Portugal (E/I) Migrante e a Europa do Outro: A Imigração da Europa de Leste no concelho de Vila Viçosa

July 21, 2017 | Autor: F. Velez de Castro | Categoria: Human Geography, Migration, Rural Development, Migration Studies, Geography of Mobility and Migrations
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1 “PORTUGAL (E/I)MIGRANTE E A EUROPA DO OUTRO: A IMIGRAÇÃO DA EUROPA DE LESTE NO CONCELHO DE VILA VIÇOSA” por: Maria de Fátima Grilo Velez Fernanda Delgado Cravidão Palavras-chave: Imigração; Integração; Língua; Moldávia; Vila Viçosa. Resumo: Portugal assumiu, sobretudo a partir da última década do século XX, um papel preponderante como país receptor de imigrantes. O processo de descolonização já promoveu, de certa forma, este fenómeno, embora de uma maneira discreta e espacialmente definida. Desta forma, hoje voga a ideia de um Portugal que deixou de ser primordialmente “cais de partida”, reevocando-se como “cais de chegada” de imigrantes cuja língua deixou de ser só e apenas o português dos PALOP ou do Brasil, para partilhar o “espaço” com um variado conjunto de idiomas eslavos. Perante esta nova (ou reiventada?) condição de “receptor” de novos grupos imigrantes, surgem em lugar cimeiro os do Leste Europeu, cujas características sócio-geográficas em muito se aproximam/afastam do perfil dos restantes grupos de imigrantes que há mais ou menos tempo se radicaram em território nacional. Espacialmente dispersos, integram cada vez mais o quotidiano do cidadão português, seja como empregados/colegas de trabalho/vizinhos/conhecidos… na partilha de direitos e deveres que se supõem comuns, excepto no caso de fluxos ilegais/clandestinos que se têm constituído como um problema social grave para os dois pólos da questão (País e Imigrante Ilegal/Clandestino). O estudo do caso dos imigrantes da Europa de Leste no concelho de Vila Viçosa, nomeadamente do grupo dominante – os Moldavos – tem como objectivo dar a conhecer um pouco mais do perfil e das características destes imigrados, numa região de Portugal e da Europa que se pressupõe deprimida a vários níveis de análise. Por outro lado, pretende-se saber o seu grau de integração face a uma realidade europeia/nacional/regional específica, quer ao nível económico, no que concerne ao mercado de trabalho, quer ao nível social, respeitante a direitos e deveres (saúde, habitação, educação…), bem como a questão da língua como instrumento/barreira integrativa no dia-a-dia duma comunidade, onde a população autóctone nem sempre compreende o Outro…

1. PORTUGAL MIGRANTE: DE EMISSOR A RECEPTOR 1.1 Breve evolução do cenário imigratório em Portugal Estamos habituados a designar os nossos cais como locais de saída de muitos, daqueles que partem para outros para outros países em busca de melhores condições de vida. Esta enganadora realidade, esta busca constante de satisfação de desejos e necessidades, materializa-se demasiadas vezes em lutas inglórias onde o (e/i)migrante não logra os seus propósitos, deixando contudo marcas físicas no território de chegada, não só relacionado com 

Aluna do mestrado em “Estudos sobre a Europa – A Europa: as Visões do Outro” da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Geógrafa do Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra



Instituto de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – Largo da Porta Férrea, 3000-Coimbra, tel.239859900

2 o seu trabalho e produtividade, mas também nas sementes e raízes que transporta e quase sempre por lá ficam, ou seja, os filhos. Pensarmos em Portugal como país de imigração, é uma ideia recente e que carece ainda de alguma discussão, justificada não só pela dinâmica do fenómeno como também pela “novidade” que oferece a um panorama nacional caracterizado e habituado à saída de população. ROCHA-TRINDADE (2001, p.170) opina que a história dá-nos algumas pistas sobre a busca deste país por alguns “imigrantes”, se é que assim se podem designar, em tempos mais remotos… já desde o séc.XVIII que os ingleses se estabeleceram na região da invicta, por causa do negócio do vinho do Porto! Mas Portugal conhece também alguns russos que aqui se instalaram depois da fuga da Revolução de Outubro, refugiados judeus fugidos à guerra e às perseguições nazis e famílias inglesas que se radicaram no país após o fim do império britânico. Muito longe de se tornarem casos numericamente relevantes ou de serem considerados “imigrantes”, no sentido que hoje é considerado, são marcos pontuais, testemunhos da busca de Portugal, independentemente das motivações, para estabelecer residência e desenvolver um trabalho. A bibliografia sobre a temática é parca e imprecisa no estabelecimento do início efectivo dos fluxos imigratórios, talvez porque a paulatina vinda de imigrantes, apesar de sempre se ter verificado, só nos últimos tempos ganhou uma dimensão mais significativa.

250000 200000

Adaptado do INE (2003)

Milhares de estrangeiros

300000

150000 100000 50000

01 20

99 19

97 19

95 19

93 19

91 19

89 19

87 19

85 19

83 19

81 19

79 19

77 19

19

75

0

Anos

Gráfico 1- Evolução do número de estrangeiros com residência legalizada, em Portugal, entre 1975-2002

Os anos 60 são a inicial referência para praticamente todos os autores. PIRES (2003, p.119 e 121) afirma que até esta década, a população estrangeira residente em Portugal se manteve praticamente estável (à volta de 21000 indivíduos), sendo muitos deles refugiados

3 espanhóis ou imigrantes com uma longa história de integração e dinamização de sectores específicos da economia portuguesa (por exemplo, ligados ao vinho do Porto). No X Recenseamento Geral da População (1960) residiam em Portugal 29428 estrangeiros (o correspondente a 0,3% da população residente total), sendo que destes 67% eram de origem europeia (espanhóis e ingleses; franceses e alemães ligados à indústria, que se fixaram essencialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto) e 22% de origem brasileira (materializando uma espécie de “contra-corrente migratória” do Brasil, fixando-se essencialmente no norte e no litoral do país). É a partir daí que o número de “não-nacionais” cresce, bem como se diversificam as nacionalidades e os perfis sócio-demográficos, indicando uma complexificação progressiva da composição da população imigrante no nosso país. Até aos anos 70, também imigravam para Portugal indivíduos luso-africanos, os quais mantinham ligações familiares, sociais, identitárias… entre dois territórios (Portugal e a respectiva colónia). Durante a segunda metade da década de 60 e os primeiros anos da década de 70, houve um ligeiro aumento da imigração, com a vinda de ingleses e alemães, agora não só ligados à indústria, como também ao turismo. Refira-se que até aqui, a imigração com base no trabalho, é feita num quadro legislativo muito restrito1, onde só excepcionalmente se autorizava o estabelecimento em Portugal por tal motivo. Era necessário o parecer do ministro da área de trabalho em questão, pelo que só eram considerados indivíduos elegíveis quando se tratavam de mão-de-obra qualificada. Nesta altura, os fluxos das colónias africanas já se asseguravam como significativos, no entanto a contabilização dessa altura carece de maior precisão, visto que estas migrações eram consideradas como inter-regionais, quer dizer, como se fossem realizadas num mesmo território geográfico delimitado.2 Com a revolução do 25 de Abril de 1974, houve primeiramente a retracção dos fluxos migratórios “tradicionais” (Europa e Brasil), no entanto nos cinco anos subsequentes a população estrangeira com autorização de residência aumentou cerca de 82%. (PIRES, 2003, p.123) Portanto, antes dos anos 80, pode-se dizer que o grande fluxo de indivíduos que Portugal recebeu foi o dos retornados, que segundo ROCHA-TRINDADE (2001, p.170) andou à volta dos 500000 a 800000 indivíduos. Não foram atingidas proporções mais “gigantescas” porque o então Ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, gizou a Lei nº308-A/75 de 24 de Junho, onde foi introduzida uma definição mais rigorosa do direito de acesso à nacionalidade portuguesa e das condições de acesso ao direito

1 2

Com base na lei de 1933. Ou seja, como se fosse realizado em Portugal (“europeu e extra-europeu”) e não entre dois continentes.

4 de regresso, que travou, ou melhor dizendo, definiu mais claramente as condições de retorno destes indivíduos. FERREIRA e RATO (2000, p.4) referem que na década de 80 se assistiu à degradação generalizada das condições de vida nos países em vias de desenvolvimento (crise do endividamento externo, políticas deflacionistas do FMI…), o que veio favorecer e incrementar a imigração ilegal e a proliferação das redes clandestinas orientadas para o tráfico de Seres Humanos. Estes autores afirmam que o desencadeamento dos movimentos migratórios clandestinos esteve também associados à aceleração do crescimento económico (primeiro de Itália e Espanha, depois de Portugal e Grécia), fazendo até emergir novas áreas de atracção para uma mão-de-obra pouco exigente. Um cenário deste género favoreceu a imagem de atracção destes países, daí que a partir desta década se verificou não só uma consolidação da imigração africana, como também a efectiva diversificação das origens da população estrangeira. (PIRES, 2002, p.152) Foi também nesta década que a Europa do Sul se tornou um pólo de atracção para imigrantes, principalmente de África e já do Leste da Europa Cresce então o problema da imigração ilegal/clandestina… dos 3 milhões de imigrantes que por essa altura se instalaram em Itália, Grécia, Portugal e Espanha, cerca de metade encontrava-se em situação ilegal/clandestina! Este “crescimento” nestes países, além de ser proporcionado por um crescimento das ofertas no mercado de trabalho, também se relacionou com as restrições à imigração impostas por outros países europeus, deixando o espaço da Europa do Sul como a “alternativa fácil” para entrada, estabelecimento e desenvolvimento da vida do imigrante. A partir daqui e já na década de 90, continua em Portugal a manutenção dos movimentos imigratórios dos países africanos lusófonos (principalmente de Cabo-Verde) e o aumento substancial do número de brasileiros, invertendo assim o fluxo histórico da emigração portuguesa3. Por outro lado também se verifica o aumento do número de cidadãos comunitários, fluxo esse que decorre da proximidade geográfica e das condições de vida que Portugal oferece, seja para “gozar” a reforma (Algarve)4 ou para o exercício de uma actividade profissional. Os movimentos do Centro e Leste da Europa começam a surgir, ligados a factores de ordem repulsiva no pólo de partida (desmoronamento económico dos respectivos países, desemprego, parcos salários, instabilidade política e social…) e de ordem 3

Neste caso e mesmo anteriormente, quando falámos que esta migração poderia ser vista como uma espécie de “contra-corrente migratória”, é de ter em consideração que tal não se reverte na mesma proporção de portugueses que emigraram para o Brasil no início do séc.XX! 4 FONSECA (2002, p.354) designa-os por Sun-Seekers, traduzindo assim uma “busca” relacionada com o clima e com tudo aquilo que está à sua volta (cultura, economia…).

5 atractiva no pólo de chegada (“facilidade” de entrada no país, emprego, melhores salários que no país de origem…). China 3%

Paquistão 3%

Índia 3%

GuinéBissau 3%

Angola 4% Cabo-Verde 5%

Rússia 4%

Roménia 7%

Moldávia 8%

Adaptado de PIRES (2002)

Ucrânia 39%

Brasil 21%

Gráfico 2- População estrangeira com autorização de permanência, por principais nacionalidades, em Portugal, em 30/11/2001

No início do séc.XXI, o novo regime legal das autorizações de permanência que entrou em vigor em 2001, veio dar visibilidade estatística a um conjunto de mudanças no fenómeno imigratório, entre as quais se destaca o rápido desenvolvimento de um novo fluxo da Europa de Leste e a aceleração dos oriundos do Brasil. Em 31 de Dezembro de 2001, estima-se que viveriam em Portugal, sob situação regular, cerca de 335000 estrangeiros (190000 registados em 1999), maioritariamente de África (47,6%) e Europa (30,2%), o que representaria cerca de 3,3% da população total do país e destes, cerca de 260000 teriam autorização de residência, beneficiando os restantes do novo estatuto de autorização de permanência. (PIRES, 2002, p.151) 5 Até à recente emergência dos movimentos migratórios com origem na Europa de Leste e também no Brasil, a imigração em Portugal era caracterizada pela existência de fluxos migratórios laborais e profissionais com origens distintas, nomeadamente trabalhadores qualificados da Europa e trabalhadores não qualificados das antigas colónias portuguesas. Hoje observa-se uma diversificação dos sectores de trabalho da mão-de-obra, devido a factores do plano externo (destacada pressão emigratória nos países de origem dos migrantes, ou seja, factores repulsivos ao nível político e económico, bem como dinâmicas induzidas pela integração europeia, e neste caso tratar-se-á de um elemento atractivo) e do plano interno

5

Os dados apresentam sempre discrepâncias, dependendo da “fonte” que os fornece: o autor acima citado baseou-se em números fornecidos pelo SEF. Já o INE, afirma que em 2001 foram recenseados 226715 indivíduos com nacionalidade estrangeira a residir em Portugal, representando 2,2% da população residente!

6 (um tendencial envelhecimento e possível futuro “esgotamento” da mão-de-obra autóctone em certos sectores de actividade). Parece pois que Portugal tende à construção de uma imagem territorial positiva e atractiva, fruto da oferta de emprego em certas áreas e da relativa facilidade de estabelecimento no país. O nosso país começa a despertar para a necessidade de acolher os imigrantes: no dia 16 de Março de 20046 foi criado o Centro de Apoio ao Imigrante (CAI), situado (ainda só…) em Lisboa, na antiga Escola dos Anjos. A sua localização não foi em vão, quer na própria cidade/edifício (visto que partilha o edifício com o Alto-Comissariado para as Minorias Étnica - ACIME), quer no próprio país, na medida em que se localiza numa das regiões do território nacional onde estão fixados mais imigrantes. Também em 23 de Março de 20047 se procedeu à abertura da”Loja do Cidadão para o Imigrante” (o nome até parece sugerir que o “imigrante” não é cidadão…), também em colaboração com o ACIME, projecto-piloto este que pretende apoiar o imigrante no sentido “burocrático”, se é que assim se pode dizer. Há pois uma crescente consciência para a necessidade de assumir a presença do imigrante… mas até que ponto a conjuntura económica (no emprego) e política (no regime de autorizações de permanência/residência) promoverão a manutenção dessa imagem?

1.2 O perfil do imigrante da Europa de Leste BAGANHA e GÓIS (1999, p.258) traçam um quadro geral médio que qualifica os imigrantes dos anos 90 em Portugal: de uma maneira geral, trata-se de mão-de-obra pouco qualificada, que por isso mesmo ocupa no mercado de trabalho funções pouco valorizadas, concentrando-se principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto (áreas de maior oferta de emprego), em proporções Homem/Mulher relativamente semelhantes8. Domina o grupo etário dos 16 aos 64 anos, em especial os imigrantes dos 25 aos 45 anos, que engrossará modestamente as classes mais jovens, embora em certos grupos, como é o caso dos imigrantes da Europa de Leste, dado o perfil etário andar entre os 30 e os 50 anos, venham antes engrossar a população activa mais “velha”, propriamente dito. Os imigrantes africanos apresentam um contingente de jovens mais elevados comparando com os outros continentes, fruto de uma Taxa de Natalidade mais elevada e do facto de serem dos grupos migrantes mais numerosos em Portugal (e mais jovens!). Pelo contrário, o grupo dos europeus

6

SIC, Jornal da Noite (20:00), 16 de Março de 2004. SIC, Primeiro Jornal (13:00), 23 de Março de 2004. 8 Na década de 90, o ratio Homem/Mulher andava à volta dos 1,4. 7

7 é o que apresenta um menor contingente jovem, mas um maior contingente idoso, fruto do elevado número de reformados que procura o nosso país para viver. Analisando

mais

especificamente

a

distribuição espacial, podemos encontrar dois N

segmentos bipolares: o primeiro é composto por europeus (nomeadamente do Leste da Europa) e brasileiros, com um padrão residencial mais disperso, grupo esse onde se encontra uma relativa elevada percentagem de empregados e empregadores por conta-própria (neste último Percentagem de população estrangeira

caso, mais referenciado aos brasileiros). O peso

1% a 2% 2% a 4% 4% a 13%

das profissões científicas e técnicas, bem como de

13% a 51%

directores e quadros superiores administrativos é notório9. O segundo segmento é composto por 0

50 Kms

imigrantes oriundos dos PALOP e de países como é

Mapa 1-Distribuição da população estrangeira por distritos, em 2002 Adaptado do INE (2003)

o

caso

do

Zaire,

Paquistão…espacialmente (principalmente

nas

do mais

áreas

Senegal,

do

concentrados metropolitanas,

nomeadamente na de Lisboa), ocupando a base da

estrutura sócio-profissional portuguesa, também devido à baixa qualificação profissional que apresentam. A construção civil, segundo PIRES (2002, p.161), é o sector que emprega a maior parte dos indivíduos que constituem este segmento, embora haja uma distribuição também por outros sectores de actividade, nomeadamente o comércio, hotelaria e restauração (brasileiros e chineses), serviços (PALOP, no caso dos serviços domésticos; brasileiros ligados ao mundo da informática, publicidade e saúde), agricultura e indústria transformadora (Europeus de Leste). Quase toda a totalidade dos trabalhadores tem vínculos de trabalho precários e temporários. A verdade é que a economia informal apresenta-se como uma forte concorrente da economia formal, o que aliado ao facto de muitos dos imigrantes projectarem uma migração temporária, “ajuda” a que estes laços precários e temporários prevaleçam. Isto não quer dizer que a migração não se venha a transformar em definitiva: a experiência do “guest9

Excepto no caso dos imigrantes da Europa de Leste que, embora tenham uma boa formação académica, desempenham funções típicas do segmento de mercado dos imigrantes dos PALOP.

8 worker” nos países europeus após a 2ªGuerra Mundial, resultou na sistemática fixação dos Agricultura, pesca e extractivas

nº Ucrânia 42252 Moldávia 8404 Roménia 6926 Rússia 4777 Cabo-Verde 5174 Angola 4723 Guiné-Bissau 3082 Brasil 22426 China 3203 Paquistão 2784 Índia 2670 Nacionalidades

% 6,9 5,6 6,5 4,9 1,6 1,1 0,6 1,8 2,2 3,3 1,8

Indústria Construção transformadora

% 24,3 13,3 8,9 28,2 4,3 4,7 3,2 7,8 4,5 5,1 1,4

% 41,3 54,1 53,4 32,3 43,3 33,7 56,7 25,5 3,5 58 57

Comércio

Hotelaria e restauração

Serviços

% 7,1 5,8 5,5 7,3 6 8,1 3,2 12,2 27,3 7,3 7,5

% 6 6 6,6 9,6 9,2 14,1 5,7 22,1 57,5 3,8 7,7

% 14,5 15,2 19,1 17,6 35,5 38,3 30,6 30,6 5,1 22,4 24,7

Adaptado de PIRES (2002)

imigrantes!

Quadro 1- População estrangeira com contratos registados para obtenção de autorização de permanência, por nacionalidade e sector de actividade, em 31/12/2001 (Portugal-continente)

Mas necessariamente coloca-se uma questão: não parece incompreensível que nas últimas duas décadas, à primeira vista, tenha havido uma afluência tão grande de imigrantes a Portugal, ainda que se registem níveis de desemprego relativamente significativos? Os próprios índices de mobilidade interna são baixos e a verdade é que continuam a sair emigrantes de Portugal! Tudo parece indicar que o nosso país não tem capacidade de absorção de mão-de-obra imigrante… Na área metropolitana de Lisboa, os censos de 1981 e 1991 indicam até uma quebra de emprego na construção civil e nos serviços domésticos, ao contrário de algumas actividades terciárias onde se registou um crescimento (comércio, seguros, finanças…). Este último fenómeno pode explicar a afluência de brasileiros e cidadãos da União Europeia. Os outros grupos, como os imigrantes dos PALOP e do Leste Europeu estiveram e estão ligados a grandes obras públicas (Expo 98, Euro 2004…), mas também a actividades da economia informal, daí que se explique a continuada afluência apesar de momentos de “crise” reflectida nalguns sectores. Outras áreas económicas “deprimidas” como a agricultura, embora com muito menor peso, estão a ser e poderão ser também a saída para alguns imigrantes (esta actividade já o é, em alguns casos, para imigrantes do Leste Europeu). Na economia há quem acredite que a construção civil é um ramo em desenvolvimento10: Portugal ainda está muito longe da média europeia ao nível das infraestruturas, cenário que no futuro tenderá a reverter-se, não só porque os investimentos nos transportes estão a ser uma prioridade na União, mas também porque as nossas 10

PÚBLICO, A construção está mal, mas recomenda-se, Secção mundo, 2ª feira, 19 de Abril de 2004, em entrevista ao economista António Mazoni.

9 infraestruturas estão de certa forma desactualizadas e a necessitar de algumas reparações. E Portugal deverá receber apoios do IV Quadro Comunitário para este efeito… Sendo assim, e calculando que a retoma será para 2006, este é um sector que certamente abrirá portas para o emprego de imigrantes. No fundo, a formação nem sempre corresponde à actividade desenvolvida: no caso dos brasileiros e dos europeus da União tal parece ser mais linear, na medida em que os cargos que ocupam correspondem às suas habilitações. Contudo, no caso dos Europeus de Leste e dos São-tomenses11 não há essa equivalência. Tal tendência poderá ser resultado do estabelecimento de relações mais estreitas entre países, no caso dos brasileiros, o que também se poderia verificar no caso dos São-tomenses, visto tratar-se de um país de língua oficial portuguesa e do governo tanto “anunciar” a necessidade do estabelecimento de laços e relações com esta parte do globo… No caso dos imigrantes da União Europeia a sua situação será promovida pelo facto de pertencermos a uma mesma unidade (se é que assim se pode considerar!...) económica, social… Já nos Europeus de Leste, o facto de ser um grupo recente, pode ainda não ter despertado a consciência de ambas as partes (empregadores e imigrantes empregados) e do próprio Estado para a atribuição de equivalências e posterior abertura a outros segmentos do mercado de trabalho. Por outro lado o “medo” da concorrência pode levar alguns segmentos a preferir não considerar as suas habilitações! Devemos porém ter em atenção que as funções que cada grupo ocupa neste mesmo mercado também estarão condicionadas pela conjuntura económica actual e pela capacidade de “imposição” /competitividade de cada grupo. No caso deste último grupo, LOPES (1999, p.104) diz ter sido decisivo a destruturação dos regimes económicos e políticos dos seus países de origem, verificando-se a posterior emergência de uma nova corrente imigratória que veio operar uma viragem histórica nos movimentos migratórios daquela região da Europa, dando-lhes uma maior densidade e complexidade. Foi um fluxo que praticamente se iniciou nos anos 90, tendo vindo a ganhar grande proporção nos anos subsequentes. Muitos deles vivem em situação irregular e vêm ao nosso país para fugir à instabilidade económica e política dos seus locais de origem. Originários principalmente da Roménia, Moldávia, Ucrânia, Rússia, Bulgária, Geórgia, Bielorrússia e Letónia, entram normalmente no espaço Schengen através da fronteira da Áustria, Alemanha, Holanda ou França, por via aérea, apresentando vistos de turista, e

11

Neste grupo de imigrantes existe um elevado número de licenciados.

10 dirigem-se para Portugal por via terrestre (carrinhas, autocarros, combóios ou até táxis!). Podemos destacar, entre eles: Moldavos – com o 10º ou 11º ano, exercem funções de operários e mecânicos, tendo muitos vindo do espaço rural. Não é comum encontrarem-se profissionais liberais desta nacionalidade, onde a média de idades anda à volta dos 40 anos. Normalmente não se fazem acompanhar pela família e se o fazem é só numa fase posterior da imigração; Romenos – apresentam formação superior técnica (existência de muitos engenheiros), mas idades inferiores ao grupo anteriormente referido. Muito ligados à família, acabam por se fazer acompanhar por ela no seu processo migratório; Ucranianos – também com formação académica superior, é comum encontrarem-se médicos, pilotos da força aérea, oficiais na reserva, empregados da função pública. As suas idades andam à volta dos 35/40 anos e é uma nacionalidade onde se encontra o maior contingente de mulheres com formação académica superior; Búlgaros – são aqueles que apresentam um nível cultural mais elevado, sendo muito comum a existência de indivíduos ligados às artes. Tratam-se de países onde o fenómeno imigratório é muito recente e onde a motivação dominante é de cariz económico: um salário como servente (média de 750 euros) corresponde a 10 meses de um salário médio na Roménia! (PORTELLA, 2001, p.184 e 185) Em suma, verifica-se uma tendencial diversificação da nacionalidade dos imigrantes da União Europeia (italianos, holandeses, alemães, franceses…) e a emergência de novos grupos, como é o caso dos originários da Europa de Leste, bem como dentro do próprio contingente de imigrantes africanos (mais Guineenses e São-tomenses…, embora correspondam a reduzidos valores absolutos), a par da relevância que cada vez mais tende a ganhar a corrente migratória vinda da Ásia e do Brasil. (BAGANHA, FERRÃO e MALHEIROS, 2002, p.90) No caso dos imigrantes do Leste Europeu, o processo de regularização extraordinária de Janeiro de 2001 promoveu o “aparecimento” de um largo número de candidatos desta origem, o que deixa antever a preponderância que este grupo poderá ter nos próximos tempos.

2. O CASO DOS IMIGRANTES DA EUROPA DE LESTE EM VILA VIÇOSA 2.1 Breve análise do concelho em estudo Vila Viçosa (constituída pelas freguesias de Bencatel, Pardais, Ciladas, Conceição e S.Bartolomeu) é um dos concelhos que compõem a região do Alentejo Central. Faz fronteira a

11 sul com o Alandroal, a oeste com o Redondo e Borba e a nordeste com Espanha, distando cerca de 45 kms de Évora. Apesar de se localizar numa região social e economicamente considerada “deprimida”, apresenta alguns indicadores que, mesmo não se acercando dos níveis nacionais, destacam-se, pela positiva, dos revelados pela média do restante Alentejo12. Num concelho com 8871 residentes em 2001, a densidade populacional era de 45 h/km2, o que contrasta com a média do Alentejo de 24,5 h/km2.13 O crescimento natural positivo (0,7‰) em Portugal, não é de todo acompanhado por esta região do país (-5,8‰), porém Vila Viçosa apresenta mesmo assim uma evolução um pouco menos negativa (-4,6‰). Relativamente à estrutura populacional, revela um índice de

N

rejuvenescimento

da

população

activa

de

122,3%,

afastando-se um pouco dos níveis do Alentejo (112, 3%)14. Também com o número de pensionistas por 100 habitantes se nota esta tendência: enquanto que ao nível nacional é de 24,5 pensionistas, no Alentejo verifica-se a existência de 34,9 pensionistas por cada 100 habitantes e em Vila Viçosa este número desce para 29,6. O mais interessante será ainda constatar que a taxa de desemprego, neste concelho, é inferior à média nacional! Em 2001, o desemprego era de 0

50 Kms

6,8% em Portugal, sendo mais elevado no Alentejo (8,4%), enquanto que em Vila Viçosa era de 5,3%! Não quer dizer

Mapa 2 – Localização do concelho de Vila Viçosa Elaboração própria – Inquérito (2004)

que este concelho não padeça de problemas estruturais mais ou menos graves, como a falta de médicos (apenas 0,8 por 100

habitantes),

o

despovoamento,

um

nível

de

analfabetismo elevado (17,8%), a falta de investimento do sector privado, entre outros, porém manifesta uma dinâmica interna peculiar (relativamente a outros concelhos adjacentes do Alentejo) que faz desta vila um local com um certo “grau de atracção”. Economicamente o sector dos serviços domina em detrimento do sector agrícola, embora o declínio na agricultura tenha sido colmatado pela aposta na vitivinicultura, sector que se tornou “tradicional” na região, nomeadamente em Borba. Porém, a indústria extractiva 12

Os dados que a seguir serão apresentados foram recolhidos nos Censos 2001. A média nacional é de 112,4 h/km2 em 2001. 14 É de referir que a porção de jovens também contribuirá para a dinâmica deste indicador: é de 16% em Portugal, 13,7% no Alentejo, e em Vila Viçosa atinge valores de 14,4%. 13

12 dos mármores parece ser o pilar da economia do concelho, pois trata-se duma região com o subsolo rico neste tipo de recursos petrográficos. São algumas funções inerentes a esta actividade que dinamizam as ofertas do mercado de trabalho, desenvolvendo até algumas sinergias para sectores adjacentes (nomeadamente o dos transportes, serviços comerciais e administrativos…). Neste concelho este sector de actividade, conjuntamente os outros sectores económicos já referenciados, e tendo em conta a oferta na construção civil, parecem oferecer à população autóctone (e não só) algumas perspectivas de emprego, dinamizando economicamente a região.

2.2 Quem são aqueles que aqui chegaram … É comum ouvirmos pelas ruas de Vila Viçosa outra língua que não o português. E se noutras vilas alentejanas do interior português até poderemos conhecer de vista os poucos (mas presentes) imigrantes da Europa de Leste que ai se foram instalar, em Vila Viçosa os idiomas eslavos são cada vez mais comuns. Partindo deste pressuposto, pareceu necessário conhecer mais profundamente o fenómeno da escolha deste concelho como local de chegada de um número significativo de imigrantes da Europa de Leste, daí que tenha sido lançado um inquérito a 50 destes indivíduos15 (20 do sexo feminino, 30 do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 9 e os 58 anos16, sendo que 80% dos inquiridos apresentam nacionalidade moldava, ou seja, representam sem dúvida a origem mais comum dos imigrantes da Europa de Leste em Vila Viçosa, a Moldávia. No entanto refira-se que também responderam a este inquérito imigrantes da Bulgária (8%), Ucrânia (8%) e Roménia (4%). Não podemos dizer com precisão o número de indivíduos da Europa de Leste que se encontram neste concelho: nos últimos Censos (2001), estas nacionalidades não são contempladas especificamente, daí que se presuma que o número de imigrantes desta região europeia andasse à volta de 58 (num universo de 85 indivíduos estrangeiros), representando 0,6% da população total do concelho. No entanto, parece ser um número muito aquém da realidade, visto que o inquérito revelou que cerca de 62% dos inquiridos tinha entrado já depois de 2002, o que aliado ao facto de muitos deles ainda não estarem “regularizados” na altura do recenseamento (e terem, por isso, “fugido” a esse acto), e de existirem alguns casos ainda “irregulares”, possa aumentar substancialmente o quantitativo. Cerca de 70% dos

15

Utilizou-se o método de amostragem aleatório. A média de idades da amostra é de 30,8 anos, o que não deve fugir muito da realidade, embora o grupo de imigrantes em estudo apresente um número significativo de membros com idades na ordem dos 40 anos.

16

13 inquiridos nunca tinha emigrado anteriormente, e dos 30% que o fizeram, 25% migraram da sua região de origem para Chisinau, a capital da Moldávia. Trata-se de uma população com um nível de instrução relativamente elevado. A maioria (44% dos inquiridos) concluiu o ensino secundário, sendo que 16% obtiveram graus académicos superiores.17 O domínio das línguas como o português e o inglês parece estar assim mais facilitado, já que 60% afirmam ter alguns conhecimentos desta última língua (34% revelam não falar inglês). É interessante verificar o facto de que, em relação ao português, não há nenhum inquirido que assumisse não perceber a língua do país de chegado, sendo que 72% afirmam falar razoavelmente o idioma e 28% assumem que já têm muitos conhecimentos da língua portuguesa (a maioria destes entrou entre 2000 e 2003)! A verdade é que se trata de uma comunidade com uma capacidade de adaptação linguística muito versátil e muito esforçada neste domínio, pois muitos dos imigrantes consideram que a língua é o “passaporte” mais viável para a integração na comunidade portuguesa/Vila Viçosa. No país de origem Ensino Básico 1º ciclo 6%

Ensino Superior 16%

exerciam profissões ligadas Ensino Básico 2º /3º ciclo 20%

essencialmente ao sector secundário

e

terciário:

podemos encontrar muitos operários, ainda mecânicos, Ensino Secundário 10º/11º ano 14%

Ensino Secundário 12º ano 44%

motoristas / camionistas, contabilistas, principalmente

Gráfico 3 – Habilitações Literárias dos imigrantes da Europa de Leste, em Vila Viçosa, em 2004 Elaboração própria – Inquérito (2004)

masculino.

professores, no No

sexo sexo

feminino dominam mais as domésticas e alguns sectores

ligados aos serviços (contabilistas, balconistas, enfermeiras…). Não se tratam de quadros altamente qualificados, mas antes de indivíduos com formação profissional média/superior para exercerem as suas funções. Ao contrário do que parece ser a tendência nacional nos imigrantes moldavos, 92% dos inquiridos imigraram com a família: na maioria dos casos aconteceu vir o “pai” em primeiro lugar, às vezes com um “filho”, para preparar a vinda da restante família (procura de habitação). Trata-se de uma migração familiar (tendência pouco comum neste grupo, ao nível 17

Refira-se que aqueles que apresentam graus ligados ao 1º/2º/3º ciclo tratam-se maioritariamente dos filhos dos imigrantes que estão actualmente a frequentar a escola.

14 nacional) que, à primeira vista, poderá levar-nos a pensar que se possa tornar uma migração temporalmente definitiva. Dos inquiridos, cerca de 88% residem na sede do concelho e apenas 12% moram em freguesias adjacentes, facto este relacionado não só com a disponibilidade de habitações para arrendamento, com a sua “qualidade”, mas também com a proximidade a outros imigrantes e também ao local de trabalho. Traçado do perfil médio do imigrante da Europa de Leste residente em Vila Viçosa, procurou-se saber das motivações que incentivaram não só à saída do local de origem, como à escolha de Portugal para estabelecer residência e exercer uma actividade profissional. Em ambos os pólos prevaleceram factores de carácter económico e social (nomeadamente familiar). Cerca de 30% dos inquiridos responderam que o elevado desemprego e os baixos salários foram os principais motivos para a saída dos respectivos países de origem. Já 36% aliam estes motivos à reunificação familiar e 26% afirmam que foi apenas este último motivo que prevaleceu, o que é compreensível visto neste caso tratar-se de uma migração de cariz familiar. A entrada no nosso país prendeu-se com motivações do mesmo género: em 76% das respostas o cariz económico, nomeadamente a disponibilidade de emprego, aliou-se em certos casos à reunificação familiar, à proximidade de amigos do mesmo país e em muitas situações à facilidade de entrada/legalização que o nosso país ainda (!?) oferece aos imigrantes.

2.3 A vida dos imigrantes de Leste em Vila Viçosa: entre as expectativas e a realidade Entre as expectativas criadas sobre o local de chegada e a realidade que o caracteriza, por vezes encontra-se uma grande distância. No caso deste grupo de imigrantes tentou-se saber um pouco mais da vida 54%

60%

que esperavam levar e que

Percentagem de Im igrantes

50%

realmente levam em Portugal,

40% 30%

24%

22%

mais especificamente em Vila Viçosa, bem como o seu grau

20%

de integração na comunidade

10%

No que concerne ao âmbito

0% Sim

Ainda não pensou

Não

Gráfico 4 – Imigrantes da Europa de Leste que pretendem obter a nacionalidade portuguesa, em Vila Viçosa, em 2004 Elaboração própria - Inquérito (2004)

dos direitos e deveres, a grande maioria acha que tem os mesmos direitos e deveres de que beneficiava no país de

origem, porém da totalidade de inquiridos 24% afirmam ter menos direitos (não auferem de

15 direito de voto, por exemplo) e 4% afirmam mesmo ter mais deveres (no trabalho). Não parece ter existido grandes problemas no processo de regularização em Portugal (para 84% dos inquiridos), no entanto 16% das respostas indicaram alguns problemas, nomeadamente com a obtenção/validade dos contratos de trabalho. Algumas destas questões só foram resolvidas há pouco tempo, visto esta migração ser também um processo recente. De qualquer forma, e apesar de muitos dos inquiridos terem entrado recentemente no território nacional e nesta região em particular, já há quem pense em obter a nacionalidade portuguesa (cerca de 24% dos inquiridos). A disponibilidade de emprego, a tranquilidade do país/região e o clima parecem estar na base das motivações, sendo que uma minoria (4% dos inquiridos que afirmaram querer obter nacionalidade portuguesa) acha que a qualidade de vida é boa em Portugal e isso é motivo válido para permanecer…. Aqueles que não pretendem obter a nacionalidade (22% dos inquiridos) e que pretendem voltar ao país de origem, são alguns dos que imigraram sem a família, querendo no futuro voltar a juntar-se a ela. No entanto a maioria parece ainda não ter decidido o seu futuro (54% dos inquiridos). Há muitos que preferem esperar a evolução económica do país ou tentar integrar-se mais seguramente e só depois decidir se pretendem ou não obter nacionalidade portuguesa. Apesar de num primeiro momento a matriz familiar da migração indicar um possível sentido “definitivo”, a instabilidade económica que vivemos parece balançar a opinião dos imigrantes quanto ao carácter temporal da migração. Ainda referente a este grupo temático, questionou-se os imigrantes desta região acerca do próprio conhecimento sobre os seus direitos e deveres que vinham consignados na legislação: 70% referiu não conhecer de todo, sendo que apenas 30% referiram saber mais ou menos o que constava na lei sobre a sua condição. Esta falta de noção pode ser bastante nefasta, não só na tomada de consciência dos deveres, mas principalmente porque se alheiam dos direitos de que podem usufruir e que tantas vezes lhes são negados, principalmente no que concerne ao mercado de trabalho. A própria integração poderá ser um dos aspectos a ser abalado negativamente por esta falta de conhecimento: a “exploração” no mercado de trabalho é uma das dificuldades mais sentidas pelos imigrantes no momento de chegada e que prevalece até à actualidade. Praticamente todos os inquiridos parecem ter apresentado mais do que uma dificuldade sentida no momento de chegada… sem excepção, a totalidade afirmou que a Língua foi o maior entrave! As diferenças climáticas relativamente ao país de origem e a integração no mercado de trabalho foram outras das respostas mais apontados. Contudo, estas questões parecem ter sido mais ou menos ultrapassadas, visto que no momento presente do inquérito,

16 28% dos inquiridos afirmou não sentir qualquer tipo de dificuldade, e mesmo no que concerne às anteriormente enunciadas, verificou-se que eram cada vez menos sentidas. Também não se verificou que houvesse grandes “reclamações” quanto ao funcionamento de instituições públicas: por exemplo, na questão da saúde, a maioria já recorreu ao Serviço Nacional (80% dos inquiridos), essencialmente por gripes/constipações (45% das respostas) e acidentes domésticos (21% das respostas), contudo 10% dos inquiridos já recorreram por acidentes de trabalho. A maior parte (68%) acha que o atendimento é razoável: acrescente-se que houve quem referisse que o facto de existirem médicos espanhóis nesta região do país, também eles estrangeiros, tem sido uma “ajuda” ao atendimento dos “estrangeiros imigrados”! O emprego (33% das respostas) e a reunificação familiar (22% das respostas) parecem ter sido as principais motivações para que os imigrantes da Europa de Leste tivessem vindo habitar no concelho de Vila Viçosa, mas a integração também poderá complementar posteriormente esta escolha. A grande maioria dos inquiridos (76%) sentiu-se bem recebida pela actual comunidade, embora alguns (22%) referiram ter sentido alguma hostilidade e até discriminação por parte de alguns membros da comunidade. A tendência para uma integração satisfatória poderá ser confirmada quando 84% das respostas apontaram para que não tenha havido necessidade de alterar hábitos/costumes para adaptação à nova realidade. Apenas os 16% de inquiridos que alteraram, referiram-se essencialmente a regras escolares e a vestuário (por causa das diferentes características climáticas entre os dois pólos da migração)! No que concerne à educação, pais e filhos sentem o mesmo problema, ou seja, a Língua. A disciplina de Língua Portuguesa é aquela onde se verificam mais dificuldades, ao contrário da Matemática que funcionando com a “linguagem universal dos números”, não constitui entrave, pelo contrário, costuma ser a mais apreciada pelos alunos. A maioria dos pais (93%) e dos filhos (82%) inquiridos referem que seria importante o estudo da língua materna na escola para não perder o contacto com as raízes originais e também por uma questão de manutenção do idioma que é necessário falar com os parentes que ficaram na terra-natal. Mas voltando à questão do mercado de trabalho, parece que para muitos Vila Viçosa não foi o primeiro local de paragem: cerca de 56% dos inquiridos já tiveram mais do que um emprego desde que chegaram a Portugal, 10% dos quais afirmaram que o(s) mesmo(s) foi(foram) desempenhado(s) na região de Lisboa/Costa da Caparica/Setúbal. No entanto, alguns inquiridos trabalharam em regiões do Alentejo mais ou menos adjacentes ao concelho em estudo, nomeadamente Beja/Reguengos de Monsaraz (6%), Alandroal/Estremoz (6%), Elvas/Santa Eulália (8%) e Borba (10%). Na data da realização do inquérito 66% tinham o trabalho como modo de vida, sendo 30% dos inquiridos estavam a cargo da família

17 (essencialmente estudantes e desempregados) e 4% auferiam de subsídio de desemprego (apenas 2 dos 5 que se encontravam, no momento do inquérito, desempregados).18 Podemos constatar no quadro19 quais as

Profissões Sexo Feminino

%

Sexo Masculino

%

ajud. cozinha/cozinheira empregada doméstica caseira padeira

12 15 3 3

agricultor cortador/maq.mármore pedreiro camionista

3 27 34 3

Total

33

Total

67

profissões que desempenham: diga-se que a grande maioria não está ajustada à função que desempenhavam no país de origem. No caso das mulheres

Quadro 2- Profissões desempenhadas pelos imigrantes da Europa de Leste, em Vila Viçosa, em 2004

são os serviços de limpeza e de

Elaboração própria - Inquérito (2004)

restauração que promovem as

principais ocupações. No caso dos homens, há uma ligação forte à actividade dominante no concelho, a indústria extractiva dos mármores, bem como ao sector da construção civil.20 Quem exerce estas profissões são indivíduos que muitas vezes, no seu regime de trabalho permanente, ainda fazem horas extraordinárias (cerca de 52%), numa média de 2 horas, por dia. Normalmente foram amigos do país de origem/portugueses que lhe conseguiram o trabalho (68% dos inquiridos, o que mostra já um certo grau de integração na comunidade). Cerca de 90% estão inscritos na Segurança Social e beneficiam dos direitos que lhes estão consignados… no entanto, e apesar de tanto “optimismo” que demonstraram, ficará sempre um pouco de desconfiança, se afinal não estarão alguns deles a encobrir casos de injustiça, por uma questão de medo e de manutenção do emprego…

2.4 Imigrantes e autóctones… na busca pela integração? Além do ponto de vista do Outro imigrado, procurou-se saber a visão do autóctone de Vila Viçosa sobre a temática. Desta forma, aplicou-se um inquérito a uma amostra de 63 indivíduos (32 homens e 31 mulheres), com idades compreendidas entre os 12 e os 83 anos, na esmagadora maioria residentes no concelho ou que para ali se deslocam a trabalhar diariamente. As habilitações literárias da amostra não são muito elevadas, como de resto na restante população, já que 30% possui o 3º ciclo do ensino básico, 26% dos inquiridos apenas possui o 1º ciclo e 6% nem sequer sabem ler e escrever. Um aspecto que pareceu interessante 18

Isto quer dizer que perante a actividade económica a maioria, ou seja, 66% são activos com profissão, a que se deve acrescer 10% que sendo considerados desempregados, incluem-se na população activa (76% são activos). A partir da amostra, verificamos que há um forte contraste com a população activa do concelho de Vila Viçosa, que é de 48,6% (no entanto tenha-se em atenção que o peso do número absoluto de imigrantes na população total desta região é muito baixo). 19 Não estão contemplados o caso de 11 estudantes, 5 desempregados e 1 doméstica. 20 Refira-se que, aquando da realização deste inquérito, se estava a construir uma estrada de ligação entre Borba e Vila Viçosa.

18 investigar, foi o facto de saber se estas pessoas alguma vez tinham saído “da terra” para residir/trabalhar, constatando-se que a grande maioria nunca o fez (só 17% é que já viveu noutro ponto do país e 5% no estrangeiro). São dois factores que poderão contribuir para uma maior dificuldade na aceitação do Outro: não se conhece nem há consciência dele…Os autóctones parecem ser pessoas com menos mobilidade, não estando habituados a “viver” na fronteira de culturas (apesar da proximidade com Espanha, essa é uma cultura “habitual”), que implica padrões de comportamento, hábitos, normas, regras…diferentes. Perante esta inexistência de “padrão de confronto”, poderá haver o perigo da instauração da “verdade absoluta”, ou seja, a não-aceitação do Outro porque este traz algo de diferente que poderá alterar o sistema imposto. Mas a alteração não poderá ser para melhor? Sim, mas… e o medo de arriscar? Contudo 94% dos inquiridos concorda com a presença de Percentagem de inquiridos

140% 120%

imigrantes legais em Portugal,

27%

sendo

100% 80% 60%

os

indesejados

são

aqueles que se encontram em 94%

40% 20%

73%

situação irregular. O risco para a segurança pública e a infracção

6%

0% Sim

Não

Ilegais

da lei parecem ser motivos

Legais

válidos Gráfico 5 – Opinião dos autóctones de Vila Viçosa sobre a presença de imigrantes em Portugal

para

justificar

esta

posição. Cerca de 71% dos inquiridos mostram-se bastante

Elaboração própria – Inquérito (2004)

receptivos

à

presença

de

imigrantes no concelho: acham que podem ajudar a desenvolver economicamente a região, já que são considerados “trabalhadores produtivos e empenhados” e quiçá a rejuvenescer demograficamente, entre outros motivos. Os que não concordam com a presença (11%) apelam à concorrência no trabalho e a (eventuais) distúrbios que poderão causar. Da amostra, 94% acha que a vida do concelho não foi alterada com a vinda de imigrantes e 73% acha mesmo que eles estão bem inseridos na comunidade, excepto 11% que opina o contrário, referindo que muitos continuam a ser explorados no local de trabalho. Apesar dos inquiridos manifestar mais afinidades com os imigrantes brasileiros, principalmente por causa da Língua, os Europeus de Leste parecem estar paulatinamente a integrar o quotidiano desta comunidade.

19 3. QUE FUTURO PARA A IMIGRAÇÃO DA EUROPA DE LESTE EM PORTUGAL E EM VILA VIÇOSA? A crescente pressão imigratória leva a crer que os relativos recentes fluxos Europeus de Leste se manterão, pelo menos por mais algum tempo. Por outro lado, augura-se a tendência para o aumento das migrações temporárias, o que poderá favorecer as redes de tráfico clandestino e levantar fortes problemas sociais. Já se começam a ouvir posições que poderão ser demasiadamente radicais… Defender o “grau de imigração 0”, como já se fala, é praticamente impossível e irreal: os movimentos migratórios são intrinsecamente dinâmicos, o que por si só afasta a possibilidade de um fluxo poder ser travado, culminando de um momento para o outro. A imigração continuaria, independentemente desta política, ainda que com carácter clandestino, com todos os efeitos nefastos que esta inclui. As “quotas imigratórias” poderão ser uma forma de “travar” a imigração, porém com efeitos menos perniciosos, visto que apostam na legalização. Mas seja qual for o processo, o local de partida não deve ser descurado: se calhar, a aposta no desenvolvimento destes territórios poderia equilibrar os fluxos! É necessário por isso apostar numa política migratória e social eficaz que contemple não só Portugal como país receptor, como o país emissor, o próprio espaço da União Europeia e… o Imigrante! No que concerne a Vila Viçosa, parece augurar-se a manutenção da estabilidade: muitos habitantes do concelho podem achar que o país não precisa de mais imigrantes e que a concentração de certos grupos em certos locais pode gerar situações de exclusão. Contudo, a tendência geral parece ser para receber/manter os imigrantes da Europa de Leste, já que são considerados trabalhadores e educados: 96% dos inquiridos não se importavam de ter um imigrante deste grupo como amigo e 86% nem sequer como familiar! A maioria dos inquiridos (54%) apenas “conhece” os imigrantes de Leste da sua terra, porém 22% já mantêm relações de amizade e vizinhança/trabalho… Até que ponto este grupo aqui vai ficar ou até crescer? Há pistas que indicam no sentido do estabelecimento a longo prazo (imigração de matriz familiar; envio de poucas remessas para casa, porque não têm grandes investimentos no país de origem), mas também na efemeridade da passagem pelo território (a maioria não sabe se quer a nacionalidade portuguesa; continuam com família no país de origem…). Há que ter em conta que são um grupo de imigração recente (muitos entraram em Portugal nos anos 90 e aqui já depois de 2000) e isso pode significar que ainda se estão a adaptar ao modo de vida e ao território. E a “outra” Europa está a transformar-se num forte que paulatinamente lhes fecha as portas… Enquanto tiverem emprego e forem bem acolhidos pela comunidade, certamente por aqui ficarão. E do futuro… do futuro logo se verá.

20 BIBLIOGRAFIA BAGANHA, Maria I.; GÓIS, Pedro, “Migrações internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos?”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº52/53, Novembro de 1998/Fevereiro de 1999, Coimbra, p.229-280;

BAGANHA, Maria Ioannis; FERRÃO, João; MALHEIROS, Jorge (Coord.) (2002), Os Movimentos Migratórios Externos e a sua incidência no Mercado de Trabalho em Portugal, Observatório do Emprego e Formação Profissional, Estudos e Análises, s/e, Lisboa;

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Nota: Foram ainda realizados dois inquéritos (a imigrantes da Europa de Leste e habitantes de Vila Viçosa) entre o mês de Março e Maio de 2004, em Vila Viçosa.

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