Por uma escola perambulante

September 16, 2017 | Autor: Nivea Andrade | Categoria: Educação, Ensino de História
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UMA ESCOLA PERAMBULANTE Nivea Andrade (Faculdade de Educação -UFF)

Certa vez, visitando o Musée de Orsay, em Paris, me deparei com um quadro de Van Gogh. Era um entre tantos autorretratos que o pintor produziu em seus 37 anos de vida. Embora a imagem de Van Gogh me impressione com seu olhar de angústia que compromete o observador a se angustiar com ele, o elemento que mais me parece arrebatador neste quadro é o movimento das grossas pinceladas curvas, talvez verdes ou talvez azuis, que rodeiam o retrato do artista (Se este texto que faço, fosse composto por sons, e talvez o seja em nossas memórias, eu ouviria com ele a canção de Chico Buarque: o retrato do artista, quando moço, não é promissora, cândida pintura). Roland Barthes nos chama atenção para pensarmos os punctus, os elementos das imagens que, como uma ponta cortante, nos arrebatam, nos incomodam, desviam o nosso olhar. Sobre o punctus, aquilo que punge, Roland Barthes no explica que basta sua presença para mudar minha leitura, que se trata de uma nova foto que eu olho, marcada a meus olhos por um valor superior (BARTHES, 2012). E eram as pinceladas curvas ao redor da imagem de Van Gogh que me atraíam para o seu universo denso e me angustiavam a ponto de me sentir escorregando por algumas destas pinceladas. Em certo momento, me dei conta de que o Museu estava cheio e outras pessoas poderiam estar desejosas de se colocarem à frente do tal quadro, quando percebi que não era a única a se perder nas curvas de Van Gogh. Ao meu lado, mergulhado na pintura e esquecido do seu grupo, um rapaz que acompanhava uma das tantas excursões japonesas também contemplava e talvez se angustiava com o quadro de Van Gogh, compartilhando comigo aquele momento, embora nem se desse conta da minha presença. Lembrar desta cena invariavelmente me remete a um dos episódios do filme Sonhos (Yume/Dreams, 1990) de Akira Kurosawa, no qual, um jovem pintor japonês (personagem de Akira Terao) visita um museu e se sente arrebatado por uma das obras de Van Gogh, o quadro Pont de Langlois, que retrata uma antiga ponte no canal de Arles. Uma característica marcante deste episódio é a quase ausência de som que somente é rompida quando o jovem pega os seus instrumentos de pintura (as telas e uma maleta) e se dirige aos quadro de Van Gogh. Os ruídos dos passos do rapaz lentamente dão lugar à melodia. O som e a imagem se apresentam em unicidade.

Ao som do prelúdio n.15 de Chopin e do barulho das roupas batidas na beira do rio pelas lavadeiras do Arles, o jovem japonês, que representa o próprio Kurosawa, impactado pela obra, é absorvido pelo quadro e passa a viajar por diferentes espaçostempos pintados por Van Gogh. Encontrando com o próprio Van Gogh, representado pelo cineasta Martin Scorsese em uma rara atuação como ator, o jovem japonês caminha por um dos cenários favoritos do pintor, os campos de trigo de Auver-sur-Oise, cidade francesa onde viveu seus últimos anos de vida. O episódio se passa com Van Gogh se questionando porque o rapaz não está pintando. Diz que precisa aproveitar a luz- O sol me impele- declara o artista. – Eu me arremeto feito locomotiva em minha arte.- O jovem passa a contemplar o sol enquanto não percebe que Van Gogh desaparece. O jovem japonês então se arremete às pinturas do artista, passeando pelas grossas pinceladas, buscando encontrar Van Gogh, compondo um belíssimo trabalho fotográfico de Kurosawa que evidencia os tênues limites entre o onírico e o vivido. Ao fim do episódio, o jovem japonês novamente encontra Van Gogh, mas este logo desaparece em meio ao campo de trigo e a revoada de corvos. O prelúdio de Chopin dá lugar ao som de uma locomotiva, trazendo o rapaz para a sua posição de observador (mas não apenas) do quadro no Museu. Este não mais se trata de Pont de Langlois, mas de Campo de trigo com corvos (Champ de blé aux Corbeaux), possivelmente o último trabalho de Van Gogh, antes do seu suicídio, quando atirou no peito em meio ao mesmo campo de trigo retratado. Em um gesto de reverência e/ou de quem volta de uma viagem, o rapaz tira o chapéu terminando o episódio, nos remetendo à admiração de Kurosawa ao pintor holandês. Observar imagens, reconhecendo que não somos meros observadores, nos permite produzir viagens de pensamentos. Viagens que possibilitam entrelaçar redes de sentimentos, conhecimentos e significações. Visitar exposições, apreciar arte, seja ela qual for, amplia as nossas redes e aquilo que Pierre Bourdieu chamou de capital cultural, embora eu prefira a expressão redes de conhecimentos e significações na medida em que as redes que desenvolvemos como manifestações culturais são historicamente anteriores às relações capitalistas. A noção de capital cultural desenvolvida por Pierre Bourdieu (1998), compreendida como o conjunto dos elementos materiais e imateriais decorrentes dos investimentos pessoais e das heranças culturais familiares no processo de formação de

uma pessoa chama atenção para os processos educativos além da relação entre os investimentos monetários e o desempenho escolar. Bourdieu propunha pensar em capital cultural como aquisições que podem ser incorporadas (conhecimentos assimilados/apropriados desde a infância em processos de socialização), objetivadas em suportes materiais como livros, pinturas entre outros e/ou institucionalizadas, como diplomas e títulos que são produzidos de acordo com uma decisão coletiva do que é ou do que não é qualificado. Sobre as aquisições incorporadas, Bourdieu define o capital cultural como um ter que se torno ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus (1998). Penso que a noção de redes vem acrescentar neste pensamento a compreensão de que os conhecimentos, as heranças culturais e toda sorte de elementos materiais e imateriais que podem ser reunidos por uma pessoa em seus processos de aprendizagemensino não são apropriações individualizadas pelas quais as pessoas adquirem um determinado conhecimento e o guardam consigo mantendo todas as suas características iniciais. Acreditando que não existe um conhecimento externo à pessoa que pode ou não ser adquirido, apropriado e assimilado por esta pessoa de forma isolada e singular, proponho pensarmos que estes elementos materiais e imateriais são tecidos permanentemente entre as memórias de experiências anteriores e as experimentações atuais. O próprio Kurosawa nos explica: Minhas próprias experiências e as diversas coisas que li permanecem em minha lembrança e tornam-se a base sobre a qual crio algo novo.Eu não poderia partir do nada ( Kurosawa, 1990. p. 277). Michel de Certeau, em Invenções do Cotidiano, também nos ajuda a compreender a memória como matéria-prima para as nossas práticas. Em uma determinada ocasião, a memória emerge, é criada a partir das circunstâncias. Dela, nascem as táticas e as transformações. O autor explicou que a memória mediatiza transformações espaciais. Segundo o modo do ‘momento oportuno’ (kairós), ela produz uma ruptura instauradora. Sua estranheza torna possível uma transgressão da lei do lugar. Saindo de seus insondáveis e móveis segredos, um ‘golpe’ modifica a ordem local. (CERTEAU, 1994, p. 161).

Dialogando com o pensamento de Michel de Certeau, a noção de conhecimentos em redes nos mostra que os processos de aprender e ensinar fazem parte de um mesmo movimento e só existem na relação entre as pessoas, sempre em mão dupla, sempre na relação entre os processos culturais. Os conhecimentos são, portanto, tecidos em várias mãos. Por isso, falamos que aprenderensinamos em diferentes espaçotempos, portanto, em redes com fluxos permanentes e sem lugares de origem e de destino de um conhecimento seja ele materializado em um livro, ou pintura, seja ele configurado como uma prática ou um modo de pensar. Para Nilda Alves, a noção de rede, substitui a ideia de que o conhecimento se ‘constrói’ daquela maneira ordenada, linear e hierarquizada, por um único e obrigatório caminho, pela ideia de que, ao contrário, não há ordem nessa criação – ou que ela só pode ser percebida e representada pelo pensamento a posteriori da própria criação.

Neste sentido, aceito a proposta de Nèstor Canclini, no livro Diferentes, Desiguais e Desconectados, para pensarmos nestes capitais culturais ou nestes conhecimentos em redes em relações às escolas brasileiras. Para este autor, é preciso educar para a interculturalidade, um processo pelo qual as culturas de docentes, discentes e diferentes grupos possam se entrelaçar. Neste sentido, acredito que não se trata de simplesmente acumular conhecimentos para compreendermos uma obra de arte como o quadro de Van Gogh no filme de Kurosawa, mas de ampliar as nossas possibilidades de estabelecer vínculos, relações, conhecimentos, conferir significados diversos para as manifestações culturais que vivenciamos. Neste sentido, é preciso compreender o que é ‘cultural’ como um processo permanente de produção de conhecimentos em redes. Importa também ressaltar que esta produção é sempre práticateóricaprática em um mesmo tempo, diria inclusive, em um mesmo espaçotempo. Ao contrário de uma cultura compreendida como um substantivo com limites previamente definidos, prefiro compreender como propõe Arjun Apadurrai, o cultural como processo permanente (1996).1 1

“Se cultura como substantivo parece suscitar a associação com uma qualquer substância de um modo que esconde mais do que revela, cultural, o adjetivo, transporta-nos para um reino de diferenças, contrastes e comparações bem mais útil. Este sentido adjetivo de cultura, que se forma no cerne de uma linguística saussuriana sensível ao contexto e focada nos contrastes, pareceme ser uma das virtudes do

Mas o que isso teria a ver com o título deste livro: Sonhos de Escolas? Por que escolho este episódio de Kurosawa para pensar alguns projetos de escola? Nos oito episódios que compõem o filme Sonhos, Kurosawa trata da temática da morte através de uma composição de luz e sombras que entrelaçam diversos elementos oníricos representativos de desejos, pulsões, medos, opressões entre outros. Todos perpassados pela relação entre o homem e a natureza. Se nos demais episódios (O casamento da Raposa, Jardim dos pessegueiros e outros) o cineasta expõe a temática da morte mais diretamente com variações que vão do medo de uma explosão nuclear à comemoração da morte por velhice, no episódio Corvos, Kurosawa toca na temática da morte através da personagem de Van Gogh que ao se lançar feito locomotiva em sua arte, chega ao ponto da automutilação, ao cortar a própria orelha e, posteriormente cometer suicídio nos campos de trigo de Auver-surOise, em 18902, mesmo ano da pintura do quadro Campo de trigos com corvos. No episódio de Sonhos, este desejo de se lançar para além dos limites da vida convive com a ideia de sonho como desejo e projeto de vida, já que Kurosawa era pintor e em sua juventude chegou inclusive a integrar o Centro de Pesquisa de Arte Proletária. O sonho de Corvos, portanto, pode ser compreendido como um projeto de vida do próprio cineasta que integrou o seu projeto pessoal como artista plástico ao ofício do cineasta. Fiz este movimento de buscar compreender alguns significados de sonhos para este episódio do filme de Kurosawa no intuito de chamar atenção para o fato de que os desejos, os medos, a morte e a vida, a luz e a sombra convivem em nossos sonhos e não se configuram como oposições. Então, vejamos nossos sonhos de escolas. Mas, não poderei apresentar os meus sonhos de escola sem narrar mais uma pequena história, pois, acredito com Certeau (1994), que as narrativas são as maneiras de pensarmos as práticas. Eu tinha 5 anos e estava animada com o meu primeiro dia de escola. Via sempre o ônibus buscando e levando a minha irmã mais velha. Estava ansiosa para fazer o mesmo. Para a surpresa e uma pontinha escondida de decepção de minha mãe, não estruturalismo que tendemos a esquecer na nossa pressa de o atacar pelas suas conotações a-históricas, formais, binárias, intelectualistas e textualistas. (...) Não vale a pena encarar a cultura como substância, é melhor encará-la como uma dimensão dos fenômentos, uma dimensão que revela da diferença sisuda e concretizada. Salientar este dimensionamento da cultura em vez da sua substancialidade permite-nos pensar a cultura não tanto como propriedade de indivíduos e grupos, mas como um instrumento heurístico ao nosso alcance que falamos de diferença (Appadurai, 1996. p.25/26).” 2

Van Gogh morreu nos braços do irmão Theo, dois dias após o ter atirado em seu próprio peito.

chorei para ficar em casa e até dei um tchau para a minha mãe que queria ficar comigo no primeiro dia de aula. Subi para o ônibus decidida a me aventurar por esta tal de escola. E o ônibus pôs-se a andar. Várias crianças fazendo muito barulho, comemorando quando o ônibus parava na casa de seus amigos. Passados uns 10 minutos, o ônibus começou a subir em uma pequena ladeira, e reduziu a velocidade até parar em frente ao grande muro que aos meus olhos, crescia no final da rua e terminava em um imponente portão de ferro. Lembro muito bem da decepção que se apoderou de mim ao saber que a tal escola que eu estava gostando tanto, já estava por acabar. Tive que sair do ônibus e no dia seguinte ninguém conseguia me convencer a voltar. Este era o meu sonho de escola: vagar, passear, viajar pela cidade ou pelas cidades, visitar lugares, museus, exposições, laboratórios. O meu sonho era uma escola/ônibus que passeasse pela cidade, uma escola flanêur, para usar o termo tão caro a Baudelaire. E no nosso bom português, uma escola caminhante, perambulante que tecesse redes. Uma escola caminhante, para que como nos propõe Larossa (1998), levemos o nosso olhar para passear. Nilda Alves (2008) iria além, dizendo que precisamos levar todos os sentidos para passear já que aprendemosensinamos com todos os sentidos. Uma escola perambulante não tem percursos pré-estabelecidos, pois, ela acompanha as demandas e curiosidades do viajante. Por outro lado, esta escola perambulante não se movimenta apenas pelas redes do viajante já que ela é permanentemente móvel e lhe apresenta novos caminhos a todo instante. Há sempre novas curvas e outras pinceladas que indicam outros percursos. Quando se encontra um caminho, esta escola perambulante busca evidenciar que há outros caminhos possíveis, que há sempre outros percursos, outros conhecimentos e sentidos possíveis. Algumas curvas nos trazem medo: medo da morte da autoridade do professor, medo de conhecimentos novos, medo de perder o controle do conhecimento entre outros. Aqui também o nosso sonho de escola é acompanhado dos seus temores e suas angústias, mas todas as curvas acompanham as suas escolhas que nos permitem voltar atrás, pois, se na escola perambulante tecemos conhecimentos em redes, não há um início ou um fim. Há apenas percursos. Uma escola perambulante tece conhecimentos e significações com os pés, produzindo narrativas entorno dos espaçostempos visitados. Esta escola visita diferentes lugares de memória, reconhecendo como nos alerta Pierre Nora que os lugares de memória são criados a partir do sentimento que não há memória espontânea. Por tal

motivo, compreendendo os processos políticos de produção deste lugares, nossa escola perambulante visitará, para além dos lugares de memória dedicados a uma elite econômica e política, os lugares de memória de diferentes grupos sociais de múltiplos espaçostempos. Uma escola que visitasse os terreiros de candomblé, que ouvisse as histórias dos moradores dos cortiços, que vagasse pelas ruas das cidades rompendo as dicotomias entre o que supostamente seria uma cultura erudita e outra popular. Com esta proposta, a escola perambulante também frequenta os museus, já que Lúcia Lippi (2008) nos lembra que as instituições mais antigas reconhecidas como patrimônio cultural são os museus. Frequentar, ocupar culturalmente, compreender os museus em suas trajetórias históricas e políticas são passos importantes para a escola perambulante. Diderot e D´Alembert, na Enciclopédia, contam que museu era um lugar na cidade de Alexandria onde se reunia homens sábios e onde eram reverenciadas as nove musas, filhas de Zeus e mnemosine (a memória). A origem dos museus como compreendemos hoje, possivelmente está atrelada aos gabinetes de curiosidade que faziam sucesso na Europa antes do Renascimento. Estes gabinetes que se transformaram, por volta do século XV, em coleções de curiosidades, reuniam objetos antigos ou considerados ‘bizarros’ pertencentes a povos diferentes do planeta. Com seu crescimento e complexificação, estas coleções de curiosidades passaram a conferir prestígio e poder aos seus colecionadores, fazendo surgir a profissão de especialista em antiguidades, o antiquário. No século XVIII, surgiram os primeiros museus como compreendemos hoje. Dentre eles, o museu britânico. O Museu do Louvre, na França, porém, tornou-se um modelo para os museus do século XIX e XX, na medida em que foi considerado o primeiro museu produzido com o objetivo de ensinar o “cidadão” a valorizar o patrimônio dos povos do planeta. A cidadania, compreendida dentro dos ideais iluministas da revolução francesa, passa a ser um dos propósitos dos museus ocidentais até a atualidade. Importa ressaltar, porém, as mudanças ocorridas no século XX e início do século XXI no que se refere aos desenvolvimentos das ciências sociais, gerando consequências para os projetos educativos dos museus e para toda a educação patrimonial. Com o fim da busca por uma análise social que se pretenda total e se reconheça como uma única verdade, os museus ocidentais, em sua maioria, acompanham as mudanças sociológicas, e passam a valorizar a arte, a história e a cultura das pessoas comuns. Surgem, no Brasil, o Museu da Pessoa, o Museu da Língua Portuguesa entre

outros. Ao invés de visitas que seguem uma linearidade cronológica, os museus passam a propor visitas tematizadas que buscam problematizar questões ao invés de projeto impossível de conhecimento total sobre as sociedades. Neste sentido, autores como Júnia Pereira e Lana Siman (2009) ressaltam a importância de pensar o museu como um lugar de trânsito, onde a visita pode ser feita aos espasmos e não mais como busca de uma historia/visita total, lugar de várias temporalidades e não mais a mera sequencia cronológica. A finalidade é o percurso. Neste ponto, os estudantes têm muito a nos ensinar. Observando crianças, jovens e adultos em visitas em museus e outros lugares de memória, poderemos perceber que, embora professores e guias muitas vezes apresentem, em suas falas, o desejo de oferecer o maior número possível de informações sobre objetos, edificações e outros tipos de patrimônios científicos e artísticos, materiais ou imateriais, os estudantes selecionam os elementos que lhe são importantes e desenvolvem suas táticas de aprendizado. Alguns anotam datas e legendas dos objetos, monumentos e edificações, outros preferem tirar fotos, outros tentam tocar os objetos, e há aqueles que exercitam a prática de desviar o olhar, procurando uma rachadura na parede do museu, um pombo que se aproxima de uma estátua ou a sua própria imagem refletida em um espelho. A escola perambulante é tecida por todos estes percursos de aprenderensinar, pois reconhece a sua incapacidade de controlar os processos de conhecimento de cada um. Sendo perambulante, esta escola permite aos estudantes se sentirem pertencentes a um lugar até então distante de suas redes. Ao caminharem pela cidade, conhecendo ruas, histórias e lugares, os estudantes tecem novos significações e conhecimentos com seus passos, se inscrevendo na permanente gestação do tecido urbano. Para Certeau: caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação de lugar uma experiência, é verdade, esfarelada em deportações inumeráveis e ínfimas (deslocamentos e caminhadas), compensada pelas relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido urbano, e posta sob o signo do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a Cidade. (CERTEAU, 2004, p. 183).

Fisicamente, caminhar é se desprender de um ponto em direção a outro. Caminhar é sempre a prática de procurar um lugar, se desprendendo de um ponto e buscando algo novo. Ao caminhar pela cidade da qual não se sente pertencente, o caminhante tece as suas próprias redes, na tentativa de se apropriar do lugar, criando novos conhecimentos e significações para si, sobre si, para outros, sobre os outros. Nas saídas pela cidade, nos corredores dos museus, os estudantes caminhantes, acompanhados por seus professores, tecem relações com o lugar, e estabelecem apropriações diferenciadas, mas sempre ampliando as suas redes de conhecimentos e significações. O que até então seria reconhecido lugar, por ser propriedade do outro, passa a ser tecido como um espaçotempo, por deixar de ser apenas um nome chamado cidade, para fazer parte das redes educativas onde se aprendeensina.

Referências

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Apadurai, Arjun. Dimensões cultrais da globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Editorial Teorema, 1996.

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CANCLINI, Nestor. Diferentes, Desiguais e Desconectados. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 12. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1994.

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LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Contrabando, 1998.

Lippi, Lúcia. Cultura é patrimônio. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. Nora, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto HistóriaRevista do Programa de Estudos pós-graduados em história e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 1981.

PEREIRA, Junia ; SIMAN, Lana . Andarilhagens em chão de ladrilhos. In: FONSECA, Selva Guimarães (Org.). Ensinar e Aprender História: formação, saberes e praticas educativas. Campinas: Atomo & Alínea, 2009, v. 1, p. 277-296

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