«Por uma ecdótica negativa: fins da filologia em ‘Finisterra’ de Carlos de Oliveira», in Romance & Filologia. Almeida Garrett, Eça de Queirós, Carlos de Oliveira, São Paulo, Nankin, 2004, pp. 65-110.

July 31, 2017 | Autor: Pedro Serra | Categoria: Philology, Filología, Literatura Portuguesa
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POR UMA ECDÓTICA NEGATIVA: Fins da filologia em Finisterra de Carlos de Oliveira PEDRO SERRA

Começo por remeter para umas muito justas reflexões de Luís Mourão a propósito de Finisterra: «Desde a sua publicação, em 1978, Finisterra é um dos lugares privilegiados da disputa crítica portuguesa» [1996: 269]. A obra constitui, pois, para o autor de Um Romance de Impoder, um catalizador e uma provocação do discurso crítico: «A tal ponto, que Finisterra é talvez o nosso único romance contemporâneo que poderia ilustrar cabalmente um estudo informado pelas teses da teoria da recepção» [270]. O grau extremo de «cooperação» que a obra demanda – ela é «sobretudo objecto de um juízo estético» [Diogo, 1997: 83] –, e que significa que a aisthesis a «decide» [cfr. Oliveira, 1997: 31], não será alheio a essa possibilidade de ilustração. Para o reconhecimento dos loci desta recepção, vale a pena recordar um conjunto de observações de Osvaldo Manuel Silvestre, feitas em Slow Motion. Carlos de Oliveira e a Pós–Modernidade, sobre a «leitura histórica» da obra: (a) «Curiosamente, para um certo modelo interpretativo de Finisterra, tudo funciona como se a teoria das forças produtivas e das relações de produção, nunca tivesse sido tão visível em Carlos de Oliveira como no seu texto terminal. É o caso, entre outros, de Maria Lúcia Lepecki (1979), Maria Alzira Seixo (1986), João Camilo dos Santos (1991) ou Manuel Frias Martins (1983)» [1995: 15, n. 4]; (b) por outro lado, refere–nos, no mesmo ensaio, um outro «modelo interpretativo», nos antípodas daquele: «A leitura de António Guerreiro parece aliás inserir–se num modelo de leitura que se diria geracional, já que o encontramos ainda num texto de Gustavo Rubim sobre Carlos de Oliveira (Rubim, 1991). Nesse modelo, o corpus de Oliveira sofre, grosso modo, a eliminação da primeira parte do seu Trabalho Poético, relevando–se a produção poética posterior a Sobre o Lado Esquerdo, e

ainda O Aprendiz de Feiticeiro e Finisterra – o que dele aproximaria também este meu texto» [32]. Independentemente dessa racionalidade geracional significar a discriminação dos dois «modelos» de leitura, podemos reconhecer, pelas palavras de Osvaldo Manuel Silvestre, duas «comunidades interpretativas» [cf. Fish, 1980] em confronto. A collatio de nomes não é certamente exaustiva, todavia, o que me importa destacar é que o que as separa é o diferente input «teórico» que lhes subjaz: (a) a primeira vinculada a construtos como a estética marxista, a teoria narrativa lukácsiana ou a narratologia; (b) a segunda, por seu turno, reverberando o impacto da desconstrução. Gostaria, contudo, de chamar a atenção para um terceiro «modelo de leitura» em que se incluem Américo António Lindeza Diogo [1995 e 1997], Luís Mourão [1996] e Osvaldo Manuel Silvestre [1992, 1995 e 1996]. A leitura deste grupo (c) (2), não deixando de estar afinada também por lições do assim chamado «desconstrucionismo», caracteriza–se, e sumario em excesso, pela localização da obra oliveiriana no devir da Modernidade e do Modernismo. É o modelo de leitura que, ao dia de hoje, «saturou» a exegese de Carlos de Oliveira, com o inevitável custo de deslocação de outras leituras «históricas». O que não significa rasurá–las mas sim conferir– lhes uma mais–valia filológica. Seja como for, (c) é o modelo de leitura que consegue, por procedimentos e fundamentos, um equilíbrio «homeostático» na leitura de Carlos de Oliveira: se (a) sobreleva o chamado «primeiro Oliveira» e (b) sobreleva o, por lógica, «segundo Oliveira», (c) é o modo interpretativo que verdadeiramente o enfrenta como «literatura», lendo–o não por «fases» mas pela sua «assinatura».

O PACTO COM O MIMÉTICO E O «INIMIGO DA GERAÇÃO HUMANA» Uma das bem conhecidas figurae dos relatos hagiográficos – best–sellers da Idade Média aos finais do século XIX –, o «diabo» assombra a «geração humana». Ele foi, por outro lado, o pomo de uma

dissenção interpretativa a propósito de Uma Abelha na Chuva. O lugar textual em causa é o seguinte, do capítulo XXIII: «Cheira a iodo, o que é normal, mas também cheira a enxofre, já notou?; não pergunte porquê; estando eu aqui, precisa de perguntar?» [967]. Como veremos pelos termos da referida dissenção, o «inimigo da geração humana» assombrou também o romance de Carlos de Oliveira. Por razões que mais adiante explicitarei, depois de rever o que ele significa nesse romance, propo– lo–ei como tropo da assombração que acomete o romance como «género». O «caso» de leitura a que me reporto lembra–me, entretanto, o conhecido comentário de Paul de Man a Lukács, por Lukács: «Esta forma [i.e., a do «romance» como género] no puede tener nada en común con la forma orgánica y homogénea de la naturaleza: se fundamenta en un acto de conciencia, no en la imitación de un objecto natural. En la novela '...la relación de las partes con el todo, por mucho que quiera parecerse a una relación orgánica, no constituye sino una relación conceptual suspendida, nunca una relación realmente orgánica'. En declaraciones como éstas, Lukács se aproxima al punto a partir del cual podría comenzar una genuina hermenéutica de la novela» [1991: 68]. O procedimento é típico: um lugar de Lukács permite desmontar Lukács; construtivamente – será necessário recordá–lo? –, pois esse mesmo lugar de Lukács mostra como pensar a transcenção do Lukács desmontado. O «caso» do «inimigo da geração humana» permite–me, ainda, convocar, uma primeira vez de várias ao longo deste ensaio, o «modo de leitura» que Autobibliografias propõe: a «solicitação». Define–a do seguinte modo Abel Barros Baptista, embora o seu sentido pleno, do meu ponto de vista, só se mostre no momento retrospectivo a que nos obriga, por sua própria lição, o fim da leitura do ensaio: a solicitação «é o processo de busca do ponto de ruína de um edifício, isto é, do ponto em que o livro se mostra não como estabilidade mas como labilidade, não como edifício mas como construção» [14]. O «ponto» – e não por acaso o termo apela para o «mínimo» – a esboroar um «Todo», como no exemplo de Paul de Man recordado, é construtivo, como iremos vendo.

Foi João Camilo dos Santos quem chamou a atenção para as recorrentes «alusões» ao demónio no quarto romance de Carlos de Oliveira e é responsável, ainda, pela seguinte precisão, que comenta o texto supracitado: «Toutes ces allusions à l'intervention de forces surnaturelles peuvent apparaître comme le résultat de l'imagination des personnages, une imagination empreinte de culture religieuse, de superstition et de sentiments de culpabilité. Ils craignent tellement le démon qu'ils finissent par l'entendre s'adresser à eux (la psychanalyse nous dirait, probablement, que cette intervention du démon n'est qu'une façon symbolique de matérialiser certaines forces obscures). Mais la mise en scène de l'action fait croire que le diable s'adresse effectivement aux personages et, donc, qu'il ne s'agit pas d'une simple illusion ou hallucination de leur part» [1987: 397]. Note–se como aquele lugar de Uma Abelha na Chuva é lido dentro de um quadro mimético – seja «alucinação» seja «interpelação directa», a interpretação vale–se da figura diabólica para ter «sentido». Mais ainda, João Camilo dos Santos acrescentará que o «eu que se diz eu» não pode ser o «narrador» mas sim o diabo tornado «personagem» do romance [ibidem: 398]. Garante–se, assim, a coerência representacional da instância narrativa: (a) por um lado, temos o «narrador» que alude ao diabo; (b) por outro lado, temos a irrupção insólita de uma «voz» que é o próprio demónio. A discordância com esta leitura veio, entretanto, de Carlos Reis. Vale a pena recordá–la pois, de forma muito explícita, nos mostra o que verdadeiramente está em causa nesta questão: «Parece–nos descabido, entretanto, atribuir ao diabo (como fez João Camilo) a autoria das palavras dirigidas a António no final do capítulo XXIII. Trata–se de uma hipótese que, a nosso ver, colide, por um lado com a verosimilhança de uma obra integrada num movimento estético–literário (o Neo–Realismo) alheio ao fantástico e, por outro lado, com o cunho estilístico que atribuímos ao discurso em causa: ironicamente preocupado com a sorte de António, o narrador acede a integrar–se (aceitando plenamente as leis

da ironia) no universo de crenças da personagem em cujo contexto se explica a alusão ao diabo» [1980: 91] (3). A contra–argumentação de Carlos Reis assenta nos seguintes pressupostos: (a) na «verosimilhança» do «discurso do narrador» (o background continua aristotélico), que considera predominantemente pautado por um «desejo de neutralidade», havendo que «considerar que o desejo de neutralidade não é um absoluto; ele só é verificável em confronto com o seu oposto, isto é, com as intromissões em questão que, não sendo quantitativamente suficientes para porem em causa a neutralidade referida, a confirmam por contraste» [ibidem: 90]; (b) por outro lado, temos a sobredeterminação de um a priori: o da «estética» neo–realista – para o «caso oliveiriano» dela, a bem dizer, este argumento serve menos pois, como sabemos, o seu universo ficcional e poético não é «alheio» ao que aqui se entende por «fantástico»; (c) por último, temos as «leis da ironia», explicitadas um pouco melhor no seguinte passo: «[Essa] alusão, porque decorre de uma utilização extremista da ironia, acaba por denunciá–la como tal, levando a uma leitura ideologicamente correcta (isto é, invertendo o sentido) da mensagem contida na passagem em questão» [ibidem: 91]. Uma vez mais, a estratégia de leitura visa garantir o desca(n)so mimético, com algumas diferenças: (a) o enunciado é do «narrador» que, entretanto, se vale da «ironia» como «dizer o contrário daquilo que diz»; (b) ao mesmo tempo, é ela que mantém o «narrador» estável, «distanciado» e produzindo «denúncia» e «leitura ideologicamente correcta». A ironia convocada, como podemos observar, é uma ironia sob controlo quando, sub specie ficcional/romanesca, a ironia é quem mais ordena [cf. Baptista, 1998: 180]. A ironia romanesca – o romance como metástase da ironia – não se tranquiliza com uma solução antifrástica. Em ambos as leituras, o excerto em causa é pensado em função da força injuntiva do «mundo empírico», resultando exactamente o mesmo considerar tratar–se ou não do «diabo». Mas voltemos a ler o texto, agora por segmentos. Começa por enunciar uma «normalidade»:

«Cheira a iodo, o que é normal». Provisoriamente – mas tão–somente – direi que é o carácter «familiar» da proposição enunciada que lhe concede o status de uma representação de tipo mostrativo. O segmento seguinte, pelo contrário, introduz o «estranho»: «mas também cheira a enxofre». A adversativa tematiza a coexistência do elemento «insólito», o «enxofre», com o «iodo», aquele que é dito «normal». O próximo segmento, por seu turno, introduz o topos da interpelação, pelo «narrador», à «personagem» António: «já notou?». Uma interpelação que, à imagem do enxofre contíguo à normalidade do iodo, define nova mecânica diegética: (a) pessoaliza o «narrador»; (b) suspende o limes que o separa das personagens. Até este ponto, como podemos observar, nada – textualmente falando – nos permite adjudicar o já dito ao «inimigo da geração humana» sob forma antrópica. Segundo creio, os antecendentes cotextuais alusivos ao «inferno» são insuficientes para proceder a esse salto figurativo. Veja– se, agora, o segmento com que continua o texto: «não pergunte porquê». O enunciado joga–nos num movimento retrospectivo: o «porquê» alude à coextensividade do unheimlich e do heimlich. Contudo, o interrogativo não pode ser lido sem a forma imperativa, que o antecede, «não pergunte». Cedendo – estratégia, reitero, apenas momentânea – ao regime mimético, poderíamos optar por uma de duas possibilidades: (a) António «perguntou» e o «não pergunte» aponta para a «inutilidade» da pergunta; (b) António «não perguntou» e o «não pergunte» tem um sentido modal de ordem. É então que chega, por fim, o segmento que, segundo creio, é o responsável pela imputação diabólica: «estando eu aqui, precisa de perguntar?» O apelo à interpretação mimética, concedamo–lo, é aparentemente forte pela imperatividade de deíticos como «eu» e «aqui». Contudo, reside também nesse último segmento o «ponto» que arruina o «Todo», sendo igualmente o lugar textual que agencia a transcenção da injunção mimética, aquela que subjaz tanto à conjuração como à abjuração do «inimigo da geração humana».

Para esclarecer de que modo, faço um breve desvio, remetendo para uma reflexão levada a cabo por David R. Olson em El mundo sobre el papel. El impacto de la escritura y la lectura en la estructura del conocimiento [1998]. Conta–nos Olson que, no rés–do–chão do edifício onde trabalha – é visiting professor na Unidade de Desenvolvimento Cognitivo do M.R.C. de Londres –, na porta do seu gabinete, há um mapa do edifício que, ao centro, exibe uma flecha com a seguinte inscrição: «Você está aqui». Surge, então, o comentário: «Sin embargo, en un sentido profundo que suele pasar desapercibido, la leyenda es anómala. No necesito un plano para saber dónde estoy: 'Estoy aquí, justo donde me encuentro'. El plano, por así decirlo, me contradice, pues insiste en que estoy en el punto indicado por la flecha. Se hace cargo de levantarme desde mi firme posición en el suelo y me transpone a la geometría de líneas y ángulos» [13, o sublinhado é meu]. Vejamos. Olson começa por dar conta de uma «anomalia»: o «lugar» que ocupa na res extensa não coincide com o «ponto» apontado, no mapa, pela flecha e legendado pela palavra «aqui». Constata, pois, a descontinuidade infinita entre o «lugar» e a sua «representação». Num segundo momento – que sublinhei –, de modo desconcertante, suspende essa descontinuidade: o «ponto» e a «flecha» retiram–lhe o «chão» transpondo–o para o «mapa». Invertem–se os termos: o Olson que primeiro reconhecera estar «aquí, justo donde me encuentro», passa, depois, a dizer–se estando na «geometría de líneas y ángulos». Ora, se aceitamos os termos da primeira proposição – descontinuidade mundo/representação –, não poderemos aceitar os termos da segunda – continuidade mundo/representação. Outros modos de dizer isto: ou temos o mundo em frente do papel, e o que neste se dá é alegoria; ou temos o mundo sobre o papel, e o que neste se lê é mimese. Volto, então, a Carlos de Oliveira. Não se trata apenas – o que seria relativamente óbvio – de dizer que «eu» e «aqui» representam sem poder actualizar um sujeito que se diz «eu» no tempo, e que se diz «aqui» no espaço. O que, segundo penso, está em causa é o seguinte: a (in)viabilidade da «pergunta». Isto é: não podemos decidir se «não

pergunte» e «precisa de perguntar?» decorre ou não de uma «pergunta». A «responsabilidade» desta decisão, na verdade, recai sobre aquele que se diz «estando eu aqui». Não podemos deixar de o interrogar, de pedir– lhe uma resposta; contudo, na verdade, não deixa de ser inútil porque, como já vimos, pelas suas palavras não obtemos satifação. A conjuração e abjuração do «diabo», em regime mimético, implicava uma paradoxal cancelação da «interpelação», como interpelação, do narrador à personagem. Uma cancelação a salvar a «mimese». Em rigor, aquela «interpelação» é «metaficção»: permite–nos pensar o seu estatuto «ficcional». E, proponho agora, com efeitos retroactivos: (a) o «já notou?» convoca, também, a «responsabilidade» da resposta e a inevitabilidade da «não resposta»; (b) a coextensividade do «iodo» e do «enxofre» é ruptura da mimese; (c) dizer a «normalidade» do iodo é dizer–lhe a normalidade (embora seja ocioso, recordo que não é natural) i.e., excluir dele as consequências do «mas».

O «INIMIGO DA GERAÇÃO HUMANA» E A LEITURA COMO «ABELHA NA CHUVA» Ler pelo modelo da «solicitação», sem esgotar o que implica, é assimilável à «filologia» a que Paul de Man se propôs «regressar», num conhecido ensaio [cf. 1989]. Um «retorno» pelo «contexto» académico que era o seu? Certamente: (a) «retornar» aos «textos» de que um modelo de leitura «se afastara»; (b) mas «retornar», também, segundo creio, como quem regressa a um lugar onde já (se) esteve. Isto é, a um «modo de ler» já proposto e «esquecido». Um «modo de ler» com estirpe e que tem ponto de referência no Nietzsche «filólogo». Um modo de ler, e é tão–somente o que me importará destacar aqui, com um etologia. Para Nietzsche «ler filologicamente» significou ler «não teologicamente», quer dizer, não «falsificando» os textos pela

«interpretação». E era justamente o que um «teólogo» – ou aquele cujo «sangue» dele corria nas veias – não podia fazer: «Ein andres Abzeichen des Theologen ist sein Unvermögen zur Philologie. Unter Philologie soll hier, in einem sehr allgemeinen Sinne, die Kunst, gut zu lesen, verstanden werden, – Thatsachen ablesen können, ohne sie durch Interpretation zu fälschen, ohne im Verlangen nach Verständniss die Vorsicht, die Geduld, die Feinheit zu verlieren. Philologie als Ephexis in der Interpretation: handle es sich nun um Bücher, um Zeitungs– Neuigkeiten, um Schicksale oder Wetter–Thatsachen» [1969: 231] (4). Fico–me, de momento, por este «sentido muito geral», que não foi, como sabemos, o único com que Nietzsche investiu o termo, de «filologia» [cf. Gutiérrez Girardot, 1997]. Deste lugar de O Anticristo destaco, então, o ethos que informa o «ler bem», «Kunst» que comporta duras exigências. Chamo a atenção para o sentido duplo e divergente que, segundo creio, «interpretação» tem aí: (a) «durch Interpretation» ou (b) «in der Interpretation». Por outras palavras, (a) «ler teologicamente» é ler submetendo o lido a um a priori interpretativo que «falsifica», isto é, pelo qual se faz tudo pela interpretação; (b) «ler filologicamente», por seu turno, é provocar a «boa leitura» na interpretação; A filologia é ephexis, termo de cujas diferentes acepções destaco «comprovação» (5), isto é, processo de enfrentamento ao lido cujo ethos se diz como «precaução», «paciência», «delicadeza». Se recordo estes lugares conhecidos é porque, segundo creio, reverberam no conceito de «solicitação» que nomeia o «modo de ler» o «romance» em Autobibliografias, dito como uma «tarefa [que] consiste sobretudo em inventar o modo de nos sujeitarmos à lei da literatura» [227]. Como por esta concisa formulação podemos vislumbrar, outro ponto de referência é, entretanto, Derrida, quem, recorde–se, também lê «filologicamente» segundo De Man. O influxo dele verifica–se, por exemplo, quando se convoca a noção de Lei (da literatura, do romance) e, ainda, na lógica da «contaminação» que une o Livro e o Romance numa «comunidade» inalienável na Modernidade.

Permito–me, contudo, sugerir que Autobibliografias é um ensaio que não apenas nos propõe um «modo de leitura» como nos implica no «modo de o ler». Há que lê–lo «filologicamente». Assim: (a) propõe–nos a «filologia»/«solicitação» para ler o «romance» – ou melhor, a «solicitação do livro no romance» –, o «género» pelo «caso» de Machado de Assis, aliás impensáveis de forma separada; (b) e sujeita– nos à «filologia»/«solicitação» para o ler. É esta a razão pela qual advertia de que, sendo este um ensaio sobre Finisterra, é contido pela recensão a Autobibliografias. Para explicar o modo como aqui se recenseia, começo por coligir três acepções para o uso do termo: «(1) Cotejo de una edición impresa de una obra con los manuscritos. (2) Texto de una obra publicado y revisado por un crítico (v. 'Libro'.) (3) 'Reseña'. Noticia crítica de algún libro, publicada en un periódico o revista» [Moliner, 1991: s.u. recensión]. Não recenseio como (3) ou (2). Diría que recensear aqui a «solicitação» se define negativamente em relação à acepção ecdótica (1). Quer dizer, não tem, desta nem o método nem o destino: a confiança de que por operações como a collatio, a emendatio ou a selectio se chega à constitutio textus. Algo deste telos, entretanto, pode ser encontrado na acepção (3), que prospera na convicção de que, por erradicação do «acidental» de um livro, se desentranha o arqui–livro nele inscrito. Autobibliografias provoca um outro modo de «recensão», que não se limite à paraphrasis ou à enumeratio de influxos. A «solicitação» proposta por Autobibliografias, solicita–nos a «solicitar». É por essa razão que impliquei, aqui, recensão e ensaio. E tal não significa, por outro lado, a aplicação – por exemplo, como quem toma a categoria «narrador omnisciente» e o reconhece num determinado romance – do abundante aparato conceptual e figural que Autobibliografias nos proporciona. Eis alguns exemplos, sem ser exaustivo: a «errata pensante», a «herança de Cervantes», a «contumácia», os «papéis avulsos», o «paradigma do pé atrás», o «resto do livro», o «livro omisso» ou o «livro confuso». Do meu ponto de vista, havendo «lugares de acumulação de experiência, lugares de risco e de

aprendizagem», há algo de irredutível ou inalienável numa «solicitação». À labilidade do livro, do romance, do modo como se imbricam acresce a «responsabilidade» do leitor: «A experiência de solicitação enfrenta, por isso, momento mais difícil quando, ao cabo de análises, leituras, demonstrações ou argumentações, ao cabo de um fio linear de raciocínio ou no curso e recurso de elaborações tortuosas, encontra nada mais nada menos do que o silêncio de uma assinatura» [15]. A leitura «cumpre–se» neste ponto, isto é, quando o leitor é o único responsável por «responder pela sua leitura». Ler por «solicitação» é, pois, aceitar esta «responsabilidade» e um desafio: o de saber que o por fazer de que nos abeira nos oferece um futuro para fazer. Voltando a Carlos de Oliveira, no ponto anterior, com a leitura que propus do supracitado excerto de Uma Abelha na Chuva, tentei mostrar procedimentos in fieri. Vali–me, para tanto, de um outro conceito proposto em Autobibliografias: o da «responsabilidade do romancista como responsabilidade da não resposta», conceito a que se chega, mas não apenas, por lição de Bartleby [cf. 220] e, ainda, de Deleuze sobre ele [cf. 1997: 98–127]. Nele se implica não apenas a figura do romancista, mas também a figura do leitor. Dou a palavra a Abel Barros Baptista: «A responsabilidade do romancista apela a uma responsabilidade do leitor que, por sua vez, reconheça o direito a uma não–resposta absoluta, que saiba estar à altura do segredo, que não se confunda com a exigência de resposta, ou seja, que não pretenda anular a assimetria fundamental que o separa do texto» [227]. Ora bem, o «inimigo da geração humana» que, pela minha parte, convoquei para a leitura do romance Uma Abelha na Chuva, é a ficção dessa «responsabilidade da não resposta». Penso, na verdade, que o demónio é efectivamente tropo desse «narrador» que se diz eu, numa ficção antropomorfizante – uma das astúcias, como se sabe, de satã. O indecoro [cf. Diogo, 1997: 113], também atributo demoníaco, reside nesta perversão mimética. O que proponho, entretanto, é que se interprete essa aberração não como uma excepção a confirmar uma regra, mas a lei de um texto fora da lei: ou

não fosse «romance». Irrompe, pois, o «inimigo da geração humana», isto é, do humano (a vida, a história, o romance) subordinado à metafísica da «geração». Com artes de feitiçaria, de resto, bem próprias de Carlos de Oliveira. O «inimigo da geração humana», nas hagiografias a que por segunda vez faço referência, era dito ainda «antigo inimigo». Na idade do «romance» penso ser um possível tropo da assombração constitucional ao género. Por outro lado, do meu ponto de vista, aquela «dissenção interpretativa» revela–nos que temos uma obra a pedir uma hermenêutica como «abelha na chuva». Leia–se do Livro de Ezequiel: «Disse–me [Deus a Ezequiel]: 'Filho do homem, come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel'. Abri então a boca e ele deu–me o manuscrito a comer. E disse–me: Filho do homem, alimenta–te e sacia–te com este manuscrito, que agora te dou'. Comi–o e ele foi na minha boca doce como o mel» [Ezequiel 3, 1–3]. Para este e outros meles afins, não há abelhas (6). O «caso» da dissenção em torno do «inimigo da geração humana» é, então, exemplum de uma «teoria» que se institui nomeando o seu Outro (excluindo–o, muito embora), Outro a que muito justamente podemos chamar «diabo».

LAZARE, VENI FORAS A «Nota Final» a Finisterra é um dos lugares com maior poder de «solicitação» da obra oliveiriana. Penso que, ao dia de hoje, detém o privilégio exegético de que, em tempos, gozou a arqui–epígrafe de Alves Redol. De resto, esta teria, como sabemos, uma homóloga versão de Oliveira: «Quero que este livro, como aliás todos os outros que fiz ou fizer, seja uma força activa, uma contribuição, ainda que pequena, para o desbravamento, em que andamos empenhados, dum caminho menos tortuoso. Independentemente do valor que possa ter ou não como coisa artística» [apud Silvestre, 1996: 49]. Se o «neo–realismo» pode ser dito como movimento (theoria, praxis e aisthesis) high jacked pela bem

conhecida epígrafe de Gaibéus não deixa de ser tentador ver naquele post scriptum de Finisterra uma como que sua pedra tumular. A relevância exegética adquirida, entretanto, pela «Nota Final» ocorre sobretudo nas leituras mais recentes de Finisterra. Recordo, em síntese, os termos delas. Para Luís Mourão «[é] pois todo um ritual da escrita que parece estar na génese de Finisterra. Como em todo o ritual, os elementos são ancestrais, de alguma forma originários (os velhos papéis), e a sua organização processa–se não de um modo lógico mas segundo uma contiguidade mágica (os papéis, em vez de ordenados pelo seu sentido, são–no pela sua materialidade: caligrafia, tinta caracteres)» [1996: 274]. O autor lê o texto como uma «narrativa das origens» (a «génese de Finisterra»), em que a «escrita» é «ritual» assimilável a outros rituais mostrados no romance. Por seu turno, Américo António Lindeza Diogo interpreta também o texto como plasmação de uma ontologia da «criação» – e do «criador» – dita como um modernista readymade: «Como se vê, aquilo que de facto presta assistência ao readymade é uma pasta de papéis velhos, que pode agora, e neste ensaio, enfileirar com a mala de Duchamp, a poesia de mala aviada de Alexandre, a arca famosíssima de Pessoa e a menos notória de Pina, que, apesar de tudo, dispõe de um nome próprio capaz de sumariar todos os objectos da série: A Arca do Não É» [1997: 84]. Destaca–lhe, pois, a exibição de modos modernistas – entre eles, a «montagem» –, ou melhor, de maniera modernista, pois já em situação de «gosto» nelas educado. Por último, destaco as reflexões levadas a cabo por Osvaldo Manuel Silvestre, que dedicou o ponto 4.8. de Slow Motion. Carlos de Oliveira e a Pós–Modernidade àquele texto posfacial. Lê também na «Nota Final» questões de «ontologia» da obra, uma «ontologia» já só possível como (meta–)ficção. A citação será longa, mas considero–a fundamental para o que vou argumentar mais adiante: «Chame–se a atenção para alguns aspectos: (a) a concepção anti–idealista da produção do texto. O texto não é consequência da Ideia (tema ou temas, motivos, etc.), é no seu produzir que vai ganhando forma e significado. Este anti–

idealismo não é só, então, materialismo (trabalho verbal), mas sobretudo renúncia a toda a metafísica da génese. É o próprio contexto de origem que assim se revela insusceptível de uma saturação de sentido. Assim sendo, e desde logo, nenhuma necessidade move este texto. (b) O texto é mais ordenação do que acabamento. Por outras palavras, é imperfeito» [83]. Acrescentará, por último, que «(c) o texto é assumidamente lacunar, implicando à partida o leitor na sua estrutura» [ibidem]. É neste quadro que o Finisterra é lida como culminação da dialéctica iluminista, e a instala pela «metáfora do sistema literário que é a pasta recheada de papéis velhos» [84], no devir histórico do Modernismo. Na «Nota Final» narra–se a Origem da Obra e nomeia–se o Autor sem os pressupor sub specie metafísica. A «Nota Final» não nos dá o romance como totalidade. Convoca–o, na verdade, como «romance» em tensão com n–romances: «Aqui está o romance (um dos romances)». O romance é produto de uma combinatória de materiais «mortos», chamados à ordem – Lazare, veni foras – por uma técnica de lego. Esta ficção da origem, então, suscita a seguinte reflexão: o romance não é um Único (ou Um, ou Uno), por imperfeição constitutiva. Por contabilidade, quantos romances poderiam obter–se pela sintagmatização dos materiais disponíveis? O número, ao que creio, é finito. Quer dizer, poderíamos gerar n–romances garantindo a cada um deles uma «singularidade». Jorge Wagensberg, em tempos, computou que um romance de 200 páginas à razão de 360 palavras por página pode ser reescrito 10354.918 vezes [1996: 36]. Túa Blesa cita este cálculo e conclui: «Será todo lo remota que se quiera, pero la posibilidad de la coincidencia, de la creación de dos o más obras 'únicas', existe». E, como conclusão, acrescenta: «Así, la unicidad de la obra literaria habrá de enunciarse como la serie de obras únicas, posibles en la multiplicidad» [1999: 23]. Do meu ponto de vista, a «Nota Final» dá–nos o «romance» como esta tensão entre um «único» em perda e o «múltiplo» que o perde.

MODUS PHILOLOGICUS

Ora bem. A minha proposta orienta–se no sentido de que se leia a convocação de Finisterra como romance, a partir da «Nota Final», subordinando–a ao modus philologicus. O romance, gripado (mec.) como filosofia – i.e., representação de coisas como o materialismo histórico, o materialismo dialéctico, ou como epistemologia – devém filologia. É neste sentido que direcciono a minha leitura da «Nota Final», que nos devolve um «autor» definido por uma gestualidade marcada pelo modus philologicus. Tanto Osvaldo Manuel Silvestre como Américo António Lindeza Diogo, como disse, reconhecem no texto posfacial maneiras «modernistas». Ora, essas maneiras e as maneiras filológicas que aí identifico, na verdade, não deixaram de imbricar–se no Modernismo histórico [cf. Kenner, 1971: 120]. Releia–se, pois, o primeiro parágrafo da bem conhecida nota: «Imitando um dos narradores deste livro (coincidência e necessidade), também o autor coligiu numa única pasta velhos papéis dispersos: alguns, dactilografados; outros, manuscritos e às vezes (quase) ilegíveis. Decifrou letra emaranhada, reconstituiu lacunas, ordenou tudo pelas diferenças caligráficas, a cor da tinta, os caracteres (mais ou menos nítidos) da máquina: sinais de um trabalho intermitente. Em seguida (clarificado o material), nova ordenação, cortes, e acabamentos necessários (aliás, muito breves)» [1155]. Podemos reconhecer de forma muito clara diferentes etapas do método filológico de crítica textual: (a) a collatio codicum («coligiu numa única pasta velhos papéis dispersos»); (b) determinação de lectiones variae («alguns, dactilografados; outros, manuscritos e às vezes (quase) ilegíveis»); (c) examinatio e selectio («clarificado o material»); (d) divinatio ou emendatio ope ingenii («reconstituiu lacunas»); (e) constitutio stemmatis («ordenou tudo», «nova ordenação»). Todas elas fases de um trabalho que culmina com (f) a constitutio textus: «Aqui está o romance». Importa–me, pois, sublinhar que esta «narrativa» da «origem» de Finisterra nos ficciona o romance como produto de uma estrita filologia, ou de uma filologia entendida no seu sentido mais

estrito: «ciencia que se ocupa de la conservación, restauración y presentación editorial de los textos» [Pérez Priego, 1997: 9]. De um outro ponto de vista, a «Nota Final» dá–nos uma ficção do «autor» como «editor», ou um «autor» como ficção de «editor». Na verdade, deparamos também com esta ficção de «editor» nalguma figuração autopoética. Lembro, a título de exemplo, o poema em prosa «Papel», de Sobre o Lado Esquerdo, que transcrevo na íntegra: «Pego na folha de papel, onde o bolor do poema se infiltrou, levanto–a contra a luz, distingo a marca de água (uma ténue figura emblemática) e deixo–a cair. Quase sem peso, embate na parede, hesita, paira como as folhas das árvores no outono (o mesmo voo morto, vegetal) e poisa sobre a mesa para ser vagaroso estrume doutro poema» [216]. O sujeito poético, como vemos, exerce laboriosamente a ecdótica. Um outro caso, bem significativo, é o que encontramos no poema XXIV de Micropaisagem: «enquanto / a vagarosa / escultura do mundo, / a vaga rosa / modelando / as flores / adiadas na cal / escurece também / e o seu caule / esquivo se desfaz / em som[bra] / apenas por ser escrito» [258]. Os parêntesis rectos sugerem–nos o poema como fixação textual (7). Podemos, mesmo, acrescentar a estes exempla de ficção de «editor» a série «Viagem Entre Velhos Papéis» de Colheita Perdida (8). Igualmente Pastoral, conjunto poemático do «musgo», equivalente da «gisandra», que também encena uma ficção poética pelo modus philologicus. Para mostrar de que modo, convoco em proveito do meu argumento a leitura que Américo António Lindeza Diogo fez dessa última colecção de poemas: «Em Pastoral, temos um outro modo silvestre, que resulta não de uma especial autoridade sobre o real (ou melhor, sobre a história), mas precisamente do seu comentário. Temos notas de rodapé sem história. E estas alíneas, estes segmentos que antes eram segmentados em vista de uma configuração do Todo, são ainda naturalmente notas de rodapé: agora da episteme ou dos textos clássicos desaparecidos» [1995: 100]. Na ausência de um racionalidade hierarquizante do sistema – a que chamamos cânone: Literatura ou

Mundo – nele a Totalidade é suplantada (diferida) por uma ontologia textual dita como «nota–de–rodapé». Diante do exposto, o passo seguinte do meu argumento diz–se assim: em Finisterra temos o «romance» a incorporar o modus philologicus – como de resto faz como a «FC», o «policial» ou o «terror» [cf. Silvestre, 1995: 98] – ou o modus philologicus a sustentar o «romance»? Sancionar uma prioridade não é possível: direi, com as cautelas que o termo exige, tratar–se de um indecidível. Isto porque deparamos com um paradoxo irresolúvel: «Aqui está o romance (um dos romances) escrito e anunciado há anos, sem garantia de terem aparecido todos os papéis» [1155]. Nem a filologia certifica «fidedignidade» ao romance, nem o romance concede «fidedignidade» à filologia. Entre romance e filologia existe uma disjunção temporal (lógica e ontológica): o romance que só a filologia «dá» é o romance «escrito e anunciado há anos», sem podermos decidir sobre qual «antecedeu». Este paradoxo configura a «Nota Final» desde o início. O «autor ficcionado como editor», como lemos, «imit[ou] um dos narradores deste livro». A consecução do gesto imitativo, então, é–nos dada com precessão de um «narrador» – segundo creio, a personagem do adulto – que supõe um romance anterior ao «romance» que é dito no início do segundo parágrafo. Esse «romance anterior», como víamos antes, é aquele «escrito e anunciado há anos». Temos pois, um «narrador ficção de editor» a ser imitado por um «autor ficção de editor». Um bom exemplo do modus philologicus a operar em Finisterra são os abundantes comentários parentéticos que assistem ao texto. Osvaldo Manuel Silvestre sugeriu–os como «didascálias» [cf. Diogo, 1997: 115]. Pela minha argumentação, entendo–os como notas–de– rodapé incorporadas ao texto. Leia–se, ainda neste sentido, Américo António Lindeza Diogo: «Numa perversão do comentário, tudo se torna didascália – proliferação parentética de notas de rodapé a propósito de eventos assaz incertos» [1997: 117]. Segundo creio, pela minha parte, i.e., relendo Finisterra pela «Nota Final» que nos dá o «autor como ficção de editor», tomo talvez um pouco mais ad litteram o termo «nota–

de–rodapé». As notas–de–rodapé assumem–se como proliferação metastática da des–hierarquização texto/nota–de–rodapé. Como em Pastoral, o texto é um anotado em nota. Mais ainda, num comentário àquela sugestão de Osvaldo Manuel Silvestre, Américo António Lindeza Diogo falará de «transcrição». Refere–se, especificamente, a Uma Abelha na Chuva: «Na verdade os diálogos de Oliveira, na ausência de interrogações e exclamações, e na sua específica concisão e secura (como se as personagens falassem por apotegmas), não obedecem a princípios de reprodução 'realista'. São transcritos, como actas o são, e indicações fornecidas se não ao encenador, pelo menos à cena» [1997: 116]. No fundo, interpretar por «didascália» ou por «nota–de–rodapé» é plenamente convergente. Tal como o entendo, reitero, o que está em causa é o nivelamento de uma hierarquia: a didascália, como texto secundário de um texto dramático; a nota–de–rodapé como lugar paratextual. O corpo do texto é, em Finisterra, adnotatio (9). Uma adnotatio radical, pois perverte o próprio código tipográfico. Na verdade, podemos considerar a «Nota Final» uma outra adnotatio, a distinguir–se como última, i.e., não um Texto com nota no fim mas uma sucessão de notas e uma que é, forçosamente, última. Gostaria, ainda, de glosar esta ideia de «transcrição». A «ficção do autor como editor» devolve–nos um romance, também, como trabalho de copista, como librarius [cf. Ruiz, 1988: 382]. Releia–se, em primeiro lugar, na «Nota Final»: «Folheando agora (com a relutância do costume) o original passado a limpo, o autor lembra–se que: // a) no capítulo XI, transcreve (ipsis verbis, diria a criança) um certo número de frases colhidas da monografia do padre João Rezende sobre a região; // b) e utiliza noutros passos duas hipóteses (pseudo) científicas ouvidas a Carlos Ganda, quando eram alunos do liceu: tanto tempo depois, surgem sem dúvida transfiguradas (como de resto convinha)» [1155]. Não chamarei tanto a atenção para a alínea a), que explicitamente convoca o gesto de librarius. O que é notável é a diferição do «original», que o não é verdadeiramente, mas sim um

«original passado a limpo». Isto é, a cópia de um original. Toda a ficção do romance como romance nos é dada, então, sub specie «transcrição». Digamos que a «ficção do autor como editor» se eleva a uma segunda potência: a «ficção do autor como copista». E a lebre que aqui se levanta é esperável e, se me é permitido, diabólica: a de um trabalho ecdótico infinito. O que já agora, e do meu ponto de vista, não só nos «ilustra» sobre Finisterra como também sobre a dita (pres)ciência ecdótica. Maria Alzira Seixo, num conhecido ensaio sobre Finisterra, teceu algumas considerações a propósito dos modos que considera veículos da «história» de Finisterra: são eles o «diálogo» e a «descrição». Na verdade, des–narrativiza o diálogo – não faz progredir – colocando–o sob a alçada da descrição: «Com efeito, não se trata de jogos encadeados de réplicas que produziriam um fio serial no discurso; muito pelo contrário, trata–se de troços discursivos, de falas organizadas em torno da pessoa que os profere e que são comunicadas como corpos desligados das outras falas das outras pessoas. Mais que de pessoas (verbais, gramaticais), trata–se de vozes que são descritas em termos de substância fónica, de condições de enunciação, de características melódicas e rítmicas e de matéria significante produzida» [1986: 117] (10). O diálogo, deste modo, torna–se diálogo de surdos. A superfície textual, entretanto, pela descrição, representa as falas como sons. Pelo meu fio argumental, todavia, todo o romance é lido pela «Nota Final» que retroage sobre ele mostrando–no–lo subsumível a uma cena que é só de escrita. Com a voz – ou quaisquer vozes – em perda irremediável. Isto é, e reitero, como cuidadoso trabalho ecdótico e, contra ele, copista.

MÍNIMOS DE ROMANCE E RESTOS DE LIVRO Que dizer de Finisterra como «romance» que o modus philologicus dá sem qualquer crédito? Como reler, à luz do que tenho vindo a dizer, a chamada «questão de género» que o acometeu? São

sobejamente conhecidos os termos do que ela chegou a significar [cf. Mourão: 270–274]. Em Um Romance de Impoder Luís Mourão mostrou que a questão, a sê–lo, é–o em termos que não devem esquecer nunca a Lei do género: «Se todos os géneros literários são proteiformes, não há dúvida que o romance é o mais proteiforme de todos. As suas fronteiras são ténues e a sua capacidade de assimilação inesgotável: ensaio, crónica, reportagem, poesia, tudo pode pertencer a um romance» [272]. A este e outros argumentos, muito consistentes, que têm vindo a ser aduzidos, gostaria de acrescentar que Finisterra é «romance», também, por ser «livro». Como ponto de partida para o que vou dizer, recordo duas constatações. A primeira é justamente de Luís Mourão que, depois de apontar a «tentação da poesia» no romance, acrescenta: «Contudo, creio que se perderia algo de essencial se ignorássemos a indicação de género colocada pelo autor» [ibidem, o sublinhado é meu]. A segunda constatação, por sua vez, colijo–a de Slow Motion. Carlos de Oliveira e a Pós–Modernidade: «Finisterra, de modo diverso – que é o do seu modernismo 'resistente'», argumenta Osvaldo Manuel Silvestre, «tematiza essa exaustão [a tradição do Novo] a partir do género que é ainda o seu: o romance, conforme indicação constante da própria capa do livro» [97, o sublinhado é meu]. Tanto Luís Mourão como Osvaldo Manuel Silvestre, como podemos observar, implicam Finisterra como «livro» quando confrontados com a questão genológica. Apelam não apenas para aspectos formais do género, como também para o gesto autoral de, no livro, dizer a obra «romance». De momento, coloco a seguinte questão. A inscrição do termo na «capa do livro» demanda novamente a «Nota Final» (e vice–versa, aliás): (a) ou o trabalho ecdótico foi pré–orientado pelo «romance» ou o «livro»; (b) ou o trabalho ecdótico conduziu ao «romance» e ao «livro». Para mostrar a importância da indicação do género na capa do livro remeterei, uma vez mais, para o ensaio Autobibliografias. Em modo de síntese, direi que Abel Barros Baptista nos mostra que o género «romance», produto histórico do «livro tipográfico», é,

simultaneamente: (a) determinado pelo que neste é reedição do «livro metafórico»; (b) resistência a essa determinação. Esclareça–se, antes do mais, que «livro» – e é, do meu ponto de vista, um dos aspectos mais seminais do ensaio – não refere a coisa material. Diz respeito, antes, a um processo de metaforização que distingue «livro em sentido familiar» e «livro em sentido metafórico», de tal modo que: (a) o «livro metafórico» e o «livro familiar» encontram–se unidos por uma «lógica de contaminação»; (b) o «livro metafórico», «a–histórico», subsume um «ideal de comunicação sem livro»; (c) o «livro familiar», com «história», disponibiliza–se «para se dispensar a si próprio» [cf. 21–73]. Assim, o «livro tipográfico» é a potenciação deste processo de metaforização chamado «livro». Isto é: (a) torna mais efectiva a dispensação de si próprio do «livro familiar»; (b) cumpre o ideal de comunicação sem livro do «livro metafórico». O «livro tipográfico» perfila–se, então, como a potestade de efectivar o livro como «totalidade». É como potestade, de resto, que condiciona o «romance»: exige–lhe, no fundo, que se submeta a essa «totalidade». Isto é, exige– lhe um «cânone» [cf. 61]. Quanto ao «romance», por seu turno – e um modelo é o Quijote – definir–se–á na tensão que se estabelece entre: (a) o cumprimento do «cânone»; (b) a resistência ao «cânone». Cito o seguinte passo, entre outros possíveis: «se o romance, com a emergência da tipografia, exemplifica o protagonismo do livro no campo da literatura, fá–lo através de uma tensão permanente, que percorre a sua história e afecta a sua fortuna: a tensão entre uma resistência ao livro que denuncia o fechamento do livro e as exigências em nome do livro que lhe assinalam a reedição e a sobrevivência» [ibidem]. Assim se diz, pois, a comunidade Livro/Romance, extensível, como podemos observar, a Literatura e implicando, ainda, a história da Modernidade [63] e da Democracia [186]. Ora bem. Do meu ponto de vista, a «Nota Final» vai jogar–se na complexidade destes termos. Em primeiro lugar, recordo que nela tanto se faz referência a Finisterra como «livro» como «romance». A ficção de fixação ecdótica, então, conclui indistintamente com o «livro» e com

o «romance». Verifica–se, contudo, uma diferença. Se esse trabalho filológico sempre concluiria com um «livro», esse mesmo trabalho ecdótico conclui com «o romance (um dos romances)». A inevitabilidade do «livro» contrasta, pois, com a precariedade ontológica do romance. Por outras palavras: (a) o livro revela–se perfeitamente disponível para a inscrição do romance; (b) o romance, por seu turno, na sua abertura a diferentes possibilidades, revela–se em plena resistência ao livro. A tensão que, como argumenta Abel Barros Baptista, define o género «romance» na Modernidade, tem aqui, deste modo, a seguinte versão: a de um romance que não apenas desobedece – no fundo, se concebemos o «género» como «tensão», todos o fazem – como, na verdade, desobedece em extremo. A opacidade última de Finisterra como romance – que tematiza a perda de mundo e a refificação da representação – nega a Finisterra como livro o ser veículo de Totalidade. Quer dizer, sendo livro não reedita o Livro. Outra maneira de o dizer, ainda: é um livro que exibe continuamente a sua condição de lugar de inscrição de um romance. O romance é inscrito. Todavia, quando argumento que Finisterra, sendo livro, não reedita o Livro, devo precisar. Na verdade, o ser livro obriga–a à reedição do Livro em modo do morto. Isto é, reedita–o como cadáver: como matéria ou objecto material. Creio, pois, que podemos ler em Finisterra a cancelação dos termos do processo de metaforização que define o «livro tipográfico», substituindo–o por outro. Aquele processo de metaforização, recordo, assentava na exclusão do «livro familiar» e na incoincidência deste com a «superfície sensível». A sustentação da idealidade do «livro metafórico» esboroa–se quando aquele excluído impõe a sua lei de corruptibilidade. A ficção que a «Nota Final» nos propõe para Finisterra como livro é, justamente, a de um objecto que é pura contingência. É esta contingência que, então, dita a indisponibilidade do processo de metaforização dito «livro». Com custos, também, para a «tensão» que define o «romance». A indisponibilidade do primeiro é concomitante da

opacidade do segundo. Indisponibilidade e opacidade são dois nomes para dois caminhos de autonomização. A relação entre o livro reeditado em modo do morto e o romance não deixa de fundamentar–se em afecções mútuas. O livro em resto, por exemplo, é a superfície sensível sobre a que se inscreve a palavra «romance», transportando–a para o futuro. Sem garantias, contudo (e eis o que me parece muito significativo): na edição das obra completas, por exemplo, não consta essa especificação genológica [cf. 1004]. O livro em resto, ainda, determina uma narratividade por simulacro, dada pela estabilidade, para que chamou a atenção Osvaldo Manuel Silvestre, do primeiro e último capítulos. Uma narratividade residual, i.e., em abstracto, com sobre–vivência da categoria «personagem». Tudo isto, do meu ponto de vista, de modo que livro e romance sobre–vivem, diríamos, como «pós–livro» e «pós–romance». Simulacros com a fascinação da aparência de vida post–mortem. A «Nota Final», neste contexto, é de importância vital. Livro e romance são–nos dados, aí, como «coincidência e necessidade». Se nos obriga à retrospecção que «fecha» o livro e o romance, fá–lo cancelando esse fechamento. O «princípio de necessidade» não elimina a «coincidência», i.e., o «acaso» [cf. Baptista, 1998: 439 e 535–536]. A «Nota Final» é, por outro lado, o lugar de activação da memória pelo «original passado a limpo», como se nos diz no último parágrafo: «Lembra–se ainda doutra (sua) casa destruída: obsessões pessoais e sociais idênticas? Não lhe parece grave, dada a frequência com que sucede aos romancistas repetirem o essencial (para eles) em vários enredos. Grave seria, com certeza, não as ter aprofundado um pouco» [1155]. Várias questões chamam a atenção neste passo: (a) a activação da memória acontece depois da organização do livro/romance; (b) é «folheando» e não lendo que acontece essa activação; (c) a memória surge não pelo «original» mas uma sua «cópia»; (d) o conteúdo dessa lembrança tem uma forma: «outra (sua) casa destruída»; (e) a estrutura desse conteúdo lembrado tem também uma configuração – a de uma

«obsessão», isto é, a de uma repetição (in)voluntária (11). Neste sentido, mais do que uma «lembrança» como mneme o que temos é hypomnemata [cf. Derrida, 1998: 256–257]. Ou, em sentido convergente, a «Nota Final» fala–nos da domiciliação de um «arquivo» (livro, romance, casa) compelido à des–domiciliação [cf. Derrida, 1995: 14 e ss.].

OBRA–ÁPSIDE Gostaria de acrescentar que a convocação da filologia é–nos feita pela própria «obra» oliveiriana enquanto «obra–ápside». Para explicar a figura da «obra–ápside» como tropo que diz a «obra» de Carlos de Oliveira, começo por recordar que Finisterra reescreve os romances anteriores (12). Culmina um bem conhecido «processo» ou «movimento» de reescrita a que o autor submeteu poemas, livros de poemas e os diferentes romances considerados individualmente. Ora bem, o texto reescrito (poema, romance, ensaio) provoca a rasura/obsolescência daquele que o antecede? A pergunta vale–me para colocar a questão de saber se a reescrita funda uma história da evolutio romanesca oliveiriana sub specie genética – a do filho que enterra o pai. Duas possibilidades de prover a este problema: (a) o modelo genético vale, instaurando uma linearidade com finalidade; (b) o modelo não vale pois vive de um paradoxo: o texto novo necessita daquele anterior para o ser. Segue–se aqui, à distância, como se pode constatar, o de Man de «Literary History and Literary Modernity» [1991: 159–183]. Pois bem, ponhamos, pelo menos provisoriamente, que o percurso de reescrita, em Carlos de Oliveira, se pode sumariar no seguinte sintagma: «da Mimese à Alegoria» ou «da ficção à metaficção». Ao lê–lo, teremos de reconhecer um momento dialéctico que liga os termos («mimese»/«ficção» e «alegoria»/«metaficção») numa sintaxe consecutiva – representemo–la por uma []; mas identificamos, também, um momento de (inexorável) retrospecção que cancela o

sentido – i.e. [] – da concatenação. Ora, a isto chamo eu «obra–ápside» (13): aquela em que a crono–logia foi suspendida por uma retórica (de temporalidade). Os gestos de exclusão e canonização, hetero– ou homoautorais (14), deixam de ser discretos. Por exemplo, como muito bem mostrou Osvaldo Manuel Silvestre [cf. 1995: 125], Alcateia reescreve–se em Finisterra, i.e., esta última inclui a primeira excluindo– a (15). Estou, tão só, a argumentar que o sentido de Finisterra reside nessa reescrita. Diante do logos da «obra–ápside», que possibilidades restam a uma hermenêutica filológica que se lhe aplique, porque na verdade a exige? A resposta – e não deixa de ser preocupante a sua previsibilidade – é simultaneamente positiva e negativa. Bons exemplos da necessidade (e positividade) do modus philologicus são os trabalhos de João Camilos dos Santos [1987] ou de Rosa Maria Martelo [1998]. Vejo neles muitos procedimentos dele. Atente–se, por exemplo: (a) na comparação exaustiva das versões de 1953 e 1971 de Uma Abelha na Chuva que encontramos em Carlos de Oliveira et le roman; (b) na edição com variantes que temos em apêndice a Carlos de Oliveira e a Referência em Poesia. Observe–se, ainda, a última antologia do Trabalho Poético levada a cabo por Osvaldo Manuel Silvestre [1996]. Não remeto ao que nela é ler como «retorno à filologia» (i.e., à «teoria») em sentido demaniano. Trata–se de uma antologia profusamente anotada, onde se destaca o aparato crítico com variantes de texto. A inscrição das variantes, como no caso de Rosa Maria Martelo, é reveladora de como a obra–ápside derroga a exclusão correctiva. A «obra–ápside» tem um lugar ontologicamente instável: um ponto em que o «texto» é variante e em que a «variante» também é texto, esquivando–se à stemmatização – passe o neologismo – hierarquizante. Neste sentido, pois: (a) a «obra– ápside» convoca o modus philologicus; (b) o modus philologicus falha o seu fim pela específica ontologia da «obra–ápside». Isto porque ela não permite – Finisterra, como é sobejamente sabido, tematiza esta questão – uma sua fixação.

Diante deste quadro, considero extremamente perspicaz o seguinte comentário de Augusto Abelaira, que pretendo ler em proveito do meu argumento: «Carlos de Oliveira não tinha livros 'anteriores', em última análise todos os seus livros estavam ainda por publicar» [apud Martelo, 1998: 136]. A reescrita da obra – a obra como reescrita (16) – é o gesto sempre manqué de sedimentação de um seu «cânone», isto é, de uma sua des–contextualização (17): «reescrever» impõe, neste sentido, uma hermenêutica retrospectiva [cf. Silvestre, 1996: 53 e Martelo, 1998: 165] pela qual a obra «anterior» é lida pela «posterior». Reitero, todavia, que é o mesmo «reescrever» que esvazia a eficácia epistémica do modus philologicus, fazendo dele um modus necessário e que, a ter razões, tê– las–á em si mesmo como função socialmente útil (ao sistema literário). Por último, uma reflexão como problema. A convocação da filologia pela «obra–ápside», que ocorre como plena disponibilização pública dela, é uma inevitabilidade e uma necessidade. Nesse espaço público converte–se em representação – i.e. «objecto literário» – aquilo que é, por «ontologia», anti–mimese. A privatização progressiva e radical da cena da escrita [Silvestre, 1996: 22–23] vai a par de uma exponencial exigência competência de leitura – por exemplo, filológica em sentido demaniano [1992: 43–48]; e vai a par, ainda, da sua reconversão em material sujeito ao modus philologicus. A «obra– ápside», então, vive numa tensão entre a deriva histórica – o depósito que vai deixando pela reescrita – e a transcensão estética – o «cânone» a que tende pela reescrita.

HIS MASTER’S VOICE Para tentar esclarecer um pouco mais o modo como penso que o corpus de Carlos de Oliveira provoca a filologia é, pois, necessário ter presentes as seguintes proposições: (a) a reescrita não «gera» dois estados de coisas, o que equivaleria a conceber não um corpus mas dois ou mais corpora oliveirianos; (b) a reescrita des–cronologiza (19) o

corpus: espacializa–o, topologiza–o; (c) a reescrita activa um modo de ser que se joga, até certo ponto, como indecidibilidade: exclui e não exclui a «versão» anterior. A provocação da filologia em/por Finisterra (e restante obra), neste sentido, diz–se como tantalização: é provocação de uma sede inevitável e uma saciedade diferida. Um exemplo. A reedição, hoje, de Alcateia – e uma filologia militante não o negaria – valendo–se de uma adnotatio que visasse uma necessária «contextualização», quanto mais efectiva qua filologia mais assistira à amputação do processo de reescrita em que se subsumiu. Por outro lado, tenham–se presentes as seguintes palavras de Alberto Blecua: «La búsqueda de un método que permitiera eliminar en lo posible lo subjetivo se remonta a los orígenes de la filología y se halla estrechamente ligada a la concepción del libro como transmisor de unos significados fundamentales – la res, que se conformaban a su vez a través de unos significantes únicos – los verba –. Cualquier alteración de estos últimos podía provocar catástrofes exegéticas irremediables, en particular en aquellos textos que transmitían, nada menos, la palabra divina» [1990: 9]. Finisterra é a impossibilidade deste programa em diferentes sentidos: (a) o modo em que a «Nota Final» denuncia a sua organização faz do resultado uma lectio intrinsecamente falível; (b) Finisterra autoderroga–se como «original», que é uma das miragens que sustenta a filologia. De facto, e como é bem sabido, a filologia prospera na convicção epistémica de textos «incorruptibles, inmutables, siempre idénticos a su estado original» [ibidem]. Ora, (a) não pode dar conta de Finisterra como repetição em diferença da obra «anterior»; (b) Finisterra não é «palabra original de un 'autor'» [ibidem: 10]. Por outro lado, a «obra–ápside» e o efeito des–contextualizador que provoca, colide com o seguinte fundamento ecdótico: «La crítica textual se ejerce sobre un texto concreto que ha sido compuesto y se ha transmitido en unas determinadas circunstancias históricas y, como tales, nunca idénticas. Crítica textual e historia de la transmisión son, por consiguiente, inseparables» [ibidem: 12].

Para a ecdótica uma obra tem uma «história», isto é, a sua variabilidade no tempo é reflexo de «determinadas circunstâncias históricas»: restaurar a história da obra é inferir dela a não identidade dessas «circunstâncias». A «obra–ápside», apenas legível por uma hermenêutica paradoxalmente retrospectiva e prospectiva, salta «para fora» da filosofia da história que subjaz ao geneticismo da crítica textual. Sem res nem verba, uma «obra–ápside» sobrevive na diferição de «his master’s voice», tropo de quem dá e tira a sede (lido com [e] fechado).

G[IS]AND[]RA Sintetizando em extremo, a evolutio oliveiriana da Mimese à Alegoria – fórmula que já utilizei e que creio ser uma (hiper–) síntese possível, também, dos modos e protocolos de leitura da sua obra – conta–nos ainda uma história (literária) sub specie dialéctica e, num certo sentido, com «final feliz»? Antes do salto pós–dialéctico – Luís Mourão lê a «gisandra» como «princípio anti–dialéctico» [cf. 1996: 285] – «romancista» e «obra» subsumem, ainda, uma residual aufhebung. Quem melhor e definitivamente explicou isto foi Osvaldo Manuel Silvestre, para quem a «gisandra», «princípio de indiferenciação» (20), culmina a dialéctica do Iluminismo [cf. 1995: 82]. A paragem da história a que Oliveira nos faz assistir com Finisterra é–nos dada como o fim (i.e., a finalidade) do seu itinerário ficcional e poético. Isto é, a história dele é uma história com «moral da história»? por outras palavras, e continuando a seguir Osvaldo Manuel Silvestre, a assunção da imperatividade tardia do Novo, com o (b)ónus da sua exaustão [1995: 96]. Diante do exposto, cabe interrogar–nos se será o «caso» Finisterra uma edificante história de proveito & exemplo? Na verdade, talvez nem nos devolva uma moralidade «feliz», a julgar pelo seguinte convite à reflexão feito por Américo António Lindeza Lindeza Diogo: como seria uma dieta só de Modernismo, ou uma Literatura que só dele vivesse?

Dou a palavra ao autor de Modernismo, Readymade. Notícias das Trincheiras: «Se toda a literatura tivesse concluído deste modo, teriam sobrevivido bem poucos leitores (em todo o caso, seria ainda menor a população actual. Imagine–se uma dieta absoluta, de Engomadeira, Chuva Oblíqua e Finisterra)» [84]. Se estou a extrair, destas palavras, implicações correctas, teremos que do que «aconteceu» com Carlos de Oliveira não se pode deduzir o destino da Literatura mas apenas uma possibilidade dela. Por outras palavras, a retrospecção a que nos obriga não agencia uma «redenção»: a «evolução» é um efeito «óptico» de protocolos dentro do sistema: do neo–realismo como cânone ao modernismo como cânone. Em regime de exautoração: a historiabilidade deste cânone é, porventura, a forma da sua exaustão dita pós–modernismo. Do meu ponto de vista, àquela paragem da história, a par da exemplaridade de um percurso de escrita que se fez Arte (modernista), podemos, pois, pedir igualmente um outro efeito retroactivo. Isto porque uma «obra–ápside» desvitaliza o tromp–l'oeil que dizemos pelo sintagma «da Mimese à Alegoria». A continuidade entre «Mimese» e «Alegoria» não é processual mas topológica: ela é geológica e não genealógica. Proponho, neste sentido, que a «atracção vocabular» [cf. Coelho, 1972a e Diogo, 1995] que faz gravitar a «Gândara» e a «Gisandra», numa órbita que descreve a figura de uma ápside, tenha uma fixação (uma ficção) «ecdótica»: G[is]and[]ra. Pensar, deste modo, um como que «arrefecimento» da dialéctica mimese/alegoria significa o seguinte: a «gisandra» olha para trás e esse olhar petrifica o olhado, como com olhos de Medusa. Por imagens, diria que um rio se fez pântano na condição de «rio» e «pântano» serem loci (vazios) comutáveis (esquecer esta comutabilidade seria «enchê–los») sendo «dois». Isto é Finisterra, autonomia em pleno («texto» ou «literatura» [cf. Diogo, 1997b: 83]), situou a heteronomia no lugar que lhe pertence: o dehors (i.e., para além de toda representação). Todavia, o contrário também vale: isto porque essa é uma restauração topológica, que especula (por speculare, «de espelho») a Literatura como

acidentalidade historiável, ainda que sem História. É neste cenário de desvitalização que aparece a filologia, verdadeira ars da criogenização: conservar o nado–morto, diferindo (potenciando) a (sua) ressuscitação. Em «G[is]and[]ra» lemos, de resto, um outro nome dado na «Nota Final»: Ganda. Por cronologia, poderíamos mesmo concatenar a série: Ganda Gândara Gisandra, no que constitui uma espécie de amplificatio verbal (21). Contudo, em modo minimal extremo, esta amplificatio é da ordem não do temporal, mas sim do espacial. Finisterra chama a si todos esses nomes, na verdade um nome sujeito à metástase. Em modo alegórico, e uma vez mais, observamos que a «obra–ápside» vai deixando um depósito historiável. Mas o gesto de reescrita é, paradoxalmente, a tentativa de fazer da obra um cânone que signifique a transcenção dessa mesma (sua) história. Àquele depósito podemos chamar as notas–de–rodapé desse (inacessível) cânone. Todavia, pela própria ontologia deste cânone, ele próprio é nota–de–rodapé. A série depositada é, simultaneamente, corrente contínua e corrente alterna. A reescrita que tende ao auto–cânone é, como sabemos, a reconfiguração pelo cânone «modernista». Na verdade, a seguinte reflexão de Américo António Lindeza Diogo, mostra–nos como essa reconfiguração tem custos ponderosos para a canonicidade – passe o neologismo – do Cânone: «Carlos de Oliveira reconverte a sua obra ao Modernismo para lhe retirar, paradoxalmente, auctoritas. Algo que podemos alargar ao cânone» [1995: 78]. O Cânone é nivelado a decisões e opções de gosto(s).

EX/IN–CLUIR A «obra–ápside» – pautada por «abjurações», «exclusões» e «reescrita» (22) que lhe singularizam a questão da «assinatura» [cf. Baptista, 1998: 329–330], como veremos mais adiante – produz, como seria de calcular, efeitos sobre o(s) discurso(s) crítico(s). A «exclusão» de Finisterra do estudo do «discurso ideológico do neo–realismo» [cf.

Reis, 1983: 583] é um bom exemplo da afecção do romance sobre uma hermenêutica. A questão está em que, tal como a «obra–ápside» se (auto–) perspectiva: (a) Finisterra (o que ela supõe) já se identifica no «Oliveira» que, paradoxalmente, resiste ao (hetero–) expurgo (23); (b) Finisterra, por outro lado, cabe perfeitamente numa investigação do «discurso ideológico do neo–realismo», por «discurso», «ideologia» e «neo–realismo». A exclusão assiste, entretanto, a um faseamento, entendido como fractura, da obra oliveiriana. Excluir a obra, plenamente justificável por «teoria», previne um risco: a «gisandra» a fagocitar a narratologia. Leia–se, então, a seguinte biblio–grafia: «Com efeito, o romance agora em questão [i.e., Uma Abelha na Chuva] conclui, em 1953, uma fase de intensa produção narrativa, iniciada com Casa na Duna (1943), e continuada com Alcateia (1944) e Pequenos Burgueses (1948). Depois disso, seria necessário esperar vinte e cinco anos para ver aparecer uma outra narrativa (Finisterra. Paisagem e Povoamento; 1978), cuja configuração e inserção histórico–literária escapam ao âmbito deste trabalho» [ibidem]. A sobredeterminação de um a priori hermenêutico e metodológico, entretanto, dita a necessidade da «inclusão» de excluídos, ainda que em modo algo aporético: Alcateia é perspectivada como «obra não republicada depois da segunda edição, mas nunca abolida (ao contrário do que aconteceu com não poucos textos poéticos) do horizonte do seu autor» [ibidem: 584]. O «horizonte do autor» é dado por inferência, como podemos ler ainda: «De facto, no inventário de obras do autor inserido nos outros livros de Carlos de Oliveira, Alcateia aparece invariavelmente como obra ‘a publicar’» [ibidem: n. 4]. Alcateia viveria, neste sentido, uma especial ontologia: a de «obra a publicar», isto é, no trânsito entre o seu silenciamento e a (re)publicação sempre por vir. Tudo se joga como se o «horizonte do autor» fosse inferido pela caução da efectiva mas diferida republicação. A inclusão de Alcateia, todavia, dá–se pela ontologia da reescrita. Sendo o «romancista» uma figuração do romance, como interpretar, à luz dessa premissa, o radical gesto de exclusão de Alcateia

pelo «autor empírico»? Pressupõe, como se compreenderá, uma potência e uma impotência, um poder e um impoder – o «autor» inferível do romance desautorizado pelo «autor empírico» são e não são o mesmo, com autoridades descontinuadas. Na verdade, a autoridade autoral é disfuncional: nem o «autor» encapsulado em Alcateia poderia assistir ao «seu» romance pois a condição de si como romancista desse romance assenta na incontornabilidade daquele (im)poder, daquela (ir)responsabilidade. Entretanto, a exclusão de Alcateia não deixa de ser «escrita» suplementada pela indefinida repetição tipográfica. Neste sentido, lembrará aquela história de um conhecido filósofo que, querendo esquecer o criado leal que o acompanhara toda a vida, escrevia repetida e quotidianamente num caderno querer esquecê–lo. Gostaria de comentar uma segunda situação. Na antologia do Trabalho Poético levada a cabo por Osvaldo Manuel Silvestre, a que já fiz referência, uma antologia orientada pelo «último Carlos de Oliveira [que] é, de facto, um Carlos de Oliveira último» [1996: 100], o corpus é ampliado com oliveiriana inédita. O acrescento é feito em «apêndice», modo de reinscrever a decisão autoral/autoritária de um corpus fechado. Osvaldo Manuel Silvestre demarca este modo de fazer filologia de um outro tipo de filologia como «escavações por arcas armadilhadas» [101]. Parece–me, então, muito significativo o seguinte comentário: «[N]o que respeita à origem histórica desta poesia, o mesmo é talvez dizer, à sua história pessoal, os textos póstumos vêm diferi–la para uma distância temporal insituável, como se tudo se tivesse passado – o neo–realismo, a primeira fase, etc. – num passado demasiado remoto para dele ficar mais do que o resíduo decantado pela operação de releitura que neles se realiza, a qual, numa vertigem temporal, comprime e 'esvazia' todo o percurso da sua evolução, do neo–realismo ao modernismo tardio» [100–101]. Vou directamente ao que me importa aqui: é a qualidade «estética» do exumado que permite juntar, sem costuras, esses póstumos à organicidade do corpus. A «obra–ápside», i.e., aquela que demanda a filologia, fá–lo exigindo–lhe uma fundamentação estética e não histórica.

Simultaneamente, a lição das «escavações por arcas armadilhadas» diz– nos como o próprio cânone modernista – a referência é, segundo penso, àquele que, em contexto doméstico, é mais cânone – não resiste à sangria da «história» (literária). É por razões como estas que, no primeiro ponto deste ensaio, argumentei que o «modelo interpretativo (c)» saturou a leitura de Carlos de Oliveira – afinada pela «estética», ainda que lhe faça o luto – e deslocou os restantes modelos para a «história», i.e., para o lugar dos depósitos históricos que a «obra–ápside» foi deixando. Seja como for, o abraço da história revela–se mais inclusivo que exclusivo.

AS «FASES» E A QUESTÃO DA «ASSINATURA» Atente–se na seguinte série vocabular que selecciono da «Nota Final»: «o autor coligiu», «decifrou», «reconstituiu», «ordenou», «o autor lembra–se», «transcreve», «utiliza», «lembra–se», «não lhe parece» e «não as ter». Este falar de si em terceira pessoa merece ser comentado. Temos Carlos de Oliveira romancista a falar de um terceiro que é «autor» do «romance». O designado por «autor», neste sentido, é uma ficção de «autor». Há que precisar, pois, que Carlos de Oliveira fala em nome deste «autor» [cf. Baptista, 1998: 334], a que podemos muito bem chamar Carlos de Oliveira. Este distanciamento, eis o fulcro do meu argumento, tem o carácter de um copyright. Encontramo–lo na nota final da última edição do Trabalho Poético: «O autor remodelou, incluiu, cortou (sobretudo cortou) o que lhe pareceu necessário para alcançar um conjunto mais equilibrado» [12]. Ou ainda, na nota apensa a O Aprendiz de Feiticeiro: «O autor remodelou bastante alguns [textos] (sobretudo os mais antigos) publicados em jornais e revistas» [410]. Chamarei a este falar de si como outro um «escrever de fora». Explico as razões. João Camilo dos Santos transcreve, em Carlos de Oliveira et le roman, os seguintes comentários de Carlos de Oliveira a propósito de Casa na Duna, ouvidos e reproduzidos por Alexandre Pinheiro Torres: «Casa na Duna encontrava–se esgotada há mais de vinte anos. Se eu

estivesse interessado numa carreira de escritor teria logo publicado uma terceira edição, quando a segunda se esgotou. Ocasiões não me faltaram. E ter–se–ia vendido, estou até certo disso. Mas depois de se ter esgotado a segunda edição resolvi esperar um ano. Afinal, esse ano foram vinte. No fundo, foi uma experiência que eu quis fazer. Cada vez que pegava no livro mais ele me repugnava. Lá ia emendando, aqui e acolá. Foi assim que fui entrando nele. A certa altura, senti que já não estava a escrevê–lo 'de fora'. Desejei então publicá–lo» [546, o sublinhado é meu]. Temos, como podemos observar, um romancista que vive (n)uma tensão de romancista: a de querer sincronizar–se/simultaneizar– se com a obra, desde uma condição (humana, temporal) de contínua alteridade. A questão está em que não há garantias de que, uma vez publicado o romance, não se reconheça já «de fora» (24). Na verdade uma «obra» como «obra–ápside», i.e., como reescrita, figura–o a infinitamente escrever «de fora». É este o meu modo de ler o facto de, na «Nota Final», termos aquela cisão. Ao regime «alegórico» da «Nota» acrescente–se, agora, a «ironia» que, com Paul de Man, diremos fazer comunidade com a «alegoria» [1989: 232]. Leio: «La disyunción reflexiva no sólo ocurre por medio del lenguaje como categoría privilegiada, sino que a la vez sustrae al yo del mundo empírico para trasladarlo a un mundo constituido de lenguaje y dentro del lenguaje» [ibidem: 236]. O passo seguinte é esperável: o «romance» – no caso, Finisterra – amplia o tropo do «escrever de fora». Na verdade, este «escrever de fora» proponho–o como uma figura da «assinatura» de Carlos de Oliveira romancista (e, também, poeta). O quadro de reflexão em que vou situar esta proposta decorre, uma vez mais, de Autobibliografias. Refiro–me ao modo como Abel Barros Baptista reperspectiva o «faseamento» da obra de Machado de Assis a partir do conceito da «assinatura de romancista» [cf. 319–337]. Começo por convocar alguns fundamentais, em jeito de síntese. A «assinatura de romancista» não é subsumível ao «nome próprio do romancista». Confrontados com a «evolução» de um autor

determinado – logicamente concebível em termos de identidade e diferença, e é o caso justamente de Machado de Assis –, vemos que ela pode alienar o «nome próprio», com que se assina, e a «feição do livro». Perante este quadro, constata–se: (a) a «feição do livro» pode deter, sobre o «nome próprio do romancista», o privilégio da definição da «assinatura do romancista»; (b) prólogos, advertências e paratextos afins funcionam, muitas vezes, como «contra assinatura», pela qual se discriminam «assinaturas próprias» e «assinaturas impróprias». Em resumo: «A assinatura de romancista define–se, antes do mais, na resolução de um conflito: ou a assinatura se reduz à repetição do mesmo nome, e então dissolve–se a originalidade do laço que a une à feição do livro, não o distinguindo da assinatura aposta, por exemplo, num contrato de edição ou na escritura de compra de uma propriedade, ou a repetição do mesmo nome se subordina à feição do livro, e então a assinatura do romancista é aquela em que o destino do nome próprio é o apagamento, quer dizer, o destino do nome cuja propriedade já não é determinada pela capacidade de designar e convocar o portador» [330– 331]. Creio podermos concluir, ainda, que a diferente resolução deste «conflito» singulariza os diferentes autores. Ora bem. A opção, justificadamente propedêutica e hermenêutica, do faseamento da obra oliveiriana (poesia e prosa) em dois «momentos» é sobejamente conhecida. Os termos do faseamento, é verdade, nem sempre são exactamente os mesmos [cf. Gusmão, 1981; Goulart, 1997; Santos, 1998; Cruz, 1999], mas convocam, geralmente, ou bem uma arte com vocação «heterónoma» (e inconsequências decorrentes), ou bem de uma arte que se constrói «autónoma» (reconduzida ao cânone modernista). O faseamento provê a uma narrativa «biobliográfica» de Carlos de Oliveira. Poemas e romances, em primeiras edições, edições revistas, em novas versões, são pontos de uma linha temporal com princípio, meio e fim. Este é um «processo histórico», tanto no individual como, ainda, no colectivo. Em última instância é neste/deste quadro que ganham/retiram sentido

questões/dissenções como a de determinar se Uma Abelha na Chuva «começa» [cf. Cruz, 1974: 21] ou «encerra» [cf. Reis, 1983: 583–585] uma «fase». A condução de um semelhante ponto de vista é de assinalar: por exemplo, procede–se ao privilégio do «conjunto romanesco inegavelmente coeso do ponto de vista temático» [ibidem: 584], suspendendo–lhe a imbricação com a linguagem, ainda que se lhe reconheça «aperfeiçoamento qualitativo» e «complexidade» [ibidem: 585]. A mudança no ponto de vista do «modelo de leitura», entretanto, conduziu ao descentramento ou desestabilização do «centro de gravidade» do opus de Carlos de Oliveira. Osvaldo Manuel Silvestre, por exemplo, argumentou já não Uma Abelha na Chuva mas sim O Aprendiz de Feiticeiro como (um dos) nódulo(s) nevrálgico(s) da obra oliveiriana: «O problema é que não é simplesmente possível ler Oliveira, e sobretudo o que se segue a Sobre o Lado Esquerdo, sem o confrontar com O Aprendiz de Feiticeiro, livro que funciona como a placa giratória a partir da qual se ordena, e ganha significado, a obra de Oliveira» [1995: 99]. Gostaria de sublinhar que o dizer essa obra como «placa giratória», ao contrário do que se possa pensar, não significa substituir a funcionalidade de Uma Abelha na Chuva antes referida. Aceitando as implicações da reescrita, estamos perante não da identificação de um «ponto» numa concatenação linear, mas sim de um locus que, ainda por cima, «gira»: isto é, a história que se pode contar a partir de uma obra como «placa giratória» espacializou–se. Por outro lado, Américo António Lindeza Diogo mostrou também como se pode perspectivar a questão fora do quadro do faseamento: «A descontinuidade da obra é violentamente afirmada. Num caso como no outro, está–se recanonizando Oliveira com o par Pastoral/Finisterra, e, concomitantemente, procedendo à evacuação da obra anterior do seu universo literário. A meu ver, a continuidade da obra permanece. Os últimos textos vêm pôr em perspectiva nos anteriores implicações cegas, i.e., 'implicações que não foram apreendidas sob forma temática' (Stierle); e os mesmos textos últimos

procedem ao levantamento cartográfico dos anteriores (ou antes, traçam–nos o seu périplo), funcionando como alegorias da leitura» [1995: 61]. A ideia de fractura, como vemos, é suplantada pela de uma obra que se dobra sobre si mesma. Não se trata aqui, como é óbvio, de rasurar o referido «faseamento», a muitos títulos justificável. Contudo, é a específica ontologia da «obra–ápside» que nos propõe pensá–la (também) sem a pensar por «fases». E é aqui que o conceito de «assinatura de romancista» se revela, do meu ponto de vista, muito útil. Para prover à questão é necessário ter, pois, em conta: (a) a «reescrita» multiplica a feição de uma mesma obra em feições; (b) essas feições, não desautorizando o «nome próprio», cindem–no (digamos que é erzatz de si próprio); (c) isto é, activam a figura do «escrever de fora»; (d) a «Nota Final» de Finisterra, como vimos, completa essa figura com «o autor como ficção de editor», reconhecível também, segundo creio, na poesia e já na chamada «primeira fase». A «obra–ápside», que comporta espacialização e dobra, tem em (c) e (d) a singularidade da sua «assinatura».

EÇA CHAMAVA–SE MACHADO QUE SE CHAMAVA EÇA Estas reflexões a propósito de Finisterra podem conduzir–nos, segundo me parece, à questão das duas «tradições» do romance, a cervantina e a balzaquiana, sobre que gostaria de alinhavar algumas ideias. É conhecida a «teoria» que as concatena numa deriva do tipo «retorno do recalcado» [cf. os casos resenhados por Silvestre, 1995: 58]. Os termos são os de uma tradição «mimética» naturalizada (Balzac), por um lado; e, por outro, de uma tradição «metaficcional» recalcada por aquela tradição (Cervantes). Pode ser sustentado o conceito de um romance como veículo transparente, aquele que teríamos, na «historiografia literária», corporizado no romance realista–naturalista? Isto seria supor que

poderíamos ter um romancista e um romance que escapassem à «herança de Cervantes» de que fala Abel Barros Baptista, isto é, um romancista e um romance que deixassem de o ser. Conceber um romance mimético – isto é, «mistificado» – obriga–nos a vinculá–lo a uma «mistificação» apenas imputável ao romancista – não ao «romancista», mas ao sujeito empírico –, nunca ao texto. Ora, aceitar isso seria fazer do texto uma subjectividade, ou activar nele a geração de uma «intencionalidade» positiva e não indecidível. Elejo o seguinte lugar do ensaio de Abel Barros Baptista sobre o conceito de «herança de Cervantes» por mostrar implicações que, neste momento, me importa destacar: «a herança de Cervantes define a exemplaridade da irresponsabilidade do romancista, o que quer dizer que, sem deixar de constituir um traço de singularidade do discurso romanesco, a irresponsabilidade do romancista é, não uma característica anormal, um privilégio ou uma condição de excepção, mas uma qualidade generalizável e que o romance justamente explora enquanto qualidade generalizável» [196]. Aceitando as consequências destas reflexões, que «filosofia» se permite à «história do romance» ocidental? Retira–se–lhe, na verdade, o fundamento filosófico que, por dialéctica, significa a superação da «ficcionalidade» pela «metaficcionalidade». Na verdade, Autobibliografias, mostrando–nos a inextricabilidade da relação «livro»/«romance», do meu ponto de vista, propõe uma outra perspectiva para a história do romance (25). Uma história esvaziada da pertinência hermenêutica daquela polaridade, Cervantes/Balzac, como filosofia dessa História. Ao articular o livro com o romance – o contributo fundamental do ensaio –, Abel Barros Baptista dá um efectivo passo em frente para a possibilidade – em tempos acalentada por Paul de Man – de pensar uma história literária não crono–lógica, não linear, não «geradora». Apesar de longa, a citação justifica–se: «¿Podríamos concebir una historia literaria que no truncara la literatura al llevarnos equivocadamente dentro e fuera de ella, que siempre fuese capaz de sostener la aporía literaria, que pueda justificar al

mismo tiempo la verdad o falsedad del conocimiento que la literatura comunica sobre sí misma, que pueda distinguir rigurosamente entre el lenguaje metafórico y el histórico y que pueda explicar tanto la modernidad literaria como su historicidad? Una concepción de esa naturaleza implicaría, evidentemente, una revisión de la noción de la historia y, aún más, de la noción del tiempo en que se basa nuestra visión de la historia» [1991: 183]. E acrescenta: «Si extendiéramos esta noción más allá de la literatura, ella sólo confirmaría que las bases para el conocimiento histórico no son hechos empíricos sino textos escritos, aun cuando estos textos aparezcan disfrazados de guerra o revolución» [ibidem]. Nesta linha, eis o que me parece mais relevante ainda: a história que do «romance» como «herança de Cervantes» se pode fazer redefine a própria ontologia da História. O ensaio de Abel Barros Baptista centra–se naqueles lugares da ficção machadiana em que o romance solicita o livro: a autobibliografia. A minha questão, neste sentido, é a de saber se romances como O Crime do Padre Amaro ou O Primo Basílio solicitam, ou não, também o livro. Dito de outro modo, há «romance» que se exima à autobibliografia? Nesses romances, Eça não é afectado pela «herança de Cervantes»? Poder–se–ia precisar que esse legado é, com maior propriedade, o do «último Eça». Ora, a questão reside precisamente aí: não podemos cancelar o inextricável vínculo romance/livro – projectado pela «herança» – num Eça para o recuperar noutro. E, já agora, porque mais implicado na temática do presente ensaio, que diremos de Gaibéus de Alves Redol? Em ambos os casos não deixa de ser possível dizer estarmos diante de escrita como «acto» e «processo interpretativo» [cf. De Man, 1991: 169]. Neste sentido, vale a pena recordar que Carlos Reis apontou, como toda a justiça, que em Gaibéus temos «literariedade» [cf. 1979: 33 e ss.]. Tê–la significa inviabilizar o romance como veículo unívoco da ideologia – i.e., faz dela «romance». A «herança de Cervantes» foi–o, também, para Redol: «Escrever um romance, tentar fazer um romance, é

sempre penetrar nos domínios da arte literária, mesmo que, por absurdo, algum escritor o não queira, mesmo que ele tente esquecer tudo o que faz parte do património comum dos romancistas» [apud Reis, 1979: 36]. E no «Depois disso, será o que os outros entenderem», conclusão da famosa epígrafe, temos a prospecção de um mais que certo self–service: dialéctica ou texto [cf. Derrida, 1998: 184].

DO (IMPOSSÍVEL) ESQUECIMENTO Continuo a tentar explicitar o meu argumento sobre esta questão. O livro e o romance que queiram ser cumpridos como mimese «mistificada» [cf. De Man, 1989: passim] necessitam: (a) que o livro seja suspendido como «dois livros» [cf. Baptista, 1998: 38 e ss.; 530 e ss.]; (b) que o livro não preste contas ao «romance» que lhe resiste [cf. ibidem: 61]; (c) que o «romance» suspenda a sua condição de «resistência» ao livro; (d) i.e., que o «romance» renegue da «herança de Cervantes» [cf. ibidem: 26, entre outros lugares]. Chamo a atenção para o facto de que para escrever estas condições me foi difícil não recorrer a fórmulas que dizem actos de consciência: «seja suspendido», «não preste contas», «suspenda» ou «renegue». Poderia, inclusivamente, substituí– las todas por uma apenas, sem resultado menos antropomorfizante: (a) que o livro esqueça ser dois livros; (b) que o libro esqueça o «romance»; (c) que o «romance» se esqueça como «resistência» ao livro; (d) que o «romance» esqueça a «herança de Cervantes». A citação é, uma vez mais, francamente longa, mas faz a síntese de muitos argumentos de Abel Barros Baptista em Autobibliografias: «Delimitemos as exigências que o livro faz ao romance, todas com a finalidade de alcançar uma plena coincidência do romance com o livro: a) exigência de uma voz situável e identificável, capaz de lançar e manter, com boa fé insuspeitável e reconhecida boa vontade, um diálogo ou uma conversa com o leitor; b) exigência da unidade de uma história, capaz de suportar, com os seus limites, definidos pelo princípio e pelo

fim, os limites ideais do próprio livro; c) exigência da linearidade da narrativa, capaz de assegurar a persistência de um princípio de organização exterior à narrativa que a mantenha unidade e significante. Percebe–se que a plena satisfação ou a ilusão de plena satisfação destas exigências configura um modelo de romance perfeitamente conhecido: o modelo canónico que, em termos de correntes ou escolas literárias, encontrou a melhor realização no romance naturalista» [61, o sublinhado é meu]. A pregnância destas reflexões, do meu ponto de vista, para além do que nos ensinam sobre a incontornável com–unidade livro/romance, joga–se na aporia: que distingue uma «plena satisfação» de uma «ilusão de plena satisfação»? Isto é, como fazê–lo? Por outras palavras, ainda: que livro, na Modernidade, poderia ser chamado a sancionar a «satisfação»? Ou será que toda a «plena satisfação» é «ilusão de plena satisfação»? O «ou», neste último caso, vale não como disjunção mas como conjunção. Dito de outro modo, a «herança de Cervantes» autoriza a pensar o (um) «romance» em estado de «inocência»? O «romance» é, na verdade, e passe o neologismo, um nascido «pós–lapsário». Leia–se, entretanto, como Osvaldo Manuel Silvestre comenta o «apocaliptismo» de um Peter Bürger diante da «emancipação» agenciada pela momento metaficcional: «Assim se esquece tudo o que na metaficção, desde o Quixote, contribui, não para a exaustão, mas para uma nova potenciação do género romanesco» [ibidem: 97]. Este comentário permite reler o sentido da «emancipação». Que a metaficção «emancipe» não significa exactamente «superação» numa temporalidade homogénea e teleológica: o que faz é desnaturalizar o romance canónico dado como, precisamente, Natureza. O «romance mimético» é uma potencialidade do «género». A «metaficção» é uma posteridade – penso na linha cronológica do romance naturalista e sua desagregação – com um efeito retroactivo que lhe mostra o privilégio: o da anterioridade absoluta (ontológica). Perante a inescapável «herança de Cervantes», a «ficção» e

a «metaficção» perfilam-se como concretizações possíveis das mesmas regras de jogo. Dentro deste quadro, para a matéria que me interessa neste ensaio, remeto uma vez mais para uma reflexão de Osvaldo Manuel Silvestre a propósito da «metatextualidade» oliveiriana: «É esse recalcado em O Aprendiz de Feiticeiro (pela crítica, desde logo), que vem à tona em Finisterra: a paraliteratura, o fantástico, a metaficção. Creio que vai sendo tempo de, também aqui, abandonarmos a metafísica da génese (neo–realista) desta obra, e a analisarmos no seu pluralismo estético. É por aí que ela continua, ainda hoje, a interpelar–nos» [1995: 99, o sublinhado é meu]. O recalcamento que sustenta a mimese «mistificada» – o recalcamento de O Aprendiz de Feiticeiro – é, se interpreto correctamente, o tropo de um pacto, no interior do sistema, que legisla uma leitura protocolar. Um pacto com o mimético inexoravelmente assombrado pelo «inimigo da geração humana» ou, ainda, um impossível esquecimento. Pelos vários trompe–l’oeil que foram sendo ditos, exemplifico, para melhor esclarecimento: uma «queijada de Sintra» vale o que uma «Maria Eduarda»; e uma «janela» no Vale de Santarém vale o que uma «janela» em Finisterra. Aos vai–vens do negócio «público» – i.e., implicando os diferentes agentes do campo literário – para que assim não seja, podemos chamar «historia da literatura». A lição que aqui sigo, uma vez mais, é de Paul de Man: «El juego dialéctico entre estas dos modalidades [i.e., alegoria e ironia], así como su interacción con formas mistificadas del lenguaje (formas como la representación simbólica o la mimética), que no tienen el poder de erradicar, constituyen lo que se ha llamado historia literaria» [1989: 251]. Transposto para o que vinha dizendo a propósito do «romance», a «interacção» é o termo que me importa destacar. A relação entre Balzac e Cervantes não se diz como dialéctica mas sim como pseudo–dialéctica. A história a reescrever seria a do modo como, dentro do macro-marco da «herança de Cervantes», o sistema vai institucionalizando graus de consciência sem solução de continuidade.

OLIVEIRA, MARX & ENGELS, NIETZSCHE Na filologia a obra de Carlos de Oliveira encontra o fim, não sem negar à primeira, em simultâneo, o telos que postula: o fim da filologia circunscreve-se a ela própria e, uma vez «autonomizada», é potenciada pelo seu uso ou performatividade públicas. Esse devir oliveiriano, entretanto, pode ser lido como cabotagem de textos que, também eles, depois de «filosofia» se fizeram «filologia». É o caso, que muito razoavelmente importa para o itinerário do autor de Finisterra, do Manifesto do Partido Comunista de Marx & Engels, caso de que deu conta Osvaldo Manuel Silvestre em «Editar os Clássicos ou Filologia e Revolução» [1998]. Em sede nietzschiana, confronta–nos com a seguinte questão: «terá ou não o Manifesto transitado da filosofia, ainda que política, para a filologia? Será ele, ou não, hoje parte daquele passado que, nas palavras de Nieztsche, pertence ele próprio já ao passado?». E o autor de Slow Motion. Carlos de Oliveira e a Pós-Modernidade acrescenta, ainda, o seguinte comentário sobre o papel, «hoje», da filologia: «quando de boa saúde o marxismo dispensa a filologia que exige em tempos menos pletóricos (quais são os nossos), tempos em que o renascimento da doutrina pressupõe, supostamente, um cíclico retorno às fontes. De modo inverso, mas estranhamente coincidente, a filologia, como a coruja da História, opera apenas ao entardecer, dando–se mal com poeiras revoltas e dias levantados» [ibidem]. Digamos que o marxismo, como narrativa finalista e totalizante do mundo, confrontou o seu devir com a farmacopeia [cf. Derrida, 1968] do livro. Marxismo e livro (tipográfico), produtos da Modernidade, encontram–se num ponto do caminho. O marxismo, em tempos de «revolução», cumpre e capitaliza a idealidade do livro (da Natureza, i.e., a História perfeitamente iluminada). O fim da narrativa marxista – cuja inscrição em Finisterra foi primeiro dita por Eduardo do Prado Coelho

[1979: 161] e plenamente argumentada por Osvaldo Manuel Silvestre [1995] –, entretanto, disponibiliza o Manifesto como livro que falha na sua função veicular. Por outras palavras: inviabiliza o livro e é por ele inviabilizado. A filologia, por seu turno, assiste ao morto–vivo, cujo por vir é justamente a sua interpelação como espectro(s) [cf. Derrida, 1998]. Registe–se, neste sentido, que é na condição espectral de «meta– narrativa do fim das narrativas» que Luís Mourão implica ainda o «materialismo histórico» como garante de Finisterra como «romance» [cf. 1996] (26). Marxismo, livro e romance são fantasmas que a filologia vai conjurando.

NOTAS (1) A paginação referente às obras de Carlos de Oliveira, salvo indicação contrária, refere–se a [1992]. (2) Acrescente–se Eduardo do Prado Coelho [1979], que lançou o topos do «fim da história» para ler Finisterra, e, ainda, Silvina Rodrigues Lopes [1990], que retomaria, ainda que de modo menos explícito, essa temática. (3) Carlos Reis fez a recensão desta interpretação a partir de João Camilo dos Santos, «Uma Abelha na Chuva (alguns aspectos da temática narrativa)», in Arquivos do Centro Cultural Português, vol. X, Paris, CCP–FCG, 1976, p. 652. João Camilo dos Santos retoma a leitura em [1987], lugar de onde citei. (4) Eis a tradução portuguesa: «Outro sinal distintivo dos teólogos é a sua incapacidade filológica. Eu entendo aqui por filologia, em sentido muito geral, a arte de ler bem, de saber distinguir os factos, sem os falsear com interpretações, sem perder, no desejo de compreender, a precaução, a paciência e a delicadeza. Filologia como ephexis na interpretação: trate–se de livros, de notícias de jornais, de destinos o de factos meteorológicos» [Nietzsche, 1988: 105]. (5) Cf. Magnien–Lacroix, 1969: s.u. åÖåîéò. (6) A «abelha» como figura epistemológica – tropo do «letrado» – foi–me sugerida por um ensaio de João Dionísio, «Uma Abelha no Prólogo. Sobre um desejo formulado no início do Leal Conselheiro, de D. Duarte» [1995]. A dita abelha, lida por Mário Martins como imagem da experiência empírica do rei, é mostrada por João Dionísio como tópico: «Em síntese, a abelha no prólogo deste tratado terá uma matriz literária mais do que empírica» [22]. (7) Cf. o poema VI da série «Árvore» [264] ou o poema III de «Sub specie mortis» [363]. Cf., ainda, os comentários bibliófilos de «Almanaque Literário» [476–477], ou sobre a Feira do Livro [461 e ss.]. (8) Num comentário sumamente importante, diz–nos Osvaldo Manuel Silvestre: «Repare–se, ainda, que esta 'Viagem entre velhos papéis' será, até ao fim, um modo de trabalhar típico do autor. O livro O Aprendiz de Feiticeiro (1971) resultará, em grande medida, de uma 'viagem' pelo baú da produção do autor não coligida em livro. E na Nota Final de Finisterra. Paisagem e Povoamento (1978), sua obra derradeira, o autor confessará que 'coligiu numa pasta velhos papéis dispersos'. De todo esse material, e da sua ordenação, resultará depois esse romance» [1996: 126]. O modus philologicus, deste modo, remonta praticamente aos começos da escrita oliveiriana.

(9) Uma vez mais, recorro ao conceito de adnotatio proposto, por Túa Blesa, como tropo. Define–o do seguinte modo: «Figura de la logofagia por la cual se produce la diseminación de la unidad textual en dos o más fragmentos, que conservan tal rango todos ellos, aunque, excepto uno, son relegados al lugar paratextual de la nota, bien a pie de página, bien como apéndice» [1998: 219]. (10) Vítor Viçoso comenta esta interpretação do seguinte modo: «As vozes tendem, pois, para uma visualização (a 'escuta óptica' de que fala Maria Alzira Seixo) que, por vezes se traduz abstractamente na imagem de um gráfico de linhas rectas (a voz do executor fiscal) ou sinusoidal (a voz da mãe). As vozes longínquas ora são ecos repercutidos interminavelmente, ora se sobrepõem ou indiferenciam, ora se traduzem num registo gráfico» [1988: 15]. Do meu ponto de vista, o que está em causa é a escrita como representação de escrita, isto é, apenas óptica. (11) Recordo o conceito psicanalítico de «obsessão»: «When used as a technical term: an idea or group of ideas which persistently obtrudes itself on the patient's consciousness despite his will and despite the fact that he himself recognizes its abnormality» [Rycroft, 1972: s.u. Obsession]. E, ainda, de «neurose obsessiva»: «Obsessional thoughts differ from 'normal' thoughts in that they are experienced by the patient himself as unspontaneous, distracting, repetitive, ruminative, and as coming from elsewhere than himself; their subject–matter is tipically absurd, bizarre, irrelevant, and obscene» [ibidem: s.u. Obsessional neurosis]. Deles destaco a ideia de uma repetição imotivada e anormal. (12) Leia–se o seguinte parágrafo da responsabilidade de Américo António Lindeza Diogo: «Oliveira reescreveu os seus romances e um que a todos reescreveu. Não se trata apenas de nos ser dada uma sequência de obras umas pelas outras pressupostas, nem da acentuação inevitável da sincronicidade dessa relação, porque todas de algum modo se repetem e por submissão de todas a uma perspectiva ‘teórica’ (o modernismo literário)» [1997: 119]. (13) Adapto o conceito de «texto–ápside» que Túa Blesa propõe como figura retórica em Logofagias. Los trazos del silencio. O tropo alude ao texto que se «dissemina» em textos de tal forma que todos possuem o mesmo status: «Los textos ápside no pueden escapar de la órbita que los traza, no pueden acabar en la excentricidad, pero, por estar todo el sistema desplazándose permanentemente, una de las variantes, uno de los textos ápside jamás podrá volver a pasar por el mismo punto ápside que ya trazó en su recorrido. Es por ese metaforismo que lleva impresa toda la estructura por lo que la simetría entre una e otra variante de los textos ápside no es tal, sino que es una conjunción de simetría y asimetría» [1998: 101]. Por outras palavras, o «texto–ápside» é aquele que resiste a uma hierarquização do tipo «original/variante». Noutra formulação, ainda: o «texto–ápside» pertence a uma comunidade de textos que resistem ao stemma [cf. ibidem: 115]. (14) Helena Carvalhão Buescu deu conta da ineficácia do auto–expurgo: «Todo o gesto autoral que consiste na republicação parcial e/ou alterada de obras anteriores vive deste

paradoxo: um autor que tem autoridade social sobre os produtos que escreveu; mas uma autoridade cujos efeitos práticos não dissolvem os efeitos que antes foram gerados, e depois enjeitados» [1997: 48]. Acrescente–se que propõe como exemplo, justamente, Carlos de Oliveira. (15) Constata, também, João Camilo dos Santos: «que la presque totalité sinon la totalité des chapitres de Finisterra sont construits comme certains chapitres des précédents romans de l'auteur» [1987: 644]. Aduz exemplos de Pequenos Burgueses e Uma Abelha na Chuva. (16) Manuel Gusmão considera a poesia de Carlos de Oliveira «uma poesia do movimento»: «É claro que o movimento que anima esta poesia é múltiplo: movimento de livro para livro (de 1941 para cá); movimento retroactivo dos últimos livros sobre os primeiros, eliminando, modificando, depurando; movimento interno a cada livro, a cada poema, movimento da poesia sobre si própria, sobre a sua relação com o mundo e sobre o mundo» [1981: 62]. Numa formulação diferente, mas a que subjaz o mesmo princípio, afirma Rosa Maria Goulart: «Submetido à Lei de Lavoisier, o poema é, portanto, matéria orgânica em transformação, recriação e partir de si próprio, forma que sonha outra forma, nova combinatória verbal, como sugere 'Lavoisier', de Sobre o Lado Esquerdo» [1997: 75]. (17) Sigo Osvaldo Manuel Silvestre: «Este esforço, que é lato sensu um esforço de descontextualização, é tanto mais impressionante quanto o seu resultado é um razoável fracasso» [1996: 57]. (18) Cf. [Blecua 1990]. (19) A propósito da reescrita dos textos de O Aprendiz de Feiticeiro, afirma Rosa Maria Martelo: «O facto de Carlos de Oliveira referir, no índice da obra, apenas a datação dos textos matriciais sem explicar a sua proveniência sugere mesmo a premeditação de um efeito de descontextualização dos textos já publicados, associável com a recontextualização obtida através da reescrita e da integração de textos de redacção recente e ainda inéditos» [op. cit.: 138–139]. (20) Leia–se: «Princípio de indiferenciação, a gisandra é, em Finisterra, o anúncio do fim da história, verdadeira encarnação do pesadelo adorniano da razão identitária. Se como afirmou Adorno, o filosofema da pura identidade é um signo de Morte (Adorno, 1973: 362), creio que é possível ler Finisterra como uma glosa ficcional da dialéctica negativa e da sua exaustão na pós–modernidade [1995: 36]. No mesmo sentido, veja–se o que nos diz Américo António Lindeza Diogo: «Daí que, via gisandra, possamos ver atribuir–se à morte a fluidez mimética; ou que a gisandra seja agora a mimese em si; e que a sua definição em termos de proliferação do novo e ao reconhecimento de que essa diferenciação é indiferente, por isso que o leva a coincidir com um princípio – o princípio abstracto do novo, justamente» [1995: 118]. O topos da «indiferenciação» ocorre noutros ensaios sobre o romance, contudo sem que se recorra a Adorno. Atente– se, por exemplo, nas palavras de Silvina Rodrigues Lopes: «Em Finisterra a ‘catástrofe

serena’, sendo inscrição do imemorial e mecanismo não inteiramente racionalizável, é a possibilidade do vazio (a indiferença) que irreversibiliza as relações ao abrir o fim entre elas, fim que não sendo ruína ou revelação é apenas escuridão, opacidade, possibilidade de diálogo porque interrupção e necessidade de criar novos idiomas. A ‘catástrofe serena’ é a revelação de uma falha nas narrativas legitimadoras. Um vazio de sentido que irrompe na história, sistema, modelo» [1990: 83]. Também Rosa Maria Martelo lê em Finisterra «um processo de indiferenciação (caos simultaneamente apocalíptico e genesíaco)» [op. cit.: 172]. (21) Numa observação muito penetrante, Rosa Maria Martelo sugeriu: «O pseudónimo juvenil Carlos Ganda, usado por Carlos de Oliveira para assinar um conto e dois poemas publicados nos números 2 e 3 de Alvorada, em 1938, e relembrado na «Nota Final» de Finisterra, parece sugerir esse mesmo efeito de tatuagem pela proximidade do apelido relativamente ao termo 'Gândara'» [1998: 152, n. 41]. (22) Leia–se, a título de exemplo: «As datas mencionadas neste índice correspondem à redacção inicial dos textos. O autor remodelou bastante alguns (sobretudo os mais antigos) publicados em jornais e revistas. Aqui fica a sua versão definitiva, que substitui, para todos os efeitos, a primeira». Esta nota a O Aprendiz de Feiticeiro consta desde a 1ª edição da obra [cf. Martelo, 1998: 136]. O rastreio dos lugares onde cada um dos textos foi publicado originalmente foi levado a cabo por Rosa Maria Martelo [ibidem: 137–138, n. 5]. (23) Por exemplo, a reflexividade na obra remonta aos 40 [cf. Silvestre, 1995: 85]. (24) Recorde–se–se que à 3ª edição revista de Casa na Duna, de 1964, sucederia uma 4ª, novamente «corrigida», em 1970. (25) Autobibliografias constantemente se desmarca das chamadas «grandes leituras» [cf. 14], sobretudo, do meu ponto de vista, do pathos que as acompanha. Todavia, também propõe que, pelo «mínimo», se vislumbre a precariedade do «Todo», lição que, em muitos casos, vale como revisão daquelas. (26) Considere–se, ainda, a leitura de Rosa Maria Martelo: «Um dos aspectos mais interessantes em Finisterra é a forma como o marxismo surge como uma meta–narrativa (não forçosamente como uma meta–narrativa em crise mas já como uma meta–narrativa cujo valor de verdade é relativizado) que tal como é uma opção da personagem desdobrada em criança–homem é também aquela que recorre o autor da obra» [op. cit.: 186]. Penso que, no contexto a que nos reportamos, relativizar o marxismo é pô–lo em crise.

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Primeira versão originalmente publicada em Ciberkiosk, nº 10, 1999. Este texto viria a ser parcialmente publicado com o título «Modus Philologicus: Sobre “Nota Final”, apensa a Finisterra de Carlos de Oliveira», in AA. VV., Santa Barbara Portuguese Studies, vol. V, 2001, pp. 134-157. Ampliado e revisto, este ensaio constitui o capítulo 3 do livro Romance & Filologia. Almeida Garrett, Eça de Queirós, Carlos de Oliveira, São Paulo, Nankin, 2004, pp. 65-110.

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