\'Porto Alegre é vermelha!\' - a relação entre o executivo e o legislativo durante o governo Olívio Dutra em Porto Alegre

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‘PORTO ALEGRE É VERMELHA!’ A RELAÇÃO ENTRE O EXECUTIVO E O LEGISLATIVO DURANTE O GOVERNO OLÍVIO DUTRA EM PORTO ALEGRE ‘PORTO ALEGRE ES ROJO’ LA RELACIÓN ENTRE EL EJECUTIVO Y EL LEGISLATIVO DURANTE EL GOBIERNO DE DUTRA EN PORTO ALEGRE Rafael Saraiva Lapuente Doutorando em História/PUCRS [email protected]

RESUMO Objetivamente, pretendo neste trabalho apresentar alguns apontamentos de minha pesquisa de doutorado, ainda em processo inicial. Isto é, não apontar resultados conclusivos, mas, sim, procurar refletir acerca do andamento do trabalho e de seus desdobramentos iniciais e possíveis. Nele, procurarei analisar a relação do governo Olívio Dutra em Porto Alegre (1989-1992) sob a ótica parlamentar, buscando compreender como foi a relação do poder executivo com o legislativo. Levo em consideração o fato de a oposição ser maioria no parlamento, possuindo 22 vereadores em um total de 33 e, apesar deste número bastante superior à bancada governista, pode-se afirmar que o governo municipal não ficou ingovernável em Porto Alegre. Ou seja, de que a prefeitura petista conseguiu ter margens de negociação com o bloco de oposição. Este fato, por sinal, é contrastante com as realidades encaradas pelo PT nas demais capitais em que foi governo neste período, onde a conjuntura adversa com o legislativo levou o partido, via de regra, ao isolamento político. Leva-se em conta, portanto, como um partido próximo daquilo que Pierre Bourdieu chama de ‘puritano’ conseguiu governar, saindo da oposição sistemática para galgar posições dentro da política institucional. Palavras-chave: História política. História do Rio Grande do Sul. Partido dos Trabalhadores. Governo Olívio Dutra.

RESUMEN Objetivamente, tengo la intención de presentar en este documento algunas notas de mi investigación doctoral, todavía en el proceso inicial. Este no es el punto resultados concluyentes, sino más bien tratar de reflexionar sobre el progreso de la obra y sus desarrollos iniciales y posibles. Ahora, analizo la relación del gobierno Olivio Dutra, en Porto Alegre (1989-1992) en la perspectiva parlamentaria, buscando entender cómo era la relación del ejecutivo al legislativo. Tener en cuenta el hecho de que la oposición es mayoría en el Parlamento, que tiene 22 concejales en un total de 33 y, a pesar de esta muy por encima del número de banco de gobierno, se puede decir que el gobierno municipal no era ingobernable en Porto Alegre. Es decir, que la ciudad PT podría haber negociado con los márgenes del bloque de oposición. Esto, por cierto, se contrasta con las realidades que enfrenta el PT en otras capitales donde el gobierno fue en este periodo cuando la situación adversa con el legislador llevó el partido, por regla general, el aislamiento político. Se tiene en cuenta, de manera que un partido cercano a lo que Pierre Bourdieu llama 'puritana' podrían gobernar, dejando a la oposición sistemática a escalar posiciones dentro de la política institucional. Palabras clave: Historia política. Historia de Rio Grande do Sul. Partido de los Trabajadores. Gobierno Olivio Dutra.

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873 1.

INTRODUÇÃO E PROBLEMÁTICA

Proponho-me neste texto a apresentar uma síntese de meu projeto de tese de doutoramento. Nele, busco analisar a relação entre o parlamento municipal e o executivo durante o governo Olívio Dutra em Porto Alegre (1989-1992), procurando conhecer a dinâmica entre os dois poderes durante a primeira gestão do Partido dos Trabalhadores na referida cidade. Parto do pressuposto de que a Câmara Municipal era majoritariamente oposicionista, onde teve, na maior parte do tempo, 24 vereadores contra o governo petista, em um universo de 33. Ou seja, o governo municipal não teve sequer 1/3 da Câmara. Contudo, a Prefeitura Municipal administrada pelo PT não ficou “ingovernável”, apesar deste déficit no legislativo. Isto contrasta com as experiências do PT nas prefeituras de Diadema, Fortaleza, Santa Quitéria, Santos e São Paulo, que foram contemporâneas ou anteriores ao momento em que o partido administrou Porto Alegre. Nas prefeituras citadas, o Partido dos Trabalhadores também não teve maioria no legislativo. No entanto, o PT não conseguira governar, nem manter uma margem de negociação com o parlamento local, diferentemente do que ocorrera na gestão Olívio Dutra. Além disso, Porto Alegre foi a única cidade em que o PT conseguiu fazer um prefeito sucessor. A Prefeitura Municipal, por sinal, se manteve por 16 anos comandada pelo PT, algo ainda mais atípico por ser uma cidade que, até então, jamais havia reeleito um partido desde a Primeira República. Porto Alegre, grosso modo, tornou-se a “cidade-cartaz” do PT nos anos 1990. Para explicar este fato, levanto a hipótese de que a oposição parlamentar, embora numericamente superior, não era coesa, sendo este o fator que possibilitou ao governo municipal tirar “proveito” e “adentrar” no bloco antagonista à “Administração Popular”. Leva-se em conta também que o PT, por sua vez, se negava a fazer alianças formais com partidos que não tivessem proximidade com o espectro da esquerda, o que deixava o partido, por vezes, isolado politicamente. Busco, portanto, tentar compreender como ocorreu o processo de negociação entre executivo e legislativo, visando esclarecer de que forma a gestão Olívio Dutra se relacionou com o parlamento e em que medida o bloco de oposição obstruiu/apoiou os projetos governamentais. Essa questão também leva em consideração o fato de que o PT, que naquela conjuntura era marcado como um “partido radical”, passou por um processo de “moderação”, justamente devido à institucionalização que passou a partir do momento em que adveio a

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874 conquista de cargos nos executivos e viu-se obrigado a negociar com os parlamentos. Inicialmente, nestas esferas municipais (HUNTER, 2010; AMARAL, 2013). Para procurar entender essa relação entre executivo e legislativo, vou utilizar três jornais (Correio do Povo, Zero Hora e Folha de São Paulo), entrevistas de História Oral com alguns membros do legislativo e executivo e o os anais da Câmara Municipal de Porto Alegre. Vale destacar que eu já possuo, em PDF, os anais da Câmara de Vereadores, conseguida por meio de contatos com uma parlamentar da casa, forma pela qual se torna muito viável e fácil analisar este extenso material. Nele consta a transcrição dos pronunciamentos de todos os parlamentares no Plenário Otávio Rocha, local onde ocorrem os discursos dos vereadores. Além disso, eu já verifiquei a existência dos jornais Zero Hora e Correio do Povo no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa para consulta gratuita e sem agendamento, onde há a coleção completa de 1989 a 1992. E, também, nos arquivos privados, tendo em vista que o acesso por meio público está temporariamente indisponível. A Folha de São Paulo possui sistema online, gratuito e completo de consulta por meio de um buscador virtual. Naquilo que concerne à metodologia de pesquisa, usarei a Análise de Conteúdo, de Bardin (2011), como método de estudo do material coletado. Do ponto de vista teórico, me embaso por meio dos conceitos de campo político, de Bourdieu (2001; 2011), e de discurso político, de Céli Pinto (2006; 1989) e Charaudeau (1989). Como discussão teórica sobre a relação do parlamento com o executivo, uso os textos de Lijphart (1984), Pasquino (1997) e Badillo e Ramírez (2011). Devo destacar aqui que esta pesquisa é inédita: nenhum historiador ou cientista político se ateve a analisar a relação do governo Olívio Dutra com o legislativo municipal.1 E esta gestão contou com duas singularidades perante as demais: 1. nas prefeituras que o PT administrou em outras localidades até então, se defrontou com fortes obstruções por parte do parlamento; 2. só em Porto Alegre, o PT conseguira fazer seu sucessor entre as capitais, e teve a excepcionalidade de ser controlada por quatro mandatos consecutivos pelo partido. Este processo fora iniciado pela eleição e governo de Olívio. Como forma de delimitar a pesquisa, pensando em sua exequibilidade, escolhi cinco temas que estiveram em evidência durante o governo: Transporte Coletivo, Orçamento Participativo, reformas tributárias, as relações com os movimentos sociais e os debates em 1

Exceção ao trabalho do Márcia Dias (2004). Mas este livro focou em um recorte muito particular (o Orçamento Participativo) e aborda dez anos de gestão petista em Porto Alegre, e não somente o período em que Olívio se manteve no comando do Paço Municipal.

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875 torno das eleições de 1989, 1990 e 1992. Essa escolha considerou a importância destes temas para o governo e sua repercussão. Cada um deles, em princípio, será um capítulo da tese.

2.

A PESQUISA, O PROJETO

Entre o final da década de 1970 e o início dos anos 1980, movimentos grevistas em São Paulo, Porto Alegre e Minas Gerais formaram novos líderes políticos e sindicais no país, naquilo que seria conhecido como novo sindicalismo (COSTA, 2007; KECK, 1991; OLIVEIRA, 1987). Este movimento, “embrião” do bloco dirigente do PT, fundou o partido juntamente com núcleos trotskistas, egressos das alas socialistas do MDB, e grupos originários da esquerda católica que confrontava o regime militar (REIS FILHO, 2007). Ou seja, formando um partido de origem externa ao parlamento, vinculado a bases sociais organizadas, e a um modelo de funcionamento interno centralizado, que enquadram o PT como um partido de massas (DUVERGER, 1975). Isso somado a um forte incentivo à participação ativa de seus filiados, um diferencial frente às demais organizações brasileiras (KECK, 1991; MENEGUELLO, 1989), o que endossa o PT como um partido inclusivocompetitivo, conforme definiu Alan Lacerda (2002). O PT era visto como uma “anomalia” naquela conjuntura (KECK, 1991), marcada por agremiações fracas, pouco institucionalizadas e de tipo catch all (AMARAL, 2013), mas sendo ele não-alinhando a qualquer matriz ideológica específica, postando-se como “democrático”, “socialista”, isto é, com um discurso generalizante para abarcar a heterogeneidade dos grupos de esquerda do PT, mas “monoclassista” (VOIGT, 1990). O PT polarizaria o campo da esquerda ao lado do PDT, portador do brizolismo naquela conjuntura de abertura política simbolizada pela reforma partidária de 1979, que deu luz também ao PMDB e ao governista PDS. Tudo em um cenário nacional marcado por um aprofundamento da crise econômica, com PIB negativo, alta dívida externa e inflação de 230% a.a. em 1983, dez anos depois do “milagre econômico” (SKIDMORE, 1988). No Brasil e, em particular, no Rio Grande do Sul, a mobilização política nos anos 1980 seria marcada pelas Diretas Já, com o ápice de 200 mil pessoas participando com a presença de algumas das principais lideranças políticas regionais e nacionais da oposição ao regime. (SILVA, 2013). No Rio Grande do Sul, o partido foi fundado por figuras como Olívio Dutra, Miguel Rosseto, Antônio Hohfeldt e Raul Pont. Neste estado, como em outros, o partido passou de uma agremiação minoritária para ter maior representação política gradualmente. Isso fica Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

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876 claro, por exemplo, se analisarmos a votação petista em Porto Alegre.2 De 1982, quando elegeu seu único vereador e era uma força política secundária, passou, seis anos depois, a governar a cidade. Neste mesmo ano, além de vencer em 33 prefeituras “periféricas”, o PT controlaria outras duas capitais, Vitória-ES e São Paulo. Foram as três capitais brasileiras administradas pelo PT naquele ano, que teria a oportunidade de sair da oposição para ser situacionista. Isto evidencia que o partido não cresceu em Porto Alegre isoladamente, o que viabilizou “a atuação mais orgânica do PT na institucionalidade” (SILVEIRA, 1996, p. 157). Isto é, alinhando esta abordagem com o contexto, assim como nestas cidades, o PT passou a, gradativamente, demonstrar melhora nos resultados eleitorais de modo macro, tanto que “lhe permitia afirmar triunfante numa publicação própria que governava 10% dos brasileiros” (COUTO, 1995, p. 16), aproveitando o vácuo deixado pela deterioração do governo Sarney, alta inflação, desgaste do PMDB e a atos de violência promovidos por alguns governos estaduais contra manifestantes petistas, o que gerou alguma solidariedade com os candidatos do partido.3 Ou seja, era a primeira vez em que o PT assumia a responsabilidade de governar municípios politicamente importantes e em cidades com estruturas sociais diversificadas e complexas, ainda com a visão de que deveria governar “exclusivamente para os trabalhadores” (URZIG, 1996, p. 211). Focando no caso porto-alegrense, concordo quando Dias (2004, p. 238; 2002) ressalta que a novidade é menos a vitória petista em si em Porto Alegre, algo que ocorreu em outras capitais também. Mas, especificamente, o fato de ter se conseguido a continuidade do partido por 16 anos, consagrando Porto Alegre por muitos anos 2

Em 1982, o PT não elegeu nenhum deputado federal e estadual. Além disso, teve a mais baixa votação para governador, com a candidatura de Olívio Dutra, e para o senado, com Raul Pont. No mesmo ano, as eleições municipais tenderam a seguir a mesma lógica em Porto Alegre. Em um pleito em que foram eleitos apenas os vereadores, o partido fez uma votação menor, até, do que os votos em branco e nulo, elegendo um parlamentar. Já nas eleições de 1985, a primeira direta para prefeito, o PT demonstrou algum crescimento. Em um universo mais pluripartidário, superou o PDS e o PTB, mas ficando mais de 100 mil votos atrás da Aliança Democrática, segunda colocada. Em termos comparativos, o PT fizera na eleição majoritária de 1985, 12% dos votos, enquanto que, na eleição para a Câmara Municipal de 1982, fizera 3,30%, indicando crescimento no cenário político municipal. Nas eleições estaduais de 1986, o PT conseguira eleger seus dois primeiros deputados federais (Olívio Dutra e Paulo Paim) e os quatro primeiros estaduais. Já em 1988, nas eleições municipais, Olívio Dutra sairia vencedor do pleito, sucedendo Alceu Collares (PDT), em aliança com o PCB, PSB e o recémfundado PSDB, vencendo o partido mais forte da capital. Cf. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. Resultados Gerais das Eleições: 1986; TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. Resultados Gerais das Eleições: 1982. Disponível em: , acesso em 01.03.2016; TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. Resultados Gerais das Eleições: 1986. Disponível em: e , acesso em: 02.03.2016. 3 Para Silveira (1996), o caso do Massacre de Volta Redonda, envolvendo a morte de três sindicalistas da CNS em 1988 provocados pelo Exército e pela PMRJ também foi um fator que contribuiu para a captação de votos ao PT. Também deve ser destacado que o PT cresceu eleitoralmente, mas também em filiados. Ribeiro (2008) afirma que, em 1984, o PT tinha 260 mil filiados, saltando para 455 mil em 1988, quase dobrando seus quadros.

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877 “como sendo a capital do PT”, tendo, até 2000, uma votação ascendente nos pleitos, rompendo com a tradição “oposicionista” da cidade, e sendo o caso singular entre as gestões eleitas em 1988. O PT elegeu, no mesmo ano, Luiza Erundina como prefeita de São Paulo. Isso redundou inicialmente em uma maior atenção para esta gestão, pela importância da capital paulista para a política e a economia brasileiras. Além disso, para a própria projeção do partido no país, que buscava se consolidar como uma alternativa política no Brasil do pósditadura e firmar Lula como candidato para a eleição de 1989. Mas as dificuldades encaradas por sua gestão, tanto por meio dos conflitos entre as tendências internas do PT, como por não conseguir “furar” o bloqueio da Câmara Municipal, majoritariamente oposicionista e com pouco espaço de negociação com o executivo, fizeram com que esta administração terminasse de forma menos eufórica do que começou. Além disso, os projetos de formação de Conselhos Populares, de Núcleos Regionais e da tentativa de descentralizar a organização orçamentária em São Paulo acabaram não sendo bem sucedidas (SINGER, 1996; COUTO, 1995). As principais semelhanças entre as duas gestões foram o fato de ambos os prefeitos terem vencido disputas internas muito acirradas – Olívio disputou contra Flávio Koutzii e Luiza Erundina travou uma queda de braço com Plínio de Arruda Sampaio, candidato de Lula (COUTO, 1996; FILOMENA, 2015) -, e por governarem com minoria no parlamento. Além disso, possuíam um discurso marcado pela radicalidade, “classista”, voltado à classe trabalhadora e elegendo como adversário principal o alto empresariado, perfil este que era dominante no PT, antes de passar por um processo de moderação, como ocorre com a maioria dos partidos de esquerda em escala internacional (HUNTER, 2010; SAMUELS, 2008). Vale destacar que a maioria dos membros do PT era inexperiente na administração de um poder executivo em qualquer esfera, algo que redundou em muitas dificuldades para ambas as gestões. Como afirmou o próprio Olívio Dutra, aquela era uma prova de que o PT, em sua visão, “precisava, quis e trabalhou para passar por essa experiência de ser governo”. O sucesso petista faria com que a capital do Rio Grande do Sul se tornasse referência eleitoral para o PT em nível nacional, um pilar daquilo que ficou conhecido como o modo petista de governar (BITTAR, 1992). Isso corrobora aquilo que Faria (2002, p. 60) afirmou, quando defendeu que o governo Olívio Dutra se mostrou “com capacidade de ter iniciativa para propor mudanças políticas e condições de viabilizá-las em função da aptidão para estabelecer relações com os setores sociais interessados através de um regime democrático de participação popular”, seguindo o Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

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878 caminho inverso de reforma do estado naquele contexto. Isto é, a Prefeitura não demitiu servidores e aumentou o seu tamanho, diferentemente do que se pregava por muitos setores como “ideal” naquele contexto neoliberal, acompanhado por um aumento da arrecadação e do funcionalismo nos serviços existentes e novos criados, estes, vinculados a novas delegações que antes cabiam aos governos estadual (Trânsito) e federal (Saúde), citando dois exemplos. No entanto, se deixa aqui em aberto a possibilidade de que o sucesso petista em Porto Alegre se deu justamente por ser um governo “anômalo” dentro daquela conjuntura, marcada por descalabro financeiro, administrativo e pautado pelo enxugamento da máquina pública como alternativa, questões que não se aplicaram ao governo do PT na capital gaúcha. Dias (2002), por exemplo, destaca uma pesquisa que vale a reflexão sobre a força do PT em Porto Alegre. A pesquisa de opinião identificou que mais da metade da população do Rio de Janeiro e São Paulo não tinham preferência partidária em 1996. Entre os que possuíam, pouco mais de 10% se identificavam com o PT, partido com mais adeptos entre os citados. Já em Porto Alegre, 46% disseram identificar-se com o PT, e 34% não tinham preferência, invertendo a lógica das grandes capitais e simbolizando a força política do Partido dos Trabalhadores na cidade. Os números de Porto Alegre são, também, antagônicos dentro do espectro nacional. Isso porque, segundo dados do IBGE, 17% da população brasileira era identificada com o PMDB no ano da pesquisa, partido com mais simpatizantes no Brasil desde 1989. O PT, sempre segunda força na preferência nacional, tomaria a liderança somente em 1999, com 19% dos simpatizantes (SAMUELS, 2008).

Tabela 1 - Identificação partidária – 1996. Negrito: partidos que governavam as cidades da pesquisa.

Rio de Janeiro

São Paulo

PT PDT PMDB PFL PSDB Outros Sem preferência

13% 9% 6% 5% 4% 4% 56%

PT PPB PSDB PMDB Outros

Não sabem/não responderam

3%

Não sabem/não responderam

Sem preferência

Porto Alegre 14% 8% 5% 5% 3%

PT PDT PMDB PSDB PFL Outros 58% Sem preferência 7%

Não sabem/não responderam

46% 6% 4% 2% 2% 2% 34% 4%

Fonte: tabela elaborada a partir dos dados de Vox Populi. Apud Dias (2002, p. 161).

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879 Outra pesquisa do mesmo ano mostrava que 72,7% da população da cidade consideravam as duas gestões petistas “boa” ou “ótima”, em contraponto a 5% dos que a descreviam como péssima. Isto levou a autora afirmar que esse “prestígio” se dava pela identificação de um governo satisfatório para boa parte da população porto-alegrense com o projeto político-partidário do PT. Comparando estes dois dados com a pesquisa interna ocorrida em abril de 1990, percebemos que essa aceitação foi construída a partir da segunda metade do governo Olívio Dutra: 12,5% classificavam o governo Olívio como bom/ótimo, 41,1% como regular e 40,9% como péssimo, segundo pesquisa interna da Prefeitura (FEDOZZI, 2002), mostrando que as dificuldades dos dois primeiros anos, com a forte crise de governabilidade, especialmente pela conjuntura financeira da PMPA e por descrédito junto às organizações populares, por planejamentos não cumpridos, influenciaram na antipatia em relação ao PT. Essa conjuntura foi revertida para uma ampla adesão ainda no governo Olívio, conforme tabela 2 demonstra:

Tabela 2 – pesquisa de avaliação do governo. Em negrito, os maiores índices de rejeição e aprovação.

Pesquisa Maio/1989 Abril/1990 Dezembro/1990 Maio/1991 Outubro/1991 Março/1992 Dezembro/1992

Favorável (ótimo/bom) 28,7% 12,5% 23,6% 35,1% 43,9% 50,2% 61,6%

Desfavorável (ruim/péssimo) 25,1% 40,9% 43,7% 19,3% 12,6% 7,4% 5,5%

Intermédiário (regular) 32,1% 41,1% 29,6% 42,4% 40,3% 40,5% 31,4%

Fonte: Elaborada a partir dos dados da Coordenação de Comunicação Social-PMPA. Apud Fedozzi (2002)

Nas eleições de 1988, mais de 60% das cadeiras do legislativo foram renovadas, e 20 vereadores ocuparam o cargo pela primeira vez (SILVEIRA, 1996). A legislatura recém-eleita tinha 11 vereadores da Frente Popular, e 22 da oposição. Ou seja, de 33 vereadores, o PT possuía 1/3 dos votos. Este foi o número máximo que o partido possuiu durante toda a legislatura. Os blocos de oposição, somados, deixavam o governo municipal em uma relação de disputa com o legislativo porto-alegrense. A Frente Popular fizera 80.210 votos. Por parte do bloco oposicionista, o PDT tivera onze vereadores (90.211 votos), e foi o partido mais votado. Sendo, portanto, o mais importante grupo político que contrapunha a gestão Olívio Dutra, tanto para a oposição como Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

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880 para o situacionismo. Em seguida, o PMDB (40.405 votos) e Aliança Democrática Popular (PDS, PTB e PFL), cinco vereadores cada (40.105 votos), e o PL com um (10.001 votos). Na eleição anterior (1982) o PT tivera uma cadeira (18.864 votos), o PDT e PMDB, 11 cada (156.623 e 158.546 votos, respectivamente) e o PDS, 10 (141.939 votos). Esses dados indicam o crescimento do PT de forma bastante significativa, apesar de não ser maioria. Além disso, sinalizam que o PMDB e PDS, “herdeiros” da estrutura do regime militar, perderam espaço entre uma eleição e outra na Câmara. O PDT, se por um lado pode se dizer que estagnou, por outro, se consolidou como um partido forte no parlamento, elegendo pela segunda vez a bancada mais numerosa. O convívio da Câmara com o executivo municipal também teve momentos de tensão, conflito e diálogo, evidenciando que nem sempre houve margens de negociação com o legislativo. Como admitiu Olívio Dutra, em entrevista no final do mandato,

a relação tem sido de disputa constante. A Câmara de Vereadores tem 33 cadeiras. Nós tivemos até pouco tempo onze representantes do governo lá: PT, PCB e PSB. Agora temos nove. O certo é que tivemos, no máximo, 1/3 da Câmara. Independentemente disso nós sempre procuramos estabelecer canais com diferentes bancadas para negociar pontualmente as questões que o governo queria aprovar. É bem verdade que no primeiro ano nós achamos que a Câmara tinha que ser patrulhada. Só aprofundamos a nossa relação com o Poder Legislativo municipal em 90. E nós temos uma relação qualificada com o Legislativo, tanto que nós podemos dizer que o orçamento para 92 foi aprovado com algumas modificações mas, sem dúvida nenhuma, na direção que o Executivo propôs. 4

Segundo Alair Silveira (1996, p. 191), o PT estabelecera frentes populares e movimentos organizados para pressionar a aprovação de seus projetos na Câmara, o que trouxe a animosidade de alguns vereadores da oposição, como João Dib, que afirmou estarem os movimentos populares “infestando” a cidade. Raul Pont, que seria vice-prefeito entre 1993-1996 e prefeito entre 1997-2000, também mencionou que o PT nunca tivera maioria nas quatro gestões, “e nunca tivemos conciliação entre a Câmara e o governo, ou o espaço para eleger um presidente neutro. Sempre foi linha dura” (FORTES; FERREIRA, 2008, p. 228). Além destes, que eram figuras centrais dentro da administração em Porto Alegre, vale ressaltar que, para Márcia Dias (2002), a bancada oposicionista desde o primeiro ano do governo Olívio Dutra passou a criar obstáculos aos projetos da Prefeitura Municipal, sobretudo aos que tinham aquilo que ela denominou de “cunho socialista”. DUTRA, Olívio. A arte de ser governo (Entrevista). Revista Teoria e Debate (jan/mar – 1992). nº 17. Disponível em http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/entrevistaolivio-dutra-arte-de-ser-governo, acesso em: 02.03.2016. 4

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881 Para Dias (2002c) e Celina Souza (2004), por exemplo, a criação do Orçamento Participativo foi uma “válvula de escape” para a redistribuição orçamentária sem ter a necessidade de passar por negociações com a Câmara Municipal de Porto Alegre, o que levou esta a protestar sob a alegação de haver um desequilíbrio entre os poderes, com o predomínio do executivo. Isto seria somado com um “constrangimento”, dos vereadores, perante a participação de parte da população neste processo, que pressionava os parlamentares para a aprovação dos projetos que beneficiassem o OP. Junto a isso, houve uma auto renúncia do poder decisório do legislativo e a uma confrontação em aberto com o executivo a partir da segunda gestão. Neste tema, para Dias (2002c) e Fedozzi (2002), houve ações diretas do legislativo na busca de tentar neutralizar o executivo local, indo até mesmo a ações judiciais. O OP, por sua vez, aliava-se ao executivo e pautava o legislativo como inimigo, toda a vez em que o tema da institucionalização do programa voltava à pauta. Ou seja, o OP era um importante aliado do executivo para que o legislativo cedesse e negociasse com a Prefeitura de Porto Alegre. Já o legislativo, em contraponto, devolvia a ameaça com o projeto de institucionalizar o Orçamento Participativo. Minha pesquisa, portanto, procura compreender como a Câmara Municipal de Porto Alegre e o executivo se relacionaram, tentando entender quais foram às críticas, contrapontos, sugestões, articulações e apoios feitos no parlamento à gestão da Administração Popular (1989-1992) e aos projetos elencados como prioritários e defendidos pelo governo municipal. Deve-se levar em conta que muitos deles necessitavam da aprovação da Câmara, que atuava ou endossando os projetos elaborados pela gestão petista ou procurando inviabiliza-los. Outrossim, era comum que determinada ação da Prefeitura, mesmo que não tivesse que passar pelo legislativo, fosse retratada tanto por pronunciamentos de vereadores na imprensa como na tribuna da Câmara. Isso fica claro pelos volumosos discursos sobre as eleições de 1989, 1990 e 1992, ou quando algum movimento grevista irrompia na cidade, onde as negociações se davam com o executivo, mas não significava omissão de declarações dos vereadores, seja em apoio ou crítica aos paredistas ou ao governo. Além disso, quero tentar entender como ocorreu o contraponto e o consenso entre governo e oposição, buscando esclarecer quais argumentos foram utilizados para a defesa dos projetos da Administração Popular por parte dos vereadores ligados ao PT e como rebatiam as críticas dos vereadores de oposição – ou de parte deles. Até porque, como ressalta Barcellos (2005), os partidos na Câmara de Porto Alegre tendem a ser, historicamente, pouco coesos, Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

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882 ocorrendo frequentemente situações de indisciplina partidária, transformando às relações de negociação e articulação em níveis bastante complexos.

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