POR UMA CARTOGRAFIA DE CENÁRIOS: AMBIENTE, COMUNIDADE ESCOLAR E PAISAGEM NITERÓI 2003

May 24, 2017 | Autor: A. Lima da Silvei... | Categoria: Cultural Landscapes, Evironmental Education
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL

ALINE LIMA DA SILVEIRA LAGE

POR UMA CARTOGRAFIA DE CENÁRIOS: AMBIENTE, COMUNIDADE ESCOLAR E PAISAGEM

NITERÓI 2003

L 174 Lage, Aline Lima da Silveira Por uma cartografia de cenários: ambiente, comunidade escolar e paisagem/ Aline Lima da Silveira Lage. - Niterói: [s.n.]. 2002 137 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) – Universidade Federal Fluminense. 2002. 1. Meio Ambiente. 2. Educação – Meio Ambiente. I. Título. CDD 574.5

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ALINE LIMA DA SILVEIRA LAGE

POR UMA CARTOGRAFIA DE CENÁRIOS: AMBIENTE, COMUNIDADE ESCOLAR E PAISAGEM

Dissertação Mestrado

apresentada em

Universidade

ao

Ciência

Federal

Curso

Ambiental

Fluminense

de da

como

requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciência Ambiental.

ORIENTAÇÃO: Profª. Tania Guimarães Santa-Rita

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ALINE LIMA DA SILVEIRA LAGE

POR UMA CARTOGRAFIA DE CENÁRIOS: AMBIENTE COMUNIDADE ESCOLAR E PAISAGEM

Dissertação Mestrado

apresentada em

Universidade

ao

Ciência

Federal

Curso

Ambiental

Fluminense

de da

como

requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciência Ambiental.

BANCA EXAMINADORA

Prof.º Cláudio Belmonte de Athayde Bohrer, Dr. Universidade Federal Fluminense - UFF

Prof.ª Rose Mary Latini, Dr.ª UNIVERSO

Profª. Tania Guimarães Santa-Rita, Dr.ª Universidade Federal Fluminense - UFF

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DEDICATÓRIA

A minha Mãe Auxiliadora e aos meus familiares. Aos amigos e colegas da turma 2001 da Pós-graduação, em especial a Tânia Fernandes. Ao meu esposo Daniel de Oliveira Lage.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos companheiros abaixo o apoio que possibilitou a concretização deste trabalho. A todo o corpo docente do PGCA-UFF; A Jorge Luiz de Oliveira Silva; Ao CIEP 448 Ruy Frazão Soares, através das pessoas participantes; A Administração do Parque Estadual da Serra da Tiririca; A Ana Paula de Oliveira Barreto; A Dilma Cupti de Medeiros; A Gilda de Souza Vianna e Vilhena de Carvalho; A Fernando Raye de Aguiar Júnior; A Airam (Maria Aparecida de Sá Xavier) A Afrânio Brenelli; A Isnaldo & família; Ao Prof.º João Baptista Bastos (UFF); A Prof.ª Lucidéa Guimarães Rebello Coutinho; A Prof.ª Sandra Escovedo Selles (UFF); Aos professores que compuseram a banca examinadora: Prof.º Cláudio Belmonte de Athayde Bohrer; Prof.º Júlio César Wasserman; Prof.ª Rose Lantini; E em especial a Tania Guimarães Santa-Rita. Na orientação foram experienciados encontros e desencontros, (trans) disciplinaridades que se forjaram em cada um de nós e no coletivo, todo o tempo; era nosso aprendizado continuado e técnico, em dialética vivenciada passo a passo.

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RESUMO

A presente investigação, de caráter qualitativo, abordou um pequeno segmento da comunidade escolar do CIEP 448 Ruy Frazão Soares com o objetivo de analisar a inserção da paisagem local por essa comunidade ao lidar com a temática ambiental. Para alcançar tal meta realizou-se: i) um breve resgate histórico do processo educacional e do debate acerca do (meio) ambiente; ii) uma cartografia da Paisagem do bairro Engenho do Mato, especificamente o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares (Niterói/RJ), confrontando dados de pesquisa bibliográfica e discursos das entrevistadas; iii) por meio de um roteiro de entrevistas composto por quatro questões ligadas à temática ambiental, avaliou-se a inserção da paisagem local nos discursos da comunidade escolar estudada; iv) e a partir das falas concedidas a este estudo, foram produzidas três categorias (Paradoxo, Protagonismo e Visibilidade) do discurso da comunidade escolar respondente. O método esboçado nesta dissertação utilizou as contribuições da Cartografia como guia metodológico, da Análise do Discurso como norteador teórico e as técnicas da Análise de Conteúdo. Foram realizadas dezoito entrevistas (dezessete com a comunidade escolar e uma com o administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca). Onze questionários foram distribuídos às educadoras, perfazendo um total de 150 respostas/discursos para análise. Observou-se que a comunidade escolar respondente inclui a Paisagem quando reflete acerca das questões que envolvem o meio ambiente e ao faze-lo questiona os métodos de ensino e mesmo a participação dos atores sociais. Esta pesquisa se justifica porque propõe investigar a interface paisagem/comunidade escolar/ambiente e por esboçar um método de pesquisa (cartografia) que pode ser utilizado na educação para o ambiente, sobretudo nas ações iniciais realizadas no contexto da educação formal. Tal método enfoca a relevância do olhar crítico sobre a realidade e a construção de um procedimento que tenha um caráter dinâmico para acompanhar os movimentos/relações produzidos pelos atores na Paisagem.

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ABSTRACT The present inquiry, of qualitative character, assessed a small segment pertaining to the school community of CIEP 448 Ruy Frazão Soares with the aim of analyzing the insertion of the local landscape for that community when dealing with the environmental theme. To reach that goal the following aspects were studied: i) a brief historical description of the educational process and the debate concerning the environment; ii) a cartography of the landscape the Engenho do Mato, specially the Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares (Niterói/RJ), comparing the bibliographical research from the speeches of interviewed individuals; iii) by means of a composed by script of interviews four questions related with the environment, the evaluated insertion of the local landscape in the speeches of the studied school community was evolvoted; iv) from the talks granted to this study, were produced three categories (Paradox, Protagonism and Visibility) of the speech of the school community. Besides the bibliographical research, it was used Speech Analysis as a theoretic guide and the Analysis of Content techniques. Eighteen interviews had been carried out (seventeen with the school community and one with the Parque Estadual da Serra da Tiririca administrator). Eleven questionnaires were distributed to the educators, amounting to a total of 150 answers/speechs for the analysis. It was observed that the respondent pertaining to the school community includes the Landscape when reflecting concerns about the questions that involve the environment and when doing so questions the educational system and even the social actors participation. This research is justified because it seeks to investigate the interface landscape/scholar community/environment and for sketching a research method (cartography) that can be used in the education for the environment, especially in the initial actions carried through the formal education context. Such method focuses the relevance of the critical look on the reality and the construction of a procedure that has also a dynamic character to accompany the movement/relations produced by the actors in the Landscape.

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SUMÁRIO Dedicatória................................................................................................................v Agradecimentos........................................................................................................vi Resumo.....................................................................................................................vii Abstract....................................................................................................................viii INTRODUÇÃO Diário de campo preliminar Objetivos gerais e específicos Método de pesquisa Debates gerais do estudo Formulação do texto dissertativo

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CAPÍTULO UM EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE I - 1 Quadro teórico educacional I - 2 Meio ambiente

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CAPÍTULO DOIS A PAISAGEM DO BAIRRO-ESCOLA CIEP RUY FRAZÃO SOARES II - 1 O conceito de paisagem II - 2 Cenas do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares II – 2.1 A Cena Escolar II – 2.2 A Cena Natural II – 2.3 A Cena Social II – 2.4 A Cena Sociocultural

59 65 65 69 80 86

CAPÍTULO TRÊS A COMUNIDADE ESCOLAR E A PAISAGEM III -1 Método de Análise III – 1.1 Pré-análise III – 1.2 A exploração do material III – 1.3 Procedimentos metodológicos III - 2 Discussão e resultados III – 2.1 O tema lixo na disciplina matemática III – 2.2 A Paisagem do Bairro-Escola III – 2.3 A construção coletiva na relação Paisagem/Comunidade III – 2.4 Visões sobre o ambiente local III – 2.5 Categorias construídas a partir dos discursos da comunidade escolar III - 2.6 Esboço de um método à Educação para o Ambiente

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CONCLUSÕES

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LISTA DE APÊNDICES Apêndice 1 – Carta de Apresentação ao CIEP 448 Ruy Frazão Soares

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Apêndice 2 – Grades de Análise dos Dados

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Foto da Entrada do CIEP 448 Ruy Frazão Soares

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Figura 2 – Foto do Desfile

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Figura 3 – Uso do Solo e Unidades de Conservação de Niterói

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Figura 4 – Hidrografia de Niterói

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Figura 5 – Bairros de Niterói

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Figura 6 – A praça do Bairro-Escola

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Figura 7 – Questionário Complementar

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Abordagens de Educação e Ambiente

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Tabela 2 – Rendimento Médio Mensal dos Chefes de Domicílio de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato

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Tabela 3 – Anos de Estudos dos Chefes de Domicílio de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato

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Tabela 4 – Taxa de Crescimento Anual da População de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato

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Tabela 5 – Traços-Força da Educação para o Ambiente no Ensino Fundamental

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INTRODUÇÃO

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A investigação apresentada neste texto dissertativo foi instigada a partir de uma experiência profissional que envolveu a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Niterói (RJ) e uma escola municipal vizinha ao aterro controlado da cidade. O objetivo de tal ação era apoiar um projeto em educação ambiental que a escola apresentou num encontro coordenado por aquela Secretaria. Problematizando as propostas que foram se inscrevendo na escola, gerou-se um tempo-espaço novo que delineou a questãofundamento deste estudo qualitativo: Como os atores articulam o tema ambiental e a paisagem local? Inicialmente, pretendia-se trabalhar com três unidades escolares da cidade de Niterói (RJ): CIEP Ruy Frazão Soares, no bairro do Engenho do Mato, próxima a serra da Tiririca e ao parque estadual que leva o seu nome; Escola Estadual Fernando Magalhães, adjacente à Baía da Guanabara e à Associação de Marisqueiros de Jurujuba; e a Escola Municipal José de Anchieta, próxima ao Aterro Controlado do Morro do Céu. Contudo, essa alternativa inicial pareceu pretensiosa, inviável ante o tempo disponível para a realização de todas as ações necessárias à pesquisa, principalmente quando a questão da paisagem surgiu de forma contundente nos primeiros resultados obtidos no CIEP. Assim sendo, a pesquisa enfocaria o CIEP 448 Ruy Frazão Soares. Tal escola tinha como segmentos a Educação Infantil e os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental (Classes de Alfabetização e antigas classes de primeira a quarta série). No entanto, no decorrer da pesquisa foi vislumbrada a inclusão de mais duas instituições na pesquisa: o Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET), mais especificamente a administração e a Escola Estadual Fagundes Varela. A primeira pareceu representar um importante ator no espaço e a segunda permitiria a inserção de educadores e alunos de segmentos não presentes no CIEP (últimos ciclos do Ensino Fundamental, antigas classes de quinta à oitava série), além da possibilidade de confrontar as diferentes visões acerca da paisagem e do ambiente de escolas vizinhas,

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remetidas a realidades semelhantes. No Diário de Campo pode-se observar que mesmo essa segunda alternativa não foi concretizada completamente. Para cumprir a apresentação desta dissertação a introdução foi estruturada em alguns momentos. No primeiro apresenta-se o diário de campo buscando localizar a pesquisa por meio da descrição da paisagem segundo o olhar da pesquisadora. A seguir estão descritos os objetivos gerais e específicos. O método de pesquisa está apresentado sinteticamente, segundo os procedimentos adotados. No momento seguinte da introdução são comentados os debates gerais do estudo visando evidenciar a redeconceito construída para dar conta da realidade complexa abordada. Por fim, mostra-se como o texto dissertativo está formulado. Convém salientar que em diversos momentos as notas de final de página foram utilizadas como estratégia para explicitar os termos do discurso produzido neste texto dissertativo.

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DIÁRIO DE CAMPO

A descrição aqui apresentada constitui as visões da pesquisadora acerca da paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares1 em momentos etnográficos que se delinearam em cada ida à escola. Além de ser uma estratégia para localizar a investigação, um diário integra o método de pesquisa adotado por oferecer pistas sobre algumas relações estabelecidas entre os diversos atores sociais e onde se começa a perceber como a escola desenvolve o tema ambiental; inicia-se a cartografia. Por vezes os verbos estão conjugados na primeira pessoa do singular afirmando o caráter pessoal das observações. O termo pessoal se refere à singularidade da autora forjada a partir de saberes científicos e do senso comum, duas faces interdependentes. Tal uso pretende também evidenciar o caráter não neutro das descrições, embora o exercício da posição em que se fala seja muito difícil: negação da neutralidade mas, por outro lado, percepção da necessidade de um certo afastamento. Primeiramente, foi elaborada uma carta de apresentação para a direção do CIEP (Apêndice 1, p.136) visando explicitar os objetivos da pesquisa e o método a ser empregado. Considerou-se extremamente relevante propor à instituição a realização de ações demandadas pela escola, de acordo com a temática proposta no projeto, como trabalhos com educadores e alunos, bem como uma devolução dos resultados.

O Primeiro contato

A escola foi visitada pela primeira vez em 26 de setembro de 2001. Aqui seguem as primeiras impressões, as primeiras conversas onde um pouco de excitação, hesitação e curiosidade se misturavam.

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A localização do Bairro-Escola pode ser observada na Figura 3, p. 70. 14

No caminho para a escola, da estrada do Engenho do Mato (via principal), observei a presença de lojas de materiais de construção, bares, supermercados de médio porte, postos de gasolina, condomínios e desmatamentos. Dia nublado. Eram cerca de dez horas da manhã. O início de uma primavera chuvosa fazia com que a cor verde abundante por conta da vegetação farta do lugar, ficasse mais intensa. A escola fica em frente à praça do Engenho do Mato (Figura 6, p. 85). Para alcançar o CIEP é preciso subir uma escadaria que coloca o visitante logo em contato com a biblioteca e com um módulo do Programa Médico de Família da prefeitura da cidade. À direita encontra-se um portão que no dia estava sendo controlado por uma menina. O portão estava apenas encostado. A primeira visão que se tem da escola é bastante agradável. Não é um prédio grande para um CIEP. Divide uma bonita mangueira com um prédio vizinho, que fica à frente, e possui ainda outras três ou quatro árvores (Figura 1)

FIGURA 1: Foto da entrada do CIEP onde se pode ver o portão e entrada, a mangueira e o prédio que fica á frente (Fotógrafa Aline Lage)

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Algumas crianças brincavam no pátio interno. Em frente à rampa de acesso ao primeiro andar um quadro mostrava uma colagem sobre o dia da árvore 2 comemorado na semana anterior. Subi a rampa e deparei com uma espécie de inspetor. Logo me impressionaram a limpeza da escola e o esmero com a decoração. Visualizei muitos outros trabalhos sobre o dia da árvore, avisos, prestação de contas. Na sala da diretora, professora RU3, apresentei-me e procurei saber se lembrava do trabalho realizado em 1996 (citado na p. 66). Conversou-se pouco. A diretora é certamente a pessoa mais requisitada de uma escola. Algumas pessoas entravam na sala de forma que pude fazer contato com outros educadores. Conheci a supervisora pedagógica, a diretora adjunta, algumas professoras e alguns alunos. Na ocasião soube de uma educadora, “você tem de conhecer”, diziam. “Ela se aposentou, mas continua trabalhando”. A professora RU falou que a mesma faz um grande trabalho. Nesse momento foram pedidas desculpas. Tentamos encontrar o telefone da escola para confirmar o nome e não o encontramos (a comunicação nos setores públicos é muito dificultada). Era lembrado que seria uma homenagem ao irmão da Professora Célia Linhares, da UFF, que fora morto pelo regime militar. “Deve se chamar CIEP Rui Linhares”, pensávamos. Na sala pode-se conferir o engano: CIEP 448 Ruy Frazão Soares. A Diretora mostrou não estar incomodada com a gafe e logo contava sobre parte da história da escola, inaugurada em vinte e sete de setembro de 1993. Nesta historicidade constavam algumas dificuldades enfrentadas, comuns a tantas outras escolas públicas desse Estado. Vinte e sete de setembro: significava que chegáramos na véspera de uma comemoração. Muita sincronicidade. Ao saber o tema da pesquisa e da proposta de trabalho a professora riu e exclamou: “então você tem de vir na sexta-feira! Estamos preparando um desfile no bairro em comemoração aos oito anos da escola”. Ela acrescentava que na escola existiu uma preocupação com o tema ambiental. “Traga a máquina fotográfica!” Alguns preparativos estavam sendo finalizados. No chão, educadores pintavam uma faixa com o nome da escola e preparavam cartazes onde se ressaltava a foto de Darcy Ribeiro.

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Forma usual de abordar o ambiente que nem sempre condiz com o contexto dos alunos ou sua faixa etária devido à abstração necessária (Oliveira). 3 Os nomes dos integrantes da comunidade escolar foram resguardados e serão apresentados desta forma. 16

Segundo dia no campo: oito anos de escola, comemoração e temas ambientais locais Do ônibus podia-se ver a diretora e outras pessoas caminhando na rua principal (estrada do Engenho do Mato). No dia anterior liguei para a professora RU porque chovia muito e gostaria de confirmar o desfile. O dia de comemoração amanheceu com cara de chuva. Aquela chuva que quase se anuncia, mas não chega de fato. Aguardei a chegada da diretora para entrar. Fora algumas crianças brincando no pátio e na pracinha não havia aquilo que deveria ser movimento de um desfile a ser iniciado às nove horas. Quando a professora RU chegou com suas colegas soube o motivo do atraso: dúvidas sobre a continuação da programação temendo que a chuva pudesse cair no meio do caminho e tomar de surpresa as crianças (atividades ao ar livre pedem flexibilidade à programação). A polícia não enviou os guardas que a escola solicitara há algum tempo (esse ator não respondeu à solicitação da escola que envolvia a organização do trânsito e a segurança de pedestres, em sua maioria crianças, e motoristas). A escola aguardava também a chegada de uma banda que era do bairro Caramujo. Pais, ou melhor, mães aguardavam o início do desfile, alguns do lado de fora, outros dentro da escola. Uma das mães controlava o portão (era também funcionária da escola). Os alunos brincavam e circulavam entrando e saindo, sempre por perto. Os menores não tinham tanta facilidade para circular por motivos óbvios. Quase perto das nove horas um movimento no portão. A explicação veio pela expressão de alegria de um dos alunos: a banda chegara! Daquele momento em diante a escola ficou em polvorosa. Todos iam atrás para ver a banda tocar! A dúvida da direção haveria que se dissipar diante daquela reação entusiasmada e, ao mesmo tempo, um pouco contida. A menos que a chuva caísse, seria impensado cancelar o evento. Essa atitude dos alunos deveria influenciar as decisões a serem tomadas pala direção (protagonismo do aluno). Um pouco depois o sinal soou pedindo que se formassem as filas. A princípio inútil. Poucos responderam, a maioria estava ou brincando ou atrás da banda que começava a aquecer.

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A coordenadora pedagógica passou por mim reclamando. Ouvia a sua conversa com umas das mães que olhava o portão e tive oportunidade de entrar no assunto. E entendi porque a escola não estava tão plena, a explicação para o sentimento de que algo não batia naquela situação: tão poucos alunos presentes. A coordenadora nos disse que só estava presente um terço dos alunos da escola. Os pais que sabiam do evento e foram convidados não responderam. Talvez temor de chuva? Consideravam que o evento não era importante? Sendo muito arborizada, a região é fria nesses tempos de setembro. Mas o que fazer com todo o material preparado? Quem iria levar a rede de pesca que havia sido feita e estava tão bonita? perguntava a coordenadora. Não faltavam candidatos pois, algumas crianças que acompanhavam o movimento pediam para participar. Nesse momento voltei os olhos para o prédio da frente. Uma casa grande com crianças dentro, quadra na frente, a “dona residencial” de grande parte de mangueira espetacular (Figura 1). Pensei que fizesse parte do CIEP, embora tivesse uma arquitetura diferente. Pareceu-me uma moradia um pouco abandonada. Só nesse dia reparei que o muro da escola Ruy Soares era dividido com essa “casa” aparentemente abandonada. Perguntei para uma das mães presentes o que funcionava naquele prédio e ela respondeu: “uma escola”. Disse que era uma boa escola. Pequena, com poucas vagas mas muito procurada face à carência de escolas públicas locais. Os alunos desta escola olhavam a banda, pela grade, com “olhos de inveja”, pois eles não podiam segui-la. Nesse momento parecia estar resolvido o problema da falta de alunos para o desfile, mas não ousei dar essa sugestão por não saber se aquela escola tinha sido convidada a participar. O fato da Escola Estadual Fagundes Varela não ter sido convidada, ou ter optado por não participar acenou para a possibilidade de haver conflitos entre as duas escolas. Ao mesmo tempo, chegava um grupo de crianças da Creche Municipal Olga Benário de um jeito típico: em filas de trenzinho e cantando aquelas músicas comuns aos antigos jardins de infância. Mais um tempo depois e o desfile finalmente saiu.

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FIGURA 2 – Foto do desfile onde se pode ver: as primeiras alas, o cartaz informando o aniversário da escola, parte da praça do bairro e ao fundo, à direita o CIEP e à esquerda a biblioteca. O desfile saiu e parou o trânsito. Na frente algumas faixas com mensagens. As alas mostravam o nome da escola, pedidos de paz .... Uma ala sobre a serra da Tiririca trazia crianças vestidas de árvores. Outra dividia-se em duas partes: a lagoa real onde se via uma rede (aquela que a coordenadora falava) cheia de lixo e que era carregada por professoras e alunos vestidos de pescadores e, a lagoa ideal onde as crianças se vestiam com camisetas que traziam figuras de peixes e siris. A ala se refere às duas lagoas desta região oceânica da cidade (lagoa de Piratininga e lagoa de Itaipú) que sofrem com a poluição. As alas sobre ar mostravam pipas, alunos usando máscara contra poluição, leques, e uma professora jogando no ar bolinhas de sabão. Vi acompanhando os alunos uma senhora, talvez a tal educadora de quem a diretora falara no primeiro encontro. Chamava atenção também a ala da cidadania. Entre os direitos e deveres estava o de cuidar da natureza. Fator que evidencia a relação entre ambiente, saúde, educação e cidadania. 19

A última ala era composta pelos pais presentes e trazia cartazes com o nome das instituições participantes e de outras agremiações, como por exemplo, a Associação de Amigos e Moradores do Engenho do Mato (AAMEM), uma escola de futebol do bairro cujo time se chama Cometa, além da própria Creche do bairro e da banda de outro bairro. Foram tiradas muitas fotos (algumas estão inseridas nos capítulos do texto). O desfile parou o trânsito da via principal, estrada do Engenho do Mato, ônibus e carros parados. Os pais entraram em ação quando um homem reclamava, saindo de uma rua secundária, ao ver a estrada tomada pelo desfile. Eles informaram que rumo o homem devia tomar e mostraram indignação à falta de respeito do motorista. O cortejo foi até a Avenida Central e voltou. Lá fiquei por conta dos meus compromissos pessoais mas antes falei com a professora RU e com a professora SO sobre o desfile tentando disfarçar a emoção.

Das entrevistas

As entrevistas foram realizadas em cinco visitas à escola. Essa etapa teve início em cinco de outubro de 2001 com as educadoras da direção e da sala de leitura. As educadoras em geral não mostraram inibição ao conceder as entrevistas, mas quase todas estranharam as suas vozes no gravador. Entre os alunos houve um grande alvoroço. Todos queriam ser entrevistados. Perguntavam: “a senhora é repórter?” As responsáveis e funcionárias ficaram um pouco tímidas. Em todas as entrevistas pode-se ouvir o som da escola: as vozes dos alunos, das brincadeiras, das aulas, das broncas. Todo CIEP tem dessas coisas; um pouco de vida com todas as suas nuances, até mesmo de poluição sonora dos ruídos que parecem não sair dos ouvidos uma vez que as paredes das salas de aula que dão para o corredor são baixas. No dia a dia da escola isso pode ser bastante irritante e prejudicial à saúde.

Das ações na escola: o planejamento com a supervisora pedagógica

A diretora me apresentou a supervisora pedagógica SO quando disse estar disponível para realizar ações na escola relacionadas ao meio ambiente. Elas mostraram

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haver interesse nesse trabalho. Agendamos, no dia do desfile uma reunião para cinco de outubro.

Da reunião também fez parte AL, policial do Batalhão Florestal da Polícia Militar do Estado e marido de uma das educadoras da escola. AL realizaria um trabalho direto com os alunos (enfocando a fauna do local) enquanto eu trabalharia mais com os educadores. O planejamento estava interessante, pois era propositivo sem encerrar uma idéia; era flexível. Seria realizado um primeiro encontro para saber com os educadores que temas desenvolver, o que já havia sido trabalhado e em que sentido a ação proposta naquele momento poderia estar de acordo com as ações já desenvolvidas. Nesse cenário exploratório duas questões foram fundamentais: Como fazer a inserção crítica na escola? Adiantaria entrar ou sair de socioambientes sem articular-se? A prática na educação parece só fazer sentido se estiver referida à vida cotidiana, a vida vivida dos locais. Naqueles momentos primeiros foram pensados alguns métodos e instrumentos para o trabalho, selecionando materiais como fotos, textos, recortes de jornal, entre outros. Mas, a realidade perversa da escola pública falou mais alto. Por mais que tentássemos não conseguíamos reunir os docentes. Não havia data, menos ainda horário possível. Não houve oportunidade para diálogos como pretendido. Como visto, a falta de diálogo, a dificuldade de comunicação é comum, é recorrente nas relações entre os atores sociais.

Da greve

Após realizar todas as entrevistas no CIEP (dezessete ao todo), e recolher os questionários respondidos (onze ao todo, dentre vinte e um entregues aos educadores para preenchimento), iniciou-se o trabalho de levantamento dos documentos da escola que faziam referência ao tema meio ambiente. Em março de 2002, a pesquisa na biblioteca da escola foi iniciada. “De cara” percebi que seria uma longa tarefa: o arquivo era inexistente. A responsável informou que nem todos os livros tinham ficha no arquivo e sendo assim seria preciso ir às prateleiras. Passo a passo, ver livro por livro, em muitas prateleiras... E quantas prateleiras... E quantos livros... E quanta poeira... Mesmo com tais dificuldades o trabalho de 21

documentação começava e, concomitantemente seria iniciada a pesquisa na Escola Estadual Fagundes Varela, como fora realizado do CIEP. Entretanto, naquela primeira semana de março foi marcada uma paralisação de professores do Estado, mais precisamente no dia em que a outra escola foi visitada. Dessa forma não foi possível falar com a direção. Essa paralisação temporária transformou-se em greve por tempo indeterminado que durou mais de setenta dias. Diante disso o que fazer da etapa exploratória do estudo? A pesquisa teve de seguir sem a outra escola. De forma sincronística, este trabalho foi atravessado por duas greves importantes. Além da descrita acima, houve a greve nas universidades federais. Ambas as greves, praticamente inviabilizaram o cumprimento do que fora planejado inicialmente, ou melhor, o que fora previsto para a segunda alternativa da pesquisa. No entanto, esses dois acontecimentos, essas duas greves, têm reivindicações semelhantes: melhoria da qualidade do ensino; democratização da escola (a universidade também é uma escola com exigências um pouco diferentes); valorização do educador e porque não dizer, do educando. Se a escola está longe daquilo que o educador almeja, se não é um lugar onde prazer e dever se confundem, onde o saber liga-se ao sabor, então não é boa para nenhum dos envolvidos. Para a pesquisa talvez seja interessante, em investigações que busquem análises críticas. Avaliar o caos na educação brasileira é um bom objeto de pesquisa, assinalando os equívocos, os descasos. Mas é preciso apontar soluções, contribuir para produtivas tomadas de decisão. Nesse cenário é preciso ir além da crítica e conhecer outras propostas realizáveis, sublinhando vitórias, mesmo que provisórias, de quem ousa. A pesquisa apresentada nesta dissertação foi a possibilidade que configura uma interface interessante nos equívocos e dificuldades de uma escola pública estadual, real e concreta, no entorno de uma Unidade de Conservação da natureza.

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OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS O presente texto dissertativo tem como objetivos gerais:

 Analisar a inserção da paisagem local por um segmento da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares ao lidar com a temática ambiental;  Esboçar uma metodologia de análise qualitativa voltada à educação para o ambiente formal.

Nesta abordagem geral elencam-se quatro objetivos específicos:

 Compor um breve resgate histórico do processo educacional e do debate acerca do (meio) ambiente por meio de pesquisa bibliográfica;  Cartografar a paisagem do bairro Engenho do Mato, especificamente o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares (Niterói/RJ), confrontando dados de pesquisa bibliográfica sobre o local e discursos dos entrevistados;  Avaliar a inserção da paisagem local nas respostas dos integrantes da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares às questões que envolvem a temática ambiental, por meio de entrevistas com roteiro específico;  Configurar categorias do discurso da comunidade escolar a partir das falas produzidas nas entrevistas concedidas a este estudo.

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Cabe clarificar o que se entende por comunidade escolar: conjunto de pessoas que fazem parte da escola e interlocutores da práxis para este trabalho, que são os educadores, os alunos, os funcionários e os responsáveis. Todos os participantes deste estudo são do sexo feminino, tendo ocorrido sem nenhum planejamento. Somente após o encerramento das entrevistas houve a percepção de tal fato. Diante disso, todas as vezes que se fizer menção aos entrevistados o gênero dos mesmos será afirmado. Esta pesquisa se justifica ante as recentes discussões acerca da (inter) transdisciplinaridade que a temática ambiental intensifica, por propor investigar a interface paisagem/comunidade escolar buscando conhecer o modo pelo qual a temática ambiental é concebida pela comunidade escolar; se cotidiana e contextualizada, ou formalizada somente por exigências institucionais. Acredita-se também, que o método de pesquisa esboçado pode ser utilizado na educação para o ambiente, sobretudo nas ações iniciais realizadas no contexto da educação formal. Tal método enfoca a relevância do olhar crítico sobre a realidade e a construção de um procedimento que tenha igualmente um caráter dinâmico para acompanhar os movimentos/relações produzidos pelos atores na Paisagem. Devido ao seu caráter exploratório e questionador, não houve a elaboração de uma hipótese a priori. Após as análises realizadas considera-se, como suposto, que a Ciência Ambiental pode se configurar num instrumento para a contextualização das questões ambientais no sistema escolar, a ser construída em estudos e práticas interdisciplinares.

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M É T O D O DE P E S Q U I S A

A proposta metodológica utilizada não pretendeu a composição de uma amostragem estatística, procurando apropriar a mesma aos temas do roteiro de entrevistas. A análise dos 150 “conteúdos e discursos”, originados nos questionários aplicados e nas entrevistas, privilegiou uma abordagem qualitativa. O método adotado na pesquisa (esmiuçado no Capítulo Três) foi elaborado a partir das contribuições de três campos (aqui considerados interligados): Cartografia; Análise do Discurso; Análise de Conteúdo. A noção de Cartografia sugerida por Rolnik (1989), guiou a pesquisa e orientou a sua construção. Essa noção está relacionada com os diferentes modos de interpretar e representar os movimentos produzidos na paisagem, afirmando o caráter dinâmico e complexo da realidade pesquisada e da própria pesquisa. A cartografia propõe as linhas de orientação, os dados relevantes à pesquisa e os procedimentos adotados. Faz-se relevante salientar o caráter provisório da Cartografia construída para este estudo em face da realidade espaço-temporal que perpassou a pesquisa e aos movimentos acompanhados. A Análise do Discurso foi uma ferramenta que serviu para elucidar a produção dos discursos na sociedade. De uma forma sucinta, procurou-se definir o que é, como se produzem e as estratégias de “captação” dos discursos. Esse norteador foi importante porque se referiu diretamente aos dados da pesquisa que seriam fornecidos pela comunidade escolar. Afirma-se desde o início que o discurso não é neutro, não é uma produção natural, mas remetido à cultura. Por fim, a Análise de Conteúdo forneceu os procedimentos metodológicos à pesquisa: a construção dos procedimentos da entrevista, da organização dos dados e da análise dos discursos. Relaciona-se à hermenêutica, que vem a ser um modo de interpretar o texto problematizando o seu conteúdo, procurando ir além do que é manifesto no mesmo.

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Embora fossem considerados interdependentes, de acordo com o objetivo específico a ser alcançado, a ênfase esteve num dos campos:  Para representar a paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares, utilizou-se a cartografia com maior ênfase. No entanto, também foram importantes a Análise do Discurso e a Análise do Conteúdo das falas do segmento da comunidade escolar para confronta-los aos dados da pesquisa bibliográfica;  Para avaliar a inserção da paisagem local nas respostas dos integrantes da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares às questões que envolvem a temática ambiental, foi preciso compor os instrumentos (roteiro de entrevistas e o questionário), interpretar os materiais colhidos. Para isso foram fundamentais a Análise do Discurso e de Conteúdo e posteriormente, a cartografia;  Para configurar as categorias do discurso da comunidade escolar a partir das falas produzidas nas entrevistas concedidas a este estudo foram também necessárias as três discussões;

O método esboçado neste estudo mostrou-se pertinente a âmbitos complexos porque não se encerra numa norma. Precisava ser flexível para dar conta dos objetivos propostos e tal flexibilidade exigiu uma constante avaliação dos procedimentos adotados. Foi preciso delimitar o campo de ação (escala) e recuperar as interligações existentes entre os dados colhidos no campo e na bibliografia consultada. Sobretudo, pareceu importante destacar a provisoriedade da pesquisa. A seguir são apresentados pólos cronológicos construídos na pesquisa.

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Pólos cronológicos construídos na pesquisa 1. Pré-análise Antes de iniciar a pesquisa no campo foram realizadas as seguintes etapas:  Sistematização flexível das idéias iniciais que conduziriam à elaboração do programa/etapas da pesquisa;  Elaboração do roteiro de entrevistas:

1.ª questão: Como desenvolveria o tema lixo na disciplina Matemática? (para os educadores); Como o professor poderia desenvolver o tema lixo na disciplina de Matemática? (para demais integrantes da comunidade escolar). 2ª questão: Que aspectos do ambiente próximo a escola te chamam a atenção? 3ª questão: Destaque um ou mais integrante(s) da comunidade escolar que possam contribuir na relação com o ambiente próximo a escola. 4ª questão: Cite 3 temas, fora o tema lixo, ligado ao (meio) ambiente.  Elaboração de um questionário complementar (Figura 8, p. 96) distribuído a 21 educadoras, cujo objetivo era saber se desenvolviam ou não temas ambientais com os seus alunos;  Elaboração do roteiro para a entrevista com administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca, onde foram incluídas as mesmas questões apresentadas à comunidade escolar acrescidas de 3 perguntas (ver página 97);

2. A exploração do material  Na audição das entrevistas foram destacadas palavras e frases referidas a diferentes temas. Algumas respostas foram transcritas integralmente;  Foi utilizada a análise por categorias, considerada rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples;  Para efetuar a categorização dos dados foi criada uma grade de análise (Apêndice 2, p. 137). Nessa eram anotados os temas que chamaram a atenção. Inicialmente por categoria do entrevistado (aluna, educadora, funcionária, 27

responsável), posteriormente, análise por questão, comparando todas as categorias.

3. Procedimentos utilizados nas entrevistas

Esses foram os procedimentos realizados na entrevista:  Selecionou-se dezessete membros da comunidade escolar;  As entrevistas foram iniciadas em setembro de 2001;  Junto à comunidade escolar, apresentava-se o propósito da entrevista, privilegiando as respostas livres com gravação. Os entrevistados ouviam suas entrevistas e se considerassem necessário, poderiam acrescentar ou retificar as respostas;  Inicialmente, audição das entrevistas foi realizada duas vezes. Os temas destacados das falas eram transcritos na grade de análise. Algumas respostas foram transcritas na íntegra para destacar aspectos considerados relevantes;  O Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET) foi considerado um “ator não humano” importante no espaço, vislumbrando a possibilidade de entrevistar o administrador. O mesmo respondeu a sete questões, sendo quatro delas as mesmas apresentadas à comunidade escolar e três relacionadas à realidade do parque (p. 97);  Perspectiva de avaliação adotada: os resultados interpretados serão devolvidos ao CIEP e à administração do PESET para tomada de decisão enfatizando seu caráter provisório.

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D E B A T E S G E R A I S D O E S T U D O: EVIDENCIANDO A REDE

Este texto dissertativo procura recortar uma dada realidade cartografada na paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares. Realizar este recorte foi uma empreitada difícil, pois abandonaria inúmeras perspectivas da complexa paisagem local. Apesar de instigante, não se encaixava nos objetivos propostos neste estudo a análise de todas as nuances daquela paisagem. Não foi possível captar toda a complexidade do Bairro-Escola estudado. A adoção do conceito de Bairro–Escola possibilitou delimitar o campo de estudo por circunscrever o espaço cujo epicentro é o CIEP Ruy Frazão Soares, estendendo-se até as ruas próximas, englobando o entorno visível e invisível do mesmo. Neles as alunas, as educadoras, as moradoras, as escolas e o entorno (mesmo construído) foram parceiros importantes na construção da etnografia, dos objetivos deste estudo, da metodologia para responder à questão inicial desta investigação. Sujeitos e objetos da pesquisa, confrontados em uma investigação participativa. Por se tratar de uma realidade complexa, marcada por diversos atravessamentos, a sua leitura não poderia ser realizada sem buscar facilitar o potencial dialógico entre saberes de diferentes disciplinas. Estudar a paisagem, entendida nos seus sentidos conotativo e denotativo, exige saberes também complexos, misturados, que podem ser analisados ou sintetizados dentro da interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade não é garantida nos discursos. Tal exercício, segundo diversos autores como Leff (1994a), Morin (1998), Viana e Santa-Rita (2000), consiste em aproximar as diferentes disciplinas, afrouxar as fronteiras que confinam os saberes. Esses autores ponderam que para alcançar a interdisciplina e o complexo é preciso construir uma rede de disciplinas. A adoção do conceito de rede possibilitou a construção de um entendimento sobre a realidade abordada de maneira não hierárquica, apontando interconexões em uma complexa teia de relações (Capra, 1996). Esta seção pretende realçar 29

primeiramente as linhas disciplinares da rede tecida para o presente trabalho. É válido lembrar que essas linhas não são “puras”, porém marcadas por inúmeros atravessamentos. Entre as linhas disciplinares desta rede está a Ciência Ambiental que segundo o Consórcio Interinstitucional em Meio Ambiente (1997, p.6) é um “mosaico de correlatos ou de isomorfos constituído por cinco aspectos constitutivos a saber: estudo e análise de processos ambientais, tecnologia ambiental, gestão ambiental, saúde e meio ambiente, sociedade, cultura e meio ambiente. Desse modo, a Ciência Ambiental é tida como ‘algo comum’ que se distribui por sobre os cinco aspectos singulares, já mencionados. Como esses correlatos não são fechados entre si, eles permitem definir uma unidade – uma unidade particular, unidade a que se pode nomear mosaico sociedade-ambiente.” Na configuração da rede deste estudo, a abordagem da Paisagem foi oportuna uma vez que seu quadro teórico contempla contribuições da Biologia e da Geografia, além de aspectos da subjetividade, dentre outros. A noção de paisagem possibilitou descrever o locus da escola numa análise que inclui o homem, pois é o olhar do homem que interpreta a paisagem (mostrada no diário de campo). Foi possível destacar diferentes impressões: o olhar das alunas, das educadoras, das mães; o olhar dos peritos; o olhar da própria pesquisadora sobre a paisagem. Nesta trajetória seria possível realizar análises parciais da paisagem, optando por uma ênfase biocêntrica ou antropocêntrica. No entanto, a natureza e a cultura podem ser compreendidas como aspectos interdependentes, mutuamente afetáveis. A Filosofia, enquanto forma de se conhecer o mundo, inaugurando os questionamentos cruciais também se coloca como um importante constituinte desta rede. A Educação é outro contributo fundamental pois dentre as inúmeras práticas sociais que perpassam a escola, a atividade educativa é responsável pela formação/informação/desinformação, dentre as quais se inclui a discussão acerca do ambiente4 engendradas na sociedade. Assim, importa debater como a Educação tem se constituído no Brasil e tem sido relacionada ao ambiente. Nesse momento metodológico, problematizar a noção de educação ambiental formal foi obrigatório.

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Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) o Ambiente é um dos cinco temas transversais juntamente com Ética, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural e Saúde. 30

A Psicologia é neste estudo outra linha da rede, bastante discreta pois não consta abertamente no texto. Todavia, as teorias do conhecimento psicológico direcionaram, na autora-pesquisadora, as costuras, as leituras e as interpretações realizadas. A partir de um olhar forjado nos estudos da Psicologia, comprometido com as pesquisas em Psicologia Social e privilegiando o institucionalismo5, realizaram-se os descritos neste texto dissertativo. Trata-se de uma escolha teórica e prática (teática)

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realizada pela pesquisadora

com entradas éticas e estéticas, portanto política, onde não havia a preocupação de desqualificar ou negar a possibilidade de construção de outros olhares, de outras redes, (re) afirmando a escolha feita. Para delinear o movimento institucionalista podem ser sublinhados os seguintes pontos:  questionamento das formas de investigação clássicas, tradicionalmente aceitas como “científicas”. Enfoca-se uma crítica à política positivista de pesquisa;  prioridade à pesquisa-ação ou pesquisa-intervenção como dispositivo de intervenção, no qual se afirma o ato político que toda a investigação constitui;  questionamento dos especialismos7 profissionais instituídos dando ênfase na análise da implicação. Esta que vem a ser a análise do modo como aquele que intervém (pesquisador) se vincula aos indivíduos, grupos e instituições com os quais trabalha e análise da instituição análise institucional.

A noção de cartografia adotada nesta dissertação baseia-se sobretudo em Rolnik (1989) onde a mesma propõe uma compreensão geográfica da cartografia. Assim sendo, “diferentemente do mapa, representação de um todo estático, é (a cartografia) um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo em que os movimentos de transformação da paisagem” (Rolnik, 1989, p. 67).

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O objetivo da Análise Institucional é trazer à luz a dialética instituinte/instituído, de maneira generalizada, em todos os âmbitos sociais e realizadas por todos (Rodrigues & Souza, 1987). 6 Vivência conjunta da teoria e da prática por parte da consciência intrafísica (Vieira, 1996). 7 Especialidades constituídas como territórios fechados que dificultam a comunicação e a troca de saberes. 31

Na concepção geográfica da cartografia o mapa, uma representação estática, cristalizada, não é a única forma possível para se representar a paisagem. A cartografia proposta por Rolnik (1989) por sua vez, engloba os conteúdos psicossociais das paisagens; os sentidos, os afetos, as diferentes linguagens. Assim sendo, uma representação estática das paisagens implicaria num artifício que ocultaria das mesmas os movimentos, as transformações produzidas pelas práticas sociais. Não há, portanto uma oposição entre a proposta da geografia e da psicologia social, mas uma possível diferença no objetivo de cada leitura. A autora da psicologia social ocupou-se da produção do desejo, esta dissertação ocupa-se em questionar como a comunidade escolar estudada percebe a paisagem local ao pensar meio ambiente. Em ambas cartografias estão presentes o espaço e as práticas sociais; interpretados de maneira diferente. Ainda na concepção da Psicologia Social da Análise Institucional, a Educação é compreendida como uma prática social que se presta especialmente à produção de subjetividade. A Educação mobiliza os sistemas de valores que engendram os sujeitos em todos os níveis da produção e do consumo, em todos os níveis sociais. E a escola é um locus privilegiado para a educação, para a formação de “sujeitos”. Neste texto dissertativo a locução (meio) ambiente ou a palavra ambiente leva em consideração a articulação sociedade/homem, a cultura, gerando um conceito abrangente. Procura-se diferenciar a atual proposta de outras três citadas em Moraes (1997) que são naturalismo, tecnicismo e o romantismo. Segundo esse autor, a postura naturalista se caracterizaria pela compreensão da problemática ambiental numa perspectiva onde a dimensão social é desconsiderada. A visão tecnicista, por sua vez, seria uma postura que diluiria as implicações políticas pertinentes à questão ambiental, como se as soluções técnicas estivessem acima dos conflitos e das disputas. Finalmente, a postura romântica pecaria por uma excessiva politização manifesta por exemplo no preservacionismo radical que, no limite pode veicular perspectivas anti-humanistas; nesse caso a política ficaria localizada no reino da pura vontade, como se não tivesse lógica e determinações sociais. Procura-se nesta dissertação abordar a relação sociedade/natureza sobretudo na ótica dos fenômenos sociais, procurando observar como a sociedade se articula para se apropriar e submeter a natureza.

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A Ciência Ambiental, a Educação, a Filosofia, a Geografia, a Psicologia formaram a rede teática8 que serviu de instrumento para investigar como aqueles integrantes da comunidade escolar, vivendo no ambiente, observam a paisagem local. Buscando a definição de instrumento em dicionários, pode-se recuperar alguns significados. Baseando-se em John Dewey, Carvalho (2000) generaliza a idéia do instrumento 9 como fundamental para ação. Esta perspectiva filosófica é uma vertente do pragmatismo (Charles Pierce – 1839/1914), onde se explicitam as relações causais entre a vida social e palavras, expressões, símbolos e a intenção do elemento atuante. No entendimento da autora deste texto dissertativo, cada consciência (cada pessoa, cada ser, cada ego), ou mesmo uma comunidade seriam também instrumentos avaliativos. Assim, instrumentos podem ser:  mensurações.  objetos;  observações;  operações mecânicas;  pessoas (os médiuns, mediadores);  recursos empregados para ações;  teorias; Certamente essas não foram as únicas linhas de interpretação. As alunas, as educadoras, as moradoras, as escolas, enfim de todos os demais atores 10 humanos e nãohumanos que integravam o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares e outros que de alguma forma contribuíram para este estudo monográfico com questionamentos e sugestões, também foram linhas e/ou parceiros importantes nesta construção de um texto da Ciência Ambiental.

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Teática: teoria e prática. Vivência conjunta da teoria e da prática por parte da consciência humana (Vieira, 1992). 9 Instrumentos – Objeto mais simples que um aparelho, utensílio, dispositivo, apetrecho, ferramenta. Instrumentação – Ato ou efeito de instrumentar. Instrumental (ling.) Categoria gramatical que exprime meio ou instrumento Dicionário Houaiss, 2002. 10 Ator: qualquer pessoa, instituição que tenha agência; isto é, produz efeitos no mundo e sobre ele. Todo ator já é uma rede, não é elemento por não estar passível a uma purificação (aula Temas Atuais em Psicologia Geral e Experimental, Teoria Ator Rede de Bruno Latour, em 28 jan. 1999, UFF). 33

FORMULAÇÃO DO TEXTO DISSERTATIVO

Esta dissertação apresenta três capítulos, onde se expressam as análises, idéias e métodos necessários à resolução dos seus objetivos, colocados após esta introdução em cinco partes. O Capítulo Um situa os debates produzidos em torno da educação e do meio ambiente no Brasil, buscando delinear as aproximações existentes entre ambos. No Capítulo Dois apresenta-se o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares por intermédio da paisagem em seu sentido abrangente, da rede-conceito, já esboçada anteriormente. Assim sendo, foi possível cartografar o bairro do Engenho do Mato (Niterói/RJ), onde se inscreve o Bairro-Escola estudado, com base tanto em dados apresentados em outros estudos, quanto nas falas das educadoras, alunas, funcionárias e mães participantes. No Capítulo Três há a apresentação do método utilizado na pesquisa, esboçado a partir da noção de cartografia (Rolnik, 1989), da Análise do Discurso (Brandão, 1993; Lima,1999; Souza, 1999) e de Conteúdo (Bardin, 1977). Estarão descritos os instrumentos analíticos utilizados (roteiro de entrevista e questionários) e os resultados provisórios interpretados dentre os 150 conteúdos e discursos dos integrantes da comunidade escolar. Nas conclusões, procurando concordar com a proposta científica pretendida, destaca-se que o olhar avaliador presente neste trabalho alternativo

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não constitui a

formulação única de interpretação, para dar conta dos objetivos intencionados. Outro estudioso, provavelmente elaboraria uma dissertação diferente pautando-se em outras leituras, com outras implicações políticas/éticas/estéticas.

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Alter, o outro. 34

Considera-se que este estudo pode ser uma modesta contribuição, por problematizar a Educação Ambiental formal distanciada da realidade das escolas, sugerindo um método de pesquisa que pode ser aplicado nessas ações. Um método que não se mostra como um único caminho possível, mas que pode abrir espaço para que a comunidade expresse como observa e relaciona a paisagem e o ambiente em que vive. A partir desse material pode-se recuperar os diferentes olhares re-construindo o conhecimento, analisando criticamente as concepções apresentadas e propondo soluções. Enfim, construindo uma Educação para o Ambiente implicada com a realidade dos atores sociais envolvidos. Buscou-se sintonizar esta dissertação com a Ciência Ambiental em construção. Imersa em questões teóricas e abstratas, a Ciência Ambiental busca saberes, técnicas, procedimentos, metodologias que não visem à dominação, o controle absoluto e permita uma outra recursividade dos seus produtos/processos com a natureza. Nesta tentativa teática a rede de saberes aqui tecida é provisória porque a paisagem daquele Bairro-Escola o é; porque os sujeitos que produziram este trabalho o são.

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CAPÍTULO UM

EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE

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I – 1. Q U A D R O T E Ó R I C O E D U C A C I O N A L Este capítulo configura um breve resgate histórico que abrange o escopo articulador deste texto dissertativo: o processo educacional, sublinhando a luta pela democratização do ensino e o debate do (meio) ambiente, destacando a educação qualificada para o ambiente. Tal resgate evidencia que os dois temas compartilham nuances que vão além do uso de um termo comum. A educação para o ambiente formal12 e a discussão em torno da democratização da educação têm em comum a necessidade de efetuar a revisão de dois aspectos interdependentes: a relação estabelecida entre os atores sociais envolvidos no processo educacional e o currículo (relação com e entre os saberes construídos pela humanidade). Tais práticas sociais atravessam a escola de maneira importante. Sem buscar uma determinação final, pode-se dizer que a educação é uma prática das sociedades humanas pela qual conhecimentos e saberes são transmitidos, de diferentes formas, pelas gerações. Nas referências bibliográficas deste estudo, percebese que não existe um consenso acerca da educação. Especialmente Brandão (1984) apresenta uma série de definições onde se evidencia que essa prática é definida de acordo com critérios éticos e políticos. No entanto, o mesmo autor sublinha que nas comunidades humanas onde não existe a rigorosa divisão social do trabalho, onde o exercício social do poder ainda não foi centralizado por uma classe como um Estado, existe a educação sem haver a escola; existe a aprendizagem sem haver ensino especializado e formal, como um tipo de prática social separada das outras e da vida (Brandão, 1984). Nas sociedades ocidentais como a nossa – complexas, de classes, capitalistas – a educação escolar é uma invenção recente. Houve um tempo-espaço bastante longo, até século XV, onde existiram as sociedades humanas sem “a escola”. Educar-se era viver o dia-a-dia da comunidade, plantar, escutar dos velhos as histórias da tradição oral, 12

Está se sublinhando a educação para o ambiente que se dá na escola, num contexto formal, mas a mesma ocorre em outros espaços. 37

participar nas cerimônias coletivas. A prática educativa se constituía na aquisição de instrumentos de trabalho e na interiorização de valores e comportamentos, em um contexto, em seu conjunto, de permanente construção. Aprendia-se fazendo; era evidente a inseparabilidade do saber, da vida e do trabalho (Brandão, 1984; Harper et ali, 1987). No fim da sociedade medieval, na Europa da Renascença, a educação passou a ser produto de um segmento social, mais especificamente, de uma Ordem religiosa, inteiramente devotada aos interesses da Igreja Católica que reagia à Reforma Protestante: a Ordem dos Jesuítas (Maior, 1966). Comenius e Juan Batista de La Salle são os epicentros desse sistema escolar que avançou criando os colégios jesuítas. Esses eram acessíveis apenas às elites e ensinavam aos herdeiros da aristocracia a pensar e se comportar como senhores. As atividades de ensinar e de aprender passaram a se desenvolver em espaços fechados (salas-de-aula), onde os alunos eram distribuídos em classes, em novos ambientes, longe dos adultos e distantes de outros aspectos da vida de todo o dia. No final do século XVIII, a substituição das ferramentas pelas máquinas e o aperfeiçoamento das últimas acarretou mudanças nos processos de trabalho. O desenvolvimento do capitalismo industrial produziu duas novas classes sociais: a classe burguesa industrial e a classe operária desqualificada. Para dar conta das necessidades engendradas por esse rearranjo social, a escola foi reformulada. Essa deveria atender a formação dos operários e dos integrantes dos quadros técnicos emergentes. O corpo técnico-científico das indústrias ficou a cargo da própria burguesia. A massa trabalhadora por sua vez, receberia uma mínima instrução para que se transformassem em bons cidadãos e trabalhadores disciplinados. Constituiuse assim uma escola voltada à classe burguesa, marcada pela presença de conhecimentos científicos, clássicos e literários; e outra escola destinada à classe de operários, que não foi concebida para dar acesso a estudos mais aprofundados (Harper et ali, 1987). No Brasil do século XIX, a educação era apontada como dever do Estado e instrumento para a conversão de súditos em cidadãos. A educação era centrada na pessoa do professor, personagem cuja responsabilidade era transmitir seu acervo cultural; o que se poderia chamar de pedagogia tradicional, ainda no modelo jesuítico (Saviani, 1983). 38

Enquanto crítica à pedagogia tradicional do século XX surgiria o movimento da Escola Nova. O eixo da questão pedagógica foi deslocado para o aluno, para os métodos ou processos pedagógicos, para a espontaneidade, ao invés da disciplina. Tratava-se de uma proposta pedagógica onde se considerava que o importante não era aprender, mas aprender a aprender. Tal concepção demandaria uma sensível reformulação da organização escolar brasileira; por exemplo, a formação de pequenos grupos com a orientação de um educador. No entanto, as experiências inovadoras da Escola Nova não foram generalizadas no âmbito de todo o sistema escolar. Não foi alterado o panorama nacional, porque esse método educacional implicava em maiores custos restringindo-o às escolas experimentais voltadas a pequenos grupos da elite. O fato trouxe conseqüências importantes. Nos educadores o movimento provocou, segundo Saviani (1983), um afrouxamento da disciplina e despreocupação com o conhecimento. Neste cenário há diminuição no nível de ensino destinado às camadas populares e o aprimoramento da qualidade do ensino destinado às elites sociais. Ao final da primeira metade do século XX, a Escola Nova mostrou sinais de exaustão. A pedagogia nova tinha se tornado uma concepção teórica dominante a ponto de se tornar senso comum a idéia de que seria portadora de todas as virtudes e nenhum vício; enquanto a pedagogia tradicional era percebida de forma inversa. Como resultado desse quadro surgiram duas tendências pedagógicas. De um lado, houve tentativas de desenvolver uma espécie de “Escola Nova Popular”, cujos exemplos mais significativos são as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire. De outro lado, radicalizava-se a preocupação com os métodos pedagógicos, desembocando na busca de eficiência instrumental, compondo uma pedagogia tecnicista que pretendia o trabalho pedagógico baseado na neutralidade científica, na racionalidade e na eficiência. O elemento principal do movimento tecnicista, no bojo da racionalidade científica, seria a organização dos meios. Professores e alunos foram aproximados a uma posição secundária, relegados à condição de executores de um processo elaborado por especialistas. A reorganização das escolas implicou na burocratização, ignorando o específico do fato educacional. As propostas educacionais apresentadas acima, foram problematizadas por Saviani (1983) aproximando-as à luz das tendências em educação conhecidas como: teorias crítico-reprodutivistas e teorias não críticas.

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As teorias não-críticas, como a proposta pedagógica tradicional e pedagogia tecnicista, teriam a seu favor o fato da criação de modelos e métodos de importante aplicação prática. Entretanto, nessa perspectiva a educação teria sido considerada uma prática neutra, com autonomia em relação à sociedade. As teorias crítico-reprodutivistas, por sua vez, considerariam a educação como um instrumento de discriminação social, reforçando a divisão de grupos antagônicos na sociedade. Saviani (1983) afirma que tais teorias contam com um razoável número de representantes e se manifestam em diferentes versões, apontando dentre elas três que tiveram maior repercussão: Teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica - Bourdieu e Passeron; Teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado – Althusser; Teoria da escola dualista - Baudelot e Establet.

Resume-se a seguir as três teorias assinaladas por Saviani (1983):

 Bourdieu e Passeron afirmaram que toda e qualquer sociedade estruturava-se como um sistema de força material entre grupos ou classes. Sobre essa força material e sob sua determinação deveria haver um sistema de força simbólica. A ação pedagógica seria responsável pela reprodução cultural que por sua vez, contribuiria para a reprodução social;  Na Teoria da Escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado, Althusser sublinhava que a escola seria um instrumento para a reprodução das relações capitalistas e envolveria saberes e práticas da ideologia dominante;  Para Baudelot e Establet, a escola seria dividida em duas grandes redes as quais corresponderia a divisão da sociedade capitalista: a burguesia e o proletariado. A escola contribuiria para a formação da força de trabalho e para a consolidação da ideologia burguesa, sujeitando e disfarçando a ideologia proletária. A escola não seria instrumento de luta para o proletariado.

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As teorias crítico-reprodutivistas teriam por mérito colocar em evidência o comprometimento da educação com os interesses dominantes. Por outro lado, podem também ter ajudado a disseminar o pessimismo e o desânimo, tornando mais remota a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os esforços de superação do problema da marginalidade. Portanto, apesar de terem representado uma importante análise crítica da educação, não avançaram propondo soluções práticas (Saviani, 1983). As duas abordagens são contribuições importantes, mas que não foram suficientes para a criação ou a transformação de uma prática educativa com criticidade. A construção de uma teoria crítica em educação seria importante, por buscar oferecer aos trabalhadores da educação substância concreta para um ensino de melhor qualidade, evitando que a mesma seja apropriada e articulada aos interesses dominantes. Tal proposta envolve a constante reflexão acerca da prática, dos efeitos engendrados. Um movimento de mudanças ganharia mais consistência ao atingir o nível das relações que se dão no dia-a-dia das salas de aula. Relações que envolvem diversos atores: os alunos e professores; as instâncias e instituições da gestão pública; os saberes. Saberes que estão relacionados ao modo como a humanidade tem concebido o mundo que habita; o paradigma com o qual tem encaminhado seus conhecimentos. Francis Bacon e René Descartes podem ser assentados no método científico do empirismo. Ao lado das contribuições de Isaac Newton (natureza como uma máquina em equilíbrio, calculável) e Galileu Galilei (geometrização do espaço), o método analítico aprofundou o conhecimento da humanidade acerca do mundo no qual está inserido e acerca de si mesmo (Santa-Rita, 2000). A visão metodológica newtoniana-cartesiana-baconiana-galileliana possibilitou ao homem intervir, adentrar, medir até retomar os princípios gerais para conhecer a natureza. Na lógica baconiana, a principal preocupação era expor a metodologia correta para a aquisição de conhecimento. Com o penso logo existo, Descartes colocou o sujeito na raiz dos saberes (Santa-Rita, 1993). A Ciência Moderna ainda hoje atravessa a escola, contribuindo para a geração de ritos imutáveis, onde um mundo de conteúdos estranhos sem significação nem utilidade imediata é transmitido para os alunos. “Poder-se-ia mesmo dizer que ela se constitui

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contra a natureza, pois que lhe negava a complexidade e o devir13 em nome dum mundo eterno e cognoscível regido por um pequeno número de leis simples e imutáveis.” (Prigogine & Stengers, 1991, p. 4) O conhecimento científico avançou com a especialização cada vez maior dos saberes em níveis ínfimos, mantendo o norte na objetividade, neutralidade, ocasionando uma grande fragmentação desses conhecimentos. Em busca do entendimento de um todo complexo escolheu-se como estratégia a análise que não evoluiu à integração de todo o conhecimento adquirido/produzido. Isolaram-se as partes: homem/natureza, corpo/mente, social/natural; binômios constituintes de um todo agora desintegrado. Essas condições colaboraram para o desaparecimento do homem universal e para a emergência do indivíduo atomizado (Varela, 1993). O currículo enquanto amontoado de conteúdos é um exemplo desse disciplinamento dos saberes, tornando-se um documento estranho, sem formar um quebra cabeças rústico, porque as disciplinas são peças que aparentemente não se encaixam. O paradigma científico ainda em vigor (Bacon, Descartes, Galileu e Newton) supõe que o indivíduo se desenvolve melhor nas suas habilidades como sujeito espectador do mundo. Faz sentido portanto, ter um currículo estabelecido antecipadamente de modo linear, rigidamente estruturado, sem levar em conta a ação do sujeito e sua interação com o objeto, sua capacidade de criar, planejar e executar tarefas (Moraes, 1997). Os saberes vividos, das experiências de vida são desqualificados neste cenário caótico. O professor nesse contexto equivocado é o profissional designado a apresentar o conteúdo “quebra cabeça” aos alunos, isto é, o conhecimento formal e científico. O professor transmite - como o mosquito da dengue transmite a doença - e o aluno deve ter capacidade de reproduzir. O mentalsoma do aluno dessa forma seria algo próximo a uma cômoda. Munido de muitas gavetas mentais o aluno deveria armazenar os conhecimentos considerados científicos e abri-las no momento de possível utilização (às vezes, respondendo as “questões das provas”). Não lhes caberia acessar ou reproduzir o senso comum porque este não está no currículo escolar, logo, não é científico.

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Devir: vir a ser; série de transformações; a transformação ou mudança de estados (Bueno, 1975). 42

Educadores e educandos são percebidos como meros executores, sujeitos a regras que aparentemente não têm condições de mudar. Diversos autores (Bourdieu. & Passeron, 1975; Enguita,1989; Foulcalt, 1990; Harper et alli,1987; apud Santa-Rita 1993, p. 49) falam sobre a microfísica desse poder:

“Existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida o discurso e saberes. Poder que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os intelectuais fazem parte deste sistema. E a idéia de que eles são agentes da consciência e do discurso também faz parte deste mesmo sistema” Todos os aspectos acima debatidos parecem dificultar a construção de uma escola e educação democráticas. A democratização não significa apenas garantir o acesso de um maior número de alunos à escola, nem ter um maior número de alunos das classes populares atingindo níveis mais complexos do setor educacional, ou cotas para pessoas especiais (mesmo percebendo-as como conquistas importantes). A plena democratização envolve a inclusão desses atores nas tomadas de decisão, em discussões que se referem ao currículo, a determinação dos saberes que os alunos precisariam conhecer para um melhor desenvolvimento de suas potencialidades. Significa incluir a comunidade e outros setores da sociedade civil, ao lado do poder público, que até então tem se mantido como instituição única, necessária e suficiente, a qual cabe decidir. Na sociedade brasileira tem-se imputado papéis ambivalentes à educação. Por vezes, é a heroína que luta contra muitos vilões: ignorância, drogas, acidentes de trânsito, doenças, violência, degradação ambiental. Existem leis e projetos, em todos os escalões governamentais, onde avultam as várias educações: para a saúde, para o trânsito, contra as drogas, para o ambiente. Nessas criações ad eternum são geradas Pedagogias de Papel, do mesmo modo aligeirado da criação de Conselhos Municipais de Meio Ambiente, de Papel, (Raulino, 2002) ou Unidades de Conservação, também de Papel (Pereira, 1999; Perobeli, 2001). Em outros momentos, o sistema escolar seria o vilão opressor de atores sociais (docentes, discentes, pessoal de apoio). Uma inimiga forte, mantenedora de um status quo que daria vida e forma às injustiças social e jurídica. Manter-se nestes pólos de discussão seria reduzir a análise educacional a um discurso maniqueísta, à procura de uma natureza binária da educação. A Educação se 43

inscreve no conjunto de práticas produzidas na e pela sociedade: é portanto uma instituição com uma história que tende para objetivos, idéias e modelos diferentes, isto é, configura-se em construção social. Para questionar a relação entre saberes e atores sociais do processo educativo seria preciso recompor “qual é a função da escola ?” A educação instrumentaliza o aluno de aparatos para que ele possa se relacionar satisfatoriamente com a sociedade e seu mundo. No sentido da instrumentalização inclui-se: a aquisição de ferramentas de comunicação; a introdução da linguagem matemática (caminho para entendimento do mundo por meio da articulação lógica das mensagens); os conhecimentos básicos sobre o mundo e a sociedade. Estes três itens seriam os temas que integram os conhecimentos humanos acerca do universo e que mostram como a humanidade se relaciona com o seu espaço e sua marcha social através dos tempos (Gallo, 2000). Formar uma pessoa integralmente por sua vez, seria implementar um processo mais abrangente. Educar seria abarcar a formação social pelo exercício de posturas e relacionamentos que sejam expressão da liberdade, da autenticidade e da responsabilidade, bem como também, instrumentalizar o aluno pela transmissão de conteúdos (Gallo, 2000). Formar alguém significa possibilitar a essa pessoa a construção de uma postura frente à realidade de maneira que ela possa relacionar-se plenamente com os mundos, com o outro, com a totalidade ambiental e com o Cosmos. Não seria possível transmitir uma forma de lidar com o mundo por meio de modelos ou discursos. Não bastaria impor ao aluno preceitos morais, condutas aceitas na sociedade. Essa construção não se findaria na transmissão de conhecimentos formais, mas sugere a necessidade de uma formação social. A instrução é portanto, apenas um aspecto da educação14 que, por sua vez, é uma prática que não se esgota e/ou se origina nos aparatos escolares. O processo complexo da Educação envolve a formação de pessoas, que em conjunto constroem a sociedade; a relação estabelecida entre professores e alunos reproduz o modelo societário vigente. Há relações sociais desiguais no uso da alegoria do arquivamento mental (Educação bancária de Paulo Freire) presente nas gavetas

14

Educação: do latim educatio-onis, polidez. Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança. 44

mentais; mantendo o controle sobre o que, quando, quanto, e como o aluno aprende, separa-se o aprendizado múltiplo da vida, impedindo a expressão plena dos envolvidos. A história da construção da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei n.º 9394 de 20/ 12/ 1996) ilustra como tem sido a participação da sociedade na gestão educacional. No período de 1989 até 1994, foi realizado um processo com vistas à elaboração dessa lei. O processo mobilizou numerosos segmentos da sociedade: universidades, secretarias de educação municipais e estaduais, associações de pais de escolas públicas e particulares, entidades sindicais e estudantis, empresários. No entanto, segundo Ester Grossi (Brasil, 1998), o projeto que vinha sendo construído coletivamente na Câmara foi substituído por outro gestado do Ministério de Educação e Cultura. Desde então, muitas decisões foram tomadas, verticalmente, de cima para baixo, como tem sido há muito tempo: a Avaliação Institucional fora da autonomia universitária; os provões e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); os Novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); os cursos seqüenciais no ensino particular. Como contraponto à verticalização, aponta-se a perspectiva da gestão democrática. A gestão democrática poderia restabelecer o controle da sociedade civil sobre a educação e a escola pública (Bastos,1999). Gestão que deveria visar a democratização da esfera administrativa e demais esferas da escola até chegar à sala de aula. As esferas que envolvem: as relações profissionais; a relação do professor com os alunos e a comunidade; o currículo; o sistema de avaliação; o planejamento pedagógico. Os documentos oficiais demonstram posturas que oscilam entre todas as tendências pedagógicas, das tradicionais às progressistas. Segundo dois documentos oficiais que abordam o tema ambiental (CEA-MEC, 1998 & EA, 2001), os PCN consistem num processo de reorientação curricular da Secretaria de Ensino Fundamental. Tal reorientação teria sido construída para ser uma referência curricular ao ensino fundamental de forma que pudesse ser discutida e traduzida em propostas regionais nos diferentes estados e municípios brasileiros. Os PCN foram descritos como uma estratégia que procura garantir a todo aluno de qualquer região do país o direito de ter acesso aos conhecimentos considerados indispensáveis para a construção da sua cidadania.

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Considera-se que os Parâmetros Curriculares têm a intenção de provocar debates a respeito da função da escola e reflexões sobre o que, quando, como e para que ensinar e aprender, não envolvendo apenas as escolas, bem como o país e a sociedade. A opção que se tomou pelos temas transversais se deveria à necessidade de trabalhar temas como meio ambiente de forma contínua, sistemática, abrangente e integrada e não como áreas ou disciplinas. As áreas convencionais deveriam acolher as questões dos temas transversais de forma que seus conteúdos as explicitem e que seus objetivos sejam contemplados. Mas a experiência da (inter) transdisciplinaridade demanda espaço e tempo para o exercício do diálogo, aproximação entre os diversos atores sociais envolvidos. Os discursos presentes na nova LDB, nos PCNs, nas Diretrizes para o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) são paradoxais e colocam os profissionais da educação - acostumados ao discurso prescritivo e tendencioso - em posição de extrema insegurança (Machado, 2001). Insegurança que pode ser revertida em brechas para que o processo possa ser transformado positivamente. Inserida no rol das práticas sociais a gestão democrática indica uma nova cultura na escola. Cultura de politização, debate e organização, indispensáveis para instaurar sujeitos coletivos criando instituições diretas de participação (Bastos, 1999). A brecha está na própria prescrição dos documentos oficiais. Se os mesmos apontam para a necessidade de reflexões, pode-se e deve-se exigir tempo e espaço para o diálogo, ou caso isso não ocorra, forjar, construir no cotidiano esses espaços. Se é preciso introduzir temas transversais, que a “costura” possa ser a critização de toda comunidade escolar. A emergência da educação para o ambiente retoma esta discussão na sociedade, em setor visto como tábua de salvação para resolver diferentes problemas. A educação contextualizada, abarcando o ambiente em todos os seus aspectos - natural, cultural, histórico, social - parece evidenciar, de modo distinto, a perene natureza fragmentada do ensino escolar. A Educação para o Ambiente desponta como uma forma de resgatar a estreita relação homem/natureza. A Educação e o Homem – conceitos teóricos – não são percebidos como parte de um processo maior, muito além do entorno ambiental. Esta nova abordagem será debatida no próximo item deste texto.

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I - 2. M E I O A M B I E N T E Segundo entendimento preliminar para formular este texto, os debates no campo educacional, no sentido da sua democratização, e da Educação Ambiental são simétricos. A necessidade de introduzir questões ambientais na educação deriva de uma série de análises acerca do modo como o homem construiu sua relação com o mundo, com a natureza e com outros componentes do planeta Terra. O predomínio humano sobre o “mundo natural” se justificou de diferentes formas no ocidente: desde as contribuições dos filósofos clássicos, passando por interpretações bíblicas e afirmações científicas. Aristóteles teria afirmado que a natureza criara tudo em cima de um propósito último, o homem: “as plantas foram criadas para o bem dos animais e esses para o bem dos homens. Os animais domésticos existiam para labutar, os selvagens para serem caçados” (Thomas, 1996, p. 21). Segundo os estóicos, a natureza existia para servir aos interesses humanos. No primeiro livro da Bíblia Sagrada, Gênesis, muitos teólogos do início do período moderno encontraram a justificativa necessária para tomar posse da natureza. O Jardim do Éden teria sido criado para o usufruto do homem. Mas, este ao cometer o pecado original perdeu o direito de exercer o seu domínio sobre as outras espécies. O solo se fez pedregoso e árido, seria preciso um árduo trabalho para o seu cultivo, bem como exercer força para submeter as espécies à domesticação. Observa-se então que, apesar do castigo pelo erro, o domínio prevalecera na mão do homem (Thomas, 1996). A natureza analisada nos moldes cartesianos-newtonianos da ciência moderna, foi percebida como passiva, eterna, reversível. Buscava-se conhecê-la para dominar e controlar. A ciência como previu Bacon, fez do ser humano “o senhor e possuidor da natureza” (Bacon, 1933 apud Santos, 2001, p. 13; Santa-Rita, 2000).

47

O

modelo

totalitário

cientificista

acabou

por

afirmar

a

dicotomia

homem/natureza tanto no campo das ciências naturais quanto no campo das ciências humanas. Tal situação se reflete ainda e por isso, é preciso sempre enfatizar que o homem integra a natureza. Em outras palavras, o homem antes de ser um invasor é parte da biosfera e integra parte de muitos dos seus ecossistemas. O conceito de meio ambiente caminhou paulatinamente de uma concepção puramente biológica para outra que contempla os aspectos sócio-culturais. Essa caminhada pode ser identificada nas quatro últimas décadas do século XX, marcadas por movimentos de diferentes setores da sociedade ocidental que questionaram o processo de transformação sócio-histórico-ambiental construído até então. Em 1953, o mercúrio afetou milhares de pessoas da cidade japonesa de Minamata. Em 1956, na Inglaterra, berço da Revolução Industrial, as mortes causadas pelo smog15 provocaram a aprovação da Lei do Ar Puro. E esses são apenas alguns exemplos das catástrofes ambientais vividas pelo planeta, sem esquecer da bomba atômica jogada pelos Estados Unidos, em 1945, nas cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki (CEA-MEC, 1998). A década de 60 foi marcada por essa ebulição mundial: movimento “hippie” (poder da paz e do amor e contra a corrida armamentista deflagrada pelos blocos capitalista e comunista); revolução estudantil na França (maio de 1968) se estendendo para o mundo; Primavera de Praga na Tchecoslováquia, em revoltas contra o estado comunista da União Soviética. Nesse mesmo período o mundo foi avistado de “fora” pela primeira vez: “a Terra é azul”, admirou-se o astronauta russo explicitando a fragilidade do planeta Terra. De forma emblemática, em 1987, na cidade de Goiânia (Goiás, Brasil) catadores abriram um aparelho radiológico abandonado e se encantaram com o brilho da cápsula de césio-137. No que seria o maior acidente radiológico do mundo, quatro pessoas morreram, centenas se contaminaram e, na contaminação, juntaram-se 3 mil m³ de rejeitos radiativos (CEA-MEC, 1998). Esse grave acidente mostrou que o “perigo nuclear” não está restrito aos arsenais das grandes potências mundiais. Buscando resgatar acontecimentos que motivaram a criação de uma educação global para o ambiente (EA) destacam-se nove aspectos:

15

Smog: neologismo surgido na década de 70. Designa o fenômeno de poluição atmosférica, na qual os contaminantes se misturam à névoa, dificultando a dispersão. É a mistura de fumaça – smoke – mais névoa – fog (Ehrlich & Ehrlich, 1974 apud FEEMA, 1992). 48



Nos Estados Unidos a partir de 1960, sob os efeitos das mortes causadas pelo smog inglês, surgiram o ambientalismo e uma reforma no ensino de ciências com a introdução, ainda reducionista, da temática ambiental (CEA-MEC, 1998);



Em 1965, na Inglaterra, na Conferência de Educação da Universidade de Keele foi usada pela primeira vez a expressão Educação Ambiental, ligada às idéias de conservação ou ecologia aplicada (campo da biologia). A mesma tornava-se parte essencial da educação de todos os cidadãos;



Em 1968, também na Inglaterra, foi criado o Conselho para a Educação Ambiental. Dinamarca, Finlândia, França, Islândia, Noruega e Suécia declararam a inclusão da Educação Ambiental no currículo escolar. O estudo do meio ambiente deveria começar pelo entorno imediato para progressivamente descobrir os ambientes mais distantes (local partindo para o global) e deveria ser apresentado nos seus aspectos sociais, culturais, econômicos e não apenas físicos;



Em junho de 1972, na Conferência de Estocolmo além da criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) foi recomendada a criação do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA) para ajudar a enfrentar a ameaça de crise ambiental mundial;



Em 1975, na Conferência de Belgrado, foram escritas a legislação, preceitos e diretivas sobre a Educação Ambiental;



Em 1977, foi realizada a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi (na Georgia, antiga componente da União Soviética) para construção das definições, os objetivos, os princípios e estratégias adotadas em todo o mundo;



Estudos da UNESCO, da década de 80, sobre Ambiente versus Escola indicavam que a Educação Ambiental não deveria constituir-se numa disciplina específica no currículo escolar, porque complexa e interdisciplinar;



Várias publicações posteriores do PNUMA (1980, 1985, 1986, 1988 e 1989) aperfeiçoaram princípios e recomendações da Educação Ambiental 16;

16

Boas trajetórias históricas da Educação Ambiental podem ser encontradas em CEDI/CRAB (1994) e Pedrini et alli (1998). 49



Na Conferência Rio-92 – United Nations Conference on Environmment and Development – os esforços para implantar a Educação Ambiental ganharam nova força no Brasil.

As reflexões mundiais sobre o meio ambiente afetaram o Brasil tardiamente. Nesse sentido, o documento da Coordenação de Educação Ambiental (CEA) do MEC (1998) e a bibliografia pertinente aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002), representam uma importante ferramenta por comentarem iniciativas que aproximaram a educação e o ambiente. O primeiro documento descreve algumas iniciativas que ocorreram antes do estabelecimento de diretrizes governamentais (antes da década de 70), no entanto “tantas outras são difíceis de acessar porque os registros são raros ou inexistentes, constituindo uma grande perda para pesquisas” (CEA-MEC, 1998, p. 36). Enquanto no mundo os debates acerca do meio ambiente avançavam no sentido de questionar o modelo de crescimento a qualquer custo, o Brasil vivia, na década de 70, uma situação inversa: a fase do “milagre econômico”. Megaprojetos, criticados no exterior, espalharam-se pelo país (Usina Nuclear de Angra dos Reis, Projeto Carajás, Ponte Rio-Niterói, grandes hidrelétricas, como a de Sobradinho entre outros). Apesar das críticas mundiais, uma delegação brasileira participou da Conferência de Estocolmo, em 1972. O Brasil assinou, sem restrições, a Declaração da ONU sobre o Meio Ambiente Humano. No ano seguinte, a Presidência da República criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) cujas atribuições envolviam desde o controle da poluição até a educação (CEA-MEC, 1998). A SEMA definiu Educação Ambiental como um instrumento para levar os diversos atores da sociedade a um entendimento e à percepção de que o ser humano é parte do meio ambiente. Para tal objetivo deveriam ser criadas atitudes adequadas com a natureza, compreendendo a educação informal além da formal-clássica (CEA-MEC, 1998). Um pouco antes da Conferência de Tbilisi, em 1977, foi reunido um grupo de especialistas que produziu o primeiro documento oficial do governo brasileiro. O documento Educação Ambiental introduziu princípios e objetivos para o setor, alinhados com a inclusão do elemento humano, conforme postura indicada em Tbilisi onde o ambiente foi conceituado como “conjunto de sistemas naturais e sociais em que

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vivem o homem e os demais organismos e de onde obtêm sua subsistência” (UNESCOPNUMA, 1978 apud Medina, 1994, p. 19). A Constituição Federal promulgada em 1988 dedicou um capítulo à área ambiental. Nesse capítulo (Brasil, 1989, p. 125) o Artigo 225 afirma: “... todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, para o bem das futuras gerações.” O Inciso VI, do capítulo ambiental apontou a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Outras jurisprudências citariam a Educação Ambiental até que, em 1999, foi publicada a Lei N.º 9.795 (27/04) que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Quinze anos após Tbilisi, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) se transformaria em um momento especial para a Educação Ambiental. Três documentos ligados ao tema foram engendrados neste evento.  A agenda 21, em especial o Capítulo 36;  A Carta Brasileira para a Educação Ambiental, visando à introdução da mesma em todos os níveis de ensino;  Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.

Na esfera do MEC ações se multiplicaram a partir de 1996. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei n.º 9.394/96) mudou a concepção curricular no ensino formal e inseriu a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino. Em 1997, os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) pela primeira vez, deram indicações de como incorporar a dimensão ambiental, na forma de tema transversal, nos currículos do ensino fundamental.

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Os temas transversais são encarados como uma estratégia que visa um tratamento didático às questões sociais a serem apresentadas para aprendizagem e reflexão dos alunos. O tratamento didático deveria contemplar a complexidade e a dinâmica de tais questões, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. Para integrar as questões sociais ao currículo pretende-se que os temas transversais articulem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-os à atualidade e ao convívio escolar (EA, 2001). No documento Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, p.36) que trata do tema meio ambiente, afirma-se que: “Os conteúdos de meio ambiente serão integrados ao currículo através da transversalidade, pois serão tratados nas diversas áreas do conhecimento de modo a impregnar toda a prática educativa, criando uma visão global e abrangente de toda a questão ambiental. As áreas das Ciências Naturais, História e Geografia serão as principais parceiras para o desenvolvimento dos conteúdos, pela própria natureza dos seus objetos de estudo. As áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Educação Física e Arte ganham uma importância fundamental por constituírem instrumentos básicos para que o aluno possa conduzir o seu processo de construção do conhecimento sobre meio ambiente”. Foi estabelecido como um dos objetivos do tema meio ambiente, introduzir formas que visem a incorporação orgânica da questão ambiental no interior da prática disciplinar cotidiana da escola. Evitando o tratamento apenas excepcional associado às datas festivas, porém desarticulado dos conteúdos das disciplinas. Também sugere formas de atuação e participação na própria escola e na comunidade onde a mesma está inserida (EA, 2001). O meio ambiente foi inserido no currículo nacional como um tema transversal para todas as escolas do ensino fundamental. Mas, independente dos clichês e antes mesmo da proposta oficial, conforme se pode avaliar neste estudo, muitos professores já incluíam o tema em suas práticas pedagógicas cotidianas. Os dirigentes educacionais seguiram o modelo espanhol, causando uma reação surpresa em parte dos profissionais que há tempos realizavam essas atividades. A proposta oficial ignorava o acúmulo teórico e prático conquistado (Gadotti, 2000; Reigota et ali, 1999). A Educação Ambiental emergiu como possível solução aos problemas da modernidade sem que antes tivesse sido produzida uma resolução ou 52

atenuação dos problemas existentes no quadro da educação brasileira (falta de professores, exclusão do alunado, violência, profissionalização débil, entre outros). A idéia governamental se baseia na crença de que o acesso ao conhecimento modifica posturas individuais ou de pequenos grupos. Essa visão de Educação Ambiental aponta para uma perspectiva de adestramento de sujeitos alicerçada numa visão instrumentalizada (não ambiental) do mundo. Os problemas ambientais não são tão simples a ponto de se resolverem por meio do acesso ao conhecimento ou de restrita formação de posturas (Garcia et alli, 1993). Tão pouco o tema ambiental pode ser reduzido a uma disciplina, por não ser restrito a um campo de conhecimento. O ambiente não envolve apenas estudos biológicos ou exatos, mas humanos e não-humanos, ou sejam sociais, antropológicos, físicos, químicos, sociológicos. O ambiente é resultado das relações complexas que se estabelecem entre a natureza e a sociedade. A questão ambiental se constitui num campo essencialmente interdisciplinar, pois resulta do intercruzamento de ciências, normas e valores, ainda que por razões diferenciadas e não dicotômicas. Segundo Rodhe (1996) o advento das ciências ambientais se deu como revolução científica em pelo menos três níveis, científico (grande parte dos enigmas da ciência natural normal seria colocado na realidade pela ação humana, direta ou indiretamente), epistemológico (substituição do paradigma da causalidade newtoniana-cartesiana por uma causalidade autoorganizativa) e metafísico-epistemológico (necessidade de novos diálogos entre a atividade científica e a especulação pura). O cunho idiográfico17 das ciências ambientais aponta para a hermenêutica e para a ética (Kuhn, 1979 apud Rohde, 1996). Em novo discurso e enfocado neste estudo, as análises pretendem revalorizar o conhecimento singular, subjetivo e pessoal. A participação nas decisões e o sentimento de pertencimento refletem um outro modo de encarar o processo educativo e de produção/aquisição de conhecimentos (Normande, 2000; Reigota et alli, 1999). “Se o movimento ecológico é o resultado de uma consciência coletiva da responsabilidade individual, como reduzi-lo na escola à disciplina educação ambiental?” Essa questão formulada e respondida por Garcia (1993, p. 35) um ano após a Conferência Rio-92 critica a delimitação da disciplina Educação Ambiental, transformada em conteúdos de ecologia e/ou atividades e eventos episódicos.

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Do grego ídio, próprio, pessoal, privativo, se documenta em si. Idioma e seus derivados. 53

A educação deveria abarcar o ambiente resultando num projeto político construído coletivamente na interação escola e comunidade, articulado a outros movimentos populares organizados e comprometidos com a vida, com participação política dos atores sociais. O que seria um desafio na sociedade com pouca tradição democrática como é a brasileira, mas que constituiria uma possibilidade de contribuir para o exercício da cidadania (Garcia et alli, 1993; Morin, 1990). Os educadores como atores presentes têm o seu convite à mudança. Para tanto seria preciso acreditar que não há docência sem “discência”, que ensinar não é transferir conhecimentos simplesmente; que ensinar é uma especificidade humana e um ato político (Freire, 1996). Uma educação nesses moldes é aquela onde a experiência cotidiana de cada cidadão, de cada comunidade ou de cada grupo social transforma-se em fonte de questionamentos, de criatividade, de participação onde o saber tem sabor. (Alves, 1984). Por tudo o que foi exposto, acredita-se que diante da temática ambiental a prática educacional sofre um desvelamento do modo como é realizada; corroborando os debates e análises há muito produzidas. Esse processo está intimamente ligado à concepção de ambiente adotada. Se a abordagem ambiental estiver calcada apenas em discussões técnicas e episódicas (coleta seletiva, horta, reciclagem de papel); no ensino da ecologia de caráter biológico, mecanicista e sem crítica, provavelmente, não alcançará todo o complexo conceitual que amplia o ambiente. A Economia, a Ciência, a História, a Política devem ser privilegiadas neste ambiente ampliado. A Tabela 1 a seguir, construída a partir dos dados citados em Medina (1994), mostra 6 categorias de análise (Avaliação; Conhecimento; Educação; Metodologia; Relação Homem/Mundo; Relação Professor/Aluno), como as vertentes ecológica e preservacionista e as vertentes socioambientais abordam a relação educação e ambiente de formas distintas.

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Tabela 1 – Abordagens de Educação e Ambiente ABORDAGEM VERTENTES DE EDUCAÇÃO ECOLÓGICA E PRESERVACIONISTA AMBIENTAL - Separam “mundo construído” de RELAÇÃO “mundo natural”; HOMEM - Natureza é tudo o que está “fora”, não E inclui o homem; MUNDO - Idealiza e atribui valores estéticos e éticos a uma “natureza virgem”; - Paralisação do desenvolvimento, a manutenção do status quo”; - Procuram uma harmonia universal; - Natureza concebida como valor supremo. CONHECIMENTO - Não existe uma teoria de conhecimento explícita. Privilegiam o conhecimento originário da experiência; - Visão imediata, supostamente “holística” – consideração da totalidade esquecem a complexidade das interrelações; - Priorizam o conhecimento popular; - Criticam o positivismo. - Privilegiam os processos não formais de EDUCAÇÃO educação; - Educar para preservar a natureza (sacralizada), sem uma análise econômico-social das causas dos problemas ambientais; - Formação individual e mudanças de comportamento em relação a natureza: suficientes para reverter o processo de deterioração; - Educação Ambiental = ensino da ecologia. METODOLOGIA - Destacam a importância de “sentir” e amar a natureza; - Atividades extra-escolares que permitam um maior contato com a natureza; - Plantio de árvores, construção de hortas escolares, coleções entomológicas e botânicas. - Tende a ser horizontal, amistosa RELAÇÃO combinada com elementos de relação PROFESSOR vertical onde o professor impõe visões E geralmente reducionistas; ALUNO - Pretendem formar essencialmente os aspectos éticos e estéticos. AVALIAÇÃO - Base em valores advindos do amor à natureza; - Verificação da mudança de comportamento; - Memorização dos conhecimentos; - Reconhecimento de atitudes efetivas e incorporação de valores morais.

VERTENTES SOCIOAMBIENTAIS -

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Reintegram o homem na natureza como espécie biológica; Ênfase nas inter-relações dinâmicas, historicamente construídas; Ambiente construído no processo histórico das inter-relações entre sociedade e natureza; Postulam uma compreensão das inter-relações mediadas pelos estilos de desenvolvimento. Não existe teoria explícita; Fundamento oriundo do confronto com a própria experiência e com as reflexões epistemológicas a respeito; Ênfase: inter-relações históricosociais e conhecimento científico e saber popular. Criticam o paradigma positivista; Privilegiam os aspectos formais e não formais (ambos se complementam); Educar para preservar e conservar a natureza no marco da análise econômico-social dos problemas ambientais; Orientação: solução de problemas socioambientais; Caráter interdisciplinar; Caráter permanente orientada ao futuro. Metodologias que abarquem uma abordagem pedagógica moderna; Situações-problema, núcleos de estudo, organização de atividades de pesquisa, trabalho em equipe; Estudando as inter-relações, postulam metodologias multi/interdisciplinares. Professor mediador e organizador do processo pedagógico (deve-se permitir relações sociais democráticas); Relação dialógica. Busca-se a geração de atitudes de cooperação e respeito; Não existe um campo definido sobre o processo de avaliação em Educação Ambiental, sendo o mesmo de acordo com a proposta de ação.

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Uma educação para o ambiente, com o ambiente, deveria ser percebida não como neutra, e sim ideológica, traduzida em atos políticos, visando a manutenção da correlação de forças sociais existentes ou sua transformação (Reigota et alli, 1999). Infelizmente, no Encontro (Rio + 10), realizado em 2002 na cidade de Johanesburgo (África do Sul), a Educação para o Ambiente parece ter sido esquecida pelos planejadores e tomadores de decisão. Por fim, este debate resgatou alguns aspectos para dar relevo às transformações que Ambiente, Democracia e Educação configuraram em 2 tempos-espaços distintos: 

A inserção de atores sociais nas tomadas de decisão;



A revisão crítica do currículo escolar

As saídas para a transformação não estão prontas e não existe uma receita a ser seguida. Ainda assim, muitas ferramentas de luta podem ser forjadas: o senso crítico e a criatividade são umas delas. O senso crítico seria uma tática por consistir primeiramente, em não encarar as relações entre os atores sociais e/ou saberes como naturais; elas são produções humanas. A criticidade, envolve uma capacidade de avaliar os efeitos produzidos por essa cadeia de relações na sociedade. A capacidade criativa implica, por sua vez, em ter o poder, ou permitir-se o poder de criar o diferente. Uma educação para o ambiente comprometida com esses princípios pode ser uma interessante ferramenta de luta, em especial o método esboçado nesta dissertação. Grifase a palavra para lembrar que essa é uma possibilidade. Nada garante a priori o caráter crítico ou a transformação da intenção em ação refletida. Neste novo cenário, seria importante, portanto, estar cada vez mais atento ao entorno da escola para engendrar um olhar crítico acerca da realidade, possibilitando a Educação local para o Ambiente. Acompanhar o movimento. Cartografar as cenas. A cartografia realizada nesta dissertação segue no próximo capítulo.

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CAPÍTULO DOIS

A PAISAGEM DO BAIRRO - ESCOLA CIEP RUY FRAZÃO SOARES (N I T E R Ó I - R J)

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II – 1. O C O N C E I T O D E P A I S A G E M

Após a recuperação de debates e documentos, das linhas Ambiente e Educação, o presente capítulo apresenta a Geografia da rede de conceitos que este texto dissertativo procura tecer. O conceito de paisagem da linha Geografia tornou-se uma importante ferramenta de análise por possibilitar cartografar a paisagem do BairroEscola CIEP Ruy Frazão Soares (Engenho do Mato, Niterói/RJ). Na introdução foi esboçada a estratégia conceitual de rede que ajuda a delinear conexões existentes entre os diversos saberes. Neste capítulo recupera-se um certo diálogo já existente entre Psicologia e Geografia - duas abordagens do estudo. Em textos de Barros & Brasil (1992, p 228), psicólogas envolvidas com a teática institucionalista da Psicologia Social encontram-se fragmentos com referências à Cartografia, (conceito articulador) onde se afirma: “A Cartografia é um desenho que acompanha os movimentos de transformação de uma paisagem. Neste sentido, ela é sempre provisória e singular. Ela diz das linhas que são puxadas daqui e dali e que se tecem no seu próprio acontecer . (...) A Cartografia não tem a pretensão de verdade nem de universalidade. Ela acompanha os movimentos e compõe uma realidade.” A noção de cartografia adotada se diferencia da representação do espaço em forma de mapa, considerada estática pelas autoras. Procurou-se destacar o sentido dinâmico das paisagens. Convém salientar que Barros & Brasil (1992) e Rolnik (1989) ocuparam-se provavelmente, de paisagens psicossociais. Porém, neste estudo, a Paisagem foi abordada de um ponto de vista geográfico, destacando os aspectos estéticos. Na Psicologia Social, em especial, há um grande uso de metáforas espaciais (posição, deslocamento, lugar, campo) e geográficas (território, domínio, horizonte, paisagem). Tal ocorrência deve-se, em grande parte, às contribuições de Michel Foucault, autor que foi muito reprovado por suas “obsessões espaciais”. Através delas o 58

autor pensou ter descoberto as relações que podem existir entre poder e saber, aquilo que enfim procurava. Longe de serem reacionárias (porque remetidas ao exército), abusivas ou ilegítimas, as metáforas espaciais são sintomas de um pensamento “estratégico”e “combatente”, que coloca o espaço do discurso como terreno e objeto de práticas políticas (Foucault, 1979). Paisagem e cartografia, dentre outros termos que neste texto aparecem, procuram afirmar o olhar estratégico e combatente. Aliás, poder-se-ia afirmar que as mesmas são ferramentas-conceitos e não palavras com sentido figurado. A paisagem aparece como espaço analisável visualmente e a cartografia como representação do mesmo. Esta seção do capítulo ocupa-se do primeiro conceito, a paisagem. Buscando o conteúdo etiológico da palavra paisagem na bibliografia consultada, observou-se sua ligação às práticas sociais e culturais. A palavra grega “paisagem” é o mesmo vocábulo que indica país, compreendido como espaço e não como visão político-administrativa. No latim clássico não se conhece termo correspondente ao português, mas nas línguas neolatinas (espanhol, italiano e francês) há vocábulos bem próximos da palavra que usamos em português (Bley, 1996). Em espanhol paisage é definida como porção de terreno considerado em seu aspecto artístico. Paisaggio em italiano, tem a mesma conotação vinculada à expressão artística. Em francês, paysage é um termo derivado de pays e significa extensão de uma região que vemos de um certo aspecto (Bley, 1996). O termo alemão landschaft significa tanto uma unidade de ocupação humana, uma jurisdição, quanto qualquer coisa que pudesse ser aprazível objeto de uma pintura. Landscape entrou na língua inglesa no final do século XVI, procedente da Holanda, da palavra landschaft, que tinha o mesmo significado no alemão. Nos campos alagados dos Países Baixos, cenário de formidável engenharia humana, uma comunidade desenvolveu a idéia de uma landskip, segundo o inglês colonial da época. Com a moda das paisagens holandesas na Inglaterra, o artista erudito Henry Peacham incluiu em seu manual de desenho o primeiro conselho prático sobre a maneira de elaborar landskip (Schama, 1996). A preocupação com a paisagem começou a se manifestar na literatura no século XVIII, mas foi no século XIX, sobretudo em sua segunda metade, que as paisagens reais apareceram na pintura. Ainda no século XIX, observou-se o surgimento e desenvolvimento da Geografia acadêmica (Lacoste, 1977). 59

Vidal de La Blanche inaugurou na Geografia o estudo da paisagem e sua descrição. Seus postulados foram reforçados por autores de gerações posteriores que definiram-na como um campo de visibilidade, como uma porção do espaço geográfico analisada visualmente (George apud Barbosa, 1998), como um aspecto imediatamente perceptível do espaço geográfico (Dolfus, 1973 apud Barbosa, 1998). Segundo Lacoste (1977), as paisagens que os geógrafos analisavam no século XX não poderiam mais ser vistas sobre a terra, a partir de certos pontos de observação (aviões, por exemplo). O que os geógrafos descreveriam a partir da observação da paisagem a milhares de metros de altitude não seriam paisagens reais e sim mapas observadas da terra, enquanto representações abstratas do espaço. A paisagem seria uma vista, um olhar, que se dá em três dimensões de uma porção do espaço terrestre onde a proporção e a disposição da extensão da fisionomia depende, em parte, das formas do relevo, da vegetação e de outra parte, da localização (em particular da altitude) e do ponto de observação. A paisagem se caracteriza fundamentalmente pela variação de escalas e pelos espaços ocultos que dependem do ponto de observação. Um mesmo espaço pode ter paisagens diferentes conforme os pontos de onde se observa (Lacoste, 1997). Se a paisagem muda de acordo com os pontos de onde se observa pode-se ampliar o entendimento dessa variação ao sujeito inscrito na ação. A paisagem varia de acordo com o olhar de quem a observa. O olhar aqui entendido como uma produção de sentido (significação) e não somente como o exercício do sentido da visão (Ronai 1986 apud Barbosa, 1998; Lacoste, 1997). O modo de olhar o mundo das coisas varia nas diferentes sociedades; são instituídos pelas práticas sociais. Pensar a paisagem como mediação entre o mundo das coisas e aquele da subjetividade passou a ser possível para a Geografia (Berque, 1985 apud Barbosa, 1998). Outro estudioso, Alain Roger, afirmou que a contemplação da paisagem não seria derivada das formas da natureza, resultado de um ato passivo, mas sim da instituição da cultura. O corpo social teria inventado tal contemplação dando-lhe um significado e um valor. Contemplar a natureza não seria uma atitude natural, programada biologicamente (Marcel, 1994). Um bom exemplo do que disse Roger pode ser buscado nas representações da paisagem no Renascimento.

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Nesse tempo-espaço, as primeiras representações da paisagem na Europa receberam forte inspiração nas grandes paisagens místicas asiáticas. Representava-se o espaço de Deus. A pintura européia da paisagem, iniciou-se com componentes religiosos e retratando o espaço do poder: o poder dos reis, príncipes e da igreja, ambos comandatários dos artistas (mecenas). No Renascimento, como uma das principais inovações culturais, pode-se destacar a produção de certas categorias sociais: a idéia de indivíduo, de sua liberdade, de seu destino. Tais idéias parecem ser a razão do interesse passional pela paisagem e suas imagens (Lacoste, 1977). O Renascimento possibilitou a significação de uma visão de paisagem que não seria mais aquela inacessível, próprias da monarquia. A visão de paisagem estaria mais próxima do conceito de liberdade burguesa; liberdade de ir a lugares acessíveis; indivíduos livres e capazes de se aventurar. Se ao nível da sociedade o problema do espaço é aquele do poder, dos poderosos que o controlam e o organizam, ao nível do indivíduo o problema da paisagem (espaço concreto tal qual é visto de determinado ponto) é aquele de sua liberdade (Lacoste, 1977). A paisagem geográfica, fruto da interação da sociedade com o meio natural e marca de uma civilização, teria o sentido de sua morfologia definido pela cultura. A Paisagem seria instituída em cada sociedade, classe, etnia ou grupo social (Barbosa, 1998). Uma vez atrelada ao ideal de liberdade burguês e à liberdade de ir e vir de acordo com a própria determinação, três perguntas acerca da Paisagem podem ser feitas:  Quem escolhe uma paisagem ou outra?  Quem determina o lugar da liberdade?  Que valores foram criados acerca da paisagem?

Como ação cultural a contemplação das paisagens reais (como o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares) faz-se por meio de pressupostos ideológicos e de condicionantes estéticos. Os condicionantes estéticos não estariam restritos às práticas artísticas, ao mundo das artes, de culto ao belo. Lacoste (1977) sublinha que o interesse estético às paisagens reais seria um fenômeno social recente. 61

No fim do século XIX os pintores impressionistas deslocaram seu objetivo na representação dos detalhes, da representação precisa das paisagens reais para se dedicarem a uma realidade global, à criação da obra de arte. Essa preocupação nova pelas paisagens reais seria contemporânea à aparição e desenvolvimento da fotografia (Lacoste, 1977). A luminosidade, a luz, reorientou a pintura e possibilitou a obra impressionista. Mas, ao contrário da fotografia (em preto e branco, onde a luz é decisiva), os impressionistas orientavam seus trabalhos nas cores e suas qualidades espaciais. A fotografia despontou como o meio essencial de representação das paisagens reais. Ela se impôs e se transformou, no século XIX, num fenômeno de massa nos países desenvolvidos. Tal propagação possibilitou a mudança da visão de mundo pela transformação em valores estéticos de paisagens reais que a maioria dos sujeitos considerariam normais. Em outros tempos, antes da fotografia, apenas as raras paisagens seriam dignas de representação. A transformação em objetos estéticos das paisagens reais foi facilitada pelo fato da fotografia oferecer a idéia, a ilusão de que ela reproduz e seria equivalente à visão direta. Tal afirmação não condiz com a imagem produzida pelos fotógrafos profissionais, no século XX que recorrem a filtros, lentes especiais e focos cuja maquiagem pode transformar a imagem de qualquer paisagem e quaisquer pessoas. As belas paisagens não seriam somente as paisagens naturais, elas seriam também urbanas, onde se pode situar a questão da especulação imobiliária. A paisagem passou a receber um valor de mercado. As fotos das paisagens urbanas e naturais consideradas belas passaram a ser vendidas pelas agências de publicidade. Paisagens ideais para aproveitar as férias, para andar de automóvel, para morar, para vender produtos e comportamentos (postais). Paisagens repletas do “verde ecológico” que alimentam a especulação imobiliária, atraindo ocupantes para áreas sem infra-estrutura construída, quase sempre localidades com ecossistemas que precisam ser protegidos. Essa sensibilidade às paisagens grandiosas ou pitorescas é uma das características da “sociedade do espetáculo” que organiza a mídia (Debord, apud Lacoste, 1977). Situando essa discussão para o objeto da pesquisa, Niterói-RJ vem se tornando uma cidade que utiliza a paisagem como espetáculo devido à massiva propaganda que seus governantes realizam. 62

A administração do município de Niterói, notadamente da década de 90, transformou em cartão postal e símbolo da cidade um Museu que expõe arte contemporânea. O Bairro-Escola deste estudo se situa no bairro do Engenho do Mato, na região oceânica, uma das áreas mais valorizadas da cidade. Essa é a maior região do município, possuindo uma área de 49 Km². Tal área apresenta uma paisagem variada marcada pela presença da serra da Tiririca, de lagunas e de praias oceânicas. Serra e Mar: paisagem valorizada pela especulação imobiliária que atrai moradores. A ocupação não planejada acarreta vários problemas como: abastecimento precário ou inexistente, desmatamento e todas as conseqüências possíveis, dentre outros. Dentro dessa cidade espetáculo que vêm se tornando Niterói segue-se a montagem/construção das cenas que constituem a paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares, e conseqüentemente de parte do bairro do Engenho do Mato. Em seu sentido abrangente, a paisagem não está remetida apenas aos aspectos dito naturais ou bio-físicos, mas envolve tudo o que está inscrito no espaço demarcado no Bairro-Escola, ou seja, a escola, as pessoas, a serra, as ruas entre outros aspectos que seguem na cartografia realizada nesta dissertação.

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II – 2. C E N A S D O B A I R R O – E S C O L A CIEP RUY FRAZÃO SOARES

Para cartografar o Bairro-Escola, ou seja, representar aquele espaço, recorreu-se à estratégia de separá-lo por cenas, destacando alguns dentre outros tantos movimentos engendrados. As cenas estão apresentadas em separado apenas para que se possa sublinhar determinadas ações consideradas mais relevantes para o estudo. Trata-se de um corte estratégico pensado para facilitar a visualização das ações. As cenas destacadas são: a cena escolar; a cena “natural”; a cena social e a cena sociocultural. A apresentação envolve tanto dados pesquisados em outros estudos sobre o local, quanto as falas das educadoras, alunas, funcionárias e mães do CIEP Ruy Frazão Soares. Assim sendo, possibilitou-se o confronto entre a visão dos peritos sobre a paisagem (incluindo aqui o administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca), por meio dos dados da pesquisa bibliográfica, com discursos dos entrevistados. Na cartografia da paisagem do Bairro-Escola Ruy Frazão Soares serão destacados aspectos geográficos, biológicos e humanos, todos interdependentes. A ordem alfabética da apresentação das cenas (escolar, “natural”, social e sociocultural) busca demonstrar que não se identificaram hierarquias. II – 2.1: A Cena Escolar

Esta cena é cara à pesquisa, pois dela tomam parte atores importantes que compõem a comunidade escolar; nela acontece a educação dita formal. Nessa cena, segundo as demandas institucionais, deve-se desenvolver a temática ambiental como tema transversal ao currículo escolar. A comunidade escolar do estudo é composta por diversos atores: alunos, educadores, funcionários e pais. Interessa em especial os atores da comunidade do CIEP Ruy Frazão Soares. 64

Em 1996 no CIEP estudado, sob coordenação da UFF (oficinas do Programa de Extensão) foram realizadas atividades com licenciandos(as) de Matemática, Ciências Biológicas, Pedagogia, História e Geografia da Faculdade de Formação de Professores (FFP/UERJ), que participaram como monitores de oficinas com os professoras do primeiro segmento do primeiro grau no CIEP A proposta do programa era compartilhar ações/reflexões com futuros(as) docentes ou com docentes em exercício, para geração de conhecimentos significativos nos pesquisadores(as) em sala de aula. No primeiro trabalho da UFF no Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares, em 1997, a metodologia, as conceituações e as avaliações realizadas em cada módulo da proposta pretendiam avaliar, debater e experienciar práticas pedagógicas em “organização continuada” e embasadas na perspectiva da re-construção do conhecimento. Na atividade realizada com educadores do CIEP Ruy Frazão Soares há sete anos houve preocupação de levar o(a) futuro(a) professor(a) a ir re-construindo o seu conhecimento científico tomando como referencial teórico a pedagogia sóciohistórica (Brazil et alli, 1997). Entretanto, nos primeiros contatos efetuados com a escola, foi notável o esquecimento do corpo docente, de apoio e da direção sobre tal atividade de extensão. Essa se prolongou por um tempo razoável (três meses) e nas ações abordou-se como premissa que a educação (para o ambiente e o desenvolvimento) era um ato político. Em entrevista, a história contada pela direção da escola relata uma trajetória que apesar de singular do CIEP, assemelha-se a outros Centros Integrados de Educação Pública: “O CIEP Ruy Frazão Soares foi inaugurado em setembro de 1993 com todos os programas funcionando normalmente, com todo o pessoal de apoio, com recursos humanos como os professores e os programas especiais: aluno residente, animação cultural, biblioteca comunitária, educação física. Tudo o que dava apoio ao trabalho. Ele começou com tudo direitinho. Então, dois anos seguintes, quando mudou o governo, o governo que veio não deu a mesma ênfase, o mesmo valor das escolas de horário integral. Então sucateou, tirou os professores, colocou os professores de 20 horas, não fez a manutenção que o CIEP precisa. O CIEP precisa de uma manutenção enorme. Então, nós perdemos tudo o que tínhamos: como sala de estudos dirigidos onde a criança estudava à tarde; nós não tínhamos profissional para isso. A animação cultural foi reduzida. Os próprios professores de sala de aula nós não tínhamos, como não temos hoje, é uma falta de professor imensa. Tudo isso fez com que o projeto ficasse defasado. Hoje temos um projeto completamente diferente. 65

Estamos lutando para continuar como uma escola de horário integral funcionando com todos os programas, mas estamos encontrando algumas resistências, algumas dificuldades.” Historicamente os atores da cena escolar não têm uma relação muito fácil. Educadores (como bem ensinou Paulo Freire em substituição ao termo professores) e alunos nem sempre conseguem manter um diálogo, nos diferentes cenários montados na história brasileira. Diálogo como comunicação direta de escuta e fala simultâneas, envolvendo ambos atores. O aluno apresenta-se quase sempre como um grande ouvinte e o professor como o grande falante18. Os funcionários seriam o elenco de apoio que possibilitaria e facilitaria a ação dos demais atores. Os pais e/ou responsáveis são quase sempre os atores que, segundo os educadores, convidados a atuar, abdicam. Costumam ser percebidos como aqueles que se eximem de educar seus filhos e entregam a árdua tarefa aos educadores; são os consumidores sem obrigações. Quanto a essa situação, a direção da escola também enfocou a sua experiência nas lutas diante das dificuldades encontradas, principalmente no início do ano letivo de 2001: “A comunidade agora, aqui neste ano está mais crítica, exigindo mais, porque isso foi um trabalho da escola com ela. Quando nós chegamos aqui, era uma comunidade que aceitava tudo passivamente, só queria que tivesse professor em sala de aula. E isso, esse ano, a gente está sentindo que eles estão lutando junto com a escola. Porque quando nós voltamos este ano e dissemos para eles que não tínhamos professores e aí alguém disse assim: ‘mas o diretor é responsável’. Nós colocamos para ele que não é o diretor, que tem de ser um trabalho feito por todo o mundo, que nossa parte a gente faz (pedir, mandar ofício, ficar em cima e nós não conseguimos). E a escola colocou para a comunidade que ela tinha força, que tinha vez desde que se unisse, que se organizasse e isso está acontecendo. Elas estão se unindo, estão reivindicando, estão na frente disso aí, fizeram uma associação de pais. Não é uma associação de pais e mestres não, é uma associação aonde eles vão trabalhar todos os problemas da escola. Reivindicar, valorizar, contribuir. Então, isso está acontecendo e nós podemos sentir que a comunidade cresceu muito dando a mão à escola.”

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Alusão a figuras do livro referenciado no capítulo anterior, Cuidado Escola ! (Harper et ali, 1987). 66

A simplificação na apresentação dos atores não espelha necessariamente a dinâmica complexa das ações, mas pretende ilustrar o quanto atuações fortes são complicadas e podem dar resultados concretos. Um complicador de considerável monta, como se pôde perceber nos relatos, é a atuação do grupo de atores dos órgãos governamentais. São eles uns dos grandes responsáveis pela gestão das escolas que por fim irão impor as regras e condições preponderantes para que a cena escolar aconteça. Às vezes, detalhes que à primeira vista seriam pequenos, transformam-se em grandes obstáculos e entraves para o bom funcionamento das escolas. Problemas maiores como a falta de professores, são grandes, graves, comuns e comprometem todo o trabalho pedagógico. Como debatido nos relatos anteriores, uma escola de turno integral como o CIEP estudado, tem uma especificidade quanto à necessidade de professores na unidade. Contudo, tal especificidade não tem sido resolvida: “A nossa falta maior é o professor em sala de aula. No momento ainda não temos e o ano passado nós tivemos contrato de 20 horas, tivemos GLP, que é a dobrada do professor que já tem matrícula. E isso não deu certo porque realmente o aluno tem de ter o referencial de um professor que trabalhe o dia todo com ele e atrapalhou demais. Então, nós diretores de CIEP nos reunimos, colocamos essa problemática estamos lutando para que o contrato seja de 40 horas e que quem estiver GLP aqui, que tenha matrícula direto do CIEP, aí fica como professor 40 horas, não altera nada.” Como a escola vem demonstrando, é possível começar a superar alguns problemas por meio de artifícios semelhantes às deixas teatrais. É importante facilitar a atuação dos demais atores, convidar à participação. Se existe uma luta, uma busca comum aos pais e aos professores por uma educação de qualidade, deve-se lembrar que o mesmo ocorre entre unidades escolares vizinhas. Assim sendo, além de trabalhar com sua realidade interna, a escola precisa se aproximar das outras unidades próximas. A fala acima resgatada parece demonstrar a preocupação em abarcar outras escolas na busca da melhoria da qualidade do ensino. O desfile detalhado no início desta dissertação (diário de campo, p. 16) parece cumprir uma função de aproximação entre as diferentes ações que se desenvolvem no Bairro-Escola, cujo acontecimento está citado na próxima página:

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“Nossa relação (com as outras escolas) é aberta. Nós procuramos estar sempre em contato com as outras escolas: E.E. Fagundes Varela; a Escola Municipal Olga Benário; o Módulo do Programa Médico de Família que tem no local; a Associação de Moradores que tem aqui também. A Associação de Moradores também é muito forte. Então dessa vez convidamos o presidente e ele veio com a idéia que tem de ajudar a escola. Está junto com a gente no mesmo barco. Então, quando você consegue mostrar para a comunidade, para os segmentos que nós temos que ter o mesmo objetivo que é a comunidade, que é levar a comunidade a valorizar as coisas que tem, então a gente consegue fazer alguma coisa. Então, no nosso desfile de setembro a gente passou isso para eles. Ninguém aqui é melhor do que ninguém. Vamos nos unir! Então o que você faz, o que você pode apresentar para a comunidade, isso acontece no desfile (você pôde perceber). Até escola particular a gente convida, só que elas têm mais resistência a participar. E tem aqui o bloco da comunidade o Cio da Capivara, e o time Cometa que participa todo o ano.” A ação central da cena educacional acontece no lugar onde se presentifica a educação formal, cujo rumo é apontado por leis e normas (municipais, estaduais e federais), parâmetros curriculares e propostas de avaliação. Mas, onde também se inclui uma preocupação com a formação moral dos alunos. Tais rumos serão objeto de estudo mais aprofundado no Capítulo Três onde se apresenta a análise das entrevistas realizadas na unidade escolar. II – 2.2: A Cena “Natural” Foi considerado como aspecto “natural” dominante da paisagem do bairro Engenho do Mato a serra da Tiririca, complexo da Mata Atlântica com 12 Km² (Figueiredo, 2000). Deve-se dizer que natural aparece entre aspas para sublinhar que não está se fazendo uma oposição sociedade/natureza, mas utiliza-se esse termo porque até o momento não se encontrou outro que se adequasse melhor. A serra recebeu esse nome pelos comerciantes que utilizavam suas trilhas para levar mercadorias no lombo dos burros. Tais trilhas eram cobertas pela tiririca (Ciperus rotundus), uma erva que invade rapidamente locais desmatados (Guedes, 2002). Na década de 80, foram feitas as primeiras denúncias contra as agressões a serra, dando início a mobilização popular que reuniu, segundo Bruno (2001), grupos de ambientalistas, associações de moradores e moradores da região, dentre outros. Pontes 68

(1987 apud Bruno, 2001) realizou estudos na região que levaram à recomendação de transformar a serra em Unidade de Conservação para a preservação do ecossistema. Uma Unidade de Conservação (UC) é, segundo o inciso I, art. 2.º da Lei n.º 9.985 (18/06/2000), um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, que possui características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação. Seus limites são definidos sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. Em 1989, a reunião de diversas entidades criou a “Frente Tiririca” que não duraria muito tempo, tendo suas ações encerradas no ano seguinte. Em 1990, uma equipe técnica do Movimento Cidadania Ecológica (MCE), concluiu pela necessidade da criação do parque, elaborando o embasamento técnico e legal necessário e o anteprojeto de lei encaminhado à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A experiência foi pioneira no Brasil uma vez que os parques não costumam ser criados por iniciativa da sociedade civil, mas sim governamental. Um parque estadual é considerado uma Unidade de Conservação de proteção integral. Nesse admite-se apenas o uso indireto dos seus recursos naturais com exceção de casos previstos em lei. A criação de um parque estadual tem como objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, na recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. O inciso III do art. 5.º da Lei n.º 9.985 (18/06/2000), que define o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, aponta como uma das diretrizes de um parque a participação das populações locais na criação, implantação e gestão das UC (Brasil, 2000). Diante dos atributos dos ecossistemas que abriga (dentre elas, as áreas remanescentes da cobertura vegetal original e as áreas onde a mata se recupera; capoeira), foi criado em 1991 o Parque Estadual da Serra da Tiririca – PESET. O limite provisório do parque começava entre as praias de Itacoatiara e Itaipuaçú, seguindo entre Niterói e Maricá até a rodovia RJ-106 .Na Figura 3, da página a seguir pode-se observar a área do PESET da cidade de Niterói (número 18 da figura) bem como as demais Unidades de Conservação; o Bairro-Escola estudado está identificado como um ponto vermelho.

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FIGURA 3: Uso do Solo e Unidades de Conservação de Niterói. O Bairro-Escola está demarcado com ponto vermelho. Fonte: Niterói SECITEC, 1999.

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A área foi incluída no Edital de Tombamento do Sistema Orográfico Serra do Mar/Mata Atlântica, publicada pela Secretaria de Estado de Cultura. Entre os Atos Legais para a constituição do PESET destacam-se: Lei Orgânica (04/04/90), art. 323, inciso I e art. 18 do Ato das Disposições Transitórias; Decreto Municipal 5902/90 declarando-a como de preservação permanente; Tombamento Provisório, edital publicado no D. O. RJ de 06/03/91 (Parte I, Item 3, Subitem 3.2, Alínea E); Secretaria de Estado de Cultura – Lei Estadual n.º 1901 de 29/11/91, aprovou a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca (Niterói/SECITEC, 1994). Na primeira semana de setembro de 2002 foi enviada à Secretaria Executiva do Governo do Estado do Rio de Janeiro uma proposta definitiva de delimitação do PESET. De acordo com o presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), uma comissão composta por representantes da sociedade civil e técnicos governamentais já concluiu o documento. As áreas ocupadas por loteamentos antigos foram excluídas e o Morro das Andorinhas, divisa entre Itacoatiara e Itaipu, passou a fazer parte dos limites. Com as novas marcações, a área total sofreu uma redução de 13%, caindo de 2,4 mil hectares para 2,09 mil (Beck & Amato 2002, p. 9). O ecossistema característico da região é o baixo montanha de Mata Atlântica, servindo como reguladora climática para as regiões de baixada litorânea, onde a temperatura média anual atinge a faixa de 23ºC. O relevo é bastante acidentado sendo formado por rochas metamórficas. As encostas contam com inúmeros matacões19, os quais encontram-se seguros nas encostas através do sistema radicular da floresta. A serra da Tiririca possui as seguintes elevações elencadas segundo a altitude: Morro do Elefante (412 m), Telégrafo (387 m), Alto do Mourão (369 m), Catumbi (344 m), Serrinha (277 m), Cordovil (256 m), Costão (217 m) e, finalmente o Morro da Penha com 128 m de altitude (Figueiredo, 2000). Quanto à vegetação, a área do PESET apresenta, segundo Figueiredo (2000), uma mata secundária em vários estados de regeneração. Em algumas regiões a floresta teria alcançado o seu “clímax sucessional” (recuperação máxima naquele ambiente) contando-se com fragmentos mínimos de matas primárias nos pontos mais altos da serra. Foi identificada, por meio de pesquisas biológicas, a presença das seguintes espécies vegetais: jequitibá (Cariniana spp); palmeira (Euterpe edulis), de onde se 19

Enormes pedras soltas provenientes da decomposição de uma rocha (Bueno, 1975). 71

extrai o palmito-juçara; diversos tipos de ipê (Tabebuia spp); pau-copaíba (Copaíba langsdorffi); aroeira vermelha (Schinus terebinthifolius); paineira (Chorisia crispiflora); pau-brasil (Caesalpinia echinata); bromeliáceas; dentre outros (Figueiredo, 2000). Com composição florística variada, o PESET apresenta espécies raras no estado como espécies de cactos, diversas orquídeas e samambaias (Pontes, 1987 apud Figueiredo, 2000). Estudos efetuados pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro apontaram a existência de 350 espécies vegetais de 100 diferentes famílias na região do Alto Mourão, na serra da Tiririca. Algumas dessas espécies só seriam conhecidas por meio de citações de literatura clássica do gênero do século XIX, como o Abutilon anodoides, arbusto da família das malváceas com 1,5m de altura e flores de cor amarela (Guedes, 2002). Entretanto, tal vegetação enfrenta diversos problemas comuns a outras Unidades de Conservação brasileiras como extração de palmito, extrativismo ilegal de exemplares da flora para o comércio de plantas ornamentais e queimadas ocasionadas especialmente por balões. Desde 1997 (época em que era projeto de Extensão da UFF), o Projeto Flora vem empreendendo expedições ao PESET visando coletar, identificar e estudar as plantas nativas da região. Até dezembro de 2001, foram descritas e registradas mais de 500 espécies entre orquídeas, bromélias e ervas medicinas, algumas raras e ameaçadas de extinção. O projeto criado por um grupo de biólogos estuda também plantas com potencial econômico encontradas no parque, com o propósito de conhecer as espécies com uso ornamental, medicinal, alimentar e madeireiro. Até 2002, foram catalogadas 75 espécies ornamentais e 48 espécies medicinais, entre elas a trepadeira imbê-miúdo (Philodendron ochrostemon), recomendada para contusões e úlceras, e a árvore pata-devaca (Bauhinia forticata), indicada para afeccções urinárias (Guedes, 2002). A fauna da serra da Tiririca, conseqüentemente do Parque Estadual que leva o seu nome, sofre constantes agressões dentre as quais a caça. Entretanto, podem ainda ser encontrados: a paca (Agouti paca), o ouriço cacheiro (Coendo spinosus), o cachorro-domato (Cercoyon thous), o mico-estrela de tufo branco (Callitrix jacchus), a cutia (Dasyprocta aguti), o teiú (Tupinambis teguixin), a araponga (Proenias nudicolis) e outros nas matas remanescentes. O ambiente já foi o habitat natural de espécies extintas regionalmente dentre as quais pode-se destacar o mico-leão-dourado, alguns tipos de preguiça e predadores de maior porte em geral. Observações na década de 80 constataram a presença na região de 72

exemplares do macaco prego, jaguarundi, tucano de bico-preto e vários tipos de répteis e aves (Pontes, 1987 apud Figueiredo, 2000). A serra conta ainda com uma parte marinha, localizada na enseada do Bananal na qual foram avistados diversos exemplares deste tipo de fauna tais como a tartaruga-verde, a garoupa, o robalo, badejo, lagosta, dentre outros. Atropelamentos de animais nas vias que cortam o parque são comuns. Para agravar ainda mais a situação não existem levantamentos exploratórios sobre insetos, répteis e aves. Nas entrevistas deste estudo, alunas e educadoras mostraram-se sensíveis à situação da fauna. Uma aluna da 3ª série citou as espécies gato do mato e macaco de cara amarela como habitantes da serra, dados que não foram confirmados pela escassa literatura sobre aquela região. Outros aspectos a destacar são os cursos de água do bairro. Quando lhes foi pedido que citassem três temas ligados ao ambiente, alguns membros da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares mostraram-se preocupados com o estado das lagoas de Piratininga e Itaipú. Somente uma educadora entrevistada citou os dois rios do bairro.

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FIGURA 4: Hidrografia de Niterói. O Bairro-Escola está identificado com um ponto vermelho. Fonte: Niterói SECITEC, 1999.

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A macrobacia da região oceânica é composta pelos seguintes cursos d’água: córrego da Viração; rios Arrozal e Jacaré; rio João Mendes; rio da Vala; valões do Cafubá, de Santo Antônio e de Itacoatiara. Os dois rios citados primeiramente fazem parte do Bairro-Escola Ruy Frazão Soares. Todas as nascentes ainda têm praticamente seus entornos preservados por matas da serra da Tiririca e do morro do Jacaré (Costa, 2000). O Rio João Mendes tem o comprimento total de 6,54 Km (modificado) com nascentes no morro do Jacaré (entre as cotas 50 e 200) e na serra da Tiririca (entre as cotas 50 e 225). A foz desse rio é na laguna de Itaipú. O Rio da Vala tem um comprimento total de 1,9 Km. As nascentes se originam na serra da Tiririca (cotas 125 a 225). A Foz também é na laguna de Itaipú onde (ainda) ocorre a presença da taboa (Typha dominguensis). A cobertura vegetal das nascentes dos 2 rios caracteriza-se como mata secundária. O baixo curso está sendo gradativamente ocupado por moradores. Em 26 de setembro de 2002, a imprensa noticiava que a Prefeitura da cidade começaria a canalizar, ainda naquele mês, um trecho de 300 metros do rio João Mendes. A medida fazia parte do projeto de revitalização do local, para o qual previu-se a construção de uma galeria fluvial como forma de proteger o meio ambiente e obrigar a população a respeitar a Faixa Marginal de Proteção. A faixa impõe um limite mínimo de 15 metros do espelho d’água visando manter a ocupação urbana afastada do leito dos rios. Atualmente, dezenas de casas habitam de maneira irregular, as margens do João Mendes (Rio, 2002, p. 10). Em setembro do ano 2000, foi realizado um levantamento exploratório por três alunos da Pós-Graduação em Planejamento Ambiental (PGPA) - UFF, que teve por objetivo investigar a visualidade do PESET junto às escolas do entorno (CIEP Ruy Frazão Soares; Escola Cenecista de Itaipú; E.E. Fagundes Varela). Nesse estudo cinqüenta e três pessoas, entre educadores e alunos participaram, dentre os quais constaram doze alunos e quatro educadores do CIEP estudado nesta pesquisa. Os resultados de 2000 mostraram uma cena interessante. Apesar de estarem “ao pé do parque”, alunos e educadores respondentes mostraram não ter uma visualidade do Parque Estadual da Serra da Tiririca. No entanto, 53% dos entrevistados afirmaram exercer atividades lúdicas de passeio, lazer e contemplação da serra.

75

Detendo observações sobre as respostas dos membros do CIEP Ruy Frazão Soares à pesquisa PGPA-UFF, parece relevante resgatar quatro questões. Quando lhes foi indagado o que pensavam ser natureza, quatro alunos (dentre 12 participantes) responderam: uma área dentro da floresta com bichos e outros quatro assinalaram combinações variadas entre 3 opções: a opção mencionada anteriormente; área verde e bem divino. A questão cinco do questionário aplicado perguntava o que era uma área natural protegida. Seis alunos consideraram uma área protegida pelo governo; mesma resposta dada por três educadores. Onze alunos e quatro educadores informaram já ter ouvido falar da serra da Tiririca. Sete alunos informaram “utilizar” a serra para passear; três educadores informaram usar a serra para transitar e passear. Nesse pequeno segmento participante do estudo PGPA-UFF também foi interpretado um conhecimento sobre a serra em quase todos os entrevistados (excetuando um aluno) que parece implicar numa interação com a mesma em momentos de lazer (passeio). No entanto, teria sido interessante problematizar a concepção de natureza como “uma área dentro da floresta com bichos” e como “um bem divino” e de observar o fato de nenhum entrevistado do CIEP ter assinalado a opção onde se afirmava que a natureza seria uma “área sem a presença humana”. Naquele momento, interessou mais à pesquisa citada o desconhecimento sobre o parque. A pesquisa PGPA/UFF apontou para a necessidade de maior envolvimento da comunidade escolar do entorno e outras comunidades na “construção de uma visualidade” para o parque. O local é um território institucionalizado enquanto Unidade de Conservação. O Instituto Estadual de Florestas é o responsável pelo parque e as prefeituras dos municípios envolvidos e suas comunidades de entorno são coresponsáveis. Entre as falas resgatadas no CIEP Ruy Frazão Soares para esta dissertação, uma das educadoras da terceira série afirmou que lhe chama a atenção no ambiente próximo da escola o desmatamento das encostas da serra. Dentre todas as entrevistadas, essa foi a única que se referiu a serra da Tiririca como reserva, uma idéia mais próxima ao parque, aproximando tal fato do que acontecera na pesquisa mencionada anteriormente. Tal visibilidade foi percebida da seguinte forma:

76

“O desmatamento está cada dia maior. As invasões na área da reserva que a cada dia que passa a gente vê mais uma luzinha. Porque eles invadem a mata e vão abrindo aquela clareira, fazem as suas casinhas, depois vão desmatando e plantando banana, plantando aipim, entendeu? Nós temos uma área de reserva desmatada aqui que até hoje o poder público não reflorestou. Até porque o acesso a essa área já está com invasão. É o que acontece aqui na área de Itaipú, na subida da serra para o Parque da Colina, a cada dia a gente vê (...) a construção dos condomínios, a favela do rico, que são os condomínios que a gente vê aí nos jornais ...” No Jornal O Fluminense (Beck & Amato 2002, p. 9) foi publicado o que seria uma declaração do presidente do Instituto Estadual de Florestas onde o mesmo teria afirmado que: “todos os parques ambientais localizados em áreas urbanas contam com um grande complicador que são as invasões, tanto pela classe baixa quanto pela classe alta”. Declaração esta que parece ratificar as afirmações da educadora. Resta saber como a serra da Tiririca resistirá à especulação imobiliária. Para conter as invasões, o presidente acima citado, na mesma ocasião teria afirmado que brevemente ficará pronto o posto avançado do parque, no alto da estrada da Serrinha, que liga Itacoatiara a Itaipuaçú (município de Marica). São essas localidades da região oceânica, (citadas antes da Figura 3, p. 69). Mesmo com a invisibilidade/visualidade débil, o Parque Estadual pode ser um meio para a construção de uma outra relação com a paisagem. Um pouco da história local assinala-se no depoimento do ex-administrador do PESET 20aos alunos do PGPA (Alves et alli, 2000), quando cita a ação humana na serra da Tiririca: “Se hoje existe a mata, o primeiro ‘ator’ foi o índio que não desmatou as nascentes. O segundo ‘ator’ foi o caiçara que fez a mesma coisa. Os terceiros ‘atores’ foram os descendentes dos caiçaras. A serra da Tiririca passou pelo ciclo da cana, que acabou... O ciclo do café, que acabou também... a mata se regenerou porque houve pessoas escrupulosas e sábias que não desmataram o ‘porta semente’ destas matas e também o entorno das nascentes de água”.

20

Administrou o Parque Estadual da Serra da Tiririca no período de maio de 1998 a maio de 1999. 77

Em entrevista a esta pesquisa, o atual administrador (geógrafo responsável pelo PESET desde maio de 2002) identificou como maiores problemas do Parque: os loteamentos irregulares perante a legislação, mas legalizados pela prefeitura local; a falta de limites provisórios (que parece estar sendo contornado) e a falta de estrutura do Estado para possibilitar um trabalho mais contundente. Declarou que existe um projeto voltado para as comunidades escolares do entorno buscando aproxima-las do parque. Ainda na entrevista, afirmou a importância de uma política de gestão aberta a todo movimento social, como se pode perceber no seguinte trecho em que afirma ser importante a realização de estudos que envolvam comunidade escolar e ambiente: “Na verdade quem mora em volta são os maiores guardiões ou potencialmente também, os maiores agressores. Portanto, é mais fácil transforma-los em aliados, em guardiões. Conhecendo é que se protege; essa é que é a verdade. A educação dita ambiental é um caminho coerente. Mas não só conscientização pura e simples. O que é e o que não é parque? O que é o ambiente circundante? O que é espaço circundante? Por que proteger o espaço? Não pensar na questão do parque como uma Unidade de Conservação que tem de ser protegida porque é verde. Tem que se pensar no parque como um ator no espaço o qual tem uma função específica que seja a valorização econômica dos seus imóveis devido à qualidade de vida, o custo ambiental envolvido, seja também por um fator de conservação dos recursos hídricos e a própria favelização.”

Transpor obstáculos como a ausência de uma base física, deficiência de pessoal (incluindo equipe de fiscalização e educação ambiental) e a precariedade de informações técnico-científicas, representará efetivar a serra da Tiririca como um Parque Estadual de fato e não de Papel. Como área delimitada e protegida será necessário observar as seguintes condições dentre outras citadas por Bruno (2001): não haver exploração dos recursos naturais para fins comerciais; proibição (exigindo conseqüente fiscalização) de animais domésticos, a caça, a pesca, a utilização de plantas (com exceção à coleta para fins científicos, mediante autorização especial); a presença de visitantes (que só seria permitida sob condições especiais). O estado atual do PESET se distancia muito da proposta a esse tipo de Unidade de Conservação. Os aspectos do PESET citados aqui brevemente, que também compõem o Bairro-Escola do CIEP Ruy Frazão Soares (relevo, vegetação, hidrografia, fauna, ocupação humana) são interdependentes. Esse recorte realizado para dimensionar o campo, não deixou de mostrar as diferentes interdependências vislumbradas. 78

Na Figura 3 (p. 70), pode-se observar a posição do Bairro-Escola (ponto vermelho) em relação ao parque (porção que abrange o município de Niterói, indicada pelo número 18, à direita da figura) e às lagoas de Piratininga e Itaipu. Numa abordagem ecológica, a paisagem é considerada um mosaico de diversos ecossistemas que trocam informações entre si: as florestas; os rios e suas margens; os afloramentos rochosos; os agroecossistemas; o ecossistema urbano, onde o homem não é o único organismo. Daí mais uma vez se sublinha a importância de rever a relação do homem com aquele ambiente, as transformações que realiza na paisagem, ampliando tal questão para toda a cidade e demais municípios. Em 1995, Bidegain & Guimarães (apud Bruno, 2001) afirmavam que cerca de 80 mil moradores de Maricá, Niterói e São Gonçalo que viviam nos arredores da serra da Tiririca, tinham como única fonte de abastecimento d’água o lençol freático. Assim sendo, o desmatamento da serra ocasionaria dentre outras conseqüências, o secamento de suas nascentes e representariam um risco para a população. Diante da ocupação enorme da região oceânica a administração de Niterói deverá efetuar o abastecimento de água. Essa parte do problema estaria sanada? Entretanto, convém ressaltar que o lençol freático não serve apenas à população pois integra um complexo sistema de vida. As ações da Associação de Moradores, a serra da Tiririca, o CIEP, o desmatamento estão interligados. Essa paisagem não está parada; existe uma lógica provisória que se dá num período determinado sobre ela paisagem, sobre o mapa (Guattari & Rolnik, 1996). O movimento engendrado na cidade precisa ser revisto rapidamente.

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II – 2.3. A Cena Social

O bairro do Engenho do Mato (Figura 6 p. 81) onde o Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares está localizado, segundo a Consultoria Especial de Ciência e Tecnologia de Niterói (1996), surgiu da partilha da fazenda Engenho do Mato, que tinha como função principal a produção de banana prata e grande variedade de hortifrutigranjeiros destinados principalmente ao centro consumidor de Niterói. Nas áreas da fazenda foram feitos loteamentos: Jardim Fazendinha de Itaipú e o Parque da Colina, obedecendo ao Decreto-Lei n.º 3079 de 15 de dezembro de 1938. A partir da década de 50, a região passou a ser ocupada por posseiros que desenvolviam atividades agrícolas e acabaram sofrendo ameaças de expulsão com a venda dessas terras, o que só não ocorreu em função de uma ação governamental que desapropriou a área visando a instalação do núcleo colonial da Fazenda do Engenho do Mato (Decreto n.º 7577, 2 de agosto de 1961). Essa ação surgiu como tentativa de evitar o êxodo dessa população para o centro urbano, para garantir a continuidade da população agrícola próxima à cidade, e também tentar evitar a derrubada da mata existente, rica em madeira de lei. A área desapropriada alcançava aproximadamente 52 alqueires. Na década de 70, surgiriam os loteamentos Argeu, Fazendinha, Jardim Fluminense, Maravista, Soter e Vale Feliz, que foram responsáveis pela configuração atual do bairro.

80

FIGURA 5: Bairros de Niterói. Fonte: SECITEC/Niteroi, 1994

81

Desde pelo menos 1996, grande parte da área plana tem sido ocupada por residências de moradores de classe média. Em sua maior parte, tais ocupantes tiveram acesso à terra a partir da compra direta dos posseiros mais pobres. A população de baixa renda localiza-se principalmente no Jardim Fluminense e nas encostas da serra da Tiririca. Segundo Niterói/SECITEC (1999), cerca de 58% dos chefes de domicílio teriam renda média mensal de até três salários mínimos (correspondente acerca de 870 chefes de família cujo total estimado era de 1.510). A Tabela 2 mostra o rendimento médio mensal (em salários mínimos) dos chefes de domicílio de Niterói, da região oceânica e do bairro do Engenho do Mato em 1996.

TABELA 2: Rendimento Médio Mensal dos Chefes de Domicílio de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato (em salários mínimos)

Localidade

Até 03

03 à 05

05 à 10

Mais de 10

Niterói

43,15 %

13,76 %

19,86 %

23,23 %

Região Oceânica

42,56 %

9,52 %

16,65 %

31,27 %

Engenho do Mato

57,62 %

8,81 %

15,83 %

17,75 %

Fonte: Niterói/SECITEC, 1999. Dados do censo demográfico de 1991 (Niterói/SECITEC, 1999) apontam que 16% dos residentes do Engenho do Mato não tinham instrução escolar ou a tiveram num período máximo de um ano. Cerca de 45% da população do bairro estudou de um a sete anos. A Tabela 3 apresenta os anos de estudos dos residentes do bairro estudado.

TABELA 3: Anos de Estudos dos Chefes de Domicílio de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato

Localidade

01 à 03

04 à 07

08 à 10

Niterói

Sem instrução ou de 1 ano 6,08 %

11 à 14 15 ou mais

8,76 %

22,62 %

12,70 % 24,80 %

25,04 %

Região Oceânica

10,16 %

9,23 %

20,40 %

9,92 %

20,92 %

29, 37 %

Engenho do Mato

16,15 %

11,38 %

23,45 %

12,38 % 19,42 %

17,22 %

Fonte: Niterói/SECITEC, 1999.

82

As propriedades de veraneio foram aos poucos transformadas em locais de moradia permanente de uma população que tem como remanescentes da vida rural a tranqüilidade e a paisagem, bem como a proximidade das praias oceânicas. Estes são os elementos atrativos e de valorização do bairro: a presença da serra e a proximidade das lagoas e das praias oceânicas (Niterói/SECITEC, 1996). A entrada do capital imobiliário, somado ao asfaltamento das principais vias de acesso ao bairro resultou nas altas taxas de crescimento anual da população a partir da década de 70. Na Tabela 4 abaixo, pode-se observar o aumento considerável da população em vinte e seis anos, bem como o crescimento demográfico da cidade e da região, onde o bairro do Engenho do Mato se encontra (Niterói/SECITEC, 1999).

TABELA 4: Taxa de Crescimento Anual da População de Niterói, Região Oceânica e Engenho do Mato Localidade População População População População Taxa de Taxa de Taxa de cresc. cresc. cresc. 1970 1980 1991 1996 Anual Anual Anual 70-80 80-91 91-96 (%) (%) (%) Niterói 324.245 397.123 436.155 450.364 2,05 0,86 0,64 Região 7.374 12.138 33.245 43.727 5,11 9,59 5,63 Oceânica 920 1.612 5. 921 8.858 Engenho 5,77 12,56 8,39 do Mato

Fonte: Niterói/SECITEC, 1999. Tal ocupação não foi acompanhada de políticas públicas para minimização dos efeitos. Além do problema dos desmatamentos nas encostas da serra da Tiririca, no PESET, observam-se a insuficiência de redes para abastecimento de água, a falta de esgotamento sanitário e a precária pavimentação de grande parte de seu sistema viário; problemas comuns à região oceânica (Niterói/SECITEC, 1996). Cabe ressaltar que algumas funcionárias, mães e professoras do CIEP Ruy Frazão Soares, ao serem indagadas acerca dos aspectos ambientais que lhes chamam a atenção no bairro, apontaram além dos problemas com esgoto e desmatamentos a presença de lixo nas ruas. Infelizmente não existem dados que relacionem crescimento demográfico, rendimento médio mensal e escolaridade para caracterizar a população que vem povoando o bairro. As informações citadas acima e o crescente número de condomínios fechados fazem crer que pessoas com escolaridade elevada e com renda ao menos 83

média, têm se transferido para o Engenho do Mato. Caso a taxa de crescimento populacional continue a crescer da mesma forma, isto é, sem planejamento, sem a infraestrutura necessária, poderá afetar não só a área do PESET bem como as serras: do Cantagalo, Grande e do Malheiro (Figura 3, p. 70). Na entrevista concedida a este estudo (citação p. 113) o administrador do parque ressaltou que a falta de fiscalização da prefeitura da cidade contribui ao processo de urbanização descontrolada. Da estrada do Engenho do Mato (via principal do bairro), pode-se observar a presença de lojas de materiais de construção, bares, supermercados de médio porte e postos de gasolina. Quanto aos equipamentos públicos existem, além do CIEP estudado: a Creche Municipal Olga Benário, a Escola Estadual Fagundes Varela, um Módulo do Programa Médico de Família, um Posto de Saúde e uma unidade fechada da Fundação Leão XIII. A Fundação Leão XIII constitui-se num órgão da Secretaria do Estado de Ação Social e Cidadania. Esse órgão presta assistência à população, por meio de unidades abertas, que oferece atendimentos médicos e assistência para obtenção de documentos; e unidades fechadas que abrigam população de rua, em estado de pobreza, ou com problemas de moradia (em geral idosos, deficientes mentais e na sua maioria alcoólicos). A população fica abrigada na Fundação até sua reintegração. Essas informações foram obtidas com a assistente social da instituição. A maioria das pessoas citadas neste arrazoado tem na praça do bairro seu ponto de encontro. A praça é um lugar para conversar, para se locomover pela presença do ponto de ônibus, para ver o movimento das pessoas. No entorno da praça se encontram a Associação de Amigos e Moradores do Engenho do Mato (AAMEM), as duas escolas do bairro, o Módulo do Programa Médico de Família, uma drogaria e uma sorveteria. A estrada do Engenho do Mato, é margeada por dois cursos de água e grandes placas do governo estadual informam obras para suas melhorias. Da praça pode-se observar a serra e a situação atual das escolas. Na cerca do CIEP, a Associação de Amigos e Moradores do Engenho do Mato (AAMEM) e a Associação de Pais e Amigos do CIEP 448 (APAC 448) afixaram cartazes de protesto. A falta de professores, no início de 2002, impediu que mais da metade dos alunos freqüentasse as aulas. Na cerca da Escola Estadual, vizinha, um cartaz informava a respeito da greve dos professores da rede estadual, incluindo o CIEP 448 Ruy Frazão Soares.

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FIGURA 6: A praça do Bairro-Escola vista da escadaria da biblioteca do CIEP onde se pode ver a cerca com cartazes da APAC 448 e da AAMEM Nesses avisos do metabolismo do Bairro-Escola os cartazes, os recortes de jornal mostraram uma comunidade compreendendo uma luta por uma educação de qualidade e a necessidade de um tratamento diferente aos educadores e aos seus filhos. Os exemplares (que correspondem aos papéis afixados na grade que podem ser percebidos na Figura 6, acima) apresentados na íntegra são contundentes para efetuar essa compreensão:  Educação é tudo!  A APAC 448 tem como objetivo cobrar respeito e dignidade no trabalho de nossos filhos dentro da escola;  A cidadania é forte e tem que ser exercida;  Atenção! Todos nós nascemos livres e temos direitos iguais! Só podemos exercer o direito de cidadania se pudermos exigir que nossos direitos sejam respeitados.  Governador Antony Garotinho, a lista de nomes dos 17 professores já está na Secretaria de Educação. APAC 448 e AAMEM estão aguardando a publicação no Diário Oficial; 85

 Querem que nossos filhos não estudem! Querem que nossos filhos não tenham futuro! Quem é o responsável? Queremos professores e coordenadores;  Só podemos exercer o direito de cidadania, se pudermos exigir que nossos direitos sejam respeitados. Comissão de Pais;  Todos nós nascemos livres e temos direitos iguais;

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II – 2.4: A Cena Sociocultural

Nessa cena é importante destacar eventos, práticas sociais e falas dos entrevistados desta pesquisa de mestrado. A Festa Country do Engenho do Mato é segundo a Niterói/SECITEC (1996), um evento popular marcante, responsável pela instalação de um Parque Rural onde se pretende,

além

da

criação

de

uma

escola

de

equitação,

realizar

cursos

profissionalizantes para tratadores de animais, promoção de encontros ecológicos e de educação ambiental, possibilitando, a criação de um pólo turístico. Outro evento anual do bairro é o próprio desfile organizado pelo CIEP em comemoração a sua inauguração (descrito no diário de campo, p. 14). Em 2001 o tema do desfile foi o meio ambiente e contou com a presença da banda de uma escola do bairro do Caramujo, das crianças da creche vizinha da AAMAEM e de uma escola de futebol do bairro. As falas de alguns membros da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares destacaram algumas práticas sociais que merecem destaque nesta cena. São elas: a caça; os balões; a questão do lixo no bairro; e o papel do governo no bairro, com relação ao meio ambiente principalmente. A caça apareceu em três falas: uma aluna da terceira série; a educadora da sala de leitura; uma professora da terceira série. A última descreveu a caça aos “micos”. As pessoas, segundo a entrevistada, colocam garrafas com frutas dentro e deixam nos locais onde os “micos” costumam aparecer. Quando o animal vê a fruta costuma tentar pegá-lo colocando a mão dentro. O animal não consegue retirar a fruta e fica com a mão presa porque não solta a fruta. Esta é a oportunidade do caçador se aproximar e capturar o animal (por isso, “macaco velho não põe a mão em cumbuca”). Não foram mencionados outros animais que costumam ser alvo da caça de moradores e/ou visitantes do bairro nem o destino desses animais, se para residências ou alimentação ou venda no mercado negro. A prática de soltar balões apareceria nas interlocuções da animadora cultural, de uma funcionária do CIEP e de uma professora da segunda série. O lixo apareceu bastante, entre as percepções dos entrevistados (quatro mães e/ou funcionárias e três educadoras). Esse é um fator que chama atenção no ambiente do

87

bairro sendo tema relevante. A primeira questão do roteiro de entrevista diz respeito ao lixo em relação ao trabalho interdisciplinar. Com respeito ao lixo, configurando essa cena social, convém destacar duas falas. A primeira fala é de uma educadora da escola (em destaque abaixo) recorda como a maioria dos alunos lida com o seu lixo pessoal e o trabalho dos educadores. “Nós temos trabalhado bastante com relação a isso, mas temos encontrado essas resistências para usar realmente a lata de lixo. Eles abrem o saco de biscoito, acabam de comer e jogam em qualquer lugar. Então, esse é um trabalho que tem de ser feito com toda a comunidade porque só dentro da escola não resolve. A gente está conseguindo, mas o resultado final só a um longo prazo.” A segunda fala, de aluna da quarta série, explica como deveria ser o trabalho da educadora da turma, com os alunos sobre o tema: “Acho que ela deveria trabalhar com a gente em grupo e ensinar a gente (...) que não deve jogar lixo na rua, não deve derrubar lixeiras e jogar o lixo todo na lixeira”. A animadora cultural e a professora da terceira série apontaram a importância da atuação governamental. Ao citar que os governantes têm de participar do processo de conscientização dos moradores quanto à necessidade de preservar o meio ambiente e conseqüentemente, a qualidade de vida dos moradores, a animadora cultural inova. A educadora (terceira série) ao responder o que chama atenção no ambiente do bairro citou tanto a paisagem quanto a atuação dos políticos: “Somos privilegiados de ter a escola perto de um lugar lindíssimo. Onde tem a vegetação da serra da Tiririca. (...) Você pode olhar a janela e ver o verde. Isso é difícil! O que falta mais no Engenho do Mato é que os próprios políticos eleitos não olham o bairro. A prefeitura não dá muito valor ao bairro. Mas este é um bairro lindíssimo e privilegiado por ter a serra da Tiririca ...” O Bairro-Escola do CIEP Ruy Frazão Soares foi representado em cenas que se articulam, como fins didáticos para esta dissertação. Como separar os aspectos da mata, dos rios, da fauna sem associá-los e compreendê-los junto à ação humana, ao modo como o homem que ali vive observa e atua na paisagem? Outros aspectos poderiam ainda ter sido abordados: as paisagens adjacentes ao bairro Engenho do Mato; os problemas do morro do Elefante; os problemas das lagoas de Itaipú e Piratininga; os problemas do bairro de Itacoatira (composto na sua maioria 88

por pessoas de alto poder aquisitivo). Tal abordagem poderia resgatar os diferentes usos e visões da mesma serra mas extrapolariam em muito o escopo desta pesquisa, que se delimita ao espaço cujo epicentro é o CIEP Ruy Frazão Soares (Bairro-Escola), mas que a ela estão intrinsecamente relacionados. A atuação diante da paisagem do bairro pode ser rastreada no uso da terra, nas formas de ocupação. As declarações dadas a este estudo e à pesquisa PGPA-UFF levam a crer que a paisagem do Engenho do Mato é valorizada pelos moradores, pelo mercado imobiliário, por alunos das escolas (ao menos os respondentes do CIEP) e por pessoas que lá trabalham. A valorização da paisagem não é homogênea. A fala de TESS 21, aluna da terceira série de 10 anos de idade enfoca parte de sua relação com a serra, que integra a paisagem: “Na minha sala tem uma janela que dá direto para a serra da Tiririca. Eu sempre sento perto da janela e quando dá um tempinho, eu fico olhando. Eu penso nas matas que tem lá e nos bichos”. Outra aluna, BENE ao ser perguntada sobre os aspectos do ambiente próximo que lhe chamavam a atenção respondeu: “a paisagem”. Indagada sobre o que existe nessa paisagem respondeu: “Árvores, mato, a outra escola”. A paisagem de BENE talvez não seja a mesma que TESS observa. Deve ser também distinta daquela que caçadores e balonistas vislumbram. Ou ainda, é distinta paisagem observada pelos peritos (biológos, químicos, geógrafos, engenheiros florestais, físicos, historiadores ...) que procuram conhecer ou decifrar a serra, ou dos governantes que gestam as políticas públicas e são responsáveis pela administração do PESET. Qualquer que seja o sentido que esses diferentes atores dão à paisagem do Engenho do Mato, ele não é um sentido, um olhar individual. Como afirma Ronai (1977) esse olhar (essa observação), não é realizado por um sujeito, apoiado em faculdades individuais, mas é efeito de um rapport estrutural, apoiado na cultura. Uma funcionária ao responder o que lhe chamava a atenção no ambiente próximo à escola, afirmou “as cores da escola”. Quando indagada por que as cores e não outra coisa respondeu: “as árvores para mim, que as vejo todos dias, já fazem parte da minha vida e não me chamam a atenção. Só se tirasse alguma me chamaria a atenção. Se não tirar...”

21

Convém lembrar que é um nome fictício. 89

A afirmação acima parece corroborar a afirmação do pintor Cezane: “A paisagem é a consciência que está em mim (...) se eu não tenho consciência dessa paisagem ela não existe” (Alves et alli, 2000). Recuperar as diferentes visões acerca da paisagem e conseqüentemente, do ambiente do entorno pode representar uma importante estratégia para a construção de uma postura mais crítica e participativa em relação ao(s) mesmo(s). Observar criticamente a realidade em que se vive; processo que pode se desdobrar na produção de propostas e de questionamento à gestão em todos os níveis institucionais com vistas a exigir participação, a construção de alianças. Novamente sublinha-se a palavra para lembrar que está se falando no campo das possibilidades. Mas, o esperado (crítica e participação, aproximação dos atores), o que é almejado, não está garantido de antemão. Por isso, sugere-se o método cartográfico para acompanhar

os

diferentes

movimentos

produzidos

nessa

paisagem,

refletir

constantemente as ações para tentar resgatar os efeitos produzidos. Acredita-se que essa estratégia pode ser uma importante ferramenta para implementar ações que possam modificar a atual situação dos atores sociais, principalmente no que diz respeito à gestão dos bens e serviços públicos. No último capítulo que segue, serão apresentados o método de análise e os discursos dos integrantes da comunidade escolar entrevistadas onde a paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares não deixou de aparecer.

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CAPÍTULO TRÊS

A COMUNIDADE ESCOLAR E A PAISAGEM

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III. 1 - M É T O D O D E A N Á L I S E Neste capítulo, os debates intencionam esboçar um método de análise qualitativa, em especial para estudos semelhantes, na busca de práticas alternativas para interpretar, objetivando a Educação para o Ambiente no espaço denominado BairroEscola. A análise privilegiou uma abordagem qualitativa bem localizada, destacando o caráter provisório da Cartografia aqui construída. Para elucidar a cartografia proposta parece relevante comentar as linhas de orientação; o que foram considerados dados relevantes à pesquisa e os procedimentos adotados. Como dito nos debates gerais do estudo (p. 29) o conceito de Bairro-Escola serviu como estratégia para delimitar o campo pesquisado, definir a escala. Tal escolha implicou numa decisão sobre o grau de pormenorização da representação diante do objetivo proposto à pesquisa. Para a cartografia são considerados dados os materiais mais variados, incluindo fontes não só escritas e nem só teóricas, mas tudo o que “der língua para os movimentos, o que criar sentido”, como o discurso dos membros da comunidade escolar. Ao lidar com esses dados “o problema do cartógrafo não é do falso-ouverdadeiro, nem o do teórico-ou-empírico, mas sim o do vitalizante-ou-destrutivo, ativo-ou-reativo” (Rolnik, 1989, p. 67). Interessa, portanto compreender os materiais questionando o funcionamento, as relações que esses dados fazem emergir e não uma natureza (essência) dos mesmos. Tal perspectiva se evidencia na seguinte questão: que efeitos certa visão do Bairro-Escola pode produzir? Os procedimentos utilizados na cartografia são construídos em função daquilo que pede o contexto, por isso, não existe um protocolo normalizado, mas um “composto híbrido” que deverá ser constituído. Neste texto o composto híbrido é constituído sobretudo pela rede-conceito produzida, pela Análise do Discurso e pela Análise de Conteúdo (hermenêutica). Existe um desafio permanente de coexistência vigilante entre a macro e micropolítica, complementares e indissociáveis na produção da realidade. 92

A Análise do Discurso serviu como norteadora teórica sobre os processos que se dão no discurso; essencial para auxiliar a construção do roteiro de entrevistas e do questionário e à interpretação das respostas da comunidade escolar. A Análise do Discurso é uma área do conhecimento múltipla. Segundo Brandão (1993) tal área nasceu da necessidade de “superar o quadro teórico de uma lingüística de frases”, que não dava conta do texto em toda a sua complexidade. Pretendendo ser uma teoria crítica da linguagem, segundo orientação francesa escolhida neste estudo, esta vertente teática procura combater as formas de cristalização do conhecimento, “a territorialização e o esquadrinhamento, a delimitação dos domínios do saber” (Courtine, 1984 apud Brandão, 1993 p.84). O discurso é entendido como o efeito de sentido construído no processo de interlocução, da interação entre indivíduos por meio da linguagem verbal e não-verbal (Brandão, 1993). A língua ultrapassa a atividade individual de fala pela qual ela se manifesta, pois nenhuma fala (não importa o pensado) não é propriamente de um indivíduo. O sentido do enunciado é atravessado pelo ideológico e pelo subjetivo; a verbalização é o efeito de ambos. É na relação que se estabelece com outros enunciados, com outros discursos já produzidos que o sentido se constitui em Ideologia. Assim sendo, o sentido não deveria ser buscado no discurso de um indivíduo, mas na relação estabelecida com os outros interlocutores (Henry, 1992 apud Lima, 1999). O discurso é repleto de sentido, de crenças, de valores, de saberes dos mais diferentes. O desafio que a Análise do Discurso se propõe é o de realizar leituras críticas e reflexivas que procurem aflorar as suas contradições. O princípio da contradição está na base das relações de grupo sociais, cujas idéias entram em confronto numa correlação de forças. Michel Foucault (1969 apud Brandão, 1993) concebe os discursos como dispersão, ou seja, como sendo formado por elementos que não estão ligados a nenhum princípio de unidade. Descrever essa dispersão deveria ser uma tarefa da Análise do Discurso, buscando o estabelecimento de regras capazes de reger a formação dos discursos. Tais regras possibilitariam a determinação dos elementos que compõem o discurso: os objetos (que aparecem, coexistem e se transformam num “espaço comum” discursivo); os diferentes tipos de enunciação (que podem permear os discursos); os conceitos (em suas formas de aparecimento e transformação em um campo discursivo, relacionados em um sistema comum); os temas e teorias (sistema de relações entre 93

diversas estratégias capazes de dar conta de uma formação discursiva, permitindo ou excluindo certos temas e teorias). A segunda ferramenta constitui-se num conjunto de instrumentos metodológicos utilizada para colher os dados e também analisá-los. O instrumental da Análise de Conteúdo, fornece momentos metodológicos que se aplicam a discursos diversificados. O fator comum dessas técnicas múltiplas é uma hermenêutica

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controlada, baseada na

dedução e na inferência (Bardin, 1977). A hermenêutica é um tipo de racionalidade que surgiu da exigência de se contrapor à idéia de produzir conhecimento seguindo apenas o modelo das ciências naturais. O radicalismo da dúvida instalado por Nietzsche apontou para as infinitas possibilidades da interpretação. A partir desse autor, a interpretação passou a ser concebida como esclarecimento do texto, buscando ir além dos fenômenos e daquilo que é manifesto (Carvalho, 2001). Assim sendo, a pesquisa no campo foi organizada em torno de três pólos cronológicos: a pré-análise, o tratamento dos resultados e a interpretação; descritos a seguir. III –1.1: Pré-análise Na pré-análise foram sistematizadas as idéias iniciais que conduziriam à elaboração do programa/etapas da pesquisa. Esse foi flexível, permitindo novos procedimentos no decurso do processo conforme pode ser observado na introdução, especialmente no diário de campo (p. 14). As leituras e problematizações acerca dos temas (documentos institucionais; bibliografia; fotografias; relatórios prévios) foram importantes, visando recuperar aspectos geográficos, filosóficos e da educação. O roteiro de entrevistas apresentado a seguir foi construído para avaliar a inserção da Paisagem em questões acerca do ambiente respondidas pela comunidade escolar. Para cada questão foram pensados objetivos específicos, visando facilitar as análises posteriores e negociar a investigação com o objetivo deste estudo. Utilizou-se gravador para registrar as respostas dos entrevistados.

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Hermenêutica - Arte de interpretar. Interpretação de textos, nos sentidos das palavras. Próprio para fazer compreender. Teoria semiológica. Ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico. Semântica (Bueno, 1975). 94

Roteiro de Entrevistas 1.ª questão: Como desenvolveria o tema lixo na disciplina Matemática ? (para os educadores); Como o professor poderia desenvolver o tema lixo na disciplina de Matemática? (para demais integrantes da comunidade escolar). A temática “lixo” foi escolhida porque é sempre citada em inúmeros estudos e apresentada como uma problemática contundente, relacionada com o (meio) ambiente, que evidencia aspectos culturais, econômicos e biológicos. A disciplina Matemática foi escolhida (específica para outros respondentes que não professores) para provocar respostas que não ficassem restritas a disciplina de ciências, tentando radicalizar o “olhar transversal” nas respostas. O objetivo desta questão era problematizar as questões que perpassam a indicação dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Com relação aos educadores, pretendia-se saber como reagiriam diante da necessidade de relacionar o conteúdo da sua disciplina com as outras do currículo escolar, o que implica transdisciplinaridade. O mesmo servia para os demais integrantes da comunidade, uma vez que é um desafio para a escola permear a temática ambiental por toda a grade curricular, não a restringindo aos conhecidos episódios do ensino de ciências ou de geografia. 2ª questão: Que aspectos do ambiente próximo a escola te chamam a atenção? Visava conhecer quanto os respondentes da comunidade escolar do BairroEscola CIEP Ruy Frazão Soares inserem a Paisagem do entorno ao lidar com o (meio) ambiente. Esse aspecto é relevante pois, numa perspectiva democrática em educação, a produção do conhecimento e sua resolução crítica deveriam estar articuladas à realidade dos envolvidos, enfocando portanto a realidade ambiental. 3ª questão: Destaque um ou mais integrante(s) da comunidade escolar que possam contribuir na relação com o ambiente próximo à escola. Deveria permitir saber se os membros da comunidade escolar destacada concebem a importância de uma construção coletiva na relação com ambiente.

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4ª questão: Cite 3 temas, fora o tema lixo, ligado ao (meio) ambiente. O objetivo desta questão era realizar um inventário tanto para desenvolver ações na escola quanto para investigar o aparecimento de temas ligados à realidade do entorno da escola, isto é a Paisagem do Bairro-Escola estudado. Após o encerramento das entrevistas com a comunidade escolar (março de 2002) foi percebida a necessidade de elaborar um questionário complementar (Figura 7). Esse foi distribuído a vinte e uma educadoras e tinha por objetivo saber com as mesmas se desenvolviam ou não temas ambientais com os seus alunos.

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FIGURA 7: Questionário Complementar

Este questionário tem como objetivo auxiliar a reflexão sobre o desenvolvimento de temas ambientais na prática educacional. Algumas questões possuem subitens que serão preenchidos de acordo com a questão anterior, mesmo quando a resposta for negativa. 1 - Costuma desenvolver temas ambientais com os seus alunos? ( ) sim ( ) não 1.2 - Por que desenvolve temas ambientais? ( ) porque são temas incluídos nos Parâmetros Curriculares Nacionais; ( ) porque são importantes para a formação do aluno; ( ) porque me interesso pela temática ambiental; ( ) porque os alunos se interessam pelo tema; ( ) outros ________________________________________________. 1.3 - Há quanto tempo você desenvolve temas ambientais? ________. 1.4 - Como você desenvolve os temas ambientais? ( ) como um conteúdo à parte, como uma disciplina; ( ) incluindo esses temas nos conteúdos das outras disciplinas; ( ) incluindo-os na disciplina de ciências; ( ) outros __________________________________________. 1. 5 - Por que não desenvolve temas ambientais? ( ) não me interesso pela temática ambiental; ( ) não sei como desenvolver tais temas transversalmente; ( ) não os considero importantes; ( ) outros _______________________________________. 2- Enfrenta dificuldades para desenvolver temas ambientais? ( ) sim ( ) não 2.1) Caso enfrente dificuldades para trabalhar temas ambientais, o que dificulta o trabalho com esses temas? ( ) falta de material didático; ( ) baixo interesse por parte dos alunos; ( ) necessidade de apoio pedagógico; ( ) falta de tempo para planejar; ( ) outros ________________________. 2.2) Caso não enfrente dificuldades para trabalhar temas ambientais, o que facilita seu trabalho? ( ) interesse pessoal pelo tema; ( ) fácil acesso a material didático; ( ) interesse dos alunos pelo tema; ( ) apoio pedagógico; ( ) outros ___________________ 3 - Na sua formação foram introduzidos temas ambientais, mesmo que distantes da ótica do tema transversal? ( ) sim ( ) não 4 - Para qual série leciona? _________________________________________________.

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O cuidado com o instrumental de estudo se baseou no conceito da rarefação semântica presente em Souza (1999). Segundo esse autor, o entrevistado converte-se em refém das palavras alheias, diante de alternativas rígidas e de perguntas retóricas que nem sempre condizem com a realidade a ser medida. Nessa patologia de estudos ocorre a tutela do exercício da fala onde não compete ao sujeito que responde o acesso e o controle das palavras expressões. Entre o sujeito entrevistado e sua fala introduz-se um abismo, uma instância rarefeita. Os instrumentos avaliativos foram construídos para possibilitar a ocorrência de canais expressivos, oportunizando outras abordagens não-antecipadas no momento da construção do instrumento de coleta. Após a finalização das entrevistas (não prevista, mas forçada diante da greve dos professores estaduais; diário de campo p. 21), acenou-se à oportunidade de entrevistar o administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca. A entrevista foi realizada em 22 de julho de 2002, na sede provisória do parque. O administrador respondeu ao mesmo roteiro aplicado na comunidade escolar (CIEP Ruy Frazão Soares) acrescido de três perguntas relacionadas à gestão (cujas respostas estão citadas na p. 113): 

Três problemas do PESET;



Considera relevante a realização de estudos sobre o modo como a comunidade escolar observa a Paisagem próxima à escola?



Há a intenção, por parte da administração, de integrar as comunidades escolares às ações do PESET?

III – 1.2: A exploração do material

A autorização institucional para inserção no espaço foi fundamental. A estratégia deste estudo, no campo de trabalho, iniciou-se formalmente com uma solicitação à direção da escola (Apêndice 01, na página 136). O roteiro de entrevistas foi idealizado com a flexibilidade necessária e as entrevistas realizadas enquanto conversas agendadas. As questões parecem ter possibilitando um caminho interessante para que cada entrevistado pudesse se expressar de forma fácil. 98

Entre as técnicas propostas por Bardin (1977), optou-se pela análise por categorias, utilizando-se da investigação dos temas considerada rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples. As entrevistas foram ouvidas e destacaram-se palavras e frases referidas a temas diferentes. Esses deslocamentos são unidades de significação “libertados” do texto segundo critérios teóricos da rede-conceito produzida neste estudo que serviu de guia à leitura e a interpretação. Tal momento metodológico se constituiu da codificação do material. Neste tempo-espaço houve a transformação dos dados brutos (Bardin, 1977). Para efetuar a categorização dos dados foi criada uma grade de análise (Apêndice 2, página 137). Nessa tabela as respostas das questões foram sintetizadas em temas-índices, transfiguradas em sentenças ou palavras. Foi possível reagrupar as respostas por temas-índices, de acordo com o que os discursos e os conteúdos sugeriam, em comum. Nas etapas de recorte e agregação existiu uma representação do conteúdo do discurso (ou de sua expressão) suscetível de esclarecer suas características. As análises temáticas possibilitaram descobrir os núcleos de sentido que compuseram as respostas efetuadas e cuja aparição ou freqüência de aparição “significam coisas” na busca do objetivo analítico escolhido (Bardin, 1977). Primeiro procurou-se incluir o discurso das diversas classes do Bairro-Escola CIEP estudado (alunas, educadoras, funcionárias, mães) em separado para cada questão. A seguir foram cruzados os primeiros dados brutos entre as respostas (por cada questão) na definição posterior das categorias “gerais” de análise. A Análise de Conteúdo assenta-se, implicitamente, na crença de que a categorização não introduz desvios no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados brutos. A definição prévia do “objetivo da questão” facilitava todo este trabalho de corte e colagem metodológica. Por outro lado, lidando com um instrumento delicado, requer-se estar consciente, atento ao que ocorre quando da efetuação de uma operação habitual, aparentemente inofensiva (categorizar discursos e conteúdos). As entrevistas foram escutadas o quanto pareceu necessário; a maioria foi ouvida quatro vezes. Dos questionários complementares elaborados e entregues às educadoras após a etapa de entrevistas, onze foram devolvidos com seus respectivos discursos e conteúdos. Dentre as respondentes estavam: três educadoras da Educação Infantil; uma da primeira série; duas da segunda série; uma da terceira série; duas educadoras da quarta série; a 99

educadora da sala de leitura; a animadora cultural e uma professora que não informou para qual série lecionava. Aparentemente, as educadoras, os demais integrantes da comunidade escolar e ainda o administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca, puderam em 150 “conteúdos e discursos” assinalar opções e proferir discursos que consideravam relacionados à realidade do Bairro-Escola em estudo. Foram encaminhadas 75 respostas que contabilizaram um total de 150 itens (entrevistas e questionário) para análise qualitativa. O segundo valor inclui: as 17 entrevistas realizadas na comunidade escolar que perfizeram um total de 68 respostas; a entrevista do administrador do PESET que totalizou sete respostas; e as 75 respostas presentes nos questionários aplicados (onze) que abarca as múltiplas respostas que surgiram nas questões 1.1, 1.3, 2.1 e 2.2. Adiante são detalhados os procedimentos metodológicos usados para avaliar a inserção de questões ambientais na comunidade escolar do CIEP 448 Ruy Frazão Soares. III – 1.3: Procedimentos Metodológicos

As entrevistas foram iniciadas em setembro de 2001, logo depois do desfile de aniversário do CIEP, com os membros da direção para que a mesma aprovasse a aplicação na escola, principalmente com os alunos. No desenvolvimento do estudo aconteceram também entrevistas com a direção da escola intencionando “levantar” uma história breve da instituição. Verificando o livro de ponto, selecionou-se dezessete membros da comunidade escolar para a realização desta etapa do trabalho dos quais oito educadores (sendo os dois membros da diretoria escola, previamente ouvidos) cinco alunos, dois responsáveis por alunos/alunas e dois funcionários. Ao final desse momento metodológico percebeuse que participaram somente integrantes do sexo feminino, por isso o gênero foi afirmado em todo o trabalho. A Paisagem percebida foi um dos destaques nas falas recolhidas entendendo-se a necessidade de se aproximar o Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET) pelo menos “em tese”, da comunidade estudada. Após a realização das 17 entrevistas preliminares, vislumbrou-se a possibilidade de entrevistar a administração do PESET. 100

Em sua fala o mesmo corroborou a idéia de que o parque é um ator importante no espaço. Quando foi preciso adequar a pesquisa (com a exclusão de duas outras escolas; introdução p. 12) não foi revista a proporção da quantidade de entrevistados. Poderia-se, ao aumentar o número de alunos e responsáveis entrevistados; oferecer maior oportunidade de expressão para esses segmentos. É importante ressaltar, que pela natureza filosófico-metodológica deste estudo, não se considera o grupo e os discursos produzidos como uma amostra, no sentido de uma representatividade estatística. Como dito anteriormente nesta seção, os discursos não são produções individuais, mas estão circunscritos, atravessados pelas práticas sociais. Ao ampliar o número de entrevistados, podería-se abarcar visões ainda mais singularidades, mas o roteiro não seria o instrumento mais adequado, principalmente se fosse visualizado uma amostragem estatística para alunos e responsáveis que representam um universo maior (estimado em 400). Quando o tema a ser abordado é muito amplo (como nesta pesquisa) é mais adequado o roteiro de entrevistas (aplicado a um pequeno número de pessoas e com grande abertura das perguntas para maior “profundidade”), comparativamente ao questionário (aplicado a um grande número de pessoas e com fechamento das perguntas). A profundidade é nesse contexto freqüentemente associada à captação de informação de caráter mais afetivo23 do que cognitivo (Thiollent, 1982). Na aplicação de entrevistas em profundidade nada impede formalmente uma escolha segundo critérios de amostragem probabilística ou outras. Porém, na prática, a seleção das pessoas a serem entrevistadas não obedece a regras mecânicas. A seleção supõe a disponibilidade do entrevistado, a qual não é previsível antes de um primeiro contato. A seleção resulta de uma avaliação da relevância ou da representatividade social (não estatística) das pessoas (Thiollent, 1982). O procedimento em cada uma das 18 entrevistas era regular, continuado e simples: apresentava-se o propósito da mesma, ressaltando ser base para a dissertação de Mestrado em Ciência Ambiental, privilegiando as respostas livres “em tom de conversa”, com gravação. Ao final, ouviam-se os discursos para retificar e/ou modificar as afirmações se o entrevistado considerasse necessário, o que ocorreu algumas vezes.

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Conteúdos sócio-afetivos profundos facilitam ao entrevistado o acesso às informações que não podem ser atingidas diretamente; são aplicáveis tanto a entrevistas para análise psicológica, quanto a entrevistas destinadas à análise dos fenômenos sociais (Thiollent, 1982). 101

Foi preciso retomar duas questões com uma educadora já entrevistada para elucidar dúvidas sobre suas respostas. A audição das entrevistas foi realizada inicialmente duas vezes, mas posteriormente, tantas vezes quantas fossem necessárias para elucidar dúvidas. Algumas falas foram recuperadas na íntegra e aparecem neste texto. O administrador do parque além de responder àquelas questões apresentadas para a comunidade escolar, disponibilizou-se a mais três itens ligados ao parque (p. 97). Segundo a perspectiva de avaliação aqui adotada, os dados levantados e conseqüentes resultados interpretados serão devolvidos ao CIEP Ruy Frazão Soares, bem como à administração do PESET, para tomada de decisão, enfatizando seu caráter provisório. A construção da pesquisa envolveu adaptação e revisão de métodos usados tradicionalmente em muitos campos de conhecimento. Para a Ciência Ambiental, tal realidade não poderia ser diferente, principalmente diante dos desafios da interdisciplinaridade teática (teórica e prática) e da contextualização necessária, em pesquisas semelhantes. Para a cartografia (Rolnik, 1989) tal postura é também pertinente.

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III – 2. D I S C U S S Ã O D E R E S U L T A D O S Antes de apresentar a discussão dos resultados, deve-se lembrar que esta investigação configura-se em recorte na rede de acontecimentos da vida daquela comunidade. Por isso, não caberia realizar entrevistas com todos os membros da comunidade, na feitura de um censo estatístico. Não se esteve à busca de uma verdade última, irrefutável. Nas entrevistas emergiram alguns componentes, enquanto escapavam outros elementos, e estes aspectos estão refletidos na feitura deste texto de enfoque qualitativo. A análise dos discursos proferidos na pesquisa mostrou membros de uma comunidade que parecem conhecer a Paisagem do seu bairro e que buscam organização. Observou-se o questionamento da atuação dos órgãos públicos e visualização de alguns problemas que acontecem numa área sem infra-estrutura para a ocupação social. Embora as questões do roteiro de entrevista tenham sido construídas segundo objetivos, cabe lembrar que os mesmos serviram como guias para a análise, para a cartografia e não como elemento de (des) qualificação da resposta da comunidade, no sentido de classificá-las como verdadeiras ou falsas. A análise será apresentada por questão e ao final as categorias construídas, cruzando os discursos de todas as respostas. III – 2.1: O tema lixo na disciplina matemática

Emergiram três tendências entre as respostas colhidas, sendo duas distintas do objetivo da questão: a ênfase num trabalho com o lixo envolvendo noções de higiene de caráter prescritivo e concepções acerca do processo educativo. Em todos os segmentos da comunidade escolar (alunas, educadoras, funcionárias, mães) surgiu uma preocupação no tocante à manipulação do lixo que remete à idéia de higiene prescritiva que os Parâmetros Curriculares Nacionais também apontam.

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Algumas entrevistadas consideraram importante que o educador desenvolvesse o tema lixo na disciplina matemática indicando: como tratar o lixo; onde colocá-lo; onde não colocar ou jogar (verbo que a maioria empregou); sua relação com doenças; conseqüências do lixo no ambiente; evitar o lixo na escola e (re)aproveitamento. Esse aspecto higienista era imanente ao tom determinado nos discursos. Tal tom não é novo na prática educacional, não é inovador na escola. Como afirmado na introdução deste texto, a escola não constitui uma instituição isolada das demais práticas sociais. Ao contrário, a escola é atravessada não só pela prática educacional mas também pela Psicologia, Medicina, Farmácia, Nutrição e outros estudos da saúde. Ao investigar a introdução de práticas preventivas de saúde, do movimento higienista no Brasil, (início do século XX) é possível conhecer a história da saúde escolar. As práticas “da saúde”, no campo educacional, se davam no sentido de estabelecer um controle social dos corpos, cumprindo objetivos de uma classe dirigente (Lima, 1985). No mesmo aspecto histórico, a antiga Escola Normal é um campo interessante de estudos (a começar pelo nome). Pode-se investigar como os professores e especialistas se inscreviam nessas práticas, entre eles médicos, pedagogos e psicólogos. Os métodos utilizados visavam estabelecer o controle das crianças e dos brasileiros (Lima, 1985). O tom necessário privilegiava respostas generalistas (três alunas, todas as mães e funcionárias, três educadoras) que apontam para um caminho distante daquele recomendado pelo movimento ambientalista, ou demais “instituições” que sublinham a importância de questionar modelos. Foi encontrada a prescrição, a repetição de clichês, enfim, ações que parecem ser reproduzidas sem criticidade. Há um lado positivo acerca da ênfase nos cuidados com o lixo, nas temáticas da saúde publica, que abarcam muitos problemas atuais (como a dengue). Porém, a simples reprodução de informações não garante o controle sobre o lixo ou o ensino-aprendizado sobre o tema. A informação pura e simples não garante a construção dos saberes. O fato de uma pessoa saber o que deve (ou não) fazer, não implica na transformação desse saber em ato. Quando se trata do tema lixo, nem todas as informações são procedentes conforme se pode observar ao consultar os estudos de Becker (2002), Caldogno (2001), Calderoni (1997) e Eingenheer (1988; 1999) principalmente no que diz respeito à reciclagem e ao reaproveitamento. 104

Uma educadora da terceira série comentou um trabalho realizado no CIEP em parceria com a Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN) e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) envolvendo lixo: “Há três anos (1999) foi feito um trabalho junto à CLIN e à FEEMA, porque temos na área muito terreno baldio. A própria população já estava começando a jogar o lixo e jogar nos terrenos. (...) Começamos a fazer um trabalho de conscientização dentro da escola com as crianças para que elas passassem para os seus pais que a gente tem que pegar o lixo e não tem que estar jogando o lixo no terreno do vizinho. Muita coisa a gente pode fazer: uma separação e reciclar, porque tem muito lixo que é reciclável. Nós tivemos uma professora aqui na escola que trabalhou com a reciclagem do lixo, com jornal, garrafas PET. Foi daí que algumas professoras começaram a introduzir dentro das suas áreas um trabalho falando sobre o lixo, do que seria composto o lixo, o que fazer com a matéria orgânica, qual a matéria que você pode aproveitar, como seria a separação do lixo, quantas lixeirinhas cada morador coloca, aquele morador que não coloca. Para fazer uma pesquisa de rua: quantos sacos de lixo têm na porta de cada residência, que aí você trabalha na parte de matemática, então como o CIEP trabalha com a parte construtiva, você ter que trabalhar em cima do concreto, não do abstrato, isso já não se torna um trabalho difícil, porque você é já preparada para poder trabalhar em cima desse assunto.” Cabe destacar nessa fala as seguintes expressões: conscientização e passar para os pais. A conscientização é uma atividade voltada ao sujeito que supõe-se não saber acerca de algum tema, por exemplo “o que fazer com o lixo?” O sujeito que vai dirigir a atividade, geralmente aponta o que deve ser ensinado. Supõe-se que o dirigente (perito) “sabe” e o que é dirigido (leigo) “não sabe”. A informação percorre uma hierarquia assimétrica: do educador para o aluno, do aluno para seus pais, do dirigente para o dirigido, do governo para os governados. Outros agentes nessa hierarquia podem ser lembrados. Esses agentes poderiam ter várias faces: a direção da escola; a mídia (quarto poder); a orientação pedagógica; os Parâmetros Curriculares Nacionais; as empresas; o Bispo; todos que apontam os saberes considerados importantes para viver naquela sociedade e se preparar para o trabalho. Essa hierarquia não é privilégio do sistema escolar, existindo na sociedade de uma forma velada, mas concreta. São as práticas sociais que demandam o que deve ser ensinado, em geral o considerado relevante, segundo um modelo de sociedade. E quando esse modelo não é 105

questionado, a demanda não é reconhecida em relação a sua origem, as ações passam a ser automáticas e verticais, só há reprodução. Assim, estratégias aliadas a uma concepção reprodutivista da educação enfocavam,

nas

falas

interpretadas,

a

conscientização/orientação

sobre

higiene/implantar idéias/dizer o que não se deve fazer com o lixo. Este resultado parece enfraquecer as análises criticas dos diversos movimentos sociais e campos de estudos, dentre os quais o movimento ambientalista. Essa postura é incompatível à perspectiva crítica em educação presente na perspectiva paulofreireana, que questiona a educação alienada. Na Visão Bancária de Educação o aluno é obrigado a reproduzir conceitos e idéias, sendo um sujeito sem saberes vivenciais, como uma tábula rasa. A fala da educadora sobre o trabalho com a CLIN e a FEEMA parece sugerir que a escola desenvolveria a ação educativa segundo uma perspectiva inovadora, a perspectiva de Lev Vygotsky. A Teoria Sócio-Cultural-Histórica vygotskiana baseia-se nas funções interpessoais e nas interações recíprocas de um sujeito ativo com outros sujeitos ativos. Assim sendo, os alunos não poderiam ser vistos apenas como usuários passivos da produção cultural (Isaia, 1998; Oliveira, 1993). Nas entrevistas, a primeira tendência dos discursos (reprodução/prescrição) contrastou com uma segunda, menos freqüente, cujas respostas podem ser interpretadas como uma crítica ao processo educativo. Às vezes presentes, aparentemente deslocadas nas mesmas entrevistadas que prescreveram ações sobre o lixo. Quatro educadoras sugeriram atividades fora da sala de aula para que os alunos pudessem observar no entorno da escola (ruas próximas, a praça) o aparecimento do lixo. Essas atividades serviriam para disparar as informações sobre os cuidados com o lixo, ao que chamaram trabalhar no concreto. Dentre essas quatro, uma sugeriu trabalhar com a bagagem cognitiva do aluno. Apareceu uma terceira tendência de respostas, no discurso de quatro docentes e do administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET): o desenvolvimento de atividades na disciplina matemática, nas quatro operações básicas da matemática (contar número de lixeiras na comunidade e em casa, por exemplo); porcentagem e estatística e utilização de sucata para tornar concretas as resoluções de problemas simples.

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Um outro enfoque de pesquisa educacional, não necessariamente da Ciência Ambiental, poderia investigar em qual medida esse construtivismo pensado se materializa, se somente existiria para facilitar a transmissão das informações ou para proporcionar a construção do conhecimento. A fala de uma aluna de 11 anos de idade, da 4.ª série, acerca do ensino sobre o lixo, é uma interessante contribuição à Teoria Sócio-Histórica-Cultural quando afirma: “Eu acho que a professora vai ter de trabalhar não só ensinando, mas sim ajudando a gente a fazer as coisas certas. Não só ensinar mas fazer a gente entender e ver.” Ao mesmo tempo em que a fala remeteu à indicação de uma postura diferente da reprodução expressa nos fragmentos “não só ensinando”, “entender e ver”, parece não se descolar totalmente da mesma ao afirmar que a professora deve ajudar a “fazer as coisas certas” e apontar “como tem de fazer as coisas”. Apesar do “certo” ainda se encontrar no campo de determinação total do outro, entendeu-se que foi produzida uma crítica à mera reprodução de saberes colocada em prática no ato de ensinar. “Entender e ver” foi interpretado como outro modo de dizer que seria importante interessar os alunos e facilitar que os mesmos dêem significado ao conhecimento, ao estudo; no caso, ao tema lixo. Um membro da direção sugeriu um trabalho integrado acerca do tema lixo aliando a realidade local às noções em matemática e outras disciplinas. “... a professora pede uma pesquisa para saber como é tratado o lixo na comunidade. A turma faz o texto com o professor. Deste texto se trabalharia a pontuação, interpretação (português); meio ambiente, cidadania, comunidade (estudos sociais); a quantidade de lixo, distância do lixo das suas casas (matemática).” A sugestão dessa educadora se aproxima daquilo que os Parâmetros Curriculares Nacionais denominam ação transversal. Se trabalhar transversalmente parece muito fácil nessa sugestão, cabe analisar mais de perto a realidade do CIEP Ruy Frazão Soares e de outras escolas semelhantes. O CIEP tinha como segmentos de ensino em 2001 a Educação Infantil (creche para crianças de zero a três anos e pré-escola para aquelas de quatro a seis anos de idade) e 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Fundamental (antigo ensino de primeira à quarta 107

série) onde as turmas ficam sob a responsabilidade de um único educador para todas as disciplinas do currículo. Nesse cenário excetuam-se animação cultural, educação física e sala de leitura. A existência de um único educador facilita o trabalho transversal porque é dele o planejamento pedagógico de todas as disciplinas. O educador tem poder instituído para inserir o (meio) ambiente no currículo, articulando conteúdos. O mesmo não ocorre com o segmento posterior, 3.º e 4.º Ciclos do Ensino Fundamental (antigo ensino de 5.ª a 8.ª séries) e mesmo no Ensino Médio, onde cada disciplina fica sob a responsabilidade de um ensinante. Nessa última situação, para transversalizar é preciso planejar o trabalho com outros docentes, exigindo horário para reuniões e estudos. Não foi possível investigar tal realidade porque a extensão da greve da rede estadual de ensino impediu a pesquisa na E.E. Fagundes Varela. A disponibilidade de horário, com vivacidade cronológica para realizar reuniões de planejamento e estudos, não é uma garantia irrestrita para as escolas. Além disso, a escola é vulnerável aos problemas que afetam qualquer comunidade e/ou instituição como as dificuldades para planejar/implementar/avaliar quaisquer propostas com acabativa24. Soma-se ainda a dificuldade de diálogo, comum a muitos grupos. No período em que a pesquisa foi realizada, o CIEP Ruy Frazão Soares sofria graves problemas. Existia a falta de educadores para assumir turmas e dificuldades para realizar reuniões, pois a carga horária semanal do educador (20h) era incompatível à carga horária semanal dos alunos (40h). Essa diferença forçava a escola a selecionar duas educadoras, que não se encontravam, sendo responsáveis pela mesma turma. A maioria dos educadores nessa dobradinha precisava dar aula em outra escola para complementar o orçamento pessoal construindo assim uma Escola de Horário Integral de Papel. Se a fase clássica do ensino tem essa feitura, o trabalhar transversal dos saberes (apesar do seu caráter progressista) parece não caber. Para além das questões ligadas ao currículo, os educadores não têm garantidos na prática horários para estudo e planejamento dentro da carga horária de trabalho. Não havia horários para reuniões porque “não era possível dispensar os alunos” reforçando mais este mito educacional.

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Disposição para concluir ações (ir até o fim). A iniciativa se refere à disposição para iniciar ações. 108

O tema transversal ainda é uma visita estranha no currículo e na prática escolar em geral. Uma prática assim pressupõe abertura ao diálogo que envolveria não somente os sujeitos mas igualmente os diversos saberes, acionados segundo características particulares a cada escola. Interessando à Ciência Ambiental, o tema “atravessador” Ambiente

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pode ser

desenvolvido de acordo com a organização interna da escola (educadores, orientador pedagógico, equipe completa se há horários). Os órgãos públicos responsáveis pela gestão por sua vez, devem assegurar às escolas o que for necessário para uma melhor organização; o que no caso do CIEP deste estudo seria, no mínimo, mais educadores com carga horária compatível ao horário integral dos alunos. Ainda buscando problematizar a proposta de temas ambientais, o questionário complementar aplicado (Figura 7, p. 96) no CIEP Ruy Frazão Soares se revelou um instrumento fundamental para saber como os mesmos eram desenvolvidos pelas educadoras. Onze respondentes, devolveram o questionário e afirmaram desenvolver tais temas (item 1). O enfoque da motivação para o desenvolvimento do tema ambiental na prática educativa (item 1.2), presente nas falas docentes estão elencadas abaixo em freqüência decrescente:  Com dez assinalamentos - formação do aluno;  Com sete - interesse pessoal pela temática ambiental;  Com sete - interessam discente pelo tema;  Com seis educadoras - incluídos nos Parâmetros Curriculares Nacionais.  Com uma citação - a presença da serra da Tiririca.

Referente ao item 1.3 do questionário, uma professora afirmou desenvolver temas ambientais há 37 anos, outra, há quinze anos; três assinalaram oito anos de experiência; entre as seis restantes, quatro afirmaram que sempre desenvolveram temas ambientais e em dois casos o silêncio pedagógico apareceu. As educadoras, respondendo como desenvolvem os temas ambientais (item 1.4), informaram ambientalidades:

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Além de Ambiente existem mais quatro temas transversais do ensino fundamental: Ética, Saúde, Orientação Sexual e Pluralidade Cultural. 109

 a sala de aula, para dez respondentes, pode permitir a questão ambiental para os conteúdos disciplinares;  para quatro respondentes a disciplina escolhida é Ciências;  o silêncio pedagógico apareceu em três respondentes.

As três questões do campo 2, onde se procurava saber se a educadora enfrentava dificuldades para desenvolver o tema ambiental, foi assinalado de maneira interessante. Nove educadoras afirmaram não enfrentar dificuldades; uma declarou tê-las e outra respondente afirmou que as tem “às vezes”. Embora nove educadoras tenham afirmado não enfrentar tais dificuldades, seis preencheram o sub-campo 2.1, apontando seus quatro problemas mais freqüentes apresentados abaixo:  falta de material didático (duas assinalaram);  falta de tempo para planejar (duas educadoras);  necessidade de apoio pedagógico (uma educadora);  baixo interesse por parte dos alunos (uma educadora assinalou).

Dez educadoras assinalaram, no item 3, que nas suas formações acadêmicas, isto é, nas suas graduações escolares, haviam estudado questões ambientais. As respostas ao item 2.2 mostram cinco fatores (citados em dezessete respostas) que parecem facilitar o trabalho, sendo caracterizados enquanto traços-força (dinamizadores) da temática. Esses aspectos facilitadores para a transversalidade do tema ambiente estão sintetizados, em ordem alfabética, na Tabela 5 mostrando a força do poder docente. TABELA 5 –Traços-Força da Educação para o Ambiente no Ensino Fundamental

TRAÇOS-FORÇA Ambiente Próximo à escola Apoio pedagógico Interesse discente Interesse docente Material didático

FREQÜÊNCIA 03 01 01 10 03

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A análise dos questionários parece apontar que as leituras realizadas a partir dos discursos presentes nas entrevistas não destoam tanto da realidade. Esse cotidiano imerso em dificuldades que não se restringem à prática docente, mas que acabam por afetar a todos, parece ser o mesmo onde se exercita o interesse, a busca de superação das dificuldades. A afirmação de que não há dificuldades para desenvolver o tema ambiental não impediu a indicação tanto dos fatores que dificultam como dos que facilitam o trabalho. A questão sobre a “tentativa de relacionar lixo e matemática” atravessou os temas transversais e fez emergir outras questões também importantes: as concepções acerca do processo educativo (reprodução/construção do conhecimento) e a natureza dos saberes que atravessam a escola (saberes das diferentes práticas sociais) que não são neutros.

III - 2.2: Paisagem do Bairro-Escola. Nos seus discursos os entrevistados enfatizaram diversas nuances da Paisagem do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares conforme apontava o objetivo da questão. Entre as cenas da Paisagem, duas estiveram presentes: a cena “natural” e a cena sociocultural; separadas neste texto apenas para efeito de estudo. As alunas-respondentes trouxeram à tona a cena “natural” daquela Paisagem destacando a vegetação, especialmente as árvores frutíferas e a fauna da serra da Tiririca. As árvores frutíferas citadas pelas alunas foram a mangueira, o abacateiro e o coqueiro. Nenhuma é nativa do lugar, mas foram espécies introduzidas pelos seres humanos, que há muito modificam as paisagens dos meios onde se estabelecem ou passam. Uma das alunas de 11 anos de idade da 4.ª série mostrou-se uma defensora dos frutos que segundo afirmou, são tirados do pé ainda verdes; “os frutos maduros têm muito mais sabor”, afirmou. Outra aluna de 12 anos de idade da 4.ª série confirma esta fitoconvivialidade positiva26: “Gosto da mangueira que fica no portão de entrada do CIEP”. Para ela este teria sido o motivo do aumento do muro da escola vizinha (E. E. Fagundes Varela) porque alguns alunos “arrancam mangas verdes”.

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Abertura para o convívio com a vegetação. 111

Acredita-se que o interesse pelas árvores frutíferas merece um aprofundamento no sentido de levantar outras espécies menos conhecidas. Conhecer outras árvores e frutos diferentes das introduzidas naquela Paisagem pode ser uma tática motivadora de muitos conteúdos escolares, inclusive a sensibilidade ambiental. Uma educadora citou o trabalho que realizava com os alunos sobre a importância das árvores: “Trabalhando com eles no dia da árvore nós descemos para contar quantas árvores têm próximas à escola; as árvores grandes, as médias, as pequenas, as flores, os arbustos, coisas rasteiras, cipós, essas flores de cercadura de muros, as cores das flores, a importância da preservação. Da florzinha no pé, dos brotinhos, a observação dos brotinhos, como é que a planta se desenvolve, como ela tem de ser tratada, como é que a árvore chega ao tamanho que ela chega. A partir de uma sementinha que brota, nasce duas folhinhas uma para um lado, outra para o outro e vai subindo, subindo... Se ninguém pisar nela, ou arrancá-la, ou danificá-la de alguma forma ela vai chegar a uma enorme árvore. Envolta da nossa escola têm muitas. Por sinal, é uma Paisagem muito bonita. De cada janela você chega e olha uma Paisagem muito bonita aqui do Engenho do Mato ....” Uma aluna participante de 10 anos de idade da 3.ª série nomeou duas espécies da fauna (gato do mato e macaco de cara amarela) que não foram citadas nas raras referências sobre a Paisagem do Engenho do Mato e da serra da Tiririca. Respondeu com tanta convicção que parecia baseada numa fonte inquestionável, talvez da própria escola. Nesta cena “natural” presente nas falas das alunas os seres humanos só apareceram uma vez, agredindo a vegetação, arrancando os frutos verdes, “descendo correndo a rampa da escola como cavalos, não como gente” (aluna de 11 anos de idade da 4.ª série). O ser humano apareceu como o agressor visualizado de forma efetiva. Dentre todos os segmentos restantes da comunidade escolar, apenas duas educadoras atentaram aos aspectos positivos da cena “natural” (árvores e serra da Tiririca). O lixo, as queimadas, os desmatamentos e esgoto à céu aberto foram interpretações no Bairro-Escola, enquanto agressões dos seres humanos à Paisagem. O lixo pareceu ser um dos maiores problemas do bairro: nas ruas, na escola, na praça, nos rios. Segundo a direção do CIEP, residente no bairro “a comunidade não põe o lixo nas caçambas” e “os alunos não usam a lata de lixo” (educadora da direção). 112

As queimadas seriam causadas pelos balões. Os desmatamentos foram lembrados e associados às invasões do PESET, conforme se observa na fala da educadora da 3.ª série citada anteriomente (p. 77). Para aquela entrevistada, as luzes na mata são o processo vivenciado pelo qual se adquire a visibilidade do desmatamento, o meio pelo qual nota-se o crescimento demográfico do bairro. Essa favelização acelerada não se refere apenas à construção desordenada de moradias populares, de baixa renda, mas à construção dos “condomínios de alta renda”. Estar atento a esse processo foi interpretado como postura assimétrica àquela declarada pela vigia da escola. Para ela, o entorno ambiental está invisível: “as árvores vejo todos dias, fazem parte ... e não me chamam a atenção. Só se tirasse ... Se não tirar.” A Paisagem naturalizou-se, enquanto coisa tão presente que não afeta, não implica; está lá e não diz respeito a quem a vê. Da cena cultural construída, educadoras, funcionárias e mães citaram a praça e a Fundação Leão XIII como aspectos aos quais atentam na Paisagem. A praça segundo as entrevistadas, é o ponto de encontro do Bairro-Escola, uma referência geográfica e urbana. É freqüentada por todos, mesmo que temporariamente para:  acessar a Associação de Moradores, a farmácia, a loja de jogos e o Posto de saúde;  acessar a escola;  servir de lazer para clientes da Fundação Leão XIII que lá sentam e olham o movimento;  tomar a condução.

No seu discurso, o administrador do PESET lembrou a urbanização descontrolada que acarreta impactos diretos sobre a Unidade de Conservação. Ressaltou ainda a existência de um desconhecimento da população sobre a Paisagem quando afirmou:

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“O grande aspecto que me chama atenção na vegetação do Engenho do Mato, que é onde se localiza o CIEP, é a urbanização descontrolada. Portanto, antes de qualquer coisa, (seria causada pela) a falta de presença da prefeitura. O que vem com isso, ocasionar impactos diretos à Unidade de Conservação. E esse é um fator que não é destacado, a própria comunidade local não tem essa noção porque, na verdade, ela está em ação e reação com o espaço. Ela não lê o espaço, até porque lá ela não está para ler o espaço, está para viver no espaço. Então, parte-se do princípio de que tem que se conhecer o espaço realmente. E o que me destaca portanto é o não conhecimento do espaço naquele local.” Entretanto, os discursos da comunidade escolar respondente não confirmam a idéia do administrador de que o espaço do Bairro-Escola é desconhecido. Ao contrário, todos os problemas citados pelos mesmos referiam-se diretamente à Unidade de Conservação (UC). Embora descritos numa fala não-perita parafraseavam com competência “conteúdos” da vivência e da proximidade locais, onde se vive e/ou trabalha e/ou estuda. A pseudo-invisibilidade (ou visualidade superficial) acerca da existência do PESET pode ser entendida como ausência da divulgação dos procedimentos institucionais. Essa situação merece ser modificada o quanto antes procurando alçar a comunidade local à posição de ator/interlocutor/parceiro, na efetiva instalação da Unidade de Conservação, não somente desse Bairro-Escola estudado (entorno do CIEP Ruy Frazão Soares) quanto outras UCs das cidades de Niterói e Maricá. III – 2.3: A construção coletiva na relação Paisagem/Comunidade com o ambiente . O objetivo da questão era saber se os membros da comunidade escolar destacada concebiam a importância de uma construção coletiva na relação com ambiente. Houve uma grande diversidade de respostas e por isso na apresentação das mesmas, as falas foram separadas segundo as categorias dos entrevistados na comunidade escolar. Uma aluna (12 anos de idade, 4.ª série) identificou na diretora a pessoa responsável para implementar a ação proposta na questão. A maioria das alunas respondeu que todos são importantes na relação com o ambiente próximo à escola, mas por vezes o todos mereceu uma nomeação e ficou menos genérico ao apontar-se “todo mundo da comunidade” (aluna de 13 anos de idade da 3.ª série), por exemplo. 114

A aluna de 11 anos de idade da 4.ª série que defendera as árvores frutíferas, além de apontar as pessoas que “arrancam coisa verde” como atores para mudanças complementaria seu discurso para ação e reflexão declarando: “...não tem ninguém para escolher. Acho que o dever de todo mundo é ajudar a preservar a nossa natureza porque o nosso ar já está acabando, tudo está poluído. Os lagos e as lagoas, tudo está poluído. Eu acho que não tem pessoas especificamente escolhidas para poder agir. Todo mundo tem que se unir para poder preservar o meio ambiente que temos em volta da escola .” Outra aluna de 11 anos de idade da 3.ª série sugeriu como integrantes que seriam importantes na relação com o ambiente “os meus amigos, os professores e as pessoas de fora como você” (a pesquisadora). As mães e funcionárias apontaram em geral alguns dos membros da comunidade: os alunos, a Associação de Moradores “que tem de fazer alguma coisa” (mãe de dois alunos da escola). A auxiliar de cozinha sugeriu “uma seleção de pais que se interessassem pelo tema para fazer trabalhos com especialistas que poderiam orientar como desenvolver este lado, além de uma ação conjunta com a comunidade”, aproximando-se da resposta dos alunos e educadores. A vigia destacou a Associação de Moradores, os comerciantes e a comunidade em geral, mas apontou os educadores, quando se trata de escola. Entre as educadoras, compreendeu-se a existência de duas tendências: uma visão generalizada sobre a relação comunidade/ambiente e outra, que restringiu a categoria dos atores participantes da ação. Numa primeira tendência, cinco educadoras (dentre oito respondentes) afirmaram que o processo deveria envolver toda a comunidade. Duas dessas em especial defenderam a necessidade de realizar um trabalho integrando a escola, a Associação de Moradores, a E. E. Fagundes Varela, a Creche Municipal Olga Benário, lembrando que faltam noções de cidadania no Bairro-Escola marcado por “muita pobreza” (educadora da terceira série). Nessa resposta foram esquecidos os problemas que dificultam encontros de planejamento, implementação e avaliação de ações. A educadora da classe de alfabetização demarcou a diferença entre as docentes (de passagem) e os/as discentes (permanentes) quando afirmou: 115

“O trabalho tem que ser, partindo da escola, generalizado. Todos os professores trabalhando com um só objetivo e ideal de preservação, conservação e aprendizagem para as crianças. Nós estamos aqui de passagem e eles estão crescendo no ambiente. Então, isto aqui vai fazer muito mais parte da vida deles. Tem de ser trabalhado no geral, em todas as turmas, ao redor da nossa unidade escolar e daqui saindo a idéia da preservação lá fora. A serra da Tiririca: nossa imagem mais viva e maior que temos a nossa volta e precisa ser preservada ...” A segunda tendência foi observada nos discursos de três educadoras que indicaram como importantes para uma mudança os residentes do local. Uma das educadoras da direção afirmou que deveriam ser envolvidos “todos os professores e funcionários que moram na comunidade, conhecem a realidade e lidam com os alunos que moram no lugar”. A educadora da sala de leitura também nomeou trabalhadoras que moram no bairro: “ambas (duas educadoras) moram na comunidade e a conhecem”. Uma das educadoras da terceira série afirmou que seriam os “professores residentes no lugar que conhecem os problemas. Quem vem de fora não tem vivência” Chama a atenção neste estudo a resposta todos: ouvindo as gravações percebeuse que ninguém se colocou diretamente como um agente importante, usando o pronome pessoal eu ou mesmo o pronome nós. Respostas críticas poderiam ter sido, “nós educadoras, ou nós educadoras residentes no bairro”; alunas poderiam falar “eu e meus amigos”. Essa observação não deve ser entendida como uma desqualificação, mas vale ressaltar essa ocorrência. Foi notável a preocupação com o trabalho envolvendo educadoras e funcionárias locais. A prevalência do todos pode indicar a visualização da necessidade de uma ação coletiva que melhoraria a relação da comunidade com o ambiente para o qual deveriam participar vários atores, integrantes da comunidade da escola e por vezes do bairro. Trabalhar, atuar coletivamente não é uma prática muito comum na sociedade capitalista. O tempo inteiro as ações humanas são regidas por uma lógica individual, onde o problema ou a solução está no outro (a mãe, o Deus/deuses, o dirigente, o Jesus Cristo, o pai, o papa, o prefeito). O homem alienado não estranha quando uma minoria, evocando seu nome, decide sem que a maioria seja convidada a participar.

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Em geral, os membros da comunidade escolar do CIEP Ruy Frazão Soares identificaram a importância de ações conjuntas, da aproximação entre instituições e sujeitos diferentes. Mas, para que isso ocorra será preciso que os sujeitos visualizem sua importância no processo, na ação. O grupo pode ser um dispositivo para a construção de práticas coletivas, para tentar quebrar o isolamento que a tônica individual provoca. Cada integrante do grupo, ciente de sua participação fundamental, pode perceber a sua importância, a importância do outro e da ação coletiva irrestrita nos processos decisórios. Ao dizer “quem vem de fora não tem vivência” a educadora da turma de 3.ª série aponta para um fechamento da escola. Quando outra educadora da terceira série afirma que é preciso abrigar “o fora da escola” pode, mesmo sem perceber estaria seguindo o mesmo caminho da fala anterior. Morar na localidade não é garantia de um conhecimento total sobre os problemas ou reconhecimento do que ocorre ao redor: ver as possibilidades da invisibilidade ou visibilidade débil. Ser da comunidade não implica em homogeneidade de observações, uma única maneira de ver o ambiente. Um exemplo dessa situação é a fala da vigia (que naturaliza o ambiente) e atenta ainda para as cores da escola “porque dá vida ao ambiente”. A atenção é voltada a algo que interessa ao observador. O interesse, a motivação, a apreensão da realidade envolve uma série de mecanismos psíquicos, biológicos, orgânicos, culturais (só para mencionar alguns) na construção de traçosforça. Esses mecanismos permitem que cada sujeito privilegie um aspecto diferente, produzindo olhares singulares embora referenciados aos saberes coletivos, na concretização de ações úteis. Numa ação coletiva essas diferenças (singularidades) podem produzir a visualização de diversos aspectos acerca de uma mesma realidade, processo semelhante às respostas dadas à pesquisa. Um mesmo roteiro, uma mesma questão suscitou respostas absolutamente distintas porque cada entrevistada analisou, refletiu e observou a realidade de acordo com tudo o que lhe constitui enquanto ser singular. Nessa singularidade está o coletivo porque as crenças, valores, saberes do seu grupo social estão presentes formando uma subjetividade peculiar. A expressão “quem vem de fora não tem vivência” pode ser problematizada porque da vivência somente não depende o processo de apreensão da realidade. Ao contrário, às vezes uma pessoa que não vive no bairro num primeiro contato, pode 117

atentar para algum aspecto que uma pessoa dita local não notou. A visão da pesquisadora na sua primeira visita de campo (p 14 a 17) parece sugerir isto. Além disso, uma prática coletiva aponta, sobretudo, para a inclusão de atores, parceiros, interlocutores tão necessários às ações críticas. III – 2.4:Visões sobre o ambiente local

Intencionava-se com essa questão montar a partir das falas dos membros da comunidade escolar, um inventário de temas relacionados ao meio ambiente, bem como observar se os mesmos estariam referenciados à Paisagem local. As falas delinearam a interpretação de pelo menos três visões diferentes acerca do meio ambiente referenciadas ao local que neste estudo foram denominadas: bucólica, ética e perita. Assim a Paisagem do Engenho do Mato surgiu de três diferentes formas. A visão bucólica foi a que se destacou em 14 respostas. Foram apontados temas adjuntos, comuns ao cotidiano imediato, na maioria das alunas, mães e funcionárias, neste Bairro-Escola. Animais (fauna), árvores, matas, frutas (flora), ar, cuja observação é realizada diretamente no local, mesmo que de forma “naturalizada”. A visão ética se configurou quando foram apontados o compromisso, a consciência e a responsabilidade para com o outro, fosse humano ou não-humano. Pareceu que as pessoas mostraram uma preocupação como a alteridade27 ao apontar como temas: não desmatar; paisagismo (estética); plantar flores e árvores; respeito à natureza; respeito aos animais e vida digna. Destacou-se como tema a inteligência da consciência humana assinalada por uma responsável por uma aluna da 4.ª série: “O meio ambiente é o modo de inteligência do ser humano. O ser humano que é um ser inteligente, cuida do meio ambiente. Para ter um meio ambiente saudável depende de todos nós ...” A visão perita, qualificada pelos conteúdos escolares e envolvendo a interlocução com os saberes científicos, foi expressa em temáticas distantes da visão imediata como águas, lagoas da região, meio ambiente, qualidade de vida, recursos

27

Natureza ou condição do que é outro, do que é distinto. Relações de contraste, distinção. Alteração. Mudança. 118

hídricos, saúde (gatos que transmitem doenças), serra da Tiririca e seqüestro de carbono28. Foi esboçada uma concepção acerca do homem (perspectiva transversal), dentro das visões bucólicas, éticas e peritas. O ser humano apareceu na maioria das falas como “o transgressor”. A poluição (sonora, dos rios, por esgotos), o desmatamento e conseqüente necessário reflorestamento, a “matança dos bichos” (caça), animais extintos, o lixo, a urbanização descontrolada, as queimadas e os balões, são temas que repercutem diretamente na vida daquela comunidade. Diferentes visões que permitiram realizar um mapeamento acerca daquela Paisagem.

O conceito “Seqüestro de Carbono” surgiu recentemente e se refere à capacidade de plantas verdes absorverem o carbono atmosférico, presente principalmente sob forma de dióxido de carbono (CO2), e convertê-lo em substâncias úteis ao seu metabolismo e crescimento. Esse carbono absorvido não retorna à atmosfera, se tornando parte integrante destas plantas. Dentre as plantas verdes, as árvores possuem maior destaque, e podem ser manejadas de maneira a otimizar esta atividade (www.carbono21.com/portugue/efentoe.htm) 28

119

III – 2.5: Categorias construídas a partir dos discursos da comunidade escolar

Relacionando as falas das respostas dadas a todas as questões, comparando-as ainda à fala do atual administrador do PESET, foram interpretadas algumas categorias do discurso. Essas ajudam a compreender algumas nuances que, de alguma forma, já foram debatidas ao longo dos capítulos e são interdependentes. Enfim, as mesmas parecem apoiar a consolidação das análises e compor um cruzamento entre a redeconceito construída e o discurso da comunidade escolar respondente interpretado. As três categorias interpretadas foram paradoxo, protagonismo, visibilidade e estão discutidas permeando a “coletividade”. Apontar a presença do Paradoxo como categoria nos discursos não se faz aqui como uma estratégia de classificação, circunscrevê-lo entre dois pólos (certo ou errado), mas destacar as suas contradições. A contradição sinaliza à reflexão sobre a relação ação-intenção, discurso-prática. Atenta-se que esse exercício não procura apontar para a busca da garantia da coerência mas antes, alertar para a importância da atenção sobre os efeitos que nossas práticas cotidianas engendram. Considera-se importante visualizar pelo menos dois paradoxos interpretados nos discursos da comunidade escolar respondente: as concepções acerca do processo de aprendizagem e da Educação para o Ambiente. Algumas falas sugeriram a preocupação com uma proposta não reprodutivista para a educação, mas essa tendência contrastou, no nível do discurso, com propostas prescritivas (mandato pedagógico). A abertura que representa a proposição de um trabalho integrado à comunidade, diferiu das sugestões de limitar a participação aos locais. Não é fácil manter uma coerência entre o discurso e a prática (verbação 29), mas a presença da contradição que o paradoxo representa, alerta para a relevância da reflexão constante. Propor abertura e aproximação não significa garantir seu acontecimento: a proposição democrática não garante uma ação democrática. Talvez, menos complicado do que procurar uma coerência entre ações e intenções, seja procurar a constante reflexão, interessante ao nível pessoal com dificuldades aumentadas, ao se tratar de um grupo de pessoas.

Verbação – Interação prática do verbo e da ação no comportamento coerente da consciência; resultado da palavra ratificada pelo exemplo através de testemunhos vividos. Vieira (1992). 120 29

Numa mesma lógica paradoxal, os órgãos dirigentes prescrevem o trabalho transversal sem garantir o diálogo e a comunicabilidade necessária para aproximar os diferentes atores da prática educativa (alunos, comunidade, educadores e pais) e os saberes presentes nas disciplinas. Cabe relembrar o planejamento efetuado, neste estudo, junto à coordenação pedagógica da escola e um policial do Batalhão Florestal que não pode se concretizar por falta de tempo. Os saberes e práticas que a inter e a transdisciplinaridade apontam exigem a convergência de Tempo, com T maiúsculo. Tempo qualificado para o exercício do diálogo, para o estudo constante e para dialogar no Bairro-Escola. Tempo para construção de formas de interessar os aliados/parceiros/interlocutores/atores com Tempo para entender os benefícios de novos olhares. Além de todos esses registros há uma infraestrutura para superar ou minimizar os grandes problemas que aflingem a rede escolar há muito tempo, como a falta de professores, a evasão escolar, a baixa remuneração, a falta de vagas para os alunos. O segundo paradoxo na educação para o ambiente configurou-se nos apontamentos das possíveis atividades com o lixo. Embora o movimento ambientalista não possa ser encarado como crítico em essência – entre outros motivos de caráter paradigmático, porque alguns de seus pressupostos foram interpretados segundo orientações não críticas - pode ser extremamente nocivo desenvolver o tema meio ambiente com os alunos sem o exercício da criticidade. Pode-se destacar na prática pedagógica que o movimento ambientalista, ou as noções ambientais, não são naturais, mas engendradas socialmente. Uma construção coletiva que foi sendo privatizada. O Protagonismo foi uma segunda categoria de avaliação construída por intermédio dos conteúdos analisados. Nas falas de alunas e educadoras e mães, a ação protagônica é sugerida como caminho para a construção de uma nova relação com o ambiente. Protagônica e coletiva. As entrevistadas apontavam princípios que defendem a gestão democrática em diferentes instâncias da sociedade e no âmbito desta pesquisa, a gestão democrática da educação e a gestão ambiental participativa. O administrador do PESET também citou a importância dos moradores para o parque (citação p. 78). Visibilidade, a terceira categoria construída, diz respeito especialmente às práticas escolares e às interações com a Paisagem. Nessa categoria cabe ressaltar que compreender os mecanismos, os efeitos dessas práticas, implica na manutenção de um estado de vigília constante em relação às ações diariamente implementadas. 121

No processo de visibilidade nas cenas “naturais” e “socioculturais” interpretouse a existência de uma visibilidade acerca das diferentes interações com a Paisagem local: Visibilidade do desmatamento, dos efeitos das diversas intervenções dos seres humanos. Enfim, tem-se uma Visibilidade da Paisagem local, que se processa de forma diferente em cada observador. Paisagem como mediação entre o mundo das coisas e a subjetividade, mais do que ação e reação com o espaço. Contradizendo a fala do atual administrador do Parque Estadual da Serra da Tiririca, ao menos treze entre os dezessete integrantes da comunidade escolar entrevistadas mostraram, ao responder as questões 2 e 4, um conhecimento daquele espaço alvo da pesquisa. Talvez não conheçam todas as problemáticas do PESET, em especial as administrativas, uma vez que parecem mesmo desconhecer a sua existência. Para a administração do parque seria importante dar visibilidade ao conhecimento real que toda a comunidade tem como estratégia para que os mesmos se interessem pelo PESET, permitindo suas inscrições como prováveis aliados. Ao abordar o ambiente, os movimentos sociais caracterizaram-se sobretudo pela visão de contrafluxo, confrontação sobre o modelo capitalista de desenvolvimento e de interação com o meio ambiente. Não só as organizações em defesa do meio ambiente (que incluem ou não o homem como parte dos ecossistemas), mas os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais sublinham a relevância do exercício da visão crítica para análise do ambiente imediatamente próximo (bairro), bem como também do ambiente menos imediato (como os problemas com camada de ozônio, por exemplo). Como cita Beck (2000) a questão é glocal (global e local). Conforme entendido neste estudo a prescrição, enquanto quadro teático da Ciência Ambiental, pode ser catastrófica. Exemplificando: a noção de Desenvolvimento Sustentável que não é um consenso nem entre os estudiosos mais eruditos. O movimento ambientalista produzido é engendrado segundo certas concepções de vida e de mundo, certa ética, novamente não-naturalizável. Todavia, diante dos problemas de produção e constatação dos efeitos nocivos da mesma sobre o meio, a preocupação “ecológica” foi “absorvida” por instâncias de decisões internacionais, corroendo e aplainando as arestas mais revolucionárias. Desenvolver transversalmente temas ambientais significa implementar uma dinâmica distinta àquela que o educador (e demais sujeitos ensinantes) desenvolvem nos seus cotidianos. A prática usual enfoca a fragmentação e o isolamento dos saberes onde 122

as disciplinas não se articulam no currículo, com a vida, com a Paisagem. Se o tema transversal parece um “corpo estranho” no currículo (por exigir conexão entre os saberes) por outro lado, sinaliza a necessidade de transformar o modo como a escola lida com o conhecimento. Há um estranhamento efetivo entre o tema transversal e o funcionamento da escola. As práticas escolares não são neutras nem isoladas das demais práticas da sociedade. O que se materializa na escola, em forma de conteúdo curricular clássico (ou tema transversal), o modo como o educador e o aluno são percebidos, não é natural ou neutro. Nem sempre esse processo de construção social histórico é visualizado. Parece natural querer “implantar idéias”, “trabalhar no concreto”, “dar higiene”; não se tem em vista o atravessamento das práticas sociais em nossas ações e nas ações do outro. No entanto, a natureza longe de ser uma entidade intocável, há muitos séculos configura-se pela ação dos homens e mulheres; deles a natureza não deve ser separada. Para gerir uma Unidade de Conservação é importante (re) conhecer o saber local, o conhecimento não-perito ou do senso comum. Ação que convide a “comunidade” a participar do processo de gestão. Participação como inclusão efetiva que exige politização, debate e organização, ou seja aponta para uma nova cultura, do desenvolvimento de uma coletividade. Isso parece ser mais difícil do que escrever uma dissertação sobre essa temática

III - 2.6: Esboço de um método à Educação para o Ambiente No trato da questão ambiental ainda há muito que refletir e construir. Moraes (1997) destaca que entre as tarefas epistemológicas está a pesquisa metodológica. O autor aponta à importância de entender as possibilidades de cada método no equacionamento da temática ambiental diante da grande diversidade de métodos30 nas ciências contemporâneas; de diferentes visões da natureza e da sociedade, de formas próprias de abordar a realidade. A falta de diálogo ente os diferentes métodos poderia ser um grande empecilho à interdisciplinaridade; mais forte que os marcos disciplinares. Moraes (1997) sugere a compreensão dos pressupostos contidos nos diferentes métodos para a sua aplicação no trato da questão ambiental.

30

O autor está se referindo à armação lógico-metodológica da análise e reflexão, indo além da noção de instrumental técnico 123

Com tal postura, nesta dissertação, procurou-se construir um procedimento de pesquisa que pudesse aliar diferentes contribuições para “dar conta” da complexa realidade estudada. Cartografia, Análise do Discurso e Análise do Conteúdo foram os ingredientes principais do trabalho aqui produzido. Procurou-se compreender as possibilidades que cada método oferecia à pesquisa; em que medida poderiam potencializar o trabalho. Para isso foi extremamente relevante procurar clarificar o discurso, situando os conceitos. Esse, ainda segundo Moraes (1997, p.47) é um outro desafio no trato à questão ambiental: o “aclareamento conceitual”. Paisagem, por exemplo, foi comentada em pelo menos três vertentes diferentes: geográfica (estética, ocupação, transformação do espaço), que foi a linha mais utilizada; psicológica (paisagem psicossocial), comentada para diferenciar o uso de Rolnik (1989); e ecológica (mosaico de ecossistemas), citado no segundo capítulo na cartografia da cena “natural”. Esta dissertação abordou a questão ambiental na ótica dos fenômenos sociais. O método esboçado intencionou a Educação para o Ambiente, visando criticizar o modo como a mesma (ou a Educação Ambiental) vem sendo produzida; baseando-se na visão da comunidade escolar e na problematização da mesma. Sugere-se ações semelhantes na produção de uma educação para o ambiente no contexto da educação formal, ou seja, numa situação escolar. Iniciando a ação na visão da comunidade escolar, isto é, alunos, educadores, funcionários, responsáveis, moradores, enfim, quem o grupo considerar incluído. Em verdade, não se recomenda aqui um procedimento fechado, que diga respeito a como trabalhar, quem deve ser incluído. Mas, recomenda-se que essa ação, educação para o ambiente seja tomada como uma ferramenta, um instrumento que auxilie a construção de uma educação significativa. Significativa no sentido de uma contextualização (paisagem local), de uma coletividade (protagonismo dos diversos atores), de uma construção de saberes que oportunize a todos os envolvidos, mais potência para exigir e viver uma cidadania plena. Em termos práticos propõe-se em primeiro lugar aceitar a encomenda educação ambiental (o nome por si só é menos importante que a postura), utilizando-a para tentar inverter as relações vividas pelos diferentes atores sociais (isolados, sem diálogo, sem troca) e para resignificar os saberes. Mas, cada situação vai demandar um caminho diferente e é sobretudo da visão sobre esse caminho, em acompanhá-lo com o dinamismo que ele exige, é que se falou aqui. Pode-se sugerir para isso o método cartográfico. Qual seja basicamente: 124

 construir e avaliar continuamente as linhas de orientação da ação;  ampliar os dados considerados relevantes à ação, englobando a visão dos atores envolvidos e as outras visões (perita, por exemplo);  os procedimentos a serem adotados devem ser adequados à ação, mas recomenda-se questioná-los e pensar para que estão sendo utilizados e em que estão ampliando ou restringindo as possibilidades de reflexão-ação;  definição da escala (o grau de pormenorização da representação diante do objetivo proposto à ação; até onde irá a análise produzida);

O que mais se pode afirmar é a importância de constante reflexão, revendo a todo o momento o que é produzido, as redes, as relações.

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CONCLUSÕES

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Nessas conclusões é importante recuperar questões, objetivos e estratégias construídas nesta dissertação. O caráter provisório muitas vezes afirmado aponta para o recorte que confirma a complexidade do Bairro-Escola CIEP Ruy Frazão Soares e da questão-fundamento deste estudo: Como os atores articulam o tema ambiental e a paisagem local? Para analisar a inserção da paisagem local por dezessete integrantes da comunidade escolar do CIEP estudado ao lidar com a temática ambiental foi preciso recorrer a diversas estratégias delineadas nos objetivos específicos desenvolvidos ao longo deste trabalho. O breve resgate histórico do processo educacional e do debate acerca do (meio) ambiente construído a partir da bibliografia referenciada, sublinhou que as discussões de ambos os temas perpassam a luta pela democratização das relações estabelecidas entre os seres e saberes envolvidos. A inserção de atores sociais nas tomadas de decisão e a revisão crítica do currículo escolar foram consideradas objetivos simétricos. Mas, tal luta não parece simples, ao contrário a proposta da Educação para o Ambiente só confirma as metas inscritas no debate da gestão do campo educacional. A cartografia da paisagem do Bairro-Escola realizada por meio do confronto entre os dados de pesquisa bibliográfica e os discursos dos entrevistados delineou um cenário complexo composto por muitas cenas e observada por olhares singulares. As quatro cenas (cultural, escolar, “natural” e sociocultural) apresentadas em separado apenas para facilitar a visualização do todo complexo, mostraram uma paisagem marcada pela luta por uma educação de qualidade e pela aproximação dos diversos atores.

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Naquela paisagem além dos atores humanos, inserem-se atores não-humanos como o Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET). Aspectos geográficos, biológicos e subjetivos foram enfatizados como fatores interdependentes, aliados a tanto outros que envolvem a vida. Para avaliar a inserção da paisagem local nas respostas dos integrantes da comunidade escolar do CIEP às questões que envolvem a temática ambiental, foi elaborado um com roteiro de entrevistas específico. Esse roteiro seguiu as orientações do campo da Análise do Discurso, de linha francesa, onde se buscou ampliar os canais expressivos, oportunizando outras abordagens não-antecipadas no momento da construção do instrumento de coleta. A mesma preocupação esteve presente na elaboração do questionário complementar destinado aos educadores para conhecer como desenvolviam temas ambientais com os seus alunos. Interpretou-se que a comunidade escolar respondente ao lidar com o tema ambiental insere a paisagem desse Bairro-Escola. Seja pedagogicamente, seja sugerindo temas, ao refletir acerca do ambiente a maioria dos respondentes mostrou uma certa atenção à Paisagem do bairro e de além bairro. Essa observação contraria as afirmações do administrador do PESET. Por fim, a configuração das categorias gerada a partir da interpretação das falas manifestas nas entrevistas concedidas parece ter consolidado a conexão redeconceito/discurso da comunidade escolar. A categoria Paradoxo se refere sobretudo às contradições das práticas sociais, dentre as quais o discurso. Serve para alertar a importância da atenção sobre as nossas práticas cotidianas; ao que elas engendram. Pelo menos dois Paradoxos foram interpretados: as concepções acerca do processo de aprendizagem (o que envolve a gestão pública também) e da Educação para o Ambiente. O Protagonismo está relacionado com a ação dos atores sociais. No nível educacional essa categoria diz respeito à gestão democrática, no nível do ambiente refere-se à gestão ambiental participativa. Em ambas busca-se a aproximação dos atores facilitando o diálogo e a tomada de decisões conjuntas.

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A Visibilidade, terceira categoria construída, faz referência às práticas escolares e às interações com a Paisagem. Ressaltou-se a importância da reflexão acerca dos efeitos das práticas sociais. Interpretou-se a existência de uma Visibilidade da Paisagem local. É pertinente reafirmar que essas conclusões estão aliadas ao caráter provisório da pesquisa, sublinhando o tempo-espaço que caracterizou a sua produção. Os 150 conteúdos e discursos da comunidade escolar aqui interpretados não representam a única formulação possível. Também, faz-se importante afirmar que esta dissertação, as análises aqui apresentadas referem-se ao ensino público, mas o ensino privado pode ser objeto de discussão em outras produções uma vez que tem sido eixo diretor das ações governamentais. A Cartografia como um desenho que acompanha os movimentos de transformação de uma paisagem, é sempre provisória e singular; não tem a pretensão de verdade nem de universalidade (generalização). O que aqui se fez foi acompanhar os movimentos que compõem a complexa realidade estudada. Esse método esboçado pode ser proposto à Educação para o Ambiente, repetindo o já dito,

“... Pensamos que todos nós podemos ser cartógrafos. O cartógrafo é aquele que quer envolver-se com o traçar, com o navegar no movimento, quer misturar-se com os acontecimentos, quer compor territórios que não sejam fixos por muito tempo, já que o movimento não cessa ...” (Barros & Brasil, 1992, p. 228)

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1: CARTA DE APRESENTAÇÃO PARA AS ESCOLAS DE: Aline Lima da Silveira. PARA: CIEP Ruy Frazão Soares Niterói, 18 de setembro de 2001.

Vimos por meio desta pedir autorização para realizar entrevistas com a comunidade desta escola no intuito de desenvolver uma pesquisa referente ao projeto aprovado pelo Curso de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade Federal Fluminense para a obtenção do titulo de Mestre em Ciência Ambiental. O objetivo da pesquisa é analisar a interface contexto ambiental/educação na ótica da comunidade escolar. O método da investigação envolve entrevistas com 17 membros da comunidade escolar dos quais: seis educadores (disciplinas diferentes, matemática, português e ciências); cinco alunos; dois membros da direção; dois pais de alunos e dois profissionais de apoio educacional (um servente e uma merendeira). O instrumento de pesquisa será um roteiro de entrevistas composto por quatro questões abertas, implicando no uso de um gravador por, no máximo, 30 minutos. Fazse também importante o estudo de documentos presentes na instituição ligados à temática ambiental como diários, descrição de atividades como feira de ciências e/ou arquivo da biblioteca, por exemplo. Propõe-se que a pesquisa seja iniciada com um membro da Direção da escola de forma que esse interlocutor conheça o roteiro de entrevista e a metodologia da mesma. A análise dos resultados será baseada na análise do discurso e será apresentada, posteriormente à comunidade desta escola para que participantes ou não do processo, possam avaliar e debater os resultados do trabalho. Ao lado desta solicitação, desde já colocamo-nos à disposição para realização de atividades (ligadas ao tema da pesquisa) que a escola considere relevantes para a comunidade. Atenciosamente, ____________________________

____________________________

Aline Lima da Silveira

Tânia Guimarães Santa-Rita

Mestranda PGCA/UFF

Orientadora PGCA/UFF

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APÊNDICE 2: GRADES DE ANÁLISE CONSTRUÍDAS NO ESTUDO

Catalogação das entrevistas Questões

Categoria do Entrevist.:

Categoria do Entrev.:

Categoria do Entrevit.:

Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4

Citações Data

Categoria do entrevistado:

Questão

Citação

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