Por uma interpretação democrática do novo CPC

August 12, 2017 | Autor: Alexandre Camara | Categoria: Civil Procedure, Direito Processual Civil, Processo Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro
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Por uma interpretação democrática do novo CPC POR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA E MARCELO RIBEIRO

Por Alexandre Freitas Câmara e Marcelo Ribeiro Na inauguração da coluna Novo CPC

Nas clássicas palavras de Carlos Maximiliano,[1] a interpretação é definida como o exercício de busca pelo esclarecimento do verdadeiro significado de uma expressão. Para essa vertente ideológica, interpretar é buscar a verdadeira essência da lei, a fim de lhe identificar valores previamente consagrados no texto. Sobre o tema, Jose Eduardo Soares de Melo vai dizer que: “todo e qualquer aplicador do Direito (magistrado, autoridade pública, particular, etc.) deve, sempre, descobrir o real sentido da regra jurídica, apreender o seu significado e extensão[2]”. A insuficiência dessa postura hermenêutica, que trabalha com referenciais essencialistas, de há muito se revela insuficiente para a compreensão do Direito e seguramente não se coaduna com a proposta do Novo Direito Processual. O desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado da exegese, “é algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como método interpretativo do Direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia, estariam credenciados a descobrir as substancias das ordens legislativas, explicitando as proporções do significado da lei. O reconhecimento de tal possibilidade roubaria à Ciência do Direito todo o teor de suas conquistas, relegando o ensino universitário, ministrados nas faculdades, a um esforço inútil, sem expressão e sentido prático de existência.”.[3] A superada busca pela essência do texto forjou expressões como “real sentido da lei”, “verdadeiro espírito do legislador”, “interpretação autêntica” e outros tantos jargões, hoje frontalmente incompatíveis com o projeto constitucional. É dizer: o Novo Código de Processo Civil, em consequência da retomada da facticidade e da preocupação para com a peculiaridade do caso concreto, não se coaduna com tetos hermenêuticos. Do contrário, o texto, e sua invariável aplicação, apresentariam respostas prévias, sem que antes a especificidade do caso deduzisse as perguntas da causa. Ora, evidentemente não pode haver respostas sem que tenham sido feitas as perguntas. A evolução do pensamento científico na modernidade, entretanto, altera a relação entre homem e coisa, suplantando a referência cognitiva da metafísica clássica (objeto – sujeito), para apresentá-la de modo contrário, onde sentidos passam a ser atribuídos às coisas pelo sujeito assujeitador. Dito de maneira mais simples: o indivíduo, nessa quadra

da história, por meio da racionalidade, passa a atribuir sentidos aos textos por sua percepção individual de mundo, em um movimento conhecido como filosofia da consciência. Em outras palavras, o intérprete atribui sentido. E uma vez aceita a ideia segundo a qual a norma jurídica é o resultado da interpretação do texto, então norma é o sentido que o intérprete atribui ao texto. Sobre as consequências práticas dessa vertente teórica na aplicação do Direito, produzimos discursos pautados no livre convencimento motivado, decisões motivadas pela consciência do julgador e conflituosas decisões judicias. Essa aparente liberdade do intérprete para atribuir sentidos aos textos jurídicos supostamente (mas só supostamente) fortalece uma espécie de discricionariedade judicial, permitindo que juízes e promotores, diante dos princípios e garantias processuais previstos no Novo CPC, delimitem seus contornos semânticos em total desacordo com a tradição jurídica de nosso ordenamento. Como a ordem jurídica assim produzida, “não oferece aos operadores do direito as condições para que se possam extrair de suas normas critérios constantes e precisos de interpretação, ela exige um trabalho interpretativo contínuo. E como seu sentido definitivo só pode ser estabelecido quando de sua aplicação num caso concreto, na pratica os juízes são obrigados a assumir um poder legislativo. Ou seja, ao aplicar as leis a casos concretos, eles terminam sendo seus coautores. Por isso, a tradicional divisão do trabalho jurídico no Estado de Direito é rompida pela incapacidade do Executivo e do Legislativo de formular leis claras e sem lacunas, de respeitar os princípios gerais do direito e de incorporar as inovações legais exigidas pela crescente transformação dos mercados. Isso propicia o aumento das possibilidades de escolha, decisão e controle oferecidas à promotoria e à magistratura, levando assim ao protagonismo judicial na política e na economia[4]”. O Novo CPC enfrentará, portanto, dificuldades de ordem prática para sua aplicação, pois é entrecortado por princípios, conceitos indeterminados e cláusulas gerais; o que, supostamente permite uma infinidade de possibilidades hermenêuticas, em possível prejuízo da segurança jurídica[5]. É preciso, então, em defesa do Estado Democrático, combater as discricionariedades judiciais Na ponta deste sistema, juízes e promotores são constantemente acusados de exorbitar o exercício de suas funções, ao argumento de que a interpretação e aplicação do texto não lhes confere legitimidade para o exercício legislativo, e essa tem sido uma crítica constante ao novo diploma dos ritos. A necessária atualização das correntes hermenêuticas, em nosso entendimento, é fundamental para o exercício da democracia e para a concretização das garantias processuais. Com efeito, a reintrodução dos princípios no texto constitucional e a refundação de um regime democrático se fizeram pela comunidade política, e é necessário a todos nós assumir o compromisso da atualização, para que o Novo CPC, produzido após amplos debates e audiências publicas, alcance suas finalidades. Para isso, devemos compreender, dentro do novo regime processual, que percepção da norma, aqui entendida como o resultado da interpretação, não decorre de escolhas, albergando com isso múltiplos resultados para o caso concreto. Ao contrário, é

consequência de uma pré-compreensão antecipada pela comunidade jurídica, que ao longo do tempo, vai sendo construída como Direito[6]. Não por outra razão, o novo Código nos apresenta o incidente de resolução de demandas repetidas; um sistema de precedentes; novas compreensões sobre o objeto da prova; a exigência de respeito ao contraditório efetivo, entendido como garantia de participação com influência e não surpresa; além da necessidade de fundamentação substancial das decisões judiciais, dentre outros tantos aperfeiçoamentos dispostos para um exercício efetivo, adequado célere e democrático da jurisdição, todos devidamente comentados nos próximos artigos dessa coluna. Esperamos, com os textos que aqui serão apresentados, contribuir para a construção de um processo civil democrático para o Brasil. Alexandre Freitas Câmara é Desembargador (TJRJ). Professor emérito de Direito Processual Civil na EMERJ. Doutorando em Direito Processual (PUCMINAS). Marcelo Ribeiro é Advogado. Mestre e Doutorando pela UNESA – RJ. Professor de Processo Civil da EMAB, EMERJ e FAT. Pesquisador acadêmico: grupo de pesquisa Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos (UNISINOS/RS). Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Autor de obras jurídicas. Foto: Arte de Marco Battaglini de mistura entre street art com pintura clássica. [1] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e interpretação do Direito. 8 ed. Rio de Janeiro, Freitas bastos, 1965, p 13, 315 e segs. [2] Melo, Jose Eduardo Soares de. Interpretação e integração da legislação tributária. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 384 e segs. [3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1985, p. 56. [4] FARIA,

José

Eduardo.

O

sistema

brasileiro

de

justiça:

experiência

recente

e

futuros

desafios.

av. vol.18 no.51 SãoPaulo May/Aug. 2004.Disponívelnainternet:http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en. Acesso em 12/07/2011 [5] STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – as garantias processuais penais,2. Ed, Livraria do advogado. Porto Alegre, 2014. P. 10. [6] Idem. P. 16,

Estud.

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