Portugal em Guerra na Grande Guerra (1914-1918)

September 24, 2017 | Autor: Nuno Lemos Pires | Categoria: Military History, Historia Militar
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Publicado em 2011, atas do III Ciclo de Conferências O Algarve e a 1ª República, Tavira, Regimento de Infantaria 1 e Universidade do Algarve

Portugal em Guerra na Grande Guerra de 1914-1918

Nuno Lemos Pires1

“Portugal foi como um pequeno seixo aspirado pelo turbilhão do grande furacão, que se vê empurrado por ventos violentos a velocidades espantosas, por caminhos desconhecidos e para destinos não desejados” (Telo, 2010: 230)

Portugal participa na Grande Guerra de 1914-18. As razões da decisão e participação da sua entrada estão hoje bem documentadas e estudadas. São vários os autores de referência que nos ajudam a entender “os porquês” da entrada de Portugal na Grande Guerra, entre outros permitam-me que destaque António José Telo, Aniceto Afonso e Matos Gomes, Alves Fraga, Santa Clara Gomes, Nuno Severiano Teixeira e Marco Fortunato Arrifes ou as “clássicas referências” de Ferreira Martins, Hernâni Cidade, Gomes da Costa ou Ramires Oliveira (ver no final do texto a bibliografia com as obras publicadas pelos autores referidos).

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O Tenente-Coronel de Infantaria/ Operações Especiais, Nuno Correia Barrento de Lemos Pires é Professor de História e Relações Internacionais na Academia Militar e Doutorando em História, Defesa e Relações Internacionais no ISCTE e AM. Desempenhou funções de instrução e comando na Escola Prática de Infantaria, Professor de História Militar no Instituto de Altos Estudos Militares, Intelligence Officer no NATO Rapid Deployable Corps – Espanha, Assistente Militar do Comandante do Joint Command Lisbon e Comandante do 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado/ Brigada Mecanizada. Participou em missões em Moçambique, Angola, Paquistão, Etiópia e Afeganistão (esta última como Chefe de Estado Maior da Operational Mentor and Liaison Team da Kabul Capital Division). Com várias obras publicadas, colaborou em diversos livros e projectos escritos nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, tendo igualmente publicado dezenas de artigos em diversas revistas e jornais e palestrante habitual em Portugal e Espanha.

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Como tal não vou arriscar a novas interpretações e limitar-me-ei a fazer eco das suas conclusões. Portugal participou na Grande Guerra em quatro grandes frentes: Angola, Moçambique, Flandres e no Mar. Em Angola e Moçambique houve consenso, a defesa das nossas colónias era uma prioridade assumida pelas várias sensibilidades políticas; na Flandres houve fortes divisões sobre a participação portuguesa, interna e externamente. No Mar fizemos o que os meios possibilitaram. As somas destas quatro frentes, por si só, traduziram-se num esforço “gigantesco” para Portugal. Mas Portugal esteve ainda em Guerra nesse período numa outra frente que pouco se costuma relacionar nesta época, numa “frente interna”, entre movimentos militares, revoluções ou golpes de estado, que também causaram elevados números de mortos, feridos, desaparecidos, desertores, presos, em suma, muita mobilização social e enorme instabilidade. Vamos por isso falar deste esforço português nestas “cinco” frentes2 e tentar dar uma panorâmica, essencialmente ao nível operacional, deste esforço interno e externo que se desenvolveu, se cruzou e fundamentalmente, se somou, para uma mobilização geral de forças armadas e de segurança que alcançou os 200.000 homens, em terra e no mar, na Europa, África, Atlântico e Índico3. A caminho da Grande Guerra A Grande Guerra não foi uma surpresa. Muitos indícios apontavam para uma espiral de violência crescente que poderia levar a um conflito generalizado e global, como acabou por se verificar entre 1914 e 1918: 1. A construção em 1898 de uma esquadra de alto mar Alemã pondo em causa a hegemonia naval britânica4; 2. A crise de Fachoda5 e a guerra hispano americana em 1898; 3. A guerra Anglo-Boer de 1895 e 1899; 2

Segundo Nuno Severiano Teixeira ainda podemos falar de mais uma frente: a frente “nas chancelarias” (Nuno Severiano Teixeira em Arrifes, 2004: 15) – assim seriam “seis” as frentes da Grande Guerra; 3 Ver também números mais detalhados em Pires, 1997: 62 4 “a causa isolada mais importante da grande guerra” Telo, 2010: 238; que se traduziu numa “primeira Lei Marítima de 1898 seguir-se-iam mais três: em 1890 o programa de cruzadores, em 1906 o de couraçados e em 1912 o de submarinos” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 20 5 No actual Sudão – referência a um incidente que opôs fundamentalmente a França à Grã-bretanha tendo como fundo o plano ferroviário africano mas que incluiu também a Alemanha, Egipto, etc.

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4. A guerra do Japão com a China e Rússia em 1905; 5. As duas crises de Marrocos; 6. Por último as crises Balcânicas que seriam o definitivo “causus belli” no caminho da guerra6. Em síntese, nos anos finais do século XIX e princípios do XX o principal poder “hegemónico” mundial perdeu protagonismo e poder, a Grã-Bretanha, e os restantes poderes acertaram-se no “tabuleiro” global: Japão7, Alemanha, Império Otomano, França, Espanha, Estados Unidos, etc. O atentado de Sarajevo de 28 de Junho de 1914 iniciou a guerra. O bósnio Gavrilo Princip assassinou o herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco Fernando e esposa8. A Sérvia é apontada como culpada. Seguem-se ultimatos. A guerra começa no verão de 1914 e por dever entre potência beligerantes aliadas, torna-se mundial em pouco tempo. As grandes potências encontravam-se unidas em torno de duas alianças. A Entente Cordiale: a Grã- Bretanha saindo do seu “esplêndido isolamento” do século XIX, junta-se à França9 e alarga-se posteriormente à Rússia e à Itália. No pólo oposto cria-se a Triple Entente: Alemanha com a Áustria-Hungria, posteriormente alargada ao Império Otomano e à Bulgária10. As consequências da guerra 14-18 foram devastadoras, dois milhões de mortos em combate (calcula-se em mais de 9 milhões de mortos totais), a alteração dos mapas do mundo com novas fronteiras, regiões e países, assinalando-se ainda o fim de quatro grandes impérios (Alemão, Austrohúngaro, Russo e Otomano). Deveria ter sido uma guerra rápida e fulminante mas não foi nada disso. O grande plano alemão para a guerra, denominado de 6

O sentimento de que uma guerra seria inevitável pode ser encontrado nas palavras de Bismark ao Reichtag em 1887: “daqui a dez dias ou daqui a dez anos, não saberei dizê-lo. Napoleão III lançou-se numa guerra contra nós para, acima de tudo, reforçar o seu poder no interior das suas próprias fronteiras. Por que motivo não tentaria o general Boulanger fazer o mesmo, se chegasse ao poder?” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 21 7 “Os japoneses, com o intuito de reforçarem a sua posição estratégica, ocupam Tsingtao, cidade chinesa ocupada pelos alemães; e as ilhas Marianas, Marshall e Carolinas. Tropas neozelandesas e australianas invadem Samoa, a Nova Guiné Alemã (actual Papua) e as ilhas Salomão e Bismark” Arrifes, 2004: 18 8 A condessa de Hophenberg (Oliveira, 1994: 27) 9 “o mediterrâneo era agora deixado ao cuidado da marinha francesa o que marca um a divisão de tarefas estratégicas anglo-francesas impensável no século XIX” Telo em Afonso e Gomes, 2010: 11 10 Austria-Hungria e Alemanha por um lado e Sérvia, Rússia, França, Inglaterra e Bélgica, pelo outro. Vieram a aliar-se à Alemanha: Turquia (1914), Bulgária (1915). Ao lado da Tríplice Entente: Sérvia, Roménia, Montenegro, Japão (1914), Itália (1916), Grécia (1917), Portugal (1917), Polónia, Checoslováquia, EUA (1917) e Brasil (Oliveira, 1994: 29)

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Plano Schlieffen, sucessivamente alterado, não se concretizou e de uma guerra pensada para ser curta e fulminante entrou-se numa guerra agonizante, cruel, de trincheiras11. Portugal entra na Guerra. Primeiro porque queria manter as suas colónias e a defesa das mesmas gerou um consenso quase absoluto. Depois decidiu enviar forças para a Flandres mas esta não obteve acordo12 entre as várias forças partidárias em Portugal. As razões invocadas para participar foram várias, mas destacamos as mais importantes: 1. Por dever com os aliados ingleses. É verdade que durante o último século e início do XX a Inglaterra apenas manteve um aliado permanente e este foi Portugal13 e os governantes portugueses argumentaram que se o nosso aliado pedisse a nossa ajuda (embora com muitas reservas e condições) então deveríamos agir. Na verdade a GB nunca o pediu, pelo contrário, tentou por variadíssimas formas manter Portugal afastado da frente ocidental europeia mas tal não evitou que a política se servisse do argumento da aliança para justificar a entrada na Guerra. 2. Para manter a nossa individualidade na Europa14 e fundamentalmente no seio da Península Ibérica, contras ambições de anexação por parte da Espanha15. Entrando na Guerra quando a Espanha16 se mantinha neutral mostrava às restantes potências um Portugal autónomo e independente do grande poder Peninsular e simultaneamente possibilitava o direito de nos sentarmos “à mesa” dos vencedores no final do conflito.

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Ver o capítulo – Guerra curta e fulminante - um erro de previsão: Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 39-44; 12 Ver o capítulo – Portugal: nem neutralidade, nem beligerância: Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 103104 13 “um poder menor, mas importante para ajudar a controlar a passagem do Mediterrâneo e a ligação ao Atlântico sul […] O princípio britânico era muito simples: era preferível que as colónias portuguesas pertencessem a um aliado seguro, do que aceitar a sua divisão (das colónias portuguesas), que implicaria que uma parte passava para outros grandes poderes rivais” Telo, 2010: 231 14 Que também passava por uma certa afirmação face à Grã-Bretanha: “a tentativa de fuga à subordinação diplomática e económica a Londres” Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 13 15 “a concentração de forças do exército espanhol junto à fronteira com Portugal logo na sequência da proclamação da república foi o sinal de alerta” Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 18; e também: “quando perguntam ao Rei de Espanha qual o preço que esperava receber (pelo apoio à França), a sua resposta é imediata, afirmando sem qualquer hesitação ou rodeis «A anexação de Portugal!»” Telo, 2010: 283 16 “nas vésperas da guerra, as pretensões espanholas de hegemonia peninsular, reforçadas pelo grave enfraquecimento do tradicional suporte externo britânico, constituíam uma grave ameaça para a independência portuguesa”Gómez em Afonso e Gomes, 2010: 38

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3. Porque a Alemanha nos declarara guerra (já no decorrer da Guerra em 1916), claramente provocada por nós e assim, parecia que tínhamos de responder participando no esforço aliado da frente ocidental. 4. Como forma de unir os portugueses em torno de uma causa comum, como forma de apaziguar as enormes divergências internas17.

A frente Interna e as (in)decisões políticas Enquanto Portugal mobiliza e combate nas frentes externas, a instabilidade interna é enorme: de 1910 a 1918 há quatro Presidentes da República, “dois são derrubados por movimentos militares, um é assassinado e só um sai de forma não violenta do cargo (Teófilo Braga) […] sucedem-se 16 executivos, com uma média de 6,18 meses no poder. Nenhum termina o que seria um «mandato normal» […] nenhum alcança sequer metade de um mandato normal”18. Quase todos estes “curtos” governos enfrentam “greves gerais, incursões, estados de sítio, revoltas ou revoluções”19 e assim foram constantes os actos de violência e de ameaça em que se vivia. A política guerrista de uma facção importante em Portugal provoca ainda mais esta instabilidade, ou seja a vontade de uns em provocar a nossa entrada na Grande Guerra alimenta e exponencia a instabilidade. A dimensão da instabilidade durante a guerra é imensa, comporta elevadas consequências em termos de mobilizações internas, conflitos, muitos mortos e feridos “Não é só o governo que treme, é toda a sociedade portuguesa que assiste entre estupefacta e aterrorizada a uma guerra diária nas ruas das principais cidades, que em 1917, provoca mais mortos e feridos do que os sofridos pelo CEP em França”20. Portugal entra na Grande Guerra mas nunca esteve pronto para nela entrar. A reorganização militar decidida em 1911 ficou longe de estar cumprida21. A 17

“Os republicanos radicais viam aqui a solução para todos os problemas. Como poderia o povo português deixar de se unir num esforço de salvação da Pátria, o valor que se sobrepunha a todos os outros?” Telo, 2010: 301 18 Telo, 2010: 179 19 Telo, 2010: 180 20 Telo, 2010: 206 21 Ver o capítulo - Reorganização militar de 1911: Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 27-29

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Armada também pensa em planos ambiciosos mas que tardam em ser concretizados22. As divisões internas continuaram nos anos a seguir à implantação da república: monárquicos e republicanos, entre monárquicos e entre republicanos. Instabilidade, impreparação militar e conflitualidade interna. São mau prenúncio para entrar numa Grande Guerra. “Para os dirigentes do Partido Democrático e para os republicanos radicais a guerra surgia com a resposta a todos os problemas, embora fosse igualmente uma conjuntura perigosa.” (Telo, 2010: 299) A França foi a primeira a pedir apoio a Portugal mal se iniciou a Grande Guerra: pede peças de artilharia23. Portugal impõe que uma unidade militar acompanha o material – uma Divisão Auxiliar. Por vários motivos, entre os quais a necessidade de reforçar África e a incapacidade real de mobilizar os 22.000 efectivos previstos, a Divisão acabou por não embarcar com destino à França mas, o material sim. Estando a decisão tomada do não envio da Divisão Auxiliar para o continente europeu, segue-se a decisão de suspender a preparação dessa Divisão e assim, todo um esforço de aprontamento de uma unidade desta dimensão fica completamente parado (António José Telo recorda-nos que desde o final da Guerra Peninsular, quando uma divisão foi preparada para ser enviada para Waterloo e que acabou por ser enviada para o Sul do Brasil em 1816 que nunca mais Portugal tinha preparado ou aprontado grandes unidades convencionais para combates na Europa). A prioridade é então África. Na frente interna os efeitos da participação de Portugal na guerra também se fazem sentir, por um lado existia sempre a possibilidade de uma ataque directo24 e por outro a crise interna era evidente. A guerra dentro de Portugal cresce durante o período da Grande Guerra, seleccionámos alguns dos exemplos que mais se destacaram:

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Ver o capítulo – Armada Portuguesa – Planos e realidades: Telo em Afonso e Gomes, 2010: 27-29 36 baterias de peças de 75mm (Telo, 2010: 308) e “Portugal conta com um número razoável de peças Schneider” (372) 24 “embora o grau de probabilidade de um ataque terrestre fosse considerado baixo” S. Clara Gomes em Afonso e Gomes, 2010: 286; 23

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A 14/15 de Maio de 191525 - Marinha, Exército, GNR e civis armados combatem nas ruas numa “quase réplica” do 5 de Outubro, mas o resultado final é mais sangrento e causa mais de 200 mortos e bastante mais de 500 feridos26. Entretanto, na segunda metade de 1915, os combates aumentam no Médio Oriente e junto ao Bósforo, a guerra dos submarinos torna-se mais intensa, a Itália junta-se à aliança Franco-Britânica e a Grã- Bretanha passa a considerar mais útil uma eventual participação portuguesa no teatro de operações europeu27. Em Fevereiro de 1916 a Grã-Bretanha, pressionada pela França (claramente pode ser identificado que existem uma estratégia francesa e inglesa diferentes no que respeita à participação de Portugal28), pede a Portugal a requisição dos navios alemães em portos portugueses que o País aceita e executa antes de terminar o mês. A Alemanha protesta a 27 de Fevereiro e a 9 de Março declara-nos guerra. No final de Julho, depois de demoradas negociações, a Grã-Bretanha tinha aceite não só o envio de um corpo expedicionário português

como

também

asseguraria

o

seu

transporte,

armamento,

abastecimento e treino. Portugal recebe dos britânicos um crédito ilimitado que pagaria depois da guerra (viria a ultrapassar os 25 milhões de libras e levaria 30 anos a ser pago!) mas tem de entregar 80% dos navios alemães apreendidos à Inglaterra29. A 13 de Dezembro de 1916 novo movimento militar contra o Governo (neste caso a “União Sagrada”)30 que inclui tropas dos regimentos de Tomar, Abrantes

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Por questão de síntese não referimos todos os factos relevantes mas é importante lembrar que a 25 de Janeiro de 1915 se tinha dado um “golpe de estado” que tinha colocado no governo o General Pimenta de Castro que acumulou a pasta da guerra e dos estrangeiros (Oliveira, 1994: 48) mas que termina exactamente na data de 14 de Maio; 26 “Nunca se vão apurar os números exactos, mas Rocha Martins menciona que só nos cemitérios de Lisboa foram enterradas 102 vítimas mortais, com pelo menos mais 6 mortos em Santarém e no Porto; 6 hospitais de Lisboa trataram ainda 547 feridos, fora os outros que receberam tratamento noutros locais (…) foi a mais sangrenta de todas as movimentações da república, com a particularidade de que a maioria das vítimas se registou depois do cessar fogo” Telo, 2010: 325-326 27 Telo, 2010: 330 28 Ver a este respeito Telo, 2010; 29 Telo, 2010: 337 30 “a alteração e a instabilidade interna da situação interna portuguesa viriam a agravar as deficiências da cooperação militar, provocando naturais reservas e críticas das autoridades e comandos britânicos” Oliveira, 1994: 85

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e Castelo Branco31. A 19 de Maio de 1917, devido ao súbito aumento dos produtos alimentares básicos, começa uma onda de grave indisciplina social verificando-se assaltos a mercearias, padarias, etc., o governo tem de decretar o estado de sítio, foram os 3 dias da “revolução da batata” que terminou com 22 mortos e mais de 50 feridos e enormes prejuízos materiais. Até Outubro de 1917 o País regista uma vaga de assaltos e movimentações populares. Tanto o Exército como a GNR são chamados a intervir. A acompanhar um País em convulsão sucedem-se as greves. Milhares são detidos, há tiroteios, feridos e mortos. Fala-se do milagre de Fátima. O Exército tem de intervir e mesmo ocupar organismos públicos. No final de 191732, a insatisfação é geral, à desordem pública junta-se a enorme miséria, muita fome e alastram epidemias que causariam dezenas de milhares de mortos em 191833.

A Frente Africana “o soldado desconhecido de África é bem mais desconhecido que o da Flandres” (Arrifes, 2004: 27) Em África encontravam-se quatro colónias alemãs: Togo, Camarões, Sudoeste Africano (Namíbia) e África Oriental (Tanganica). As duas últimas faziam fronteira com territórios portugueses, Angola e Moçambique. A guerra para Portugal começa efectivamente em África. Na defesa das colónias portuguesas há um consenso interno e externo, Londres manifesta a disponibilidade de ajudar Portugal em caso de ataque e “recomenda que Portugal conserve as suas forças próprias para a defesa do território em África”34. O governo Português nomeia o antigo ministro da guerra, General Pereira de Eça, para Angola. Para a primeira força expedicionário portuguesa foi nomeado 31

Telo, 2010: 340 “ o governo foi derrubado por uma revolta chefiada por Sidónio Pais, em 5 de Dezembro de 1917” Oliveira, 1994: 85 33 Telo, 2010: 345 34 Telo, 2010: 306 32

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o Tenente-coronel Alves Roçadas que chega a Moçamedes a 27 de Setembro de 191435. O problema é simples de descrever, em Angola, a sul, existia já uma importante colónia bóer e alemã que tentava revoltar as populações locais contra o domínio português; na colónia alemã estavam algumas forças junto à fronteira36 (em pequeno número uma vez que a maioria dos 3.000 militares se concentrava a sul por onde viria a grande ameaça, da colónia sul-africana). O “causus belli” inicia-se em Naulila, num posto de fronteira onde (tudo aponta para uma provocação portuguesa, bastante mal pensada, sem se saber ao certo se foram ordens recebidas “de cima” ou por iniciativa local) são mortos 3 alemães e aprisionado o intérprete que os acompanhava37. A resposta alemã é imediata: atacam o posto de Cuangar causando a morte 21 militares portugueses38 e continuam os ataques a diversos postos de fronteira. A expedição de Roçadas concentra-se então em Naulila onde se trava um importante combate (69 mortos e 76 feridos)39. Os portugueses retiram, o General pereira de Eça assume o comando das forças no terreno mas, os alemães também acabam por retirar. A derrota militar dos alemães face às forças sul-africanas terminara a ameaça alemã (em 9 de Março de 1915)40, mas a presença bóer e alemã no sul de Angola provocara os efeitos pretendidos e vão seguir-se nessa zona mais dois anos de campanhas de pacificação o que vai justificar o envio de sucessivas expedições nacionais para esta região (ver descrição das operações em Pires, 1997: 73-74)41. Em Moçambique a situação é bastante mais prolongada e dramática. No comando das forças alemãs (3.000 europeus e 11.000 africanos) está um oficial considerado brilhante e inovador: Von Lettow-Vorbeck. A colónia alemã 35

Cerca de 1525 homens do RI 14 (Viseu) Telo, 2010: 425; “um batalhão de Infantaria 14, um pelotão de metralhadoras, uma bataria de artilharia de montanha, um esquadrão de Cavalaria 9 e elementos de diversos serviços” (Pires, 1997: 73) 36 “residiam cerca de 7.000 colonos europeus. Tinham uma guarnição de 3.000 homens cuja missão era defender um território enorme, fracamente povoado e semidesértico” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 138 37 Ver descrição em Pires, 1997: 73, Telo, 2010: 426 e Oliveira, 1994: 169-171 38 “matando 8 militares e 1 civil” Telo, 2010: 426; “nesta acção morreram o Tenente Ferreira Durão (…) Tenente Machado, 1 sargento europeu e 5 praças europeias e 13 indígenas assim como o comerciante Nogueira Machado” Oliveira, 1994: 171 39 Telo, 2010: 426 e também descriminados por categorias e origens em Oliveira, 1994: 175 40 Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 138 41 Total dos mortos e feridos nas campanhas do sul de Angola: 1.493 (não incluindo os carregadores), Oliveira, 1994: 191

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está rodeada por países em guerra com a Alemanha42 (Portugal ainda é neutral) e Lettow-Vorbeck surpreende tudo e todos, face a um possível esmagamento pelas mais de 50.000 forças aliadas, ingleses, belgas e franceses, opta por iniciar a ofensiva a norte para o Quénia, a sul para Moçambique. Obtém importantes sucessos. Portugal mobiliza. Primeira expedição com cerca de 1527 homens sob o comando do coronel Massano de Amorim43. A má preparação das forças para actuarem naquela região começa logo nesta primeira expedição e vai continuar-se pelas restantes. As baixas são imensas e quase todas devidas a doença. No final das várias campanhas, das 2007 baixas apenas 54 serão atribuídas a baixas em combate44. Em Março de 1916 a situação é péssima, a segunda expedição não consegue atingir a fronteira que tem de defender, as baixas da segunda expedição são já de 50% sem terem entrado em combate45. Entretanto o cerco de Belgas, franceses e britânicos aperta-se sobre as forças Lettow-Vorbeck46. As posições portuguesas parecem assim as mais vulneráveis, em 1916 Portugal já está em Guerra declarada com a Alemanha e o governo português pressiona os militares para passarem à ofensiva. Nova expedição, esta com mais efectivos, é enviada para o Rovuma. Os combates intensificam-se em ambos os lados da fronteira. São evidentes para os alemães os problemas gravíssimos que afectam a vida e moral das tropas portuguesas. Em Junho de 1916 já são vários os postos fronteiriços ocupados pelos alemães e em Julho (já com a 3ª expedição no terreno sob o comando do 42

“África Oriental Alemã (AOA) – como era então designado o território que hoje constitui a Tanzânia, o Ruanda e o Burundi – era a mais próspera colónia de todo o império alemão” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 138 43 No total do esforço de mobilização português para Angola e Moçamique temos: “enviado para África: 19.438 homens para Moçambique e 12.500 para Angola” Telo em Afonso e Gomes, 2010: 260; para termos uma noção da distribuição do esforço temos: “para Moçambique, entre 1914 e 1918, 825 oficiais e 18273 praças enquanto que no mesmo período a guarnição da província só fornece 303 oficiais, 682 praças europeias e 10778 praças indígenas. Em Angola, entre 1914 e 1915 período em que decorrem os confrontos com as tropas alemãs, partem do continente 348 oficiais e 9988 praças, fornecendo a guarnição da província entre 1914 e 1918 um total de 292 oficiais, 1744 praças europeias e 9240 praças indígenas” (Arquivo Histórico Militar 2 10 1 2. em Arrifes, 2004: 77) 44 Pires, 2010: 73 a que se juntam as 2804 de africanos (Telo, 2010: 437); dados estatísticos estão disponíveis em Oliveira, 1994: 189-191; 233-235; 45 Telo, 2010: 49; 46 As forças alemãs “organizavam-se em companhias. Por vezes agruparam-se em 2 ou 3 unidades tipo batalhão. Possuíam viaturas adequadas à razoável rede de estradas e meios tsf fixos e móveis. Dispunham de boa artilharia, incluindo peças de um navio de guerra que desmontaram e utilizaram com êxito nos combates em terra, e de metralhadoras ligeiras e pesadas” Oliveira, 1994: 196

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Coronel Ferreira Gil) inicia-se a tão desejada ofensiva portuguesa em coordenação com a ofensiva aliada vinda de norte sobre Lettow-Vorbeck. A 26 de Outubro de 1916 a povoação de Newala, a 200 km a norte do Rovuma, ou seja, dentro do território alemão e depois de algumas acções militares, é ocupado pelas forças portuguesas. Aparentemente o avanço português tem sucesso. Mas em Novembro já os alemães retomavam Newala, segue-se a retirada para Moçambique que acaba por terminar em 7 Dezembro, perdendo Portugal além de vidas, muito material e munições. Entretanto Lettow-Vorbeck vai combatendo nas outras frentes sem contudo se empenhar decisivamente, no entanto vai sendo pressionado para Sul em direcção a Moçambique. Os aliados preparam uma nova ofensiva para o Outono de 1917 e pedem a Portugal que defenda bem a sua fronteira no Rovuma. Chega a Moçambique a 4ª expedição sob o comando do Coronel Sousa Rosa. Portugal já tem no Rovuma, em postos de defesa dispersos, cerca de 6.500 militares, com 32 metralhadoras e 8 peças de artilharia 47. O génio de Lettow-Vorbeck vai abrindo caminho, ele representava a forma moderna de fazer a guerra, como veremos nas guerras futuras na segunda metade do século XX e do outro lado combatiam outras forças com as velhas doutrinas, conservadoras e convencionais, do século XIX. A 21 de Novembro de 1917 Lettow-Vorbeck entra com as suas forças em Moçambique48 e conquista a povoação de Ngomano que estava defendida por cerca de 1.000 militares portugueses49. A intenção alemã era oposta à portuguesa, o movimento era o fundamental e do lado português defendia-se “palmos de terra”. Assim a força alemã penetrou profundamente em Moçambique, até Quelimane, e mesmo com a participação de outras forças aliadas, Lettow-Vorbeck acabou por sair invencível de Moçambique. A 28 de

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Telo, 2010: 433 “com 2.200 espingardas, sendo 300 europeus e 3.000 carregadores dos quais alguns combatentes, organizadas em 15 companhias. Dispunha ainda de bastantes metralhadoras e algumas peças de artilharia” Oliveira, 1994: 224 49 “No domínio do armamento teanto portugueses como alemães se caracterizaram por uma escassa incorporação de progresso tecnológico, ao contrário do que se passava com as tropas britânicas […] o armamento nacional é muito desigual pois tanto se utilizaram recursos desactualizados como as Mannlichers de finais de do séc. XIX ou as mais recentes Mauser-Vergueiro, aparecidas em 1904, e as metralhadoras Maxim” Arrifes, 2004: 157 48

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Setembro de 191850, passa de novo a fronteira do Rovuma junto ao lago Niassa e regressa ao território alemão. A campanha de Lettow-Vorbeck só termina na Rodésia em Novembro de 1918 e apenas porque a guerra tinha terminado na Europa. Nunca foi vencido. Os portugueses nada puderam fazer contra este general “genial”, mas diga-se que os restantes aliados também não51. De Portugal foram enviados para Moçambique 19.438 militares a que juntaram cerca de 1.000 europeus e 19.278 africanos no território52. “Do ponto de vista português, a campanha de Moçambique foi um desastre”53 mas “pudemos afirmar que nenhum dos objectivos operacionais foi atingido em África, mas que terminada a guerra o objectivo político fundamental, a preservação do espaço colonial português é alcançado na totalidade”54.

A Frente Ocidental Europeia “Quando a guerra estalou na Europa nem o Exército nem a Armada estão minimamente preparados para ela” (Telo, 2010: 371) Como dissemos anteriormente, a suspensão da preparação da Divisão Auxiliar que deveria ter acompanhado as peças de artilharia cedidas a França, foi uma decisão que atrasaria imenso a preparação de uma unidade deste tipo para ser projectada para a região da Flandres ou França. No entanto, os estudos prosseguiram e, embora existissem “materiais base” para equipar uma Divisão (artilharia e armas ligeiras, metralhadoras) as mauser portuguesas tinham calibres diferentes e as munições da nossa artilharia também. Além disso faltava artilharia média e pesada, material de comunicações, transportes, etc., em suma: faltava muito do apoio de combate, apoio de serviços e não havia garantia de sustentação logística55.

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Oliveira, 1994: 232 Telo, 2010: 437 e Oliveira, 1994: 232 52 Ver números descriminados em Oliveira, 1994: 233 53 Telo, 2010: 437 54 Arrifes, 2004: 287 55 Telo, 2010: 376 51

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Assim, as forças a serem projectadas precisariam de quase tudo, além da capacidade de transporte estratégico que Portugal não tinha, dependia dos aliados para equipar, armar, municiar … praticamente … tudo! O esforço de reunião de pessoal e material só vai ser iniciado em 1916, em Tancos, e com grandes manifestações de má vontade, incluindo, pequenas acções de indisciplina de várias das unidades militares. Depois de um período de reunião, exercícios e treinos em Tancos, num tempo demasiado curto para a “gigantesca” tarefa que era preparar uma Divisão Operacional para o combate entre as mais modernas forças armadas mundiais, após este denominado “milagre de Tancos”56, as tropas começam, no meio de enorme indisciplina e “resistência” a embaraçar em Janeiro 1917. Portugal decide ainda aumentar o seu esforço de mobilização e começa a preparar uma segunda Divisão elevando assim a sua participação para o escalão de Corpo de Exército – o CEP: Corpo Expedicionário Português. O CEP vai receber o armamento necessário, na sua esmagadora maioria inglês: espingarda Lee-Enfield de 7,7 mm, metralhadoras ligeiras Lewis também de 7,7 mm (note-se o calibre diferente das Mauser-Vergueiro que equipavam o Exército Português), metralhadoras pesadas Vickers, espingardas com mira telescópica, espingardas com adaptação lança-granadas, granadas e morteiros, obuses 4,5 polegadas, méis de engenharia, transmissões, serviço de saúde, logística, etc. Portugal apenas utilizou as suas peças TR 75mm com que já estava equipado e que a França garantiria as munições necessárias e algumas das pistolas Savage e Luger utilizadas pelos Oficiais57. Uma das consequências deste equipamento “à inglesa” das forças portuguesas é que passam a existir dois “exércitos” em Portugal: o de África e o da França58. Portugal fica de facto bem equipado mas os problemas eram muitos antes de partirem e vão-se agravar rapidamente. Em síntese, apresentamos os mais relevantes: 56

“os meses de Maio e Junho passaram-se em Tancos a treinar as tropas segundo tácticas pouco adequadas ao que já acontecia em França […] Fosse como fosse, o milagre estava feito” Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 268 57 Telo, 2010: 382-383 58 Telo, 2010: 384

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O CEP necessitaria de receber 5.000 homens por mês vindos de Portugal para garantir o ciclo normal das rendições das unidades (por baixas, deserções e tempo de serviço na frente de batalha): os dois navios britânicos que transportaram as tropas do CEP vão ficar indisponíveis para assegurarem esse transporte (o argumento mais utilizado pelo britânicos é a necessidade de transportar os americanos que entravam na Guerra em 1917 mas há outros motivos – ver Telo, 2010: 389 – a capacidade portuguesa de transporte apenas dava para 10% das necessidades, 500 homens, e a alternativa de seguir por caminho de ferro através de Espanha não possibilitava o envio de grandes efectivos. O CEP fica assim isolado na frente da Guerra59. Utilizando terminologia dos nossos dias diríamos que perdemos logo desde o início o combate em profundidade, deixámos de ter ligação com a retaguarda e sem ligação, a não flexibilidade e a deterioração das forças na frente seria evidente, tanto física como moral;



A instabilidade política em Portugal viajou para a Flandres: transportámos as nossas guerras internas para a guerra das trincheiras. Há forte indisciplina, discute-se em permanência a revolução60, a desconfiança para com os britânicos é imensa e as divisões entre os principais generais, nomeadamente Tamagnini – comandante do CEP e Gomes da Costa – comandante da 1ª Divisão – são evidentes.



Sem reforços a decisão militar mais acertada é reduzir a presença Portuguesa do nível Corpo de Exército para o escalão Divisão – assim pedem os Britânicos, assim aconselha Gomes da Costa. Mas o impacto político sobrepõe-se à questão militar é “preferível que se aceite uma má solução militar para evitar um grande problema político interno” (Telo, 2010: 391) e a questão arrasta-se no tempo e só fica resolvida em Março de 1918, pouco antes da grande ofensiva alemã sobre o sector português.

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Para melhor entender a vida na frente de batalha ver artigo do autor “As trincheiras dos nossos Avós” publicado na Revista da Infantaria – Azimute nº162 em 1996; 60 Embora este fenómeno não seja exclusivo das forças portuguesas – também existe imensa indisciplina entre outras nações, nomeadamente Franceses – ver Telo, 2010: 388

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Vamos de seguida fazer uma pequena descrição cronológica da participação portuguesa na Flandres: 1. O embarque começa em Janeiro de 1917 – à chegada os soldados portugueses experimentam temperaturas que atingiam os 15 graus negativos61; 2. Abril de 1917 – 16 Batalhões portugueses e respectivo apoio de combate estão na Flandres – faz-se uma integração por fases no dispositivo britânico – a um período de formação nas escolas britânicas, companhias são integradas em Batalhões, mais tarde os primeiros Batalhões assumem os seus sectores nas Brigadas Britânicas; a. A 6 de Abril de 1917 entra em sector (Ferme du Bois) a 5ª Brigada de Infantaria que inclui o Batalhão de Infantaria 04 de Faro62; 3. Maio/ Junho de 1917 – sector português de 3,5 km na frente (Ferme du Bois) e os primeiros 41 mortos, 258 feridos e 14 desaparecidos63; 4. Novembro

de

1917

a

primeira

Brigada

Portuguesa

assume

completamente o seu sector; 5. Janeiro de 1918 – Proposta formal britânica para Portugal reduzir o seu efectivo para o escalão Divisão: desde o Outono de 1917 que existia um diálogo entre britânicos e portugueses que, a partir de Janeiro, se intensifica por Sidónio Pais: Os Britânicos querem reduzir o CEP a uma Divisão e incluir Oficiais ingleses no comando de unidade portuguesas os portugueses, por seu lado, querem navios de transporte; no final fica a Divisão, não entram os oficiais britânicos e nunca são cedidos navios de transporte. Entretanto os combates continuam no sector português64; 6. Em Março há uma epidemia de tifo65 em Portugal o que faz com que os poucos efectivos que chegam à Flandres sejam obrigados a ficar de quarentena – a situação das forças portuguesas, agora já reduzidas para uma Divisão, torna-se muito débil e começam os preparativos para a rendição da Divisão portuguesa por uma unidade inglesa – este é 61

Ou “18 a 20 graus negativos” ver descrição completa da chegada dos portugueses em: Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 289 62 Pires, 1997: 65 63 Telo, 2010: 386 e também os primeiros mortos no sector: “3-5 Junho de 1917 – ataque inimigo provoca 2 mortos, 5 feridos e 11 prisioneiros” Pires, 1997: 64 64 Ver Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 316, 382-388 e também Pires, 1997, 64-71; 65 “a epidemia do tifo exantemático em Portugal, que foi pretexto dos aliados para dificultar o transporte de pessoal, com o argumento do perigo de contágio” Oliveira, 1994: 87

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também o momento escolhido pelos alemães para lançarem as suas grandes ofensivas (tinham terminado os combates na frente oriental depois da revolução Russa66 o que permite um incremento das forças alemãs na frente ocidental de cerca de 30%67 e estavam a caminho da Europa os cerca de 2 milhões de militares americanos) – é preciso aproveitar a vantagem estratégica – a primeira ofensiva Francesa é a sul do sector onde estão os Portugueses e termina a 4 de Abril com mais de meio milhão de baixas para ambas as partes, imediatamente se vai seguir uma nova ofensiva, desta vez, onde estão os portugueses; 7. A rendição da Divisão é adiada por três vezes: primeiro seria a 23 de Março, depois 4 de Abril mas a data acabou por ser 9 de Abril68 – os alemães atacaram antes de esta se dar; 8. 09 de Abril de 1918 – Batalha de La Lys69 (ver descrição da batalha em Pires, 1997: 71): às 04 horas e 15 minutos começa a preparação intensa de artilharia, 5 divisões Alemães avançam contra cinco brigadas aliadas, ao centro estão 3 brigadas portuguesas. Se nenhuma Divisão aliada tinha até então resistido ao primeiro ímpeto das ofensivas alemãs70 também não seria a muito debilitada Divisão Portuguesa71 a excepção. Perto do meio-dia a força portuguesa está destruída. Dos 20.000 prontos para combate na madrugada do dia 9 registam-se ao final do dia cerca de 7.000 baixas: 6500 prisioneiros72 e feridos, 400 a 600 mortos73. Irão ser as unidades britânicas que se preparavam para render a Portuguesa que estabelecem uma nova linha defensiva na retaguarda (também as unidades britânica na frente tinham sido destruídas e retiraram). No final desta ofensiva alemã registaram-se cerca de 400.000 baixas entre os 66

“a 3 de Março, as partes em guerra assinaram, em Brest-Litovsk, o tratado de paz […] Aos alemães, naturalmente, competia tirar partido do encerramento da campanha na frente oriental […] a maior parte das unidades foram, progressivamente, transferidas para França” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 344 67 Pires, 1997: 62 e 71 68 A 6 de Abril “assumiu o comando o general Gomes da Costa. O comandante do XI Corpo de Exército britânico conferenciou com o general Gomes da Costa e com todos os comandantes de brigada e informou-os que a Divisão, se houvesse ataque, teria de morrer na linha B” Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 396 69 “marca de modo permanente quer o Exército quer a Nação” Oliveira, 1994: 103; 70 Telo, 2010: 403 71 “cansaço e abatimento moral por falta de rotação e excessiva permanência na frente; dificuldades operacionais provocadas pelo clima, pelas características do terreno e tipo de guerra […] era elevada a falta de efectivos orgânicos, mais sensível na Infantaria e na Artilharia” Oliveira, 1994: 103-108 72 “só foram repatriados 6767 prisioneiros, tendo falecido durante o cativeiro 5 oficiais 228 praças, incluindo 13 sargentos” Oliveira, 1994: 146 73 Telo, 2010: 404

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aliados, além da Divisão portuguesa74 também 8 divisões britânicas tinham ficado destruídas. 9. Até ao final da presença portuguesa na Flandres, as remanescentes tropas portuguesas vão manter-se na retaguarda75, em treino e executando trabalhos auxiliares, algumas unidades são incluídas em unidades britânicas. Seguem-se propostas britânicas: primeiro refazer o CEP com comando britânico e oficiais seus nas grandes unidades do memo – Portugal responde violentamente “não!” – depois refazer o CEP a duas Divisões (uma na frente de um sector calmo e outra na retaguarda) – Portugal diz sim, mas antes de se concretizar o plano, a Grande Guerra termina em Novembro de 1917. 10. A partir de Agosto de 1918 e estendendo-se por 1919, os Britânicos encontram os navios necessários para repatriar o CEP. O CEP, que nunca foi mais do que uma divisão na frente ocidental, combateu dividido entre as suas forças, entre generais e soldados, entre tendências políticas e movimentos, entre a má preparação e a coragem. O soldado português fez o possível nestas terríveis condições, entre uma força inimiga que lhe conhecia a debilidade e uma força aliada que não confiava no valor combatente da unidade e, praticamente isolado, tentou “sobreviver” sem sentir qualquer apoio real de quem lhes tinha dado a ordem para ir para ali combater.

Uma nota para falar também da Guerra no mar (a frente naval): “A marinha mercante nacional perde na guerra 15 navios a vapor (com 14.820 t) e 56 veleiros (com 13.870 t) das unidades que tinha antes de 1916 […] todos são vítimas

de

submarinos”76.

A

missão

da

marinha

portuguesa

foi

fundamentalmente a da defesa dos principais portos nos vários territórios, transporte e reabastecimento logístico e as escolta a comboio de navios. A Marinha mobiliza ainda 3 batalhões para Moçambique e Angola. Alguns dos 74

“1 Divisão entre 173, e de 7 mil baixas nacionais entre as 400 mil aliadas, nos meses de Março-Abril de 1918” Telo, 2010: 406; uma referência às baixas causadas por armas químicas entre os portugueses: “Num total de 6.938 baixas não mortais do CEP, 1.848, ou seja, 26,6% eram gaseados, número inferior aos 34% aliados” Clara Gomes em Afonso e Gomes, 2010: 212; 75 “Pouco mais de 25.000 homens” Fraga em Afonso e Gomes, 2010: 426; 76 Telo em Afonso e Gomes, 2010: 258

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navios participam nas campanhas do Rovuma, no norte de Moçambique, tentando providenciar algum apoio de fogo e capacidade de transporte para a travessia do rio mas “ a travessia do rio, a 27 de Maio de 1916, é o desastre que tudo deixava prever”77. Infelizmente os graves problemas de organização existem no Exército como na Marinha.

Reflexões “Dos cerca de 65 milhões de homens mobilizados durante o conflito, quase 9 milhões haviam tombado nos campos de batalha. Dos que lograram sobreviver, cerca de 29 milhões sofreram ferimentos ou outras lesões em combate, alguns dos quais de extrema gravidade” Martelo em Afonso e Gomes, 2010: 507 Guerra terrível para a humanidade, para a Europa, para Portugal. O nosso País encontrava-se numa encruzilhada interna e externa. Não houve discernimento nem uma política coerente, para tal convergiram os inúmeros governos, as crises sociais, uma república que ainda não o era, o desnorte de quem não sabe exactamente o que fazer. Foi a “fuga para a frente”. Mesmo sem as condições, mesmo sem o claro apoio dos aliados, face a tantos problemas avançámos “em força” de número, mas com pouca ou nenhuma “força” em termos de doutrina, treino, equipamento, moral, apoio e sustentação. Foi um Portugal em Guerra interna que se projectou numa guerra externa. Foi uma facção “guerrista” da política nacional que insistiu no envio de uma força que, à partida, estava longe de ter as condições para cumprir a missão atribuída. A guerra que alguns desejaram foi a que acabou por ditar o fim do regime, como afirma António José Telo: “O regime morreu na lama da Flandres”. Fizemos parte dos que terminaram como vencedores “no papel”, porque como fizemos parte da aliança vencedora reclamámos vitória nas várias frentes, mas … e a que preço? Pagámos em homens, numa gigantesca dívida,

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Telo em Afonso e Gomes, 2010: 261

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numa humilhação militar e numa grave crise interna que se prolongaria, pelo menos, por mais uma década em Portugal. Aprendemos? Gostaríamos de afirmar que sim.

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BIBLIOGRAFIA Afonso, Aniceto e Carlos de Matos Gomes (2010), Portugal e a Grande Guerra 1814.1918, Lisboa, Quidnovi; Telo, António José (2010), Primeira República I – Do Sonho à Realidade, Lisboa, Editorial Presença; Arrifes, Marco Fortunato (2004), A Primeira Grande Guerra na África Portuguesa: Angola e Moçambique (1914-1918), Lisboa, Edições Cosmos e Instituto de Defesa Nacional; Costa, Gomes da (1936), A Guerra nas Colónias, Lisboa, Edições Portugal Brasil; Cidade, Hernâni (1933), Portugal na Guerra Mundial: 1914-1918, em História de Portugal de dir. Damião Peres, Vol. VIII, Barcelos; Fraga, Luís Alves (1990), Portugal e a Primeira Grande Guerra. Os objectivos Políticos e o Esboço da Estratégia Nacional 1914-16, Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa; Martins, Ferreira (Dir.) (1934-1938), Portugal na Grande Guerra, II vols, Lisboa, Edições Ática; Martins, Ferreira (1956), Portugal na Guerra de 14/18, Porto, Tipografia Modesto; Pires, Nuno Lemos (1997), Roteiro Histórico da Escola prática de Infantaria, Mafra, edições EPI; Oliveira, Ramires de (Coord) (1994), História do Exército Português – Terceira Parte: a Grande Guerra, Lisboa, Edições EME

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