História, 2015.

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DESMISTIFICANDO O ISLÃ EM SALA DE AULA: O ISLAMISMO PELA ÓTICA DO HUMANISMO Thays Bieberbach

Para promovermos um diálogo sincero entre civilizações, é fundamental que o Oriente seja parte ativa no debate, não apenas objeto de estudo [...]. Um diálogo reflexivo e preciso com o Islã ajudaria a encontrar soluções justas e práticas para alguns dos graves problemas que atingem o mundo atualmente. (FARAH, 2001, p. 02)

O ano de 2015 fez com que o Islamismo, voltasse a ser notícia no mundo todo, devido ao preconceito em volta dele e as notícias frequentes da "crise dos refugiados árabes" e o medo instaurado em diversas nações, achando que aqueles que buscavam um novo começo longe da guerra, estavam levando o terrorismo para seus países. Vivemos em uma época em que ser diferente é motivo para não ser aceito na sociedade, e ser responsabilizado por atos de violência contra si. As diferentes realidades sociais e culturais passaram a se interagir com o passar dos anos, ela não foi feita de uma forma única, o hibridismo cultural esteve e está presente na vida de quem mais precisa de assistencialismo, essa relação de poder de uma cultura sob a outra, nega justamente aqueles indivíduos que resistem a ela e essa resistência é que pode gerar um debate e uma nova forma de compreender o mundo, enxergando o mundo por um outro ângulo, o daqueles que são oprimidos. Todos nós temos uma cultura particular, estamos inseridos em uma maior, mas a individual é construída e reconstruída o tempo todo, somos influenciados e influenciamos o todo, nos adaptamos ao ambiente. Não se encaixar no que a maioria acredita, nas normas de postura, de controle, como devemos pensar, agir, falar, faz com sejamos excluídos. Temos o direito de escolher onde nos encaixamos melhor na cultura e precisamos ser respeitados por isso, a comunidade deve garantir esse direito e o respeito, combatendo o preconceito muitas vezes dentro da própria comunidade, resumir a identidade de alguém a algo muito pequeno, é o mesmo que desmanchá-las, não levando em conta as suas particularidades.

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Jorn Rusen (2015), fala da necessidade do humanismo na sociedade, onde compreendemos as mudanças no mundo e entendemos as diferentes culturas e as suas diversidades e particularidades, diferentes formas de vida com diferentes condições são obrigadas a se adaptarem a elas mesmas.

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Isso diz respeito à responsabilidade histórica com os compromissos que podem levar o homem a se tornar humano, no processo de luta pelo reconhecimento da dignidade do outro. Compromisso que não se refere somente em manter as conquistas humanistas já realizadas, mas democratizá-las para aqueles que, desde séculos, ainda sofrem como vítimas de processos desumanizadores e etnocêntricos. A necessidade de aprender experiência históricas de sofrimento que apresentem o outro como constituidor do "nós", possibilita força para lutar pelos direitos à igualdade e dignidade humanas. É fundamental que se encontre, na relação intersubjetiva entre o eu e o outro na Didática da História, o "rosto da humanidade". (Fronza, Schmitd, 2015 p. 9) Temos que cumprir com competência o ensino de História, na disciplina de didática da história e como a aprendizagem histórica deverá ser organizada nas instituições. Para isso precisamos da consciência histórica, entender o passado, compreender o presente e esperar o futuro. Isso serve de orientação para o futuro, uma vez que os estudantes tem que dominar seu futuro quando forem adultos cidadãos. A cultura é um conjunto de experiências humanas e são por meio delas que a humanidade se manifesta, buscar a interação com os alunos na sala de aula, partir do ambiente e de coisas conhecidas por eles, torna o ensino de história algo mais palpável para quem até então, não se reconhecia na história. A troca de conhecimentos entre professor e aluno, as trocas de experiências, enriquecem o debate, todos trazem conhecimentos acumulados socialmente e quando tem a oportunidade de falar sobre eles, há uma mistura com o conhecimento escolar, relacionar a vida prática dos alunos com a educação, faz que a escola deixe de ser uma obrigação. O ensino no Brasil, exclui regiões, etnias, sexualidade, classes, gênero.

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O que significa a história da humanidade? À primeira vista, isso soa muito abstrato e incapaz de preencher qualquer currículo viável para os ensino e aprendizado históricos, Mas essa impressão é enganosa. Não defendo uma história completamente nova, ao invés disso, meu apelo é apenas voltado para uma nova forma e uma nova dimensão da velha e familiar história. (Rüsen, 2015 p. 32) A ideia é que o ensino passe a encarar o rosto da humanidade. Os estudantes tem que compreender o que significa ser humano, trazendo a tona o conhecimento social que eles possuem. Atualmente no Brasil, os debates para a Base Nacional Comum, vem demonstrando uma preocupação com debates voltados as realidades sociais, que de voz as minorias e que as instituições comecem a se preocupar com esses temas, pois é através deles que a educação brasileira pode ser mudada. A maioria das escolas da Europa, América, e aqui no Brasil, não dedicam uma aula ao islã. Quando o presidente George W. Bush deu o rosto árabe e islâmico ao terrorismo, os muçulmanos são retratados como seres irracionais que precisam ser domesticados e podem ser facilmente exterminados. O extremismo não é exclusividade de muçulmanos, envolvem também cristãos, judeus, hindus e budistas. Precisamos mostrar que o processo de aprendizagem é intenso e o sofrimento vivido pela humanidade necessita de um novo humanismo, o qual segundo Rusen (2015) o ser humano é mais e melhor do que o 'ser atualmente tal ou qual pessoa'. Por que estudarmos o islamismo? Por que não conhecemos como funciona a religião e quais os países que ela abrange? Por que não pensamos no processo histórico que essas populações sofreram e que hoje se transformou no caos e no fechamento de portões para a entrada deles em novos países? Porque fechamos as portas da esperança? Entender o islã tanto como civilização e religião, compreender os pilares e os profetas, o alcorão, o hadith, compreender os interesses econômicos de grandes países no continente africano e asiáticos, e as revoltas e guerras civis que surgiram em sua maioria financiadas pelas grandes potências mundiais, compreender o processo de colonização e descolonização das colônias, as ditaduras e a busca da liberdade pela população. Não compreender que somos parte da

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exclusão e de todo o sofrimento que acontece no continente africano e asiático é negar a história, não reconhecer no outro o ser humano, faz com que cada vez mais portões sejam fechados, o hibridismo cultural não é fácil, é por ele que repreendemos e julgamos o que é bom ou ruim. Analisar o islã a partir de elementos em comum com o ocidente e pela ótica da colonização e descolonização, para que os alunos entendam como a situação chegou ao ponto que está e é propagada pelos noticiários, é uma boa iniciativa para dar inicio a aula. União da Vitória é uma cidade que tem um grande número de descendentes árabes, turcos e que praticam o islamismo, buscamos os alunos que já estudaram com colegas muçulmanos e de que maneira eles interagiam.

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Quando o islã entra no currículo da escola, é tratado pela ótica da expansão do islã e sobre o profeta Maomé, as questões que fazem os alunos e os demais terem uma ideia errônea sobre essa civilização e religião, não são esclarecido, quando falam sobre o alcorão, falam apenas que ele é o livro sagrado, mas não apresentam "O Alcorão e a guerra", mostrando que eles não santificam a guerra, que para eles a guerra é uma autodefesa, mas condenam a agressão e o assassinato, no trecho “E combatei, pela causa de Deus, os que vos combatem. Mas não sejais os primeiros a agredir. Deus não ama os agressores” (Surata 2, versículo 190), como em outras religiões, grupos extremistas, fazem suas próprias interpretações de “autodefesa” para justificar o uso da violência. Não apresentam as explorações que os países africanos e asiáticos sofreram nos séculos XVI até o século XX e as consequências disso tudo. Quando essas questões são deixadas de lado e é trabalhado o mais superficial o possível com o tema, preconceitos e a desumanização do outro surgem. Apresentar o processo de colonização e de descolonização no continente africano, as revoltas, a exploração, as ditaduras, entramos em um dilema: como os países que mais deveriam lutar pela paz no mundo, são os que mais lucram com as guerras? Como esses mesmos países que investem nos grupos terroristas e financiam as guerras civis, não permitem que pessoas fujam para os seus países atrás de uma coisa: a esperança. Esse foi um dos temas que trabalhamos ao longo do estágio e foi a que mais provocou indignação e questionamentos entre os alunos.

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A aprendizagem vária de acordo com o conteúdo, ela não tem um caminho e um fim, não existe um manual de como desenvolver a consciência histórica nos alunos. Mas a experiência que tivemos ao abordar o islamismo pelo humanismo foi bem satisfatória. O humanismo afirma a igualdade de todos os seres humanos e que essa igualdade pode sim levar a equidade e justiça em um mundo cheio de injustiças e desigualdades, sejam elas sociais, políticas, econômicas, culturais. Referências FARAH, P. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001 RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Editora W. A. Curitiba, 2015.

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CONCEPÇÕES DE REPÚBLICA E CIDADANIA NA ROMA ANTIGA E NA SOCIEDADE ATUAL: ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS CONTEMPORÂNEOS Vinícius Augusto do Prado Furtado Luís Ernesto Barnabé

Introdução

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Em busca de uma compreensão melhor sobre como o mundo antigo é retratado nos livros didáticos atuais, como ponto norteador, procuramos nesta pesquisa que está em andamento identificar e comparar conceitos da República romana, da participação popular, da cidadania e do direito. O ponto de partida para essa pesquisa vem das considerações de Norberto Guarinello (2014), que procura explicar a História Antiga e a memória social, "Desde o século XIX, a "ocidentalização de nossa História e de nossa memória foi um projeto consciente do Estado brasileiro e de nossas elites" (GUARINELLO, 2013 p. 7). E entender como está sendo retratado o período da Roma Antiga é de necessidade por, muitas vezes ser a formadora de pensamentos eurocêntricos, "sem nos darmos conta, para o bem e para o mal, a História Antiga nos ocidentaliza" Guarinello (2013, p.13), assim podendo cair no anacronismo ou em uma história tradicional. Mas o porquê fazer uma pesquisa de analise os livros didáticos? Eles são responsáveis por inúmeros fatores para a busca na qual estamos fazendo, eles acabam sendo artefatos culturais complexos, são responsáveis por auxiliar na transmissão de conhecimento, e "se considerarmos a quem se destinam os livros didáticos (professores, alunos e indiretamente pais), a influência de valores da sociedade atual, muito arraigados na população torna-se relevante" (BARNABÉ, 2014 p. 217) "Trata-se de ruptura com as máximas da pedagogia humanista ilustrada de formar homens, mas que não significa um abandono dos estudos da Antiguidade. Ao contrário, esta está mais viva ainda, principalmente pela busca desenfreada dos Estados nacionais europeus pela herança clássica..." (BARNABÉ, 2014 p. 221/122)

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Um ponto que vem sendo discutido sobre os livros didáticos é a influência que ele recebe em seu processo de construção, há muitos meios que interferem na escrita deste, as editoras, o estado, a sociedade, o autor, seu público e a cultura Os livros didáticos de História não são escritos apenas a partir da, mas na cultura e, por seguinte, no conflito, pois o cultural e o social são indissociáveis e é inerente ao ensino de História uma conectividade intensa às demandas sociais, as quais reflete e refrata ao mesmo tempo (MORENO, 2014, p. 55,) As opiniões que surgem, implicam na escrita livro didático, algum órgão pode vetar o "novo" conteúdo que apareceria nele, uma vez que o livro didático é um produto. Para efetuar a transformação de um material didático no produto de maior consumo da cultura escolar, os editores associaram-se ao Estado, engendrando atuações conjuntas em suas formas de circulação. Estabeleceramse entre ambos tramas, por intermédio das quais o livro didático disseminou-se no quotidiano escolar, transformando-se no principal instrumento do professor na transmissão do saber. (BITTENCOURT, 2008, p.78) Os produtores (Autor, Estado, editora, sociedade) podem não querer passar uma nova forma de abordagem que está no livro por um desconhecimento que pode estar ligado a em linhagens tradicionais, na formação mais antiga, uma vez que estaria diferente ou contraditório ao que ele conhece, a visão tradicional ainda está embutida na sociedade Concepções tradicionais permanecem, em termos de conteúdo e concepção histórica nos livros didáticos, alimentadas por forças intrínsecas às disputas dentro do campo, as quais nem sempre requerem o que poderíamos chamar de capital simbólico acadêmico, em detrimento de outros "capitais" que, por exemplo, protegem uma editora ante a um fracasso editorial. (BARNABÉ, 2014 p. 227) As pesquisas feitas e o conteúdo exposto nas universidades são em grande maioria diferentes dos passados para as escolas de educação fundamental. Alguns autores ou editoras às vezes optam por manter

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um sistema tradicional para que se tenha a venda certa e que estejam nas escolas. "A meta das editoras é sempre ter um produto de circulação nacional tornando mais favorável a equação entre o custo de produção e o tamanho do mercado" (MORENO, 2014, p.247).

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Neste sentido, também é importante salientar que os livros didáticos sofreram significativas transformações nos anos de 1990 em decorrência tanto das inovações tecnológicas quanto das reformas curriculares pelo mundo todo. Especificamente no caso brasileiro, recentemente redemocratizado, como a atuação do Estado brasileiro através dos princípios de universalização do Ensino, da inclusão de etnias e minorias presentes na constituição de 1988, na LDB de 1996, nos PCNs de 1997 e no PNLD. Além da universalização, o teor destes documentos oficiais comprova a tendência de revisão formal e de conteúdos em diversas disciplinas. De maneira geral, democracia, cidadania e o mundo do trabalho ganham destaque. O PCN História (2001, p.46) afirma que uma das intenções que os conteúdos expressam é "favorecer o conhecimento de diversas sociedades historicamente constituídas, por meio de estudos que considerem múltiplas temporalidades". A abordagem de Roma nos livros didáticos Serão analisados neste momento doze livros aprovados pelo PNLD 2014, destinados ao 6º ano do Ensino Fundamental: [Livros | Título | Autor (es) | Editora] 1.Jornada.hist | Maria Luísa Vaz; Silvia Panazzo | Saraiva 2.Saber e fazer História | Gilberto Cotrim; Jaime Rodrigues | Saraiva 3.Leituras da História | Oldimar Cardoso | Escala Educacional 4.Por Dentro da História | Pedro Santiago; Célia Serqueira; Maria Aparecida Pontes | Escala Educacional 5.Encontros com a História | Vanise Ribeiro; Carla Anastásia | Positivo 6.História Sociedade & Cidadania ed. Reformulada | Alfredo Boulos Júnior | FTD 7.Projeto Araribá | Maria Raquel Apolinário | Moderna 8.Projeto Radix | Cláudio Vicentino | Scipione 9.Perspectiva História | Renato Mocellin; Rosiane de Camargo | Brasil 10.Projeto Teláris | Gislaine Azevedo; Reginaldo Seriacopi | Ática 11.Coleção Link | Denise Mattos Mariano; Léo Stampacchio | IBEP

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Os livros didáticos têm similaridades comuns, mas outros optam por diferentes abordagens, temas principais e secundários, o objetivo é identificar estes pontos dos livros da tabela 1. A análise feita nos livros didáticos tem como objetivo identificar as relações estabelecidas pelos autores entre Roma e a atualidade brasileira: republica, direito e cidadania. No decorrer da identificação do material, foi possível observar pequenos fatores similares ou diferentes, um exemplo seria a similaridade dos livros na abordagem do significado de "a coisa pública" em Jornadas.hist , Saber e fazer História), Encontros com a História, Projeto Radix, Leituras da História, Perspectiva História. Em outro caso temos a Coleção Link, com ordem temática, alguns abordam em um capitulo especifico o Império e após falam sobre a cultura romana, são eles: Por dentro da História, História, Sociedade e Cultura. O livro Projeto Araribá traz a cultura e sociedade antes do império. Leituras da História aborda com um capítulo exclusivo o cristianismo e opta por não falar da sociedade em seu cotidiano. Alguns até optam por fazer o diferente, como o caso do livro Projeto Teláris ele encurta a abordagem tradicional das três fases políticas para se ater a aspectos do funcionamento da sociedade romana, o autor prefere buscar na sociedade e nas obras arquitetônicas explicar como era o funcionamento de Roma, ao explicar por exemplo como era o templo dos deuses ele direciona o leitor a ver como a população se portava nos templos, suas crenças, etc. Considerações finais Ainda é cedo para fazer conclusões, pois o projeto está em andamento. Dentre alguns pontos que foram notados até agora, é que há uma quantidade menor da tradição de narrativa de feitos políticos que os livros didáticos costumavam apresentar. Por exemplo, destacaríamos a citação de Plutarco acerca de Tibério Graco, somente encontrada em um exemplar (Perspectiva História). A busca por conhecimento e entendimento do passado muitas vezes nos remete a coincidências com o tempo atual, para não cair em um erro grotesco, colocamos a princípio que as sociedades não são cópias ou tem uma herança e sim que as pessoas da atualidade buscam no passado meios para adaptar e modifica-los para montar

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uma sociedade mais completa e melhor, a pesquisa sobre a Roma Antiga feita nos livros didáticos, tem por "pensar sobre a História antiga é uma maneira de pensarmos o repensarmos nosso lugar em um mundo de rápidas transformações" GUARINELLO, 2013 p. 8) Referências

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Livros didáticos ANASTASIA, Carla. RIBEIRO, Vanise. Encontros com a História. Curitiba: Positivo, 2012. APOLINÁRIO, Maria Raquel. Projeto Araribá: História. São Paulo: Moderna, 2012. AZEVEDO, Gislane. SERIACOPI, Reinaldo. Projeto Teláris: História São Paulo: Ática, 2012. BOULOS, Alfredo Júnior. História sociedade e cidadania. São Paulo: FTD, 2012. CARDOSO, Oldimar. Leitura da História. São Paulo: Escala educacional, 2012. COTRIM, Gilberto. RODRIGUES, Jaime. Saber e fazer História, 2012. DE CAMARGO, Rosiane. MOCELLIN, Renato. Perspectiva história. São Paulo: Editora do Brasil, 2012. MARINO, Denise. STAMPACCHIO, Léo. Coleção Link: História. São Paulo: IBEP, 2012 PANAZZO, Silvia. VAZ, Maria Luísa. Jornadas. hist. São Paulo: Saraiva, 2012. SANTIAGO, Pedro. CERQUEIRA, Célia. PONTES, Maria Aparecida. Por dentro da história. São Paulo: Escala Educacional, 2012. VICENTINO, Claudio. Projeto Radix: história. São Paulo: Scipione, 2012. Referências bibliográficas BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e saber escolar (1810-1910) Belo Horizonte: Autêntica, 2008. GUARINELLO, Noberto Luiz. História antiga. São Paulo: Contexto, 2013. MORENO, Jean Carlos. Quem Somos Nós. Apropriações e Representações sobre a (s) Identidade (s) Brasileira (s) em Livros didáticos de História (1971-2001). Jundiaí: Paco Editorial, 2014 BARNABÉ, Luís Ernesto. De olho no presente: História Antiga e livros didáticos no século XXI DOI 10. 5216/o. v14i2. 30829. OPSIS, v. 14, n. 2, p. 114-132, 2014.

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O OFÍCIO DO HISTORIADOR, O ENSINO DE HISTÓRIA E AS SUAS FERRAMENTAS Vitor Angelo Cardozo Frasca

A história do homem sempre esteve ligada ao choque e troca de culturas, intercâmbio de experiências. Cada civilização diferente da outra, quanto à linguagem, as técnicas, habilidades e costumes, tornando possível o surgimento de novas interpretações e o nascer de novos olhares. Um grande ponto a ser enfatizado é que a história foi, é e sempre será construída de forma rica e de forma sumariamente importante através das diferenças. A atualidade está "neblinada" pelos padrões considerados, onde os humanos parecem iguais e "condenados" a ter que viver de forma equivalente e contemplando a vida numa "cela", parafraseando a canção interpretada por Zé Ramalho intitulada, Admirável Gado Novo, isso parece caótico e, sobretudo medíocre, diante da capacidade do que o homem é capaz de pensar e produzir. Para entendermos um pouco melhor, pedimos ajuda a Adorno e Horkheimer que dizem: As coisas chegaram ao ponto em que a mentira soa como verdade e a verdade como mentira. Cada declaração, cada notícia, cada pensamento está preformado pelos centros da indústria cultural. O que não traz a marca familiar dessa preformação está, de antemão, destituído de credibilidade (...) (ADORNO, 1993, p. 94). Percebemos assim que os meios de comunicação de massa atuam como uma venda nos olhos do povo, tendo como exemplo, a letra de Televisão, canção interpretada pelos Titãs, "A televisão me deixou burro, muito burro demais (...) agora todas coisas que eu penso, me parecem iguais (...)". O conteúdo, que é selecionado pelos meios de comunicação, não é de qualidade construtiva ou não apresentam substancialmente uma forma de estruturar ideais de melhoria e evolução na forma de pensar, pois não se trata de sua conveniência, e sim uma defesa de seus interesses restritos e longe dos domínios da massa, concomitantemente com o pensar de Cohen (1963, p. 13) "Na maior parte do tempo, [a imprensa] pode não ter êxito em dizer aos leitores

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como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar" Assim, como o historiador, o professor de história deve se ater às imensuráveis realidades adquiridas com o tempo pela sociedade. Compreender o "mundo" de seu discente na forma de entender o seu comportamento e estar disposto a um "embate" sadio em sala de aula, uma vez que hoje, a tecnologia está a favor de todos e abastece o ser humano de qualquer quantidade e conteúdo. Nesse ponto verificamos a funcionalidade do professor. O filtro, a análise e as conclusões dialéticas, aquelas passíveis do surgimento de novas ideias, trarão luz e promoverão o discernimento dos fatos e o que acontece na realidade.

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Nesse ponto, podemos ressaltar que, para entender esse processo se faz necessário, o querer, o desprendimento, do que é ilusão ou do que é imposto como verdade, assim como no mito da caverna de Platão, mesmo que lhe apontem o que seria como verdade, como luz, é preciso querer direcionar os olhos para outro horizonte, uma paisagem de novas expectativas, impressões e experiências. Para tal, também é conveniente, que o ser aprenda que lhe permitido o benefício de escolher o que se quer, assim como nos enfatiza Jean Paul Sartre, "o homem está condenado a ser livre" ou "(...) somos nós mesmos que escolhemos nosso ser". O grande desafio da história e da filosofia circunda nos terrenos à margem da conformação humana, como uma fuga daquela percepção automatizada quase sempre já pré-disposta que nos mergulha na obviedade das coisas, dos fatos e das pessoas que os produzem, esse efeito nos faz estagnar nas áreas do desenvolvimento crítico e do verdadeiro conhecimento. A busca por novas respostas deve ser incessante, a curiosidade deve ser combustível para a alimentação de novos horizontes, com a íris renovada a cada ângulo que se apresenta como novo. Consideramos duas ferramentas para auxiliar o ensino de História e Filosofia em sala de aula: uso da imagem e da música. Durante certo período, os amantes e os envolvidos questionavam a História e os seus colaboradores essenciais, os historiadores, sobre as diferentes formas como ela se apresenta às pessoas. O que deve ser compreendido é que circunda a ideia de que a história não se transforma, mas sim que ela, sofre acréscimos de visão, tornando algo acessível e que estava oculto sobre determinado recorte

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histórico. Devemos também considerar que todos os fatos necessitam de análise por parte de quem os verifica, quanto à sua intencionalidade, objetivo de produção e a imparcialidade que corresponde à importância de sua fonte. Sabemos que imagens são produzidas, construídas e propagadas, como menciona Burke (2004. pg.94): Muitos heróis menores são celebrados com estátuas em locais públicos, de tal forma que um censo da população de estátuas de determinada cidade como Londres ou Paris, observado o balanço entre generais, políticos, poetas e outros tipos sociais, pode revelar algo de importância a respeito da cultura política local (mediado, certamente, pelos comitês que encomendaram as estátuas aos escultores). Percebida esta prática, cabe a quem observa as imagens, enxergar os reais motivos pelos quais foram feitas, os porquês e as razões de efetivação da importância de tal imagem. "O quanto a interpretação dessa imagem será significante para o prosseguimento deste estudo?". "Qual o sentido de cada imagem e como esta pode tornarse uma evidência histórica?". "O que torna tão preponderante no que consiste em reconhecermos o que houve no passado?". Utilizando-se das imagens para tentá-lo "montá-lo como um quebra-cabeça", de forma a ilustrar o que às vezes uma fonte textual por mais detalhista que se verifique, não alcance tais níveis de reprodução. Os historiadores devem ter como ferramentas, análises que proporcionem evidência, mas para isso é necessário o desenvolvimento de métodos de trabalho baseado nas criticas das fontes. O fato é que, as imagens têm o seu espaço dentro da cadeia de fontes históricas a serem analisadas, assim, tal qual a importância equivalente aos textos literários e também aos testemunhos orais. Sintetizando, as imagens são feitas para comunicar e trazem consigo a possibilidade de "remontar" o passado para que possamos melhor compreendê-lo e, desta forma, torna-lo visível o que aparentemente parece não existir. Pensando que a história transforma seus olhares e sua forma de construção e não descarta o que já fora construído, realiza uma aproximação cada vez maior com o cotidiano, uma história "vista em seu primeiro estágio" da base social, rechaçando a importância da vida das pessoas que aparentemente parecem ser comuns. Aqui se

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encontram o valor das fotografias como grande ferramenta de evidência histórica. Sendo assim, todas as imagens que compõem determinado fato histórico podem transmitir uma gama diferenciada de conceitos e ideias, porque o que de fato determina a sua importância é o olhar do historiador, qual ângulo não aparente que pode trazer a luz do conhecimento sobre o que era desconhecido, o que é somente mera suposição e que de fato acontece em cada ilustração, imagem, gravura ou semelhante fonte histórica. Sobre o monumento histórico da Estátua da Liberdade criada pelo francês Frédéric Auguste Bartholdi, nos Estados Unidos em Nova York em 1886, Burke (2004. pg.78) afirma:

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As correntes quebradas às seus pés, um atributo tradicional de Liberdade, revelam sua identidade, ao passo que a luz na mão refere-se à concepção original do escultor de "Liberdade iluminando o mundo". A mensagem política da estátua se torna explícita para aqueles que conseguem lê-la, pela tabuleta que ela segura, onde se lê "4 de Julho de 1776". Quaisquer que tenham sido as ideias do escultor francês, os indícios iconográficos levam a conclusão de que a Revolução Americana está sendo publicamente sendo celebrada, antes que a Francesa." Na vertente política, verificamos as formas como são retratados os diferentes tipos de regimes que existem: os regimes comunista e socialista priorizam pelas imagens e preferem idealizar enfoques relacionados à defesa do trabalho, utilizando até de recursos físicos, como os próprios trabalhadores. Podemos dizer que o regime capitalista se apropria da imagem de avanço e evolução baseado na capacidade de produção e consumo. Ambas, mesclando sempre a necessidade, como a de produzir cada vez mais em menos tempo e, consequentemente, criar a dependência de consumo nas pessoas, como se esta fosse uma das atividades fisiológicas do ser humano. Quando nos deparamos, por exemplo, com o conceito do Anarquismo, é hábito ver as pessoas equivocadamente produzirem uma imagem de que esse trata um tipo de regime político que represente a desorganização coletiva, uma verdadeira "bagunça

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social", quando na verdade o que esse tipo de regime apresenta é uma proposta de um cooperativismo devidamente organizado, sem presença do Estado e ampla liberdade religiosa, pensando sempre na sua eficácia e no equilíbrio entre todas as partes que o compõem. Ao me propor em realizar algo diferente nas aulas de história, arrisquei-me utilizando a música, como ferramenta para despertar o interesse, que em muitos é inexistente em nossa disciplina, tive preferência em entrar munido de um instrumento não muito utilizado em aulas comuns, afinal aquela aula tinha como objetividade, não ser uma aula normal, justificar a importância do tempo e da história no cotidiano das pessoas e de sua sociedade. O violão serviu-me como ferramenta para exemplificar o tempo, remontando os pensamentos de Santo Agostinho. O tema da aula: o tempo. Para Agostinho, a única forma de verificarmos a existência do tempo seria através da análise do tempo presente, presente na alma, dividido em três partes: Mas o que agora parece claro e manifesto é que nem o futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se: há três tempos: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempos existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança. (AGOSTINHO, 1964, XI, 20, 1) Ao iniciar uma das canções, percebi que até mesmo os discentes, que preferem a "companhia" do celular, interromperam sua rotina para ouvir e despender de sua atenção ao explicar o que estava ocorrendo: as três passagens do tempo, propostas por Santo Agostinho, a percepção, sendo o momento de reflexão sobre a atividade, a expectativa de todos em saber qual música estava sendo executada e a memória se construindo uma vez que a aula estava por seu final. Uma vez alcançado o objetivo, a dinâmica da aula também foi direcionada a outras turmas. Referências bibliográficas ADORNO, T.W., HORKHEIMER, M. Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In Dialética do esclarecimento 2.ed. Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1986.

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COHEN, Bernanrd. The Press and Foreign Policy. Princeton, NJ: Princeton University Press. 1963. SARTRE, Jean-Paul. L'Éxistentialisme est un Humanisme. Paris: Nagel, 1946. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. Revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru: Educs, 2004. AGOSTINHO, Santo. As confissões. Trad. Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: Edameris, 1964.

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A UTILIZAÇÃO DE QUADRINHOS NO ENSINO MÉDIO: O APRENDIZADO DE CONCEITOS Weber Abrahão Júnior

O texto que se segue é uma sugestão de plano de aula a ser utilizado no Segundo Ano do Ensino Médio, como resultado de produção de material didático para conclusão parcial de disciplina do Mestrado Profissional em História, que estou cursando na Universidade Federal de Goiás, Regional Catalão. O tema escolhido foi Introdução às Revoluções Burguesas: o que é Revolução? Isso porque o conceito de Revolução é recorrente nas Ciências em geral, e nas Ciências Humanas em particular, e especificamente na ciência histórica e em sua expressão didática, como disciplina escolar. É um conceito essencial para a compreensão dos processos históricos nas diferentes condições de mudança social, principalmente a partir do estudo da Revolução Francesa como marco da contemporaneidade. Em Marx, nas Teses sobre Feuerbach, encontramos o enunciado seminal para a compreensão da dinâmica social como transformação revolucionária: XI. Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo. A utilização de quadrinhos como recurso didático para a compreensão de conceitos essenciais e de suas implicações para o estudo da História é sobremaneira conhecida atualmente. Desse modo, o aprendizado de conceitos gerais e introdutórios através dos quadrinhos, permite ao aluno lidar de forma dinâmica com o tema, situando-se no tempo. Para Lee e Ashby (2000), quadrinhos são relatos e evidências para apreensão de ideias de segunda ordem: como os jovens compreendem o passado? Nesse sentido, a compreensão do passado presta-se para o situar-se no presente, conforme Rüsen (2010) Se o papel da ciência histórica é sustentar sua autoridade enquanto ciência, no debate político como saber irrenunciável e essencial para as decisões políticas, o pensamento histórico em dimensão didática deve ser compreendido em um triplo sentido: a) orientação para o agir intencional; b)

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constituição de uma identidade (para dentro); c) levar à uma práxis (para fora). Desse modo, a questão central da didática (compreendida como o aprendizado do pensamento histórico) é: como o pensamento histórico pode realizar isso na prática? Porque o aprendizado está muito além da escola, como forma elementar da vida e modo fundamental da cultura. O que a ciência histórica possibilita é uma formação acadêmica. No planejamento da atividade, foram produzidas por mim três pranchas de quadrinhos (em anexo), a serem utilizadas como suporte de leitura e compreensão do conceito de Revolução no contexto do tema Introdução às Revoluções Burguesas. O recurso tecnológico para a veiculação da atividade é a apresentação de slides (em anexo). Desse modo, a tarefa inicial dos alunos será analisar detidamente os desenhos, a partir de orientações e sugestões fornecidas pelo professor. A proposta de desenvolvimento da atividade é de dois dias, sendo um para a exposição orientada dos desenhos, e outra para a elaboração das atividades dos alunos.

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O objetivo principal da atividade é levar os alunos a compreensão das possíveis variações em torno da construção do conceito de revolução, compreendendo inclusive sua elaboração no tempo histórico. Além disso, permitir a eles a comparação entre o conceito, suas dimensões sociológica e filosófica, bem como algumas de suas manifestações históricas. Permitir ainda aos alunos a possibilidade do diálogo entre o texto didático tradicional e a linguagem dos quadrinhos. E, enfim, possibilitar aos alunos o acesso à percepção e compreensão de imagens através da leitura orientada dos quadrinhos. A elaboração da atividade temática como proposta, em torno do conceito de Revolução é recorrente no ensino de História, mormente no Ensino Médio. Ele aparece nos diferentes processos de mudança social, principalmente a partir da Revolução Francesa. Desse modo, o aprendizado de conceitos gerais e introdutórios, utilizando-se os quadrinhos, permite ao aluno lidar de forma dinâmica com o tema, situando-o no tempo. A primeira prancha anuncia o tema geral. Uma guilhotina se projeta em um horizonte árido. Em seguida, a palavra “revolução” em letras diferentes, com grafia distinta e uso do preto e branco. É preciso atentar para as distintas possibilidades de interpretação. No último nível, um diálogo entre um “Guy Fawkes” e Che Guevara: diferentes

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ilhas, distintas revoluções? Qual o sentido de revolução para os dois personagens históricos? A segunda prancha aprofunda e localiza o tema, apresentando a guilhotina como extensão de uma árvore frondosa e arrancada pelas raízes, e uma síntese do sentido mais contemporâneo de revolução, vinculado à Revolução Francesa: “Mudança intensa! Profunda e concentrada!” o desenho conduz o olhar para uma cabeça rolando, no contexto da “solução final” jacobina. É Robespierre, que exclama: “Radical!”. A terceira e última prancha traz três sequências de três tirinhas cada, como nas pranchas da seção de quadrinhos dos jornais impressos. Aqui, após anunciar o tema e as possibilidades de interpretação do conceito de revolução, passamos à avaliação de três processos revolucionários distintos, a partir de marcos cronológicos bem definidos: A Revolução Francesa, mãe e modelo das revoluções contemporâneas, em seus primórdios (1789), e as jornadas populares; a Revolução Russa e sua troika original, e as disputas de poder e de sentido ao próprio processo revolucionário e suas implicações sociais e políticas (1911; 1924; 1929); A Revolução Cubana e o “paredão” (1959). É de se observar ainda a cor de fundo dos slides, como elaborados: são as cores da bandeira francesa, que reportam a uma série de outras referências trípticas: liberdade, igualdade e fraternidade, por exemplo, instigando os alunos a outros níveis e possibilidades de leitura e compreensão dos textos e símbolos revolucionários. O fecho da atividade consiste em avaliação, como sugerido a seguir: 1) Dividir os alunos em equipes e escolher com a turma os assuntos de maior interesse em relação ao tema Revolução. Distribuir as temáticas entre os alunos para pesquisa e apresentação em pequenos seminários. 2) Para finalizar o trabalho, cada grupo deverá escrever sua interpretação a respeito das sequências desenhadas, e posteriormente apresentá-las para a turma, em forma de seminário.

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ANEXO – AS PRANCHAS

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Prancha 1

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Prancha 2

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Prancha 3

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Referências FRONZA, Marcelo. „As histórias em quadrinhos e a educação histórica: uma proposta de investigação sobre as ideias de objetividade histórica dos jovens‟. In: Anais do 3º Seminário de Educação Histórica “Desafios da Aprendizagem na Perspectiva da Educação Histórica. Curitiba:2012, UFPR, p. 59-78. IANNONE, Leila Rentroia; IANNONE, Roberto. O Mundo das Histórias em Quadrinhos. São Paulo, Moderna:1994, 90 p. LEE, Peter; ASHBY, Rosalyn. „Progression in historical understanding among students ages 7-14‟. In: STEARNS, Perter N.; SEIXAS, Peter; WINEBURG, Sam (eds.). Knowin, teaching and learning History: national and international perspectives. New York: New York University Press, 2000, p. 199-222. MARX, Karl. Onze Teses sobre Feuerbach. In: Fundação Lauro Campos. Disponível em http://laurocampos.org.br/2008/03/onzeteses-sobre-feuerbach/. Acesso em 07/01/2016. MENEZES NETO, Geraldo Magella. „Histórias em Quadrinhos no ensino da “Pré-História”: relato de experiência‟. História & Ensino, Londrina, v. 20, n. 1, p. 223-242, jan./jun. 2014. MOYA, Álvaro de. A Reinvenção dos Quadrinhos. Quando o gibi passou de réu a herói. São Paulo:Criativo, 2012, 98 p. NAPOLITANO, Marcos. „A História depois do Papel‟. In: Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 235-290. PINSKY, Carla Bassanesi e LUCA, Tania Regina de. O Historiador e suas Fontes. São Paulo: Contexto, 2013, p. 309-328. RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (org.) Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 4 ed., 2014, 155 p. RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília:UnB, 2010, 1 reimpressão. SANTOS, R. E.; VERGUEIRO, W. Histórias em quadrinhos no processo de aprendizado: da teoria à prática. EccoS, São Paulo, n. 27, p. 81-95. jan./abr. 2012. 2004.

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O ENSINO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA NAS ESCOLAS BÁSICAS DE SANTARÉM-PARÁ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PRODUÇÃO E DO USO DOS LIVROS DIDÁTICOS EM SALA DE AULA Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Este presente trabalho tem como objetivo analisar no contexto do ensino de História da Amazônia, a abordagem de grandes temas da literatura historiográfica brasileira oriundas da região Norte do Brasil - tais como: a Guerra da Cabanagem, o período da borracha, políticas indigenistas, governos ilustrados e populistas, etc. -, a partir da produção e do uso de livros didáticos nas salas de aula das Escolas Básica de Santarém-Pará.

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Tal ponto é fulcral para a concepção de memória e história, onde um povo que não tem memória e a não conserva acaba ficando sem sua própria história ou pelo menos alimentando uma prolixidade em relação a sua etnogênese (MELO 2015, p.234). Partindo desta premissa é que ao longo da pesquisa e análise do fazer pedagógico, verificou-se as dificuldades dos docentes em seu cotidiano escolar em ministrar com clareza e domínio de conteúdo temas de grande relevância na história e formação da sociedade amazônida moderna, bem como na construção da identidade do Nortista, em especial do paraense e amazonense. Apesar de sua significância histórica e cultural, notou-se quão diminuído e lacônico são os temas do período da borracha, indigenismo, escravidão e da Guerra da Cabanagem no contexto do ensino de história da Amazônia em Santarém, seja devido a forma simplória e resumida em que estes temas estão presentes nos livros didáticos, seja pela ignorância dos professores ou falta de sistematização/interpretação dos conteúdos amazônicos, no sentido de relacioná-los com a formação da sociedade e da historiografia brasileira. No entanto, a partir desta conjuntura, faz-se necessário analisar a prática docente em sala de aula, bem como o uso do livro didático pelos professores como aporte teórico e fonte de conhecimento histórico em sala de aula.

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Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 227) afirmam que "para os professores, os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os fundamentos de sua competência, (pois) é através deles que os professores julgam sua formação anterior ou sua formação ao longo da carreira", ou seja, estes profissionais construirão seus aportes teóricos através da sua prática docente, pois é no cotidiano que eles darão conta das temáticas educacionais que lhe são cobradas. Dito isto, convém entendermos que "o fazer história e o ensinar história" não são campos distintos do saber histórico, ambos encontram-se imbricados e não devem se dissociar, antes devem ser semelhantes a ação de " historiadores e poetas que têm como ofício alguma coisa que é parte da vida de todos: destrinchar o entrelaçamento de verdadeiro, falso e fictício que é a trama do nosso estar no mundo" (GINZBURG, 2007, p.14). Ou seja, os professores devem instigar os seus alunos a mergulharem no mundo da leitura historiográfica dos temas amazônicos associando-os a história e formação político-cultural brasileira, pois antes de ser uma história específica e regional da Amazônia, os principais temas da historiografia social da Amazônia pertencem a noção de unidade e nacionalidade da história brasileira primeiramente. Para além das discussões e construções das percepções do ensino de história da Amazônia a partir da verbalização, uma sugestão teóricoprático para os docentes trabalharem com os alunos em sala de aula, é a análise iconográfica dos temas de história da Amazônia presentes nos livros didáticos. Nesse sentido, o pontapé inicial deve partir do professor que deve se apropriar e passar a utilizar fontes imagéticas aprimorando o ensino de história e o aproximando da teoria, possibilitando aos alunos reflexões que desenvolvam seu poder cognitivo de investigação e formulação de teorias. De igual modo deve contribuir para a formação destes discentes como cidadãos críticos e conscientes e, instigando-os a saírem da posição de admiradores de uma imagem e passarem a ler imagens criticamente. Pois, o impacto da imagem na imaginação histórica, segundo Haskell citado em Burke (2004, p. 16), nos leva a pensar como pinturas, estátuas, publicações e assim por diante, nos permitem compartilhar as experiências não verbais ou o conhecimento de culturas passadas e a maneira como estas experiências foram apropriadas.

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Neste universo imagético em constante transformação a questão de como estabelecer elementos de leituras das imagens apresentadas pelos diferentes suportes e meios de comunicação, se torna premente como afirma Molina (2011, p.2082). As significações e repertórios interpretativos são utilizados na leitura da imagem de formas muito variadas, entremeando e sobrepondo as linguagens visuais e verbais. Para Baxandall (2006, p. 01) "[...] nós não explicamos um quadro, explicamos observações sobre um quadro" e, assim, a transposição em linguagem textual auxilia a decifração visual, intercalando as linguagens visual e verbal, pois a descrição não deixa de ser a mediadora da explicação. Nesse aspecto, Melo (2014, p. 143) afirma que "as imagens comunicam mensagens, narram histórias a partir de um lugar, provocando reações diversas e impactando emoções, promovendo sentidos e organizando significados em resposta ao olhar devolvido por aquelas imagens".

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Lembremos, também, que a linguagem visual não é universal. Seus significados obedecem a um sistema de representações que se orientam por convenções educacionais, sociais, culturais, políticas, econômicas, ou seja, históricas, que implicam no exercício estruturado de interpretação e (re)significação, pois "entre a imagem e o que se representa, existe uma série de mediações, que não restituem o real, mas, reconstroem, voluntária ou involuntariamente a apreensão do real", como diz LEITE (1998, p. 41). Segundo Maria Inês Turazzi (2011, p.14), "a prática cotidiana da leitura, interpretação, a análise e utilização de imagens fotográficas no ensino/aprendizagem da História, devem ser entendidas como parte fundamental e inseparável do processo global de desenvolvimento da capacidade física e intelectual do estudante" com vistas à melhoria de seu rendimento escolar e á sua plena integração social. Nesse sentido, longe de ser um receituário em como utilizar tais imagens no ensino de História, apontamos como possibilidade de análise, interpretação e formas de uso de imagens nos livros didáticos em sala de aula, a perspectiva foucaultiana de desconstrucionismo, deslocamento analítico e perceptivo na maturação do processo de produção de tal imagem, a partir da qual o professor deve e pode instigar seu alunado a estabelecer um nível de relações das imagens com outras variáveis epistêmicas, pertencentes ou não ao sistema escriturístico.

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Visto que para Melo (2013, p. 142) "uma imagem sozinha não fala nada, faz-se necessário construir um contexto, um problema, as referências, para posteriormente fazer perguntas e deste modo aprender a lê-las, pois estas imagens são indícios doutos de significados e que arremetem para estruturas de 'micro poderes'". Entretanto existe uma lacuna entre o "querer" e o "fazer história", entre adentrar os meandros dos temas amazônicos - em especial a Cabanagem - e encontrar subsídios didáticos para tal feito. Infelizmente os livros didáticos que são utilizados em sala de aula, em sua maioria são provenientes de autores e escritores de regiões alheias a região Norte. Desse modo acabam por contemplar uma "História Geral do Brasil" caracterizada por resumos históricos regionais e, até mesmo quando os livros são temáticos e divididos por séries, acabam por generalizar e arregimentar um discurso lacônico sobre os principais temas de história regionais. As dificuldades em se trabalhar os temas de História da Amazônia nas escolas básicas de Santarém como já foi mencionado, advém muito da questão dos livros didáticos que ainda hoje são elaborados de uma forma generalizada para o país, não levando em consideração as especificidades e/ou regionalismos. "Sobretudo, marginalizam alguns temas em detrimento de outros, devido seu caráter popular-revolucionário, estabelecendo uma discussão generosa para alguns temas e preconizando o laconismo literário sobre outros" (MELO 2015, p. 237) - neste caso em especial destacamos a Guerra da Cabanagem, a maior revolução popular do Brasil responsável pelo alvorecer da História Moderna Amazônica e, contribuiu na formação da dinâmica sociocultural da região no processo de construção de identidade do amazônida. O caso dos temas de história da Amazônia na maioria das vezes encapsulados nos livros didáticos enquanto História Regional não foge a regra, pois em geral o máximo que se encontra sobre a cabanagem, o período da borracha e a escravidão na Amazônia nos livros didáticos de Santarém são duas laudas - com exceção de alguns professores que no invólucro desta carência bibliográfica produzem materiais didáticos que contemplam uma discussão substancial dos temas históricos amazônicos. Partindo deste víeis, é que afirmamos que o professor não deve ser dependente do livro didático, sua formação acadêmica lhe preparou para todas as inconstâncias que iriam surgir em sua prática docente,

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na medida em que ele foi formado para "aprender a apreender" sobre os arcabouços presentes no processo histórico e historiográfico. Assim o professor pode passar a ser um construtor de conhecimento e produtor de seu material didático contrariando o caráter lacônico e simplista de grande parte dos livros didáticos produzidos de forma generalizada no Brasil. Dessa forma, importa saber que os saberes necessários ao ensino são reelaborados e construídos pelos professores "em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares" (PIMENTA, 1999, p. 29). E nesse confronto, há um processo coletivo de troca de experiências entre seus pares, o que permite que os professores a partir de uma reflexão na prática e sobre a prática, possam constituir seus saberes necessários ao ensino, pois ninguém nasce professor ou sai da universidade professor é, no cotidiano escolar, na prática docente que nos fazemos professor, o que mediante nossa autonomia, instiga-nos a produzir materiais didáticos que facilitem ao aluno compreender em sala de aula, o ensino de história da Amazônia associado e contextualizado a formação da História do Brasil.

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POR UM OUTRO AMANHÃ

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Apontamentos sobre Aprendizagem Histórica

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Uma realização

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