Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações e Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada

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Aos Mistérios Vivos, almas de eleição, que me concederam o privilégio de com elas partilhar épocas, períodos ou momentos da minha vida Manuel Rodrigues † Maria da Luz † e Luís Capela † Domingos Conceição † João Cruz José Carlos Tiago de Oliveira P. Manuel Antunes † Carlos Silva Margarida Vasconcelos Agostinho da Silva † Juan G. Atienza Alberto Castro Ferreira Maria Beatriz Serpa Branco † António Barahona Dalila Pereira da Costa Rafael Monteiro † Vera Leroi † João Roque † Lucília Barata Lídia Rita Georges Gusdorf † José Alexandre Pelágio Maria Santos Pancadares (Mami) † José Carlos Barros Célia Costa Estêvão Miranda

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PREFÁCIO Vejam agora os sábios na Escritura Que segredos são estes da Natura! Camões (Os Lusíadas, V, 22)

A todas as criaturas humanadas (também às nações) cabe um destino e a correlata missão. A missão consiste na tomada de consciência das coordenadas do Mistério a que se chama destino. Toda aquela que empreender essa árdua, e nem sempre bem sucedida, amiudadas vezes solitária, caminhada transforma-se, inevitavelmente, num Mistério Vivo, contraponto da cultura monoreferencial do efémero: confessional, académica, corporativa ou outra qualquer. Ora, Portugal Sobrenatural, guia essencial das pessoas, lugares, mitos e símbolos do Portugal profundo, que ainda falta cumprir, surge, justamente, com o desígnio de resgatar tal aptidão contemplativa, investindo na constituição de um corpo informal, porém sagaz e transversal, de inteligência, capacitado para (mesmo arrostando com toda a espécie de brumas, temporais e contra-tempos) ir além do tormentoso mar das paixões e medos, outrora figurado pelo Bojador. Torna-se evidente a magnitude do programa. Em parte, mercê da demagogia mercantilista (é bom o que está a dar) de seculares gerações de agentes tutelares da colectividade nacional, os quais, adoptando estratégias de mercado em tudo idênticas às aplicadas à propaganda turística, e beneficiando de solidariedades bipolares (a roçar a patologia), têm logrado alcandorar-se ao poder, à custa da promoção da falsidade das coisas e dos valores. Em suma: mediante um discurso de compromisso, que prefere omitir e ignorar a interrogar, limitando-se a exaltar, consoante o pendor dominante dos ventos da História, fidalgas ou plebeias virtudes, sem penetrar a alma autêntica da terra e dos homens. Com efeito, e glosando o poeta, se o destino de Portugal continua, em boa parte, por cumprir, a lacuna não é intransponível, porquanto subsiste, nos recônditos infernais da memória colectiva lusa (expressa na cifra existencial, literária, musical, emblemática ou arquitectónica), a consciência tradicional dos rumos estimados, susceptíveis de descobrir e dar testemunho da sua vera essência. Isto, tão só porque os mitos, manifestando qualidades intrínsecas do Sagrado, consubstanciam uma mundividência que pressupõe a única globalização genuína. E, não obstante, a constatação cada vez mais lata do dinamismo inerente ao imaginário mítico, continue a esbarrar, no conformismo religioso e, designadamente, no caprichoso relativismo pseudo-científico que tem presidido ao ensino das chamadas humanidades. 7

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Tenho por verdadeiramente arbitrárias as razões pelas quais é recusada a certos mitos e tradições a legitimidade consentida a outros. No que me concerne, não admito, por uma questão de método, lançar, a priori, o anátema sobre determinados factos de cultura, somente porque não encaixam nos parâmetros convencionados. Tais inibições, de conveniência, reputo-as de atentatórias da «gravidade da Ciência», que, ou é do universal, ou não será Ciência de todo! Ao leitor compete aquilatar do sucesso ou insucesso deste intento, sustentado numa inequívoca profissão de fé nas vantagens do carácter independente do projecto (não foi objecto de qualquer subsídio, bolsa ou apoio institucional), sem embargo da sua envergadura: três volumes, destinados aos verbetes de A a Z do Portugal Sobrenatural e um quarto volume, intitulado Dicionário Histórico-Filosófico da Astrologia em Portugal, exclusivamente dedicado ao inventário sistemático, registo exaustivo e esclarecimento minucioso de todos os tópicos mais relevantes desta disciplina tradicional. No futuro, a conjugação destes com os volumes que hão-de constituir o Dicionário do Milénio Lusíada, garantirá o acesso a informação não comprometida sobre todas as mais relevantes facetas da cultura portuguesa. Portugal Sobrenatural reporta um manancial de matérias e tópicos obtidos a partir de disciplinas dispares e, por vezes, aparentemente contraditórias e inconciliáveis, para corresponder aos objectivos que lhe subjazem, desde a primeira hora. O plano gizado compreende verbetes subordinados aos seguintes complexos temáticos: Além e viagens da alma Amuletos e talismãs Animismo e superstição Arqueologia misteriosa Bestiário e fabulário Bíblia e apócrifos Botânica e lapidária simbólicas Censura e repressão Emblemática Entidades sobrenaturais e míticas Epifanias e invocações marianas Geografia sagrada e lugares mágicos Geometria e aritmosofia Hagiografia (santos, santões e mártires) Herejes, marginados e minorias Hermetismo e gnose

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Heterodoxos, visionários e inconformados Hierarquias celestial e infernal Iconografia religiosa e imaginária Letras, alfabetos e escritas Magos, feiticeiros e bruxos Medicina mágica Místicos e alumbrados Ordens, sociedades e movimentos Personagens e géneros literários Práticas mânticas Ritos e festividades Rostos e máscaras da morte Símbolos e alegorias Símbolos da liturgia e do poder Teogonia e mitologia pré-cristãs Teologia, dogma e apologética

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Normas seguidas na elaboração de PORTUGAL SOBRENATURAL – Deuses, Demónios, Seres míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares mágicos e Iconografia da tradição Lusíada 1. Portugal Sobrenatural organiza-se por ordem alfabética; 2. As pessoas devem ser procuradas sempre pelo seu apelido, simples ou composto, jamais pelo nome de maior notoriedade, porquanto este varia consoante as épocas. Exceptuam-se os nomes diferenciados dos do baptismo e dos apelidos de família, caso dos santos (ex. António de Lisboa, Santo), dos religiosos (ex. António dos Prazeres, Frei). Conserva-se o patronímico em vez de o substituir pela designação da terra de naturalidade ou por qualquer nome religioso (ex. António de Noto, Santo). Pseudónimos (ex. Aleister Crowley), criptónimos (ex. Alphun Sair) e heterónimos (ex. Alberto Caeiro) ocorrem sempre pela ordem alfabética do primeiro nome ou letra. Nos topónimos, o vocábulo Santo não é transposto (ex. Póvoa de Santo Adrião); 3. No que respeita aos acrónimos e às abreviaturas, utilizam-se os mais frequentes em publicações congéneres, ao mesmo tempo que os intuitivos. No início do volume I, será disponibilizada a Tábua dos acrónimos e abreviaturas adoptadas (ex. BN = Biblioteca Nacional de Lisboa; MNAA = Museu Nacional de Arte Antiga; BPNM = Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, etc.); 4. Os eventos, sucessos históricos e lugares (conventos, mosteiros, cabos, serras, etc.), quando expressos por um substantivo e um determinativo ou qualificativo, devem ser procurados nestes últimos: (ex. Alcobaça, mosteiro de; Santiago de Compostela, caminho de; etc.); 5. O asterisco (*) indica a remissão da palavra ou expressão assinalada para outro verbete específico; 6. Com o objectivo de facilitar a leitura e tornar acessíveis os documentos e fontes referenciadas, procedeu-se, geralmente, à actualização da sua ortografia e pontuação. Sempre que se justifique, são incluídas as cotas das fontes, da bibliografia e da iconografia nos arquivos, bibliotecas, museus ou colecções a cujos acervos pertençam; 7. A fechar cada um dos volumes que compõem Portugal Sobrenatural, o leitor disporá do índice temático dos verbetes abrangidos.

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TÁBUA DOS ACRÓNIMOS E ABREVIATURAS ADOPTADAS BIBLIOGRAFIA MAIS FREQUENTEMENTE CITADA CIL = Emílio Hübner, Corpus Inscriptionum Latinarum, v. 2, Berlim, 1869; Suplementum, 1892 DIP = José d’Encarnação, Divindades Indígenas sob o Domínio Romano em Portugal, Lisboa, 1975 Ernesto Soares = Ernesto Soares, Inventário da Colecção de Registos de Santos, Lisboa, 1955 ILER = José Vives, Inscriptiones Latinas de la España Romana, Barcelona, 1971-1972 RPH = José Maria Blasquez, Religiones Primitivas de Hispânia I. Fuentes Literárias y Epigráficas, Madrid, 1962 ARQUIVOS, BIBLIOTECAS, MUSEUS E MONUMENTOS ACL = Academia das Ciências de Lisboa ACPL = Arquivo da Cúria Patriarcal de Lisboa ACSÉv = Arquivo do Cabido da Sé de Évora ADBr = Arquivo Distrital de Braga ADÉv = Arquivo Distrital de Évora AGS = Arquivo Geral de Simancas AHDP = Arquivo Histórico Dominicano Português (Porto) AHMM = Arquivo Histórico Municipal de Mafra AHU = Arquivo Histórico Ultramarino AMAP = Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (Guimarães) ANTT = Arquivo Nacional da Torre do Tombo ARSJ = Arquivo Romano da Companhia de Jesus ASV = Arquivo Secreto do Vaticano AUC = Arquivo da Universidade de Coimbra AUM = Arquivo da Universidade do Minho BA = Biblioteca da Ajuda (Lisboa) BAPá = Biblioteca Antoniana de Pádua BGUC =Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra BCW = Biblioteca do Congresso de Washington BEsc. = Biblioteca do Escorial BN = Biblioteca Nacional de Lisboa BNMd = Biblioteca Nacional de Madrid BNPa = Biblioteca Nacional de Paris BPADAH = Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo BPADPD = Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Ponta Delgada 10

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BPNM = Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra BPBr = Biblioteca Pública de Braga BPÉv = Biblioteca Pública de Évora BPLe = Biblioteca Pública de Leiria BPMP = Biblioteca Pública Municipal do Porto BPVi = Biblioteca Pública de Viseu BVat = Biblioteca Vaticana BVolante = Biblioteca Volante (BPNM) CAM = Campo Arqueológico de Mértola CMP = Câmara Municipal do Porto HCL = Harvard College Library MAS = Museu Alberto de Sampaio (Guimarães) MASMO = Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas MCG = Museu Calouste Gulbenkian MM = Museu da Marinha (Lisboa) MMS = Museu Martins Sarmento (Guimarães) MNA = Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa) MNAz = Museu Nacional do Azulejo (Lisboa) MNAA = Museu Nacional de Arte Antiga MNAC = Museu de Arte Contemporânea (Lisboa) MNCo = Museu Nacional dos Coches (Lisboa) MNMC = Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra) MNSR = Museu Nacional Soares dos Reis (Porto) MusMil = Museu Militar (Lisboa) PNM = Palácio Nacional de Mafra ABREVIATURAS ca. = cerca de cap. = capítulo cf. = confira cod. = códice cod. alc. = códice alcobacense col. = coluna col. part. = colecção particular comp. = compilador cx. = caixa desd. =desdobrável dir. = director doc. = documento ed. = edição, editor ed. lit. = editor literário est. = estampa † = falecido fac-sim. = facsímile

fl. = fólio, folha fotogr. = fotografia i. e. = id est (isto é) il. = ilustrado (por) liv.º = livro m.º = maço ms. = manuscrito p. = página(s) s. d. = sem data s. l. = sem lugar de publicação séc. = século s. = seguintes t. = tomo(s) trad. = tradução, tradutor v. = volume(s) v. g. = verbi gratia (por exemplo) vide = veja-se 11

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A

A A Primeira letra do alfabeto, denominada «porta das matemáticas», porque nela se figura, escreve Bluteau, «a esquadria, instrumento cujo uso encerra em si, como em compêndio, quase todos os Elementos Geométricos, toda a proporção dos triângulos, todas as medidas da quantidade contínua e toda a praxis dos sinos, secantes e tangentes». Por ser desenhada com três riscos significa a trindade, una na essência, trina nas pessoas. Em *guematria equivale ao valor 500. Para *Raimundo Lúlio (Theorica, cap. 2) representa a matéria da *Pedra Filosofal ou também do Caos, confuso princípio da alquimia, a qual para aqueles «que a não sabem é ciência muito embaraçada e escura» (Rafael Bluteau). *Alfa-ómega, *alfabeto. BIBLIOGRAFIA PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas; com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras humanas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747, cap. I, II, III e IV

A-BRANCA Invocação mariana bracarense, correlata de Nossa Senhora das Neves, por seu turno, derivada da de Santa Maria Maior, do Monte Esquilino, em Roma. A COISA Motivo enigmático, crucial na arte megalítica do Noroeste peninsular, assim alcunhado (The Thing), em 1981, por Shee Twohig. Além dos dolmenes galegos de Dombate (figurações de A Coisa nos ortóstatos 1, 3 e 5 da câmara), Espinaredo 10 e Casa dos Mouros (representada na horizontal, no segundo esteio, do lado esquerdo da câmara), apenas ocorre insculturada no terri-

tório português, em: Chã de Parada 1 (São João de Ovil, Baião), onde é figurada quatro vezes, achando-se a representação mais evidente (reavivada?) no topo central do ortóstato da cabeceira; Chã de Arcas 5 (Baião), descoberta por Margarida Moreira, na parte superior do terceiro esteio do lado esquerdo da câmara, assumindo-se como uma espécie de coluna junto à laje da cabeceira; Chão do Brinco 1 (Cinfães), inserida numa notável composição da laje da cabeceira, estudada por Eduardo Jorge L. da Silva. Vítor Oliveira Jorge interroga-se se A Coisa não terá tido função simbólica equivalente à do *antropomorfo conhecido por «pele esticada de animal» (por mim interpretada como figuração do *voo do xamã) que ocorre sobretudo a Sul do Douro. A tradução para Objecto, adoptada por Raquel Vilaça, parecia tendenciosa, mesmo antes de ter sido avançada a interpretação revolucionária de Serge Cassen e Jacobo Vaquero Lastres, para quem o motivo figurará um cachalote, a mesma interpretação sendo legítima para o durante muito tempo denominado arado do Morbihan (Bretanha francesa), correspondendo ambos a «dois tipos de representação da mesma cena [cerca do quinto milénio a. C.], em dois pontos da costa ocidental europeia». De resto, só a prática da pesca e a assídua frequência do

Decalque de algumas das insculturas de A Coisa, referenciadas na serra da Aboboreira.

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A-VER-O-MAR litoral explica a presença de restos de distintas espécies piscícolas, como de cetáceos, em estações arqueológicas (por exemplo, em Liceia, Oeiras). *Serra da Aboboreira. BIBLIOGRAFIA CASSEN, Serge / VAQUERO LASTRES, Jacobo, Cosas fabulosas, in Trabalhos de Arqueologia, v. 25 (2003), p. 449-508; JORGE, Vítor Oliveira, Questões de interpretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47-65; JORGE, Vítor Oliveira, A propósito da Arte megalítica do NW peninsular, in Arkeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Pré-História Europeia – 1998), Tomar, 1999, p. 116-117; TWOHIG, E. Shee, The Megalithic Art of Western Europe, Oxford, 1981

A-VER-O-MAR A ermida de Santo André, situada no areal de Finisterra, entre as freguesias de Aguçadoura e de A-Ver-o-Mar (Póvoa de Varzim), é o destino de uma romaria (a última do ano para os poveiros), cujos devotos, outrora, preferencialmente pescadores e respectivas famílias, fazem o percurso vestidos de luto e descalços, rezando e implorando ao santo que interceda pelos seus defuntos, enquanto entoam uma canção intitulada Santo André das Almas. Após depositarem as oferendas e deambularem em torno da capela, visitam o penedo do Santo ou do Quarto (a Norte do santuário), local onde se diz que o discípulo de Jesus deitava os peixes que pescava e se observam cerca de meia dúzia de podomorfos, os quais, segundo a tradição, são pegadas do apóstolo, aqui considerado propiciador de boa pescaria (sardinha e pescada), casamenteiro (as raparigas atiram pedras para o telhado da capela-mor da ermida ou para cima das pegadas, no intuito de, no ano seguinte, voltarem casadas) e protector (pescador e barqueiro) das *almas do Purgatório, decerto reminiscência da tradição clássica, segundo a qual as almas dos defuntos eram conduzidas para as ilhas *Afortunadas, situadas no extremo ocidente europeu. De resto, crença local (comum às romagens galegas de *Santiago de Compostela e de Santo André de Teixido) assevera que «quem num biere cá em bida, de morto tem que bire» para lograr entrar no Céu. A. Santos Graça regista dois relatos a este propósito: o do sargaceiro Manuel da Salvada que, en14

quanto se dedicava à apanha do sargaço, viu um cortejo de vultos brancos fazendo a romaria em torno do penedo da pegadinha; o de pai e filho que observaram um cortejo de luzes proveniente do mar com o mesmo intuito. *Dinheiro de Caronte. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de, Santo André de A-Ver-o-Mar, in Actas do Colóquio «Santos Graça» de Etnografia Marítima – Aspectos Culturais e Aspectos Religiosos, v. 4, Póvoa de Varzim, 1986, p. 203-211; BONITO, Rebelo, Santo André das Almas, in Póvoa de Varzim, v. 3, n. 1 (1964), p. 46-53; GRAÇA, A. Santos, A crença poveira nas «Almas Penadas», in Homenagem a Martins Sarmento (1933), p. 361 e in Póvoa de Varzim, v. 3, n. 1 (1964), p. 119; SARMENTO, Francisco Martins, Antiqua: tradições e contos populares, Guimarães, 1998, p. 258; idem, Antiqua: apontamentos de Arqueologia, Guimarães, 1999, p. 255, 262 e 474-475, n. 839

AANI *Adafina. AARÃO Patriarca de Israel (membro da tribo de Levi), seu primeiro Sumo-sacerdote (Êxodo, XXVIII-XXIX) e uma das figuras mais proeminentes da Lei mosaica. Irmão mais velho de Moisés, a quem acompanha com frequência, servindo-lhe de porta-voz perante o faraó (Êxodo, IV, 14-31 e V, 1) e os israelitas durante o êxodo do Egipto. Responsável pelas três pragas lançadas contra os egípcios (Êxodo, VII-VIII) e outros prodígios mágicos, mas igualmente pela criação do Bezerro de Ouro (Êxodo, XXXII), sacrilégio sancionado com a interdição de entrar na Terra Prometida (Números, XX, 7-13). A propósito de Êxodo, VII, 10-11, onde é descrita a conversão da vara em serpente por Aarão, o médico e *alquimista coimbrão *Anselmo Caetano Gusmão Castelo Branco concede que os Magos chamados pelo faraó para competir com os hebreus transformaram as suas varas em serpentes por intermédio de segredos herméticos e pós de projecção de que eram detentores (Ennoea, p. 29-33) e não por dons concedidos por Deus. Ocorre nas cenas da *Colheita do Maná (Êxodo, XVI, 33) de São João Baptista de Tomar e da Sé do Funchal, iconografado com longa

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ABADA

Aarão incensa a Arca da Aliança [MAS: inv. P 21], tela proveniente da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães).

barba (Salmo de Aarão). A vara florida (reverdecida durante a noite) de Aarão, na qual «tinham germinado flores e amadurecido amêndoas» (Números, XVII, 23), preludia a virgindade de Maria e a *Ressurreição de Cristo, tendo-se constituído como protótipo dos báculos episcopal e abacial. Pela mesma ordem de razões, a iconografia religiosa serve-se das formas amendoadas (mandorlas ou amêndoas místicas) para evidenciar a luz espiritual e como alusão à vara do patriarca que floriu como *amendoeira. Outro dos atributos de Aarão é um turíbulo. Vaz Velho, Rei de Armas de Portugal, advogando a origem divina da heráldica, sublinha que as doze cores usadas nos brasões são de origem bíblica (Êxodo, XXVIII, 4-38), tendo sido ordenadas por Deus a Moisés para Aarão sob a forma das doze pedras preciosas patentes no éfode (espécie de avental preso aos ombros com suspensórios) do patriarca: «Os israelitas não tinham mais do que estas divisas e sinais particulares, além das diferentes cores que se distinguiam pelas doze pedras do peitoral que Aarão, supremo sacerdote, trazia sobre o peito e em cada uma das quais estava gravado o nome da tribo: sardónica, topázio, esmeralda, carbúnculo, safira, jaspe, ligúrio, ágata, ametista, crisólita, cornalina e berilo». *Ágata, *amêndoa, *ametista, *Arca da Aliança, *báculo, *carbúnculo, *esmeralda, *Messias, *safira, *topázio.

ABADA *Rinoceronte fêmea em português e castelhano antigos. Do árabe bádach, animal de grandes dimensões. Também conhecido por *monge das Índias e *grã-besta. Os bengalis da Índia chamavam-lhe gondda (cf. Frei Manuel da Assumpção, Vocabulário em Idioma Bengalla e Portuguez, Lisboa, 1743, fl. 126 e 307). Foi uma gravura sobre madeira de Albrecht Dürer (segundo desenho de António de Holanda, enviado para Nuremberga talvez pelo impressor moravo Valentim Fernandes), que familiarizou a Europa, a partir de 1515 (teve oito edições), com o primeiro rinoceronte chegado ao continente desde o final do império romano. Oferecido a Dom Manuel por Jafar II, soberano do estado de Gujarate, no norte da Índia, o paquiderme foi desembarcado em Lisboa a 20 de Maio de 1515. Todos os autores, repetindo Plínio, atribuíam ao rinoceronte uma rivalidade relativamente ao elefante. Um confronto promovido em Lisboa entre os dois animais, a 3 de Junho de 1515, junto do Paço da Ribeira (cf. Damião de Góis, Crónica del rei D. Manuel), perante a corte, saldar-se-ia pela fuga do elefante (donde a expressão levar grande abada). D. Manuel ofereceu o seu rinoceronte ao papa. Embarcado em Dezembro de 1515, seria apresentado, em Marselha, ao rei Francisco I, a 23 de Janeiro de 1516. Retomada a viagem para Itália, a nau onde seguia naufragou no golfo de Génova, perecendo afogado. Contudo o seu corpo deu à costa, tendo sido empalhado e remetido a Leão X. Porém, o exótico animal possuía todos os ingredientes para maravilhar o público. E foi o que aconteceu. Dürer fá-lo-ia ainda figurar na torre central do Arco do Triunfo, em honra de Maximiliano I. Inúmeros autores divulgaram o paquiderme nas suas obras científicas (Münster, Gessner, Thevet, etc.) e literárias (Lourenço de Cáceres, Paolo Giovio e Giovanni Giacomo Penni, entre outros), figurando em tapeçarias e até em empresas pessoais (Alexandre de Médicis), na pintura (2 fls. do Livro de Horas, dito de D. Manuel; Breviário da Condessa de Bertiandos; Atlas Miller; Genealogia do Infante D. Fernando, etc.) e na arquitectura: como mísula de uma das 15

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ABADE

Gravura de Albrecht Dürer, iconografando a Abada oferecida por Jafar II a D. Manuel.

guaritas da Torre de Belém (Lisboa) e como gárgula no claustro do *mosteiro de Alcobaça. Segundo um dos Sermões Dominicais de Santo António (Obras Completas, v. 1, p. 200), o rinoceronte, «animal pequeno semelhante a um bode, muitíssimo agressivo, com um corno no focinho, simboliza São Paulo, que vomitando matança e ameaças, quando ia para Damasco, foi preso ao arado do poder divino para lavrar, isto é, para pregar. [...]. Ele esmagou os torrões dos vales, ou seja, os montes dos carnais e dos infiéis com a relha da pregação». O corno único, que aparentava o rinoceronte ao famoso *unicórnio ou *alicórnio (os bestiários sublinham que os gregos lhe chamavam rhinoceros), torná-lo-ia talismã omnímodo contra toda a espécie de enfermidades, desde que capturado com a cumplicidade de uma jovem virgem. No Divertimento Erudito (tomo 1, p. 571) diz-se que «os ossos da Abada reduzidos a pó e misturados com água fazem uma cataplasma que se aplica à parte aonde se sente alguma dor intrínseca». Bluteau regista a Dissertação, em que se prova que a Abbada he o verdadeiro Unicórnio, com o que os Authores disserão, ou verdadeira ou fabulosamente, lida por D. Francisco Xavier José de Meneses, IV conde da Ericeira, numa das conferências da *Academia que fundou em sua casa (Vocabulário português e latino, v. 1, Lisboa, 1712, p. 7). BIBLIOGRAFIA ABREU, António de, Descripção Geographica de Malaca, in Obras Inéditas de […], Lisboa, 1807, fl. 34; ALMEIDA, Isabel Cruz / RODRIGO, A. Lino, O rinoceronte:

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pegadas na torre, [Lisboa], Torre de Belém, 1992; BEDINI, Silvio A., The Pope’s Elephant, [Londres], 1997; COSTA, Fontoura da, Deambulações da Ganda de Modafar, Rei da Cambia, de 1514 a 1516, Lisboa, 1937; idem, Les déambulations du Rhinocerós de Modafar, Roi de Cambaye de 1514 à 1516, Lisboa, 1937; idem, Deambulations of the Rhinoceros (Ganda) of Muzafar, King of Cambaia, from 1514 to 1516, Lisboa, 1937; MARKL, Dagoberto, O Rinoceronte do Nosso Rei de Portugal: estudo sobre a origem de uma gravura de Albrecht Durer, in Arte, História e Arqueologia: pretérito (sempre) presente – Homenagem a J. Pais da Silva (coord. Pedro Gomes Barbosa), Lisboa, 2006, p. 161-176; MATOS, Luís de, Forma e Natura e Costumi del Rinoceronte: poemeto italiano do Renascimento, in Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 1, n. 3 (1960); MONTEIRO, João Oliva, Rinoceronte e palácio quinhentistas no Mosteiro de Alcobaça, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 291-300; PIRES, A. Thomaz, Investigações Ethnographicas (artigo póstumo) XXXV. Abada, Rhinoceronte e Unicórnio, in Revista Lusitana, v. 20 (1917), p. 283-285

ABADE Do aramaico, abba, latinizado em abbas, abbatis, com o significado de pai espiritual. As três ocorrências no *Novo Testamento (Marcos, XIV, 36; Romanos, VIII, 15; Gálatas, IV, 6) reportam-se a *Deus, mas na Igreja a designação aplica-se a varões «fazendo as vezes de Cristo», cujo magistério, carisma, virtude e venerabilidade, atraindo as almas, tenha originado comunidades sob a sua direcção. A denominação, primitivamente apanágio dos Padres do Deserto, foi aclimatada ao Ocidente por São Bento e adoptada por Santo Isidoro e São Frutuoso cujas Regras, conjugadas com a Regula Communis, moldaram o monaquismo visigótico hispânico até à invasão muçulmana. A instituição ressurgiria com Cluny durante a reconquista. Até meados de quinhentos, exceptuando o primeiro, geralmente nomeado pelo fundador do mosteiro, os abades seriam escolhidos vitaliciamente pelos monges pertencentes a cada comunidade. O *Concílio de Trento obrigaria os mosteiros a reunirem-se em congregações presididas por um Abade Geral ou Dom Prior, eleito trienalmente em Capítulo. Uma vez extintos os Abades Regulares, no ano de 1834, subsistiram apenas os Abades seculares (párocos), em resultado da transformação dos mosteiros em igrejas paroquiais. O *báculo foi desde sempre o símbolo da sua autoridade pastoral.

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ABADIA ABADE DE FARIA *Althotas, *José Custódio de Faria. ABADE PIERRE DE SAINT JUSTE Autor de Les Mystères des Villes: Souvenirs de voyages (Paris, 1776), citado por Camilo Castelo Branco (Noites de Insónia) e alegado pelo Repórter X, Reinaldo Ferreira, por haver exposto nessa obra uma tese, de acordo com a qual um tal Baltasar Kelly teria calculado a exacta implantação da estátua equestre de Dom José, na Praça do Comércio (Lisboa), de molde a encobrir um segredo subterrâneo revelado pelo terramoto de 1755. Reinaldo Ferreira publicaria um «Plano [supostamente] encontrado num volume da obra do Abade Saint Juste», acompanhado pela seguinte nota: «O gráfico divide-se em dois. À direita desenha o Terreiro do Paço e marca várias setas, túneis subterrâneos talvez, um que vem da esquerda, onde está a Rua do Arsenal, outro de onde se ergueu o Arco da Rua Augusta, e onde se colocou uma das fotografias, e um terceiro que desemboca no cais. Os três irradiam ou vão ter ao local da estátua. À esquerda, graças à foto da estátua, depreende-se que pretenderam reproduzir uma série de subterrâneos sobrepostos, iniciada por uma espécie de poço aberto sob a estátua. Esse poço

Ilustração publicada por Reinaldo Ferreira, reproduzindo o Plano dos túneis alegadamente existentes sob a estátua de D. José, consoante a obra do Abade Saint Juste.

conduz a um recinto onde cavaram alçapão; e este, por meio de uma escada, a outro recinto onde desembocam os vários túneis apontados à direita. Além disso, ao tracejarem essas escadas e túneis, registaram as alturas, as distâncias e os ziguezagues do terreno [...]» (in Repórter X, a. 2, n. 54, 15 Ago. 1931, p. 8-9 e 13). O caso poderá ter sido inspirado na descoberta, em 1773, de um cripto-pórtico na *Baixa pombalina, impropriamente denominado *Termas romanas (da Rua da Prata). BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., A Praça do Real Arco Demonstrada, in Da Face Oculta do Rosto da Europa, Lisboa, 1997, p. 167-195

ABADENGO Legado pio que os confessados deixavam aos respectivos padres espirituais, depois destes os terem ouvido em confissão (cf. Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo, Elucidário). ABADESSADO *Outeiro de abadessado. ABADIA Invocação mariana, festejada no santuário de *via-crucis de Santa Maria de Bouro (Amares), a 15 de Agosto, a qual, segundo o povo, deriva do termo vadia, em virtude de a imagem fugir para o local onde fora encontrada sempre que a conduziam para o convento. Quase nada se sabe documentalmente acerca da história do santuário até ao século XVII, excepto que se localizava numa das vias de peregrinação para *Santiago de Compostela. Segundo uma tradição relatada por *frei Bernardo de Brito na Crónica de Cister o culto à Senhora da Abadia teve origem no vizinho monte de São Miguel, numa comunidade eremítica aí instalada até à ocupação muçulmana. Posteriormente, em finais do séc. XI, a imagem primitiva terá sido descoberta no sopé do monte por Paio Amado, cavaleiro do conde Dom Henrique, que após enviuvar se retirara para um cenóbio então fundado no local do antigo. Durante o reinado de Afonso Henriques a comunidade adoptou a regra de Cister, tendo-se fixado no actual mostei17

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ABADON ro de Santa Maria de Bouro. A devoção dos povos do litoral, designadamente os de Esposende e da Póvoa de Varzim, teve outrora grande expressão (documentada nos ex-votos existentes no museu organizado numa dependência anexa), dirigindo-se ao santuário em *romaria para efectuar o pagamento dos dízimos, em *sal, no dia da *Assunção. Nessa conformidade, é plausível que as promessas pagas em sal, comuns até há poucas décadas, tenham tido origem nas prestações económicas devidas ao regime senhorial, sendo depois transformadas em pagamento gratulatório à divindade tutelar do mosteiro. Em finais do século XIX, esta romaria, paradigma das que se realizavam entre Douro e Minho, ao ponto de se dizer «Quem não for à Abadia não conhece romaria», começou a ser afectada, nunca mais retomando o seu esplendor primitivo, pela concorrência da de *São Bento da Porta Aberta (Rio Caldo, Terras de Bouro, Braga). A tradição manda que os romeiros rezem diante de Nossa Senhora da Abadia (escultura gótica em calcário policromado figurando a Virgem com o Menino no braço esquerdo e o pedúnculo remanescente de uma flor na mão direita), lhe ofereçam flores, recolham o suor da sua imagem em lenços que depois passam pelo próprio rosto e deitem uma esmola na caixa que ali se acha para o efeito. A Confraria de Nossa Senhora da Abadia, ainda hoje activa, remonta ao século XV, tendo adoptado o compromisso ainda em vigor no ano de 1886. A inauguração, em 15 de Agosto de 1947, no cimo do monte de São Miguel, de uma estátua de grandes dimensões figurando o *Sagrado Coração de Jesus, também designada *Bom Jesus da Paz, a qual recebe as paróquias de Amares em peregrinação no último domingo de Maio, mais terá contribuído para a decadência da devoção à Senhora da Abadia, da qual existem treze imagens na diocese de Braga. No domingo de *Pascoela, realiza-se neste santuário uma festa em louvor da *Senhora da Goma (eventualmente sinónima da *Senhora da Seiva), identificada pelos respectivos fiéis com a Senhora da Abadia. A imagem é a mesma, divergindo a invocação, a efeméride e o 18

sentido da festividade, quiçá herdeiro de algum antigo culto da vegetação. Diz-se que de uma pegada da *burrinha de Nossa Senhora, deixada num penedo, saiu *água. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Senhora da Abadia, in Revista de Etnografia, v. 2, t. 2, n. 4 (Abr. 1964), p. 303-308; CUNHA, Padre Arlindo Ribeiro da, Senhora da Abadia: monografia histórico-descritiva, Barcelos, 1951

ABADON Do hebraico, abaddon, destruição (Job, XXVI, 6; XXVIII, 22; XXXI, 12; Provérbios, XV, 11; XXVII, 20). Nome do *diabo, conforme o Apocalipse (IX, 11): «[...] anjo do Abismo, chamado em hebreu Abadon e em grego Apolion, que segundo o latim quer dizer Exterminador». Também *anjo (ou estrela) que aprisiona *Satã durante mil anos (Apocalipse, XX). Por vezes, o termo é adoptado para designar o *Inferno (hebraico: sheol). ABAFAÇÃO Estrangulamento ou asfixia de um *cristão-novo moribundo, acto concretizado por um *abafador, *encalcador ou *massagista. ABAFADOR Também *afogador (Covilhã e Penamacor), *acabadeira (Castelo de Vide), *encalcador (Lagoaça, Bragança) e *massagista (Vilarinho dos Galegos, Bragança). Segundo a lenda, a função de tais homens e mulheres consistiria em estrangular, ou asfixiar com cobertores, os *cripto-judeus ou judeus quando declarados agonizantes ou moribundos, para que eles, com seus gestos ou atitudes, não comprometessem à hora da morte os membros da família e demais parentes e correligionários. G. de Vasconcelos Abreu (Correio na Noite, 25 Out. 1886) explica que, originalmente, a operação fora prática cátara, com o objectivo de impedir que o moribundo cometesse pecado, após a imposição de mãos pelo sacerdote. Refere, ainda, o mesmo autor que, para ajudar a bem morrer, os judeus tinham por costume colocar uma almofadinha com penas de galinha sob a cabeça do enfermo. O Abade de Baçal comprovou a existência de

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ABDÃO, SANTO abafadores em Bragança (cf. Memórias, v. 5, p. LIX), baseando-se em revelações tornadas públicas, em 1886, por uma criada a propósito da abafação da sua ama. Leite de Vasconcelos assevera que o costume persistia em 1932, conforme testemunho de uma cristã-nova daquela cidade transmontana (cf. Etnografia Portuguesa, v. 4, p. 174-178). O tema dos abafadores foi ficcionado por Miguel Torga, o qual descreve um episódio de abafação, alegadamente perpetrada em Riba Dal (Alma-Grande, Coimbra, 1952, p. 13-23). *Alma-Grande. ABANO Sonhar com um abano indicia falsa amizade ou traição. *Flabelo, *leque. ABÁSSIA O mesmo que Abásia (João de Barros, Ásia, Década segunda, liv. VIII, cap. 1), Abexia (Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos portugueses, 5, 23), *Abissínia e *Etiópia (cf. Os Lusíadas, X, 50). O Padre Baltasar Teles afirma que este nome lhe foi dado, como sugere Estrabão, «por ser região cercada de grandes charnecas e desertos, a que os egípcios chamam abasses». Difere, todavia, desta opinião, D. Afonso Mendes (Rerum Aethiopicarum scriptores occidentales inediti a saec. XVI ad XIX), para quem o termo deriva da palavra abaxa, com a qual se designava a principal cidade do Reino de Adel, confinante com a Abíssinia. Os seus reis reivindicavam ser descendentes da Casa de David, pretensão, aliás, sublinhada numa carta remetida a D. Manuel no ano de 1507, na qual o monarca *abexim se intitula «filho de David e filho de Salomão». ÁBATO Do grego abatos, local onde não se entra. Zona de um *templo reservada apenas aos nãoprofanos. O mesmo que *naos. ABC Versos narrativos ou líricos (quadras, sextilhas ou hendecassílabos) que se iniciam pelas letras do alfabeto dispostas na respectiva sequência.

Santo Agostinho compôs o Psalmus contra partem Donati (393), poesia contra os donatistas, também conhecida por Psalmus Abecedarius, cujas vinte estrofes seguem a ordem alfabética. Trata-se de um género literário muito popular, extremamente cultivado a partir do Renascimento, encontrando-se Juan de Encina, Lope de Vega e Luís de Camões entre os seus mais distintos cultores peninsulares. Gonçalo Fernandes Trancoso é autor de um Abc sentencioso. Toma-se metaforicamente pelos primeiros príncipios de qualquer ciência ou arte (cf. António das Chagas, Cartas Espirituais, v. 2, p. 257 e 293). *Alfabeto. BIBLIOGRAFIA BARROS, Caetano Manuel Martins de, Significação das letras do ABC aplicadas à Segunda Paixão de Christo Nosso Senhor, Lisboa, 1745 [BPNMafra: BVol. 2-24-126(9º)]; GANDRA, Manuel J., Dicionário do Milénio Lusíada, v. 1, Lisboa, 2003; PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas; com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras humanas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747

ABCESSO Contra os abcessos provocados por infecção dental são preconizados emplastros mornos de fermento lêvedo misturado com *alho (Allium, L.) picado (aconselhado no tratamento de todos os tipos de caroços) e bochechos com água de malvas. ABDÃO, SANTO O mesmo que Abdom, Adom, Audom, Oudom, Eudom e, talvez, *Adão. Peregrino medieval de *Santiago de Compostela, beatificado pelo povo que lhe atribui muitos milagres (designadamente curas e exorcismos). Orago de uma capela românica em Correlhã (Ponte de Lima), localidade onde conforme a narrativa dos Miragres de Santiago, terá falecido quando regressava da peregrinação a Compostela. O reverendo Francisco Diogo de Azevedo, quando da sua visitação, em 8 de Agosto de 1750, mandou picar e alisar a zona do tímpano onde se observava uma representação de Adão, «que terá quatro palmos de alto, todo absolutamente 19

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ABDIAS pido, constituído pelas curvas e contracurvas de dois SS (também semelhante ao que figura na parte superior da *Pedra Bonita, de Briteiros). *Santo Adão.

Igreja românica de Santo Abdão (Correlhã, Ponte de Lima).

nú [...] o que é obsceno, indecentíssimo e intolerável em qualquer parte, quanto mais nos lugares dedicados a Deus [...]». Com efeito, no centro do tímpano vê-se agora, em resultado do cumprimento das instruções do visitador, uma espécie de nicho aprofundado na pedra, ladeado por duas cruzes: a da direita, vazada, sobre a qual pousa uma pomba, inscrita em círculo duplo contornado por pérolas; a da esquerda, relevada em cordões entrelaçados do tipo dos presentes na parte inferior da *Pedra Formosa (cf. Aarão de Lacerda, História da Arte em Portugal, v. 1, Porto, 1942, p. 306), uma das formas consagradas pela iconografia para simbolizar a eternidade. Sobre o conjunto gravado no tímpano vê-se outro elemento inscul-

Pormenores do tímpano do mesmo templo (desenho de J. Vilaça).

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BIBLIOGRAFIA BARREIROS, Manuel de Aguiar, Egrejas e Capelas Românicas de Ribeira Lima, Porto, 1926, p. 27-30; GUERRA, L. de Figueiredo, A Capela de Santo Abdão na Correlhã, 1924; LÓPEZ-AYDILLO, E., Os Miragres de Santiago, version gallega del siglo XIV, Valladolid, 1918, p. 53-56; MARTINS, Mário, Os Autos dos Apóstolos e o Livro de Santiago, in Brotéria, v. 48 (1949), p. 312-315; idem, Peregrinações e Livros de Milagres na nossa Idade Média, Lisboa, 1957, p. 171-173; PEREIRA, Felix Alves, Jornadas de um curioso pelas margens do Lima, in O Arqueólogo Português, v. 28 (1927-1929), p. 41; REIS, António de Matos dos, Mais alguns vestígios de templos medievais, in Minia, n. 7 (1983), p. 156-170

ABDIAS 1. No profeta Abdias, I, 20 («E o cativeiro deste exército dos filhos de Israel, todos os lugares dos cananeus até Sarepta: e o cativeiro de Jerusalém, que está no Bosforo, possuirá as cidades do meio-dia») ocorre pela primeira e única vez na *Bíblia o termo hebraico Sepharad, designação consagrada para a Península Ibérica ou Hispânia. *António Vieira comenta longamente a tradução hieronimita dessa passagem, segundo a qual «os filhos de Israel, transmigrados no Bósforo [Sepharad] possuirão as cidades da terra austral», manifesto erro de S. Jerónimo, certamente devido ao seu desconhecimento da versão aramaica (Targum) de Jonatán ben Uziel (séc. I): «E os desterrados deste povo de filhos de Israel que estão na terra dos cananeus até Sarfat [França] e os desterrados de Jerusalém que na Ispania [Espanha] herdaram as cidades da terra do meio-dia». *Sefarad. 2. Nome de um misterioso «primeiro bispo de Babilónia» (supostamente, contemporâneo de Jesus), alegado redactor de umas Historiae Apostolicae (De Historia certaminis apostolici, 1560 [BN: R 19765 P]), adoptadas integralmente pelo autor português dos Autos dos Apóstolos, no que respeita aos milagres e paixão de Simão e Judas Tadeu [BN: cod. alc. 280, fl. 254-266]. BIBLIOGRAFIA MARTINS, Mário, Em torno do Pseudo-Abdias, in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Lisboa, 1980, p. 207-215

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ABELHA ABDUL DE NAZARINO Pseudónimo do autor de O Secretário da Magica e do magnetismo contendo a arte de fazer toda a qualidade de magica preta ou feiticeria, e magica branca ou magnetismo; o segredo da Clavícula de Salomão, por onde se requerem os espiritos de todas as regiões, para se ter pacto com eles; a admirável revelação do modo d’adivinhar […] (Porto, 1878). ABELHA A mais remota figuração da abelha, porventura datando do Magdalenense, acha-se pintada na parede da gruta de Cueva de la Araña (Espanha). Melissai (abelhas) era o nome pelo qual eram conhecidas as sacerdotisas gregas da Mãe dos Deuses em Eleusis e em Éfeso. Atributo de *Diana, *Ceres e *Júpiter. Símbolo solar e real e, nessa acepção, adoptado por Childerico e Napoleão. Representação da *alma (segundo uma versão, quem sonha com abelhas tem a morte diante de si), da ressurreição e imortalidade da alma (abelhas foram encontradas nos tesouros de túmulos no Egipto, na Gália, etc.), da ordem (constrói favos hexagonais), da diligência (constante azáfama) e da eloquência (terá pousado nos lábios de Platão, Píndaro, *Santo Ambrósio e São João Crisóstomo). São Paulino de Nola (séc. IV) chamava a este insecto bendito «a misteriosíssima abelha» (Correspondência: carta IX a Santo Amando). O cristianismo fez da abelha um símbolo crístico: a actividade incessante da abelha-mestra foi colocada a par da incessante actividade espiritual de Cristo na sua Igreja; o mel tornou-se um dos símbolos litúrgicos do Salvador, bem como das doçuras eternas reservadas aos justos; já a picada da abelha remete para o castigo dos ímpios. A vida das abelhas e o seu comportamento na colmeia foram convertidos em emblemas das Virtudes cristãs. *São Bernardo considera-a símbolo do *Espírito Santo. A literatura medieval portuguesa reservou-lhe lugar de relevo: *Santo António expõe a analogia entre a abelha e a Virgem Maria, acrescentando: «as abelhas são os justos que se exercitam no ar, na contemplação das coisas celestes [...]. Depois de semelhante

Pormenor de uma iluminura do Livro 3.º da Comarca de Além-Douro, Leitura Nova n.º 2 (1538) [ANTT].

exercício, voltam às colmeias, à própria consciência; e aí se alimentam no gozo do espírito e na sua doçura» (Obras Completas, v. 3, p. 382-383); uma Cantiga de Santa Maria (n. 128) menciona o achamento de uma imagem de Nossa Senhora com o menino no interior de um cortiço; frei Paio de Coimbra compara *Santo António com a abelha trabalhadora; a dominicana Margarida Pinheira, professa no mosteiro de Jesus de Aveiro, estabelece um paralelo entre as abelhas e as freiras. A abelha adquire conotação erótica em diversos poemas barrocos, mercê da analogia entre o beijo e a libação das flores pelo insecto, conforme escreve Fonseca Soares: «De um cravo logo partido, / chupo, racional abelha, / as instâncias de um favor / novo acidente da inveja» [BA: ms. 49-III-76, p. 100]. Sonhar com abelhas significa exito em negócios; com abelhas mortas, perda de dinheiro; ser picado por elas, uma esperança que se desfaz; capturá-las, danos ou insucessos em empresas. Em diferentes civilizações e culturas o *mel é considerado alimento sagrado, intervindo na confecção do hidromel e do néctar. Numa opala ambarina do período romano, achada no Alentejo [MNArqueo], observa-se gravada uma abelha. Ocorre na escultura tumular, ora como símbolo da alma, ora como símbolo do trabalho e emblema laudatório das virtudes profissionais do defunto. Na Madeira, 21

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ABELHEIRA afirma-se que «quando as abelhas ferram curam o reumatismo». Em certas regiões (mormente nas Beiras), o muco nasal e as secreções vaginais são preconizados como antídoto para a picada da abelha. Agouro: abelha que entra em casa é boa nova (Madeira), porém, um enxame delas já é mau agouro (cf. Revista Lusitana, v. 10, p. 305). Anexins: A abelhinha mestra faz andar o rei na festa; Em Março, de dia canta a abelha e à noite pinga a telha. A mosca, emblema das coisas fúteis e efémeras e figura do demónio (*Asmodeu e *Belzebu), é a antítese emblemática da abelha. *Bulhoa, *colmeia. BIBLIOGRAFIA ARAGÃO, Padre Francisco de Faria e, Tractado historico e fyzico das abelhas, Lisboa, Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, 1800; DIONÍSIO, João, Uma abelha no prólogo: sobre um desejo formulado no início do Leal Conselheiro, de D. Duarte, in Rev. Biblioteca Nacional, s. 2, n. 10 (1) (Jan.-Dez. 1995), p. 7-22; FELGUEIRAS, Guilherme, Como cuidam das abelhas os montanheses do Gerês, in Terra Lusa, n. 1 (Lisboa, 1951), p. 23-25; MARTINS, Mário, Alegorias, símbolos e exemplos morais da literatura medieval portuguesa, Lisboa, 1980; PEREIRA, Felix Alves, Jornadas de um curioso nas margens do Lima, in O Arqueólogo Português, v. 28 (19271929), p. 25-43; PORTO DA CRUZ, Visconde do, Crendices e Superstições do Arquipélago da Madeira, s. l., 1954

ABELHEIRA Invocação de uma imagem de Maria, festejada no último domingo de Agosto no Monte da Abelheira (Escariz, Arouca). A devoção ganhou corpo na sequência de duas alegadas visões de um pastor conhecido pela alcunha de «Salve Rainha», ocorridas em Junho e Julho de 1924 (cf. Gazeta de Arouca, 19 Jul. 1924). De seu nome Manuel Francisco de Oliveira (1867-1939), a circunstância de ser cego de um olho e possuir seis dedos nas mãos e nos pés foi por muitos interpretada como sinal sobrenatural e justificação bastante para a sua vidência. A primeira de tais visões teve-a em sonhos, manifestando-se-lhe uma mulher que lhe disse chamar-se *Santa Maria Justa e lhe revelou que o seu corpo incorrupto se achava sepultado havia seis séculos no monte da Abelheira. Posteriormente, quando guardava o rebanho, teve a segunda visão da santa sobre um penedo, a qual pediu que lhe fosse construída uma capela, após o que revelaria o local onde se encontravam os 22

seus restos mortais. Confrontada com a notícia das epifânias, a população dividiu-se em dois partidos. O partido da santa deu início à construção de uma ermida no monte (edificada entre Agosto de 1924 e Abril do ano seguinte), mesmo face às tentativas goradas do pároco para demover os fregueses. Entretanto, haviam começado a acorrer a Escariz muitos forasteiros que tinham ouvido falar do milagre. Todavia, uma vez edificada a capela, o corpo de Maria Justa não apareceu. Por essa ocasião deslocou-se a Escariz uma mulher de virtude de Macieira de Cambra, decidida a descobrir o cadáver. Acompanhada pelo vidente, dirigiu-se ao monte da Abelheira, chegou a entrar em transe, deixando a santa falar pela sua boca, perante grande assistência de locais e romeiros, mas o certo é que o corpo de Maria Justa persistia em não aparecer. Apesar de tudo, esta contrariedade não fez abrandar a devoção. Em Setembro, os peregrinos já haviam deixado no santuário ofertas monetárias que ultrapassavam a quantia de 9.000 escudos – considerável para a época –, além de objectos de ouro e prata. Entretanto, os habitantes de Escariz solicitaram ao pároco, primeiro, e, depois, ao bispo do Porto que mandasse benzer a capela, o que foi liminarmente recusado pela autoridade eclesiástica com os seguintes três argumentos: 1. não fora solicitada qualquer licença para a construção da capela; 2. não existia qualquer santa com o nome de Maria Justa; 3. o culto em questão era supersticioso, destinando-se apenas a angariar esmolas. A população não desarmou, agredindo o pároco e obrigando-o a abandonar a paróquia, não sem antes entregar ao presidente da Junta de Freguesia a chave da matriz (4 de Outubro de 1925). Em resposta à sublevação popular, o bispo do Porto, Dom António Barbosa Leão, decretou (no dia 12) a interdição da igreja matriz e de todas as capelas públicas da freguesia, bem como o desmembramento da paróquia, repartindo os lugares da freguesia por cinco paróquias vizinhas – Fajões, Fermedo, Mansores, Mato e Romariz. Em resultado desta atitude os meses que se seguiram foram de confrontos verbais e físicos entre os partidários da santa e os do

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ABERTO pároco, atingindo tal gravidade ao ponto de o Ministério Público ter apresentado no tribunal de Arouca um processo-crime compreendendo todos os desacatos ocorridos. A 12 de Junho de 1926, com os ânimos mais serenados, as autoridades diocesanas levantaram o interdito nomeando novo pároco, no que foram secundadas pelo Administrador do concelho de Arouca, o qual deu por finda a proibição de todos os actos de culto exterior (procissões, funerais, festejos, etc.) que decretara no início do ano. Em 1928 o bispo do Porto mostrou-se na disposição de autorizar a benção da capela, todavia não com o título de Santa Maria Justa, mas com o de Nossa Senhora da Conceição, impondo ainda como condição para a sagração da capela que a sua propriedade e administração financeira transitassem dos fregueses para a igreja. Enfim, congraçados todos os interesses, a ermida havia de ser sagrada em Setembro de 1931, realizando-se nesse mesmo ano a primeira festividade organizada pelo clero. Porém, a série de diferendos que opunham a população à hierarquia eclesiástica não terminara ainda, porquanto, doze anos volvidos (Março de 1943), uma pastoral do bispo do Porto, Dom Agostinho de Jesus Sousa, proibindo «as festas de arraial nocturno» na diocese, sob o pretexto de que «muitas vezes as bandas de música dão ocasião a divertimentos que profanam de algum modo as festas religiosas», voltaria a exaltar os ânimos. Com efeito, a capela da Abelheira ficara abrangida por novo interdito, posteriormente levantado a pedido do povo da freguesia, com o compromisso de doravante respeitar a «observância das várias disposições [diocesanas] relativas a festas». BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Alfredo G. / MOREIRA, Domingos A., Origem da Capela da Abelheira (Escariz-Arouca), segundo a documentação escrita, s. l., 1976; DIAS, Manuel, O «Salve Rainha» sonhou e a capelinha nasceu, in Milagres e crendices populares, Porto, 1985, p. 51-65

ABELHEIROSA Ave cujo canto anuncia o vento *Suão (Tolosa). ABELHOA *Bulhoa.

ABENTESMA Também *aventesma e *aventisma. *Fantasma ou *alma penada. BIBLIOGRAFIA Magia Negra, in A Noite (20 Mar. 1939).

ABERTO O mesmo que *corpo aberto e *morada aberta. Na Madeira, para obter a cura do aberto, preconiza-se que a curandeira diga ao paciente (nove vezes ao dia, até ficar sarado), enquanto cose em um bocado de fazenda, em um novelo de linhas, etc.: «– Santo Amaro te encase e te leve ao seu lugar o que eu coso. Ao que ele responde: – Carne quebrada, aberta, desmintida e nervos desconjuntados. Volve novamente a pessoa que cura: – Isso mesmo é que eu te coso, carne que te quebraste, vela que te acavalgaste, nervo que te desconjuntaste. O bemaventurado Santo Amaro te encase e leve ao seu lugar. Amen» (cf. Fernando de Aguiar, Usos e Costumes da Ilha da Madeira, in Feira da Ladra, v. 7, 1935, p. 137-138). Uma chave de sacrário, autêntica ou um simulacro dela, que se benze introduzindo-a no buraco da fechadura do sacrário, pode ser usada para fechar o corpo de molde que não entre nele nem o mau olhado, nem a acção do diabo. *Brinco. Bênção do aberto S. José e mais Maria, ambos iam p’ra Belém. Menino levavam nos braços, é Jesus de Nazaré. S. José ficou atrás, Senhora le perguntou: – Tu, José, porque num bens? – Senhora, porque num posso. Eu te benzo do aberto ou do mal desviado, Ou do osso deslocado ou esterrogado – Amãe. Em louvor de Deus e da Virgem Maria um Pai-Nosso c’uma Ave Maria. (apud Brigantia, v. 14, n. 1-2, Jan.-Jun. 1994, p. 132) Bênção para o braço [pulso] aberto Em louvor de S. Frutuoso Nervo torto torna ao teu posto Nervo quebrado torna ao teu cabo.

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ABETARDA

Ensalmo para curar pulso ou mão aberta e pé estornegado (Terras do Barroso) Repete-se nove dias consecutivos (novena). Previamente ferve-se um novelo de fio de algodão numa cafeteira. A água da fervura é deitada num alguidar e a cafeteira colocada dentro dele, invertida (com a boca para baixo). O novelo é passado em torno da zona ferida, atando o membro aberto, enquanto é pronunciada a oração: Eu te coso Carne aberta O nervo torto Pelo poder de Deus E da Virgem Maria Padre-Nosso e Ave Maria. Responso para o pulso aberto (Folgosinho) Deita-se água previamente aquecida num recipiente, colocando o paciente o pulso sobre o vapor. O benzedor vai cosendo um pano com uma agulha enfiada em linha sem nó, enquanto repete três vezes: Eu te coso, Carne furada, Fio destorço. Poder de Deus e da Virgem Maria, Senhor Santiago e S. Silvestre, De quanto eu faço lhe preste, Jesus Cristo seja o Divino Mestre. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Domingos de, Tradições populares de Vila do Conde, in Douro Litoral, s. 2, n. 1 (1944), p. 61-69 [Ensalmos para talhar unheiro, azia, defumadoiros, mão ou pé abertos, coser o pulso, erisipela, tirar o sol, quebranto, icterícia]

ABETARDA 1. Do latim, avis tarda (ave lenta), pernalta de arribação (Otis tarda, L.). Em virtude de não voar e ficar presa à terra, figura, segundo a vox populi, a criança que quer manter-se sob a tutela da progenitora. 2. Nome por que é conhecida, em Trás-os-Montes, uma ave de rapina da família das Vulturidae, o Gyps fulvus (Habl.), a qual, em outras regiões, é denominada grifo, abutre loiro, ave, ave carniceira e brita-ossos. *Porco-bispo. 24

ABETO Nome vulgar de várias árvores da espécie das coníferas. Na linguagem das plantas, flores e frutos significa fortuna. ABEXIM Chama-se a alguém natural da Abássia, Abissínia ou *Etiópia, suposto reino do *Preste João, «a mais estranha monstruosidade que a África, a mãe dos monstros, criou nas suas remotas e selvagens selvas» (padre Manuel de Almeida, História da Etiópia Alta ou Abássia, Coimbra, 1660, prólogo). O mesmo que abissínio, abassi, abasi, abexi, etc. Segundo o padre Baltasar Teles, «[um dos] infernais abusos e diabólicas superstições dos abexins [é a] infernal heresia de não haver em Cristo senhor Nosso mais que uma natureza [i. e., o *monofisismo]» (História Geral da Etiópia-a-Alta ou Preste João, I, 36). O padre Gonçalo Rodrigues da Companhia de Jesus (citado pelo também jesuíta padre Baltasar Félix) refere a seguinte profecia «muito repetida pelos seus sacerdotes»: «[...] que viria tempo em que os Portugueses com um grande capitão iriam apresentar batalha ao Imperador da Etiópia, o qual Imperador seria vencido e morto com muitos frades cismáticos ao mesmo tempo que um irmão do capitão dos Portugueses ficaria Rei e que a Etiópia, daí por diante, seria governada por vice-rei que fosse de Portugal» (cf. Sobre o Sebastianismo, Coimbra, 1959, p. 104). Acresce que o próprio Santo Inácio de Loiola advertia os missionários da Companhia de Jesus para a circunstância de o povo do Preste João ter «como profecia que nestes tempos um rei destes do poente (e não pensam noutro que no rei de Portugal) há-de destruir os mouros» (Instruções aos missionários da Etiópia, p. 3). A língua abexim é o ge’ez. Uma alegada profecia de Angelo Roncali (futuro papa João XXIII), respeitante a uma descoberta de «rolos de papel», que havia de ter lugar nos Açores, inspirou uma bem urdida «estória» contada por um conhecido colecionador e comerciante de antiguidades, secundado pelo estímulo e aplauso de algumas penas amantes de pseudo mistérios e emoções fortes (cf. Victor

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ABIDIS vel, porquanto consabidamente destinados a servir de talismã profiláctico (contra doenças graves e recorrentes e, designadamente, contra a esterilidade feminina, os abortos e os nadosmortos), e para tal desígneo, ainda na actualidade, expressamente preparados em grande número, de molde a corresponder à estatura particular do seu destinatário, poderão ser creditadas revelações «sensacionais», supostamente escatológicas com contornos nacionalistas? A todos quantos pretendam aceder a informação desenvolvida e sustentável sobre a origem, preparação e significado das diferentes tipologias de tais rolos talismânicos aconselho a consulta de Le Roi Salomon et les maîtres du regard (Paris, 1992), obra na qual é reproduzido considerável número de exactos congéneres dos divulgados por Rainer Daehnhardt. Hikôn (ícone, em ge’ez) de S. Gabriel (de facto, os abexins figuram o arcanjo anunciador armado com espada, à semelhança de S. Miguel, no ocidente) no registo superior de um dos rolos profilácticos coptas da col. Rainer Daehnhardt.

Mendanha, Os rolos dos Açores já foram encontrados, in Correio da Manhã, 1994, e Os Pergaminhos do Futuro, in História Misteriosa de Portugal, Lisboa, 1995, p. 313-323). Recordo o teor do texto revelado: «Rolos de papel serão encontrados nos Açores e falarão de antigas civilizações que aos homens ensinarão coisas antigas por eles desconhecidas. A morte será afastada e pequena será a dor. As coisas da terra, por intermédio dos rolos, falarão aos homens das coisas dos céus» (cf. As Profecias do Papa João XXIII: a história da humanidade de 1935 a 2033, ed. Pier Carpi, Lisboa, 1977, p. 160-163). Mesmo dando de barato que os objectos em questão (de indiscutível valor e interesse patrimonial) possam haver sido «descobertos» nos Açores, conforme assevera o seu proprietário (cf. Para além da Taprobana – de Lisboa a Nagasaqui, catálogo de exposição inaugurada no Palácio Nacional de Mafra, em 1993, p. 120-121, n. 67, 68 e 69), como é que a rolos de pergaminho coptas (releve-se ainda a circunstância de não serem de papel!), redigidos em ge’ez, cada um deles pessoal e intransmissí-

ABEZU Epíteto pelo qual os cristãos-novos portugueses designavam *Jesus Cristo, conforme o testemunho de *Violante Álvares, cristã-nova de Vila Flor presa pelo *Santo Ofício de Coimbra, em 1577 [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 457]. ABEZUA IMPROLADA Epíteto pelo qual os cristãos-novos portugueses designavam a *Virgem Maria, segundo testemunho de *Violante Álvares, cristã-nova de Vila Flor presa pelo *Santo Ofício de Coimbra, em 1577 [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 457]. ABIDIS A lenda de Abidis entronca num mito, cuja primeira expressão escrita se reporta à fundação de *Tartessos. Abidis ou Habidis são formas onomásticas modernas declinadas de Habis ou Abis, filho incestuoso do rei dos *Cinetas, *Gargoris, o melícola (inventor da apicultura e introdutor do processo de produção de *mel). Foi o historiador Justino, no séc. II d. C., quem, tendo por fundo uma narrativa de Tragus Pompeius, fixou o perfil hagiográfico deste herói tartéssico: abandonado recém-nascido para ser devorado pelas feras, seria alimentado por uma cerva, tendo crescido e vivido até à 25

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ABIEGNO adolescência nos bosques. Capturado e levado à presença de Gargoris, havia de ser identificado e reconhecido por este como filho e herdeiro. Alguns antiquários dos séculos XVII e XVIII associariam o nome deste fundador mítico de Tartessos ao topónimo indígena de Santarém (Scallabis), ou melhor, ao prefixo Scala, com o significado de escadaria (scala, ae) de Habis, nitidamente influenciados pela morfologia do local. Ao topónimo Óbidos anda creditada a mesma genealogia. ABIEGNO Nome do monte ou *montanha polar que, alegadamente, abriga o túmulo de *Christian Rosencreutz, constituindo sempre indício da autêntica adesão às Altas Ordens iniciáticas, face à baixa qualidade da iniciação ministrada pelas Ordens dos vales (*Maçonaria). *Fernando Pessoa explora o seu simbolismo de omphalos do mundo em poemas como Na Sombra do Monte Abiegnus; Do Vale à Montanha; No Túmulo de Christian Rosencreutz, etc. *Tábua de Cebes. BIBLIOGRAFIA BIDERMANN, Sol, Mount Abiegnos and the Masks: Occult Imagery in Yeats and Pessoa, in Luso-Brazilian Review, v. 5, n. 1 (Jun. 1968); CUERVO-HEWITT, Julia, Fernando Pessoa frente ao Monte Abiegnus, in Actas do I Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, 1979, p. 419-440

ABIGOR O cânone 7 do Concílio de Braga (560-563) menciona-o como uma das principais entidades demoníacas. Comanda sessenta legiões de demónios, assumindo a aparência de um cavaleiro armado com lança ou ceptro. ABISMO Do grego, abyssos. O poço sem fundo, no qual se situa o lago ígneo onde os inimigos de *Deus, anjos rebeldes e pecadores, condenados à danação eterna, são precipitados. Sinónimo de *Inferno. No Antigo Testamento surge associado à figura de *Leviatã. Em Lucas (VIII, 31) é descrito como a morada dos demónios e no *Apocalipse (XX, 1-3) como o local onde o *diabo se encontra aprisionado. A iconografia representa-o por uma grande bocarra aberta, como é 26

O abismo no túmulo de D. Inês de Castro (mosteiro de Alcobaça).

patente no túmulo de *Inês de Castro (*mosteiro de Alcobaça) e em painéis das *almas (um pouco por todo o país). Cf. Salmos, XXXII, 7; XXXV, 7; XLI, 8; CVI, 26; CXXXIV, 6; Provérbios, VIII, 24-27; Eclesiástico, I, 2; XVI, 18; XXIV, 8; XLII, 18; Isaías, LI, 10; Romanos, X, 7; Apocalipse, IX, 1-2; IX, 11; XI, 7; XVII, 8. ABISSÍNIA O mesmo que *Etiópia e *Abássia. De acordo com as respectivas tradições, a cristandade abexim atribui a sua origem à conversão ao cristianismo do eunuco da rainha Candácia, na Palestina, na aurora dos tempos evangélicos. A evangelização da Etiópia remonta apenas ao séc. IV, a igreja etíope tendo-se tornado monofisita juntamente com o *Egipto do qual dependia. Constituiria um baluarte do cristianismo na África e o mais oriental após a ruína das cristandades da Ásia em consequência das invasões mongólicas, a última das quais já islamizada, foi chefiada por Tamerlão (1336-1405). Esse o motivo crucial por que coube à Etiópia encarnar o papel de sede do reino do *Preste João. No ano de 1442, o Infante Dom Henri-

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ABISSÍNIA que, como já acontecera em 1418 (quando incumbira Álvaro de Freitas de ir ao «Paraíso Terreal»), envia Antão Gonçalves ao Rio do Ouro para saber novas do Preste João. Em 1445, o mesmo Álvaro de Freitas partiria de Lagos em busca do Nilo. A notícia da sua chegada, em 1453, ao Senegal (então considerado um braço desse rio que atravessava a Etiópia e o Egipto), seria recebida com júbilo por D. Afonso V. Jorge Sur, mensageiro do Preste, chega a Lisboa, em 1456, no mesmo ano em que Diogo Gomes parte com um intérprete etíope. Pêro da Covilhã, enviado à Etiópia pelo Príncipe Perfeito, em 1487, seria o primeiro a alcançar o tão almejado território, no ano de 1494, reinando a rainha viúva Helena. Porém, retido na Etiópia, Pêro da Covilhã jamais regressou ao Reino com as informações que buscava. Anos volvidos, Mateus, o mensageiro arménio que a rainha Helena destinou a Portugal, seria recebido, primeiro, por *Afonso de Albuquerque, na Índia, em Dezembro de 1512. O encontro, celebrado com a adoração da Santa Cruz e a troca de presentes, precedeu o embarque de Mateus para Cananor, de onde rumou a Lisboa. Havia de retornar à Etiópia, em 1515, juntamente com Duarte de Galvão e com o *Padre Francisco Álvares, integrado na embaixada de D. Manuel que logrou, finalmente, no ano de 1520, após inúmeros incidentes de percurso (incluindo a morte de Duarte de Galvão), concretizar, já sob a chefia de D. Rodrigo de Lima, o primeiro contacto directo com a terra e a gente etíopes. Regressado a Lisboa sete anos depois, Francisco Álvares havia de ser o responsável pela queda do mito do Preste João. A esta embaixada seguiram-se outras iniciativas diplomáticas de parte a parte, bem como o envio de várias expedições militares portuguesas destinadas a conter o avanço muçulmano na região (nem sempre bem sucedidas, como foi o caso da comandada por D. Cristóvão da Gama, que sofreu pesada derrota contra o rei de Zeila). No entanto, tais actos não conseguiriam contrariar, de forma duradoura, a polémica religiosa instalada entre as sucessivas missões católicas (a partir de 1548, lideradas pela Companhia de Je-

Pormenor de uma Carta redigida em ge’ez, remetida a D. João III pelo rei da Etiópia.

sus) e o clero local, monofisita, nestoriano, etc. A persistência e extensão das controvérsias redundaria na expulsão definitiva dos missionários católicos, em 1634, decretada pelo imperador Basílides, o qual voltara a separar-se de Roma. *Aquaxumo, *Arca da Aliança, *Jorge Afonso, *Lalibela, *Salomão. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Manuel de, Historia da Ethiopia a Alta ou Abassia Imperio do Abexim cujo rey he vulgarmente chamado Preste Ioam [British Museum: ms. add. 9861; o compêndio desta obra, realizado pelo padre Baltasar Teles, intitula-se: Historia Geral da Ethiopia a Alta ou Preste Ioam e do que nela obraram os Padres da Companhia de Jesus, Porto, 1936 (ed. A. Magalhães Basto)]; AZEVEDO, Pedro A. de, Um embaixador abissínio em Portugal em 1452, in Boletim da 2ª Classe da Academia das Ciências de Lisboa, v. 13, n. 2 (Mar.-Jul. 1919), p. 525-526; BERMUDES, João, Esta he hu[m]a breve releação da embaixada q[ue] o patriarcha do João Bermudez trouxe do Emperador da Ethiopia chamado vulgarmente Preste Ioao ao christianissimo zelador da fee de Christo Rey de Portugal dom Ioao o terceiro deste nome [...], Lisboa, Francisco Correia, 1565 [BN: Res. 3105 P]; BESHAH, Girma / AREGAY, Merid Wolde, The question of the union of the churches in LusoEthiopian relations: 1500-1632, Lisboa, 1964; BRÁSIO, António, As relações da Cúria Romana com o Imperador da Etiópia na época henriquina: o seu porquê e suas consequências, in Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, v. 5, Lisboa, 1961; CARREIRA, José Nunes, A Abíssinia de Fran-

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ABITUREIRAS cisco Álvares: queda de um mito, in Literatura de Viagem: narrativa, história, mito, Lisboa, 1997, p. 85-98; CASTANHOSO, Miguel de, Dos feitos de D. Cristóvão da Gama em Etiópia, Lisboa, 1898 e 1983; COUTINHO, J. de Siqueira, Os portugueses na Etiópia, In Actas do 1º Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo, 4ª secção, [Lisboa], 1938; CRUZ, Maria Augusta Lima, Pero da Covilhã e a primeira embaixada portuguesa à Etiópia, in Revista do Icalp, v. 12-13 (Jun.-Set. 1988), p. 110-118; CURTO, Pedro Mota, Portugal, o Preste João e a Etiópia: séculos XV e XVI, (Tese de mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, Universidade de Lisboa), 1996 [BN: SC 76082 V]; FERREIRA, F. Palyart Pinto, Os portugueses na Etiópia, Lisboa, Paulo Guedes, 1935 [BN: HG 33170 P]; GUIMARÃES, Luís, Os portugueses e o conhecimento científico da Etiópia (séc. XVI e XVII), Lisboa, 1938; JONES, A. H. M. / MONROE, Elizabeth, A History of Abyssinia, Oxford, 1935; KRAUSE, Kurt, Os portugueses na Abissínia, Lisboa, Sociedade de Geografia, 1915; idem, Os portugueses na Abissinia: subsídios para a história da descoberta da Africa, Lisboa, Tip. Universal, 1915 (Tese doutoramento em Filosofia, Univ. de Leipzig); MENDES. M. Maia, Os Portugueses na Etiópia: honras e sacrifícios, in Actas do 1º Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo, 2ª secção, [Lisboa], 1938; PAIS, Pero, História da Etiópia: reprodução do códice coevo inédito da Biblioteca Pública de Braga, Porto, [s. d.] e 1945, 3 vols.); PENNEC, Hervé, Des Jésuites au Royaume du Prêtre-Jean, Éthiopie: stratégies, rencontres et tentatives d’implantation, 1495-1633, Lisboa, 2003; PERAGALLO, Prospero, Epistola di D. Emanuele Re di Portogallo al Papa Leone X annunziandogli l’entrata solenne dell’Ambasciata Portoghese in Abissinia, Genova, 1906; SANTOS, Luís Reis, Importante documento evocativo da acção dos Portugueses na Abissínia (Pintura da Renascença em Portugal), in Ocidente, v. 5, n. 12 (Abr. 1939), p. 72 e ss.; SABÓIA, Salvador / VIEIRA, Tomé, A Etiópia e os portugueses: narrativa da acção civilizadora dos portugueses nas terras do Preste João, [Lisboa], O Século, 1935; SANCEAU, Elaine, Etiópia e Portugal, in Ocidente, v. 57 (1959), p. 101-108; idem, Os portugueses na Etiópia, Porto, 1961; SANTOS, João dos, Ethiopia Oriental e varia história de cousas notaveis do Oriente [...], Évora, Manuel de Lira, 1609 e Lisboa, 1891 e 1990; SANTOS, Vitor, O missionário quinhentista Fr. João dos Santos e o seu livro Etiópia Oriental, Lisboa, 1951; SOVERAL, Visconde de, Memória ácerca dos portugueses na Abissínia, Porto, 1894; SCHMULEVITZ, S., A Abissínia: pequena história de um grande país, [Porto], Civilização, 1944; TELES, Baltasar, História da Etiópia, Porto, 1936 e Lisboa, 1989

ABITUREIRAS Localidade do concelho e distrito de Santarém. A fundação da matriz está ligada ao desencantamento de duas mouras. Conta-se que viveram aqui duas irmãs fiandeiras, apodadas de Aventureiras (donde o topónimo Abitureiras), que mantinham óptimas relações com elas. Tendo logrado de algum modo quebrar o encantamento às mouras, «com as quais dançavam muitas vezes até de madrugada», estas, em paga, tornaram-nas riquíssimas. Com os bens 28

assim obtidos terão decidido empreender a construção da igreja ainda hoje de excessiva dimensão para a localidade. Neste templo, existe a imagem de uma enigmática *Santa Sens que, segundo a crença local, deve manter-se constantemente voltada para uma janela, a qual deve permanecer sempre aberta, condição necessária para não desaparecer, como aconteceu inúmeras vezes, para regressar ao local onde fora encontrada e de onde a deslocaram para a igreja. BIBLIOGRAFIA Bol. da Junta de Província do Ribatejo (1937-40), p. 54; IadS, p. 85

ABIUL Localidade do concelho de Pombal (Leiria). Na praça onde se realiza a feira existiu um forno onde, outrora, ocorria uma prática inequivocamente xamânica. Depois de se manter aceso durante dois dias, entrava nele um homem confessado e sacramentado, com um *cravo na boca e transportando enorme fogaça para cozer. Comemorando o rito, praticado em memória de uma promessa feita em tempo de peste, lia-se numa inscrição setecentista: «Rubum quem viderat / Moises incombustus / conservata, agnovi/mus. tuam. laudabi/lem. virginitatem / Dei Genitris interce/de pro nobis. An. de 1718». ABJURAR Retratar-se, renunciar aos erros contra a *fé. O *Santo Ofício considerava três modalidades: A. abjurar em forma – *confissão plena da *heresia ou *apostasia, com juramento de não reincidir no futuro; confissão típica dos confitentes e cristãos-novos judaizantes, aqueles que sofriam as penas mais rigorosas, com cárcere e hábito perpétuo (como o boticário *António Serrão de Castro saído no *auto-da-fé de 10 de Maio de 1682, in António Baião, Episódios dramáticos da Inquisição, v. 2, p. 19); B. abjurar de leve – renúncia dos crimes indiciados com leves provas; fórmula característica dos suspeitos de crimes pouco graves (*bigamia, *blasfémia, *perjúrio, *feitiçaria, porém, nunca o *judaísmo) ou com indícios leves (caso de *Fernão de Pina, filho do cronista Rui de Pina, idem, v. 1, p. 140), punida

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ABÓBADA DE AÇO com desterro, açoites, galés e cárcere a arbítrio; C. abjurar de vehementi – confissão veemente à qual eram condenados os suspeitos de crimes graves contra a fé; a reincidência equivalia a ser considerado *relapso e condenado à *fogueira (como aconteceu ao cónego e poeta Baltasar Estaço e ao jurisconsulto *Francisco Vaz de Gouveia, idem, v. 1, p. 99 e 190, respectivamente). ABLUÇÃO Purificação com água de qualquer substância ou pessoa, antecedendo atitude ou cerimónia religiosa. As pias de *água benta existentes à entrada dos templos católicos respondem a tal necessidade, existindo similares em quase todas as formas cultuais. A água benta obtém-se benzendo a fonte ou canalização por onde corre, no Sábado de *Aleluia. Na Bíblia, a ablução ad-

Oração para a ablução matinal ouvida a uma cristã-nova de Belmonte Louvado seja o Senhor que me deu água para me lavar, Louvado seja o Senhor que me deu pano para me limpar, Louvado seja o Senhor que me deu pernas para andar, Louvado seja o Senhor que me deu braços para trabalhar, Louvado seja o Senhor que me deu ouvidos para ouvir, Louvado seja o Senhor que me deu olhos para ver, Louvado seja o Senhor que me deu nariz para cheirar, Louvado seja o Senhor que me deu boca para falar. O Senhor me dê graça e juízo, Para O servir e louvar. Meu Deus como é a razão Quem te fora a fazer o dito Como uma justa condução. Põe-me em estado de graça Meu Divino Criador. Estarei bem inclinado Ao Vosso santo e divino temor. Amén, Senhor

quire um valor ritual, conferindo à água um carácter sagrado e lustral. Lavar as mãos pode converter-se num sinal de inocência (Salmo XXVI, 6) ou de inibição de responsabilidade jurídica, como no caso de Pilatos (Mateus, XXVII, 24). Bluteau afirma que na química, «é a exaltação, pureza e perfeição que recebe a matéria com repetidas infusões». *Lavatório de mouro, *vaso de Tavira. ABNA Deusa lusitano-romana atestada por uma ara (CIL, II, 779 e RPH, 15) encontrada (1901) em São Martinho do Campo (Santo Tirso) e recolhida na Sociedade Martins Sarmento (Guimarães). Abna é cognato de Abnoba, divindade das florestas e dos rios e, também, da caça. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 219; VASCONCELOS, J. Leite de, Religiões da Lusitania, v. 2, Lisboa, 1905, p. 214-215

ABÓBADA A sua função de remate superior ou celeste de um *templo faz a abóbada participar do simbolismo cósmico. Repousa sobre quatro sustentáculos (colunas, paredes, etc.), i. e., resulta da interacção dos quatro elementos que constituem a natureza, por intermédio dos quais o céu e a terra se relacionam. Lograr construir uma abóbada de forma duradoura revela, na plena acepção do termo, a mestria do iniciado. A lenda de *Afonso Domingues é o corolário do afirmado. A abóbada do cruzeiro do *Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa) é o maior vão do género conhecido na arquitectura europeia. Tipos de abóbada mais frequentes na arquitectura portuguesa: Anular; Aresta; Barrete de clérigo; Berço; Caracol; Concha; Cruzaria de ogivas; Leque; Lunetas; Meio-berço; Vela; Estrelada; Sextapartida. ABÓBADA DE AÇO Expressão maçónica que designa as espadas cruzadas por duas alas de mações, sob as quais passam os altos dignitários da corporação, em sinal de honra. O costume estendeu-se às instituições castrenses que o adoptam em ocasiões 29

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ABÓBORA festivas para homenagear os seus membros. *Sampaio Bruno dedica à questão um capítulo do seu Plano de um Livro a Fazer: Os Cavaleiros do Amor ou a Religião do Amor (Lisboa, 1996). ABÓBORA Do latim, apoperis (cabaça). Mercê do grande número de pevides (sementes), a abóbora é, à semelhança da *romã, um símbolo de fertilidade. Na região de Aveiro são oferecidas papas de abóbora às almas dos defuntos, no dia de *Finados. Afirma *Santo António que pela abóbora se «entende o poder mundano, cujo fruto, enquanto está no vigor, é comestível; depois torna-se lenho seco» (Obras Completas, v. 2, p. 444). Sonhar com a compra de abóboras significa proveitos e grandes vantagens à porta, enquanto comê-la em sonhos augura boas notícias e grande satisfação. Contra a *azia prescrevem-se pevides de abóbora assadas na lareira, comidas em jejum. Na linguagem das plantas, flores e frutos a aboboreira significa gordura e gravidez. ABOBOREIRA, SERRA DA Serra essencialmente granítica, pertencente a um sistema montanhoso sito entre os rios Tâmega e Douro, nos concelhos de Amarante e Baião. Considerado um dos mais notáveis santuários da arte megalítica no território português, nomeadamente mercê da cerca de meia centena de mamoas referenciadas e às inúmeras ocorrências de insculturas e fossettes em afloramentos rochosos (*Outeiro Machado, com mais de 350 gravuras) e no penedo *baloiçante baptizado com o nome de Pedra que bole. De resto, José de Pinho relataria, na sequência da excursão arqueológica que ali realizou em 1924, o surgimento de pedras oscilantes «por toda a parte [contou 17], dentro daquela vasta necrópole dolménica», registando o sugestivo nome de algumas delas (Pedra do Sol e Pedra ou Penedo Cabana, i. e., que abana), e concluindo que «as pedras oscilantes até agora encontradas no concelho de Amarante, na proximidade de castros, no meio de necrópoles dolménicas e junto de insculturas rupestres, com sinais evi30

Pedras bolideiras da serra da Aboboreira.

dentes de terem sido intencionalmente preparadas para oscilar, devem ser consideradas verdadeiros megálitos, possivelmente de carácter funerário, mágico ou simbólico». O Projecto do Campo Arqueológico da Serra da Aboboreira, encetado em 1978, permitiu desenvolver uma campanha de prospecção arqueológica sistemática, bem como o estudo multidisciplinar de significativo número dos monumentos arrolados. Na anta 3 de *Chã de Parada (São João de Ovil, Baião), também conhecida por Casa dos Moiros, ocorre o enigmático motivo alcunhado de *A Coisa por Shee Twohig. *Abolida, *abulida, *anta, *berço, *bulideira. BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho, Arte megalítica no Planalto de Castro Laboreiro (Melgaço, Portugal e Ourense, Galiza), in Brigantium, v. 10 (1977), p. 191-216; CRUZ, Domingos J. da, Contribuição para o levantamento cartográfico do conjunto megalítico da serra da Aboboreira (concelhos de

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ABOIAR Amarante e Baião), in Actas do Seminário de Arqueologia do Noroeste Peninsular, v. 1, Guimarães, 1980, p. 23-40; FERNANDES, A. L., Carta geológica: nota explicativa da folha n. 113 (Amarante), Lisboa, 1959, p. 7 e 21; GANDRA, Manuel J., Antas de Portugal com Arte Rupestre: subsídio para um roteiro, Mafra, 2007; JORGE, Vitor de Oliveira, O Projecto do Campo Arqueológico da Serra da Aboboreira (Norte de Portugal): resultados de oito anos de trabalho, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 2, v. 3 (1986), p. 239-256; idem, Descoberta de pinturas megalíticas na Serra da Aboboreira, in Reporter do Marão, n. 21 (1984); idem, Campo arqueológico da Serra da Aboboreira: arqueologia do Concelho de Baião (resultados de 10 anos de trabalho), in Arqueologia, n. 17 (Jun. 1988), p. 5-27; idem, Necrópole pré-histórica da Aboboreira (Distrito do Porto): uma hipótese de diacronia, in Homenagem a J. R. dos Santos Simões, v. 1, Lisboa, 1990, p. 205-213; idem, Questões de interpretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47-65; PINHO, M. José de, Expansão da cultura megalítica no concelho de Amarante: subsídios para a história do povo amarantino, in Trabalhos da Soc. Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 4, n. 1, 1928, p. 75-78, fig. 12-14; idem, Certaines Pierres branlantes ne sont-elles pas de vrais mégalithes?, in Actas do VX Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistorique – IV Session de l’Institut International d’Anthropologie (Portugal, 21-30 de Setembro de 1930), Paris, 1931; SOUSA, Orlando, As pinturas rupestres da mamoa 3 de Chã de Parada – Baião: notícia preliminar, in Arqueologia, n. 17 (Jun. 1988), p. 119-120

ABOBORIS Invocação mariana, revelada a uma pastora, em Óbidos. ABOIAR O mesmo que falar ou cantar aos bois, em falsete, agudo e prolongado, com o objectivo de

invectivar os animais para o desempenho das respectivas funções nos trabalhos agrícolas. Trata-se de um canto sem palavras, assente exclusivamente em vogais. Gonçalo de Sampaio admite tratar-se de uma «melodia arcaica – talvez a de mais remota origem que se conserva em Portugal [...] vivida até aos nossos dias em associação com a prática extremamente antiga de lavrar a terra» (Cancioneiro Minhoto, Porto, 1940, p. 27). As *toadas ou *toadilhas de aboiar são mais comuns no Minho, porém também se acham referenciadas às portas de Lisboa, nas localidades de Santo Antão do Tojal, Apelação e Bemposta (conc. Loures), bem como no *Brasil. Possuem letra e, em certas passagens, são respondidas em coro, concluindo com um berro muito prolongado na última sílaba. Na Maia, aboiar é levar ao touro de cobrição uma vaca com cio, a que se chama andar boieira. *Afaúlar e *afoular.

BIBLIOGRAFIA ASSUNÇÃO, Ana Paula, Toadilhas de aboiar: uma recolha no concelho de Loures, in Bol. Cultural C. M. Loures, a. 1, n. 1 (Nov. 1987), p. 43-49; AZEVEDO, Padre Agostinho de, Afaülar ou Afoular, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 18-19; GALLOP, Rodney, Cantares do Povo Português: estudo crítico, recolha e comentário, Lisboa, 1937; GIACOMETTI, Michel, Cancioneiro Popular Português, Lisboa, 1981; GRAÇA, Fernando Lopes, A Canção Popular Portuguesa, Lisboa, 1953

Toadilha de aboiar recolhida na Apelação (Loures).

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ABOIM, DIOGO GUERREIRO CAMACHO DE ABOIM, DIOGO GUERREIRO CAMACHO DE Autor do Opusculum de privilegiis familiarum, officialumque Sanctae Inquisitionis desideratissimum (Lisboa, 1699, 1735, 1747 e 1759), antologia da jurisprudência do *Santo Ofício, que inclui, entre outra legislação, o Regimento do Juízo das Confiscaçoens pelo Crime de Heresia e Apostasia e a Ordenança de Filipe IV, de 6 de Março de 1631. ABOLIDA O mesmo que *abulida, *baloiçante e *bulideira. Também *berço, *embanador, *sino dos mouros, *falperra, *peravana, *pedra da paciência, *penedo que fala, *perramedo e *pedra da mó. Nome atribuído a pedras, monólitos ou penhas mantidas em equilíbrio instável, de molde a que oscilem mediante qualquer ligeiro impulso que se lhes dê em determinado ponto. Algumas destas pedras apresentam insculturas. ABOMINAÇÃO No seu sentido original o termo exprime a aversão dos egípcios pela partilha de refeições com estranhos (Genesis, XLIII, 32), prática seguida pelos hebreus, os quais consideravam ilegal comer ou beber com estrangeiros (João, XVIII, 28; Actos, X, 28). Tornou-se sinónimo de repulsa por alimentos proibidos (Levítico, XI, 10; Deuteronómio, XIV, 3), depois, por tudo quanto se relacionasse com a idolatria (Deuteronómio, VII, 25) e, por último, com a hipocrisia (Lucas, XVI, 15; Apocalipse, XXI, 27), a mais grave ofensa contra a religião. ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO Expressão utilizada por Jesus (Mateus, XXIV, 15) para descrever a profanação do Templo pelos romanos. Sinónimo de *Anticristo em alguns hermeneutas bíblicos. ABOMINÁVEIS A referência aos abomináveis ocorre no ritual do 30º grau (Cavaleiro Kadosh) do *Rito Escocês Antigo e Aceite. São três: o rei Filipe IV, o Belo (1285-1314), de França, o papa Clemente V (1305-1314) e Squin de Florian ou Floy32

rano, burguês de Béziers, considerados culpados pela perseguição e extinção da *Ordem do Templo. Consoante a Mensagem derradeira (30 de Março de 1933) de *Fernando Pessoa, os três abomináveis assassinos de Jacques de Molay e, extensivamente, da Ordem do Templo, foram a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania. ABORTO *S. Martinho de Dume condenou o aborto provocado nos Cânones (Livro VI, tit. 3). Nos tempos mediévicos as leis do Reino adversavam o aborto voluntário, exigindo procedimento sumário no caso de haver «mulheres infamadas de fazer mover ou médicos, cirurgiões ou boticários que dão remédio para este efeito com dolo mau». Mateus Soares, na sua Prática de Visitadores dos Bispados com licença da Santa Inquisição (Lisboa, 1602), instava com os párocos para que indagassem junto das suas confessadas se tomavam «alguma beberagem ou mezinha para mover, ou moverem alguma pessoa, homem ou mulher que lhes desse e nisso consentisse e de que meses eram prenhas quando moveram e se moveram macho ou fêmea». Uma provisão régia, de 12 de Março de 1603, accionava o regimento de quadrilheiros, espécie de polícia de costumes, recomendando que tais mulheres, acusadas de utilizar ou fornecer beberagens para provocar abortos, fossem denunciadas a corregedores e juízes (Colecção de Leis extravagantes [...]). O Prontuário de Teologia Moral de Francisco Larraga (Coimbra, 1740), condenava violentamente a «agência, auxílio ou conselho para fazer aborto depois de animado o feto [i. e., quarenta dias após a concepção]», porém, ressalvava que não incorriam nessa censura, as mulheres gravemente enfermas, às quais se poderia dar «remédio de sangria, purga ou outro semelhante [...] ainda que [...] se siga o aborto de feto animado ou não animado. E a razão é porque a mãe tem direito de conservar a vida». O preconceito da Igreja contra a mulher que aborta voluntariamente fundava-se (aliás, funda-se ainda) no dogma de que o matrimónio é o locus da reprodução humana e de que na maternidade reside o poder

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ABRAÃO feminino de dirimir o pecado original, incrementando o número de almas cristãs no céu («crescei e multiplicai-vos»). A ciência médica alinhava com a Igreja na condenação do aborto voluntário, fruto de «amores lascivos» e «ilícitos contratos», sugerindo implicitamente que o descaminho fisiológico transformava a mulher numa paciente moralmente enferma. Entretanto, comadres, parteiras e feiticeiras proliferavam à margem dos pressupostos dominantes, habilitadas em beberagens «para mover» ou «fazer anjinhos» [cf. ANTT: Inq. Évora, proc. de Violante Nunes (1632), fl. 71; Autos contra Brites Fernandes, fl. 5]. A vantagem de se empregar o receituário da ciência médica para suscitar o «móvito» era a de tornar ambíguo o aborto. O regresso da menstruação interrompida, tratada com fórmulas para «opilação da madre», por exemplo, acabava por provocar, acidentalmente, a expulsão do feto. A magia simpátia foi igualmente muito utilizada, nomeadamente os procedimentos que adoptavam a *pedra quadrada (*abutre) e a *pedra de águia ou *candar, à qual era creditada a propriedade de expelir a criança e a madre juntas. Algumas advertências feitas às mulheres pejadas, no sentido de conservarem a criança no ventre, eram fielmente seguidas às avessas ou intencionalmente desrespeitadas para produzir o resultado inverso: como a recomendação de Curvo Semedo (Poliantheia Medicinal, 1761), de só usar a *pedra de águia atada nos sovacos ou atada nos braços, a qual deixava em aberto a possibilidade de amarrá-la a outra qualquer parte do corpo para obter o desejado efeito abortivo; ou a de não beber, antes do momento previsto para o parto, água em que tivesse estado mergulhada pedra quadrada com azeite, pois a mistura faria «lançar a criança a qualquer tempo» (cf. Manuel A. Costa Barreto, Aforismos sobre hemorragias uterinas e convulsões puerperais, Lisboa, 1797). Justamente para evitar a ambiguidade, algumas posologias chegavam a explicitar que havia um momento certo para a utilização de determinada mezinha: «Botar um pequeno de azeite de gergelim na palma da mão e esfregar esta [candar] no dito azeite por espaço de

cinco ou seis credos, e untar com este azeite o umbigo para a parte de cima, fazendo círculo como de meia lua, faz o mesmo efeito de lançar a criança e as páreas, e advirta-se que quando se der qualquer destes medicamentos apontados seja o tempo que a mulher tenha lançado ou botado o sinal ou apertado as dores e não antes» (Livro de Receita médica para diversos males [BN: ms. 10826]). É considerado mau presságio quando uma mulher sonha com um aborto. Em Portimão, diz-se que se no dia do casamento houver um par de pobres à porta da igreja, se estes não ficarem satisfeitos com as esmolas ou se forem escorraçados do local, é quase certo que o primeiro filho da união será nado-morto, a mulher perdê-lo-á (desmanchará ou abortará), ou nascerão bostas (postas de carne e sangue só com os olhos). Segundo uma crença assaz difundida, os abortos parecidos com algum bicho são fenómeno atribuído a duas causas principais, a saber: A. O coito de que foi gerado ter ocorrido durante a *menstruação; B. Um animal ter-se macheado (feito cama) na roupa que a mulher usou durante o período da assistência (menstruação). Em algumas regiões do país, o aborto ainda é provocado voluntariamente pela acção da *sargacinha do monte e do chá de *fel da terra. Segundo Alda Soromenho, em Lisboa, na década de 1920, as pessoas modestas que desejavam abortar dirigiam-se a um cemitério a colher gálbulas, i. e., os frutos do *cipreste, com as quais preparavam um chá tido por muito eficaz. *Açafrão, *baptizado da meia-noite, *monstro, *teratologia. BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Asdrúbal de, Estudos relativos à reprodução na antiga Roma (Menstruação, Concepção, Gravidez, Parto, Puerpério, Aleitamento, Recém-nascido, Aborto), Lisboa, 1951

ABRAÃO Descendente de Sem, filho mais velho de *Noé. Primitivamente, chamou-se Abram, só tendo recebido de *Iavé o nome definitivo aos 99 anos, quando abandonou Ur. Tido pelo mais célebre dos patriarcas (Abraão, *Isaac e *Jacob) e reverenciado conjuntamente por hebreus, cristãos e muçulmanos, como homem 33

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ABRAÃO

Sacrifício de Abraão: tela da igreja de S. Pedro (Ericeira).

eleito e pai dos crentes. A sua *aliança com *Deus exprime-se por dois actos: o sacrifício de seu filho Isaac e o dízimo pago a *Melquisedeque, Rei de Salém. No Novo Testamento ocupa um lugar de destaque, pois João Baptista e Jesus, ambos a ele se reportam quando evocam a bemaventurança celestial e as promessas a si feitas e aos demais patriarcas por Deus. Segundo a tradição terá sido o primeiro homem a ter o cabelo e a barba brancas. Os episódios mais frequentemente iconografados na arte nacional são: A. o *Encontro com Melquisedeque (Genesis, XIV, 18-24), episódio precursor da *Eucaristia (São João Baptista, em Tomar; Sé do Funchal, etc.); B. o Sacrifício de Abraão (Genesis, XXII), prefigurando o sacrifício cruento na cruz ou o incruento da Eucaristia e que, de acordo com o Regimento aprovado pelo Senado da Câmara do Porto, em 1621, figurava na Procissão do *Corpo de Deus que se realizava naquela cidade e, igualmente, na cúpula fingida da capela da nave lateral do lado do Evangelho da Sé de Lamego, pintado por Nasoni; C. o *Seio de Abraão, tema baseado num trecho do Evangelho de S. Lucas (XVI, 22) que, exprimindo a preocupação pela bemaventurança extraterrena (por esse motivo geralmente associado à icono34

grafia do *Juízo Final), se reporta às almas dos Justos, como a de *Lázaro, que serão acolhidas pelo patriarca num local transitório, espécie de *purgatório, onde aguardam o castigo ou a recompensa definitivos: túmulos da *Rainha Santa (Coimbra), de Egas Moniz (Paço de Sousa), e num anepígrafo do Museu do Carmo (Lisboa), onde, sobre o reverso do *baldaquino, um *anjo segura, numa toalha eucarística, a *alma dos jacentes (representada por pequena figura desnuda que é conduzida orante ao seio de Abraão); modilhão oriundo da igreja de S. Salvador de Paderne [MPioXIIBraga: inv. secção lapidar 97]. No MNAA [inv. n. 1614, 1786, 1787, 1788, 1789] existe uma série de cinco telas do pintor espanhol Pedro Orrente (1570-1644), provenientes da col. Burnay, iconografando episódios da vida de Abraão (Expulsão de Agar, Sacrifício de Abraão, Abraão separa-se de Lot, Abraão manda Eliezer escolher mulher para Isaac e Encontro de Eliezer e de Rebeca). Na Procissão dos Passos (*Domingo de Ramos), em Ponte da Barca, Abraão figurava, «vestido à turca». É provável que o topónimo *Monte Abraão (Queluz Ocidental, Sintra), se justifique em virtude da grande antiguidade do lugar, atestada pela existência de uma anta, me-

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ABRACADABRO gálito frequentemente confundido na imaginação popular com um *altar sacrificial (sobre o qual são oferecidos sacrifícios). Como descendentes de Abraão se reclamam os naturais da Ilha de Moçambique (cf. Os Lusíadas, I, 53, v. 5-8). *S. Miguel. BIBLIOGRAFIA MACEDO, António de, Laboratório Mágico: ensaios alquimísticos, Lisboa, 2002, p. 110-115; REAL, Manuel Luís, Seio de Abraão, in Cristo Fonte de Esperança, Porto, 2000, p. 87, n. 29; VAN WOERDEN, I. Speyart, The Iconography of the Sacrifice of Abraham, in Vigiliae Christianae, n. 15 (1961), p. 214-255

ABRAÃO COFEM Personagem de A Última Dona de S. Nicolau: episódio da história do Porto no séc. XV (Lisboa, 1899), romance histórico de Arnaldo Gama. É aí apresentado como neto do rabi-mor D. Judá Cofem (contemporâneo de D. João I), *alquimista, *astrólogo, *mago, etc. (cap. VIII: O Alquimista, p. 117-143 e notas, p. 441-451). ABRACADABRA Palavra de virtude, disposta triangularmente. Quintus Serenus Sammonicus (séc. II) foi quem, pela primeira vez, a mencionou como fórmula de *amuleto. Alguns autores sustentam que se trata de corruptela do termo gnóstico *abraxas (proteja-me), outros que deriva do aramaico ha brachah dabarah (proferi a benção!). Como amuleto, inscrita num pergaminho usado ao pescoço, era recomendada na profilaxia e cura de todo o género de maleitas, designadamente das febres. Citada no processo de *Diogo Lopes, de Estremoz (1675) [ANTT: Inq. Évora, proc. 7415, maço 768]. *Brás Luís de Abreu condena a utilização da palavra abracadabra por «médicos feiticeiros e feiticeiras, curandeiros e curandeiras, com ofensa de Deus, com injúria da Fé e com perdição da própria alma» (Portugal Médico, p. 617-618). Para o vulgo significa expressão confusa, ininteligível. Esta palavra de virtude ocorre numa miscelânea dos séculos XVII/XVIII [BN: cod. 589], acompanhada da seguinte legenda: «Estas palavras postas ao pescoço em louvor das onze mil virgens e rezar no próprio dia em que

Disposição triangular da palavra abracadabra.

puser onze Ave Marias: […]. Dizem que tem virtude para tirar febres e que tem feito muitos maravilhosos efeitos. Deu-os um Padre de São Francisco de Lisboa a um amigo ao qual um hebraico os trasladou em letras latinas, porque elas na sua origem são hebraicas» (cf. Ana Hatherly, A Experiência do Prodígio, Lisboa, 1983, p. 244). O franciscano Frei Rafael da Purificação, da Província de Santo António do Brasil aconselha a zombar da palavra Abracadabra, surpreendendo-o que «homens muito sábios gastassem superfluamente o tempo em descobrir a origem» dela (Letras Symbolicas e Sibylinas, Lisboa, 1747, p. 344-345). ABRACADABRANCIA Prática de coisas abracadábricas. ABRACADABRANTE Extraordinário, misterioso, mágico. ABRACADABRESCO O mesmo que *abracadábrico. ABRACADÁBRICO O mesmo que *abracadabrante. ABRACADABRISTA Aquele que pratica a *abracadabrancia. ABRACADABRO António da Cruz e Silva aplica este patronímico ao mago, personagem do canto VII do Hissope (1802). 35

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ABRAÇO ABRAÇO Em sonhos, um abraço prenuncia encontro com traições, quando entre amigos e parentes, e viagem num futuro próximo, quando é dado a pessoa desconhecida. ABRAHAM São diversos os autores homónimos alegados como subscritores de obras de magia, alquimia e astrologia, durante a Idade Média, casos, entre outros, de: Abraham, o Judeu, que terá influenciado determinantemente Nicolas Flamel (séc. XIV); o Abraham, autor de um livro de alquimia, no qual se acham referências a um agente oculto, fogo aquoso ou aguardente, autêntica chispa vital comunicada pelo criador à matéria inerte. Em Portugal é conhecido um, a quem D. João II chama Estrolico (*astrólogo), no alvará (Torres Vedras, 9 de Junho de 1493) por que lhe mandou dar 10 espadins de ouro [ANTT: Corpo Cronológico, parte I, maço II, doc. XVIII]. *Abraão Cofem. ABRAHAM, MAR (?-1597) Clérigo nestoriano (*nestorianismo) nomeado pelo patriarca de *Babilónia como substituto de Mar Joseph, temporariamente ausente na Europa, no arcebispado de Angamale (Cochim). Após o regresso do titular, Mar Abraham recusou-se a devolver-lhe a arquidiocese, provocando um cisma entre os cristãos malabares. O diferendo seria sanado pela pronta intervenção do vice-rei D. António de Noronha, o qual, por intermédio do rei de Cochim, o prendeu, embarcando-o para Portugal, em Janeiro de 1566, no intuito de o compelir a comparecer ante a Cúria romana. Aproveitando a escala em Moçambique, Mar Abraham evade-se, dirigindo-se para Melinde e Ormuz, com o objectivo de se acolher à protecção do patriarca da Babilónia e lograr junto deste a posse da diocese. Convencido, porém, da inutilidade do empreendimento sem a prévia confirmação da *Santa Sé, decide meter-se a caminho de *Roma. Aí, perante Pio V, fez profissão de fé católica, abjurou erros passados e comprometeu-se a trazer à obediência de Roma todos os cristãos 36

do Malabar. O pontífice constituíu-o, então, arcebispo de Angamale, entregando-lhe cartas para ser recebido por tal pelo vice-rei e demais prelados da Índia. Confessando não ser ordenado, o *Papa mandou ordená-lo da primeira tonsura ao sacerdócio, passando-lhe um Breve para o patriarca de Veneza o sagrar bispo. Regressado ao Oriente, o bispo de *Goa, D. Jorge Temudo, enclausura-o no convento de S. Domingos de onde se evade, alcançando a sua diocese, a partir da qual anuncia ao vice-rei e às autoridades eclesiásticas portuguesas a incondicional submissão à igreja católica. Como os seus actos desmentissem as promessas, o Papa Gregório XIII determinou, a instâncias do bispo de Goa, por breve de 28 de Novembro de 1578, que Mar Abraham comparecesse no concílio provincial convocado para o ano de 1585 na capital da Índia portuguesa. Aí abjurou o *nestorianismo, anatematizou as heresias reprovadas pelo catolicismo e celebrou missa pelo rito romano, segundo normas litúrgicas traduzidas para siríaco pelo padre Francisco Rodrigues (cf. Francisco Casimiro da Nazaré, Mitras Lusitanas no Oriente, p. 73). Concluído o concílio, do qual saíram dez decretos relativos ao arcebispado de Angamale e à cristandade de *S. Tomé no Malabar, Mar Abraham regressou à sua diocese com dois jesuítas do colégio de Valpicota, mantendo-se, durante cinco anos, fiel ao compromisso de observar as disposições conciliárias e de submeter à destruição ou reforma todos os livros existentes em igrejas sob a sua jurisdição. A submissão à igreja romana deixou Mar Abraham em situação difícil perante o patriarca da Babilónia, situação que se agravaria quando, para lhe agradar, renegou os compromissos assumidos em Goa. Tornar-se-ia, em consequência, persona non grata para ambas as partes. Por carta datada de Goa, a 22 de Novembro de 1593, os inquisidores António de Barros e Rui Sobrinho queixam-se ao rei que Mar Abraham «é notoriamente hereje nestoriano», pelo que sugerem a sua substituição por prelado latino. O processo acabaria por ficar sem efeito em consequência do falecimento do arcebispo (cf. Antó-

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ABREU, AUGUSTO CESÁRIO DE VASCONCELOS nio Baião, A Inquisição de Goa, v. 2, p. 268), o qual, além de se cartear com o Geral da *Companhia de Jesus, Cláudio Aquaviva, era por este frequentemente presenteado (cf. Francisco de Sousa, Oriente Conquistado, v. 2, p. 177). BIBLIOGRAFIA VISCONDE DE LAGOA, Grandes e Humildes na epopeia portuguesa do Oriente (séc. XV, XVI e XVII), Lisboa, 1942, p. 26-27

ABRANTES Vila sede de concelho do distrito de Santarém. Pedro Sanches, importante magistrado do reinado de Dom Sebastião e notável poeta novilatino, inspirado na Sátira XV de Juvenal, compôs um poema em 161 hexâmetros dactílicos, intitulado De Superstitionibus Abrantinorum (Acerca das Superstições dos Abrantinos [BN: ms. 6368]), no qual descreve a forma supersticiosa como as freguesias de São João e de São Vicente honravam os seus padroeiros, hostilizando-se reciprocamente. ABRANTIL Vento que sopra de Abrantes. Também *abrantino. ABRANTINO *Abrantil.

ABRED Na teosofia celta é o segundo dos três círculos do universo (sendo *Keugant, o primeiro e maior e *Gwenwed o terceiro e da ascensão suprema para *Deus), onde é originada a vida terrestre e as almas decidem o seu destino entre o bem e o mal. ÁBREGO Vento que sopra do Sul ou de África, donde denominar-se também *áfrico. ABRENUNCIAR Renunciar, repelir, *arrenegar. A interjeição abrenúncio! (do latim, abrenuntio) vale por Credo!, Deus me livre! e T’arrenego! ABREU, AUGUSTO CESÁRIO DE VASCONCELOS (1849-?) Natural de Coimbra, formou-se na Escola Médica do Porto, em 1878. Adepto das teorias de Hahnemann, menos de dez anos após a conclusão do curso já era conhecido no país e além fronteiras como distinto expoente da medicina homeopática, a cuja propaganda se dedicou com afinco. Autor, entre outras obras, de: Estudos gerais sobre homoeopathia (Lisboa, 1880 [BN: SA 12498 (3º) P]; Do progresso da Medicina pela homoeopathia ou a medicina homoeopathica em sua origem, methodo, valor scientifico

ABRAVANEL, JEHUDA (ca. 1460-ca. 1535) *Leão Hebreu. ABRAXAS Termo utilizado na teogonia gnóstica para designar os Aeons ou ciclos de criação e *Deus. A sua origem remonta a Basílides de Alexandria (séc. II). As sete letras que formam a palavra grega somam 365, o número de dias do ano solar, i. e., um ciclo completo da acção divina ou, ainda, o número total dos espíritos que emanaram de Deus. Gravado em pedras preciosas, usadas como *amuleto contra feitiços e doenças, este espírito gnóstico é possuidor de cabeça de galo, leão ou homem, pés serpentiformes e cauda com nós. A palavra *abracadabra é supostamente uma derivação de Abraxas.

Augusto Cesário de Vasconcelos Abreu. Gravura em madeira de Pastor, reproduzida na Illustração Portuguesa e no Diário Ilustrado (1887)

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ABREU, BRÁS LUÍS DE e doutrinal (Lisboa, 1882); Homoeopathia e allopathia ou os dois methodos comparados (Lisboa, 1885); Repto aos detractores da terapêutica homoepathica; Notas para a história da homoepathia em Portugal […] acompanhada de duas conferências sobre cholera-morbus feitas na Sociedade de Geographia de Lisboa (1º v., Lisboa, 1891 [BN: SA 5790 V]). *Homeopatia. ABREU, BRÁS LUÍS DE (1692-1756) Descendente de médicos e mercadores cristãos-novos. Em virtude de haver perdido uma vista em criança foi alcunhado o Olho de Vidro, título da biografia romanceada de Camilo que se inspira na sua figura. Formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra, em 1717. No ano seguinte casar-se-ia com D. Josefa Mourão de Sá. A união seria dissolvida ao fim de 14 anos, alegadamente por os cônjuges serem irmãos, tendo ambos professado, ele e os três filhos o hábito franciscano, ela e as cinco filhas no Recolhimento de São Bernardino. Brás Luís de Abreu foi Familiar do *Santo Ofício, achando-se os seus restos mortais depositados na capela-mor da igreja do Recolhimento de São Bernardino, em Aveiro. Autor de Portugal medico ou Monarchia Medico-Lusitana: Historica, Practica, Symbolica, Ethica e Politica. Fundada, e comprehendida no dillatado ambito dos dohes Mundos Creados macrocosmo, e microcosmo [...] Ampliada, e subdividida em outras tres famosas regions, animal, vital e natural em que se expoem curiosissimos Systemas Ethico-Politicos e nelles varios Hieroglyphicos, Historias, Emblemas, Moralidades, Proverbios, Ritos, Observaçoens, Physiognomias, Epithetos, Signaturas e outras muytas acçoens [...] (Coimbra, 1726 [PNMafra: 1-18-11-7 e 8 = 2 exemplares; BN: SA 4578 A]). Nesta obra ocupa-se dos médicos fisiognómicos (p. 317), metereológicos, astrológicos, mágicos, bem como da actividade dos pseudo-médicos, isto é, os medicastros, agirtas, impostores, empíricos, mezinheiros (boticários fabricantes de mezinhas de segredo, p. 115-116), barbitonsores e circumforaneos. Além disso, estabelece a distinção entre os benzedores que curam por graça de Deus (também chamados 38

Mestres, p. 621-622) e os que o fazem por meios diabólicos, indicando as características dos segundos, consoante os teólogos. Considera que apenas devem ser reconhecidos como legítimos médicos: o Físico que sabe «definir com atenção a natureza das coisas»; o médico Astrólogo, que pode observar «o nascimento, o aspecto e o influxo dos Astros», o médico Prognosticante, «por serem os prognósticos racionais os mais recônditos arcanos da minha faculdade»; o médico Pulsísico, porque só ele «toma o pulso à essência das queixas, o peso à substância dos males»; aquele médico que tenha conhecimentos de Geometria e Aritmética «por ser mais preciso para o juízo das queixas a disposição dos números e para uso das anatomias a ordem e o fito dos membros»; e, enfim, os médicos Modernos, «chamados vulgarmente Espagíricos», porque, apesar de certos defeitos, podem enriquecer «as oficinas de remédios selectos e adiantarão a Farmácia com novas operações Químicas». Trata ainda da *fascinação (p. 624s.), entre muitos outros temas de teor mágico-hermético. Sumaria-se, doravante, a obra em apreço, capítulo a capítulo, evidenciando a circunstância de que cada um dos animais referidos corresponde a determinado tipo de médico: 1. Reino animal – Homem: hieróglifo da Medicina; reflexão simbólica – Homem médico; Região animal – cabeça; ponderam-se vários Prodígios e Hieróglifos da cabeça que os antigos observaram; 2. Reino animal – Elefante: hieróglifo da prudência; reflexão simbólica – Médico prudente; Região animal – cabeça: descobre-se a Significação de várias cabeças que os antigos insculpiram nas suas Moedas e Medalhas; 3. Reino animal – Leão: hieróglifo da vitória; reflexão simbólica – Médico laureado; Região animal – cabeça: lembram-se vários Sacrifícios e Histórias da cabeça; 4. Reino animal – Veado: hieróglifo da fisiognomia; reflexão simbólica – Médico fisiognómico; Região animal – cabeça: mostram-se singulares Emblemas e ajustadas Moralidades sobre a cabeça; 5. Reino animal – Touro: hieróglifo da meteorologia; reflexão simbólica – Médico meteorológico; Região animal – cabeça: declaram-se esqui-

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ABREU, LOPO GOMES DE sitos Provérbios e Epítetos da cabeça; 6. Reino animal – Lince: hieróglifo da astrologia; reflexão simbólica – Médico astrológico; Região animal – cabeça: descobrem-se algumas Signaturas e Fisiognomias da cabeça; 7. Reino animal – Lobo: hieróglifo da magia; reflexão simbólica – Médico mágico; Região animal – cabeça: ponderam-se vários Sacrifícios e Histórias antigas sobre os cabelos; 8. Reino animal – Asno: hieróglifo da ignorância; reflexão simbólica – Médico ignorante; Região animal – cabeça: descobrem-se vários Prodígios e Epítetos sobre os cabelos; 9. Reino animal – Cão: hieróglifo da modéstia; reflexão simbólica – Médico modesto; Região animal – cabeça: ponderam-se algumas observações Morais e Místicas sobre os cabelos. BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Camilo, O Olho de Vidro, Lisboa, 1968; NEVES, Amaro, O «Olho de Vidro» de Camilo Castelo Branco, in Judeus e Cristãos-Novos de Aveiro e a Inquisição, Aveiro, 1997, p. 185-190; GARCIA, Maria Antonieta, O drama de Brás Luís de Abreu: o médico, as malhas da Inquisição e a obra, in Medicina na Beira Interior da Pré-História ao século XXI, n. 20 (Nov. 2006), p. 6-22; PINA, Luís de, Temperamentos e Compleições: velhas e novas doutrinas populares e científicas, in Rev. de Enografia, v. 4, t. 2, n. 8 (Abr. 1965), p. 245-257; PINA, Luís de / MENESES, Maria Olívia Rüber de, Expressões Etnográficas em Obras Clássicas Médicas Portuguesas, in Revista de Etnografia, v. 6, n. 12, t. 2 (Abr. 1966), p. 259-294; QUADROS, J. Oudinot Rangel de, Apontamentos Históricos, v. 6

ABREU, BRITES CATARINA DE (1636-1687) Casada com Bernardo Sanches Pereira. *Extática, cujas virtudes, «assim contemplativas, como activas», foram muito incensadas ainda em vida. O confessor revelaria que: «a sua oração era de amorosas meditações, principalmente de Cristo Jesus, nosso bem crucificado, o qual Senhor trouxe muitos tempos mui vivamente na imaginação representado [...]. Tinha muitas visões interiores, as quais eu nunca julguei por força da imaginação e menos por ilusões do inimigo [...]». Zombava do mundo, anotando em um livro as mortificações que fazia, «com umas cifras antes das quais punha o Ss. Nome de Jesus, dizendo que assim como na aritmética as cifras não têm por si só valia alguma, assim também as nossas obras são de nenhum valor sem Jesus». Os seus papéis (14 Cartas ao Confessor e 114 Colóquios amorosos com Deus) acham-se

reproduzidos na obra do padre António Lopes. Foi sepultada na igreja do Salvador, em Lisboa. BIBLIOGRAFIA LOPES, Padre António, Thesouro escondido D. Brites Catharina de Abreu, seus colloquios amorosos com Deos, breve noticia de suas virtudes, Lisboa, 1689 [BN: R 10253 P]

ABREU, GONÇALO DE *Cristão de S. João (*Sabeu), enviado de Cide Barbarica a Portugal, no ano de 1617, com cartas para *Filipe II [ANTT: Documentos remetidos da Índia, liv. 11]. ABREU, HELENA DE Compareceu perante o tribunal do *Santo Ofício de Goa, em Junho de 1592, tendo sido acusada de recorrer a adivinhas para saber o futuro, repreendida e condenada à multa de 50 pardáos pelo inquisidor Rui Sobrinho [BN: cod. 203, fl. 609]. ABREU, JOSÉ MANUEL DE Soldado, natural do Porto. Saíu no *auto-da-fé de Lisboa, de 11 de Outubro de 1778, o mesmo em que foram penitenciados Anastácio da Cunha e o sargento-mor e *mação belga Miguel Kinselach. Interrogado sobre qual o mais violento, se o fogo do *Inferno, se o do *Purgatório, responderia «o do Purgatório»! Instado a justificar a razão da sua opção, diria: «porque o do Purgatório, além de queimar as almas, tem a força de aquentar as panelas de tantos mil frades e clérigos, que daí vivem». BIBLIOGRAFIA LIMA, Durval Pires de, Um militar Mação ao Serviço de Portugal no século XVIII, in Arqueologia e História, s. 8, v. 2 (1946), p. 15

ABREU, LOPO GOMES DE (? – 1634) Partiu para o Oriente (9 de Abril de 1603) numa das cinco naus da armada do capitão-mor Pedro Furtado de Mendonça, tendo-se fixado em Baçaim e contraído matrimónio com Dona Maria Pereira. Evidenciou-se em 1613, por ocasião da heróica resistência oferecida pela cidade aos exércitos do Melique e dos régulos de Calle e Sarceta. Para o galardoar pelos seus feitos a cidade elegeu-o, em 1614, para a capitania-mor do campo de Baçaim. Em Setembro 39

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ABREU, PEDRO GONÇALVES DE do ano de 1619 compareceu perante a *Inquisição de Goa, acusado de recorrer a um *feiticeiro para curar a mulher com cerimónias gentílicas e sacrifícios de galos ao *diabo, bem como de se ter valido de *feitiçaria para provocar a morte de certa pessoa e para achar um *tesouro [BN: cod. 203, fl. 760]. Abjuraria perante o inquisidor João Fernandes de Almeida. ABREU, PEDRO GONÇALVES DE *Feiticeiro condenado pelo *Santo Ofício de Évora, quando contava 22 anos. Além de ter saído em *auto-da-fé, sofreu abjuração pública, *cárcere e *hábito penitencial perpétuo, açoutes pelas ruas da cidade, *degredo para fora de Évora, de três anos para as galés e confisco total de bens. O seu processo [ANTT: Inq. Évora, proc. 3865] reproduz grande número de orações, esconjuros, invocações do demónio para livrar de infortúnios, adivinhar, separar ou unir namorados, etc. Invocações: «Eu te chamo prodígio imortal da terra ou do ar, ou do poderio infernal, que tu venhas a meu mandar para me dizeres o que te quero perguntar»; «Entro por aras veras, ponho os pés em casa varredouras e em lages movedouras, sete diabos pelo oriente e sete pelo poente, todos vos encorpai e vos ajuntai, os da terra e os do ar, todos vinde a meu chamar». Para livrar de infortúnios: «F., tu que presente estás, males e afrontas tens que passar, eu te encomendo a este prodígio imortal que ele te queira livrar, pois que acode a meu chamar»; «Entramos em ti, casa de temer, onde F. veio a padecer e, assim, F. vimos buscar e tu te hajas de encorporar e à nossa presença venhas estar, para neste papel assinar para que a F. seja de aproveitar»; «Lúcifer maior, Diabo que nos infernos reinas e governas, com teu poder infernal manda um diabo, o mais cuidadoso de andar ou de voar, que venha a este lugar para este papel assinar». Para separar namorados: «Três enforcados e três degolados e três mortos a ferro, todos nove vos ajuntai e encorporai e vos vesti e calçai e vossos olhos sejam setas, vossos corpos sejam bestas, que no coração de F. se vão atravessar para que desista de com quem quer casar» [Oração para ser dita na Missa, entre o Credo e o 40

Padre-Nosso]. Para ajustar casamentos: «Assim ponho neste lume cabelos de F. a ferver, assim esteja o seu coração a arder e não possa aquietar, nem durar, nem sossegar, até a F. vir buscar para com ela casar». *Amarração, *ligatura. BIBLIOGRAFIA MELO, Maria Cristina A. S. Corrêa de, Feiticeiras ou feiticeiros? Bruxos e Feiticeiros processados pela Inquisição de Évora, in Inquisição: ensaios sobre mentalidade, heresias e arte (I Congresso Internacional Inquisição, S. Paulo, 1987), S. Paulo, 1992, p. 752-753

ABRICUS O teónimo A[vo?]Brigus ocorre numa ara (CIL, II Supl. 5361; RPH, 75-76; DIP, 151) encontrada na parede de uma casa do lugar de Perrelos (imediações de S. Miguel-o-Anjo, Delães, Ruivães, Vila Nova de Famalicão), desde 1885 no Museu Martins Sarmento (Guimarães). Leite de Vasconcelos interpretou-o a partir do irlandês brig = forte. Cuevillas relacionou-o com a divindade protectora do castro, enquanto Blasquez, fundando-se no significado de brig = lugar elevado, fortaleza, inclui-lo-ia no grupo das divindades cujo nome originou um topónimo. Seja como for, o valor físico e a fortaleza, supostas no teónimo, são atributos específicos do *guerreiro. Do castro de S. Miguel-o-Anjo é proveniente um frag. de estátua desta divindade, em granito [MNA: inv. GA-FA07-00063]. BIBLIOGRAFIA ENCARNAÇÃO, José de, Lápides a divindades indigenas no Museu de Guimarães, in Rev. de Guimarães, v. 80 (1970), p. 221; GUIMARÃES, Abade Oliveira, Catálogo do Museu Arqueológico, in Rev. de Guimarães, v. 18, n. 1-2 (1901), p. 46-47; VASCONCELOS, J. Leite de, Religiões da Lusitania, v. 2, Lisboa, 1905, p. 327-329

ABRIGO RUPESTRE Diaclase, furna, mina, algar, gruta, cova, plataforma ou paredão vertical, protegidos superiormente por saliência rochosa ou pala (donde a denominação solhapa ou solapa, isto é, sob *lapa), com testemunhos de pintura ou de inscultura (pela técnica de picotagem e abrasão), mormente dos períodos Neolítico ou Calcolítico. Em Portugal, acham-se recenseados cerca de cinco dezenas de abrigos com *arte rupestre, cuja maior concentração ocorre no distrito de Bragança.

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ABRIGO RUPESTRE

G UIA

DOS ABRIGOS RUPESTRES

1. Beja: GALEADOS 1 ou Monte dos Galeados 1 (Brinches, Serpa) 2-25. Bragança: FRAGAS DO CABRIL 3 (Aveleda, Bragança); FRAGA DA MOURA ou Fraga dos Mouros (Carrapatas, Bragança); CACHÃO DA RAPA (Ribalonga, Carrazeda de Ansiães); CARNEIRO (Mazouco, Freixo-de-Espada-àCinta); FONTE SANTA (Lagoaça, Freixo-de-Espada-àCinta); FRAGA DO GATO (Poiares, Freixo-de-Espadaà-Cinta); AGUÇADEIRAS (Miranda do Douro); FRAGAS DA LAPA (Atenor, Miranda do Douro); SOLHAPA (Duas Igrejas, Miranda do Douro); VALE DE ESPI-

NHEIROS (Atenor, Miranda do Douro); VALE DE PALHEIROS (Atenor, Miranda do Douro); AVIDAGOS (Mirandela); BURACO DA PALA (Mirandela); REGATO DAS BOUÇAS ou Casinhas (Mirandela); RIBEIRA DA CABREIRA (Mirandela); RIBEIRA DA POUSADA (Mirandela); CAVERNA DOS MORCEGOS (Urrós, Mogadouro); FRAGA DA FONTE DE PRADO DA RODELA (Mogadouro); FRAGAS DO DIABO (Vila dos Sinos, Vilarinho dos Galegos, Mogadouro); CABEÇO DO AGUILHÃO 1, 2 e 3 (Parada, Penas Róias, Mogadouro); PARADA (Penas Róias, Mogadouro); PENAS RÓIAS ou Fraga das Letras (Penas Róias, Mogadouro); QUINTA DE CRESTELOS 2 (Meirinhos, Mogadouro); FRAGA DO FOJO (Souto da Velha, Torre de Moncorvo) 26. Castelo Branco: LAPA DA MOURA (Colmeais, Monsanto) 27-32. Évora: POIO GRANDE (Alandroal); PEDRA DA MOURA ou Lapa do Maltês 1 (Pavia, Évora); BOAVISTA (Reguengos de Monsaraz); ROCHA DA MOURA (Reguengos de Monsaraz); SÃO CRISTÓVÃO (Reguengos de Monsaraz); TOCA DA GALIANA (Pedrógão, Vidigueira) 33-34. Faro: PENEDO (S. Bartolomeu de Messines); VALE BOI (Budens, Vila do Bispo) 35-38. Guarda: FONTE FRIEIRA 1 (Castelo Melhor); RIBEIRINHA (Almendra,Vila Nova de Foz Côa); FAIA 3 e 5 (Cidadelhe, Vila Nova de Foz Côa); FOZ DE VALE DE FIGUEIRA (Muxagata, Vila Nova de Foz Côa) 39-40. Leiria: VALE DE LAPEDO 1 (Santa Eufêmia); VALE DO POIO NOVO (Redinha, Pombal) 41-45. Portalegre: ABRIGO DO CAVALEIRO (Serra da Cabaça ou do Cavaleiro, Arronches); ABRIGO PINHO MONTEIRO (Arronches); IGREJA DOS MOUROS (Esperança, Arronches); LAPA DOS GAIVÕES ou Abrigo de Vale de Junco (Arronches); LAPA DOS LOUÇÕES (Esperança, Arronches) 46-48. Santarém: AGROAL 1 (Vila Nova de Ourém); PEGO DA RAINHA 1 e 2 (Mação); LAPA DOS COELHOS (Zibreira, Torres Novas) 49. Viana do Castelo: ABRIGO DAS PINTURAS (Santa Eufêmia, Castro Laboreiro, Melgaço) 50-51. Vila Real: PALA PINTA (Carlão, Alijó); FRAGAS AMARELAS (Jou, Murça) 52-54. Viseu: AGRO DE PINTURAS (Cinfães); PENEDO LURADO (Rio de Loba, Viseu); FRAGA DE AIA (Paredes da Beira, S. João da Pesqueira)

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ABRIL BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho, Pintura rupestre pós-glaciar no Norte de Portugal (Abrigos decorados), in Arqueologia, n. 17 (1988), ficha; GANDRA, Manuel J., Abrigos Portugueses com Arte Rupestre: subsídio para um roteiro, Mafra, 2007; JORGE, Vítor Oliveira / JORGE, Susana Oliveira, Figurations humaines préhistoriques du Portugal: dolmens ornés, abris peints, rochers graves, statues-menhirs, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 2, v. 8 (1991), p. 341-384; SANCHES, Maria de Jesus, Descoberta de novos abrigos com pintura esquemática no Norte de Portugal, in Arqueologia, n. 18 (Dez. 1988), p. 205; SANTOS JÚNIOR, J. R., Arte Rupestre, in Actas do Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, p. 333-337

ABRIL Do latim, aperire (abrir), por «abrir o seio da terra à fecundidade» (António Feliciano de Castilho, A Primavera) e ser este o mês da floração. Quarto mês do ano, consagrado a Vénus. Provérbios e anexins: Por todo Abril, mau é

descobrir; Em Abril nem um fio; Em Abril sai a bicha do covil; Solho de Abril, abre-lhe a mão e deixa-o ir; Sono de Abril, deixa o teu filho dormir; Do grão te sei contar que em Abril não há-de estar nascido, nem por semear; Entre Abril e Maio, moenda para todo o ano; Em Abril queijos mil e em Maio três ou quatro; Se não chover entre Maio e Abril venderá el-rei o carro e o carril; Uma água de Maio e três de Abril valem por mil; Quem me vir e me ouvir, guarde pão para Maio e lenha para Abril; Março morninho, Abril chuvoso, fazem Maio bem jocoso; Enxame de Maio, a quem to pedir, dá-lho; e o de Abril guarda-o para ti; Porco que nasce em Abril, vai ao chambaril; No princípio ou no fim, soi Abril ser ruim; Abril frio, pão e

1 Dia das Mentiras ou de Calotes (Graciosa, Açores) / Chagas de Santa Catarina de Siena / S. Hugo de Grenoble Dia mortal (Caim assassinou Abel), desaconselhado para casar, começar obras novas ou efectuar aquisições (tb. se diz, em alternativa, da 1ª segunda-feira do mês). Outrora (ainda hoje nas Beiras) caldo de castanhas era a ementa preconizada neste dia, porquanto se acreditava que quem o comesse de couves, comeria lagartas todo o ano. Os latinos celebravam as Veneralias, em honra de Vénus. Anexim: Primeiro de Abril, vai o tolo adonde não deve de ir (Baião). 2 S. Francisco de Paula / Sta. Maria Egipcíaca (padroeira das pecadoras inveteradas) Derradeira data para a celebração das Cinco Chagas de N. Sr. Jesus Cristo (na 1ª sexta-feira, após o 3º domingo de Quaresma) 3 S. Benedito (padroeiro contra os ossos e espinhas de peixe)/ Sete Dores de Nossa Senhora Anexim: A três de Abril o cuco há-de vir e se não vier até oito, está preso ou morto 4 Sto. Isidoro de Sevilha / S. Zósimo Derradeira data para o 4º domingo de Quaresma (entre 1 de Março e 4 de Abril) 5 S. Vicente Ferrer (fabricantes de telha e tijolo, pedreiros de telhados e daqueles que trabalham com chumbo) / Sto. Amâncio O domingo do Bom Pastor ou da Misericórdia Domini (2º após a Páscoa) cai entre 5 de Abril e 9 de Maio. 6 S. Prudêncio / S. Marcelino Dia azíago, salvo se Júpiter estiver bem aspectado. 7 Sto. Epifânio / S. Hegesipo (cavaleiros e cocheiros) / S. João Baptista de la Salle (calendário moderno: padroeiro dos educadores cristãos, designado por Pio XII, em 1950) Os gregos celebravam o nascimento de Apolo, condutor dos corcéis celestes. 8 S. Dionísio / Sto. Amadeu / Sto. Alberto de Jerusalém Anexim: A três de Abril o cuco há-de vir e se não vier até oito, está preso ou morto 9 S. Tomás Tolentino / Sta. Maria Cléops / Sta. Cassilda (contra fluxos de sangue) Os latinos celebravam as Lemurias, em honra dos Lémures (espíritos dos familiares defuntos que vagueiam pelo mundo). Dia quartã. 10 Ezequiel (advogado contra dores de estomâgo) e Daniel, profetas / S. Bráulio 11 S. Leão I, papa / Sto. Estanislau (calendário moderno) Derradeira data para o 2º domingo antes da Páscoa (entre 8 de Março e 11 de Abril) 12 S. Victor (moleiros, contra os raios) / S. Júlio (padroeiro dos que recolhem lixo) A festividade em honra de S. José ocorre no 3º domingo após a Páscoa (entre 12 de Abril e 16 de Maio)

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13 Sto. Hermenegildo / S. Martinho I (calendário moderno) 14 Sta. Ludovina / S. Pedro Gonçalves Telmo (tb. invocado por S. Telmo e Corpo Santo) / S. Justino / S. Tibúrcio / S. Valeriano / S. Máximo 15 S. Crescêncio Dia azíago, salvo se Júpiter estiver bem aspectado. Fordicidias em Roma, em honra de Tellus. 16 S. Bento José Labre / S. Frutuoso (arcebispo de Braga) / Sta. Engrácia 17 Sto. Elias (advogado contra estiagem e fogo) / S. Baptista Mantuano / Sto. Aniceto I 18 S. Gualdino / Beata Maria da Encarnação / Sta. Ágia (advogada nas demandas) 19 N. Sra. dos Milagres / Sto. Expedito / S. Leão XI Os romanos festejavam as Cerealias, em louvor de Ceres 20 N. Sra. dos Prazeres e da Pena / Sta. Inês de Montepulciano / S. Sulpício Antigamente, as sestas começavam no dia de N. Sra. dos Prazeres e da Pena, terminando a 8 de Setembro. 21 Sto. Anselmo O domingo de Ramos cai, obrigatoriamente, entre 15 de Março e 21 de Abril e quarta-feira de Trevas entre 18 de Março e 21 de Abril. Os romanos celebravam as Palilias em honra de Pales (deusa latina dos rebanhos e dos pastores) e o aniversário da fundação de Roma 22 Sta. Senhorinha de Basto / S. Leónidas / S. Sotero e S. Gaio Derradeira data para a quinta-feira Santa (entre 19 de Março e 22 de Abril). 23 S. Jorge (cereeiros, contra herpes) / Fuga para o Egipto / N. Sra. do Desterro / Sto. Adalberto de Praga (calendário moderno) Derradeira data para a sexta-feira Santa, da Paixão ou Maior (entre 20 de Março e 23 de Abril). Anexim: Quando S. Jorge manda forte chuvada, não há abrunho nem há cevada. 24 S. Fiel de Sigmaringen Derradeira data para o sábado de Aleluia. 25 S. Marcos (vidraceiros, contra sarna e impenitência) / S. Cleto e S. Marcelino A Páscoa cai, desde o concílio de Niceia (325), no 1º domingo a seguir à 1ª Lua-cheia após o equinócio da Primavera (entre 22 de Março e 25 de Abril). Os romanos celebravam as Robigalias, em honra de Robigus (deus latino do milho) Anexins: Por S. Marcos bogas a sacos; Sáveis por S. Marcos enchem os sacos; A geada de S. Marcos destrói os figos. 26 N. Sra. do Bom Conselho / S. Pedro de Rates (apóstolo Malaquias) / S. Marcelino 27 S. Tertuliano / Sta. Zita (criadas de servir e despenseiras) / S. Pedro Canísio 28 S. Vital /S. Paulo da Cruz / S. Pedro Chanel (calendário moderno) Os romanos celebravam as Floralias, em honra de Flora (deusa latina da flora) 29 S. Hugo (cura da febre) /S. Pedro de Verona / Sta. Catarina de Siena (calendário moderno) 30 S. Máximo / Sta. Catarina de Siena (calendário antigo) (advogada contra as bexigas, febres malignas e males contagiosos)/ S. Pio V (calendário moderno) A quinta-feira de Ascensão cai entre 30 de Abril e 3 de Junho.

vinho; Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado; A ti chova todo o ano; a mim chova Abril e Maio; Em Abril queima a velha o carro e o carril e uma camba que deixou, em Maio a queimou; Em Abril vai a velha onde tem de ir e a sua casa (ou ao seu covil) vem dormir; Em Abril queima a velha o carro e o carril, e deixa um tiço para Maio, para comer as cerejas ao borralho; Mas... Abril frio trás pão e vinho; Abril frio e molhado enche o celeiro e farta o gado; Solho de Abril abre-lhe a mão e

deixa-o ir; Mau é por todo o Abril ver o céu a descobrir; Em Abril águas mil; Em Abril guarda o gado e vai aonde tens de ir; Março ventoso, Abril chuvoso, do bom colmeial farão astroso; Frio de Abril nas pedras vai ferir; Em Abril águas mil, coadas por um mandil e em Maio três ou quatro; Em Abril a ovelha suas madeixas vai urdir; Abril cheio o covil; Abril chove para os homens e mais para as bestas; Abril e Maio chaves do ano; A água que no Verão háde regar, em Abril há-de ficar; Ou altas ou bai43

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ABRÓTANO xas [no começo ou no fim], em Abril vêm as Páscoas [este adágio, ouvido em Nisa, não é verdadeiro, pois a Páscoa pode calhar em Março]; Antes a estopa de Abril que o linho de Março; A aveia até a Abril está a dormir; A carranca é mãe do cuco: vem ao princípio de Abril e diz ao Maio que seu filho está para vir; A ti chova todo o ano e amim Abril e Maio; É próprio do mês de Abril as águas serem às mil; Em Abril abre a porta à vaca e deixa-a ir; Em Abril dá a velha a filha por pão a quem lha pedir; Em Abril lavra as altas, mesmo com água pelo machil; Em Abril sai a bicha do covil; Em tempo de cuco pela manhã molhado, à noite enxuto; Entre Abril e Maio moenda para todo o ano; Enxame de Abril para mim, de Maio para meu irmão; Fica-te embora mundo, deixar-me-às Abril e Maio; Frio de Abril nas pedras vai ferir; Guarda pão para Maio e lenha para Abril; Inverno de Março e seca de Abril deixam o lavrador a pedir; Manhãs de Abril, boas de andar e doces de dormir; Não há Abril sem trinta milheiros; Não há mês mais irritado do que Abril zangado; Não há Entrudo sem Lua-Nova nem Páscoa sem Lua-Cheia; Negócios no mês de Abril só um é bom entre mil; No fim de Abril ninguém me gabe madressilva nem desfolhe malmequeres; No princípio ou no fim Abril soi ser ruim; O que Abril deixa nado Maio deixao espigado; Por Abril corta um cardo nascerão mil; Por Abril dorme o moço ruim e por Maio dorme o moço e o amo; Por todo o Abril mal é descobrir; Quem caracóis comer come em Abril, aparelhe cera e panil (=mortalha); Quem em Abril não varre a eira e em Maio não racha a leira, anda todo o ano em canseira; A rez perdida em Abril cobra a vida; Sardinha de Abril dá-a a quem ta pedir; Sardinha de Abril, vê-la e deixá-la ir; Se não chove em Abril perde o lavrador o carro e o carril; Sonho de Abril deixao a teu filho dormir; e o de Maio a teu cunhado; Uma água de Maio e três de Abril valem por mil; Vinha que rebenta em Abril, dá pouco vinho para o barril. ABRÓTANO Também *erva lombrigueira. 44

ABRÓTEA O mesmo que *abrótega (Asphadelus albus), gamão e *bengala de S. José. Erva medicinal preconizada para o tratamento da *tinha. Na linguagem das plantas, flores e frutos significa amor perdido e pesar eterno. ABRÓTEGA *Abrótea. ÁBSIDE Cabeceira do templo cristão onde se situam o altar e o presbitério. Simboliza a cabeça e a coroa de espinhos ou diadema que ensanguentou a cabeça do Salvador. As plantas absidais começaram por ser quadradas, depois redondas e, posteriormente, poligonais. Regra geral, voltada a oriente. Quando, em igrejas anteriores ao

Plantas das igrejas de Nossa Senhora da Azinheira (Outeiro Seco, Chaves).

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ABSÍNTIO

Santa Maria de Almacave (Lamego).

Vaticano II, se observem orientações diferentes da ábside, é conveniente ponderar a possibilidade de existirem motivos simbólicos subjacentes à aparente anomalia. Em igrejas românicas de planta cruciforme é comum (São Pedro de Varais, em Caminha; Santa Eulália de Refojos de Lima, em Ponte de Lima; Santa Cristina de Serzedelo, em Guimarães, etc.) observar-se que o eixo da nave faz um ângulo com o eixo da ábside que se inclina para o lado do Evangelho (esquerda), traduzindo as palavras do discípulo amado: «et inclinato capite, tradidit spiritum» (e inclinando a cabeça, entregou o espírito). Em suma, a planta do templo é a expressão de uma linguagem mística que supõe o corpo de Cristo ligado à cruz, os braços estendidos no transepto e a cabeça apoiada no altar. ABSÍNTIO Artemisia absinthium, L. Uma das ervas do *São João, também conhecida por *citronela maior e *losna. Colhe-se ainda orvalhada, guardando-se em molho, junto dos fornos, até ao ano se-

guinte, como insecticida e demonífuga. Citada por autores latinos e no Apocalipse é tónica, vermífuga, diurética e famosa pela acção benéfica sobre o fígado. Com as folhas e flores maceradas, destiladas, misturadas com aniz e funcho e diluídas em 75% de alcool, fabrica-se o absinto (o mesmo que acqua coelestis e fada verde), bebida alcoólica, segundo uns, licor ou elixir psicoactivo, segundo outros, acreditando-se que favorece ou estimula a criatividade. Tornou-se um dos símbolos da vida boémia dos finais do século XIX e inícios da centúria seguinte, usada por Van Gogh, Baudelaire, Degas (em 1876, pintou um óleo intitulado O Absinto), Verlaine e, porventura, por Fernando Pessoa. Durante muitos anos acreditou-se que a ingestão crónica de absinto estaria na origem de uma síndrome, designada absintismo, que se caracterizava pela viciação, hiperexcitabilidade, insónia, convulsões e alucinações, provocadas por uma substância denominada tuiona, presente nas folhas do absíntio. As preocupações a respeito dos efeitos na saúde dos utilizadores de absinto foi amplificado pelas teorias de Lamarck sobre a hereditariedade, porquanto se admitia que qualquer traço adquirido pelos absintistas seria transmitido aos seus descendentes. Uma tal assunção estaria na origem da proibição do fabrico e venda do absinto em muitos países, no dealbar do século XX (Suiça, em 1910, e França, em 1915). Começou a ser comercialmente produzido em 1797, continuando a sê-lo, consoante fórmulas tradicionais em Portugal (por Neto Costa, com um teor alcoólico de 53,5º), Espanha e Dinamarca. Existem no mercado bebidas aparentadas (basicamente absinto sem citronela): Pernod e Ricard. O Senado suiço aprovou, recentemente, por unanimidade, o retorno ao fabrico de uma versão light de absinto, no cantão de Neuchatel (com selo de origem controlada de Val-de-Travers), reduzindo ao mínimo a tuiona e o teor alcoólico a 45º. Raros foram os alquimistas a referirem-se ao absinto, porém, um dos seus ingredientes (Artemisia absinthium, L.) é mencionado por John Franck (Art of Distillation, 1651). Na linguagem das plantas, flores e frutos significa amargura. 45

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ABSOLUTO ABSOLUTO Causa primeira do cosmos. Princípio universal incognoscível, origem de toda a manifestação. É identificado com *Deus pela quase totalidade das religiões. ABSOLVIÇÃO Garantia para o *Além. Acção pela qual um pecador fica reconciliado com *Deus e ilibado das respectivas culpas. A faculdade de absolver é transmitida pela Igreja Católica aos seus sacerdotes canonicamente ordenados, por intermédio do *sacramento da Ordem sacerdotal. *Indulgência. ABSTINÊNCIA A ingestão de alimentação simples e pobre é penitência obrigatória imposta pela Igreja Católica a todos os fiéis saudáveis e maiores de 14 anos durante a *Quaresma (nomeadamente na quarta-feira de Cinzas e em todas as sextas-feiras), a *Semana Santa (especialmente na *sextafeira Santa), bem como no decurso do ano, em todas as sextas-feiras que não coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades costumadas em cada bispado. *Jejum. ABU ‘ABDALLAH MUHAMMAD IBNE QASI (?-1151) Discípulo do sufi Ibne al-Arif, com quem travou conhecimento em Almeria, renovador das ideias de Ibne Massara (883-931), de Algazel (Ihya’ulum al-din, ou Vivificação das ciências religiosas) e de Ijwan al-Safa (Os Irmãos de Pureza). Responsável pela rebelião denominada dos Confrades (Tawrat al-Muridin), contra os

*almorávidas no al-Andalus e mestre dos célebres muridines *Abu Ja’far al-Oriani de Loulé e *Abu ‘Imran al-Martuli, bem como do místico andaluz *Ibne Arabi. O cronista almóada ‘Abdal-Malik Ibn-Sáhib-as-Salát foi autor de uma história pormenorizada do movimento, liderado por ibne Qasi. Em 538 da Hégira (1143), os seus seguidores conquistaram o castelo de Monte Agudo aos almorávidas que o retomariam pouco tempo depois. No ano seguinte assaltaria com sucesso Mértola, onde se instalou, autoproclamando-se *al-Imam al--Mahdi, título divulgado em numismas que mandou cunhar nesta localidade e em Beja (1144). Durante o seu breve reinado, aproveitando as revoltas de Muhammad Ibne al-Mundir em Silves e de Sidrai ibn Wazir em Évora, os seus partidários (os quais chegaram a apoderar-se de Maryiq, actual castro da Cola, em Ourique) tomaram Huelva e Niebla. Entretanto fundara um ribat (localizado por David Lopes na Arrifana de Aljezur) para onde se retirou com os seus discípulos. Uma vez deposto por Sidrai ibn Wazir, viajou para o Magreb ao encontro do califa almóada, o qual demonstrou algumas reticências em recebê-lo devido a ter-se autoproclamado *al-Mahdi. Terá então afirmado a Abd al-Mu’min que antes de uma alvorada maravilhosa existe sempre uma falsa alvorada e que ele próprio era essa falsa alvorada. Logrando convencer o califa que o alAndalus podia ser facilmente submetido, atravessou o estreito com um exército comandado por Barraz ibn Muhammad, o qual viria a tomar Jerez, Niebla, Mértola e Silves. Das crónicas coevas e de alguns quirates que mandou cu-

Numisma cunhado por Ibne Qasi, em Mértola, no qual se autoproclamava al-Imam al-Madhi.

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ABU’IMRAN MUSA IBNE ‘IMRANE AL-MARTULI nhar em Silves, infere-se que o sufi continuou a aspirar à independência da região ocidental do al-Andalus e à reconstituição do califado de Córdova. Em 545 (1150), tendo o califa almóada ordenado aos chefes das taifas que se dirigissem a Salé para lhe prestarem vassalagem (passando a ser considerados simples governadores), o sufi não compareceu, tendo sido considerado rebelde e, logo, alvo da perseguição dos governadores fiéis a Abd al-Um’min, motivo por que se aliou a *Afonso Henriques, prometendo-lhe, em troca do seu auxílio, além de Beja, diversas praças fronteiriças. Enfim, temendo represálias, os habitantes de Silves assassinaram Ibne Qasi no mês de Jumada I de 546 (entre 16 de Agosto e 14 de Setembro de 1151). Deixou alguns escritos, designadamente o tratado filosófico-teológico, intitulado Khal’ al-Na’ layn fi’l tasawwuf (Descalço ante o Todo-Poderoso)[ed. Muhammad al-Imani, Safi, 1997, a partir do ms. conservado na Biblioteca da Mesquita de Constantinopla] e diversa poesia. BIBLIOGRAFIA ALVES, Adalberto, Ibn Qasî esse desconhecido, in Nítido Crescente, Lisboa, 1997, p. 81-86; idem, Ibn Qasî e os começos de Portugal, ibidem, p. 87-93; idem, As Sandálias do Mestre: em torno do sufismo de Ibn Qasi nos começos de Portugal, Lisboa, 2001; BORGES, Artur Goulart de Melo, Ibn Qasi, rei de Mértola e mahdi luso-muçulmano, in Arqueologia medieval, 1 (1992), p. 209-216; DOMINGUES, José D. Garcia, História Luso-Árabe: episódios e figuras meridionais, Lisboa, 1945; idem, O Pensamento Filosófico-Teológico do Sufismo Muridínico, in Revista Portuguesa de Filosofia, n. 2 (1954); DREHER, Joseph, Das Imamat des Islamichen Mystikers Abulqâsim Ahmad Ibn al-Husain Ibn Qasî, Bona, 1985; ELLIOTT, William, The career of Ibn Qasî as religious teacher and political revolutionary in 12th century islamic Spain, Edimburgo, 1979; GOMES. Rosa Varela / GOMES, Mário Varela Gomes, O ribat da Arrifana (Aljezur, Algarve): resultados da campanha de escavações arqueológicas de 2002, in Revista Portuguesa de Arqueologia, v. 7, n. 1 (2004), p. 483-73; idem, O ribat da Arrifana: resultados das escavações arqueológicas no Sector 3 (2003-2004), in Revista Portuguesa de Arqueologia, v. 9, n. 2 (2006), p. 329-32; GOODRICH, David Raymond, A sufi revolt in Portugal and his Kitab Khal’ alNa’layn, Colombia, 1978; MARINHO, José Rodrigues, The monetary issues of Ahmad Ibn Qasi in Silves and the beginning of the characteristic Almohad coinage, in Problems of Medieval Coinage in the Iberian Area, v. 2, Aviles, 1986, p. 43-58; idem, Moedas de Ahmad ibn Qasi batidas em Silves, in O Arqueólogo Português, s. 4, n. 3 (1985), p. 177-196; SIDARIUS, Adel, Novos dados sobre Ibn Qasi de Silves e as taifas almorávidas (meados do séc. XII), in Actas das I Jornadas de Silves (Set. 1992), p. 3540; VIVES Y ESCUDERO, Antonio, Monedas de las dinastias arábigo-españolas, Madrid, 1893

ABU ’IMRAN MUSA IBNE ’IMRANE AL-MARTULI (1125-1194/95) Asceta muçulmano, contemporâneo de Dom Sancho I. Viveu em Mértola, donde o epíteto de al-Martuli. Além de algumas sentenças e versos, a principal fonte para o conhecimento da sua acção e influência é *Ibne Arabi, seu Sentenças de Imrane al-Martuli (citadas por Ibne Saíde) Tudo o que é parecedouro nada significa. Quem tem a língua ligeira depressa se arrepende. Evitar dar respostas concretas é próprio de homens inteligentes. Quem te dá presentes também te autorga o seu afecto. Apodera-se do teu coração quem te proporciona alguma utilidade. Poema (idem) Escuta, irmão, o meu conselho que o aconselhar é acto de pura religião, não faças ofício de testemunha, nem de intermediário, nem de depositário. Assim evitarás ter que mentir meter-te em coisas alheias e cometer perfídias. Poema (citado por Al-Hímiari) Recomendote: não desejes nem o cargo de testemunha notarial nem o de iman, nem o de síndico da corporacão. Estarás assim ao abrigo da acusação de falso testemunho, da aflitiva inveja e do risco de passares por desonesto. Poema Ai! Quantas coisas digo que não faço... Quantas voltas dou sem me decidir a por o pé em terra! Critico os meus olhos e não se convencem. Aconselho a minha alma e ela não aceita os meus conselhos. Quantas coisas, ai delas! se desculpam dizendo: Talvez... mais tarde... quantas se demoram! Em quantas coisas confio que hei-de ter larga vida e me descuido. Mas a morte não se descuida e todos os dias entre nós, brada o prégoeiro da caravana: alto! Depois dos setenta anos deverei esperar longa vida se antes deles passaram velozes outros sete? Parece que vou depressa para o fim, aguilhoando a minha alma.

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ABU JA’FAR AL-ORIANI

Ainda não chego! Oxalá que depois dos meus desejos e de tão longa estadia, não tenha réplica em contrário!

discípulo, tido pelo maior filósofo místico do Islão. Segundo ele, Abu Imrane adoptara o método espiritual de al-Harith Ibne Assad al-Mohassibi (f. Bagdad, em 857), que consistia no temor a Deus e na vida solitária. Em consequência, vivia sózinho, submetendo-se a grandes mortificações de molde a preparar a alma para receber inspirações divinas. O método que preconizava assentava no esforço próprio com vista à aquisição da virtude e no valor moral desta, segundo os graus de espiritualidade atingidos. BIBLIOGRAFIA DOMINGUES, José D. Garcia, O Pensamento Filosófico-Teológico do Sufismo Muridínico, in Rev. Filosofia, n. 2 (1954); idem, O pensamento filosófico do Alfaqui e Asceta Abu Imrane de Mértola, in Rev. Portuguesa de Filosofia, t. 11-2, n. 3-4 (1955), p. 385-393; idem, Filosofia e Mística dos Luso-Árabes, in Rev. Filosofia (1960)

ABU JA’FAR AL-ORIANI († ca. 1200) Natural de Loulé, donde o epíteto de al-Oriani, desconhecendo-se o motivo por que abandonou o Algarve para se fixar em Sevilha (ca. 1184). Sabe-se, no entanto, que tal sucedeu após o cativeiro a que foi submetido por cristãos contemporâneos de Dom Sancho I, que o capturaram durante uma viagem, porém acederam a resgatá-lo a troco de 50 dinares. Segundo *Ibne Arabi, «era este mestre um campónio iletrado que não sabia nem escrever nem contar, mas quando falava da ciência da unificação (tauhid) não se podia fazer outra coisa senão ouvi-lo». A vida deste santarrão está repleta de acidentes e de casos extraordinários, nos quais os seus discípulos descobriram a revelação de poderes taumatúrgicos, a saber: o milagre da chuva em Alcácer Quibir; o milagre do presente de figos; o milagre do cutelo; o milagre do aparecimento de Cádir a Ibne Arabi, etc. Segundo este, que foi o seu discípulo dilecto e lhe dedica numerosas referências no Risalat Al-Quds e no Futuhat, o pensamento de alOriani fora influenciado pelas ideias de *Abu ‘Abdallah Muhammad Ibne Qasi de Silves, 48

fundando-se no amor de Deus e no cumprimento de três grandes obrigações: a *oração, o *jejum e a *esmola. Próximo do fim da vida, já cego, terá afirmado que seguia um método semelhante ao de *Jesus. Tudo o que necessitava para ganhar o sustento da minha família durante um ano eram 8 sacos de figos secos de 100 libras cada um. Quando deixei de trabalhar para me consagrar ao convívio com Deus, na soledade, minha mulher começou a gritar e a injuriar-me dizendo: «Levanta-te daí e trabalha e trás para casa o necessário para manter os teus filhos durante este ano!». Com estas palavras minha mulher perturbou-me no meu propósito e eu disse no meu íntimo: «Ó Senhor, esta mulher vai ser um obstáculo que se levanta entre mim e Ti, pois não deixará de me perseguir sem cessar. Se pois Tu queres que me consagre ao convívio contigo livra-me da preocupação da minha mulher. E se não me queres para Ti, dá-mo a conhecer». Deus então comunicou-me no mais íntimo do meu espírito, esta resposta: «Ó Ahmede! Senta-te tranquilamente, pois não passará este dia sem que eu te traga 20 sacos de figos, o bastante para manter a tua família, dois anos e meio e mais ainda. Senta-te pois a Conversar connosco e não deixes de o fazer!». Uma hora depois chegava um homem à porta da minha casa com um saco de figos de presente. Disse-me, então Deus: «Este é um dos 20». Ainda se não havia posto o Sol e já tinha em casa os 20 sacos completos. Minha mulher e as crianças encheram-se de alegria e além disso minha mulher agradeceu-me, mostrando-se muito contente comigo. Entrei em casa do meu Mestre Abul-Abás al-Oriani num momento em que a minha alma se sentia profundamente perturbada perante os espectáculos das gentes que via, rebeldes e empenhadas em contradizer a lei de Deus. O meu Mestre disse-me: «Preocupa-te com Deus». Saí da sua casa e entrei na do meu outro Mestre Abu Imrane de Mértola o qual, ao conhecer o meu estado de alma me disse: «Preocupa-te contigo mesmo». Então exclamei: «Ó Senhor meu! Fico perplexo ante vós dois. Abul Abás me diz ‘Preocupa te com Deus’ e tu me dizes ‘Preocupa te contigo mesmo’. E sois dois mestres, ambos os quais me dirigem pelo caminho da verdade». Abu Imrane pôs-se a chorar e disse-me: «Ah!

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ABUTRE

Querido meu! O que te indica Abul-Abás é a verdade e deves voltar a ele. O que sucede é que cada um de nós outros te indica o que o seu próprio estado místico lhe exige. Eu espero, no entanto que Deus quererá fazer-me alcançar a grande perfeição a que Abul-Abás aludiu. Escuta pois o seu conselho pois é o mais conveniente para mim e para ti». Ah! que formosa é (diz Ibne Arabi) a equanimidade dos sufis! Voltei então a casa de Abul-Abás e referi-lhe o que me tinha dito Abu Imrane. Disse Abul-Abás: «Disse bem Abu Imrane porque ele te indicou qual é o caminho da perfeição enquanto que eu te indiquei qual é o companheiro de viagem. Procede pois tu conforme o que ele te disse e conforme o que eu te disse, isto é, junta numa, ambas as preocupações, a do caminho e a do companheiro; porque todo o que não vai pelo caminho da perfeição acompanhado de Deus, que é a verdade, não pode ter a certeza da sua salvação». BIBLIOGRAFIA DOMINGUES, José D. Garcia, O místico louletano Al-Oriani e o pensamento filosófico-teológico do Islame Ocidental, Lisboa, 1954; idem, O Pensamento FilosóficoTeológico do Sufismo Muridínico, in Rev. Filosofia, n. 2 (1954)

ABUJÃO O mesmo que *aparição, *avejão, *fantasma, *visão. ABULIDA *Abolida. ABUNA Nome do papa ou patriarca da terra do *Preste João, com o significado de padre. *Acege. ABUSÃO Engano, ilusão, superstição. As Ordenações Filipinas (v. 1, tit. III, § 3º) chamam abusões a todos os ritos, cerimónias e acções «por sua natureza desproporcionadas para o fim que intentam». São exemplos de abusões: *nómina ou *amuleto de *abracadabra contra a terçã-doble; passar água por cabeça de cão, para conseguir algum proveito; dar a comer bolo para saber de algum furto; benzer com espada que matou homem ou que passou o Douro e o Minho três vezes; passar doente por macheiro ou lameira

virgem; cortar solas em figueira baforeira; cortar sobro em limiar de porta; ter *mandrágora em casa na expectativa de obter o valimento de poderosos; etc. No Contra os Juízos dos Astrólogos (Lisboa, 1523), Frei António de Beja insurge-se contra abusões e superstições várias. BIBLIOGRAFIA MARTINS, Mário, Das doze abusões deste mundo, in Estudos de Cultura Medieval, v.1, Lisboa, 1969, p. 79-83

ABUTRE No Egipto, quando representado nos seus combates e triunfos, era protector dos faraós, sendo-lhe atribuída a honra suprema de transportar os selos divinos nas garras. Constituía ainda emblema da maternidade e da abnegação paterna e materna, porquanto se acreditava que alimentava a prole do seu próprio corpo, fábula que seria adaptada ao pelicano durante o séc. XV, tornando-o emblema eucarístico. Plínio faz-se eco da tradição segundo a qual o abutre era considerado como um dos mais temíveis inimigos das serpentes perigosas. Os autores clássicos referem também que a cabeça do abutre encerrava um amuleto poderoso: a *pedra quadrado (quadratus, quadros ou quarridos), a qual garantia a felicidade a quem detivesse uma (cf. Jehan de Cuba, Hortus Sanitatis, 1539, parte 2, cap. 106). Segundo uma cantiga do trovador Estêvão Coelho (Cancioneiro da Vaticana, n. 329), comer carne de abutre confere o dom de adivinhar: «Sedia la fremosa seu sirgo torcendo, / sa voz manselinha fremoso dizendo / cantigas d’amigo. / Sedia la fremosa seu sirgo lavrando / sa voz manseluinha fremoso cantando / cantigas d’ amigo. / – Par Deus de cruz, dona, sei eu que avedes / amor mui coitado, que tan ben dizedes / cantigas d’ amigo. / Par Deus de cruz, dona sei [eu] que andades / d’ amor mui coitada que tan ben cantades / cantigas d’ amigo. / – Avuitor comestes, que adevinhades». A crença ainda hoje perdura com a diferença que, em vez da carne de abutre, se atribui a mesma propriedade à do *mocho. O Thesaurus Pauperum de Pedro Hispano consigna a fórmula de um remédio imundo para clarificar a vista: fel de 49

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ABUZINAR abutre misturado com excrementos humanos em vinho, bem coado. Santo António vê no abutre o invejoso, imagem do «prelado da Igreja que, impedido pelos bens temporais, não pode voar das coisas terrenas às celestes» (Obras Completas, v. 2, p. 163-164). BIBLIOGRAFIA NUNES, J. J., Uma Velha Crença, in Portucale, v. 2, n. 12 (Nov.-Dez. 1929), p. 385-388

ABUZINAR Escárneo e algazarra que ocorre durante o *São Martinho, em Vilar Seco. Pela calada da noite, diversos indivíduos (antecipadamente combinados) dirigem-se para locais afastados do centro da localidade, subindo a árvores, de onde, por meio de cabaços (colondros estripados e secos), se entretêm a referir escandalosamente vidas alheias, mediante perguntas e respostas. Por vezes, os protagonistas da brincadeira são perseguidos chegando mesmo a ser sovados. *Pulhas. ACABADEIRA Em Castelo de Vide, o mesmo que *abafador. ACÁCIA A decoração da cerâmica com «folha de acácia» foi extremamente comum no território nacional durante o Calcolítico. Na *Bíblia a acácia é exclusivamente reservada à construção do Tabernáculo em virtude de a sua madeira ser considerada incorruptível (Êxodo, XXX, 24; XXXVII; XXXVIII). Segundo Isaías (IV, 19), acácias alinhar-se-ão, constituindo uma estrada para os retornados do exílio. Santo António

Fragmento cerâmico Calcolítico, decorado com «folha de acácia».

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chama-lhe árvore de cetim, acrescentando que a sua madeira significa «os pensamentos do coração, que devem possuir em si três propriedades: serem como espinheiros, pungindo o coração, recordando-lhe os pecados; não apodrecerem, isto é, não consentirem na má sugestão; e quanto mais lhes chegar o fogo da tribulação, tanto maior firmeza no propósito» (Obras Completas, v. 2, p. 115). Adoptada pela maçonaria como símbolo da mestria e da imortalidade, bem assim como distintivo do túmulo de Hiram, cuja descoberta simboliza o renascimento para a vida autêntica e eterna. As locuções a Acácia é minha conhecida ou a Acácia me é conhecida são utilizadas pelos mestres mações para indicar que alcançaram o 3º grau. Na linguagem das plantas, flores e frutos a acácia branca significa sentimento puro e amor platónico, enquanto a acácia rosa é sinónimo de elegância. ACÁCIO, SANTO Invocado, a 8 de Maio, contra as dores de cabeça. ACADEMIA Termo derivado do grego, Ekademos ou Akademos, que se reporta ao nome do personagem mítico que revelou aos Dióscuros (Castor e Polux), em busca da irmã, Helena, raptada por Teseu, o esconderijo deles, um jardim dos arredores de Atenas, o qual o mesmo Akademos havia de legar ao povo e que, murado e consagrado a Atena, se transformaria na Academia platónica. Designação de largo espectro semântico: reunião esporádica, celebrando algum evento histórico ou relativo à família real; cursilho de intenção didáctica; associação literária, científica ou cultural; sociedade de livre discussão. Até à centúria de quinhentos o termo manteve o significado de leccionação, deambulação didáctica, fraternidade iniciática e discipulado. O humanismo, suposta reabilitação do academismo clássico, denunciaria tal sentido, adoptando o conceito para designar qualquer associação selecta de indivíduos devotados ao estudo, à scientia e à sapientia. Este o espírito que presidirá ao nascimento das Academias re-

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AÇAFRÃO ACADEMIA ESOTÉRICA Agremiação ocultista, constituída com o objectivo de estudar o *ocultismo teórico e prático, cujos membros mais influentes ingressaram na Sociedade Teosófica, quando da formação da Secção portuguesa, em 1921. Segundo António Chaves Cruz (cf. Osiris, n. 556, Out.-Dez. 1971, p. 11), que admitiu ignorar quem eram os instrutores do grupo, praticava a conversão de uma forma-pensamento, «construída deliberadamente, num elemental artificial fortemente dinamizado». ACADEMIA PORTUGUESA DE ILUSIONISMO *Ilusionismo.

Gravura alusiva à Academia Os Estrangeiros no Lima, incluída no v. 1 da obra homónima de Manuel Gomes de Lima Bezerra (Coimbra, Real Oficina da Universidade, 1785).

nascentistas de Itália. Posteriormente, no decurso do séc. XVII, assistir-se-ia à especialização temática de tais associações, concomitantemente com a sua institucionalização estatutária. Em Portugal aponta-se o início do academismo cerca de 1628, com a criação da Academia dos Singulares, e o seu apogeu no segundo quartel de setecentos, para declinar já no séc. XIX, cedendo o lugar aos salões e tertúlias, cafés e clubes, associações secretas e organizações políticas e cívicas. Porém, já durante o séc. XVI terão existido autênticas Academias, tais como os círculos de Sá de Miranda (Quinta da Taipa), de Francisco Rodrigues Lobo (Corte na Aldeia), ou da Infanta D. Maria (Paço de Enxobregas), podendo ainda ser incluída no rol a denominada *Cavalaria do Amor. BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Fernando, O Significado Cultural das Academias de Lisboa no século XVIII, in Bracara Augusta, v. 28, n. 65-66 (77-78) (1974), p. 45-68; PALMAFERREIRA, João, Academias literárias dos séculos XVII e XVIII, Lisboa, 1982

AÇAFATE 1. Sinal em forma de *covinha gravado sobre pedra. O mesmo que *buraquinha, *escudela, *fossette, *gamela, *pia, *sertã. *Asteriforme. 2. Cesto de vime entrançado. Durante o domingo de *Pascoela, rapazes e raparigas do concelho de Santo Tirso costumavam levar molhos de varas de salgueiro descascado ao açafeiro da Cruz de Pelo (Famalicão). BIBLIOGRAFIA CARNEIRO, A. Lima / LIMA, Augusto César Pires de, Notas sobre os açafates, in Douro Litoral, s. 2, v. 3 (1945), p. 50-51; S.P., Açafates pintados, in Terra Portuguesa, v. 1 (1916), p. 109

AÇAFLOR O mesmo que *açafrão. AÇAFRÃO Do árabe, az-za’afran. Crocus sativus, L. Também *açaflor, *erva-ruiva e açafrão-das-Índias, planta bulbosa da família das iridáceas, frequentemente confundida com a curcuma. Cultivado na Ásia como especiaria aromática (a mais cara de todas), pigmento e planta medicinal, mercê das suas propriedades anestésicas e anti-espasmódicas. Contém crocina (pigmento carotenóide aparentado com os glicósidos), picrocrocina, etc. Os gregos clássicos, além de o utilizarem para combater as insónias e tratar as ressacas, consideravam o açafrão poderoso afrodisíaco e estimulante sexual (tal como os chine51

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ACALANTO ses, ca. 2600 a. C.), quando misturado na água do banho. Autores muçulmanos medievais, como, por exemplo, Ibn al-Awwan, dão-no como eficaz repelente do *escorpião. Actualmente, a Espanha (região da Mancha, Baleares e Andaluzia) é o seu primeiro produtor mundial. Após a colheita da flor (lilás), efectuada entre Outubro e Novembro, os estigmas e parte dos estiletes são cortados manualmente, devendo ser postos a secar no próprio dia em secadouro ou sobre pedras aquecidas (para perderem a água em cerca de meia hora e adquirirem assim o seu aroma peculiar). Em farmacologia, é utilizado na preparação de tinturas, extractos, loções oculares e colírios (o romano Celsus já usava o açafrão com o mesmo fim), mas sobretudo em pílulas abortivas (muito perigosas). Em algumas regiões é utilizado pelas(os) curandeiras(os) conjuntamente com outras ervas e rezas de virtude para esconjurar feitiços. Na culinária nacional o açafrão acha-se presente em algumas receitas de arroz, de fogaças e, designadamente, na sopa de peixe (especialmente no Minho). A propósito de um dos Trenos de Jeremias (IV, 5: «Os que se nutriam entre açafrão abraçaram o esterco»), escreve Santo António: «Nutrem-se, portanto, entre açafrão os que no princípio da sua vida se alimentam interiormente com o sabor das virtudes e exteriormente se coloram com o exemplo das boas obras» (Obras Completas, v. 1, p. 447). Na linguagem das plantas, flores e frutos significa «não abuseis, sede prudente».

quio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, v. 3 (Porto, 1960), p. 257-270; SAMPAIO, Gonçalo, Cancioneiro Minhoto, Porto, 1944; SOUSA, Maria Clementina Pires de Lima Tavares de, Folclore Musical, Porto, 1942; VASCONCELOS, J. Leite de, Canções de berço, segundo a tradição popular portuguesa, in Revista Lusitana, v. 10 (Lisboa, 1907), p. 1-86

ACANTO A folha estilizada deste vegetal fez a sua aparição na arquitectura grega em frisos e molduras e, designadamente, no capitel coríntio, concebido pelo arquitecto Calímaco, dela transmigrando e contaminando as formas artísticas de praticamente todas as épocas. A folha de acanto caracteriza-se pelo seu aspecto volumoso e pelos espinhos periféricos. Na denominada arte visigótica ocorre estilizada sob a forma de palmeta. Durante a Idade Média foi conotada com a consciência, a imortalidade e a dor do pecado, sendo relacionada pelos autores sagrados com a parábola do semeador, no passo em que Cristo diz que boa parte da semente não cresceu por ter caído entre espinhos. Para alguns autores é simbolicamente correlato da *acácia. Ocorre numa lucerna romana encontrada em Castro Verde, em outras oriundas de Santa Bárbara, no sarcófago da Sé de Braga, em

ACALANTO Canção de embalar, formalmente equivalente à berceuse francesa e ao lullaby inglês. Género musical universal, constitui uma das mais rudimentares formas de canto, adoptando com frequência letra onomatopaica e repetitiva, propiciadora do ritmo encantatório que induz o adormecimento. BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, Natal Português, Lisboa, 1942; CORTESÃO, Jaime, O que o Povo canta em Portugal, Rio de Janeiro, 1942; DIAS, Jaime Lopes, Etnografia da Beira, v. 6, Lisboa, 1942; LEÇA, Armando, Música Popular Portuguesa, Porto, s. d.; NEVES, Guilherme Santos, As neumas das canções do berço: sua presença em Portugal e no Brasil, in Actas do Coló-

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Lucerna de Santa Bárbara, decorada com folhas de acanto.

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ACHADO mosaicos de Aeminium, Conimbriga (Casa dos Repuxos), Rabaçal (Penela), de S. Miguel (Golegã), etc. Nos retábulos de madeira entalhada do denominado Barroco pleno (1668-1713) predominam os pilares revestidos com enrolamentos e acanto, podendo também ocorrer composições com folhagem de acanto conjugada com *fénix, putti, etc. Na linguagem das plantas, flores e frutos é sinónimo de artes. ACÁRIO, SANTO Invocado, a 27 de Novembro, para a cura dos temperamentos obstinados e para a defesa contra os indivíduos padecentes desse mal. ACÇÃO VIRTUOSA Título de uma das estátuas alegóricas (1821) de João José de Aguiar e do seu ajudante João Gregório Viegas patente no Palácio da Ajuda. Eventualmente inspirada na Iconologia de *Cesare Ripa (Paris, 1643 e Veneza, 1669), representa Hércules com sua maça alçada no acto de aniquilar a serpente Ladon.

BIBLIOGRAFIA PINHO, Elsa Garrett, Poder e Razão: escultura monumental no Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 2002, p. 76 e 78

ACEGE Nome do *Preste João na língua abexim (ge’ez), com o significado de Imperador. ACEITE Designação do *maçon especulativo, em contraponto ao operativo ou tradicional. BIBLIOGRAFIA Cerimonias da Maçonaria Symbolica dos Antigos Maçons Livres e Acceites de Portugal publicado sob os auspicios da Suprema Camara, Lisboa, 1881

ACHADO A muitos objectos, só quando achados fortuitamente, são creditadas serventias mágicas, umas fastas (ferradura, moeda, sapato velho, etc.), outras nefastas (agulha de coser, etc.). Responsos a Santo António para encontrar coisas perdidas Santo António milagreiro Altos montes assubiu Encontrou Jesus Cristo Duas coisas lhe pediu O perdido fosse achado O roubado restituído. Escultura do Palácio da Ajuda, iconografando a Acção Virtuosa. Na alegoria correspondente de Cesare Ripa, Hércules aniquila Ladon com uma lançada.

Santo António se levantou Santo António se calçou No seu bordãozinho de ouro agarrou

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ACIDENTE

Nossa Senhora lhe perguntou Onde vais tu António? Vou guardar o céu Guardar o céu não irás O perdido acharás O majestoso guardarás Em honra de Deus e da virgem Maria. Se milagres desejais, Recorrei a Santo António; Vereis fugir o demónio E as tentações infernais. Recupera-se o perdido, Rompe-se a dura prisão; E, no auge do furacão, Cede o mar embravecido. Pela sua intercessão Foge a peste, o erro, a morte; O fraco torna-se forte E torna-se o enfermo são. Recupera-se o perdido […]. Todos os males humanos Se moderam, se retiram; Digam-no os que o viram, Digam-no os Paduanos. Recupera-se o perdido […]. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Recupera-se o perdido […].

*Tesouro. A Santo António é creditada a capacidade de «encontrar coisas perdidas», para cujo efeito se dizem os responsos apropriados. ACIDENTE Quando se pretende realizar a *benzedura dos acidentes, diz-se, primeiro, o nome da criatura e, se for *animal, o seu nome e espécie, após o que se proferem as seguintes palavras: «Maria três to deram e três to tirarão. / O Senhor São Pedro e o Senhor São João / Se te derem pela cabeça tire-to Santa Teresa / Se te derem pelo lado tire-to São Tiago / Se te derem pela barriga tire-to Nosso Senhor Jesus Cristo que tem o seu poder todo / As Pessoas da Santíssima Trindade são três / Como elas querem, como elas podem / Este mal donde veio para lá torne». Neste 54

ponto rezam-se o credo em cruz e três ou cinco vezes o que se segue: «Maria, Deus te fez, Deus te criou / Deus te livre de quem mal te olhou / As Pessoas da Santíssima Trindade são três / Como elas querem, como elas podem. / Este mal donde veio para lá torne». Leonor Buescu regista duas versões da mesma benzedura recolhidas em Monsanto (cf. Monsanto: etnografia e linguagem, Lisboa, 1984, p. 227-228). ÁCIDO Do latim, acidus, isto é, que tem sabor azedo. Para nomear os ácidos os alquimistas antigos reportam-se frequentemente às aquae, cuja preparação é descrita por alguns adeptos, caso da aqua fortis (ácido nítrico) referida por Geber (De inventione veritatis). Aos ácidos é creditada a capacidade de purificar (separar e purgar) os metais, razão por que a iconografia os apresenta como devoradores dos mesmos metais. A aqua regia foi considerada o único ácido dissolvente do ouro. Newton é autor do De natura acidorum. Bluteau afirma que é «o contrário do que a Filosofia Moderna chama Alcali, porque este é um sal poroso que absorve todos os ácidos e o que os Químicos e Filósofos Modernos chamam Ácido é um sal picante e fogo virtual ou potencial e dissolvente, que entra em todos os mistos e lhes dá o ser, e nestes dois sais, a saber Ácido e Alcálico, se fundam os dois princípios com que a nova Filosofia explica todas as coisas Físicas» (v. 1, p. 89). A propósito deste sal Ácido e Alcali, como semente, cf. Alma Instruída, parte 2, p. 405. Por seu turno, Matias Aires considera as expressões Ácido alcálico e sal alcalino fixo aplicáveis «àqueles sais que fermentam entre si, não porque haja entre eles uma verdadeira fermentação, mas uma espécie de combate ou ebulição em que o ácido perde a natureza de ácido e da mesma sorte o alcalino perde a natureza alcálica. [...]. E por este princípio o sal ácido é sempre dissolúvel na água, porque ainda aquele, que está junto intimamente a um corpo indissolúvel, em se separando dele logo se dissolve, em lugar que os alcalinos, nem todos se dissolvem na água. [...] Os sais alcalinos fixos, esses

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ACÓLITO todos se dissolvem na água prontamente e a humidade do ar basta para os dissolver perfeitamente. Todo o sal que se acha nas cinzas dos vegetais queimados, é um verdadeiro sal alcalino fixo e da mesma sorte o sal que existe no sarro do vinho queimado é um sal alcalino fixo e o mais forte de todos os daquela natureza. O conhecimento dos ácidos e alcálicos é o mais preciso no uso da Medicina e sem aquele conhecimento exacto não pode haver perfeito Médico, porque apenas há doença, ou mal algum que se possa explicar distintamente, nem conhecer o seu princípio, sem recorrer a um ácido predominante ou a um degenerado alcálico: os remédios comummente tendem ou a moderar e extirpar um ácido abundante ou a moderar e extirpar também um alcali escorbútico e corrosivo. [...]. E com efeito os ácidos e alcálicos são os promotores das desordens principais que o corpo sensitivo experimenta, porque a alguns dos líquidos atenuam excessivamente e a outros engrossam, fazendo a uns mais fluidos do que devem ser e a outros mais densos, e por este modo se suspende a circulação ou se desordenam as funções vitais. Não se segue daqui que todos os ácidos e alcálicos sejam morbosos sempre, antes a total exterminação deles é nociva: uma justa porção e proporção deve intervir. O mal está no excesso e este consiste ou na quantidade ou na qualidade» (Problema de Arquitectura Civil, v. 2, p. 257261). *Aqua fortis, *aqua regia, *óleo de vitriol e *vinagre. ÁCIDO MARINHO Bluteau di-lo detentor de «um cheiro particular e a cor da cidra, a qual não perde ainda que se enfraqueça com água. E quando é concentrado se dissipa em forma de vapores brancos e penetrantes, os quais são invisíveis, quando não tem contacto com o ar» (v. 1, p. 4). ÁCIDO NITROSO Afirma Bluteau que «ora é vermelho, ora amarelo, e espalha vapores da mesma cor que enchem o vazio do vaso em que se mete e é tão volátil que basta o calor da atmosfera para o re-

duzir em vapores. E enfraquecido por um igual volume de água destilada, a mistura toma uma bela cor verde, que passa a azul ajuntando-se mais água. Esta desaparece inteiramente se ainda se lhe acrescenta água. O seu peso é maior que o do Ácido marinho, mas menor que o do vitriólico» (v. 1, p. 4). ÁCIDO ÚRICO Combate-se com chá de cascas de maçãs secas ao sol (Minho). ÁCIDO VITRIÓLICO Segundo Bluteau, «não tem cor, nem cheiro quando é perfeitamente puro e excede aos demais no peso, excepto ao Ácido fosfórico. Corrói e destrói as matérias combustíveis, como o fogo e as reduz a um verdadeiro carvão. É menos fluído que a água e parece oleoso quando se apalpa entre os dedos. Exposto ao ar atrai a humidade e toma cor, misturado enfim com igual volume de água destilada excita um calor considerável e estrépito» (v. 1, p. 3-4). AÇO Nome popular para o ferro. O aço que pica a terra fica benzido pela natureza. Conforme registo de Leite de Vasconcelos, o «sábio da Vila Darque» (Melgaço) curava certas doenças pegando num pedacinho de aço, posto em cruz na casa, ou na cama sobre o doente, e dizendo a seguinte oração: «Ó aço, que picaste em terra, sirvas para benafício da minha casa! Deixa este corpo são e salvo!». Acrescenta o mesmo autor que o «bruxo» possuia «um pedaço de aço de três pontas que mandou fazer a um ferreiro e benzeram-lho num convento» (Etnografia Portuguesa, v. 5, p. 270-271). ACÓLITO O acolitado constitui a maior das quatro ordens menores da hierarquia eclesiástica católica (sendo as restantes três: *exorcista, *leitor e *ostiário), tendo surgido pela primeira vez em Roma, no ano de 251. Compete-lhe coadjuvar o celebrante durante a *missa, bem assim como na prática dos sacramentos. 55

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ACÓNITO ACÓNITO Aconitum napellus L. Sedativo cardíaco e respiratório, muito comum em unguentos durante a Idade Média. A mitologia grega sustenta que o acónito se originou a partir da saliva que caíu das mandíbulas de Cerbero quando Hércules o arrastou do Hades, originando a ideia de que quanto mais selvagem a criatura tanto mais venenoso o seu cuspo. Plínio (História Natural, XXVII, 4), Tácito (Anais, XII, p. 66-67) e até mesmo Francis Bacon registam o carácter intoxicante e mortal desta substância vegetal, à qual se tem atribuído o envenamento do Imperador Cláudio e do Papa Adriano VI. Na linguagem das plantas, flores e frutos significa remorso. AÇOR Invocação de uma imagem de Maria, festejada na matriz de Açores (Celorico da Beira, Guarda) na segunda-feira de Pentecostes. Trata-se de um dos mais antigos lugares de peregrinação de Portugal, ainda visitados por romarias. Na segunda-feira do Espírito Santo (outrora no dia 3 de Maio) acorrem ali as vilas de Trancoso, Algodres, Linhares e seus termos, Mesquitela e os lugares de Vale de Azares, das Freixadas e das Gouveias, verosimilmente em obséquio da vitória concedida pela padroeira às tropas portuguesas sobre as leonesas na batalha da Penhadeira (1198). Em 1711, Frei Agostinho de Santa Maria (Santuário Mariano) informava que as romagens assumiam aparato bélico, reunindo alguns milhares de pessoas, entre peões e cavaleiros, os quais simulavam a aproximação ao santuário com arremessos e pausas à semelhança de escaramuças, concluídas com um banquete oferecido pela Câmara. Luís Chaves refere-se às Sinas desta povoação, relacionando-as com a Festa dos Imperadores, para a qual remete, decerto, a imagem do Divino Espírito Santo existente na matriz. Alguns indícios materiais e tradições lendárias subsistem atestando a antiguidade da fundação do templo: a famosa lápide funerária de uma famula (serva do Senhor) de nome Suinthiliuba († Novembro do ano 704 da era de César, i. e., 666 d. C.), contemporânea de Chindasvintho (653-612) portan56

to; as ruínas de um suposto mosteiro duplex do séc. VII, obedecendo à regra agostiniana (cf. Crónica dos Eremitas de Santo Agostinho), achadas em setecentos. Consta que a imagem da Senhora foi encontrada por um guardador de vacas, depois de a Virgem, milagrosamente, o ter auxiliado a salvar um dos seus animais de morrer afogado numa lagoa. No entanto, a narrativa do milagre mais divulgada (explicitando a razão do título da Virgem) é a que se acha registada numa tela quinhentista, o chamado quadro dos Reis Santos, tela que se encontrava exposta no templo, antes de transferida para o Museu Regional da Guarda. Segundo essa versão da lenda houve dois milagres simultâneos, narrados por Frei António Brandão: «Cresceu a fama dos milagres que a Senhora fazia e chegando à notícia de el-rei de Espanha que então era, o qual estava sem sucessores, pediu e alcançou por intercessão da Gloriosa Virgem que a rainha lhe parisse um Filho, o qual, como fosse aleijado, moveu os pais a lhe procurarem remédio para a mesma Senhora, por cujo meio o houveram. Partiram para a sua casa e no caminho faleceu o menino e sem consentir a rainha que o enterrassem fez instância que todavia chegassem à casa da Virgem Sagrada, porque o havia de entregar à Senhora, a quem o trazia oferecido. Estando na igreja, sucedeu que um caçador contra a ordem de el-rei, lançou um açor que se perdeu seguindo a caça, ao que enojado el-rei mandou que lhe cortassem a mão, e estando para se executar a justiça, como o padecente chamasse pela Virgem Sagrada, eis que subitamente apareceu o açor e se lhe pôs na mão, a tempo que as damas da rainha saíram fora da igreja, e com grande alegria vieram dar a nova a el-rei como o infante estava ressuscitado e para ser mais célebre o milagre, ressuscitara sem aleijão algum. Moveu a grandeza de tantas maravilhas juntas o ânimo de el-rei não só perdoar ao caçador, mas a mandar fundar a igreja que hoje permanece, a qual pelo milagre do açor se começou a chamar de Açores [...]» (Monarquia Lusitana, parte 4, cap. 5). A generalidade dos autores que se têm ocupado desta lenda situam os eventos narrados em época an-

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AÇORES terior à fundação de reino portucalense, identificando o rei com um soberano leonês. Seja como for, o milagre do açor encontra-se numa das Cantigas de Santa Maria de Afonso X, com a diferença de o caçador ser apresentado como um infanção do reino de Aragão. Conservamse no santuário, além de muitos ex-votos setecentistas e oitocentistas, alguns quadros figurando os episódios lendários que atestam os primórdios da devoção. AÇORES Arquipélago situado no Atlântico Norte, a 760 milhas de Lisboa, entre os 36º 55’ e 39º 43’ de latitude Norte e os 25º e 31º 51’ de longitude Oeste de Greenwich. Formado por nove ilhas, distribuídas por três grupos: Santa Maria, São Miguel (grupo oriental), Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico, Faial (grupo central), Flores e Corvo (grupo ocidental), além das Formigas, diminutos ilhéus desabitados. A descoberta «oficial» (pois a cartografia oferecia, desde o século XIV, múltiplas representações de ilhas provavelmente correspondentes aos Açores) das sete primeiras ocorreu cerca de 1427 quando ali aportou o navegador Diogo de Silves, da Casa do *Infante Dom Henrique. Quanto às Flores e Corvo só em 1452 haviam de ser «redescobertas» por Diogo de Teive, porquanto se presume (Armando Cortesão, Esparsos, v. 2, Coimbra, 1975) que já os fenícios as haviam visitado (moedas cartaginesas, datadas do ano 350 a. C., achadas na ilha do Corvo, em 1749), podendo, eventualmente, ter sido os achadores de algumas ou até de todas as restantes. O Infante Dom Henrique, administrador da *Ordem de Cristo, foi o primeiro donatário do arquipélago, por cuja morte, em 1460, foram por si deixadas em testamento, juntamente com o mestrado daquela instituição, a seu filho adoptivo, Dom Fernando, irmão de *Afonso V. Só uma dúzia de anos volvidos sobre a notícia do achamento das primeiras, foi dado início ao povoamento de Santa Maria e de São Miguel, por iniciativa de Gonçalo Velho, comendador da Ordem de Cristo (Carta Régia de 2 de Julho de 1439), que para lá fez deslocar al-

Moedas, datadas do ano 350 a. C., achadas na ilha do Corvo, em 1749.

gumas famílias, seguindo-se-lhe a Terceira (inicialmente denominada ilha de Jesus), cerca de 1450, pelo flamengo Jácome de Bruges, a Graciosa, por volta de 1510, por Pedro Correia e Vasco Gil Sodré, Faial e Pico, em 1466 pelo flamengo Josse van Huertere, sogro de Martinho da Boémia, São Jorge, Flores e Corvo, só posteriormente (a partir de 1475), em consequência das desinteligências entre Huertere e os flamengos que o acompanhavam. A produção e exportação de cereais (trigo e cevada) e, depois, de plantas tintureiras, estiveram na base do desenvolvimento económico do arquipélago durante a centúria que se seguiu ao povoamento. O *Império do Divino é a festa mais popular dos Açores, donde a expressão frequentemente ouvida: «a cada canto seu Espírito Santo». Por regra, a introdução do auto do Império é creditada aos franciscanos, que desembarcaram com os primeiros povoadores, coadjuvando os freires de Tomar, embora sem jurisdição especial (cf. Bula de Nicolau V, de 18 de Abril de 1450, e o testamento do Infante Dom Henrique, de 13 de Outubro de 1460). Não sendo, porém, 57

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ACRÓSTICO expressa a informação sobre qual a ilha em que primeiro tal terá ocorrido, admitem alguns autores que possa ter sido em Angra do Heroísmo (Terceira), onde, por volta de 1492, se fazia um Império chamado dos Nobres, à porta de cuja ermida se realizava a distribuição do *bodo (Padre Alberto Pereira Rei; Francisco Drumond, Anais da Ilha Terceira, v. 1, Angra do Heroísmo, 1850, p. 59; Alfredo da Silva Sampaio, etc.), outros opinam que na de Santa Maria, à data em que governou Pedro Soares de Sousa, um dos seus primeiros donatários (padre Sena de Freitas, in Arquivo dos Açores, v. 1, p. 188), ou ainda que na de São Miguel, depois da subversão de Vila Franca do Campo pelo terramoto de 1522 (Padre Manuel Luís Maldonado, por exemplo, na Fenix Angrence). Indiscutível é a difusão generalizada da devoção a todo o arquipélago a partir de 1523. A circunstância de o governo eclesiástico das ilhas dos Açores ter pertencido, desde os primórdios da colonização e até 1514, à Vigaria-Geral de Tomar e à Ordem de Cristo (cf. Bula de Calisto III, Inter Coetara, de 13 de Março de 1455), consabidamente promotora da devoção do Império nas regiões sob a sua jurisdição, pode bastar para caucionar a sua rápida expansão nos Açores, ficando a dever-se as diferenças litúrgicas, registadas de ilha para ilha, ou até na mesma ilha, porventura, à diversa origem continental (Estremadura, Beiras, Algarve, etc.) dos respectivos colonos. A atenção da hierarquia eclesiástica seria alertada para alguns alegados excessos dos festeiros do Divino logo no segundo século da colonização, cominando, desde 1558, proibições e a censura dos festejos, numa reiterada e quase sempre baldada tentativa de evangelizá-los a que ainda hoje se assiste. Torna-se sintomática de uma muito pouco evangélica intolerância a informação adiantada por Francisco Drumond (baseado em António Cordeiro e Gaspar Frutuoso), segundo a qual a localidade de Santana de Porto Alegre, o primeiro lugar a ser habitado na Terceira, fora destruído e abandonado por nele haver «muitos impérios com muitos folguedos profanos» (cf. Anais da Ilha Terceira, v. 1). As localidades de *Canada do 58

Aguilhão e Vila Franca do Campo (São Miguel) foram palco de episódios sebastianistas (cf. Ernesto Ferreira, Os Sebastianistas, in S. Miguel, v. 2, n. 66, Ponta Delgada, 8 Set. 1906 e A Canada do Aguilhão, in Pedras de Santa Maria, Ponta Delgada, 1969, p. 97-98). *Abexim, *Atlântida, *ilha do Corvo. ACRÓSTICO Do grego, akrostikkos, princípio de verso (de akros, extremo, e stikkos, verso). Composição poética, cujas letras ou sílabas iniciais de cada verso, formam, quando lidas conjuntamente, um nome, uma sentença ou qualquer frase com sentido determinado. Apesar da sua provável origem hebraica, foi comum em Alexandria e nos latinos Énio e Plauto, que atribuíram títulos acrósticos às suas peças. Considera-se, geralmente, que na sua origem o acróstico está relacionado com a prática mágico-mística da escrita hebraica, designadamente com o *Notarikon cabalístico. O Padre João Baptista de Castro afirma que os versos acrósticos, também conhecidos por cefalonomásticos, foram inventados pela Sibila Eritreia, cognominada Acróstica. Comentando algumas variantes, destaca as denominadas Paromeo ou Tantogramma, que consistem em principiar cada verso e cada palavra de cada verso sempre pela mesma letra (cf. Soneto 45 de Quevedo). Um dos mais notáveis acrósticos da antiguidade, citado por Lactâncio, Eusébio e Camões (Elegia XII), é o texto formando a palavra ICHTHYS (peixe) = Iesus CHristos THeou Yus Soter (= Jesus Cristo, filho de Deus, o Salvador). Na Bíblia os versos acrósticos, geralmente alfabéticos, são frequentes (Salmos, IX, X, XXV, CX [Vulgata: CX] e CXI [Vulgata: CXII]), sendo, contudo, mais conhecidos os casos do Genesis e de Jeremias. Na Idade Média algumas Cantigas de Santa Maria de Afonso X são casos paradigmáticos. Ocorre no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Nos períodos maneirista e barroco os textos acrósticos são muito frequentes em Portugal, não só em exemplos esparsos, simples e complexos (Camões), como também em obras integrais, como sucede com a de Frei Francisco

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ACTEÃO da Natividade, intitulada Lenitivos da Dor propostos ao Augusto e Poderoso Monarcha ElRey D. Pedro II nosso Senhor e applicados aos leaes Portugueses no justificado do Sentimento da intempestiva morte da Serenisssima Rainha e Senhora nossa, a Senhora D. Maria Sofia Isabel (Lisboa, 1700). Na poética sebástica ocorrem diversos exemplos de acrósticos, tais como os quatro sonetos anónimos constantes do Jardim Ameno [ANTT: ms. da Livraria 774, fl. 3r-3v]. Alguns escritores têm assinado as suas obras por meio de acrósticos, como fez António José da Silva com as óperas do Theatro cómico. José Henriques de Almeida, judeu de origem portuguesa, presente em Amesterdão no início do século XVIII, foi autor de um Anagrama achrostica do sagrado nome de Tora com um breve discurso por introito (Amesterdão, 1706). A produção de acrósticos continuou sendo prática corrente durante o século XIX, posteriormente retomada pelo Surrealismo e pela Poesia Concreta. Hoje persiste nas palavras cruzadas (labirinto de letras), no salto de cavalo e nas palavras escondidas. BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Acróstico, in Dicionário do Milénio Lusíada, v. 1, Lisboa, 2003

ACTEÃO Do grego, Aktaion. Filho de Aristeu e Autonoe, educado como caçador pelo centauro Quíron e surpreendido por Artemis (*Diana) quando a contemplava banhando-se nua na companhia de algumas ninfas, próximo de Gargáfia (Beócia). Irada pelo atentado ao pudor cometido, embora involuntariamente, por Acteão a casta deusa (irmã gémea de *Apolo e eternamente jovem e virgem) puni-lo-ia, transformando-o em cervo, o qual acabaria despedaçado pela própria matilha de cães (Ovídio, Metamorfoses, III, 131--252). As diferentes lições subjacentes a esta fábula afortunada (categoria gnóstica para uns, metafísica segundo outros, ou simplesmente ética, para aqueles que preferem identificar no episódio uma alusão aos aduladores que devoram o objecto da sua própria adulação) inspirariam significativo número de artistas plásticos (Alciato, Ticiano, Cesari, António

Emblema LII da tradução portuguesa de Alciato, realizada por Teotónio Cerqueira de Barros (1695).

Tempesta, Francesco Albani, Louis Galloche, J.-F. de Troy, Lucas Cranach, Thomas Gainsborough, Vieira Lusitano, Eugène Delacroix, Fritz Bultman, Kent Lew, etc.), filósofos, poetas, dramaturgos (Peça lírica, levada à cena em Paris, a 23 de Janeiro de 1836, de autor anónimo e Drama lírico, de Chassaigne, representado em Paris, no mês de Janeiro de 1878), músicos (Marc-Antoine Charpentier) e até cientistas, como Lineu e Abbott, responsáveis pela atribuição dos nomes científicos, respectivamente, Acteon tornatilis [voluta] (1758) e Acteon eloisae (1973) a dois gastrópodes. Giordano Bruno vê neste Actéon o reflexo do arquétipo do caçador, ou buscador de Deus, que, por via da sua metamorfose em presa perseguida, se torna a si próprio divino. Actéon é considerado por Bruno símbolo do homem animado pelos «furores heróicos» que procura em Diana (a natureza) a reverberação de Apolo (luz divina): «Os cães, pensamentos das coisas divinas, devoram este Acteão, libertando-o dos nós dos sentidos perturbados, a fim de que ele não veja jamais a sua Diana através de buracos e janelas, mas, tendo derrubado os obstáculos, tenha uma visão completa do horizonte. Deste modo, ele olha o todo como se este fosse uno. Não vê nem distinções, nem números, mas Anfitrite, a fonte de todos os números, de todas as espécies, de todas as causas, que é a Mónada, verdadeira es59

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ACTEÃO poral e seria estultícia pretender sistematizá-lo em tão sucinta abordagem, quanto mais no que concerne ao património português, cujo inventário, quase sempre mais preocupado com autorias e heranças estéticas do que com a semântica dos objectos, se apresenta cheio de lacunas, justamente na disciplina que maior número de ocorrências regista: o azulejo. César Saussure assevera ter observado em Londres uma banheira destinada a Dom João V, na qual Acteão se achava figurado.*Lavoura dos cães. Fábula de Acteão, de Duarte Dias Em um vale florido, Todo cercado de única espessura, De maneira tecido Que na sua verdura Nunca tocou do Sol a força pura; Emblema XXXIII do Príncipe Perfeito, imitado de Solorzano, por António de Novais Campos (1790).

sência do ser universal. E se ele a não vir na sua essência, na sua luz absoluta, vê-la-á na sua genitura que lhe é semelhante, que é a sua imagem: porque da Mónada, que é a divindade, procede esta Mónada que é a natureza, o universo, o mundo» (cf. De gli eroici furori, in Dialoghi italiani, Florença, 1958, p. 1123-1126). De entre os poetas que abordaram o tema, citarei, a título de exemplo, apenas alguns portugueses: Camões, obviamente na esteira de Ovídio, que o trata na Ode 9 (est. 5), na Écloga dos Faunos (est. 25), bem como em Os Lusíadas (IX, 26); Duarte Dias, na Fábula de Acteão; António de Novais Campos no emblema XXXIII do seu Principe Perfeito (imitado de Solorzano). Inclusivamente, no hermetismo o mito havia de adquirir certa importância, designadamente na alquimia, para a qual Diana é o nome atribuído ao corpo de luz que os alquimistas extraem do velho envólucro físico, proclamando bemaventurados os Actéons que logram contemplá-lo (gravura de Mérian, in Johannis Daniel Mylius, Tractatus secundi seu Basilicae Chymicae, Frankfurt, 1620). Nas artes plásticas o repertório, além de vastíssimo, é quase intem60

Na parte mais quieta U[m]a fonte se mostra recolhida. Ali está tão secreta, De flores escondida, Que apenas é das aves conhecida. Nem u[m]a só pisada Em derredor da fonte deleitosa Se mostra sinalada, Nem a mão buliçosa Tornou jamais a luz da água fermosa. E como corre e mana Alegremente, enquanto o Sol ardia, A sagrada Diana Da caça desistia, E se banhava na água mansa e fria. Banhava o lindo rosto, Banhava alegre as tetas amorosas, E com natural gosto Nas águas deleitosas Está olhando as partes mais fermosas. Banhava o branco céu, Banhava aqueles braços estremados; Banhava sem rece[i]o Os peitos delicados, Que não foram de amor nunca tocados.

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ACÚBITO

Banhava a bela testa, Rodeada de próspera riqueza, E a garganta honesta, Coluna de beleza, Em amorosos laços nunca presa. E quando mais segura E livre de suspeita se banhava, (Mostrando a neve pura Que o vestido guardava E a santa pureza conservava), Chegou àquela parte O mísero Acteão, que sua estrela Tanto bem lhe reparte. E vendo assim a bela Deusa, suspira e morre só por vê-la. Soneto O caçar por ofício é vicioso, de António de Novais Campos Andando Acteão à caça na espessura, Viu Délia em uma fonte ir-se banhando, E em pena de a ver nua, transformando, A Deusa, em cervo foi sua figura. Vendo-se o triste assim, fugir procura, Dos galgos, que seu dono indo estranhando, Vão seu corpo infiéis despedaçando, Em prémio de os nutrir (oh pena dura!) Fugi Augustos Reis deste exercício, Em que a tantos plebeus, e poderosos, Tem causado Diana precipício. E se o tempo, e tesouros preciosos, E a saúde se perdem neste vício, Dos extremos fugi, que são danosos.

Guia: CAXIAS (Cascata da Quinta Real): nesta antiga propriedade da Casa do Infantado, atribuída a Machado de Castro, acha-se a representação tridimensional mais vasta conhecida da fábula, protagonizando o programa monumental da cascata axial dos jardins; CONIMBRIGA (Casa dos Repuxos): mosaico (séc. III a. C.) em que Acteão não é representado metamorseado, man-

tendo a sua aparência humana, à semelhança do que ocorre nas duas mais antigas figurações conhecidas do episódio: um vaso grego (470 a. C.) e uma métopa do templo de Selinonte (ca. 465 a. C.), em Palermo [Museu Nacional]; LISBOA (Palácio dos marqueses de Tancos): painel de azulejos, imitando estampa de Jean Lepautre; LISBOA (Palácio Centeno); LISBOA (Prédio da Av. Dom Carlos, n. 59, r/c, demolido); LISBOA [MNAA: inv. 3013]: Artemisa e Acteão atrib. Simon de Vos (desenho à pena e aguada de sépia); LISBOA [MNCo]: Acteão, de autor anónimo, no painelinho da direita do coche de Dona Maria Benedita, filha de Dom José I e futura D. Maria I; LOURES (jardins da Quinta do Correio Mor): painel de azulejos; MANGUALDE (Palácio dos condes de Anadia): Escadaria nobre. BIBLIOGRAFIA BARKAN, Leonard, Diana and Acteon: the myth as synthesis, in English literary Renaissance, v. 10, n. 3 (1980), p. 317-359; BROLEZZI, Renato, O Verão ou Diana e Acteón de Delacroix: uma versão moderna de uma tragédia, in Revista de História de Arte e Arqueologia da Universidade Estadual de Campinas, n. 01 (1994), p. 109-116; GANDRA, Manuel J., Em torno da fábula de Acteão e de algumas das suas figurações, in Idade da Imagem, n. 1 (Jan. 2001), p. 41-45; KLOSSOWSKI, Pierre, O Banho de Diana, Lisboa, 1989; LEACH, E. W., Metamorphoses on the Actaeon Myth in Campanian Painting, in Mitteilungen des deustchen Archäologisches Instituts, n. 88 (1981), p. 307-327; LEVINE, S. Z., Voir ou ne pas voir: le Mythe d’Actéon et Diane au XVIIIe siècle, in Les Amours des Dieux (cat. Exposição), Paris, 1991, p. LXXIII-XCV; RAMALHO, Costa, O mito de Actéon em Camões, in Humanitas, v. 19-20 (1968), p. 51-72 e Estudos Camoneanos, Lisboa, 1980, p. 45-72; SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e, O Mito de Actéon como alegoria e como símbolo na poesia de Camões, in Camões: Labirintos e Fascínios, Lisboa, 1994, p. 155-162

ACTINOMANCIA Adivinhação pelas estrelas. ACÚBITO Do latim, accubitum (leito de mesa). Penedo ou pedra à qual é creditada a capacidade de fecundar ou de propiciar a fertilidade feminina. Em Portugal, assume quatro modalidades: A. Pedras de escorregar: Pedra escorregadia (Nossa Senhora da Cola, Ourique) = as mulheres grávidas creem que escorregando nela obtêm leite em abundância; Pedra dos Mouros (Belas, Sintra) = esteio de anta com petróglifos; Penedo dos casamentos (Póvoa de Lanhoso); Escorre61

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AÇÚCENA gadouro (Moimenta da Beira) = penedo situado próximo de um rochedo onde é venerada uma imagem de Nossa Senhora da Lapa, por onde rapazes e raparigas escorregam para das peripécias da descida retirarem o oráculo de saber com quem casam; Penedo dos casamentos (São Miguel de Prazins, Guimarães); Penedo dos casamentos (Cristelo, Guimarães) = penedo, próximo da capela do Senhor dos Perdidos, usado como escorregadouro; Pedra Maria (Felgueiras); Lavadores (Gaia); Monte Córdova (Santo Tirso); Pedras Altas do Marouço (praia do Canidelo, Vila Nova de Gaia), associada a insculturas rupestres = uma lenda afirma que no alto da pedra aparecia uma moura, mulher da cintura para cima e peixe na parte inferior do corpo que se manifestava a mulheres solteiras, as únicas que ali iam escorregar; Laje escorregadia (Figueiró da Granja, Fornos de Algodres) = seguindo pela estrada para Muxagata, no sítio denominado crasto. B. Pedras de sentar: cadeira de S. Gens (ermida N. Sra. do Monte da Graça, Lisboa); C. Pedras de encostar ou roçar: Penedo da barriga (freguesia de Rio de Moinhos, Penafiel) = muitas mulheres grávidas das freguesias de Rio de Moinhos, Boelhe e mesmo de outras localidades limítrofes costumavam, uma vez atingido o oitavo mês da gestação, ir roçar a barriga neste penedo para terem um parto feliz; consta que cerca de 1870 as autoridades eclesiásticas censuraram a prática, exautorando as mulheres que a realizassem, motivo por que se tornou clandestina; D. Pedras de deitar: Penedo comprido (Serra de S. Domingos, Lamego) = as mulheres estéreis deitam-se ao comprido sobre a pedra para se tornarem fecundas, S. Domingos fazendo as vezes de Príapo. BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, Sobrevivências neolíticas de Portugal: vestígios líticos, em concordância ou paralelismo, e na toponímia, in Arquivo da Universidade de Lisboa, v. 4 (1917), p. 58-65; CORTEZ, Fernando A. de B. Russell, Reminiscências de antigos cultos, in Douro Litoral, v. 7 (1943), p. 43-46; RIBEIRO, Margarida, Notas de Viagem, in Ethnos, v. 4 81985), p. 300; SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 371; VILLAS BOAS, Conde de, Pedra de Escorregar, in Douro Litoral, s. 2, v. 6 (1944), p. 70-71

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AÇÚCENA Lilium candidum, L. O vaso com açúcenas, indispensável na iconografia da *Anunciação, inspira-se no Cântico dos Cânticos (II, 1-2: Ego flos campi et lilium convallium = Eu sou a flor do campo e a açúcena dos vales; Sicut lilium inter spinas = Bem como é a açúcena entre os espinhos), Zacarias (IX, 17: Vinum germinans virgines = Vinho que gera virgens), etc. Afirma Santo António que «a raiz da Virgem foi a humildade, ao reprimir o tumor da soberba; o seu caule foi sólido pela abdicação dos bens temporais; direito, pela contemplação de bens superiores; flor cândida, pela alvura da virgindade» (Obras Completas, v. 3, p. 148). A religiosa bernarda Soror Maria do Céu, por seu turno, considera a açúcena «[...] hieróglifo da Alma pura, que antes quer carecer de toda a consolação humana, que admitir as ofertas do amor profano e sofrer de boa vontade os trabalhos com que a purifica Deus [...]» (Metáforas das Flores, Lisboa, 1873, p. 8). Nas Beiras, chama-se bastão de São José à açúcena. Quando uma açúcena entristece, ficando ligeiramente murcha, diz-se que uma mulher da casa infringiu o sexto mandamento (i. e., cometeu *adultério). Na linguagem das plantas, flores e frutos significa grandeza e majestade. ACULTOMANCIA Adivinhação com agulhas. Colocam-se 25 agulhas num prato sem que nenhuma delas fique cruzada. Deitando-se água sobre elas, os grupos cruzados indicarão o número de inimigos. ACÚSTICA Muitas culturas arcaicas atribuem significado sobrenatural ao som, pelo que não será dispiciendo especular que rochas, abrigos, grutas, antas, tholoi e vales, mercê das litofonias (zumbido, absorção, ressonância, reverberação ou eco) que geram, possam ter sido considerados sagrados e por tal motivo pintados e gravados com imagens evocadoras de tais sons, autênticas «assinaturas vibratórias» dos sítios que as repercutem. O carácter oracular dos sons supos-

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AD QUADRATUM tamente emanados das rochas gravadas e pintadas («pedras que falam»), outrora, decerto, entendidas pelos xamãs como palcos rituais ou cerimoniais para o contacto com o *além, constituíriam como que as vozes dos espíritos aí figurados, no limiar de dois mundos. Em muitos casos, as propriedades do som poderão mesmo ter determinado a eleição dos locais de concentração de *arte rupestre e da hierarquização dos temas e sintaxe adoptados. É, por conseguinte, conveniente preservar intocadas as paisagens que integram sítios congéneres, de molde a não causar um impacto negativo na qualidade das respectivas características acústicas. É um dado consensual o vasto conhecimento matemático, dos ciclos do tempo e do universo, globalmente entendido, detido pelos povos arcaicos. Quanto à sua enorme competência em matéria de acústica e de controlo do potencial sonoro e vibratório, pesquisas em curso, incidindo sobre as configurações e proporções dos seus santuários (sejam recintos fechados ou a céu aberto), apontam para a circunstância de se estar perante uma autêntica «arquitectura sónica». Com efeito, de acordo com os registos realizados no decurso das pesquisas arqueoacústicas empreendidas por Steven Waller, Iégor Reznikoff e Michel Dauvois (em grutas francesas), Paul Devereux, David Keating e Aaron Watson (em megálitos da Irlanda, Escócia Cornualha e Gales), os sítios detentores de arte rupestre são amplificadores sonoros vocais ou instrumentais. Além do design, também os materiais pétreos eram cuidadosamente seleccionados de forma a potenciarem certas frequências (mormente as ultra-sónicas) susceptíveis de induzir estados alterados de consciência e transe. Outra das constatações já realizadas sugere que a organização espacial interna de dólmenes e monumentos de falsa cúpula (*tholos) é propícia à geração do fenómeno acústico denominado Ressonância de Helmholtz (a mais baixa frequência de ressonância susceptível de ser obtida), se forem percutidos tambores à entrada ou no interior da câmara, sabido que o ritmo da batida terá de ser proporcional à dimensão desta. Um som cavo idêntico é produ-

zido quando se sopra para o interior de uma garrafa vazia, segundo o ângulo e a intensidade adequados, de molde a provocar a compressão periódica do ar aí contido. Muitos arqueosítios terão sido afinados de forma a gerarem frequências de 4 hertz, que podem ser produzidas por um ritmo de quatro batidas por segundo, ou de 2 hertz, de duas batidas por segundo. É evidente que tais constatações são aplicáveis a inúmeros monumentos portugueses. *Abrigo rupestre, *anta, *arte megalítica, *arte parietal, *Escoural, *Vale do Côa, *Vale do Tejo. BIBLIOGRAFIA DAUVOIS, Michel, Son et musique paléolithiques, in Les Dossiers d’Archéologie, n. 142 (1989); idem, Les témoins sonores paléolithiques, exterieur et souterrain – «Sons originels», préhistoire de la musique, in Études et Recherches Archéologiques de l’Université de Liège, n. 61 (1994); DEVEREUX, Paul, Stone Age Soundtracks: the acoustic Archaeology of Ancient Sites, Vega, 2001; REZNIKOFF, Iégor / DAUVOIS, Michel, La dimension sonore des grottes ornées, in Bulletin de la Société Préhistorique Française, 1988; WATSON, Aaron / KEATING, David, Architecture and sound: an acoustic analysis of megalithic monuments in prehistoric Britain, in Antiquity, n. 73 (1999), p. 325-326; idem, The sounds of the spirit world, in Scientific American discovering Archaeology, v. 2, n. 1 (2000), p. 86-91; idem, The sounds of transformation, in The Archaeology of Shamanism (ed. N. Price), Londres, Routledge, 2001, p. 178-192

AD QUADRATUM Proporção 1:2, utilizada na arquitectura desde a antiguidade clássica. Vitrúvio expõe a regra da sua adopção na arquitectura sagrada, esclarecendo que «a largura de um templo deve igualar metade do seu comprimento» (De Architectura, V, I, 4). Parece terem sido os beneditinos os primeiros promotores da aplicação de tal módulo construtivo à arquitectura medieval, achando-se vestígios dele um pouco por toda a Europa, mesmo após o declínio da influência daquele instituto religioso. A planta de uma igreja edificada pelo método do ad quadratum é definida por um rectângulo constituído por dois quadrados de igual dimensão, sucedendo rigorosamente o mesmo com os alçados, quer transversais, quer longitudinais. A diagonal de semelhante rectângulo gera um ângulo de 63º 26’ ou, mais exactamente, de 63º 25.982’, o qual intervém na construção da sec63

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Demonstração da proporção 1:2 nas igrejas do Convento de Cristo e do Mosteiro de Alcobaça e na Basílica de Mafra.

ção áurea e do pentágono. constituindo a igreja do convento de Cristo, em Tomar, e o Monumento de Mafra dois dos mais significativos compêndios do método. Na igreja manuelina de Tomar, delineada por Diogo de Arruda, observa-se a justaposição de dois cubos de 5 (aliás, 4,5) x 5 braças de lado (isto é, 11 x 11 m), correspondendo o baixo coro à justaposição de dois cubos de 3 x 3 braças de lado. De facto, o comprimento da nave iguala o diâmetro da Charola, inscrevendo o conjunto num duplo quadrado (proporção 1:2) de 10 x 5 braças (22 x 11 m), o qual é exactamente imitado pelo alçado. Rebatendo a diagonal do quadrado que define a nave, obtém64

-se um rectângulo 2 (proporção 2:3), cuja dimensão define o espaço desde a fachada Oeste até ao centro (altar) da Charola. As diagonais de tal rectângulo cruzam-se, justamente, no ponto onde se ergue o coro alto, determinando, igualmente, a marcação dos tramos das abóbadas (também eles subordinados à proporção 2:3). BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., A Basílica de Mafra: compêndio de Salomonismo e pólo da Nova Jerusalém, in Boletim Cultural ’97, Mafra, 1998, p. 9-78; LEITE, Sílvia, Tomar ou o Templo de Salomão, in A Arte do Manuelino como percurso simbólico, Lisboa, 2005, p. 200; LUND, Frederick Macody, Ad Quadratum: a study of the geometrical bases of classic and medieval religious architecture, Londres, 1921

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ADÁGIO ADAFINA Também *aani, literalmente, coisa quente. A actual tefina. Ementa judaica obrigatoriamente confeccionada à sexta-feira, que permanecia no borralho até sábado, dia destinado à sua ingestão. Variava consoante as regiões, podendo consistir de um guisado de carneiro, condimentado com cebola e ervas, misturado com grão e ovo, ou, por vezes, de peixe com acompanhamento de cenoura e fava. Constituiu causa suficiente para que inúmeros cripto-judeus caíssem nas malhas do *Santo Ofício. *Alimento, *casher. ADÁGIO Do latim, adagius (ad agendum apta, segundo Festo), termo introduzido no português por influência italiana, durante o século XVII. Popularmente indistinto do *anexim, *ditado,

*máxima, *rifão, mas, segundo a nomenclatura erudita, igualmente chamado *aforismo, *apotegma, *exemplo, *sentença. Diz Bluteau que é «sentença comum, popular e breve com alusão a alguma coisa» e o Padre Delicado que serve «para a boa direcção da vida comum». Difere do provérbio, no entender de Erasmo, porque enquanto este é caracterizado pela vulgaridade, o adágio, extraído dos oráculos divinos, do pensamento erudito ou da produção poética, é, pela ambiguidade do seu sentido, menos acessível ao público. Geralmente, tem forma ritmada e rimada, com sete sílabas (redondilha maior). João de Barros regista nas Décadas, a propósito de *Afonso de Albuquerque, que: «era sagaz e manhoso em seus negócios, e sabia enfiar as coisas a seu propósito; trazia grandes anexins de ditos para comprazer à gente segundo os tempos e qualidades da

Frontispícios de duas das mais importantes obras de referência para o estudo da paremiologia portuguesa.

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ADÁGIO pessoa de cada um». A *literatura de cordel serviu-se, frequentemente, da paremiologia como fonte de inspiração. FONTES ALEIXO DE SANTO ANTÓNIO, Frei, Philosophia Moral, tirada de alguns Proverbios ou Adagios, amplificados com authoridades da Sagrada Escriptura e Doutros que sobre ella escreveram Coimbra, 1640; ALVIA DE CASTRO, Don Fernando, Aphorismo y Exemplos Políticos y Militares sacados de la Primera Década de Juan de Barros, Lisboa, Pedro Craesbeck, 1621; BARBOSA, Agostinho, Diccionarium Lusitanico-Latinum, Braga, 1611; BARROS, Alonso de, Provérbios Morales, Lisboa, 1617 (2 edições no mesmo ano); idem, Porta das línguas, Lisboa, 1623; BASTOS, José Joaquim Rodrigues de, Collecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios, Porto, 1865; BERNARDES, Padre Manuel, Nova Floresta ou Silva de Vários Apotegmas, Lisboa, 1707; BLUTEAU, Rafael, Vocabulário Portuguez e Latino, Coimbra e Lisboa, 1712-1728; CÂMARA, Perestrelo da, Colecção de provérbios, adágios, rifões, anexins, sentenças morais e idiotismos da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 1848; CHAVES, Pedro, Rifoneiro português, Porto, 1928; CORAZZI, David, Philosophia Popular em provérbios, Biblioteca do Povo e das Escolas, n. 45, Lisboa, 1882; CORREIA, António Simões, Dicionário de Adágios e Princípios Jurídicos, Lisboa, Liv. Férin, 1958 (2 vols.); DELICADO, António, Adágios Portugueses reduzidos a lugares comuns, Lisboa, Luís Lopes Roja, 1615 [obra suprimida em 1771 pela Real Mesa Censória e reed. em 1923, com prefácio de Luís Chaves]; ESPANHA, J. Rebelo, Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, Famalicão, 1936; FORTUNATO DE SÃO BOAVENTURA, Frei, Ensaio de um índice as palavras, adágios, dictos, sentenças, anexins e phrases, que a língua portuguesa tirou da grega, sem passarem pelo intermédio da latina (ms.); FRILEL, Adágios, Provérbios, Rifãos e Anexins da Língua Portuguesa, Lisboa, Tipografia rolandiana, 1780; LOPEZ DE MENDOZA, Don Iñigo, Provérbios, Lisboa, 1501; MANIQUE, Francisco António da Cunha de Pina, Aphorismos e pensamentos moraes, religiosos, politicos, philosophicos, Lisboa, 1850; idem, Ensaio phraseologico ou colecção de phrases metaphoricas, elegâncias, idiotismos, sentenças, provérbios e anexins da língua portuguesa, Lisboa, 1856; MELO, D. Francisco Manuel de, Feira de anexins, Lisboa, 1875; MORAIS, Pedro José Suppico de, Colleçam Moral de Apophthegmas memoráveis, Lisboa, 1733 e Coimbra, 1761; NARBONA, Eugénio, El libro de oro de Séneca, Coimbra, 1555; NICOLÁS LIBURNIO, Elegantes sentencias de muchos sabios Príncipes, Reys e Philosophos Griegos y Latinos, Lisboa, 1554; idem, Doctrina politica civil, escrita em aphorismos, Coimbra, 1584; NUÑEZ, Hernán, Refranes o Proverbios en romance, Salamanca, 1555 [a mais remota colecção impressa de provérbios portugueses]; PAULO, Amilcar, Os Sefardins e o seu Adagiário, in Revista de Etnografia, v. 16, tomo 1, n. 31 (Jan. 1972), p. 113-129; PEREIRA, Padre Bento, Prosodia in Vocabularium bilingue, latinum, et lusitanum, Lisboa, 1634; idem, Florilégio dos modos de fallar e adágios da lingoa portuguesa, Lisboa, Paulo Craesbeck, 1655; PERIM, Damião de Fróis, Colecção dos primeiros adágios portugueses, ms. [ANTT]; RODRIGUES DE ÉVORA, André, Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Príncipe D. Sebastião, (ed. Luís de Matos), Lisboa, 1983; ROLLAND, Francisco, Adágios, provérbios, rifões e anexins da Língua Portuguesa, tirados

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dos melhores autores nacionais e recopilados por ordem alfabética, Lisboa, Tipografia Rollandiana, 1780 e 1841; TEIVE, Diogo de, Epódos que contêm sentenças úteis a todos os homens, as quaes se accrescentão Regras para a boa educação de hum Príncipe (trad. Francisco de Andrade a partir da ed. Latina impressa em 1565), Lisboa, 1786; THEOBALDO, Provérbios históricos e locuções populares, Rio de Janeiro, 1879; TRANCOSO, Gonçalo Fernandes, Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, Lisboa, 1589 (1ª e 2ª partes), 1596 ( 3ª parte); VASCONCELOS, Jorge Ferreira de, Comédia Eufrosina, Lisboa, 1561 BIBLIOGRAFIA ALVES, Manuel Costa, Mudam os Ventos, mudam os Tempos: o adagiário popular meteorológico, Lisboa, 2002 (2ª ed.) [especialmente p. 99-146]; ARIMATEIA, Rui, Rifoneiro do porco, Évora, 1993; BASTOS, José Joaquim Rodrigues de, Colecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios, Porto, 1865; BATALHA, Ladislau, História Geral dos Adágios portugueses, Lisboa, 1924; BOURBON, Francisco Peixoto P. da S. e, A oliveira e seus produtos no rifoneiro popular, in Boletim da Junta Nacional do Azeite (1969); BRAGA, Teófilo, Adagiário Português (coligido das fontes escritas), in Revista Lusitana, n. 17-18 (1914-1915); CÂMARA, Padre Perestrelo da, Colecção de provérbios, adágios, rifões, anexins, sentenças morais e idiotismos da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 1848; CHAVES, Luís, Rifoneiro Português, Porto, 1928 e 1945 (2ª ed.); CORTES-RODRIGUES, Armando, Adágiário Popular Açoriano, in Insulana (1945-1953) e Angra do Heroísmo, 1982 (2 vols.); COSTA, Alberto Sousa, Fisionomia, Expressão e Pitoresco de Certos Vocábulos, Locuções e Adágios Populares, Coimbra, 1931; CUNHA, Alfredo da, Ditames e ditérios, Lisboa, 1929-1931, 3 vols.; CUNHA, Xavier da, Philosophia Popular em Provérbios, Lisboa, David Corazzi Editor, 1882; DELGADO, Manuel Joaquim, A etnografia e o folclore do Baixo Alentejo (aspectos vários; curiosidades linguísticas; comentário, recolha e notas do autor), Lisboa, 1957-58 [adágios referidos aos diferentes meses do ano]; idem, O Valor dos Adagiários, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 3, Lisboa, 1963, p. 309-324; LANHOSO, A. Coutinho, Rifoneiro do Mar, Porto, 1960; GOMES, Manuel João, Nova Recolha de Provérbios, Lisboa, Afrodite, 1974; HESPANHA, Jayme Rebelo, Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, Famalicão, 1936; LIMA, Fernando de Castro Pires de, Adagiário Português (contribuição para o seu estudo sistemático), in Actas do Congresso Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso, 1965, p. 411-445; LANHOSO, A. Coutinho, Rifoneiro do mar, Porto, 1960; LIMA, J. A. Pires de, O Corpo Humano no Adagiário Português, Porto, 1946; LOPES, Castro, Origens de anexins, proloquios, locuções populares, siglas, etc., Lisboa, 1909 (2ª ed.); MACHADO, António Pires, Rifoneiro jurídico, Lousã, 1969; MACHADO, Fernando Falcão, Corografia portuguesa no rifoneiro nacional, Lisboa, 1930; MACHADO, José Pedro, O grande livro dos provérbios, Lisboa, 1996; MATTOSO, José, O essencial sobre os Provérbios Medievais Portugueses, Lisboa, 1987; MELO, Veríssimo de, Adagiário da Alimentação, Natal, 1950; MONTEIRO, José, «A fé é que nos salva e noêja o pau da barca», in Revista Lusitana, v. 21 (1918), p. 337-338 [análise deste adágio]; MOREIRA, António, Provérbios Portugueses, Lisboa, 1996; PAÇO, Afonso do, A vida militar no rifoneiro português, in A Língua Portuguesa, v. 4, n. 3 a 8 (1935); idem, Sogras e cunhadas no cancioneiro popular e no adagiário, in Actas do Congresso Internacio-

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ADAMASTOR nal de Etnografia de Santo Tirso, v. 2, Lisboa, 1965; PINA, Luís, Medicina popular: segundo a tradição de Guimarães – capítulo II. Adagiário médico, Porto, 1928; PIRES, António Tomás, Calendário Rural, Elvas, 1893; idem, Origem de várias locuções, adágios, anexins, etc., Elvas, 1928; RADICH, Maria Carlos, Almanaque, Tempo e Saberes, Coimbra, 1983; REIS, José Alves, Provérbios e ditos populares, Porto, 1995; RODRIGUES, Armando Cortes, Adágios meteorológicos do adagiário açoriano, in Açoreana (1947); idem, Adagiário popular açoriano, Angra do Heroísmo, 1962; SANTOS, Vitor M., Adagiário Transtagano, Lisboa, 1960; SOUSA Joaquim Pires de Lima Tavares de, Algumas considerações acerca do Adagiário, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 1, Lisboa, 1963, p. 363-368; TEYSSIER, Paul, Les Adages d’Erasme dans le Dictionnaire Latin-Portugais de Jerónimo Cardoso, in Miscelânea de Estudos em Honra do Prof. A. da Costa Ramalho, Coimbra, 1992, p. 127-136; VASCONCELOS, Carolina Michaelis de, Materiais para o Rifoneiro Português, in Revista Lusitana; VASCONCELOS, J. Leite de, Ditados Tópicos de Portugal, Barcelos, 1882; idem, Etnografia Portuguesa, v. 1, Lisboa, 1933, p. 239-244; idem, Etnologia (parte 2), in Opúsculos, v. 7, Lisboa, 1938; VITERBO, Sousa, Subsídios para a formação do refraneiro ou adagiário português, Porto, 1901

ADALBERTO, SANTO Bispo de Magdeburgo (Saxónia), martirizado por transfixão de dardos. Padroeiro dos marinheiros, invocado a 20 de Junho. Ernesto Soares descreve um registo em que é iconografado. ADAMASTOR Um dos gigantes ou Titãs, filhos da terra, que se rebelaram contra Zeus. Referido por Homero, na Odisseia (XXII, 212), e Virgílio, na Eneida (III, 614), chamando-lhe Damastor, aquele, e, este, Adamasto. Também por Clau-

Adamastor (1927): escultura de Júlio Vaz Júnior, no jardim do Alto de Santa Catarina (Lisboa).

diano, na Gigantomachia, e Ravísio Textor, na Oficina (1522). Em Camões é a personificação do Cabo da Boa Esperança, antes chamado Cabo das Tormentas. O Adamastor faculta aos portugueses o conhecimento «dos segredos escondidos / da natureza e do húmido elemento». José Benoliel crê na possibilidade de a palavra Adamah (hebraico, terra) ter sugerido ao épico a denominação deste titã, «a quem está confiada a guarda dos mares austrais», à semelhança de Boreas que a detém no que respeita aos mares do Norte. Costa Ramalho desdenha do alvitre, preferindo exclusivamente antece-

Guia FARO (celeiro da horta de S. Francisco ou das Figuras, à entrada de Faro, do lado direito, de quem entra na cidade, vindo de Portimão): flanqueando a entrada observam-se duas imagens relevadas, com cerca de três metros de altura, a da esquerda figurando o Adamastor (guerreiro negro com cinco penachos na cabeça, dominando um lagarto ou jacaré com a legenda: «[...] de[?] boa [...] es[?] damastor») a da direita Hércules (com a legenda «Erculis»); LISBOA [MNCo]: A «horrível cabeça» ao centro do alçado posterior do 1º coche da embaixada que D. João V enviou à Santa Sé, em 8 de Julho de 1716; SRI LANKA: painel de azulejos. A. BRAMTOT: pintura na ed. Guillard de Os Lusíadas; BARAHONA POSSOLLO: série filatélica, comemorativa dos 500 anos da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia; CARLOS REIS [MusMil: sala Camões]: tela; CIRILO VOLKMAR MACHADO [PNM: sala das Descobertas]: fresco; COLUMBANO [MNAC]: Visão do Adamastor, desenho [inv 1163]; Adamastor, desenho [inv. 1186-(37)]; CONDEIXA [MusMil: sala Camões]: tela; ELLYS: duas telas; FRAGONARD: ed. Morgado de Mateus; JORGE COLAÇO [Palace Hotel do Buçaco]: painel de azulejos (Fábrica de Sacavém, 1907); JÚLIO VAZ JÚNIOR [Alto de Santa Catarina: jardim]: escultura (1927); PAULINO DE SOUSA: in Os Lusíadas (Paris, 1865); ROQUE GAMEIRO / M. MACEDO: gravura (ed. Empresa da História de Portugal)

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ADAM-KADMON dentes etimológicos greco-latinos, sem contudo precisar quais. Voltaire cita com admiração esta criação camoneana, no Essai sur la Poésie Épique. BIBLIOGRAFIA ABREU, Alberto Antunes de, Do Discurso Lírico de Camões: a propósito do Episódio do Adamastor, Esposende, 1982; ARRIAGA, Noël de, O gigante Adamastor: fantasia juvenil em 3 actos, Lisboa, 1960 [BN: L 51573 P]; BENOLIEL, José, Episódio do Gigante Adamastor (Lusíadas, canto V, est. 37-70): Estudo crítico, Lisboa, 1898 [BN: Cam 82 (1º) V]; CASTRO, Aníbal Pinto de, O episódio do Adamastor: seu lugar e significado na estrutura de Os Lusíadas, in XLVIII Curso de Férias da Fac. de Letras da Univ. de Coimbra (Ciclo de Lições comemorativas do IV centenário da publicação de Os Lusíadas), Lisboa, 1972, p. 61-78; FARIA, António Portugal de, O Episódio do Adamastor nos Lusíadas de Luís de Camões, Livorno, 1897; [FRANCISCO DE S. LUÍS, Frei], Apologia de Camões contra as reflexões criticas do P. J. Agostinho de Macedo sobre o Episodio de Adamastor no Canto V. dos Luziadas, Lisboa, Tipografia do Correio, 1840 [BN: Cam 539 (14º) P]; LETZRING, Monica, The Adamastor Episode and the eighteenth century Aesthetic Theory of the Sublime in England, in Actas da I Reunião Internacional de Camonistas (Lisboa, 15 a 18 de Nov. de 1972), Lisboa, 1973; MACEDO, José Agostinho de, Reflexões criticas sobre o Episódio de Adamastor nas Lusíadas, Canto V, oit. 39: em forma de carta, Lisboa, Impressão Régia, 1811; OLIVEIRA, Joaquim de, A primeira sugestão do mito de Adamastor (Gil Vicente e Luís de Camões: breve estudo comparativo), in Revista Ocidente, v. 62 (1962), p. 6-26 [BN: Cam 315 (5º) P]; OSÓRIO, Balthasar, Origens do episodio dos Lusíadas «O Gigante Adamastor», in Bol. da 2ª Classe da Acad. das Sciências de Lisboa, v. IV (1911); RAMALHO, Américo da Costa, Sobre o nome de «Adamastor», in Garcia de Orta (n. especial comemorativo do IV Centenário da publicação de Os Lusíadas), (1972), p. 433-437; idem, Aspectos Clássicos do Adamastor, in Estudos Camonianos, Coimbra, 1975, p. 43-54; SANTOS, Custódio Lopes dos, A denominação Adamastor em Os Lusíadas, in Actas da IV Reunião Internacional de Camonistas, Ponta Delgada, 1984, p. 623-642; VIEIRA, Yara Frateschi, Adamastor: o pesadelo de um Ocidental, in Actas da V Reunião Internacional de Camonistas, S. Paulo, 1987, p. 229-240

ADAM-KADMON A primeira emanação da natureza divina. O homem arquetípico ou celeste. O mesmo que o Logos da Teosofia. Os cabalistas colocam-no na segunda séfira. ADÃO, SANTO Padroeiro dos jardineiros, invocado a 19 de Dezembro. *Santo Abdão. ADÃO E EVA Casal primordial, induzido por Lúcifer a comer do fruto proibido da árvore do conhecimento 68

do bem e do mal. A hermeneutica que afirma que Deus formou e deu vida a Adão a partir da terra, tendo posteriormente retirado Eva de uma sua costela, não corresponde à letra do Genesis (I, 27), onde se lê: «macho e fêmea os criou». Inúmeros comentários inspiraram a história de Adão e Eva. Para S. Paulo, Adão é o primeiro homem terrestre, enquanto Cristo o «novo Adão», de natureza celeste (Romanos V e 1 Corínteos XV). Do mesmo modo, se relacionou a Queda com a descida de Jesus ao Limbo e a tentação de Adão à de Jesus no deserto (Mateus IV, 1-11). S. Gregório lembra (Moralia, 18, 74) que o termo pelo qual Adão é conhecido em latim significa terra vermelha (*Homem vermelho). A patrística considera Eva, «mãe de todos os viventes» (Génesis III, 20), símbolo da própria Igreja, confundindo-a com Maria. A ideia teve enorme fortuna, como prova António de Sousa de Macedo, autor da obra intitulada Eva e Ave, ou Maria Triunfante (afirma-se que a expressão Eva e Ave foi usada pela primeira vez por Frei Bernardino de Sena, num sermão pregado no Campo de Siena, em 1426, porém, em data anterior, Paolo di Giovanni Fei (ca. 1340-1411) pintara uma tábua alusiva ao tema, actualmente no Museu Metropolitano de Nova Iorque). Um trovador, apenas conhecido por Afonso, dedicou a seguinte cantiga ao «departimento que há entre Ave e Eva»: «Entre Av’ e Eva / gran departiment’ á / Ca Eva nos tolleu / o Parays’ e Deus, / Ave nos y meteu; / porend’, amigos meus: / Entre Av’ e Eva… / Eva nos foi deitar / do dem’ en sa prijon, / e Ave en sacar; / e por esta razon: Entre Av’ e Eva… / Eva nos fez perder / amor de Deus e bem, / e pois Ave aver / no-lo fez; e poren: / Entre Av’ e Eva… / Eva nos ensserrou / os çeos sem cha, / e Maria britou / as portas per Ave. / Entre Av’ e Eva…». Já para os judeus quinhentistas portugueses o seu *Anticristo seria da casa de Adão [ANTT: ms. 846, n. 8232, fl. 180v e 183v]. Na opinião de *Pedro Rates de Hanequim (séc. XVIII), se as diversidades anatómicas entre homens e mulheres haviam sido feitas «à imagem e semelhança» de quem as formara, era de supor que Adão tivesse sido «formado da segunda Pessoa [Filho],

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A Criação de Adão, segundo Francisco de Holanda (De Aetatibus Mundi Imagines, fl. 7v).

que é masculina, e por isso o fez do mesmo género; e Eva formada pela terceira [Espírito Santo] e por isso saíu fêmea, porque esta Pessoa é feminina e cada qual deu vida à sua imagem» (sexto argumento da proposição 1.21). Em consequência, Hanequim estabeleceria a divisão sexual do trabalho para anjos e demónios, de acordo com a qual o contacto com os mortais dependia directamente da natureza dos seus órgãos copuladores, valendo tal raciocínio para a salvação da alma, uma vez que o redentor dos homens seria Cristo, enquanto o das mulheres seria a Virgem (proposições 1.14 e 1.27). O poeta *Belchior Manuel Curvo Semedo, denunciado ao Santo Ofício, em 19 de Novembro de 1819, era acusado da seguinte blasfémia, entre outras: «[…] que na criação do mundo queria Deus ser servido por homens ignorantes pois lhe proibia que comesse da árvore da ciência e mais que uma criança como se julga inocente não peca pois não sabe o que faz e que logo Adão e Eva não sabia o que fazia e que admira que não tivesse medo de uma serpente nem da sua babuge pois aceita o pomo da boca dela […]» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 17610]. Frequentemente, Adão ostenta uma enxada, sím-

bolo do trabalho a que o pecado original condenou a humanidade. À enxada e à terra chamam os mindericos (naturais de Minde) a do Pai-Adão, enquanto empregam a expressão polir a do Pai-Adão para dizer cavar. Na romaria de Nossa Senhora dos Remédios, em Baúlhe, figuravam Adão e Eva, ele de casaca preta e alvião às costas e ela de saia de chita, chaile traçado e chapéu de palha ataviado com fitas de cor. Em Óbidos, diz-se: «Quando Deus formou Adão / De um bocadinho de barro, / Nem as terras davam pão, /Nem o mar era salgado». Segundo uma tradição corrente em algumas regiões do país, deve dar-se o nome de Adão ao sétimo filho e de Eva à sétima filha, para impedir que se transformem em lobisomem e bruxa, respectivamente. O padrinho deve ser o irmão mais velho e a madrinha a irmã mais velha (Baião). A criação do primeiro homem e da primeira mulher é tema versado no teatro popular português, em Trás-os-Montes (Auto de Adão e Eva) e no Alentejo (Auto da Criação do Mundo). No primeiro caso, encarnado por personagens que representam de forma hierática, os motivos principais são o drama da condenação de Adão e Eva aos trabalhos do mundo e o crime de Caim, 69

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Guia COIMBRA (Mosteiro de Santa Cruz): no cadeiral do coro acha-se representado Adão, completamente nú à excepção de um barrete cónico na cabeça, idêntico ao que, segundo Santo Agostinho, tipifica os judeus, a lei mosaica e a Sinagoga. Criação de Adão LISBOA [MNAA: inv. n. 151]: tábua em mau estado, filiada por Vítor Serrão no ciclo oficinal de Gregório Lopes; SETÚBAL (igreja de S. Julião): tábua (1320 x 700 mm) atribuída à chamada terceira época (1531-1540) da actividade de Gregório Lopes como pintor régio, subordinada aos modelos de Antuérpia. Criação de Eva LISBOA (ermida dos Remédios, Alfama): tábua do primeiro terço do séc. XVI, atribuída ao ciclo dos Mestres de Ferreirim Pecado Original LAMEGO (Sé): o programa iconográfico do retábulo da capela-mor (Vasco Fernandes, 1506-1511) contemplava uma série de seis tábuas (num total de vinte), representando: Criação de Adão; Adão no Paraíso; Criação de Eva; Adão e Eva; Expulsão do Paraíso; Adão e Eva fora do Paraíso. Numa Anunciação, atrib. ao mesmo pintor, do retábulo da capela mor da Sé, observa-se na parede do fundo um medalhão figurando Eva segurando a maçã com a mão esquerda enquanto aponta para uma ave com a direita. Cúpulas fingidas do lado da Epístola da Sé pintadas por Nasoni; LISBOA (igreja do Loreto): caixotão do tecto pintado por Giovanni Ponte (séc. XVII), destruído pelo terramoto de 1755; OLIVENÇA (igreja da Misericórdia): um dos retábulos azulejares figura Deus a oferecer roupas a Adão e Eva, após o pecado original; SANTA EULÁLIA DA CUMEEIRA (Santa Marta de Penaguião): cenas da história de Adão e Eva pintadas por Nasoni: seis caixotões (destruídos) do coro da igreja matriz; SANTA MARIA DE MEINEDO (Lousada): no modilhão do extremo NE da igreja românica veem-se representados Adão e Eva, certamente numa tentativa de exortação à virtude; TOMAR (Charola): Adão e Eva ocorrem dezasseis vezes, com os corpos entrelaçados e vestidos de túnicas de pele, como foram expulsos do Paraíso, para habitarem a oriente dele; VILA ALVA (Cuba): conjunto de telas (séc. XVIII) da igreja matriz, ilustrando a narrativa do Génesis desde a criação de Adão ao pecado original e à expulsão do paraíso, presume-se a partir de uma série de estampas.

enquanto no Auto da Criação do Mundo (representado por bonifrates) o bailado dos anjos, os corais do Sol e da Lua e a entrada dos animais criados constituem mero cenário para o desenrolar da história do Pecado Original e do crime de Caim. A figuração de Adão e Eva no Paraíso, dentro da iconografia tradicional da pintura e iluminura flamengas dos meados de quatrocentos, é muito comum nos pratos, salvas ou bacias historiadas de esmolas em latão batido, oriundos de Nuremberga e de outras cidades da Europa setentrional, oferecidas por Dom Manuel, enquanto governador da *Ordem de Cristo, a todas as igrejas do seu padroado. Vasari conta nas suas Vitae que Dom Manuel encomendara a Leonardo da Vinci um cartão alusivo a Adão e Eva para uma tapeçaria. Na iconografia da crucificação, junto à base da cruz, é representado amiúde o crâneo de Adão, para ilustrar a 70

lenda que afirma que a cruz foi feita com madeira proveniente da árvore do paraíso. Camões refere-se a uma pegada de Adão em Ceilão (Os Lusíadas, X, 36). *Francisco de Holanda. BIBLIOGRAFIA ABELHO, Azinhal, Teatro Popular Português, v. 1, Braga, 1968, p. 29-61; ANDRADE, Maria do Carmo Rebelo de, Iconografia narrativa na ourivesaria manuelina: as salvas historiadas, Lisboa, 1997 (tese de mestrado História de Arte, Universidade Nova de Lisboa [BN: SA 18158-59 V]); ANÓNIMO, Os Pratos de Nuremberga da Casa-Museu de Guerra Junqueiro, Porto, 1965; CORREIA, Pedro Lobo, Vida de Adão, e orações contra as tempestades, Lisboa, 1682 e Coimbra, 1709; FELIX JOSÉ DA SOLEDADE (pseud. de José da Cunha Brochado), Auto da Vida de Adão, pae do genero humano, primeiro monarcha do universo, Lisboa, 1727; MATOS, Armando de, Adão e Eva, in Douro Litoral, s. 3, v. 3 (1948), p. 38-40 [descreve duas estatuetas de barro branco policromado]; MAZURE, A., Adam et Éve: le thème d’Adam et Éve dans l’art, Paris, 1967; OLIVEIRA, Vicente Carlos de, Adão remido por Jesus Cristo, Lisboa, 1791 [poema]; SERRÃO, Vítor, A «Criação do Homem» de Gregório Lopes, in Oceanos, n. 4 (Jul. 1990), p. 76-81

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ADIVINHA ADEGAS DE ÉVORA No Vimieiro, quando o vento sopra do Sudoeste e traz chuva, diz-se que vem das adegas de Évora. ADELREDO, SANTO Advogado, conjuntamente com *São Libório, contra a dor de pedra e a gota. ADEODATO, FREI O bacharel Frei Agostinho da Trindade e Frei Domingos de Santa Maria denunciaram ao *Santo Ofício este padre agostinho, o qual, pregando à missa, havia proferido a seguinte proposição por eles tida por herética: «Deus era o que não era» [ANTT: Inq. Lisboa, caderno n. 5 do Promotor, fl. 271r]. ADEPTO Do latim, adipiscor. Qualquer indivíduo iniciado nos mistérios e ritos de uma crença, seita ou sociedade secreta. ADEUS DE JESUS À VIRGEM Cena iconografada por diversos pintores (Duccio, Adam Kraft, Dürer, Lucas Cranach, Veronese, Greco, Lourenço Lotto, Gérad David, etc.), apesar de não constante dos Evangelhos sinópticos Crê-se que se divulgou, em finais da Idade Média, mercê das representações teatrais da Paixão (Louis Réau, Iconographie de l’art chrétien, v. 2, Paris, 1957, p. 395-396), andando também relacionada com o ciclo das Sete Dores de Maria. Persiste a dúvida se se trata da despedida de Jesus ao iniciar a Sua vida pública ou o adeus entre a Ressurreição de Lázaro e a entrada triunfante em Jerusalém. Um único exemplo é, até à data, conhecido em Portugal, numa colecção particular, figurado numa tábua oriunda do mosteiro de Arouca. BIBLIOGRAFIA COUTINHO, B. Xavier, Nossa Senhora na Arte – alguns problemas iconográficos e uma exposição marial, Porto, s. d. [1959], p. 233 (n. 172) e 316; BRANDÃO, Domingos Pinho, Para a História da Arte – algumas obras de interesse II. Adeus de Jesus à Virgem – séc. XVI, in Portucale, s. 2, n. 3 (Dez. 1961), p. 72-80

ADIAFA Gratificação ou lauto banquete oferecido pelo patrão aos ranchos de assalariados rurais após o termo dos trabalhos agrícolas a que se dedicaram, designadamente, a monda, a ceifa, a vindima, a colheita da *azeitona (Beiras) ou qualquer empreitada de vulto, nomeadamente quando o *pau de fileira é levantado num edifício em construção (Mafra). Em Idanha-aNova, as raparigas do rancho da apanha da azeitona entregam ao patrão «um ramo de oliveira com azeitonas enfeitado com fitas e flores naturais», acto que, na Sertã e em Escalos de Baixo, se denomina penhorar. Em algumas regiões o rancho dirige-se em cortejo para a residência do patrão, levando à frente uma bandeira de tecido colorido, da qual pendem objectos da mais variada índole, desde cordões em ouro, brincos do mesmo metal, etc. até frutas da época. A bandeira tem sido interpretada como o resultado de uma transformação progressiva: dos simples ramos de árvores, posteriormente enfeitados com fitas e flores, naturais ou artificiais, ter-se-ia chegado aos actuais modelos, confeccionados com tecidos, cartão e papéis multicores e ornamentados consoante o gosto e a proveniência dos componentes do rancho. Seja como for, o costume encerra uma intenção claramente propiciatória da abundância, revelando-se extremamente semelhante aos ritos ainda hoje celebrados em determinadas comunidades rurais da Grã-Bretanha, onde um ramo verde é processionalmente conduzido todos os anos para impetrar a fertilidade que decorre da cíclica renovação de toda a natureza. BIBLIOGRAFIA S/a., Festa rural (colheita da azeitona), in Revista Lusitana, v. 31 (1933), p. 312-313 [descreve a festa final da adiafa em Riodades: o ramo oferecido ao patrão, o baile, o jantar, etc.]; ARRUDA, João, A tradição das adiafas, in Correio da Estremadura (4 Fev. 1928); LUDOVICE, Licínia da Conceição, Subsídios para o estudo do Cancioneiro popular alenquerence. IV. A «diáfa», in Estremadura, s. 2, v. 41-43 (Jan.-Dez. 1956), p. 135-149; RODRIGUES, A. Pina, Bandeiras de Adiafa, Lisboa, 1984

ADIVINHA Enigma ou charada, geralmente enunciada pela fórmula «qual é coisa, qual é ela?», cuja deci71

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ADIVINHAÇÃO fração pode ser proposta, quer como diversão, quer com intuito edificante. A primeira colecção impressa remonta ao séc. XVII, sendo devida a Francisco Lopes (Passatempo Honesto, Lisboa, 1603). BIBLIOGRAFIA ALEXANDRlNO, António, Adivinhas, in Tradição, v. 2 (1900), p. 14, 31, 46, 111; BRAGA, Teófilo, As Adivinhas portuguesas, in Era Nova (1880-1881), p. 241-255 e 433-442; CHAVES, Luís, No mundo recreativo das adivinhas, in Mensário das Casas do Povo, a. 12, n. 136 (Out. 1957), p. 6-8; n. 137 (Nov. 1957), p. 12-16; n. 142 (Abr. 1958), p. 8-10; DRUMOND, Machado, Lenga-lengas, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 14 (1956), p. 214-254; GOULART, Osório, Rimas infantis, in Revista Insulana, v. 3 (1947), p. 346-347; GUERREIRO, Manuel Viegas, Adivinhas portuguesas, Lisboa, 1957; JESUS, Edmiro de, Rimas infantis da ilha de S. Miguel, in Revista Insulana, v. 12 (1956), p. 400-405; LEÃO, Armando, Folclore da freguesia da Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 8 (1943), p. 46-49; LIMA, Augusto Pires de, O Livro das Adivinhas, Porto, 1921 e 1943; MEIRELES, Cecília, Os dedos, in Revista Insulana, v. 12 (1956), p. 398-400; MOUTINHO, Viale, Adivinhas populares portuguesas, Porto, s. d.; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Designações dos dedos da mão, in Douro Litoral, s. 6, v. 9 (1955), p. 9-27 [Estudo das parlengas infantis dos dedos da mão e comparação com casos de outros países]; PIRES, António Tomás, Formulas e Perlengas diversas, in Revista Lusitana, v. 1 (1887-89), p. 346-351; idem, Folk-lore Alemtejano, in Revista do Minho, v. 5, n. 2 (1889), p. 1-2; idem, Adivinhas Portuguezas recolhidas da tradição oral na Província do Alentejo, Elvas, 1923; idem, Rimas e jogos coligidos no concelho de Elvas, Elvas, 1937; RIBEIRO, Luís da Silva, Rimas infantis, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 2 (1944), p. 263-275; SANTOS JÚNlOR, J. R. dos, Lengas-lengas e jogos infantis, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 8, n. 3-4 (1938), p. 317-361; SILVA, Armando J. da, Etnologia açoriana, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 87-88 e v. 2 (1914) (2ª ed.), p. 23-25; SILVEIRA, Pedro da, Rimas infantis da ilha das Flores, in Revista Insulana, v. 5 (1949), p. 141-144; idem, Novas rimas infantis da ilha das Flores, in Revista Insulana, v. 6 (1950), p. 205-209; VASCONCELOS, J. Leite de, Numeração infantil, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 75-76; idem, Nomes populares dos dedos da mão, in Revista Lusitana, v. 2 (1890), p. 181; VIEIRA, J. da Silva, Variantes populares: O Padre Nosso pequenino, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 71-72; s./a., Rimas populares, in Revista Lusitana, v. 20 (1912), p. 53

ADIVINHAÇÃO Também *adivinhança e *adivinhamento. Designação genérica para o conjunto de técnicas tendentes à descoberta do futuro ou de factos ocultos. Adivinha-se o futuro por meio de oráculos, sonhos e agouros. Platão associa o método de comunicação directa por meio de um médium com uma loucura (mania) divinamente inspirada e exemplifica o processo com as sacer72

dotisas e profetas em Dodona e Delfos e com a Sibila (Fedro, 244b-c). Para o ateniense, mantis derivara de mainomai (mania). Foi Cícero (séc I a. C.) o primeiro a ensaiar uma classificação sistemática das mancias (do grego, manteia), no De Divinatione (I, 11): distingue as naturais (de carácter profético ou alucinatório) das artísticas (aquelas que utilizam instrumentos catalizadores). Na actualidade, Gwen Le Scouêzec propôs a ordenação seguinte: A. Profetismo (intuição pura em estado de vigília); B. Vidência alucinatória (estado alucinatório ou hipnótico, sendo de considerar os estados de transe e de sono); C. Adivinhação matemática (*Astrologia, *Geomancia, *Aritmomancia, etc.); D. Mântica da observação (estados e comportamentos de seres animados ou matérias inanimadas); E. Sistemas Abacomânticos (exclusivamente resultantes da manipulação de tábuas e oráculos). Diversas são as fontes literárias latinas que descrevem as fórmulas proféticas e divinatórias dos diferentes povos hispânicos da antiguidade. Na Celtibéria são citados casos como os do chefe Olíndico que arregimentou muitos celtíberos, cerca de 170 a. C., «brandindo uma lança, que dizia enviada do céu, e adoptando a postura de um profeta» (Flor. 1,33, 14), mas também de sibilas femininas cujos oráculos anunciavam, como se depreende de uma passagem de Suetónio, «que um dia saíria de Hispânia o príncipe e senhor supremo» (Galba 9, 2). Por seu turno, Apiano (Iber. 85) e Plutarco (Apoph. reg. 16) escrevem que o exército romano que sitiava Numancia fervilhava de adivinhos e magos à chegada de Cipião Emiliano, acrescentando que a soldadesca, desmoralizada pelas sucessivas derrotas sofridas ante a cidade celtíbera, se entregava a práticas divinatórias. Entre os Lusitanos a adivinhação requeria sacrifícios humanos, coincidindo os métodos de obtenção dos vaticínios com os dos druídas galos, a aquilatar pelos testemunhos de Possidónio (4, 4, 5) e Diodoro Sículo (5, 31, 3). Estrabão descreve-os (3.3.6) da forma seguinte: Os lusitanos «fazem sacrifícios [...] tiram presságios do pulso, das veias e entranhas das vítimas e do modo como tomba o corpo destas ao ser ferido pelo sacrificador. Amputam a mão

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ADIVINHAÇÃO direita aos inimigos vencidos e consagram-na aos deuses [...]». Presume-se que tais práticas hajam caído em desuso durante a época imperial. Já a adivinhação entre os galaicos, mencionada por Sílio Itálico (3, 344--345), que consistia, designadamente, na observação do voo das aves (augurium) e no exame das vísceras (fibrae) e das chamas sagradas (e do *raio), segundo fórmulas características da mântica etrusca, sobreviveu no Noroeste da Península até à era cristã, porquanto além de São Martinho de Dume (De correctione rusticorum 6 e Cânone LXXI) a ela se reportam o cânone 72 do Concílio II de Braga e o cânone 2 do Concílio XVI de Toledo. A igreja Católica considerava a adivinhação (quer a profética, a astrológica ou a demoníaca, também denominada negromântica, ou *nigromancia), a segunda de cinco espécies de superstição (sendo as restantes a *idolatria, a vã observância, a *magia e o *malefício), atribuindo-lhe a categoria de pecado mortal, ou apenas venial, desde que não existisse pacto explícito, ou ainda em razão da simplicidade do praticante, «ou da ignorância invencível da gravidade dos pecados, ou da falta de total certeza de fé em algumas coisas [...]». Em 1385, o Regimento do Senado de Lisboa interditava o lançamento de «[...] sortes, nem obra de adivinhamentos em alguma guisa que defeso seja por direito civil ou canónico». Ulteriormente, as Constituições sinodais haviam de dedicar bastas referências a tais práticas: Coimbra (1521): «só a Deus compete saber as coisas escondidas» (LXXXII); Évora (1534): «nem lance sortes para adivinhar. Nem varas para achar haver. Nem veja em água ou cristal ou em espelho ou em espada ou em outra qualquer coisa luzente. Nem em espádua de carneiro, nem faça para adivinhar figuras ou imagens algumas de metal, nem de qualquer outra coisa. Nem se trabalhe de adivinhar em cabeça de homem morto ou de qualquer outra alimária. Nem traga consigo dente, nem baraço de enforcado, nem qualquer outro membro de homem morto. Nem faça com as ditas coisas ou cada uma delas, nem com outra alguma semelhante, posto que aqui não seja nomeada espécie alguma de feitiçaria, ou para adivinhar ou para

fazer dano ou proveito a alguma pessoa ou fazenda» (XXV, 1); Braga (1639): «Por várias vias se pretende adivinhar e alcançar o futuro, como é por feitiçarias, nigromancias, prestígios, arte mágica, agouros, sortes, encantamentos, invocação de espíritos malignos e por outros semelhantes modos abomináveis e reprovados pelo Direito em modo que, como por coisas suspeitas para a Fé, foram os culpados nelas castigados por Lei Divina. Mandamos com pena de excomunhão maior, ipso facto incurrenda, que nenhuma pessoa, assim eclesiástica, como secular, de qualquer estado, grau e condição que seja, e das mais penas adiante declaradas, use de adivinhações, por sorte reprovadas, por encantamentos, por agouros, nem por arte mágica, nem por invocação ou pacto com o demónio, feitiçarias, nigromancia ou por outro qualquer modo ilícito» (XLIX, 1); Algarve (1674): «E portanto proíbimos sob pena de excomunhão maior que nenhuma pessoa use de encantamentos, adivinhações, sortes reprovadas ou de outras superstições para causar males ou os remediar, nem para mandar sobre as tempestades ou elementos» (V, 8). A adivinhação é prática condenada como superstição nos Regimentos do Santo Ofício, de 1640 (liv. 3, tit. XIV: nobres degredados para Angola, S. Tomé ou Brasil) e de 1774 (liv. 3, tit. XI, cap. II). Segundo uma crença antiga, apenas uma jovem pura (i. e., *virgem) pode praticar com êxito certos rituais divinatórios, como, por exemplo, a *sorte (ou oração) de São Simião [ANTT: Inq. Évora, proc. Maria Rosa (1760), fl. 30v]. A expressão «ter um dedo que adivinha» deve ter--se originado na crença de que é possível adivinhar com os anéis (*dactilomancia) que se usam num dedo, geralmente o mínimo da mão direita (aquele ao qual se atribui essa capacidade, embora nem sempre se especifique qual). Em Alvaiázere diz-se que ter em casa uma cabeça de cobra faz adivinhar. Adágios: Arrenegai o velho que não adivinha; Velho que não adivinha não vale uma sardinha. *Abdul de Nazarino, *artes divinatórias. BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Adivinhação: glossário português de técnicas divinatórias, Mafra, 2007; MATTOSO, José, A Necromancia na Idade Média, in Humanitas, v. 0

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ADIVINHADEIRO (1998), p. 263-283; Mysterios do futuro: Tractado completo da arte de adivinhar, Lisboa, 1884 (2ª ed.) [trad. do francês; BN: SA 18245 P].

ADIVINHADEIRO O mesmo que *adivinho ou *bento e *entreaberto (nas ilhas). Gil Vicente na Carta a El-Rei sobre o tremor de terra (Obras, p. 257v) alvitra: «que a nenhum adivinhadeiro nem feiticeiro não dessem a vida». ADIVINHADOR O mesmo que *adivinho. O cânone 71 do Concílio II de Braga considera-o reminiscência pagã, pois afirma: «Se alguém, seguindo o costume dos pagãos, introduzir em sua casa adivinhadores e sortílegos, como para lançarem fora dela o mal, ou para descobrirem malefícios ou fazer lustrações de pagãos [...]». A propósito de um monarca indiano, escreve Gaspar Correia (Lendas da Índia, v. 1, p. 54): «El-rei havia sempre conselho com seus adivinhadores que lhe certificavam que a paz que com os nossos assentasse lhe duraria para sempre». ADIVINHANÇA *Adivinhação. ADIVINHAMENTO *Adivinhação. ADIVINHANTE O mesmo que *adivinho. ADIVINHÃO O mesmo que *adivinho. *Afonso, *Pedro Afonso. ADIVINHO Também *adivinhadeiro(a), *adivinhador(a), *adivinhante, *adivinhão, *adivinhoa, *bento(a), *clarividente, *saragoçano, *virtuoso(a). Alguém que adivinha futuros. Diz-se que quando nascem dois gémeos, um deles é adivinhão se não vestir a camisa do outro ou se a mãe os não oscular na boca. Acrescenta-se que há poucos, porque rara é a mãe que resiste a 74

não beijar os filhos. Quando são de sexo diferente, o rapaz é, regra geral, o adivinhão. As bruxas perseguem-nos para os matar, porquanto não pretendem ver-se desmascaradas por eles. No séc. XVII, no termo de Montalvão e em Castelo de Vide, o *diabo terá pedido um menino, filho de um homem de Sortelha, que se dirigia à romaria de Nossa Senhora da Consolação, perto de Sevilha. Em troca prometeu-lhe ensinar a criança a «adivinhar pela mão e saber curar», pelo que o progenitor ganharia bom dinheiro [ANTT: Inq. Évora, proc. de Violante Nunes (1632), fl. 71]. Adágios: A escudeiro mesquinho, rapaz adivinho; O moço de bom juízo, quando velho, é adivinho. ADIVINHOA O mesmo que *adivinhadora. ADIVINHONA O mesmo que *benta. Mulher clarividente. ADJURAÇÃO 1. O mesmo que *conjuração, porém distinta do *juramento e do *voto. Apelo solene mediante o qual alguém roga instantemente a outrém que fale respeitando as três condições exigidas para o juramento: verdade, justiça e necessidade. Exemplo de uma adjuração, tê-mola no Novo Testamento, quando o Sumo-sacerdote insta com *Jesus para que confesse a sua verdadeira natureza (Mateus, XXVI, 63; Marcos, V, 7). A adjuração pode ser pública, competindo apenas aos sacerdotes expressamente mandatados para fazê-la, ou particular, consistindo então, numa prece dirigida a Deus por qualquer fiel com o fito de apartar de si o mal que o inquieta (não se dirige tal oração nem contra o raio, nem contra os animais, porque não são criaturas intelectuais como o demónio supostamente é). 2. Fórmula de *exorcismo ou de *esconjuro (Actos, XIX, 13) por intermédio do qual se ordena, em nome de Deus, a um demónio ou espírito maligno que diga ou faça o que se exige de si.

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ADONAI ADLACADONAI Preparação e guarda do *Sábado no judaísmo. ADMOESTAÇÃO Exortação aos réus do *Santo Ofício para que confessassem as suas próprias culpas e fizessem a delação das alheias. Em regra, os detidos sofriam três admoestações: após a escrita da geração (declarações relativas ao parentesco); quando eram chamados à Mesa pela terceira vez; antes do libelo do Promotor de justiça. ADONAI Termo hebraico para Senhor (Deus). Uma vez que o judaísmo considera *Iavé uma divindade inefável, a palavra Adonai é empregue em substituição do seu verdadeiro nome, impronunciável por príncipio. Os documentos inquisitoCântico de Páscoa Adonai, Adonai, Adonai, Senhor meu! Caminhamos e andamos, Louvaremos ao Deus d’Israel, Que nos livrou do Egipto Daquele rei tão cruel Caminhamos e andamos, Louvaremos ao Senhor, Cantam os anjos no céu Os serafins ao Senhor Etc. Oração Forte (Belmonte) Grande Deus de Israel, Adonai Sebaot Mal Colares Quebodo [segundo Samuel Schwarz: «Deus omnipotente está cheia toda a terra da tua honra»]; o forte de todas as armas, Senhor do Céu e da terra, peço-te, Pai piedoso, pelo teu nome d’Adonai que aceites meu jejum, este meu apoucamento de carne e sebo em lugar de sacrifício que nós somos obrigados a fazer-te; mas tu, Senhor, bem vês que o não podemos fazer, conforme a nossa obrigação, por estarmos neste tão grande cativeiro metidos, abandonados e desprezados por terras estranhas, fora de Jerusalém, Cidade do teu Santuário, sem termos Sacerdotes

nem Levitas em seu assento, para que possam, Senhor, louvar e exaltar o teu Santo e Divino Nome. Por cuja causa, Senhor, em ti confiamos, como em Pai Clementíssimo, para que apiades o teu povo Israel aflito, a mim e a tudo que me pertence; e que me livres, Senhor, de toda a má sentença, de mau encontro, de má língua, de vizinho mau, de espeada, de angústia, de ânsia, de miséria e de quebranto; e que me dês, ó Pai piedoso, anos de fartura, apega-me, Senhor, com os teus Santos e Divinos preceitos, assim como tu, Senhor, livraste a Moisés, teu servo, da má tenção de um Rei ímpio, e a teu povo Israel da escravidão do Egipto, a Abraão, teu amado, do fogo dos Caldeus, a David, teu ungido, do laço de Saúl, a José, o justo, do testemunho do Egipto e a Jonas, teu profeta, do ventre da baleia, assim me livre e me escape de tudo o que me for mau para a alma e para o corpo, e de tudo aquilo, de que eu me não souber livrar. E a meus filhos que os faças, Senhor, uns bons servos teus, para que sigam os teus Divinos preceitos, e às minhas filhas que as tomes, à tua Santa e Divina conta, que lhes dês, Senhor, uma sorte boa, com que tenham conhecimento da tua Santa e Divina Lei, para que te possam servir e louvar; que mais vale confiar em Adonai que em princípes, filhos de homens, que não olham mais que a sua arrogância e riqueza, sem que tenham conhecimento de que nada do que têm é seu e que em um instante são nada, pois lhes falta a consideração das contas que te hão-de dar. Pelas nossas más obras nos achamos em poder destes ímpios, degradados nas quatro partes do mundo, fora da terra dos nossos pais, porque não nos lembrávamos dos pobres, das órfãs e das viúvas. Não se gabe o rico com a sua riqueza, nem o sábio com a sua sabedoria, nem o valente com a sua valentia, que nada lhes há-de valer, senão as boas obras que tiverem feito neste mundo. E para que, Senhor, nem eu, nem nenhum dos que me pertencem caiam em semelhante opróbio, peço-te, Supremo Senhor, que me encaminhes em a tua Santa e Divina Lei, e que me não desampares, Pai piedoso, porque dirão as nações: «onde está agora o Deus que te não acode?». É certo que existe em as alturas, donde está vendo o bem e o mal. Bendito seja quem em Adonai confiar; eu, Senhor, como confio em o teu Santo e Divino Nome, te

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ADONIRAMITA, RITO

peço que te lembres das almas de todas as nossas obrigações, e das nossas, quando deste mundo formos, e que me dês vida a tudo o que vivo tenho, e decretando-nos e fazendo certa promessa que fizeste a Abraão, nosso pai, de nos mandares o nosso bem aos olhos das nações, para que mais admirem tua grandeza, hoje em nossos dias, levando-nos a Jerusalém, Cidade Santa em cânticos de Sião. Amén, Senhor, ao céu vá e lá chegue. (cf. Antonieta Garcia, Judeus de Belmonte, p. 196-197)

riais transcrevem inúmeras orações dirigidas a Adonai, como as seguintes, extraídas do processo do mercador Bernardo Rodrigues, de Bragança [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 4065]: «Bendito seja o Senhor que te criou para morrer»; «Bendito seja o nome do Senhor que te criou para nascer e morrer, me queira encaminhar, livrar e salvar do poder dos meus inimigos, assim como livrou o povo de Israel do Egipto»; «Bendito seja o nome daquele grande Senhor que formou o Céu e a Terra e as estrelas e abriu o mar que fez carreiras e pôs o seu nome em três letras e disse: Eu sou e serei para sempre e jamais»; «Bendito seja o nome daquele grande Senhor que te criou e me queira encaminhar, assim como encaminhou o povo de Israel escolhido». *Agla. ADONIRAMITA, RITO Rito maçónico teorizado por Louis Guillemain de Saint-Victor no Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite (1787). É constituído pelos seguintes 13 graus: 1º Aprendiz; 2º Companheiro; 3º Mestre; 4º Antigo Mestre; 5º Eleito dos Nove; 6º Eleito de Pérignan; 7º Eleito dos Quinze; 8º Pequeno Arquitecto; 9º Grande arquitecto; 10º Mestre (ou Cavaleiro) Escocês; 11º Cavaleiro do Oriente; 12º Rosa Cruz; 13º Noaquita ou Cavaleiro Prussiano. Oliveira Marques supõe que possa haver sido adoptado pelas lojas portuguesas em 1801, «antes da introdução ou, pelo menos, da generalização do Rito Francês», isso porque o Almanak do Rito Escocês Antigo e Aceite em Portugal para o Anno de 5845 se refere ao grau de Cavaleiro Escocês, 76

décimo na ordem dos doze Graus de que se compunha à data a Maçonaria. Em 1822, o Diário do Governo (n. 217, supl. n. 50, de 14 Set.) anunciava a edição de um Compêndio da Maçonaria Adonhiramita, quase certamente o Cathecismo de Aprendiz do Rito Adonhiramita. ADÓNIS Tradução grega do termo semita para Senhor. Considerado o mais ocidentalizado dos deuses sírio-fenícios, apesar de já ser conhecido na Suméria sob o nome de Dumuzi (Tammuz). A sua introdução no panteão helénico fez-se a partir de Chipre, onde o seu culto se achava associado ao de *Afrodite pafiana. Surge na mitologia grega (Apolodoro, III, 14, 3) como filho da união incestuosa entre pai e filha, respectivamente Cinaras, rei de Pafos, e Mirra. Amado por Vénus, esta instaurará, após a sua morte, culto em sua honra, fazendo brotar uma anémona do sangue misturado com néctar do jovem. O principal templo deste deus da árvore e da vegetação (Jardins de Adonis contemporâneos de Platão ou Adonaea do palácio dos Flávios) estava sedeado em Byblos, cidade banhada pelo rio Adonis, cujas águas vermelhas recordavam todos os anos, em data fixa, a sua morte trágica provocada por um *javali (animal sagrado e tabú que lhe era consagrado na Síria) no decurso de uma caçada. A recepção do culto de Adonis em Roma, onde era lamentado no tempo de Augusto, como atestam os versos de Ovídio (Metamorfoses, X, 298-518 e 708-739), ficou a dever-se à influência da Etrúria e da Magna-Grécia, mas nunca logrou impôr-se como o de *Atis. Nos finais do séc. III, Sevilha celebrava durante os dias 17, 18 e 19 do mês de Julho (que os sírios justamente denominavam Tammuz), as Adonias, as quais consistiam numa procissão feminina que transportava o ídolo de Salambô, sendo acompanhada por danças e pedidos de esmola e de oferta de vasos para uso do deus (destinados à plantação dos famosos jardins), até junto de um poço, situado fora da cidade, para onde eram lançadas as flores até ali ritualmente conduzidas (cf. F. Cumont, Les Syriens en Espagne

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ADOPÇÃO, RITO DE seca, de 1862 (exibida na Exposição Universal de Paris de 1867), figurando um episódio inspirado no livro X (vv. 503-739) das Metamorfoses de Ovídio: Adónis combatendo o javali enviado contra si por Artémis [MChiado: inv. 193; gesso no Museu das Caldas da Rainha]. Camões (Os Lusíadas, IX, 60) refere umas flores denominadas Adónis, alegadamente nascidas do sangue desta divindade, ora interpretadas pelos seus hermeneutas como beijinhos (conde de Ficalho), anémonas (Epifânio Dias), ou a variedade do Adonis aestivalis L (Augusta Faria Gersão Ventura).

Adónis combatendo o javali enviado contra si por Artémis (1862): bronze de António Manuel da Fonseca.

et les Adonies à Seville, in Syria, v. 8, 1927, p. 330-341). Orígenes afirma a propósito: «aquele que os gregos chamam Adonis é conhecido por Tammuz entre os judeus e os Sírios [...]. Primeiro lamentam-no como se tivesse morrido e, depois, festejam-no como se ele tivesse ressuscitado». De facto, o culto de Adonis, cujo ritual de ressurreição (ulteriormente desenvolvido numa teologia alegórica: os grãos que se lamentam por haverem sido semeados, alegram o semeador quando frutificam) acompanhava o ciclo das estações, tendo sido assimilado ao percurso anual do Sol, de resto como sucedeu com o seu homólogo frígio Atis, bem como com todos os restantes deuses da vegetação cultuados durante os séc. III e IV: a catabase do astro rei no hemisfério inferior do Zodíaco correspondia à sua morte e o equinócio da Primavera ao seu despertar. A iconografia de Adonis teve longa vigência nas artes desde o séc. XV (Giorgione, citado por Ridolfi, em 1648), mas nomeadamente na pintura barroca (Guercino, M. Franceschini, Poussin, Boucher, etc.). Em Portugal está representado numa estátua em chumbo do PNQueluz, bem como numa escultura em bronze de António Manuel da Fon-

BIBLIOGRAFIA ATALLAH, W., Adonis dans la Littérature et l’art grec, Paris, 1966; Les Amours des Dieux (cat. Exposição), p. 166-171 e 396; SANTOS, Paula Mesquita dos, Adónis combatendo um javali, in As Belas Artes do Romantismo em Portugal, Lisboa, 1999, p. 290-291 (n. 92); VENTURA, Augusta Faria Gersão, O Adónis de Camões, in Miscelânea de Estudos em honra de D. Carolina Michaelis de Vasconcelos, Coimbra, 1930 [BN: Cam 525 V]

ADOPÇÃO, RITO DE Não obstante as Constituições de Anderson (1723) excluam formalmente as mulheres da iniciação maçónica, elas foram, desde o século dezoito, admitidas em lojas fundadas e patrocinadas (adoptadas) por uma loja regular masculina, que nelas superintendia. Crê-se que as primeiras lojas deste Rito (de dois tipos: com cinco e dez graus), surgiram em França no ano de 1766, tendo obtido reconhecimento a partir de 1774. A primeira iniciação feminina na Maçonaria, ocorreu em Portugal, no ano de 1814, na pessoa da viscondessa de Juromenha, Maria da Luz Willoughby da Silveira (1787-1861), no que se presume possa ter constituído um caso isolado (Loja Virtude, de Lisboa). O Rito de Adopção na sua variante com cinco graus (1º Aprendiza; 2º Companheira; 3º Mestra, 4º Perfeita Maçona ou Mestra; 5º Eleita Sublime Escocesa ou Soberana Ilustre Escocesa), só em 1864 seria introduzido em Portugal, pela loja Direito e Razão, aparentemente subordinada à *Confederação Maçónica Portuguesa. Apesar de não haver notícia da existência de lojas femininas em Portugal anteriormente a 1864, já em 1822 fora publicada a Maçonaria das Senhoras, 77

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ADOPCIONISMO gaulês no ano de 1997, sob o veneralato de Manuela Cruzeiro, 1ª Grã-Mestre da maçonaria feminina portuguesa, doravante denominada Grande Loja Feminina de Portugal (GLFP).

Hieróglifos do Rito de Adopção, segundo Miguel António Dias (Annaes e Código dos Pedreiros Livres em Portugal, 1853).

ou a Verdadeira Maçonaria de Adopção precedida de algumas Reflexões sobre as Lojas irregulares, e sobre a sociedade civil, com notas críticas e filosóficas de Louis Guillemain de Saint-Victor. Por seu turno, no ano de 1842, Miguel António Dias incluíria na sua Bibliotheca Maçonica (v. 4) todo o ritual do Rito de Adopção, os estatutos e textos relativos aos seus cinco graus, bem assim como uma gravura com os respectivos hieróglifos. No Grande Oriente Lusitano Unido o Rito de Adopção fez a sua aparição com a loja Filipa de Vilhena, adoptada pela n. 22, Restauração de Portugal (Decreto n. 18, de 29 Dez. 1881, in Bol. Oficial do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, s. 3, a. 13, n. 8-9, Nov.-Dez. 1881, p. 112). Com a cisão ocorrida na loja Restauração de Portugal, em 1883, e a consequente expulsão dos dissidentes, também as damas seriam irradiadas, ingressando todos na Grande Loja dos Maçons Antigos Livres e Aceites de Portugal. No entanto, a loja feminina abandonaria essa obediência, filiando-se na Grande Loja Departamental Fortaleza, dependente do Grande Oriente de Espanha, até ser expulsa em 1885. Renascido em 1904, o Rito de Adopção manteve-se activo até 1923, ano em que a loja Carolina Ângelo abateu colunas, em consequência da adesão ao *Direito Humano da maioria das suas mais activas filiadas (a partir de 1920). Em Portugal, o Rito de Adopção seria reactivado em 1987 com a criação da Loja Unidade e Mátria, tendo-se tornado autónomo do Oriente 78

BIBLIOGRAFIA COSTA, Fernando Marques da, A Maçonaria Feminina, Lisboa, 1981; DIAS, Miguel António, Architectura Mystica do Rito Francez ou Moderno, s. l., 5843 [1843], p. 237-329 [Secção Quinta: Maçonaria de Adopção ou das Damas]; FERREIRA, António Augusto de Matos, A Liturgia Maçonica – Rituais de Inauguração de Templo, Instalação de Loja, Instalação de Oficiais, Adopção de Lowton, Banquete Maçonico, Lisboa, 1913

ADOPCIONISMO Movimento cristão apocalíptico, surgido na Hispânia durante a primeira metade do séc. VIII, encabeçado pelos arcebispos de Toledo, Elipando, e de Urgel, Félix. Admitiam que *Jesus por sua natureza divina era filho de Deus, porém, por sua natureza humana, não passava de um filho adoptivo, pelo que acabaram condenados pelo concílio de Francmont (794), realizado além-Pirinéus sob o patrocínio de Carlos Magno. Alcuíno, Paulino de Aquileia, o próprio Carlos Magno e os Papas Adriano e Léon produziram epístolas e tratados dirigidos contra os partidários da adopção de Cristo, acusandoos, repetidamente, de nestorianismo, arianismo, macedonianismo e até de islamismo, sabelianismo e priscilianismo. Posteriormente, Abelardo, bem como outros autores do séc. XII, exporiam uma espécie de adopcionismo, condenado por Alexandre III (em 1170 e 1177), que havia de se reflectir nas tentativas de Escoto e Suarez, entre outros, para integrar na ortodoxia a ideia de Jesus ser filho adoptivo de Deus. BIBLIOGRAFIA SÁNCHEZ, Maria Dolores Verdejo, Repercusiones del priscilianismo y sabelianismo en el conflito adopcionista, in Bracara Augusta (Actas do Congresso de S. Frutuoso), 1966, p. 157-162

ADORAÇÃO Reverência ante ser ou coisa a quem se reconhece um estatuto transcendente e de quem se pretende captar a benevolência (*esconjuro). A Igreja católica admite actos de religião internos (*devoção e *oração) e externos (adoração, *sacrifício, *oblação, *adjuração,

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ADORAÇÃO DOS PASTORES *voto, *juramento e tomar o Nome de Deus para seu louvor). A adoração propriamente dita assume três expressões ou espécies diferentes: latria (religião ou culto devido e prestado a Deus, a Cristo, à Eucaristia, e ainda a todos os objectos inanimados que tiveram contacto físico com o corpo de Jesus), hiperdulia (reverência à Virgem Maria, suas imagens e relíquias) e dulia (reverência e honra devidas aos santos canonizados e beatificados, às suas imagens e relíquias). De entre as alfaias litúrgicas, as cruzes, os relicários e os porta-paz são os compreendidos no grupo dos objectos de adoração. Adoração é título de uma obra de *Leonardo Coimbra. ADORAÇÃO DA ESTRELA FORMOSA *Atar, *filactério, *ligamento, *ligatura, *nómina. ADORAÇÃO DOS MAGOS Os evangelhos apócrifos e a patrística enriqueceram o episódio da visita dos *Reis Magos ao *Presépio, relatado por Mateus (II, 1-12), o qual omite quantos eram, bem como os respectivos nomes. A arte paleocristã relacionou a Adoração dos Magos com a profecia de Balaam (Números, XXIV, 17), enquanto a Idade Média preferiu personificar nos Magos, ora as três idades do homem, ora as três partidas do mundo e os três distintos modos de reverenciar Deus encarnado, recém-nascido (Beda). Os profetas Habacuc e Miqueias descrevem o nascimento do Messias, aquele entre animais, este em Belém. O tema foi muito glosado pela arte portuguesa, complementarmente ao ciclo da *Natividade e da *Adoração dos pastores. A Virgem, sentada, mostra Jesus aos Reis Magos que se aproximam um após outro com as suas oferendas: Belchior presenteia o *Menino Jesus com um cofre cheio de ouro (signum regis), Gaspar e Baltasar oferecem-lhe incenso (signum Dei) e mirra (signum sepulturae), respectivamente (cf. Voragine, Lenda Dourada). O imberbe Gaspar fez a sua aparição como preto (fuscus), de fisionomia africana, por influência portuguesa, na pintura flamenga, com Hans Memling, em 1464 [Museu do Prado], Gerard David, Josse

Um índio brasileiro (tupinambá) protagoniza o Santo Rei Baltasar da Adoração dos Magos do retábulo (1501-1506) da capela-mor da Sé de Viseu, atribuído à Oficina de Vasco Fernandes.

van Cleve, *Jerónimo Bosch, etc. No corpus iconográfico conhecido do rei D. Manuel I três obras o representam como Rei Mago em outras tantas Adorações (Retábulos do Mestre de S. Bento [MNAA] e da Misericórdia do Funchal e tábua do museu de Torres Vedras atribuída à escola de Gregório Lopes). *Bolo-rei, *Epifania, *mosteiro dos Jerónimos. BIBLIOGRAFIA MOTA, Maria Manuela, Rei Branco, Rei Preto: dos Magos Védicos ao símbolo do Rei Preto, in Utopia – Mitos e Formas, Lisboa, 1990, p. 59-68; PEREIRA, Fernando António Baptista / FALCÃO, José António, Pintura Maneirista do Distrito de Setúbal I. Duas Adorações da igreja matriz de Santiago do Cacém, atribuídas a José de Escovar, in Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, s. 2, v. 2 (1988), p. 169-186

ADORAÇÃO DOS PASTORES Lucas (II, 15-21) foi o único dos evangelistas a relatar, ainda que brevemente, a Adoração dos 79

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ADOSINDA, SANTA pastores no *Presépio, em Belém. Não refere quantos eram, nem se acorreram com presentes destinados ao *Menino Jesus. Coube aos teólogos esclarecer esses e outros pormenores omissos na narrativa. O paradigma adoptado desde a Idade Média, supõe a associação de três eventos distintos da narrativa evangélica: a *Natividade (Lucas, II, 1-7), o *Anúncio aos pastores (idem, II, 8-14) e a Adoração dos pastores, propriamente dita (ibidem, II, 15-16). Ao quadro seriam associados o boi e o jumento, animais da tradição apócrifa (Evangelium Pseudo Matthaei, XIV), inspirada numa passagem de Habacuc (III, 2), ajoelhados e aquecendo com o bafo o recém-nascido deitado sobre as palhas, na manjedoura. A iconografia deste episódio emergiu apenas nos finais do século XV, impondo-se tematicamente em virtude das exigências da catequese e sob a influência determinante da *Adoração dos Magos. Admitiu-se que eram três os pastores e que representavam os judeus, enquanto os *Reis Magos simbolizavam os gentios. Os presentes que lhes foram atribuídos, não obstante mais humildes do que os oferecidos por aqueles, não seriam, porém, destituídos de sentido simbólico: o *cordeiro de patas atadas prefigurou o sacrifício de *Jesus (*Agnus-Dei); o *cajado indicava que seria pastor de almas; enquanto a flauta de cana sugeria que os seus discípulos «O seguiriam como a um novo Orfeu». A autonomização da Adoração dos pastores relativamente ao Presépio na produção pictórica portuguesa de quinhentos, ocorre em 1515, no retábulo do convento da Madre de Deus, saído da oficina lisboeta de *Jorge Afonso, eventualmente por influência da rainha D. Leonor, sua comitente e protectora de *Gil Vicente, em cujos autos (Monólogo do Vaqueiro e Auto de Mofina Mendes) o tema é glosado. O alegorismo imposto pelo *concílio de Trento, no quadro da Contra-Reforma, havia de privilegiar o *Bom pastor em detrimento da Adoração dos pastores, contribuindo, concomitantemente, para a popularização dos grandes presépios cenográficos de seiscentos e setecentos (Machado de Castro, António Ferreira, etc.). 80

Adoração dos pastores: iluminura do Missal Pontifical (séc. XVI) de Estêvão Gonçalves Neto. BIBLIOGRAFIA PEREIRA, Fernando António Baptista / FALCÃO, José António, Pintura Maneirista do Distrito de Setúbal I. Duas Adorações da igreja matriz de Santiago do Cacém, atribuídas a José de Escovar, in Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, s. 2, v. 2 1988), p. 165-186

ADOSINDA, SANTA Filha de Dom Guterres e Dona Aldara e irmã de *São Rosendo. Chegou a abadessa do mosteiro de Vilanova, distante meia légua do de Celanova. ADRAMELECH Grande chanceler do *Inferno, mencionado no cânone 7 do Concílio de Braga (560-563). Pode assumir a aparência de um *pavão. ADRIANO, SANTO Também denominado *Adrião. Provenientes de Roma, por oferta do Papa Leão III ao conde Servando, as relíquias de Santo Adriano deram entrada no mosteiro de Chelas, em 882, ano em que Lisboa foi tomada pelo rei das Astúrias,

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ADRIÃO, SANTO Afonso, o Casto. Companheiro de Natália de Nicomédia, comemorado no dia 16 de Junho, segundo o rito hispânico (calendário moçárabe de Córdova, de 961), e a 8 de Setembro (trasladação das suas relíquias), de acordo com o rito romano. Sob o nome de Santo Adriano corre nas miscelâneas sebastianistas a profecia : «Oh Portugal famoso / Na Era em que te dominar /Uma personagem cujo nome / Em si contiver as letras do título / De Xpº [Cristo] INRI / Serás cheio de prazer / Por que te virá dominar / Quem tens reputado por morto [BN: cod. 8627, fl. 473]. ADRIANO, PÚBLIO ÉLIO (76-138) Natural de Itálica, nas proximidades da actual Sevilha. Sucedeu a Trajano no ano 117, sendo considerado um dos mais notáveis imperadores romanos. Deixou fama de grande pacificador do Império e de administrador excepcional. A sua cultura enciclopédica originou que Tertuliano o descrevesse como «omnium curiositatem explorator». Em 123 conheceu Antínoo, bitínio que se tornou seu companheiro inseparável, morto no Nilo, em meados do ano 130, em circunstâncias misteriosas (acidente, auto-sacrifício destinado a prolongar a vida do imperador ou sacrifício ordenado pelo próprio imperador em obediência a oráculos?). Em consequência, Adriano decretou luto nacional, deificação do favorito, fundando em sua memória a cidade de Antinópolis (Egipto). Recentemente, no decurso de pesquisas arqueológicas levadas a cabo na vila de Adriano (cerca de 30 km a Leste de Roma), foi desenterrada uma estrutura semicircular interpretada como um templo edificado em honra do amante do imperador. O poema breve Animula vagula blandula, composto por Adriano, serviu de mote para a atmosfera melancólica da Alma minha gentil de Camões. Também na cultura nacional a relação passional Adriano-Antínoo constitui uma referência literária de contornos escandalosos: Abel Botelho (O Barão de Lavos, 1891), Teixeira Gomes (Cartas sem moral nenhuma, 1903), Fernando Pessoa (Antinous).

ADRIÃO Mestre da «Arte de Reymonde», i. e., da *Arte da Memória de *Raimundo Lúlio, testemunha de um emprazamento, datado de 1431 [ANTT: Col. Especial, caixa 142], feito pelo agostinho Frei Afonso de Lisboa, no convento lisboeta da sua Ordem, de umas casas sitas na freguesia de Santo Estêvão que pertenciam a Álvaro Vasques e sua mulher Maria Esteves (cf. Sousa Viterbo, Dicionário de Arquitectos, v. 3, Lisboa, 1922, n. 1035, p. 156-157). ADRIÃO, SANTO Também chamado *Adriano. Santo nativo de Nicomédia (na Bitínia), mártir com 23 companheiros do tempo de Diocleciano (303 ou cerca desse ano), cultuado no dia 16 de Junho, segundo o rito hispânico (calendário moçárabe de Córdova, de 961), e a 8 de Setembro (trasladação das suas relíquias), de acordo com o rito romano. Os mais antigos testemunhos do seu culto na Península Ibérica parecem remontar ao séc. VII (hinos Ierusalem Gloriosa, Mater una Martyrum e as doze orações do Oracional de Tarragona), tendo-se difundido sobretudo com a liturgia moçárabe. Os primeiros testemunhos epigráficos datam apenas do séc. X, num lintel de Faião (Terrugem, Sintra), talvez oriundo da cabeceira de um templo onde assinalava a invocação de um dos altares. Hagiotopónimos em Armamar (Viseu), Braga, Sever do Vouga (Aveiro), Ponte de Lima (Braga), Lousada (Porto), Famalicão (Braga), Quinta de Santo Adrião (Miranda do Douro, Bragança). Uma tábua (1170 x 670 mm) do retábulo (atrib. Cristóvão Vaz) da capela dedicada a Santo António por Francisco da Silva de Noronha, na matriz da Póvoa de Santo Adrião (Loures), figura um *exorcismo praticado pelo taumaturgo. O pároco desta freguesia afirma nas Memórias Paroquiais (v. 30, p. 1825-1828) que o padroeiro era invocado como «advogado dos quebrados e danados» e «das contra roturas». O Cancioneiro chamado de D. Maria Henriques inclui poesia religiosa que lhe é dedicada (Lisboa, 1956, p. 249, n. 79). No adro da igreja homónima do concelho de Felgueiras existe um cruzeiro cujo 81

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ADRO supedâneo apresenta historiado na face Norte o martírio de Santo Adrião: amarrado a uma árvore e desnudo, sendo seteado por um par de archeiros romanos. Ernesto Soares descreve dois registos que o iconografam, um deles acompanhado por Santa Natália. Além de um livro, o martelo é outro dos seus atributos. BIBLIOGRAFIA MATTOS, Armando de, O Martírio de Santo Adrião, in Museu, v. 4 (1945), p. 68-71; SERRÃO, Vítor, O Pintor Cristóvão Vaz, in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (1979), p. 29-30

ADRO Quiçá, a reminiscência do recinto sagrado onde se erguia a *ara (*altar) do altarium ou outeiro, delimitado, à semelhança do sacellum romano, e que recebeu na toponímia minhota o nome de crasto ou crastelo (claustrum ou crastrelum), cristelo e castelo. Lugar a partir do qual

se avista o céu aberto, ou pórtico do templo, por onde se acede ao corpus mysticum. A proximidade dele originou que o adro se tivesse transformado em cemitério. Outrora, a solidariedade entre vivos e mortos, consubstanciava-se em diversas celebrações, as mais expressivas das quais eram o *dia de Finados e o culto das *almas do purgatório, para cujo efeito, em muitas freguesias tinha lugar uma procissão dominical que consistia em andar «na igreja sobre as sepulturas e se houver defuntos no adro e o tempo o permitir sairá também fora». António Ribeiro Chiado escreve a propósito dos suícidas e loucos de amor não poderem ser enterrados em chão sagrado: «[...] Olha que é grande pecado / morreres desesperado, / pois nem em adro nem igreja / poderás ser enterrado» (cf. Auto da Natural Invenção, Brasil, 1968, p. 51). Os trovadores galaico-portugueses chamavam sagrado a

O adro da Basílica de Mafra é formado por dois corpos tangentes, um quadrangular, outro semicircular, na razão, respectivamente, do mundo físico (espaço com seus quatro horizontes) e do mundo espiritual (tempo, ritmado pelo movimento circular dos astros). No centro, o Astro Rei (clone e duplicado do Rei Astro, Dom João V) expede os seus raios em todas as direcções, evocando a imagem de uma roda e desenhando imensa máquina de que o monarca é, concomitantemente, o motor e o eixo, centro imóvel e módulo regulador. Em torno a si evoluem mais ou menos rapidamente, conforme a proximidade ou afastamento, os grandes e os pequenos, numa espécie de fototropismo face ao Corpo glorioso do Sol monárquico, o qual, à semelhança de um relógio, ordenada e cerimonialmente os rege, enquanto membros do seu corpo simbólico.

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ADULTÉRIO este local que lhes servia de cenário para darem louvores a Deus, de resto, como preconizava o Salmo, CL, 3: «[...] louvai-O com a harpa e a cítara, louvai-O com tambores e com danças». Quadra: «Ó adro, terra de igreja, / Onde se enterram os mortos; / Naquela relvinha verde / se consomem lindos corpos» (cf. Tomás Pires, Cantos Populares Portugueses, v. 1, p. 350). ADUFE Do árabe, adduff. Pandeiro bi-membranófono (pergaminho) quadrangular, possuindo no interior um cascavel ou soalhas enfiadas em arames perpendiculares, o qual é tocado com todos os dedos, excepto os polegares, que o sustêm. Instrumento exclusivamente destinado a uso cerimonial e apenas em mãos femininas, citado em diversas passagens do Antigo Testamento: Êxodo (XV, 20: «Maria a profetisa, irmã de Aarão tomou nas suas mãos um adufe e todas as mulheres a seguiram com adufes e dançando em coro»), Juízes (XI, 34), Isaías (V, 12 e XXIV, 7-9), Jeremias (XXXI, 4-5), Salmos (LXXXI, 2), 1 Samuel (X, 5 e XVIII, 6-7), etc. Jorge Ferreira de Vasconcelos: «Onde vai mulata com adufe, que se derrete toda no canário» (Comédia Ulisipo, acto 4, cena 4). Outrora muito comum em Portugal, nas folias do Espírito Santo, o seu uso persiste em alguns Estados do Brasil, onde é denominado *adufe da folia, sendo tocado pelos foliões, a par da *caixa da folia, para anunciar a passagem da *folia do Divino (cf. Gastão de Bettencourt, Flagrantes do Folclore do Brasil, Coimbra, 1954, p. 74-75). ADULTÉRIO Infidelidade conjugal condenada pelo sexto mandamento (*fornicação). Consoante os ditames da Lei mosaica a mulher suspeita de adultério devia ser julgada pela prova da «água do ciúme» (Números, V, 11-31), enquanto a comprovadamente adúltera seria lapidada (Deuteronómio XXII, 22-23). No Novo Testamento só S. João se refere à questão (VIII, 1-11), narrando o episódio em que Jesus convida os fariseus não pecadores a atirarem a primeira pedra a uma mulher acusada do delito, aludindo assim

à gratuitidade do perdão preconizado pelo cristianismo. O direito distinguia o adultério simples (quando apenas um dos intervenientes era casado) do adultério duplo (quando ambos os transgressores da dimensão sacramental do matrimónio viviam em pecado mortal). As Constituições do bispado do Porto, de 1541, no Título dos barregueiros, proibia aos homens casados ter mancebas e aos solteiros concubinas. A omissão do adultério feminino ficou, decerto, a dever-se à circunstância de serem reputadas suficientes as severas disposições das leis gerais do Reino. A primeira legislação portuguesa aplicável ao adultério remonta a D. Dinis. D. João I inclui-lo-ia entre os crimes de maior gravidade. Apesar de severa, a lei permitia que o marido ultrajado se lhe sobrepusesse, concedendo-lhe a possibilidade de perdoar à esposa adúltera (Ordenações Afonsinas, liv. V, t. VII, p. 34). Aos maridos infiéis a lei cominava, no mínimo, três anos de degredo em Ceuta (a «ida contra o turco», das cartas de perdão quatrocentistas). Já as Ordenações Manuelinas permitiam ao marido, «ofendido na sua honra», matar a adúltera e o seu amante, em caso de flagrante delito, não sendo este pessoa de qualidade. Nos Açores realizava-se a tosquia da adúltera (cf. Luís da Silva Ribeiro, Velhas Leis e Velhos Costumes da poesia açoriana, in Revista dos Açores, v. 1, 1935, p. 99112). Ferro em brasa levado nas mãos ou calcado aos pés, servia para descobrir a inocência ou culpa de alguém acusado de adultério, consoante ficava ileso ou lesado. Para demonstrar a sua inocência no adultério de que era acusada, conservou-se durante muitos anos, junto ao sepulcro de Dom Garcia Martins, comendador de Leça, um ferro de arado que a mulher de um ferreiro levou em brasa até áquele mosteiro sem a mais leve queimadura (cf. Agiológio Lusitano, 1 de Maio, letra G). Brandão (Monarquia Lusitana, terceira parte) alude a caso idêntico sucedido com Dona Tareja Soares (1254). Em Vila Velha de Ródão os tremores de terra são castigos de amores ilícitos (cf. P. C. Soromenho, Lendário Rodanense, lenda n. 4). Quando consumado com uma religiosa professa, o adultério dizia-se cometido contra Deus. Mulheres adúlteras são 83

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ADURENTE personagens de Cantigas de Escárneo trovadorescas, da Farsa de Inês Pereira e do Auto da Índia de Gil Vicente. No Romanceiro tradicional o amor adúltero é o tópico central do argumento dos Romances de Claralinda, Dona Olívia, O Conde da Alemanha, Frei João, Bernal Francês, A Filha do Ermitão, A Condessa traidora, Landarico, O Gato do convento e as Bodas em Paris (cf. Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna: versões publicadas entre 1828 e 1960, v. 3, Lisboa, 2000, p. 9-219, n. 782-998). No primeiro quartel do século XVIII, o crime de adultério valeu a Gaspar Gernandes (de Bragança) a pena pecuniária de três mil e quinhentos réis, cominada por um visitador (Belarmino Afonso, Livros de Devassa e Etnotextos, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 2-4, 1985, p. 356). O poeta *Belchior Manuel Curvo Semedo, denunciado ao Santo Ofício, em 19 de Novembro de 1819, era acusado da seguinte blasfémia, entre outras: «[…] que Nosso Senhor Jesus Cristo é filho adulterino porque sendo Nossa Senhora casada com São José se tinha copulado com o Espírito Santo» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 17610]. *Idolatria e *apostasia são formas de adultério espiritual (Jeremias, III, 6, 8 e 9; Ezequiel, XVI, 32; Oseias, I, 2-3; Apocalipse, II, 22). *Açúcena, *alcoviteira, *assuada, *bigamia, *castração, *cuco, *violação. BIBLIOGRAFIA LIMA, Augusto César Pires de, O adultério na literatura popular, in Lusa, v. 1 (1917-18), p. 170-173 [Relato de quatro histórias populares, em que figuram padres adúlteros]; idem, Maridos cucos: subsídios para um estudo sobre o adultério nas tradições populares, in Portucale, s. 2, v. 1 (Fev. 1946), p. 27-34

ADURENTE Segundo Bluteau «diz-se das águas e medicamentos que calcinados e sublimados adquirem tanto calor que queimam como fogo, não actual, mas potencial». O termo é utilizado por Madeira Arrais (cf. Methodo de conhecer e curar o Morbo Gallico, parte 2). ADUSTAÇÃO *Adustão. 84

ADUSTÃO O mesmo que *adustação. Termo utilizado por Madeira Arrais (cf. Methodo de conhecer e curar o Morbo Gallico, parte 2). Segundo Bluteau, diz-se «quando com a preparação de repetidas calcinações e sublimações se separam e se consomem do azougue, antimónio, etc., as partes sólidas de maneira que fica brando, frio o medicamento». ADVENTO O Tempo de Advento assinala o início do ano eclesiástico (cujo término cai no sábado após o 24º domingo depois do *Pentecostes), correspondendo ao período de preparação para a *Natividade de *Jesus. Abrange os quatro domingos imediatamente anteriores ao Natal, podendo o primeiro desses domingos cair entre 27 de Novembro e 3 de Dezembro, inclusivamente, e o derradeiro até 24 de Dezembro. Na liturgia do Advento não é permitido o toque de órgão. Outrora, o jejum e a penitência começavam no *São Martinho, sendo obrigatórios durante todo o Tempo de Advento, o qual era por esse motivo designado Quaresma de São Martinho. Anexins: Tudo vem em seu tempo e os nabos [ou a arraia], pelo Advento; No Advento a lebre no sarmento. ADVERSÁRIO Em hebraico, satan. Oponente (1 Reis, V, 4; XI, 14, 23 e 25; Lucas, XIII, 17), alguém que fala contra outrém, queixoso (Mateus, V, 25; Lucas, XII, 58), um inimigo (Lucas, XVIII, 3) e, designadamente, o *diabo (1 Pedro, V, 8). ADVOGADO Em grego, parakletos. Alguém que defende a causa de outrém, que ajuda alguém, defendendo-o e confortando-o. Designação três vezes adoptada por *Jesus para nomear o *Espírito Santo (João, XIV, 16; XV, 26 e XVI, 7). Termo aplicado a Cristo (1 João, II, 1). BIBLIOGRAFIA CARDOSO, padre Luís, Receita Universal ou Breve Noticia dos Santos especiaes, advogados contra os achaques, doenças, perigos, e infortunios, a que ordinariamente vive sujeita a natureza humana, tomo I, Lisboa Ocidental, 1727

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AEROSTATAÇÃO ADVOGADO DO DIABO O advocatus diaboli é, na Igreja Católica, aquele que apresenta objecções à canonização de alguém com fama de santidade. Opõe-se ao advocatus Dei, encarregado de promover as diligências conducentes a tal desiderato. AERNO Deus dos Calaicos, citado por Estrabão (Geografia, III, IV, 16). Divindade aquática, referenciada em Castro de Avelãs (Bragança), junto a um banho de águas minerais (duas lápides, das quais apenas uma foi recolhida no Museu Martins Sarmento [CIL, II, 2607], considerando-se perdida a outra [CIL II, Supl. 5651]), e em Macedo de Cavaleiros (Museu Abade de Baçal). Além destas são conhecidas mais quatro epígrafes: três no Museu de Santo Domingo (Pontevedra) e outra encontrada em Cereza (Cáceres). BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Monumento inédito ao deus Aerno, in O Arqueólogo Português, v. 13 (1908), p. 184186; BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 56; VASCONCELOS, J. Leite de, Religiões da Lusitania, v. 2, Lisboa, 1905, p. 338-340

AEROFORMA Nuvem muitas vezes associada a epifânias marianas. AERÓLITO Pedra ou meteorito cuja origem se presume divina e, por conseguinte, digna de veneração. *Bétilo, *pedra de raio.

da), a 3 de Abril de 1784, sob a direcção do Padre João Faustino. Em 1794, o capitão Vicenzo Lunardi (1759-1806) efectuou, no Terreiro do Paço, uma ascensão descrita por diversos observadores, a qual terminou com a queda do balão em Vendas Novas e a prisão do aeronauta italiano às ordens de Pina Manique, o qual proibiria os espectáculos aerostáticos, cuja moda foi ridicularizada por Nicolau Tolentino, entre outros autores nacionais que exploraram jocosamente o tema. Os franceses Charles e Robert realizariam nova experiência, em 1812. Sete anos volvidos, Eugéne Robertson (1800-1838) saía das Amoreiras para Sintra (Galamares), concretizando, no mesmo ano de 1819, um salto em «guarda quedas» (pára-quedas). No ano seguinte (no dia 25 de Junho), repetiria a proeza na cidade do Porto (Quinta do Prado). Outros aeronautas que realizaram ascensões em Portugal, até 1900: Vicente Coelho Seabra e três outros estudantes, discípulos de Domingos Vandelli (Coimbra, 25 de Junho de 1784); Madame Bertrand Sanges (Lisboa, 1850); casal Louise e Eugéne Poitevin (1857); Emilien Castanet (6 ascensões, no Porto, em 1883 e 1884: na 3ª, realizada a 3 de Fevereiro de 1884, embarcou a 1ª mulher aeronauta portuguesa, Iva Ruth Guerreiro); Estevan Diaz (7 ascensões em Lisboa, todas frustradas, entre 1883 e 1889); Henri Beudet (10 ascensões, no ano de 1884, em Lisboa, Porto e Braga); Émile Allier (ascensão nocturna, a 13 de Julho de 1884, entre Lis-

AEROMANCIA Arte de predizer o futuro, mediante a observação dos fenómenos atmosféricos (variações atmosféricas ou espectros evocados no ar). AEROSTATAÇÃO A história da aerostatação principia com as doutrinas expostas por Bacon, Galiano (1670), pelo *Padre Bartolomeu de Gusmão (1709), inventor da *Passarola, e pelos irmãos Montgolfier (1783). O balão livre fez a sua primeira aparição em Lisboa (jardins do Palácio da Aju-

Bilhete de ingresso na plateia do anfiteatro montado no Terreiro do Paço, de onde Vicente Lunardi saiu, em 24 de Agosto de 1794, para a sua viagem aérea nos céus de Lisboa.

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AFABILIDADE boa e Alcochete); Abreu de Oliveira (Tapada da Ajuda, 17 de Maio de 1884); António Infante (recebeu o baptismo do ar no balão pilotado por Henri Beudet que, em 11 de Maio de 1884, sobrevoou Lisboa; realizou ca. 400 ascensões no estrangeiro); Angel Pastor (4 ascensões, entre 1885 e 1889, em Lisboa e Almada); Felix Barreau (14 ascensões, em Penafiel, Porto, Braga, Coimbra, Leiria e Lisboa, entre 12 de Novembro de 1887 e 26 de Maio de 1888); Émile Julhés (ca. 20 ascensões, em Lisboa e Porto, entre 13 de Junho e 4 de Outubro de 1891); Jean Llavier (3 ascensões no Palácio de Cristal do Porto, entre 25 de Outubro e 8 de Novembro de 1891); José Budoy (Elvas, 8 de Dezembro de 1891); Charles Porlié (ca. 10 ascensões em Lisboa, 1893); Eugéne Godard (6 ascensões em Lisboa, 1894); Juan Contreras (5 ascensões no Porto, Nelas, Vizela, Espinho e Almada, entre 18 de Agosto de 1895 e 8 de Agosto do ano seguinte); Luís Faure (várias demonstrações nos Açores, 1900); Cipriano Jardim (1841-1913), uma das glórias da aeronáutica portuguesa. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Tratado das maquinas aerostáticas, com a escripção da Maquina Aerostática do capitão Lunardi, do Terreiro do Paço, e com a história dos mais famosos Aerostáticos, e viagens aéreas que se tem [feito] desde a sua invenção até agora, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1784; ANÓNIMO, Descripção da viagem aérea do capitão Lunardi, feita a 24 d Agosto de 1794, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1794; ANÓNIMO, Relação da terceira viagem aerostática de mr. Eugénio Robertson, dirigida por seu pae e executada no Porto no dia 25 de Junho de 1820 em memoria do nome de S. Magestade Fidelíssima, rei do Reino Unido, Porto, 1820; ANÓNIMO, Balões aerostáticos, in Panorama (1843 e 1844); BENEDY, José do Patrocínio, Dois projectos de direcção de aeróstatos, 1895 [BN: cod. 1419]; BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du, Elogio poético do capitão Lunardi, Lisboa, 1794; CARVALHO, Francisco Freire de, Memória que tem por objecto revindicar para a nação portuguesa a gloria da invenção das machinas aerostaticas, in Memórias da Academia Real das Ciências, s. 2, v. 1, parte 1 (1843); idem, Additamento à dita Memoria, in Actas da Academia Real das Ciências, v. 1 (1849), p. 193-219; CARVALHO, Rómulo de, História ds Balões: ciência para gente nova, Coimbra, Atlântida Editora, 1976; CASTILHO, Alexandre Magno de, Os Aerostatos, in Os Fastos de Ovídio (trad. António Feliciano de Castilho), v. 1, p. 546-565; COSTA, J. Daniel R. da, O Balão aos Habitantes da Lua: poema herói-cómico em um só Canto, Lisboa, 1819; FERREIRA, Joaquim Guilherme Diniz, Aeronáutica Portuguesa (elementos básicos de História), Lisboa, 1961; FOND (ou DUFOND), J. Roberto du, A Máquina Aerostática: poema épico dedicado a si mesmo, Lisboa, 1787; FRANZINI, Marino Miguel, Relação da via-

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gem aerostática feita em Lisboa no dia 14 de Março de 1819 por Eugénio Robertson, e dirigida por seu pai Estêvão Gaspar Robertson, membro da Sociedade Galvânica de Paris e da Academia das Sciencias de Hamburgo, offerecida á Academia das Sciencias de Lisboa, Lisboa, Impressão Régia, 1819; JALLES, João Maria, Os Balões em Portugal, Lisboa, 1887; LIMA, Henrique de Campos Ferreira, Os Aeronautas Robertson em Portugal, in Feira da Ladra, v. 4 (1932), p. 54-61; [LUNARDI, Vicente], A Viagem Aérea do Capitão […] por elle escripta, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1794; MACEDO, J. Agostinho de, Epístola ao Senhor Stockler sobre a Viagem Aérea do Capitão Lunardi, Lisboa, 1794; R., M. L., Discursos populares observados pelo poeta pasquino […] a respeito da machina aerostática, Lisboa, António Gomes, s. d. [1794?] [24 oitavas rimadas]; RIBEIRO, Mário de Sampayo, Pina Manique e a Ascensão de Lunardi, in Revista Municipal, a. 13, n. 53 (2º trimestre 1952), p. 17-23; [ROBERTSON, Eugénio], Programa da ascensão aerostática e descida em guarda quedas que ha de fazer mr. Robertson na quinta do Ex.mo Visconde da Bahia, Entre-Muros, domingo 5 de Dezembro de 1819, in Revista Universal Lisbonenese, v. 9, p. 417-418; SEQUEIRA, Gustavo de Matos, Aeronautas e Balões, in Relação de vários casos notáveis e curiosos sucedidos em tempo na cidade de Lisboa [...], Coimbra, 1925, p. 21-50; UM ANÓNIMO SEU AMIGO, Elogio dirigido ao sr. Capitão Vicente Lunardi, em congratulação do feliz sucesso que obteve na sua aérea digressão, Lisboa, Lisboa, António Gomes, 1794 [poema em versos hendecassílabos pareados]

AFABILIDADE Título de uma das estátuas alegóricas (1827) de João José de Aguiar patente no Palácio Nacional da Ajuda. Representa uma figura feminina

A Afabilidade, um dos atributos da Realeza, consoante a doutrina do monarquismo constitucional português.

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AFITO togada e coroada com uma grinalda de flores, ostentando uma rosa na mão direita. AFAÚLAR Conversa que as crianças guardadoras de gado entretêm com ele. O mesmo que *afoular. *Aboiar. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Padre Agostinho de, Afaular ou Afoular, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 18-19

AFILHADO DA PONTE Uma crença tradicional afirma que se o *diabo apadrinhar no ventre materno uma menina, ela será feiticeira, se um rapaz, ele será *bento, *saludador ou *menino de virtude, ficando capacitado para *ver na água e curar muitas enfermidades. Porém, nem sempre uma futura mãe precisa de fazer pacto expresso com o diabo para obter a sua protecção. Muitos locais, em regra próximos de água, rios, ribeiros ou fontes gozam do privilégio de ter pacto tácito, razão por que quem a eles recorrer assegura que o seu filho há-de de nascer com vida. Dois dos exemplos mais célebres são a fonte santa da Luz, também denominada fonte de Nossa Senhora da Luz (Monchique), e a *ponte da Misarela sobre o Rabagão (Guarda). No primeiro caso, a futura mãe terá de banhar-se nessas águas, à meia noite, de preferência na véspera do *São João, do *Natal ou do *Ano Novo. No segundo caso, o feto ainda no ventre materno receberá o baptismo sobre a ponte da Misarela, ela própria obra do diabo, tornando-se afilhado da ponte: a futura mãe em adiantado estado de gravidez, acompanhada pelo marido e outros familiares, pernoita debaixo da ponte. A primeira pessoa a atravessá-la é convidada para padrinho ou madrinha da criança, não podendo recusar. A água lustral é retirada do Rabagão num púcaro de barro preto da região, atado a uma corda. Aspergindo o ventre da grávida, o padrinho diz solenemente: «Eu te baptizo, criatura de Deus, pelo poder de Deus e da Virgem Maria, se fores rapaz serás Gervaz, se fores rapariga, serás Senhorinha», após o que todos rezam em coro um Padre-Nosso e uma Ave-Maria. Depois do nascimento realiza-se o baptismo

cristão da criança, geralmente apadrinhada pelos mesmos que estiveram na ponte, podendo os nomes ser alterados se isso for do agrado dos pais e dos padrinhos. Todas as crianças vivas graças à madrinha reúnem-se uma vez por ano para agradecer-lhe e presenciar novos baptizados. *Baptizado da meia noite, *ponte macha. BIBLIOGRAFIA CAPELO, Vital, Algumas achegas sobre a ponte da Misarela, in Barrosânia, n. 7-8 (1991), p. 9-12; SILVA, Joaquim Lino da, Lenda e prática da ponte da Misarela, in Barrosânia, n. 6 (1990), p. 23-44

AFINIDADE Relação do pensamento de um indivíduo com o do seu magnetizador, durante a hipnose (cf. E. Boirac). AFITO O mesmo que *aflito. Doença das crianças que se manifesta sob a forma de dores no ventre, diarreias, vómitos e cólicas. O ventre eleva-se-lhes, ficando com a aparência de oco. Na Mexilhoeira Grande (Portimão) era prescrito um *unguento preparado mediante a seguinte fórmula: tomavam-se pomplos (rebentos) de silva e marmeleiro, folhas de gala-crista (erva) e casca de laranja, fritando-se tudo em azeite doce; depois da fritura extraíam-se as folhas de *galacrista, deitando-se cera-bela (cera de vela que tivesse alumiado nas *Endoenças). Uma vez obtido o unguento aplicava-se durante nove dias, untando-se o ventre e as costas de manhã e à noite. Para o afito provocado por *mau-olhado ou pela Lua, usa-se na mesma localidade o ensalmo: «F[...]! Jesus que é nome de Jesus! / Onde está Jesus não entra mal nenhum ! / Dês te fez, Dês te criô! / Perdôi Dês a quem te mal ôlhô! / te benzo deste quebranto / E desse quebrantal, / Dessa Lua e desse luar / E desse afito e desse afital ! / te benzo desde o alto da cabeça pelas conjunturas do tê corpo, das tuas palmas das mãos até às solas dos tês pés: este mal seja tirado. / Em louvor de Dês e da Virgem Maria / Padre-Nosso e Ave-Maria!». As fórmulas variam consoante a benzedeira: «Eu te benzo aflito com a santa Segunda feira, com a santa Terça feira, com a santa Quarta feira, [etc.], com o 87

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AFLITO santo Domingo, como a Virgem Maria benzeu o seu Santo Filho, que ela te queira livrar deste mal e este aflito, deste costado e deste ventre, que te saia por este umbigo, que neste corpo não faça perigo; Jesus que é nome de Jesus, onde está o nome de Jesus não entra mal nenhum». Na Vidigueira chamam afito à enterite infantil, a qual se cura, dizem, com benzeduras. AFLITO *Afito. Eis uma benção para cortar o aflito: «Jesus que é o nome de Jesus, eu benzo este aflitado, este aluado, este encarniçado e este assombrado em nome de Deus Filho e de Deus Espírito Santo, as pessoas da Santíssima Trindade, com as areias do mar, em louvor de Deus e da Virgem Maria, com um padre nosso e uma ave-maria» [BPÉv: cod. CVII/1-5, fl. 206--206v]. Em caso de persistência do mal de aflito preconizava-se que a criança fosse conduzida até à porta de uma igreja, de preferência entre as 23 horas e a meia noite, sendo introduzida numa rosca de massa de pão suficientemente larga para permitir a sua passagem, enquanto se invocava a Virgem das Necessidades: «Virgem mãe de Deus, sois vós virgem e mãe de Deus, acudi a esta necessidade, se acaso fores servida, sejais madrinha intercessora diante de vosso precioso filho» [idem, fl. 204-205v]. Passava-se a criança cinco vezes pela rosca de pão, repetindo a invocação outras tantas vezes. No fim, a rosca era partida em cinco pedaços, em honra das *cinco chagas de Cristo. *Desensarilhar, *Susana Gonçalves. AFLITOS 1. Invocação mariana. Ernesto Soares descreve registo que se reporta à imagem aparecida em 1833 na freguesia de Santa Maria, sobre uma árvore de Pecarinos (Murça, Vila Real), a qual é festejada no último domingo de Agosto. 2. Invocação do Menino Jesus que, outrora, era venerado na capela de São Roque, do Arsenal Real da Marinha. Ernesto Soares descreve um registo datado de 1860 que o iconografa: o Menino coroado, ricamente vestido, segura na 88

mão direita o seu Sagrado Coração e na esquerda uma coroa de flores. 3. Invocação do Senhor Jesus, inspirada no Salmo XIII. Ernesto Soares descreve diversos registos representando distintas imagens desta invocação veneradas em santuários nacionais: ermida da Enfermaria dos Arrábidos junto ao Hospital Real de São José; Igreja de São Crispim (Lisboa); Mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa; Igreja de Nossa Senhora da Saúde (Lisboa); Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Borba; Real Mosteiro do Santíssimo Sacramento de Alcântara; Cruz Quebrada e Igreja de Valadares (Gaia). Romarias: Vale de Salgueiro (Mirandela), no 3º domingo de Agosto e sábado anterior; Cruz (Vila Nova de Famalicão), no dia da festa litúrgica se Santiago (25 de Junho); Canelas (Vila Nova de Gaia), à capela do Senhor dos Aflitos e da Senhora das Dores, reedificada em 1883, cujos antecedentes se acham relacionados com o nicho do Senhor das Bocas, assim denominado em virtude de saírem do pé da cruz três bicas de águas santas; Chãs de Tavares (Mangualde), penedo santificado, estação derradeira de uma *Via-Sacra; Fortios, ao santuário do Senhor Jesus dos Aflitos, cujas origens remontam a 1713 (Portalegre). No convento escalabitano de São Domingos foi venerada uma imagem do Senhor dos Aflitos, à qual, consta (João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 228), cresciam a barba e as unhas dos pés. A revista Lusa (v. 2, 19181919, p. 93), de Viana do Castelo, reproduz, na sua rubrica Arquivo Etnográfico, um recorte de jornal referindo o caso de uma anciã que submergiu uma imagem do Senhor dos Aflitos em água, para o obrigar a cumprir uma promessa. Na encosta Sudeste do Monte do Senhor dos Aflitos (Arouca, Aveiro) existe o *menir fálico de granito, de Alvarenga, distante cerca de 500 metros da mamoa do Senhor dos Aflitos. BIBLIOGRAFIA BERNARDO, Bonifácio, Senhor Jesus dos Aflitos: Origens (1713-1845), Portalegre, 2000; COSTA, Francisco Barbosa da, Breve história da capela do Senhor dos Aflitos, in Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia, n. 24

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AFONSO, GONÇALO (1988), p. 78-81; RIBEIRO, Margarida, Notas de Viagem, in Ethnos, v. 4 (1985), p. 301

AFOGADOR O mesmo que *abafador, na Covilhã e em Penamacor. AFOGAMENTO Quando alguém se afoga num rio e o cadáver desaparece, coloca-se uma vela num pedaço de cortiça e lança-se à água, no sítio onde a criatura se deitou a afogar. A cortiça é impelida pela corrente até ao local onde o cadáver se encontra, detendo-se aí e descrevendo círculos (cf. Crucho Dias, Etnografia Marcoense, in O Marcoense, 23 Jul. 1938). Em Barcelos, para recuperar afogados, diz-se: «A terra tu venhas com o corpo».

AFONSO, CATARINA Curandeira do séc. XV. Queixava-se de ouvir dizer de si que se fazia de *mestra não o sendo, e que curava muitas enfermidades com beberagens que dava aos doentes (cf. Sousa Viterbo, Arquivos da História da Medicina, nova série, v. 3, p. 70). AFONSO, DIOGO Lavrador quinhentista, natural de Beja e ateu. Segundo o libelo acusatório sustentava que «não havia senão nascer e morrer [...], que juntamente com a vida fenecia a alma racional e que nenhuma diferença havia na morte dos homens mais que na de todos os animais brutos, nos quais juntamente com o corpo fenece a alma sensitiva». Acrescentava com ironia que, depois de morto, ninguém viera do outro mundo dar novas do que lá se passava. Os inquisidores concluíram que da circunstância de o réu não acreditar na ressurreição dos mortos, no *Inferno, no *Paraíso, ou no *Purgatório, decorriam muitas proposições heréticas, pelo que, como negativo, o condenaram à pena máxima [ANTT: Inq. Évora, proc. 2736]. BIBLIOGRAFIA COELHO, António B., Inquisição de Évora, v. 1, Lisboa, 1985, p. 241.

Sambenito dos afogueados, com fogo revolto (gravura setecentista).

AFOGUEADO Réu do Santo Ofício que, após condenação à morte, tinha a pena comutada em outra mais suave em resultado de alguma confissão considerada oportuna. No *sambenito, em substituição das aspas comuns aos condenados à fogueira, ostentava labaredas invertidas, chamadas *fogo revolto, as quais significavam que escapara a tal suplício. Locuções: sair afogueado; sair com fogo revolto. AFONSO *Adivinhão saído num auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, em 1582 (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares).

AFONSO, DOMINGAS Viúva de Manuel Moreira, da localidade de Carreço (Viana do Castelo), denunciada na visitação de 1700, em Vinha. Era benzedeira e usava de mezinhas proibidas pela Santa Madre Igreja, além de malfalante [ADBr: VD, n. 642, fl. 64v-66]. AFONSO, GONÇALO *Feiticeiro, residente em Nogueira (Bragança). Fora preso uma primeira vez, em 1497 ou 1498, e condenado a ser açoitado publicamente. Era acusado de dar «ervas colhidas no dia de São João aos homens para haverem graça com seus senhores e às mulheres com seus maridos e bem assim que benzia de [mau] olhado». Evadira-se da cadeia com outros presos, tendo andado a monte por Castela. Posteriormente, tornara-se eremitão. Capturado, em 1506, encon89

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AFONSO, JORGE trava-se detido no ano seguinte, quando solicitou a Dom Manuel carta de perdão abrangendo a prática dos «malefícios e fugida da cadeia», pretenção deferida pelo monarca, a 13 de Fevereiro, na condição de Gonçalo Afonso pagar mil reais para obras de piedade [ANTT: Chancelaria de Dom Manuel, liv. 37, fl. 130]. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 344-345

AFONSO, JORGE (ca. 1470-1540) Cunhado de Francisco Henriques, tio de Garcia Fernandes e sogro de *Gregório Lopes. Dom Manuel nomeou-o, a 9 de Agosto de 1508, seu pintor, com o encargo de examinador e veador de todas as obras de pintura, submetidas a seu exame e avaliação. Auferia com este ofício e o cargo de Arauto Malaca (1515) dez mil reais por ano (1516), pagos pela Casa da Mina, cabendo-lhe ainda o ofício de recebedor do azul (lapis lazuli dos lapidários) que se extraía das minas de Aljustrel (1521). D. João III confirmá-lo-ia como pintor régio, a 9 de Dezembro de 1529 [ANTT: Chanc. D. João III, doações, liv. 39, fl. 76r]. O seu testamento indicia uma indesmentível posição de vulto nos círculos cortesãos. Não é de excluir uma formação flamenga e alemã, evidenciada na obra que lhe anda atribuída. Pelo seu atelier, sito ao Rossio, em casas aforadas ao mosteiro de São Domingos, passaram quase todos os pintores de nomeada da geração que lhe sucedeu: quer Gregório Lopes e Cristóvão de Figueiredo, quer Gaspar Vaz, Pero Vaz e Garcia Fernandes (estes segundo documento publicado por Viterbo). Muito embora careça de comprovação documental (porquanto apenas se encontra atestada a sua presença em Tomar, no ano de 1513, para pintar e estofar «grades» da Charola), é admissível a atribuição à sua oficina de, pelo menos, quatro das tábuas (Cristo e o Centurião, Ressurreição do Filho da Viúva de Naim, Entrada em Jerusalém e Ressurreição) destinadas aos oitavos da charola do Convento de Cristo (1513-1515). Pintou o retábulo (desaparecido) da igreja da Conceição dos freires de Cristo, em Lisboa 90

[ANTT: Corpo Cronológico, p. 2, maço 86, doc. 22], dando parecer sobre o cadeiral iniciado por Olivier de Gand para o coro de Tomar, após o falecimento deste. São-lhe também creditados: os retábulos da Madre de Deus (formado por oito tábuas, de que se destacam a Aparição de Cristo à Virgem, tábua em cujo eixo se observava o 515 [Il messo di Dio também denominado *Quinhentos e quinze], posterior e abusivamente transformado por mestre Luciano Freire em 1515, e um *Pentecostes), e da igreja do Convento de Jesus de Setúbal (quatorze painéis, realizados entre 1520-1530), «gémeos na encomenda, em diversas soluções formais e iconográficas e até em determinadas vicissitudes históricas (como, por exemplo, o sentido de certos repintes censuradores sofridos, por painéis de ambos os conjuntos, durante a época fi-

Cristo e o Centurião, da Charola de Tomar, atribuído a Jorge Afonso. Segundo Dagoberto Markl, o cão e o símio serão uma transposição dos versículos XII e XIII do Evangelho de S. Mateus, alusiva à luta escatológica entre o Bem e o Mal.

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AFONSO, MARIA lipina)», consoante opinião expendida por Fernando António Baptista Pereira (O Museu do Convento de Jesus de Setúbal, Lisboa, 1990, p. 80-81). Nestes retábulos é possível identificar três histórias, começando pela fiada superior: da Paixão de Cristo; a do Calvário; a da Infância de Jesus ou das Alegrias da Virgem. A série que constituía a predela figurava Santos Franciscanos. Outras obras que lhe são atribuídas: Cristo da Abissínia [col. part.] e São Pedro Mártir [MNAA]. Ainda em 1540, ano do falecimento do pintor, ele se mantinha activo (como testemunha Garcia Fernandes numa petição a Dom João III), intervindo no movimento artístico e apontando quem julgava apto para o desempenho de determinados cargos oficiais, circunstância que abona a posição cimeira que ocupou no panorama da pintura portuguesa da primeira metade do século XVI. BIBLIOGRAFIA COUTO, João, A data num painel da Igreja da Madre de Deus, in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, v. 1, n. 3 (1940); FREITAS, Lima de, 515, Le lieu du miroir: art et numérologie, Paris, 1993; idem, 515: o Lugar do Espelho – arte e numerologia, Lisboa, 2003; GUSMÃO, Adriano de, O Mestre da Madre de Deus, Lisboa, Artis (n. 17), 1960; MARKL, Dagoberto / PEREIRA, Fernando António Baptista, A Pintura num período de transição, in História da Arte em Portugal, v. 6, Lisboa, 1986; PEREIRA, Fernando António Baptista, Jorge Afonso, in Grão Vasco e a Pintura Europeia do Renascimento, Lisboa, 1992, p. 341-346; REIS SANTOS, Luís, Jorge Afonso, Lisboa, Artis (n. 21), 1966; idem, Pintura dos Mestres do Sardoal e de Abrantes, Abrantes, 1971; SANTOS, Reinaldo dos, O Retábulo joanino da Madre de Deus, in Belas Artes, n. 16-17 (1961); SERRÃO, Vítor, Confluência e confronto de correntes estéticas na pintura do Renascimento Português, 1510-48, in Grão Vasco e a Pintura Europeia do Renascimento, Lisboa, 1992, p. 256; VITERBO, Sousa, Notícia de alguns pintores, Lisboa, 1903, p. 8-25

AFONSO, LEONOR Acusada de *feiticeira e *alcoviteira. Apesar de posta a tormentos nada confessou, tendo sido degredada e, ulteriormente, perdoada por Afonso V (carta de perdão de 4 de Abril de 1440, in Chancelaria Afonso V, livro 20, fl. 62v). AFONSO, MANUEL 1. Conhecido por Sábio de Vila Draque (Paços, Melgaço). Natural de Castro Laboreiro, falou no ventre da mãe, circunstância que lhe conferiu a virtude, manifestada aos seis anos de ida-

de, de adivinhar (mediante *cartomancia) e curar. Informa Leite de Vasconcelos (Etnografia Portuguesa) que a sua terapeutica se baseava nuns pós de santos, aos quais chamava *negrozelo, fornecidos por frades espanhóis de CelaNova. Com tais pós embrulhados num papel, fazia curas do ombro direito para o joelho esquerdo e do ombro esquerdo para o joelho direito, dizendo: «Negrozelo [i. e., ó doença!, ó mal!]! Vai-te embora deste corpo, deixa-o são e salvo, com pós de santos e negrozelo». Também curava dor de dentes, de ossos e de pés, com *pedra-de-ara, embrulhada em papel e movendo-a em cruz. 2. Curandeiro da Luz de Tavira (Faro), delatado ao *Santo Ofício em 1711. Domingos Gonçalves Pires confessou que a mulher recorreu a Manuel Afonso em virtude de uma ferida infectada num dedo [AEF: livro 106, devassa da Luz de Tavira, T. n. 11]. AFONSO, MARIA Viúva, residente em Santarém. Acusada pelo corregedor da comarca de benzer, sem autorização real, «homens e mulheres e meninos de quebranto e de outras dores, com palavras». Estava presa, em 1513, quando decidiu solicitar a Dom Manuel carta de perdão, petição que o monarca despachou favoravelmente (18 de Março), condenando-a, não obstante, ao pagamento de dez cruzados para obras de caridade e a um degredo de seis meses fora de Santarém. De acordo com o diploma régio, procedia do seguinte modo: «[...] compondo um urinol cheio de água em a cabeça com a boca para baixo para tirar o sol, e assim uma tijela de água na cabeça com quatro goteiras de azeite para saber se era mal de escomungado, e bocejava e abria a boca, dizendo que todo o mal se metia no corpo e tirava do enfermo, e assim fazia muitas abusões [?] semelhantes; [...]» [ANTT: Livro das Legitimações, fl. 57v]. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 339-340

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AFONSO, MARTA AFONSO, MARTA Viúva que benzia, cortava o *ar e tinha práticas supersticiosas e de feitiçaria, denunciada na visitação de 8 de Julho de 1568, em Meadela (Vinha). Com data de 7 de Setembro, Dom Frei Bartolomeu dos Mártires enviaria uma adenda à sua visitação ordenando-lhe que permanecesse dois domingos na porta principal da igreja, segurando uma vela acesa, enquanto se dissesse toda a obrigação dos fregueses, em penitência da culpa achada na visitação de Viana do Castelo. Só depois voltaria a ser admitida na igreja e nos ofícios divinos, ficando obrigada a confessar-se mensalmente por espaço de um ano. A reincidência na culpa implicaria castigos mais graves, prisão e outros procedimentos contra a sua pessoa. Foram-lhe, ainda, cominadas tremendas penitências morais acrescidas de outras espirituais [Arquivo Paroquial de Meadela: I Livro de Visitações]. AFONSO, MÉCIA Citada na confissão de *Margarida Lourenço, de Tomar, ao *Santo Ofício (1585), como a promotora de uma ida da ré, juntamente com três irmãs da delatada, a uma *assembleia de bruxas, ocorrida em Vale de Cavalinhos, nos arredores de Lisboa, «onde estavam seiscentas mulheres todas comendo e bebendo à mesa com os diabos, pão, carne e vinho [...]». AFONSO, PEDRO Cristão velho penitenciado no *auto-da-fé de 1584, da Inquisição de Lisboa, acusado de *adivinhão e comunicação com o *diabo, sob a aparência de um «menino de dez anos». Possuia o Livro de S. Cipriano, no qual achava as curas que devia fazer. Não curava senão ao domingo, conforme lhe ditava o tal livro, e quando queria curar algum doente conduzia-o «ao longo de um rio» e ali o sangrava na testa com um alfinete, fazendo-lhe dizer as palavras: «Estou picado e enfeitiçado, / Jesus, nome de Jesus, / Despicaime e desenfeitiçai-me». No Sumário de Vária História (tomo 4, p. 88) relata Ribeiro Guimarães o seguinte: «Aconteceu que uma vez lhe 92

achou este livro [de São Cipriano] um clérigo e, vendo as torpezas e parvoíces que nele estavam escritas, o rompeu e deitou debaixo dos seus pés, e o pisou com eles e, por fazer isto, fez com que os diabos tomassem o clérigo e o levassem a um monte, onde estava um mato e o trataram ali muito mal, e tanto que o não puderam dali trazer senão num carro. Outra vez fez com que os mesmos diabos fossem a casa do mesmo clérigo e lhe quebrassem toda a louça que tinha». AFONSO, SANTOS *Feiticeiro afamado, de Lanheses (Valença do Minho), denunciado na visitação de 1613, em Vinha (arquidiocese de Braga). Em visitações anteriores já havia sido citado nessa qualidade [ANTT: Colegiada de Valença do Minho, n. 696, fl. 85]. AFONSO HENRIQUES, DOM *Juramento de Ourique, *Milagre de Ourique. AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, SANTO Fundador da Congregação da Redenção. Desde 1950 padroeiro dos confessores e dos professores de Teologia Moral. Invocado a 2 de Agosto. Ernesto Soares descreve diversos registos que o iconografam. AFONSO DOS PRAZERES, FREI (1690 – 1759?) No século chamou-se Afonso Furtado de Mendonça. Tendo seguido durante algum tempo a vida militar, professou na Ordem de S. Bento, de onde passou ao Seminário do Varatojo (*convento do Varatojo), tornando-se um dos mais proeminentes esteios da *Jacobeia. Luís Montez Matoso descreve uma procissão em Santarém (23 Nov. 1743) dirigida por este padre jacobeu [BN: cod. 554, fl. 81-81v]. Ainda vivia em 1759. *Frei António dos Prazeres. OBRA Maximas espirituaes e directivas para instrucçam mystica dos virtuosos, e defensa apostolica da Virtude [...], Lisboa Ocidental, 1737 [BN: R 16863-16864 P] e 1740 (2 vols.) [BN: R 2702-2703 V] Obra mandada suprimir, em 6 de Abril de 1769, pela Real Mesa Censória que cominou penas pesadas para os seus leitores, uma vez que a considerava herética na parte onde sustenta a existência de violências diabólicas nos actos externos da sensualidade; Consultas Espi-

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AFONSO V, DOM

Frei Afonso dos Prazeres retratado numa tela existente no convento do Varatojo. rituaes, em que conforme a verdadeira Theologia Mystica, e Moral, se responde ás mais frequentes duvidas que ocorrem na vida do espirito, Lisboa, 1744; 1745 [BN: R 2585 V]; Carta directiva para um peccador convertido, que começou com fervor a vida espiritual, e a deseja continuar com segurança, Lisboa, 1752 [BN: R21438 P]; 1754 [BN: R 18475 P]; 1763 [BN: R 16772 P] A primeira edição saíu com o nome de Sofronio Ferraz Sepedas, anagrama do autor, o qual terá adivinhado a proibição que a Real Mesa Censória havia de decretar a 10 de Junho de 1771. BIBLIOGRAFIA FARDILHA, Luís F. de Sá, Uma Retórica dos Sentidos: as Consultas Espirituaes de Frei Afonso dos Prazeres, in Actas do I Congresso Internacional do Barroco, v. 1, Porto, 1991, p. 303-310

AFONSO V, DOM (1432-1481) Rei de Portugal (1438-1481), cognominado o Africano. A sua entronização foi assistida pelo astrólogo mestre Guedelha, responsável pela escolha da hora propícia à delegação de poderes transmitida pelo até então regente Dom Pedro (Rui de Pina, Crónica de Dom Afonso V, cap. II). Com Afonso V a coroa intervém pela primeira vez directamente em todas as frentes do expansionismo ultramarino, incentivando a exploração dos mares pela iniciativa privada: o

Estado aumentaria o seu domínio sobre o oceano, criando novos pontos de apoio à navegação e ao comérco, os privados ganhariam novas terras de onde poderiam extrair riquezas consideráveis, como aconteceria na Madeira e nos Açores. Para esse efeito acautela os seus direitos de soberania sobre o comércio da Guiné (arrendado a Fernão Gomes no Verão de 1468, a troco do reconhecimento anual de 100 léguas da costa africana) e os confins do Atlântico, cedendo a seu irmão Dom Fernando qualquer ilha que viesse a ser descoberta no oceano e transferindo de Lagos para Lisboa a Casa da Guiné (1463). Astrólogo, músico, alquimista provável, iniciado na *Kabala, talvez pela mão de Dom lsaac Abravanel, seu conselheiro indefectível, almoxarife e rabi-mór de Portugal, Afonso V dedicou-se de igual modo à exegese bíblica e, sobretudo, aos cálculos das cronologias e à epilogística, como se deduz do passo seguinte de uma carta (1503) de *Cristóbal Colón aos Reis Católicos: «Santo Agostinho ensina-nos que o mundo terá fim aos 7000 anos da criação; e tal é também a opinião dos sagrados teólogos e do cardeal Pedro d’ Ailly [...]. Como, segundo o cálculo do rei Afonso, que deve ser tido pelo mais seguro, passaram já 6845 anos, resta pouco tempo até ao fim do mundo» (cf. Livro de Profecias). Poderão os painéis ditos de Nuno Gonçalves velar uma profecia, espécie de testamento espiritual, decifrável a partir da sua estrutura numerológica? Assevera Rui de Pina: «Suas palavras no que queria dizer eram sempre bem ordenadas e entoadas com mui gracioso órgão e por pena, de se natural escrevia assim bem, como se por longo ensino e exercício da oratória artificialmente o aprendera. Foi amador da justiça e da ciência e honrou muito os que a sabiam» (idem, cap. CCXIII). Por seu turno, o conde de Sabugosa retrata-o do seguinte modo: «[...] Afonso V, o Rei Cavaleiro, à moda das novelas e romances da Távola Redonda [...]. Na alma de Dom Afonso V a flor da cavalaria medieval desabrochava com toda a exuberância e incoerência, fértil em quimeras atrás das quais corria, geradora de utopias que lhe tremeluziam na fantasia, como lentejoulas, inspiradora de 93

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AFONSO V aventuras como as de Amadis, a novela que seduzia as imaginações e arrastava os ânimos» (cf. A Rainha Dona Leonor, Lisboa, 1921, p. 36 e 40). O mesmo autor refere (a p. 62) que o monarca se dirigiu expressamente a Bourges, no Berry, para examinar na abadia dos beneditinos um manuscrito com a história de Lançarote do Lago. Para comemorar a conquista de Tânger, rendida após a expugnação de Arzila, a 24 de Agosto de 1471, criou a *Ordem da Torre e Espada. Depois da morte de Carlos, o Temerário, seu primo, na batalha de Nancy, afirma-se desanimado e desiludido das vaidades do mundo, abdicando do trono e manifestando a vontade de se dirigir a Jerusalém, em cumprimento de um voto antigo (o cronista Commines afirma que tencionava ir a Roma para entrar em religião). Contrariado no seu intento, funda o *convento do Varatojo (junto a Torres Vedras), onde amiúde se recolhe, «pois nunca mais foi alegre e sempre andou retraído, imaginativo e pensoso, mais como homem que aborrecia as coisas do mundo, que como rei que as estimava» (Rui de Pina, idem, cap. CCXII). Contribuíra também significativamente para esse estado de espírito a reprovação pontifícia do casamento com sua sobrinha Dona Joana, filha de Henrique IV de Castela e Leão e herdeira universal deste, bem como o exílio na Madeira, conforme estipulava o tratado das Alcáçovas (1479), de *Dom Gonçalo Afonso de Avis Trastâmara Fernandes, filho de ambos. Foi um dos monarcas portugueses que mais protegeu as festividades do Império, tendo sido o primeiro a quem foi aplicado o título de *Encoberto. Com efeito, uma crónica anónima do séc. XV declara que Afonso V de Portugal havia de cumprir as profecias de Santo lsidoro, no ano de 1475, entrando Encoberto em Castela montado num cavalo de madeira, para instaurar um reinado de ordem e virtude: «Chegada a hora e cumprindo-se as profecias das desventuras de Espanha, o rei Dom Afonso de Portugal entrou pela Codosera nos Reinos de Castela, o qual para que as gentes tivessem motivo de crer que ele fosse o Encoberto, segundo uma profecia que de Santo Isidoro se publicava, que o Encoberto havia de 94

D. Afonso V, o Africano, numa iluminura pertencente ao Diário de Jörg von Ehingen. O monarca teria, à época do retrato, talvez 16 anos.

entrar em Castela em cavalo de madeira, este rei, fingindo vir doente, ou porventura sendo certo, entrou em andas, cuidando muito que aos olhos das gentes as cerimónias se conformassem o mais possível às profecias; e como a gente castelhana, habituada à tirânica liberdade, era inimiga de se ver senhoreada por algum rei, aos inocentes que daquelas encobertas profecias não tinham conhecimento faziam-lhes crer que pelos sinais aparecidos, este rei Dom Afonso era o Encoberto, trazendo muito em prática as suas virtudes e grandezas, e louvando-o de muitas coisas excelentes, que ele, na verdade, tinha» (Cronica Incompleta de los Reis Católicos). Dom Fernando, 3º duque de Bragança, corrobora as preocupações milenaristas do monarca, em carta remetida de Vila-Viçosa, a dezanove de Outubro de 1468, vaticinando-lhe: «[...]. Se Deus tem al ordenado, não somente havereis o reino de Castela, mas conquistareis o de Granada e tirareis a espada de Fez e com ela conquistareis todo o mundo, e uma ou outra não deveis de

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AFORTUNADAS errar». Barbosa Machado atribui-lhe o Tratado da melicia conforme o costume de batalhar dos antigos portugueses e o Discurso em que se mostra que a constelação chamada Cão Celeste constava de trinte e nove estrelas e a Menor de duas, este muito louvado por Zacuto Lusitano (De Medicorum principum Historia, Londres, 1614). Alguns anos depois (1621), saíram dos prelos de Thomas Harper, na mesma cidade, os Five Treatises of the Philosophers Stone apontando-se como autor para dois deles um Alphonso, King of Portugal (*Alfonso, Rei de Portugal), quase garantidamente Dom Afonso V. Domingos Sequeira inspirou-se no poema Afonso Africano (1611) de Vasco Mouzinho de Quevedo e Castelo Branco para delinear alguns óleos alusivos à empresa marroquina de Afonso V. A conquista de Arzila, acção central desse poema em doze cantos, é transfigurada pelo autor em alegoria da conquista que cumpre ao cristão fazer da sua própria alma: a praça magrebina personifica a alma, as suas cinco portas, os cinco sentidos, uma alta torre, sede das três potências da alma, possui ao centro uma fortaleza-mesquita que é o coração. O Africano confronta-se com o mar, superando os obstáculos que o mago Eudolo, encarnação do Inferno, e atingindo as costas da Forte Seita, enquanto o príncipe Dom João é conduzido para a Ilha dos Deleites. *Alquimia. BIBLIOGRAFIA CASTELO-BRANCO, Vasco Mouzinho de Quevedo e, Affonso Africano: poema heróico da Presa d’ Arzilla, e Tanger, dirigido a Dom Alvaro de Sousa, Lisboa, 1611 e 1786 (2ª ed.); PINA, Rui de, Chronica do Senhor Rey Dom Affonso V, Porto, 1977; PINTO, Augusto Cardoso, Subsídios para o estudo das Signas Portuguesas II. O Guião da Divisa de Dom Afonso V, in Armas e Troféus, v. 1, n. 4-5 (1933); ROSENBERGER, Bernard, Le Portugal et l’ Islam maghrebin (XVeXVIe siècles), Paris, 1987; VITERBO, Sousa, A cultura intelectual de Dom Afonso V, in Arquivo Histórico Português, v. 2 (1904), p. 254-268; ZURARA, Gomes Eanes de, Crónica do Conde Dom Duarte de Meneses (ed. Larry King), Lisboa, 1978

AFONSO DE VILLEGAS Autor de um Flos Sanctorum proibido pelo *Santo Ofício. Numa carta de 1637, dos inquisidores de Lisboa ao Conselho Geral, despachada por este com uma ordem para se passar a edital, lê-se: «Tem mostrado a experiência haver causado grandes ofensas de Deus Nosso

Senhor e de nossa santa fé católica, um livro impresso de Vilhegas e é o seu Flos Sanctorum das vidas dos patriarcas da lei antiga, escritas em lingua vulgar, porque dos mistérios que trata principalmente acerca da vinda do Messias, lendo-os a gente ignorante e em particular a da nação dos cristãos-novos, entra em grandes escrúpulos e dúvidas, com que muitas pessoas dela se pervertem, em grande dano das almas. E por constar que até o presente se vai continuando nos pareceu que além de estar proibido o dito Flos Sanctorum se deve mandar recolher» [ANTT: Inq. Lisboa, liv. 151, Ordens do Conselho Geral (1617-1645), fl. 186r]. Há, contudo, do ano de 1642, registo de uma autorização comunicada à Inquisição de Évora, de acordo com a qual aos cristãosvelhos era permitida a leitura da segunda parte da mesma obra [ANTT: Inq. Évora, liv. 629, Correspondência do Conselho Geral (1637-1649), fl. 182r]. AFORISMO Designação na qual cabem as diversas formas de expressão concisa de um pensamento moral, tanto as sentenças de origem culta (*apotegma e aforismo), como as máximas de cunho popular (*adágio, *anexim, *ditado, *provérbio ou *rifão). Nomeadamente durante a época clássica (séc. XV e XVI) a literatura portuguesa foi rica em «obras conceituosas», todavia, o género é intemporal, nunca tendo perdido actualidade. AFORTUNADAS Ilhas pela primeira vez mencionadas por Hesíodo que as localiza no Atlântico, talvez baseado em tradições fenícias e outras mais antigas, como, porventura, as dos povos do neolítico peninsular. Platão, Heródoto, Teopompo, Posidónio, Diodoro Sículo, Plutarco (situa-as a cinco jornadas a Oeste da Bretanha), entre inúmeros autores gregos, e Séneca, Estrabão e Plínio, entre os latinos, hão-de ocupar-se das Fortunatorum insulae. Plínio, que delas forneceu a primeira descrição detalhada (mencionando as navegações de Hanno, em torno do continente africano, cerca de 500 a. C.), afirma que cons95

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AFOULAR tituíam o local onde as almas dos habitantes da Índia repousavam, nos confins do mundo. Paulo Orósio referir-se-lhes-à na Historiarum adversus paganos. O islamismo fará delas as ilhas Khaledat (Eternas), citadas por al-Masudi (séc. X), nas quais, segundo Ibn Wardy (séc. XIII), se achava uma estátua de bronze apontando para ocidente (como aquela que se diz ter existido na ilha do Corvo). No séc. XIV surgem cartografadas com a legenda «Fortunate insulae sex sunt insulae Sct. Brandani» (mapa de Hereford), sendo identificadas com as Canárias (tal como Plínio sugerira na História Natural, VI, 201-205). Ocorrem em mapas de Angelino Dulcert (1339) e Benincasa (carta 6, 1471) e de Cresques (1375), com a legenda: «Estas ilhas são chamadas Afortunadas, porque são abundantes em todos os bens, trigos, frutos e árvores. Os pagãos supõem que aí se encontra o Paraíso, devido ao doce calor do Sol e à fertilidade». A circunstância de serem seis invalida a sua identificação com a Madeira e Porto Santo, avançada por Adolfo Schulten nas anotações à tradução da Geografia da Ibéria de Estrabão. Dona Beatriz, mãe de Dom Diogo, administradora da *Ordem de Cristo em nome do filho, fez diversas doações de ilhas afortunadas.

desnuda, em referência ao lugar inferior que ocupava entre os restantes continentes, mercê da penúria que caracteriza o quotidiano dos seus habitantes. Acompanhada por um leão, consoante a Iconologia (Roma, 1603) de *Cesare Ripa, ou por um crocodilo, como ocorre em estampas flamengas de 1580 e 1595 (Adrien II Collaert) ou em M. de Vos (Arco triunfal de Antuérpia, 1594). Numa gravura publicada no Epitome das Histórias Portuguesas (Bruxelas, 1677) de Faria e Sousa, África é figurada por um rei nativo cavalgando um leão. *Preto.

BIBLIOGRAFIA VIEIRA, Alberto, A Fortuna das Afortunadas, in Oceanos, n. 46 (Abr.-Jun. 2001), p. 56-80

AFOULAR Incitamento que os lavradores fazem ao gado, falando com ele, quando lavram a terra para a sementeira do milho (Maia). O mesmo que *afaúlar. *Aboiar. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Padre Agostinho de, Afaülar ou Afoular, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 18-19

AFRA, SANTO Advogado contra os «pesadelos da cabeça». Festejado a 24 de Maio. ÁFRICA A alegoria dos *quatro continentes constituiu um dos temas predilectos dos artistas europeus a partir do Renascimento. O continente africano foi personificado por uma figura feminina 96

O Orbe Terrestre, do qual a Lusitânia é a Imperatriz, é precedido pelas alegorias dos quatro continentes. Gravura extraída do Epitome das Historias Portuguesas (Bruxelas, 1677) de Faria e Sousa.

ÁFRICO Vento que, segundo Plínio, nasce no Ocidente e em África de acordo com a crença popular. Denominado Lybs pelos gregos e na Chronographia de *Jerónimo de Chaves: «Es de naturaleza frio templadamente, y excessivamente húmido. Es viento pluvioso y tempestuoso, y suele muchas vezes causar tempestades, truenos y relampagos». Também denominado *ábrego.

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ÁGAPE AFRODISÍACO Do grego, aphrodisios. Substância que produz excitação genésica. As cantáridas, tão famosas outrora, foram substituídas, em consequência dos efeitos secundários que provocam, pela ioimbina (alcalóide de Cormanthe Yohimbe) e pela muiracitina. AFRODITE Nome grego da deusa do amor, *Vénus. *Francisco de Holanda iconografa-a no Livro das Idades, acompanhada por *Eros, ambos sob a aparência de esqueletos, a *morte, consequência inexorável do amor ferinus (bestial), consoante a lição de *Pico della Mirandola. *Alvéola, *Amor divino.

povo português, v. 2, p. 236); roçar a língua pela cal da parede (caliça) ou então friccioná-la com pedra de sulfato de cobre; bochechar com água de malvas, água com tintura, ou bicabornato de sódio; em Santa Marinha (Vila Nova de Gaia), são debeladas numa objurgação na presença de água corrente, a qual é cortada com uma faca, dizendo: «Assim como a água bate aqui / assim minha afta tu fiques aí [...]». Em Algoz (Silves) diz-se nove vezes a fio, enquanto se esfrega a língua numa parede: «Tenho um sapo na língua ! / Um cento em cima desse [acrescenta alguém de fora] /Nem este, nem outro, / O meu sapo seja morto!». Um recitativo de provável origem nortenha, era proferido três vezes, cortando a cinza do lar com uma faca: «Douro e Minho eu passei / Todo bicho mau que encontrei matei / Aranha e aranhão / Sapo e sapão / Bicho de toda a nação / Eu te corto a cabeça / O rabo e o caração». No Douro, quando se avista uma luzinha diante, exclama-se: «Luzinha da parte de além, /Tira-me esta afta que a minha boca tem!». Por vezes é aconselhado o uso da chave de um sacrário para a obtenção do mesmo resultado (cf. Laudelino de Miranda Melo, Crendices e Maus Olhados, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 17, 1951, p. 93). AGANÃO Entidade mítica minhota «que penetra nos canastros sem ninguém dar conta, sem acesso visível, e que rilha alqueires e alqueires de maçarocas» (Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães, p. 305-306).

Afrodite e Eros, como alegorias da morte, no De Aetatibus Mundi Imagines (fl. 88r) de Francisco de Holanda. BIBLIOGRAFIA GARCIA Y BELLIDO, Antonio, El culto de Aphrodite de Aphrodisias en la Peninsula Iberica, in Archivo de Prehistoria Levantina (Valência), v. 4 (1953), p. 219-222

AFTA Cidus albicans. Pequena úlcera nas mucosas da boca. O mesmo que *sapos e *sapinhos. São muito dispares as receitas preconizadas para tratar as aftas: passar a criança atingida por cima de uma pia dos porcos (Teófilo Braga, O

ÁGAPE Termo grego para amor altruísta, tradução do hebraico, ‘aheb, que ocorre no Cântico dos Cânticos (II, 7: como «o amor que desperta»), nos Salmos (CII: como «clamor do aflito») e no Deuteronómio (IV: como «fidelidade diligente»), correspondendo na Versão dos Setenta e no Novo Testamento à amizade e ao desejo. Passou a designar as refeições que os primitivos cristãos faziam em comum (I Corínteos XI; Actos II, 46). Tertuliano afirma que tais refeições depressa se separaram da celebração eucarística por fre97

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ÁGAPE

Modo de se fazerem brindes no ágape maçónico 1º O Venerável manda carregar os canhões, e alinhar; 2º Adverte se será feito de pé ou sentado; 3º Quando tudo está disposto, uma pancada de malhete faz levantar todos os Irmãos: põem a bandeira no braço esquerdo, e ficam à ordem; 4º O Venerável anuncia o brinde que se vai fazer, e designa os movimentos, ou indica o Irmão a quem tal encarrega; 5º Comanda o exercício do seguinte modo: Mão direita à espada! Levantar a espada! Continência com a espada! Espada na mão esquerda! Mão direita às armas! Levantar armas! Em frente! Fogo! – (Bebe-se em três tempos, este é o Primeiro tempo) Bom fogo! – (Segundo tempo.) O mais vivo de todos os fogos! – (Terceiro tempo.) Descansar armas! Armas em frente! Sinal com as armas! A esta palavra todos os Irmãos descrevem com o copo que têm na mão, por três vezes, um triângulo cuja base é sobre o peito, e o vértice em frente. Pousar as armas! Um-dois-três! Pronunciando-se estes números, descansa-se gradualmente com o copo, e à palavra três colocam-se todos os copos a um tempo sobre a mesa. Espada na mão direita! Espada à frente! Continência com a espada! Pousar espadas! Depois faz-se a bateria de aclamação com as mãos. Quando deve ter lugar, o Mestre de Cerimónias, desempenhando as funções de Embaixador, ou este, responde à saúde. O Venerável ordena depois a continuação do banquete. É costume recrear a Oficina no intervalo dos brindes, e deixar aos Irmãos a liberdade de falar; porém ao primeiro golpe de malhete todos devem ficar calados e à ordem, prestando atenção. A ordem, à mesa, é de fazer com a mão direita o sinal gutural, tendo a esquerda apoiada na borda

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da mesa, os dedos unidos, e estendidos, o polegar afastado e unido ao bordo, para formar a esquadria. Os Mestres colocam a bandeira no antebraço e tomam a espada na esquerda. Os Irmãos com altos graus fazem como os Mestres; mas a bandeira fica no ombro esquerdo. Os Irmãos sentados na parte exterior levantam-se, e os outros podem deixar de o fazer. O ritual dos banquetes dos graus simbólicos do Rito Francês e do Rito Escocês Antigo e Aceite possuem a seguinte nomenclatura própria: A Loja, e a Mesa .... Oficina. Toalha .................. Véu. Guardanapo.......... Bandeira. Prato grande ou travessa ............... Bandeja Prato .................... Telha Colher .................. Trolha Garfo ................... Alvião Faca ..................... Alfange, espada. Garrafa ................ Barrica Copo ................... Canhão, arma. Luz .................. Estrela Espevitador ............. Tenaz, pinça Cadeira ............. Mocho, banco Comidas e iguarias em geral... Materiais Pão ...................... Pedra bruta. Vinho ........ Pólvora forte, (vermelha ou branca) etc. Água ..................... Pólvora fraca. Cidra ou cerveja ... Pólvora amarela. Licores, Porto, Madeira, etc. ... Pólvora fulminante. Sal ........................ Areia Pimenta ............... Cimento, areia amarela, betume Comer ..................... Mastigar Beber ................. Atirar um canhonaço, canhonear Trinchar, cortar, partir ................... Desbastar Champanhe ............. Pólvora explosiva Chá ......................... Pólvora escura Carregar ................. Encher o copo Café ....................... Pólvora negra Bebida, em geral .... Pólvora Fazer fogo .............. Beber Fogo ....................... Tempo nos brindes Gasosas e similares . Pólvora espumante Alinhar ........ Colocar garrafas, copos, etc., em linhas Tabaco .................... Pólvora do Líbano

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ÁGATA quentemente degenerarem em orgias. O ágape ou banquete maçónico é uma refeição ritualizada partilhada por maçons. Tem lugar, regra geral, a seguir aos trabalhos da *Loja, podendo comemorar efemérides cósmicas, como são as festas solsticiais, ou outras consideradas relevantes para a Loja ou para a própria Obediência. Seja qual for o motivo do ágape, ele deve ser sempre servido em mesas dispostas em cruz grega, em círculos concêntricos ou em ferradura. Nos banquetes das Lojas simbólicas há sete brindes obrigatórios: 1º Ao Chefe do Estado; 2º Ao Soberano Grande Comendador, ou Grão-Mestre, ou aos Dignitários Supremos da Ordem; 3º Ao Venerável da Loja; 4º Aos dois Vigilantes; 5º Aos visitantes, quando os houver; 6º Aos Oficiais da Loja; 7º Enfim, a todos os maçons espalhados pela superfície da terra e das águas. Entre o sexto e o sétimo podem ser inseridos outros brindes, tais como os endereçados aos novos iniciados, se os houver nesse dia, etc., uma vez que o brinde a todos os maçons é o derradeiro. BIBLIOGRAFIA FERREIRA, António Augusto de Matos, A Liturgia Maçonica – Ritual de Banquete Maçonico, Lisboa, 1914

ÁGAPE, SANTO Iconografado com um coração inflamado na mão direita e um ramo de açucenas na esquerda, num registo descrito por Ernesto Soares, alusivo à sua veneração na Igreja das religiosas Carmelitas de Carnide. AGAR Concubina de *Abraão e mãe de *Ismael (Genesis, XVI). Expulsa pelo patriarca, errou pelo deserto (Genesis, XXI, 8-21), quase morrendo de sede com seu filho, até que Deus lhe mostrou um poço onde se dessedentariam. De acordo com a lenda, esse poço situava-se junto à Caaba de *Meca, a qual, segundo *Luís de Camões «se engrandeceu / Com a superstição falsa e profana / Da religiosa água Maometana» (Os Lusíadas, IX, 2, 6-8). O sentido místico e sacral da *água (identificada com o próprio Deus) é superlativizado na cascata da Cerca de *Santa

Agar e Ismael: desenho de Domingos António de Sequeira.

Cruz de Coimbra por intermédio da figura de Agar com o menino no deserto, sustentado por um trecho do Génesis (XXI, 15-19), cuja tradução é a seguinte: «E consumida a água do odre, [Agar] lançou o menino debaixo de uma das árvores, e foi-se e assentou-se em frente, afastando-se à distância de um tiro de arco porque dizia: Que não veja eu morrer o menino. E assentou-se em frente e levantou a sua voz e chorou. E ouviu Deus a voz do menino e bradou o anjo de Deus a Agar, desde os céus, e disse-lhe: Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviu a voz do rapaz, desde o lugar onde está. Ergue-te, levanta o moço e pega-lhe pela mão, porque dele farei uma grande nação. E abriu-lhe Deus os olhos e viu um poço de água e foi-se e encheu o odre de água e deu de beber ao menino». Agar, agareno e Casa de Agar são sinónimos de *Islão, também na profecia, como se comprova pelas Trovas de Bandarra (I Corpo, trovas CXVIII e CXXVIII) e de Abel Nabuco (cf. Manuel J. Gandra, Dicionário do Milénio Lusíada). AGASALHADOR Em algumas localidades minhotas, aquele que «corre com o enterro», i. e., quem organiza o funeral. Homem escolhido pela família do defunto, o qual tem a incumbência de convocar os parentes, comprar a comida e preparar a casa para o velório. ÁGATA Pedra semi-preciosa, uma das doze do peitoral (*éfode) de *Aarão, na qualidade de Sumo-sacerdote dos hebreus. Variedade de quartzo que 99

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ÁGATA, SANTA adquire diversas tonalidades: verde (jaspe, heliotrópio e crisoprásio), vermelha (cornalina), branca (caledónia) e castanha e vermelha (sardónica). Consoante a tonalidade que assume, ora é associada à Lua, ora a Mercúrio. profiláctico contra o mau olhado, tempestades, trovão, inundações, mordeduras de *serpente, picadas de *aranha e de *escorpião (Plínio) e doenças da vista. Assegura a felicidade conjugal, a fidelidade, exaltando o amor e a amizade, servindo de afrodisíaco às mulheres e aliado das grávidas. O *leituário é uma conta de ágata que, trazida ao pescoço, pendente de um cordão escarlate, dá vigor e leite às mulheres que amamentam. Já a conta de leite, de calcedónia, pendente de um cordão branco, torna o leite abundante. Jean de Mandeville atribuilhe a capacidade de tornar o seu possuídor espirituoso e eloquente. Jerónimo Cortez sustenta que quando lançada à água se acende e arde, quando no azeite apaga-se, fazendo-se em pó se dada a beber a mulher que não for donzela. Muito comum em jóias, sinetes, camafeus, etc. Anéis com ágatas devem ser usados no dedo mínimo da mão direita. Em ágata engastada num anel de ouro, proveniente do Alentejo [MNA], observa-se gravada a figura alada de *Cupido. A faca de estancar o sangue tem na bainha um fragmento de ágata sardónica (cf. Portugália, v. 1, p. 620). ÁGATA, SANTA A mesma que Santa Águeda. Mártir da perseguição deciana, natural da Catânia. Até ao fim do séc. XI, ocorria no santoral primitivo português apenas como orago secundário, entre Minho e Mondego. Festejada a 5 de Fevereiro. Advogada contra as dadas nos seios femininos e as dores no peito, em geral e igualmente contra as erupções vulcânicas, os tremores de terra, os incêndios e o raio. Padroeira dos sineiros e das amas de leite. Tem como atributos, além da palma comum a todos os mártires, uma bandeja com dois seios arrancados e uma tenaz, alusivos ao suplício que lhe inflingiram. Ernesto Soares descreve alguns registos que a iconografam. 100

AGENTE Indivíduo que participa, em telepatia espontânea, da experiência consciente ou inconsciente de um *percipiente. ÁGIA, SANTA Invocada a 18 de Abril nas demandas. AGINHA, SANTO Omisso na hagiografia oficial. Antes de se ter tornado santo vivia como ladrão e salteador na *serra de Arga (Minho). Um dia, procurou a ajuda de um monge ou (as versões divergem) foi este que, vítima de mais um assalto, se terá ajoelhado diante do malfeitor, implorando-lhe o abandono de tão censurável vida. Perturbado e arrependido, o assaltante espojou-se aos pés do religioso, tendo feito confissão geral e recebido como penitência o encargo de continuar na serra para acudir aos viandantes e socorrêlos nas suas dificuldades. Passou, então, a cumprir a sua obra caritativa, tendo sido morto, à sacholada, por um lavrador a quem ajudava a endireitar o carro de mato, o qual desconhecia que abandonara a vida de meliante. Escondendo o corpo numa brenha, o assassino viria a saber, dias volvidos, que havia um prémio pela captura ou morte do salteador. Vangloriando-se do feito, logo pensou em reivindicar a recompensa. Regressando à brenha para recolher o cadáver, a surpresa foi enorme, porquanto este se achava incorrupto, muito alvo e odorante, caso que foi julgado milagroso e suscitou a voz de que se tratava de *Santo Asinha (i. e., depressa), por tão breve passar de ladrão à bemaventurança (cf. Almanaque de Ponte de Lima, 1909, p. 83 3 129). Teve enterro piedoso e sobre o seu túmulo foi edificada uma capela votiva (antiga paroquial), dedicada a Santa Eugénia, segundo alguns corruptela de *Santo Óginha (também *Santóginha), outro dos nomes tradicionais do personagem. Actualmente, Santo Aginha é cultuado na igreja de São João de Arga, onde se pode observar uma imagem setecentista que o figura, a qual, anualmente, sai em andor, fazendo um périplo pelos lugares que o salteador assolou antes de convertido. Locução: Quem no vê pa-

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AGNUS-DEI rece um santóginha = indivíduo de aspecto humilde, tímido, embora patife. AGLA Nome de Deus, invocado por José quando foi separado dos irmãos. Palavra à qual os cabalistas atribuem o poder de expulsar os espíritos malignos. É composta pelas letras iniciais das palavras hebraicas Atha, Gadol, Ieolam e Adonai, com o significado «vós sois poderoso e eterno, Senhor». AGNES, SANTA Também chamada *Inês. Partilha com *Santa Emerenciana o dia 20 de Janeiro, figurando, em Portugal, apenas em listas de oragos secundários. AGNISTÉRIO Ocorre nas acepções de santuário, local destinado à purificação, ou *altar-mor. AGNOSTICISMO Termo proposto por T. H. Huxley, em 1869, para caracterizar o pensamento que nega a possibilidade de demonstração racional da existência de Deus, do mundo sobrenatural e da imortalidade da alma humana. O agnóstico, que não é nem ateu, nem crente, considera que as limitações da razão humana o impedem de atingir o conhecimento do Infinito e do Absoluto. O concílio Vaticano I (1870) respondeu com a constituição dogmática Dei Filius (14 de Abril), a qual define que «o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, pode ser conhecido com certeza por intermédio das suas obras, graças à luz natural da razão humana». AGNUS-DEI 1. O Cordeiro de Deus do Apocalipse, imagem de Cristo, vítima dos pecados humanos e comparável ao anho pascal do Antigo Testamento, em ambos os casos símbolo do Messias sofredor (Isaías XVI, 1; LIII, 7; LXV, 25; I Corínteos V, 6; S. João I, 29: «Eis o Cordeiro de Deus que vai tirar o pecado do Mundo»; Apocalipse V, 6: «Eu vi no meio do trono os quatro animais e,

Agnus-Dei proveniente do Colégio de São Pedro (Coimbra).

no meio dos anciãos um cordeiro de pé como que imolado [...]»; V, 11-12: «[...] o Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e a bem-aventurança»). O concílio de Constantinopla de 692 censurou a iconografia de Cristo sob a forma de Agnus-Dei, determinando a sua representação antropomórfica, o que, todavia, não parece haver sido bem aceite na península. Com efeito, trata-se do símbolo mais comum da imaginária românica portuguesa, em nenhuma parte da Europa tão vulgar quanto na região de Entre Douro e Minho, denotando solidariedade com exemplos galegos e leoneses, certamente relacionada com a difusão de concepções religiosas afins. Carlos Alberto Ferreira de Almeida admite que a iconografia do AgnusDei, que apresenta inúmeras variantes, «não parece de tradição hispânica» (cf. Primeiras impressões […], p. 108), adiantando como justificação a «entre nós […] poderosa tradição moçárabe». Com efeito, o Agnus-Dei, sustentando a cruz com a pata dianteira, direita ou esquerda, acha-se figurado em tímpanos, bem como em outras estruturas românicas, com função teofânica, evangélica, apocalíptica, messiânica e apotropaica (guardião do limiar), testemunhando a persistência de modalidades de cristianismo paleocristão e oriental, de resto, também discerníveis nos comentários ao Apocalipse genealogicamente creditados ao Beatus de Lié101

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AGNUS-DEI

G UIA

DO

A GNUS -D EI 1. ARÕES (Fafe): tímpano axial da igreja de S. Romão; 2. ARNÓIA (Celorico de Basto): tímpano axial da igreja do mosteiro; 3. BANHO DE VILA COVA (Barcelos): fragmento de tímpano da igreja de S. Salvador, no Museu Municipal de Barcelos; 4. BARCELOS (Santa Maria de Barcelos): capitel da nave da Colegiada; 5. BRAVÃES (Ponte da Barca): interior dos tímpanos axial e do pórtico Sul da igreja de S. Salvador; 6. CEDOFEITA (Porto): tímpano do portal Norte da igreja de S. Martinho; 7. COIMBRA (S. Cristóvão): tímpano, no qual a sua posição submissa, talvez alusiva à imolação referida por S. João, contrasta com a habitual postura triunfante; 8. COIMBRA (Capela de Mirleus): fragmento de tímpano ou testeira de túmulo ou frontal de altar (?), no Museu Machado Castro (Coimbra); 9. FONTE ARCADA (S. Salvador): tímpano axial; 10. MELGAÇO (S. Salvador de Paderne): empena da capela-mor; 11. MOREIRA DO LIMA (Ponte de Lima); 12. ORADA (Melgaço); 13. PARADELA (Barcelos): fragmento de tímpano da matriz, no Museu Pio XII de Braga, no qual o Agnus Dei é seguido por cordeiro mais pequeno; 14. RATES (Vila do Conde): tímpanos, portal axial e interior do portal Sul da igreja de S. Pedro, ambas com inscrições alusivas ao Cordeiro de Deus; 15. RIO MAU (Vila do Conde): tímpano interior do portal axial da igreja de S. Cristóvão; 16. TABUAÇO (S. Pedro das Águias): tímpano, portal Norte; 17. TRAVANCA (Amarante): tímpano do pórtico junto da torre da igreja de S. Salvador.

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AGNUS-DEI bana. Após Trento, o tema evoluiria, assumindo uma semântica de cariz claramente evangélica (Cordeiro Místico), tal como no-lo proporiam os pintores seiscentistas Baltazar Gomes de Figueira (tecto da capela-mor de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche, ca. 1635), Josefa de Óbidos (Museu Regional de Óbidos) ou Bento Coelho (dois «tímpanos», figurando a Adoração do Cordeiro Místico pelos Santos Mártires e pelas Santas Virgens, respectivamente, ca. 1683, destinados a sobrepujar telas de Fernão Gomes (Senhor dos Mártires) e Diogo Teixeira (Nossa Senhora e as Santas Virgens), encomendadas em 1600 para os altares que ladeiam a capela-mor da igreja de S. Roque [Museu de S. Roque, inv. 197 e 198]). BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Arquitectura Românica de Entre Douro e Minho, Porto, 1978, v. 2, p. 143; idem, Primeiras impressões sobre a Arquitectura Românica Portuguesa, in Rev. da Fac. de Letras – História Univ. Porto, v. 2 (1971), p. 108, 111-112; MATOS, Armando de, Motivos catecúmenos no românico do Douro Litoral, in Douro Litoral, s. 3, v. 7 (1949), p. 72-74; RICHERT, Gertrud, La ornamentación de los timpanos de las iglesias romanicas de Portugal, in Investigación y Progresso (Fev. 1931); VASCONCELOS, Flórido de, Do Agnus Dei aos cordeiros das cascatas do S. João, in O Tripeiro, n. 6 (1989), p. 180-182

2. Amuleto cristão, talvez originado nos discos de cera que os Romanos ofereciam durante as Saturnálias. Pequeno medalhão feito da cera dos círios pascais (cujos remanescentes eram desfeitos no dia da *Ascensão, para serem distribuídos aos fiéis em pequenos pedaços), em que se gravava a figura de um cordeiro. Queimava-se em casa, nos campos ou nas vinhas, sendo considerado poderoso preservativo contra o demónio, as trovoadas e as tempestades. Em Roma, o arcedíago tomava outra cera (que não a de um círio pascal), benzia-a, ungindo-a com bálsamo e santos óleos, fazendo dela pequenas figuras de cordeiros que distribuia pelos fiéis. Posteriormente passaria a ser benzido na capela Sistina pelo Papa no primeiro ano do seu pontificado e, depois, de sete em sete anos, durante o tempo pascal: o próprio pontífice distribui os Agnus-Dei solenemente no Sábado in albis, aos cardeais, bispos e outros assisten-

tes admitidos às cerimónias. Na oração da bênção, o Sumo Pontífice implora ao Céu as seguintes graças para os fiéis que os usarem: «que sintam o coração movido a meditar nos mistérios da Redenção; que o sinal da Cruz, impresso nesses medalhões, afaste os raios, ventos e tempestades; que os livre das tentações do demónio; que proteja as parturientes; que livre da peste, do incêndio, etc., por fim que a protecção divina lhes seja concedida na prosperidade e na adversidade». Usado ao pescoço protege contra feitiços. Os juízes de processos de feitiçaria eram aconselhados a usar este amuleto pelos autores do Malleus Malleficarum. Jerónimo Cortez assevera que «quem o levar consigo, será livre de temporais, tormentos, de saraiva, coriscos e raios» (Fisiognomia e vários segredos da natureza, Coimbra, 1706, p. 162), acrescentando que «será também [o portador] preservado de peste, de gota coral, e de morte súbita, como o Sumo Pontífice pede a Deus em uma das orações que recita quando os sagra». Os navegadores portugueses a ele recorriam em momentos de aflição, como se constata pela passagem seguinte da História Trágico-marítima (Relação do naufragio da nao Santiago, no ano de 1585, tomo 2, 1736): «[…] Mas quis Nosso Senhor, que amainou logo o vento pela virtude dos Agnus-Dei, e relíquias que deitaram ao mar». Em 1553, achando-se carregada e pronta para zarpar para a Índia, deflagrou um incêndio a bordo de uma nau surta no Tejo, a qual ardeu por completo. D. João III, que observava o sinistro de uma varanda do Paço da Ribeira, e a quem uma dama alvitrara que mandasse lançar um AgnusDei no fogo para o extinguir, terá respondido: «Não é razão experimentar tamanha e tão santa relíquia em tão pequena cousa» (Memória dos ditos e Sentenças dos Reis e Príncipes e Senhores Portugueses e outras pessoas [ANTT] dito n. 43, p. 30). Em Valpaços o Agnus-Dei usa-se como amuleto contra as sezões, porém é no domínio da obstetrícia que obtém maior aplicação: «Também tem virtude muito grande para livrar as mulheres, que estão de parto, de todo o perigo dando-lhes esforço, e ânimo na103

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AGONIA quele aperto» (Lunário e prognóstico perpétuo geral, Lisboa, 1757, p. 262) ou como sugere Jerónimo Cortez: «Notai uma grande excelência, e virtude do Agnus-Dei e é que a mulher, que andar de parto, e estiver em perigo de não poder parir, lhe dareis três pedacinhos pequeninos a beber em uma pouca de água, e tendo fé parirá sem lesão nem perigo, como muitas vezes eu vi: E tendo devoção de dizer AgnusDei, miserere mei, qui passus es pro nobis, miserere nobis». Em 17 de Novembro de 1717, foram depositados nos alicerces da capela mor da Basílica de Mafra, da parte do Evangelho, dentro de duas caixas de ouro redondas, outros tantos Agnu-Dei: um de Inocêncio XI e outro do Pontífice reinante. *Albano. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Superstições portuguesas do século XVI, in Revista Lusitana, v. 6 (1900-1901), p. 214215; VITORINO, Pedro, O Agnus Dei e a Medicina Popular, in Arquivo de Medicina Popular, v. 1 (1944), p. 81-86

AGONIA 1. Invocação de uma imagem de Nossa Senhora, festejada em Viana do Castelo, de 18 a 20 de Agosto, como protectora da classe piscatória. A romaria teve origem na exposição e entronização do Santíssimo Sacramento, no ano de 1777, às quais o culto de Nossa Senhora acabaria por se impor como o acontecimento maior de um ciclo litúrgico que começa com a festa a *São Severino, no domingo anterior, e termina com o culto do *Santíssimo Sacramento, no domingo posterior. Para isso contribuiu decisivamente a sua transformação na devoção preferencial dos pescadores do bairro da Ribeira, nos finais do séc. XVIII, como se comprova pelos ex-votos marítimos ainda existentes. Os elementos estruturantes da romaria permanecem os mesmos: novena preparatória; culto do mártir São Severino; missa, sermão, beijo da relíquia com os fios do véu de Nossa Senhora; procissão organizada pela irmandade e procissão com benção do mar, organizada pelos pescadores. Existem diversos registos alusivos a esta devoção, inventariados e descritos por Ernesto Soares. *Andar às vozes. 104

Os gigantones e os cabeçudos constituem uma das principais atracções das festas em honra da Senhora da Agonia, de Viana do Castelo. BIBLIOGRAFIA ABREU, Alberto Nunes, Origem da romaria da Senhora da Agonia, in Bol. 2 da Segunda Exposição filatélica regional «Viana 86», Viana do Castelo, 1986; idem, A devoção vianense a Nossa Senhora da Agonia, in Theologica, v. 29, n. 2 (1994), p. 343-379; ARAÚJO, José Rosa de, Memória da Capela de Nossa Senhora da Agonia, Viana do Castelo, 1963; COSTA, Severino, Verídica e pitoresca estória da romaria de Nossa Senhora da Agonia com seu começo nas brumas dos tempos e seu real corpo desde 1856 que é o ano em que o cronista soube de ciência certa como ela foi até aos nossos dias, in Cadernos Vianenses, v. 1 (1978), p. 55-59; PIMENTEL, Alberto, Romarias portuguesas I. Nossa Senhora da Agonia em Viana do Castelo, Lisboa, 1906; VASCONCELOS, Maria Emília de, Breve memorandum das festas de Agonia, Viana do Castelo, 1977; VIANA, António Manuel Couto, Romaria d’Agonia: Viana do Castelo, [Mafra], 1996; VIEIRA, Carlindo, O feriado municipal de Viana do Castelo, in Cadernos Vianenses, v. 9 (1985), p. 31-34

2. Invocação do Senhor Jesus, crucificado. Ernesto Soares descreve registos reportando-se a imagens da Real capela de N.ª Senhora de Monserrate, igreja de Almacave (Lamego), Sé do Porto e convento de S. Domingos de Benfica. AGONIZANTES Invocação do Senhor Jesus, crucificado. O registo descrito por Ernesto Soares é relativo à imagem venerada (1776) na Igreja de S. Caetano, em Lisboa. AGOSTIN, DON Clérigo napolitano, capelão da torre de São Julião da Barra (Tejo), autor de opiniões heterodoxas, tais como: «Deus tem misericórdia de quem vive bem dentro de cada religião, seja turco ou judeu». Confessaria ter baptizado e

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AGOSTINHO, SANTO dito missa sobre um espelho, para com ele fazer adivinhações e realizar diversos feitiços, recorrendo a nomes cabalísticos, prática aprendida com *Angelo Musca, astrólogo residente em Lisboa [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 13184]. AGOSTINHA, SANTA Ernesto Soares descreve um registo que a representa. AGOSTINHO, SANTO (354-430) Aurélio Agostinho. Maniqueísta, convertido pela cataquese de *Santo Ambrósio, baptizado em 387, e, posteriormente (ano 395), sagrado Bispo de Hipona. Padroeiro dos tipógrafos. Após a sua fase milenarista, observou uma atitude reservada sobre todas as questões respeitantes ao futuro. Adopta a divisão da história em seis idades (aetates) em correspondência com os seis dias da criação, de Hipólito de Roma (séc. III), mas, ao invés dele, opta pela contagem das gerações em vez de atribuir mil anos a cada idade: 1. Infantia = de Adão ao dilúvio (10 gerações); 2. Pueritia = do dilúvio a Abraão (10 gerações); 3. Adolescentia = de Abraão a David (14 gerações); 4. Iuventus = de David ao cativeiro babilónico (14 gerações); 5. Gravitas = do cativeiro à Encarnação (14 gerações); 6. Senectus = da Encarnação ao fim do Mundo (em oposição aos quiliastas, deixa indeterminada a duração desta idade entre as duas vindas de Cristo); 7. Quies = um Sábado sem fim, fora do tempo (cf. De Civitate Dei, XXII, 30, 5). Fernão Lopes acolhe este esquema da história nas suas Crónicas, nomeadamente na de *Dom João I, a cuja missão escatológica confere legitimidade. Santo Agostinho foi o fundador do conceito cristão de Estado, o qual é uma inclinação natural outorgada por Deus, uma criação mediata deste, que deve contribuir para que o homem logre preparar-se para a vida futura (a Cidade de Deus). Santo Agostinho protagoniza no Auto da Alma de Gil Vicente uma extraordinária dissertação teológica: a Igreja põe a mesa para reconfortar a alma que o diabo tentara, sendo este o primeiro dos doutores da Igreja chamado a apresentar ao pecador os man-

Santo Agostinho de Hipona numa tela do santuário do Cabo Espichel.

jares da salvação. Referências negativas à astrologia nas Confissões e em A Cidade de Deus, porquanto a submissão de todos os actos da vida humana à revolução dos astros, tem por consequência a negação do livre arbítrio humano: «O bom cristão deve guardar-se dos matemáticos e de todos os que se entregam às adivinhações ímpias, sobretudo quando as suas predições são verdadeiras, de modo que essas pessoas, de acordo com os demónios não enganem o seu espírito e não enlacem a sua pessoa nas redes de um pacto de sociedade diabólica». A sua obra, quer a autêntica, quer a apócrifa teve enorme difusão nas bibliotecas medievais portuguesas. A iconografia figura-o ora revestido pelas vestes próprias da sua dignidade episcopal, ora ostentando um livro (atributo dos doutores), ora um coração inflamado na mão direita (a partir do séc. XV), alusão ao amor ao próximo que o abrasou (cf. Confissões, IX, 2, 3). Destinado à Quinta da Penha Verde e hoje em parte incerta, pintou Francisco de Holanda um Baptismo de Santo Agostinho (400 x 800 mm), representando o futuro bispo de Hipona recebendo o dito sacramento das mãos de Santo Ambrósio 105

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AGOSTINHO DA CRUZ, FREI na presença de Santa Mónica e de outros santos, num total de 21 figuras. Iconografam-no grande número de registos descritos por Ernesto Soares [n. 5922, p. 442]. A *correia de Santo Agostinho, benta, é um amuleto eficaz contra as bruxas e algumas doenças, como a *epilepsia. OBRA TRADUZIDA Da Cidade de Deus (De Civitate Dei) / catedrais de Coimbra e Évora e mosteiro de Alcobaça [BN: cod. alc. XIX / 332 (séc. XIII)]; trad. J. Dias Pereira (Lisboa, 1991-1995, 3 vols.); idem, Confissões / trad.: Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1783-1784, 2 vols.; J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina, Porto, 1942 (mais de uma dúzia de edições); idem, O Livre Arbítrio / trad. António Soares Pinheiro (Braga, Fac. Filosofia, 1986 e 1990, com uma errata); idem, Apocalipse de São João comentado por [...]. Vitória Final de Cristo / trad. J. A. Rodrigues Amado (Coimbra, 1960).

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OBRA Varias poezias do Veneravel Padre Frei Agostinho da Cruz, religioso da Provincia da Arrábida, dedicada ao Excel. e Reverend. Senhor D. Frei Manoel do Cenáculo [...], Lisboa, 1771 [BN: L 40459 P]; Obras de [...] conforme a edição impressa de 1771 e os códices manuscritos das Bib. de Coimbra, Porto e Évora (ed. Mendes dos Remédios), Coimbra, 1918; Poesias inéditas, Coimbra, 1924 [BN: L 4626 A]; Sonetos e Elegias, Lisboa, 1994 [Ed. António Gil Rafael: inclui listas de «Sonetos a excluir» (p. 227-232) e «Elegias a excluir» (p. 233-234)].

BIBLIOGRAFIA CALADO, Adelino de Almeida Calado, Uma versão quatrocentista de sermões pseudo-augustinianos, in Arquivo de Bibliografia Portuguesa, a. 2 (1956), p. 81-97 [BN: PP 17322 V]; COURCELLE, P. e J., Iconographie de Saint Augustin: les Cycles du XIV siècle, in Études Augustiniennes (1965); idem, Iconographie de Saint Augustin: les Cycles du XV siècle, in Études Augustiniennes (1969); DOMINGUES, Joaquim/GALA, Elísio/GOMES, Pinharanda, Santo Agostinho na Cultura Portuguesa: contributo bibliográfico, Lisboa, 2000; GANDRA, Manuel J., Obra [de Santo Agostinho] na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in O Monumento de Mafra de A a Z, v. 1, Mafra, 2002, p. 61; MARTINS, Mário, Os Solilóquios e Meditações do PseudoAgostinho, em medievo-português, in Brotéria, v. 55 (1952), p. 168-177 e in Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956. p. 191-200; idem, Santo Agostinho nas Bibliotecas Portuguesas da Idade Média, in Rev. Portuguesa de Filosofia, t. 11, n. 354 (1955), p. 166-176; PEREIRA, Isaías da Rosa, No XVI Centenário do Baptismo de Santo Agostinho: as obras de Santo Agostinho nas bibliotecas medievais portuguesas, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 34 (1993), p. 109-115

AGOSTINHO DE SANTA MARIA, FREI (1642-1728) No século chamou-se Manuel Gomes Freire. Foi o primeiro noviço da Recolecção portuguesa. Estudou no Colégio de Évora, tendo sido escolhido logo após haver sido ordenado para Cronista da Ordem em Portugal e, sucessivamente, Superior do convento de Évora, Secretário da Província, Definidor e Vigário-Geral da Congregação. Da sua fecunda obra destaco: História da vida admirável e das prodigiosas acções da Venerável Madre Soror Brigida de Santo António, Filha espiritual singularíssima do venerável Padre António da Conceição (Lisboa, 1701 [BN: R 5104 V]); Santuário Mariano e História das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora (Lisboa, 1707-1727, 10 vols [BN: Res. 18221831 P]); Adeodato contemplativo e universidade da oração, dividida em três classes pelas três vias Purgativa, Iluminativa e Unitiva (Lisboa, 1713 [BN: R 23748 P]); O Caminhante Cristão (Lisboa, 1721 [BN: R 25443 P]); Historia tripartita compreendida em 3 Tratados (Lisboa, 1924 [BN: HG 3317-19 P]); Celeste e devota Filotea (Lisboa, 1927 [BN: R 17770 P]).

AGOSTINHO DA CRUZ, FREI (1540-1619) No século, Agostinho Pimenta. Viveu no Paço do Infante D. Duarte, neto de D. Manuel, tendo, com apenas 15 anos, dedicado à Duquesa de Aveiro, ali assistente, as suas primeiras composições místicas, razão por que ela se tornaria sua protectora. Aos vinte anos tomou hábito no conventinho Arrábido de Santa Cruz da Serra de Sintra, tendo professado um ano depois, a 3 de Maio de 1561, dia da Vera Cruz, de onde adoptou o nome religioso (cf. Epigrama). Aos 65 anos (1605) obteve licença do Provincial capucho da sua Província para viver eremiticamente na *Arrábida.

AGOSTO Também conhecido por sextilis, por ser o sexto mês do calendário de Rómulo. Com a reforma de Numa Pompílio passaria ser o oitavo, conservando, no entanto, a sua designação primitiva. Só durante o consulado de Octávio César, para o homenagear, o senado romano havia de decretar que este mês (precisamente aquele em que, pela primeira vez, Octávio ascendera ao consulado) passaria a denominar-se Augustus. Em Fratel (Vila Velha de Ródão, Castelo Branco), diz-se que Agosto é o mês mais santo do ano, em virtude de ser o mês de Nossa Senhora (i. e., aquele em que são celebradas mais festas

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AGOSTO

1 S. Pedro dos Grilhões (S. Pedro ad vincula) / Eleázaro, doutor da Lei / Macabeus / Salomão / Sto. Afonso Maria de Ligório (calendário moderno) / Mártires de Chelas Anexim: Primeiro dia de Agosto, primeiro dia de Inverno. Festa das colheitas dos celtas (Lugnasad). Outrora, eram construídas torres ou subia-se a um lugar elevado. As torres tinham a forma cónica como as colinas e eram colocadas junto de um poço ou nascente de água. Diz-se, em Guimarães, que haverá moléstia onde o nevoeiro assentar no primeiro de Agosto. 2 N. Sra. dos Anjos /Sto. Estêvão (calendário antigo) / Sto. Afonso Maria de Ligório (calendário antigo) 3 Sta. Lídia (tintureiros) / Invenção de Sto. Estêvão / Nicodemos / S. Pedro Julião Eymard (calendário moderno) 4 S. Domingos de Gusmão (calendário antigo) (advogado contra constipações e febres)/ S. João Maria Vianney (calendário moderno) 5 N. Sra. das Neves 6 Transfiguração do Senhor (salsicheiros) / S. Sisto II (calendário antigo) / Stos. Felicíssimo e Agapito (calendário antigo) 7 S. Caetano (advogado da pobreza) / S. Donato (calendário antigo) / Sto. Alberto Magno (advogado contra os maus partos, sezões e todo o género de febres)/ Judite, figura do Antigo Testamento /S. Sisto II (calendário moderno) 8 S. João Maria Vianney (calendário antigo) /Stos. Ciríaco, Largo e Esmaragda (calendário antigo) / S. Domingos de Gusmão (calendário moderno) Dia quartã 9 S. Romão / S. Samuel de Edessa 10 S. Lourenço (marítimos, cozinheiros, hospedeiros, contra lumbado, incêndios e a favor da protecção das vinhas) Anexins: Dia de S. Lourenço vai à vinha e enche o lenço, se não achares que vindimar, hás-de achar que peniscar; Pelo S. Lourenço os nabais sem nabos nem no lenço; Agosto, frio no rosto (Na Beira chama-se a S. Lourenço o santo dos capotes); Quem cavar no dia de S. Lourenço achará carvões (Alto Minho) 11 S. Tibúrcio (calendário antigo) / Sta. Susana (companheira de Sta. Marta e advogada dos animais) / Sta. Clara (calendário moderno) 12 Sta. Clara (calendário antigo) (advogada contra a hidropesia, febres malignas e incêndios)/ Beato Amadeu da Silva 13 Stos. Hipólito e Cassiano (calendário antigo) /Stos. Ponciano e Hipólito (calendário moderno) Nos Idus de Agosto, os latinos celebravam várias divindades, tais como os Gémeos Castor e Pollux, Vertumnus, Hecate, Flora, Diana, etc. 14 Sto Eusébio (calendário antigo) / S. Marcelo /S. Maximiliano Maria Kolbe (calendário moderno) Os gregos celebravam as Panathenaia, festa natalícia de Atenas (no dia 28 de Hekatombaion) 15 Assunção de Santa Maria (correeiros e negociantes de pescado) Anexins: Pela Senhora de Agosto às sete é sol posto; Por Santa Maria de Agosto repasta a vaca um pouco 16 S. Joaquim (calendário antigo) (advogado da paciência) / S. Jacinto (calendário antigo) / Sto Estêvão (calendário moderno) / S. Roque (advogado contra a peste e feridas venéreas) 17 S. Mamede (padroeiro dos animais e protector contra a falta de leite das mulheres que amamentam)/ Sta. Comba (advogada contra a asma) Os romanos celebravam as Portunálias, em honra de Portunes, deus latino das portas. 18 Sto. Agapito (calendário antigo) / Beata Beatriz da Silva 19 S. João Eudes 20 S. Bernardo de Claraval (advogado contra as dores de cabeça e febres)/ Samuel, figura do Antigo Testamento Anexim: Pelo S. Bernardo seca-se a palha pelo pé 21 Sta. Joana Francisca Frémiot de Chantal (calendário antigo) / S. Pio X, Papa (calendário moderno) Os romanos celebravam as Consuálias, em honra de Consus, deus do cereal ceifado. 22 Sagrado Coração de Maria (calendário antigo) / Stos. Timóteo, Hipólito e Sinfório (calendário antigo) / N. Sra. das Graças

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23 S. Liberato / S. Filipe Benizi (calendário antigo) / Sta. Rosa de Lima (calendário moderno) Os latinos celebravam as Vulcanálias, em honra de Vulcano, bem como as Neptunálias, em honra de Neptuno. 24 S. Bartolomeu (fabricantes de lanifícios, curtidores de peles, encadernadores e carniceiros, advogado contra sustos e medos, visões diabólicas, murmurações e peste) Os latinos abriam o Mundus Cereris (Mundo de Ceres), acto reiterado a 5 de Outubro e a 8 de Novembro. Ao descerrar o Lapis Manalis (porta do Hades ou Ostium Orci) dava-se oportunidade aos Manes (espíritos ancestrais) de deambular pelo mundo dos vivos. Durante o período em causa não ocorriam casamentos, guerra, ou quaisquer outras actividades de índole social. Anexins: A boa fiandeira de S. Bartolomeu, toma a vela e mais boa, da Madalena; Dia de S. Bartolomeu anda o diabo à solta; Pelo S. Bartolomeu vai à vinha e enche o lenço 25 S. Luís de França (padroeiro das Academias de Ciências, barbeiros, cabeleireiros, destiladores, capelistas, bordadores, fabricantes de botões, sirgueiros e operários de construção, advogado dos cavalos e jumentos e contra a acidificação da cerveja) / S. José de Calazans (calendário moderno) Os latinos celebravam as Opiconsivias, em honra de Ops Consiva (Colheita abundante), divindade identificada com Terra (a Terra). Anexim: S. Luís de França dai fala a esta criança 26 S. Zeferino (calendário antigo) / S. Cesário de Arles (calendário moderno) 27 S. José de Calazans (calendário antigo) / S. Rufo (advogado da boa fama) / Sta Mónica (calendário moderno) 28 S. Hermes, mártir (calendário antigo) / Sto. Agostinho Anexim: Chuva fina por Sto. Agostinho é como se chovesse vinho 29 N. Sra. da Consolação / Sta. Sabina (calendário antigo) / Degolação de S. João Baptista / Sta Sabina (advogada contra o imoderado fluxo de sangue) Embarque dos círios da Atalaia. 30 Sta. Rosa de Lima (calendário antigo) (advogada da vista) / Stos. Félix e Aduto (calendário antigo) / S. Fiacrio (advogado contra os cancros e almorreimas) Romaria do Senhor da Serra de Belas 31 S. Raimundo Nonato (parteiras, a favor das mães e dos recém-nascidos) / N. Sra. da Boa Viagem

em seu louvor). Provérbios e anexins: A quem não tem pão semeado, de Agosto se faz Maio; Agosto, dá o trigo no rosto; Agosto manguais ao rosto; Agosto seca a fonte; Agosto seca as fontes e Setembro os montes (Guarda); Agosto recolhe o pão com gosto; Agosto tem a culpa, Setembro leva a fruta; Agosto toda a fruta tem gosto; Bendito seja Agosto que pariu Setembro; Quem em Agosto ara, riqueza prepara; Em Agosto sardinha e mosto; Água de Agosto, açafrão, mel e mosto; Lá vem Agosto com os seus santos ao pescoço; Quem não debulha em Agosto debulha com mau gosto (ou rosto); Agosto e vindima não vem cada dia, mas sim cada ano, uns com ganância, outros com dano; Agosto, frio no rosto; Agosto madura, Setembro Vindima; Agosto nos farta, Agosto nos mata; A quem não tem pão semeado de Agosto se faz Maio; Cava e esterca de Agosto, ao lavrador 108

alegra o rosto; Chuva de Agosto apressa o mosto; Corra o ano como for, haja em Agosto e Setembro calor; Couves em Agosto, tumba à porta; Em Agosto aguilhoa o preguiçoso e sê cuidadoso; Em Agosto apanha macela que livra da botica o uso dela; Em Agosto, candeeiro posto; Em Agosto dá o sol pelo rosto; Em Agosto deve o milho ferver no carolo; Em Agosto, espingarda ao rosto; Em Agosto, há bulha o preguiçoso; Em Agosto aguilhoa o preguiçoso; Em Agosto vale mais vinagre que mosto; Em Agosto nem vinho nem mosto; Em Agosto secam os montes, em Setembro as fontes e em Outubro seca tudo; Em Agosto toda a fruta tem seu gosto; Luar de Janeiro não tem parceiro, mas lá vem Agosto que lhe dá de rosto; Maio come trigo, Agosto bebe vinho; Os nabos querem ver o luar de Agosto; Não é bom o mosto colhido em Agosto; Nem em Agosto caminhar, nem

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AGOURO em Dezembro marear; Quando chove em Agosto, chove mel e mosto; Quando chove em Agosto, não metas teu dinheiro em mosto; Quem dormir ao sol de Agosto tem desgosto; Quem casa em Agosto tem desgosto; Quem malha em Agosto, malha com desgosto; Quem não debulha em Agosto, debulha contra seu gosto; Quem quiser mal à vizinha, dê-lhe em Maio uma sardinha e em Agosto a vindima; Queres ver teu marido morto? Dá-lhe pepinos (ou couves) em Agosto; Se não debulhas em Agosto terás sempre desgosto; Terra lavrada em Agosto, à estercada dá-lhe rosto; Trovoadas em Agosto, abundância de uva e mosto. AGOUREIRO *Bufo. AGOURO Termo de origem latina, augurium, com o significado de consulta das aves, e sinónima de auspicium. Presságio ou prenúncio de ocorrência futura, auspiciosa ou funesta. Os agouros deste tipo são os mais comuns, podendo assumir duas modalidades: agouros que anunciam um mal genérico e aqueles que pressagiam uma maleita particular. Em Carviçais (Moncorvo) crê-se que quando o sino toca e, simultaneamente, dá horas, morre alguém (Abade J. Tavares). Provérbio: o mocho, o corvo e o besouro são animais de mau agouro. No Sínodo de Lisboa, de 1403, os agouros são referidos como pecados antigos (S. Martinho de Dume, Canônes 59 e 71), cuja absolvição estava reservada a um bispo. Nessa reunião foi deliberado aplicar a pena de excomunhão aos praticantes de sortes, adivinhações, agouros, esconjuros e encantamentos, bem como a todos quantos invocassem demónios por intermédio de escritos, usassem a *hóstia consagrada para fins ilícitos, etc. (Constituições 3ª, 23ª e 24ª). A actividade de sorteiros, feiticeiros e adivinhadores é ainda censurada no Livro das Confissões de Martim Peres (cap. 53), nas Ordenações Afonsinas (liv. 5, título 88), nos Sínodos de Braga, de 1477 (Constituição 46ª), do Porto, de 1496 (Consti-

tuição 25ª), da Guarda, de 1500 (Constituição 64ª) e de Braga, de 1505 (Constituição 22ª). As Constituições do Arcebispado de Braga (1639) proibem a toda e qualquer pessoa que «tenha agouros e observe ou note os dias e horas em que começam os negócios, obras ou caminhos e serviços e saem de suas casas, esperando ou temendo, por essa razão, bom ou mau sucesso nas ditas obras, caminhos, serviços ou negócios [...]» (XLIX, 1). O Cid consultava frequentemente agouros (versos 1113; 859 e 2615). Diversas serventes do Cancioneiro da Vaticana, uma de João Airas de São Tiago (CV, n. 1078), outra de Airas Peres Veiturom (CV, n. 1087), descrevem casos de agouros causados pela visão de um *corvo, ainda outra de Pedro Amigo (CV, n. 1197) alude à observação das aves, ocorrendo igualmente um agouro tirado de espirrar ao deitar na cama (CV, n. 1197, v. 15). O Livro de Linhagens do Deão – Riba Douro regista o caso de Fernão Pires Farinquel «que catou bem os agouros» (Portugaliae Monumenta Historica: Livros Velhos de Linhagens, v. 1, Lisboa, 1980, p. 141). Ver Religiões da Lusitânia (v. 3, p. 63s.) e Etnografia Portuguesa (v. 7, p. 39, 149 e 275). Couto Guerreiro: «[...] Agora contra mim se volta o touro, / Porfia que ave sou de mau agouro, / Que tudo quanto é ruim lhe

Servente de Pedro Amigo Maria Balteira, que se quéria hyr já d’aqui, veo-me preguntar se sabia j’aqui d’aguyraria cá nom podia mais aqui andar [...]

E dixi-lh’eu: Cada que vos deitades que esturnudos soedes d’aver? E disse ella: Dois ey, bem o sabades, e hun ei quando quero mover... E dixi-lh’eu: Poys aguyro catades das aves vos ar convem a saber, vos que tan longa carreira filhades; diss’ella: esso vos quer’eu dizer, ey feryvelha sempre ao sair, e dixi-lh’eu: Bem podedes vós ir com ferivelha mais nunca tornades.

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AGOURO

Agouros por causas inesperadas Morar em casa de canto – Infelicidades Em casas de esquina – Fortuna Quando a candeia faz morrão – Sinal de vento Quando a luz espirra – Vem dinheiro a casa Quando o bocado cai da boca – Alguém quer falar e não pode Vidro estalado – Má notícia Quebrar um espelho – Transtorno para a casa durante sete anos Vinho entornado na mesa – Sinal de alegria Azeite entornado – Sinal de tristeza para o dono Pão que tem tocas por dentro – Tem a alma da padeira Mulher e marido do mesmo nome – Não se logram Nascer implicado – Sinal de ditoso Tesouras abertas ou facas cruzadas – Quebra da amizade Sentar-se alguém em cima de uma mesa – Morte dos donos da casa Estalar a mobília – Morte Agouros pelos sinais do corpo Ter bico de cabelo na testa – Há-de ser viúvo Chave de mão larga – Há-de ser liberal Orelha pegada – Há-de ser rico Altura grande do nariz ao beiço – Há-de chegar à velhice Unha com pinta vermelha – Sinal de mentira Dentes ralos – Sinal de chocalheiro Agouros por animais Pulga na palma da mão esquerda – Está alguém a dizer mal Dita na palma da mão direita – Está algém a dizer bem Cantar a coruja [ou o mocho] defronte da janela – Morte de noite Cantar o cuco – Marido enganado Quando os gatos arranham a esquina da porta – É presente Quando entra em casa besouro louro – Traz ouro Quando entra besouro [ou borboleta] negro [a] – Mau agouro [ou visita inoportuna] Quando entra mosca varejeira – Presentes de carnes [ou visitas] Rato atravessando o caminho – Sinal de desgraça Cão a uivar – Doença em quem ouve Galo que canta fora de horas – Sinal infausto e é

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comido com arroz no dia seguinte [contraria-se dizendo: «o mau agouro lhe pegue no couro»] Porco morto em minguante – Encolhe na panela Gatos brincando – Vento Nordeste Pássaros catando-se – Sinal de água Espirros de bode – Sinal de bom tempo Matar andorinhas – Perda da fortuna Matar cobra – Tudo vai para trás Criar pombos e deixar de os criar – Pobreza na casa Mão que mata toupeira – Tira dores Pulga em fato novo – Há-de seu dono rompê-lo Piolho em fato novo – Não se logra seu dono dele Borboleta na luz – Boas novas Agouros pelas acções Comer tromba de porco – Faz quebrar a louça Queimar papéis – Molhar a cama Cortar unhas à noite – Gasta a vista Beber água de noite, sem a bater bem primeiro, porque está dormindo – Faz dores Beber a espuma do vinho – Faz flatos Vestir ou calçar do avesso – São dádivas Saltar por cima – Enguiça Espada à cabeceira – Livra de bruxas Calções sobre a massa – Leveda Falar só – É falar com o demo Quem baila com a sombra – Nunca casa Dar soluços, quando se fala em alguém – Morre cedo de quem se fala Beber água juntamente com outro – Sinal de ser compadre Comer num canto – É para casar cedo Entornar sal – Sinal de bulhas Espada dada por mulher – Pendência na rua Dar agulhas – Inimizades Dar contas – Apartamentos Dar lenços – Despedida Dar alfinetes – São amores Dar maçã partida – Discórdia Dar maçã inteira – Amizade Quem dá e toma – Nasce-lhe uma corcova Dormir com os pés voltados para a porta de entrada – Morte Pôr chapéu em cima de cama de mulher casada – Gravidez Espirrar de determinada maneira – Agouro de feliz ou infeliz viagem

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AGRIMENSURA prognostico» (Sátiras, p. 110); «[...] Aborreci como peste / Agoiros do tempo antigo: / Tu em agourento deste, / E agourento me fizeste, / Pois tenho agouro contigo» (Epigramas, p. 467). Diz-se que a *Páscoa em Março é de mau agouro (Páscoa em Março, ou fome ou mortaço), tal como chover em domingo de Páscoa: quando isso acontece, nesse ano, as nozes apodrecem todas (Gaia, Oliveira de Azeméis e Vila Real). Existem antídotos ou modos de evitar agouros: para a varejeira ou o besouro preto abandonarem a casa volta-se um banco de pernas para o ar, quem oferece palitos à mesa não casa, mas batendo com o pé no chão o agouro vai-se; duas pessoas que se lavem na mesma água brigarão, mas para evitar a briga basta cuspirem na água; derramar azeite é sinal de desgraça, enquanto entornar vinho significa alegria. *Belmiro Transtagano, *espirro. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Continuação dos ridículos abusos, com que foi criada a Mãe do velho Remolares, pelas velhas do seu tempo, in Almocreve das Petas, partes XLVII a XLXIX (9, 21 e 26 Mar. 1798); MARTINS, Mário, O Penitencial de Martim Peres, em medievo português, in Lusitania Sacra, v. 2 (1957), p. 57-110; SARAIVA, José Hermano (ed.), Ditos Portugueses dignos de Memória, Mem Martins, 1997 (3ª ed.), n. 452 (p. 166), n. 689 (p. 250), n. 874 (p. 320), n. 1298 (p. 454)

2. Nome do *diabo. AGRIÃO Sisybrium nasturtium e Nasturtium officinalis, R. Br. Rico em ferro, com ele são preparados xaropes contra a asma (quando adicionados caracóis), denominados lambedores, e chás destinados a debelar a tuberculose. Depurativo, excitante, anti-escorbútico, diurético e antibótico sobre os rins e pulmões. Para uso interno utiliza-se a planta, de preferência fresca, em saladas, xaropes e infusões, para combater a expectoração, o catarro e a bronquite. Há quem o considere depurativo sanguíneo, com particular importância nas enfermidades da pele, devido à sua riqueza em enxofre. Nas doenças das vias urinárias deve ser utilizado com moderação, pois é propensa a provocar irritações da

bexiga e/ou próstata. Para uso externo aplica-se o suco fresco em infecções dermatológicas, eczemas e erupções. Nos sonhos é, geralmente, de bom augúrio, só a sua compra pode originar desgostos passageiros. Outrora, no dia da sua festividade, os devotos lisboetas de *São Gonçalo Telmo (*Corpo Santo) cobriam a imagem do santo, conduzida num andor, com agriões frescos, colhidos em Xabregas. Locução: Se queres ter bons pulmões, come agriões (Mexilhoeira Grande). AGRIMENSURA Construir segundo as prescrições, fazer da cidade um diagrama ou um cosmograma, confere-lhe simbolicamente o valor de cidade santa ou consagrada. Quando Varrão quis evidenciar que as coloniae pertenciam ao mundo romano e não ao mundo indígena, disse: «[...] usam o nome de urbes e foram fundadas como Roma». A Cidade Eterna constituía-se, assim, como paradigma da cidade ideal para o mundo latino. A partir do Renascimento esse paradigma assumir-se-ia como símbolo universal. A coerência formal que se atribuía a Roma não lhe adveio directamente da eficiência e linearidade do seu aparelho militar e burocrático, antes da morfologia da cidade, condicionada pelos ritos de fundação herdados dos etruscos. Já Tito Lívio registara essa virtude: «Não existe uma praça nesta cidade que a religião não tenha impregnado e que não se encontre ocupada por alguma divindade. Os deuses habitam-na». A fortuna das prescrições legislativas, instrumentais e técnicas que se achavam sistematizadas primeiro nos livros etruscos chamados Rituales e depois no Corpus Agrimensorum Romanorum, onde os modelos da castramentação latina estavam também consignados, foi, com efeito, extraordinária, tendo desempenhado um papel determinante na sobrevivência e renovação dos modelos urbanos. Joseph Piel regista a presença de gromáticos na península Ibérica durante a permanência latina, afirmando serem «pelo menos quatro os nomes de lugar hispânicos que [...] se prendem com a antiga e importantíssima profissão dos agrimensores romanos 111

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AGRIMÓNIA [...]». As unidades maiores da grelha centuriana

eram graduadas com 20 Actus de lado (2400 pés Romanos, cerca de 776 jardas). O cardo maximus era uma estrada com 20 pés Romanos de largura e o decumanus com 40. A intervalos de 20 Actus eram traçadas estradas secundárias com 8 pés de largura. Termini eram colocados nas intersecções dessas estradas. Cada 5ª estrada a contar do cardo ou do decumanus media 12 pés de largura, sendo designada por Limites Quintariae. Posteriormente, este método de urbanização do campo foi institucionalizado nas Reduções do Paraguai (Lei das Índias) e aplicado por Sir Robert Montgomery na Carolina do Sul, em 1717 (quadrados de 20 milhas de lado), pelo General H. Bouquet, no Ohio, em 1765 e por Jefferson e Williamson, nos EUA, em 1784 (quadrados de 10 milhas de lado). AGRIMÓNIA Agrimonia eupatoria, L. Também *amoricos (Madeira) e *eupatória-dos-gregos. Vulgar em grande parte do território europeu, crescendo sobretudo nos prados, pastagens e clareiras das florestas. O caule e as folhas contêm taninos, ácido silicício, óleo essencial, etc. É conhecida há muito tempo para tratamento de catarros, hemorragias, problemas de pele, tuberculose, etc. Na Idade Média era muito utilizada nos campos de batalha dado o seu poder cicatrizante. Para uso interno utiliza-se a decocção (dose quotidiana de 1,5 g) para regularização dos processos digestivos, cura de diarreias (sobretudo das crianças) e de certas doenças de fígado e rins, designadamente os cálculos renais. Para uso externo preconiza-se a decocção em gargarejos, parches (inflamações da pele) ou nos banhos, como aditivo. Na linguagem das flores, a agrimónia significa gratidão e reconhecimento. AGRIPA, CORNÉLIO (1486-1535) Natural de Colónia. Durante as suas deambulações pela Europa terá escalado Lisboa (1508). Discípulo de Tritémio, em Spanheim, durante os anos de 1509-1510. Estudou teologia em diversas universidades, ensinando-a em Dôle (1509), Colónia (1511), Pavia (1512), etc. Es112

Rosto de A Filosofia Oculta (1533), de Cornélio Agripa [BPNM: 2-51-13-1].

teve ao serviço de Maximiliano I, Guilherme II, de Monferrato, Carlos III, de Sabóia, e Carlos V, como diplomata, militar e cronista, sendo considerado o mais importante filósofo hermético do seu tempo. Manteve polémica com os dominicanos de Metz que o acusaram de feiticeiro, motivo por que esteve encarcerado em Bruxelas durante um ano. Combina a magia natural de Ficino com a cabalista de Pico. OBRA De Incertitudine et Vanitate omnium Scientiarum et artium liber, Antuérpia, 1530 Reimpressa diversas vezes (1643, 1653, etc.), apesar da condenação dos teólogos de Paris e Colónia. Trata-se de uma enciclopédia contra todas as ciências e artes, incluindo as disciplinas herméticas. A crítica conclui com o elogio do burro (o ignorante), contraposto à estultícia e jactância do douto. Apesar de tudo, o autor parece conceder alguma credibilidade à Magia Natural, porquanto adopta para ela a definição piciana de «philosophiae naturalis absoluta consummatio». Tradução francesa: Paradoxe sur l’ incertitude, vanité et abus des Sciences, 1582, 1603 e 1617. Consta dos Índices Expurgatórios desde o de 1547. Repetidamente usada por *Jorge Ferreira de Vasconcelos na Comédia Eufrosina e pelo Mestre conimbricense João Fernandes, na Oratio pro rostris (Coimbra, 1539 [BPMP: ms. 84, p. 11-14]), que a considera má obra para os cristãos. Não obstante, sabe-se por intermédio de Álvaro Gomes que muitas pessoas em Lisboa possuíam exemplares dela; De Occulta Philosophia libri tres, s.l. [Melch-

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ÁGUA linia], s.d. [1533] [BPNM: 2-51-13-1 = Proibido; BN: SA 1818 P = 8ª ed. do séc. XVI, sem rosto] Redigida em 1510, mas impressa apenas em 1531 (Antuérpia). Consta do Memorial espanhol de 1547 (ou anterior) mas não vem incluído no Index da Sorbonne (1544). Não deixará de polarizar as atenções e a censura [ANTT: Inq. Évora, proc. 8922, fl. 10v (Marcos Rodrigues); Inq. Lisboa, proc. 3780 (*Cristóvão Francisco), 13184 (*Dom Agustin)], tendo suscitado, em 1580, a crítica detalhada de *Frei Bartolomeu Ferreira [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 3700, fl. 3r-7r]. Expõe a sua visão hermetista do universo em três livros, sendo o 1º dedicado ao Mundo Elemental, manipulado pela Magia Natural; o 2º à Magia Astral, envolvendo a matemática; o 3º à Magia Angélica ou contacto com inteligências divinas, com o objectivo de desvendar os arcanos universais. Eugénio Asensio detectou uma «inquietante intimidade» de Jorge Ferreira de Vasconcelos com este escrito que quase transcreve, a propósito das propriedades do número cinco, na Comédia Eufrosina (Prólogo, Madrid, 1951, p. LXXV-LXXVII). Citada in Ennoea. De acordo com *Guilherme Bro, réu francês da Inquisição, dois dominicanos (um oriundo de Salamanca, outro de Ciudad Rodrigo) chegaram a Mesão Frio, cerca de 1550, com a «Filosofia de Cornélio Agrippa». Tradução francesa: La Philosophie Occulte, divisée en trois livres, Haia, 1727, 2 vols. [BPNM: 2-51-4-3 / 4 (= Proibido)]; Opera, quaecumque hactenus vel in lucem prodierunt, vel inveniri potuerunt omnia, in duos tomos concinne digesta, et diligenti studio recognita, Lyon, [ca. 1536], 2 vols. Edição príncipe das Obras completas do autor. Reedições: Lyon, 1550 (ampliada com obras não incluídas na 1º edição: Apologia pro defensione Declamationis de Vanitate Scientiarum; Querela ob eandem Declamationem ipsi, qui ad Cesaream Maiest.; Tabula abbreviata in artem brevem Ray. Lull; De beatissimae Annae Monogamia; Defensio propositionum praenarratarum contra quedam Domini castrum earundem impugnatorem) e 1600; Les Oeuvres magiques de [...] (trad. francesa de Pedro de Abano), Liège, 1547 Reedições: Roma (1744), Liège (1750, 1770, 1788, etc.).

ÁGUA Um dos quatro elementos primordiais da natureza, feminino e passivo como a terra, em oposição ao ar e ao fogo, masculinos e activos. Universalmente venerada como fonte secreta da vida (onde a água falta ela desaparece), purificação e regeneração (águas medicinais, do baptismo e da iniciação). A capacidade de absorver gases e de ela própria se tornar gás (vapor de água), condicionando o clima, reforça mais ainda a aura mágica da água. Na tradição judaicocristã simboliza a origem da criação (Genesis), tendo sido convertida pelo cristianismo no símbolo da vida espiritual, mercê do sacramento do *baptismo. A Igreja considera a água figura do mistério da Trindade, porque as condições da água (não ter cor, cheiro ou sabor) são os

atributos da Fé, a qual não se regista com os olhos, não se averigua pelos sentidos, nem se apura com razões. Por outro lado, a água é a protagonista do primeiro e do derradeiro milagres de Cristo: nas *Bodas de Canaã (João II, 2) e, quando crucificado, do flanco lhe brotou água em vez de sangue, respectivamente. *Cornélio Agrippa dedica à água diversos capítulos da sua Filosofia Oculta, considerando-a o único elemento detentor de uma dupla capacidade de produzir a vida. A concepção tradicional, segundo a qual a água tem memória, encontrou eco na comunidade científica contemporânea, tendo motivado as pesquisas do Dr. Lorensen (EUA), do Dr. Wolfang Ludwig (Alemanha) e do Prof. Jacques Benveniste, pioneiro da biologia digital (França), entretanto corroboradas pelo japonês Masarn Emoto, o qual advoga que a água se comporta como um gravador líquido susceptível de receber, memorizar e transmitir vibrações electro-magnéticas. As investigações de todos os supracitados supõem a existência de micro-clusters na água, i. e., de moléculas sensíveis a campos vibratórios, capazes de armazenar e memorizar informação, mesmo após a depuração do líquido, em suma, doutrina idêntica à exposta pela *homeopatia. Diz-se (Açores, Serpa, Vidigueira, etc.) que quando há uma morte em casa, devem esvaziar-se cântaros, infusas, alguidares e restantes vasilhas, por se temer que a alma do finado nelas se venha banhar (banho da alma). Sonhar com água é prenúncio de lágrimas e aviso de desgraças; com água turva de doença próxima; com água quente insucesso ou acidente; com água fria encontro com ventura próxima; com água parada infelicidade; com cascata melhoramento de vida com certa abundância; com inundação desastre de certa gravidade. É de bom augúrio ver cair objectos à água, mas se isso acontecer ao próprio indicará perseguição e ruína. Para fazer uma criança falar depressa dá-se-lhe a beber água de chocalho ou aquela em que tenha estado de molho bilro de renda. Água coada em camisa trás a amizade de quem a beba ou, segundo outra versão, água da lavagem da camisa de uma mulher dada a beber a um rapaz originará que se apaixone pela dona 113

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ÁGUA

Deus, como Fonte da Água Viva, dessedenta os monges crúzios, num registo azulejar do Parque de Santa Cruz (Coimbra).

Oração da Água (Recitada pelos cripto-judeus na festa da Pesah, para cujo efeito se deslocavam para junto de um rio, aí revivendo o Exodus, batendo na superfície das águas com ramos de oliveira) A quatorze da Lua Do primeiro mês do ano Parte o Povo do Egipto, Israel meu irmano. As cantigas que vão cantando Ao Senhor vão louvando. -Aonde nos trazes Moisés, Aqui neste despovoado, Onde não há pão nem lenha, Nem nunca pastou o gado? Louvamos ao alto Senhor Que é o Senhor do nosso cabo. Lá vem Moisés com a sua vara alçada A bater no mar selado. Abriu-se o mar em doze carreiras, Passará o meu povo em salvo. O meu povo em salvo passou, Para onde o Senhor o mandou, Por seu santo real mandado. O Senhor criou quatro elementos: Céu e terra, noite e dia, […]. Amen, Senhor, etc.

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da camisa. Feitiço feito para a água só pode ser desmanchado na água. Acordar a água durante a noite, antes de a beber não é costume particular dos saloios, tendo sido registado em outras regiões, nomeadamente em Trás-os-Montes e nas Beiras (cf.Teixeira de Queirós, Primeiros Contos, 3ª ed., p. 142 e Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, v. 3, Lisboa, 1929, p. 161 e v. 5, Lisboa, 1939, p. 220). Em Setúbal, para tirar a água dos ouvidos quando se sai do banho, introduz-se uma pedrinha em cada ouvido e diz-se «Tira água das orelhas, vai para as Velhas», atirando a pedra mais molhada ao mar e a mais enxuta para terra. Expressões: Água de S. João: Sela os amores e faz lindas as raparigas; Cuspir na água: corresponde a cuspir na cara de Nosso Senhor (cf. Etnografia da Beira, v. 1, Lisboa, 1944, p. 186). *Ver em água: o mesmo que *arte de São Jorge. Deitar água à vida ou baptizar em casa: expressões utilizadas no AltoMinho quando um recém-nascido adoece gravemente e se presume que possa morrer antes de chegar a ser baptizado. No sítio de Água de Pincães, do termo da aldeia do Cabril (Montalegre), existe um monólito de granito com forma semelhante a um cogumelo e cerca de 1,5

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ÁGUA BENTA m de altura. No topo aplanado, quase circular, observam-se diversas covinhas, cada uma das quais designa uma família residente na localidade ou terreno a ela pertencente. Consoante a distribuição das sombras sobre as covinhas ao longo do ano, assim se efectuará a partilha das águas pela aldeia. Crê-se que o costume possa remontar à Idade Média, desconhecendo-se, todavia, a que época poderão ser atribuídas as insculturas. *Aerno, *Bormanicus, *Fonte do Ídolo, *Fonte santa, *Fontanus, *mãe-de-água, *ninfa, *Tameobrigus, *Tongoenabiagus. BIBLIOGRAFIA ANACLETO, Pedro Garcia, Tradições cristãs e acção social nas nossas estâncias de águas minerais, in Acção Médica, n. 96 (1960); CARNEIRO, A. Lima, A água na lenda e no folclore, in Douro Litoral, s. 4, v. 5-7 (1951), p. 31-36 [afirma que as chamadas fontes santas raras vezes são fontes termais, visto que, reconhecendo-se nelas uma causa terapêutica natural, parece não haver razão para se lhe atribuir virtudes sobrenaturais]; CHAVES, Luís, A toponímia das Águas, in Rev. Guimarães, v. 66 (1952); idem, Tradições populares das águas em Portugal, in Estudos e Ensaios Folclóricos em Homenagem a Renato Almeida (Rio de Janeiro, 1960), p. 455-472; idem, No Folclore das Águas em Portugal: águas do aquecimento, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p. 313-324; FERNANDES, Luís da Silva, As Águas e o factor religioso na Província Romana da Lusitânia, in Religiões da Lusitânia, Lisboa, 2002, p. 131-140; HENRIQUES, Francisco da Fonseca (16651731), Aquilegio medicinal, em que se dá noticia das aguas de caldas, de fontes, rios, poços, lagoas, e cisternas do reino de Portugal e dos Algarves [...] dignos de particular memoria, Lisboa Ocidental, 1726; MARIA BLASQUEZ, José, Cultos e Devoções de Cariz aquático no Ocidente em contextos Paleohispânicos, in Religiões da Lusitânia, Lisboa, 2002, p. 21-24; PIEL, Joseph M., As águas na Toponímia GalegoPortuguesa, Lisboa, 1948; REIS, Fr. Cristóvão dos, Reflexões experimentaes methodico-botanicas, muito uteis, e necessarias para os professores de medicina, e enfermos, Lisboa, 1779 [Dedica a primeira parte às fontes de águas minero-medicinais e termais do Norte de Portugal e a segunda parte à matéria médica, quer de origem animal, quer vegetal, e às respectivas virtudes; BN: SA 17836 P]; RIBEIRO, José Cardim, Contributos para o conhecimento de cultos e devoções de cariz aquático relativos ao território do Município Olisiponense, in Bol. Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, s. 3, n. 89, tomo 1 (1983); TAVARES, Francisco (1750-1812), Instrucções e cautelas practicas sobre a natureza, differentes especies, virtudes em geral e uso legitimo das aguas mineraes [...] com a noticia daquellas que são conhecidas em cada huma das Provincias do Reino de Portugal, Coimbra, 1810 [Trabalho exaustivo no que respeita à localização das fontes de águas minero-medicinais existentes em Portugal e respectivas indicações e contra-indicações, bem como indica como preparar artificialmente diversas águas idênticas a outras naturais; BN: SA 12450 P].

ÁGUA BENTA A igreja sacraliza a água pela benção litúrgica, por cuja intervenção é obtida a água benta, a qual encarna uma virtude transmitida. A água benta purifica e clarifica todas as coisas, afugenta os demónios, protege das doenças, garantindo a salubridade e a paz de Deus. Usa-se nos exorcismos (para afugentar os espíritos malignos), no *baptismo, etc. Na missa simboliza o suor que se misturou ao sangue de Cristo no horto, bem como aquela água que saíu do seu flanco ferido pela lança do centurião Longinus. O *sal, alimento primeiro e remédio fundamental, vem completar o simbolismo da água benta e contrariar as influências maléficas que poderiam impedir esta de expressar todas as suas virtualidades. Da água benta misturada com sal a Igreja espera a «saúde da alma» e também a do corpo, na medida em que a acção corruptora do pecado é contrariada por este profiláctico. No exorcismo do sal, que abre a benção da água, a liturgia recorda um episódio pouco conhecido da vida da Igreja (2 Reis, II, 19-22). A primeira menção à água benta lê-se nas Actas de Pedro, escrito gnóstico composto por volta do ano 200: como Simão Mago habitara em casa do Senador Marcellus antes de haver sido convertido por São Pedro, Marcellus tomou água e invocando o Santo Nome de Jesus Cristo aspergiu toda a sua casa dizendo uma oração. Na Igreja oriental são conhecidas fórmulas de benção da água remontando ao séc. III, destinadas a aliviar os doentes e proteger do demónio. No Ocidente a água benta somente no início do séc. VI aparece, indubitaReza para benzer água suspeita de ter peçonha (ao mesmo tempo que profere a oração, quem vai beber ajoelha junto da água, fazendo cruzes com a mão por cima dela, com o objectivo de purificá-la das maleitas que possa conter) Por aqui passou S. Simão com seu cajado na mão, se esta água tiver peçonha que não me chegue ao coração.

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ÁGUA DE BORRAGEM velmente. O Liber Pontificalis, redigido nessa época, menciona a benção da água misturada com sal para aspergir as casas. Segundo o compilador dessa obra a iniciativa da introdução da prática ter-se-ia ficado a dever ao Papa Alexandre I (107-116?), apesar de não constar que tivesse sido conhecida, quer por *Santo Agostinho, quer por Cesário de Arles. As fórmulas actualmente prescritas para a benção da água datam do séc. VII, inspirando-se num ritual romano-galicano e constando do Sacramentário gelasiano. O povo crê que, consoante o objecto da cura desejada, se deve usar água benta de três pias baptismais de três igrejas cujos oragos sejam, ou todos machos, ou todos fêmeas. Em Moncorvo, antes do nascer do Sol no dia de *São João, as águas estão bentas e quem nelas se lavar fica livre de doenças durante o ano. Distante cerca de uma centena de metros de uma ermida da invocação de Nossa Senhora da Penha de França (Rebordelo, Vinhais, Bragança), existe uma fraga chamada das Ferraduras, de cuja base jorra a Fonte da Virgem, cuja água se acha sempre benta, podendo ser tomada sem perigo, mesmo no período agudo de qualquer doença. Diz-se que, andando Nossa Senhora pelo mundo, ao chegar à fraga em questão, teria sido surpreendida pelos mouros, só escapando aos perseguidores porque fez a sua burrinha (*burrinha de Nossa Senhora) trepar pela rocha acima, abrindo-se esta para ela entrar, logo se tendo fechado. Os mindericos (naturais de Minde) chamam regatinho santo à água benta e regatinho do Jordão à água do baptismo. De acordo com Bluteau (v. 1, p. 175), os químicos chamam Água Benedicta à água resultante «da infusão de Quintilio e de Crocus metallorum», citada na Poliantheia de Semedo (p. 808). *Água lustral, *água santa, *água de São João, *alma penada, *feitiço fraco, *orvalhada. BIBLIOGRAFIA TUDELA, Pedro, Crendices e Bruxedos, in Beira Alta, v. 25, n. 3 (1966), p. 430

ÁGUA DE BORRAGEM Segredo das boticas jesuíticas, peitoral e diaforético e, outrora, considerado laxativo. Na sua 116

preparação são utilizadas as flores e as folhas de Borago officinalis L.: as flores em infusões de meia onça, em duas e meia libras de água, e as folhas em decocções de uma e meia onça, para duas libras de água. ÁGUA CORREDIA Água corrente de rio ou ribeiro. Água corrente não pode ser enfeitiçada. Já os despachos (feitiços) atirados para água corrente são dificilmente anuláveis. Um feitiço torna-se inoperante se lançado à água depois de haver sido achado. No Cadaval, diz-se antes de beber de tal água: «Água corredia, / não faças mal à minha barriga, / Nem de noite nem de dia, / Nem à hora do meio-dia / Padre Nosso e Ave Maria». Já em Tolosa, faz-se uma cruz sobre elas com a mão direita, dizendo: «Nossa Senhora passou por aqui e não morreu: / Também heide beber e não hei-de morrer». ÁGUA DE CU LAVADO Expressão registada em Vilar Seco de Nelas (1939) e Lisboa. Quando uma rapariga quer ser amada por determinado rapaz faz-lhe um *feitiço que consiste em dar-lhe de beber água de cu lavado ou *água de lava-rabos. *Carapinhado. ÁGUA DIZIMADA Pelo *São João, à meia-noite, é bom dizimar a água, o que consiste no seguinte: enche-se uma vasilha pequena numa fonte e vai-se deitando para o lado nove vezes e a última, que perfaz o dízimo, atira-se para trás das costas por sobre a cabeça, evitando molhar-se o operador. Em algumas regiões, quando se tira água nove vezes (potenciação homeopática) o líquido obtido pela nona vez é considerado remédio para maleitas. *Homeopatia. ÁGUA FERRADA Prepara-se introduzindo dentro de água o cabo de um garfo de ferro ou um prego novo de ferro, em brasa (Mexilhoeira Grande). Em alternativa à água, pode optar-se por leite (*leite ferrado) ou por aguardente (*aguardente ferrada).

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ÁGUA DE LAVA-RABOS ÁGUA DE FLOR Preparada com pétalas secas. Em Bragança, diz-se que as futuras mães que limparem o ventre com esta água parirão crianças bonitas e sãs. Na Serra de Aire, o mesmo procedimento faz as meninas nascerem brancas. Em outras regiões (Torres Novas, Almeirim, Vila Nova da Barquinha, Golegã, etc.) prefere-se a aguardente ou o álcool da botica. Os Ditos e Sentenças de Reis […] (n. 1293, p. 453) dão conta da tradição de se lançar água de flor à passagem do *Santíssimo Sacramento. ÁGUA DE FUNCHO Segredo das boticas jesuíticas destinado a expulsar os flatos e a abrandar as cólicas intestinais. Água espirituosa obtida a partir de sementes do funcho (Foeniculum vulgare Miller), «crasso modo contusas», tártaro cru e água da chuva. Depois de macerar tudo durante dois dias, destilava-se em alambique e filtrava-se o líquido resultante. ÁGUA DE INGLATERRA Remédio febrífugo preparado pelos indígenas peruanos, a partir da maceração de cascas de Quina-Quina, cujas propriedades terapeuticas foram descritas pelo cardeal de Lugo, em 1650. Foi a droga mais receitada no seu tempo contra as sezões. O primeiro português a manipular a Água de Inglaterra foi Fernando Mendes (14 de Abril de 1681), cuja fórmula não obteve grande fortuna. Posteriormente, surgiu uma outra fabricada pelo *Dr. Jacob de Castro Sarmento que mereceu uma geral aceitação. O sucesso desta suscitou o aparecimento imediato de diversas contrafacções, a primeira das quais foi lançada no mercado por *André Lopes de Castro, sobrinho do Dr. Jacob de Castro Sarmento. Foram falsificadores de nomeada: *José Joaquim de Castro (filho de André Lopes de Castro e cujas pretensões foram discutidas na sessão de 14 de Maio de 1821, das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa), *António José de Sousa Pinto (boticário lisboeta), *José Francisco Borralho (boticário da Real Botica de Sua Majestade), *José Cardoso Ro-

Garrafas em que era comercializada a Água de Inglaterra fabricada por André Lopes de Castro.

drigues Crespo (boticário, morador no Rossio), *João António Pereira e Sousa (boticário da Rua da Boavista), etc. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Documentos que autorisão a verdadeira Agua de Inglaterra da composição, e manipulação de António José de Sousa Pinto, Lisboa, Imprssão Régia, 1810; CASTRO, André Lopes de, Aviso ao Público a Respeito da Ágoa de Inglaterra da composição do Doutor Jacob de Castro Sarmento, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1799; DIAS, José Pedro Sousa, A Água de Inglaterra no Portugal das Luzes: contributo para o estudo do papel do Segredo na terapêutica do século XVIII, Lisboa: Faculdade de Farmácia, 1986 [Monografia dactilografada]; ESAGUY, Augusto M. de, Notícia sobre a Água de Inglaterra, Lisboa, 1936; idem, Água de Inglaterra, Baltimore, 1936; idem, Água de Inglaterra, in Imprensa Médica (1951?); idem, Água de Inglaterra: nótulas, Lisboa, 1936; idem, Nótulas relativas às Aguas de Inglaterra, Lisboa, 1931; idem, Uma água curativa fabricada em Inglaterra e Portugal, in Imprensa Médica, a. 23 (Nov. 1959), p.. 407-413; idem, Uma notável descoberta portuguesa, a Água de Inglaterra, in Monit. Farm., n. 7, 163 (1937), p. 10-11; FONSECA, L. Falcão, Três séculos de medicação antipalúdica: pó de quina, Água de Inglaterra e quinino, in Revista portuguesa de Farmácia, v. 28, n. 4 (1978), p. 348-372; FRIEDENWALD, Harry, Ferdinando Mendes. A comedy of errors, Londres, 1938 [Biografia do primeiro fabricante de Água de Inglaterra]; GANDRA, Manuel J., Subsídios para a bibliografia crítica das fontes e estudos respeitando ao Hermetismo em Portugal. I. Alquimia (tratamento biblioteconómico de Amélia Caetano), Mafra, 1994; LEMOS, Maximiano de, Jacob de Castro Sarmento, in Ilustração transmontana, n. 3 (1910), p. 114-125; PINA, Luís de, Notas para a história médica nacional ultramarina. A Água de Inglaterra em Angola, in Jornal do médico, n. 1 (1940); SALDANHA, Aleu, Dr. Fernando Mendes, hispano-trancosense, in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciências, t. 14 (1970); VILHENA, Jardim, Água de Inglaterra, in O Instituto, n. 12 (1932), p. 318.

ÁGUA DE LAVA-RABOS O mesmo que *água de cu lavado. 117

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ÁGUA LUSTRAL ÁGUA LUSTRAL O mesmo que *água benta. ÁGUA DO MAR Os povos ribeirinhos creem que abaixo do sítio onde a maré chega estão livres de tudo o que temem durante a noite. As coisas ruins não podem descer àquele local, porque «a água do mar é sagrada». Além disso crê-se que quem se molha na água do mar não se constipa. *Água benta, *sal. BIBLIOGRAFIA FERREIRA, Maria do Rosário, Águas doces, águas salgadas: da funcionalidade dos motivos aquáticos na Cantiga de Amigo (tese de mestrado Literaturas Comaparadas Portuguesa e Francesa), Universidade Nova, Lisboa, 1996 [BN: L 55085 V]

ÁGUA MARINHA Pedra semi-preciosa. Simboliza a pureza, a inocência e a clareza de visão. ÁGUA MINERAL Outrora, eram atribuídos efeitos divinos às águas minerais. O seu uso andava, muitas vezes, a par da invocação de potências sobrenaturais ou divindades cujos atributos terapeuticos se supunham transpostos para tais águas, casos, por exemplo, de *Tongoenabiagus, génio da *Fonte do Ídolo (Braga), ou de *Santa Marta (Ericeira). ÁGUA DE PASTINACA AQUÁTICA *Água de rabaças. ÁGUA DE PURIFICAÇÃO Motivo que ocorre na *arte rupestre portuguesa, sob a forma de um conjunto de linhas serpentiformes quebradas e em ziguezague, do qual se tem querido extrair uma semântica ofiolátrica (Bouza Brey), associando-o, igualmente, à água purificadora, regeneradora e revivificante (Georg e Vera Leisner e Albuquerque e Castro). As fontes de água fria são ainda hoje utilizadas na Califórna (USA) por xamãs para induzir estados alterados de consciência no final de uma busca de visão, a qual implica a privação de todo o tipo de alimentos durante 118

Um dos motivos interpretados como representando a água de purificação, no monumento dolménico de Antelas.

alguns dias. Convém recordar que, tradicionalmente, uma *mãe-de-água é interpretada como uma entrada para o mundo subterrâneo. BIBLIOGRAFIA FERREIRA, Bettencourt, Vestígios do culto da serpente (ofiolatria) na prehistória lusitânica, in A Águia, v. 5 (1924); SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940

ÁGUA DE RABAÇAS Também *água de pastinaca aquática (Apium nudiflorum L.), planta aquática de flores brancas. Segredo das boticas jesuíticas, com propriedades antiescorbúticas, peitorais, boa para quebrar a pedra nos rins e na bexiga e usada contra o mau hálito. ÁGUA RÉGIA Nome que se dá ao resultado da mistura dos ácidos nítrico e clorídrico (cf. Bluteau). ÁGUA SANTA Em Moncorvo, diz-se que, antes do nascer do Sol no dia de *São João, a água é santa (*água benta) e quem nela se lavar ficará imune a doenças durante o ano. Em outras regiões par-

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ÁGUAS SANTAS tilha-se da mesma opinião, motivo por que as fontes são visitadas na noite de S. João para encher vasilhas com a «água da meia-noite» (Santarém). Em Minde, as raparigas iam à «Fonte da Serra para ouvir cantar as mouras e encherem os potes de água abençoada». Em algumas localidades do Vale de Santarém havia, antigamente, o costume de ir «tomar o banho santo» às Caldas da Rainha, na noite do Precursor. Afirma, ainda, o povo que a *água de São João (*orvalhada) «sela os amores e faz lindas as raparigas». ÁGUA DE SANTA ANA *Santa Ana. ÁGUA DE SÃO JOÃO *Orvalhada. ÁGUA SECA Designação química para o salitre (cf. Bluteau, v. 1, p. 175). AGUADO Em Ponte da Barca usa-se um bolo contra o aguado, cuja receita é reproduzida por João Amorim Machado Cruz (cf. O Bolo dos Aguados, in Douro Litoral, v. 8, 1943, p. 63). *Aguamento. AGUAMENTO O mesmo que *aguado, *augamento, *ougamento, *ougarice (Gulpilhares) e ouguice (Canidelo), maleita atribuída ao facto de se ter desejado comer qualquer coisa que foi recusada. Diz-se que uma criança tem aguamento quando apresenta o cabelo arrepiado e está magrinha, não tem apetite e não medra. Para o tirar, procede-se em conformidade com as seguintes práticas: A. Coze-se um litro de feijão frade em bastante água; com essa água morna, dá-se banho à criança durante três dias consecutivos, sem a limpar e enrolando-a numa combinação; no fim do tratamento, deita-se a água fora, para trás das costas. B. Pedem-se sete pedaços de toucinho a sete Marias, os quais são derretidos; junta-se-lhes água com a qual se dá banho à

criança durante sete dias consecutivos; no fim do tratamento, deita-se a água fora, para trás das costas, numa encruzilhada. AGUARDENTE Em termos alquímicos, é a chispa comunicada à matéria inerte pelo Criador, provocando a revitalização dela. Sobre o uso e abuso da aguardente, pronuncia-se o povo do seguinte modo: «Não me chameis aguardente,/Chamai-me água feita,/Curo-vos as feridas,/Sirvo-vos de receita./Mas quem comigo se meter,/Meto-o três dias na cama / Que não se há-de poder erguer». AGUARÉS Chefe de 36 legiões, mencionado no elenco dos principais demónios estabelecido pelo cânone 7 do Concílio de Braga (560-563). Assume a aparência de um cavaleiro cavalgando um crocodilo e mantendo um pardal na mão fechada. Confere o dom das línguas e faz dançar os espíritos da terra. ÁGUAS Invocação mariana, cultuada numa capela em Rio Covo (Barcelos). ÁGUAS SANTAS Localidade do concelho da Maia (Porto). O Padre Figueiredo dá os templários como inquilinos temporários do convento de Santa Maria de Águas Santas, o que não é, de todo, verosímil, uma vez que, desde a sua fundação até 1321, sempre pertenceu aos cónegos regrantes de Santo Agostinho. O Santuário Mariano (1716) apresenta duas explicações para o topónimo: A. a do martírio de cinco fiéis, de cujo sangue derivou a santificação das águas; B. a imagem do orago, Nossa Senhora do Ó, teria aparecido junto de alguma fonte cujas águas passaram a ser tidas por milagrosas. Até 1874, uma particularidade distinguia-a das restantes igrejas românicas regionais: ser constituída por duas naves, a central e a lateral do Norte. Nesse ano, o pároco, preocupado com a falta de simetria do templo, mandou edificar a actual nave do Sul, semelhante à do Norte! A imagem da 119

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ÁGUEDA, SANTA

Capitel da nave da igreja de Águas Santas.

Santa Águeda (pormenor de predela): 2.º quartel do séc. XVI [MNAA].

padroeira é do séc. XVII (madeira; 1200 mm), tendo substituído imagem gótica, desaparecida. O capitel da nave maior, junto da ábside, do lado Sul, denominado das sereias por Joaquim de Vasconcelos, a mulher e a serpente por Aarão de Lacerda e «orantes tendo inferiormente filacteras» por Armando de Matos, pode simbolizar a alma virtuosa tentando libertar-se do pecado. De facto, observam-se nele dois bustos humanos de braços erguidos (orantes), tendo inferiormente bandas irregulares, sinuosas (serpentes), cercados por elementos fitomórficos de que sobressai uma palma (martírio, triunfo, felicidade celeste).

res no peito, em geral e igualmente contra as erupções vulcânicas, os tremores de terra, os incêndios e o raio. Padroeira dos sineiros e das amas de leite. Tem como atributos, além da palma comum a todos os mártires, uma bandeja com dois seios arrancados e uma tenaz, alusivos ao suplício que lhe inflingiram. Ernesto Soares descreve alguns registos que a iconografam [04705, 04707 a 04717], ostentanto os seios sobre uma bandeja.

BIBLIOGRAFIA FRONTEIRA, J., A igreja de Águas Santas no concelho da Maia, in O Tripeiro, s. 5, n. 1-2 (1945); MATOS, Armando de, Dois capitéis da igreja românica de Águas Santas, in Douro Litoral, s. 4, v. 6-7 (1951), p. 93-94; MONTEIRO, Manuel, Águas Santas, in Igrejas Medievas do Porto, Porto, 1954; OLIVEIRA, A. de Sousa, Santa Maria de Águas Santas: igreja de duas naves, in Amigos do Porto, v. 2, n. 4 (1957); PASSOS, Carlos de, A Igreja de Águas Santas, in Civilização, a. 9, n. 89 (Maio 1936), p. 17-20; VITORINO, Pedro, Águas Santas, in O Archeologo Portuguez, v. 20, n. 1-12 (Jan.-Dez-1915), p. 292-297; idem, A Igreja de Águas Santas, in Ilustração Moderna, a. 2, n. 15 (Julho 1927), p. 349-359

ÁGUEDA, SANTA A mesma que *Santa Ágata. Mártir da perseguição deciana, natural da Catânia. Ocorre no santoral primitivo português a 5 de Fevereiro, apenas como orago secundário. Advogada contra as dadas nos seios femininos e as do120

ÁGUIA No mundo helénico, tal como no latino, foi identificada com o sol, mensageiro de Zeus ou *Júpiter que a tomou como insígnia e a colocou no céu, onde é uma das constelações, porque em vésperas de uma batalha, quando oferecia sacrifícios, teve a visão de uma águia a fornecer-lhe os raios com os quais fulminava os inimigos. Participa, por essa razão, em grande número de mitos, sendo considerada a ave dos deuses e a rainha das aves. Nos Salmos (CII, 78 e CIII, 2 e 5) alude à renovação espiritual simbolizada pela rejuvenescimento primaveril da sua plumagem. No Deuteronómio (XXXII, 9-13), a propósito da saída do hebreus do Egipto e da sua libertação do jugo do faraó, Javé é comparado à águia que incita a sua ninhada a abandonar o ninho. Em Ezequiel (I, 10-11), os Quatro Viventes, detentores de quatro rostos cada um, possuem um de águia que parece

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ÁGUIA estar em harmonia com os seus corpos alados. No Apocalipse (IV, 7), o Quarto Vivente é uma águia em pleno voo. Leite de Vasconcelos descreve uma pedra encontrada na localidade de Assento (Vale de Nogueira, Vila Real), e que se supõe ter pertencido a uma fonte, na qual se lê a inscrição RENOVABITUR UT AQUILAE JUVENTUS TUA IN FONTE [Nesta fonte se renovará a tua mocidade como a da águia], inspirada no Salmo, CIII, 5 (ao qual foi acrescentada a expressão IN FONTE), no passo interpretado por *Santo Ambrósio como significando a graça do *baptismo: assim como a águia renova as penas e alcança idade provecta, assim a alma pode libertar-se do pecado e rejuvenescer graças ao baptismo (cf. Omnia quotquot extant opera, Basileia, 1567, III, p. 280 e Aldrovandi, Ornithologia, Bolonha, 1599, liv. 1, p. 67-68). Cf. também Isaías, XL, 30-31: «Os adolescentes cansam-se, fatigam-se e os jovens robustos podem vacilar, mas aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças; têm asas como a águia e voam velozmente, sem se cansar e correm sem desfalecer». O cristianismo converteu-a em símbolo de Deus Pai e de Cristo. No primeiro caso porque encarna a força e a soberania toda poderosa de Deus, enquanto, concomitantemente, simboliza Cristo em três dos seus mistérios: Baptismo (Salmo, CIII, 5); Ascensão (Voa mais alto que qualquer outra ave, fitando o Sol sem pestanejar, constituindo-se por esse motivo, como símbolo da Ressurreição); Juízo Final (Honório de Autun afirma no Speculum Ecclesiae que a águia leva os filhos até ao alto, expondo-os aos raios do Sol: aqueles que o fitarem sem pestanejar consideraos seus, aos outros repudia-os, alusão à separação entre eleitos e condenados). Mas o cristianismo descobre ainda na sua imagem a visão de Deus e a do homem que se eleva para Ele pela oração, fazendo da águia atributo de São João: o seu Evangelho inicia-se com o reconhecimento tácito do Logos-Luz, cuja divindade promulga. Para Santo António significa o varão justo: «De facto, a águia é de vista agudíssima e quando o bico, por causa da demasiada velhice, começa a engrossar, aguça-o contra uma pedra

Emblema alusivo ao percurso místico de Santa Teresa de Ávila, extraído de A Estrela dalva (Lisboa, 1727) de Frei António da Expectação.

e desta forma rejuvenesce. Assim o homem justo, com a agudeza da contemplação fita o esplendor do verdadeiro sol e se alguma vez o seu bico, isto é, o afecto do entendimento, começa a engrossar com qualquer pecado, de modo que não pode apanhar o costumado alimento da doçura interior, imediatamente o aguça na pedra da confissão e, desta maneira, rejuvenesce com a juventude da graça» (Obras Completas, v. 1, p. 55). Acrescenta, ainda, que a águia põe três ovos (amor de Deus, do próximo e do mundo), lançando fora o terceiro (o amor do mundo), a fim de alimentar convenientemente os dois primeiros, como convém ao justo (idem, v. 3, p. 332). Na abadia de Santa Maria de Cós (Alcobaça) uma águia de asas estendidas, símbolo da providência Divina (Santo António diria que as duas asas são a contrição e a confissão), proteje os fiéis, figurados por um conjunto de cabeças; a legenda Sub tuum praesidium confugimus Sancta Dei genitrix remete para a antífona dedicada à Virgem cantada antes do ofício de Laudes no rito cisterciense. Ocorre seis vezes nos braços do cadeiral do coro de Santa Cruz de Coimbra. Em Cataldo Parísio Sículo, águia (aquila) é qualificativo laudatório aplicado à cidade de Santarém, que das alturas domina a planície como a ave de Júpiter, e igualmente a Dom João II (cf. tese de mestrado de Ema Rodrigues Bacelar, O Livro II 121

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ÁGUIA BICÉFALA do poema Águia de Cataldo Sículo, Coimbra, Fac. Letras, 1986). Já para Francisco de Holanda águias são aqueles artistas «sobrepujadores dos outros todos e como penetradores das nuvens e da luz do Sol» (Diálogos de Roma). Segundo Alberto Magno, enquanto cria os filhos, a águia transporta para o ninho a *pedra águia, a qual, tem cor castanha e dentro dela possui outra que se ouve quando é chocalhada, razão por que também lhe chamam *pedra prenhe. Na opinião de Jerónimo Cortez, «obra muito nos partos das mulheres, atando-a na perna por baixo da virilha». Acrescenta ainda o mesmo autor que, moída e bebida, é eficaz contra toda a peçonha, desfazendo opilações, curando quartãs e terçãs e, se bebida com vinho, mata lombrigas. Numa pilastra «visigótica» (séc. VII) do Museu Arqueológico de Sines observa-se uma águia com uma lebre nas garras. Uma águia foi instrumento divino, salvando os habitantes de Celorico ao lançar alimentos sobre o castelo sitiado pelo conde de Bolonha (Crónica dos sete primeiros Reis, 1419, v. 2, c. 8, p. 235-237). Num dos volantes do tríptico do *Baptismo de Cristo, na igreja de S. João Baptista de Tomar onde se observa a Tentação de Cristo pelo Diabo, os pés deste são garras de águia, simbolizando a sua mortífera habilidade para caçar as presas. Intitulou-se A Águia o órgão de A Renascença Portuguesa (Porto, 1910-1932). ÁGUIA BICÉFALA Ave fabulosa, que fita oriente e ocidente (a totalidade do universo), concomitantemente. Distintivo heráldico dos imperadores de Bizâncio e de Carlos V. Ocorre em, pelo menos, sete brasões nacionais, desde finais do séc. XIII a finais de oitocentos: túmulo de D. Vataça (dama da Rainha Santa Isabel); túmulo de Dom Tibúrcio (bispo de Coimbra em tempos de Afonso III); Luís Álvares de Aveiro; Bocarros, de Beja; Godolfins; Temudos e Freitas; Miguel Ephrussi. Os carmelitas também usaram este símbolo, como se comprova pelos canudos de farmácia provenientes de conventos da sua Ordem. Alguns Areópagos do *Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA) adoptam águias bicéfalas 122

Jóia de Soberano Grande Inspector Geral (grau 33) do Rito Escocês Antigo e Aceite (2ª metade do séc. XIX).

(de Lagash), coroadas, com punhal nas garras, nas jóias dos graus 31º (Grande Inspector Inquisidor Comendador), 32º (Sublime Príncipe do Real Segredo) e 33º (Soberano Grande Inspector Geral). BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Francisco de Simas Alves de, A Águia bicéfala bizantina em Portugal, in Rev. Univ. de Coimbra, v. 37 (1992), p. 101-109; GANDRA, Manuel J., Colecção Maçónica Pisani Burnay, Sintra, 2000, p. 132-143

AGUIÃO Vento que sopra do Norte. O mesmo que *aquilão. AGUIAR, ANTÓNIA DE Mulata, livre, penitenciada no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, ocorrido a 10 de Julho de 1650, por feitiçarias e presunção de pacto com o demónio (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). AGUIAR, FREI FRANCISCO DE Conhecido pela alcunha de dedos pegados por possuir seis dedos numa das mãos. Religioso professo no convento da Estrela de Marvão

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AIA (Portalegre). Em Abril de 1580 foi processado pelo *Santo Ofício por ter proferido proposição heterodoxa num sermão que pregou no seu convento. Disse, então, que «os danados no inferno, até ao dia do juízo, vêem a Deus e a glória dos bem-aventurados». A Inquisição acusava-o ainda de outra heresia que consistia no seguinte: estando o guardião e religiosos no capítulo dissera um deles que no coro estariam mais quentes por se encontrarem na presença do Santíssimo Sacramento, ao que o réu respondera «quem sabe se ele está ali». Foi condenado a retratar-se perante a comunidade e a fazer abjuração pública dos seus erros [ANTT: Inq. Évora, proc. 400-5318].

Mesa onde Joaquim António de Aguiar, alegadamente, terá assinado o decreto que o celebrizou (Ilustração Portuguesa, Mai. 1909).

AGUIAR, JOAQUIM ANTÓNIO DE (1792-1874) Conhecido pelo Mata-frades, epíteto originado pela circunstância de ter assinado o decreto de extinção das ordens religiosas (30 de Maio de 1834). Doutor em Leis pela Universidade de

Coimbra, onde foi lente, Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Perseguido devido às suas ideias liberais, exilou-se, tendo regressado a Portugal com «os bravos do Mindelo» (1832). Foi deputado e par do Reino, filiado no Partido Regenerador foi ministro do Reino (1833-34; 1841-42 e 1865-66) e da Justiça (1834-36 e 1846) e três vezes Presidente do Conselho de Ministros (1841-42; 1860; 1865-68). AGULHA Se duas agulhas metidas numa bacia com água se juntarem, em noite de *São João, é prognóstico de casamento. Ver agulhas em sonhos prognostica embaraços, inquietações ou dores; comprá-las indicia conquista de triunfos. Sonhar com agulhas enfiadas traz intrigas de mulheres, enquanto ser picado por elas significa desgraças em perspectiva. Achar na rua agulha de coser é galinhaço (*azar), em Ponte da Barca. Passar uma agulha com um fio de retrós (de qualquer cor umas vezes, preto outras) pelos olhos de certas cobras (e víboras) e depois pela roupa de quem se deseja enfeitiçar, sem que essa pessoa saiba, faz com que ela fique a gostar de quem fez o feitiço (Baião). Camilo (Anátema, 7ª ed., cap. XII, p. 123-124) refere que enfiar uma agulha em torçal preto, passá--la pelos olhos de uma víbora entre o meio-dia e as duas horas e ao dar da meia-noite ir à porta de uma igreja e dizer três vezes «Almas! Almas! Três enforcadas, três afogadas, três mortas a ferro frio […]», suscita a aparição do *diabo e acrescenta que toda a mulher será de quem lhe der na saia, no lenço da cabeça ou na camisa, um ponto com essa agulha que se enfiou nos olhos da víbora. Agulha com que se cose a mortalha deve ir com o defunto para a sepultura. *Acultomancia. AGULHA DE ALBARDAR Utilizada por *Ana do Moinho para coser entorces. AIA As imagens de santos que não têm necessidade de vestes dizem-se vestidas de graça, as outras 123

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AIPO são de roca, apenas constituídas por cabeça, peito e braços, sendo a parte inferior uma armação de madeira, como a dos manequins. Às encarregadas das roupas das imagens dá-se o nome de aias. AIPO Planta de virtude contra as feiticeiras, utilizada para defumar doentes de feitiçaria. Em Misarela (Castelo Branco), na véspera de *São Marcos (24 de Abril), rega-se o aipo com *água benta para as feiticeiras o não colherem. O chá de aipo é preconizado contra a inflamação dos seios. Na linguagem das plantas é sinónimo de agonia e duelo. AIRES Invocação mariana, festejada em Viana do Alentejo, no quarto sábado e domingo de Setembro. Anda associada a uma hierofania, cujos principais contornos de sacralidade são relatados por Frei Agostinho de Santa Maria (Santuário Mariano, v. 6, p. 286-287): uns bois abandonavam misteriosamente o curral para pastar de noite, sendo encontrados de manhã no estábulo, sem terem causado qualquer dano às searas; Nossa Senhora aparece em sonhos ao lavrador proprietário dos animais revelando-lhe que ela mesma soltava os bois do curral, local onde desejava que lhe fosse construído um santuário; iniciada a edificação do templo longe do curral, a obra feita durante o dia aparecia destruída na manhã seguinte. Tudo indica (moedas, cipos funerários e os remanescentes de construções romanas) que a devoção cristã terá sucedido a outra de épocas anteriores (cf. Felix Alves Pereira, Antiguidades de Viana do Alentejo, in O Arqueólogo Português, v. 5 e 10, p. 271-295). Teve santuário quinhentista edificado na sua Herdade de Paredes pelo lavrador Martim Vaqueiro, em cumprimento de um voto. Na centúria de setecentos, a elevada afluência de romeiros determinou a edificação do templo actual (iniciado em 1743 e sagrado em 15 de Março de 1760 pelo Padre Lourenço Borralho, capelão do convento de Jesus de Viana do Alentejo), bem como a atribuição de um 124

O adro do santuário de Nossa Senhora de Aires em dia de romaria.

dia próprio de romaria a cada localidade alentejana e grupo profissional (principalmente pastores, ceifeiros, lavradores, mas também tendeiros e ciganos). A maior afluência de romeiros começava em finais de Agosto, acentuava-se em Setembro e prolongava-se pelo mês de Outubro. Em 1751, por Alvará de Dom José I, a feira que se fazia no local na véspera da romaria de Évora (quarto domingo de Setembro) foi elevada à categoria de feira franca, circunstância que contribuíria para a fixação da romaria na mesma data, a qual ainda hoje persiste. A antiga sala das confrarias, actual Casa dos Milagres, as dependências anexas e as envolventes da capela-mor contêm uma profusão impressionante de ex-votos, o mais antigo dos quais remonta a 1735. *Estrada dos diabos. BIBLIOGRAFIA BARATA, António Francisco, Alemtejo Histórico, Religioso, Civil e Industrial no Distrito de Évora, 1893, p. 65-85; ESPANCA, Túlio, Santuário da Senhora de Aires, in A Cidade de Évora, a. 34, n. 60, p. 273-284

AIRES, PADRE FRANCISCO (1597-1664) Jesuíta. Reitor do colégio da Companhia em Faro (1639-1642). Ínsigne teólogo ascético, tido na conta de santo.

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AIRES, MATIAS OBRA Regimento espiritual para o caminho do céu, Lisboa, 1654 [BN: R 12380 P]; Theatro dos triumphos divinos contra os desprimores humanos, Lisboa, 1658 [BN: R 19792 P]; Metaphoricos exemplares da esclarecida origem e illustre descendencia das virtudes, por evangelicas parabolas e allegorias figuras, com um tratado elogiaco sobre as excellencias da Virgem mãy de Deos [...], Lisboa, 1661 [BN: R 12422 P]; Paralellos academicos entre as duas Universidades, divina e profana, deduzidos á reformação dos costumes e melhoramento das vidas, Lisboa, 1662 [BN: R 4361 P]; Retrato de prudentes, espelho de ignorantes; aos primeiros alimento espiritual de bons acertos, aos segundos avisos de seus enganos, Lisboa, 1663 e 1664 [BN: R 10449 P] a mesma ed. com rostos e última página diferentes; Epitome espiritual sobre o que deve saber, crer, guardar, e obrar todo o christão, Lisboa, 1664.

AIRES, MATIAS (1705-1763) Matias Aires Ramos da Silva de Eça. *Arquimista, nascido em S. Paulo (Brasil). No Problema de Arquitectura Civil patenteia um circunstanciado conhecimento da Arte Real, porventura adquirido durante a permanência em Paris, onde cursou Química na Academia Real das Ciências, tendo sido discípulo do «espertíssimo Grosse». Uma vez regressado à pátria, ocupou o posto de vedor da Casa da Moeda onde terá, conforme opinião do seu biógrafo Ernesto Ennes, desenvolvido actividade laboratorial na quinta que possuía em Agualva (Cacém). Aí se dedicou numa atmosfera de ascetismo a rectificar, durante anos, a alegoria pela verificação, pois nas suas próprias palavras «os químicos antigos [...] escreviam sempre parabolicamente [...]». A paciente meditação a que sujeitou esse quase postulado motivou-lhe decerto o alerta contra as miragens da fé e as armadilhas da letra de que dá conta exemplificando com o *dissolvente universal, o qual, afirma, «segundo os princípios conhecidos não pode haver [...] se o há, deve ser entendido por outro modo e não materialmente como alguns artistas fazem: vejam o que dizem os autores em que se fundam, não sigam as palavras literalmente; e então verão ao que devem chamar dissolvente universal; tomem o que as palavras significam e não o que soam [...]. «A Química instruída, ou Física por excelência» de que Matias Aires se fez arauto, não o impediria de, inexoravelmente, partilhar da constatação exposta por todos os autênticos Adeptos, sem excepção, de que a via do exclusivo Labora, com o conse-

Palacete da Quinta de Agualva (Cacém), com capela anexa, dedicada a Nossa Senhora do Monte do Carmo, onde foi sepultado Matias Aires.

quente saber do visível, não permite por si só penetrar a «parte causal e produtiva» – o Occultus Vitae Cibus – para cuja revelação é indispensável o Ora. Por sua morte, que ocorreu em 1763, destinou, de acordo com disposição testamentária (datada de 24 de Janeiro de 1762), o seu laboratório ao filho: «Deixo a meu filho Manuel todos os meus vidros, instrumentos Químicos, e lhe recomendo se não aplique a aquela arte; por que ainda que seja a Rainha de todas as artes físicas, contudo não se aprende, senão com muito estudo, trabalho e despesa; e mais que tudo com muito perigo nas operações.» (cf. Ernesto Ennes, doc. 93, p. 336). OBRA Problema de Architectura Civil. A saber: porque razão os edificios antigos tinhaõ, e tem mais duraçaõ do que os modernos? E estes porque razaõ rezistem menos ao movimento da terra quando treme, Lisboa, Officina de Miguel Rodrigues e António Rodrigues Galhardo, 1770-1777, 2 vols. [BN: BA 454 A]; Reflexões sobre a Vaidade dos Homens ou discursos moraes sobre os efeitos da vaidade, Lisboa, Francisco Luiz Ameno, 1752; Lisboa, António Vicente da Silva, 1761; Lisboa, 1778;

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AJOELHAR Lisboa, Tipografia Rolandiana, 1786 [BN: SA 22095 P]; Lisboa, Estampa, 1971; Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980 e 2005; S. Paulo, 1942, 1966 e 1993; Rio de Janeiro, 1948 e 1962; Nantes, 1996 (De la vanité des hommes); Carta sobre a Fortuna (desde 1778 editada conjuntamente com as Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, sendo no entanto posterior à redacção desssa obra); Paris, 1996 (Lettre sur le bonheur) BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, Fiama Hasse Pais, Matias Aires e a Alquimia, in História, n. 54 (Abr. 1983), p. 69-73; COELHO, J. Prado, À margem das Reflexões de Matias Aires, in Brasilia (Coimbra, 1952); idem, O vocabulário e a frase de Matias Aires, in Boletim de Filologia, n. 15 (1955); idem, O humanismo de Matias Aires: entre o cepticismo e a confiança, in Rev. Brasileira de Filosofia, v. 15, n. 57 (Jan.-Mar. 1965); ENNES, Ernesto, O Dr. Matias Aires Ramos da Silva de Eça e o Palácio dos condes de Alvor às Janelas Verdes (Museu Nacional de Arte Antiga), in Ethnos, v. 2 (1940); idem, Um paulista insigne – Dr. Matias Aires Ramos da Silva Eça: contribuição para o estudo da sua vida e obra, in Anais da Academia Portuguesa de História, v. 5 (1941), p. 1-396; HADDAD, Jamil Almansur, Matias Aires, filósofo barroco do Brasil, in Rev. Brasileira de Filosofia, v. 9, n. 4 (1959); RAMOS, Luís A. de Oliveira, Doutrina acerca da história em escritores portugueses do século XVIII: Matias Aires e a História, in Bracara Augusta, n. 28 (1974); REAL, Miguel, Matias Aires – Filósofo da Agualva: no tricentenário do nascimento de Matias Aires, in Vária Escrita, v. 12 (2005), p. 193-240; SIMÕES, Manuel, Matias Aires: subsídios para a história do Iluminismo em Portugal, in Rassegna Iberistica, n. 46 (1993), p. 143-150; idem, Percursos do Iluminismo em Portugal: Matias Aires e o «Problema de Architectura Civil», in Rassegna Iberistica, n. 56 (1996), p. 153-161

AJOELHAR Postura de quem implora ou agradece graças. Exprime submissão, respeito, reverência, veneração, *adoração. Ajoelhar com ambos ou apenas um só joelho (outrora, prática exclusiva de reis e imperadores) tem significado distinto. AJUDA Invocação mariana, manifestada em distintas hierofanias: numa gruta de Peniche, a uma pastora de Bucelas, a outra de Arranhó (Arruda dos Vinhos), etc. A Senhora da Ajuda da Ucanha favorece os partos: quando uma mulher está prestes a dar à luz levam-lhe a imagem ao leito (cf. J. L. Vasconcelos, Cultos Phallicos em Portugal, in A Vanguarda, v. 1, n. 26, 1 Nov. 1880). Ernesto Soares descreve registos que as representam, consignando também, com o n. 3777, um do Senhor Jesus crucificado do mesmo título. 126

BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís da Silva, A lenda de Nossa Senhora da Ajuda em Santa Bárbara, in Bol. do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 8 (1950)

AL-DAJJAL Termo árabe, com o sentido de enganar, iludir, untar com alcatrão. ‘Al-Masih al-Dajjal significa literalmente O falso Messias, ou, por outras palavras, o *Anticristo, por oposição a ‘Al-Masih ibn Maryam, O Messias filho de Maria, isto é, *Jesus Cristo. A derradeira encarnação de kufr ou kafir (aquele que encobre Alá, a verdadeira natureza da existência, opondo-se ao mumin, o muçulmano que aceita e cumpre os ensinamentos do Profeta Maomé). O *Alcorão omite qualquer referência ao al-Dajjal, no entanto, o nome deste ocorre em todas as mais importantes compilações de Hadith, nas secções dedicadas ao *Fim dos Tempos, o período imediatamente anterior à *Hora (*Fim do Mundo), em cujo contexto há-de manifestar-se. Segundo a generalidade dos comentadores, serão inúmeros os sinais prenunciadores da Hora, entre os quais avultam a destruição da Ka’ba por um *abexim denominado Dhu’l-Suwayqatayn, a decadência moral da humanidade e diversas convulsões cósmicas. Porém, hão-de ser quatro os sinais maiores da iminência da Hora: a manifestação do al-Dajjal como indivíduo (porquanto pode assumir também as formas de um fenómeno social e cultural mundial e de uma força invisível); a manifestação do *al-Mahdi que combaterá o al-Dajjal; o reaparecimento do profeta Jesus, o qual ajudará a eliminar o al-Dajjal; o surgimento de Yajuj wa Majuj (*Gog e Magog), uma tribo, por vezes descrita como a décima terceira tribo de Israel, também dita dos Khazars (cujos representantes conhecidos são os judeus ashkenazim, descendentes de Togarma, neto de Noé e sobrinho de *Magog), que se espalhará pelo mundo causando a sua destruição. O reconhecimento do al-Dajjal é objecto de uma complexa ciência exposta nos Hadith, onde a sua fisionomia, bem como os estranhos poderes de que é detentor são minuciosamente descritos: possui um único olho, semelhante a uma uva; pode fazer-se ouvir em todo o mundo em simultâ-

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AL-MAHDI neo; mostrará o fogo aos homens mas não os queimará; mostrará a água aos homens que não conseguirão bebê-la; falará sobre o Jardim, tornando-o semelhante ao Fogo e do Fogo, fazendo-o passar pelo Jardim; tem as letras KFR (kufr ou kafir) inscritas na testa. AL-IMAM O imã encarna a «direcção suprema» da comunidade muçulmana ou *Islão. A questão do imamato tornou-se crucial após a morte do Profeta, em consequência das sucessivas querelas pelo poder, tendo dado origem a uma autêntica teoria teológica e jurídica, que reflecte as clivagens doutrinais entre sunitas e shi’itas, havendo ainda a assinalar divergências entre facções de cada uma das confissões. Em traços largos, a doutrina sunita visa defender a unidade e a paz no seio do Islão, sob a forma do califato histórico, advogando para o efeito: que a investidura de um imã é uma obrigação permanente da comunidade, em função da lei revelada e não de imperativos racionais; que só pode existir um imã à vez; que um imã pode ser investido quer por nomeação do seu predecessor, quer por eleição. Ao imã compete, de acordo com o sunismo, ser o garante da fé contra a heterodoxia, aplicar a lei e fazer justiça, proteger a paz no território do Islão e defendêlo contra os inimigos externos, receber as esmolas legais, os impostos e o quinto do saque, distribuir os bens segundo a lei e, enfim, escolher homens honestos e dignos de confiança em quem possa delegar a sua autoridade. Já a doutrina imamita dos shi’itas duodecimais, cujas linhas mestras foram formuladas no tempo do imã Dja’far al-Sadik († 148/765), funda-se na permanente necessidade que a humanidade tem de um chefe infalível, guiado por Deus, e de um mestre incontestado em matéria religiosa. Nesta acepção a única diferença sensível entre um imã e um profeta consiste na circunstância de aquele não transmitir um texto revelado. Segundo esta doutrina o imã tem o direito de exercer a direcção quer política, quer religiosa, constituindo o seu imamato uma missão de direito divino. Assim, a crise originada pela

morte sem descendência do 11º imã seria resolvida pela assunção de que teve um filho, mas que este se encontra ausente, em parte incerta. O 12º imã, apesar de oculto, acha-se, com efeito, em condições de assumir as funções essenciais do imamato. Foi identificado com *alMahdi, cujo advento é aguardado para antes do *Fim do Mundo. Em 539 da Hégira (1144), o muridine *Abu ‘Abdallah Muhammad Ibne Qasi (?-1151) autoproclamar-se-ia, em Mértola, Al-Imam al-Mahdi, título que divulgou em numismas que mandou cunhar nessa localidade e em Beja. AL-MAHDI Para o Islão sunita trata-se simplesmente de um homem descendente do Povo da Casa (i. e. do sangue do Profeta), o qual se revelará no *Fim dos Tempos para reforçar a fé e tornar manifesta a justiça. Por seu turno, na óptica dos shi’itas, que o reverenciam como o Imã (*al-Imam) Oculto ou Montazar (O Esperado), destinado a desvelar o sentido espiritual de todas as revelações anteriormente dispensadas à humanidade, anda desaparecido, desde 24 de Julho do ano 874 (260 da Hégira). Crê-se que vive oculto numa montanha da Arábia, sendo descrito com a aparência de um jovem montado num cavalo branco e identificado com o *Consolador (*Paracleto) anunciado por *São João. O título parece ter sido aplicado pela primeira vez a um enteado de Ali e Fátima, Mohammad Ibn al-Hanafiya, falecido cerca do ano 700. Corresponde ao paradigma do *Desejado das tradições arturianas e sebastianistas, conforme João Franco Barreto justamente recorda, abonando-se em João de Barros (Década primeira, liv. 10, cap. 6): «[...] Também os Persas esperam a Mahamed Mahadii, que dizem não é ainda morto; e esperam por ele dizendo que há-de vir mostrar-se às gentes para acabar de declarar a verdade de todas as leis, seitas e opiniões e converter assim todo o mundo, em cima de um cavalo. E que há-de começar esta conversa de Maxadalle [i. e., a cidade iraquinana de Nadjaf ], onde seu avô Ali jaz sepultado. E por esta causa ali [aliás, na mesquita de Kufa, no Iraque] está 127

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ALÁ publicos d’aquelle continente, Lisboa, 1809; CALDAS, José Joaquim da Silva Pereira, Mahadi: o que é e o que vale esta Palavra Árabe, Braga, 1885; CARNOY, Henri, O Mahdi e as associações religiosas muçulmanas, in Vida Moderna, a. 5, n. 22s. (1884); MASCARENHAS, José Freire de Monterroio (1670-1760), O Novo Nabuco ou sonho interpretado do Sultão dos Turcos Achmet 3º exposto em huma carta vinda de Constantinopla, Lisboa, 1717; idem, O Encuberto Mahometano, ou Mohaidin redivivo cujo prodigioso successo se expoem em huma carta escripta de Astracan Emporio do mar Caspio em 14 de Agosto do anno de 1720, Lisboa Ocidental, Pascoal da Silva, 1721 [BPNM: 2-55-7-13 (26º); BN: L 3199 A; L 9062 (5º) P; L 6254 V].

ALÁ Do árabe, allah. Um dos nomes de Deus. A lista clássica dos 99 nomes de Alá conhecida por Nomes Maravilhosos, pode ser utilizada tanto na *oração, como na devoção.

Rosto do folheto intitulado O Encuberto Mahometano, ou Mohaidin redivivo cujo prodigioso successo se expoem em huma carta escripta de Astracan Emporio do mar Caspio em 14 de Agosto do anno de 1720, no qual é narrada a história de um ermitão persa que se fez passar por Mahomet Mohaidin, neto de Maomé, arrebatado vivo ao paraíso.

sempre um cavalo selado, esperando por este seu califa, o qual cavalo, ao tempo que se querem acender as candeias, é trazido à mesquita a oferecer. E em uma certa festa do ano trazem este cavalo com toda a solenidade que pode ser a ofertar na mesquita onde jaz Ali em modo de precação que mande aquele seu neto, que esperam [...]» (cf. Micrologia Camoniana: Sebastiam). Em 539 da Hégira (1144), o muridine *Abu ‘Abdallah Muhammad Ibne Qasi (?1151) autoproclamar-se-ia, em Mértola, AlImam Al-Mahdi, título que divulgou em numismas que mandou cunhar nessa localidade e em Beja. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Nova relação do funesto e lamentavel fim que tiveram os dous falsos prophetas que no anno de 1762 forão castigados na cidade de Cambray, Lisboa, 1763; ANÓNIMO, Nova e interessante noticia da vida e costumes de um pretendido profeta asiatico e dos conselhos que dá nos lugares

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ALA DOS NAMORADOS Denominação da ala direita da vanguarda do exército português (sob o comando de D. Nuno Álvares Pereira), na *batalha de Aljubarrota (14 de Agosto de 1385). Tal «leda companhia», como lhe chama Fernão Lopes, era constituída por 200 lanças e 100 besteiros, sendo capitaneada pelos irmãos Mem Rodrigues de Vasconcelos (ulteriormente, grão-mestre da Ordem de Santiago) e Rui Mendes de Vasconcelos e tendo o alferes Álvaro Eanes de Cernache (falecido em 1404 e sepultado no convento do Corpus Christi, em Gaia) por anadel-mor dos besteiros de cavalo. Também denominada dos Aventureiros e dos Cavaleiros Andantes, adoptou um pendão verde por insígnia, tendo sido consagrada pela literatura (Camões, Rodrigues Lobo, etc.) como paradigma do heroísmo juvenil consagrado à defesa da pátria. A circunstância de não concorrer na Ala dos Namorados nenhum dos requisitos canónicos indispensáveis para ser considerada autêntica Ordem Religiosa (observância dos três votos de pobreza, castidade e obediência; profissão individual; aprovação e confirmação apostólica) não inviabiliza, no entanto, a sua legitimidade enquanto Ordem Militar, estatuto também partilhado pela *Ordem da Madressilva, à qual competiu formar a ala esquerda da vanguarda do exército português no mesmo prélio.

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ALABARDA BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Vilhena, Estudos Históricos e Archeologicos, v. 1, Lisboa, 1874, p. 247-253; CAMÕES, Luís de, Os Lusíadas, IV, 24; FERREIRA, Alexandre, História das ordens Militares que houve no Reyno de Portugal, Lisboa, 1735, p. 220-458; LOBO, Rodrigues, O Condestabre, Lisboa, Pedro Crasbeeck, 1610, XIII; LOPES, Fernão, Chronica de El-Rei D. João I, Lisboa, 1897, cap. XLII, p. 160-168; MARTINS, Oliveira, Vida de Nun’Álvares, cap. VI (Aljubarrota); SOUSA, Frei Luís de, Chronica de S. Domingos, Lisboa, 1623, parte 1, liv. 6, cap. 5

ALABANÇA Oração que António de Sá Carrança, tecelão, cristão-novo preso pela Inquisição de Coimbra, em 1701, costumava dirigir a *Adonai, Deus de Israel: «Tantas graças e louvores sejam dados ao Senhor, como de estrelas há no céu e areias no mar, folhas nos carvalhos e telhas nos telhados, rios correm, aves voam, pedras compostas e por compôr, bendito e glorificado seja o nome do Senhor» [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 8995]. ALABARDA Artefacto lítico (sílex ou chert), ou metálico, geralmente votivo. Neste derradeiro caso característico do Bronze Antigo e amplamente representado no território nacional, muitas vezes alvo de deposições rituais no leito dos rios. Representações de alabardas líticas nos santuários rupestres de Molelinhos (Tondela) e da Pedra Letreira (Amieiros, Góis); as metálicas ocorrem em estelas antropomorfas (São João de Negrilhos; Trigaxes 1; Abela; Assento; Longroiva; Ervidel I, etc.), achando-se presentes também em alguns santuários rupestres portugueses (na Pedra Letreira, de Góis, etc.), mas igualmente nos da Galiza, do Grande Atlas (Marrocos), Valcamonica (Itália), Fontanalbe e Vallée des Merveilles (França), atestando o seu papel inequivocamente cerimonial e religioso. São seis as tipologias principais deste instrumento fundido em cobre arsenical, das quais as três seguintes são as mais frequentes na Península Ibérica: A. Argárica; B. Montejícar (de origem mediterrânica, com ascendentes em exemplares cretenses de finais do 3º milénio: achados no Algarve, em Monte do Castelo, Campina e Passadeiras I, e em Vale de Carvalho, nos arredores de Al-

As três tipologias de alabardas metálicas mais frequentes na Península Ibérica: Argárica (A), Montejícar (B) e Carrapata (C).

cácer do Sal, todos do 2º milénio a. C.); C. Carrapata (lâmina triangular larga, com nervo longitudinal, o qual é seguido, de ambos os lados, por caneluras que acompanham o fio da folha; zona de encabamento muito larga, com contorno triangular de ângulos arredondados, possuindo três orifícios para rebites). Correspondem a este derradeiro modelo (carrapatas) as alabardas características do Noroeste português, a maioria das quais (nove) são oriundas da bacia de Mirandela ou dos seus contrafortes (Abreiro, Carrapatas, Vale Benfeito, em Macedo dos Cavaleiros, e Alto das Pereiras, em Vimioso). Datadas de 1900 a 1800 a. C. (Bronze Antigo), integram um grupo de artefactos de tipo atlântico, cuja circulação se estendeu às Ilhas Britânicas e à Bretanha. *Armas (arte rupestre), *machado. BIBLIOGRAFIA BARTHOLO, Maria de L., Alabardas da época do Bronze no Museu Regional de Bragança, in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959, p. 431-439; BLAS CORTINA, Miguel Á. de, Estelas con armas: arte rupestre y paleometalurgia en el Norte de la Península Ibérica, in 1º Symposium Internacional de Arte Prehistorico de Ribadesella (El Arte Prehistorico desde los inícios del siglo XXI), 2003, p. 391-417; COSTAS GOBERNA, Fernando Javier / HIDALGO CUÑARRO, José Manuel (coord.), Los motivos de fauna y armas en los grabados prehistóricos del continente europeo, Vigo, 1997; GOMES, Mário Varela / MONTEIRO, J. Pinho, As estelas decoradas da Herdade de Pomar (Ervidel-Beja) – estudo comparado, in Setúbal Arqueológica, v. 2-3 (1976-1977), p. 281-343; JALHAY, Eugenio, A Alabarda de silex do Casal da Barba Pouca (Mação) e a expansão das lanças e alabardas líticas em Portugal, in Brotéria, v. 44, n. 1 (Jan. 1947), p. 36-56; PEÑA SANTOS, A., Las representaciones de alabardas en los grabados rupestre gallegos, in Zephyrus, v. 30-31 (1980), p. 115129; PEÑA SANTOS, A., O tema da alabarda nos Grabados Rupestres Galegos, in Brigantium, n. 1 (1980); SANCHES, Maria José, Alabardas de Tipo Carrapatas, in A Idade do Bronze em Portugal: discursos de poder, Lisboa, 1995, p. 29-30

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ALABASTRO ALABASTRO Espécie de calcário, translúcido (gápsum), que retira o seu nome da localidade egípcia de Alabastron, onde existia uma jazida da qual era extraído. A luminosidade que irradia contribuíu, desde tempos pré e protohistóricos para a sua adopção como matéria-prima privilegiada de estatuetas e demais objectos para uso sagrado. Ocorre no Novo Testamento em conexão com o episódio da mulher pecadora que ungiu a cabeça de Jesus com óleo que retirava de um vaso de alabastro enquanto este ceava em casa do fariseu, Simão, o leproso (Marcos, XIV, 3; Lucas, VII, 37) Várias dezenas de imagens medievais (séc. XIV-XV) de origem inglesa (oficinas de Nottingham, Londres, Stafford, Derby, York e Norwich) são conhecidas em Portugal (MNAA, Museu do Carmo, Sé de Aveiro, matriz de Cernache, igreja dos Mártires de Lisboa, igreja de S. Leonardo da Atouguia da Baleia, Pinheiro de Bemposta, etc.), algumas representando a Trindade sob a forma de trono de graça, outras manifestando-a por intermédio de três figuras antropomórficas. Na tradição retórico-estilística da poesia petrarquista (séc. XVI) o alabastro é metáfora do colo da amada. BIBLIOGRAFIA DIAS, Pedro, Alabastros medievais ingleses em Portugal: subsídios para o seu estudo e inventariação (região das Beiras), in Biblos (1979), p. 256-287

ALAGOA Invocação mariana festejada em Outeiro de São Miguel (Argomil, Pinhel). A denominação tem origem num pequeno lago sazonal que se forma numa depressão vizinha da capela, suposto castigo de Nossa Senhora, destinado a punir a impiedade de um antigo proprietário. Diz-se que a imagem, aparecida a uma pastora, obra prodígios, sobretudo naqueles que padecem de *gota coral e de *gota podagra (João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 238). Em tempo de seca, as populações limítrofes vão em peregrinação ao santuário para implorar chuva a *Santa Ana. BIBLIOGRAFIA PEREIRA, Valentim, Senhora da Alagoa: lenda e tradições, in Revista Altitude, n. 5-6 (1982), p. 37-44

ALAMÃO Masculino de *alamoa. ALAMBIQUE Do árabe, al-anbiq, termo utilizado pela primeira vez nos Maqasid (157, 23) de Al-Gazali. Aparelho de origem clássica (ambix), destinado à destilação, que assumiu a sua forma definitiva no Islão. O sevilhano Ibn al’ Awwam descreveo detalhadamente ao tratar da destilação da

ALADEL, PADRE Sacerdote da Congregação da Missão, autor de A Medalha Miraculosa: sua origem, história, difusão e resultados ou Nossa Senhora das Graças e os actos da sua misericórdia (Porto, Imprensa Comercial, 1884, trad. Francisco d’Azeredo Teixeira de Aguilar, conde de Samodães), obra na qual trata das aparições da *Imaculada Conceição à Irmã Catarina de Labouré e dos milagres realizados pela medalha cunhada de acordo com as instruções daquela religiosa. *Medalha milagrosa. ALAGADA Invocação de uma imagem de Nossa Senhora, festejada em Vila Velha de Ródão, durante o mês de Agosto. 130

O alambique na heráldica do panteão dos Cabrais (Belmonte).

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ALAPRAIA água de rosas (cf. Libro de Agricultura, Madrid, 1802, p. 397). É composto por três peças: a cucurbita ou caldeira, o capitel ou chapéu e a serpentina. Na primeira coloca-se o líquido cuja destilação se visa, enquanto o capitel recebe os vapores, dirigindo-os para a serpentina, mergulhada num refrigerante. Em sentido figurado significa aquilo que apura, purifica ou filtra. No panteão dos Cabrais, em Belmonte, figura um alambique posto em campo heráldico. Para S. Bernardo o alambique simboliza o coração que, conforme as ervas que tem dentro, assim respira o bom ou o mau cheiro que exala. ALAMBRE *Âmbar. ÁLAMO Uma das 27 árvores representadas na heráldica familiar portuguesa. Na linguagem das plantas, o álamo branco significa tempo, enquanto o preto é sinónimo de coragem e valor. *Camões (Os Lusíadas, IX, 57) aponta o álamo como atributo de *Alcides. ALAMOA O mesmo que *amazona, excepto em Gondifelos (Famalicão) onde são entidades distintas, aplicando-se como epíteto a qualquer mulher alta, gorda, branca, de seios avantajados (Leite de Vasconcelos, Tradições populares de Portugal, Porto, 1882, p. 279). Na ilha de Fernando Noronha chama-se alamoa (corruptela de alemã?) a uma mulher branca, nua, de longos cabelos louros, cuja residência é uma elevação rochosa inacessível, denominada Pico. À sexta-feira a pedra do Pico fende-se e numa porta que se abre surge uma luz que atrai pescadores e caminhantes. Uma vez ali entrados, ela transformase em esqueleto, endoidecendo os enfeitiçados. Segundo outra versão, o espectro guarda um tesouro que oferece aos corajosos. O primeiro registo literário do mito da alamoa deve-se ao poeta brasileiro Gustavo Adolfo (Risos e Lágrimas, Recife, 1882). BIBLIOGRAFIA CASCUDO, Luís da Câmara, Geografia dos Mitos Brasileiros, S. Paulo, 2002, p. 251-254

ALAPRAIA Denominação de um conjunto de quatro hipogeus, ou grutas artificiais, escavadas em substracto calcário, no concelho de Cascais. Remontando ao último quartel do IV milénio a. C., a utilização do complexo como necrópole perdurou durante parte significativa do III milénio a. C. Foi Francisco Paula e Oliveira, em 1889, o primeiro a reportar-se ao arqueosítio, à data apenas constituído pela gruta I. Em 1932, seria detectada a gruta II, entretanto explorada por Afonso do Paço e pelo Padre Eugénio Jalhay. Do seu valioso espólio, avulta um ímpar par de sandálias votivas em calcário (*pegada). A gruta III, reutilizada como silo durante a Idade Média, havia de ser reconhecida ainda no decurso da mesma intervenção arqueológica. Em 1943, quando decorriam os trabalhos para instalação de um chafariz, foi descoberta a gruta IV. Em Março de 1945, a Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes considerou a necrópole de Alapraia imóvel de interesse público. *Alcachofra, *astrolatria, *enxó, *hipogeu, *ídolo cilíndrico, *ídolo cónico, *lúnula, *pinha.

Vaso campaniforme da gruta 2 de Alapraia. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Roteiros da Arqueologia Portuguesa, 1, Lisboa e Arredores, Lisboa, 1986, p. 18 ; CARDOSO, G., Carta Arqueológica do Concelho de Cascais, Cascais, 1991; CARDOSO, G. / ENCARNAÇÃO, J. d’, As Grutas Pré-Históricas de Alapraia (Desdobrável), Cascais, 1988; ENCARNAÇÃO, J. d’, Grutas Pré-Históricas de Alapraia – Estoril, Cascais, 1979; FERREIRA, O. da V., A Cultura do Vaso Campaniforme no Concelho de Cascais, Cascais, 1964, p. 5, 9 e 10; idem, La Culture du Vase Campaniforme au Portugal, in Memórias dos Serviços Geológicos de Portugal, nova série, n. 12 (1966), p. 68; idem, Cavernas com interesse cultural encontra-

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ALATABA das em Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, t. 68, (1966), p. 293 e 294; FIGUEIREDO, Fausto J. A. de / PAÇO, Afonso do, Placa de cinturão, visigótica, das grutas de Cascais, in Actas y Memorias de la Sociedad Española de Antropologia, Etnografia y Prehistoria, t. 22, n. 1-4 (1947), p. 14-20; GONÇALVES, Victor S., Sítios, Horizontes e Artefactos 3: A Questão das grutas artificiais e os complexos funerários de Alapraia e S. Pedro do Estoril no processo de calcolitização do Centro/Sul de Portugal, in Arquivo de Cascais, n. 11 (1992), p. 31-93; idem, Alapraia e S. Pedro do Estoril, duas necrópoles de grutas artificiais, in História de Portugal (dir. J. Medina), v. 1, Lisboa, 1993; JALHAY, Eugénio, A cerâmica Eneolítica de Alapraia e a cultura do vaso Campaniforme, in Brotéria, v. 23, n. 5 (Nov. 1936); JALHAY, E. / PAÇO, A. do, A gruta II da necrópole de Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de História, n. 4 (1941), p. 103-144; LEISNER, V., Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel, in Madrider Forschungen I, n. 3 (Berlim, 1965), p. 91-100; OLIVEIRA, Francisco Paula e, Antiquités Pré-Historiques et Romaines des Environs de Cascaes, in Comunicações da Comissão dos Trabalhos Geológicos, v. 2, n. 1 (1888/92), p. 86; PAÇO, A. do, As sandalias de Alapraia, in Corona de Estudios que la Sociedad Española de Antropologia, Etnografia y Prehistoria dedica a sus mártires, v. 1, Madrid, 1941, p. 213-219; idem, Nota acerca de uma taça de barro da Gruta II de Alapraia, in Boletín de la Comisión de Monumentos de Orense, v. 14 (1943/44), p. 3-9; idem, Necrópole de Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 6 (1955), p. 23-140; idem, O culto da lua na necrópole de Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 6 (1955), p. 91-96; idem, Arqueologia da Costa do Sol, I – Grutas de Alapraia, in Cascais e Seus Lugares, n. 12, Cascais, 1957, p. 39-49; PAÇO, A. do / FIGUEIREDO, F. J. A. de, Novos aspectos da Necrópole de Alapraia, in Las Ciencias, n.º 11 (1946), p. 140 e 141; PAÇO, A. / JALHAY, E., As Grutas de Alapraia, in Brotéria, v. 21 (1935), Lisboa, pp. 108 a 129; SANTOS, Conceição / CABRAL, João, Exposição: Patrimónios de Cascais, Cascais, 2003; SAVORY, H. N., Espanha e Portugal, Lisboa, 1974, p. 126-130, 133; SCHER, B. B., Los Enterramientos en cuevas artificiais del Bronce I Hispânico, in Biblioteca Praehistorica Hispanica, v. 6 (1964), p. 33-40; VASCONCELLOS, J. L. de, Religiões da Lusitania, v. 1, Lisboa, 1898, p. 237-239 e 246; ZBYSZEWSKI, G., Resenha Geológica do Concelho de Cascais, Cascais, 1964, p. 16

ALATABA Incumbido pelo conde Julião de velar pela educação da jovem, o *rei Rodrigo violou-a. A vingança de Alataba acarretaria a esterilidade absoluta do monarca, a sua completa derrota militar e, por extensão, da terra peninsular, amaldiçoada e transformada em *Terra Gasta, em consequência desse acto (Crónica Geral de Espanha de 1344, cap. 191-202). ALBANINHA Filha do conde de Alvar e protagonista de romance carolíngeo homónimo, considerado a 132

mais representativa cantiga de segada (i. e., de ceifa) transmontana. ALBANO Suposto «nobre português». Autor de Phylactères ou préservatifs contre les maladies, les maléfices et les enchantements. Exorcismes ou conjurations, ensemble de pratiques et croyances populaires les plus répandues (Paris, 1880 [?]) Obra em nove partes: I. Dos filactérios [nóminas] ou preservativos e dos remédios sobrenaturais; II. De alguns filactérios que se fabricam sem palavras, dos talismãs; III. Dos encantamentos; IV. De algumas adivinhações relacionadas com o casamento, dos filtros de amor; V. Algumas práticas destinadas a desfazer feitiços; VI. Dos exorcismos ou conjurações, das bençãos ou orações para curar as doenças dos homens e dos animais, para os proteger do mal, para afastar tempestades, etc.; VII. Dos presságios e das crenças populares; VIII. Carta sobre a filotésia; IX. Notícia sobre as virtudes do AgnusDei e da Cruz de S. Bento. *Agnus-Dei, *amuleto, *cruz de S. Bento, *filactério, *ligamento, *ligatura, *nómina. ALBANO ULISIPONENSE Autor de dois sonetos, descrevendo um *conjuro e práticas de *necromancia (cf. Almanaque

[Soneto descrevendo um conjuro] Três ramos de cipó, verbena e teixo, Eu ato nesta fita verde escuro; De víbora e toupeira aqui misturo As cinzas, e no altar de Hécate as deixo. Três vezes abro os olhos, três os fecho, Enquanto faço o tácito conjuro, Agora exploro a série do futuro, Para ver o termo ao mal de que eu me queixo. Atendei-me Tartárias Divindades. Serei acaso um dia venturoso? Terão fim do meu bem as crueldades? Mas eis me diz Pressago pavoroso, Que por prémio das minhas ansiedades Com Alcina virei a ser ditoso.

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ALBERTO CAEIRO

[Soneto descrevendo práticas de necromancia] Em meio estava a Noite, e a vez terceira De um galo negro o canto se escutava, Quando para os prestígios preparava Diversas plantas velha feiticeira. Três vezes ao calor de uma fogueira Três víboras, fatídica tostava. E outras tantas consigo murmurava Mistérios, invocando a Stigie inteira. Co’a esquerda mão na Terra descrevendo Três círculos, três vezes lhes cuspia; Eis surge da fogueira Espectro horrendo. «Propício agouro!» A Maga então dizia: «Albano que de Amor anda morrendo, Com Alcina vai ter doce alegria».

das Musas, parte I, Lisboa, 1793, p. 28 e 43, respectivamente). ALBERTO DE JERUSALÉM, SANTO (ca. 1149-1214) Cónego regular de Santa Cruz, bispo e patriarca de Jerusalém (1205). Fundador da Ordem do Carmo e redactor da respectiva Regra, por esse motivo denominada Albertina (1209). Festejado a 8 de *Abril. Uma imagem de Santo Alberto, ao culto na capela homónima do convento das carmelitas descalças de Lisboa (das Albertas, actualmente integrado no MNAA), foi muito venerada, tendo sido reproduzida em três registos descritos por Ernesto Soares. Luís de Morales pintou-o no retábulo (fieira inferior, à esquerda) da capela de Nossa Senhora do Carmo da Sé de Portalegre.

ALBERTO CAEIRO Um dos vários rostos que *Fernando Pessoa (1888-1935) via refletido no espelho enquanto se barbeava. A 8 de Março de 1914, o poeta de Mensagem, abeirando-se de uma cómoda alta, e, de pé, numa espécie de êxtase de natureza mal definida, escreveu a fio trinta e tantos poemas de O Guardador de Rebanhos. Conforme asseverou, nascera Alberto Caeiro, um dos seus quatro heterónimos (*heteronimia). A sensação imediata que experimentou foi a de ter encontrado o seu mestre («existir é haver outra coisa qualquer»). A seguir tratou de lhe descobrir «instintiva e subconscientemente» os discípulos. De entre os diversos epítetos, empregues por estes para caracterizar a obra de Caeiro, o poeta pagão, por excelência, e «Lírico espontâneo» («Há Metafísica bastante em não pensar em nada»), avultam os de: «Grande Libertador» (Álvaro de Campos, poema A Partida e nota intitulada Fernando Pessoa escreveu a fio [71A/50]), «Revelador da Realidade» (Prefácio de Ricardo Reis aos Poemas de Alberto Caeiro) e «chefe» do Sensacionismo (Álvaro de Campos,

BIBLIOGRAFIA LIMA, J. A. da Costa, A igreja de Santo Alberto na História e na Arte, in Rev. Municipal, a. 13, n. 52 (1º trimestre 1952), p. 9-20

ALBERTO, ANTÓNIO *Mourisco, taberneiro. Promotor, com *João de Sá, da confraria dos mouriscos de São João da Praça (Lisboa). Chegou a admitir aos inquisidores que havia gasto mais de quatro mil réis nas festas em louvor do orago, ofertando-lhe uma gorra, charamelas e fogaças, todos os anos [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 10837 e 10864].

Horóscopo de Alberto Caeiro da Silva, nascido em Lisboa a [16] de Abril de 1889.

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ALBERTO CAEIRO

Prefácio de Ricardo Reis aos poemas de Alberto Caeiro Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa a [16] de Abril de 1889, e nessa cidade faleceu, tuberculoso, em [...] de [...] de 1915. A sua vida, porém decorreu quase toda numa quinta do Ribatejo; só os primeiros dois anos dela e os últimos meses foram passados na sua cidade natal. Nessa quinta isolada cuja aldeia próxima considerava por sentimento como sua terra, escreveu Caeiro quase todos os seus poemas primeiros, a que chamou O Guardador de Rebanhos, os do livro, ou o quer que fosse, incompleto, chamado O Pastor Amoroso, e alguns, os primeiros, de que eu mesmo, herdando-os para publicar, com todos os outros, reuni sob a designação, que Álvaro de Campos me sugeriu bem, de Poemas Inconjuntos. Os últimos destes poemas, a partir daquele numerado [...], são porém produto do último período da vida do autor, de novo passada em Lisboa. Julgo de meu dever estabelecer esta breve distinção, pois alguns desses últimos poemas revelam, pela perturbação da doença, uma novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra, assim em natureza como em direcção. A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nele de que narrar. Seus poemas são o que viveu. Em tudo mais não houve incidentes, nem há história. O mesmo breve episódio, improfícuo e absurdo, que deu origem aos [oito] poemas de O Pastor Amoroso não foi um incidente, senão, por assim dizer, um esquecimento. A obra de Caeiro representa a reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem os gregos nem os romanos, que viveram nele e por isso o não pensaram, o puderam fazer. A obra, porém, e o seu paganismo, não foram nem pensados nem até sentidos: foram vividos com o que quer que seja que é em nós mais profundo que o sentimento ou a razão. Dizer mais fora explicar, o que de nada serve; afirmar menos fora mentir. Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que é pensada; quem não entende, não pode entender, e não há pois que explicar-lhe. É como fazer compreender a alguém espaçando as palavras no dizer, um idioma que nunca aprendeu. Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por um progresso imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras de as ter, e uma evolução íntima de pensamentos derivados de tais sensações progressivas. Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre, porém a que não assenta o título de religiosa, por isso que como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo quenão contém meras interpretações. Pensei, quando primeiro me foi entregue a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um longo estudo crítico e excursivo sobre a obra de Caeiro e a sua natureza e destino fatal. Tentei com abundância escrevê-lo. Porém não pude fazer estudo algum que me satisfizesse. Não se pode comentar, porque se não pode pensar o que é directo, como o céu e a terra; pode, tão-somente, ver-se e sentir-se. Pesa-me que a razão me compila a dizer estas nenhumas palavras ante a obra de meu Mestre, de não poder escrever, de útil ou de necessário, com a cabeça, mais que disse, com o coração, na Ode [XIV] do Livro I meu, com a qual choro o homem que foi para mim, como virá a ser para mais que muitos, o revelador da Realidade, ou, como ele mesmo disse, «O Argonauta das sensações verdadeiras» – o grande Libertador, que nos restituiu, cantando, ao nada luminoso que somos; que nos arrancou à morte e à vida, deixando-nos entre as simples coisas, que nada conhecem, em seu decurso, de viver nem de morrer; que nos livrou da esperança e da desesperança, para que não nos consolemos sem razão nem nos entristeçamos sem causa; convivas com ele, sem pensar, da realidade objectiva do Universo. Dou a obra, cuja edição me foi cometida, ao acaso fatal do mundo. Dou-a e digo: Alegrai-vos, todos vós que chorais na maior das doenças da História! O Grande Pã renasceu! Esta obra inteira é dedicada por desejo do próprio autor à memória de Cesário Verde

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ALBIGENSE Modernas Correntes na Literatura Portuguesa [20/85]). *Álvaro de Campos, *Ricardo Reis, *Coelho Pacheco. BIBLIOGRAFIA ACTIVA Escolha de Poemas de […] de «O Guardador de Rebanhos» (1911-1912), in Athena, v. 1 n. 4 (Jan. 1925), p. 145-156; Escolha de Poemas de […] dos «Poemas Inconjuntos» (1913-1915), in Athena, n. 5 (Fev. 1925), p. 197204; Oitavo poema de «O Guardador de Rebanhos», in Presença, n. 30 (Jan.-Fev. 1931), p. 6-7; O penúltimo Poema, in Presença, n. 31-32 (Mar.-Jun. 1931), p. 10 OBRA Poemas Completos de Alberto Caeiro (org. Teresa Sobral Cunha), Lisboa, 1994; Poesia (ed. Fernando Cabral Martins e Richard Zenith), Lisboa, 2001 [O Guardador de Rebanhos; O Pastor Amoroso; Poemas Inconjuntos; Fragmentos; Poemas variantes; Poemas de Atribuição Incerta; Prosas] BIBLIOGRAFIA ÁLVARO DE CAMPOS, Notas para a recordação de Meu Mestre Caeiro, in Presença, n. 30 (Jan.-Fev. 1931), p. 11-15 e Lisboa, 1997 (org. Teresa Rita Lopes); ANTÓNIO MORA, O Regresso dos Deuses [14C/26], in Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 445-448; CASTRO, Ivo, Manuscrito de «O Guardador de Rebanhos», de Alberto Caeiro, Lisboa, 1986 [ed. facsimilada do manuscrito de 1911-1912]; PESSOA, Fernando, [artigo inacabado destinado a A Águia: 14B/20, 36-44]; idem, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (org. Jacinto do Prado Coelho e Georg Rudolf Lind), Lisboa, 1966; idem, Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 360-374 e 403-428; idem, Fernando Pessoa e o Ideal Neo-Pagão (org. Luís Filipe B. Teixeira), Lisboa, 1996; THOMAS CROSSE, Translator’s Preface [14B, 21, 143], in Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 441-444

ALBERTO MAGNO, SANTO (ca. 1207-1280) Natural de Lavingen, na Suábia. De origem nobre (Conde de Bollstadt), fez-se dominicano durante a permanência em Pádua (1223), tendo adquirido rapidamente fama e o título de Doctor Universalis. A partir de 1228, tornou-se professor nas Universidades de Friburgo, Ratisbona, Estrasburgo e Colónia. Ensinou Teologia em Paris, entre 1243-1244, e em Colónia, entre 1248-1254. Eleito provincial da sua Ordem na Saxónia, foi bispo de Ratisbona (12601262), tendo sido beatificado por Urbano VIII (1622), canonizado por Pio IX e declarado Doutor da Igreja, em 1933. Conta-se que terá ensinado o segredo da *pedra filosofal a São Tomás de Aquino, o qual quebrou uma *cabeça mágica construída pelo mestre, porque falaria demais. São-lhe atribuídos diversos tratados alquímicos, dos quais se destaca o Libe-

llus de Alchimia. Citado por *Anselmo Caetano Gusmão de Abreu Castelo Branco (Ennoea). Em Portugal, Santo Alberto Magno teve culto na capela da Piedade (colateral do lado da Epístola) do Mosteiro da Batalha, onde ainda se encontrava uma imagem de madeira no ano de 1823. É iconografado com o hábito dominicano ou já como bispo e doutor, redigindo a sua obra. Invocado a 7 de *Agosto, como advogado contra as sezões, todo o género de febres e os maus partos. Padroeiro, desde 1941, dos estudantes de ciências naturais e nessa qualidade comemorado no dia 15 de *Novembro. OBRA Compendium theologicae veritatis compilatum, Veneza, 1476 [BN: inc. 1173]; De adhaerendo Deo... Enchiridion, Coimbra, 1553 (incluído no Compendium spiritualis doctrinae de Frei Bartolomeu dos Mártires [BN: Res. 1644-45 P]); Paraíso da Alma que trata das virtudes, Lisboa, Lourenço Craesbeeck, 1636 (trad. Frei António Varjão [BN: R 12293 P]); Opera Alberti Magni, Lião, 1651 (inclui o Speculum astronomiae, t. 5, p. 656s.); Nouvelle découverte des Secrets les plus curieux, Troyes, 1728 e 1738; Les Admirables Secrets, Colónia, 1722 [BN: SA 13012 P], Lião, 1770, 1791 (outras edições: Lille, ca. 1850; Avinhão, ca. 1850); O Pequeno e Grande Alberto (citados em processos inquisitoriais [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 15797 (1808)] e António Gouveia [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 5158, fl. 33v-34r]; o Grande Alberto data do séc. XIII, tendo sido impresso pela primeira vez em setecentos; já o Pequeno Alberto é trad. do apócrifo Alberti Parvi Lucii libellus de mirabilibus Naturae arcanis; trad. portuguesa: Ed. 70, Lisboa, 1977); De secretis mulierum, Amesterdão, 1669 [BN: SA 9499 P], 1702 [BN: Res 1748 P] (citado no processo de António de Gouveia); De mineralibus, Augsburg, 1519; Beati Alberti Magni operum fragmenta quaedam (letra do séc. XV, a 2 col.; inclui extractos dos De sensu et sensato; De memoria et reminiscentia; De somno et vigília; De causis proprietatum elementorum [BPÉv: ms. CXXV / 2-21]); Paraiso da Alma, que tracta das virtudes, Lisboa, 1636 (trad. de Frei António Varjão [BN: R 12293 P]). BIBLIOGRAFIA THORNDIKE, L., Further consideration of the Experimenta, Speculum astronomiae and De secretis mulierum ascribed to Albertus Magnus, in Speculum, v. 30 (1955), p. 423-427

ALBIGENSE O mesmo que *cátaro. Adepto de uma exegese não católica das Sagradas Escrituras. A origem do catarismo é exclusivamente ocidental, sendo de excluir origens maniqueístas ou bogomilas. Os primeiros albigenses terão surgido entre 1130 e 1140, não no Languedoque (na cidade de Albi ou, mais provavelmente, na de Tolouse, 135

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ALBININHO DA PÓVOA como consta), mas na região de Colónia (Alemanha). Os albigenses conferiam enorme importância ao *Paracleto, na esteira dos ensinamentos do Evangelho de *São João. A sua dissidência da Igreja católica, à data ainda não assumidamente dualista, rapidamente se difundiu a outras paragens da Europa ocidental (Flandres, Península Ibérica, Languedoque, Norte de Itália, etc.). A radicalização, em crescendo, dos princípios que orientavam o albigeismo, enquanto fenómeno religioso, havia de suceder apenas durante o século XIII e, especialmente, a partir dos alvores da centúria seguinte, eventualmente em consequência da reforma gregoriana. Em rigor será conveniente falar de dualismos no plural, i. e., de modalidades distintas de catarismo, consoante as épocas e os epicentros regionais. Em França, os albigenses seriam praticamente dizimados pelas cruzadas contra eles organizadas no século XIII (1207 e 1229), na sequência da cataquese de *São Domingos de Gusmão e da *Inquisição. No Languedoque, a extinção histórica dos cátaros (impossibilidade de transmissão do consolamentum), remonta a 1321, ano da morte na fogueira de Guilhem Bélibaste, o seu derradeiro perfeito. Luís de Morales, radicado em Santarém a partir de 1600, pintou uma tela representando S. Domingos de Gusmão convertendo os Albigenses destinada à igreja de S. Nicolau daquela cidade. Álvaro Gomes refere-se extensamente aos erros dos albigenses na segunda parte do In Regestum Sacrosanctae Facultatis Theologiae Parisiensis Commentarius sive Censurae (1530-ca. 1542) [BN: ms. 4189], editado pelo professor Moreira de Sá (Comentário ou Censuras ao Registo da Sacrossanta Faculdade de Teologia de Paris, Lisboa, 1966). Em 1797, o padre *António José Monteiro foi julgado pelo *Santo Ofício, acusado de ser simpatizante dos materialistas e deístas e ainda das seitas dos calvinistas, albigenses, anabaptistas e pelagianos [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 16023]. *Santo António. ALBININHO DA PÓVOA Alcunha de um *benzedor de São Martinho de Pares (a meio caminho entre Resende e La136

mego) que, segundo consta, terá chorado no ventre da mãe. Dizia o povo, em 1937, que tinha muitos estudos e que receitava melhor que os médicos. Curava com rezas, expulsando o *diabo dos endemoninhados, ensinando remédios caseiros. Fora preso diversas vezes. ALBION Montanha branca (do indoeuropeu, albho). O *além na cosmogonia celta. ALBOCELUS Dativo que ocorre numa epígrafe [ILER 716; RPH 72] desaparecida, oriunda da igreja de Vilar de Maçada (Vila Real). Tem sido considerado por diversos investigadores como um voto a uma divindade, talvez relacionável com o teónimo Alboco (Valongos) e reportável ao simbolismo da montanha branca (do indoeuropeu, albho) ou sagrada, imagem do *além. Ocelus (alto, elevado) ocorre em Inglaterra como epíteto de Marte e na Gália em relação com epítetos de divindades guerreiras. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 71-72

ALBORNOCAS Nome das verónicas no Algarve, de acordo com o conto tradicional homónimo (cf. F. Xavier Ataíde de Oliveira, Contos Tradicionais do Algarve, v. 1, p. 305). ALBURQUERQUE, AFONSO DE (1462?-1515) Fidalgo, educado na corte. Participou na batalha de Toro (1476), ao lado do então príncipe Dom João, o qual uma vez aclamado rei o havia de fazer estribeiro-mor e membro da sua guarda de ginetes. Prestou serviço no Norte de África (Arzila e Larache, em 1489 e de novo em Arzila no ano de 1495), antes de partir uma primeira vez (1503) para o Oriente, onde o seu nome ficou ligado a vários assédios contra Calicute, à construção da fortaleza de Cochim e à feitoria de Coulão. No ano de 1506, seguia novamente para a Índia, com o título e a função de capitão-mor da costa da Arábia. No desem-

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ALBUQUERQUE, AFONSO DE penho desse cargo conquistaria Omã, fazendo Ormuz tributária da coroa portuguesa, em 1507. Uma provisão secreta que Dom Manuel lhe entregara tornava-o sucessor de Dom Francisco de Almeida, a partir de 1508. Segundo Vice-rei da Índia (1509-1515), cognominado o Terribil. Extraordinário diplomata e consumado estratega militar: tomou Goa em 1510 e Malaca no ano seguinte, tendo sido o primeiro comandante europeu a entrar (1513) no Mar Vermelho, onde terá avistado um *ovni, interpretado como uma cruz radiante, a qual foi tida por auspicioso sinal do céu. Castanheda di-lo «tão singular capitão como o foram os singulares que houve entre bárbaros, gregos e latinos». Notável conhecedor do mundo oriental, Afonso de Albuquerque iria conduzir os negócios da Índia no decorrer da sua administração de molde a garantir a total hegemonia portuguesa nessas paragens, o que de acordo com o plano que delineara passava: A. pela ocupação das fortalezas e pontos nevrálgicos do comércio dominados pelos muçulmanos, sua neutralização ou subjugação e captação do hindu para a esfera de influência portuguesa; B. pela miscigenação como método colonizador; C. pela conquista de Jerusalém e destruição de Meca, mediante uma aliança com o *Preste João, para cujo efeito planeou desviar o curso do Nilo, expediente já anteriormente consumado durante períodos curtos por diversos inimigos do Sultão do Egipto (carta de 4 de Dezembro de 1553, in Cartas para EI-Rei Dom Manuel I, Lisboa, 1957, p. 205). Durante o ano de 1510 foram detectados em Goa vestígios de comunidades cristãs, imediatamente associadas à evangelização de *São Tomé: um crucifixo que se achou entre as ruínas de uma casa de Goa; uma pedra de ara com a imagem de Cristo insculpida, encontrada soterrada, na aldeia de Gandaulim. Afonso de Albuquerque foi acompanhado na Índia por um frade menor que o Vice-Rei havia de recomendar, em 1512, ao monarca português como seu padre espiritual e pessoa que servira a Deus e ao Rei em guerras e hospitais (carta de 25 de Outubro de 1512, in Cartas de Afonso de Albuquerque,

Retrato dos Vice-Reis que figura Afonso de Albuquerque.

Lisboa, 1884, v. 1, p. 93). Creditado a esse franciscano, que dá pelo nome de João Alemão, existe na Biblioteca Nacional de Madrid um manuscrito apocalíptico e visionário anterior à conquista de Granada e onde são desenvolvidos todos os tópicos do joaquimismo: exaltação da pobreza, condenação dos ricos e poderosos, vinda do Anticristo, era final da gloriosa paz, inaugurada pelo *Encoberto (fl. 252v). Quatro baixos relevos maneiristas de Azeitão e de Aiana de Baixo (Sesimbra), reveladores de «uma mensagem de evidente teor messiânico», descritos por Rafael Moreira e Vitor Serrão (cf. Bol. da Academia Nacional de Belas Artes, s. 2, n. 31, 1977, p. 83-100 e Sesimbra Monumental e Artística, Sesimbra, 1997, respectivamente) permitem, pela afinidade com trabalhos congéneres realizados para a Quinta da Bacalhoa sob o mecenato de Brás Afonso de Albuquerque, filho do Vice-Rei, suspeitar da transmissão àquele das preocupações proféticas e messiânicas deste. Faleceu à vista de Goa, malquisto de portugueses e indianos, tendo sido primeiro sepultado na capela de Nossa Senhora da Serra daquela cidade e, posteriormente, consoante 137

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ALBUQUERQUE, ARTUR DE seu testamento, trasladado para a igreja do convento agostinho de Nossa Senhora da Graça, em Lisboa (19 de Maio de 1566), de onde os seus restos mortais haviam de ser transferidos para os Jerónimos (26 de Outubro de 1900). FONTES Cartas de [...] seguidas dos documentos que as elucidam, Lisboa, 1884-1935 (7 vols.); Comentários do Grande Afonso de Albuquerque, Lisboa, 1557 (ed. António Baião, 1923, 2 vols.). BIBLIOGRAFIA FERREIRA, A. Aurélio da Costa, Breve estudo antropológico de um retrato de Albuquerque: o retrato que vem nas Lendas da Índia de Gaspar Correia, in Terra Portuguesa, v. 1, n. 4 (Mai. 1916), p. 97-100; PISSURLENCAR, Panduronga, Colaboradores hindus de Afonso de Albuquerque, in Congresso do Mundo Português, v. 4, tomo 2, Lisboa, 1940, p. 3150; PRESTAGE, Edgar, Afonso d’ Albuquerque, Governor of India, Watford, 1929; ROCHA, Ilídio, Os azares mortuários do grande Albuquerque: o ódio e o desleixo, in História, a. 10, n. 109 (Jun. 1988), p. 52-59; TOSCANO, Frei Sebastião, Oração que fez [...] em Sancta Maria da Graça de Lixboa a dezenove dias de Mayo, de MDLXVI, na trasladação dos ossos da India a Portugal do muito illustre, e mui excelente Capitão e Governador da India Affonso de Alboquerque, Lisboa, Manuel João, 1566

ALBUQUERQUE, ARTUR DE (1891-1962) Filósofo, em cujo tratado de filosofia, intitulado Vitamundi (Lisboa, 1936 [BN: SA 11503 V]), chama: inteligência «ao órgão anímico que nos permite distinguir o valor real das proporções, tanto em quantidade como em qualidade [...]»; intuição ao «órgão anímico, destinado a reforçar o movimento da Inteligência, quando a latitude desta não possa atingir a fluidez das correntes elevadas, em geral conduzidas pela poderosa acção do sexto sentido [...]»; consciência «ao órgão anímico que se destina a filtrar a ideia geradora de acção». ALCÁCER QUIBIR Também Oued El Makhazine. Batalha travada, a 4 de Agosto de 1578, nas proximidades da localidade marroquina homónima. Obviamente não seriam ameaças como as proferidas pelo Xerife magrebino (Mulei Ahmed, Mulei Abde Almélique e Mulei Maluco) que lograriam demover da empresa africana a *Dom Sebastião, a quem nem sequer os presságios funestos, acerca da sua perdição e ruína do reino, que se criam prognosticados pelo *cometa de 1577, demoveram (o Papa enviou ao *Desejado um vaticínio composto pelo mais célebre astrólogo 138

do seu tempo, Hercules Bellemene de Revore, em que, ponto por ponto, estava descrita a sua perdição «e nada disto bastou para desviar EIRei do seu intento»). A lição que se colhe nos elementos históricos coevos, a maioria baseada, nos testemunhos de três autores contemporâneos, Frei Bernardo da Cruz (Crónica de Dom Sebastião, Lisboa, 1837), *Jerónimo de Mendonça (Jornada de Africa, Lisboa, 1607) e *Miguel Leitão de Andrade (Miscellanea do sitio de Nossa Senhora da Luz de Pedrogão Grande, apparecimento da sua sancta imagem, fundação do seu convento e da Se de Lisboa, expugnação della, perda del rei D. Sebastião, Lisboa, 1629) declaram a morte do soberano sem hesitações, no entanto, contradizem-se ao descrevê-la. A convicção de que não morrera assentou em diversas circunstâncias principais: nunca alguém disse que vira o monarca ser morto; não ter sido encontrada qualquer insígnia sua, conhecido o facto de até as fivelas dos arreios as ostentarem; as precárias condições em que o reconhecimento do cadáver dito do soberano se realizou (revelando estratagema de Dom Sebastião de Resende – que se ofereceu para o recolher e identificar – no intuito de persuadir os muçulmanos de que havia sido morto, a fim de o não procurarem mais e ele poder salvar-se mais facilmente), bem como outros pormenores nunca completamente esclarecidos, tornaram mais consistente o carisma de que se rodeava a sua pessoa. Leitão de Andrade, combatente e prisioneiro, concede ter o Rei sido «visto de muitos fóra da batalha, e já ella acabada, e vencida» (diálogo VII, p. 144). É, aliás, o que Frei Bernardo da Cruz, capelão-mor da armada, relata como ouvira contar: «El-Rei, tanto que se viu livre das mãos daqueles pagãos, deu a andar para detrás, e se foi saindo do campo e da batalha [...]. Luís de Brito voltando os olhos para o caminho que el-Rei tomara, o viu ir um pedaço desviado, já sem haver mouro algum que o seguisse, nem aparecerem outros diante, que tão prestes o pudessem encontrar, para lhe impedir o caminho que levava, que era mui distante do lugar, aonde depois diziam que o acharam morto [...]» (ob. cit., p. 281). Os três

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ALCÁCER QUIBIR

Panorâmica do campo de Alcácer Quibir, na actualidade.

únicos sobreviventes, de entre todos quantos acompanharam o Rei antes de este desaparecer – Luís de Brito, Jorge Albuquerque e Sebastião Figueira – afirmaram, em circunstâncias diversas, terem-no visto afastar-se são e salvo do campo de batalha. A esta hipótese veio trazer alguma verosimilhança o episódio narrado por Jerónimo de Mendonça (ob. cit., p. 93) e Miguel Leitão de Andrade (diálogo VII) do embuçado de Arzila cuja identidade jamais chegou a ser cabalmente estabelecida. Sabe-se que, a altas horas da noite, três ou quatro cavaleiros se apresentaram a uma das portas daquela praça pedindo lhes dessem entrada, o que só aconteceu quando disseram que «vinha ali o Rei». Pelo facto de um deles vir embuçado num capote e não se lhe divisarem as feições se deduziu seria o monarca. Aquilo de que não subsistem dúvidas, e também se acha consignado pelos supracitados, é que embarcaram no navio do capitão-mor da armada, Dom Diogo de Sousa, que de imediato levantou ferro e se diz teria trazido Dom Sebastião de volta a Portugal, aportando no Cabo de São Vicente, onde ele ficou com alguns companheiros no Convento dos Capuchos. Barbosa Machado apresenta o seguinte relato do caso: «O principal fundamento de que desembarcou aquele príncipe em o Algarve consiste em que o dia seguinte da batalha saíu Dom Diogo de Sousa, general da armada, que estava ancorada na bo-

ca do rio Larache e recolhendo em o Galeão São Mateus de noite a uns homens se partiu a toda a pressa para o Reino, e se não fora el-Rei entre aqueles que se embarcaram não havia o general, que era soldado experimentado, levar as âncoras com tanta velocidade e desamparar a parte por onde se podiam salvar as destroçados relíquias do exército português. Tanto que chegou a armada correu voz de que el-Rei era vivo, e tanto prevaleceu este rumor que obrigou ao cardeal Dom Henrique mandar a Manuel Antunes, seu criado, para que indo à Vila de Sagres se certificasse daquela notícia vaga, onde fazendo um instrumento de testemunhas, de que foram os principais o guardião, e mais religiosos do Convento da Província da Piedade, em que assertivamente depuseram ter estado naquele convento el-Rei Dom Sebastião, depois da batalha, com uma ferida na cabeça, o entregou ao cardeal» (Barbosa Machado acrescenta que André da Silva Meneses falou com o soberano após a batalha e o viu embarcar com Cristóvão de Távora e Dom Jorge Telo, nunca se desdizendo mesmo quando Filipe II, por esse motivo, o destituíu de três comendas e da alcaidaria-mor de Alegrete). Mas a convicção de ter Dom Sebastião escapado com vida da batalha e haver regressado a Portugal não resultou apenas do episódio referido. Contribuíria imenso para o fortalecimento dessa convicção o relato do licenciado portu139

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ALCÁCER QUIBIR guês, doutor João Mendes Pacheco, que foi preso e condenado às galés no reinado de Dom Henrique por ter declarado que Dom Sebastião estava vivo e que o tinha tratado durante 35 dias de uma ferida infectada na perna direita, a pedido da viúva de Dom Cristóvão de Távora (desaparecido com o Rei, jamais tendo havido notícias dele vivo ou morto), em sua casa, em Guimarães, mas sem nunca lhe ter visto o rosto, por ele o trazer sempre completamente encoberto (cf. Ignacio Bauer Y Landauer, Miscelanea historica referente al rey Don Sebastián, p. 99-100). Inúmeros outros houve que afirmaram tê-lo visto disfarçado no Reino. A exaltação dele não foi apanágio exclusivo dos extractos inferior e médio da sociedade portuguesa, nem do povo ignoro e analfabeto, como alguns autores têm propugnado, porquanto, ainda em 1736, Diogo Barbosa Machado escrevia no prólogo das suas já citadas Memórias: «Desta opinião foram e são acérrimos sequazes Fidalgos de primeira grandeza, Religiosos de austera vida, letrados de profunda ciência». Diogo do Couto consideraria o desastre de Alcácer Quibir um castigo divino (cf. O Soldado Prático, Lisboa, 1980, p. 136), enquanto Jorge Dias descortinou nele «a maior desgraça da nossa história» (O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa, Lisboa, 1985, p. 31 e 51). Hoje, entre outros indícios, um desenho de Francisco de Holanda, datado de 1571 (sete anos anterior à batalha!), representando o monarca sobre o campo de Alcácer, faz-me suspeitar que Alcácer Quibir foi uma derrota militar planeada de molde a cumprir-se a profecia joaquimita de que Dom Sebastião se fizera arauto e protagonista! Os marroquinos continuam a assinalar oficialmente a efeméride da *batalha dos Três Reis (cf. Vigie Marrocaine, 1 Ago. 1971, etc.), e a vitória de Mulei Abdelmalek, o qual, no dizer de Mulei Ahmed Alaoui, «ao salvar Marrocos [...] salvou o Islão». Em 2002 (28 e 31 de Janeiro e 3 a 5 e 7 de Abril), o Grupo de teatro Fatias de Cá (Tomar), levou à cena a peça Alcácer Kibir, em coprodução com La Voile (Oujda, Marrocos) e Teatro Altair (Alacant, Espanha). 140

Le Roi Sebastien combattant les Maures: desenho a tinta da China de Albert Caraco, ilustrando o poema Sébastien de Portugal. ICONOGRAFIA Desenho de Francisco de Holanda (Da Ciência do Desenho, 1571) Diagrama à pena que acompanha a Relação da Batalha de Alcácer Quibir remetida ao doutor Afonso Paulo por um cativo [BN: cod. alc. CCCCXLIII / 308, fl. 6869; BNPa: cod. 15, p. 256] Gravura em madeira, colorida, de Hans Rogel, que ilustra o panfleto volante alemão intitulado Wahrhaffte Contrafactur der laidigen Schlacht welche der nächst gewesen König von Portugal den vierdten Augusti dises 1578 Jars in Barbaria wider die Moren und Turcken verloren hat (Augsburgo, Philipp Ulhart Júnior, 1578 [Biblioteca Central de Zurique]) [a primeira representação gravada do campo de batalha: Reprodução verdadeira da desditosa batalha em que o futuro Rei de Portugal foi derrotado na Barbaria contra os mouros e turcos, no dia 4 de Agosto do corrente ano de 1578] Gravura em madeira do rosto da obra alemã Portugalesische Schlacht und gewisse Zeittung auss Madrill und Lisabona sampt leidigem Fall dem König auss Portugall den 5. Augusti dieses lauffenden 1578. Jars widerfahren Darinnen drey König und uber zweynzig tausent streitbarer Mann one Tross Schantzgräber Fuhrleut und andere Personen umbkommem (Lípsia, Johann Beyer, 1578) [A ilustração ocorre igualmente nas duas reedições do próprio ano de 1578 (Nuremberga) e na de 1579 (Lípsia)] Gravura alemã quinhentista, intitulada Dom Sebastião, rei de Portugal, tinha-se transportado a África persuadido pelos jesuítas tendo consigo um grande exército? Campo de batalha com os exércitos afrontados (gravura in João Tomás Freigius, Historia de bello africano [...], Nuremberga, 1581) Batalha de Alcácer Quibir (duas gravuras publicadas na Miscelânea do sítio de Nossa Senhora da Luz de Pedrogam Grande (1629) de Miguel Leitão de Andrada)? Óleo sobre tela do Seminário de Rachol (Índia) Vinheta gravada por Debrie para o v. 4 das Memórias para a História de Portugal que compreende o Governo DelRey D. Sebastião (1751) de Diogo Barbosa Machado Don Sebastien de Portugal (gravura francesa, representando o campo de Alcácer juncado de mortos e Dom Sebastião sentado, acompanhado por uma figura feminina em desespero) D. Sebastião na infeliz Batalha de Alcacerquibir, despreza a sua vida para não cair no captiveiro dos mouros (litografia de Kaeppelin, inclusa na Galeria Pittoresca da Historia Portugueza ou Victorias, Conquistas, Façanhas e Factos Memoraveis da Historia de Portugal e do Brazil, Paris, 1842) Plano da Batalha de Alcácer-Quibir desenhado por M. Renou (14 de Fe-

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ALCÁCER QUIBIR vereiro de 1845) [Biblioteca de Sainte Geneviève (Paris): ms. 3505, fl. 81 Ilustrações de Moraes, gravadas por P. Marinho, para o v. 4 da História de Portugal de Pinheiro Chagas (D. Sebastião assistindo aos exercícios do exército d’Alcácer-Kibir, p. 353; D. Sebastião na batalha de Alcácer-Kibir, p. 369; Epílogo da batalha de Alcacer-Kibir, p. 385; Jesuíta Alexandre de Mattos erguendo o crucifixo, incitando ao combate na batalha de Alcácer, p. 401) el-Rei Dom Sebastião em Alcácer Quibir (óleo sobre tela de Gonçalves Coelho, in Guia Portugal Artístico, p. 35); Aguarela de Alberto de Sousa; Alcácer Quibir (ilustração de Manuel de Macedo, gravada por Alberto) Desenho de Rocha Vieira, in O Século Ilustrado, v. 8, n. 396 (4 Ago. 1915), p. 8-9 Vinhetas de Roque Gameiro para a História da Colonização Portuguesa do Brasil (Porto, 1924) de Carlos Malheiro Dias El-Rei D. Sebastião em Alcácer Quibir – óleo sobre tela de Gonçalves Coelho Le Roi Sebastien combattant les Maures (desenho a tinta da China de Albert Caraco, ilustrando o poema Sébastien de Portugal, integrado no conto Le Poète et l’immortalité, Buenos Aires, 1942, 176-180) Dom Sebastião na batalha de Alcácer Quibir (ilustração de Emmérico Nunes para a Historiazinha de Portugal de Adolfo Simões Müller, Dez. 1942-Fev. 1943, p. 99) Óleo sobre tela de Joaquim Lopes Ilustração de Pamela Boden para a capa da História do Rei Encoberto (1943) de Virgínia de Castro e Almeida Cromos da História de Portugal (1956-1957) Alcácer Quibir, desenho de José Baptista para La Vie passionante et passionnée de Camões, Lisboa, 1973, de Michel Gérac Tríptico II (1988-1989, incompleto), óleo sobre tela, de Costa Pinheiro? Batalha de Alcácer Quibir (dois óleos sobre tela de Gonçalo Duarte, datados do período entre 1971 e 1977) O Enigma de Alcácer-Kibir (tinta da China e aguarela sobre papel, 1978, de Mário Botas) Dom Sebastião em Alcácer Quibir (desenho a carvão de João Abel Manta, in JL, 7 Jun. 1981) Desenhos de Pedro Massano para o v. 1 de Le Deuil Impossible (Grenoble, 2001) de Patrick Lizé Batalha de Alcácer Quibir, óleo sobre tela (1,5 x 1 m) de Ellys. BIBLIOGRAFIA AGRIPA d’Aubigné, Histoire Universelle, Paris, 1606 [transcrita in Henry de Castries (ed.), Sources inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Archives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 2, p. 628-648 n. CVIII]; AGUIAR, Fernando de, Em redor de Alcácer, Porto, 1942; ALMEIDA, Virgínia de Castro e, Dom Sebastião et El-Ksar-el-Kébir, in Itinéraire historique du Portugal, Lisboa, 1940, p. 68-71; ALVAREZ, D. Eduardo, Memória acerca da Batalha de Alcacer-Quibir, Lisboa, 1892 [BN: HG 13217 (7º) V (com diagrama do campo de batalha)]; ALVAREZ DE TOLEDO, Luísa Isabel, Alcazar Quivir, Madrid, [1993]; AMEAL, João, Holocausto africano: Dom Sebastião, in História de Portugal, Lisboa, 1962 (5ª ed.), p. 297-331; AMICIS, Edmundo de, Marrocos, Lisboa, 1889, 139-152; ANJO, César, Diário da Pátria (25 de Junho e 4 de Agosto de 1578), Porto, 1932; ANDRADE, Miguel Leitão de, Miscellanea do Sitio de Nossa Senhora da Luz do Pedrogão Grande, Apparecimento de sua Sancta Imagem, Fundação do seu convento, e da See de Lisboa, Expugnação della, Perda de Elrey Sebastiam, Lisboa, 1629 e 1867 (nova ed. correcta), diálogo VII; ANÓNIMO, Wahrhaffte Contrafactur der laidigen Schlacht welche der nächst gewesen König von Portugal den vierdten Augusti dises 1578 Jars in Barbaria wider die Moren und Turcken verloren hat, Augsburgo, Philipp Ulhart Júnior, 1578; ANÓNIMO, Portugalesische Schlacht und gewisse Zeittung auss Madrill und Lisabona sampt leidigem Fall dem

O Enigma de Alcácer-Kibir: tinta da China e aguarela sobre papel, 1978, de Mário Botas. König aus Portugal den fünfften Augusti dieses lauffenden 1578. jars widerfahren Darinnen drey Könige und zwantzig Tausent streitbare Mann one Tross Fuhrleut und andere Personen umbkommem, Lípsia, Johann Beyer, 1578 [duas reedições do próprio ano de 1578 (Nuremberga) e uma de 1579 (Lípsia)]; ANÓNIMO, A batalha dos três Reis, in Portugal Divulgação (Lisboa, Ago. 1978), p. 24-26; ANÓNIMO, Documento descoberto em Viseu confirma: D. Sebastião morreu nos areais de Marrocos, in A Capital (Lisboa, 20 Jan. 1979), p. 36 [a propósito da publicação da Jornada de África del Rey Dom Sebastião por Sales Loureiro]; ANÓNIMO, Batalha de Alcácer Quibir une Portugal a Marrocos, in Correio da Manhã (9 Ago. 1992); AVELAR, Henrique de, Do Restelo a Alcácer-Quibir: luxo e corrupção de costumes no Portugal de Quinhentos, in Lusíada, v. 4, n. 13 (Porto, 1960), p. 10-20; BAUER Y LANDAUER, Ignacio, Centenário de la Batalla de Alcacer-Quivir: miscelanea histórica referente al Rey Don Sebastian, Madrid, 1929 [inclui a Relacion de la batalla de El-Ksar el Kebir de Luís de Oxeda e o Tratado del sucesso del fingido Rey Don Sebastian, del qual hasta oi se supo q’ hombre era, escrito por un padre de la Compañia]; BAUTISTA DE MORALES, Juan, Jornada de Africa del Rey Don Sebastian de Portugal, Sevilha, 1622 [BNMd: P-10, 731] e in Tres relaciones historicas: Gibraltar, Los Xerxes, Alcazar-Quivir, Madrid, 1889, p. 289-402; BEIRÃO, Caetano, Le crépuscule d’ Alcácer Quibir, in Histoire du Portugal, Lisboa, 1960, p. 6668; BERNARDO DA CRUZ, Frei [aliás António de Vaena] (ed. Alexandre Herculano), Chronica d’El-Rei D. Sebastião, Lisboa, 1903; BRITO, Joaquim Soeiro de, Romagem aos campos de Alcácer-Quibir, in Escola Naval e Escola do Exército em Alcácer-Quibir, 4 de Agosto de 1942 (suplemento ao v. 94 da Revista Militar, 1942, p. 85-88); BOVILL, E. W., The battle of the Alcazar, an account of the defeat of Don Sebastian of Portugal at El-Ksar el-Kebir, Londres, 1952; CÂMARA, Dom João da, Alcácer-Kibir (Drama em 5 actos, em verso), Lisboa, 1895 [peça representada pela primeira vez no Teatro Nacional de D. Maria II, em 14 de Março de 1891]; CÂMARA, João

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ALCÁCER QUIBIR de Sousa da, Quatro documenos inéditos sobre as jornadas de África de El-Rei D. Sebastião, in Panorama, s. 3, n. 23 (1961); CÂMARA, Ruy da, Uma visita ao campo d’ Alcácer-Quebir, in Viagens em Marrocos, Porto-Braga, 1879, p. 31-42; CARMONA, A. L. Barbosa, O transporte da expedição de D. Sebastião em 1578, in Escola Naval e Escola do Exército em Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1942 (suplemento ao v. 94 da Revista Militar, 1942, p. 23-38); CARVALHO, Vasco de, La bataille d’ Alcácer-Kibir, in La domination portugaise au Maroc, 14151769, Lisboa, 1936, p. 65-73; CASTRIES, Henry de, Les sources inédites de l’histoire du Maroc de 1530 à 1845 – Archives et bibliothèques de France, t. 1, 2ª parte, Paris, 1905, p. 240-678; idem, Les relations de la bataille de El-Ksar El-Kebir – note critique, in Les sources inédites de l’histoire du Maroc de 1530 à 1845 – Archives et bibliothèques de France, t. 1, 2ª parte, Paris, 1905, p. 395-405; idem, Les sources inédites de l’ histoire du Maroc de 1530 à 1845 – Archives et bibliothèques d’ Angleterre, t. 1, Paris-Londres, 1918, p. 136-339; CENTELLAS, Joachin de, Les Voyages et conquestes des Roys de Portugales Indes d’ Orient, Ethiopie, Mauritanie d’ Afrique et Europe, Paris, 1578, fl. 41r-60v; CERECEDA, F., Responsabilidad en la rota de Alcazarquivir, in Razon y Fé, n. 518 (Madrid, 1941); CHAGAS, Pinheiro, Alcácer-Kibir, in Dicionário Popular, histórico, geográfico, mithológico, biographico, artístico, bibliographico e literario, v. 1, Lisboa, 1876, p. 382-383; CHAVES, Gaspar de, Sucesos del Rey D. Sebastian en Africa y entrada del Rey D. Felipe, Madrid, 1620; CHENIER, Louis, Recherches historiques sur les Maures, et l’ histoire de l’ Empire du Maroc, v. 2, Paris, 1787, p. 435-443; COLECTÂNEA quinhentista Sur l’expedition du roi de Portugal Don Sébastien en Afrique [BLyon: ms. 1376 (1244), fl. 32v-36v]; CONESTAGGIO, Jeronimo de Franchi, Dell’ Unione del Regno di Portogallo alla Corona di Castiglia, Génova, 1585, fl. 1-50; idem, Relation de Bataille de El-Ksar el-Kebir, in Henry de Castries (ed.), Sources Inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Archives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 1 (1918), p. 506-574 [trad. francesa do Dell’Unione…]; CORDEIRO, António Xavier Rodrigues, Batalha de Alcácer Kibir: perda de D. Sebastião, in Archivo Universal, a. 2, v. 4, n. 11 (Lisboa, 1860), p. 184-186 e Serões de História, v. 2, Lisboa, 1889, p. 184-186; idem, Encontra-se o cadáver de el-Rei D. Sebastião, in Archivo Universal, a. 2, v. 4, n. 12 (Lisboa, 1860), p. 193-195 e Serões de História, v. 2, Lisboa, 1889, p. 148-155; DACOSTA, Fernando, As garças brancas de Alcácer Quibir, in O Jornal – Ilustrado (Lisboa, 11 a 17 Jul. 1841), p. 8-13; DICKENSONO, Joanne, Speculum Tragicum regum, Principum [...], Lugduni Batavorum, 1605, p. 153-156; DOMINGUES, Mário, A lição de Alcácer Quibir, Porto, 1975; DOM HENRIQUE, Carta d’El-Rey [...] em que participa à Câmara de Coimbra a morte do Senhor D. Sebastião, e a perda do exército em África, in O Antiquário Conimbricense, n. 8 (Fev. 1842), p. 61-62; DORNELAS, Afonso de, Alcácer-Kibir: subsídios históricos, in História e Genealogia, v. 5 (Lisboa, 1917), p. 47-58; idem, A entrega do corpo de el-Rei D. Sebastião que Deus haja, in História e Genealogia, v. 8 (Lisboa, 1922), p. 47-49 [publica manuscrito da BA]; idem, De Ceuta a Alcácer Kibir em 1923, Lisboa, 1924; idem, el-Rei D. Sebastião em Marrocos, in História e Genealogia, v. 16 (Lisboa, 1926), p. 108-123; DURAND-LAPIE, Paul, Expédition et mort de Dom Sebastien, in Revue d’ Histoire Diplomatique, a. 18 (Paris, 1904), p. 138-142; DURDENT, J.-R., Expédition du roi Sébastien en Afrique. Ses funestes résultats, in Beautés de l’Histoire du Portugal ou Abregé de l’ Histoire de ce pays […], Pa-

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ris, 1816, p. 288-291; ESAGUY, José de, Marrocos, Lisboa, 1933-36, p. 197-233; idem, Um relato inédito sobre um desembarque de el-Rei D. Sebastião em Tânger, Lisboa, 1935; idem, Alcácer Quibir, Tânger, 1939; idem, Portugal em Marrocos, precursor da civilização europeia, in Escola Naval e Escola do Exército em Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1942 (suplemento ao v. 94 da Revista Militar, 1942, p. 69-82; idem, O minuto vitorioso de Alcácer-Quibir, Lisboa, 1944; idem, 1578 – Alcácer Quibir, in Ver e Crer, n. 56 (Lisboa, Mar. 1950), p. 109-112; ESPINOLA, Frei Fradique, Memorial da infeliz jornada e lamentável perda Del-Rey D. Sebastião nos campos de África, in Segunda parte do Appendix e duodecima da Escola Decurial, Lisboa Ocidental, 1721, p. 210-217 [conclui que «não se há-de fazer a guerra por eleição da vontade, senão por força ou necessidade»]; FERNANDEZ DE NAVARRETE, A., Coleccion de documentos inéditos para la Historia de España, t. 39, Madrid, 1861, p. 465-574 e t. 40, Madrid, 1862, p. 5-114 [correspondência de Don Juan de Silva com Filipe II relativa à expedição de Dom Sebastião] e 115-229 [correspondência de D. Sebastião e de D. Cristobal de Moura acerca da expedição africana e dos negócios de Portugal no rescaldo da derrota de Alcácer Quibir]; FREIRE (Mário), João Paulo, Alcacer-Kivir!: apontamentos históricos sobre a acção da Hespanha antes do dominio dos Filipes, Lisboa, 1928; GANDRA, Manuel J., Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, Lisboa, 2003; GRABATO DIAS [pseudónimo de António Quadros], Quybyrycas, Porto, 1991; HEAULM, Victor de, Don Sébastien de Portugal ou les Mystéres de la Bataille d’Alcaçar, 1578, Paris, Imp. Maulde et Renou, 1854 [BN: L 40575 P]; LOUREIRO, Francisco Sales (ed.), Crónica [Anónima] do Xarife Mahamet e d’el-Rei d. Sebastião (15731578), Lisboa, 1987; idem, Jornada del-Rei Dom Sebastião à África . Crónica de Dom Henrique, Lisboa, 1978, cap. LXI; LUIS DE OXEDA, Comentario que trata de la infeliçe jornada que El Rey D. Sebastian hizo en la Berberia el año de 1578, donde se quenta muy en particular todo lo que alli sucçedio, con la muerte del rey y otras cosas dignas de admiraçion y de ser sabidas [BNPa: ms. 8 (1860)]; [MARTINS, Rocha], Alcácer-Quibir e a formação da lenda sebastianista, in Arquivo Nacional, a. 1, n. 239 (5 Ago. 1936), p. 86-87; MENDONÇA, Jerónimo de, Jornada de África, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1607 e 1785; MENESES, D. Duarte de, Relação dita de […], in Henry de Castries (ed.), Sources inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Archives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 2, p. 649-653, n. CIX [BNPa: fundo espanhol, ms. 421, fl. 92v96]; MÚRIAS, Manuel, A política de África de el-Rei D. Sebastião, Lisboa, 1925; [NIETO, Frei Luis], Historia de bello africano in quo Sebastianus Serenissimus Portugalliae Rex periit ad diem 4. Aug. Anno 1578, Nuremberga, 1580, 1581 e 1585 [trad. João Tomás Freigius; tb. in Henry de Castries (ed.), Sources inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Archives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 2, p. 437-505]; OLIVEIRA, Frederico Alcide, Alcácer-Quibir: a vertente táctica, Lisboa, 1988; OLIVEIRA, Vitor Amaral de, Uma fraude editorial: uma falsa «Relação» da Batalha de Alcácer Quibir, in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 31 (1992) (Homenagem a Adrien Roig), p. 141-150; [PEELE, George], The Battel of Alcazar, Londres, 1594 [teatro]; PENZOLDT, Ernst, Die Portugalesische Schlacht – Komödie der Unsterblichkeit, Berlim, 1930 e 1952 [A Batalha Portuguesa – Comédia da Imortalidade, peça de teatro]; RAMALHEIRA, Ana Maria Pinhão, Alcácer Quibir e D. Sebastião na Alemanha – Representa-

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ALCAIDE DO SANTO OFÍCIO ções Historiográficas e Literárias (1578-ca. 1800), Coimbra, 2002; RODRIGUEZ AMAYA, Esteban, Una Relación Desconocida de la Expedición à Africa del Rey Don Sebastián, in Bol. do Arquivo Histórico Militar, v. 18 (1948); SANTOS, Frei Manuel dos, História Sebástica. Contem a Vida do Augusto Príncipe o Senhor D. Sebastião Rey de Portugal, e os Successos Memoráveis do Reyno e Conquista do seu tempo, Lisboa Ocidental, António Pedroso Galrão, 1735; SOMMER, Horst, Die altdeutschen und alttschechischen Zeitung uber Konig Sebastians Tod bel Alcazar-Quebir (5. August 1578), in Libri, t. 16, n. 3 (Copenhaga, 1966), p. 175-193 [reproduz os rostos de alguns folhetos muito raros que se reportam ao desastre]; SOUSA, Maria Leonor Machado de, Em torno de Dom Sebastião, in Oceanos, n. 9 (Jan. 1992), p. 121-123

ALCAÇARENHO *Alcaçarense. ALCAÇARENSE Nome que se dá ao *vento que de Alcácer sopra para Palmela. Também *alcaçarenho. ALCACHOFRA Inflorescência do cardo, símbolo da regeneração individual ou colectiva, a qual, num contexto cristão, figura a ressurreição de Cristo (igreja da Golegã, *mosteiro dos Jerónimos e *convento de Cristo, de Tomar). Queimada na fogueira na *noite de São João, é colocada ao relento pelos namorados. Se, na manhã do dia seguinte, tiver reflorido isso é augúrio de que se querem da «raiz do coração»: «Alcachofra florida / Florida te encontrei / Se meu amor me quiser bem / Florida te encontrarei». Em Óbidos, diz-se ao chamuscá-la: «Alcachofra do amor, / onde se pinta a vontade, / Se me saíres florida, / Trato-te com lealdade». A alcachofra é emblema do amor e com esse significado surge nas colchas de Castelo Branco. Em Elvas, a realização da *sorte da alcachofra era realizada com três alcachofras, uma das quais se prendia uma com fio branco, outra com fio preto e a terceira com fio vermelho: a florescência da marcada com o fio branco indicava que a jovem havia de casar com um rapaz solteiro; a do fio preto que havia de casar com um viúvo; a do fio vermelho que ficaria solteira. São correspondentes da alcachofra para a revelação das «benquerenças» (obtida pela «sorte da alcachofra») o «rabo de gato», a *erva pinheira, o *azevinho, a laranjei-

A alcachofra, um dos motivos mais frequentemente glosados na arquitectura manuelina.

ra e a folha de figueira. Nos concelhos de Proença-a-Nova e Sertã, as «capelas» desempenhavam tal função. Os ídolos alcachofra neolíticos, em calcário (vulgarmente denominados pinhas), simbolizando a morte-ressurreição (Tholos do Barro, gruta da Cova da Moura, necrópole do Cabeço da Arruda e tholos da Serra das Mutelas, tholos de Pai Mogo, tholos do Vale de S. Martinho e dolmen do Monte Abraão, Lapa do Bugio, gruta de Alapraia, Vila Nova de S. Pedro, grutas de Carenque, necrópole da Serra das Baútas), assemelham-se a outros de Hissarlik (Tróia) e ao Thyrsus de Dionísio e Baco. Com o mesmo significado ocorrem na escultura tumular oitocentista, muitas vezes em duplicado: florida e seca. Virgílio Correia compara-os com as «maças de guerra africanas, com cabo curto [...], terminando em pinha irregular e multiforme» (Idolos Prehistóricos tatuados de Portugal, p. 101). Adivinha: «Está uma esfera armada / Com armas para temer. / Eu só, uma pobre mulher, / Tenho que dar que comer. / Dá tinha, que tinha, / (Que não adivinha!) / Até mais não poder ser». BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Entremez sobre o uso das alcochofras, Lisboa, 1785; ANÓNIMO, A grande bulha e desordem que tiveram as vizinhas e as criadas por amor das alcachofras, Lisboa, 1790.

ALCAIDE DO SANTO OFÍCIO Incumbia-lhe vigiar os presos, de molde a que permanecessem isolados, sem comunicação entre si nem com o exterior. Não tinha autorização para castigar ou beneficiar os reclusos, 143

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ALCALÁ Y HERRERA, ALONSO DE estando obrigado a dar informação de todas as ocorrências aos inquisidores para estes procederem conforme as circunstâncias. Conservava em seu poder um caderno com a planta das celas dos cárceres e a anotação das pessoas presas em cada uma, o qual devia manter sempre actualizado. ALCALÁ Y HERRERA, ALONSO DE (1599-1682) Natural de Lisboa, filho de fidalgos toledanos. Barbosa Machado assevera que passou grande parte da vida recolhido em casa, «revolvendo os livros, em que unicamente achava divertimento». Especialista, bem como pioneiro em Portugal, na confecção de anagramas poéticos (cronológicos e aritméticos) e lipogramas (textos nos quais não é utilizada uma letra específica) e de outros extravagantes artifícios em prosa e verso. É-lhe creditada a invenção do lipograma vocálico. *Anagrama.

Epítome da Himnodia artimético e cronológico da autoria de Alonso de Alcalá y Herrera (Jardim Anagramático de Divinas Flores).

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OBRA Varios effectos de Amor en cinco Novellas exemplares, y nuevo artificio de escrivir prosas y versos sin una de las cinco letras vocales, excluyendo vocal differente en cada novela, Lisboa, 1640 [BN: L 24377 P]; 1641 [BN: L 6438 P]; 1671 [BN: L 40453 P]; 1735 [BN: HG 15169 P]; Jardim Anagramatico de Divinas Flores Lusitanas, Hespanholas e Latinas, Lisboa, Oficina Craesbeeckiana, 1654 (nclui 683 anagramas em prosa e verso e 6 hinos cronológicos divididos em seis opúsculos [PNMafra: 2-24-6-15; BN: L 1461 A]); Meditações de Santa Brigida, Lisboa, 1664 [BN: R 13964 (1º) P]; Psalterium Quadruplex Anagrammaticum, Angelicum, Immaculatum, Marianum Deiparae dicatum sexcenta latina Anagrammata complectens, Lisboa, António Craesbeeck de Melo, 1664; Corona y Ramilhete de Flores salutiferas, antídoto del alma, consuelo de Afligidos y desengano del mundo, dvotissimas glosas, Poesia Sacra y divinas meditaciones, Lisboa, Domingos Carneiro, 1677; A Sagrada imagem da Virgem do Pilar Maria Santíssima Madre de Deus, Lisboa, 1678 [BN: L 1163 A]; Salve Rainha glossada, Lisboa, 1678 [BN: L 1163 A]; Novo modo, curioso, tratado e artifício de escrever assim ao divino como ao humano com uma vogal somente, excluindo quatro vogais, Lisboa, Francisco Vilela, 1679, partes I e II (contém 12 décimas, 5 em espanhol e 7 em português [BN: L 1666 P]) BIBLIOGRAFIA HATHERLY, Ana, A Experiência do Prodígio, Lisboa, Imprensa Nacional, 1983; idem, Jogos de Mestria – A propósito do Tratado Poético de Alonso de Alcalá y Herrera, in Poesia Incurável: aspectos da sensibilidade barroca, Lisboa, 2003, p. 131-145

ALCALAR Arqueosítio do concelho de Portimão (Faro). Alcalar 1 foi, desde 1880, explorado em momentos distintos, por Nunes da Glória, Estácio da Veiga, Pereira Jardim, Santos Rocha e José Formosinho. A necrópole, constituída por cerca de duas dezenas de sepulcros, essencialmente agrupados em três núcleos, acha-se implantada em diversos cabeços que cercam um povoado Calcolítico (transição entre o Neolítico e a Idade do Bronze, isto é do 4º para o 3º milénio a. C.), só recentemente identificado, sobre uma espécie de meseta que se estende por uma área de aproximadamente dez hectares. Apenas Alcalar 1, o sepulcro mais antigo, pode ser considerado uma estrutura de tipo megalítico, já que os restantes monumentos, em virtude de possuírem as câmaras cobertas por falsa cúpula, se aparentam muito mais com os tholoi Calcolíticos. Três lajes de grés, talvez pertencentes ao tecto, apresentavam «numa face numerosos sulcos abertos em diversos sentidos, que bem podem ser símbolos, emblemas, sinais de significação reservada, ou talvez indícios de uma pa-

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ALCALI nires de calcário, insculturados (eventual reintegração de pré-existências megalíticas), os quais marcam, lateralmente, a transição do átrio para o corredor do tholos, circunstância idêntica à verificada em Alcalar 7, o melhor conservado de todos os monumentos, onde, integrando o átrio, se observa um pequeno menir quebrado.

Alcalar 1 e respectivo espólio, segundo o Padre Nunes da Glória.

leografia rudimentar, em que parece haver uma certa harmonia intencional, que longe estou de poder interpretar» (Antiguidades Monumentais do Algarve, v. 3, p. 135). Tais lajes haviam de ser adquiridas por J. Leite de Vasconcelos (Religiões da Lusitania, v. 1, p. 385-387, fig. 99), achando-se, actualmente, no Museu Nacional de Arqueologia. Do lado esquerdo do interior da câmara de Alcalar 1, que abrigava importante espólio (restos humanos depositados em posição fetal, conservando elementos do traje, machados, enxós, alguns de anfibolito, pontas de flecha, em sílex, de base côncava, lâminas na mesma rocha, contas ovóides, dois vasos em calcário, um fragmento de placa de xisto decorada com motivos triangulares e fragmentos de cerâmica votiva) foi exumado, em 1880, um *menir ou bétilo de calcário, de tão diminutas dimensões que quase teria passado despercebido, não fora o seu desenho ter sido publicado pelo Padre Nunes da Glória. Também em Alcalar 4 foram identificados dois me-

BIBLIOGRAFIA ARNAUD, J. / GAMITO, T, O povoado calcolítico de Alcalar – notícia da sua identificação, in Anais de Faro, n. 8 (1978), p. 275-283; GOMES, Mário Varela, Megalitismo do Barlavento Algarvio: breve síntese, in Setúbal Arqueológica, v. 11-12 (1997), p. 156; GAMEIRO, José (coord.), Alcalar: a pré-história em Portimão, in Jornal da Exposição (Jul.-Nov. 2000); LAGE, Isabel (coord.), Alcalar: monumentos megalíticos – Guia, Lisboa, 2000; PARREIRA, R., Alcalar: os locais habitados e as criptas funerárias do III e IV milénios a. C., in Noventa séculos entre a Serra e o Mar, Lisboa, 1997, p. 191-206; PARREIRA, R. / SERPA, F., Novos dados sobre o povoamento da Região de Alcalar (Portimão) no Iv e III milénios a. C., in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 35, n. 3 (1995), p. 233-256; ROCHA, António dos Santos, Dolmens de Alcalar, in Boletim da Sociedade Archeológica da Figueira, n. 2 (1904), p. 39-56; VEIGA, Sebastião Estácio da, Antiguidades Monumentaes do Algarve – Tempos prehistoricos, Lisboa, 1886-1891 (4 vols.)

ALCALI Do árabe, al-cali, planta marinha da qual se extrai a soda. Em química é o nome dado a determinados compostos (soda, potassa, litina, etc.), os quais, quando em presença de ácidos, produzem sais e transformam as gorduras em sabões. Informa Bluteau (v. 1, p. 218) que «todo o sal alcálico, assim desta, como das mais ervas, é oposto ao sal ácido e na união de um e outro sal consistem todas as especulações da Física moderna. Por isso dizem que comunica o ácido as duas qualidades masculinas, a saber o cálido e o seco e que do alcali procedem as duas qualidades femininas, a saber o frio e o húmido. E assim da grande alteração causada da união do sal ácido e alcálico querem os Filósofos modernos que resulte a composição de todos os corpos. Na qual Filosofia é para notar que estando um e outro sal, ácido e alcálico, bem unidos, penetrados e com igual proporção e bem saturados, cessa a sua ebulição ou efervescência e não se renova com qualquer outra adição que possa sobrevir». 145

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ALCAMÉ ALCAMÉ Invocação ribatejana de Maria, festejada com romaria muito concorrida, descrita por Francisco Câncio. ALCÂNTARA A capela de *Santo Amaro (Monumento Nacional), em cujo recinto se realizava, outrora, a 15 de Janeiro uma das mais antigas, concorridas e tradicionais romarias de Lisboa (denominada Festa dos Galegos), foi fundada em 1532 por quatorze freires da *Ordem de Cristo então regressados a Portugal ao cabo de uma peregrinação a São João de Latrão, em Roma. Tendo decidido fazer vida de ascetas, ergueram sobre um rochedo sobranceiro ao Tejo um cenóbio agregado à basílica de Santa Maria Maior de São João de Latrão, à qual pagava foro. Concomitantemente instituíram uma confraria da invocação de Santo Amaro, extinta em 1836 e constituída por gente da mais alta nobreza e funcionários superiores do Reino. A primitiva ermida ficava onde actualmente se acha a sacristia, tendo o santuário que a substituíu sido

iniciado a 12 de Fevereiro de 1549, conforme reza uma inscrição sobre a porta: «Começou a edificar-se esta ermida de Santo Amaro aos 12 dias de Fevereiro de 1549 e havia sete anos que era aqui edificada a que agora serve de sacristia». O templo, muito encarecido por Albrecht Haupt e Walter Crum Watson, foi encerrado em 1910, tendo regressado à posse das autoridades eclesiásticas em 1928. A primeira da muito abundante iconografia dele parece ser devida a Braunio (1572). Nesta capela viveu o eremitão profeta, *Domingos da Madre de Deus, penitenciado no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 11 de Outubro de 1654, por, alegadamente, ter pacto com o diabo e fazer curas por ordem dele, usar de feitiçaria e fingir revelações e santidade (cf. Vida do Príncipe Dom Teodósio, p. 85-86). BIBLIOGRAFIA FREIRE (Mário), João Paulo, Alcântara: apontamentos para uma monografia, Coimbra, 1929, p. 177-196

ALCANTARÉ Vento que sopra de Alcântara (Espanha). Possui grande raio de acção que, grosso modo, abrange todo o interior de Portugal, entre Tejo e Douro. Também *alcantarenho, *alcantareno, *alcantaril, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês, *cantaril. ALCANTARENHO O mesmo que *alcantaré, *alcantareno, *alcantaril, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês, *cantaril. ALCANTARENO O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *alcantaril, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês, *cantaril. ALCANTARIL O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *alcantareno, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês, *cantaril.

Capela de Santo Amaro, segundo Albrecht Haupt.

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ALCANTARILHO O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *alcantareno, *alcantaril, *alcantario, *cantarês, *cantaril.

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ALCIATO, ANDRÉ ALCANTARIO O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *alcantareno, *alcantaril, *alcantarilho, *cantarês, *cantaril. ALCAPARRA Caçar a alcaparra ou caçar a *alpabarda são expressões que designam uma prática de engano, correspondente à caça do *gambozino. Tem lugar em terras bragançanas, sem época certa, mas de preferência nas noites frias de Inverno. Convence-se um simplório a ir esperar a alcaparra, animal que lhe dizem possuir grande valor culinário, na gateira da parede de um lameiro, com um saco aberto, enquanto aqueles que o convenceram, fingindo que vão bater as redondezas, recolhem a casa, deixando ali o enganado à espera durante horas, até desistir. Quando existe um ribeiro por perto é aí que se faz a espera, sugerindo-se à vítima do logro que recite a seguinte oração, apropriada para atrair a presa: «Biobardo, vem-te ó fardo, q’eu pantasma por ti aguardo». A costumeira tem paralelo no procedimento que os Faunos usavam nas suas festas, «quae ludibria sive ephialten immitere credebantur». ALCASTOR, SANTO Também denominado *Mártir Santo Castor. Santo *apócrifo cultuado numa capela seiscentista da Herdade de Santo Espírito (distante de Arraiolos cerca de 5 kms). Informa o Agiológio Lusitano (v. 3, p. 627) de Jorge Cardoso que uma lasca de mármore da imagem existente na capela do Vimieiro, trazida ao pescoço, livra de «sazões e maleitas». ALCIATO, ANDRÉ (1492-1550) Estudou em Milão (1504), sua cidade natal, Pavia (1507) e Bolonha (1511), onde obteve o grau de doutor em Cânones, no ano de 1514. Aí conheceu Filippo Fasanini, tradutor de *Horapolo, tendo mantido contacto com os círculos humanistas venezianos e florentinos preocupados com a cultura hieroglífica. Em 1516, publicaria, em Estrasburgo, os seus primeiros trabalhos sobre Jurisprudência. A instabilidade

Da Fábrica que falece ha Cidade de Lysboa (1571 [BA: 51-III-9]) de Francisco de Holanda: Inigma inspirado num dos emblemas de Alciato.

política na Lombardia obrigá-lo-ia, entretanto, a dirigir-se para Avignon (França), em 1518, onde permaneceu até 1522, tendo feito amizade com Albutio, Peutinger, Erasmo, etc. Tendo regressado a Milão, onde viveria entre 1522 e 1527, realizando estudos e traduções e iniciando a composição dos Emblemata. A convite de Francisco I de França leccionaria em Bourges (1529-1533), grangeando prestígio e fama. Regressado a Pavia, partiria, em 1537, para Bolonha, e daí, em 1542, para Ferrara. Em 1546, declina o cardinalato, que lhe é oferecido por Paulo III, porém aceita tornar-se protonotário apostólico. No mesmo ano retorna a Pavia onde se fixará até ao fim da vida. O núcleo da obra mais divulgada e influente de Alciato começou como uma singela colectânea de 30 epigramas gregos traduzidos e incluídos nos Selecta epigrammata graeca (Basileia, 1529). O material publicado por Heinrich Steiner, em 1531, ainda sem qualquer ilustração, constaria desses e de outros textos similares, encabeçados por frases sentenciosas, que Alciato oferecera ao seu amigo Conrad Peutinger. Para a composição do Emblematum Liber Alciato teve à vista 147

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ALCIATO, ANDRÉ a Ilíada e a Odisseia, os fabulários latinos (de Fedro e Esopo), a cerâmica e numismáticas clássicas, os epigramas gregos (nomeadamente os da Antologia Planudea, do período alexandrino), as obras de Ovídio, Aulo Gélio, Plínio, Ateneu, Eliano, Pausanias, etc., as colecções de provérbios e máximas que sistematizavam a ética greco-latina (Dísticos Morais de Catão e a Antologia de Estobeu), a *Bíblia, os bestiários, a heráldica e a literatura alegórica medievais, etc., e, designadamente, as invenções hieroglíficas de Horapolo e *Colonna, bem assim como os elencos de apólogos e provérbios em circulação nos meios humanistas, compendiados em diversas obras, com destaque para os Adagia do mestre de Roterdão. Foi amplíssima em Portugal a aceitação da obra deste jurisconsulto milanês e muito popular até aos finais da centúria de setecentos. É conhecido o quanto o Senhor de Cantanhede, D. João de Meneses Sotomaior, encarecia os Emblemata, a ponto de, correspondendo a uma sua solicitação, Sebastião Stockhamer ter composto, em 1552, os sucintos comentários, posteriormente impressos em Lião (1556), Antuérpia (1565, 1566 e 1567) e Genebra (1614). Nas letras profanas os Emblemata inspiraram notoriamente *Luís de Camões, André Rodrigues Eborense (Sententiae, Lisboa, 1554; Lião, 1557; Coimbra, 1569; Paris, 1569; Veneza, 1572; Colónia, 1593), Vasco Mousinho de Castelbranco (Emblemas, Lisboa, 1596), António Ferreira, Francisco Leitão Ferreira (Nova Arte de Conceitos, Lisboa, 1718-1721), António Delicado (Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Comuns, Lisboa, 1651), António de Sousa de Macedo (Eva e Ave, ou Maria Triunfante, Lisboa, 1716), bem como inúmeros outros de entre os quais se destacam Manuel Faria e Sousa, Manuel Severim de Faria, Pedro José Supico de Morais (Collecção Moral de Apothegmas Memoraveis, Lisboa, 1720-1732) e Bocage. Nas artes são-lhes tributários João de Ruão, *Francisco de Holanda, bem assim como os autores dos programas iconográficos destinados às entradas régias e aos jardins de muitas quintas de recreio e palácios, de que são paradigmáticas a *Quinta da 148

Rosto da tradução portuguesa da Declaração Magistral sobre os Emblemas de Alciato com todas as Historias, Antiguidades, Moralidades, e Doctrina tocante aos bons costumes [BN: cod 9221], realizada, em 1695, por Teotónio Cerqueira de Barros.

Bacalhoa (Azeitão) e o *Palácio Fronteira (Lisboa). Já no século XIX, também o pintor António Manuel da Fonseca utilizou os Emblemata para compôr diversas das suas obras, designadamente um painel de pintura destinado ao barão de Quintela (Palácio Quintela, actual Palácio Pombal). A influência de Alciato e de seus mais notórios discípulos não foi menor entre teólogos e moralistas, que empregaram emblemas para interpretações ao divino, como sucedeu com Frei Heitor Pinto (Imagem da Vida Christam, Lisboa, 1681-1593) e Manuel Bernardes, em particular, e com os jesuítas, em geral. Outro exemplo é o oratório da duquesa de Bragança D. Catarina (Paço de Vila Viçosa), concebido pelo pintor Tomás Luís (cf. Vítor Serrão, O pintor maneirista Tomás Luís e o antigo retábulo da igreja Misericórdia de Aldeia Galega do Ribatejo, 1591-1597, in Artis, n. 1, 2002, p. 229-231). A única tradução portuguesa conhecida (Declaração Magistral sobre os

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ALCIONE Emblemas de Alciato com todas as Historias, Antiguidades, Moralidades, e Doctrina tocante aos bons costumes [BN: cod 9221]) foi realizada, em 1695, por Teotónio Cerqueira de Barros, cavaleiro da Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício natural da Vila de Barca Província do Minho, a partir da edição de Diego Lopez (Nájera, 1615). BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Martim de, Emblematismo e Camões, in A expressão do poder em Luís de Camões, Lisboa, 1988, p. 265-290; ALÇADA, João Nuno, A Tempestade do Triunfo de Inverno como «topos» da «Fortuna» Marítima na Corte de D. João III, in Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian (Homenagem a Maria de Lourdes Belchior), v. 37, Paris, 1998, p. 53-66; EHRHARDT, Marion, Repercussões emblemáticas na obra de Camões, in Arquivos do Centro Cultural Português, n. 8 (Paris, 1974), p. 553-566; GANDRA, Manuel J., Emblemas e Leitura da Imagem Simbólica no Palácio Nacional de Mafra: esquissos para uma exposição virtual, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 32-37 [inclui: Subsídios para a cronologia editorial do Emblematum Liber no séculos XVI e XVII]; LEITE, Ana Cristina, Ocasione. Memória, história e cosmos nos jardins do Palácio Fronteira, in Actas do Congresso Struggle for Synthesis: a Obra de Arte Total nos séculos XVII e XVIII, v. 2, Lisboa, 1999, p. 507; MIEDEMA, H., The Term Emblema in Alciati, in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, v. 31 (1968), p. 115-138; PRIETO, Maria Helena, A emblemática de Alciato em Portugal no século XVI, in Simpósio Nacional, 1: O Humanismo Português 15001600 (Lisboa, 1988), Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1988, p. 435-461; VASCONCELOS, Joaquim Leite de, Emblemas de Alciati explicados em Português: manuscrito do sec. XVI-XVII ora trazido a lume, Porto, 1917

ALCIDES O mesmo que *Hércules. Rui Dias Bivar, El Cid, o Campeador, terá encarnado a sua gesta guerreira, donde o nome que o consagrou. No poema Ulisseia (1636), relata Gabriel Pereira de Castro o confronto entre Alcides e o monstro Pithodemo, que aterrorizava os habitantes de Colares: Alcides enfrenta o monstro que vivia numa gruta sita próximo da povoação. Este sai derrotado e os colarenses erguem altares em honra do herói, arrastando o corpo da besta com «fortíssimos colares», justificativos do topónimo. Camões (Os Lusíadas, IX, 57) nomeia o *álamo como atributo de Alcides. ALCIFER Corrupção de*Lúcifer. ALCIFRÉ Corrupção de *Lúcifer.

Alcione num fresco do Palácio dos Capitães-mores de Évora (Paço de São Miguel).

Busto de Alcides, à esquerda da portaria conventual do mosteiro dos Jerónimos.

ALCIONE Fresco da abóbada da Sala Oval do Paço de São Miguel (Évora), realizado sob a direcção do pintor Francisco de Campos (entre 1578 e 1580), figura Alcione adormecida, circunstância em que, por intermédio de Morfeu, conheceu a perdição do amante, Seico, num naufrágio. Comentador quinhentista das Metamorfoses de Ovídio, moralizando num sentido cristão esta história, dizia: «As coisa que amamos demasiado facilmente, no-las tira Deus». Também iconografada em estátua, de chumbo, no Palácio Nacional de Queluz. 149

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ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE ALCIPRÉ Corrupção de *alcifré, por sua vez de *Lúcifer (Duas Igrejas). ALCMENA Do grego, a forte. Filha de Electron, o luminoso, é protagonista de duas tragédias: uma de Sófocles e outra de Eurípedes. Casou com Anfitrião para vingar a morte dos irmãos assassinados pelos filhos de Terelas, rei dos Telebanos. Quando Anfitrião preparava a vingança, Júpiter tirando partido da ausência deste, assume a aparência do marido de Alcmena, usurpando também a vitória dele sobre Terelas. Progenitora de Hércules e de Ifides, nascidos da sua união com Júpiter e Anfitrião, respectivamente. *Camões (Os Lusíadas, III, 141) dedica-lhe os seguintes versos: «E pois se os peitos fortes enfraquece / Um inconcesso amor desatinado. / Bem no filho de Alcmena se parece / Quando em Onfale andava transformado». António José da Silva (o Judeu) dramatizou a trama na peça Anfitrião ou Júpiter e Alcmena, estreada no Teatro do Bairro Alto, no mês de Maio de 1736. ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE Fundação cisterciense, ainda em vida de *São Bernardo, presumivelmente entre 1148 e 1152, sem embargo de o primeiro documento que subsiste, reportando-se-lhe expressamente, remontar a 8 de Abril de 1153. Trata-se da doação (em comemoração da conquista de Santarém) e coutamento dos domínios da abadia, com a obrigação desta povoar o território abrangido pelas treze vilas de cujo senhorio se tornava a cabeça (Alcobaça, Aljubarrota, Cela, Cós, Évora de Alcobaça, Maiorga, Turquel, Alfeizerão, Alvorninha, Salir de Matos, Salir do Porto, Santa Catarina e Pederneira). Embutida na face interna da parede da nave Norte, à direita do portal que do templo conduz ao claustro, observa-se cópia seiscentista de uma inscrição medieval desaparecida, comemorativa da fundação da abadia velha, ocorrida a 21 de Setembro de 1152. A nova abadia de Santa Maria seria principiada em 10 de Maio de 1178, concluída em 1252 e sagrada durante o abaciado de D. 150

Mosteiro de Alcobaça: planta medieval (reconstituição), inscrita no traçado modular (medidas em pieds du roi), de acordo com Cocheril.

Egas Rodrigues, a 20 de Outubro do mesmo ano, não obstante os monges já ocupassem as novas instalações desde 6 de Agosto de 1223. O acto seria presidido pelos bispos de Lisboa, D. Aires Vasques (1244-1258), e de Coimbra, D. Egas Fafes de Lanhoso (1246-1268). Os primórdios da fundação e início da edificação permanecem envoltos em lendas de cortornos mágicos e geomânticos, cujo mais remoto registo conhecido é devido a Frei Hilário das Chagas, no ano de 1575 [BN: cod. alc. 92]. Informa ele que os caboucos do mosteiro de Alcobaça mudaram diversas vezes de local durante a noite e que *Dom Afonso Henriques terá disparado uma flecha, dizendo que construiria um mosteiro cisterciense no exacto local da sua queda. Acrescenta a lenda que a flecha caíu em Chiqueda, mas durante a noite os frades levaram-na para Alcobaça porque não queriam o convento onde ela caíra. Óbvia alusão ao evento é o arco iconografado no retrato do fundador proveniente da Hospedaria do Real Mosteiro de Alcobaça, actualmente (desde 1874) na Câmara Municipal da Moita. Na sala dos Reis, um silhar de nove painéis de azulejos historiados setecentistas narra a história lendária da fundação de Santa Maria de Alcobaça, desde o voto de Afonso Henriques até ao lançamento da primeira pedra. Uma doação de

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ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE

Pormenor de um dos painéis de azulejos historiados da Sala dos Reis: o local da implantação definitiva da abadia de Alcobaça é decidida por anjos.

Afonso Henriques ao mosteiro de Alcobaça, em Fevereiro de 1183 [ANTT: Colecção especial, caixa 28, nº 14 (cota antiga); I – Dr. nº 5 Alcobaça (nova cota)] alude à prerrogativa de Portugal como Populus Praeelectus Christi nos quatro sinais rodados de Afonso Henriques, de D. Dulce, de D. Sancho e da Infanta D. Teresa, que ostenta. Opinou António de Vasconcelos que a fonte de inspiração poderia haver sido a Epístola de Santiago (I, 17): «[...] lá de cima vem toda a graça óptima, todo o dom perfeito, que desce do Pai das Luzes, no qual não há mudança nem sombra alguma de variação». Arguta sugestão que creio ver corroborada, como inspiradora de tão impressiva declaração do eschaton da realeza portuguesa, por uma passagem do *Apocalipse. Faço fé, de resto, numa iluminura do Beatus Facundus, comentário da mesma família do Apocalipse de Lorvão, datável do século VIII, no ponto onde é glosado o capítulo V, 5-10: «[...] Eis aqui o Leão da Tribo de Judá, a raiz de David, que pela sua vitória alcançou o poder de abrir o Livro e de desatar os seus sete selos. E olhei e vi no meio do Trono e dos quatro animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro como morto que estava em pé, o qual tinha sete cornos e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus, mandados por toda a terra. E veio e tomou o Livro da mão direita do que estava sentado no Trono. E tendo o Livro, os quatro Animais e os vinte e quatro Anciãos se prostraram diante do Cordeiro tendo cada

Selos rodados que acompanham a doação de Fevereiro de 1183: em todos eles a pala e a faixa são formadas por escudetes carregados de cinco besantes cada um, achandose, também estes, dispostos em cruz. Os escudetes são doze, em forma de amêndoa, os seis da pala apontados para baixo, os seis da faixa para o centro. Porém, aquilo que mais notabiliza os selos são as quatro palavras latinas dispostas nos quadrantes: PAX e LUX, nos superiores e REX e LEX, nos inferiores.

um suas cítaras e suas redomas de ouro cheias de perfume, que são as orações dos Santos. E cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és, Senhor, de tomar o Livro e de desatar os seus selos, porque tu foste morto e nos remiste para Deus pelo teu sangue, de toda a Tribo e de toda a Língua e de todo o Povo e de toda a Nação. E nos tens feito para o nosso Deus, reino e Sacerdotes: e reinaremos sobre a Terra». Os supracitados versículos do Apocalipse tornam verdadeiramente significativo o sinal rodado de Afonso Henriques: a função real, essencialmente ordenadora e reguladora, que ele encarna, encontra justificação no patrocínio divino expresso pela PAX. De facto, problemática afim da que subjaz a um diploma exumado do cartório de Alcobaça em Dezembro de 1596, o qual é, decerto, a pedra angular da portugalidade. Refiro-me ao *Juramento de Ourique, no qual Afonso Henriques atesta a aparição de Jesus Cristo (*Milagre de Ourique), antes do prélio de Campo de Ourique (25 de Julho de 1139), para legitimá-lo e aos monarcas seus herdeiros, até à 16ª geração. O pergaminho havia de ser ofertado a Filipe II, pelo abade Frei Lourenço do Espírito Santo, após tresladado, em 4 de Novembro de 1597 (apógrafo [ANTT: Casa Forte, pasta n. 87] tido por muitos como 151

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ALCOBÊS o documento alcobacense!), pelo notário Tomé da Cruz. De resto, o fundo de manuscritos outrora propriedade do mosteiro (456 na BN; 8 no ANTT e 3 na British Library, de Londres), mais de metade dos quais anterior ao séc. XVI (185 do período compreendido entre 1150 e 1300), torna o scriptorium de Alcobaça um notável repositório da literatura medieval em circulação em Portugal. Aos Dom abades de Alcobaça competia a visitação e a correição da *Ordem de Cristo. A eles era dado o juramento de fidelidade à Santa Sé Apostólica pelos grão-mestres da Milícia, uma vez eleitos, consoante estipulava a bula de fundação, Ad ea ex quibus (1319). *Abada, *abismo, *Além, *apologética antijudaica, *apócrifo, *Pedro e Inês. BIBLIOGRAFIA AMOS, L. Th., The Fundo Alcobaça of the Biblioteca Nacional, Lisbon, Minnesota, 1988-1990, 3 vols.; ANÓNIMO, Index Codicum Bibliothecae Alcobatiae, Lisboa, 1775; ANÓNIMO, Inventário dos Códices Alcobacenses, Lisboa, 1930-1978, 6 vols.; ANSELMO, A. J., Os códices alcobacenses da Biblioteca Nacional (códices portugueses), Lisboa, 1930; COCHERIL, Maur, Notes sur l’architecture et le décor dans les Abbayes Cisterciennes du Portugal, Paris, 1978; idem, Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal, Paris, 1978; FIGUEIREDO, Frei Manuel de, Alcobaça Illustrada – Segunda Parte [BN: ms. 1486, fl. 338s]; FORTUNATO DE S. BOAVENTURA, Historia Chronologica e Critica da Real Abbadia de Alcobaça da congregaçam Cisterciense de Portugal, para servir de continuação à Alcobaça Illustrada, Lisboa, 1827; idem, Commentariorum de Alcobacensi manuscriptorum Bibliotheca libri tres, Coimbra, 1828; idem, Inéditos de Alcobaça, Coimbra, 1829; GANDRA, Manuel J., A Cristofania de Ourique: mito e profecia, Lisboa, 2002; GUIMARÃES, Vieira, A trilogia monumental de Alcobaça, Batalha e Thomar e o Caminho de Ferro, Lisboa, 1912; JORGE, Virgolino Ferreira, Measurement and Number in the Cistercian Church of Alcobaça, in Arte Medievale, s. 2, a. 8, n. 1, t. 2 (1994), p. 113-119; idem, Espaço e Euritmia na Abadia Medieval de Alcobaça, in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, n. 93, t. 1 (1999), p. 103-120; MIRANDA, Maria Adelaide, A inicial ornada nos Manuscritos Alcobacenses: um percurso através do seu imaginário, in Ler História, n. 8 (1986), p. 3-34; NASCIMENTO, A. A., Em busca dos códices alcobacenses perdidos, in Didaskalia, v. 9 (1979), p. 279289; idem, Livro e leituras em ambiente alcobacense, in X Centenário do nascimento de S. Bernardo (Actas dos encontros de Alcobaça e Simpósio de Lisboa, Braga, 1991, p. 147164; NATIVIDADE, J. Vieira, O Mosteiro de Alcobaça, in A Arte em Portugal, v. 4, Porto, 1959; ROCHA, Frei Manuel, Descrição do Templo, Coro, Sacristia e Santuário do Real Mosteiro de Alcobaça [BN: cod. alc. 299, 300 e 301]; SANTOS, Frei Manuel dos, Alcobaça Ilustrada […], Coimbra, 1710; idem, Descrição do Real Mosteiro de Alcobaça (ed. Aires Nascimento), Alcobaça, 1979

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ALCOBÊS Vento que sopra do Caramulo, denominado serra de Alcoba, em documentos antigos. O mesmo que *alcoucês, *alcovês, *algovês e *austro. ÁLCOOL Espírito do vinho. Ensina a *alquimia que, quando privado de toda a humidade, «é o dissolvente próprio de todas as gomas e resinas». Segundo *Matias Aires, «o álcool tem usos excelentes nos experimentos físicos e da mesma sorte na Farmácia, Medicina, na Cirurgia e na Anatomia; manufactura dos vernizes; a extracção de tinturas minerais, vegetais e medicinais; e fábrica dos termómetros, ou conhecimento exacto dos graus do frio e do calor em todas as estações do ano; a conservação de algumas figuras monstruosas animais; a cura de muitos males; a representação visível dos líquidos que circulam nas artérias e nas veias; tudo depende do álcool e se este é depurado menos bem, sucedem mal os experimentos que com ele se praticam» (Problema da Arquitectura Civil, p. 265). Bluteau: «[...] palavra arábica, derivada de alchol, que é pó de Antimónio crú com que os Turcos, Persas, etc., tingem de negro as sobrancelhas e também serve de colírio para o mal dos olhos. Entre nós dão os Químicos e Boticários este nome a um espírito de licor, ou a um pó subtilíssimo: e assim dizem, álcool de vinho, ou de espírito de vinho bem rectificado; coral feito em álcool, ou alcoolizado, é o que pisado numa pedra de porfido, ficou reduzido a um pó impalpável. Laguna sobre Dioscorides (lib. 5. cap. 58) diz que álcool em Castela é aquela espécie de mineral chamado Stibio (vulgarmente, *antimónio) com que as mulheres costumam tingir as sobrancelhas e Covarrubias conformando-se com ele, diz, que álcool é certo género de pós, e que com um palito de funcho, tingido neles e passado pelos olhos, se aclara a vista e se fazem negras as pestanas; e em favor deste sentido deriva álcool do hebraico Quebale, que vale o mesmo, que negrejar [...]. Na segunda parte Apologética pela trituração da Jalapa diz José Homem de Andrade, segun-

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ALCORÃO do a primeira significação, que temos dado a esta palavra álcool, que é um pó muito volátil, e impalpável, semelhante aos átomos que aparecem nos raios do Sol (v. 1, p. 48)». ALCORÃO Sagrada Escritura do Islão, revelada a Maomé durante um período de 23 anos (13 em Meca e 10 em Medina). É constituído por 114 suras, ou capítulos, iniciadas (à excepção de uma) pela frase «Em nome de Deus, o misericordioso, o compassivo», as quais compendiam os preceitos religiosos e da vida quotidiana dos crentes muçulmanos. O Livro da Corte Inperial transcreve a sura III, 45-48 do Alcorão, consignando, juntamente com o *Orto do Esposo, as duas mais antigas alusões em língua portuguesa à doutrina alcorânica. Tendo tido conhecimento dos seus estudos arábicos em Évora (15331537), o teólogo salmaticense Francisco Vitória exortaria Nicolau Clenardo (ca. 14931542) a consagrar a pena à refutação do islamismo, ao que este respondera que primeiro era preciso conhecer o Alcorão, depois a Suna, porquanto «combater o que se não conhece suficientemente é estúpido» (Carta de Granada, 12 de Julho de 1539). Expõe nessa missiva ao seu mestre, Látomo, o plano que gizou e que consiste em dedicar-se à tradução para latim de «toda a suma da superstição islamítica», começando pelo Alcorão, à qual acrescentaria escólios e críticas dos doutores cristãos, confrontando este com o texto do Evangelho em latim e em árabe, fazendo imprimir tudo e enviando esses livros para África, no intuito de, com base neles, organizar uma cruzada pacífica antimaometana. Concomitantemente, tencionava fundar em Lovaina o ensino do árabe apropriado para tal missão. Dirigi-lo-ia pessoalmente, porém secundado por um mestre mourisco que teria a seu cargo o ensino prático. Entretanto, visita em duas ocasiões o Norte de África (1540 e 1541), não «para disputar, mas para ocultamente perscrutar os mistérios muçulmanos, a fim de que depois de conversar sobre o assunto com teólogos doutos, lá voltasse um dia, para então tratar com eles de religião». O

Molde em xisto, encontrado na localidade alentejana de Pias (1981), destinado ao fabrico de amuletos muçulmanos, no qual é legível um fragmento da sura CXII, 3-4 do Alcorão (cf. Portugal Islâmico: os últimos sinais do Mediterrâneo).

Infante e então arcebispo Dom Henrique, ciente dos projectos de Clenardo, escrever-lheia para Fez, dizendo-lhe «que muito folgava por [...] estar resolvido a traduzir o Alcorão, e se carecesse de algum dinheiro para livros, ele se encarregaria disso junto de el-Rei seu irmão [Dom João III]» (Carta de Fez, 21 de Agosto de 1541). O projecto Clenardiano jamais se concretizaria, mas traduções latinas do Alcorão certamente circularam em Portugal. Por exemplo, em casa do padre *Bartolomeu de Gusmão (?-1724) foi encontrado, entre os seus papéis, o «Alcorão de Mafoma», anotado em várias partes [BN: cod. 862, fl. 330]. Por edital, de 2 de Maio de 1771, subscrito por Frei Francisco Xavier de Santa Ana, Frei Luís de Monte Carmelo e Frei Joaquim de Santa Ana e Silva, foi autorizada a leitura de uma tradução de André Reyer (Amesterdão, 1770) «áquelas pessoas que esta Real Mesa [Censória] julgar que não têm peri153

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ALCOUCÊS go de perverter-se com ele». Apenas são conhecidas duas cópias integrais e uma meia dúzia de colecções de extractos do Alcorão na língua árabe, em bibliotecas e arquivos nacionais [BN; BPÉv; ACL]. A primeira tradução portuguesa integral, directa e anotada foi realizada por José Pedro Machado (1979) [BN: R 14292 V]. Da denominada literatura anti-alcorânica salienta-se o Libro llamado Antialcoran, que quiere dezir contra el Alcoran de Mahoma, repartido en veynte y seys Sermones de Bernardo Perez de Chinchon (Salamanca, 1595 [BPÉv: séc. XVI, 3193]). Por vezes, os amuletos muçulmanos peninsulares incluem passagens corânicas, como se comprova pelo molde em xisto exumado em Pias (1981), no qual é legível um fragmento da sura CXII, 3-4: «[Ele não engendrou] e não foi engendrado. [Ninguém] é igual a Ele!». *Bolsa de mandinga, *Corte Imperial. BIBLIOGRAFIA MACHADO, José Pedro, Um passo do Alcorão e uma curiosidade de Lexicografia Portuguesa, in Revista de Portugal, série A – Língua Portuguesa, v. 1, n. 1 (Out. 1942), p. 41-44; idem, Manuscritos do Alcorão em Bibliotecas Portuguesas, in Boletim da Academia Portuguesa de Ex-Libris, n. 1 (Set. 1955), p. 23-24; MAMEDE, Sulliman Valy, O Alcorão e a Cultura Portuguesa, Lisboa, 1969; MARTINS, Abílio, A literatura árabe e a Corte Imperial, in Brotéria, v. 26 (1938), p. 61-68; idem, Originalidade e ritmo na Corte Imperial, in Brotéria, v. 26 (1938), p. 368-376; idem, Toledot Jeshu, in Brotéria, v. 27 (1938), p. 577-585; idem, Literatura judaica e a Corte Imperial, in Brotéria, v. 31 (1940), p. 15-24; idem, A filosofia de Raimundo Lulo na literatura portuguesa medieval, in Brotéria, v. 34 (1942), p. 474-482; VELOZO, Francisco José, Confirmação alcorânica duma tradição carmelita, in Rev. de Guimarães, v. 74, n. 3-4 (Jul.-Dez. 1964), p. 323-328

ALCOUCÊS Também denominado *alcobês, *alcovês e *algovês. Vento do Sul (= alcouço). *Austro. ALCOVÊS Nome do vento no Caramulo (cf. J. Pedro Machado, Influência arábica no vocabulário português, v. 1, p. 173). Também denominado *alcobês, *alcocês, *algovês e *austro. ALCOVITEIRA Especialista na arte da aproximação amorosa e dos amores ilícitos. Em Gil Vicente, mães, tias 154

e maridos alcoviteiros são facilmente corrompidos, promovendo o *adultério de filhas, irmãs e esposas. Na Confissão de humas bruxas (1559) afirma-se que uma *bruxa só pode ser considerada como tal depois de passar sucessivamente pelos graus de *feiticeira e alcoviteira (*assembleia). D. Manuel concedeu carta de perdão a Guiomar Fernandes (residente na ilha de Santiago, Cabo Verde), ilibando-a da acusação de «alcoviteira de negras e feiticeiras» que se comprovara ser falso (cf. Pedro de Azevedo, Costumes do tempo d’el-rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 4, 1896, p. 5). No século XVIII, a alcovitice era considerada delito, punível pelos visitadores com uma pena espiritual, como, por exemplo, os «três rosários para as almas» a que foi condenada Maria Felismina (de Bragança), atendendo ao seu arrependimento (Belarmino Afonso, Livros de Devassa e Etnotextos, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 2-4, 1985, p. 355). *Amarração, *feitiço de amoe e desamor, *forçar vontades, *Leonor Afonso. ALCUNHA Denominação ou qualificativo, regra geral picaresco, afrontoso ou depreciativo, que é usado em vez do nome próprio de alguém ou daquele que designa um grupo de pessoas, em razão de alguma sua característica física ou moral. Existem alcunhas colectivas, de carácter étnico, aplicadas aos naturais de determinadas localidades, regiões, províncias, nações e povos (*ápodo). Por exemplo, os ericeirenses são apodados de jagozes (= à rasca; aliás jagodes = minderico), os beirões de ratinhos e os minhotos de picamilhos, «porque comem pão de milho» (Bluteau, Vocabulário). BIBLIOGRAFIA COSTA, Alexandre de Carvalho, Gentílicos e apodos tópicos de Portugal continental: recolha e compilações, Portalegre, 1973 [BN: L 21786 V]; idem, Crato, vila concelhia do distrito de Portalegre: gntílicos e apodos aplicados aos habitantes da vila do Crato e ainda aos das suas freguesias rurais Aldeia da Mata, Flor da Rosa, Gáfete, Monte da pedra e Vale de Peso, Crato, 1986; MORAIS, J. A. David de, Ditos e apodos colectivos: um estudo de antropologia social no distrito de Évora, Lisboa, 2006; PIRES, A. Tomás, Apodos geographicos, in Revista Lusitana, v. 8 (1903-1905), p. 275; idem, Apodo geographico, in Revista Lusitana, v. 12 (1909), p. 74; SOUTO, António,

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ALECRIM Angeja: apodos e alcunhas, Angeja, 1991; VASCONCELOS, J. Leite de, Uma alcunha étnica, in Lusa, v. 1, p. 161-162; idem, Ainda o Picamilho, in Lusa, v. 2, p. 1

ALDEIA DO MATO *Rocha dos Namorados. ALDEIA NOVA Próximo da capela de São João desta localidade (Miranda do Douro, Bragança) há um *podomorfo denominado Pégada de Nossa Senhora. O abade de Baçal refere que a lenda relativa à inscultura sofreu uma mutação, preferindo alguns dos habitantes do lugar atribuí-la a um castelhano invasor que se viu obrigado a desistir do saque da aldeia em consequência de um voto feito pelos moradores às *almas do Purgatório, durante as guerras de 1710. O padre Cardoso (Diccionario Geographico) assevera que no sítio do termo deste povo, chamado Castelo, existia, no séc. XVIII, uma mula gravada numa fraga. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p. 611; ALVES, Francisco Manuel, Insculturas e Arte Rupestre: novos elementos para a sua interpretação, Bragança, 1977, p. 33-34; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 249-250

ALDEREDO, SANTO Advogado contra a dor de pedra, gota, tosse seca e cólicas. Festejado a 1 de Janeiro. ALECRIM Rosmarinus officinalis, L. Labiada arbustiva, espontânea na região mediterrânica, designadamente em terrenos calcários secos e pobres. É usada desde a antiguidade pelas suas qualidades aromáticas e medicinais: «Quem pelo alecrim passou / E não cheirou, / Se mal estava, / Pior ficou» (Vila Nova de Gaia). O seu óleo essencial possui cineol, cânfora, borneol, alcalóides, saponina e ácidos orgânicos. Em doses elevadas pode tornar-se tóxico, principalmente no que respeita às grávidas. No uso interno, a infusão das folhas é calmante, revitalizante, diurética, colagoga e hipotensora. Melhora os processos digestivos. No uso externo, as folhas ou a essência de alecrim entram na composição de nume-

rosos produtos anti-reumatismais, devido ao seu efeito extremamente rubificante sobre a pele, a saber: álcool (Spiritus rosmarini), liniento (Linientum saponato-camphoratum), etc. Erva profiláctica contra o *mau olhado e a inveja. O cheiro do alecrim queimado afugenta os raios, a planta em ramo tem poder contra os feitiços, cinco folhinhas servem de arrelica contra as bruxas. O que vai a benzer no Domingo de Ramos adquire virtude contra a trovoada, podendo ser queimado com o intuito de a exorcisar (Almanaque de lembranças, 1885, p. 326). O alecrim colhido na manhã de *São João livra a casa do raio. Em algumas regiões do país é utilizado em benzeduras e defumações (casas, roupas ou bébés, quando se suspeita que tenham contraído o Mal de Lua), acompanhadas de ensalmos, como o seguinte, recolhido em Valbom (Gondomar): «Assim como o alecrim é bento / Eu te defumo em louvor do Santíssimo Sacramento (3 vezes) / E assim com as pessoas da SS. Trindade, / Creio que elas podem / Donde este mal veio requerido ou empecido / Para lá torne (3 vezes). / Assim como Nossa Senhora / Defumou a camisa de seu Bendito Amado Filho para cheirar, / Também eu defumo o teu corpo para sarar (3 vezes). / Assim como Nossa Senhora passou pelo alecrim e o abençoou, / Assim eu te defumo para te desligar de todo o mal que no teu corpo entrou (3 vezes)» (A. Pinto de Almeida, Notas de Medicina Popular de Valbom, in Arquivos de Medicina Popular, v. 77, 1944). Em defumadouro faz apressar os partos e protege os moribundos das entidades malévolas (das feiticeiras, nos Açores, cf. Almanaque dos Açores, 1934, p. 92) e *almas do outro mundo. Outrora, defumarem-se as casas com alecrim, *eucalipto e *pinheiro, na primeira sexta-feira de *Agosto, era costume generalizado, destinado a precaver as pestes. Na Columbeira (Óbidos) reza-se o seguinte ensalmo ao colherem-se os raminhos para os defumadouros: «Primeiro é Padre, / Segundo é Filho, / Terceiro é Divino Espírito Santo». As cinzas do alecrim usado num defumadouro, depois de espargidas em cruz com água, são deitadas numa encruzilhada ou em água corrente. Em Coura quando alguém se 155

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ALECTÓRIA encontra perto da morte, molha-se alecrim em água benta, asperge-se e diz-se: «Eu te desconjuro, / Diabo mau, / Com água benta e alecrim; / Vai pra onde não faças mal». Em 1896, Leite de Vasconcelos ouviu dizer aos que saltavam a fogueira, em Setúbal, ao mesmo tempo que arremessavam cinco réis para ela: «Alecrim sagrado / Foste nascido sem ser sameado: / Assim como Nossa Senhora entrou em Belém / Desta gente saia o mal todo e entre o bem». Amilcar Paulo recolheu em Vimioso (Bragança), entre descendentes de marranos, uma oração dedicada ao alecrim: «Assim como vós, Senhor, criastes esta planta significada para a saúde, assim vós, Senhor, me dai saúde perfeita, para vos fazer páscoas e serviços que sejam do vosso divino agrado, empregando-nos sempre nos nossos preceitos. Amen» (cf. Marranos em Trás-os-Montes, in Douro Litoral, s. 7, v. 5, 1956, p. 554). Jerónimo Cortez cita uma receita medicinal de vinho mosto e alecrim e o bálsamo de alecrim Vilanueva. Nas suas Flores moralizadas, Soror Maria do Céu associa o alecrim ao ciúme: «Dizem do alecrim gregos autores, / Que foi um jovem, que morreu de amores, / Foi esta mutação maravilhosa, / Um raio ardente de paixão ciosa; / Amor, que assim encanta, / Matou o homem, e deu vida à planta, / É activo, e fogoso, / Que são condições próprias de um cioso, / Brota em flores azuis os seus queixumes, / A esse foram céus, e não ciúmes, / Trocando o coração, que tal encerra, / Pelo zelo do céu, zelos da terra». Anexins: Quem passa pelo alecrim e o não depenica, seu amor se lhe entisica (Açores); Quem pelo alecrim passou e um raminho não cortou do seu amor se não lembrou; Quem pelo alecrim passou e não cheirou, se estava ruim, pior ficou! *Sorte do alecrim. BIBLIOGRAFIA COSTA, Carreiro da, Etnografia agrícola: quatro plantas úteis nas tradições populares açorianas, in Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n. 15 (Ponta Delgada, 1952), p. 145-159 [também arruda, murta e salsa]

ALECTÓRIA Pedra que se dizia formada nas paredes do estomago ou no fígado do *galo e à qual se atribuíam propriedades maravilhosas. 156

ALECTRIOMANCIA Adivinhação que é realizada colocando um galo no centro de um quadrado dividido em 24 casas. A cada um desses quadrantes faz-se corresponder uma letra do alfabeto e um grão de milho. A ordem do debicar faculta a interpretação. ALEGORIA Termo derivado do latim allegoria, por sua vez originado na palavra grega allêgoria (do verbo allêgorein, falar por imagens), composta por allos (outro) e agoreuein (falar aos outros na ágora, i. e., em público). Personificação de ideias abstractas ou representação metafórica delas por intermédio de figuras humanas, acompanhadas pelos atributos que as definem ou precisam a semântica respectiva. A antiguidade greco-latina cultivou o alegorismo com persistência. Diversas escolas (platónicos, cínicos, estóicos, etc.) e pensadores (Plutarco, Macróbio, Varrão, Prudêncio, Marciano Capella, etc.) adoptá-lo-iam como método privilegiado na exegese. A oposição que o cristianismo nascente lhe moveu carece de originalidade, pois autores como Sextus Empiricus, Luciano e, mais sistematicamente, os epicuristas ou o judaísmo helenístico (nomeadamente Filon de Alexandria), já o haviam condenado ao confrontá-lo com o alegorismo bíblico. O alegorismo judeu pode, no entanto, ser tido como charneira, visto que nele se recapítula a exegese figurada dos mitos gregos e se prefiguram as reacções cristãs que Orígenes (séc. III) muito contribuirá para divulgar, até serem compendiadas no Pinax (Tábua de Cebes), na Consolação da Filosofia de Boécio, nas Etimologia de *Isidoro de Sevilha, nas Allegoria in universam Sacram Scripturam de Rábano Mauro, na Glosa Ordinaria de Walafrid Strabo ou nas Catena, i. e., comentários selectos, tão ao gosto da Idade Média. No De Archa Noe [BN: cód. alcob. 154 (séc. XII)], é explanada a teoria medieval da expressão e da interpretação alegóricas. O seu autor, Hugo de São Victor, afirma que o significado literal é dado pelas palavras, as quais são estudadas quanto à forma pela Gramática e

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ALEISTER CROWLEY glosados quase à exaustão, recorrendo aos expositores consagrados, de entre os quais avulta *Cesare Ripa. Cabe enfatizar, como expoentes do género, os incontáveis exemplos recrutados na parenética, muito embora a oratória sacra não se revele a sua única e exclusiva tributária.

Alegoria à Aliança entre Portugal, Espanha e a Inglaterra contra Napoleão: óleo s/tela inacabado (1808-1813) [MNSR: inv. 6] de Domingos António de Sequeira.

quanto ao sentido pela Dialéctica. O significado alegórico, esse é expresso pelas coisas que as palavras representam. Para se apreender o significado dessas coisas é indispensável estudálas quanto à forma, considerando a sua dimensão (Aritmética e Geometria), a sua proporção (Música), o seu movimento (Astronomia) e quanto ao conteúdo ou natureza intrínseca, que é o objecto da Física. Em suma, o Trivium permite conhecer a estrutura das palavras, o Quadrivium e a Física permitem aceder ao seu sentido alegórico ou místico. Porém, uma fórmula mnemónica havia de ser consagrada como uma autêntica chave destinada a desvendar os quatro sentidos (histórico ou literal; cristológico, messiânico ou alegórico; moral ou espiritual; escatológico ou anagógico) da Sagrada Escritura. Foi seu autor Nicolau de Lira (séc. XIII-XIV): «Littera gesta docet / Quod credas allegoria / Moralis quod agas / Quo tendas anagogia». Um tal método de interpretação persistirá longamente na península ibérica. A sua influência lançaria fundas raízes em Portugal, onde todos os mais significativos tópicos serão

ALEGRIA Invocação mariana, venerada numa capela existente no sítio do Sarzedo (Estevais, Mogadouro, Bragança). Diz-se que a Senhora da Alegria foi vista de pé, no meio da corrente do Douro, um dia de grande cheia. Daí a imagem foi recolhida para a ermida que mandou fazer o padre de Mazouco, Lourenço Sanches, em 1782. A Senhora da Alegria é também a padroeira de Alegrete (Portalegre), cujos festejos incluíam, em tempos idos, as danças dos arcos, das ciganas e a dos barbeiros. Esta era protagonizada por 18 homens escolhidos de entre «os mais alentados mancebos» da vila e constituía um «extravagante espectáculo com um certo ar de gravidade e devoção», sujeitando-se a sérios dissabores aqueles dos assistentes incapazes de conter o riso ou mofar das tropelias a que eram sujeitos os nove «fregueses» às mãos dos nove barbeiros, munidos dos necessários apetrechos do ofício. *Pedra da alegria. ALEISTER CROWLEY Pseudónimo de Edward Alexander Crowley (1875-1947). Mago, ocultista, mestre de xadrez, alpinista, poeta, novelista, etc., foi uma das mais polémicas personalidades do seu tempo, a quem têm sido creditados, porventura abusivamente, grandes prodígios e poderes taumatúrgicos, assim como ascendente sobre inúmeros artistas e músicos, intelectuais e até políticos. Educado de acordo com os preceitos morais (austeridade de costumes, crença no senido literal das Sagradas Escrituras) da seita protestante dos Irmãos de Plymouth (auto-intulados a única «ordem verdadeiramente cristã»), contra os quais se rebelaria aos 19 anos, ao ponto de sua mãe o comparar à *Besta do Apocalipse. Aos 23 (1898), após ter lido The Book of Black Magic de A. E. Waite, ingressou na 157

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Hino a Pã Vibra do cio subtil da luz, Meu homem e afã Vem turbulento da noite a flux De Pã! Iô Pã! Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além Vem da Sicília e da Arcádia vem! Vem como Baco, com fauno e fera A ninfa e sátiro à tua beira, Num asno lácteo, do mar sem fim, A mim, a mim! Vem com Apolo, nupcial na brisa (Pegureira e pitonisa), Vem com Artémis, leve e estranha, E a coxa branca, Deus lindo, banha Ao luar do bosque, em marmóreo monte, Manhã malhada da âmbrea fonte! Mergulha o roxo da prece ardente No ádito rubro, no laço quente, A alma que aterra em olhos de azul O ver errar teu capricho exul No bosque enredo, nos nós que espalma A árvore viva que é espírito e alma E corpo e mente – do mar sem fim (Iô Pã! Iô Pã!), Diabo ou deus, vem a mim, a mim! Meu homem e afã! Vem com trombeta estridente e fina Pela colina! Vem com tambor a rufar à beira Da Primavera! Com frautas e avenas vem sem conto! Não estou eu pronto? Eu, que espero e me estorvo e luto Com ar sem ramos onde não nutro

Meu corpo, lasso do abraço em vão, Áspide aguda, forte leão Vem, está vazia Minha carne, fria Do cio sozinho da demonia. À espada corta o que ata e dói, Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói! Dá-me o sinal do Olho Aberto, E da coxa áspera o toque erecto, E a palavra do Louco e do Secreto, Ô Pá! Iô Pã! Iô Pá! Iô Pã Pã! Pã! Pã! Pã, Sou homem e afã: Faze o teu querer sem vontade vã, Deus grande! Meu Pã! Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra Do aperto da cobra. A águia rasga com garra e fauce; Os deuses vão-se; As feras vêm. Iô Pã! A matado, Vou no corno levado Do Unicornado. Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! Sou teu, teu homem e teu afã, Cabra das tuas, ouro, deus, clara Carne em teu osso, flor na tua vara. Com patas de aço os rochedos roço De solstício severo a equinócio. E raivo, e rasgo, e roussando fremo, Sempiterno, mundo sem termo, Homem, homúnculo, ménade, afã, Na força de Pã. Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã! Iô Pã!

O «poema mágico» Hymn to Pan foi originalmente publicado no Blue Equinox (v. 3, n. 1, Mar. 1919, p. 5). Posteriormente, surgiria como epigrafe da obra Magick (1929), tendo-se tornado elemento central da missa gnóstica de Crowley e do seu Liber A’Ash vel Capricorni Pneumatici sub Figura CCCLXX. Pessoa legou-nos três versões do Hino a Pã, a derradeira das quais é a que se reproduz.

Hermetic Order of the Golden Dawn, onde adoptaria o nome de Perdurabo (Persistirei até ao fim). Mais tarde havia de filiar-se na Ordo Templi Orientis, fundada por Karl Keller, em 1902. No ano de 1905 funda a sua própria organização, a Astrum Argenteum (A.A.), à qual se consagraria o resto da vida, redigindo rituais (a maioria em verso), instruções e orientações pa158

ra os seus discípulos. Fundador da revista The Equinox (1909-1944), órgão oficial da Estrela Argêntea (A.A.). No decurso das suas diversas ocupações, nomeadamente como agente secreto do Intelligence Service, adoptou os pseudónimos de Conde Vladimir Svareff, Master Therion, Príncipe Chioa Kha, Guru Shri Paramahansa Shivaji, Baphomet, etc. Inspirado por Ra-

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ALEISTER CROWLEY

Capa do Notícias Ilustrado (s. 2, n. 121, 1930) que incluiu a notícia do desaparecimento simulado de Crowley na Boca do Inferno, redigida por Augusto Ferreira Gomes

Horóscopo de Aleister Crowley por Fernando Pessoa. Em carta remetida à Mandrake Press, a 4 de Dezembro de 1929, o poeta lança os dados que motivaram a deslocação de Crowley a Portugal: «[…]. Se tiverem, como provavelmente têm, oportunidade de comunicar com o Sr. Aleister Crowley, talvez possam informá-lo de que o seu horóscopo não está correcto e que, se ele admite que nasceu às 23h e 16m 39s de 12 de Outubro de 1875, terá Carneiro 11 no seu meiocéu, com o correspondente ascendente e cúspides. Encontrará então as suas direcções mais exactas do que provavelmente as encontrou até agora. Isto é mera especulação, claro, e peço desculpa de vos maçar com esta intromissão puramente fantasista no que é, afinal de contas, apenas uma carta comercial. […].» (cf. Fernando Pessoa, Correspondência, 1923-1935, Lisboa, 1999, n. 88, p. 175-177).

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ALEITAR belais, fundou na Sicília, no ano de 1920, a Abadia de Thelema, extinta em Abril de 1923 por ordem de Mussolini. Em 1924, no Cairo, manifestou-se-lhe um espírito, denominado Aiwass, que lhe terá ditado The Book of the Law (ou Liber Legis), um evangelho universal no qual é profetizado o advento de uma nova Era de que ele próprio seria o arauto (Aeon de Horus), motivo por que se vangloriava de poder ser identificado com a Besta do Apocalipse. Diversos ficcionistas fizeram dele o protagonista de novelas e romances: Oliver Haddo de Somerset Maugham (The Magician, trad. port. Livros do Brasil); Cefalú de Lawrence Durrell; o Mago de John Fowles; Karswell de M. R. James (Casting the Runes); Hugo Astley de Dion Fortune (Winged Bull); Caradoc Cunnigham de Colin Wilson (Man Without a Shadow); etc. A generalidade de tais personalidades literárias havia de contribuir para a péssima fama de Crowley, no que seriam secundadas por James Douglas (in Sunday Express, 26 Nov. 1922) e Dennis Wheatley (The Devil rides out e To the Devil, a daughter). Fernando Pessoa traduziu-lhe o Hino a Pã (in Presença, n. 33, Jul.-Out. 1931, p. 11), cantado no funeral do autor em Hastings (cf. Richard Cavendish, The Black arts). Deslocou-se a Portugal, de 2 a 25 de Setembro de 1930, para expressamente conhecer Fernando Pessoa, após este ter comunicado (carta de 4 de Dezembro de 1929) um erro detectado no horóscopo de Crowley publicado pela imprensa londrina. Gaspar Simões conta que o poeta da Mensagem terá ficado bastante apreensivo com a visita anunciada, ao ponto de o mago lhe haver atribuído o súbito nevoeiro surgido na Mancha quando navegava com destino a Lisboa. Pessoa e Augusto Ferreira Gomes foram cúmplices do alegado desaparecimento misterioso de Crowley na *Boca do Inferno. Na biblioteca de Fernando Pessoa constava a obra intitulada: The confessions of Aleister Crowley: the spirit of solitude an autohagiography subquently re-antichristened (Londres, 1929, 2 vols.). Numa carta endereçada em Janeiro de 1936 a Gerald Hamilton, em vésperas da visita deste a Lisboa (Pessoa falecera em Novembro do ano an160

terior), Crowley recomendou-lhe «Don Fernando Pessoa a really good poet», acrescentando adiante: «It is about the most remarkable literary phenomena in my experience» [= Provavelmente o mais notável fenómeno literário do meu conhecimento] (cf. J. Gaspar Simões, O Espólio do Poeta, in Heteropsicografia de Fernando Pessoa, Porto, 1973, p. 327-328). OBRA TRADUZIDA Hino a Pan [de] O Mestre Therion (Aleister Crowley), trad. Fernando Pessoa, in Presença, n. 33 (Jul.-Out. 1931), p. 11; O Livro da Lei, Lisboa, 1998 BIBLIOGRAFIA ALVES, Maria Luísa Fernandes, Um excêntrico encontro anglo-português: Aleister Crowley e Fernando Pessoa, in Revista de Estudos Anglo-Portugueses, n. 6 (1997), p. 83-121 [BN: L 72466 V]; idem, O Nó Crowley, in Equinócio de Luísa Alves (blogspot: 17 Nov. 2005); BARBAS, Helena, O Hino a Pã – tradução (traição) tradição, in www.fcsh.unl.pt/deps/estudos alemaes/Pubs/P_Helena_ (29 Jan. 2003); BELÉM, Victor, O Mistério da Boca-do-Inferno: o encontro entre o Poeta Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley, Lisboa, 1995; idem (org.), Fernando Pessoa versus Aleister Crowley: exposição de foto-ficções, foto-colagens e objectos, Cascais, 1996 e Lisboa, 1996 [BN: BA 14475 V]; idem, Considerações sobre o encontro entre o Poeta Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley, in Colóquio Internacional Fernando Pessoa, o Esoterismo e Aleister Crowley, Maio, 2000; BOUCHET, Christian, Aleister Crowley, Lisboa, 2000; GOMES, Augusto Ferreira, O mistério da Boca do Inferno, in O Notícias Ilustrado, s. 2, n. 121 (1930), p. 9-10 e 16; LEAL, Raúl, Carta de […] a João Gaspar Simões a propósito de Vida e Obra de Fernando Pessoa e de Aleister Crowley, in Persona, n. 7 (Ago. 1982), p. 54-57; PESSOA, Fernando (?), Um caso estranho: o célebre escritor inglês Aleister Crowley desapareceu de Lisboa deixando na «Boca do Inferno» uma carta misteriosa e alucinada, in DN (26 Set. 1930); idem, Um caso estranho: a polícia interessou-se ontem pela misteriosa carta de Aleister Crowley, in DN (27 Set. 1930); idem, Aleister Crowley foi assassinado?: um novo aspecto do caso da «Boca do Inferno», in Girassol (16 Dez. 1930); idem, Mistério da Boca do Inferno, in Miguel Roza, Encontro Magick […], Lisboa, 2001, p. 399-529; ROZA, Miguel, Encontro Magick: Fernando Pessoa – Aleister Crowley, Lisboa, 2001; SENA, Jorge de, Páginas de Doutrina Estética de Fernando Pessoa, Lisboa, 1946, p. 312s.; idem, Maugham, Mestre Therion e Fernando Pessoa, in DN (21 Mar. 1957), idem, Pessoa e a Besta, in O Estado de S. Paulo (30 Mar. 1963) e in Comércio do Porto (14 Jan. 1964); SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa, v. 2, Lisboa, 1951, p. 368-369; idem, O Astrólogo Fernando Pessoa conhece o Mago Aleister Crowley, in O Primeiro de Janeiro (17 Mai. 1970); SYMONDS, John, The Great Beast, Londres, 1951, p. 419-423

ALEITAR Durante o aleitamento, as crianças são susceptíveis de se tornarem vítimas: A. do *mau olhado das bruxas que as definham (diz-se que são «chupadas das carochas»), podem roubar o co-

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ALEIXO, SANTO lostro (diz-se «ter colhido o crosto») ou secar os peitos da mãe por vingança ou malefício [ANTT: Inq. Évora, proc. de Maria Francisca, treslado do Libelo, fl. 111-114]; B. de determinadas exigências da «cobra» (o *diabo ou um antepassado) se lhe não for oferecida uma tijela de sopas de leite. Só a partir dos sete anos, quando arremessam para trás das costas o «dente da mama», as crianças se libertam destes e de muitos outros perigos. A *figa, o *signo-saimão e o crescente lunar são amuletos considerados protectores do leite. Outrora, quando as progenitoras não tinham leite para aleitar, e a disfunção era creditada a causas naturais, tentavam suprir a falta sorvendo a *pedra leital ou leiteira, de características diversas, consoante a região, mas obrigatoriamente de aspecto branco e leitoso (cf. J. Leite de Vasconcelos, Sur les Amulettes Portugaises, in Congrès International des Orientalistes, Lisboa, 1892, p. 4). Por vezes era necessário benzer a criança por esta não querer «pegar» no peito, caso ocorrido no séc. XVIII com Domingas Nunes, da Messejana, a qual mandou proceder à benção da boca do filho e à benzedura dos seus seios [ANTT: Inq. Évora, proc. de Maria Dias, fl. 5v]. *Acúbito, *ágata, *amamentar. ALEIXO, SANTO Santo provavelmente lendário, cuja Vida existia na livraria do *mosteiro de Alcobaça [ANTT: Livraria n. 2274 (olim alc. CCLXVI), fl. 68r-73r (séc. XV); BN: cod. alc. 176, fl. 124v-129; BN: cod. alc. 181 (olim XXXVI), fl. C49-C53 (1416)]. Protector dos pobres, outrora venerado em capela privativa no claustro da Sé de Lisboa, conforme o registo gravado por Lemos, descrito por Ernesto Soares (n. 61). A Sudoeste do Redondo (Évora), junto à berma da estrada que actualmente conduz desta localidade a Reguengos de Monsaraz, acha-se um santuário dedicado a este santo, porventura relíquia proto-histórica que a hierarquia eclesiástica tentou, em vão, transferir para uma ermida sita a cerca de um quilómetro de distância. Consta de uma *azinheira a que o povo chama Azinheira de Santo Aleixo, a qual é cre-

Auto de Santo Aleixo, de Baltasar Dias: edição de 1738 (Lisboa Ocidental, António Pedroso Galrão).

ditada com a capacidade de curar moléstias, designadamente graças à camada de cortiça que possui junto da raiz. Assim, quando alguém fica doente, corta cinco pedacinhos dessa cortiça que são introduzidos num saquinho para trazer ao pescoço, até que a maleita desapareça. Uma vez obtida a cura, os cinco pedaços de cortiça são entregues como oferenda à árvore. Nas imediações acha-se um penedo granítico com covinhas, conhecido pela Gruta de Santo Aleixo, em cuja concavidade se diz que apareceu o santo, atribuindo-se as escavações visíveis ao longo do penedo às patinhas da cabrinha que, de noite, o amamentava. Mesmo após a edificação da ermida de Santo Aleixo, o povo circunvizinho permaneceu fiel à tradição, teimando em levar processionalmente a imagem do mártir até à gruta, de onde só regressava ao cair da noite, motivo por que os párocos decidiram impedir tais festejos, o que originou a extinção do culto na dita ermida. O Auto de Santo Aleixo, filho de Eufemiano, Senador de Roma, de Baltasar Dias, foi impresso em Lisboa (1613, 161

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ALELUIA 1638, 1659, 1738 [rosto in História da Literatura Portuguesa, v. 2, p. 119], 1786 e 1791) e em Évora (1616). BIBLIOGRAFIA ALLEN Jr., Joseph H. D. (ed.), Two old portuguese versions of the life of Saint Alexis (cod. alcob. 36 and 266), in Illinois Studies in Language and Literature, v. 37, n. 1 [BN: L 14191 V]; CORREIA, Ângela, Sobre a funcionalidade da narrativa hagiográfica, in Actas do IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval (Lisboa, 1991), v. 2, Lisboa, 1993, p. 121-124 [BN: CG 15065 V]; MARTINS, Mário, A biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de livros espirituais: 2. Diálogos de S. Gregório e Vida de Santo Aleixo, in Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956, p. 262-266; MINERVINI, Vicenzo, Sul texto latino dela Vita di Sant’ Alessio del codice Alcobacense XXXV, in Studi Mediolatini e Volgari, n. 15-16 (1968), p. 101-119 [ocupa-se da versão do cod. 176]; MOITA, Irisalva, Sobrevivência de cultos de origem remota no interior do Alentejo, in Actas do Congresso de Etnografia de Santo Tirso, v. 3, Lisboa, 1965, p. 382-384; PECORARO, Dinorah da Silva Campos (editora), A Vida de Santo Aleixo, S. Paulo, 1951; PEREIRA, Francisco Maria Esteves (editor), Vida de Santo Aleixo, in Rev. Lusitana, n. 1 (1887-1889), p. 332-339 [BN: J 2497 B]; WILLIAMS, E. B., The old portuguese versions of the life of saint Alexis: a note based on the chronology of old portuguese ortography, in Hispanic Review, n. 9 (1941), p. 214-215 [BN: RE 215 P]

ALELUIA Do hebraico, hallelu yah (dai graças com júbilo a Iavé), expressão inicial e final (refrão ou antífona) de alguns Salmos (CVI, CXI, CXII, CXIII, etc.). Também o cristianismo (Apocalipse, XIX, 1, 3, 4, 6) emprega o termo em sinal de júbilo (laudate Deum). O ofício de Sábado de Aleluia serve de transição do luto para a alegria da Ressurreição. A extinção de todas as luzes na igreja representa o fim da Lei antiga, «derrogada pelo sacrifício do Calvário», assim como o Lume Novo («Eu sou a luz do mundo»), então aceso (a partir de pederneira) e benzido, representa a promulgação da Lei Nova, destinando-se a acender o Círio Pascal e todas as luzes do templo. Depois da benção do Lume Novo, realiza-se a benção do Incenso, sob a forma de cinco pinhas que figuram os perfumes que Maria Madalena e as outras mulheres prepararam para embalsamar o corpo de Jesus. Antes da missa cantam-se as ladainhas de Todos os Santos, retiram-se os véus que cobrem as cruzes e as imagens, desde o domingo da Paixão. Na Ericeira, era costume distribuir-se água. Noutros pontos do país acreditava-se que a 162

água do Círio possuía propriedades profiláticas, porquanto os favais orvalhados com ela ficavam livres do piolho e de outros insectos. No final da Festa da Aleluia, a música ia até ao largo fronteiro ao Forte da Ericeira e aí, os soldados da Guarda Fiscal queimavam um manequim recheado de pólvora, representando Judas, personificação católica do Inverno que é sacrificado para que seja possível o renascimento do *ano novo. Genericamente, o evento era assinalado ruidosamente. Em Portalegre, as matracas, as gaitas e as campainhas de todo o género anunciavam, por toda a cidade, a *Ressurreição do Senhor. Em Castelo de Vide e no Alandroal, o rapazio percorria as ruas em correria, fazendo um concerto de guizos, campainhas e chocalhos, enquanto das janelas lhes arremessavam amêndoas, castanhas, bolotas, nozes e frutos secos. Antigamente, em Castelo de Vide, os vendedores rurais, que afluíam ao mercado de Sábado de Aleluia, e os pastores com seus rebanhos de cordeiros mantinham-se fora dos muros da vila, só entrando, gritando e vibrando campainhas e chocalhos, quando os sinos das igrejas davam o primeiro sinal de júbilo, após o longo período de luto que precedera a Páscoa. Noutras regiões, a libertação do jejum e o fim das austeridades e abstinências impostas pela Quaresma costumavam ser assinalados pelo Enterro do Bacalhau, o prato por excelência durante toda a quadra. A única notícia que se possui no concelho de Mafra sobre tal evento remonta a 1901, ano em que a presença do «popular José Augusto», famoso orador do Enterro do Bacalhau alfacinha, proporcionou a sua realização (todavia, só no Domingo de Páscoa). Em certas localidades, a *Queima do Judas, vingança contra o autor responsável pelas penitências e sacrifícios quaresmais, começava depois do toque da Aleluia. Antes de lhe ser aplicada a pena capital, celebrava-se o julgamento do réu, em que de forma mais ou menos histriónica se enunciavam os crimes por ele praticados. Depois, lançava-se fogo a um grande boneco de palha, seguro nuns paus e com bombas em diferentes partes do corpo que rebentavam quando o lume as atingia. Nos Arcos de

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ALÉM Valdevez, o final da Quaresma era assinalado pelo enterro do bacalhau e pela morte do galo. Realizava-se, então, uma grande procissão nocturna, em que participavam três andores, os quais percorriam as ruas da vila: no primeiro, todo preto, ia um grande bacalhau, pendurado; a seguir, iam dois, emplumados, de vermelho, um com um galo empoleirado, e o outro com uma grande posta de carne. De vez em quando, numa tribuna, um padre pregava um sermão. BIBLIOGRAFIA DANIEL, José, Suplicio do bacalhao e degredo de Judas, em Sabbado de Alleluia, in Roda da Fortuna, v. 2, 1816, p. 11s.; GORDO, João António, A Aleluia em Castelo de Vide, in Portucale, v. 13 (1940), p. 11-15

ALELUIAS Cânticos específicos da *Ressurreição. Persiste na região de Tomar uma tradição que, aparentemente, poderá relacionar-se com uma das acusações proferidas contra os cavaleiros do Templo, segundo a qual renegavam a cruz no acto da recepção na Ordem. Reporto-me às Aleluias de Cem Soldos, outrora também realizadas em Carregueiros, pelo menos. As Aleluias são cruzes e ramos em cana ornamentada com flores naturais. Na manhã de domingo de Páscoa jovens ostentando-as (as cruzes os rapazes, os ramos as raparigas) percorrem as ruas da povoação proclamando a ressurreição de Cristo Depois, na capela, reúnem-se para o ofício religioso. Concluído este, todos à excepção do melhor ramo e da melhor cruz, previamente avisados pelo júri, saem do templo iniciando a

Aleluias de Cem Soldos (Tomar).

destruição na escadaria que lhe dá acesso de todas as cruzes e ramos que até então haviam acarinhado e nessa ocasião sacrificam em honra da ressurreição de Cristo (cerimónia tradicionalmente denominada matança dos judeus). Em Tolosa, era costume enganar os rapazes, mandando-os a determinadas casas «buscar as chaves das aleluias». Nessas casas davam-lhes embrulhos e caixotes ou sacos velhos, cujo conteúdo desconheciam (mas que continham pedras), remetendo-os para outras casas, e dessas ainda para outras e assim por diante. ALÉM 1. O outro mundo ou «dimensão», admitidos por todas as tradições religiosas. Segundo animistas e xamãs, os seres humanos ou as suas essências espirituais, podem viajar para o além sem necessitar de morrer. Foi lento o processo de elaboração pela Igreja de uma doutrina coerente acerca do além e da possibilidade de agir sobre a sorte das almas dos defuntos. Das orações pelos mortos, pedindo paz e luz para eles, sem pretender intervir no respectivo destino eterno, o qual se presumia decidido desde o momento do óbito, o cristianismo passou, paulatinamente, a afirmar a possibilidade de salvação das almas, antes do *Juízo Final, desde que a gravidade das faltas cometidas não fosse exorbitante e o finado contasse com a solidariedade dos vivos, garantindo as orações e os sufrágios indispensáveis. O *Purgatório foi expressamente concebido pelos teólogos como o lugar onde as almas arrependidas poderiam expiar os seus pecados, cumprindo as penas a que haviam sido condenadas no primeiro julgamento, após a morte. A sua estadia temporária aí, seria tanto mais curta quanto mais sufrágios, orações e sacrifícios propiciatórios fossem oferecidos pelos seus intercessores terrestres, secundando a acção da corte celestial. Embora geralmente localizado «ao lado» do mundo dos vivos, o além é também concebido acima do mundo humano (*empíreo) ou sob a superfície da terra. O acesso a tais planos é descrito como ascensão ou descida, respectivamente. A imagem da *alma detentora de asas (de *ave ou 163

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ALÉM-DEUS *borboleta) é uma alusão à ascensão. Nas antigas tradições religiosas, o mundo inferior era alcançável por um túnel ou abertura, invariavelmente identificada com a boca de um monstro mítico (*abismo, *boca do Inferno). Alguns mitos clássicos ocidentais relatam a descida de uma entidade divina (*Demeter) ou heróica (*Orfeu) ao submundo com o objectivo de resgatar um ente querido ou obter imortalidade e sabedoria. No mosaismo o mundo inferior é um reino escuro e poeirento, o she’ol, localizado num dos extremos do universo, nos antípodas do céu, organizando-se, segundo o Apocalipse de Enoque, em três níveis, para distinguir o mérito dos seus habitantes. Com o tempo, o judaísmo passaria a identificar o she’ol com gehenna, um vale ou fossa subterrânea, sita nas proximidades de *Jerusalém, reservada aos pecadores. A cartografia do além cristão, muito influenciada pelo judaísmo, é complexa, porém, dois lugares são incontornáveis: o *Inferno subterrâneo, concebido à imagem da gehenna, para onde são remetidos os pecadores impenitentes para lá penarem no fogo eterno; o *Paraíso, local de contemplação beatífica de Deus, automaticamente acessível apenas a mártires e santos. A Lenda Dourada relata a descida de Cristo ao Inferno para resgatar os amaldiçoados e evidenciar a sua vitória sobre o mal (*Aparição de Cristo). Por seu turno, A Divina Comédia descreve a viagem de *Dante até ao Inferno, sob a orientação do poeta Virgílio. *Avalon, *dinheiro de Caronte, *Limbo. BIBLIOGRAFIA MATTOSO, José, O imaginário do Além em Gil Vicente, in Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian (Homenagem a Maria de Lourdes Belchior), Paris-Lisboa, 1998, p. 71-92; NASCIMENTO, Aires Augusto, A procura do Além: espaços de Utopia e caminhos de abertura ao Mundo em textos de Alcobaça, in Actas do Colóquio Cister – Espaços, Territorios, Paisagens (16-20 Jun. 1998), v. 1, Lisboa, 2000, p. 175-188

2. Invocação de uma capela onde se cultua um Santo crucifixo descoberto, por volta de 1140, no lugar, sobranceiro ao rio Douro, que então se chamava Alto do Monte de Quebrantões. Por ocasião de longas estiagens, invernos prolongados, epidemias, guerras, etc., o povo do Porto costumava ir buscar o Senhor de Além, 164

conduzindo-o processionalmente para a sua Sé catedral. A travessia do Douro era realizada em barcos engalanados, armando-se vistoso altar na barca de passagem que transportava a imagem. No século XVII o Senhor de Além teve altar privativo na Sé, sendo servido por confraria específica. A posse da imagem originou diversos conflitos protagonizados pela Câmara do Porto e pelos cónegos da catedral e referidos por A. de Magalhães Basto nas notas à Origem das Procissões do Porto do padre Luís de Sousa Couto (cf. p. 189-195). ALÉM-DEUS Título do poema (1913?) ao qual *Fernando Pessoa atribui especial importância na caracterização da sua *gnose. ALENQUER Sede de concelho do distrito de Lisboa. Segundo os espirituais franciscanos, esta era a povoação portuguesa que maiores semelhanças tirava de *Jerusalém, no círculo judaico-cristão-islâmico modelo paradigmático da Cidade Santa, a imagem por excelência da revelação divina (*teofania). Crê-se ter sido o franciscano Frei Manuel da Esperança (História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de São Francisco da Provínica de Portugal, Lisboa, 1656, 1ª parte, cap. 10, p. 67) o primeiro a enfatizar por escrito o que já então seria um dado geralmente adquirido: «[...] o nosso convento [fundado, em 1222, pela infanta Dona Sancha (filha de Dom Sancho I)] hoje, está posto sobre uma eminência para a parte do Sul, senhoreando o castelo, que lhe responde do Norte, e com estas aparências ajudadas da vizinhança do rio, profundidade do vale, correspondência dos montes e outras coisas notáveis, tiveram alguns motivo para se persuadirem que Alenquer se assemelhava muito à Santa Cidade de Jerusalém e que o Monte Sião no nosso convento estava representado». Esta foi, no meu entender, uma das razões que mais influíu no imaginário dos eruditos seiscentistas para que atribuíssem a Alenquer – curiosamente vizinha de Meca – a primazia como pólo da religião nacional do *Pa-

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ALENQUER racleto. Persistem, entretanto, inúmeras interrogações sobre as circunstâncias da instituição dos *Impérios do Divino, quase consensualmente creditada (por uma tradição erudita, sem qualquer sustentação documental!) à Rainha Santa Isabel (1269?-1336), justamente em Alenquer. A. Rodrigues de Azevedo adianta, baseado numa escritura que existiu na Câmara dessa vila, o ano de 1280, enquanto Jaime Cortesão, adoptando sugestão de Frei Manuel da Esperança e tendo à vista documentos do Arquivo alenquerense, afirma ter sido o convento de São Francisco o palco da sua primeira realização, em 1323 (Os Factores democráticos na formação de Portugal, Lisboa, 1966, p. 195197; ver também Memórias Paroquiais, v. 2, n. 46, p. 320). Em alternativa a Alenquer, autores houve que se decidiram pela Sala dos Infantes do Paço da Vila de Sintra sem, contudo, especificarem a ocasião do evento (Frei Francisco Brandão, Monarquia Lusitana, sexta parte, cap. 42 e Figanière, Memórias das Rainhas de Portugal, p. 213). Porém, já no Compromisso da Confraria do Espírito Santo de Benavente (Rui de Azevedo, Benavente, Lisboa, 1926), o mais antigo que se conhece (coevo da fundação da igreja do Espírito Santo dessa localidade que presumivelmente se verificou no primeiro quartel do séc. XIII), se alude à festividade do Império, o que leva a supôr a sua concretização aí anteriormente a 1280 (A irmandade do Espírito Santo de Benavente já existia no ano de 1234, sem que se possa determinar desde quando). O que, de resto, poderá ter ocorrido em outros pontos do país, onde consabidamente existiram confrarias e hospitais sob a tutela do Divino Paráclito, anteriores aos de Alenquer, promovidos ou inspirados por franciscanos de tendência espiritual. Os mesmos que secundando o proselitismo de Santa Isabel (que só pisou solo nacional no ano de 1288!) lograriam levá-la a patrocinar e, porventura, institucionalizar em Alenquer, na segunda década do séc. XIV, tais festejos com um aparato nunca antes visto, o que, eventualmente, terá contribuído para radicar a tradição segundo a qual sob a sua égide e de Dom Dinis se haviam

A ermida e casas da albergaria do Espírito Santo de Alenquer, em meados do século XX.

originado. Não será excessivo recordar que também Mário Martins põe «sérias dúvidas» à invenção «da solenidade do Império», pela Rainha Santa e por Dom Dinis (Teatro Sagrado na Idade Média, in Brotéria, v. 50, n. 2, Fev. 1950, p. 148), opinião igualmente partilhada pelo investigador francês Daniel-Francis Laurentiaux (Culte et Confréries du Saint-Esprit aux Açores, in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 19 (1983), p 79-143). De facto, foram autores eclesiásticos seiscentistas, como Dom Rodrigo da Cunha (História Eclesiástica da Igreja de Lisboa, Lisboa, 1642, parte 2, cap. 27, p. 122r122v), Frei Manuel da Esperança (História Seráfica, Lisboa, 1656, liv. 1, p. 132-133) ou o padre jesuíta Manuel Fernandes (Alma Instruída na Doutrina e Vida Cristã, v. 2, Lisboa, 1690, p. 914), os primeiros a reivindicar a invenção do Império para a já então canonizada (desde o ano de 1625) Rainha Santa, enquanto as raras fontes documentais conhecidas anteriores a seiscentos tão só registam o contributo de D. Isabel no que concerne à introdução dos festejos em Alenquer. Atente-se no teor de uma certidão constante do Livro de Registos (1654-1672) de Brás de Araújo de Valadares, quiçá o mais vetusto documento actualmente ao dispor dos investigadores que intentem aclarar este cada vez mais enraizado imbróglio: «[...] E tanto que a dita obra [igreja do Espírito Santo] foi acabada e posta em sua perfeição logo os Senhores Rei e Rainha antes que se partissem da dita vila, estando um dia ouvindo missa na dita casa, a missa [...] acabada os ditos Senhores Rei e Rainha [sic] passaram cavaleiros escudeiros 165

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ALENQUER contra boa gente [sic] que aí estava moradores da dita vila e termo e lhe recomendaram a dita casa, os quais lhe disseram que lho tinham em grande mente, dizendo que pois a Deus provera a dita casa ali para fazer que por tal milagre [da revelação dos alicerces] como a todos era notório e manifesto que eles lhe prometiam pelo que pertencia a Deus principalmente e por eles Senhores tão afincadamente recomendaram, por ser tanto serviço de Deus, Honra da dita vila, que eles a guardariam e proveriam em tal forma que por fim do mundo ela fosse sempre em sua perfeição melhorada e não piorada e os ditos Rei e Rainha disseram que lho tinham em serviço e logo os ditos cavaleiros, escudeiros e homens bons e a maior parte dos moradores da dita vila e termo, que aí eram presentes, se ajustaram e ordenaram entre si uma confraria em louvor e honra do dito Senhor Santo Espírito, dotando cada um do que Deus dera, aquilo que se atreveram para se dizerem em missas em a dita casa pelo seu dia e em todos os dias do ano e em outros alguns dias pela semana. E se disse um honrado voto pelo seu dia fazendo de tudo um compromisso da regra e maneira que se havia de fazer e manter para sempre a dita feita, o qual compromisso feito e examinado o fizeram logo a saber [a]os ditos Rei e Rainha de que os ditos senhores foram muito ledos e lhe deram para ele grande ajuda, para comprarem [...] e outras coisas muitas para a dita festa necessárias, e que se começasse logo [1321!] a fazer, ordenando que para a dita festa ser mais perfeitamente obrada, que à sexta-feira se corressem touros que se chamasse Sexta-feira das carnes em cada um ano, com que se desenfadassem [...] e que as matassem [...] e que em tal guisa os esfolassem e esportelassem que com aquela noite e Sábado [...] fosse aquela carne toda cozida, para se pôr em um paiol, a par do outro paiol do pão que é ordenado para o dito voto [i. e., bodo], o qual pão e carne se há-de comer ao Sábado véspera por clérigos e frades, quando [...] com a procissão da Candeia, que é ordenado o vir ao Sábado a Santa Maria de Triana a qual havia de ser grande que estivesse um homem 166

digno um cabo dela no mosteiro de São Francisco da dita vila e viesse ao longo pelas ruas da dita vila e saísse pela Porta do Carvalho e viesse o outro cabo dentro [d]a igreja de Santa Maria de Triana ao altar. Onde estivesse acesa assim em São Francisco como em Santa Maria onde ao altar-mor é ordenado estar um homem nu com seus pasmos [i. e., panos] e com sua candeia nos braços em maneira de bandeira assim como vem na procissão e por no dito altar donde há-de haver continuadamente todo ano as missas e todas as horas, a qual candeia acabada de apanhar fosse na jornada acesa [...]. Santo Espírito com todas as cruzes da igreja e mosteiro a benzer todo o dito pão e carne, para se dar ao dia seguinte no dito voto [i. e, bodo] e marcaram as vésperas do dito Senhor Santo Espírito como entram outras coisas mui boas para a dita festa, como lhe melhor parecer as quais são postas e escritas no dito compromisso e acordaram e ordenaram que quando aí não houvesse imperadores prometidos por sua devoção, que então elegessem outros da dita vila e termo, dos mais abastados e pertencentes que os fossem e isto seja feito com conselho dos mais dos ditos confrades por a dita festa se não desfazer, e cumprimento de seu efeito e os outros irmãos os ajudarão e contribuirão cada um aquilo que honestamente puderem segundo sua faculdade» (transcrito por Luciano Ribeiro, in Damiano a Goes, a. 1, n. 2, 1941, p. 61-64 e n. 3, 1942, p. 65-71). Outro erudito seiscentista, o então bispo do Porto, Dom Fernando Correia de Lacerda, regista também a instituição alenquerence, sem, contudo, lhe conferir qualquer primazia: «Depois de haver edificado em Alenquer uma igreja ao Espírito Santo no primeiro ano em que se fez a solenidade da Coroação do Imperador, e com todo o luzimento, não só chamou a nobreza para tomar parte neste Império que ela tão piedosamente acabava de erigir, mas também convocou pessoas de diversas hierarquias. Tanto que o ornato da igreja esteve posto em sua perfeição, se disse nela, com assistência dos reis e da corte, uma missa oficiada com toda a solenidade, e acabado o sacrossanto sacrifício, chamando os reis a nobreza mais

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ALEXANDRIA qualificada e parte da boa gente da vila e seus contornos, que tinha assistido naquele religioso acto, lhes encomendou aquela casa, o que eles tiveram por grande honra; e agradecidos às reais recomendações, porque os reis, quando põem encargos com rogos, faziam mercês com os rogos, lhes responderam que eles prometiam, que por serviço de Deus e de Sua Alteza tratariam da conservação daquela casa. Estimaram os reis esta piedosa promessa da nobreza e do povo em que o povo igualou a generosidade da nobreza. Ajuntaram-se as pessoas a quem os reis tinham encomendado a igreja e erigiram uma confraria em louvor do Espírito Santo a que fizeram liberais devoções» (História da Vida, Morte e Milagres, Canonização e Transladação de Santa Isabel Sexta Rainha de Portugal, 1680, p. 191-193). Em suma, de duas coisas distintas muitos exegetas têm feito uma insustentável: sendo indiscutível que D. Isabel foi a fundadora da Irmandade do Espírito Santo de Alenquer, carece já de qualquer fundamento documental coevo plausível (porquanto a ideia é posterior à canonização da rainha, em 1625!), a sua creditação como introdutora da devoção do Império em Portugal! De tão concitado por supostas autoridades na matéria (avalizadas em fontes, cuja letra atraiçoaram), passou a condicionar, hodiernamente, a forma como umas quantas comunidades, maioritariamente da diáspora portuguesa nos Estados Unidos da América do Norte, bem como algumas insulares açorianas, contaminadas por aquelas, ritualizam os festejos do Divino.

ma em registo descrito por Ernesto Soares (n. 62 A). Advogado dos infelizes, festejado a 28 de Março. Segundo a sua lenda hagiográfica, foi o porta-estandarte da célebre «legião tebana», comandada por São Maurício. Recrutada no Alto Egipto e acantonada a Norte dos Alpes (Agaune en Valais), era exclusivamente constituída por cristãos que, colectivamente, se recusaram a sacrificar aos deuses dos romanos, motivo por que foram presos e executados pelos soldados do Imperador Maximiano.

BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Dicionário do Milénio Lusíada, v. 1, Lisboa, 2003; idem, A Jerusalém Celeste como paradigma dos Impérios ou Teatros do Divino, Mafra, 2007; idem, O culto do Império do Espírito Santo no concelho de Alenquer, Mafra, 2007

ALEXANDRIA Cidade fundada por Alexandre Magno, no Baixo Egipto, em 331 a. C. Detentora de uma justamente celebrada biblioteca, constituída por mais de 700 mil volumes, incendiada pelos muçulmanos no ano 642. A partir do ano 41 da era cristã, alegadamente devido à actividade evangelizadora de São Marcos, tornou-se um dos principais centros do cristianismo primitivo. Como capital intelectual do judaísmo helenístico, foi berço de Philon e da Biblia dos Setenta (Septuaginta), traduzida no período com-

ALEUROMANCIA Adivinhação pela interpretação dos desenhos produzidos por farinha espalhada no chão. ALEXANDRE, SANTO Mártir, decapitado em Bergamo, no ano de 296. Nessa qualidade iconografado com a pal-

ALEXANDRE DE MÚRCIA, FREI Frade barbadinho, confessor e pregador, natural de Castela, mas radicado em Lisboa. Contava 59 anos, quando saiu no *auto-da-fé da Inquisição desta cidade, de 24 de Outubro de 1717, por sequaz de Molinos, Calvino e outros heresiarcas, afirmando não serem pecaminosas muitas acções torpes que tinha com certas suas confessadas, porque Deus lhas tinha revelado por boas e santas e muito do seu agrado e por dizer que está sacramentado, que o seu corpo é o mesmo Santíssimo Sacramento do altar e que a Virgem foi formada de matéria celeste. Além das citadas defendia muitas outras proposições heréticas, sacrílegas, etc., fingindo com elas visões, revelações e grandes favores do céu (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). Teve cárcere e hábito perpétuo sem remissão, tendo sido privado para sempre das ordens, de voz activa e passiva e condenado a reclusão irremissível nos cárceres do Santo Ofício [BN: cod. 863, fl. 409v]. *Molinismo, *quietismo.

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ALEXANDRINA DE BALAZAR preendido entre 280 e 150 a. C. Durante os séculos II a V, os teólogos do Didaskaleion (Clemente, Orígenes, etc.) desenvolveram um sistema sincrético, baseado na filosofia helenística, no judaísmo e no gnosticismo, o qual se caracteriza por um transcendentalismo abstracto e monismo absoluto no que concerne à ideia de Deus. Posteriormente, viria a alimentar enorme rivalidade com a Escola de Antioquia (Atanásio, Cirilo, etc.). O autor de um tratado de *alquimia, atribuído a *Alfonso, Rei de Portugal, assevera-se discípulo de um mestre *alquimista oriundo de Alexandria. ALEXANDRINA DE BALAZAR Alexandrina Maria da Costa (1904-1955). Também conhecida por *doentinha de Balazar (Póvoa de Varzim). Aos 14 anos quando costurava com a irmã e uma companheira, entraram em sua casa três homens. Para lhes fugir, saltou de uma janela, expediente que lhe valeu ficar entrevada para o resto da vida. Um dos seus hagiógrafos informa que «desde que recolheu à cama, sempre a Alexandrina usou sobre o peito um pequeno crucifixo». A partir de 1924, à sexta-feira, ou nos primeiros sábados de cada mês, passou a ser visitada por Jesus, que se lhe manifestava durante prolongados extâses, algumas vezes na companhia de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora das Dores e lhe comunicou que a sua missão consistia em «sofrer, amar e reparar», transformando-a num veículo de comunicação divina. Jejuou durante treze anos (a partir da idade de trinta e seis), só ingerindo a hóstia aos domingos. Consta que, desde 3 de Outubro de 1938 até ao mês de Março de 1942, reviveu a Paixão de Cristo todas as sextas-feiras à noite. A difusão dos portentos creditados a esta mulher levaram milhares de fiéis ao quarto onde permanecia acamada, e depois da sua morte, no dia 13 de Outubro de 1955, a peregrinar até à sua sepultura, designadamente aos domingos e dias 13. Do relatório clínico resultante da perícia a que foi submetida no Refúgio da Paralisia Infantil na Foz do Douro (Porto), com início a 20 de Julho de 1943, merece destaque a seguinte passagem (cf. 168

Alexandrina de Balazar

Jornal de Notícias, 4 Nov. 1947): «Trata-se de uma neuropata. Verificou-se durante quarenta dias completa abstinência de alimentos e bebidas, o que leva a crer que tal situação possa ter notável precedência. Durante esse período não dejectou nem urinou, o que ultrapassa os casos de anúria conhecidos. A despeito da vernal perda de peso conserva uma frescura e resistência impressionantes». O processo destinado à canonização de Alexandrina de Balazar, aberto em 1967, deu entrada no Vaticano em Abril de 1979. No ano de 1996, a Congregação para as Causas dos Santos declarou-a «Venerável», tendo sido beatificada em 25 de Abril de 2004. *Anorexia, *inédia, *jejuador. BIBLIOGRAFIA PASQUALE, Umberto Maria, Alexandrina, Porto, 1957; idem, Fátima e Balazar duas terras irmãs, Porto, [1989]; REGO, Lobiano do, De Fátima a Balazar, Porto, 1979

ALEYDEQUIBIR A*Páscoa do carneiro mourisca, na documentação inquisitorial portuguesa. ALFA-ÓMEGA Primeira e derradeira letras do alfabeto grego, donde o significado subjacente de princípio (criador) e fim de todas as coisas. Cristo declara-se como tal no *Apocalipse (I, 8; XXI, 6; XXII, 13), mas já Isaias (XLI, 4; XLIV, 6) utilizara a expressão reportando-a a Iavé. Simboli-

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ALFA-ÓMEGA

Epitáfio de Flavianus (Mértola): Crismon no interior de círculo cordado, ladeado por dois jarros com folhas de palma [MNA: E-7272].

Guia ALCÁCER DO SAL (Setúbal): epitáfio de Sinticio, do ano 632 (desaparecido); BEJA: epitáfio de Severus, datado de 584 (desaparecido); epitáfio de Taumastus, do ano 622 (desaparecido); BRAGA: sarcófago paleocristão da Sé (séc. IV): o topo correspondente à cabeceira é preenchido com um grande crismón, ladeado pelas letras alfa e ómega, inscrito numa corona laurea com as folhas associadas a vides e a ramos de acantos que saem de um cantharus (vaso litúrgico), certamente como envólucro da alma e da sua associação com a divindade; Schlunk chama a atenção para as afinidades deste sarcófago com outros de Antalya e Myra, na Ásia Menor (Bizâncio); CABRELA (Terrugem, Sintra): lintel (séc. X), com dedicação da Porta do Senhor [hEC PORTA alfa+ómega DomiNI], talvez coroamento de uma (ou única?) porta de um templo; ÉVORA: epitáfio de Domitia, da Herdade da Galharda, s. d. (desaparecido); FAIÃO (Terrugem, Sintra): lintel (séc. X), com cruz pátea com botão central, inserta em círculo, com alfa e ómega pendentes dos braços horizontais [MASMO: F/LR/58/1]; bloco de mármore eventualmente relacionado com o baptistério da igreja de Santa Maria, da localidade [MASMO: F/LR / 59 / 3]; bloco de mármore fracturado em quatro fragmentos, talvez oriundo da igreja local [MASMO: F/LR/ 56 / 1]; fragmento de bloco de mármore com a mesma proveniência [MASMO: F/LR/89/1];

GUIMARÃES: sarcófago de Serzedelo; FRONTEIRA (Portalegre): epitáfio de Petra, oriundo do Monte da Palhinha, s. d. [CMFronteira]; MELO (Gouveia): num afloramento grantico implantado num monte que domina os vales do Ribeiro dos Namorados, a Leste, e do Ribeiro do Paço, a Oeste, ocorre uma inscrição, eventualmente paleocristã, cuja leitura será, segundo uma hipótese plausível: I ALFA OMEGA I LUX; HERDADE DA PALHINHA (Fronteira): epitáfio «do jovem Pedro» (séc. IV-V d. C.) ostentando 2 crismons contendo alfa e ómega, o do topo inserido num duplo círculo, o da base, num círculo simples; LISBOA: epitáfio de Félix, datado de 666, de Chelas (desaparecido); MÉRTOLA: epitáfio de Faustianus, do ano 470 [MNA]; epitáfio de Satyrio, do ano 489 [MNA: E-6510]; epitáfio de Mannaria, do ano 494 [MNA: E6512]; epitáfio de Pierius (25 de Janeiro de 507), apresentando um crismón entre alfa e ómega; epitáfio de Andreas, de 525 [MNA]; epitáfio grego s. nome e s. d. [CAM]; Epitáfio de Flavianus [MNA: E-7272]; medalha em ouro (séc. IV-V d. C.) proveniente da necrópole de São Sebastião; SINES: grande pilastra servindo de pardieira numa porta do castelo ostenta uma cruz orbicular com o alfa e ómega nos seus cantos superiores e duas pombas nos inferiores, em posições opostas áquelas que são as vulgares; TRÓIA: lucerna tardia sem crismón; pintura na Basílica.

za a esperança na *Ressurreição, a certeza de que quem foi sepultado sob a cruz e o *crismón associados, encontrará no fim aparente da sua vida, o início de uma nova existência, na qual há-de receber a corona e o laurus que jamais foram sonegados ao vencedor. A este o Apocalipse promete que lhe será dado de comer do fruto da Árvore da Vida. *Apríngio de Beja inicia o seu Comentário ao Apocalipse (I, 8) referindo-se à peristera ou columba, i. e., a *pomba, forma sob a qual o *Espírito Santo se manifestou, após o que explora o significado trinitário do alfa e ómega (resultante da combinação de três traços, seja na língua grega, seja na latina): Apríngio assevera que estas letras constituem os princípios de uma scientia e de uma certa ars que conduzem à sabedoria; daí que o alfa manifeste o início do conhecimento e da própria 169

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ALFABETO sapiência de Cristo, enquanto o ómega, termo do alfabeto grego e uma circunferência entre os latinos, signifique também o início da sabedoria cuja perfeição e centro é o mesmo Jesus Cristo. BIBLIOGRAFIA DIAS, Maria Manuel Alves / GASPAR, Catarina Isabel Sousa, Catálogo das Inscrições Paleocristãs do Território Português, Lisboa, 2006; PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas; com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras humanas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747

ALFABETO Qualquer série ou sistema de sinais convencionados para representar letras, fonemas, palavras, mensagens, etc. A tese prevalecente e de conveniência, segundo a qual foram os cananitas e os fenícios os inventores dos primeiros alfabetos e que estes surgiram na bacia do Mediterrâneo oriental, entre os séculos XVII e XIII a. C., tem sido reiteradamente desmentida por evidências mais antigas detectadas no Ocidente, justamente na fachada atlântica da Península Ibérica. Não se trata da denominada *escrita ibérica ou do Sudoeste (que agrupa diversos alfabetos paleohispânicos, reportáveis aos séculos IV-I a. C.), mas de exemplos referenciados em contextos inequivocamente neolíticos (megalíticos), invariavelmente escamoteados, como se comprova, especialmente, pelos realizados em antas da *serra do Alvão (Vila Real) e em Bancal (Coruña), de onde provém uma inscrição sobre osso, datável de ca. 4000 a. C., encontrada em princípios do séc. XIX (cf. Michel Bouvier, L’Art de l’Écriture, Paris, 2003). Sintomaticamente, Estrabão afirmava que os turdetanos conservavam anais históricos e leis redigidas em verso, utilizando uma gramática com mais de seis mil anos. Ocupando-se das marras transmontanas (marcos divisórios de propriedades), o abade de Baçal considerava que nos alfabetos medievais houve «letras perfeitamente idênticas às siglas das insculturas rupestres encontradas no distrito de Bragança», admitindo que «muitas das figuras interpretadas até aqui por esquemas e estilizações da figura humana, 170

Alfabetos maçónicos.

segundo a concepção da arte Neolítica, são apenas a sigla, isto é, a letra inicial do nome do proprietário ou da autoridade administrativa do povo, cujos limites territoriais a marra confina. Alguns arqueólogos (ver tomo IX, p. 581 destas Memórias) já aludiram a esta finalidade das insculturas rupestres, mas ficaram muito aquém, supondo-a secundária, quando, na verdade, é predominante, principalmente na glíptica epígea, constituída por sinais em forma de cruz, ferradura, xadrez, etc.». Mendes Correia e Leonel Ribeiro advogaram peremptoriamente a origem ocidental do alfabeto. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Histórico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934; AZEVEDO, Pedro de, O Estado actual da origem do alfabeto, in Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa (1918); CORREIA, Mendes, Glozel e Alvão: os portugueses e a invenção do alfabeto, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 2 (1927), p. 137-162; idem, La question de Glozel et l’ origine de l’ alphabet, in Archeion, v. 9, n. 1 (1928), p. 53-62; idem, Signes alphabétiformes gravés sur une pièce magdalénienne des

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ALFABETO

Quadro comparativo dos alfabetos de Alvão, Glozel e Ibérico, segundo Teixeira Rego.

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ALFACE Asturies, in Atti della Pontifícia Accademia delle Scienze Nuovi Lincei, v. 81 (1928), p. 401-403; GIRÃO, A. de Amorim, Arte Rupestre em Portugal (Beira Alta), in Biblos, v. 1, n. 3 (Mar. 1925), p. 94; GONÇALVES, Luís da Cunha, O velho problema histórico da invenção do moderno alfabeto perante as investigações da arqueologia egípcia, in Bol. da Acad. das Ciências de Lisboa, v. 27 (Jan.-Março 1955), p. 52-57; LIMA, Humberto Pinto, As origens do alfabeto e as descobertas de Glozel, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 1 (1926), p. 49-53; PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas; com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras humanas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747; REGO, José Teixeira, A escada como sinal alfabetiforme, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 4, n. 1 (1928), p. 318-322; RIBEIRO, Leonel, Origem e evolução do alfabeto – Resumo, in Actas do XIII Congresso da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, v. 8, Lisboa, 1950; idem, A criação das Letras e os sistemas de numeração, in Publicações do XXIII Congresso Luso-Espanhol da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências (Coimbra, 1956), v. 2, Coimbra, 1957; idem, História das Letras e dos Algarismos: segredos milenários finalmente conhecidos, Lisboa, 1959; idem, O saudoso arqueólogo Prof. Doutor A. A. Mendes Correia e as suas teses duma grande civilização ocidental e duma provável origem ocidental do alfabeto, in Lucerna, v. 3 (1963), p. 184-194; idem, As reformas do alfabeto e a provável origem sul-ocidental da civilização europeia, in Lucerna, v. 5 (1966), p. 176-190; TAVARES, António Augusto, A Escrita: das origens aos alfabetos ocidentais, in Summus Philologus necnon Verborum Imperator – Colectânea de estudos em Homenagem ao Académico de Mérito, Prof Dr. José Pedro Machado no seu 90º aniversário, Lisboa, 2004, p. 99-127; VITORINO, Pedro, Alfabetos figurados, in Douro Litoral, v. 8 (1943), p. 28

ALFACE Chá de alface combate a tosse, as insónias e a hipertensão. ALFÁDEGA Planta de intenso aroma idêntico ao do *manjerico, usada nas romarias da Senhora *Aparecida e de *São Bento da Porta Aberta, nesta conjuntamente com a *medronheira. ALFAIATE Profissional muito aludido no Cancioneiro tradicional. Baile dos alfaiates na Festa do *Corpus Christi de Penafiel. Conto tradicional: Mata sete. BIBLIOGRAFIA MIRANDA, Abílio, O alfaiate no Cancioneiro popular, in O Nosso Lar, v. 1, n. 7 (1948), p. 12s.

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ALFAIATES Localidade do concelho do Sabugal (Guarda). Fora da vila existe uma ermida dedicada a Nossa Senhora de Sacaparte que tem dentro um poço de águas milagrosas, pelo que vêm de muito longe enfermos em busca da cura para as suas moléstias. Acorrem estes romeiros designadamente pela Páscoa do Espírito Santo. Na segunda oitava desta data festiva vinha outrora o Senado de Castelo Mendo com todo o seu termo e juízes de vara com suas varas levantadas e estandarte real. Em representação de cada casa participava um homem, nú da cintura para cima, com um círio por voto, a esta Procissão penitencial dos Nús ou dos Encoirados. O costume, extinto no séc. XIX por decreto do Bispo de Pinhel, Dom Bernardo Beltrão, originou-se, diz Frei Agostinho de Santa Maria (v. 3, p. 192), devido a um monstro ou fera «que seria a infernal», que «destruía os campos e matava gente», provocando o desaparecimento anual de um homem do concelho. É tradição que a partir do momento em que se encetou a referida tradição jamais tornou a faltar pessoa alguma. Cancioneiro: «Senhora da Sacaparte, / Olhai o que diz o mundo: / Que na Vossa Santa Casa / Está um poço sem fundo! / Senhora da Sacaparte / Olhai o que diz a gente: / Que na Vossa Santa Casa / Está um poço corrente!». BIBLIOGRAFIA VAZ, Padre Francisco, Alfaiates na órbita da Sacaparte: esboço monográfico, v. 1, Lisboa, 1989

ALFARROBEIRA Ceratonia siliqua, L. Também *fava-rica (no Norte) e *figueira-do-Egipto. Descongestionante e diurética. O fruto denomina-se alfarroba: a sua polpa é laxativa e peitoral, enquanto a farinha possui propriedades antidiarreicas (em adultos e crianças com mais de 2 anos). O chá de rama de alfarrobeira é muito eficaz no tratamento da asma. No uso interno, a infusão (30 gr. da planta para 1 litro de água) e o xarope (cozimento do suco do fruto fresco, com igual peso de açúcar) têm efeitos béquicos e peitorais (diarreias, anginas, estomatites,

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ALFINETE etc.). No uso externo, a infusão aplica-se sob a forma de compressas em contusões, vulvovaginites e equimoses. ALFAVACA DE COBRA Parietaria officinalis, L. Também *erva-dos-muros, *erva-fura-paredes ou *parietária. Diurética, emoliente e refrescante. No uso interno, a infusão trata doenças de fígado, estômago, intestinos e aparelho urinário (cistites, cálculos de bexiga e especialmente uremia). No uso externo, a decocção em banhos ou parches quentes é eficaz no tratamento de hemorróidas, abcessos e inflamações cutâneas ou mucosas; em clisteres contra a prisão de ventre. O chá de alfavaca-decobra e linhaça é anti-inflamatório. *Argueiro. ALFAZEMA Lavandula spica, L.; Lavandula angustifolia, MILL. Os romanos usavam-na para perfumar a água dos banho (donde o nome científico, derivado do latim, lavare), os gregos no combate à tosse. Os caules contêm óleo essencial (o qual possui linalilacetato, linalol, cânfora, geraniol e borneol), bem como taninos. As flores, depois de secas, servem para perfumar a roupa (principalmente o enxoval dos recém-nascidos) e afastar as traças. No uso interno, os caules em infusão produzem um efeito sedativo ligeiro. No uso externo, mais frequentemente aplicada em banhos e compressas. O óleo de alfazema entra na composição de produtos anti-reumaticais. Em algumas regiões do país é utilizada em defumações para afastar odores e influências nocivas das casas (repelente de insectos) e para provocar partos rápidos. Anti-séptico, muito eficaz contra picadas de insectos, tal como no tratamento da queda do cabelo (4 colheres de alfazema em grão fervida em vinho tinto). Planta de virtude, utilizada em defumadouros, designadamente, às sextas-feiras, em Lisboa, para contrariar a acção das feiticeiras. ALFENA Localidade do concelho de Valongo (Porto), que testemunhou (no dia 10 de Setembro de 1990, a partir das 8.30 horas e durante mais de

meia-hora) um avistamento *Ovni, porventura o mais documentado de todos quantos ocorreram em Portugal durante o século XX (chegou a ser fotografado por Manuel Gomes). O objecto observado tinha forma esférica, achatada no topo e estava munido de cinco apêndices na vertical, deslocando-se ora lenta, ora rapidamente. Tendo descido à altura de um prédio de terceiro andar, acabou por elevar-se e desaparecer por entre as nuvens. Nenhuma das entidades oficiais e organismos científicos que se ocuparam do caso apresentaram explanações convincentes ou propuseram qualquer identificação positiva. ALFEO Rio, filho de Okeanos e Tétis (não confundir com a mãe de Aquiles). Segundo Ovídio (Metamorfoses, V, 572-641) e Pausânias (V, 7, 2), esta divindade, iconografada na Quinta dos Azulejos, enamorou-se da ninfa *Aretusa, perseguindo-a depois de assumir aparência humana. Para proteger Aretusa, Diana transformá-la-ia em fonte, em consequência do que Alfeo, regressando à sua natureza fluvial, a tornou a perseguir, dessa feita subterraneamente, desde Élide até à Sicília, onde ela reapareceu em Ortígia (Siracusa), misturando as suas águas com as de Alfeo. Cf. *Camões, Écloga VII. ALFINETE Não é aconselhável recolher quer alfinetes, quer ganchos de cabelo, quando achados sem se saber a quem pertenceram, porque podem ter sido perdidos por alguma *bruxa enquanto picava um boneco de trapos, representando alguém a quem queria fazer mal (*armar o vulto). O presente de um alfinete significa amor de um ano. Sonhar com alfinetes prognostica ofensas do próprio brio. Colocam-se alfinetes nos caixões dos anjinhos e dos defuntos, em geral. Crê-se que alfinete utilizado em mortalha de defunto, oculto num travesseiro, faz a alma do morto chamar a do vivo. Dois alfinetes amarrados em cruz com linha preta trazem desgraça à residência em que hajam sido escondidos. Como contrafeitiço preconiza-se urinar 173

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ALFITOMANCIA em cima deles. Curam-se terçolhos, passando por eles um alfinete que, depois, é colocado numa fonte ou sob água corredia: quem o apanhar fica com a doença, livrando dela quem lá o deixou (Armando Leão, Notas de Medicina Popular minhota, in Arquivos de Medicina Popular, 32, Porto, 1944). ALFITOMANCIA Sorte do pão de cevada, praticada a uma quarta ou sexta-feira. Esconjura-se o pão, invocando os demónios: «Eu te esconjuro com Barrabás e com Caifás, pão [colocando a mão sobre o pão], pela virtude que Deus em ti pôs que tu me declares se [isto ou aquilo] há-de ser assim ou não. Não me mintas que eu o hei-de saber» [BN: cod. 862, fl. 19v]. Ver critomancia. ALFONSO, REI DE PORTUGAL Em 1652 (aliás, 1651), um mecenas que assina H. P. patrocinou a impressão por Thomas Harper, na cidade de Londres, dos Five Treatises of the Philosophers Stone apontando-se como autor para dois deles um «Alphonso, King of Portugal», quase garantidamente *Dom Afonso V, o Africano. Apenas são conhecidos dois exemplares desta autêntica raridade bibliográfica: um na British Library e outro na Glasgow University Library, originário da Biblioteca do Professor Ferguson [Ferguson Collection: Ag-e. 22]. Por sugestão do subscritor, este seria exibido no núcleo do MNAA (Catálogo, v. 1, n. 69) da 17ª Exposição Europeia de Arte Ciência e Cultura do Conselho da Europa (Lisboa, 1983). Foi José Pedro Martins Barata (Castelo de Vide – Castell Davide – Castelo d’Avid? Topónimo alquímico trazido pelos Árabes ou pelos Templários?, in Revista de Portugal. – S. A: Língua Portuguesa, v. 33, 1968, p. 258-270) o primeiro investigador luso a assinalar a notícia inclusa no cap. 14 de Ferreiros e Alquimistas (Paris, 1956) de Mircea Eliade (por sinal, incorrectamente citado, a partir de John Read, Prelude to chemistry: an outline of Alchemy, its literature and relationships, Londres, 1939, p. 123) e relativa a «Um tratado atribuído a Afonso, Rei de Portugal». Dalila Pereira da Costa tornar-se-ia, 174

Frontispício dos Five Treatises of the Philosophers Stone (Londres, 1652).

no entanto, a efectiva divulgadora dela (cf. A Nau e o Graal, Porto, 1978, p. 14). Os textos em apreço circulam em Espanha, desde o século XVII, sob a designação genérica de Libro del Tesoro, ou del Candado, quase invariavelmente creditados ao rei «Alfonso de Castilla» mais evidente, i. e., o Sábio, esquecendo que o não menos sábio Afonso V de Portugal foi igualmente aclamado como «Alfonso de Castilla»! Sem embargo da evidente utilidade do empreendimento, as edições em vernáculo promovidas por Vítor Adrião (1989) e A. M. Amorim da Costa (1992) revelam-se inconclusivas quanto à cabal creditação da autoria e omissas no que concerne à maioria das questões que têm sido suscitadas pela crítica. *Alquimia. BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Subsídios para a bibliografia crítica das fontes e estudos respeitantes ao Hermetismo em Portugal I. Alquimia, Mafra, 1994; RAMÓN DE LUANCO, D. José, La Alquimia en España: escritos inéditos, noticias y apuntamientos que pueden servir para la Historia de los Adeptos Españoles, Madrid, 1889 [transcreve o Livro do Tesouro, tal como os códices de Madrid e Sevilha o consignam, reproduzindo ainda, integralmente, uma versão inédita, à data]

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ALHEIRA ALFORRIA Liberdade que se concede ao escravo. Nos processos inquisitoriais de *Maria de Jesus e de *Damião de Almeida (1771) são mencionados feitiços destinados a obter a liberdade (cf. Francisco Santana, Processos de escravos e forros na Inquisição de Lisboa, in Ler História, n. 13, 1988, p. 15-31). ALGARISMO Do árabe, alchorismi. Cada um dos dez caracteres adoptados pelos hindus para representar graficamente o sistema de numeração decimal, i. e., os números de 0 a 9, também denominados notação de al-Khowarizmi, cuja divulgação no Ocidente ficou a dever-se aos muçulmanos, durante o século XI. Em Portugal, só a partir de seiscentos a numeração romano-gótica (em uso desde o dealbar do século XIV) seria quase totalmente substituída pelos algarismos árabes os quais, no entanto, já eram utilizados desde inícios de quatrocentos, conforme se comprova pelo Livro da Virtuosa Benfeitoria do Infante D. Pedro. A sua divulgação massiva efectivar-se-ia por intermédio da literatura produzida na época dos descobrimentos, inicialmente por autores estrangeiros. Entre os nacionais, Duarte Pacheco Pereira constituiu a excepção que havia de fazer escola. Com efeito, após o Esmeraldo de situ orbis (1505-1508), muito raramente a primazia continuou a caber aos números romanos na literatura científica portuguesa, traduzindo as vantagens evidentes da nova linguagem aritmética. *Aritmosofia, *número. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, A. A. Marques de, Aritmética como descrição do real (1519-1679), Lisboa, 1994, 2 vols. ; CARVALHO, J. Barradas de, Sur l’introduction et la diffusion des chiffres arabes au Portugal, in Bulletin des Études Portugaises et de l’Institut Français au Portugal, v. 20 (1958); RIBEIRO, Leonel, História das Letras e dos Algarismos: segredos milenários finalmente conhecidos, Lisboa, 1959

ALGEBRISTA Também *curandeiro, *endireita, *soldador. Trata fracturas e ossos deslocados em pessoas e animais. Na região de Guimarães são conhecidos os casos de *António Gomes, de Teive (activo em 1644), de um algebrista de Sande (ac-

tivo em 1783), de *Francisco Teixeira, de Atães (1806) e de *Manuel José do Vale, de Gondomar (activo em 1830). ALGOROVÃO O mesmo que *alguerévão, isto é, qualquer pessoa alta e magra. Também jogo outrora praticado preferencialmente nos adros das igrejas. Reunido um grupo de rapazes, tratam de designar, pelo processo da pedrinha, aquele dos circunstantes que representará o papel de algorovão. No recinto do jogo marca-se um local denominado coito, dentro do qual só ele permanece. O jogo começa quando os rapazes começam a gritar em redor do coito: «Salta algorovão!». Este, excitado, sai do seu refúgio em perseguição dos provocadores no intuito de agarrar um deles. Quando tal acontece, algorovão e prisioneiro dão-se as mãos, correndo sobre os restantes jogadores para também os apanharem. Todos quantos são agarrados tornam-se algorovões, os quais prosseguem sem descanso a tarefa de prender os opositores. Se, porventura sucede os algorovões largarem-se, os perseguidos tornam-se perseguidores, batendo-lhes com lenços torcidos. O único recurso dos algorovões para escapar é refugiarem-se no coito (cf. Ladislau Piçarra, in A Tradição, v. 3, a. 3, n. 5, Mai. 1901, p. 75-76). ALGOVÊS O vento também denominado *alcobês, *alcocês, *alcovês e *austro. ALGUACIA *Aljofor. ALGUERÉVÃO Qualquer pessoa alta e magra. O mesmo que *algorovão. ALHEIRA Também *tabafeira. Enchido preparado sem recurso à carne ou à tripa de *porco. Criação dos cristãos-novos transmontanos que, com tal estratagema, se dissimulavam, iludindo a vigilância do *Santo Ofício, para quem o fa175

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ALHO brico de enchidos constituía actividade típica de cristão-velho. ALHO Allium sativum, L. Provavelmente originário da Ásia Central, encontra-se na China, Egipto e bacia mediterrânica desde a mais remota antiguidade. Os antigos egípcios utilizavam-no como remédio contra a tosse e constipações; os gregos mencionavam as suas virtudes tónicas, diuréticas, anti-sépticas, vermífugas, etc.; os árabes consideravam-no antídoto contra a raiva e mordeduras de serpente e escorpião. *Brás Luís de Abreu chama-lhe «valente medicina». É cultivado como legume e como planta aromática e medicinal. É no bolbo que se encontram as propriedades terapeuticas. Contém óleo essencial e aliína, composto sulfuroso que se decompõe em contacto com o ar em alicina e alildissulfitos. Possui igualmente elevado teor em iodo. No uso interno, é antisclerosante e hipotensor, bem como desinfectante intestinal, antiparasita, antigripal e colagogo. No uso externo, alivia as picadas de insectos, podendo, em caso de utilização prolongada, provocar eczema. De uma forma geral, é muito utilizado quer na medicina caseira, quer pelas mulheres de virtude: misturado com fermento lêvedo, em emplastros, para a cura de abcessos, furúnculos, panarícios e tumores diversos; em fricção directa, sobretudo em jejum, seguido de uma oração, nas mordeduras de certos bichos (dizendo-se que corta o bicho, e de insectos (neste caso misturado com azeite quente); em fricções para problemas de reumático, depois de algum tempo infundido em álcool, bem como nas gengivas em caso de dores de dentes; com azeite quente para massagens no ventre quando existem dores; cru e ligeiramente esmagado, em jejum, para irradicação das lombrigas e reumático; a cabeça ou dente de alho é usado ao pescoço das crianças ou em saquinhos presos na roupa interior como amuleto destinado a afastar as influências nefastas. Em conjunto com saramago, mostarda, corno queimado, galinhas e gatos pretos, bem como com certas rezas, era receitado pelas bruxas para esconjurar 176

feitiços. Planta de virtude contra feiticeiras, bruxas, vampiros e espíritos malignos em geral, especialmente o obtido em dia de S. João. Crê-se que o seu cheiro é profiláctico, motivo por que é vulgar pôr ao pescoço das crianças um colar de dentes de alho (concomitantemente com um saquinho com *azeviche, uma medalhinha religiosa e, no braço esquerdo, uma moeda que tenha uma cruz), colocá-los debaixo do travesseiro ou transportá-los no bolso (*amuleto). Uma réstia de alho em casa (pendurada numa parede, nunca no tecto), protege a saúde e afasta a má sorte. Quando aparecem moras (manchas negras) no corpo, trinca-se em jejum um pedaço de alho e engole-se o çumbo; à noite faz-se o mesmo com cascalho peneirado às avessas (com a peneira invertida) e as moras causadas pelas meigas (bruxas) desaparecem. Sonhar com alhos é, de forma geral, sinal de mau augúrio: comê-los indica a necessidade de ter cuidados com a saúde, enquanto cheirá-los prognostica notícias; a sua plantação ou cultura significa propriedade ou a descoberta de segredos. Dava-se o nome de Rezada do alho a uma reza de padre-nossos e ave-marias, por Manuel Domingos e Maria Domingos, que se realizava no adro da igreja da freguesia de S. João de Rei (Póvoa de Lanhoso) na véspera e no dia de Natal: determinadas casas levavam uma caneca ou mais de vinho, broa de pão e cabeças de alho; cada participante recebia uma fatia de pão, um copo de vinho e uma cabeça de alho. Anexins e locuções: Em tempo nevado, o alho vale um cavalo; Onde alhos há, vinho haverá; Alho e pimenta o fastio ausenta; Esperta como um alho; Vivo como o alho; Com alho e pão vive o homem são; Alho com cascalho (diz-se contra as bruxas, em Melgaço). BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís da Silva, O Alho, in Revista dos Açores (1944), p. 189-198

ALHO-PORRO São-lhe creditadas virtudes medicinais e mágicas, tal como ao *alho, possuindo o poder de afastar os espíritos malignos, os malefícios das bruxas e o *mau-olhado. No Porto, considera-

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ALIMENTO -se benfazejo bater com o alho-porro em alguém durante a noite de *São João com o intuito de atrair a sorte e a felicidade. O alhoporro é usado no São João de Braga conjuntamente com o *manjerico.

Alta, para aliviar a dor, preconiza-se introduzir a zona picada em água quente.

BIBLIOGRAFIA FELGUEIRAS, Guilherme, A noite São Joaneira e o «alho-porro» triunfante, in O Tripeiro, n. 6 (1962), p. 171-173

ALIMENTAR AS ALMAS *Encomendar as almas.

ALIANÇA 1. Do hebraico, berith. Termo pelo qual a *Bíblia designa o pacto celebrado entre Deus e o povo hebreu. A teologia cristã refere-se a duas alianças: A. a antiga, selada com o compromisso de *Abraão, que teve como antecedentes o acordo entre Iavé e Noé, simbolizado pela manifestação do *arco-íris (Genesis, IX, 8); B. a nova, concretizada por intermédio de Jesus Cristo e cujo símbolo é a *Eucaristia (Mateus; II Corinteos; Hebreus, VII, 22-26). 2. *Anel de casamento: é circular para simbolizar a eternidade; de ouro para indicar nobreza; usa-se no quarto dedo (anular) da mão esquerda, como já acontecia entre os romanos, os quais acreditavam existir nesse dedo uma veia ligada ao coração. Quando um dos conjuges enviuva passa a usar no mesmo dedo a aliança do consorte (cf. Etnografia Portuguesa, v. 3, p. 631). BIBLIOGRAFIA MIRANDA, Abílio, Anel de casados, in Douro Litoral, v. 5 (1942), p. 65-66

ALICANTE É surdo, do mesmo modo que a *bicha (*víbora) é cega. Ambos são animais muito venenosos que, se na posse desses sentidos, não deixariam ninguém vivo à face da terra (Mexilhoeira Grande). ALICÓRNIO O mesmo que *licórnio e *olicórnio. ALICRANÇO Umas vezes o lacrau, outras, o escorpião. Diz o povo que a picada de alicranço faz «urrar um boi» e «não tem hora nem descanso». Na Beira

ALICRÁRIO O mesmo que *alicranço.

ALIMENTO O alimento não possui apenas uma faceta quantitativa, fisiológica, higiénica, social, económica ou geográfica. Ele detém um sentido plurinuclear e cultural, sendo indissociável de um carácter superalimentar: manjares cerimoniais, manducações e banquetes rituais e consagrações alimentares. Sintomaticamente, Homero distinguiu nos seus poemas as diferentes raças não pelos seus caracteres somáticos ou pela língua que usavam para se expressar, mas pelos tipos de alimentos que ingeriam: ictiófagos, lotófagos, sitófagos, etc. A alimentação surge, regra geral, associada ao percurso heróico ou iniciático do herói, permitindo, mediante a quebra de um tabú alimentar, resolver uma estagnação na mesma progressão. O episódio paradigmático é consignado pelo Genesis (IV, 22), no qual *Adão e Eva se apartam do mundo divino ao comerem o *fruto proibido. Só o *jejum (o alimento espiritual que suplanta o meramente nutricional) lhes permitirá voltar a ter acesso à vida espiritual. Em tempos anteriores ao cristianismo achava-se institucionalizado o uso de levar alimentos aos sepulcros, prática que sobreviveria, pelo menos, até ao séc. VI, porquanto um cânone de São Martinho de Braga (do II concílio de Tours) passou, doravante, a proibir tal costume que ocorria no dia da cadeira de São Pedro (18 de Janeiro). As mesas em pedra existentes no exterior de algumas igrejas, casos de Paço de Sousa e Santa Eulália (Mafra) talvez estejam relacionadas com as ofertas aos mortos inumados no *adro. Embora, actualmente, rara, a prática de se colocar dinheiro e alimentos no caixão ainda perdura em algumas regiões do norte. A Lei judaica impõe tabus rigorosos e certas normas de pureza ali177

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QUADRO DA DISTRIBUIÇÃO DOS PRINCIPAIS MANJARES E REFEIÇÕES CERIMONIAIS EM FUNÇÃO DO CALENDÁRIO ANUAL

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Oração cristã-nova para o sacrifício de uma cabeça de gado (Belmonte) Louvado seja o Senhor que te criou Para o sustento dos pecadores Perdoe a morte que te vão fazer Pelo amor de deus Te tiro a vida Que eu não te posso dar Louvado seja o Senhor que te criou Para eu me alimentar. (Repete-se três vezes)

mentar. Um judeu piedoso é aquele que come *cacher. De acordo com o Genesis (II, 17) a alimentação preconizada para Adão é vegetal («Comerás de todas as árvores do paraíso»). Só após o dilúvio, Deus permitiria o consumo de carne, certamente como concessão aos maus instintos da humanidade. Contudo, com uma ressalva: o *sangue teria que ser separado da carne, pois, como princípio vital e representação de Deus, não deve ser ingerido. O terceiro regime alimentar do Antigo Testamento impõe a separação dos animais em puros e impuros. Moisés proíbe certas carnes, mesmo com exclusão do sangue. Os animais interditos pertencem a três categorias: A. os carnívoros (uma vez que a erva foi criada para eles, os animais que matam para comer são impuros); B. os omnívoros (caso do porco, mais especificamente do javali, tanto mais impuro, quanto enganador, visto que também é herbívoro); C. os híbridos (são tabu: as aves aladas que correm no chão, como a avestruz, ou vivem na água, como as pernaltas; os animais que vivem no mar sem possuir bexigas natatórias e escamas, como os crustáceos e os bivalves; o peixe puro deve nadar). Assim, os únicos animais terrestres puros são ruminantes e têm o pé ungulado (unha fendida, sem qualquer meio para agarrar uma presa), porquanto são forçosamente vegetarianos (Levitico, XI, 3: «[...] tudo o que tem o pé córneo e dividido em duas unhas, entre os animais ruminantes, podeis comê-lo»). O volátil puro é definido no Deuteronómio (XIV, 20). *Adafina, *antropofagia, *banquete, *banquete

fúnebre, *bolo dos santos, *buteliu, *dádiva alimentar, *filhós, *magusto, *manducação ritual, *manjar cerimonial, *massa sovada, *pão, *pão por Deus, *Quaresma, *rosquilha, *sábado fiolheiro, *santoros, *sobreceia. BIBLIOGRAFIA CORREIA, António Mendes, A alimentação do Povo Português, Lisboa, 1951; MONTEIRO, Helena Prista, Velhas e novas formas de alimentação do povo Português, in Boletim de Filologia, v. 2, tomo 29, n. 1-4 (1984), p. 195-210; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Manjares cerimoniais do Entrudo em Portugal, in Anais da Academia Politécnica de Coimbra (XXIII Congresso Luso-Espanhol), Coimbra, 1956, p. 299310; idem, Manjares e refeições cerimoniais em Portugal, in Estudos e Ensaios Folclóricos em Homenagem a Renato Almeida, Rio de Janeiro, 1960, p. 345-365

ALIMPA-GATA Denominação do vento de Sudoeste, na Póvoa de Varzim. ALINHAMENTO Os alinhamentos megalíticos são, em regra, formados por conjuntos de menires (eventualmente em conexão com outras estruturas megalíticas: mamoas e recintos), intencionalmente dispostos em uma ou mais linhas rectas, algumas das quais podendo atingir vários quilómetros de extensão. Apesar de permanecer enigmática a semântica deste género de estruturas é um dado adquirido o significado astronómico de algumas. Em França destacam-se os alinhamentos múltiplos de Carnac; nas Ilhas Britânicas, a «avenida» de menires da Kenneth Avenue (Avebury). Em Portugal são conhecidos uns quantos alinhamentos megalíticos: no Algarve (Aspradantas, Carriços, Marmeleiro, Marreiros I e II, Padrão 10-14, Portela do Padrão, etc., três ou quatro monólitos, orientados Norte-Sul ou Noroeste-Sudeste); no Alentejo (ver Guia) em Trás-os Montes (Cabeço da Mina, *Caparrosa, Garganta, Manhouce, etc.), nas regiões de Aveiro (Três Irmãos, na serra da Freita – Arouca) e de Lisboa (Barreira e Funchal – Sintra; Montemor – Caneças), etc. Associadas a alguns alinhamentos megalíticos têm sido referenciadas estruturas pétreas do tipo «calçada» (*Monte da Têra – Pavia), subentendendo uma cartografia imaginária e mágica 179

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Alinhamentos múltiplos em Garganta (S. Martinho de Anta – Vila Real).

Alinhamento do Monte da Tera.

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Guia de macro-alinhamentos megalíticos alentejanos Alinhamento 1 (Évora – Reguengos de Monsaraz) Cromeleque dos Almendres, menires da Chaminé e da Bota, Pedra da Muda (com covinhas) e cromeleques dos Perdigões, Ribeira do Álamo e Xarez 1. A orientação do conjunto, 105º-285º, concorda com «a orientação dominante dos corredores de antas da região e, simultaneamente, com a orientação geral da topografia da Serra de Ossa e da Serra do Mendro que enquadram a área menhírica, a Norte e a Sul, respectivamente. A cerca de 300 m de distância para Norte de Xarez 1, foi identificada uma dezena de pequenos menires, todos gravados na base com um círculo solar e um crescente lunar (ferradura), tendo Pires Gonçalves especulado sobre a possibilidade de terem «integrado um alinhamento de menires votivos erguido na orla Norte» do recinto do Xarez. Alinhamento 2 (Évora) Cromeleques da Portela dos Mogos e de Vale Maria do Meio, menir 1 de Casbarra e mais dois menires e um fragmento, fazendo suspeitar da existência de um monumento (cromeleque?) desmantelado. Orientação 102º-282º. O recinto de Portela dos Mogos acha-se em conexão com uma linha de menires exterior a ele. Alinhamento 3 (Pavia) Cromeleques das Fontainhas, Monte da Figueira e Monte da Têra. Orientação 106º-286º. Alinhamento 4 Cuncos, Patalim, Malhada do Esbarrondadoiro, Belhoa. Orientação 105º-285º. Alinhamento 5 Pedra Longa e Sousa da Sé. Orientação 105º-205º.

susceptível de garantir voos psíquicos e iniciáticos de índole xamânica. Outros tipos de alinhamentos subsistem, erguidos em épocas ulteriores, com idêntico intuito. A circunstância do alinhamento intencional de edifícios e estruturas artificiais, por vezes distantes entre si dezenas, centenas ou mesmo milhares de quilómetros, remontarem a épocas muito diversas só denota a persistência e longevidade das regras e práticas geomânticas subjacentes. Alfred Watkins, autor de The Old straight Track (1925), baptizou as linhas naturais subjacentes a tais ali-

nhamentos como Ley lines. À revelia da evidência, uma vez que a linha recta não existe na natureza, têm sido arqueólogos os principais críticos dos alinhamentos, alegando com o argumento frouxo da improbabilidade de o homem pré-histórico poder realizar tamanho portento. Já em pleno século XVIII, Manuel da Maia confessava que andara ocupado em Mafra a «assinalar meridianas» (calcular coordenadas geográficas) e a traçar alinhamentos («balizar estradas em linha recta»), prática então muito comum entre arquitectos, conforme a tratadística, designadamente, a de cariz militar, evidencia. BIBLIOGRAFIA CALADO, Manuel, Aspectos do megalitismo alentejano (1), in O Giraldo (Jul. 1990); CALADO, Manuel / ROCHA, Leonor, Neolitização do Alentejo interior: os casos de Pavia e Évora, in Actas do I Congrés del Neolític a la peninsula Ibérica (Barcelona, 1995); GANDRA, Manuel J., Cromeleques e alinhamentos megalíticos Portugueses: subsídio para um roteiro, Mafra, 2007; ROCHA, Leonor, Povoamento megalítico de Pavia: contributo para o conhecimento do megalitismo regional (Dissertação Mestrado, Faculdade de Letras de Lisboa), 1996, p. 76-117; VIANA, Abel / ZBYSZEWSKI, Georges / ANDRADE, Ruy Freire de / SERRALHEIRO, António / FERREIRA, Octávio da Veiga, Contribuição para o conhecimento da Arqueologia Megalítica do Baixo Alentejo, in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959, p. 197-213 [A p. 205-206 referem-se dois alinhamentos: Mamoas 1, 2 e 3 do Serro do Gatão (NW-SE); Antas 1 e 2 do Serro do Seixo com a cista do Serro das Antas (N-S)]

ALÍVIO Invocação mariana, festejada no Porto, em Soutelo (Vila Verde, Braga), etc. A capela do santuário de Soutelo, inaugurada em 1798, tornou-se objecto de particular devoção por parte das parturientes e dos pescadores da Póvoa de Varzim a Esposende, como atestam os ex-votos pintados e as fotografias conservados na Casa das Estampas. Enquanto a mãe dava à luz, o pai

Casa das Estampas do Santuário do Alívio (Soutelo, Braga).

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ALMA devia rezar à Senhora do Alívio para que esta proporcionasse à parturiente uma boa hora. A romaria do Alívio de Soutelo decorre anualmente no segundo e no terceiro domingos de Setembro, continuando a ser muito concorrida. BIBLIOGRAFIA BABO, Francisco de, Nossa Senhora do Alívio, Porto, 1963; CÉSAR, Mário, Os Poveiros e o Santuário do Alívio, em Soutelo (Vila Verde), Póvoa de Varzim, 1972

ALJAMIA Forma de escrita em língua castelhana, valenciana, galega ou portuguesa, embora redigida em caracteres árabes. Género literário clandestino, híbrido e críptico, porém igualmente doutrinal e proselitista. Transcreve rituais e doutrinas da religião muçulmana em risco de se perderem, mas também textos de magia e feitiçaria, receitas, prognósticos, etc. Uma das dimensões mais curiosas da literatura aljamiado-mourisca são as alguacias ou aljofores. BIBLIOGRAFIA LOPES, David, Textos em Aljamia Portuguesa: documentos para a história do domínio Português em Safim, extrahidos dos originaes da Torre do Tombo, Lisboa, 1897

ALJOFOR O mesmo que *alguacia. Profecia mourisca redigida em pleno séc. XVI, muito embora pretensamente centenária. Os aljofores mais famosos, geralmente escritos em *aljamia ou em árabe, são os Livros Plúmbeos ou Tábuas de chumbo do Sacromonte (Granada): conjunto de 22 lâminas circulares de chumbo, muito delgadas e de dimensões próximas das de uma hóstia, redigidas em letras «hispano-béticas» e «salomónicas», de facto caracteres árabes angulares (para aparentar antiguidade) e em latim tosco, descobertas, na Torre Turpiana da abadia do Monte de Valparaíso (doravante denominado Sacromonte), extramuros de Granada, no ano de 1595. A revelação deste tesouro fora prognosticada por um pergaminho atribuído a El-Meriní, famoso autor granadino de aljofores, cujo achado ocorrera no dia de *São Gabriel (18 de Março) de 1588. Remontariam alegadamente ao séc. I, tendo sido creditadas a Tesifón Ebnatar e a seu irmão Cecilio Ebnalrabi (São Cecílio, patrono e evangelizador de Granada), 182

supostos discípulos do apóstolo *Santiago. Com tais relíquias apócrifas pretendeu um grupo de mouriscos, aparentemente animado pelo médico, e provável inventor delas, Alonso del Castillo, preencher um vazio de oito séculos na sua história religiosa e influir na opinião pública a favor do islamismo, tão depreciado, sobretudo após a sublevação das Alpujarras (1568-1571). Títulos de alguns dos livros: Los grandes Mistérios que vio Santiago; Enigmas y Mistérios que vio la Virgen; De la Esencia veneranda; Sentencias acerca de la Fe, Catecismo Mayor, Libro de la Certificación del Evangelio, etc. A polémica sobre a autenticidade dos Livros Plúmbeos só se encerrou em 1682, com a sua condenação por Inocêncio XI. Em 1740, teve lugar, em Granada, outra série de descobertas, dessa feita na Alcazaba Cadima, tidas por alguns sacerdotes como a confirmação das invenções sacromontanas. É comum nos aljofores andaluzes a esperança da independência política e a crença na vitória universal do Islão, graças ao auxílio de turcos e magrebinos. O teatino D. Francisco de Almeida invoca os Livros Plúmbeos do Sacromonte para alicerçar a sua tese sobre a vinda do apóstolo Santiago à Hispânia (cf. Apparato para a Disciplina e Ritos Ecclesiásticos de Portugal, Lisboa Ocidental, 1735-1737, 4 vols.). BIBLIOGRAFIA BARALT, Luce López, El Oraculo de Mahoma sobre la Andalucía musulmana de los Últimos Tiempos en un manuscrito Aljamiado-morisco de la Biblioteca Nacional de Paris, in Hispanic Review (Inverno 1984), p. 41-57; CABANELAS, Darío, El morisco granadino Alonso del Castillo, Granada, 1965; CARMELO, Luís, Islão e Mundo Cristão: a diferença entre os fins anunciados, in Islão e Mundo Cristão, Lisboa, 2001, p. 7-55; idem, As Profecias do Manuscrito 774 da Biblioteca Nacional de Paris, in A Viragem Profética, Mem-Martins, 2005, p. 63-154; GANDRA, Manuel, J., Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003 (s. v.); idem, Glossário do Milenarismo Islâmico-Mourisco, in Newsletter do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica, n. 23 (26 a 29 Mai. 2005); GODOY ALCÁNTARA, José, Historia de los falsos cronicones, Madrid, 1868, p. 44-128; GOMEZ DE LIAÑO, Ignacio, Los Juegos del Sacromonte, Granada, 2005; HAGERTY, Miguel José, Catálogo del Archivo Secreto de Cuatro Llaves en La Abadía del Sacromonte: exposición artístico-documental. Estudios sobre su significación y origen, Granada, 1974, p. 73-82; idem, Los Libros Plúmbeos del Sacromonte, Madrid, 1980; KENDRICK, Thomas, Saint James in Spain, Londres, 1960

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ALLAN KARDEC

Iluminura representando a Batalha de Aljubarrota.

ALJUBARROTA Sede de concelho do distrito de Leiria. Próximo da localidade travou-se a batalha homónima (14 de Agosto de 1385), entre as forças de Dom João de Castela e as portuguesas de Dom João, Mestre de Avis, para cuja vitória (que praticamente assegurou a independência de Portugal) fizeram os lisboetas promessa a Deus de que dali em diante não usariam de «feitiços, nem ligamentos, nem de chamar diabos, nem incantações, nem dobra de vedeira, carantolas, nem sonhos, nem lançar roda nem sortes nem outra nenhuma coisa que arte de físico não consinta [...]» (cf. Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. 41). A uma pequena imagem de Nossa Senhora, de metal, que se dizia achada em 1568 e havia sido colocada no sacrário da matriz, era, outrora, creditada a faculdade de facilitar os partos, motivo por que as mulheres findo o prazo das respectivas gravidezes a requisitavam com vista ao bom sucesso delas. Dizia-se que a terra em que fora achada a imagem «não criou mais erva» (cf. Leiria Illustrada, n. 208, 21 Jan. 1909). ALLAN KARDEC Pseudónimo do bretão, Hippolyte Léon Denisard Rivail (1804-1869). Sustentava ser a reencarnação de um antigo druída, cujo nome adoptou. Pedagogo e codificador do *espiritismo, o qual pretendia transformar numa religião fundamentada «na existência, nas manifestações e no ensinamento dos espíritos». Ini-

ciou os estudos em Lião, completando a sua formação no Instituto Pestalozzi de Yverdon (Suiça). Tendo-se tornado colaborador de Pestalozzi, foi grande propagandista do seu sistema pedagógico, em Paris, numa escola que fundou com um tio, a qual, devido à má administração do sócio, encerraria no ano de 1835. Desde 1832, casado com Amélie-Gabrielle Boudet, sua colaboradora para o resto da vida, passou a dedicar-se à elaboração de escritas para casas comerciais, traduções e cursos didácticos, posteriormente adoptados oficialmente. Entre 1835 e 1840 lecionou gratuitamente cursos de ciências físicas, anatomia e astronomia, tendo sido indicado, em 1849, para catedrático no Museu Polimático. O seu interesse pelo magnetismo, desde os dezanove anos, e, mais tarde, pelo fenómeno das mesas giratórias, resultaria na sua dedicação plena ao mediunismo, a cujo estudo exaustivo se dedicaria a partir de 1850. No ano de 1856, um espírito, que alegava ser o seu guia protector, revelou-lhe que lhe cabia a missão de difundir e unificar a causa espírita, tarefa a que, doravante, se havia de dedicar sem desfalecimento. Em 1860, fundou La Revue Spirite e a Société Parisienne d’Études Spirites, organização criada com o objectivo de continuar a sua obra. *Metempsicose. OBRA Le Livre des Esprits, Paris, 1856, 1866 [BN: SA 10483 P] A sua obra fundamental, que alcançou enorme difusão, tornando-se o manual básico da doutrina espírita a propósito da imortalidade da alma, da natureza dos espíritos e das suas relações com a humanidade; trad. port. in Jornal do Porto (12 Agosto 1875), Lisboa, 1899 [BN: SA 11560 P = 5ª ed.], 1979 [BN: SA 52925 V]; Instruction pratique sur les manifestations Spirites, Paris, 1858, 1923 [BN: SA 31420 P] ; Qu’ est-ce que le Spiritisme, Paris, 1860 [BN: SA 31 441 P = 40ª ed.]; Carta sobre o Espiritismo, 1860; Le Livre des Médiuns, Paris, 1861, 1867 [BN: SA 31184 P] Trad. port. Spiritismo experimental: o Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores (Lisboa, 1882, 2 vols.), in A Estrela Literária, v. 23, n. 1 (1883) e Lisboa, 1981 [BN: SA 55897 V]; Le Spiritisme à sa plus multiple expression, Paris, 1862 [BN: SA 18541(5º) P]; Voyage Spirite en 1862, Paris, 1862; Refutation des critiques contre le Spiritisme, Paris, 1862; Resumé des Lois des Phenómenes Spirites, Paris, 1864 [BN: SA 18599(12º) P = 4ª ed.]; Le Ciel et l’ Enfer ou la justice divine selon le Spiritisme, Paris, 1864 [BN: SA 31510 P = 12ª ed.]; L’Évangile selon le Spiritisme, Paris, 1864 [BN: AS 31554 P = 35ª ed.] trad. port. , Lisboa, 1891 [BN: R 4025(7º) V], 1980 [BN: SA 53534 V], 1982 [BN: R 14756 V]; Collection de Prières

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ALMA Spirites, Paris, 1864; La Génese, Paris, 1867, 1868 [BN: R 25093 P]; Diário de Estudos Psicológicos, 1868; Caracteres da Revelação Espírita, 1868. Trad. port. O Império dos Espíritos (Lisboa, 1899); Egoísmo e Orgulho, Leiria, 1942 [BN: SA 23586(13º) P]

ALMA Consoante as religiões, ou os sistemas filosóficos que a admitem, o conceito de alma assume diferentes acepções: sombra (ba, egípcio), alento ou princípio vital (ka, egípcio; psique, dos gregos; pneuma, helenístico; nefesh ou alma inata do judaísmo clássico; nafs, alcorânico), consciência (ab, egípcio; neshamah ou centelha divina do judaísmo clássico), sopro divino (ruah ou espírito do judaísmo clássico; ruh, alcorânico), realidade imaterial (akh, egípcio), etc. Assim, os pitagóricos admitem que a alma, sob a forma de psique, perambula de existência em existência (assumindo a forma de qualquer ser vivo, inclusive animal), numa sucessiva *metempsicose; os platónicos destacam a natureza espiritual e inteligível da alma, enquanto o aristotelismo sublinha a realidade da alma como forma ou princípio do ser vivo. Os epicuristas e, até certo ponto, os estóicos consideram-na constituída por uma matéria mais «fina» e «subtil» que todas as restantes. *Santo Agostinho, rejeitando a concepção de alma como entidade material, atribui-lhe o carácter de intimidade pessoal. Para Maimónides, em parte influenciado por Averróis, a alma humana não é puramente imaterial, porquanto composta de matéria e forma. Já São Tomás de Aquino, esforça-se por estabelecer um elo entre as ideias de alma como subjectividade e intimidade e como enteléquia. A tradição agostiniana seria retomada por Descartes, culminando em Malebranche, segundo quem a alma apreende o mundo directamente de Deus («vemos todas as coisas em Deus»). A noção de alma adoptada pela piedade popular não coincide com o conceito que formou dela o catolicismo institucional, fundando-se na crença da errância da alma (*alma penada) e no receio que resulta da vontade dos mortos em querer permanecer junto dos vivos, continuando a frequentar a comunidade a que pertenceram, donde o costume de 184

As almas dos eleitos transportadas para o céu por anjos: iluminura atrib. a Simão de Bening, do Livro de Horas de Holford (Bruges, ca. 1526) [MCG:LA 210].

edificar nichos ou alminhas nas encruzilhadas, com o intuito de apaziguar essas almas de forma que elas não assombrem as casas onde residiram ou se introduzam no corpo dos familiares e vizinhos (*possessão). Crê a piedade popular que há três espécies distintas de almas: A. as dos justos, ou fiéis de Deus, que quando o corpo morre se despegam e vão gozar as bem-aventuranças eternas; B. as almas boas que, por alguns pecados cometidos, aguardam nas campas o respectivo resgate; levantam-se ao toque das almas (nove badaladas do sino da igreja, i. e., 21 horas); respeitam as encomendações que por elas forem feitas; abandonam os sepulcros apenas para pedirem missas pelo seu eterno descanso; C. as almas más que vagueiam sem rumo, permanecendo errantes, «por ares e nuvens», por toda a eternidade. Às segunda e terceira categorias pertencem as almas penadas, designadamente as que se apossam dos vivos. Por seu turno, a igreja católica sustenta a possibilidade da alma humana se encontrar num

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ALMA dos estados seguintes: A. actualmente unida ao corpo, desde a sua formação no ventre materno, e para o qual foi então criada com ele constituindo um composto substancial, individual e pessoal; B. sofrendo as penas no inferno, se teve a infelicidade de passar da vida presente à futura em pecado mortal; C. padecendo penas temporais no purgatório, se a morte a encontrou com pecados menores; D. na posse eterna do paraíso, se já satisfez inteiramente as suas culpas; E. no limbo, se a morte a surpreendeu antes do uso da razão e de haver recebido o baptismo. O povo diz que a alma desencarnada fica na terra: durante três dias; até à missa do sétimo dia; até a família vestir luto; não sobe enquanto o cadáver estiver fora, i. e., sem ser enterrado. A alma pode, ser representada por uma borboleta, uma pomba ou uma rola (Agiológio de Lorvão). Igualmente por um corpo desnudo, feminino (outrora, as almas eram consideradas femininas, independentemente do género do defunto), de estatura infantil, eventualmente para ilustrar as palavras de Jesus: «Em verdade vos digo que se vos não converterdes e fizerdes como meninos, não entrareis no reino dos céus» (Mateus, XVIII, 3). Destarte os meninos presentes nos retábulos barrocos são almas que buscam a bemaventurança, de acordo com a mesma afirmação de Jesus. Representam as almas dos fiéis que constituem a Igreja e que sustêm figuradamente a estrutura visível dela, sob a forma do retábulo. No plano inferior figuram-se sexuados para aludirem àquelas que ainda se acham presas aos instintos da carne. À medida que ascendem torna-se evidente a espiritualização. Atingido o cimo do retábulo, são representados em atitude beatífica, em adoração ou carregando emblemas de glorificação. Atingiram a categoria de anjos, encontrando-se perfeitamente espiritualizados, porém, distinguindo-se dos que assim foram criados desde o princípio, por terem asas metade verdes, metade vermelhas. Quer isto dizer que foram elevados a tal categoria pelo amor (vermelho) e pela penitência (verde). As pequenas cabeças aladas que, geralmente, os acompanham são os anjos, puros espíritos, que nunca

Retábulo azulejar de Santa Cruz de Coimbra: A alma encontra Amor.

possuíram carne (asas azuis e brancas). Pedro Hispano sustentou longa controvérsia sobre a origem da alma. Jerónimo Dias Carvalho, do Ervedal (Évora), foi preso em 1657 por considerar que a alma morria com o corpo, não havendo para ela pena nem glória, mas somente a morte corporal [ANTT: Inq. Évora, proc. 4806]. O judeu português, Samuel da Silva, publicou, em Amesterdão (Paulo Ravesteyn, ano da criação do mundo 6386), o Tratado da Immortalidade da alma […] em que também se mostra a ignorância de certo contrariador do nosso tempo [*Uriel da Costa] que entre outros muitos erros deu neste delírio de ter para si e publicar que a alma do homem acaba justamente com o corpo. O poeta *Belchior Manuel Curvo Semedo, denunciado ao Santo Ofício, em 19 de Novembro de 1819, era acusado da seguinte blasfémia, entre outras: «[…] se a alma é incriada que tem Deus lá no outro mundo um armazém de almas e do mesmo armazém tira aquelas que fazem boas obras e se salvam tira a outra para o infeliz que se não baptizou por alguns motivos e não fez boas obras e manda para o 185

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ALMA-GÉMEA inferno e se é criada que tudo quanto tem princípio há-de ter fim» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 17610]. *Julgamento das almas. BIBLIOGRAFIA GONÇALVES, Flávio, Representações antropomórficas da alma na arte portuguesa dos séculos XII a XVI, in Brotéria, v. 46, n. 4 (1948), p. 444-458; idem, As cenas psicagógicas na arte medieval (os exemplos portugueses), in Congresso Luso-Espanhol de Estudos Medievais, Porto 1968

ALMA-GÉMEA Parceiro ideal com quem determinado indivíduo tem um vínculo espiritual pré-existente. A noção não tem paralelo em nenhuma tradição religiosa, tendo sido moldada pelo romantismo e adoptada pelo movimento *Nova Era (New Age). Tratar-se-á, de acordo com as três principais formulações a seu respeito divulgadas: A. da metade apartada de uma alma, com o objectivo de acelerar o processo de crescimento espiritual desta; B. de alguém com quem, em virtude da partilha de vidas anteriores, se criou um vínculo excepcionalmente forte (por vezes, alternando os papéis sexuais); C. de uma grande variedade de pessoas com quem, cada indivíduo se relaciona de diversos modos, como amante, cônjuge, irmão, progenitor, filho, etc. (grupo de indivíduos distintos entendido como alma grupal ou como unidade espiritual autónoma). ALMA-GRANDE Protagonista do conto homónimo de Miguel Torga (in Novos Contos da Montanha, Coimbra, 1944, p. 7-15). *Abafador de Riba Dal, chamado pela mulher de Isaac, um marrano moribundo, o qual em vão tentou matar. Este, tendo sobrevivido à abafação, vingar-se-ia do insucesso do Alma-Grande, estrangulando-o. ALMA DE MESTRE Procellaria pelagica, L. Ave que produz pios que os marítimos creem ser os lamentos das almas dos mestres ou capitães dos navios perdidos, os quais andarão naquele fadário enquanto o seu corpo não der à costa e não lhe for dada sepultura (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições do povo português, p. 164). 186

ALMA DO MUNDO O mesmo que alaya e atmabuddhi dos budistas do Norte, a divina essência que impregna, anima e informa todas as coisas. Um mistério denso rodeia a adopção e evolução das armas de Portugal, tradicionalmente associadas ao episódio de *Ourique (1139). Sublinha Pero de Andade Caminha que «se se quisesse mostrar que não aconteceu [a Visão de Ourique] assim seria tirar às armas deste reino um tão principal e pio fundamento». D. João II promoveu a reforma do brasão real em 1485, aparentemente suscitada nas Cortes de 1482 por alguns Procuradores dos Povos, os quais teriam proposto diversas modificações ao escudo das armas de Portugal, a saber: A. Retirar do escudo a cruz verde da Ordem de Avis; B. Endireitar os escudetes laterais, pois «jaziam derribados, com as pontas através para a cruz, o que era contra regra direita de armas e parecia significar alguma grande quebra, ou [der]rota recebida contra si em batalha campal, o que não era». A chamada operação de endireitar o escudo (i. e., os escudetes das ilhargas) terá subvertido irremediavelmente o significado das peças que compunham as armas nacionais, as quais na sua configuração original representavam a Alma do Mundo, segundo Plotino: os três escudetes superiores voltados para a Inteligência (ou seja, para o interior) e o do meio e o inferior, voltados para a matéria (i. e., para o exterior). Ao proceder assim, Dom João II terá entregue ao Corpo do Mundo, de acordo com o mesmo neoplatónico e a crer na tese exposta por Ismael Joaquim Spínola, a

As Quinas das Armas Portuguesas antes e depois da «operação de endireitar o escudo» (1482).

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ALMA DO OUTRO MUNDO direcção do destino nacional, transformando-o, doravante, numa questão de pura mercearia. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Manifesto politico do fundamento e origem das Armas dos Reynos de Portugal, fl. 178v-187v [BN: cod. 655]; BARATA, António Francisco, Divisa usada nos escudos do Conde D. Henrique de Borgonha e de seu filho D. Afonso Henriques: alterações por que tem passado o escudo, in Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, t. 4 (1886), p. 56; CÂNDIDO, Alfredo, A origem e o Simbolismo do Escudo Portuguez, in Feira da Ladra, v. 8, n. 1 (1937), p. 24-29; CONDE DE TOVAR, As Memórias de Álvaro Lopes, secretário del Rei D. João II – A Reforma do Brasão Real por D. João II, Lisboa, 1932; GANDRA, Manuel J, A Cristofania de Ourique: mito e profecia, Lisboa, 2002; MATOS, José de Assunção, As gloriosas bandeiras de Portugal: evolução histórica da Bandeira Nacional, Porto, 1961; MANIFESTO POLITICO do fundamento e origem das Armas dos Reynos de Portugal [BN: cod. 655, fl. 178v-187v]; MATTOS, Armando de, Evolução histórica das Armas Nacionais Portuguesas, Porto, 1939; MELO, Olímpio, de, A Bandeira Nacional, sua evolução desde a fundação da Monarquia até à actualidade, Lisboa, 1924; ROIG, Adrien, Mensagem: heráldica e poesia, in Fernando Pessoa: Mensagem – Poemas Esotéricos, Madrid, 1983, p. 280-312; SPÍNOLA, Ismael Joaquim, Da necessidade de restituir às Armas de Portugal os seus verdadeiros símbolos, in Revista de Guimarães, v. 70 (1960); VASCONCELOS, António de, O Escudo Português: Lenda e História, in Lusitânia, n. 2 (Mar. 1924), p. 171-185 e n. 3 (Jun. 1924), p. 321-337

Pormenor da arca tumular de Santa Isabel, vendo-se a alma da rainha a ser recebida no seio de Deus.

ALMA NO SEIO DE DEUS Variante do tema *seio de Abraão (*Abraão). Lugar de repouso temporário, na expectativa da felicidade completa e definitiva dos eleitos (*céu, *paraíso). Argumento que favoreceu a introdução pela Igreja dos ritos de sufrágio pelas almas dos defuntos. Na arca tumular de Egas Moniz (igreja de Paço de Sousa), observase a alma abandonando o corpo pela boca do

Pormenor da arca tumular de Egas Moniz, vendo-se a alma do defunto a ser recebida no seio de Deus.

defunto e sendo acolhida por dois anjos, numa toalha, decerto, em representação do Criador. Por vezes é o *anjo custódio o incumbido dessa missão, como sucede nos túmulos da Rainha Santa Isabel (Santa Clara-a-Nova – Coimbra) e de um cavaleiro não identificado (Museu do Carmo – Lisboa). BIBLIOGRAFIA GONÇALVES, Flávio, Representações antropomórficas da alma na arte portuguesa dos séculos XII a XVI, in Brotéria, v. 46, n. 4 (1948), p . 442-458

ALMA-PAR A gnose cristã admite que o *anjo e a alma formam uma sízígia ou par: o anjo é gémeo da alma, a sua contraparte espiritual, que olha o pai face a face, no céu. De acordo com as doutrinas do *espiritismo e do *teosofismo, almapar é uma alma reencarnada, para a qual é possível determinar as identidades correlatas em existências anteriores. Ao processo conducente ao reconhecimento dá-se o nome de antropometria da alma. BIBLIOGRAFIA REPORTER X, A antropometria das almas pares ou as almas que voltam à Terra, in Repórter X, n. 74 (1 Jan. 1932), p. 8-9 e 12

ALMA DO OUTRO MUNDO As almas do outro mundo aparecem somente durante a noite. O seu corpo é de uma frieza gélida e traja vestes talares e mantos roçagantes de um pano áspero. Os romanos supunham que as almas dos que haviam sido assassinados perseguiam os assassinos, aterrorizando-os e aparecendo-lhes sob várias formas horrendas. Em certos pontos do país diz-se que a alma de um indivíduo assassinado se instala às costas do 187

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ALMA PÉGÃ homícida até a espinha deste se partir. No Minho há a crença de que a alma de alguém morto longe de casa ou durante o sono vagueia durante a noite, despedindo-se dos vivos e tocando-lhes suavemente. O *pirilampo é uma alma pégã, i. e., do outro mundo, em Santiago de Piães e São Cristóvão de Nogueira. *Alma penada, *fantasma, *fogo-fátuo. BIBLIOGRAFIA FAZENDA JÚNIOR, Crenças e Superstições, in Tradição, v. 2 (1900), p. 172

ALMA PÉGÃ *Alma do outro mundo (Santiago de Piães e São Cristóvão de Nogueira). ALMA PENADA O mesmo que alma depenada, i. e., uma alma à qual, dada a gravidade dos factos de que é acusada, nem Deus, nem o diabo se dignaram infligir uma pena. Também *abujão, *alma do outro mundo, *aparição, *avejão, *fantasma, *morto-vivo, *visão, etc. Alma de alguém morto de forma violenta (enforcado, assassinado ou acidentado), sem restituir o que lhe competia (culpas ou dívidas), cumprir promessa feita, ter algum pecadilho escondido em artigo de morte à absolvição do confessor (Madeira), ou relativamente a quem não foi convenientemente seguido o ritual fúnebre, por ausência do sacerdote, por exemplo. A alma poderá perseguir quem não praticar o rito de separação que consiste em atirar um punhado de terra sobre o caixão quando este se encontra na sepultura, por exemplo. Impedida de entrar no céu ou no Purgatório, a alma penada vagueia neste mundo, implorando a algum amigo ou parente que faça a devolução da coisa roubada, o cumprimento de alguma promessa, a reparação de um crime, etc. Manifesta sempre o comportamento e as atitudes que caracterizavam a personalidade a que corresponde. Aparece em lugares determinados (preferencialmente em encruzilhadas e junto a locais onde exista ou corra água), a horas mortas, com a forma corpórea que tinha em vida, como vulto negro ou espectro vestido de branco e arrastando pesados gri188

lhões (*fantasma), porém não projectando qualquer sombra, sinal de que se trata, com efeito, do resíduo fluído de um corpo. Muitas vezes introduz-se nos corpos das pessoas (*morto-vivo, *encosto ou *apoquentação), comunicando pela boca do *possesso (o qual, além de assumir trejeitos e expressões orais próprios do defunto, incha desmedidamente) o que deseja que se faça para deixar de penar. Algumas almas penadas transformaram-se em celebridades locais ou regionais, em virtude das suas características idiossincráticas. Narram sucessos clássicos: Suetónio (Vida de Calígula); Júlio Obsequens (Os Prodígios); Plutarco (Vida de Cimone); Plauto (A comédia do fantasma); Luciano (Os amantes da mentira); porém, o caso mais divulgado e paradigmático da antiguidade foi narrado por Plínio (Epístola VII). Em certas regiões é aconselhado: A. a atirar milho miúdo (ou painço a um rio) que as almas penadas tentam apanhar, abandonando a perseguição aos vivos, indo degredadas «tantos anos, quantos os graeiros» (Leite de Vasconcelos, Tradições do Povo Português, p. 301-302); B. a não aproximar fogo de qualquer local onde se encontre um cadáver, porque este poderá seguir a chama; C. quando passa um enterro, às pessoas que se encontram deitadas, ainda que doentes, se levantem, pois, de outro modo, a alma do morto atrairá as suas. No Minho, na noite de consoada, não se levanta a mesa para que venham as almas dos mortos, pondo-se, inclusivamente, um talher para o morto. Nos Açores, são preconizadas esmolas a um número impar de pobres. Na Madeira, para libertar as almas de alguma promessa por cumprir diz-se «Se é sinal de morto, venha outro!»; enquanto para para afastá-las se prescreve a aspersão com *água-benta, o credo rezado em cruz, a fumigação com alecrim ou a benção da casa, fazendo o sinal da cruz nas quatro direcções, com «uma faca de aço que sirva para matar porcos». K-Sal, aliás António Casal Ribeiro, regista uma tradição de Paço de Ilhas (Santo Isidoro, Mafra), que associa as corujas às almas dos incinerados na necrópole romana que se sabe ter existido ali. Locuções: Requerer uma alma (= decla-

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ALMA DA RAÇA rar-lhe em nome de Deus qual é o seu destino neste mundo, esconjuro que é reservado para padre de estola e hissope). *Almajona, *alminha, *cantar às almas, *pão das almas, *procissão das almas, *procissão dos defuntos. BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Fernando de, Usos e costumes da Ilha da Madeira, in Feira da Ladra, v. 7 (1936), p. 131-141; C., C. da, Pães bentos, em S. Míguel, in Revista Insulana, v. 9 (1953), p. 199-201 [os Pães das Almas, as esmolas perdidas e os Pães bentos, nas festas do Espírito Santo, na ilha de S. Miguel]; CASTRO, Leite de, Folk-lore, in Rev. de Guimarães, v. 3 (Porto, 1886), p. 203-208; CORTES-RODRIGUES, Armando, O pão das almas, in Revista Insulana, v. 8 (1952), p. 433-434 [referência ao costume corrente no concelho do Nordeste, ilha de São Miguel, dos habitantes prometerem às almas «o seu pãozinho»: quando cozem, colocam sobre uma cadeira o primeiro pão que sai do forno, e põem-na no meio da rua em frente à casa, fechando em seguida a porta e as janelas, a fim de não verem quem recolhe a esmola. A primeira pessoa que por ali passa, ajoelha, reza às almas e leva consigo o pão. Se é pobre, leva o pão consigo; se é rica ou remediada, leva-o e entrega-o a um pobre]; DIAS, A. J., Almas Penadas, in Almanaque de Santo António, Braga, 1928, p. 156; DIAS, Margot / DIAS, Jorge, A Encomendação das Almas, Porto, 1953 [21 notações musicais]; GOMES, Dinis, Costumes e gente de Ílhavo: Devoções populares – Alminhas, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 6 (1940), p. 215-220 [encomendação das almas e reza do terço em conjunto, sobretudo por pescadeiras. Música do lamento das almas e da reza do terço]; GRAÇA, A. Santos, A crença poveira nas «Almas Penadas», in Homenagem a Martins Sarmento (1933), p. 360-363 e in Póvoa de Varzim, v. 3, n. 1 (1964), p. 118-121; LIMA, Augusto César Pires de / CARNEIRO, Alexandre Lima, A encomendação das almas, in Douro Litoral, s. 4, v. 3-4 (1951), p. 3-21 [estudo sobre a encomendação das almas em Portugal, apoiado em abundante bibliografia]; VENTURA, Augusta Faria Gersão, A propósito de «cantigas das Almas», in Portucale, v. 9, n. 51-52 (Mai.-Ago. 1936), p. 81-85

ALMA DA RAÇA Designação do fundo comum e primigénio («a alma colectiva dos primitivos», segundo Gustave Le Bon) que explica e define o carácter e a identidade particulares de um povo (maneira própria de pensar, de sentir e de representar o mundo). Trata-se de uma determinante profunda (não confundir com o inconsciente colectivo de Jung), formada por traços hereditários, cuja persistência atávica é o garante da estabilidade de uma dada civilização. Através da Alma da Raça influi a natureza, o meio físico, a paisagem. Tradicionalmente, os heróis, guardiões da pátria, que têm por paradigma a própria Alma da Raça, são intercessores poderosos junto

Alma da Raça, de João Reis.

dos deuses e, frequentemente, seus filhos e mensageiros. Fernando Pessoa pronunciou-se a propósito da noção em apreço, fazendo jus à sua habitual lucidez: «[...]. Importa, antes de tudo, distinguir entre a «filosofia» pensamento individual e a «filosofia» sentimento poético. Tanto a filosofia do filósofo como a do poeta são questões de temperamento, mas, ao passo que o temperamento do filósofo é intelectual, o do poeta é emocional; ora, o que é intelectual é essencialmente individual, o que é emocional é essencialmente colectivo, e portanto, quando se dá num indivíduo, representativo de colectividade a que ele pertence. É portanto a filosofia do poeta e não a do filósofo que representa a alma da raça a que ele pertence. […]. Na obra de filosofia a forma nada vale, a ideia é tudo. Na obra de poesia a ideia e a forma estão ligadas numa dupla unidade, unidade imaginativa, isto é, unidade que vem da fusão da emoção e da ideia que em sua essência é o acto de imaginar. [...]. O acto de imaginar é que, pois, em linha directa descende da alma da raça. E como o mais alto grau de imaginar é o do poeta, é na poesia que vamos buscar a alma da raça, e na filosofia dessa poesia, aquilo a que se pode chamar a filosofia da raça» (A Nova Poesia Portuguesa, in A Águia, 1912). Quando *Rudolf Steiner edificava o 2º Goetheanum, querendo incorporar nele representações das almas de todos os povos europeus, solicitou aos antropósofos lusos que contribuíssem com o púlpito, circunstância que é susceptível de revelar qual a função idiossincrática que o fundador do Movimento Antroposófico atribuia a Portugal no 189

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ALMADA, JOSÉ LOPES BAPTISTA DE contexto das nações ocidentais. Numa das suas esculturas Barata Feyo personifica A Raça sob a aparência de guerreiro alado. BIBLIOGRAFIA STEINER, Rudolf, Âmes des Peuples: la mission des âmes de quelques peuples dans ses rapports avec la mythologie germano-nordique, Paris, 1973

ALMADA, JOSÉ LOPES BAPTISTA DE Natural de Chaves, autor de Prendas da adolescência ou Adolescência prendada com as Prendas, Artes e Curiosidades mais úteis, deliciosas e estimadas em todo o mundo (Lisboa, 1749 [BN: SA 363 A]), obra com referências a técnicas e truques do *ilusionismo. ALMAJONA O mesmo que *amazona. Na freguesia de Santiago da Cruz (Famalicão) crê-se que uma *alma penada pode manifestar-se sob a forma de almajona ou *armajona, mulheres muito altas e magras. Leite de Vasconcelos chama-lhe *almazona, descrevendo-a como uma mulher muito alta e gorda que deita o filho para traz das costas, assim o alimentando. ALMANAQUE Conjunto de tábuas matemáticas por vezes acompanhadas por predições de natureza política, atmosférica ou relacionadas com a agricultura, registando condições astronómicas e astrológicas futuras. Os almanaques têm certa afinidade com as efemérides, as quais apresentam tabelas com as posições dos planetas e pontos nodais, tábuas de estrelas com as respectivas coordenadas equatoriais, juntamente com dados astronómicos e tábuas de casas, bem como indicações sobre a conversão de calendários, etc. O primeiro almanaque redigido em português, muito embora traduzido do latim, intitula-se Almanaque perdurável para achar os lugares dos planetas nos signos (cerca de 1321). Gomes Eanes de Zurara refere-se aos almanaques na Crónica da Tomada de Ceuta (cap. 58). O primeiro, impresso, datado com segurança (Leiria, 1496), foi o Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto. Seguir-se-lhe-ia, em 1518, o *Reportório dos Tempos, traduzido de um ori190

ginal castelhano de André de Li e editado por Valentim Fernandes. No último quartel de quinhentos a censura inquisitorial passaria a sujeitar os almanaques a apertada vigilância. Ainda assim, o carácter astrológico dos almanaques acentuar-se-ia, chegando a ser impressos por oficinas famosas grande número de Prognósticos e Lunários. Na centúria seguinte, a difusão das folhinhas e dos prognósticos era de tal modo significativa que diversas personalidades (padre Diogo Tinoco da Silva, o livreiro Pedro Vilela e o filho deste) e a Congregação do Oratório chegaram a disputar os direitos da sua impressão. No ano de 1704, o supramencionado sacerdote havia de adquirir tal prerrogativa, a qual transitaria para os Oratorianos, em consequência do ingresso do padre Tinoco na Congregação. Em 1734, um almanaque editado por *Cosme Francês (pseudónimo do beneditino frei Vitorino José da Costa ou Vitorino de Sousa Gertrudes) introduz a sátira dos costumes sociais nos almanaques. Do acervo da biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa fazem parte 29 volumes (Almanaques da Academia) compilando almanaques e lunários editados entre 1782 e a primeira metade do século XIX. Doravante, assumiriam características diferenciadas (tornando-se amiúde temáticos e institucionais) consoante os destinatários. BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Luís de, O Almanaque português de Madrid, in Revista da Universidade de Coimbra, v. 20 (1961); idem, Almanaques, in Dicionário de História de Portugal, Lisboa, 1971; BENSAÚDE, Joaquim, L’Astronomie nautique au Portugal à l’époque des grandes découvertes, Berna, 1912; COSTA, A. Fontoura da, A Marinharia dos Descobrimentos, Lisboa, 1960; DACIANO, Bertino, Retalhos de investigação etnográfica: o Tempo e os Almanaques do povo, in Bol. da Bib. Pública Municipal de Matosinhos, n. 1 (Setembro de 1954), p. 5-14; GUERREIRO, Manuel Viegas / CORREIA, J. David Pinto, Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo, in Revista do Icalp, n. 6 (Ago.-Dez. 1986), p. 43-52; QUEIRÓS, Eça de, Almanaques (introdução ao 1º volume do Almanaque Enciclopédico), in Notas Contemporâneas, v. 2, Porto, s. d., p. 1629-1645; RADICH, Maria Carlos, Almanaque – Tempos e Saberes, Coimbra, s. d.; SOARES, Ernesto, Almanaques, prognósticos, Lunários e Sarrabais do século XVIII em Lisboa, Lisboa, 1946; TINHORÃO, José Ramos, Os almanaques de prognósticos em «língua de negro» no século XVIII, in Os negros em Portugal: uma presença silenciosa, Lisboa, 1988, p. 206-217

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ALMAS DO PURGATÓRIO ALMANAQUE DA BRUXA DA ARRUDA O Almanaque da Bruxa da Arruda: mágica, espiritismo, somnanbulismo, feiticeria [sic] e cartomancia era editado pela empresa Biblioteca da Mocidade (Lisboa, Tipografia de A. M. Antunes [BN: PP 13246 V]). Em 1891, tirava doze mil exemplares, custando 50 réis cada exemplar. Pelo destaque que o Jornal de Mafra (5 Jul. 1891) lhe faz se depreende a aceitação de que gozaria neste concelho. ALMANÇOR (1160?-1199) Abu Ya’ kub Yusuf II. Califa almóada que reinou em Espanha e no Magrebe entre 1184 e 1199. Participou na campanha contra Santarém, tendo aí assistido à morte do pai, em consequência dos graves ferimentos sofridos durante o cerco dessa cidade então na posse de *Afonso Henriques. Sob o seu califado, foi Silves tomada por Sancho I, auxiliado por cruzados (1189). A partir de 1190, havia de reconquistar quase todo o Al-Gharb a Sul do Tejo, expugnando e destruindo Torres Novas, sitiando o castelo de Tomar (mas não logrando con-

quistá-lo apesar da desproporção evidente do contingente templário), ocupando Alcácer do Sal e, novamente, Silves (1191). Em 1195, derrotaria, em Alarcos, os exércitos de Afonso VIII de Castela, após o que, a pedido dos cordoveses, adoptaria o título de Al-Mansur, O Vitorioso. ALMAS Invocação do Senhor Jesus, crucificado, pairando sobre as *almas do Purgatório, as quais debatendo-se nas labaredas, são abençoadas pelo seu sangue (Ernesto Soares, n. 03771, 03774 a 03776, 03780, 03971). Também invocação mariana, regra geral incutindo esperança às almas do Purgatório. Em registos referenciados por Ernesto Soares, a Virgem recebe num cálice o sangue para salvação das almas que penam. O enfâse que o catolicismo punha na preparação para a *morte, ver-se-ia reforçado por um decreto tridentino (1563), preconizando a instrução acerca da verdadeira doutrina sobre o *Purgatório. Nessa missão a Igreja havia de ser coadjuvada pelas confrarias das Almas a quem competiu promover entre os fiéis, que maioritariamente se encontravam ao nível da cultura oral, a doutrinação sobre a mutualidade de benefícios entre mortos e vivos. A insistência do toque dos sinos passaria, doravante, a desempenhar papel relevante na convocação dos vivos para o *sufrágio dos mortos e destes para a convivência com os vivos. *Boa-morte. ALMAS DO CORPO SANTO Invocação de uma confraria instituída, em 1394, na ermida de *São Pedro Gonçalves Telmo, actual igreja paroquial de Massarelos, no Porto. A confraria, que era proprietária de diversas embarcações, visava auxiliar os navios, proteger as viúvas e os órfãos, bem como enterrar os seus defuntos. BIBLIOGRAFIA SOUSA, Francisco de Almeida e, As antigas confrarias do Porto. 1 – a confraria das Almas do Corpo Santo, in O Tripeiro, n. 3 (1992), p. 66-71

Estampa romântica alusiva às conquistas amorosas de Almançor.

ALMAS DO PURGATÓRIO O *Purgatório foi definido e proclamado como dogma por vários concílios (II de Lião, em 191

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ALMAS DO PURGATÓRIO 1274, Florença, em 1439 e Trento, em 1563), sendo, no entanto, crença adversada por São Tomás de Aquino. Em Portugal, como, de resto, no ocidente cristão, o pio costume da oração, esmola e celebrações litúrgicas pelos defuntos estava arreigado desde antes da primeira definição dogmática no século XIII, como se comprova pelas disposições dos regimentos das confrarias, bem como pelas doações testamentárias. Descrito em dois monumentos literários medievais, A Visão de Túndalo (séc. XII) e A Divina Comédia (séc. XIV), surge nas artes plásticas como pormenor em composições do *Juízo Final, adquirindo alguma notoriedade em resultado de duas devoções: A. a da protecção prometida por Nossa Senhora às almas daqueles que pertencessem à Confraria do Santo Escapulário do Carmo (seriam libertadas no primeiro Sábado após o dia da sua morte = *privilégio sabatino, confirmado por João XXII); B. a crença na aparição de Cristo a São Gregório Magno quando este celebrava missa, revelando-lhe que as almas do Purgatório seriam libertadas pelas orações dos vivos (*Missa de S. Gregório). Todavia, a difusão e o incremento do culto das Almas do Purgatório por toda a cristandade só ocorreu verdadeiramente após o Concílio de Trento (1545-1563), cujos ditames, ordenando aos bispos procurar «com diligência que a doutrina do Purgatório seja criada, mantida e pregada em toda a parte», incentivaram a prática devocional ligada aos sufrágios pelos mortos (exéquias, missas de finados, celebração do dia de Fiéis Defuntos, erecção de confrarias ou irmandades das Almas, etc.) e à intercessão das almas do Purgatório, com a decorrente encomenda de numerosas obras de arte alusivas (retábulos, bandeiras de procissão, caixas de esmola, arcas, etc.). Crê-se que o libertador destas almas há-de ser São Miguel que, contra a vontade do *diabo, as redime no Purgatório, auxiliado pela graça de Deus e pela intercessão da Virgem, de Cristo ou de Santo António. Uma vez chegadas ao céu e gratas àqueles que por elas rezaram, pedem aos Santos para intercederem junto de Deus pela salvação dos fiéis. Actuam, portanto, co192

Painel das Almas da matriz de Cuba.

mo medianeiras entre a vida terrena e a extraterrena. A hierarquia eclesiástica tem tentado dissolver esta devoção no culto mariano, circunstância evidenciada pelo afã de renovação dos retábulos das Almas que frequentemente são substituídos por iconografia predominantemente mariana. Pero Rodrigues, carpinteiro morador em Lisboa, testemunhou no Santo Ofício, em 8 de Janeiro de 1541, que ouvira ao clérigo de missa Domingos Ferreira, de Sintra, «dizer na prática que o Papa não tinha poder nas almas do Purgatório, senão sobre a terra « (cf. Sousa Viterbo, Notícia de alguns pintores, s. 3, Coimbra, 1911, p. 162). Para aliviar as almas do Purgatório oferta-se-lhes o *pão das almas, o primeiro pão que sai do forno, para que os entes queridos que penam nas chamas sintam o alívio derivado de outras chamas, essas sagradas e purificadoras do lume santo, onde os vivos preparam o seu alimento. Em Aldeia Nova (Miranda do Douro, Bragança), próximo da capela de São João, há um *podomorfo designado por Pégada de Nossa Senhora. O abade de Baçal (Memórias, v. 9, p. 611) refere que a lenda

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Oração às almas do Purgatório (Ladainha cantada durante o percurso entre as localidades do Coentral e dos Lugarinhos, Castanheira de Pera)

As almas do Purgatório Nos mandaram aqui vir Que nos dessem vós as esmolas Para do fogo sair Já o sacrário está aberto Já o Senhor lá está dentro Já podemos adorar O Divino Sacramento O Divino Sacramento É um bem que nos lembremos Nós havemos de morrer Sabe Deus para onde iremos Iremos para a Glória Para o Purgatório penar Ó meu Deus, ó meu Senhor Tanto me pesa o pesar E não estar preparado Para o acompanhar Onde ele vai tão bonitinho Tão perfeito como ele vai Onde ele vai tão douradinho Ouro tão bem empregado Onde andou o Bom Jesus Nove meses consagrado Ajoelhemos por terra Já não somos os primeiros Deixem passar Jesus Cristo Jesus Cristo verdadeiro À porta das Almas Santas Bate Deus a toda a hora Dizem as Almas Benditas Ó meu Deus, que quereis agora? Quero que deixeis o mundo Nós iremos para a Glória Ó meu Deus, ó meu Senhor Ah quem nela se lá vira Na companhia dos Anjos Junto da Virgem Maria Bendita e louvada seja A Santíssima Trindade Quem por nós veio ao mundo Virgem Mãe da Piedade Virgem Mãe da Piedade A devoção nos obriga Rezemos às Almas Santas Rezemos com alegria Jesus Cristo verdadeiro

Vai na nossa companhia Acompanhado de dores De contínuo padecendo Assim são as Almas Santas No Purgatório ardendo Pecador não adormeças No tropeço do pecado Que podes amanhecer No Inferno sepultado Quando isto Me ganho paixão e ternura Somente em considerar Breve irei para a sepultura Já os vossos parentes Estão na eternidade Chamados por nós viventes Tenham de nós piedade Tenham de nós piedade Tenham de nós compaixão Nós estamos no Purgatório Estamos na escuridão Vinde mulheres e meninos Dess povo auditório Dar esmolas se puderes Às Almas do Purgatório As Almas do Purgatório Não vos pedem as fazendas Pedem só as migalhinhas Que crescem das vossas mesas Esses bens que possuídes Já na terra foram nossos Agora já nos vale Senão os vossos Padre Nossos Já não nos vale o dinheiro Nem pérolas das mais formosas Valem só as esmolinhas Das pessoas piedosas As pessoas piedosas que pela Glória esperais Alcançais uma grande graça Quando dela vos lembrais Se ouvires tocar à missa Deixa tudo e vai a ela Nossa Senhora a ouvi-las Jesus Cristo ao pé delas Quando dizem «Santos, Santos» Desce Deus do Céu à terra

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Ó almas, pedi a Deus Também à Virgem Maria Que nos aceite estas passadas Quer de noite ou quer de dia Pra remédio das Almas Santas Em vosso louvor seria Em vosso louvor seria Também da Virgem Maria Pelas Almas Padre-Nosso Por elas Avé Maria Aqui estou à vossa porta A cantar a oração Ou nos venham dar uma esmola

relativa à inscultura sofreu uma mutação, preferindo alguns dos habitantes do lugar atribuí-la a um castelhano invasor que se viu obrigado a desistir do saque da aldeia em consequência de um voto feito pelos moradores às Almas do Purgatório, durante as guerras de 1710. *Alminha, *caminho das almas, *cordão de S. Francisco, *encomendação das almas, *grito das almas, *herança das almas.

Painel das Almas da igreja de Santo Antão, em Évora.

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Ou de Deus venha o perdão Essa esmola que nos dais Não penseis que a comemos É para a missa, é para as Almas É devoção que nós temos Essa esmola que vós dais Com que devoção a dais? Já lá tendes vossos filhos, Vossas mães e vossos pais Essa esmola que vós dais Se a dais com devoção Na terra tereis o prémio Na Glória a salvação. BIBLIOGRAFIA BEIRANTE, Maria Ângela G. V. da Rocha, As «heranças das almas» na diocese de Évora nos inícios do século XVI, in Actas do Congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora, Évora, 1994, p. 105-117; CARVALHO, A.L. de, Da minha terra: Almas do outro mundo, in Portucale, v. 7 (1934), p. 31-35; CHAVES, Luís, Na Quaresma: os cantos populares na colaboração litúrgica, in Revista Portugal série A – Língua Portuguesa, v. 5 (1937-39), p. 329-337; idem, Nos domínios da etnografia e do folclore, in Revista Ocidente, v. 7 (1939), p. 439-445; 47 (1954), p. 230-236 [Refeições fúnebres: obradas, obradórios, padas, tenos, etc.]; CORREIA, Torcato Augusto, Edículas de Vilarelho, in Caminiana, n. 5 (1981), p. 173-178; CORTES-RODRIGUES, Armando, Cantar às Almas, in Revista dos Açores, v. 3 (1942), p. 17-35 [Ref. aos Açores]; DIAS, Jorge / DIAS, Margot, A recomenda das almas como elemento cultural da área luso-brasileira, in Douro Litoral, s. 7, v. 3-4 (1956), p. 265-272; GONÇALVES, Flávio, Os Painéis do Purgatório e as origens das «Alminhas» populares, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Matosinhos (Jun. 1959), p. 71-107; idem, Reflexos iconográficos de uma devoção portuense, in O Tripeiro, s. 6, a. 3, n. 7 (Jul. 1963), p. 197-201; LOUBET, Emílio, Às almas, in Douro Litoral, s. 2, v. 5 (1946), p. 66-67 [Menção do costume da encomendação das almas, em Vila Real]; MACHADO, Casimiro de Morais, Subsídios para a história do Mogadouro – o culto das Almas – Usos e crença, in Douro Litoral, s. 7, v. 5-6 (1956), p. 501-522; NUNES, M. Dias, O Canto das Almas, in Tradição, v. 3 (1901), p. 26-27 [culto das almas, nos concelhos de Alcoutim, Serpa, etc.]; OLIVEIRA, Maria Gabriela Gomes, Uma irmandade «volante» do século XVIII: o folheto «Lágrimas das Almas», in Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas –, s. 2, v. 18 (Porto, 1992), p. 349-354; OLIVEIRA, Maria Gabriela Gomes, Devoção às almas do Purgatório e dinamização da vida espiritual dos fiéis, in Eborensia, a. 8, n. 15-16 (Évora, 1995), p. 111-130; P.L., Superstições: o banho da alma, in Tradição, v. 1 (1899), p. 15; PIEDOSOS E FIEIS CHRISTÃOS, Petição que fazem as Almas do Purgatório aos Fieis, pedindo-lhes o socorro dos suffragios, [s. l., s. d.] [BPNMafra: Bib Volante: 2-25-8-22 (26º)]; ROA, Padre Martim de, Estado das almas do Purgatório, e do modo com que podem e devem ser ajudadas a sahir de suas penas […], Lisboa, 1701 (trad. Guilherme de Aguiar Azevedo [BN: R 10021 P]); SIMÕES JÚNIOR, Manuel Rodrigues, A encomendação das

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ALMEIDA, JOÃO FERREIRA A. DE Almas em Arouca, in Actas do 1º Congresso de etnografia e Folclore, v. 3, Lisboa, 1963, p. 267-270; VASCONCELOS, J. Leite de, Fontes, in Boletim de Etnografia, v. 3 (1924), p. 2930 [Ref. a uma fonte da Figueira da Foz e menção de outras, em Loures, onde as almas do Purgatório são quase consideradas divindades tutelares]; VILARES, João, Encomendar as almas, in Mensário das Casas do Povo, v. 4 , n. 44 (1950), p. 20-21 [a encomendação das almas na região bragançana].

ALMAZONA O mesmo que *amazona, *almajona ou *armajona, em Gondifelos (Famalicão). ALMEIDA, ANA DE Em Tavira, no ano de 1684, dizia-se que esta *feiticeira era capaz de fazer aparecer «as coisas perdidas» [Arquivo Episcopal de Faro: liv. III, devassa de Tavira, t. 160]. ALMEIDA, ANDRÉ DE Saíu penitenciado no *auto-da-fé da Inquisição de Coimbra, de 18 de Junho de 1656, por presunção de pacto com o demónio e culpas de feitiçaria (cf. Adolfo Coelho, Crenças e costumes populares).

pretençiones y de esto rescebian dineros, perniles y muchas botas de vino y otros regalos [...]» [ArqHistNacionalMadrid: Inq. Toledo, Causa contra Juan Ramirez por astrologo judiciario (1604-1622)]. ALMEIDA, JOÃO FERREIRA A. DE (1628-1691) Uns, ora o dizem jesuíta, ora presbítero secular, outros chamam-lhe *apóstata, acrescentando que partiu para a Holanda onde se fez adepto de Calvino. Seja como for, a ele se deve a primeira tradução portuguesa do Novo Testamento, segundo o texto grego, tal como a do Antigo Testamento, a partir do original hebraico, até aos últimos capítulos de Zequiel, tarefa posteriormente concluída por Jacob Op Den Akker, devido à morte de Almeida. OBRA Differença d’ a Christandade em que claramente se manifesta. I. A grande Disconformidade entre a Verdadeira e Antiga Doctrina de Deus, e a falsa e nova d’ os homes. II. A notoria

ALMEIDA, AVELINO DE (1873-1932) Chefe de Redacção de O Século, apontado como um dos mais notáveis jornalistas do seu tempo. Repórter que presenciou o denominado *Milagre do Sol, ocorrido na Cova da Iria (*Fátima), em 13 de Outubro de 1917. A sua visão ateia, anticlerical e positivista confere ainda maior verosimilhança ao relato do evento que foi o primeiro a dar a conhecer a Portugal e ao mundo. ALMEIDA, DAMIÃO DE *Alforria. ALMEIDA, FREI DOMINGOS DE Trinitário português, delator ao Santo Ofício de Toledo, em Outubro de 1604, de Juan de Naxara, astrólogo «que levantaba figuras veniendo a su casa mucha gente de noche y por la siesta, y a su casa venía muy de contíno un clérigo que diçe ser doctor i se llama Juan Ramirez el qual levantaba figuras y dezia lo que habia de sucçeder a cada una persona en sus

Frontispício do Novo Testamento (Amesterdão, 1681).

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ALMEIDA, JOSÉ ANTÓNIO ALVES DE contrariedade entre a Sacro S. Cea de Christo Senhor nosso, e a Profana Missa do Antichristo. III. Quem seja o Antichristo, e porque Marcos se possa conhecer, Batávia, 1668; Nova Batávia, 1684; Trangambar, 1726; Novo Testamento, Amesterdão, 1681 Ed. cheia de erros tipográficos; Batávia, 1693 Ainda pior do que a precedente no que respeita às gralhas; Amesterdão, 1712; Trangambar, 1760; Batávia, 1773 Considerada a melhor das impressas durante o sec. XVIII; etc.; O Livro dos Salmos de David, Trangambar, 1740 [BN: Res. 811 P]; Antigo Testamento, Batávia, 1748 (1º vol.) – 1753 (2º vol.) [BN: Bibl. 1159-60 P]. BIBLIOGRAFIA SANTOS, António Ribeiro dos, Memória sobre algumas traduções e edições bíblicas menos vulgares em língua portugueza, especialmente sobre as obras de João Ferreira de Almeida, in Memórias da Literatura Portugueza, t. 7 (1806), p. 17-59

ALMEIDA, JOSÉ ANTÓNIO ALVES DE Sacerdote sepultado no cemitério de Lamego. Diz-se que o corpo se acha incorrupto. * ALMEIDA, DOM LOPO DE (1524-1584) Filho do contador-mor D. António de Almeida, parente do primeiro vice-rei da Índia, e de D. Maria Pais. Entre 1539 e 1541 estabeleceu-se em Coimbra, para iniciar os seus estudos, tendo cursado Gramática e permanecido na lusa Atenas durante três ou quatro anos. No ano de 1544 partiu para Bordéus, cujo Colégio da Guiena frequentou durante aproximadamente ano e meio, na qualidade de colegial de João da Costa. Aí continuou o estudo das humanidades, tendo escutado as lições de Mestre Guilherme de Guérente, passando, depois, a frequentar as aulas de Retórica proferidas por Diogo de Teive e João da Costa. A intimidade com os filhos de Gastão de Foix, príncipe de Candale, bem como as relações que entabulou com outros adeptos dos ideais da Reforma, durante a estadia em Bordéus, começaram a despertar a sua curiosidade por tais doutrinas heréticas. A permanência em Paris, onde durante dois anos estudou grego, havia de afervorá-lo cada vez mais na adesão ao protestantismo (a justificação pela fé, donde a negação da infalibilidade papal, da existência do *Purgatório, do valor da *confissão auricular, ou do jejum, etc.). Na «cidade Luz» interessou-se pela Filosofia Hermética. Detinha livros sobre essa matéria ilícita, chegando a mandar copiar parte de uma obra que lhe haviam emprestado. Porém, 196

Assinatura de D. Lopo de Almeida no processo inquisitorial.

não se limitou a lê-los, tendo, de facto, praticado muitos dos ensinamentos que expunham. Adepto da *quiromancia, a muita gente fez previsões a partir da observação das linhas das mãos. Praticante da *astrologia, a ela recorreu para profetizar o mais risonho destino a uma sobrinha, ou para adivinhar a ida a Paris de determinadas pessoas. Em outra ocasião recorreu a um mestre astrólogo para confirmar a nova do falecimento de um dos irmãos. As qualidades ocultas de talismãs e anéis, assim como a *geomancia (traçado de figuras por meio de pontos), também lhe eram familiares. Após o seu regresso a Portugal, permanecera fiel à *magia, tendo feito uso público dela quando lhe furtaram um cruzado de sobre uma mesa. Contudo, não foram essas práticas comprometedoras (aliás, omissas na sentença final) que o conduziram ao cárcere do Santo Ofício, em 1550, antes a insistência, mesmo depois de estabelecido em Portugal, em algumas ideias incontestavelmente protestantes, dando mostras de desprezo pelos preceitos da Igreja. As principais fontes para o conhecimento das diligências movidas pela Inquisição contra D. Lopo de Almeida são os depoimentos de Pedro Luz Monteiro (4 de Setembro de 1550) e de Jerónimo Monteiro (18 de Setembro de 1550) e, sobretudo, o processo inquisitorial que lhe respeita [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 2183]. Falecido em Madrid, a 29 de Janeiro de 1584, D. Lopo acabaria por legar todos os seus bens à Misericórdia do Porto, «com a obrigação anual de vestir cinco pobres, de vestidos completos e de se lhes dar de jantar no dia do aniversário do seu falecimento, e em honra e memória das cinco chagas de Jesus Cristo». Como forma de demonstrar reconhecimento ao seu benemérito, a Irmandade da Misericórdia fez transladar de Madrid as ossa-

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Confissões de D. Lopo de Almeida acerca do seu interesse pelas práticas Herméticas «Confesso disto ter tido livros em Paris. Aqui não, porque os não trouxe, nem quis estudar mais nisso! […]. Confesso mais ter tomado a mão a muitas pessoas para lha ver e dizer alguma coisa. E disto direi claramente a Vossas Senhorias. E a Vossas Mercês o que disse me ensinaram. Confesso mais ter dito que segundo os planetas estavam dispostos no céu quando uma criança nascia assim acontecer às vezes que eles saíssem formosos ou feios. E com as boas ou más fortunas isto não ia por sua virtude deles próprios porque eles não são mais que criaturas, senão pela virtude que Deus neles quisera pôr como noutras coisas. […] mais disse que havia aí anéis que se faziam com certos caracteres de planetas que eram bons para algumas coisas, mas tais anéis nunca tive. Digo minha culpa que cria isto assim ligeiramente que poderia ser não que o tivesse por evangelhos porque nunca disso fiz nem vi experiência. Confesso mais que aqui [em Portugal] tendo-me desaparecido um cruzado de sobre uma mesa me veio dizer um francês meu [conhecido] que aqui estava outro que com um livro e uma chave com certas cerimónias sabia logo quem era o que furtara qualquer coisa. Mandei-o chamar e fê-lo perante mim. E depois de o ele fazer mo ensinou logo e o fiz eu mesmo aí perante todos». (declaração autógrafa entregue na audiência de 13 de Setembro de 1550) «[…] creu que se podiam por a mão conhecer coisas futuras e acontecimentos que haviam de vir aos homens e porém que isto que o não juraria aos evangelhos. […] creu que fazendo uma pergunta a um astrólogo e ele tomando a figura do céu e lugares dos planetas que se podia adivinhar o que viria a resposta da pergunta e que ele mesmo usou disto e a pergunta foi se viriam umas pessoas a Paris e daí a quanto viriam e que feita a figura disse que viria e seria daí a três meses e que para acerto sucedeu assim. […] creu que se faziam sigilos e anéis com certos caracteres e em certas constelações dos planetas que aproveitavam para certas coisas». (interrogatório de 18 de Setembro de 1550) «[…] tinha para si e cria que depois que acontecia uma coisa como era aquele moço fidalgo que morreu na água o dia dos torneios e cair um corisco e assim a sua prisão dizer que isto que não podia deixar de ser pois aconteceu, a razão era porque Deus que sabe tudo, sabia que estas coisas haviam de vir e pois o ele sabia a sua ciência não pode enganar e assim não podia deixar de ser. Confesso que cria que havia aí poder de adivinhar parte das fortunas pelo nascimento. E eu mesmo me aconteceu dizer quando minha cunhada pariu que sua filha havia de ser muito formosa e muito rica e de boas condições, porque a estrela a que se chama Júpiter estava então no meio do céu. E me parecia que não era isto pecado, pois o santo padre antes deste [Paulo III], como todos dizem, tinha astrólogos pelos quais se regia». (interrogatório de 22 de Setembro de 1550) «[…] era lembrado que a ele lhe emprestaram um livro em Paris que tratava do sigilo e imagens dos planetas, as quais feitas em certos tempos diziam que prestavam para algumas coisas e ele cuidando que podia isto ser, não já que o cresse porque não tinha nenhuma experiência, fez tresladar parte do livro mas nunca disso usou nem experimentou. Nem tão pouco trouxe consigo o que mandou tresladar. Nem o guardou. Nem o mandou guardar. […] era lembrado que em Paris um homem estudante lhe ensinou uma coisa que ele dizia que era ciência dos pontos e lhe ensinou a fazer uns pontos dos quais se seguiam umas figuras pelas quais figuras assim como elas saiam dizia que se podia julgar e responder se viria bem ou mal de uma coisa e dava razão para isto (quia omne quod movetur, movetur a prima causa), o qual ele Dom Lopo aprendeu dele e fez os pontos e que cuidou que isto podia ser mas que achou mentira a experiência que disso tomou». (interrogatório de 7 de Outubro de 1550)

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Retrato de D. Lopo de Almeida: óleo sobre tela setecentista, concebido com base num modelo da centúria anterior.

das de D. Lopo de Almeida, dando-lhes sepultura na capela-mor da sua igreja. BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, Mário, O Processo na Inquisição de Mestre Diogo de Teive, Coimbra, 1943, p. 31; idem, O processo na Inquisição de Mestre João da Costa, Coimbra, 1944, p. 335341; idem, A Inquisição e os professores do Colégio das Artes, v. 1, Coimbra, 1948, p. 392-441; idem, Dom Lopo de Almeida e a Universidade, Coimbra, 1990; LAPA, M. Rodrigues, Lopo d’Almeida. Cartas de Itália, Lisboa, 1935; MATOS, Fernando de, D. Lopo de Almeida e o Hospital Geral de Santo António, s. l. [Porto], 1968; SIMÕES, Manuel, O panegírico de Portugal nas «cartas de Italia» de Lopo d’Almeida, in Studi di iberistica in memoria di Albert Boscolo, Roma, 1989, p. 211-218

ALMEIDA, FREI ROQUE DE (? -1571) Capucho franciscano e cunhado de João de Barros. É citado no processo inquisitorial de Damião de Góis por ter obtido deste carta de apresentação para Melanchton. Clenardo conheceu-o em Paris onde o teve por discípulo, em 1531, celebrando-o como hebraísta nas Epistolae (II, p. 29) e no manifesto À Cristandade: «Além de outros conhecidos meus de Paris, era-me especialmente dedicado um português, Roque de Almeida, frade franciscano. Com o meu ensino deixou-se de tal modo 198

cativar pelo amor do hebreu, que só por esse motivo apresentou consigo em Lovaina passados poucos dias. E como o nosso aprendiz de hebreu frequentasse quase diariamente o Colégio onde eu ensinava, sucedia muitas vezes conversar familiarmente comigo sobre outros assuntos, ora contando-me usos e costumes da Biscaia, ora pondo nos cornos da lua as cadeiras da Universidade de Salamanca, pois por amor do estudo tinha o meu homem palmilhado muita terra». Damião de Góis corrobora o humanista, chamando-lhe «homem muito douto nas três línguas», adiantando que Roque de Almeida lhe confidenciara estar decidido a ir estudar durante dois ou três anos na Universidade de Vitemberga, com o objectivo de ouvir as lições de Lutero e Melanchton. Pouco tempo depois de ter chegado a Vitemberga trocou o hábito franciscano pelas roupas de padre secular e o nome de religião pelo de Jerónimo de Pavia, com o qual, posteriormente, se apresentaria em Itália. Em 1536 estava em Pádua, tendo passado depois a Veneza, «onde em lugar de se fazer pregador, se fez *alquimista. E depois se meteu outra vez na Ordem» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. Damião de Góis, v. 2, p. 50, 79 e 121]. Conheceu Melanchton e Lutero de quem trouxe cartas a Góis. João de Barros chegou a exprimir a afeição que lhe consagrava: «Eu tenho tanto amor a frei Roque, por quão bom religioso é [...]» (Carta para D. João III, de 26 Jan. 1541). Sabe-se pelo Padre Simão Rodrigues da Companhia que, em 1545, vivia no convento de Xabregas, no qual se julga tenha falecido em data incerta, anterior a Abril de 1571. O promotor do Santo Ofício requereu a instauração de procedimento contra a sua memória, porém o Conselho Geral indeferirlhe-ia o pedido, por acordão de 31 de Março de 1571. BIBLIOGRAFIA BATAILLON, Marcel, Études sur le Portugal au temps de l’Humanisme, Coimbra, 1950; CEREJEIRA, Gonçalves, O Renascimento em Portugal: II – Clenardo – o Humanismo a Reforma, Coimbra, 1975, p. 177; HENRIQUES, Guilherme, Inéditos Goesianos: o processo na Inquisição, v. 2, p. 72; PEREIRA, Isaías da Rosa, O processo de Damião de Góis na Inquisição de Lisboa, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 23, n. 1 (1975), p. 147.

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ALMENDRES ALMEIDA, VIGILDO PIRES DE Cerca do ano de 1079, fora viver solitariamente para as imediações de *Castro Verde, próximo do local onde se daria, em 1139, o prélio de *Ourique. Foi Diogo Pires Cinza (Vida, martyrio e ultima trasladação do martyr S. Vicente, 1620, cap. 9) o primeiro a identificálo como o ermitão intermediário na *Cristofânia de Ourique, no que foi seguido por Pais Viegas (Principios do Reyno de Portugal, liv. 4, p. 136) e Jorge Cardoso. Dom António Caetano de Sousa (Agiológio Lusitano, p. 211-212) duvida da identificação, tendo-a por inverosímil. Seja como for, terá sido por intercessão de um ermitão, conforme a letra do *Juramento de Ourique, que *Dom Afonso Henriques terá logrado a visão do próprio Cristo, decisiva para o favorável desfecho da batalha. Vencida esta, o ermitão regressou à sua terra natal, tendo sobrevivido em cheiro de santidade até o dia 17 de Julho de 1143. Consta por tradição que a Irmandade de Nossa Senhora de Rodes foi fundada na ermida homónima, sita no alto da serra das Cabeçadas (Reriz, Castro Daire), pelo mesmo Vigildo Pires de Almeida, por muitos chamado Magaio (João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 198). A actual bandeira, entretanto desaparecida, substituiu a primitiva, que costumava acompanhar à sepultura os irmãos defuntos. A antiga, localmente atribuída a Grão Vasco, foi descrita por Pinho Leal. Mostrava numa face a imagem da Senhora e na outra a batalha de Ourique, «entre dois rios, figurando o Cobres e o Terges. De uma parte estão os cristãos e da outra os cinco reis mouros. No centro Jesus Cristo crucificado e aos pés da cruz Dom Afonso Henriques, de joelhos. [...] Junto ao rei, vê-se o escudo das cinco quinas e a um lado o ermitão, falando a D. Afonso Henriques, da tenda, entre sombras». Ainda segundo a mesma descrição, da boca de Cristo saía uma legenda (passagem do texto do juramento). O templo actual é uma reconstrução setecentista (1740), segundo frei Agostinho de Santa Maria, o santuário mariano mais concorrido do arciprestado de Mões.

BIBLIOGRAFIA AGOSTINHO DE SANTA MARIA, Frei, Santuário Mariano, v. 5, Lisboa, 1716, p. 153-161; GANDRA, Manuel J., A Cristofânia de Ourique: mito e profecia, Lisboa, 2002; idem, Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino, Sebastianismo e Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003; SOUSA, António Caetano de, Agiológio Lusitano, 27 de Julho, t. 4, p. 208; LEAL, Pinho, Portugal antigo e moderno, v. 8, Lisboa, 1878, p. 149-151

ALMEIRÃO Cichorium intybus, L. Também *chicória-brava e *chicória-do-café. Logo após a colheita, deve ser muito bem limpa, lavada e cortada às fatias, pondo-se rapidamente a secar a 50o C. Diurética, laxativa, estimulante, depurativa. No uso interno, a decocção (2 colheres de café por chávena) é muito utilizada para dissolver cálculos biliares e renais. Aumenta a secreção biliar e do suco gástrico, estimulando o apetite. O seu teor em insulina contribui para o tratamento da diabetes. É tomada no intervalo das refeições, duas a três vezes por dia. ALMENDRES Cromeleque sito no aro do Monte dos Almendres, numa encosta voltada a nascente (coincidindo com o extremo oriental da serra de Monfurado e abrindo sobre o vale da ribeira de Valverde), no sítio de Nossa Senhora da Boa Fé (Guadalupe, Évora [38º 56’ Norte]). O maior conjunto de menires estruturados da Península Ibérica, identificado por Henrique Leonor Pina, em Março de 1964, e, ulteriormente, classificado como Imóvel de Interesse Público (decreto n. 735/74, de 21 de Dezembro), dista cerca de 12 km para oeste da cidade capital do Alto Alentejo. Este recinto megalítico é, de todos os cromeleques (e menires!) alentejanos, aquele que se encontra implantado na cota mais elevada (412 a 405 m), dominando a planície que se estende a Leste, até ao Guadiana, a curta distância (cerca de 1 km, tal como os menires do Outeiro e da Bulhoa) de uma mancha granítica que constitui um corredor geomorfológico, em cujas bordas foram implantados os cromeleques do *Xarez, de Cuncos e do Carrascal, bem como os menires da Meada, do Mau-Cabrão e da Fonte Boa do Degebe. A distância mais curta entre os Almendres e a ribeira 199

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Panorâmica aérea do cromeleque dos Almendres (foto de João Cruz Alves).

do Degebe corresponde a um alinhamento não aleatório (em que se inclui: a Pedra da Muda, com covinhas, a cidade de Évora – templo romano-Sé –, o cromeleque dos Perdigões, os menires da Chaminé e a Anta Grande do Zambujeiro) que termina no témeno [?] do Xarez, o qual ocupava (antes da sua remoção em consequência da albufeira do Alqueva) a cota mais baixa de todos os monólitos e recintos da região, sendo desconhecida a existência a Leste dele (margem esquerda do Guadiana) de quaisquer menires ou cromeleques (exceptuando-se um conjunto megalítico ainda não definitivamente explicado nas cercanias de Fregenal de la Sierra). A orientação de tal alinhamento (sensivelmente 15º Sul) é coincidente com a orientação dominante das antas da região, mas igualmente com a direcção das manchas geomorfologicamente estruturais do Alentejo interior: Serra de Ossa, Serra de Portel e Maciço de Évora. O cromeleque dos Almendres possui planta ovalada, sendo constituído por dois recintos er200

guidos em épocas distintas, tangentes e formados por um total de 93 monólitos de granito, de dimensão variável, diferentes texturas e proveniências e forma geralmente ovóide, circunstância que, certamente, estará na origem dos microtopónimos Pedras Talhas ou Alto das Talhas que assinalam popularmente o local. Na sua forma primitiva, o recinto menor, formado por dois círculos concêntricos de 29 menires (orientado para o nascimento das Plêiades, segundo especula Paulo Pereira), remontará ao Neolítico Antigo (VI e V milénio a. C.), presumindo-se que, durante o Neolítico Médio e Final (finais do IV / inícios do III milénio a. C.), lhe tenha sido adossado, a poente, um recinto maior, formado por 66 menires dispostos em duas elipses concêntricas e irregulares. Ulteriormente, ambas as estruturas terão sofrido algumas alterações, consistindo a mais significativa na transformação do recinto mais remoto em uma espécie de átrio, o qual orientaria o acesso ao maior, situado numa cota superior. O eixo

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O cromeleque dos Almendres foi concebido e implantado de acordo com determinados eventos celestes e em função da interacção destes com elementos topológicos específicos (alinhamentos e pontos de mira). Esquema das relações entre monumentos, festos e orientações lunares e solares (consoante o modelo proposto por Pedro Alvim, 2004).

de simetria do cromeleque, tal como se observa na actualidade, confunde-se com o eixo maior da elipse, medindo 43,60 m, por 32 m, segundo o eixo menor. A parte superior do recinto, sobre a linha de cumeada (onde o céu e a terra se unem), é enfatizada pela circunstância de os monólitos diminuírem de envergadura à medida que o terreno desce para nascente. Trata-se do maior e mais interessante recinto megalítico do género conhecido na Península Ibérica, indubitavelmente, estruturado de acordo com eventos celestes e com a paisagem. A sua orientação segundo direcções equinociais testemunha a finalidade dos respectivos edificadores de determinarem com exactidão o trânsito equinocial do Sol, cujo sistema de cálculo estará, porventura, implícito na estruturação do recinto: após o trânsito equinocial do Sol decorrem

91 dias até ao solstício e, novamente, 91 dias até novo equinócio. Fazendo corresponder um monólito a cada dia, o monumento seria percorrido duas vezes entre duas passagens equinociais, perfazendo um total de 182 dias. Nos anos bissextos ocorreriam dois períodos de 183 dias, circunstância que requeria alguns monólitos adicionais (mais de 120 para os actuais 93). Tais fenómenos eram calculados com recurso a: A. alinhamentos de menires usados como marcadores, situados tanto no interior como no exterior do recinto; B. grandes monólitos isolados, mais ou menos distanciados, porém visíveis (menires de Vale de Cardos 2 e do Monte dos Almendres); C. pontos de referência naturais situados a grande distância (Serra de Ossa); D. monólitos de faces aplanadas, direccionados para um ponto de mira. Nos Almendres, diver201

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Evolução conjectural do cromeleque dos Almendres.

Direcções astronómicas do cromeleque dos Almendres, segundo Alvim (1997).

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Nos Almendres, diversos menires ostentam insculturas, algumas evidenciando cariz astral ou função astrolátrica.

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ALMENDRES sos menires ostentam insculturas, algumas evidenciando um óbvio cariz astral. As superfícies aplanadas, que lhes servem de suporte, foramno após a erecção dos monólitos, uma vez que, além de parte dos fragmentos cortados subsistirem junto de alguns deles, apresentam textura e pátina diferente das restantes superfícies (adopto a numeração dos monólitos usada em Alvim, 1997, p. 16): Menir n. 1: estela-menir: superfície aplanada, com face antropomórfica, associada a motivo lunular, dirigido para Sudeste; Menir n. 5: Covinhas, porventura destinadas a marcar com precisão o azimute da passagem equinocial (por extensões de 100 metros); Menir n. 48: representação antropomórfica esquemática; Menir n. 56: estela-menir: superfície aplanada, com face antropomórfica, associada a motivo lunular; Menir n. 57: treze báculos insculturados; Menir n. 58: situado na extremidade Norte do eixo menor do recinto, ostenta três discos associados a linhas onduladas verticais; Menir n. 64: insculturas figurando círculos e raquetes; Menir n. 65: estelamenir: superfície aplanada, com face antropomórfica, associada a motivo lunular; Menir n. 76: estela-menir: superfície aplanada, com face antropomórfica, associada a motivo lunular e a báculo; Menir n. 80: grandes círculos, actualmente orientados para poente; Menir n. 91: apenas vestígios de insculturas. As posições relativas do cromeleque e do menir do Monte dos Almendres, distante do recinto 1360 metros para Nordeste, denotam «claro significado astronómico», consoante a opinião de alguns arqueoastrónomos. Se observado a partir do menir do Monte dos Almendres, o cromeleque dos Almendres acha--se sobre a linha do horizonte, definindo ambos os monumentos um eixo praticamente coincidente com o poente do Sol no solstício de Inverno (ou nascente do Sol no solstício de Verão), definido pelos monólitos 95, 44 e 64. O monólito truncado, com covinhas na face horizontal, situado praticamente na extremidade Oeste do eixo maior coincide com o pôr do Sol do equinócio, se observado desde o monólito situado no foco leste da elipse média, que, consequentemente, cons-

titui o ponto de avistamento do pôr do Sol. Por sua vez, se observado a partir do monólito truncado, o menir do foco da elipse marca o nascer do Sol dos equinócios. Acresce ainda a circunstância de a latitude do cromeleque dos Almendres (38º 56’ N) praticamente coincidir com uma das duas direcções de observação da Lua mais próximas do valor máximo da elongação (declinação máxima) daquele astro no seu ciclo de 18.61 anos, quase coincidindo o outro valor da elongação máxima lunar com a latitude do monumento de Stonehenge (51º 18’ N)! Resulta isto da circunstância de, em virtude do seu movimento aparente, o nascente e o poente da Lua ocorrerem em direcções que variam entre um mínimo e um máximo desvio relativamente a uma linha Leste-Oeste (elongação). Estes máximos variam de mês para mês e de ano para ano, no decurso do ciclo lunar de 18.61 anos, de tal modo que o valor máximo para a elongação (E) depende da latitude do lugar de observação (L) e da declinação máxima da Lua (D), a qual se calcula adicionando a inclinação da sua órbita à inclinação da eclíptica, de acordo com a fórmula: sen D = sen E x cos L. Ora para cada objecto celeste particular, ou para cada posição particular de um corpo celeste de declinação variável, esta equação tem duas soluções, de tal modo que a elongação E iguala a latitude L sempre que a declinação seja inferior a 30º. Nos casos em que os valores da declinação sejam superiores a 30º, a equação em causa é insolúvel. Porém, se nesta equação se se atribuir a D o valor de 29º17’, correspondente à declinação máxima possível da Lua cerca de 1500 a. C., as duas soluções coincidirão com as latitudes 38º55’ e 51º44’, muito próximas das reais dos Almendres (38º56’ N) e de Stonehenge (51º18’ N), respectivamente. Esta segunda solução coincidirá exactamente com a latitude real de Stonehenge, se se atribuir a L o valor de 51º18’, isto é, o máximo da declinação correspondente a 2000 a. C. Durante as diferentes prospecções realizadas e os trabalhos arqueológicos sistemáticos, que decorreram em 1986-1990 e 1995-1997, foram detectadas mós dormentes associadas 203

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ALMINHAS aos menires 36, 45 e 57 (cf. Tradições da Moagem – Exposição, Évora, 1995, cap. IV: Reutilização simbólica de Pedras-mós), tendo sido identificados, a cerca de 150 m a nascente do cromeleque, dois povoados atribuídos ao Neolítico Antigo (V milénio a. C.). O menir do Monte dos Almendres (Imóvel de Interesse Público e ZEP: decreto 735/74 de 21 de Dezembro) é um monólito de granito porfiróide, actualmente implantado à cota 350 m (menos 60 m do que a cota máxima do cromeleque). Encontrava-se tombado quando foi identificado, em 1964, por Henrique Leonor Pina, presumindo-se que tenha sido reerguido numa posição próxima da primitiva (ca. de 25 m a Sul, no local onde se acham os silos da propriedade). Mede cerca de quatro metros de altura, tem cariz fálico, apresentando um *báculo insculturado próximo do topo e sobreposto a linhas serpentiformes. BIBLIOGRAFIA ALVIM, Pedro / FONSECA, Nuno / HÉBIL, Pedro, Sobre alguns vestígios de paleoastronomia no cromeleque de Almendres, in A Cidade de Évora, s. 2, n. 2 (1996-1997), p. 5-23; [ANÓNIMO], in Comércio do Porto (13 Jan. 1968); CALADO, Manuel, Aspectos do megalitismo alentejano, in O Giraldo (Jul.-Ago. 1990); CALADO, M., Cromelechs alentejanos e Arte Megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 289297; CALADO, Manuel / ROCHA, Leonor, Neolitização do Alentejo interior: os casos de Pavia e Évora, in Actas do I Congrés del Neolític a la Peninsula Ibérica (Barcelona, 1995); GANDRA, Manuel J., Dos Almendres a Monsaraz, Mafra, 1996, p. [10-12]; idem, Santuário-Observatório Equinocial, in Alentejo Terra-Mãe, n. 07 (2º trimestre 2007), p. 90-91; idem, Cromeleques e alinhamentos megalíticos Portugueses: subsídio para um roteiro, Mafra, 2007; GONÇALVES, José Pires, Roteiro de alguns megálitos da região de Évora, in A Cidade de Évora, n. 58 (1975); GOMES, Mário Varela, Aspects of megalithic religion according to the portuguese menhirs, in Valcamonic Symposium III, 1983, p. 385-401; GOMES, Mário Varela, Recuperação do Cromeleque dos Almendres: Évora, 1986 (Relatório apresentado à CMÉvora), Maio, 1987; GOMES, Mário Varela, Menires e cromeleques no complexo cultural megalítico português: trabalhos recentes e estudo da questão, in Actas do Seminário O Megalitismo no Centro de Portugal (Mangualde, Nov. 1992), Viseu, 1994, p. 334-338; GOMES, Mário Varela, Estátuasmenires antropomórficas do Alto-Alentejo: descobertas recentes e problemática, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 255-279; GOMES, Mário Varela, Cromeleque dos Almendres: um dos primeiros grandes monumentos públicos da Humanidade, in Paisagens Arqueológicas a Oeste de Évora, Évora, 1997, p. 25-34; PINA, Henrique Leonor, Cromelechs und menhire bei Évora in Portugal, in Madrider Mittelungen, v. 17 (1976), p. 9-20; PINA, Henrique Leonor, Novos monumentos megalíticos do Distrito de Évora, in Actas do II Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1,

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Coimbra, 1971, p. 151-162; SANTOS, M. Farinha dos, Préhistória de Portugal, Lisboa, 1972, p. 55-65; VICENTE, Eduardo Prescott / MARTINS, Adolfo da Silveira, Menires de Portugal, in Ethnos, v. 8 (1979), p. 127, n. 81; ZBYSZEWSKI, G. / FERREIRA, O. da Veiga / SOUSA, H. Reynolds de / NORTH, C. T. / LEITÃO, M., Nouvelles Découvertes de Cromelechs et de Menhirs au Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 61 (1977), p. 63-73

ALMINHAS Oratório ou nicho (mais raramente, cruzeiro), erguido ao ar livre, em honra das almas dos mortos. As alminhas abrigam um painel ou retábulo com a representação do *Purgatório em cujo fogo purificador se debatem as almas que inspiraram o diminutivo (sempre proferido e grafado no plural), assistidas por entidades celestes protectoras: Virgem (Nossa Senhora das Dores, do Rosário, do Carmo, etc.) e a intercessão do Arcanjo São Miguel, ambos acolitados pelo Padre Eterno, Santíssima Trindade, Senhor dos Passos, Santo António e São Sebastião, entre outras. As alminhas são vulgares nas encruzilhadas e bermas de estrada, colocadas nos locais de transição entre as zonas habitadas (consagradas pela presença humana) e as desabitadas (perigosas). As pessoas que passam depositam dinheiro na caixa das colectas ou deixam pequenas oferendas propiciatórias (velas,

Alminhas do Rossio da Venda do Pinheiro (Mafra).

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ALMÍSCAR flores, milho, feijão, etc.). Existem alminhas de dois tipos: as constituídas por painéis evocativos das almas, em geral, e as dedicadas a um determinado falecido, vítima de morte violenta (acidente ou assassinato). Alguns autores (J. L. Vasconcelos e Virgilio Correia) filiam-nas no culto dos deuses *Manes e dos lares viales e compitales dos romanos, o qual teriam prolongado, tese refutada por Luís Chaves baseado em dois argumentos fundamentais: a diferença de finalidade entre o culto das alminhas e o dos lares viales e compitales (estes pedem protecção para os vivos, enquanto aquelas a requerem para os mortos) e a descontinuidade (cerca de dez séculos) entre ambas as devoções. Avalizou a refutação Flávio Gonçalves, a quem se ficou devendo a explicação actualmente aceite acerca da origem e evolução das alminhas. Garante este autor que o tema do *Purgatório foi escassamente conhecido na arte medieval, tendo adquirido vigor apenas com a Contra-Reforma. De facto, são desconhecidas alminhas anteriores à segunda metade do séc. XVI, podendo filiar-se nos Painéis do Purgatório então divulgados independentemente de qualquer outro assunto. De Évora (igreja de Santo Antão) parece terem passado para Portalegre e daí para Ponte de Lima, acabando por irradiar para todo o país. Jorge Cardoso atribui justamente a *Luís Álvares de Andrade (discípulo de *Frei Luís de Granada) a invenção do «retrato das almas a óleo, que no meio das chamas estão ardendo, pelas portas da cidade e lugares públicos» (Agiológio Lusitano, 3 de Abril). Os condenados ao fogo purificador costumam ser figurados como bustos de ambos os sexos, de todas as categorias sociais, profissões e raças. Quase sempre ocorre a legenda «Ó vós que ides passando, / Lembraivos de nós, que estamos penando. / P.N., A.M.» ou qualquer outra do género. Os cruzeiros junto à capela da Senhora da Lapa (Barreiralva), da Senhora do Ó (EM 549) e de S. Julião (Carvoeira), representam alminhas. Outra, no Rossio da Venda do Pinheiro. *Almas do Purgatório, *cruz de homem morto, *encomendação das almas, *passos, *pousas.

Alminhas assinalando o local da morte de um viandante, na Estrada Nacional, entre Cheleiros e Igreja Nova (desaparecida). BIBLIOGRAFIA BRAGA, Alberto Vieira, Nichos de Alminhas, in Gil Vicente, v. 1 (1925), p. 307-322; CARDOSO, Artur Lopes, Alminhas: piedade à beira do caminho, in Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia, n. 7 (1979), p. 28-30; idem, Santo António e as Alminhas populares, in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, s. 3, n. 87, tomo 1 (1981), p. 145-161; CHAVES, Luís, Os Painéis das Alminhas, in Portugal Além (Notas Etnográficas), v. 1, Gaia, 1932; CORREIA, Alberto, Alminhas – comentário a uma exposição, in Beira Alta, v. 41, n. 4 (1982), p. 879-895; idem, Alminhas (alminhas do distrito de Viseu), in Mundo da Arte, n. 13 (1983), p. 12-17; CORREIA, Virgílio, As Alminhas, in A Águia, s. 2, v. 4, n. 23 (Nov. 1913), p. 146-155; FIGUEIREDO, Cristóvão Moreira de, As Alminhas, in Beira Alta, v. 20, n. 1 (1961), p. 185-249 e n. 2 (1961), p. 335-347; GONÇALVES, Flávio, Os Painéis do Purgatório e a origem das Alminhas Populares, in Boletim da Biblioteca Municipal de Matosinhos, n. 6 (1959), p. 71-107; idem, Reflexos iconográficos de uma devoção portuense, in O Tripeiro, s. 6, a. 3, n. 7 (Jul. 1963), p. 197-201; idem, A Origem das «Alminhas» Populares, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p. 103-115; LIMA, Augusto César Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, v. 3, Porto, 1948; LOUBET, Emílio, As Almas (Descrição de um Costume Vilarealense), in Douro Litoral, v. 2 (1940), p. 20-21 e v. 4 (1941), p. 16-17; MATOS, Armando de, Alminhas e oratórios, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 16-17; v. 6 (1943), p. 74-75; SILVA, Maria Madalena Cacigal e, Pintura, in A Arte Popular em Portugal, v. 2, Lisboa, p. 83-178; SOUSA, Tude M. de, Serra do Gerês: Cruzeiros e Alminhas, in A Terra Portuguesa, v. 4 (1922), p. 169-172; VASCONCELOS, J. Leite de, Alminhas do Minho, in Bol. de Etnografia, n. 3 (1924), p. 38-39; VIEIRA, A. Martins, Alminhas no concelho de Vila Nova de Famalicão, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, n. 8 (1981)

ALMÍSCAR Substância odorífera segregada pelos folículos prepuciais do almiscareiro ou cabra-almiscarei205

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ALMÓADAS ra (Moshus moschiferus), ruminante cujo habitat são as montanhas e altiplanaltos da Ásia Central (Sibéria, Mongólia, China e Tibete). Em Portugal, terá sido por intermédio do Livro de Marco Pólo (1512) que se soube qual a origem do almíscar. Álvaro Velho, no Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama (ed. 1940, p. 112) fornece uma breve notícia, ulteriormente completada no Livro de Duarte Barbosa (1516, ed. Academia das Ciências, Lisboa, 1867). Também Tomé Pires propôs uma explicação para a origem do almíscar, embora fantasiosa, repetindo uma opinião então corrente (The Suma Oriental of Tome Pires. An account of the East, from the Red Sea to Japan, written in Malaca and Índia in 1512-1515, Londres, 1944, p. 96). Por seu turno, Pedro Teixeira adverte os eventuais compradores contra o almíscar falsificado pelos Chineses, informando que o «comprado em locais fora da China, como em Bengala, Pegu e em pontos ocasionais, é melhor» (The Travels of Pedro Teixeira, Londres, 1920, p. 214). O almíscar puro, não diluído, é tão poderoso que pode causar fortes dores de cabeça e também hemorragias nasais. Ao seu odor, hoje principalmente utilizado em perfumes e fragrâncias, foram outrora, atribuídas propriedades estimulantes (afrodisíacas) e antiespasmódicas (analgésicas e tranquilizantes, tanto na medicina chinesa como na farmacologia de Paracelso). BIBLIOGRAFIA BORSCHBERG, Peter, O comércio europeu de almíscar com a Ásia no início da Era Moderna, in Oriente, n. 5 (Abr. 2005), p. 90-99

ALMÓADAS Dinastia fatimida, fundada no séc. XII por Muhammad Ibn Tumart al-Mahdi, o qual chamou a si os poderes militar e religioso. Seguia estrictamente a letra do *Alcorão. A sua invasão do Al-Andalus começou em 1148, tendo atingido o apogeu cerca de 1190, quando o califa Abu Ya’ kub Yusuf II (Al-Mansur, o Vitorioso) reconquistou quase todo o Al-Gharb a Sul do Tejo. O declíneo da dinastia almóada tornar-se-ia evidente a partir da batalha de Navas de Tolosa (16 de Julho de 1212), tendo abando206

nado o Al-Andalus em 1269, continuando, no entanto, a exercer alguma influência no Magrebe até cerca de 1275. O castelo de Tomar foi sitiado em 1190 por um exército almóada, comandado por *Almançor, que não logrou conquistá-lo apesar da desproporção evidente do contingente templário. ALMOCAVAR Também *almocovar e *macaber. Cemitério exclusivo de judeus, geralmente sito fora dos lugares onde residiam. O almocavar medieval de Lisboa ficava localizado algures entre a Rua do Bemformoso, o Largo das Olarias e as Ruas da Bela Vista do Monte e do Terreirinho, próximo do actual Largo do Intendente e nas imediações do local onde os mouros enterravam os seus mortos. Dos almocavares anteriores ao édito manuelino de expulsão subsistem apenas sete epitáfios, um em exposição na Basílica de Mértola, de cujo campo arqueológico proveio (trata-se do mais antigo epitáfio judaico conhecido em território português, datado de 482 e gravado com um *menorah), achando-se os restantes reunidos no edifício da antiga sinagoga de Tomar: Espiche (dois, desta localidade dos arredores de Lagos, dos séc. VI ou VII), Lisboa (dois, dos séc. XIII e XIV), Faro (1315) e Beja (1378). O primeiro cemitério judaico privativo de Lisboa dos tempos modernos (i. e., após a chegada de Gibraltar dos primeiros judeus no início do séc. XIX), acha-se instalado na Rua da Estrela, contíguo ao dos ingleses, onde, por então serem considerados súbditos britânicos, foram sepultados José Amzalak (1804), Judah Benzaquen (1811), BenMamon (1814), Ester Cerfati (1815) e Mimon Albechar (1818). A primeira sepultura nele aberta foi a de Samuel Brudo, falecido a 4 de Novembro de 1815. Ao cabo de cerca de 60 anos, esgotada a sua lotação (146 sepulturas), novo terreno, adquirido em 22 de Março de 1865, e situado na Calçada das Lages, na vizinhança do cemitério do Alto de S. João, passou a desempenhar a mesma função, recebendo os restos mortais de Isaac Zagury, falecido a 29 de Março de 1879. No acervo do Museu Arqueo-

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ALMORTÃO lógico do Carmo [inv. n. 3792] existe ainda a lápide funerária de Iehudah Ben-Rimoch, datada de 29 de Tishri de 5575 (13 de Outubro de 1814 da era cristã). O cemitério da Colónia Judaica de Faro (Estrada de S. Luís, 8000 Faro) manteve-se em funcionamento até 1930, contando-se nele 112 sepulturas rasas com inscrições hebraicas. BIBLIOGRAFIA AMZALAK, Moses Bensabat, O cemitério israelita da ilha do Fayal, in Revista de Estudos Hebraicos, v. 1 (1928), p. 239-240; BETHENCOURT, Cardozo de, Inscriptions hébraiques du Portugal: notes d’ histoire et d’ épigraphie, in O Arqueólogo Português, v. 8, n. 2-3 (Fev.-Março 1903), p. 33-45; FERREIRA, Tavares, Pedras de Gouveia que falam, perguntam e respondem: precioso achado arqueológico-histórico (uma lápida em escrita hebraica), in Beira Alta, a. 27, n. 2 (1968), p. 215-220; HALÉVY, Michael, Pedra e livro: arte sepulcral Sefardita em Hamburgo: contribuição para um estudo, in O Património Judaico Português (1º Colóquio Internacional), Lisboa, 1996, p. 251-271; IRIA, Alberto, O Infante D. Henrique e os judeus de Lagos (Subsídios para a sua história), in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 23, t. 2 (1976), p. 281-313; KONIJN, Fieke, As sepulturas do cemitério Bet Haim, in Portugueses em Amesterdão (1600-1680), Amesterdão, 19888, p. 90-109; PEREIRA, Esteves, Inscrições de Sinagogas, in Revista de Arqueologia, v. 2 (1889), p. 115; PEREIRA, F. Alves, Jornadas de um curioso pelas margens do Lima, in O Arqueólogo Português, v. 28 (1927-1929), p. 1-51 [Em nota refere o modo como os judeus enterravam os seus mortos e aos tipos de sepultura que adoptavam]; RODRIGUES, Manuel Augusto, A Inscrição Hebraica de Gouveia, in O Instituto, v. 130 (1968), p. 239-267; SILVA, Possidónio Narciso da, Epigraphia Nacional, in Bol. da Real Assoc. dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, s. 2, t. 1 (1875), p. 7779, n. 5 [Descreve a inscrição hebraica encontrada no convento de Monchique]; VITERBO, Sousa, A inscripção da Synagoga de Monchique (Additamento às Ocorrências da vida judaica), in Arquivo Histórico Português, v. 2 (1904), p. 418-420

ALMOCOVAR O mesmo que *almocavar. ALMOCREVES, FESTA DOS Em louvor de *Santo António, em Valongo. ALMODENA Invocação mariana festejada em São Dinis (Vila Real). ALMORÁVIDAS Movimento religioso muçulmano iniciado, no séc. XI, por Abdallah ibn Yasin, num mosteiro (ribat) sito numa ilha do rio Senegal. Em 1100

dominava todas as taifas da Espanha. Os almorávidas seguiam uma doutrina estrictamente ortodoxa e reconheciam a escola malekita, a qual se fundava na jurisprudência oral inspirada na predicação de Maomé e seus treze primeiros sucessores. A teologia e o direito permanecem intimamente relacionados, adoptando atitudes severas contra os herejes, os cismáticos e todos quantos não comungassem dos seus postulados. Foram suplantados pelos Almóadas, após a revolta contra eles liderada pelo muridine *Abu ‘Abdallah Muhammad ben Qasi, iniciada em 1144. Foram os almorávidas os introdutores do ribat, espécie de convento construído nas zonas fronteiriças. Nessas fortalezas que possuiam uma pequena mesquita, cujo minarete funcionava concomitantemente como torre de atalaia, os monges guerreiros dedicavam-se a uma vida ascética, partilhada entre a oração e os exercícios militares, sob a direcção de um caíde. Alguns autores pretenderam filiar a Charola de Tomar nas rabitas (plural de ribat e o mesmo que arrábida) muçulmanas. ALMORTÃO Invocação de uma imagem de Nossa Senhora, cultuada num dos mais antigos santuários nacionais (Campina da Idanha, Idanha-a-Nova, Castelo Branco), herdeiro comprovado por achados arqueológicos (estudados por Dom Fernando de Almeida) de um templo pré-romano dedicado à divindade tópica *Igaedus. A primeira notícia documental remonta ao ano de 1229, ocorrendo no foral dado por Dom Sancho II aos moradores de Idanha-a-Velha. Sanctam Mariam Almorton assinalava então uma das extremas do termo da Egitânia. Conta-se que teve origem no achado por um jovem pastor, entre os ramos de uma moita de murta (invenção erudita para dar sentido à invocação = Almortão), de uma imagem de Maria que levou para casa, de onde a imagem desapareceu, para ser reencontrada no mesmo local onde a achara. Após alguns retornos milagrosos os habitantes das redondezas decidiram edificar no sítio da epifânia uma ermida para abrigar a imagem. De acordo com o Santuário Mariano, nos primei207

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Imagem de Nossa Senhora do Almortão.

ros anos do século XVIII a romaria da Senhora do Almortão realizava-se em três datas distintas, correspondentes a três festas litúrgicas marianas: Anunciação (25 de Março), Prazeres (segundafeira de Pascoela) e Natividade (8 de Setembro). Em meados do século XIX, além da romaria a São Romão (ciclicamente mais concorrida que a da própria Virgem), a Senhora do Almortão era festejada a 8 de Setembro. No ano de 1904, a confraria transferiu a festa para o segundo domingo de Setembro. A partir de 1922, passou definitivamente para a terceira segunda-feira após o domingo de Páscoa, fundindo-se com a romaria de São Romão. Concorre a ela a bandeira do Espírito Santo da localidade de Idanha-a-Nova, distante cerca de sete quilómetros. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Fernando de, Igaedus, divindade lusitana e a Senhora do Almortão, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, s. 3 n. 8 (1964), p. 63-73

ALMOUROL Eventualmente, pequeno pego (ou mouro = pedra), diminutivo de Almourão (Serra da Vila 208

Velha – Vila Velha de Ródão). Castelo erigido numa ilhota granítica em pleno Tejo, um pouco a jusante da confluência deste com o Zêzere, na freguesia de Praia do Ribatejo (Vila Nova da Barquinha, Santarém). Classificado como Monumento Nacional, por decreto de 16 de Junho de 1910, o castelo presume-se originado num castro lusitano, conquistado e consolidado (ainda são visíveis restos de aparelho, designadamente ao nível das fundações) pelos romanos, durante o séc. I a. C., e sucessivamente remodelado por alanos, visigodos e muçulmanos. Seria doado por *Afonso Henriques, em Fevereiro de 1159 (doação confirmada uma década volvida), juntamente com os castelos do Zêzere e da *Cardiga (formando uma comenda única), ao grão-mestre dos templários, *Gualdim Pais. Este encarregar-se-ia da sua reedificação e ampliação, reaproveitando de diversos materiais líticos de épocas precedentes, tais como uma lápide sepulcral romana, pertencente a Quinto Cadio Frontão e seus familiares (embutida na ombreira esquerda da porta de entrada), e ainda inúmeros fragmentos de frisos atribuíveis à arquitectura visigótica (integrados na parte superior da cerca interna). Datadas do ano de 1171 (Era de 1209), subsistem, a coroar o pórtico principal e a porta da segunda cerca, duas lápides comemorativas: aquela da vida e feitos de Gualdim Pais, e esta da refundação da fortaleza pelos templários. O perímetro de Almourol adapta-se sabiamente aos condicionalismos impostos pela exígua topografia disponível e contempla na sua planta irregular, que tira partido da diferença de cotas dos afloramentos, dois redutos: um exterior, em cujo pano Sul se abre a Porta da Traição, reforçado por dez torres circulares, particularmente vocacionadas para o tiro flanqueado; outro interno, comunicando com aquele por uma porta, no centro do qual domina a torre de menagem, com três pisos, cujo acesso se acha 2,8 m acima do nível do pátio circundante. Sobre a porta de entrada do castelo e no extremo oposto dela, observa-se solução arquitectónica que denota um invulgar domínio da arte militar: dois troços do adarve ou caminho de

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Pormenor do adarve ou caminho de ronda munido de duplo parapeito.

Panorâmica do castelo de Almourol.

ronda munidos de duplo parapeito, permitiam a defesa eficaz não só em relação ao exterior da fortaleza, mas igualmente no que concerne ao pátio do primeiro reduto, onde existiram algumas construções de apoio à guarnição militar. Nunca foram detectados vestígios de qualquer cisterna, apenas um poço entulhado junto à porta da Traição. Sabe-se, por carta de 13 de Dezembro de 1467, que Frei Rui Velho, então comendador de Almourol, construiu, «sobre a porta do dicto castelo», uma capela dedicada a Santa Maria de Almourol, da qual não resta o menor vestígio. Durante a vigência da Ordem do Templo o território abrangendo os castelos do Zêzere, Almourol e Cardiga constituíu uma comenda de considerável valor, achando-se documentados os nomes de somente quatro dos seus comendadores: D. Gil (1188); João Domingos (1201); Irmão Beltradus (serviu de testemunha no foral de Ega, em 1231); Gonçalo Fernandes (1302). Depois de extinta a Ordem do Templo, o castelo transitaria para a posse da *Ordem de Cristo, da qual foi, até 1834, próspera comenda (avaliada em 440 mil réis, durante o século XVIII). Parco em memórias militares, Almourol acha-se, contudo, envolto

num halo de mistério e magia. Consoante a tradição oral das gentes da região, um complexo sistema de túneis ligavam-no a lugares circumvizinhos, o mais extenso dos quais (ca. 12 km) comunicava com Vila Velha da Atalaia. Em outro subterrâneo, alegadamente em conexão com o convento franciscano de Santa Maria de Almourol, sito na margem direita do Tejo, diz-se existir o «tesouro do castelo», o qual consta de «uma mesa de ouro assente sobre quatro esferas do mesmo metal». Almourol é, com efeito, o mais aureolado de quantos lugares abrigaram templários no nosso país. São essencialmente quatro as lendas que constituem disso o testemunho: A. Lenda de Almouro: emir muçulmano cuja filha se apaixonou por um cavaleiro cristão que a atraiçoou, abrindo as portas da fortaleza aos seus companheiros de armas; em consequência desse acto, o emir preferiu lançar-se ao rio, abraçado à filha, a ficar cativo dos cristãos; B. Lenda de D. Ramiro: nobre godo que recolheu no castelo um jovem mouro, o qual para vingar o assassinato da mãe e da irmã por cristãos, envenenou a esposa e seduziu D. Beatriz, filha do cavaleiro; a tradição assegura que o jovem e a donzela aparecem na noite de São João, na torre mais alta do castelo, renovando cada ano a maldição que perdurará até ao Dia do Juízo; C. Lenda do Gigante Almourol: senhor e guardião do castelo, nele acolheu as princesas Polinarda e Miraguarda, as quais o famoso cavaleiro Palmeirim de Ingla209

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Palmeirim de Inglaterra (excerto) […] começou [Florendos a] caminhar pelo reino de Portugal, passando por muitas coisas de perigo, em que por vezes o correu assaz, tanto a sua honra, que a fama que dali lhe ficou o fez tão conhecido naquela terra, que se não falava em al. E assim discorrendo a uma e a outra parte, indo um dia bem descuidado do que lhe podia acontecer, a horas de véspera, sendo no mês de Abril, se achou ao longo da ribeira do Tejo, que com suas mansas e graciosas águas rega os principais campos da guerreira Lusitânia até se meter no mar. Como naquele tempo toda fosse cercada de muitos arvoredos, impedia a vista da água em muitas partes. Pois, caminhando por ela acima, não andou muito que no meio da água, em um pequeno ilhéu que o rio fazia, viu um castelo roqueiro tão bem assentado e guerreiro, que era muito para ver e muito mais para temer a quem nos perigos dele se visse; antes que lá chegasse, quanto um tiro de pedra, viu ao longo da água três donzelas formosas, que por baixo dos arvoredos andavam folgando, logrando as sombras deles, que naquele dia eram para isso, por ser de muita calma; andando tão metidas no gosto do seu desenfadamento que o não sentiram senão a tempo que já estava tão perto, que lhe não puderam fugir. Florendos pôs os olhos em todas; e na que lhe pareceu de maior merecimento, segundo o acatamento que lhe as outras faziam, viu tamanha diferença de formosura, quanta nunca cuidou que de uma mulher a outras mulheres pudesse haver, tendo para com ele tamanho poder aquelas primeiras mostras, que no próprio instante o seu coração, que dantes era livre, converteu sua liberdade isenta em cuidados desesperados, que muitas vezes lhe faziam desejar a morte, para menos perigo ou maior remédio da vida. Como esta afeição o pusesse naquele desejo sem fim, acrescentou-lhe muita mais ver nela, com uma seguridade honesta, graça, despejo e desenvoltura, tudo conforme a seu parecer, coisas que obrigam os homens se mais perder por elas. E vendo que se recolhiam ao castelo, não teve juízo para lhe falar, que o espanto do que vira lho deixara de todo turvado. Porém, depois que se achou só no campo e viu a elas dentro, desembaraçado da torvação primeira, começou a sentir novos acidentes namorados, em que o seu coração se via, com tamanhos sobressaltos como o amor tem onde suas obras abrangem; e indo contra a porta do castelo, a achou cerrada de todo e no alto dela, que era de pedraria, viu um escudo de mármore, encaixado na mesma pedra e posta nela em campo uma imagem de mulher, tirada pelo natural da que vira no campo, tanto ao próprio, que não soube fazer nenhuma diferença de uma a outra. Tinha no regaço umas letras brancas, que diziam: Miraguarda. E bem lhe pareceu que aquele seria seu próprio nome, e bem conheceu que o nome dizia verdade, que a senhora dele era muito para ver, e muito mais para se guardarem dela. Mas a tenção por que as letras ali se puseram não era esta, senão por que se guardasssem do gigante Almourol, senhor daquele castelo, de quem depois tomou o nome; que ele as pôs ali para mostrar que a imagem do escudo era para a verem, e ele para se guardarem dele. O qual, para fazer sua tenção verdadeira, saiu de dentro, ao tempo que Florendos estava lendo as letras e derivando nelas seu mal, armado de folhas de aço verdes não menos formosas que fortes, em um cavalo negro tão crescido e forte, como era necessário para suster tão grande peso, dizendo contra Florendos: — Por certo, cavaleiro, essas letras vos mostrariam a vós, se as bem entendeis, quão escusada vos fora esta detença. — Se os outros receios em que elas me metem – disse Florendos – não fossem maiores que o medo que me vossas palavras fazem, eu os passaria com menos dor da que me já ora dão. E assim de palavras em palavras vieram em tamanha ira um do outro, que houveram uma batalha assaz temerosa e de muito perigo, em que o gigante Almourol mostrou bem seu esforço; mas como Florendos lhe fizesse vantagem, vendo que o via de entre umas ameias a senhora Miraguarda com Lademia e Ardemia, suas criadas, fez tanto em armas, que o desapoderou de toda sua força, trazendo-o tão mal tratado, que por nenhuma via podia escapar de suas mãos, se ela não descera abaixo, que lho pediu, dizendo: — Cavaleiro, peço-vos, se alguma coisa há no mundo que vos obrigue deixar esta batalha, o façais por amor de mim, e não mateis esse gigante, que é pessoa tal que muito devo e o principal guardador que nesta fortaleza tenho. — Senhora – disse Florendos – essas palavras e quem as diz me obrigam tanto, que não sei por quem mais que por elas fizesse. O gigante pode fazer de si o que quiser, e vós de mim o que mandardes, que em tal estado me vejo, que não sei se faria outra coisa. Miraguarda lhe agradeceu sua vontade, recolhendo-se para dentro, e Almourol com ela. Florendos ficou fora, ferido de suas mostras, com maior dor do que lhe então

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davam as feridas do gigante, de que o curou seu escudeiro. E depois de são, esteve ali muito tempo, guardando o escudo de Miraguarda, para mostrar o preço de sua pessoa, combatendo-se com todos os cavaleiros que ali vinham, vencendo-os com tamanho louvor seu, que os que eram famosos o buscavam de longe para experimentar suas pessoas e obras, sem nunca o gigante ter necessidade de sair fora; porque ele lhe franqueou sempre o campo de todos os que ali vieram. Se alguma hora lhe vagava tempo o passava por baixo dos arvoredos em contemplações tristes, contando-se a si mesmo seus males, e outras vezes à imagem que estava sobre a porta, sossegada para ouvir, muda para lhe responder, na qual achava tão pouco remédio como se esperava de uma estátua. E conquanto Miraguarda via todas essas coisas, era tão livre de condição, que sofria seu serviço dele para seu gosto dela e dissimulava o que via, por lhe negar o galardão em tudo. Nesta continuação esteve Florendos tantos dias, que se começou de descobrir a fortaleza de Dramusinado em Inglaterra e perdição daqueles príncipes e esforçados cavaleiros; e porque a confiança que a Miraguarda nascia de suas obras era grande, o mandou lá, crendo que aquela ventura se acabaria por ele e ela ficaria com a honra de tão crescida vitória, pois por seu mandado entrara nela. Partido Florendos, contente de sua senhora lhe mandar alguma coisa em que a servisse, chegou a Inglaterra, já quando tudo era acabado por mão de Palmeirim […]. Pois tornando a Miraguarda, já atrás se mostra cuja filha era, e quão estremada em parecer e formosura a fizera a natureza; porém, não se disse a razão por que naquele castelo estava, que era esta. Como entre nós as mulheres têm tanto poder, que tudo vencem, em especial as formosas em extremo, que estas obrigam os homens a não temerem os perigos para os cometerem, nem sentir os seus receios para os passar, houve na corte de Espanha, onde o conde, pai de Miraguarda, sempre andava, por ser pessoa de muito preço e alta valia, tantos competimentos de cavaleiros sobre quem a serviria, que corrompendo-se este desejo nos de maior qualidade havia sempre tantas justas e torneios e invenções, gastos demasiados, que quase todos ou a maior parte se achavam gastados deles e da desordem com que se faziam, de que a rainha recebia pena e desgosto, vendo que em tempo que el-rei seu senhor era fora do reino e ela vivia em contínua tristeza, seus naturais passavam os dias em maiores alegrias do que nunca costumaram. Depois disso, as competências foram em tamanha rotura, que, nascendo dela discórdias grandes, houve bandos, em que morreram alguns senhores principais e cavaleiros famosos, e ia em tanto crescimento, que se assim não atalhara com sua temperança e discrição, Espanha fora posta em maior destruição do que já foi em outros tempos. Mas o conde, que em extremo era discreto e sisudo, mandou chamar ao gigante Almourol, pessoa de mais crédito na corte do que de gigante se esperava, e lhe rogou que a quisesse ter em sua guarda com alguns cavaleiros que lhe daria, até ser tempo de a casar, pois então havia razões que o estorvavam; e mandou sua filha com quatro cavaleiros de sua casa e algumas donas e donzelas para a servirem e companharem. Esteve no castelo de Almourol tanto tempo, que aquelas discórdias foram esquecendo e ela saiu dele pela maneira que se adiante dirá. Por onde se crê que muitas vezes os grandes males são princípio de maiores bens. […].

terra tentou em vão raptar, tendo ficado muito maltratado no duelo com o gigante; Dramusiando, outro gigante, com ciúmes de Almourol, viria combatê-lo, vencendo-o e conservando as princesas sob a sua tutela; Almourol tinha outro castelo, construído por seu pai, ao qual baptizou com o nome de Cardiga, sua mulher, aí tendo vivido e criado um filho que também se chamou Almourol; D. Lenda do Pescador e das três mouras. É compreensível que tais gestas, exaltadas pelo movimento romântico, aliadas ao fascínio exercido pelo lugar, dessem motivo a revivalismos literários (cf. Almourol na literatura) e de índole nacionalista (jantar oferecido pelo Presidente do Conselho ao Corpo Diplo-

mático, em 1938), aguçando a curiosidade de antiquários, da estirpe de um Garcês Teixeira. Sob a sua orientação decorreram as primeiras intervenções arqueológicas de fundo no castelo de Almourol, empreendidas em finais do séc. XIX (1899). No decurso delas haviam de ser exumadas 7 moedas romanas e inúmeras outras portuguesas (desde Sancho I a João IV), bem assim como vinte e duas placas, destinadas a ornamentar os peitorais ou gamarras dos arreios, cuja análise desmente quantos ainda crêem, ao arrepio da tradição quer oral quer escrita, não passar de romântica fábula aquele pego do Tejo ter servido de palco a *Cortes de Amor. As peças em apreço, que se crê possam remon211

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Placa circular, recolhida no castelo de Almourol, encenando Cortes de Amor.

tar aos séc. XIV e XV, são circulares, recortadas em cobre e esmaltadas a azul e ouro, apresentando-se os caracteres unciais das legendas, bem como os desenhos, abertos a buril. Com base no registo efectuado por Garcês Teixeira, eis a descrição daquelas que legitimam a interpretação que proponho: A. Ao centro um cavaleiro com armadura completa, excepto o elmo, e com espada ajoelha voltado para a direita, de mãos postas. Diante de si uma dama, de pé e em cabelo, com longo vestido, levanta com as duas mãos um elmo para o colocar na cabeça do cavaleiro. À rectaguarda deste vê-se espetada no solo uma lança com bandeirola triangular ostentando uma pequena cruz ao centro. Mais atrás avista-se a cabeça e os quartos dianteiros do cavalo, distinguindo-se perfeitamente as rédeas, o freio, as faceiras e a testeira. Completam o desenho uma árvore cuja copa surge sobre a cabeça do cavaleiro e uma outra mais pequena por detrás da dama. Na orla, a legenda: + AMO RVOU ME UACO FICA O CORACOM MEU; B. Tomando quase toda a altura, uma dama, de frente, com vestido de mangas perdidas, agarrando com a mão esquerda uma flor cuja haste e folhas ocupam o lado direito do 212

Capa de A tomada de Almourol (Rio de Janeiro, 1939), de Inácio Raposo.

círculo. A mão direita está na cintura. Aos pés, um grande leão deitado. O outro lado do círculo é ocupado por outra planta de folhas largas. Uma fita que se apoia por um extremo no peito da dama diz: TENER AMOR. Na eventualidade de, posto isto, persistir a dúvida, remeto os meus leitores, incluindo os menos cartesianos, para outro eloquente testemunho do afirmado, isto é, um passo, protagonizado por Florendos, «filho de Primaleão», do *Palmeirim de Inglaterra (Évora, 1567, t. 1, cap. LIII), romance de cavalaria de Francisco de Morais. Outras guarnições de arreios de cavalos encontradas no Castelo de Almourol foram oferecidas pelo Senhor Fernando Mardel ao Museu da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo [MUAMOC: inv. n. 697]. A DGEMN promoveu obras de restauro em 1939, 1955, 1958-59, 1960, 1964 e 1996. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, João de, Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, v. 2, Lisboa, 1946, p. 271-272; ANÓNIMO, Castello de Almourol, in Archivo Pittoresco, v. 1 (1858), p. 241-242; ANÓNIMO, Castelos Medievais de Por-

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ALMUCEGA tugal, in II Congresso do Centro Europeu para o Estudo dos Castelos (Zurique, 1949), Porto, DGEMN, 1949; BAIÃO, António, Uma capela de Nossa Senhora no Castelo de Almourol, inaugurada no meado do séc. XV, in AUAMOC, v. 3 (Dez. 1951), p. 15-16 [transcreve na íntegra o doc. ANTT: Convento de Tomar, livro 52, fl. 23]; BARROCA, Mário Jorge, A Ordem do Templo e a Arquitectura Militar Portuguesa do século XII, in Portugália, nova série, v. 17-18 (1996-1997), p. 200202; idem, Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422), v. 2, Lisboa, 1999, n. 137-138, p. 361-369; CÂNCIO, Francisco, Ribatejo – Monografia ilustrada, Lisboa, 1934; COSTA, Alfredo Gonçalves, O Castelo de Almourol e o Turismo, in Livro do Congresso (I Congresso sobre Monumentos Militares Portugueses), Lisboa, 1982, p. 14-20; DIAS, João José Alves, Uma grande obra de engenharia em meados do século XVI: a mudança do curso do Rio Tejo, in Nova História, v. 1, Lisboa, 1984, p. 66-82; idem, Paio de Pele. A Vila e a Região do século XII ao XVI, Santarém, 1989; idem, As comendas de Almourol e Cardiga, das Ordens do Templo e de Cristo, na Idade Média, in As Ordens Militares em Portugal (Actas do I Encontro sobre Ordens Militares, Março de 1989), Palmela, 1991, p. 101-113; FIGUEIREDO, Borges de, Miscellanea Epigraphica: 1. Inscripção de Almourol, in Rev. Archeologica, v. 3 (1889), p. 155157; FURTADO, Teresa Pinto, O Castelo de Almourol: monumento e imaginário, Lisboa: [s.n.], 1996, 3 vols. [Tese mestrado História de Arte, Univ. Lisboa, 1996; BN: BA 15322-24 V]; GANDRA, Manuel J. O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006; GOUVEIA, Batalha, Os nomes das terras: Almourol, in Correio do Ribatejo (197?); MONUMENTA HENRICINA, v. 1, Lisboa, 1960, n. 7, p. 15-16; OSÓRIO, Manuel, O Castello de Almourol, in Revista de Engenharia Militar, a. 1, n. 6 (Dez. 1896), p. 199-208 e a. 2, n. 1 (Jan. 1897), p. 32-42 [inclui planta entre p. 48-49]; PERES, Damião, A Gloriosa História dos mais belos Castelos de Portugal, Porto, 1969, p. 167-176; ROSA, Ildefonso, Dactilografia artística: Castelo de Almourol, Viana, 1928; SÁ, Ayres de, Frei Gonçalo Velho, Lisboa, 1889-1890; TEIXEIRA, Garcez, O Castelo de Almourol, in Serões, s. 2, v. 7 (1908), p. 158-163; idem, O Espólio do castelo de Almourol, in Serões de Tancos, v. 1 (1929), p. 12-15 e 19-22, in Revista de Arqueologia, n. 2 (1936), p. 140-145 e in AUAMOC, v. 3 (Dez. 1951), p. 4-10 ALMOUROL NA LITERATURA CASTRO, Anibal de Bettencourt B. Bicudo e, Os Lagos das Sete Cidades e o «Coice» do Gigante Almourol, segundo uma curiosa alegoria do Dr. Gaspar Fructuoso: poeiras do passado, in Diário dos Açores (26 e 28 Mar. 1938) [BN: HG 15616/19 V]; FONSECA, Artur Lambert da, No castelo de Almourol: (continuação de «O palmeirim de Inglaterra»), Lisboa, Livr. Sampedro, [D.L. 1966] [BN: L 57561 P]; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1924 [No livro IV (v. 1), cap. XXXVII (p. 240-247): Da figura, que se imagina ter a ilha de S. Miguel, do gigante Almourol, que alguns fingiram ser guarda de uma donzela, chamada Miraguarda, n’aquele castelo, assim chamado Almourol do seu nome, que diziam ser seu; em que se descreve toda a sua costa marítima e a figura d’ela, a modo d’este gigante, deitado ali no mar, com as povoações, cabos e enseadas que ao longo d’ela correm como membros e partes de seu corpo]; GANDRA, Manuel J., Os Templários na Literatura, Lisboa, 2000; idem, Templários e Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida para português (século XIV – 2006), Mafra, 2007; GOUVEIA, José Carlos de, O Fantasma de Almourol. Drama lyrico em 3 actos, Lis-

boa, 1901 [a acção desenrola-se durante as invasões napoleónicas. A abrir o primeiro acto intervém um coro de cavaleiros da Ordem de Cristo. Os franceses são derrotados em parte devido à aparição de um falso cavaleiro templário nas muralhas do castelo de Almourol. A circunstância é narrada por Eugénia e Lucinda na cena V: «Na sala de armas se encontrou num antiquíssimo sarcófago, conjuntamente com a bandeira da Ordem, esta armadura de cavaleiro templário, que teria sem dúvida sido outrora o paládio do castelo [...]. Havia também lá muita pólvora, que se julga ter aqui esquecido depois de armazenada pelo brigadeiro Borgoyne, por ordem do conde de Lippe, quando este quis fazer de Abrantes o centro das suas operações. Meu pai por precaução lentamente a foi conduzindo para o subterrâneo. estava húmida, mas ardia com lentidão; meu pai, quando todos os companheiros de D. Luís tinham abandonado o castelo, espalhou-a pelos muros, torres, ameias e janelas, deixando muita na entrada da estrada secreta; e tendo-me colocado próximo à saída [...] quando os franceses atravessavam o rio, lançou fogo à pólvora, e surgiu connosco no píncaro dos rochedos, brandindo nós archotes improvisados, e ele na esquerda a bandeira do Templo e na direita a sua espada, que flamejava sobre o abismo!» (p. 154-155). Este drama lírico foi ensaiado, no ano de 1907, pelo dramaturgo eborense, Marcolino Silva (cf. Gil do Monte, Dicionário Histórico e Biográfico de Artistas Amadores e Técnicos radicados em Évora: M a Z, Évora, 1976, p. 6)]; LIMA, Sales, A lenda d’Almourol, in Sonatinas: versos, Porto, Magalhães e Moniz, 1913 [BN: L 13023 P; também in Ilustração Portugueza, s. 2, n. 375 (28 Abr. 1913), p. 532]; MAGALHÃES, Francisco Bernardino de Sá, O castello de Almourol: poesia, Lisboa, Imprensa Nacional, 1863 [poema romântico, em estrofes de versos octossílabos, fundado sobre a lenda popular do referido castelo. O castelão, Dom Ramiro é aqui cavaleiro de Afonso V, com quem esteve em Arzila. A partir desse episódio a lenda é desenvolvida na forma convencional; BN: L 10888 (14º) P]; [MARTINS, Rocha], Castelos Portugueses – O decantado e encantador Castelo de Almourol, in Arquivo Nacional, n. 116 (30 Mar. 1934), p. 1022-1023; MELO, Dom Francisco Manuel de, Cartas Familiares, Roma, Filipe Maria Mancini, 1654 [na Carta 62, da Centúria III, deriva Almourol de Al-morol = el moro; BN: Res 373 V]; MORAIS, Francisco de, Palmeirim de Inglaterra, Évora, 1567; RAPOSO, Inácio, A tomada do Almourol, Rio de Janeiro, 1939 [a acção regista o seu climax no Canto sétimo, A marcha gloriosa, o qual termina: «[...] Acorda Almorolan!... D’jamil, desperta!... / Assan, desnuda a cimitarra, e voa / Em defesa do impávido Crescente / Porque já perto o Bauséant caminha!...»; BN: L 32914 P]; SILVA, Luís Augusto Rebelo da, O Castello de Almourol. Conto do século XVII, in Contos e Lendas, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira e Companhia, 1873 [por ter falecido prematuramente, o seu autor não chegou a terminar este conto, do qual apenas subsistem três capítulos. Os «sucessos que refere esta verídica história» são situados no ano de 1663, junto de Paio de Pele, no cenário misterioso do castelo de Almourol e de uma propriedade que D. Vasco de Mascarenhas unira às suas próprias por meio de dote que sua mulher, D. Madalena, lhe trouxera pelo matrimónio; BN: L 40916 P]

ALMUCEGA A receita do óleo de almucega ou almecega consta da Farmácia Tubalense (v. 2, p. 608). Os 213

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ALOCER jesuítas do Colégio de São Paulo de Macau, preparavam-no reduzindo a pó a resina produzida pela almecegueira, mastico ou mastique (Pistacia lenticus L. var. chia Duham) e misturando-a com óleo rosado e vinho generoso. Atribuiam-se-lhe virtudes idênticas às do óleo de *murtinhos, sendo também utilizado em clisteres, contra a disenteria. ALOCER Também *aloger. Um dos chefes do Inferno e comandante de 36 legiões de demónios, mencionado no cânone 7 do Concílio de Braga (560-563). Cavalga um equídeo, possuindo cabeça de leão e olhos ardentes. ALOÉS Aloe soccotrina, Lam. Planta de folhas carnudas e odoríferas do género das liliáceas, preconizada, sob a forma de xarope, contra todo o género de achaques e da qual são conhecidas cerca de duas centenas de espécies. A espécie denominada Aloe vera é especialmente eficaz no tratamento de queimaduras, câncro, diabetes, tuberculose, anemia, reumatismo, artrose, infecções respiratórias, do aparelho digestivo, etc. Os egípcios utilizavam aloés no embalsamamento das suas múmias, do mesmo modo procedendo Nicodemos relativamente ao corpo de Jesus (João, XIX, 39). Símbolo marial, porquanto se julgou que só floria de cem em cem anos. O Aloe vulgaris é frequentemente utilizado durante a iniciação maçónica para amargar as bebidas oferecidas ao candidato. ALOGER *Alocer. ALOMANCIA Adivinhação pelo sal, que se dissolve em água ou se faz crepitar no fogo. ALONGAMENTO Fenómeno frequentemente descrito nas Acta Sanctorum, bem assim como nos processos de beatificação e canonização, apesar de não lhe ser atribuído quer significado religioso, quer valor apologético. Manifesta-se nos místicos 214

em extâse, consistindo no alongamento dos membros ou de todo o corpo como se se tivessem tornado elásticos. Também registado no corpo de diversos médiuns (o caso clássico é o de D. D. Home, ocorrido em 1870). ALPABARDA *Alcaparra. ALPARDO Lusco-fusco, nos Açores. BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís, Alpardo, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 8 (1950), p. 274-275

ALPHUN SAIR Criptónimo do teosofista português, autor das seguintes obras e artigos: Prefácio a Maçonaria Iniciática de João Antunes (Lisboa, 1918 [BN: SC 22939 P]); A Teosofia e a Companhia de Jesus (in Isis, v. 1, n. 2, 1921, p. 57-61; n. 3-4, p. 104-108; n. 5, p. 143-147); O carácter da Teosofia (idem, v. 1, n. 3-4, p. 65-68); Os Extasis (idem, v. 1, n. 6-7, p. 174-176); Guerra Junqueiro (idem, v. 1, n. 11-12, p. 321-324); A Filosofia de Lao-Tseu: as suas relações com o Orientalismo Hermético (Lisboa, 1921 [BN: SA 17292 P]); Os Verdadeiros Apóstolos (in Isis, v. 3, n. 10, 1924, p. 265-270). ALPORCAS O mesmo que *escrófulas. Termo eventualmente derivado de a + porca, em virtude do porco contrair a doença (cf. Sá Nogueira, O metaforismo e os nomes do porco, in Boletim de Filologia, v. 8, n. 4). Diz-se que o pão quente origina as alporcas, tal como sentar-se numa pia de porcos (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições). O doutor *João Curvo Semedo fornece algumas receitas na sua Polianteia Medicinal, das quais se destaca esta: «raiz de lírio, que partida pelo meio, e esfregando com ela os caroços das alporcas até a raiz aquecer, e pendurando depois disto a tal raiz ao fumo da chaminé, cura as alporcas, ao passo que a raiz se vai murchando». O Tesouro de Prudentes de *Gaspar Cardoso de Sequeira ensina a purgar o enfermo de alporcas com a purga do mechoacão e ruibarbo. *Frei João Caveiro.

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ALQUERQUE ALPRAJARES Ao diabo é atribuída a construção, numa única noite, da calçada de Alprajares, junto da margem direita do Douro (Almendra, Vila Nova de Foz Côa, Guarda), em cujas proximidades há também petróglifos representando *pegadas humanas (*podomorfo), às quais o povo chama *pegadas do diabo. ALQUERQUE Designação espanhola (derivada do árabe, alquirkat) para o jogo de estratégia conhecido como ludus latrunculorum (entre os latinos), *jogo do moinho (Portugal), marelle (França), mill (Inglaterra), etc., cujo objectivo consistia em colocar 3 pedras em 3 pontos de intercessão consecutivos (três em linha), formando um «moinho». Triplo recinto insculturado, quadrangular ou circular, característico da arte rupestre pós-glaciar. Aparentado com os reticulados (conotados no Livro dos Mortos egípcio, com a bem-aventurança no além), quer meandriformes, quer labirínticos (sempre conducentes a um centro), é formado por três quadrados inscritos uns nos outros, unidos por linhas que ligam o omphalos (por vezes assinalado por uma *covinha) à periferia, perpendicularmente ou na diagonal. É óbvia a condição simbólica (imago mundi) e iniciática (mágico-religiosa) do motivo, patenteada na sua divisão tripartida (triplo-recinto), à imagem do cosmos (céu, terra, inferno) e do próprio homem (corpo, alma, espírito). Não sendo conhecidos exemplos exactos, existem paralelos (os únicos até à data recenseados) de reticulados em monumentos megalíticos: pintados em *Antelas (Oliveira de Frades), gravados nos chapéus dos dólmenes de *Arca (Oliveira de Frades) e de Pendilhe (Vila Nova de Paiva), num fragmento pétreo, encontrado por Augusto Farinha Isidoro na câmara da anta do Couto dos Enchares (Crato), e num dos esteios do dólmen de Granja de Toniñuelo (Badajoz). Ocorrências em contextos rupestres, não megalíticos: Pedra Partida de Ardegães (Águas Santas, Maia [MuseuInstAntropologia Dr. Mendes Corres da FacCiênciasPorto]); quadrado preenchido por nove sulcos horizon-

Alquerque gravado no castelo de Idanha-a-Nova.

tais e verticais, num afloramento granítico de Barreiros (Âncora); Pedra do Jogo de Cortinhas (Sejães); Zebral (Ruivães); Quinta de Ferronhe (Vil de Soito, Viseu); Castelo de Cedrim (Sever do Vouga); castelo de Longroiva; Pedra Escrita (Serrazes, São Pedro do Sul); duas representações na rocha 5 de Chã Rapada (Ponte da Barca). Outras ocorrências: na secção de uma base de coluna romana, no claustro da Sé de Viseu; no fuste de um marco miliário da colecção da Assembleia Distrital de Viseu; templo romano de Évora; Carreiras (Portalegre); silhar do arco que separa a capela-mor da nave da capela do Espírito Santo de Penha Garcia; capela de São Miguel de Monsanto; castelo de Alcácer do Sal; castelo de Idanha-a-Nova; castelo de Trancoso (destruído); Alfarela de Jales (Vila Pouca de Aguiar), etc. BIBLIOGRAFIA BORGES, Augusto Moutinho, Um jogo de Alquerque no quotidiano da Praça de Almeida e os Jogos do Moinho em Castelo Mendo, in Praça Velha, a. 9, s. 1, n. 20 (Nov. 2006), p. 49-54; CAROLINO, Luís Miguel N., A gravação das Carreiras – Portalegre – e tradições lúdicas no Alto Alentejo, in Ibn Maruán, n. 4 (1994), p. 83-94; CARREIRA, Adelaide (org.), Pedras que Jogam – Catálogo da Exposição, Lisboa, Abril, 2004; CARVALHO, António Rafael / FARIA, João Carlos, Fragmento de um Tabuleiro de Jogo de «Alquerque de nove» proveniente do Castelo de Alcácer do Sal, in Arqueologia Medieval, v. 7 (2001), p. 211-215; FÁBREGAS VALCARCE,

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ALQUEVA Ramón / PENEDO ROMERO, Rafael, Petroglifos e arte das cistas do Noroeste, in Trebaruna, v. 3 (1994), p. 5-21; FIGUEIREDO, Jorge de, Do Castro ao Castelo medieval de Trancoso: subsídios para a história das suas fortificações, in Almanaque de Trancoso (1987), p. 62-66; HENRIQUES, Francisco / CANINAS, Carlos / HENRIQUES, António, Levantamento de algumas gravações antigas sobre rocha da Beira Interior, in Beira Alta, v. 41, n. 3 (1982), p. 703-715; PONTE, Salete da, Jogos e passatempos romanos, in Castrelos, n. 12 (1999), p. 156-160; SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 357, n. 20; SILVA, Celso Tavares da, Gravuras rupestres inéditas da Beira Alta, in Actas das III Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (1977), v. 1, Lisboa, 1978, p. 167-184; idem, Gravuras Rupestres de Ferronhe (Viseu), in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu (1989), p. 283-304; TWOHIG, E. Shee, A pedra decorada de Ardegães de Águas Santas, in Arqueologia, 3 (1981), p. 49-55

ALQUEVA *Guadiana. ALQUIME Ouro e prata falsificados, i. e., ouro ou prata fundidos com outros metais (mais comumente prata, ouro e latão). Neologismo introduzido por Dom Duarte da Gama e D. João Manuel (colaboradores do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende) e, posteriormente, adoptado por Francisco Sá de Miranda, João de Barros, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Rodrigues Lobo (Corte na Aldeia, diálogo 7), Eloi de Sá Sotto Maior, etc. Bluteau recorda que alguns autores pretendem que «seja o mesmo que Metal do Príncipe» (v. 1, p. 283). ALQUIMIA Também denominada *crisopeia ou química hermética. «[...] Arte de resolver os corpos naturais compostos, ou os concretos naqueles princípios de que se compõem, para com a resolução ficarem mais puros e com maiores e mais eficazes virtudes [...]», conforme definição de um adepto português, inspirada no Lexicon Alchimiae de Martinus Rulandus («Alchimia est separatio impuri a substancia puriore»). O contacto com os escritos de todos os autênticos Filhos do Fogo transmite o sentimento comungado de que a Arcana Artis é simultaneamente uma Ciência Sagrada, uma Filosofia hermética e uma Arte Secreta. Com efeito, à imagem de todas as demais disciplinas Tradi216

Vasos alquímicos

cionais, também entre os químicos herméticos o acesso ao adeptado pressupõe um Magistério caracterizado pela gradual dispensação ao discípulo de inspirações, intuições e visões, fonte do conhecimento transmitido iniciaticamente, como mistérios vivos, dirá Julius Evola (Tradição hermética, p. 33). Sublinha, porém, o mesmo autor que o segredo alquímico não está ligado a um exclusivismo de seita e a um não querer dizer, mas sim a um não poder dizer (idem, p. 214). Isso mesmo se infere da frequente afirmação dos filósofos de que tanto os pobres como os ricos possuem em igual grau a matéria prima, germen a partir do qual a dos Sábios se obtém, pressuposta a capacidade de a Natureza se tornar perfeita se auxiliada pela Arte. Becher, na sua Physica Subterranea, não deixa margem para dúvidas acerca daquilo a que aspiram todos os adeptos sinceros: «os falsos alquimistas não procuram senão fabricar o ouro, os verdadeiros filósofos só desejam a ciência; os primeiros só fazem tinturas, sofisticações, inépcias, os outros preocupam-se com o princípio das coisas». De facto, os monumentos que esta Metafísica Experimental (na feliz expressão do Mestre de Savignies, Eugène Canseliet) nos legou, sempre figuram o Filósofo investido de missão a um tempo demiúrgica e escatológica, destinada a reproduzir à escala microcósmica o drama da criação e da paixão da matéria, com vista à preparação da Parúsia, o estado de comunhão e confraternização universal. Não constituindo, pois, a transmutação dos metais o anelo da

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ALQUIMIA Alquimia Tradicional visa ela espiritualizar o corpo e corporificar o espírito, realização espiritual e material concomitante, configurada por um processo natural, tanto na essência como nas operações. Tal concomitância tem sido não raro negligenciada por numerosos investigadores. Duas posturas quanto ao objecto da Alquimia e à natureza das suas operações gozam hoje de enorme prestígio: a daqueles que se dedicam a discutir a realidade das transmutações no intuito de exibirem a Química Hermética como uma química embrionária e a dos que insistem no carácter meramente psicológico do seu simbolismo. Vem, porém, desenganá-los a ambos René Alleau, enunciando o problema em termos inequívocos: «[...] se o verdadeiro discípulo de Hermes não se deixa cair em tentação, se resiste vitoriosamente às provas inevitáveis num domínio intermédio e subtil onde não são visíveis todos os perigos, então, progressivamente, a filosofia hermética pode eleválo do mundo dos corpos e dos prolongamentos extracorpóreos ao mundo das almas, depois, por meio de uma interiorização crescente, do psíquico ao espiritual, ainda que termine neste nível o ensinamento da Arte Real. Esta realização iniciática, muito difícil de alcançar, assinala o regresso do Adepto ao centro do estado humano. As principais consequências desta regeneração da natureza primordial são a felicidade e a longevidade que fazem do Novo Adão um reflexo humano de determinados atributos do Princípio e que abrem ao Eleito as portas do Paraíso terrestre e celeste. Tal é o verdadeiro objectivo da iniciação hermética e da elaboração da Grande Obra nos três mundos. Vê-se assim a razão por que, segundo a ordem das referências que podem ser escolhidas, é tão correcto interpretar a simbólica hermética no plano material e exterior como no plano psíquico e interior, sendo sempre possível uma transposição espiritual a cada nível da experiência estudada» (Alchimie et Cryptographie). No que respeita às interpretações simbólicas da Alquimia, elas enraízam na mística germânica do século XVII (nomeadamente na de Jacob Boehme) e suas derivas e foram propostas, entre outros, por E. A. Hitch-

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cock, Oswald Wirth, René Guénon e por Carl Gustav Jung. Na actual centúria foi, justamente, este último quem pela primeira vez chamou a atenção para os textos alquímicos alegóricos e para as ilustrações que geralmente os acompanham, designando a Alquimia por Yoga do Ocidente e encarando-a como o registo do percurso conducente a uma profunda modificação psíquica (a obtenção do Si), à qual deu o nome de individuação e definiu como «um processo de diferenciação cujo objectivo é o desenvolvimento da personalidade individual». O fascínio que estas teorias têm exercido explica a enorme fortuna de que passaram a disfrutar (também patente no desenvolvimento de certas noções anteriormente apenas esboçadas) em trabalhos no âmbito da filosofia e da epistemologia da ciência – tais como La formation de l’Esprit Scientifique (1938) e La Psychanalyse du Feu (1949) de Gaston Bachelard –, da iconologia – neste caso o exemplo mais significativo são as obras de Van Lennep –, ou no da antropologia cultural, domínio onde pontifica Mircea Eliade que, além de atribuir à química hermética uma função comparável à da yoga como técnica caracteristicamente soteriológica, evidencia no seu Forgerons et Alchimistes (1956) a relação entre o conteúdo não racional e não erudito da Alquimia e a concepção mágica da metalurgia entendida como obstetrícia da Terra-Mãe, no seio da qual os minerais se sujeitam a uma gestação semelhante à dos embriões animais. Apesar de tudo, e não obstante as doutri217

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ALQUIMIA nas de Jung se terem tornado universalmente conhecidas e aparentemente aceites sem contestação de vulto, diversas objecções as têm tido por alvo. René Alleau apresenta assim a mais importante de todas elas: «[...] quando Jung fala de arquétipos, a que alquimia e a que época se refere? Se isso se relaciona com imagens «ligadas a certos processos perceptíveis na natureza que se reproduzem sem cessar e estão sempre activos», estas imagens foram modificadas pelo processo histórico da cultura e de uma forma tão constante e profunda que não podem ser consideradas como modelos originais e imutáveis das condições interiores da vida do espírito. Em contrapartida, podemos aceitar a ideia dum arcaísmo do psiquismo humano, pois nem a biologia nem a psicologia desmentem esta hipótese experimentalmente verificável. Na condição de não esquecer, no entanto, que não há imagem do primordial a este nível, pois o primordial não pode ser representado nem sequer imaginado: pode apenas ser vivido na sua opacidade compacta e em que a incapacidade de imaginar é precisamente um dos sinais clínicos da regressão psíquica. Se existisse um «imaginário original típico», este fenómeno patológico não se produziria» (idem, p. 16-17). Outra crítica, agora de carácter metodológico, merece também uma referência. Baseia-se na circunstância de Jung não se interessar, regra geral, pelos ciclos de ilustrações no seu contexto próprio, preferindo associá-las à medida que elas lhe vão permitindo sustentar uma determinada interpretação. Ora, a partir do momento em que tudo pode transformar-se em material simbólico para a Alquimia, a especificidade do simbolismo alquímico esfuma-se, conduzindo tal capricho a uma extensão exegética do sistema de simbolização assumido pelos químicos herméticos nas suas implicações operativas e apenas nelas. E de novo se justifica a lição de Alleau: «[...] a alquimia repousa sobre uma base concreta e precisa, sem a qual toda a sabedoria hermética deixaria de possuir qualquer fundamento seguro e ficaria sujeita unicamente à fantasia humana» (idem, p. 313). Fernando Pessoa mostra-se algumas vezes inclina218

do a interpretar simbolicamente a Alquimia. Se, todavia, em determinados momentos da sua vida – e o problema reside em determinar exactamente quais, pois a quase totalidade dos documentos que interessam para o caso não se encontram datados – perfilhou esta posição, porventura tributária da de O. Wirth de cuja obra foi, como tudo leva a crer, atento leitor, noutras perspectivou a questão sob o ângulo do hermetismo Tradicional, estabelecendo uma clara distinção entre a química hermética e a vulgar e demarcando-se também, desse modo, das posições assumidas pelos Hiperquímicos. É que, com efeito, se entre a Espagíria e a Alquimia apenas existe uma diferença de grau, já relativamente à química a diferença é abissal, quer quanto ao objecto quer quanto ao método, pois a Crisopeia não se aplica à natureza dos fenómenos que a química estuda. É, por conseguinte, incorrecto pretender que a química se desenvolveu à custa da decifração dos arcanos alquímicos. Muito pelo contrário ela teve o seu progresso retardado pela atracção que a arte de Hermes, prolongada na teoria flogística (1650-1750), exerceu nos espíritos sequiosos de desvelar os segredos da natureza. A história da alquimia ocidental principia no Egipto helenístico, cerca de 200 a. C. A literatura alquímica divulga-se seguidamente em Bizâncio e entre os Árabes, passando à cristandade latina no século XII. Todavia, se a sua penetração na Europa mediévica ficou indubitavelmente a dever-se ao Islão (a quem igualmente pode ser atribuída boa parte da nomenclatura depois adoptada pelos Filósofos do Fogo do velho continente), o território da Península Ibérica actuou como autêntica placa giratória para a sua difusão. Com efeito, o Al-Andalus proporcionou quer os primeiros contactos da Europa com as fontes alquímicas, quer a divulgação da tratadística islâmica que tão significativo papel havia de desempenhar na constituição e desenvolvimento da alquimia cristã. Daquela, as obras que maior fortuna grangearam foram o Arcandorum Liber e o De Aluminibus et Salibus, atribuídas a Razi (trad. Gerardo de Cremona), o De Compositione Alchimie de Morienus (trad.

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ALQUIMIA Robert de Chester), o De Congelatione et Conglutinatione Lapidum, extraído do Livro dos Remédios de Avicena (trad. Alfred de Sareshel), o Liber Sacerdotum, o Liber de Divinitatis de LXX (Al-Kutub Al Sab´un) de Geber (trad. Gerardo de Cremona), bem assim como a Tabula Chemica de Ibn Umail, ou o Liber Misericordiae (Kitab Al-Rahma), divulgado por Paracelso. No século XII, época áurea das traduções latinas de tratados islâmicos pela Escola de Toledo (Domingos Gundissalvo e Gerardo de Cremona), está confirmada a existência na Hispânia de uma sólida tradição de conhecimentos químicos originários do Egipto helenístico, os quais os sábios muçulmanos tentavam harmonizar com práticas metalúrgicas artesanais autóctones. Parece mesmo ter havido comunidades expressamente vocacionadas para o efeito, ao ponto de terem deixado marcas palpáveis no chão peninsular. Alguma toponimia lhes faz jus. Cerca do século X existia na Galiza uma vila denominada Alquimitia ou Alkimitia. José Pedro Martins Barata estava convicto que tanto os dois afluentes do Rio Sever (a Ribeira de Avid, situada em Espanha, e a Ribeira Davide, que corre em território português), como o topónimo Castelo de Vide, derivam da palavra Abit, pela qual era conhecido pelos alquimistas o minério de chumbo sob a forma de carbonato, acrescentando que se trata de nome «de importação oriental, trazido pelos Árabes ou pelos Templários». Seja como for, a Tabula Smaragdina (trad. Hugo de Santalla), atribuída a Hermes Trismegisto e considerada o melhor compêndio da Arcana Artis, já era conhecida no século X em Córdova, onde fora usada como colofón de um outro livro de alquimia, o Sirr AlJaliqa ou Kitab Al-´Ilal, o qual fizera a sua aparição no Al-Andalus durante o califado do omíada Al-Hakam II (f. 976). A par do conhecimento da inventiva alheia, assiste-se, entretanto, ao despontar da Alquimia islâmica hispânica. O seu primeiro produto de que se acha notícia, o Gayat Al-Hakim, redigido cerca de 1059 e tornado famoso com o título de Picatrix, passa indevidamente por ter sido obra do madrileno Abu Maslama. Outros nomes são

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incontroversos. De um discípulo de Abu Maslama, de seu nome Ibn Bisrun, conserva-se uma epístola, dirigida a Ibn Al-Samh e citada pelo historiador Ibn Jaldun. Por seu turno, notável poeta, gramático, jurista e filósofo, Abu Muhammad ´Abd Allah Ibn Muhammad Ibn As-Sid (O Filho do Lobo, também conhecido por Al-Nahuí, o Gramático, e Al-Bataliaussi, o de Badajoz), nascido em Silves na época das primeiras taifas, dedicou à Alquimia uns quantos capítulos do Kitab Al-Masâ-´Il. Tais textos constituem o impressivo corolário do saber de práticas metalúrgicas arcaicas, sondadas pelos adeptos muçulmanos e às quais as Compositiones ad Tingenda e as Mappae Clavicula, darão uma assinalável notoriedade além Pirinéus. Se, porém, a cultura alquímica helenística e as suas ramificações mediterrânicas se acham suficientemente investigadas e dilucidados os seus contornos, já outro tanto se não pode afirmar quanto à sua correspondente hispânica. A relativa indefinição que reina com respeito ao universo das Artes do Fogo (metalúrgia) ao tempo da penetração do Islão no Al-Andalus, subsiste concomitantemente com a suspeição de a aura mágica do finisterra hispânico, manifestada pelo sincretismo dos eventos históricos com a mitologia, circunstância à qual os adeptos muçulmanos chegaram a conferir enorme valor simbólico, poder ter norteado o Islão para o contacto com o mosaico das cosmogonias que, consabidamente, ali coexistiam. Se é de todo infundada a suposição que diversos autores 219

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ALQUIMIA expõem de nunca ter havido em Portugal cultores da Arcana Artis não é menos destituída de verdade a opinião que lhes dá existência apenas a partir do século XVIII. Globalmente, é certo, cabe à centúria de setecentos a mais importante cópia de notícias documentadas, não só a respeito da actividade dos Filósofos do Fogo, como da especulação em torno do objecto e natureza das operações a que se dedicavam. Era fatal que as Academias, tão concorridas no século a que me reporto, se ocupassem do assunto. Pela pena do poeta Tomás Pinto Brandão ficamos a saber que numa sessão Académica em que participara «se tinha discursado sobre a pedra filosofal larga e teimosamente». As Conferências Discretas e Eruditas promovidas pelo 4º Conde da Ericeira, Dom Francisco Xavier de Menezes (1673-1743) também o não deixaram sem análise. É Rafael Bluteau, clérigo Teatino, quem confere verosimilhança ao caso. Ele próprio afirma ter discursado numa dessas reuniões acerca «Da probabilidade da Pedra Filosofal». Além disso o seu Vocabulário Portuguez e Latino (1712-1721), em grande parte acta desenvolvida das sessões desse cenáculo – que se reunia para o estudo de problemas filosóficos e matemáticos, além de questões relacionadas com a língua portuguesa e a crítica de autores – apresenta-o a discretear sobre a Turba dos Filósofos como se de um adepto se tratasse. Não deixa de ser igualmente sintomática de uma familiaridade insuspeitada a circunstância de em inúmeras obras de medicina se encontrarem alusões detalhadas à química hermética e a operações espagíricas com ela aparentadas. O código conceptual subjacente a tais trechos pressupõe, é evidente, ou seria escusado, a existência de destinatários qualificados, o mesmo se podendo dizer da doutrina espagírica nelas pormenorizadamente exposta. Com efeito, na época, a medicina hermética ou paracélsica com os seus Remédios de Segredo gozava de grande prestígio e voga. Alguém já sugeriu, sem contudo tornar públicas as suas fontes, que os freires de Cristo foram adeptos da Química Hermética. Nada obsta, se bem que o mais plausível é que tenham sido apenas da medici220

na espagírica ou iatroquímica. É o que se depreende do capítulo onde se preceituam as atribuições do Boticário do convento de Cristo de Tomar. Não resisto à tentação de o reproduzir a partir do códice existente no ANTT, intitulado Uzos das Ceremonias e Louvaveis costumes da Ordem de Christo reformados no anno de 1702: «O boticário será um religioso sacerdote de muita caridade e curiosidade, e que tenha alguma ciência da botica ou experiência dela, ao qual se dará religiosos, ou seculares que o ajudem; procurando sempre haver pessoa que saiba bem da botica pelo que importa à saúde dos religiosos, crédito e bom serviço da botica, e assim deve estar o boticário presente à visita pela manhã, e tarde, para notar bem as mezinhas que se mandem dar a cada um, não se fiando nunca na sua memória, pois é coisa de tanta importância a saúde dos enfermos, procurando sempre estar a botica muito provida dos símplices, e mais mezinhas necessárias às necessidades e enfermidades que sobrevivem aos religiosos, fazendo e mandando fazer as águas destiladas, xaropes, pílulas e mais compostos de que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem o saiba bem fazer, quando em casa o não houver para tudo ser perfeito; e pedirá ao Prelado todo o açúcar necessário, que terá por rol para dele dar conta por inteiro. Não dará para fora mezinha alguma sem licença do Prelado, excepto pós comuns, unguentos, e outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado assinar as receitas do médico constando ser de pobres. Não comprará drogas, nem outras mezinhas sem licença do Prelado, nem sem as ver quem disso bem entenda, assim para a bondade delas, como para o preço. De todos os símplices, e compostos da botica terá muito cuidado, para que não se corrompam, e quando houver de fazer algumas coisas daquelas, que se costumam fazer de noite dará conta sempre disso ao Prelado para que saiba a ocasião de sua falta e o que passa naquelas horas, e tempo, e procurará sempre assistir nessa oficina». É indesmentível o facto de a Química Hermética ter sido cultivada por clérigos e, frequentemente, à sombra de ordens religiosas, o

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ALQUIMIA que, como é sabido, sucedeu nos Conventos beneditinos e franciscanos de Breslau e Cimiez pelo menos até ao século XVII. No que respeita à *Espagíria, bastará frisar que um convento possuía invariavelmente hortos de ervas e plantas medicinais na sua cerca. Seja como for, a impossibilidade de se aduzirem provas cabais da prática laboratorial relacionada com a Crisopeia em Tomar não invalida, para já, tal hipótese. É pena que se desconheça quer o teor quer o paradeiro da única fonte porventura capaz de lançar alguma luz sobre o problema, isto é o Tratado de observações Chymicas atribuído por Barbosa Machado ao cronista da Ordem de Cristo, Frei Bernardo da Costa. Mas terão, efectivamente, os religiosos portugueses sido tentados a empreender a Grande Obra? A esse quesito só uma afirmativa convém, uma vez que o interesse concitado por parte de diversas casas de Religião pela tratadística não poderá justificar-se exclusivamente por uma mera curiosidade intelectual. Porém, em nenhumas outras como nas Livrarias da Congregação de São Filipe Neri, outrora instalada no Convento, actual Palácio das Necessidades, e do convento de Mafra o acervo terá sido, de acordo com os dados disponíveis, tão significativo. Apurar como vieram esses monumentos parar a Portugal constitui tarefa de difícil, se não de impossível, concretização. Expressamente encomendados ou simplesmente trazidos na bagagem de Adeptos de outras nacionalidades que nos visitaram? A. M. Amorim da Costa parece optar pela segunda possibilidade quando afirma: «Portugal foi, certamente, país desejado e visitado por alguns alquimistas ambulantes estrangeiros que por cá terão demorado (e, porventura, até fixado), deixando atrás de si alguns discípulos, talvez ferverosos depositários dos seus ensinamentos, de cujas práticas se podem encontrar vestígios, aqui e ali». O contributo de pesquisadores espanhóis, não obstante a sua inegável utilidade, não se mostra mais decisivo. Apesar de tudo, penso não ser necessário fazer depender exclusivamente dessas visitas esporádicas a existência de Adeptos operando no nosso país, embora, é certo, também cá se tenham

Vaso de Via Breve (exposição realizada em Mafra, em 1994).

deslocado alguns, nem sempre, convirá sublinhar, com o intuito de desvelar os segredos de que se haviam tornado detentores... É conveniente não perder de vista o papel proeminente desempenhado pela Península Ibérica na difusão da alquimia na Europa Medieval e, pelos vistos, o de Portugal no que concerne à Espanha. Não é de excluir, inclusive, o caso de ter sido sonegada a adeptos lusitanos a autoria de escritos, entretanto reinvindicada para autores castelhanos a quem anda por fama atribuída. De resto, a inversa também é válida, isto é, Adeptos (ou assopradores pois os houve igualmente) portugueses visitaram nações estrangeiras onde terão, eventualmente, mantido contactos com outros filhos de Hermes de quem receberiam instrução tanto oral como escrita. * Via Breve. BIBLIOGRAFIA ALLEAU, René, Alchemie et Cryptographie, in L’Alchimie de E. J. Holmyard, Paris, 1979; BERTHELOT, Les Origines de l’Alchimie, Paris, 1885 [a p. 279: «a Alquimia era uma filosofia, isto é, uma explicação racionalista das metamorfoses da matéria»]; ELIADE, Mircea, Le Yoga – Immortalité et

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ALQUIMIAR Liberté, Paris, 1954 [cap. VII]; EVOLA, Julius, A Tradição Hermética, Lisboa, 1979; GANDRA, Manuel J., Subsídios para a bibliografia crítica das fontes e estudos respeitando ao Hermetismo em Portugal. I. Alquimia (tratamento biblioteconómico de Amélia Caetano), Mafra, 1994; idem, Alquimia em Portugal, in Discursos e Práticas Alquímicas, v. 1, Lisboa, 2001, p. 173-229; idem, Subsídio para o Catálogo da tratadística alquímica antiga (até 1800), presente no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, Mafra, 2003, p. 143-178; GARCIA FONT, Juan, Historia de la Alquimia en España, Madrid, Editora Nacional, 1976; HOLMYARD, E. J., Alchemy, Londres, 1957; HUSSON, Bernard, Transmutations Alchimiques, Paris, 1974; PEREIRA, Moutinho, Alquimistas portugueses em busca da pedra filosofal, in Diário de Notícias. Suplemento (30 Jan. 1988) [Entrevista com Manuel J. Gandra]; RAMÓN DE LUANCO, D. José, La Alquimia en España: escritos inéditos, noticias y apuntamientos que pueden servir para la Historia de los Adeptos Españoles, Madrid, 1889 [Numa colecção alquímica, «a mais copiosa que conhecemos entre as espanholas», manuscrita pelo calígrafo Don Francisco Javier de Santiago Palomares (1728-1796) encontra-se vária matéria a merecer registo, entre outra: a tradução do latim para espanhol da Clavis Sapientiae de Artefius, realizada no Porto por Don Francisco Fernandez de Obecurri y Vallejo e concluída em 22 de Junho de 1774; a reprodução integral de uma versão inédita do Livro «del Tesoro, atribuido sin razón ni prueba al décimo Alfonso de Castilla» (p. 250-281). Reedição anastática em 1980]; RUIZ SERRA, Javier, Breve recorrido histórico de la Alquimia en Espana, in La Alquimia en Espana, Madrid, 1980 [Trata-se do Prólogo que antecede a reprodução anastática do texto publicado em 1889].

ALQUIMIAR Forjar, fingir. O De Ortu Scientiarum ou Liber de Scientiis de Al-Farabi contribuíu decisivamente para que a partir do século XII se atribuísse à Alquimia um lugar entre as Artes. Ao quadrivium Al-Farabi acrescenta as oito partes da ciência natural e, não obstante omita qualquer referência à alquimia, cita uma classificação do Livro das Definições de Geber, onde ela é apresentada como a mais nobre das ciências profanas e aquela da qual todas as outras dependem. Por seu lado um escrito divulgadíssimo de Domingos Gundissalvo, o De Divisione Philosophiae, estabelece a distinção entre o ramo prático e o teórico de uma ciência, atribuindo à alquimia a oitava das subdivisões da scientia naturalis. Daniel de Morley, também influenciado por Al-Farabi, inclui a alquimia na astronomia, que considera a fonte das ciências, no Liber de naturis inferiorum et superiorum (ed. K. Sudhoff). Já Rogério Bacon 222

(1210/14-1292) demonstra a maior consideração pela alquimia simultaneamente como saber teórico (scientia) e saber destinado a uma aplicação prática (ars), colocando-a no quinto lugar no seio da ciência natural (enquanto à ciência experimental só é atribuído o oitavo). Considera, no De erroribus medicorum (ed. R. Steele) que a alquimia constitui a teoria das causas da composição dos corpos e acrescenta que os médicos teriam toda a vantagem em lhe seguir os métodos exemplares, como aquele que adopta com a finalidade de extrair virtudes. O Doutor Angélico, Tomás de Aquino, fazia da alquimia afilhada das artes mechanicae (Expositio super Librum Boethii de Trinitate, Leyde, 1955, q. 5, art. 1) e considerava-a lícita desde que se abstivesse de penetrar no campo da magia (da qual a classificação hermética das ciências a aproximava), concluindo na Suma Teológica poder ser considerado autêntico o ouro fabricado pelos alquimistas. É, de resto, essa a atitude que, de uma forma geral, a Igreja reproduz, desconhecendo-se qualquer medida eclesiástica, anterior à segunda metade do sec. XIII, dirigida expressamente contra a Alquimia. Só então começa a ser alvo de ataques virulentos, sendo acusada de servir à manipulação da moeda e declarada falsa pela Bula Spondent quas non exhibent (1317) de João XXII, que consta ter sido um adepto ferveroso da filosofia natural, ao ponto de haver concedido avultados créditos ao seu médico privado para este adquirir instrumentos alquímicos, atribuindo-se-lhes a ambos uma obra intitulada Arte Transmutatoria (Lyon, 1557). Entre nós, o Leal Conselheiro de Dom Duarte é o precursor da galeria de opiniões depreciativas até agora documentadas acerca da *crisopeia. Aquele monarca trata-a de burla e aos alquimistas de burlões e embusteiros no cap. XXXVII, intitulado Das outras virtudes e ciências a que dão fé per desvairadas maneiras. Fica no ar a suspeição de que, eventualmente implícito neste comentário, se ache um juízo negativo a respeito do cunhado, Filipe o Bom de Borgonha que se dedicava à arte e teria, segundo Ricardo Estanhimst [BNMadrid: ms. 2058, fl. 248-257],

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ALQUIMISTA instituído a Ordem do Tosão de Ouro não para assinalar o seu casamento com Isabel de Portugal (Bruges, 10 de Janeiro 1430), mas para comemorar uma transmutação que havia realizado. O atestado de que tanto o Duque como seu filho se entregavam à crisopeia é uma carta de Agrippa a Tritémio, datada de Tollen, em 1509, descrevendo o laboratório que o ducado possuía em Dijon. Seja como for, a opinião de Dom Duarte será revalidada nas centúrias seguintes por D. Duarte da Gama e D. João Manuel, colaboradores do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e introdutores deste conceito, posteriormente adoptado por Francisco Sá de Miranda, João de Barros, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Eloi de Sá Sotto Maior, etc. ALQUIMISTA Aquele «que sabe ou exercita a arte química», consoante a definição de Bluteau (v. 1, p. 284). Frei António das Chagas confere ao termo um sentido moral quando afirma: «dei em alquimista de hipocrisias» (Obras Espirituais, t. 2, p. 168). A alquimia sempre foi considerada pelos seus adeptos como a expressão paradigmática da actividade artística. Na Grécia clássica o artista era designado Demiurgòs (criador) ou Technètes (técnico), enquanto quem fabricava algo, caso do poeta, era chamado Poietès. O Artista no seu laboratório-oratório é um tema recorrente na tratadística, constituindo a gravura de H. Vredeman de Vries inserta no Amphitheatrum Sapientiae Aeternae (1604) de Heinrich Khunrath, talvez a peça iconográfica que melhor o exemplifica. Fora do contexto alquímico o tema é tratado até à exaustão. Um altorelevo esculpido no túmulo trecentista do Rei D. Fernando [Museu do Carmo de Lisboa e calcografia no Museu de Escultura Comparada de Mafra] passa por ser uma das suas mais remotas representações. Num alto relevo figura um alquimista no seu laboratório, contemplando o Ovo dos Filósofos. Tratando-se, como é o caso, do túmulo de um monarca, a metonímia é evidente, pois não é a alquimia a Arte Real por excelência? O despertar do Rei para uma nova existência fica propiciado pelo exemplo

Alquimista no laboratório: pintura s/ cobre, de origem flamenga ou holandesa [BPÉv].

de São Francisco, representado no exacto momento da recepção dos estigmas, dos quais correrá o sangue real ou vermelho da Obra, isto é, a Chave da Vida e da eternidade. As metáforas extraídas da *Paixão de Cristo aplicadas aos processos químicos surgem pela primeira vez em Arnaldo de Vilanova, ou num tratado (De lapide philosophorum ou De secretis naturae, in Opera, Lyon, 1520, cap. 5) circulando em seu nome na primeira metade do século XIV. Por seu turno, João de Rocacelsa, confirmando que tais metáforas são devidas a Arnaldo, interpreta-as a seu modo: propõe-se extrair do vaso dos filósofos a pedra, a qual se encontra encerrado nele como o Cristo (qual lapis filosófico) esteve no sepulcro (De confectione veri lapidis philosophorum, in Verae Alchimiae, v. 2, p. 226-230). Cronologicamente, a primeira iconografia do tema surge num tratado de Gratheus, do sec. XIV [BNViena: cod. 2372]. Posteriormente, o tema ocorre iconografado (ca. 1520) por um alemão conhecido por Mestre Petrarca. Porém, depressa o carácter satírico de tais peças se torna excepção. De facto, o louco e o assoprador (Pieter Cool) cedem o passo no laboratório ao pesquisador autenticamente empenhado na Grande Obra, apresentado ora a destilar ora a estudar. Quiçá inspirado no desenho O Alquimista (1558) de Pedro Bruegel, o Velho, o tema conhecerá uma difusão digna de nota, transformando-se no assunto predilecto de um número impressionante de pintores e gravadores: Balthazar Van den Bossche (1518-1580), Jan 223

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ALTA VENDA Van der Straet (1523-1605), Adrien Van Ostade (1610-1685), David Ryckaert III (1612-1661), Cornelis Bega (1620-1664), Mathieu Van Hellemont (1623-c. 1679), Jan Steen (1626-1679), Gerbrand van den Eeckhout, Jacob Toorenvliet, Cornelis Dusaert, Egbert Van Heemskerk, Jan Thomas Van Kessel, Frans Van Mieris, Gabriel Metsu, Jan Luyken, Daniel Van Heil, Thomas Wijck, Justus Van Bentum (1670-1727), Edmund Hellmer, Thomas Major (1714-1799), etc., etc. Trata-se de um género de obras, produzidas em série a partir de estereótipos, destinado, regra geral, a ornamentar gabinetes de curiosidades detentores de uma secção alquímica. Todavia, a estrita obediência a modelos não impediu o surgimento de variantes. A clivagem entre a Crisopeia e a Química, por exemplo, interessou alguns artistas, com destaque para Joseph Wright (1734 - ?) no Alquimista em busca da Pedra Filosofal descobre o fósforo e ora para a feliz conclusão da sua operação, como era hábito dos antigos astrólogos químicos (1771). No que a Portugal respeita são conhecidos, além deste que se expõe, outros trabalhos congéneres: de David Teniers, O Velho, no MNAA (Guia de Portugal Artístico, v. 5, 1938, p. 22), da Colecção Francisco de Sande de Lemos, correndo igualmente diversas gravuras reproduzindo óleos de Teniers. Há ainda referência documental a: duas grandes pinturas numa colecção particular do Porto (Raczinski, 1846); um óleo sobre cobre de Christian Dietrich (1712-1774) vendida no Leilão da Colecção Moreira Freire (1909-1914); duas telas (uma das quais assinada Ad Lefevre) e outra pintura sobre cobre de Tony de Bergue, vendidos no Leilão dos Quadros existentes no Real Palácio das Necessidades pertencentes à herança do Rei D. Fernando de Sax Coburgo (Lisboa, 1892, nº 31, 196 e 287); tela leiloada na herança de D. Maria Balbina dos Reis Pinto (Lisboa, 1894, nº 160), a qual, no ano de 1884, já se encontrava na Biblioteca Pública de Évora, tendo sido integrada no Museu da mesma cidade, após a criação deste, em 1915. A esta, ter-lhe-á servido de modelo ou o protótipo do 224

O alquimista do túmulo do rei D. Fernando I, proveniente do convento franciscano de Santarém [Museu do Carmo].

próprio David Teniers ou a respectiva gravura aberta por Thomas Major, intitulada The Chymist (1750). BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Portugaliae Monumenta Hermetica: Subsídios para a bibliografia crítica de fontes e estudos respeitando ao Hermetismo em Portugal: I. Alquimia (tratamento biblioteconómico de Amélia Caetano), Mafra, 1994; idem, Filosofia Hermética, in Bosch ou o Eterno Retorno, Lisboa, 1994, p. 131-132, n. 21; HILL, C. R., The Iconography of the Laboratory, in Ambix (Jul. 1975), p. 102-110; LEITE, Ana Cristina / PEREIRA, Paulo, Nota sobre o Alquimista do Túmulo de D. Fernando, in Eldorado, Lisboa-Porto, 1982, p. 64-65; PEREIRA, Gabriel, A colecção de desenhos e pinturas da Bibliotheca d’Évora em 1884, Lisboa, 1903, nº 73; SERRÃO, Vitor, Ignorada tela no estilo de David Teniers, o Moço, em Lisboa, in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 3, n. 75-78 (1971-1972), p. 35-45; VAN LENNEP, Jan, L’Alchimiste: origine et développement d’un thème de la peinture du XVIIe siècle, in Revue Belge d’Archéologie et d’ Histoire de l’Art, v. 3-4 (1966), p. 149-168.

ALTA VENDA O mesmo que *Carbonária. ALTAR Lugar de Deus e da sua presença (Genesis, XXVI, 24-25), o altar não é assumido como um objecto meramente funcional, porquanto encarna a vera axialidade de um Templo, instituindo-se como mediador entre Deus e a humanidade. Termo derivado do latim altus, correlato do hebraico mizbe’ah, e do grego thusiathérion. Mesa ou edícula sobre a qual se oferecem sacrifícios aos deuses, consubstanciando o

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ALTAR

Gravura de Manuel Freire (séc. XVIII), figurando o altar com todos os respectivos pertences, bem como as acções com vista à sua incensação e bênção.

reconhecimento e a submissão ao seu poder. O esteio da cabeceira ou estela axial da câmara das antas, designadamente aquelas que foram decoradas, pode ter funcionado como autêntico altar ou retábulo delas. As tholoi do Monge (Sintra) e de Pai Mogo (Lourinhã) apresentaram cada uma um altar construído com uma laje apoiada sobre duas outras verticais, indubitavelmente pertencentes à construção inicial de ambos os monumentos. No caso de Pai Mogo os seus exploradores concluíram que a tholos «não tinha sido apenas um túmulo mas antes um santuário com o seu respectivo altar». Luís de Albuquerque e Castro assinalou a ocorrência no monumento megalítico da Capela dos Mouros (Arcas, Talhadas, Lafões) de uma pedra, encostada à cabeceira do dólmen, apresentando 13 cavidades com o formato de «calotes esféricas» (diâmetros compreendidos entre os 11 e os 15 cm e 3 a 4 cm de profundidade). Tais cavidades, pias ou pequenas bacias abertas intencionalmente, também encontradas nos dólmenes da Pedra Moura (Sever do Vouga),

de Vilarinho (Carrazeda de Ansiães), de Perafita (Alijó) e do *Alvão (Vila Pouca de Aguiar), entre outros, seriam presumivelmente destinadas a receber oferendas de líquidos sacrificiais ou para abluções (água, leite, sangue, etc.). Na anta da Pera do Moço, também denominada do Carvalhal de Gouveias (Pinhel), depunham-se, ainda em 1940, os dízimos das colheitas, queimando-se como em pira (segundo Pinho Leal, o mesmo ocorria em antas da região de Canas de Senhorim, Nelas). Conforme a direcção do fumo (para que lado se inclinava), assim o oráculo sobre a abundância ou a carestia do ano (cf. Martins Sarmento, Relatório da Secção Archeológica da expedição Scientifica à Serra da Estrela, 1883, p. 21 e Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, v. 1, 1897, p. 291, n. 1). O altarium (outeiro) era nas villae lusitano-romanas o nome atribuído à colina ou alto sobranceiro à vila ou casal onde se erguia a *ara ou altar destinados a depositar as oferendas às divindades protectoras dos moradores e bens da comunidade em questão, e em torno 225

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ALTAR do qual eram celebrados os actos litúrgicos em honra das mesmas divindades. Podia ser um penedo mais proeminente, mas, mais frequentemente, tratava-se de um paralelipípedo de pedra mais ou menos artisticamente trabalhado, com inscrição votiva, podendo também ser anepígrafo. Inúmeras de tais aras servirão, actualmente, de supedâneos a cruzeiros e de pés de altar de ermidas ou outros templos edificados nas proximidades dos antigos santuários. Na Aliança Antiga era o altar que santificava a vítima pelo facto de ser depositada sobre ele e, por essa via, cair sob a esfera do sagrado (Genesis, VIII, 20; XII, 7; XIII, 4; XXII, 9; XXVI, 25; XXXIII, 20; XXXV, 1 e 3; Exodo, XVII, 15; XXX, 28; XXXIX, 39; Ezequiel, VI, 3; 2 Reis, XXIII, 12; XVI, 4; XXIII, 8; etc.). Já na Nova Aliança o valor residiria na própria oferenda depositada sobre o altar, porquanto ela figurava o corpo verdadeiro e o sangue autêntico do Salvador. Inicialmente (do século II ao século IV), a celebração eucarística realizava-se sobre o túmulo de um mártir, o qual continha uma cavidade selada com tampo de pedra (pedra de ara), denominada sepulcrum, na qual eram encerradas as respectivas relíquias. Com *São Paulo tornar-se-ia altare et mensa, i. e., a mesa do Senhor (mensa Domini), destinada ao consumo da refeição sacrificial ou Eucaristia. Com efeito, foi o autor da Epístola aos Hebreus o primeiro a assimilar a cruz de Cristo ao altar da Lei Antiga (Hebreus, XIII, 10), identificação que seria consagrada ao ponto de numerosos altares antigos apresentarem uma cruz gravada ou incrustrada na face posterior da base. Padres da Igreja, como São João Crisóstomo (Homília sobre a 1ª Epístola aos Corínteos, XXXVI, 5) veriam no altar o Trono de Cristo. Posteriormente, de Trono de Cristo o altar transformar-se-ia em imagem do próprio Cristo (cf. Pontifical Romano), sinal da Sua presença permanente. Nessa conformidade, a cerimónia de consagração de um altar foi decalcada dos eventos chave da vida de Cristo: baptiza-se o altar, unge-se, marca-se com cinco cruzes de consagração que são as cinco chagas do crucificado, e, enfim, orna-se solenemente com paramentos que cons226

tituem o prolongamento e a extensão do Corpo de Cristo. Ao amplificar o tema de Yavé como rochedo de Israel, de molde a integrar a ideia de Cristo como pedra angular, rejeitada pelos construtores e tornada fundamento da Igreja espiritual (Isaías, XXVIII, 26; Actos, IV, 11; 1 Pedro, II, 4 e 6-7; Efésios, II, 20), o cristianismo passaria a adoptar, a partir do século IV, altares de pedra em substituição dos de madeira. Diz Santo António que o altar para o Senhor possui cinco côvados de comprimento, outros tantos de largura e três de altura: «O comprimento designa a perseverança, a largura o amor do próximo, a altura a contemplação de Deus [...]» (Obras Completas, v. 2, p. 115-116). Numa igreja o local onde se situa o altar é central, dominante e único, o edifício inteiro converge para o altar, tal como a liturgia converge para o mistério pascal. No entanto, não é conveniente a proximidade do altar e dos fiéis, uma vez que aquilo que melhor define o altar é o seu carácter de lugar santo, arredado do domínio profano, donde a delimitação do seu espaço próprio com grades e cancelos. Na liturgia católica são indispensáveis os seguintes pertences de altar para a missa poder ser dita: três toalhas de linho (das quais a superior tem de pender até ao chão de ambos os lados); o *crucifixo bem visível ao meio da banqueta; pelos menos dois castiçais com velas de cera; as sacras (sendo a do meio a mais necessária); *estante ou *almofada de Missal. *Agnistério, *altarmor, *pedra de ara. BIBLIOGRAFIA BOTELHO, H., Antas do concelho de Alijó, Parafita, in O Arqueólogo Português, v. 4, n. 7-9 (1898); BRENHA, José, Dólmens ou antas no concelho de Vila Pouca de Aguiar, in Portugália, v. 1, n. 1-4 (1899-1903); CASTRO, Luís de Albuquerque e, Monumento megalítico da Capela dos Mouros (Arcas, Talhadas), in Actas e Memórias do 1º Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959, p. 235-241; CASTRO, Luís de Albuquerque e / FERREIRA, Octávio da Veiga, Sobre dólmens da Bacia do Vouga (comunicação apresentada ao XXIII Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Coimbra, 1956); COELHO, Dom António, Curso de Liturgia Romana: Liturgia Sacrificial, v. 2, Braga, 1943; MARTIN, Dom M., O altar. 1 – Harmonia das Proporções, in Ora et Labora, a. 3, n. 2 (1956), p. 69-74; idem, O altar. III, in Ora et Labora, a. 3, n. 4 (1956), p. 177-180; idem, Cruz do altar e castiçais, in Ora et Labora, a. 6, n. 2 (1958), p. 65-71; MARTINS, Fausto Sanches, Trono eucarístico do retábulo por-

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ALTOS CÉUS tuguês: origem, função, forma e simbolismo, in Actas do I Congresso do Barroco (1989), Porto, 1991, p. 17-58; ROQUE, Maria Isabel Rocha, Altar Cristão: evolução até à Reforma Católica, Lisboa, 2004; SANTOS, Joaquim Neves dos, Altar com covinhas no Castro de Guifões, in Actas do I Colóquio Portuense de Arqueologia (1961), Porto, 1962 (in Studium Generale, v. 9, n. 1, 1962, p. 111-117); SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Pinturas megalíticas no concelho de Carrazeda de Ansiães, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia (1930); TAVARES, J. A., Arqueologia do distrito de Bragança: dólmens do Vilarinho e Zedes, in O Arqueólogo Português, v. 1, n. 4 (1895)

ALTAR-MOR *Agnistério.

Ilustração do romance O Conde de Monte Cristo, registando o encontro entre Althotas e o protagonista da obra de Alexandre Dumas.

ALTHOTAS Personagem do romance O Conde de Monte Cristo (trad. port., 1876) de Alexandre Dumas, prisioneiro, à semelhança do protagonista, no Castelo de If. O seu nome, Al + Thot + as, é um evidente criptograma de Thot, deus egípcio consagrado como *Hermes Trismegisto. Médico, *mago e *alquimista de origem portuguesa, porventura o próprio *abade de Faria (*José Custódio de Faria), apesar de haver sido identificado, ora como Kolmer (mestre de magia de Weishaupt), ora como o conde de Saint-Germain. ALTINA Suposta viajante, protagonista das Viagens d’ Altina nas cidades mais cultas da Europa e das

principaes povoações dos Balinos, povos desconhecidos de todo o mundo (Lisboa, 1798-1828, 4 vols.). No v. 2 (1813) faz referência a truques de prestidigitação (*ilusionismo). O nome do autor, Luís Caetano de Campos, não ocorre no frontispício, podendo ser achado (consoante o alvitre de Inocêncio) mediante a reunião das letras iniciais dos 19 capítulos que formam o primeiro volume. ALTO DE CAROCEDO Arqueosítio localizado na margem direita da Ribeira homónima (concelho de Bragança), de onde se desfruta uma vasta panorâmica em todas as direcções. No cume existe uma capela da invocação de Nossa Senhora da *Assunção, herdeira do carácter sagrado do local (que remontará a épocas pré-históricas), atestado por insculturas rupestres conhecidas pelas denominações de: A. Berço da Senhora, por ser nele que a Senhora apareceu a uns pastores pedindo que lhe fizessem a capela; B. Pegadas da Senhora, produzidas miraculosamente ao subir pela fraga acima; C. Cova do Milagre, de onde são extraídos uns pós brancos excelentes contra as sezões. Nas proximidades, cresce um pequeno carrasco, ao qual uma lenda atribui a mesma virtude creditada ao da Senhora do Carrasco de Azinhoso, «de infligir tantas maleitas ou sezões quantas forem as folhas que lhe colherem». Nas redondezas existem umas cavidades abertas nos rochedos a que chamam a caldeirinha. Metido na fonte do muito próximo povoado de Faílde observa-se um *berrão em granito, mutilado. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Histórico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p. 144; LOPO, Albino dos Santos Pereira, Alto do Carocedo ou Carrocedo, in O Arqueólogo Português, v. 7, n. 2-3 (Fev.-Mar. 1902), p. 70-74; idem, Apontamentos arqueológicos, Braga, 1987, p. 23; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 196

ALTOS CÉUS Invocação mariana de um santuário dos arredores de Lousa (Castelo Branco), antiga comenda da *Ordem de Cristo. São específicas da romaria a *Dança das Tesouras, a *Dança das 227

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ALUADO Donzelas e a *Dança da Genebres. Ernesto Soares descreve um registo (água-forte) que se lhe reporta (n. 2021). BIBLIOGRAFIA L. D., Distrito Etnográfico: Senhora dos Altos Céus, in Acção Regional (Castelo Branco), v. 2, n. 76 (1926); idem, Distrito Etnográfico: Senhora dos Altos Céus – Dança das Tesouras, idem, n. 78 (1926); OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Instrumentos musicais populares portugueses, Lisboa, 1982

ALUADO O mesmo que *enluado. É do senso comum que a Lua exerce especial influência sobre certos indivíduos, produzindo sintomas idênticos aos originados pelo *mau-olhado ou pela *possessão (*licantropia). O aluado é o correspondente popular de lunático (louco), i. e., indivíduo negativamente influenciado pela Lua. Pedro A. d’Azevedo transcreve um documento sobre curandeiro quinhentista que curou um menino aluado (cf. Um feiticeiro do séc. XV e benzedores do séc. XVI, in Revista Lusitana, v. 5, 1897-99, p. 234-235). Jorge Ferreira de Vasconcelos (Comédia Ulyssipo, fl. 10) e António Ribeiro Chiado (Auto da Natural Invenção, 502) utilizam a expressão «ter a Lua sobre o forno» com o mesmo valor semântico. Os jesuítas produziram obras, nas quais, tratando dos estados de alma, aproximam a loucura da melancolia. O Século das Luzes medicalizaria a loucura: na década de 1760 foi criada uma secção para lunáticos no Hospital de Todos os Santos (Lisboa). ALUCINAÇÃO Estado alterado de consciência. Caracteriza-se pela percepção sem qualquer estímulo objectivo, podendo ser natural (associada a diversas perturbações mentais) ou induzida artificialmente, seja pelo uso de um qualquer *alucinogénio, seja pela estimulação eléctrica de determinadas zonas do córtex cerebral. Alucinações intensas conduzem ao estado de *transe. ALUCINOGÉNIO Substância indutora de estados alterados de consciência. O recurso a substâncias psicoactivas acha-se documentado nas sociedades tradicionais, desde a pré-história, relacionando-se com a «busca de visão» dos xamãs e sacerdotes 228

Inúmeros símbolos universais poderão ter resultado dos padrões entópticos visuais, auditivos e mentais (luzes, clarões, raios, ziguezagues, grelhas, linhas paralelas, pontos, auréolas, voo, queda, sons, viagem astral, etc.), induzidos por substâncias psicoactivas, inicialmente «vistos» pelos xamãs no decurso dos transes e experiências exo-somáticas (estados alterados de consciência) e, ulteriormente, interpretados segundo expectativas pessoais e culturais.

e, por vezes, com práticas terapêuticas. Parte significativa da *arte rupestre, paleolítica e neolítica, designadamente os «padrões entópticos», característicos das fases iniciais das experiências visionárias, resultaram, certamente, da utilização de alucinogénios. O ópio (papaver somniferum, L.) terá sido consumido durante o Neolítico, conforme testemunhos detectados em algumas jazidas arqueológicas (cf. *Buraco da Pala, também conhecido por abrigo 9 do Regato das Bouças – Mirandela), presumindo-se que outro tanto terá sucedido com cogumelos das espécies Amanita Muscaria, Psylocibe Cubensis e Macrocybe Titans (Serra da Estrela), que contêm psilocibina, um poderoso alcalóide activo, suscitador de prolongados estados de *alucinação. Um outro alucinogénio poderoso é a ergotamina ou ergotina, a qual ocorre em certos fungos de cereais como o trigo e o centeio. No centeio tomam uma dimensão maior que os grãos e a forma de chifre, razão por que os barrosãos lhes chamam cornelhos. Outrora, combinavam-nos com vinho para obterem estados alterados de consciência leves. *Cogumelo, *erva do diabo, *figueira-brava, *pele esticada, *transe, *voo xamânico. ALUDEL Termo árabe correspondente ao latim sublimatorium, cuja semântica foi descrita por Geber e outros autores medievais. Vaso com formato de pera. Destina-se à sublimação química (sublimatio = elevatio, conversio, notabilitatio, perfectio).

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ALVA ALUMBRADO O dexamiento alumbrado tem sido abusivamente conotado com o *sufismo muçulmano, sem embargo da sua maior proximidade com a *gnose, circunstância, de resto, apontada por alguns inquisidores cujo zelo havia de detectar no alumbradismo influxos das doutrinas heréticas de *Prisciliano, dos begardos e dos fraticelli. Também Frei António das Chagas alude negativamente ao erro dos alumbrados, filiando-o nas heresias mais antigas dos begardos e beguinos, «que chegaram a ter veneração de muitos espirituais» (cf. Consultas Espirituais em que, conforme a verdadeira Theologia Mystica e Moral, se responde ás mais frequentes duvidas que ocorrem na vida do espírito, Lisboa, 1744, p. 7495). Nos inícios de quinhentos ainda o termo alumbrado (bem como as palavras lumen, illuminatio, illuminari, illuminati, alumbrado, tal como ele empregues para manifestar a acção de Deus sobre as almas), expressava uma semântica ortodoxa. Com sentido pejorativo ocorre pela primeira vez em 27 de Agosto de 1512, numa missiva de Frei António de Pastrana ao cardial Jiménez de Cisneros, na qual lhe são comunicados os sonhos de um franciscano, «religioso contemplativo alumbrado com las tinieblas de Satanás», do convento de Ocaña. O termo passaria, doravante, a designar todo aquele que se presumia iluminado pela graça divina e garantia poder alcançar a perfeição apenas com recurso à oração («que havia de ser com a boca torcida») e exaltação mística, desdenhando da prática de obras pias, da confissão (substituída por uma *oração mental), dos sacramentos, dos cerimoniais e formalismos litúrgicos, bem como do culto das imagens. Segundo Marcel Bataillon, os conversos peninsulares foram os mais activos propagandistas do alumbradismo, tendencialmente apocalíptico, o qual, na opinião de António Marquez, constituiu a única heresia original e persistentemente hispânica. Durante o séc. XVI o movimento alumbrado alastrou à Andaluzia e à Estremadura espanhola (Llerena, Pastrana, Toledo, etc.). Foi seu mentor Hernando Alvarez, clérigo natural de Zafra. Em meados de seiscentos, D. Francisco

Manuel de Melo afirmava existirem muitos alumbrados em Lisboa. Um deles, *Frei Vivaldo de Vasconcelos, Abade do convento de Nossa Senhora do Desterro, anunciava o Fim do Mundo para 1653. Em Abril desse exacto ano, em casa do arcedíago Francisco de Sousa de Meneses, Luís Serrão Pimentel, Jacinto Freire de Andrade e Guilherme Figueira trocaram-se de argumentos sobre os alumbrados (cf. Pedro de Azevedo). Na documentação oficial e inquisitorial, além de alumbrados, são designados como perfectos, dexados e congregados, conceitos completamente alheios aos de Iluminismo (Ausklärung ou filosofia das luzes) e de Iluminados (obediência maçónica fundada por Adam Weishaupt, em 1776). *Molinismo, *oração de quiete, *quietismo. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, A Inquisição e alguns seiscentistas, in Archivo Histórico Portuguez, v. 3, n. 11-12, Nov.-Dez. 1905, p. 460-465; BATAILLON, Marcel, Erasmo y España: estúdios sobre la historia espiritual del siglo XVI, MéxicoMadrid-Buenos Aires, 1983; MARQUEZ, António, Juan de Valdés, teólogo de los alumbrados, in La ciudad de Dios, n. 184 (1971), p. 214-229; idem, Los Alumbrados: orígenes y filosofia (1525-1559), Madrid, 1980; MARTINS, Mário, O antiquietismo em Portugal, in Brotéria, v. 37, n. 6 (1943), p. 519531; SANTIAGO-OTERO, Horacio, Presencia e intervención de «conversos» en la génesis del iluminismo hispano (comienzos del siglo XVI), in Actas dos 2º Cursos Internacionais de Verão de Cascais (17 a 22 de Julho 1995), v. 1 (1996), p. 195-210

ALUMIEIRA Invocação mariana venerada em Loureiro (Oliveira de Azeméis, Aveiro). ALVA Do latim, alba. Veste litúrgica, de linho branco, em forma de túnica, com mangas estreitas, que desce até aos pés, sendo arregaçada por um *cíngulo. Nos Ordines romanos era denominada linea (por ser de linho), só no século XII passando a ser designada por alba. Trata-se de uma das mais antigas vestes litúrgicas, originada na túnica quotidiana envergada por gregos e romanos. Inicialmente, era usada por todos os clérigos sem distinção, tendo sido substituída cerca do início do séc. XIII pelo *sobrepeliz (alva curta) e reservada aos clérigos de ordens maiores e sacerdotes a partir de finais de qua229

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ALVA, JOSÉ DA trocentos. As aplicações de peças sobrecosidas, quadradas ou rectangulares, de seda ou de estofos de ouro e prata, comuns até ao século XVI, deram, posteriormente, lugar a rendas mais ou menos largas, em toda a volta da barra e das mangas. A alva figura a «vida miraculosa e puríssima conversação de Cristo Senhor Nosso enquanto andou entre os homens sem a mínima imperfeição ou mácula», significando a pureza de coração com que o sacerdote há-de celebrar os ofícios divinos (Mateus, XXXVIII, 3; Apocalipse, VII, 14 e XIX, 8). Ao envergá-la, o sacerdote pronuncia as palavras: «Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut in sanguine Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis». ALVA, JOSÉ DA *Saludador de nomeada, que viveu no séc. XVIII. Acusado de curar enfermos com o auxílio do *diabo, confessaria perante o *Santo Ofício que o próprio Satanás lhe ensinara quais as ervas adequadas para debelar determinadas maleitas [ANTT: Inq. Évora, proc. de José da Alva, fl. 110]. Contaria ainda que certa noite, a caminho de casa, «em um vale chamado das feiticeiras, lhe aparecera um vulto com figura de carneiro, em cima de um valado, com cuja vista se assustara, suspendendo os passos e enchendo-se de valor lhe perguntara se era alma do outro mundo, feiticeira ou demónio e lhe requerera da parte de Deus que falasse e dissesse o que queria» [idem, fl. 137]. O vulto não respondeu, tendo desaparecido no mato. José da Alva, já certo de que se tratava do diabo, mais convicto ficou quando, pouco tempo depois, ele lhe surgiu de novo, sob a forma de dois cães pretos, pelo meio dos quais logrou passar ileso fazendo o sinal da cruz. ALVAIADE Carbonato básico de chumbo. Também *cerusa e *cerusite. Pigmento usado na iluminura. Segundo *Francisco de Holanda foi uma das cores primordiais (juntamente com o ouro e a prata) com que Deus começou a pintar o «grande retábulo do mundo»: «Assim que disse Deus: faça-se a lux e o alvaiade para esta obra 230

[...]» (Da Pintura Antiga, cap. I). José Pedro Martins Barata estava convicto que tanto os dois afluentes do rio Sever (a ribeira de Avid, situada em Espanha, e a ribeira Davide, que corre em território português), bem assim como o topónimo Castelo de Vide, derivam da palavra Abit, pela qual era conhecido pelos alquimistas o minério de chumbo sob a forma de carbonato (minas romanas de carbonato de chumbo ficam situadas entre as nascentes em apreço), acrescentando que se trata de nome «de importação oriental, trazido pelos Árabes ou pelos Templários» (Castelo de Vide – Castell da Vide – Castelo d’Avid? topónimo alquímico trazido pelos árabes ou pelos Templários?, in Revista de Portugal, s. A, Língua Portuguesa, v. 32, 1968, p. 258-270). Santo António afirma a respeito da alvaiade que se faz «de estanho e de chumbo», ambas designando a humanidade de Cristo: «de estanho na Natividade» e «de chumbo na Paixão» (Obras Completas, v. 2, p. 214). *Estíbio. ALVÃO, SERRA DO Geomorfologicamente, sui generis, constitui, conjuntamente com a *serra do Marão, uma barreira montanhosa que separa duas regiões naturais: o Entre-Douro-e-Minho e o AltoTrás-os-Montes. Actualmente classificada sob a designação de Parque Natural do Alvão, integra a Região de Turismo da Serra do Marão. O planalto da serra do Alvão foi habitado pelo menos desde o Neolítico, subsistindo numerosos núcleos megalíticos, de que se destacam os de: Chã de Arcas (Carrazedo do Alvão), Lixa do Alvão, Trandeiras, Frieiro, Penedos Alvos, Lagoa e Capeludos. Tais monumentos foram reconhecidos e explorados, em 1894, pelos padres Rafael Rodrigues e José Brenha, tendo fornecido, além do espólio típico deste tipo de arqueosítios, outro «de carácter estranho», o qual havia de suscitar um longo e aceso debate, não obstante as aparências, ainda não definitivamente encerrado. Grosso modo, tal espólio é susceptível de ser organizado em três grandes grupos: o das pedras com motivos abstractos (algumas com covinhas aparentando séries ou sequências com 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10 cúpu-

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ALVÃO, SERRA DO

Pedras com covinhas, aparentando séries ou sequências com 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10 cúpulas.

Teriomorfos (?) e antropomorfos femininos oriundos do mesmo dólmen (Padres Rafael Rodrigues e José Brenha).

las; outras globulares, paniformes, etc.), o das grosseiras esculturas figurativas (zoomorfos e antropomorfos femininos) e, finalmente, o das pedras gravadas com zoomorfos, cenas de caça e inscrições alfabetiformes (algumas em caracteres formalmente idênticos aos ibéricos). Os insólitos artefactos, uma vez divulgados, haviam de suscitar uma incredulidade generalizada quanto à sua autenticidade e cronologia, quer por parte de investigadores nacionais, quer ainda de estrangeiros de nomeada, designadamente, de Salomão Reinach, Emile Cartailhac, entre inúmeros outros. O debate sobre achados afins, oriundos de Glozel (França), traria, em 1925, uma vez mais para a ribalta os de Alvão, que ganharam novos e inesperados partidários (Reinach, Jullian, Bégouaen, Breuil, Bosch Gimpera, etc.). Com efeito, muito embora a estrutura gráfica do «alfabeto de Alvão» tenha mais afinidades formais com a *escrita ibérica (para cujas 22 letras Ricardo Severo encontrou paralelos) do que com a de Glozel, 14 dos 32 caracteres de Alvão ocorrem também

em artefactos exumados da estação francesa (nos quais a letra B não surge representada uma única vez!). O Padre Brenha veria animais quaternários em algumas das figurações; Reinach, Teixeira Rego e outros dataram o espólio de Alvão de um período coevo das antas e, portanto, do Neolítico; Mendes Correia e Loth atribuiram-no à Idade do Bronze; Jullian à época romana, descobrindo num fragmento cerâmico, ostentando traços alfabetiformes, «um belo abraxas popular da feitiçaria romana». Hodiernamente, presume-se (pois, em bom rigor, a chamada comunidade científica não empreendeu qualquer iniciativa tendente a reavaliar desinibidamente a questão) que alguns (apenas os gravados com objectos metálicos!) dos controversos artefactos do Alvão [MNA e Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real] possam ser contemporâneos da II Idade do Ferro, ou um pouco anteriores (ao fim ao cabo, coevos dos achados cerâmicos de Glozel, recentemente datados por intermédio do C14, entre cerca de 700 a. C. e o séc. I d. C.), em vista das 231

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Inscrições zoomórficas em pedras exumadas do dólmen VIII de Chã de Arcas – Carrazedo do Alvão (Padres Rafael Rodrigues e José Brenha).

Alguns exemplos da «escrita de Alvão» (Padres Rafael Rodrigues e José Brenha).

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Uma das pedras gravadas de Alvão.

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Considerações do Padre José Brenha sobre o espólio exumado da antaVIII da Chã de Arcas (Carrazedo do Alvão) […]. O solo da câmara era ladrilhado e estava coberto por uma pequena camada de areia regularmente espalhada, continha pouca terra e esta levada pelas chuvas. A câmara deveria ser a maior de todas deste grupo. O mobiliário que neste dolmen encontrámos, que é o mais extraordinário possível, mostra que ele em lugar de ser um monumento funerário, era talvez um templo ou sacrário onde a tribo depositara e guardara tudo aquilo que respeitava e adorava ou que continha as tradições de seus antepassados. Encontrámos neste dólmen: amuletos de pequenas pedras em forma de amêndoa, de mitra, de dente, de coração, etc.; amuletos de pedra furados, em forma de raspadeiras, machados, triângulos, tendo diferentes desenhos de animais e cenas da vida primitiva; 7 pequenas pedras irregulares, furadas e encontradas juntas em forma de colar, tendo os orifícios cheios de uma substância negre e untuosa que poderia ter sido uma tira de couro; 12 pedras globulares, tendo só de um lado ou de ambos, uma cova ao centro de onde partem raios divergentes e havendo em algumas um sulco em volta onde facilmente se ataria um fio para suspensão; 10 pedras zoomórficas; 4 bustos de mulher; uma pequena pirâmide triangular tendo dos dois lados uma cova com raios divergentes e dos outros a cara de um animal; 15 pedras, algumas grandes, com desenhos de animais e cenas venatórias; uma pedra que denominamos «Arca de Noé», tendo nove animais desenhados; uma pequena pedra com traços (caracteres?); 2 grandes amuletos furados, aguçados em raspadores, com inscrições, tendo um deles o símbolo do sol; matérias corantes diversas.

afinidades de algumas inscrições alfabetiformes com a denominada escrita ibérica e com certos objectos da cultura castreja. Especula-se ainda sobre a possibilidade de os dólmenes que protagonizaram os achados poderem ter sido palco, após o Neo-eneolítico (porém, em época anterior à romanização), de práticas mágicas e de feitiçaria, aliás, à semelhança do que se crê possa ter sucedido em Glozel, Baarburg (Suiça) e Tell-Sandahanna (Palestina). BIBLIOGRAFIA ANTUNES, João, O Mistério de Glozel: história sumária e estado actual da questão, in Eleusis, v. 1, n. 8 (Ago. 1927), p. 225-231; BRENHA, Padre José, Dolmens ou antas no concelho de Vila Pouca de Aguiar, in Portugália, t. 1, n. 4 (1899-1903), p. 691-706; CARDIM, Luís, Em torno das inscrições de Glozel, in A Águia, s. 3, v. 9 (29) (Jul.-Dez. 1926), p. 44-49; CARDOSO, Mário, Ainda o espólio do Alvão, in Rev. de Guimarães, v. 39, n. 3-4 (Jul.-Dez. 1929), p. 194-199; COELHO, Adolfo, O caso de Glozel – A Escrita já era conhecida na Idade da pedra?, in ABC, a. 8, n. 380 (27 Out. 1927); CORREIA, Mendes, Glozel e Alvão: os portugueses e a invenção do alfabeto, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 2 (1927), p. 137-162; idem, O problema de Glozel e os scientistas portugueses, in Revista de Guimarães, v. 37, n. 4 (Out.-Dez. 1927), p. 177-181; idem, L’authenticité d’Alvão: réponse à M. Dussaud, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 4 (1928), p. 79-84 e v. 4, n. 1 (1928), p. 79-84; idem, Sur une inscription proto-ibérique d’Alvão, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 4, n. 1 (1928), p. 299-310; idem, [Longa inscrição sobre argila

encontrada em Alvão], in Primeiro de Janeiro (6 Fev. 1928); idem, A Cronologia das mais antigas inscrições do noroeste da Península, in Congreso de Barcelona de la Asociación Española para el Progreso de las Ciencias (22 Mai. 1929), Barcelona, 1929, p. 31-56; idem, La Question de Glozel et l’origine de l’Alphabet, in Archivio di Storia della Scienza, v. 9, n. 1 (1929), p. 53-62; idem, Les inscriptions de Parada, Alvão et Lerilla, Actas do XV Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistorique (Paris, 20-27 Setembro 1931), Paris, 1933, p. 349-357; idem, Da Biologia à História, Porto, 1934, p. 190s.; CRUZ, Domingos Jesus da, A Necrópole Megalítica da Serra do Alvão, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 2-4 (1985), p. 396-406; JULLIAN, Camille, Alvão, d’après M. Jullian, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 4 e v. 4, n. 1 (1928), p. 84-85; PARDO DE LAMA, Frederico M., Piedra com grabados de carácter prehistorico hallada en Cedeira: paralelismo com Alvão?, in Congresso do Mundo Português (Lisboa, 1940), v. 1, Lisboa, 1940, p. 311-326; PINTO, Rui de Serpa, Um problema arqueológico: notas sobre o Alvão, in Porto Académico, v. 34 (1927), p. 3; REGO, José Teixeira, Os Alfabetos de Alvão e Glozel, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 3 (1927), p. 217-229 e in Estudos e Controvérsias, Lisboa, 1991, p. 113-121; REINACH, Salomon, Éphémérides de Glozel, Paris, 1928; RODRIGUES, Padre Rafael, Dolmens ou antas de Villa Pouca de Aguiar, in O Arqueólogo Português, v. 1, n. 2 (Fev. 1895), p. 36-37 e n. 12 (Dez. 1895), p. 346-352; idem, ???, in Vida Moderna, n. 20s. (1895-1896); SEVERO, Ricardo, Commentario ao espolio dos dolmens do concelho de Villa Pouca de Aguiar, in Portugália, t. 1, n. 4 (1899-1903), p. 707-750; idem, Les dolmens de Villa-Pouca-d’Aguiar (Trás-osMontes): questions d’authenticité, in Portugália, v. 2, n. 1-4 (1905-1908), p. 113-117; VASCONCELOS, J. Leite de, Dolmens do concelho de Villa-Pouca-de-Aguiar, in O Arqueólogo Português, v. 2, n. 10-11 (Out.-Nov. 1896), p. 231-233; idem, Religiões da Lusitânia, v. 1, Lisboa, 1897

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ÁLVARES, ANA ÁLVARES, ANA Feiticeira de Balugães (Braga), perita em fazer feitiços (dava cinza às raparigas para deitarem no vinho dos rapazes que desejavam para maridos), mas, designadamente, desfazê-los, como, entre outros casos: A. o do marido de uma certa Ana de Bairos, perdido de desejos por uma mulata cativa; B. o de um outro que se esquecera da mulher em São Tomé, em consequência do feitiço de uma negra mais bonita que ela. Denunciada pelo cónego Manuel da Costa, que a acusa de ter feito pacto com o *demónio, confessaria que o não invocava, mas ele próprio «lhe aparecera uma noite à sua porta em figura de gato e lhe dissera que quando houvesse mister o chamasse porque ele viria logo, e que queria dela que lhe oferecesse um bode ou cabra […]» [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 926, fl. 23]. Foi sentenciada de vehementi suspeita e a algum tempo de cárcere a arbítrio dos inquisidores para sua instrução. ÁLVARES, CATARINA Mulher de Gonçalo Pires, residente em Gémeos (Braga). Feiticeira afamada, nessa qualidade apontada em diversas visitações anteriores à de 1571, na qual, novamente, seria denunciada por ter passado trigo numa corte entre o couro e a camisa de uma menina de 8 anos, chamada Maria, dizendo muitas palavras supersticiosas que serviam para sarar porcos [Arquivo Distrital de Braga: VD, n. 435, fl. 69-69v]. ÁLVARES, DOMINGOS Saído no auto-da-fé, de 24 de Junho de 1744, e degredado para Castro Marim e, novamente, no de 20 de Outubro de 1749 [ANTT: Inq. Évora, maço 803, 7759; 11219, fl. 29v-30r], acusado de buscar tesouros escondidos, como *vedor. ÁLVARES, PADRE FRANCISCO (1470-1540) Presbítero secular, natural de Coimbra. Partiu para a Índia, em 1515, com Duarte de Galvão, chefe indigitado da primeira embaixada portuguesa à Etiópia, a qual não logrou ir além do Mar Vermelho. Visitou a *Abíssinia, em 1520, 234

Frontíspicio da Verdadeira Informação das Terras do Preste João (Lisboa, 1540) de Francisco Álvares.

integrado na embaixada de D. Rodrigo de Lima, de quem era capelão. Permaneceria na corte do Imperador David (Libna Dingle) durante seis anos, período que aproveitou para se inteirar sobre as crenças e costumes dos abexins. Acompanhado pelo embaixador Saga Zaab, regressaria a Lisboa, no ano de 1527, dirigindo-se a Roma, em 1531, no intuito de transmitir as suas constatações ao Papa Clemente VII, perante o qual pronunciou uma Oração de obediência no consistório público de 29 de Janeiro de 1533. A sua Verdadeira Informação das Terras do Preste João causou enorme alvoroço na Europa, tornando-o responsável pela definitiva desmitificação do reino do *Preste João. O teor geral da obra foi primeiro divulgado por um opúsculo intitulado Legatio David Aethiopiae Regis, editado em Bolonha (1533) e também impresso em Antuérpia (1533 e 1534) e Paris (1533 ou 1534). Só em 1540 surgiria, em Lisboa, a primeira edição portuguesa ([BN: Res. 412-413 V], reimpressa em: 1883; 1889 [BN: HG 1076 A]; 1943 [HG 17351 V]; 1953 e 1966 [BN:

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ÁLVARES, MARAGARIDA HG 24618 V]), a partir da qual foram realizadas as ulteriores traduções para: espanhol (Antuérpia, 1557 [BN: Res. 2120 P]; Saragoça, 1561; Toledo, 1588 [BN: Res. 2125 P]; Valença, 1609); italiano (Veneza, 1550, 1554, 1563, 1588 e 1968-1970); francês (Lyon, 1556; Antuérpia, 1556, 1558 e 1588; Paris, 1674 e 1830 [BN: HG 3501 V]); alemão (Eisleben, 1566, 1567, 1572 e 1573; Francoforte, 1576); inglês (Londres, 1831 [BN: HG 29737 V], 1881 e 1961 [BN: RE 497 P]); e até para a língua amárica (Lisboa, 1966). Francisco Álvares incluiu nesta trechos ausentes do supracitado opúsculo, tais como: as respostas dadas ao arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa; anotações às perguntas que o Preste João lhe formulou sobre a liturgia e costumes da Igreja Romana, descrevendo, por exemplo, a missa de Natal que celebrou na tenda do Imperador; relatos sobre as terras e igrejas da Etiópia, etc. *Aquaxumo, *arca da Aliança, *Lalibela, *Salomão. BIBLIOGRAFIA AUBIN, Jean, L’Embassade de Prêtre-Jean à D. Manuel, in Mare Luso-Indicum, n. 3 (1976), p. 1-56; idem, Le Prêtre-Jean devant la Censure portugaise, in Bulletin des Études Portugaises et Brésiliennes, n. 41 (1980), p. 33-57; BARROS, João de, Décadas da Ásia, III, liv. 4, cap. 3; ALMAGIA, R., Un rifacimento italiano inedito della Historia d’Etiopia di Francesco Alvares, in Scriti Geografici, Roma, 1961, p. 469-489; ANDRADE, António Alberto Banha de, Francisco Álvares e o exito europeu da verdadeira informação sobre a Etiópia, in Actas do Colóquio Presença de Portugal no Mundo, Lisboa, 1982, p. 285-339; CARREIRA, José Nunes, A Abíssinia de Francisco Álvares: queda de um mito, in Literatura de Viagem: narrativa, história, mito, Lisboa, 1997, p. 85-98; CASTANHEDA, História do descobrimento e conquista da Índia pelos Portugueses, liv. 7, cap. 5; CONDE DE FICALHO, Viagens de Pero da Covilhã, Lisboa, 1898; CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia, v. 2, Lisboa, 1923, p. 486s. e 578s. e v. 3, p. 22s.; GÓIS, Damião de, Fides, religio moresque Aethiopum sub Império Preciosi Joannis, Lovaina, 1540; STASIO, D., Il «Viaggio in Etiopia» di D. Francesco Alvarez, in Bollettino della Società Geografica Italiana (Roma, Nov. 1889), p. 802-836

ÁLVARES, ISABEL Mulher de Rui Lopes, de Santarém. Presa, por constar que era feiticeira «e que tinha feitiços no lar para seu marido», fora por esse motivo condenada a degredo para fora da vila e termo da sua residência, durante um ano. A seu pedido, Dom João II passar-lhe-ia carta de perdão (26 de Abril de 1482) da parte ainda incumpri-

da da sentença, desde que ela pagasse 500 reais para a Coroa [ANTT: Chancelaria de Dom João II, liv. 5, fl. 91]. BIBLIOGRAFIA MORENO, Humberto Baquero, A Feitiçaria em Portugal no século XV, in Anais da acdemia Portuguesa de História, s. 2, v. 29 (1984), doc. VI, p. 39-40

ÁLVARES, MARGARIDA Mulher de Luís Gonçalves, carpinteiro, morador em Lisboa. Com receio de vir a ser detida em consequência de algumas pessoas a acusarem de ter feito um feitiço contra João Lousada, suplicaria a Dom Manuel perdão pela sua conduta, alegando que apenas servira de intermediária entre uma cristã nova, de facto a responsável pelo malefício, e a cara metade do destinatário deste, *Branca Anes: «[...] que estando um dia a mulher de João Lousada em sua casa e assim outras muitas mulheres, por serem suas vizinhas, a dita mulher de João Lousada lhes viera a fazer queixume como levava má vida com o dito seu marido por respeito de uma manceba que tinha; e que uma cristã nova que aí estava lhe dissera que lhe ensinaria uma devoção com que ela estivesse bem com o dito seu marido e que a[o] cabo de [um] dia a dita cristã nova mandara a ela suplicante a desse à dita mulher de João Lousada, dizendo-lhe que era São Longinos e que a metesse ela debaixo da cabeceira ao dito seu marido, dizendo-lhe certas Ave Marias à honra de Nossa Senhora que rogasse a Deus que assim por milagre abrira os olhos de São Longinos, assim os abrisse ao dito seu marido que bem vivesse com ela, pelo qual vendo ela suplicante que tudo eram palavras de devoção, tomara a dita imagem e a dera à dita mulher de João Lousada, dizendo-lhe assim tudo como a dita cristã nova lhe dissera que lhe dissesse, o que ela mulher de João Lousada fizera [...]» [ANTT: Chancelaria de Dom Manuel, liv. 45, fl. 117v]. A 17 de Maio de 1501, o Venturoso deferiu-lhe o requerimento, na condição de ela pagar três mil reais para obras de piedade. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 341

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ÁLVARES, VIOLANTE ÁLVARES, VIOLANTE Cristã-nova, filha de Afonso Manuel, de Vinhais, presa pela Inquisição de Coimbra, em 1584 (com 24 anos). Confessou que encontando-se já presa nos cárceres do Santo Ofício e vendo de noite uma estrela pela fresta, rezava-lhe muitas vezes a oração: «Bento Adonai, meu Deus, a Ti me encomendo para que me engraces nos olhos destas justiças, para que me deem bom livramento e soltura». Confessou, ainda, que dizia esta oração «alevantando as mãos aos céus, abrindo-as e mirando-as [...] e olhando para o céu, passeando pela casa e meneava a cabeça para cima e para baixo [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 551]. Á LVARES DO O RIENTE , F ERNÃO ( CA . 1530- ENTRE 1600 E 1607) Armado cavaleiro em Ceuta (?), no ano de 1550, por D. Pedro de Meneses, a cuja família a sua vida e obra literária andarão sempre ligadas, ao ponto de dedicar a Lusitânia Transformada a D. Miguel Luís de Meneses, a quem chama seu mecenas (cf. fl. 162v). Cultivou as letras e as armas, tendo estado em Alcácer Quibir onde foi feito prisioneiro. A 1ª ed. da Lusitânia Transformada (Lisboa, Luís Estupinãn, 1607 [BN: Res. 2848 P] saíu póstuma por iniciativa do livreiro Domingos Fernandes, tendo sido reimpressa e revista, «com um indíce da sua linguagem», por um sócio da Academia Real das Ciências (Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1781 [BN: L 15826 P]). O padre Joaquim de Foios preparou esta edição que suscitaria a reacção de outro sacerdote, o padre Francisco José da Serra, expressa em dois polémicos opúsculos: Aos Estudiosos Portugueses (Lisboa, 1782) e Elisio e Serrano: diálogo em que se defende e illustra a Biblioteca Lusitana contra a prefacção da Lusitania Transformada escripta por um Sócio da Academia Real das Sciências (Lisboa, 1782, com uma dedicatória ao leitor sob o pseud. de Francisco José de Sales). O título da obra de Fernão Álvares do Oriente é obviamente alusivo a uma desqualificação da grei («desconcerto do mundo») cujos contornos se inferem do argumento, que pode ser 236

considerado a acta de importantes conclaves iniciáticos ocorridos em Tomar, na Mata dos Sete Montes, a partir de meados do séc XVI (após a reforma de Frei António de Lisboa, ocorrida em 1529). A Mata dos Sete Montes, nas adjacências do Convento de Cristo, é retratada com o característico da Arcádia: «[...] Bem junto à ribeira do antigo Nabão, a par de um lugar fresco, a que os seus moradores por justa ocasião chamaram os Sete Montes, porquanto sete montes o rodeiam todo, está uma floresta tão oculta aos olhos dos pastores, que parece que não só à vista, mas também aos pensamentos se nega entrada nela. Habitavam juntas neste sítio muitas Ninfas que, consagradas ao exercício de Diana, se negavam à comum ocupação da gente, fazendo de si ao Céu, sacríficio perpétuo e consigo oferecendo à vista cá na terra um retrato natural do mesmo Céu». Nesse cenário se surpreendem furtivos e sob os auspícios da noite os passos daqueles que Faria e Sousa apelidou de Nova Cavalaria e Sampaio Bruno de Cavaleiros do Amor. BIBLIOGRAFIA CIRURGIÃO, António, Fernão Álvares do Oriente: o homem e a obra, Paris, FCGulbenkian, 1976; idem, A Lusitânia Transformada ou a face não heróica dos Descobrimentos, in Claro-Escuro, n. 6-7 (1984), p. 21-29; GANDRA, Manuel J., Os Templários na Literatura, Lisboa, 2000; idem, O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006; idem, Templários e Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida para português (século XIV – 2006), Mafra, 2007; HATHERLY, Ana, O Regresso ao Ocidente na Lusitânia Transformada, in Sentido que a Vida faz, Lisboa, 1995, p. 233-239; MARTINS, Mário, A Lusitânia transformada será um livro heterodoxo?, in Brotéria, v. 38, n. 6 (1944), p. 605-616; PEREIRA, Paulo, Passeio ao Nabão com o pastor Felício, in Jornal de Letras (29 Dez. 1986); SAMPAIO (Bruno), José Pereira de, Os Cavaleiros do Amor, Lisboa, Guimarães, 1960

ÁLVARO DE CAMPOS (1890-?) Um dos heterónimos (*heteronimia) mais conhecidos de *Fernando Pessoa. Nascido em Tavira, teve uma educação liceal vulgar, seguida de estudos de engenharia, primeiro mecânica e, depois, naval, em Glasgow (Escócia). Numas férias fez uma viagem ao Oriente de onde resultou escrever o Opiário, dedicado a *Mário de Sá Carneiro. Campos foi o único dos heterónimos pessoanos a manifestar distintas fases na sua obra poética, três, grosso modo: A. Decadentista

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Horóscopo de Álvaro de Campos, nascido em Tavira a 15 de Outubro de 1890.

(influenciada pelo Simbolismo): exemplificada nos poemas Opiário (1914), Carnaval (1914), etc.; B. Futurista ou Sensacionista, de exaltação do Mundo moderno, do progresso técnico e científico, da evolução e industrialização da Humanidade (influenciada por Marinetti e por Walt Whitman): exemplificada em poemas como Ode Triunfal (Londres, 1914), Ode Marítima (1914), Ode Marcial (2.8.1914), Saudação a Walt Whitman (11.6.1915), etc.; C. Metafísica e saudosista (as temáticas abordadas assemelham-se às típicas do Pessoa ortónimo: a desilusão com o Mundo, a tristeza e o cansaço): testemunhada em Lisbon Revisited (1923 e 1926), Ode Mortal (1927), Tabacaria (1927), Gazetilha (1927), etc. No que respeita aos textos teóricos e de intervenção avultam, entre outros: Ultimatum (1917), Aviso por Causa da Moral (1923); Sobre um Manifesto de Estudantes (1923) e Apontamentos para uma Estética não-Aristotélica (1924). O segundo poema da Ode Marcial (2.8.1914), dedicada a Raul Leal, denuncia um Álvaro de Campos familiarizado com a linguagem simbólica da *astrologia, porquanto se intitula k=m [Marte em quadratura com Saturno = VER CÁBULA

Carta sobre a Génese dos Heterónimos, remetida a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de Janeiro de 1935 (excerto) Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. […]. Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno malte; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. […]. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre. Como escrevo em nome destes três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber, ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. [...]. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de «ténue» à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoàvelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.

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ALVELA tensão, agressão e sofrimento], constituindo-se como uma justificação astrológica e profética dos horrores da I Guerra Mundial. *Alberto Caeiro, *Ricardo Reis, *Coelho Pacheco. BIBLIOGRAFIA ACTIVA Opiário, in Orfeu, a. 1, n. 1 (Jan.-Mar. 1915), p. 71-76; Ode Triunfal, in Orfeu, idem, p. 77-83; Ode Marítima, in Orfeu, a. 1, n. 2 Abr.-Jun. 1915), p. 132-152; Ultimatum, in Portugal Futurista, n. 1 (Nov. 1917), p. 30-34; De Newcastle-on-Tyne, Álvaro de Campos escreve à «Contemporânea», in Contemporânea, n. 4 (Out. 1922), p. 4 [ed. Jorge de Sena, Páginas de Doutrina Estética, Lisboa, 1944, p. 67-71]; Soneto já antigo (Poesia), in Contemporânea, n. 6 (Dez. 1922), p. 121; Lisbon Revisited 1923, in Contemporânea, n. 8 (Fev. 1923), p. 92; Aviso por Causa da Moral, Lisboa, 1923; Sobre um Manifesto de Estudantes, Lisboa, 1923; Prefácio ao livro de António Botto, Motivos de Beleza, Lisboa, 1923; O que é a Metaphysica?, in Athena, v. 1, n. 2 (Nov. 1924), p. 59-62; Apontamentos para uma Estética não-Aristotélica, in Athena, v. 1, n. 3 (Dez. 1924), p. 113-115 e n. 4 (Jan. 1925), p. 157160; Lisbon Revisited 1926, in Contemporânea, s. 3, n. 2 (jun. 1926), p. 82-83; Ambiente, in Presença, n. 5 (4 Jun. 1927), p. 3; Escripto num Livro abandonado em Viagem, in Presença, n. 10 (15 Mar. 1928), p. 2; Apostilha, in O Notícias Ilustrado, a. 1, n. 10 (27 Mai. 1928), p. 2; Gazetilha, in Presença, n. 18 (Jan. 1929), p. 1; Apontamento, in Presença, n. 20 (Abr. Mai. 1929), p. 3; Addiamento, in Revista da Solução Editora, n. 1 (1929), p. 4-5; A Fernando Pessoa depois de ler o seu drama statico «O Marinheiro» em «Orpheu», in Revista da Solução Editora, n. 4 (1929); Catálogo do I Salão dos Independentes (Introdução), Lisboa, 1930; Addiamento, in Cancioneiro – I Salão dos Independentes, Lisboa, 1930; Anniversario, in Presença, n. 27 (Jun.-Jul-1930), p. 2; Notas para a recordação de Meu Mestre Caeiro, in Presença, n. 30 (Jan.-Fev. 1931), p. 11-15 e Lisboa, 1997 [ed. Teresa Rita Lopes]; Trapo, in Presença, n. 31-32 (Mar.-Jun. 1931), p. 9; Ah, um Soneto…, in Presença, n. 34 (Nov. 1931-Fev. 1932), p. 7; Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância…, in Descobrimento – Revista de Cultura (Inverno 1931-1932), p. 516; Tabacaria, in Presença, n. 39 (Jul. 1933), p. 1-2; Nota ao Acaso, in Sudoeste, n. 3 (1935), p. 7; OBRA Poesias (ed. Luís de Montalvor e João Gaspar Simões), Lisboa, 1944; Poemas de Álvaro de Campos (ed. Imprensa Nacional – série maior), Lisboa, 1990; Poemas de Álvaro de Campos (ed. Imprensa Nacional – série menor), Lisboa, 1992; Poesia (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 2002 BIBLIOGRAFIA LOPES, Teresa Rita (ed.), Vida e Obras do Engenheiro Álvaro de Campos, Lisboa, 1990; PESSOA, Fernando, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (org. Jacinto do Prado Coelho e Georg Rudolf Lind), Lisboa, 1966; idem, Cartas de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro (ed. José Blanco), in Prelo, n. 2 (Jan.-Mar. 1984), p. 93-108 [a carta de 13 de Janeiro de 1935 havia sido originalmente publicada in Presença, n. 9]; idem, Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 296-349, 411-428, 461, 466, 467, 473, 474, 478-479, 483-485

ALVELA *Alvéola. 238

ALVÉOLA Também *alvela (Gil Vicente) e *arvela (Algarve). Ave consagrada a *Apolo, presente no santuário de Delfos (Filostrato, Vida de Apolónio de Tiana, VI, 11 e Pausanias, Viagem histórica, X, 5). Píndaro assevera que a alvéola foi um presente de *Afrodite à humanidade, motivo por que se lhe atribui um irresistível poder afrodisíaco, ideia adversada por outros autores que a transformaram em protectora da castidade. Como livra os campos dos seus animais nocivos, o cristianismo tornou esta espécie ornitológica numa imagem alegórica de Cristo, que destrói os príncipios do mal, dos quais as lagartas, as larvas e as minhocas sempre foram o emblema. Em Portugal, o povo diz que se trata de um pássaro bendito pela Virgem que lhe deu ousadia contra adversários maiores, porque quando a Senhora fugia para o Egipto a arvelinha com a sua larga cauda apagava as pegadas dos fugitivos. Se for a primeira coisa vista ao amanhecer, fora de casa, é sinal de dia fasto. Nos Açores, quando alvéolas entram, ou intentam entrar, numa casa diz-se que anunciam próxima desgraça (cf Almanaque dos Açores, 1934, p. 91-92). Tal tradição foi ficcionada por Vitorino Nemésio no conto Mau Agoiro (in Paço do Milhafre). ALVÍSSARAS Os Ranchos das Alvíssaras cantam-nas no Sábado de *Aleluia, em louvor da Ressurreição (Aldeia de Santa Margarida, Idanha-a-Nova). Francisco Serrano (Romances e Canções da Minha Terra: Mação, p. 60) narra que em Penascoso os ranchos esperavam a última badalada da meia-noite, para serem os primeiros a chegar cantando à matriz: «Alviç’ras, Ó Virgem Santa, / Pela nova que vos dou; / Céus e terra já se alegram, / Que Jesus ressuscitou». AMADIO O mesmo que *amavia. O termo ocorre na obra quinhentista, intitulada Espelho de Casados: «[as mulheres] são algumas tão simples que fazem feitiços e dão amadios a seus maridos para que lhe queiram maior bem».

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AMADIS DE GAULA AMADIS DE GAULA Testemunho flagrante da influência e adaptação da *Matéria da Bretanha na Península Ibérica, o romance do Amadis de Gaula, bem conhecido em Portugal durante os séculos XIV e XV, narra as aventuras fantásticas e os desvarios amorosos do «Donzel do Mar» (nascido de uma união clandestina entre Elisena e o rei Perion), encarnação do ideal de pureza no amor, da generosidade, da nobreza e da abnegação, atributos próprios da autêntica cavalaria, sendo-nos familiar, hoje, por intermédio da versão refundida e acrescentada (livro quarto), em finais de quatrocentos, por Garci Rodriguez de Montalvo, fidalgo de Medina del Campo. A origem ibérica da narrativa é geralmente aceite, não sendo, todavia, consensual a autoria do Amadis de Gaula. Perfilam-se três argumentos principais em abono da tese da origem portuguesa, todavia, todos eles susceptíveis de arguição: A. a tradição que relaciona Amadis com Vasco de Lobeira, associação estabelecida, em primeira mão, por Gomes Eanes de Zurara, na Crónica de D. Pedro de Meneses (livro I, cap. LXIII): «feito a prazer de um homem que se chamava Vasco de Lobeira em tempo d’el rei D. Fernando»; B. o estribilho do Lais de Leonoreta («Leonoreta, fin roseta, bella sobre toda flor, fin roseta, não me meta em tal coita voss’amor»), que surge no Cancioneiro ColocciBrancuti (fl. 64r-64v), entre as produções de Johan de Lobeira (1279-1325), trovador contemporâneo de D. Dinis, foi adaptado por Garci de Montalvo e integrado no romance (livro II, cap. LIV). C. a possível relação entre Johan de Lobeira e D. Afonso (irmão de D. Dinis, 1263-1312), porquanto na versão de Montalvo se lê que a história dos amores de Briolanja por Amadis teria merecido o interesse do «señor infante don Alfonso de Portugal», o qual, descontente com o primeiro desfecho infeliz, o mandara «de outra guisa poer» (livro I, cap. XL). Por seu turno, a tese castelhana assenta sobre dois argumentos, também eles não completamente plausíveis: A. a tradição manuscrita anterior à refundição de Montalvo, quase integralmente perdida, dela subsistindo

Frontispício da 1ª impressão do Amadis de Gaula (Saragoça, 1508).

apenas quatro fragmentos em castelhano, eventualmente de inícios de quatrocentos; B. a forte implantação da narrativa na literatura espanhola. A partir da edição princeps, impressa em Saragoça, no ano de 1508, o seu sucesso tornar-se-ia enorme na Europa. Seria traduzido e adaptado em França, Itália, Holanda e Alemanha e abreviado até em hebraico. Em 1522, inspiraria o Dom Duardos de Gil Vicente, o qual, alguns anos antes havia apresentado uma adaptação teatral do próprio Amadis de Gaula que constitui, segundo a opinião abalizada de Eugénio Asensio, um dos momentos mais altos da dramaturgia vicentina. A primeira impressão integral conhecida dos quatro livros da novela saiu dos prelos sevilhanos de Jacobo e Juan Cronberger, em 1526 (fim do mês de Abril): Los quatro libros de Amadis de gaula nueuamente impressos e hystoriados en Sevilla [BN: Res 454 V]. As sequelas do Ciclo dos Amadises produziram ao todo 12 livros. Esta novela de cava239

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AMADIS DE GAULA Claretie), Monte Carlo (Teatro do Casino), 1 Abril 1922 (ed. Heugel et Cie, Paris, 1921); DEZEDE, Amadis, (?) (cf. Stieger, v. 1, p. 48); ANÓNIMO, Amadis (libreto: desconhecido), (?) (cf. Mellen, v. 1, p. 45); Amadis de Gaula: programa (realização de Amélia Rei Colaço e Robles Monteiro), Lisboa, s.n., 19?? [BN: BA 494 (72º) A].

Frontispício da 1ª impressão integral dos quatro livros do Amadis de Gaula (Sevilha, 1526).

laria (livro de cabeceira de *Santa Teresa de Ávila) inspirou inúmeras obras de teatro, teatro musicado e ópera. AMADIS DE GAULA NO TEATRO E NA ÓPERA VICENTE, Gil, Tragicomedia de Amadis de Gaula, 1522 (in Copilaçam de todalas Obras de […], Lisboa, João Álvares, 1562; […] agora paraphrasticamente passada a portuguez, Coimbra, 1910, ed. Júlio de Castilho [BN: L 32479 V]; Manchester, 1959, ed. T. P. Waldron); LULLY, Jean Baptist, Amadis (libreto: Philippe Quinault), Paris (Academia Real da Música) 14 ou 18 Janeiro 1684; ANÓNIMO, Naissance d’Amadis (libreto: desconhecido), Paris (Teatro Italiano) 10 Fevereiro 1694; FIOCCO, Pierre, Amadis des Gaules (ópera prólogo de Lully), Bruxelas, 25 Janeiro 1695; DESTOUCHES, Andre, Amadis de Grece (libreto: Antoine Houden de la Motte), Paris (Academia Real da Música) 3 Março 1699 (ed. Chez C. Ballard, 1712); HANDEL, George Frederick, Amadigi di Gaula (libreto: John James Heidegger), Londres (King’s Theatre), 25 Maio 1715 (in Librettos of Handel’s Operas, Nova Iorque, 1989); TORRI, Pietro, Amadigi di Grécia (libreto: Perozzo di Perozzi), Munique, Outubro 1724; ANÓNIMO, Amadis le Cadet: opera Parodie (libreto: Fugelier), Paris (Comedia Italiana), 24 Março 1724; ANÓNIMO, Arlequin Amadis (libreto: Domenique e Romagnesi), Paris (Comédia Italiana), 27 Novembro 1731; BLAISE, Amadis: opera Parodie (libreto: Romagnesi e Riccobini), Paris (Comédia Italiana), 19 Dezembro 1740; BERTON, P. M. / LA BORDE, Amadi des Gaules (libreto: Quinault), Paris (Ópera), 26 Novembro 1771; BACH, Johann Christian, Amadis des Gaules (libreto: Philippe Quinault), Paris (Academia Real) 14 Dezembro 1779 (ed. Chex St. Sieber, Paris, 1780); STENGEL, Gottfried, Amadis, der fahrende Ritter von Gallien (libreto: Briesecke), Hamburgo, 1798; DIMMLER, Antonius, Ritter Amadis (libreto: LeGrand), Munique, 180?; MASSENET, Jules, Amadis (libreto: Jules

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REEDIÇÕES Los quatro libros de Amadis de Gaula nueuamente impressos e hystoriados en Sevilla, Jacobo e Juan Cronberger, 1526 (fim do mês de Abril) [BN: Res 454 V]; Ed. Rodrigues Lapa: 1ª ed., [S. l., s. n.], 1937 [BN: L 31075 P]; 2ª ed., [S. l., s. n.], 1941[BN: L 34127 (4º) P]; 3ª ed., Lisboa, [s. n.], 1957 [BN: L 46340 P]; 4º ed., [S. l., s. n.], 1962 [BN: L 54160 P]; 5ª ed., Lisboa, Seara Nova, 1968 [BN: L 61015 P]; 6ª ed., Lisboa, Seara Nova, 1973 [BN: L 66198 P]; Ed. Costa Marques: Lisboa, Liv. A. M. Teixeira, 1942 [BN: L 35084 (3º) P]; Coimbra, Atlântida: 1960 [BN: L 63352 P]; 3ª ed. , 1972 [BN: L 66179 P]; Ed. Afonso Lopes Vieira: O Romance de Amadis, composto sobre o Amadis de Gaula de Lobeira, Lisboa, Portugal-Brasil, 1922 [BN: L 30099 P]; Paris, 1924 (trad. Philéas Lebesgue [BN: L 34204 P]); s. l., 1926 [BN: L 30067 P]; s. l., s. n., 1935 [BN: L 27172 P]; Lisboa, Bertrand, 1955 [BN: L 43487 P]; Lisboa, Ulmeiro, 1984 [BN: L 34678 V]; Lisboa, Ulmeiro, 199( [BN: L 60824 V]; Lisboa, Ulmeiro, 2002 [BN: L 74155 V]; Porto, Porto Editora, 2003 [BN: L 81131 V]. Edições inglesas oitocentistas: Amadis de Gaul (Londres, N. Biggs, 1802, 4 vols. [BN: L 6477 P]; Amadis of Gaul, Londres, T. N. Longman and O. Rees, 1803, 2 vols. [BN: L 10944 P]; Amadis of Gaul, translated from the Spanish version of Garciordonez de Montalvo By Robert Southey, Londres, John Russel Smith, 1872, 3 vols. BIBLIOGRAFIA AMADO, Teresa, Amadis, Lisboa, Quimera, 1992 [BN: L 47222 V]; ANDRADE, Maria Francisca de Oliveira, Reacção quinhentista da filosofia moral contra os romances de cavalaria, in Revista Portuguesa de Filosofia, v. 11-12 (1955), p. 455-457 [Actas do I Congresso Nacional de Filosofia]; BRAGA, Teófilo, Historia das novellas portuguezas de Cavalleria [...]: formação do Amadis de Gaula, Porto, 1873; idem, Manual da História da Literatura Portuguesa, Lisboa, 1875, cap. 3, p. 70-88; idem, Sobre a origem portugueza do Amadis de Gaula, in Questões de Litteratura e Arte Portugueza, Porto, 1881, p. 98-122; idem, Origem portugueza do Amadis de Gaula, in Hist. da Literatura Portugueza, v. 1, Porto, 1909, p. 299-346; idem, Versão hebraica do Amadis de Gaula: realizada em sessão de 3 de Março de 1914, in Trabalhos da Academia de Sciencias de Portugal, s. 1, v. 2-3 (Coimbra, 19151916) [BN: HG 100086 V]; CHAVES, Castelo Branco, Carta inédita de José Monteiro a António Pedro Lopes de Mendonça sobre o «Amadis de Gaula», in Revista da Biblioteca Nacional, n. 1 (1982), p. 37-42 [BN: L 31237 V]; ENTWISTLE, Wiliam J., The Arturian Legend in the Literatures of Spanish Peninsule, Londres, 1925; FOGELQUIST, J. D., El Amadis y el género de la historia fingida, Madrid, 1982; FREITAS, Alfredo Vieira de, Amadis de Gaula, Gaula de Amadis: ensaio acerca da influência das novelas de cavalaria na Madeira, Funchal, 1964 [BN: L 16905 V] e 1984 [BN: L 34911 V]; GANDRA, Manuel J., Os Templários e o Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida para português (século XIV – 2006), Mafra, 2007; GLASER, Edward, Nuevos datos sobre la critica de los libros de caballerias en los siglos XVI y XVII, in Anuário de Estúdios Medievales, v. 3 (1966), p. 393-410; HERCULANO, Alexandre,

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AMADOR, SANTO Novelas de Cavalaria Portuguesa. I – Amadis de Gaula, in Panorama (1838) e in Opúsculos, v. 5, Lisboa, 1907, p. 87-99; LAPA, M. Rodrigues, A questão do Amadis de Gaula no contexto peninsular, in Grial, v. 27 (1970), p. 14-28; LEBESGUE, Philéas, La Matière de Bretagne et l’Amadis de Gaule, in Bulletin des Études Portugaises, v. 4, n. 1 (1937), p. 47-57; LOPES, Graça Videira, Geografias Imaginárias – espaço e aventura no Amadis de Gaula, in A Imagem do Mundo na Idade Média (Actas do Colóquio Internacional), Lisboa, 1992, p. 207-213; MARTINS, Mário, O elemento religioso no Amadis de Gaula, in Brotéria, v. 68, n. 6 (1959), p. 639-650 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 3, Lisboa, 1983, p. 341-355; MENENDEZ Y PELAYO, Marcelino, Origenes de la Novela, v. 1, Madrid, 1905, p. CXCIX-CCXLVIII; MICHELS, R. J., Deux traces du Chevalier de la Charrette observées dans l’Amadis de Gaula, in Bulletin Hispanique, v. 37 (1935), p. 478-480; MOISÉS, Massaud, Amadis de Gaula, in Dicionário de Literatura (dir. Jacinto Prado Coelho), Porto; NASCIMENTO, João Cabral do, O Nome de Gaula, in Feira da Ladra, v. 1 (1929), p. 201-204; PASTOR CUEVAS, Maria Cármen, Tipologia del Ermitaño: ficcionalización y fución en los Libros de Caballerias Hispânicos (Zifar, Amadís y Tirante el Blanco), in Literatura Medieval (Actas do IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval), v. 4, Lisboa, p. 35-39; PAXECO, Fran [Manuel Francisco Pacheco], O Poema do Amadis de Gaula, in Biblos (1933) e Coimbra, 1934 [BN: L 31908 V]; PIMPÃO, Costa, Idade Média, Coimbra, 1959, p. 177-189; PIRES, António Tomás, Vasco de Lobeira, Elvas, 1905 e 1917 (2ª ed.); REALI, E., Leonoreta/fin roseta nel problema dell’Amadis de Gaula, in Annali dell’Instituto Universitário Orientale di Napoli, v. 7 (1965), p. 237-245; RODRIGUEZ-MOÑINO, António / CARLO, Agustín Millares / LAPESA, Rafael, El Primer Manuscrito del Amadis de Gaula, in Boletin de la Real Academia Española, v. 36 (1956), p. 199-216; SARDINHA, António, Significado do Amadis, in Nação Portuguesa, s. 2, n. 9-10 (1923), p. 400-409 e 455-468 e in À Sombra dos Pórticos, Lisboa, 1927, p. 191-263; THOMAS, Henry, The Romance of Amadis of Gaul, in Revista de História, n. 17 (Jan.-Mar. 1916), p. 1-33 [BN: L 37299 V] e in Spanish and Portuguese Romances of Chivalry: the revival of the Romance of Chivalry in the Spanish Peninsula and its extension and influence abroad, Cambridge, 1920, cap. 2, p. 41-83; idem, Las novelas de caballerias españolas y portuguesas, Madrid, 1952; VARNHAGEN, Francisco Adolpho de, Da literatura dos livros de cavalleria: estudo breve e conscencioso com algumas novidades acerca de originais portugueses e com fac-simile, Viena, 1872; VASCONCELOS, Carolina Michaelis de, Prefácio a O Romance de Amadis, de Afonso Lopes Vieira (1922), Lisboa, 1935 (3ª ed.); VIEIRA, Afonso Lopes, O conto de Amadis de Portugal para os rapazes portugueses, s. l., s. n., 1938 [BN: L 49695 V], Lisboa, Bertrand, 1969 [BN: L 26263 P]; XAVIER, A., O Romance: alguns aspectos da sua evolução na literatura europeia, Lisboa, 1934, p. 81-122; WILLIAMS, G. S., The Amadis Question, in Revue Hispanique, v. 21 (1909), p. 1-167; idem, El desenlace del Amadis primitivo, in Romance Philology, v. 6 (1953), p. 283-289

AMADIS DE GRÉCIA Protagonista de uma das sequelas do Amadis de Gaula, redigida por Feliciano da Silva e intitulada Choronica del muy valiente y esforçado Prín-

cipe y Cauallero de la ardiente espada Amadis de Grécia, hijo de Lisuarte de Grécia, Emperador de Constantinopla, y de Trapisonda, y Rey de Rodas. Que tracta de los sus grandes hechos en Armas, y de los sus altos, y estraños Amores: Y es el noueno libro de Amadis de Gaula (Lisboa, Simão Lopes, 1596 [BPBraga]). AMADOR, SANTO Natural de Monsanto (antes do séc. X). Advogado contra as «más sentenças dos médicos», antigamente venerado a 27 de Março (cf. Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, 1657), sem embargo do seu nome não constar dos Acta Sanctorum. À capela de São Pedro de Vir-a-Corça, no sopé de Monsanto (Castelo Branco), fundada, conforme uma vetusta tradição, pelo eremita, que ali viveu e onde, desde há muito, são veneradas as suas relíquias (profanadas pelos franceses no séulo XIX), anda associado o seguinte episódio lendário: um dia, viu Amador um grupo de demónios levando pelos ares uma criança, raptada em consequência de uma *praga proferida pela mãe. Tendo implorado a Deus a salvação daquele menino inocente, os demónios depositaram-no incólume sobre uns rochedos onde nasceria uma fonte. Doravante, a criança seria criada pelo ermitão na gruta onde vivera solitário, visitada diariamente por uma corça de cujo leite o menino se nutria. Ora, esta lenda, evoca um relato intitulado A Vida de Pantalinos e de sua mulher e do seu filho Santo Amador, constante do Flos Sanctorum de

Capela de S. Pedro de Vir-a-Corça, na actualidade.

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AMAMENTAR 1513 (fl. XLV), decerto decalcado de um romance hagiográfico do século XII, muito difundido em França e na Península Ibérica (cf. José Mattoso). Em suma: no Egipto, Amador, em criança, havia sido consagrado pelos pais ao diabo e libertado dele por um eremita que o baptizou e sustentou com leite de corça. Tendo-se tornado, por seu turno, anacoreta, Amador salvou as almas dos progenitores, mediante muita oração e a celebração de um trintário missas. Nesta prática, de resto, havia se de inspirar a devoção muito generalizada durante os séculos XV e XVI do trintário (33) de missas denominado de Santo Amador (*missa de Santo Amador). A imagem milagrosa de São Pedro, que se cultua na ermida de Vir-a-Corça, indesmentível sucedâneo ortodoxo (e sincrético) dos mistérios pagãos destronados (a corça acompanha *Diana, uma das epifanias da *Grande-Deusa), era, outrora, muito visitada pelos doentes de *quebradura, os quais para se verem livres dos seus achaques se «pesavam a trigo». *Barrete vermelho. BIBLIOGRAFIA DAVID, Pierre, Études historiques sur la Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle, Coimbra, 1947, p. 240; MARTINS, Mário, Trintários, in Lusitânia Sacra, v. 4, Lisboa, 1959, p 147-154; idem, A lenda do trintário de Santo Amador, in Brotéria, v. 72 (1961), p. 280-284; PEREIRA, Félix Alves, Ruína de ruínas ou destroços egeditanos III. A Ermida de S. Pedro de Vila Corça, in Arqueólogo Português (1916), p. 5-17; SALVADO, Maria Adelaide Neto, O Espaço e o Sagrado em S. Pedro de Vir-a-Corça, Idanha-a-Nova, 1992

AMAMENTAR A ostentatio mammarum das deusas arcaicas (e identicamente o gesto pseudo-zygodactilus) evoca a amamentação, como mediação entre a divindade e a humanidade e sinal concomitante da salvação desta. Na iconografia cristã nunca ocorre o contacto directo da boca do Menino Jesus com o seio de Maria. Esta pressiona o peito, causando o fluxo de leite em direcção à boca dos seus devotos (cf. São Bernardo). Quando uma mulher amamenta e quer que o leite lhe seque, deita-o num rio ou dá-o a beber a um cão ou a uma gata (cf. Positivismo, v. 3, p. 147-148). Também pode vertê-lo no lume ou então pôr um raminho de salsa nos sovacos. 242

Mulheres há cuja presença tem o condão de tirar o leite a outras. Para evitar essa situação convém que se despeçam, dizendo: «Adeus, F..., eu não quero o teu leite». Para que o leite volte, preconiza-se, em Évora, colocar um colete ao relento, durante três dias, dando-se-lhe muitas pancadas diariamente, no termo dos quais a mulher sem leite veste o colete orvalhado antes do nascer do sol. Crê-se que se duas mulheres que amamentam beberem pelo mesmo copo, aquela que beber em segundo lugar tira o leite à primeira. Para que o leite volte a esta, é necessário que ambas tornem a beber pelo mesmo copo, dizendo a que ficara sem leite: «Dá-me o meu leite e fica com o que é teu». Também se diz que se uma mulher que amamenta der pão a uma cadela com cachorrinhos, ela lhe ficará com o leite, acidente ultrapassado se for dado à mulher, sem seu conhecimento, um bocado de pão mastigado pela mesma cadela. *S. Mamede (17 Agosto) é o protector contra a falta de leite das mulheres que amamentam. Outrora, informa A. Tomás Pires, as mulheres a quem faltava o leite, tendo necessidade dele para amamentar, pegavam-se «com a imagem de São Cristóvão que está na quinta deste nome (arredores de Elvas) e prometem-lhe uma quartinha de leite de cabras e cinco merendinhas» (cf. Investigações Etnográficas, in Revista Lusitana, v. 8, 1903-1905, p. 277). *Aleitar, *São Mamede. BIBLIOGRAFIA CARNEIRO, A. Lima, A amamentação materna, in Arquivo de Medicina Popular, v. 2 (1945), p. 5769; COELHO, F. Adolfo, A filha que amamente o pai, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 73 [conto popular]; MELO, Laudelino de Miranda, Crendices e maus olhados – bruxas e lobisomens – superstições e mezinhas… que andam nas vidas das gentes simples da região de Vouga, como já andaram nas dos seus avós, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 17 (1951), p. 86-96

AMANTE Se dois amantes lavarem as mãos e as limparem na mesma toalha, hão-de zangar-se. AMARAL, NICOLAU COELHO DO Juntamente com *Francisco de Holanda e Heitor Pinto muito próximo do Infante D. Luís e de D. António, Prior do Crato. Discípulo de

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AMARO, SANTO Pedro Nunes e seu substituto ocasional na cátedra de Coimbra. Após a morte de D. Luís, exilou-se em Valladolide, em cuja Universidade ensinou. OBRA Cronologia, seu ratio Temporum, maximè in Theologorum, atque bonarum literarum studiosorum gratiam [Obra dedicada a D. António. Denota paralelismos quanto à estrutura e fontes relativamente ao De AEtatibus Mundi de Francisco de Holanda. Na introdução faz entusiasmada profissão de fé na *Kabbalah cristã, louvando e citando longamente os seus principais mestres: Pico, Reuchlin e Galatino]; Monostichon. De Primis Hispanorum Regib. Lib. Primus, Coimbra, 1554 [Inclui uma Oratio de Hominis suprema dignitate, dedicada à Infanta D. Maria].

AMARELA, CATARINA Tinha 42 anos quando saíu penitenciada no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 10 de Outubro de 1723, por fingir revelações e visões, presunção de pacto e trato com o diabo, proferir blasfémias contra Cristo, o Espírito Santo e a Santíssima Trindade e fazer desacatos em imagens de santos (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). AMARELO Em Bernardim Ribeiro, à semelhança dos cânticos populares, a cor amarela significa desespero, desengano (de amor e de viver) e morbidês, o antónimo do verde, que é esperança. Diz o povo que «se não houvesse mau gosto que seria do amarelo?». Tal antipatia grangeou-lhe um significado desagradável, acrescida pela cor macilenta dos que sofrem e da «palidez da morte». O amarelo é a mortalha da alma, como o preto é luto do corpo. O *amor-perfeito amarelo é emblema dos «casados» ou «casadinhos», enquanto *goivo dessa cor é flor de sepultura, desempenhando no reino das flores a função do *mocho e da *coruja. No entanto, no Minho, o amarelo é também a cor do *ouro, sinal de riqueza (arrecadas, cordões e trancelões das ouradas), semeado no vermelho da afeição, e maravilha, quando é «ouro sobre azul». Quadras: «Amarelo, amarelo, / Amarelo, linda cor! / Quem não gosta do amarelo, / Não gosta do seu amor.» (Santa Vitória do Ameixial); «Menina do amarelo, / Diga-me quanto custou; /

Que me quero vestir dele, / Já que tanto me agradou.» (Barcelos). *Giesta. amarelos «casados» ou «casadinhos». BIBLIOGRAFIA MAÇÃS, Delmira, A cor amarela na tradição popular e em alguns autores dos fins do século XIX, princípios do XX, in Biblos, v. 64 (1988), p. 209-236

AMARO, SANTO (?-584) Abade, também chamado Mauro. Invocado contra a coriza e a favor da cura de membros fracturados ou enfermos. Em algumas regiões é também padroeiro de casamentos: «Santo Amaro, meu santo Amaro, / tu és o meu santo querido, / venho hoje aqui pedir-te / que me dês um bom marido». Cultuado a 15 de Janeiro. Atributos: báculo e um livro. Na sua hagiografia afirma-se haver sido confiado aos cuidados de *São Bento quando apenas contava 12 anos, tendo sido investido pelo próprio Abade como seu herdeiro espiritual e administrador do mosteiro do Monte Cassino. São Gregório exaltou-o por se ter distinguido no amor da oração e do silêncio, motivo por que, a exemplo de são Pedro, foi recompensado com a faculdade de caminhar sobre as águas. A Vida de Santo Amaro em português existia em Alcobaça [ANTT: Livraria n. 2274 (olim alc. CCLXVI), fl. 111-123v (séc. XVI)]. Narra-se nela a viagem que Santo Amaro empreendeu por mares ignotos em demanda do *Paraíso, até alcançar uma ilha onde, com efeito, o encontrou, muito embora lhe não fosse permitido franquear o pórtico dourado pelo qual se acedia ao local onde *Adão e Eva haviam sido criados. O anjo que lhe impediu a entrada ofereceu A Santo Amaro uma escudela com terra do Paraíso. Os mindéricos chamam às pernas, as de Santo Amaro (também as do João de Penhas), pelo facto de ser o advogado contra os aleijões nas pernas e nos braços. A de Santo Amaro é o presunto (perna de porco). No ano de 1698, o visitador presente na paróquia de Meadela (Vinha, Braga), proibia o costume supersticioso, que aí ocorria, anualmente, no primeiro sábado de Agosto, e que constava de uma vigília nocturna na capela de santo Amaro, com o intuito de se «tomarem orvalhos», aos quais eram creditadas 243

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AMARO, SANTO virtudes miraculosas [Arquivo paroquial da Meadela, II Livro de Visitações, fl. 117-118]. Em Paços de Vilarigues (Vouzela, Viseu) festeja-se Santo Amaro (com oferendas de chouriços, posteriormente leiloados. Em Várzea de Lafões (idem) as ofertas são também de pés de porco. Em Alfeizerão (Alcobaça) há venda de pão-de-ló e de enfiadas de pinhões (Festa dos Pinhões ou dos Pinhões e das Passas, cuja origem remonta a 15 de Janeiro de 1707), tal como, outrora, acontecia na romaria do Alto de Santo Amaro uma das mais antigas, concorridas e tradicionais romarias de Lisboa (15 de Janeiro, repetindo-se no dia de São Vicente, e prosseguindo em 2 e 3 de Fevereiro), animada pela colónia ovarina residente na capital, mas também denominada Festa dos Galegos, em virtude da enorme afluência de naturais da Galiza, com a sua música (castanholas e gaitas de foles) e danças características (muiñera, ribeiranas e jotas). Em Carrazedo (Cedrim, Sever do Vouga), a chouriça com grelos, trazida de casa ou servida nas tendas de comes e bebes é a refeição específica da romaria de Santo Amaro. Em Beja, no fim da sua festa, à noite, eram vendidos na igreja de que Santo Amaro é padroeiro todas as pernas e braços de massa (as alcâncaras de Beringel e Ervidel) oferecidos ao Santo, os quais eram logo comidos para livrarem de doenças. Em Zava (Mogadouro, Bragança), no dia de Santo Amaro faz-se a Festa da Chouriça. Na romaria de Arosa (Guimarães), subsiste o costume antigo de os rapazes atirarem pós às raparigas para as prenderem. Em Ortigosa (Leiria), desde 1966, a romaria realiza-se no domingo após 15 de Janeiro: além de objectos de cera figurando braços, pernas e pés, muitos devotos oferecem telhas e peúgas cheias de milho. Em Belinho (Esposende), nos três domingos consecutivos a seguir ao dia 15 de Janeiro realizam-se sucessivamente as festas dos Solteiros, dos Casados e dos Viúvos. Em Malhapão e Perrães (Oiã, Oliveira do Bairro) a romaria de Santo Amaro foi transferida para o dia da Natividade de Maria (8 de Setembro), confundindo-se com a festa da Senhora das Febres (advogada contra as febres e as sezões): os 244

Registo setecentista de Santo Amaro Abade.

romeiros têm o costume de comprar uma flor com a qual enfeitam a lapela do casaco. Na Madeira, Santo Amaro é invocado num ensalmo contra o *aberto. Neste arquipélago, o dia de Santo Amaro assinala o encerramento das festividades natalícias, procedendo-se à desmontagem dos presépios (aqui denominados *lapinhas), concomitantemente com o uso alegre e festivo do «varrer dos armários»: grupos de vassoureiras ou varredouras visitam todas as casas da localidade, deixando-as varridas, enquanto interpretam cânticos alusivos. Nas regiões Norte e Centro, os doces típicos de Santo Amaro são a arrufada e a regueifa. *Oráculo amoroso. BIBLIOGRAFIA FAUSTO [monge beneditino], Processo da penitente vida de Sancto Amaro, e dos milagres que em sua vida por seus merecimentos fez Nosso Senhor, Lisboa, 1577; HEINEN, Eugene, Die Altportugiesische Amaro-Legende: Kritische Ausgabe der altesten Fassung, Münster, 1973 [BN: L. 23599 V]; KLOB, Otto (editor), A Vida de Sancto Amaro: texte portugais du XIVe siècle, in Romania, t. 30 (1901), p. 504-518; MARTINS, Ana Maria, Aspectos da pontuação num manuscrito medieval português, in Actes du XVII Congrès Internacional de

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AMATO, LUSITANO Linguistique et Philologie Romane (Aix-en-Provence, 1983), v. 9 (1986), p. 255-266 [ocupa-se do cód. 2274 da Livraria Manuscrita do ANTT]; MARTINS, Mário, Viagens ao paraíso terreal, in Brotéria, v. 48 (1949), p. 529-544 e in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 18-33; SOARES, Franquelim Neiva, Medicina popular e feitiçaria nas visitações da Arquidiocese de Braga nos séculos XVI E XVII, in Revista de Guimarães, n. 103 (1993), p. 67-97; SOUTO, A. Meyrelles do, O Livro dos Irmãos da Confraria do bemaventurado Santo Amaro, Lisboa, 1971

AMARRAÇÃO Feitiço destinado a cativar um homem quando uma mulher julga que ele a trai ou partilha com outra. Assim, aquela, após ter praticado o coito, leva o pano de que se serviu para limpar o sémen a uma mulher de virtude para ela fazer a amarração. Esta procede do seguinte modo: dá muitos nós ao pano, espeta um alfinete em cada nó e introduz o pano assim preparado dentro de um frasco, junto com cocas, pedra de ara e álcool. Depois de umas rezas o frasco é rolhado e lançado ao mar. A virtude do feitiço só termina no caso de alguém o recolher e desatar os nós. No antigo Museu Etnológico (actual Museu Nacional de Arqueologia) guardava-se um destes frascos, recolhido em 1924 no Porto Brandão. *Bolo de telha, *dominar vontades, * Pedro Gonçalves de Abreu. AMARRAR Em Paredes, quando se perde alguma coisa, diz-se: «Amarro-te aqui Diabo! Pelo divino Amor de Deus e o Santíssimo Sacramento, enquanto isto [refere-se o que se perdeu] não aparecer, não te desamarro!». Entretanto, reza-se uma ave-maria e dá-se um *nó com um lenço, uma fita, etc., à volta da perna de uma cadeira (repete-se três vezes). Logo que o objecto aparece desata-se o nó. Procede-se do mesmo modo quando se deseja que algo aconteça: por exemplo, que um aluno seja bem sucedido num exame, quando se pretende fazer uma viagem, etc. AMATO LUSITANO Pseudónimo de João Rodrigues de Castelo Branco (1511-1568). Estudou Medicina em Salamanca. Judeu português exilado. Um dos expoentes da medicina quinhentista. Foi médi-

Retrato de Amato Lusitano.

co do Papa Júlio III e do Duque de Ferrara e professor na Universidade desta cidade, tendo ainda exercido em Dubrovnik (então República de Ragusa, na actual Croácia). Em 1547 escreveu sobre a descoberta das Válvulas nas veias, tendo redigido, no período entre 1549 e 1561, os sete volumes das Centuriae, obra que lhe grangeou uma extraordinária projecção (59 traduções em diferentes línguas). Julga-se haver sido um dos primeiros autores a referir-se ao *homúnculo, reportando-se a um que Julius Camillus terá fabricado por processos químicos. Morreu de peste em Salónica. É de sua autoria a canção Partindo-se: «Senhora, partem tão tristes / meus olhos por vós, meu bem, / que nunca tão tristes vistes / outros nenhuns por ninguém. / Tão tristes, tão saudosos, / tão doentes da partida, / tão cansados, tão chorosos, / da morte mais desejosos / cem mil vezes que da vida. / Partem tão tristes os tristes, / tão fora d’esperar bem, / que nunca tão tristes vistes / outros nenhuns por ninguém». Diogo Pires dedicar-lhe-ia o seguinte epitáfio: «Aquele que tantas vezes retinha a vida fugitiva num corpo doente ou voltava a chamá-la das águas 245

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AMAVIA do Letes, / querido, por isso, igualmente dos povos e dos grandes reis, aqui jaz; esta foi a terra que Amato pisou, ao morrer. / Portugal o berço, na terra dos Macedónios o sepulcro. Como se encontra longe do solo pátrio a sepultura! / Mas quando o dia supremo e a hora fatal se aproximam, em toda a parte há um caminho em declive para a Estige e para os Manes». *Escolopendra, *espírito diabólico. OBRA Index Dioscoridis, Antuérpia, 1536; In Dioscoridis Anazarbei de Medica materia librum quinque enarrationis, Veneza, 1553 [BN: Res 501 P]; Curationium Centuriae Septem [Sete Centúrias de Curas Medicinais (trad. a partir da ed. de Bordéus, 1620), Lisboa, 1980, 4 vols.] BIBLIOGRAFIA BENOIT, Francine, Três Canções tristes: para canto e piano (soprano), Lisboa, Valentim de Carvalho [1919] [inclui 3 partituras, entre as quais a da canção Partindo-se, de João Rodrigues de Castelo Branco; BN: MP 1199 (38º) A]; CAPPARONI, Pietro, Amato Lusitano e la sua testemonianza della scoperta delle valvole delle vene fatta da giam-battista, in Congresso do Mundo Português, v. ??, Lisboa, 1940, p. 67-89; CORREIA, Maximiano, Alguns passos da vida de Amato Lusitano, Lisboa, 1968; CRESPO, Firmino, Amato Lusitano revelado através da sua obra, in Estudos de Castelo Branco (1968); DIAS, José Lopes, Amato Lusitano Doutor João Rodrigues de Castelo Branco: ensaio bio-bibliográfico, Lisboa, 1942; idem, Terapêutica de Amato Lusitano: as sangrias da primeira centúria, in Imprensa Médica, a. 9, n. 20 (1943); idem, Terapeutica da sífilis em Amato Lusitano, in Arquivos do Instituto de Farmacologia e Terapêutica Experimental, v. 8 (1946); idem, Laços familiares de Amato Lusitano e Filipe Montalto (novas investigações), in Imprensa Médica, a. 25 (Fev. 1961); idem, Comentários ao Index Dioscoridis de Amato Lusitano: comunicação ao XXI Congresso Internacional de História da Medicina em Sena (Itália), Setembro de 1968, Castelo Branco, 1968; idem, João Roiz de Castell Branco, poeta do «Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e João Rodrigues de Castelo Branco, Amato Lusitano, insigne médico do séc. XVI, in Estudos de Castelo Branco, n. 34 (Jul. 1970); FIGUIER, Louis, L’Alchimie et les alchimistes: essai historique et critique sur la Philosophie Hermétique, 1856, p. 67; JORGE, Ricardo, Amato Lusitano: comentários à sua vida e à sua obra e época, Lisboa; LEMOS, Maximiano, Amato Lusitano: a sua vida e a sua obra, Porto, 1907; idem, Amato Lusitano: correcções e aditamentos, Coimbra, 1922; SALVADO, António (ed.), Medicina na Beira Interior da Pré-Historia ao século XXI – Cadernos de Cultura, Castelo Branco, 1989-2006 [publicação não periódica que reúne estudos com interesse para o conhecimento de Amato Lusitano e da sua obra]; SALVADO, Maria Adelaide Neto / MARQUES, António Lourenço (org.), Amato Lusitano nos cadernos de cultura Medicina na Beira Interior, da Préhistória ao século XXI, Castelo Branco, 2004; SANTORO, Mário, Amato Lusitano ed Ancona, Coimbra, 1991

AMAVIA Sortilégio, filtro amoroso. Beberagem administrada para excitar o amor. Frei Domingos Viei246

ra informa que nos *Açores, no século XIX, se usava um filtro amoroso denominado *mioleira, fabricado com miolos de burro. Ver Jorge Ferreira de Vasconcelos, Comédia Eufrosina (acto II, cena segunda). *Amadio. AMAZONA Também *almazona, *almajona ou *alamoa. O mito das amazonas existe em todos os continentes, mas, salvo ligeiras variantes tópicas, corresponde ao arquétipo consagrado: uma sociedade matriarcal com governo próprio, na qual os homens ora servem como escravos, ora apenas são admitidos uma vez ao ano. Seja como for, tais mulheres são consideradas muito grandes e nutridas. Alimentam os filhos lançando os seios para trás das costas (Maia, Minho, Beira Alta). Paulo Orósio dedica dois trechos da sua História às amazonas: situando o reino destas junto ao Mar Cáspio (liv. 1, cap. 2) e elencando as referências e explicações sobre a origem delas (liv. 15, cap. I). Os rumores acerca de tribos de mulheres belicosas e varonis no Novo Mundo (*América), deixaram de o ser no dia 24 de Junho de 1542, quando o conquistador espanhol Francisco de Orellana, que fazia o reconhecimento do «rio-mar» (depois, justamente baptizado de Amazonas), foi surpreendido por índios comandados por mulheres «muito altas e brancas e com cabelos compridos entrançados em volta da cabeça» (Gaspar de Carvajal, Relación del Nuevo Descubrimiento del Famoso Rio Grande). Em 1587, Gabriel Soares de Sousa informa que os ubirajaras se batiam sempre, por um lado, com os amoipiras «e, pelo outro, com umas mulheres, que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha e se governam e regem sem maridos, como se diz das amazonas, das quais não podemos alcançar mais informações nem da vida e costumes destas mulheres» (Tratado Descriptivo do Brasil em 1587). Exploradores posteriores (Walter Raleigh, Cristóbal de Acuña, Condamine, etc.) haviam de ser informados da existência de um reino de mulheres guerreiras e sem marido, tendo presumido diversas localizações para ele. Contudo, como testemunho

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ÂMBAR algum credível foi registado, o mito acabaria por vingar, consagrando definitivamente a iconografia da alegoria da *América. Cataldo Sículo chamou Pantisileia (i. e., rainha das amazonas) à Rainha D. Leonor, num epigrama (cf. Américo da Costa Ramalho e Maria Margarida Brandão Gomes da Silva, Cataldo Parísio Sículo: duas Orações, Coimbra, 1974) e numa carta, onde a compara à Marquesa de Vila Real (idem, Epístolas, I, fl. i 3v). No bosque de Vila Viçosa existe a Gruta das Amazonas. BIBLIOGRAFIA CASCUDO, Luís da Câmara, Geografia dos Mitos Brasileiros, S. Paulo, 2002, p. 374-375; DIAS, Jorge, A lenda das Amazonas como exemplo da perdurabilidade das interpretações fantasiosas acerca de outros povos, in Estudos científicos oferecidos em Homenagem ao Prof. Doutor J. Carrington da Costa, Lisboa, 1962, p. 151-157; FONTES, Luís Torres, A Lenda das Amazonas, in Oceanos, n. 2 (Out. 1989), p. 104-106; GUIDO, Ângelo, O reino das mulheres sem lei, in Ensaios de Mitologia Amazónica, Porto Alegre, 1937; LANGER, Johnni, As Amazonas: história e cultura material no Brasil oitocentista, in Mneme – Revista Virtual de Humanidades, v. 5, n. 10 (Abr.Jun. 2004]; [LUÍS, Nicolau], O Poder do lindo sexo ou Amazonas: comédia, Lisboa, António Gomes, 1790 [BN: Res 6085 P]; PEREIRA, Maria Helena da Rocha, As Amazonas: destino de um Mito singular, in Oceanos, n. 42 (Abr.-Jun. 2000), p. 162-170; PORTELA, Joana Abranches, As Amazonas no mundo grego, Coimbra, 2002 [tese de mestrado Literaturas Clássicas, Univ. Coimbra; BN: R 22277 V]

ÂMBAR Designação de duas substâncias diferentes: o âmbar-amarelo e o âmbar-cinzento. A primeira, proveniente de uma conífera do terciário, o Pinus succinifer, é uma resina fóssil dura, denominada elektron pelos gregos e por eles dedicada a *Apolo. Na Vulgata, o hashmal dos hebreus é denominado electrum (Ezequiel, I, 4 e 27; VIII, 2). Também chamado *alambre, as suas propriedades electromagnéticas foram exploradas desde a pré-história, uma vez que, tal como o íman atrai o ferro, o âmbar atrai os corpos neutros, ardendo com chama clara e produzindo um odor perfumado. Tácito informa que este tipo de âmbar era oriundo principalmente do Norte da Germânia (região do Báltico). Autores muçulmanos medievais davam-no como eficaz repelente de escorpiões. Leite de Vasconcelos refere uns grãos da substância, expostos no Museu da Sociedade Arqueológica

da Escócia, aos quais era creditada a cura da cegueira. Quanto ao âmbar-cinzento, acha-se no intestino dos cetáceos, nomeadamente na *baleia, assemelhando-se à cera. Com ele se produziam perfumes e mezinhas quando, no séc. XVI, os portugueses entraram no Índico, onde existia em grande abundância, circunstância determinante para a decisão régia de transformar o seu comércio em monopólio dos capitães de Sofala e Moçambique. Até finais de quinhentos a origem do âmbar cinzento foi muito discutida, apontando Garcia de Orta as principais hipóteses: existiria no fundo do oceano, consistindo numa espécie de esponja; tratar-se-ia de esterco ou esperma de baleia, para uns, de aves, para outros (Duarte Barbosa). Dizia-se, ainda que havia uma ilha misteriosa onde as aves colheriam pedaços, posteriormente ingeridos pelos cetáceos. No território hoje português o alambre foi muito comum em contextos do Neolítico/Calcolítico e do Bronze Final, constituindo um dos testemunhos mais evidentes dos contactos com as regiões norteatlânticas (bálticas). Por ser mais belo e fácil de trabalhar (um bloco em bruto foi encontrado no castro da Senhora da Guia – Baiões), seria destinado ao fabrico de pingentes e contas de colar. O achado, em 2007, de aproximadamente trinta contas pertencentes a um único colar, no arqueosítio do Cabecinho da Capitôa (Igreja Nova – Mafra), fez subir para ca. de meia centena os artefactos em âmbar (tipologicamente heterogéneos) inventariados em Portugal: mamoa V de Chã de Arcas (Douro); necrópole de Eido da Renda (Beiral do Lima – Ponte de Lima); orca de Seixas (Moimenta da Beira – Viseu); anta do Pinheiro dos Abraços (Bobadela – Oliveira do Hospital); Cabeço da Amoreira (Salvaterra de Magos – Santarém); imediações e gruta do Correio-Mor (Loures); monumento da Bela Vista (Sintra); necrópole da Meroeiras (Abuxarda – Cascais); necrópole de Talaíde (Cascais); Quinta do Marcelo (Almada); povoado da Coroa do Frade e anta Grande do Zambujeiro (Évora); Atalaião e Alcarapinha (Portalegre); anta dos Pombais (Castelo de Vide – Portalegre); Barranco da Nora 247

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AMBIVERI, PADRE ALBERTO MARIA Velha (Ourique – Beja); Moreirinha (Idanhaa-Nova); Alcalar 3 e 4 (Portimão), etc. Mercê das virtudes que lhe eram creditadas, o alambre foi, igualmente, utilizado na confecção de amuletos favorecedores da calma e de filtros amorosos, bem como na farmacopeia tradicional, a qual o usa, queimado, para auxiliar os partos difíceis e, em pó, contra furúnculos, papeira e sangrias do nariz. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Duarte, Livro de [...], Lisboa, 1812; BECK, C. W. / VILAÇA, Raquel, The provenience of Portuguese archaeological amber artifacts – a case study from Moreirinha (Beira Baixa), in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 35, n. 4 (1995), p. 204-219; FERREIRA, Octávio da Veiga, Os artefactos pré-históricos de âmbar e sua distribuição em Portugal, in Revista de Guimarães, v. 76, n. 1-2 (Jan.-Jun. 1966), p. 61-66; ORTA, Garcia de, Colóquios dos Simples, Lisboa, 1891; PIRES, Tomé, Suma Oriental (ed. Armando Cortesão), Coimbra, 1978; VILAÇA, Raquel / BECK, C. W. / STOUT, E. C., Provenience analysis of prehistoric amber artifacts in Portugal, in Madrider Mitteleilungen, v. 43 (2002), p. 61-78

AMBIVERI, PADRE ALBERTO MARIA Natural de Bergamo. Padre teatino, missionário no Oriente e servo de Deus. Iconografado em registo gravado por Godinho e descrito por Ernesto Soares (n. 59). BIBLIOGRAFIA BEM, Tomás Caetano de, Vida do Venerável Padre Dom Alberto Maria Ambiveri, clérigo regular, Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1782 [BN: HG 2785 P]

AMBRÓSIA Iguaria divina, garante da eterna juventude ou da própria imortalidade, empregue pelos deuses para tornar incorruptível o corpo dos heróis. Considerada nove vezes mais doce que o mel. AMBRÓSIO, SANTO (340-397) Festejado a 7 de Dezembro, como protector das abelhas e dos apicultores, dos animais domésticos e, especialmente, dos gansos. Um dos quatro Doutores da Igreja e padroeiro de Milão. Filho de um Prefeito das Gálias, estudou em Roma, sendo nomeado governador de Milão e Génova. Quando tentava mediar um conflito entre católicos e arianos a propósito da nomeação do bispo de Milão seria ele próprio eleito para desempenhar o cargo. Conselheiro e 248

Santo Ambrósio: escultura em mármore atrib. ao escultor florentino Giuseppe Brocetti (1732), da capela de Jesus Cristo Crucificado, da Basílica de Mafra.

director espiritual dos Imperadores Graciano, Valentiniano II e Teodósio. O programa sistemático de instrução do Príncipe Cristão propugnado por Santo Ambrósio, não se comprazia em pregar a moral cristã, incentivando a prática da justiça, da clemência e da piedade, antes visava evidenciar as virtudes apanágio dos césares, enquanto representantes terrenos de Deus. Produziu vasta obra literária (De Spiritu Sancto, De Fide, Hexaemeron, etc.), tendo sido responsável pela introdução do canto alternativo de hinos e salmos. Terá contribuído para a conversão de *Santo Agostinho, sendo-lhe atribuídos diversos milagres. Afirma que mais de seis mil anos se passaram sobre a Criação. Crê assistir às peripécias da derradeira catástrofe. Iconografado com mitra, livro (atributo dos Doutores da Igreja), báculo e três disciplinas (alusão à mão férrea com que lidou com os seus inimigos). A principal romaria da região de Macedo de Cavaleiros (Bragança) é-lhe dedicada, desenrolando-se no «triângulo sagrado» compreendido entre os santuários de Santo Ambrósio de Vale de Porca, Nossa Senhora de Balsemão (Chacim) e Nossa Senhora do Campo (Podence).

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AMEN BIBLIOGRAFIA FERNANDES, António / ARAÚJO, António de Sousa, Santo Ambrósio. A romagem do Nordeste. História das suas origens e subsídios para a história de Vale da Porca e Salsedas, 1988

ÂMBULA O mesmo que *píxide e *cibório. Cálice com tampa para a conservação e distribuição da *hóstia aos fiéis durante a comunhão. Enquanto encerra o *Santíssimo Sacramento deve conservar-se coberta com um véu de seda. AMDUSCIAS Demónio com a aparência de *unicórnio e também humana. Chefe de 29 legiões. Quando fala as árvores inclinam-se, como que por efeito de um vento violento. Mencionado no cânone 7 do concílio de Braga (560-563). AMEIPICER Provável ninfa de alguma fonte, atestada por uma ara descoberta na Quinta de Orjais (no extremo Sul de Bracara Augusta). Na parte superior possui um foculus para queimar perfumes. A letra da inscrição (AMEIPICRI / SACRUM / A[ulus] . CRASSICIVS / PATERNVS / V[otum] . S[olvit] . L[ibens] . L[aetus]) é típica do século II (cf. Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, v. 2, p. 333). BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 169

AMEIXA Quando alguém sonha com ameixas é certo perder dinheiro (Alvor, Faro). AMEIXOEIRA Invocação mariana, venerada na Abrigada (Alenquer). A imagem, considerada milagrosa, terá pertencido a um anacoreta de uma comunidade estabelecida nos montes circundantes, cerca do séc. VIII. Ocultada quando da ocupação muçulmana, terá sido alegadamente descoberta no tempo de Afonso II pelo dominico Frei Soeiro Gomes, quando, certa noite, de passagem pelo local, avistou uma luz a brilhar. Em consequência da descoberta havia de ser

edificada uma ermida, substituída, em meados do séc. XVII pelo templo subsistente, nas proximidades do qual existe desde data antiga «uma piscina de saúde» alimentada com a água de uma fonte santa. O Santuário Mariano (liv. 2, tit. XXXIV, p. 349: Nossa Senhora da Ameijoeira) informa que a imagem fora descoberta junto de «uma pedra em que estavam estampadas as plantas [pegadas] da mesma Virgem» e que terá seguido para Espanha durante o período filipino. Por seu turno, Dom Rodrigo da Cunha (História Eclesiástica de Lisboa, cap. 27, p. 2) referindo-se ao *podomorfo, afirma: «E tem constante que visível e corporalmente santificara a Senhora com a sua presença aquele lugar e se mostrava uma pedra e nela estampada a pégada de um dos pés da Mãe de Deus, maravilha que leva áquele santuário infinita gente». A romaria actual não tem nem a dimensão nem o brilho que Frei Agostinho de Santa Maria lhe atribuíu em setecentos, resumindo-se, praticamente, ao *círio, oriundo da povoação de Corovel, que visita o santuário no último domingo de Agosto, com o objectivo de cumprir promessas. As Memórias Paroquiais (1758) referem-se a uma confraria do Sobral da Abelheira (Mafra) que então ia render culto a esta Senhora. Consta que o círio era bienal (i. e., ocorria de dois em dois anos) e que nele participavam duas freguesias: Igreja Nova (Mafra) e Sobral da Abelheira. Há notícia das festividades na Igreja Nova, em 1896 e 1908, e no Sobral da Abelheira, no ano de 1904. AMEN Palavra de virtude cujo valor guemátrico é 99. Em hebraico, significa firme, donde a tradução grega, fiel (Apocalipse, III, 14). Ocorre simples ou dobrada no final das orações (Salmos: XLI, 13; LXXII, 19; LXXXIX, 52) para confirmar as suas palavras e invocar a respectiva concretização. Adoptada por Jesus para enfatizar a sua mensagem, com o significado de em verdade (cf. S. João). As promessas de Deus são Amen, i. e., são verdadeiras e seguras (2 Coríntios, I, 20). No Apocalipse é um dos epítetos de Jesus Cristo. 249

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AMÊNDOA AMÊNDOA Segundo o pensamento hebraico é por intermédio da raiz da amendoeira (luz, em hebraico) que se atinge a cidade ou estância da *imortalidade. Na tradição mística simboliza o segredo que alimenta, uma vez descoberto, e a fraternidade (amêndoas eram oferecidas a todos aqueles que se dirigiam a hospedagens estranhas), mas igualmente o segredo inviolável. Fruto característico da *Páscoa. Na Mexilhoeira (Algarve), quando há vento forte persistente, que deita abaixo as flores ou frutos incipientes, é costume dizer: «Aí vem o comprador da amêndoa!». Pode ser utilizada como *amuleto: uma amêndoa de dois bicos (duas amêndoas unidas = *amêndoa do trovão), quando benta, é excelente profiláctico contra raios e trovões (Carviçais, Moncorvo e Vila Nova de Foz Côa). O óleo de amêndoa entrava outrora na composição da maior parte dos produtos de beleza. Do ponto de vista farmacêutico, são mais utilizadas as amêndoas amargas, que contêm até 50% de óleo, albuminas, açúcar, etc. Das amêndoas doces é extraído um óleo muito fino, empregue frequentemente em tratamentos naturais. No uso interno, a água de amêndoas amargas é eficaz contra a tosse, náuseas, vómitos e falta de ar. No uso externo, existem diversas pomadas obtidas a partir de amêndoas amargas e unguentos contra o reumatismo. O óleo de amêndoas doces é muito empregue em massagens e outros tratamentos naturais. Em algumas regiões do país o óleo de amêndoas doces é aplicado, em especial nos bébés, quando existe *ermo, *zagre ou outros problemas de pele; é frequentemente receitado pelas curandeiras para fermentações (fomentações) no estômago e ventre, etc. O saludador quinhentista Marcos Rodrigues receitava amêndoas para tirar febres [ANTT: Inq. Évora, proc. 8922]. AMÊNDOA MÍSTICA *Mandorla. AMÊNDOA DO TROVÃO Diz-se de uma amêndoa de dois bicos (duas amêndoas unidas), que, quando benta, é exce250

lente profiláctico contra raios e trovões (Carviçais, Moncorvo e Vila Nova de Foz Côa). AMENDOEIRA Amygdalus communis, L.; Prunus dulcis, MILL. Simboliza a valentia da alma (humildade), pois trata-se de árvore que floresce durante o Inverno, i. e., no tempo mais adverso e caótico, como os dons da alma devem florescer para conquistar o galardão prometido nas Escrituras (Filipenses, III, 14; Corínteos, IX, 25). A vara florida (reverdecida durante a noite) de Aarão, na qual «tinham germinado flores e amadurecido amêndoas» (Números, XVII, 1-13), preludia a virgindade de Maria e a Ressurreição de Cristo, tendo-se constituído como protótipo dos báculos episcopal e abacial. Pela mesma ordem de razões, a iconografia religiosa serve-se das formas amendoadas (*mandorla ou *amêndoa mística evidenciando a luz espiritual), para aludir à vara do patriarca que floriu como amendoeira, e o cristianismo chama a Cristo vara de amendoeira, porquanto, como ensina Santo António, «a amêndoa doce designa a divindade de Cristo; o caroço rijo, a alma; a casca amarga, a carne, que suportou a amargura da paixão» (Obras Completas, v. 3, p. 139). Junto à capela românica de São Martinho de Bornes (Pedras Salgadas, Trás-os-Montes) existe uma amendoeira associada a uma fonte de virtude. *Abade, *amêndoa, *báculo. AMENDOIM Arachis hipogaea, L. Na Baía (Brasil), não era admitida a colaboração masculina no plantio, colheita e tratamento do amendoim, tarefas exclusivamente desempenhadas pelas indígenas e por mestiças, em virtude de se julgar que a simples aproximação de um homem poderia prejudicar o sabor do produto. No caso do óleo de amendoim, a sua limpidez. AMENORREIA Quando a *menstruação falta sem haver *gravidez, é preconizado tomar vinho bem quente com canela e escaldar os pés em água bem quente, com pó de mostarda, ou infusões de erva-vaqueira, etc.

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AMENTAR AS ALMAS AMENTA Consiste num pater-noster rezado na cadeira paroquial. Em Cete, Lordelo, Vilela e Sobreira, Recarei e Rebordosa havia duas espécies de amentas: as obrigatórias e as voluntárias. As primeiras eram as que o pároco rezava obrigatoriamente todos os Domingos, antes da missa paroquial, durante um ano a contar do falecimento do seu destinatário. As segundas eram ditas pelo padre, de acordo com a vontade de cada paroquiano, durante um período de tempo indeterminado e até comunicação em contrário. Em Gandra, a amenta obrigatória era tradicionalmente conhecida por responso anual, a ela correspondendo uma esmola de cerca de um alqueire de milho. AMENTADOR O mesmo que *emprazedor. As Constituições Sinodais do Bispado de Miranda (30, 1) censuram que se «amentem nem encomendem com superstições o gado perdido». Entre pastores significa encantar, convocar com conjuros os lobos com o fim de prejudicarem rebanho alheio, ou tirar com conjuros ou por encantamento a fereza aos animais selvagens, para deles se servir à vontade (Morais, Dic. da Língua Portuguesa). Frei João Pacheco refere-se aos amentadores como «saludadores com a graça especial de curar as mordeduras dos cães danados». Designa-os também de aumentadores, declarando que «com certas cerimónias e palavras fazem vir diante de si os lobos e as feras, como se fossem mansas; e outras vezes das mansas as fazem ferozes e bravas, e a umas e a outras mandam fazer o que querem» (Divertimento Erudito, v. 3, p. 672). AMENTAR AS ALMAS O mesmo que *encomendar as almas, *ementar as almas e *obradório (Castro Laboreiro). Lembrar os nomes das almas para as encomendar a Deus. A encomendação é realizada dentro de um *signo-saimão, para o operador não ser tentado pelo *diabo, concluindo a cerimónia com a exclamação: «Peço um Padre Nosso e uma Ave Maria por todas as almas em geral que estão nas penas do purgatório», seguida da

Toada da Amentação das Almas, recolhida por Rodney Gallop em Trás-os-Montes

respectiva recitação em voz muito alta. Em Castro Laboreiro, consoante informação de Leite de Vasconcelos (Etnografia Portuguesa, livro III, p. 319), um homem ia (às quartas e sextas-feiras, de noite) a um lugar ermo e alto, armado, «por causa das coisas más», fazia um sino-saimão no chão, de modo que uma árvore ficasse no meio dele, subia a ela e, em voz fúnebre, entoava um cântico religioso, com o qual provocava medo a quem o ouvisse. Em Lageosa do Dão (Tondela), a amentação realiza-se na *Quarta-feira de cinzas. Em Guardão (Tondela), a amenta das almas fazia-se durante toda a Quaresma, três dias na semana (terças, quintas e sábados), pelas ruas da localidade. Nas noites em que havia ementa os participantes saíam sozinhos (mesmo quando se tratava de membros de uma mesma família) de suas casas, dirigindo-se em silêncio para a porta principal da igreja, onde se formavam grupos de homens e mulheres que nem mesmo aí se cumprimentavam. Daí partiam para percorrer as ruas da aldeia, depois de fazerem o sinal da cruz e resarem em coro: «Resemos um PadreNosso / E uma Ave Maria, / Em louvor do Anjo da Guarda / Que vem na nossa companhia. / Padre-Nosso «Saboroso» / Dos tristes e desconsolados. / Ah! Meu Deus, ah! Meu Senhor! / Perdoai-me os nossos pecados». A peregrinação fazia várias paragens em determinados 251

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AMENTAR O CÃO DO GADO pontos da povoação, sempre cantando o Bendito e entoando toadas tristes e muito arrastadas, devendo regressar à porta principal da igreja antes da meia-noite. Consta que os participantes na ementa das almas de Guardão «eram muito tentados» pelo *Pecado (*diabo) que pregava toda a casta de partidas para se vingar. *Antar os mortos, *aumentar as almas. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Ementação das Almas, in Revista de Etnografia, v. 5 (1964), p. 67; CORREIA, Alberto, Amentação das almas em Lageosa do Dão, in Beira Alta, v. 37, n. 1 (1978), p. 121-149; TUDELLA, Pedro de Sousa, A ementa das almas, in Beira Alta, v. 25, n. 2 (1966), p. 219-221

AMENTAR O CÃO DO GADO Adorar o *diabo (*cão do gado). Feitiço geralmente praticado por pastores, também procurados para o *desamentar. Alegadamente, o *malefício atormentava e matava muitas crianças. AMÉRICA Gago Coutinho considera o planisfério de Cantino (1502), existente em Modena (Itália) o mapa mais antigo da América, enquanto Armando Cortesão vê na *Antilia (i. e., anti-ilha) de Pizzigano (1424) a mais remota representação cartográfica de terras americanas. A conjugação de eventos tais como a conquista de Granada e a descoberta do Novo Mundo geraram no imaginário quatrocentista europeu expectativas acerca do advento da Nova Ordem Mundial, profetizada no *Apocalipse (cf. Marcel Bataillon, Erasmo y España, p. 51-61; Evangelisme et millenarisme au Nouveau Monde; Courants religieux et humanisme a la fin du XV et au début du XVI siècle, Paris, 1959, p. 25-36). Num primeiro momento, os mais estrénuos adeptos de tais expectativas milenaristas, que advogavam a iminente reconquista de Jerusalém e a conversão final dos infiéis, foram franciscanos joaquimitas e, designadamente, *Cristovão Colón, conforme se comprova quer pelo seu Livro de Profecias, quer pela carta (7 de Julho de 1503) que remeteu aos Reis Católicos a propósito da sua Quarta Viagem (na qual invoca a autoridade do abade Joaquim). À Carta de Pêro 252

Vaz de Caminha subjaz idêntico ideário. No século XVII, o messianismo apocalíptico recrudesceria, agora no seio das comunas judaicas do Velho Mundo graças a uma obra de *Menasseh ben Israel, intitulada Esperança de Israel (1650), a qual anunciava o reencontro, em plena selva colombiana, por António de Montesinos, das Tribos perdidas de Israel, tese ulteriormente adoptada inclusive por cristãos-velhos e ainda hoje muito difundida pela catequese mormon. Inúmeros foram os exploradores que empreenderam nas Américas a busca de reinos míticos, como o Coronado ou o *Eldorado, não sendo despiciendo o número dos autores que localizaram o *Paraíso no Novo Mundo, de resto, na esteira dos autóctones: Tula ou Tulan (México), Aztlan ou Cidade de Chicometaze (Aztecas), Terra de Olman (Toltecas?), Maya-Pan (Maias), Mansão do Amanhecer (Incas), Paiquerê ou Boassucanga (índios do Paraná), Matutu ou Araracanga (tribos do Mato Grosso). Por exemplo, *Pedro Rates de Hanequim, natural de Lisboa e residente durante vinte anos em Minas, preso pela *Inquisição (1741) como implicado na conspiração que tinha por objectivo aclamar como rei do *Brasil o infante Dom Manuel (irmão de *Dom João V), sustentava que o paraíso terreal fora naquela colónia e que Adão ali se criara, passando a pé enxuto para Jerusalém, como se apressava a concluir a partir de umas pegadas gravadas numa rocha das cercanias da Baía. Por seu turno, o oratoriano padre Manuel Álvares, para explicar a existência de homens na América, não lhe repugnava o seu trânsito pela *Atlântida de Platão (História da Criação do mundo, conforme as ideias de Moisés e dos Filósofos, ilustrada com um novo sistema e com várias notas e dissertações, Porto, 1762). Num registo comparável, os primeiros puritanos estabelecidos na América do Norte estavam convictos de que também essa parte do continente podia ser comparada a uma espécie de Nova Canaã. De acordo com o teólogo John Cotton, emigrado durante o século XVII, os americanos autóctones formavam uma sociedade «liberta da Besta» e já inscrita nas profecias do Antigo Testamento. Na

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AMÉRICA

Nota do Banco de Lisboa [BL 30, 1839]: a vinheta que figura a alegoria da América observa-se no canto inferior direito.

opinião de John Eliot, o decano dos missionários protestantes junto dos índios, em 1652, o Reino de Cristo começava «a erguer-se nas partes ocidentais do mundo». É, todavia, a obra (1740-1744) de Jonathan Edwards aquela em que se detecta a primeira expressão evidente de um *milenarismo aplicado ao continente Norte-americano: «Provavelmente, este novo mundo foi descoberto nos nossos dias para que o novo e mais glorioso Estado da Igreja de Deus na terra possa iniciar-se aqui, e para que Deus aí faça começar um novo mundo espiritual, criando novos céus e nova terra [...]. Deus já concedeu ao outro continente a honra de aí ter feito nascer Cristo, no sentido literal do termo, e de aí nos ter obtido a Redenção. Ora, como a Providência observa uma espécie de igualdade na distribuição das coisas, não é desprovido de razão que se pense que o grande nascimento espiritual de Cristo e a mais gloriosa aplicação da Redenção devem começar aqui [...]. O outro continente matou Cristo e, ao longo dos tempos, derramou o sangue dos santos e dos mártires de Jesus. Foi como que inundado pelo sangue da Igreja. Assim, provavelmente, Deus reservou à filha [América] que não derramou tanto sangue a honra de construir o glorioso tem-

plo, no momento em que vai começar esse tempo de paz, de prosperidade e de glória outrora representado pelo reinado de Salomão [...]. Vários factos me parecem indicar [...] que o sol se erguerá a Oeste». Na alegoria dos *quatro continentes, a América é, decerto por influência do mito das amazonas, geralmente personificada por uma índia coroada por toucado de penas, armada de arco e acompanhada por um crocodilo (cf. Iconologia de *Cesare Ripa, Baixela Germain, notas do Banco de Lisboa, etc.). Já numa gravura inserta no Epitome das Historias Portuguesas (Bruxelas, 1677) de Faria e Sousa é figurada por um *índio a cavalo (*África). BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Fortunato de, La découverte de l’Amérique: Pierre d’Ailly et Christophe Colomb. Les Voyages des Portugais vers l’ouest pendant le XVe siècle, Coimbra, 1913; ANTÓNIO MARAVALL, José, La utopia politico-religiosa de los Franciscanos en Nueva España, in Estudios Americanos, v. 1, n. 2 (Jan. 1949), p. 197-227; ARAGÃO, Augusto Carlos Teixeira de, Breve notícia sobre o descobrimento da América, 1892; ARCELUS ULIBARRENA, Juana Mary, La Esperanza milenaria de Joaquin de Fiore y el Nuevo Mundo: trajetoria de una utopia, in Florensia, n. 1 (1987), p. 47-75; BATAILLON, Marcel, Novo Mundo e Fim do Mundo, in Rev. de História da Univ. S. Paulo, n. 8 (1954), p. 343-351; BRAZ, Henrique, Sobre a descoberta pré-colombina de terras da América, in Bol. Instituto Histórico Ilha Terceira, n. 3 (1945), p. 266-274; CORDEIRO, Luciano, De la part prise par les Portugais dans

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AMESTERDÃO la découverte de l’ Amérique, Congrès International des Americanistes (1875), Lisboa / Paris, 1876; CORREIA, J. J. G. de Matos, Acerca da prioridade das descobertas feitas pelos portugueses nas costas orientaes da América do Norte, in Anaes Marítimos Coloniaes, n. 6 (Abr. 1841), p. 269-282 e n. 9 (Jul. 1841), p. 423-433; CORTESÃO, Armando, The nautical Chart of 1424, and the early discovery and cartographical representation of America, Coimbra, 1954; COUTINHO, Gago, O mais antigo mapa da América, in Bol. Sociedade de Geografia de Lisboa, s. 73, n. 1-3 (Jan.-Mar. 1955), p. 3-14; CRONAU, Rodolfo, América: historia de su descubrimiento desde los tiempos primitivos hasta los mas modernos, Barcelona, 1892; CRONE, G. R., The alleged pre-columbian discovery of America, in The Geographical Journal, v. 89 (Jan.-Jun. 1937), p. 455-460; FERRANDIS TURRES, Manuel, El Mito del Oro en la conquista de America, Valladolid, 1933; FREITAS, Jordão de, O descobrimento pré-colombino da América Austral pelos portugueses, in Rev. Lusitania, n. 9 (Abr. 1926); GAFFAREL, Paul, Histoire de la découverte de l’Amérique depuis les origines jusqu’à la mort de Christophe Colomb, Paris, 1892; idem, Les Irlandais en Amérique avant Colomb d’ Après la légende et l’ histoire, in Révue de Géographie (1892); GANDRA, Manuel J., Dicionário do Milénio: Impérios do Divino, Sebastianismo, Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003; GOLDSTEIN, Thomas, The Mith of the Indies and the discovery of the New World, in Rev. da Universidade Coimbra, v. 28 (1980), p. 427-443; KELLY, Celsus, La Austrialia del Espíritu Santo: the journal of Fray Martin de Munilla O. F. M. and other documents relating to the Voyage of Pedro Fernández de Quirós to the South Sea (1605-1606) and the Franciscan Missionary Plan (1617-1627), Cambridge, 1966 (2 vols.); LUIS DE ULLOA, El Pre-descubrimiento Hispano-Catalán de America en 1477, Paris, 1928; MACEDO, Francisco Ferraz, O homem quaternário e as civilizações prehistóricas na América, Lisboa, 1882; PERES, Damião, Américo Vespúcio e a Expedição de 1501-1502: Resposta a Marcondes da Silva, Porto, 1949; PHELAN, John Leddy, The Millenial Kingdom of the Franciscains in the New World: a study of the writings of Genonimo Mendietta (1525-1604), Berkeley-Los Angeles, 1956; RAFN, Carlos Cristiano, Memoria sobre o descobrimento da América no século X, Rio de Janeiro, 1840 (trad. Manuel Ferreira Lagos); REIS, Jaime Batalha, The supposed discovery of South America before 1448 and the critical Methods of the Historians of Geographical Discoveries, in The Geographical Journal (1897); SANTOS, António Ribeiro dos, Do conhecimento que era possível ter da existência da América, pela tradição dos antigos, e por motivos filosóficos, in Hist. e Memórias da Academia Real das Sciencias, t. 5, parte 1ª (1817); SOUSA, Tomás Oscar Marcondes de, O descobrimento da América e a suposta prioridade dos Portugueses (De acordo com a história e a cartografia americana vetustíssima), S. Paulo, 1944; idem, Agricultores portugueses no Brasil antes da arribada de Álvares Cabral?, in Rev. História (1961); idem, Um suposto descobrimento do Brasil antes de 1448, in Rev. História (1962); idem, A concepção geográfica dos portugueses após o descobrimento da América, in Rev. História (1963)

AMESTERDÃO Amstelredam em alguma documentação hebraica. Um dos destinos preferenciais da diáspora sefardita, a partir de 1593, por esse motivo chamada Jerusalém da Holanda: em 1609 havia 254

Sinagoga portuguesa de Amesterdão: gravura oitocentista.

duzentos *sefardim; em 1620, quinhentos; em 1630, mil; em 1665, mil e oitocentos. Persistem inúmeras lendas alusivas aos primórdios da instalação dos judeus aqui. Em 1597, David Jessurum, cognominado Poeta Menino, escreveu o seguinte soneto, à vista de Amesterdão: «Te Deum Laudamus, Sancto, Sancto, Sancto, / Adonay Zebaot Omnipotente, / Mi Anima refira prontamente, / con el celeste è incessable canto: / Pues sin perdida alguna, y sin espanto, / Naufragio, tempestad, o otro Accidente / Miran mis ojos a Amsterdam presente / Libre de Golfo, y de enemigo tanto. / Con notable y Divina Semejança, / Mi espiritu conoze la evidencia, / De hallarte. El que en ti pone la Esperança, / En tu Infinita Y Sacra providencia, / La proteccion que solicita alcança, / Si es com Justa y Decente reverencia.» (cf. Barios Triumpho del govierno popular, parte 1, p. 414). No ano de 1598, os burgomestres da cidade comunicaram à comunidade sefardita que o culto público era apenas reservado (e assim foi até 1630) à religião oficial, calvinista, nada obstando, todavia, ao exercício da sua religião à porta fechada, circunstância que lhes garantiria uma liberdade espiritual ampla. Existiram nesta cidade três congregações judaicas portuguesas: Beth Jacob (Casa de Jacob), a mais antiga, fundada por volta de 1600 (1598?) por Jacob Tirado e Neveh Shalom (Casa da Paz) criada em 1608 por Isaac Franco Medeiros; 3. Beth Israel (Casa de Israel) constituída em 1618. No ano de 1639, superadas algumas dissenções e rivalidades, fundiram-se, originando a Kahal Kadosh de

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AMIAIS DE BAIXO Talmud Torah (Santa Congregação para o Ensino da Lei), cuja sinagoga havia de ser construída no local previamente pertencente à Beth Israel e inaugurada em 1675, segundo projecto do arquitecto Elias Bouman. O Cavaleiro de Oliveira diria a seu respeito: «O edifício é notabílissimo. Tem mais semelhança de cidadela, que de templo judaico. Por isso achei na descrição de certo viajante que quando os judeus o começaram a fabricar tão alto e com paredes de tanta grossura, concebendo o Magistrado escrúpulo de que talvez formassem alguma fortaleza lhes mandou que parassem a obra; razão por que cobriram o edifício antes de chegar à sua última medida [...]». Vivendo numa grande liberdade, os judeus de Amesterdão prosperaram, sujeitos apenas à disciplina imposta pela própria comunidade, independente de toda e qualquer legislação autóctone (nem sequer os casamentos eram legalizados à face da lei holandesa!). Muitos visitantes seiscentistas de Amesterdão, incluindo judeus askenazim, expressaram amiúde a sua admiração acerca da forma como a comunidade sefardita local se achava organizada, sublinhando a sua excepcional vitalidade, bem como a vontade de, em quaisquer circunstâncias, conservar a sua identidade própria. Nesta cidade o *padre António Vieira travou conhecimento com *Menasseh ben Israel, tendo, alegadamente, redigido as Esperanças de Portugal inspirado na Esperança de Israel do rabi. BIBLIOGRAFIA CONDE DE SÃO-PAYO, Subsídios para a história dos Judeus portugueses nos Países Baixos, in Arquivo Histórico de Portugal, v. 2 (1937); idem, Novos subsídios para a história dos Judeus portugueses nos Países Baixos: a certidão heráldica passada pelo Rei de Armas Jiron a Diogo Teixeira de Sampayo, in Arquivo Histórico de Portugal, v. 3 (1938); MENDES, David Franco / REMÉDIOS, J. Mendes dos, Os Judeus Portugueses em Amesterdão, Lisboa, 1990; Portugueses em Amesterdão: 1600-1680, Lisboa, 1989 [Catálogo da Exposição evocativa no Museu Histórico de Amesterdão]; SALOMON, H. P., Os primeiros portugueses de Amesterdão: documentos do Arquivo da Torre do Tombo (1595-1606), in Caminiana, n. 8

AMETISTA Variedade violeta do quartzo, à qual é tradicionalmente atribuído o poder de embriagar, bem como o de proporcionar sonhos proféticos e re-

pelir pensamentos e sonhos impuros. Uma das pedras preciosas do peitoral (éfode) do sumo sacerdote (Êxodo, XXVIII, 19 e XXXIX, 12) e dos alicerces da Nova Jerusalém (Apocalipse, XXI, 20). Segundo *Santo António, «significa a vida de Jesus Cristo, violácea na pobreza e na humildade, flamejando cintilações de ouro na pregação e no obrar de milagres, e destilando aljofres purpúreos na sua paixão. O justo deve colocar esta ametista no ninho da sua consciência, a fim de que as serpentes, isto é, as sujestões dos demónios, se afastem dos filhos das suas obras» (Obras Completas, v. 2, p. 276). Em Jerónimo Cortez, tem virtude para impedir os efeitos nocivos do vinho bebido sem temperança. José Monteiro de Carvalho garante que «chegada à carne clarifica o juízo e faz o semblante alegre» (cf. Diccionario portuguez das plantas, animais , pedras, etc. que a Divina Omnipotência creou para utilidade dos viventes, 1763, p. 36). AMIAIS DE BAIXO Localidade da freguesia de Abraã (concelho e distrito de Santarém). Realiza-se aqui uma festa anual em honra de *São Sebastião. Esta festividade que à semelhança do que é usual em termos regionais é precedida de um peditório em géneros, hoje também de dinheiro, destinado a abastecer a Quermesse e os «comes e bebes», acarreta sempre a decoração das ruas com bandeiras e lâmpadas multicolores, a constituição de um Arraial onde se processam a maioria das actividades profanas e ainda, da parte dos moradores, o caiar e adornar das casas e ruas, que antigamente incluía sempre o substituir do mato, com que eram pavimentadas as ruas. Tradição que grosso modo se insere num modelo regional tipo, ressaltam contudo dela algumas particularidades. Destas ressaltam as três Procissões, nomeadamente as efectuadas no Sábado e na Segunda-Feira. A Procissão de Sábado, é constituída por duas filas de pessoas, que empunhando archotes saem da casa do Juiz, dirigindo-se à Igreja onde «recolhem o Padre», e encaminhando-se depois para o cemitério, onde numa capela aí situada se encontra a ima255

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AMICTO gem do Arcanjo São Miguel. Então, e após o lançamento de um arrasador fogo de artifício (orgulho da gente amiense), este é solenemente transportado até à Igreja Matriz, onde irá pernoitar duas noites com a Senhora da Graça, a padroeira do lugar! Como diz a tradição popular; «lá vai o santo dar uma penáchada para o ano inteiro» ! Por seu turno a Procissão de Segunda-feira, tem como objectivo a separação e despedida dos Santos, passado que está o período festivo e de confraternização. Assim o cortejo parte da Igreja transportando as diversas imagens aí existentes (incluindo São Sebastião em Honra do qual são realizados os Festejos) entre os quais estão a Senhora da Graça e o São Miguel. Chegados à entrada do cemitério, a Imagem de São Miguel recua lentamente e de frente para a Senhora da Graça, que maquilhada a propósito parece chorar de tristeza pela separação iminente. Um ambiente de consternação perpassa assim a cerimónia, enquanto o santo recolhe à capela e as roupas tradicionalmente escuras dos intervenientes, tornam ainda mais sombrias as sombras nocturnas que o bruxulear dos archotes agitam lugubremente’. Este curioso e insólito episódio, parece resultar de duas razões, cuja importância específica é contudo, hoje em dia, de difícil percepção. Uma mais remota, poderá ter a ver com a deturpação de antigos ritos (de fertilidade, de que os Santos Cristãos tenham herdado os atributos respectivos, nomeadamente no que concerne ao poder fecundante e procriador. Tal explicaria a atitude popularmente assumida da relação sexual Santo/Santa, como resquício de um qualquer cerimonial cíclico de renovação, personificação de um acto de fertilização ligado às forças da natureza. Explicaria igualmente uma situação hoje extinta, mas a cuja lembrança o conhecimento oral ainda remonta, e que nos diz que «antigamente esta procissão era feita... por homens descalços e segurando liames de verdura, não havendo nessa altura qualquer tipo de imagem». Mas existe contudo outra possível explicação, que pode inclusive, mais do que constituir uma outra distinta, ser um complemento funcional da mesma. De facto, 256

Amiais de Baixo é uma povoação que socioprofissionaimente foi até tempos recentes constituída por trabalhadores assalariados que se empregavam em toda a Região como madeireiros, principalmente no fabrico do carvão, e que devido a isso passavam muitas vezes grandes temporadas sem vir a casa. Como diz um extracto de uma cantiga local: «São homens dos Amiais / Que vinham a casa pelas Festas / E pouco mais». AMICTO Do latim, amicire = cobrir. Peça de vestuário litúrgico, em linho (com uma cruz bordada ao centro), cuja origem é incerta. Espécie de lenço com o qual o sacerdote cobre o pescoço e os ombros (passando os cadarços por baixo dos braços e atando-os sobre o peito) antes de envergar a *alva (antes do século XI ou XII, sobre ela). A oração que acompanha a colocação do amicto («Põe, Senhor, na minha cabeça o elmo da salvação, etc.») sugere que o oficiante veste um capacete para se proteger das ciladas do demo. Simboliza o pano ou sudário com o qual os judeus cobriram o rosto de Jesus em casa de Caifaz. O uso do amicto é ainda comum entre beneditinos e franciscanos (sob a forma do capuz) e nos ritos ambrosiano, lugdunense e maronita. AMIEIRO Árvore que figura a ressurreição, semântica já presente na Odisseia de Homero. AMNIOMANCIA Sistema divinatório baseado na observação do saco membranoso que envolve a cabeça dos recém-nascidos. AMON Também Aamon. Chefe de 40 legiões. Tem aparência de lobo com cauda de serpente e vomita chamas como um dragão. Assume forma humana, com cabeça de mocho, quando quer. Conhece o passado e o futuro. Referenciado no cânone 7 do concílio de Braga (560-563).

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AMOR AMOR Termo que exprime múltiplas acepções: afeição, compaixão, misericórdia, inclinação, atracção, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido, etc. Tal diversidade semântica, já patente no grego e no latim, testemunha a complexidade do sentimento em apreço (correspondido ou não), relativo a alguém ou a algum objecto. Os gregos usavam cinco palavras distintas para exprimir outros tantos aspectos da experiência amorosa: storge (afecto natural, amizade); philia (amizade ou amor recíproco); eros (força imanente que move as esferas celestes e anima toda a existência; atracção física e desejo sexual); pragma (prática, negócio: amor interessado em fazer bem a si mesmo, que espera algo em troca); agape (termo utilizado no Novo Testamento para nomear o Amor altruísta). No latim: amor, dilectio, charitas, etc. Platão, para quem o amor é o desejo por algo que não se possui, distingue três modalidades: A. o amor terreno, do corpo; B. o amor da alma, celestial (que conduz ao conhecimento e o gera); C. o amor misto, do amor terreno e do celestial. Genericamente, a filosofia grega entendeu o amor como o princípio que governa a união dos elementos naturais e a relação entre os seres humanos. Os neoplatónicos atribuíram-lhe um significado fundamentalmente metafísico: Plutarco explica o amor como a aspiração daquilo que carece de forma (ou só a detém minimamente) às formas puras e, em última instância, à forma pura, por excelência, do Bem; Plotino (Eneiadas) explora o tema do amor da alma pela inteligência; Porfírio (Epistola ad Marcelam) considera o amor um dos quatro princípios de Deus (sendo os restantes: a fé, a verdade e a esperança). Quando grafado com a (minúsculo), amor é sinónimo de amor profano, enquanto Amor, grafado com A (maiúsculo), remete para o *Amor divino (também denominado Amor platónico). Consoante a aura popular, o amor educa-se (namoro), consuma-se (*casamento) e multiplica-se (família). Por outro lado, o exacto grau de amor, presente ou futuro, não só poderá ser dom de um santo padroeiro (*Santo Amaro,

Algibeira cordiforme que integra o traje feminino de festa de Lavradeira, de Viana do Castelo.

*Santo Antão, *Santo Eliseu, *São Gonçalo de Amarante, *São Roque, *São João Baptista), como também escrutinável, mediante o recurso a técnicas oraculares, as *sortes amorosas, ainda hoje assaz difundidas (*alcachofra, *alfinete, *bochecho, *caroço, *chumbo, *cuco, *malmequer, *ovo, *penedo dos casamentos, *papeisinhos, *rocha dos namorados, *trevo de quatro folhas). José Crespo prescreve uma receita (com apelo a *Santo António) contra as penas ou males de amor (cf. A Serrana, Coimbra, 1971). *Amor-perfeito, *anel, *beijo, *cabelo, *chave, *coração, *cravo, *hera, *lenço, *mangerico, *muro do derrete, *pena, *rosa. BIBLIOGRAFIA BASTO, Cláudio, «Sortes» amorosas no «S. João», in Revista Lusitana, v. 32, n. 1-4 (1934), p. 161-233; CARDOSO, Nuno Catarino, O «Amor» nas Quadras Populares Portuguesas, in Actas do 1º Congresso de Etnografia, Etnologia e Folclore, v. 3, Lisboa, 1963, p. 325-332; CHAVES, Luís, O Amor Português: o namoro, o casamento, a família (Estudo Ethnographico), Lisboa, 1922; DANTAS, Júlio, O Amor em Portugal no século XVIII, Lisboa, 1915; FARIA, Alfredo, Folklore Português: amores IV, in A Águia, s. 2, v. 16 (Jul.-Dez. 1919), p. 51-59

2. O mesmo que *Cupido e *Eros. 257

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AMOR DA PÁTRIA AMOR DA PÁTRIA /1 «Mancebo guerreiro, que tem ao peito uma das Quinas Portuguesas», consoante a alegoria integrada na composição encomendada a António Manuel da Fonseca para o Painel transparente que mandou fazer o Barão de Quintella […] para a iluminação do seu Palácio das Laranjeiras, para a noite do dia 22 de Outubro de 1820 (Lisboa, Impressão Régia, 1820). Também título de uma das estátuas alegóricas (1821) de João José de Aguiar e do seu ajudante João Gregório Viegas patente no Palácio da Ajuda. AMOR DA VIRTUDE Alegoria integrada na parte superior da composição encomendada a António Manuel da Fonseca para o Painel transparente que mandou fazer o Barão de Quintella […] para a iluminação do seu Palácio das Laranjeiras, para a noite do dia 22 de Outubro de 1820 (Lisboa, Impressão Régia, 1820). Consoante a descrição publica???????????????????????????????????????????????????????????????????? ???????????????????????????

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AMOR DIVINO da, segurava na mão direita os retratos de D. João VI e da consorte, e na esquerda «o símbolo da Memória perdurável, figurada em uma cobra que morde a cauda». Também título de uma das estátuas alegóricas (1821) de João José de Aguiar e do seu ajudante João Gregório Viegas patente no Palácio da Ajuda. Para a concepção das suas, ambos os artistas recorreram às alegorias correspondentes da Iconologia de *Cesare Ripa (Roma, 1603). AMOR DIVINO Que o temário amoroso e pastoril do Trobarclus galaico-português encerra uma mensagem cifrada não subsiste qualquer dúvida. Nem tão pouco que, acompanhando o apogeu da expansão marítima portuguesa, a mesma terminologia translata transmigrou, sendo retomada, até à exaustão, pelo doce estilo novo dos *Fiéis do Amor. Com efeito, a adesão à maneira provençal de exprimir o locus amoenus e o paschale gaudium não releva de um mero cliché literário ou, designadamente, de uma falta de imaginação (leia-se inspiração!) dos poetas, como alguma crítica pouco atenta se tem comprazido em fazer crer, antes revela a vivência de experiências de cunho idêntico, deliberadamente expressas com recurso a referenciais codificados, cuja constante glosa denota a consagração dos temas em apreço, na esteira de uma arcaica e muito persistente tradição lírica com paralelos em contextos pré-cristãos e orientais (Miguel Asin Palacios, La Escatologia Musulmana en la Divina Comedia, Madrid-Granada, 1943). É um dado já adquirido que tanto a lírica medieval dos cancioneiros de Amor e de Amigo, como aquela recolhida no Cancioneiro de Garcia de Resende, quer a de Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, Camões, Leão Hebreu, Eloy de Sá Sottomayor, Rodrigues Lobo, Samuel Usque, Fernão Álvares do Oriente, etc., constituem a expressão externa (exotérica) de um exercício que visa o renascimento para uma vida nova, pautada pela participação inebriante na inefabilidade do Amor divino. Não adverte D. Dinis que os amantes autênticos não buscam o «mayor galardom», ou seja, a consuma-

O Amor virtuoso castiga a Fortuna [desenho à pena a tinta bistre; MNAA: inv. 667], de Francisco Vanegas: de facto, a flagelação do amor ferinus ou bestial (a Vénus vulgar de Pico della Mirandola) pelo Amor divino.

ção lasciva, pois «quen tal bem deseja o bem dessa dama em muy pouco tem»? Camões chega a cifrar tal género de práticas gnósticas no título de um dos seus mais famosos Autos. Filodemo é, como a própria etimologia denuncia, o Amigo da Alma ou Daimone, em oposição a Vanadoro, o adorador de coisas refulgentes (como o ouro), mas vãs! Manuel de Faria e Sousa, por seu turno, esclarecerá: «Tres calidades de Amor tenian los Platonicos. Uno contemplativo, que es superior y divino, exhalandose de la luz y objecto corporeo, a las consideraciones de su origen que está ausente y peregrino. Otro activo que viene a ser el humano deleite en la conversacion y la vista. Y el final, lascivo y torpe, que baxa de la vista y de la conversacion al texo del contacto: y por esso son comparadas estas tres 259

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AMOR DIVINO calidades de Amor, la primera al oro, la segunda a la plata, y la tercera al plomo. De manera, que el contemplativo para en la divina mente. El activo, usando un dudoso medio, anima en la vista. Y el lascivo en su baxez, y assi para cada uno conocer el amor que sigue y el provecho que ha de sacar del, dize San Agustin sobre el salmo 64, no tiene mas sino darse al consideracion de la calidade dellos «‘Jerusalem abraça al amor divino al humano Babilonia: examine cada uno en si qual dellos sigue, y verá el lugar que habita’» (Noches Claras Divinas y humanas Flores, Lisboa, 1674, 1ª Noche, Palestra IV, p. 280). A coita de Amor de que o jogral se acha possuído e que o coloca sob o poder da Dona, suscitando nele o desejo de morrer, consubstancia o momento preliminar desse exercício, isto é, a mortificação, propedêutica da subsequente contemplação, conducente a uma eventual iluminação. Não é isto susceptível de gerar qualquer tipo de contestação, uma vez que o tema central de qualquer iniciação é a palingénesis, a morte e a ressurreição simbólicas, cuja ritualização impõe que candidato seja vendado e atado, de modo a vivenciar as trevas e as restrições que antecedem cada (re)nascimento. A Senhor (nunca a Senhora!) que os poetas amam e em quem põem os olhos da alma, a Dona por quem se apaixonam, é uma personificação do Espírito Santo e da sua presença iluminativa, transfigurada, num contexto profano, na mulher/Graça como objecto do Amor. Já no cancioneiro de Amigo verifica-se uma alteração da polaridade, porquanto é a voz feminina o veículo dos sentimentos poetados e a masculina a desterrada. Assim, por exemplo, Raimundo Lúlio chama Amado (Amat) a Deus e Amigo (Amic) à Alma, em vez de Sponsa, conforme propõem os hermeneutas que interpretam o epitalâmio sagrado do Antigo Testamento, o Cântico dos Cânticos, como uma alegoria mística das núpcias de Cristo com a Igreja e com a alma fiel (antecipação de toda a ascese e mística das vias espirituais que desabrocharão mais tarde nas escolas renana, flamenga e inglesa). Assentam os fundamentos de tal exercício numa tradição de inspiração gnóstica, alimentada por 260

um clima de interpenetração cultural patenteando influências islâmicas, moçárabes e provençais, aliadas ao substracto céltico veiculado pela *Matéria da Bretanha. O que tudo culminaria nas propostas da mística interiorística platonizante que os meios erasmistas disseminaram a partir de finais de quatrocentos, caracterizadas pela supremacia do ethos sobre o logos, do subjectivo sobre o objectivo, do experimentar sobre o entender em coisas espirituais, denunciando um estreito parentesco com o nominalismo. A corte esclarecida da rainha viúva, Dona Leonor (1458-1525), havia de servir de esteio à difusão dessas correntes (*devotio moderna) eivadas de humanismo italiano que, tendo encontrado terreno propício em Portugal, produziram frutos ubérrimos. As influências heterodoxas de um Pomponazzi, segundo o qual a alma racional é passível de morte, são patentes, por exemplo, numa composição assinada por Garcia de Resende: «Minha vida é de tal sorte / co mor remédio que sento / é saber que co’a morte / darei fim ao pensamento. / Com suspirar e gemer / tristezas, nojos, paixão, / juntos em meu coração, / vivo só pelos sofrer. / Já não há quem me conforte / meu mal, e grande tormento / se não lembrança da morte, / que dá fim ao pensamento». Bernardim Ribeiro parece perfilhar este ideal na écloga Jano e Franco, tal como Sá de Miranda no poema Toda a esperança é perdida. Nada mais natural, portanto, que fazer da letra, já de si uma metalinguagem, um criptograma. De resto, não preveniu Camões, na esteira dos Fedeli d´Amore, que «segundo o Amor tiverdes, tereis o entendimento de meus versos»? O Amor em questão não pode ser outro senão o Amor iniciático (antagónico da cupiditas temporalia), a Gaia Ciência neoplatónica (*Marsilio Ficino) e frequentemente anti-Roma dos jograis, vigiada de perto pelo Santo Ofício por heterodoxa, como não deixará de sublinhar Sá de Miranda na Écloga Basto, quando diz: «o entendimento que é nosso, não no-lo querem deixar», pensamento igualmente expresso por *Fernão Álvares do Oriente na Lusitânia Transformada (prosa V, livro II). A identificação de Amor divino com o

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AMORAS fogo acha-se consagrada já nos Actos dos Apóstolos (II, 3-4) onde as línguas de fogo que descem sobre os Apóstolos reunidos no Cenáculo (*Pentecostes) assinalam o início real do apostolado no mundo. A literatura medieval portuguesa faria amplo uso do tema: o fogo é símbolo do Amor divino nos Sermões de Santo António; por seu turno, o dominicano frei Paio de Coimbra afirma que Deus santifica a humanidade «pelo fogo da sua consolação, pelo fogo da sua santa meditação e pelo fogo do amor do próximo. Tudo fogo, porque tudo isto é amor»; em Camões, «Amor é fogo que arde sem se ver»; na perspectiva da Caridade ígnea de Dom Gaspar de Leão, «[…] não há coisa mais semelhante ao Amor que o fogo» (cf. Desengano de Perdidos, Goa, 1573, parte terceira, cap. XXXIII, p. 286). Em Santa Maria de Cós vê-se a alma abrasada pelo Amor, fórmula muito glosada pela emblemática do Amor divino (cf. Amoris Divini Emblemata de Otto Venius e Pia Desideria de Hermann Hugo). *Alumbrado, *Santa Teresa de Jesus. A retórica persuasiva da Contra-Reforma servir-se-ia frequentemente da tensão Amor divino – amor profano como forma de alusão à virtude e ao vício, respectivamente, razão por que o *Menino Jesus, figurado como Amor divino (munido de aljava com setas), muitas vezes em confronto com o amor carnalis (*Cupido), se viria a tornar um ícone muito caro à piedade barroca (cf. o gesso Luta entre o Amor divino e o amor Profano de François Duquesnoy [MCG: inv. 546]. A Francisco Vanegas é devido um desenho, em clara transgressão das normas moralizantes prevalecentes em Portugal, iconografando uma variante iconográfica do tema: O Amor virtuoso castiga a Fortuna [MNAA: inv. 667], de facto, a flagelação do amor ferinus (bestial) pelo Amor divino, consoante a lição de *Pico della Mirandola (*Afrodite). Uma confraria da invocação do Amor divino teve sede no mosteiro de Santa Clara do Porto [ANTT]. BIBLIOGRAFIA AVALLE-ARCE, J. B., La Novela Pastoril Española, Madrid, 1974; FRANCO, Anísio / CASELLA, Gabriella Maria, Amor Sagrado e amor profano numa pintura contrareformista do convento de Santa Clara em Évora, in Póvoa de

Varzim, v. 26, n. 2 (1989), p. 689-697; FESTUGIÈRE, A.J., La philosophie de l’amour de Marsile Ficin et son influence sur la littérature française au XVIe siècle, Paris, 1980, p. 13-62; GANDRA, Manuel J., Emblemas e Leitura da Imagem Simbólica no Palácio Nacional de Mafra: esquissos para uma exposição virtual, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 9-72; idem, O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006, cap. 3; MARTINS, José V. de Pina, Pico della Mirandola e o humanismo italiano nas origens do humanismo português, in Estudos Italianos em Portugal, v. 23 (Lisboa, 1964), p. 107-146; idem, Livros quinhentistas sobre o Amor: apostila bibliográfica, in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 1 (1969), p. 80123; MULINACCI, Roberto, Do Palimpsesto ao texto: a Novela Pastoril Portuguesa, Lisboa, 1999; OLIVARES, Gregório de, Cupido prostrado, Amor Profano desvanecido, mostra-se a Real existência do Amor e sua maravilhosa comunicação a toda a natureza creada, Lisboa, 1709

AMOR-PERFEITO Na linguagem das flores, os amores-perfeitos quando brancos dedicam-se a noivado, e eles próprios são «noivos», tal como os roxos ou escuros são «viúvos» e os amarelos «casados» ou «casadinhos». Utilizado na medicina popular. BIBLIOGRAFIA GIESE, Wilhelm, Benefe, amor-perfeito, orelha de rato, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 14 (1956), p. 73-89

AMORA No Porto e em São Mamede de Infesta crê-se que a, partir de 24 de Agosto, dia de *São Bartolomeu, não se devem comer amoras silvestres porque, como o *diabo anda à solta, urina nelas e ficam muito moles. AMORAS Invocação mariana celebrada no seu santuário em Oliveira do Arda (Raiva, Castelo de Paiva). Crê-se que a devoção se tenha iniciado cerca da viragem do século XV para o XVI, quando um lavrador, intrigado ao observar um sobreiro que em vez de glandes produzia amoras, encontrou numa concavidade do seu tronco uma imagem da Virgem. Transferida para a igreja mais próxima, a imagem regressou miraculosamente ao sobreiro onde fora encontrada. Entendendo isso como uma manifestação da vontade da Senhora, decidiram cortar a árvore e levá-la para a aldeia, porém todas as tentativas se revelaram infrutíferas, ninguém conseguindo cravar uma lâmina de machado no tronco. Re261

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AMOREIRA solveram então edificar uma ermida ao lado do sobreiro, em cujo altar colocaram a imagem, porém, ela voltou a fugir para o seu tronco. Finalmente, decidiram ampliar o templo, aproveitando a primitiva ermida para capela-mor e encerrando o sobreiro numa capela lateral, dando-se ao seu tronco a forma de um trono onde a escultura, em madeira, de finais de quatrocentos, ainda hoje assenta. A romaria já se realizava no século XVII no dia 8 de Setembro. A 3 de Maio (festa litúrgica da Invenção da Santa Cruz), em cumprimento de votos colectivos, deslocavam-se ao local, em procissão de clamor, nove freguesias do concelho de Paiva com suas cruzes e câmaras e, na segunda-feira seguinte ao Pentecostes, os povos do vale e vila de Arouca. Hodiernamente, a romaria anual realiza-se no dia da Natividade da Virgem (compreendendo missa solene, procissão e arraial nocturno), subsistindo também o clamor ou procissão das Cruzes, no terceiro dia de Maio. AMOREIRA Uma das 27 árvores representadas na heráldica familiar portuguesa. AMORICOS *Agrimónia (na Madeira). AMORTALHADO 1. Invocação do Senhor Jesus, em Provesende (Sabrosa). 2. Figurante das romarias minhotas, coberto com a mortalha (espécie de opa branca vestida sobre a roupa) em cumprimento de promessa. Em Caminha, a procissão de Santa Rita de Cássia integrava, outrora, devotos amortalhados (cf. João da Silva Santos, Caminha através dos tempos, in Caminiana, n. 11, 1985, p. 123208). *Santos Mártires de Marrocos. 3. *Procissão dos caixões, *Procissão dos mortos-vivos. AMPARO Invocação mariana que ocorre em diversas localidades, como, por exemplo, na de Parada de Gatim (Vila Verde, Braga), ou em Felgar. Aqui 262

Registo oitocentista da confraria de Nossa Senhora do Amparo.

equídeos e bovídeos incorporam-se na procissão, os primeiros transportando oferendas no dorso, os segundos sobre a cabeça, presas aos cornos. Noutros tempos, o costume abrangia os rebanhos, os quais davam nove voltas em torno da capela, ficando pertença da santa todos os animais que fugissem para o interior do templo. Actualmente, os pastores levam ainda uma rês (de promessa) aos ombros (cf. Adriano Vasco Rodrigues, A festa da Senhora do Amparo em Felgar, in Mensário das Casas do Povo, v. 14, n. 161, 1959). A imagem de Nossa Senhora do Amparo da capela do Espírito Santo de Sande (freguesia de São Lourenço de Sande) teve de ser posta a recato pelo pároco, «está presa» num oratório, porque enquanto esteve no altar lhe acontecia ficar, frequentemente, sem o manto e a coroa, pois as parturientes, no auge dos «apertos demorados», recorriam a esses adereços para com eles se adornarem e mais depressa ficarem aliviadas. Consta que na romaria do Amparo de Barcelos «tira-se o diabo» (*endemoninhado). AMPULHETA Atributo de Cronos-Saturno, Senhor do Tempo. Na simbólica tridentina o tempo que se escoa inexoravelmente assume um sentido moralista representando a vaidade dos prazeres ter-

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AMULETO

Pormenor do portão do cemitério de Enxara do Bispo (Mafra), 1994.

renos e a transitoriedade da vida, por oposição à eternidade. O carácter fugidio do tempo (que voa) é figurado pelas asas de morcego (noite = morte) ou de ave (diurnas = ressurreição ou vida eterna) associadas à ampulheta. AMULETO Do latim, amuletum. Os amuletos protegem, fixando ou repelindo o mal produzido por espíritos e seres sobrenaturais conscientes e poderosos. Convém distinguir o amuleto quer do *talismã, quer do *fétiche (encerra um espírito que lhe comunica as virtudes de que é detentor). Em Portugal, podem ser rastreados amuletos desde a pré-história (cf. J. L. Vasconcelos, Sur les Religions de la Lusitanie e Elencho das lições de Numismática, v. 1, p. 23, nota 1). Todavia, foram os fenícios os responsáveis pela divulgação no ocidente de uma variada panóplia de amuletos que já haviam propagado antes no Mediterrâneo. Referências a amuletos em Gil Vicente, António Prestes, Dom Francisco de Melo, Couto Guerreiro, etc. Entre os saloios ainda é frequente o uso de amuletos (figa, meia lua, chavelho ou cornicho, ferradura, signo-saimão, etc., sobretudo nas crianças), tal como de breves, saquinhos contendo medalhas de santos protectores, *alho, *alecrim, *arruda, *tasneirinha, etc., que se colocam ao pescoço ou ao peito presos com um alfinete. Leite de Vasconcelos propõe a seguinte classificação provisória, na qual agrupa os amuletos em 4 categorias: A. amuletos cuja virtude depende da forma, cor e

substância: crescente, coração, âncora, figa, signo-saimão, todos de origem simbólica; B. amuletos cuja virtude depende da natureza íntima da sua substância: fragmentos de pedra de ara, pedra de raio, esquírulas de ossos ou crâneos de santos, ferraduras, mãos de toupeira, pontas de veado, etc.; C. amuletos mistos: que aliam a sua natureza íntima ao aspecto exterior; e D. amuletos panteos ou complexos: também designados *armamento, *cambolhada (se enfiados num fio chamam-se *coleira; em Galveias, *pindelicos ou *brincalhetes) e *dixes, constituídos por grande variedade desses objectos mágicos (*figa, *cornicho, *signo-saimão, *moeda, conta de *azeviche, medalhas religiosas, dentes, *crescente, *rabo de raposa, *campainha com badalo, etc.), reunidos numa só peça, por se acreditar que a sua virtude aumenta com o número. D. Francisco Manuel de Melo reporta-se a um amuleto complexo: «duas contas de peixe-mulher, uma Verónica ferrugenta e […] um dente de finado, que tudo tinha seu mistério e serventia» (Apólogos Dialogais, p. 92). Há amuletos próprios da idade e do sexo; para animais (os bois usam-nos na testa, os burros e cavalos nos arreios, antolhos ou ao colo); destinados a zonas específicas da casa (detrás da porta, na cama, no tear); para proteger os campos e os meios de transporte; contra a *fascinação: usam-se no exterior do vestuário, expostos à vista para atraírem o *mau-olhado, ou escondidos no interior do vestuário, sendo usados em segredo e constituídos por palavras escritas, figuras cabalísticas, bem como outras fórmulas consideradas poderosas; etc. Considera-se que os amuletos podem actuar por sugestão (dentes) ou em virtude das substâncias empregues (aipo, arruda, etc.), reconhecendo-se que o próprio objecto ou parte dele livra do mal (similia similibus curantur). Curvo Semedo (Polyanthea) e Fonseca Henriques (Medicina Lusitana) crêem no poder dos amuletos, alguns dos quais foram condenados por edital de 1678. Exemplos: 5 baguinhos de incenso de igreja; 5 bagos de trigo; 5 folhinhas de alecrim, aipo e tomilho; pedra de ara; conta de azeviche; conta vermelha (contra o flato); dinheiro de cruz fu263

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Diferentes tipos de amuletos vulgares no território português

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ANA, SANTA rado (contra bruxas); verónica; meia-lua (contra a lua); figa; cornicho; cruz de metal; medalhas religiosas; búzio marinho; signo-saimão de prata. A. Amuletos infantis: meia-lua, figa, sino saimão, coração, dente de lobo, moedas furadas, búzios, chaves, etc.; B. Amuletos de lactação: conta de leite, de azeviche, leituário, chave macha e rosário de contas de figueira; C. Amuletos contra enfermidades, perigos, etc.: faca e pedra de estancar sangue, cravos de ferradura, anel de fava, pedra de estômago, rosário de alandro macho, pedra de ara, cavalo marinho, etc. *contas de raposa, *copo de elicórnio, *corda de esparto. Amuletos egípcios: *Anão de Ptah, *Bes, *escaravelho, *escaravelho do coração, *falcão, *figa, *Horus criança, *olho de Horus. Amuletos muçulmanos: foi frequente a utilização quer de amuletos, quer de talismãs, no al-Andalus, transcrevendo: passagens corânicas; frases cabalísticas; expressões formadas a partir das 7 sawakit (consoantes da 1ª Sura), dos nomes de Deus, dos «sete espíritos», dos dias da semana, dos planetas, bem assim como das letras místicas (sistema baseado no valor numérico dos caracteres árabes). Moldes em xisto para amuletos, contemplando algumas das referidas fórmulas, foram exumados em Pias [Museu Municipal de Serpa], Silves [MNA: inv. 17039bis] e Beja [Museu Regional Rainha Dona Leonor – Beja]. *Alcorão, *bolsa de mandinga, *mão de Fátima. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Preservativo Espiritual, Remedio util, e conveniente para pessoas vexadas; singular, e experimentado para se conhecerem feitiços, vexações, e maleficios de qualquer sorte feitos a grandes, e pequenos. Contra o Mal da Peste, Rayos, Torvões, Tempestades, e Fogo. Colhido da Sagrada Escriptura, doutrinas dos Santos Padres, e dos mais famigerados Autores; e expendido em varios livros impressos, para a utilidade publica dos devotos e fieis Catholicos, trazendo-o consigo, Lisboa, 1746; AREDE, João Domingues, Amuleto fálico da época neolítica do castro de Recarei, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 1, n. 2 (1935), p. 111-114; CARVALHO, Augusto Goltz de, Amuletos de Buarcos, in Portugália, v. 1 (1903), p. 347-349 [em Buarcos, os amuletos protectores devem ser achados ou roubados]; CORREIA, Virgílio, Um amuleto Egípcio da necrópole de Alcácer do Sal, in Terra Portuguesa, n. 41 (Jul. 1925), p. 9093; CORTEZ, Russell, Os Corta-Ventos e a superstição dos pecadores, in Douro Litoral, v. 3 (1941), p. 43-46 [os corta-ventos nos dois mastros das traineiras da Afurada e Lordelo (e Leixões e Vila do Conde): à vante, geralmente um peixe, e raras vezes, um símbolo de amuleto contra o mau olhado; à ré,

uma seta atravessando um círculo]; FIGUEIREDO, A. C. Borges de, Amuleto romano, in Rev. Archeologica e Historica, v. 1 (1887), p. 7-72; JIMÉNEZ GÓMEZ, Maria de la Cruz, Los amuletos en el Eneolítico Portugués: Zambujal, in Origens, Estruturas e Relações das Culturas Calcolíticas da Península Ibérica (Actas das I Jornadas Arqueológicas de Torres Vedras, 3-5 Abril 1987), Lisboa, 1994, p. 31-35; JUNQUEIRO, Arronches, Crenças, superstições e usos tradicionais de Setúbal, in Tradição, v. 2 (1900), p. 21-22, 54-56, 124-125 e 138-139; MACIAS, Santiago / TORRES, Cláudio (ed.), Portugal Islâmico: os últimos sinais do Mediterrâneo, Lisboa, 1998, p. 266-267, n. 318-324; MAIA, Celestino, Cabeças de víbora no Gerês, in Actas do Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, v. 2 (1959), p. 101-104 [descreve os processos de preparar as cabeças de víbora, usadas depois como amuletos]; MENDONÇA, Martinho de, Amuleto da Alma composto dos antídotos e epithemas, que os Santos Doutores, e outros pios, e doutos varoens recitarão ao contagio dos vícios, Lisboa, João da Costa, 1670; P., R. S., Etnografia arqueológica: antigas contas empregadas como amuletos, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 3 (1932), p. 246-250; PASSOS, Carlos de, Amuletos, in Revista Civilização, a. 9, n. 90 (Jun. 1936); PIRES, A. Thomaz, Amuletos, in Revista Lusitana, v. 3 (1894-95), p. 366-367; e v. 5 (1897-99), p. 230-231 [descrição de vários amuletos, extraída da Pharmacopea Tubalense Chimico-Galenica, de Manuel Rodrigues Coelho, Lisboa Ocidental, 1735]; idem, Amuletos (Concelho de Elvas), in Portugália, v. 1 (1903), p. 618-622; idem, Amuletos Alentejanos, Elvas, 1904; RIBEIRO, Luís da Silva, Amuletos terceirenses, in Revista Açoriana, v. 4 (1948), p. 218-235; RlBEIRO, L., Moedas em imagens, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 3 (1956), p. 335 [moedas furadas, como amuletos, ao pescoço dos santos]; THOMAZ, Fernandes, Crenças e superstições populares do Concelho da Figueira da Foz, in Arqueólogo Português, v. 7 (1902), p. 98; THOMAZ, Pedro Fernandes, Amuletos do concelho da Figueira, in Portugália, v. 1 (1903), p. 604-605; VASCONCELOS, J. Leite de, Cultos fálicos, in A Vanguarda (31 Out. 1880) [BN: J 987 M]; idem, Amuletos italianos e portugueses, in Revista Científica (1882) e Ensaios Ethnographicos, v. 3, p. 211 e ss.; idem, Escavações etnográficas, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 85-86; idem, Sur les amulettes portugaises, Lisboa, 1892; idem, A Figa, Porto, 1925; idem, Amuletos, in Arqueólogo Português, v. 5 (1900), p. 287-289; idem, Amuleto de coral, in Boletim de Etnografia, v. 4 (1929), p. 50-53; idem, Amuletos populares portugueses, in Rev. da Soc. de Instrução do Porto, v. 2, p. 2 e Rev. do Minho, v. 1, p. 69-74 (?); idem, Moedas Amuletos, in Elencho das lições de Numismática, v. 1, p. 21s.

ANA, SANTA Protectora das mulheres casadas e mães de família, especialmente das grávidas, propiciadora de partos rápidos e felizes (a água de Santa Ana foi usada durante a Idade Média contra a febre e maleitas das parturientes). Padroeira dos adelos, fanqueiros, rendeiras, donas de casa, marceneiros, torneiros, entalhadores, moços de estrebaria e fabricantes de vassouras. Também é invocada em casos de pobreza e 265

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ANA DA CONCEIÇÃO para encontrar objectos perdidos. Tem sido identificada ora com a Ana ou Anat aramaica, que os fenícios tinham por parceira do Deus Baal de Tiro, ora com Ártemis, Cibele ou Afrodite, deusas da fecundidade, com domínio sobre as águas vivas, sob cuja égide tinham lugar cultos orgiásticos na Grécia e em Roma. O desconhecimento absoluto sobre quem foram os pais da Virgem (questão omissa no Novo Testamento) inspirou a adopção para Santa Ana dos caracteres de Hanna, mãe de Samuel (Reis), difundidos pelos apócrifos (Protoevangelho de Tiago, Pseudo Mateus, Evangelho da Natividade de Maria, etc.). A sua exaltação foi um dos pretextos usados para justificar o privilégio da *Imaculada. No Ocidente remonta ao século IV (Santo Epifânio), tendo-se desenvolvido a partir do XIV, por ocasião das discussões a propósito da definição do dogma da Conceição de Maria, culminando em quinhentos, com a instituição da sua festa litúrgica, a 26 de Julho (bula de Gregório XIII, de 1 de Maio de 1584). Totalmente alheia à tradição textual e em manifesta contradição com os relatos que asseveram que Maria passou a infância no Templo de Jerusalém, a assunção, surgida no séc. XIV, de que Santa Ana ensinara a filha a ler, encontrou na piedade popular o garante da sua pervivência iconográfica (depois da Contra-Reforma), tornando-se emblema das confrarias das mães de família. Santa Ana tríplice (acompanhada por Maria e Jesus) também é conhecida por Santas Mães. Na livraria de Alcobaça achava-se um Tratado sobre os filhos de Santa Ana [BN: cod. alc. 149, fl. 19v-20v]. Oração para remediar um parto difícil: «Santa Ana pariu a Virgem / A Virgem pariu a Jesus Cristo / E Santa Isabel a São João Baptista / Assim o corpo desta mulher / Despojado, são e salvo / E que traga este fruto a lume.» [Sentenças das Inquisições, in Boletim da Sociedade de Geografia, v. 1, p. 436]. Em Viana do Castelo as mulheres cantam: «Senhora Sant’Ana / Subiu ao monte; / Aonde se assentou / Abriu uma fonte. / Oh água tão doce! / Oh água tão bela! /Anjinho do céu, / Vinde beber dela.» (cf. Teófilo Braga, O povo português). No 266

Santas Mães: escultura da igreja de Santiago de Soure.

séc. XIX, em Gáfete, quando a chuva faltava fazia-se uma procissão de penitência pelos campos, cantando a ladainha. Os penitentes caminhavam descalços, acompanhando uma imagem de Santa Ana num andor. *Apresentação da Virgem no Templo. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Padre Sebastião de, Ceu mystico, a gloriosíssima Senhora Sancta Anna, mãe da Deus e avó de Christo [...], Lisboa, 1725; BRANDÃO, Domingos de Pinho, Imagens de Santa Ana, in Museu, s. 2, n. 4 (Jun. 1962), p. 83-115; BRANDÃO, Fiama Hasse Pais, Discretas Releituras Vicentinas, in Boletim de Filologia, v. 2, tomo 29, n. 1-4 (1984), p. 205213; RIBEIRO, Mário de Sampaio, Iconografia Sacra do Concelho de Mafra: Santas-Mães, in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 2, n. 11 (Jan.-Abr. 1946), p. 87-99 e n. 12 (Mai.-Ago. 1946), p. 205-209; RODRIGUES, Adriano Vasco, O retábulo flamengo da parentela de Santa Ana, na igreja matriz de Torre de Moncorvo, in Revista de Ciências Históricas, v. 5 (1990), p. 143-168

ANA DA CONCEIÇÃO Serva de Deus do mosteiro franciscano da Esperança, em Lisboa. Tinha 27 anos quando faleceu. Dela se contam «grandes coisas sobrenaturais», principalmente que foi vista a voar e que muitas das suas profecias se cumpriram. Escreve o memorialista augustiniano Frei Luís dos Anjos que «eram tão grandes os ímpetos e fervores que tinha interiormente que saía de

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ANAGRAMA noite de seu aposento e, pelas varandas e cerca do mosteiro, bradava a grandes vozes, dizendo que todos amassem a Nosso Senhor Jesus Cristo. E perguntando-lhe umas religiosas como não tinha medo de andar de noite por fora e em que tempo tomava o sono, respondia que quem amava não dormia nem temia. Estando as religiosas muito medrosas naquele tempo da peste, pediu a Deus que se alguma havia de morrer daquela casa se fosse servido escolhesse a ela e assim sucedeu que faleceu, mas não de peste, senão de um ímpeto que lhe deu causado de um grande acto de amor de Deus, de que lançou muito sangue pela boca, que sucede a gente de espírito quando Deus a põe em grau levantado de oração» (Jardim de Portugal, em que se dá notícia de algumas sanctas, e outras mulheres illustres em virtude, as quaes nasceram, ou viveram, ou estão sepultadas neste reino e suas conquistas, Coimbra, 1626, n. 195). BIBLIOGRAFIA VELHO, Domingos, Jesus Princípio do divino Amor e considerações de Jesus, Lisboa, António Álvares, 1625, fl. 45r-45v [BN: R 10447 P]

ANA DE JESUS MARIA *Beata de Évora. ANA DO MOINHO Bruxa algarvia (ca. 1919), perita na *rogação ou *esconjuro do *Mal de Inveja (cf. A Noite, 20 Mar. 1939). Leite de Vasconcelos regista que ela «contava histórias de moiras presas de encantos e de frades mortos sem confissão por terem posto olhos de cobiça nos braços roliços das lavadeiras» e que se gabava de que, «para bem», tudo o que ela «rogasse na missa das almas, entre a hóstia e o cálice, era coisa feita em menos de um ápice», acrescentando que «ai daquele a quem ela armasse o vulto e picasse com a sovela. Mortes e cegueiras saíam das suas mãos como castanhas do ouriço e tal era o pacto que ela havia com o Porco sujo que nem mãos sagradas pelo bispo desenleavam quem ela tivesse prendido nos gelos do Mar coalhado» (Etnografia Portuguesa, v. 7, Lisboa, 1980, p. 420). *Agulha de albardar, *armar o vulto, *mar coalhado, *porco sujo.

ANA DE SÃO JOAQUIM, SÓROR Serva de Deus falecida, em 1737, no convento das Trinas do Rato (Lisboa) com 26 anos. BIBLIOGRAFIA SEIXAS, Padre Domingos Dias, Memorias da vida e virtudes da Madre Soror Ana de S. Joaquim, religiosa professa da Ordem da Ss. Trindade, elucidadas com reflexoens mysticas, Coimbra, 1740

ANACORETA Designação aplicada quer a homens, quer a mulheres que, abdicando da vida em sociedade, se dedicavam à vida solitária de oração e penitência. ANAGRAMA Do grego, anagramma (ana = mudança e gramma = escrita). O princípio do anagrama é o da comutação ou permutação das letras componentes de uma palavra (ou palavras), ou frase, de um dado texto, de molde a formar outras diferentes da(s) primeira(s), sem necessidade de respeitar a ordem original das letras, porém, sem que jamais se altere o seu número. O método baseia-se nos princípios cabalísticos da *Temura, da *Guematria e do *Notarikon. Por exemplo, a Guematria está implicada na geração quer do anagrama cronológico (ou cronograma), onde cada letra é usada em transposição numérica de modo a constituir a data desejada, escrevendo-se em maiúsculas as letras em questão, quer do anagrama aritmético (os valores atribuídos às letras do alfabeto não são sempre os da ordem normal, i. e., a = 1; b = 2, etc., mas os convenientes às necessidades do anagrama desejado). São inúmeros os casos conhecidos de escrita e de pensamento anagramáticos, desde a antiguidade até à época barroca: Anagrama = Ars magna; Quid est veritas? = Est vir qui adest (S. João, XVIII, 38); Ave Maria gratia plena dominus tecum = Virgo serena pia munda et immaculata; Joam Bautista de Castro = Custodio Jasam Baretta); Natércia = Catarina (Camões); Bimnarder = Bernardim; Aónia = Joana; Elmano = Manuel (pseud. de Bocage), etc. Este artifício, sumamente enfatizado no período barroco, foi codificado por *Alonso de Alcalá y Herrera, *Luís Nunes Ti267

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ANAGRAMATISMO ca: diálogo oblíquo entre a Poesia e a Pintura, in Actas do I Congresso Internacional do Barroco, v. 1, Porto, 1991, p. 413-427 e in O Ladrão Cristalino: aspectos do imaginário barroco, Lisboa, 1997, p. 59-73; A Casa das Musas, Lisboa, 1995; Jogos de Mestria – A propósito do Tratado Poético de Alonso de Alcalá y Herrera, in Poesia Incurável: aspectos da sensibilidade barroca, Lisboa, 2003, p. 131-145

ANAGRAMATISMO Adivinhação por intermédio das letras de um nome com o qual se compõem anagramas. ANAINHO O mesmo que *anão (Minho). ANAIO O mesmo que *anão (Minho). ANALGÉSIA Insensibilidade à dor em místicos, iogues, médiuns, curandeiros e indivíduos possuídos por entusiasmo religioso. Anagrama poético acróstico, sobre as dezasseis letras que constituem o nome da rainha Maria Sofia Isabel, de Luís Nunes Tinoco (A Pheniz de Portugal Prodigiosa, 1678).

noco e *Bento Rodrigo Pereira (Compêndio Rhetorico ou Arte Completa da Rhetorica, Lisboa, 1794, p. 256-257) e violentamente atacado por Vernei, que o considerava prova do mau engenho dos «poetas tolos dos séculos XVI e XVII» (Verdadeiro Método de Estudar, Lisboa, 1950, v. 2, p. 223-225). São formas afins do anagrama: o palindroma (quando a leitura muda de sentido: Amor = Roma = Mora), os versos retrógrados ou cancrinos (lêem-se de trás para diante razão porque tiveram fama de diabólicos); os versos de Lyon (a inversão é produzida alterando o sentido: Abel Sacrum pingue dabo, nec macrum sacrificato = Caim – Sacrificato macrum nec dabo pingue sacrum); o logograma (consiste em formar uma palavra com muitas letras, de preferência vogais, e verificar quantas palavras podem ser formadas com ela por transposição). *Henrique Vitório de Perpinan. BIBLIOGRAFIA HATHERLY, Ana, A Experiência do Prodígio, Lisboa, Imprensa Nacional, 1983; idem, Metamorfose Barro-

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ANALGÉSICO Substância que acalma a dor. A fitoterapia aconselha a utilização de *erva cidreira, *eucalipto, *milho (sobretudo as barbas) e *salgueiro (a casca). ANALOGIA Proporção entre os termos de duas ou mais ordens ou sistemas, designadamente entre Deus e as criaturas, cuja relação se revelou o problema capital da teologia escolástica. O universo é o espelho dos símbolos, porque Deus, causa suficiente dos entes criados e de todo o ser, se reflecte nele, contendo as suas imperfeições. Assim, o conhecimento do cosmos introduz o homem no mistério de Deus, facultando-lhe o acesso ao modelo de que o mundo é a imagem. É o que, justamente, propõe como metodologia o postulado «per visibilia ad invisibilia» de Guillaume de Saint-Thierry. De resto, tal atitude foi muito vulgarizada pelos inúmeros Espelhos e Imagens do Mundo de que o Speculum majus de Vincent de Beauvais constitui o exemplo mais notável (composto pelos espelhos da natureza, da ciência, da moral e da história).

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ANASTÁCIO, SANTO do ptolomaico (séc. VII-III a. C.). O MNA possui na sua colecção diversas destas figurinhas. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Luís Manuel de, Antiguidades Egípcias, Lisboa, 1993, p. 258

ANÁRGIRO *São Cosme e *São Damião são denominados anárgiros, em virtude de se recusarem a receber dinheiro (prata) como pagamento.

Ermida e imagem de Nossa Senhora de Anamão.

ANAMÃO Invocação mariana, cultuada, a 8 de Setembro, em ermida privativa, edificada no séc. XVII, sita a aproximadamente quatro quilómetros de Castro Laboreiro. À sua romaria acorrem devotos oriundos do concelho de Melgaço e até da Galiza, trazendo ovelhas e cabras para lhe ofertar. Distante, cerca de centena e meia de metros, acha-se a pequena gruta onde, segundo consta, foi encontrada a efígie da Virgem (0,50 x 0,22 cm): o Menino apoia-se no seu braço esquerdo, enquanto a mão direita segura um vaso com bálsamo. ANÃO Do latim, nanus. No Minho, sinónimo de *anaio, *anainho e *olhapim. O mesmo que *duende ou *gnomo. Ente sobrenatural de pequena estatura, mas dotado de força sobrehumana, que guarda tesouros e zomba da paciência dos homens. A título de exemplo, ver os contos tradicionais Os Dez anõezinhos da Tia Verde-Água e O Gigante e o Anão.

ANASTÁCIA, SANTA Mártir sob Diocleciano. Queimada viva, amarrada a um poste. O seu corpo não carbonizado foi recolhido por uma cristã chamada Apolinária que o enterrou no jardim de sua casa. Transferidas para Constantinopla durante o século V, as relíquias de Santa Anastácia seriam, posteriormente, trasladadas para o mosteiro com a sua invocação, junto do Monte Atos. Diz-se que umas depressões num rochedo, sito no cimo do Monte da Senhora, na freguesia de São Jorge do Selho (Guimarães), são as pegadas, ora da jumenta que transportava Nossa Senhora, ora de Santa Anastácia. ANASTÁCIO, SANTO Mártir de origem persa, venerado a 22 de Janeiro. Depois de enforcado e decapitado, o seu corpo seria atirado aos cães que o respeitaram. Padroeiro dos ourives e advogado contra os demónios e a possessão diabólica. As medalhas ou verónicas com a sua efígie são demonífugas.

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Salomé de, História de o anão das sete cores, Porto, 1956 [BN: P 6025 (10º) P]; GANDRA, Manuel J. (ed.), Anões, Gigantes e Olharapos: contos da Tradição Portuguesa, Mafra, 2007

ANÃO DE PTAH Anão braquicéfalo, ligado ao culto do deus Ptah de Mênfis. Amuleto egípcio, em faiança verde, produzido em grande número durante o perío-

Verónica de Santo Anastácio da igreja dos Clérigos (Porto).

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ANÁTEMA ANÁTEMA Vítima presenteada aos deuses infernais, motivo por que se havia de ser amaldiçoada (*maldição). No Antigo Testamento significa algo escolhido ou separado em consequência do seu carácter sagrado (donde o sentido de oferenda, em Lucas, XXI, 5). Na Versão dos Setenta, traduz a palavra hebraica herem, derivada de um verbo que significa consagrar, dedicar, mas, igualmente, exterminar, uma vez que um objecto dedicado ao Senhor não podia ser recuperado (Números, XVIII, 14; Levítico, XXVII, 28-29). No Deuteronómio (VII, 26), um ídolo é chamado herem, i. e., uma coisa abominável. No Novo Testamento um anátema implica sempre uma *execração. Em determinadas circunstâncias um indivíduo pode invocar um anátema sobre si próprio, salvo se estiverem reunidas certas condições (Actos, XXIII, 12, 14 e 21). O termo passaria a ser empregue pelos apóstolos para reprovar qualquer indivíduo ou doutrina contrária ao Evangelho, por conseguinte, passível de *excomunhão (Gálatas, I, 8-9; I Corínteos, XVI, 22).

Empresa do Cardeal-Rei D. Henrique: o mote Festina lente (apressa-te devagar = devagar se vai ao longe) também foi utilizado pelo impressor Aldus Manuzio.

ÂNCORA Cruz disfarçada, símbolo da esperança cristã (muito difundido durante os séculos II a IV d. C.), virtude indispensável ao aperfeiçoamento humano (prende as almas ao Céu, tal como a âncora uma embarcação). Por vezes, a âncora ocorre como símbolo profissional ou como amuleto: na Figueira da Foz era usada para proteger as crianças do *quebranto. Nos manuscri270

Empresa tipográfica de Aldus Manuzio.

tos antigos indicava as passagens importantes (quando com os braços voltados para cima), ou as inconvenientes ou obscuras (quando com os braços voltados para baixo). Um selo do *Grande Oriente Lusitano (1869) ostenta uma cruz e uma âncora cruzadas e enlaçadas com a divisa «A união faz a Força». No Minho existe o Rio Âncora (cf. Rocha Paris, Lendas do Minho: O rio Âncora, in Portugália, 1882, p. 1-2). ANCORIFORME Artefacto alongado, associado a diversas armas, dispostas em panóplia, cujas extremidades terminam em forma de crescente ultrapassado, um de menor dimensão que o outro (de facto, configura um bi-ancoriforme). Por vezes os ancoriformes integrados em tais panóplias perdem importância em detrimento de outras armas (espada, machado, alabarda, lança, arco, *escudo com chanfradura em V), de ferramentas (goiva, cinzel) ou até de antropomorfos. Quer o contexto, quer a função dos ancoriformes (insígnia de comando?) permanecem enigmáticos em virtude de se desconhecer qualquer objecto congénere na cultura material. Porventura a figuração de um ceptro, eventualmente de um minguante lunar (*lúnula), suspenso por correia segmentada que parece envolver as extremidades distais dos monólitos onde se acham insculpidos. Corrente nas estelas do «grupo alentejano» (tipo I da Idade do Bronze) do Sudoeste peninsular, maioritariamente tampas de cistas sepulcrais, atribuídas ao Bronze final (entre o séc. XII e os finais do séc. IX a. C.).

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ANCORIFORME

Guia ABELA (Santiago do Cacém, Setúbal); ALFARROBEIRA (São Bartolomeu de Messines, Faro): menir transformado em estela durante o Bronze final; ASSENTO (Santa Vitória, Beja); CASTRO VERDE (Castro Verde, Beja); DEFESA (Santiago do Cacém, Setúbal); ERVIDEL I (Aljustrel, Beja); MOURIÇOS (Almodovar, Beja); PASSADEIRAS I, II, III (Silves, Faro); MOMBEJA I, II (Beja):; PANÓIAS (Ourique, Beja); PEDREIRINHA (Santa Vitória, Beja); SANTA VITÓRIA (Santa Vitória, Beja); SÃO SALVADOR (Aljustrel, Beja); TAPADA DA MOITA (Castelo de Vide, Portalegre); TRIGACHES II (Beja). BIBLIOGRAFIA ALMAGRO BASCH, M, Las Estelas decoradas del Suroeste Peninsular, Madrid, 1966; idem, Nuevas estelas decoradas de la Península Ibérica, in Miscelania Arqueologica, Madrid, 1974, p. 5-39; idem, Sobre la interpretación de las figuras en forma de hacha de las estelas decoradas de la Edad del Bronce, in Arquivo de Beja, v. 23-24 (1966-1967), p. 241-256; BARCELÓ, J. A., El Bronce del Sudoeste y la cronologia de las estelas alentejanas, in Arqueologia, n 21 (1991), p. 15-22; CALADO, Manuel, Tampas de se-

pultura e estelas decoradas do Sudoeste, in História de Portugal (dir. João Medina), v. 1, Lisboa, 1993, p. 356-360; GOMES, Mário Varela / MONTEIRO, J. Pinho, As Estelas decoradas da Herdade de Pomar (Ervidel – Beja): estudo comparativo, in Setúbal Arqueológica, v. 2-3 (1976-1977), p. 281-343; SANTOS, Manuel Farinha dos, A Estela decorada de Castro Verde, in Actas das II Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (Lisboa, 1972), v. 1, Lisboa, 1973, p. 223-225

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ANDAÇO ANDAÇO Designação popular para a diarreia, o vómito e a conjuntivite catarral (cf. Ramiro de Sá Coelho, Linguagem Médica popular, in Apolinea, v. 2, 1934, p. 48). ANDADOR DE ALMAS Indivíduo que alugava a bacia das Irmandades das Almas, ficando com o privilégio exclusivo de poder pedir esmola todo o ano com destino a tais instituições. Trajava opa da cor da irmandade. Protagonista da opereta homónima de Francisco Palha.

Prato das esmolas para as Almas do Purgatório [Museu da Guarda].

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ANDAR Quando uma criança demora a andar, é levada, nas três primeiras sextas-feiras do mês, a dar uma volta à própria casa. Pode-se, ainda, atar a *medida de uma imagem de *São José em cada tornozelo. ANDAR DE DESEJOS Expressão sinónima de gravidez. ANDAR ÀS VOZES Prática destinada a captar sinais sobre a situação dos homens que se acham no mar. Algumas mulheres do bairro da Ribeira, em Viana do Castelo, faziam um determinado percurso, em grupo, invocando a protecção de Nossa Senhora da *Consolação, da *Agonia, da *Boa Viagem, da *Bonança, da *Boa Lembrança e da *Graça, assim como a do *Senhor dos Passos e do *Espírito Santo, rezando para o efeito 33 credos, intercalados com alguns poemas populares. Amadeu Costa transcreve e interpreta alguns dos sinais em questão (cf. Coisas da nossa Ribeira: andar às vozes, in Cadernos Vianenses, v. 4, 1980, p. 125-138). Alberto Pimentel refere o costume de «andar às vozes» com um *bochecho na boca. BIBLIOGRAFIA PIMENTEL, Alberto, Andar às vozes, in Tradição, v. 1 (1899), p. 85-87

BIBLIOGRAFIA CARVALHO, A. L. de, Os andadores de almas foram riscados da paisagem citadina, in O Tripeiro, s. 5, v. 4 (1948), p. 78

ANDOR Espécie de padiola sobre o qual as imagens dos santos são transportadas durante as procissões.

ANDADURA O modo de andar: de costas ou às arrecuas (é ensinar o caminho ao diabo); ao pé-coxinho (em Chaves diz-se chico-pé); a passo de boi, em passo de procissão ou a passo de anjo (devagar); de pisa-flores (passos miúdos); a cirandar (andar de um lado para o outro sem se ver trabalho feito); a passarinhar (o mesmo que cirandar); andar aos SS (andar de bêbedo); ir livrar o pai da forca e ir num pé e vir noutro (depressa); andar de salta-pocinhas (aos saltinhos); a passo de cão (muito ligeiro); pé ante pé e com pezinhos de lã (ao de leve, para não ser ouvido).

ANDORINHA Criada ou galinha de Nossa Senhora mas, igualmente, de Nosso Senhor. Também denominada mensageira de Deus, por anunciar a Primavera. Tendo lavado os pés a Cristo (ou arrancado os espinhos cravados na sua cabeça), este ter-lhe-á garantido que não haveria quem lhe fizesse mal, razão por que é pecado destruir os ninhos desta ave. Quem mata andorinhas fica com as mãos a tremer (cf. Revista Lusitana, v. 28, p. 255) ou perde a fortuna (idem, v. 12, p. 84). É considerada auspiciosa a circunstância de as andorinhas fazerem ninho numa casa

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ANDRADA, MIGUEL LEITÃO DE e sinal de felicidade para os seus ocupantes, tal como sonhar com elas nessa actividade. O voo rasteiro das andorinhas é presságio de chuva. A propósito da circunstâncias de as andorinhas se alimentarem em pleno voo, diz Santo António, glosando São Paulo (Colossenses, III, 1): «Procurai [...] as coisas que são do alto, não as que existem sobre a terra» (cf. Obras Completas, v. 3, p. 212). A expressão andorinha gloriosa ocorre na Oração do Peregrino, da qual subsistem diversas versões, designadamente alentejanas. A *pedra de andorinha (referida nos lapidários) ou *celidónia (coeli donum = dom do céu) é um fragmento de concha negra, rolada e polida pelo mar, à qual se atribuem propriedades curativas contra todas as moléstias da visão. Crê-se que as andorinhas a transportam para o ninho para abrirem os olhos aos filhos. Leite de Vasconcelos (Etnografia Portuguesa, v. 5, p. 221) diz ser o mesmo que *pedra de cevar e imã. *Alberto Magno afirma que na cabeça da andorinha se acham duas pedrinhas pequenas, uma branca e outra vermelha. A pedra branca diz-se que evitará a sede e que quem a usar ao pescoço estará a salvo de algum fluxo de sangue, além de ter virtude para ajudar os partos das mulheres. A pedra vermelha livra de muitas doenças e sendo posta numa vasilha com água durante uma noite, crê-se que essa água bebida tira o mal da gota e a febre. Olho de andorinha na cama provoca insónias (cf. Revista Lusitana, v. 17, p. 196). Lixo de andorinha é utilizado para confeccionar feitiços (cf. Revista Lusitana, v. 5, p. 191). Na Madeira, diz-se que «comer o coração crú das andorinhas dá bom fôlego». No *Livro das Aves (XLII) a andorinha é sinónimo da alma penitente e dos arrependidos e respectivos antónimos morais: a inconstância e a soberba.

dor da Ordem de Cristo, participou na batalha de *Alcácer Quibir na sequência da qual seria feito prisioneiro. Logrando evadir-se, tornou-se partidário do Prior do Crato, razão pela qual esteve encarcerado durante muitos anos. A sua Miscellanea do Sítio de Nossa Senhora da Luz do Pedrógão Grande, apparecimento de sua imagem, fundação do seu convento, e da Sé de Lisboa, expugnação d’ ella, perda de elrei Sebastiam, etc. (Lisboa, Matheus Pinheiro, 1629) integra, além de uma descrição de *Alcácer Quibir (diálogo VII), um conjunto de diálogos versando matéria histórica, lendas e tradições populares, poemas próprios e alheios, atribuíveis a Camões, Estevão Rodrigues de Castro, D. Juan da Silva, Conde de Linhares, Manuel Soares de Albergaria, etc., e ainda a Canção do figueiral figueiredo, que afirma ter ouvido a uma criada algarvia. Considera o império português legítimo sucessor do de Roma (p. 419-420), afirmando que a ínsula divina descrita por Camões em Os Lusíadas, foi preparada por Vénus a partir de uma pedra «do tamanho de duas léguas de comprido, e meia de largo, e muito profunda», que a deusa tutelar dos portugueses arrancara ao leito do rio Zêzere, numa região denominada Cabril, por não se saber o que ca-

BIBLIOGRAFIA BANVILLE, Théodore de, As Andorinhas, in Revista Lusitana, v. 21 (1913), p. 33-34 [relata lenda]; BRANDÃO, Abílio de Magalhães, Folk-lore, in NAI, v. 3 (1893), p. 39

ANDRADA, MIGUEL LEITÃO DE (1555-1629?) Estudou no convento dominicano de Pedrógão Grande, sua pátria, «coração e meio do reino de Portugal», e, depois, na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Comenda-

Miguel Leitão de Andrade: segundo a efígies inclusa na Miscellânea (1629).

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ANDRADE, PADRE ANTÓNIO DE beria no vazio produzido pela remoção de um «penhasco assim grande». Acrescenta que, primeiramente chamada Ilha de Vénus, foi depois seu nome convertido em Ilha de Santa Helena (p. 420). A p. 423-426 narra prodígios da natureza ocorridos no ano de 1628 (alguns durante o mês de Agosto). De entre diversas obras dramáticas que compôs, salienta-se uma muito curiosa intitulada Colóquio ao Divino sobre a Restauração do Mundo. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Leitão de, Romance do infeliz sucesso, in Prelo, n. 1 (Out.-Dez. 1983), p. 73-76; BAIÃO, António, Um fidalgo quinhentista e o seu curioso testamento, in Anais da Acad. Port. de História, s. 2, v. 10 (1960); CIRURGIÃO, António, Camões e Miguel Leitão de Andrada, in Colóquio / Letras, n. 108 (1989), p. 18-26; SILVA, Vitor Manuel Aguiar e, Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, Coimbra, 1971

ANDRADE, PADRE ANTÓNIO DE (1580-1634) Entrou no Noviciado dos Jesuítas em Coimbra, a 16 de Dezembro de 1596, tendo partido para as missões do Oriente no ano de 1600. Após uma passagem pela Mongólia, seguiu para a Ásia Central, sendo o primeiro missionário a entrar em Lhasa, capital do Tibete, em 1624. A sua viagem começou em Agra. Chegado a Deli juntou-se a uma caravana de peregrinos que se dirigiam ao pagode de Badrinath. Em Maio entrava em Srinagar, iniciando a escalada dos Himalaias. Foi o primeiro europeu a atravessá-los e o descobridor das principais nascentes do *Ganges (rio Alaknanda). Em Tsaparang, capital do reino de Guge, o rajá concedeu-lhe permissão para pregar o cristianismo. Regressado a Agra, em Novembro do mesmo ano, redigiria a relação da viagem, dirigida ao Padre jesuíta André Palmeiro, visitador da Índia, a qual seria impressa em Lisboa (1626), tendo despertado grande interesse na Europa. Novamente em Tsaparang, em Agosto de 1625, o rei e a rainha do Tibete, que haviam solicitado o regresso do missionário, fizeram-se cristãos, tendo sido fundada sob o patrocínio dos monarcas a nova missão daquele reino. O Padre António de Andrade foi Provincial da *Companhia de Jesus (1630 e 1633) e deputado da *Inquisição da Índia. 274

OBRA Annua do Mogor (Agra, 14.8.1623), in Documentação Ultramarina Portuguesa, v. 3, Lisboa, 1963, p. 159-179; Novo descobrimento do Gram Cathayo ou Reinos do Tibet […] no anno de 1624, Lisboa, Mateus Pinheiro, 1626 (traduzida para castelhano, alemão, italiano e francês, em 1627, e latim e polaco, em 1628); Segunda carta. Prosigue el descubrimiento del gran Cathayo ou Reynos del gran Tibet, Segóvia, 1628 BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Fernando, A fama de santidade do primeiro missionário do Tibete, in Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, v. 2, Lisboa, 1961, p. 21-33; DIDIER, Hugues, Os Portugueses no Tibete: os primeiros relatos dos jesuítas (1624-1635), Lisboa, 2000 (trad. do francês); MACLAGAN, E., Os Jesuítas e o Grão Mogol, Porto, 1946 (trad.); PEREIRA, Francisco Maria Esteves, O descobrimento do Tibet, Coimbra, 1921; RIBEIRO, Aquilino, Portugueses das sete partidas, Lisboa, 1951, p. 287-334; VIANA, A. R. Gonçalves, Early Jesuit Travellers in Central Ásia – 1603-1721, Haia, 1924, p. 43-68 e 69-82; WESSELS, C., António de Andrade, S. J., viajante no Himalaia e no Tibete (1624-1630), Lisboa, 1912 (trad. do holandês)

ANDRADE, CRUZ Autor do artigo intitulado Grafologia: estudo do caracter pela escrita (in Serões, v. 3, n. 16, 1906, p. 321-332). ANDRADE, GOMES FREIRE DE (1757-1817) Nasceu em Viena de Áustria, filho de Ambrósio Pereira Freire de Andrade e Castro, então embaixador de Portugal naquela corte, e da condessa Elisabeth de Schaffgotsh, representante de uma família ilustre da Boémia. Destinado desde a infância à carreira de armas, assentou praça no regimento de Peniche, no ano de 1781, sendo promovido a alferes em 1782. Transitou depois para a marinha com o posto de tenente, tendo regressado ao exército no de sargento-mor. Foi iniciado na *maçonaria antes de 1785 em Viena e em Lyon (na loja La Bienfaisance). Maçon prestigiado, participaria activamente na criação do *Grande Oriente Lusitano (1803), do qual se tornaria um dos principais dignitários, tendo pertencido, em Portugal, à loja Regeneração, da qual foi Venerável e, em Grenoble, à loja militar portuguesa Cavaleiros da Cruz (entre 1808 e 1813). Alistado como voluntário nos exércitos russo e prussiano, tendo participado na guerra que opôs a Rússia à Turquia (1788-1792), servindo com distinção que lhe grangeou o posto de coronel, uma espada de honra e a condecoração da Or-

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ANDRADE, SUSANA DE Barra, onde estava cativo, ficando para a posteridade como um dos mártires da pátria. OBRA Memoire raisonnée sur la retraite de l’ armée combinée espagnole et portugaise du Roussillon, effectuée sous les ordres du Comte de l’ Union, le 1er Mai 1794: avec un exposé des premieres operations de la campagne, 1795; Ensaio sobre o methodo de organisar em Portugal o exercito, relativo á população, agricultura e defeza do paiz, Lisboa, 1806. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Novos documentos para a história da conspiração de Gomes Freire, in Boletim da 2ª Classe da Academia das Ciências de Lisboa (1927); BOER, A conspiração de 1817 contra a vida do General Gomes Freire de Andrade, 3º Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa (conferência celebrada na noite de 18 de Out. de 1903); COSTA, Neves da, A Traição de Gomes Freire, Lisboa, 1935; FERRÃO, António, Gomes Freire na Rússia, Coimbra, 1917; LIMA, Henrique Campos Ferreira de, Gomes Freire de Andrade: notas bibliográficas e iconográficas, Coimbra, 1919; MARTINS, Rocha, Gomes Freire: romance histórico original, Lisboa, s. d., 2 vols. (ilust. Roque Gameiro); TEIXEIRA, Frei Domingos, Extractos da Vida de Gomes Freire de Andrade [...] na parte relativa ao Motim de Manoel Bekman (ed. Dr. António Henriques Leal), s. l. [Brasil], s. d. [1797 ?]I

Gomes Freire de Andrade, retratado por Domingos Sequeira.

dem de S. Jorge. Uma vez regressado a Portugal, foi-lhe atribuído o comando do regimento do marquês de Minas, com o qual fez as campanhas da Catalunha e do Roussillon, entre 1793 e 1795. Em 20 de Novembro de 1796, teve a comenda de Cristo e a promoção em marechal de campo e, finalmente, em 12 de Setembro de 1807, em tenente general. Integrado na Legião Portuguesa, como imediato ao marquês de Alorna, serviu nas campanhas napoleónicas, entrando na da Rússia, no ano de 1812. No ano seguinte, por ocasião da capitulação do exército do marechal Gouvion Saint-Cyr, era governador de Dresden, motivo por que, até 1814, é mantido como prisioneiro de guerra. Regressado a Portugal, em Maio de 1815, seria considerado sem culpa de imputação por ter servido os franceses. Porém, já eleito (em 1815 ou 1816) Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, é acusado pelos ingleses de, alegadamente, conspirar para alterar o regime político nacional, sendo preso e condenado à forca num simulacro de julgamento. A sentença havia de ser executada junto à fortaleza de S. Julião da

ICONOGRAFIA RETRATO: Gravura sobre cobre (1840) de Domingos António Sequeira [Cf. Panorama, v. 9, 1846, n. 1-4]

ANDRADE, JOANA Ciente do confronto com o desígneo de Deus, esta feiticeira afirmava nas suas rezas: «Isto há-de ser apesar de Deus, à benção do meu demónio» [ANTT: Inq. Évora]. ANDRADE, PATRÍCIO DE Preto forro de 25 anos. Saíu no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 27 de Junho de 1690, por presunção de pacto com o diabo. Costumava trazer consigo certos objectos dentro de uma bolsa (*bolsa de mandinga) para não ser ferido com armas e fazer experiências no próprio corpo para demonstrar o dito efeito (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). ANDRADE, SUSANA DE Tinha 61 anos quando saíu penitenciada no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 8 de Agosto de 1683, por fingir visões e revelações para ser reputada por santa, conforme confessou (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). 275

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ANDRAS ANDRAS Demónio com corpo de anjo e cabeça de gato. Cavalga um lobo preto, encontrando-se armado com um sabre ponteagudo. Chefe de 40 legiões. Provoca discórdias intencionalmente. Referido no cânone 7 do concílio de Braga (560-563). ANDRÉ, SANTO Irmão de *São Pedro, apóstolo e padroeiro da castidade e dos pescadores e negociantes de pescado, sendo também invocado pelas mulheres que desejam ser mães e contra o ventre caído. A mais remota referência a Santo André conhecida na Península Ibérica acha-se num cipo de Guadix. A forma portuguesa André ocorre no ano 937. Santo André (do grego: an, andrós, homem, i. e., Adão) é cultuado a 30 de Novembro, situando-se entre João Baptista e a *Jerusalém Celeste: encarna a passagem da Aliança do Sinai à de Cristo, encerrando, por conseguinte, o ciclo da profecia na posteridade de Jacob. O seu papel inscreve-se entre dois mundos (este e o vindouro), duas cidades santas (a terrestre e a celeste), duas portas (da Fé e do Conhecimento Perfeito ou Caridade) dois santos (o Baptista e o Evangelista). Juntamente com Pedro, Tiago e João, foi um dos que colocaram a Jesus a questão primordial quanto à destruição do Templo e ao Fim do Mundo: «Quando hão-de suceder estas coisas? E que sinal haverá de quando todas elas se começarem a cumprir?» (Marcos, XIII, 3-5). Na Jerusalém Celeste toda a Natureza humana dispersa se reúne no Adão Primordial, reparador e divino, símbolo da Vida Eterna, expresso na cruz aspada (X) que identifica Santo André com o Sol de Justiça e a *Cidade Solar que desce do Alto (X = 10 = Tétractys = número perfeito por excelência). Um penedo com pegadas (supostamente as do santo), em Nabais, é chamado de Santo André (cf. Martins Sarmento, Materiaes para a archeologia do concelho de Guimarães, in Revista de Guimarães, v. 1, p. 184-185). Adágios: Em dia de Santo André quem não tem porco mata a mulher; No dia de Santo André diz o porco quié-quié; No dia de Santo André vai à esquina 276

Martírio de Santo André: tábua quinhentista (ca. 1530) [UCoimbra].

e trás o porco pelo pé; De Todos os Santos a Santo André um mês é; De Santo André ao Natal, três semanas; Por Santo André, o sete estrelo posto é; Por Santo André, todo o dia noite é; Quem apanha azeitona antes de Santo André, fica-lhe o azeite no pé; Pelo Santo André, vai o sete-estrelo à maré. *A-Ver-o-Mar. ANDRÉ AVELINO, SANTO (1521-1608) Ordenado presbítero em 1545, fez-se teatino, professando votos solenes em 1559. Foi responsável pela criação do primeiro estudo teológico da sua Ordem. Beatificado em 1624 e canonizado no ano de 1712, é festejado a 10 de Novembro. Padroeiro da *boa-morte e das demandas breves, é advogado contra a apoplexia (morte súbita), de que ele próprio foi vítima quando se aproximava do altar para celebrar a Eucaristia. Tal circunstância influenciou a sua iconografia, porquanto costuma ser figurado envergando *alva, *casula, com o *manípulo pendente do braço (igreja dos Clérigos, no Porto). Por vezes, o seu atributo distintivo é um cálice do qual sai o Menino Jesus levando a cruz, enquanto noutras surge com o corpo iluminado, em referência ao episódio hagiográfico da tempestade que sobreveio quando se di-

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ANDRÓMEDA feitiços obrigar vontades para fins ilícitos [...]». Para a confecção dos seus malefícios dirigia-se, frequentemente, ao adro da Sé de Lisboa, onde, uma noite, cerca das onze horas, «deitando-se de bruços viera ter com ela um vulto grande que pondo-se sobre ela a sufocava». ANDRÓGINO Do grego, andros (homem) + gyney (mulher). Designação do indivíduo detentor dos traços somáticos de ambos os sexos. O Talmud retrata *Adão como andrógino. Na literatura gnóstica o tema da androginia (conjunção de opostos) remete para a salvação. Também ocorre em Platão (Banquete) e nos hermetistas do Renascimento. Distinto do *hermafrodita. Gervásio Vila-Nova, personagem de A Confissão de Lúcio (1995, p. 19) de *Mário de Sá-Carneiro (18901916), cujo «corpo de linhas quebradas tinha estilizações inquietantes de feminilismo histérico e opiado», corresponde (tal como as encarnadas pelo visconde de Naudières e por Sérgio Warginsky, idem, p. 23 e 62-63, respectivamente) ao esterótipo do «andrógino ritual», segundo a definição de Mircea Eliade (cf. Mefistófeles e o Andrógino).

Imagem de Santo André Avelino da igreja dos Clérigos (Porto), com barba.

rigia a casa de um enfermo para lhe dar a extrema unção. Em algumas localidades portuguesas, Santo André Avelino é advogado da *barba, sendo iconografado barbado (cf. Registos de Santos do Museu Etnográfico, v. 1, p. 196). Em Quintela (Mangualde), os rapazes ainda imberbes acorrem no dia da sua festa à capela onde é venerado, fazendo-lhe promessas para que a barba lhes nasça cedo. ANDREZA, MARIA Processada pelo *Santo Ofício [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 1964], confessaria que «vendo-se pobre, se fingira feiticeira para ter que comer e viver a modo de cigana, enganando a muitas pessoas, que a procuravam para por meio de

ANDRÓMEDA Filha de Cassiopeia, rainha da Etiópia, que se vangloriava de ser mais bela que as Nereidas. Para vingar as filhas, o deus do mar, Poseidon (*Neptuno), encarregou Cetus (a baleia) de destruir a Etiópia. No intuito de poupar o seu reino, Cefeu preferiu sacrificar a filha, Andrómeda, encadeada pelas Ninfas a uns cachopos, junto ao mar, onde ficou exposta, para ser devorada pelo monstro marinho. Perseu passando a cavalo em *Pégaso e vendo-a, enamorou-se dela. Defrontando o monstro, o herói usou a cabeça de *Medusa para petrificar o monstro (transformando-o em *coral) e libertar Andrómeda. Por deferência de *Minerva Andrómeda e seu pai foram elevados ao céu e colocados entre os signos celestes, como escreve Camões (Os Lusíadas, X, 88): «Olha por outras partes a pintura / Que as estrelas fulgentes vão fazendo, / Olha a carreta, atenta a Cinosura, / Andróme277

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ANEDOTA

Andrómeda e Perseu: retábulo de azulejos do palácio Conde de Óbidos (Lisboa).

da e seu pai […]». Andrómeda é a duodécima constelação do hemisfério Norte, formada por vinte estrelas. Iconografia: Quinta dos Azulejos; palácio Conde de Óbidos (Lisboa) e jardim do buxo do palácio Fronteira. ANEDOTA Do grego, anékdota, coisas inéditas, não publicadas. Relato breve, jocoso, grotesco, bizarro ou picante, cujo objectivo é motivar o riso ou a troça. Forma de expressão eminentemente oral, o êxito de uma anedota depende dos dotes oratórios e histriónicos do anedotista. Em termos estilísticos, uma anedota não dispensa determinadas figuras de estilo, designadamente aquelas que se baseiam no exagero, no paradoxo e na ambiguidade. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Ditos Portugueses dignos de Memória: história íntima do século XVI (ed. José Hermano Saraiva), Algueirão, 1997 (3ª edição); LUND, Christopher C., Anedotas Portuguesas e memórias biográficas da Corte Quinhentista: istorias e ditos galantes que sucederão e se disserão no paço (contendo matéria bibliográfica inédita de Luís de Camões e outros escritores do século XVI), Coimbra, 1980

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ANEL Círculo que preserva de todas as influências malignas. Emblema de aliança, de acordo ou pacto firmado entre partes. Na aura popular o anel é um objecto dotado de função ora terapêutica, ora oracular (*pêndulo), ora profilática como *amuleto (anéis de aço, da unha da grã besta, da fava, etc). Certos anéis possuem o condão ou capacidade mágica de tirar determinadas dores e maleitas (terçolho, farpão, erisipela, enxaqueca, etc.). A tais anéis de virtude dá-se o nome de *sortelha das virtudes (Padre Manuel Consciência, Academia Universal, p. 150). Nos contos tradicionais citam-se anéis que, postos na boca ou escondidos na mão, tornam invisíveis as pessoas que os têm. Um anel de opala torna feliz a pessoa que o possui. Em Azurara, realiza-se a Romaria dos Anéis, à Senhora das Neves (5 de Agosto), durante a qual se vendem muitos anéis de prata dourada com uma medalhinha da Senhora das Neves e outros de chumbo com corações. Segundo B. Pereira, os anéis feitos do primeiro dinheiro

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ANEL

Num manuscrito da BUC encontrou Leite de Vasconcelos (Setembro de 1889) a explicação das seguintes letras de virtude gravadas em anéis, porventura do género daqueles proibidos pelo Inquisidor-Geral, Dom Veríssimo de Lencastre, em 1678: «As letras de alto a baixo escritas com as cruzes são umas letras que trazem em uns anéis de prata feitas de dentro e de fora; são muito proveitosas para todos os acidentes, em especial de cólica e pedra e quem as trouxer se achará muito bem e, posto que as letras em si não tenham virtude, dar-lha-á Deus por quem é, pois nele está toda a virtude e bem, pois são significadoras de louvores seus, conforme aos versos que delas dependem; usavam delas com dúvida, enquanto se não soube a significação. Em Santa Cruz de Coimbra se acharam da mesma maneira que vão escritas, já muito antigas e dizem que se tinha tanta fé nelas que as guardavam dentro no Sacrário e se punham sobre os enfermos».

oferecido em sexta-feira Santa curam a epilepsia (Anacephaleosis, p. 126, § 101). Destinados a livrar da mesma moléstia e das cãibras eram os anéis benzidos pelos reis de Inglaterra. Edital (3 de Junho de 1678) do Inquisidor-Geral, Dom Veríssimo de Lencastre, proibiu o uso no reino de anéis de ouro e prata «e ainda de alguns pergaminhos em que se vêem gravadas e pintadas cruzes e letras, afirmando que têm virtude contra vários acidentes e também contra a peste». Em Mangualde, a cura da *erisipela e o

corte do *farpão realizam-se dizendo determinadas orações enquanto se vão fazendo cruzes com um anel. Ver um anel em sonhos é prenúncio de casamento próximo ou de reconciliação; recepção de anéis prognostica amizade ou ligação feliz; dádiva de anéis indica amizades envolvidas em traições (para evitá-las é preciso retribuir a dádiva), enquanto perdê-los significa alegria e bem-estar passageiros. Ver Curvo Semedo, Polyanthea Medicinal (Lisboa, 1695, p. 42 e 781). Outrora, praticava-se o jo279

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ANEL DA FAVA go do anel nas cavalhadas (Estremadura e Alentejo). Expressões: Mulher aneleira (que usa anéis) é feiticeira; homem aneleiro é feiticeiro. *Aliança, *anel da má dor, *anel da unha da grã besta, *anel de aço, *anel de alquique, *anel de corvina, *anel pontifical. BIBLIOGRAFIA ALARCÃO, Jorge / DELGADO, Manuela, Catálogo do Gabinete de Numismática e Antiguidades, Lisboa, 1969; ARAGÃO, Teixeira de, Anneis, Lisboa, 1887; CARDOSO, Mário, Pedras de anéis romanos encontrados em Portugal, in Rev. de Guimarães, v. 72, n. 1-2 (1962), p. 155-160 [MMC, MMS, MNA, Museu Regional de Castelo Branco e particulares]; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de Conimbriga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 143-199; FRANÇA, Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conimbriga, in Conimbriga, v. 7 (1979), p. 133-139; GRAÇA, Maria Antónia / MACHADO, João de Saavedra, Uma colecção de pedras gravadas: elementos para um catálogo geral, Coimbra, 1971 [MNA]; LEITE, Ana Magalhães, Jogos, in Douro Litoral, s. 2, v. 2 (1944), p. 45 [descreve jogo do anel em Navais, Póvoa de Varzim]; VASCONCELOS, J. Leite, Annel e lettras de virtude, in Revista Lusitana, a. 2, n. 3 (1890-1891), p. 261-264; VITORINO, Pedro, Dois Aneis com inscrições, in Revista de Archeologia, v. 1 (1932), p. 56-59; VITERBO, Santa Rosa, Elucidário (Sortelas das Vertudes).

ANEL DA FAVA Também denominado *anel da má dor. Trata-se de uma fava encastoada num anel. *Amuleto preconizado contra a dor de *enxaqueca, podendo ser usado em qualquer dedo. *Anel de alquique, *anel de corvina. ANEL DA MÁ DOR Também denominado da enxaqueta (i. e., da *enxaqueca), é fabricado em arame, ferro, etc. O seu fabrico deve começar na Quarta-feira Santa, continuar na Quinta e terminar na Sexta. Livra de dores de cabeça, nos olhos e nas fontes. Na Mexilhoeira Grande (Algarve), diz-se que deve ser fabricado em *aço e colocado sob uma pedra de ara entre Quarta-feira de Trevas e Sábado de Aleluia. *Anel de alquique, *anel de corvina, *anel de fava. ANEL DA UNHA DA GRÃ BESTA Anel de prata, possuindo dentro um pedaço de chifre (porventura de *unicórnio) o qual se denomina unha da grã besta. Bluteau afirma que a dita unha é de alce. No inventário das jóias do Cardeal D. Henrique há referência a «hum 280

anell de prata com hua unha dentro» (Almeirim, 21 Março 1580). António José da Silva, referindo-se ao acidente de gota-coral, diz: «A unha de grão besta é boa para isto» (Alecrim e Manjerona, Lisboa, 1737, p. 198). ANEL DAS ALMAS *Cravos (verrugas). ANEL DE AÇO Em Trás-os-Montes era usado contra as feiticeiras. Já em Mangualde, cria-se que livrava da *melancolia e do *cobranto (*quebranto). ANEL DE ALQUIQUE *Amuleto preservativo da dor de cabeça (*enxaqueca), cuja denominação António Tomás Pires presume derivar de corrupção de *alquime, segundo o mesmo «prata ou ouro fundidos com outros metais» (cf. carta a J. Leite de Vasconcelos, 26 Out. 1889). *Anel de corvina, *anel de fava, *anel da má dor. ANEL DE CASAMENTO *Aliança. ANEL DE CORVINA Fabricado a partir do osso da cabeça da corvina, encastoado em prata. Leite de Vasconcelos informa que se fabricavam em Elvas e Campo Maior. *Amuleto contra as dores de *enxaqueca e oftálmicas. *Anel de alquique, *anel de fava, *anel da má dor. BIBLIOGRAFIA PIRES, Tomás, Amuletos Alentejanos, Elvas, 1904, p. 499

ANEL-DO-DIABO Castropacha rubi, L. Lagarta da *borboleta que se enrola quando lhe tocam. ANEL PONTIFICAL O anel, juntamente com o *báculo e a *mitra, integra o conjunto de insígnias da dignidade episcopal. Simbolizando a fidelidade e a união nupcial com a Igreja, é a primeira das insígnias a ser benzida e entregue ao bispo quando do cerimonial da sua sagração. Os cardeais rece-

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ANES, CONSTANÇA mal triturado, cozido com leite ou com soro), cebola (Allium cepa) crua, caldo de cereais (confeccionado com nabo, cereais e sal); tomar chá ou cozimento de losna (Artemisia argentea) e de macela (Anthemis nobilis), bem temperadas com açúcar de cana (Sacharum officinarum), etc. ANEMOMANCIA Adivinhação pela direcção do vento.

Anel pontifical (São Boaventura, igreja de Jesus, Setúbal).

bem-no do Papa na ocasião da entrega da sua igreja titular. Consoante as prescrições, o uso do anel pontifical é obrigatório, no dedo anular da mão direita dos cardeais, bispos, abades e protonotários apostólicos, em todas as funções litúrgicas (também os cónegos, doutores e monsenhores o usam, excepto na celebração da *missa), devendo ser de *ouro e possuir uma pedra preciosa (a *safira é reservada aos cardeais). O bispo do Porto, D. Fernão Martins (séc. XII) deixou no testamento à sua igreja o «anel maior dos selos» (anel de sinete ou de camafeu), que tinha engastada uma safira. ANEMIA Combate-se com bolos de milho untados com azeite e também um litro de vinho misturado com gemas de ovos e açúcar. Na Madeira, é preconizado um sem número de mezinhas, de que se enumeram as seguintes: em jejum e antes de cada refeição, tomar um cálice de uma infusão de bálsamo de canudo (Kleinia repens) em vinho da Madeira; ao deitar e ao erguer da cama, comer uma fatia de pão embebida em mel de abelha e vinho da Madeira, em doses iguais; ingerir grandes porções de *agrião (Nasturtium officinale), papas de aveia (Avena strigosa), o frangolho (uma papa preparada com trigo

ANES, BRANCA 1. Mulher de João de Lousada, morador em Lisboa. Em 1501, solicitou a Dom Manuel carta de perdão, por recear vir a ser presa, em virtude de ter usado de magia contra o cônjuge. Alegava ela que «por o dito seu marido lhe dar má vida e andar com outras mulheres, fizera disso queixume a algumas mulheres e que uma das ditas mulheres lhe dissera que lhe daria uma coisa com que fizesse boa vida com ele e que lhe dera uma imagem de cera, dizendo que era São Longinos e lhe dissera que a metesse de sob a cabeceira da cama e ela o fizera assim e tendo a dita imagem de sob a dita cabeceira, o dito seu marido a achara e a amostra[ra] a algumas pessoas da vizinhança [...]» [ANTT: Chancelaria de Dom Manuel, liv. 45, fl. 122v]. Entendendo que o caso se finara por ali, Dom Manuel concedeu-lhe a graça que suplicava, na condição de ela pagar três mil reais para obras de piedade (12 de Maio de 1501). *Margarida Álvares. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 340

2. Afamada *feiticeira de Santa Eufêmia de Prazins (Braga), denunciada na visitação de 1571. Era procurada por homens e mulheres da terra e de fora, muitos com cestas para lhe ofertar [ADBr: VD, n. 435, fl. 105-105v] ANES, CONSTANÇA Benzedeira de Conde (Viana do Castelo??), denunciada na visitação de 1548, em Monte Longo. Benzia o *mau-olhado [ADBr: VD, n. 434, fl. 33v]. 281

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ANES, ISABEL ANES, ISABEL Feiticeira, casada, residente à Igreja Velha de Viana do Castelo, denunciada na visitação de 1641-1642, em Vinha (arquidiocese de Vinha). Considerada sem emenda, porquanto fora citada em diferentes visitações anteriores, não sendo referidos os nomes daqueles a quem fizera feitiços. Foi admoestada [ADBr, VD, n. 610, fl. 10-23v]. ANES, MARIA 1. *Benzedora residente no Casal Mourão (Mafra). Segundo as Visitações de Santo André de Mafra, de 16 de Maio de 1509, o cura ficou obrigado a enviá-la e ao hospitaleiro (igualmente afamado *benzedor) ao visitador, para este saber «que maneira têm em seu benzer». 2. *Feiticeira, mulher do «Rei da Mourisca», residente na freguesia de Santiago da Sé (Braga), denunciada na visitação capitular de 1562, a qual, em virtude de fadário alegadamente herdado da sua ama, assumia, de noite, a aparência de um *gato ou de um *pato para ir matar as crianças sem baptismo, apertando-as pelos «grãos», ou pela garganta [Arquivo Distrital Braga: Gaveta das concórdias e visitas, n. 27, fl. 10-18v]. Apesar de o visitador ter ordenado a sua prisão, frei João de Leiria, representante do arcebispo D. frei Bartolomeu dos Mártires, ausente na Terceira Sessão do Concílio de Trento, mandou libertá-la. BIBLIOGRAFIA SOARES, Franquelim Neiva, A freguesia de Sant’Iago da Sé na visitação capitular de 1562. A mulher que matava crianças, in Bracara Augusta, v. 40, n. 89-90 (102-103) (1986-1987), p. 205-263; idem, Medicina popular e feitiçaria nas visitações da Arquidiocese de Braga nos séculos XVI e XVII, in Revista de Guimarães, n. 103 (1993), p. 78-79

ANES, PERO 1. Pisoeiro e *benzedor, residente na Maceira (Batalha). Em 1513, acusado pelo corregedor da comarca de exercer o seu dom, solicitou a Dom Manuel I que lhe mandasse passar carta de perdão, porque: «[...] como haverá ora dez ou doze anos, que ele, por amor de Nosso Senhor, benzia algumas pessoas que lho pediam de quebrantos e ventres caídos e isto por lhe Nosso Senhor dar graça para isso e algumas ve282

zes o fazia por ourelos, sem levar disso nenhum prémio, somente lho fazia por amor de Deus e as palavras com que benzia eram estas, a saber: «em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo um verdadeiro Deus, assim como isto é verdade, assim será esta mal de foão [i. e., de fulano]». Dizendo isto três vezes com três Padres nossos e três Ave Marias à honra de Deus e da Virgem Maria [...]» [ANTT: Livro das Legitimações, fl. 250]. O monarca anuíu desde que Pero Anes pagasse (como pagou) dois mil reais para obras de caridade. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 330-331

2. *Feiticeiro de Santa Maria do Bouro, denunciado numa visitação realizada em 1581, eufemisticamente denominado «o fêmeo de Valance». BIBLIOGRAFIA SOARES, Franquelim Neiva, Medicina popular e feitiçaria nas visitações da Arquidiocese de Braga nos séculos XVI e XVII, in Revista de Guimarães, n. 103 (1993), p. 79

ANETO Também denominado *endro ou *funcho bastardo. As suas folhas secas e, especialmente, as sumidades floridas, constituem um excelente e aromático têmpero, especialmente recomendado contra os achaques hepáticos. Possui acção calmante e protectora do estômago, além de contribuir para o combate às bactérias intestinais e para a eliminação dos gases. ANEXIM Definido por Bluteau como «um axioma vulgar, dito picante, como aqueles de que usam as regateiras e gente popular». Popularmente confundido com o *adágio. ANFISBENA Animal mítico. Serpente detentora de cabeça em ambas as extremidades, de onde o significado do seu nome: «caminha nos dois sentidos». Uma tradição, remontando ao século V, garante que os olhos da anfisbena brilham como lanternas. Plínio reporta-se às propriedades medicinais que lhe são creditadas: alívio do reumatismo e protecção da gravidez.

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ANGELUS ARETINUS ANGARANHO Designação bragançana para uma criança que se apresenta enfermiça, enfezada, sempre «doentinha», em consequência de *possessão. O mesmo que *anqueilhado e *caílho (cf. Abade de Baçal, Inéditos, Bragança, 1974, p. 71). ANGARILHO *Anqueilhado, *caílho. Pormenor do Cortejo de Anfitrite e Neptuno: jardim do palácio Fronteira.

ANFITRITE Filha de Nereu e da ninfa Doris. Recusando o casamento com Poseidon (*Neptuno), Anfitrite fugiu, escondendo-se nas profundezas do oceano, mas o deus dos mares enviou um delfim em busca dela, o qual a encontraria junto do monte Atlante. Cedendo aos desejos de Poseidon, as bodas consumar-seiam e ela tornar--se-ia rainha dos mares. A este respeito escreve Camões (Os Lusíadas, VI, 22): «Anfitrite, formosa como as flores, / Neste caso não quis que falecesse: / O Delfim traz consigo, que aos amores / Do Rei lhe aconselhou, que obedecesse». Usa um tridente como símbolo da sua soberania. Ovídio (Metamorfoses, 1, v. 13) e Camões (idem, I, 96) chamam-lhe deusa do mar, identificando-a com o mesmo mar: «Vaqueiro da campina, / Que vens buscar às arenosas praias, / Onde a bela Anfitrite só domina?» (idem, Écloga 6). Guia VILA ROMANA DE SANTA VITÓRIA DO AMEIXIAL (Estremoz): cortejo de Anfitrite [MNA]; JARDIM DO PALÁCIO DOS CONDES DE MESQUITELA; MNAZ [inv. 141]: cortejo de Neptuno e Anfitrite, prov. do mosteiro de Odivelas (majólica policroma, ca. 1670); JARDIM DO PALÁCIO FRONTEIRA: cortejo de Anfitrite e Neptuno; BERGANTIM REAL: na ré [MM]. BIBLIOGRAFIA Arqueólogo Português, v. 30

ÂNGELA DE FOLIGNO, SANTA Terceira franciscana, também conhecida por Ângela de Fulgino. Atributos: hábito da Ordem Terceira; instrumentos da Paixão de Jesus [Ernesto Soares, n. 04775]. ANGÉLICA Angelica atropurpurea. Planta estimulante, tónica, aromática e diaforética (indutora da transpiração), aconselhada nos achaques de rins, fígado e coração. Nas suas Flores moralizadas, Soror Maria do Céu associa a angélica à saudade: «Saudade na angélica se encerra, / Saudade do céu, e não da terra, / Que seu nome negara, / Se angélica da terra se lembrara; / Em tudo lembra ao céu sua doçura, / Em nome, em cor, fragância, formosura, / Ó suave memória, / Adonde enternecida, / A vida morre por sair da vida, / Mas trocar-se podia com verdade, / Só pelo céu do céu a saudade». ÂNGELO, SANTO Advogado contra feitiços e enfermidades originadas por operações mágicas («arte diabólica»). Festejado a 5 de Maio. ÂNGELO MUSCA Astrólogo residente em Lisboa. Citado no processo inquisitorial de *Don Agustin, capelão da torre de São Julião, o qual confessaria ter dito missa sobre um espelho, recorrendo a nomes cabalísticos para fazer adivinhações, prática que aprendera com ele [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 13184]. ANGELUS ARETINUS Aliás, Angelus Gambiglione d’Arezzo (1418-1461). Jurisconsulto italiano, acusado de di283

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ANGINAS versos crimes, mas salvo da pena capital pelos seus pares. Autor do De Maleficiis. Repertorium primi voluminis Maleficior (Lião, 1526, 2 vols.), cuja edição príncipe remonta a 1472. Do acervo da BPNM consta o Tractatus de Maleficiis cum additionibus optimi practici D. Augustini Bonfrancisci Ariminensis ac D. Hieronymi Cuchalon Hispani novissimè superaddicis (Colónia, 1599 [2-42-10-11]), achando-se reunidos no mesmo volume, além da obra de Aretinus, uma biografia por Thomas Diplobatacius, comentários de Augustino Ariminensis, Girolamo Chucalon e Bernardino de Landriano e os tratados de Alberti de Gandino, Bonifacio de Vitellinis, Paolo Grillandus, Baldo de Periglis e Jacobo de Arena, ocupando-se da especificação de certas práticas ocultas interditas e dos castigos aplicáveis aos culpados, bem como da tortura e da definição das penas reservadas pelo *Santo Ofício aos diferentes tipos de acusados do crime de *feitiçaria. ANGINAS As amígdalas inflamadas tratam-se com mel, aplicando um emplastro quente à volta da garganta ou tomando vinho fervido, acompanhado com açúcar ou mel bem quente. Segundo a quirologia médica são indiciadas por pequenas estrelas na região em que se unem as linhas da cabeça com a da vida. Também se aplicam na garganta emplastros de enxúndia de galinha ou rodelas quentes de limão (Citrus limonia, L.), chupam-se rodelas de limão com açúcar ou três folhas de oliveira (Olea europaea, L.) ou gargareja-se com água salgada; sumo de limão ou chá de negavelhas (diabelhas ou guiabelhas – Plantago Coronopus, L.). ANHAGA Nome do *diabo. ANHANGA Um dos mitos mais antigos do Brasil colonial. Registado pelos Padres Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Fernão Cardim, que fazem de anhanga um ente malfazejo. Para os índios brasileiros anhanga é sinónimo de sombra, es284

pírito, espectro ou alma erradia, atribuindo-se-lhe a tarefa de guardar os bichos nos prados (deus da caça do campo). Na Amazónia, existem relatos da sua aparição sob a forma de um veado branco, com olhos de fogo, assombrando os caçadores que violam os seus domínios. ANHANGUERA Nome do *diabo. ANICA Nome da mãe do *diabo, na Mexilhoeira Grande (Algarve). ANIMAL As aves foram criadas no quinto dia, enquanto os restantes animais se tornaram criaturas no sexto dia (Genesis, I, 25): «E Deus fez os animais selvagens de todas as espécies e todos os animais domésticos de todas as espécies, e todos os répteis terrestres de todas as espécies». O episódio ocorre iconografado no retábulo (fieira superior) da capela-mor da Sé de Lamego (1506-1511), da autoria de Vasco Fernandes [Museu de Lamego: inv. 14 / 1-P] e também numa tela (1697) de Bento Coelho [Cascais: col. part.]. Os animais são considerados forças poderosas, capazes de influir para o bem ou para o mal, e protagonistas privilegiados de fábulas e de operações mágicas (designadamente o sapo). Afirma o povo que o animal é portador de memória, prevenção, simpatia, defeitos, virtudes e linguagem compreensível para os da sua própria espécie e para alguns humanos «entendidos». Alguns animais possuem reputação mágica (*bode, *cão, *galo, *gato, *lobo, *sapo, etc.) porque acompanham as bruxas ao *Sabat ou porque emprestam as suas aparências a demónios e feiticeiros. Os animais que difundem virtudes, concentram-nas em determinadas partes do corpo, frequentemente adoptadas como amuletos. Diz-se que é conveniente ter animais em casa, pois crê-se que algumas doenças ou mesmo a morte vão para eles, em vez de atingirem as pessoas. Diz-se que se um animal comer a umbigueira (cordão umbilical) de uma criança, esta desaparecerá para

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ANIMAL

Criação dos animais: tábua da Sé de Lamego.

correr fado sob a figura do animal em questão (cf. Revista Lusitana, v. 25, p. 38). Algumas lendas difundidas em Trás-os-Montes asseguram que as insculturas zoomorfas denunciam a existência de tesouros nos locais para onde estão voltadas ou a olhar. Um penitenciado pelo San-

to Ofício, cuja sentença é citada por Adolfo Coelho, usava ervas dos adros e terra de lugares sagrados para curar animais, fazendo com essas coisas um cozimento com o qual os lavava, dizendo: «Assim como te lavo com esta terra e erva de sagrado, assim te desato, desligo, desensancho, desenfeitiço pelo poder de Deus, de S. Pedro, de S. Paulo e de Santiago». Matar animais em sonhos assegura uma vitória. J. Leite de Vasconcelos regista uma curiosa fórmula mágica ou *ensalmo, ouvida na aldeia de Vaqueiros (Alcoutim, Faro), destinada a «encantar qualquer animal, principalmente ratos» (cf. Revista Lusitana, v. 20, 1917, p. 163). Acham-se abundantes referências a animais na literatura portuguesa: considerados como acidentes geomorfológicos, personificando vícios e virtudes (padre Anchieta), caricaturando comportamentos humanos (*fábula), etc. Assumem igualmente forma simbólica e emblemática (heráldica, liturgia e prosa mística) e fantástica (reavivada pela estética simbolista). Locução: Animal que nasce em noite de São João traz varinha de condão (Madeira). *Criptozoologia. BIBLIOGRAFIA AELIANUS, Claudius (170-235), De Historia Animalium libri XVII [...] (Lião, 1565) [BPNM: 2-38-1-15]; ALEXANDRINO, António, Animais fugindo à morte, in Tradição, v. 2 (1900), p. 107-109 [contos da tradição oral de Brinches]; COMISSÃO ORGANIZADORA DO MUSEU DE CERÂMICA DAS CALDAS DA RAINHA, O animal na

Benzedura para curar o mau olhado em animais (Madeira) Benzem-se com alecrim, em forma de cruz, nove vezes, recitando a oração: «Em louvor do Sôr Sant’Antão, olhado, quebranto e mal invejado, se te deram no comer, ou no buber [sic] ou na tua boniteza, ou no teu crecer [sic], Sant’Antão t’o queira tirar, que tem esse poder e eu não, que no mar seja deitado, no rio do Jordão sagrado, que tem esse poder e eu não. Casa palhaça [i. e., palhota de colmo] por baixo augada [i. e., com água a passar-lhe por baixo], homem manso, mulher brava, em louvor de Sant’Antão com as três Pessoas da Santíssima Trindade» (cf. Fernando de Aguiar, Usos e Costumes da ilha da Madeira, in Feira da Ladra, v. 7, 1935, p. 140). Responso para encontrar animais perdidos (Castanheira de Pera) Na hora que Deus foi nado, Cães e lobos com os dentes fechados Tanto mal aconteça a esse ou aquele animal Como aconteceu a Deus menino no ventre da Virgem Maria Pai-Nosso, Avé-Maria.

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ANIMISMO louça das Caldas, Caldas da Rainha, 1981; COSTA, Carreiro da, Os animais nalgumas superstições populares micaelenses, in Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n. 18 (1953), p. 119-124; n. 21 (1955), p. 165-168; n. 22, p. 165170; n. 23 (1956), p. 159-163; JUNQUEIRO, Arronches, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tradição, v. 2 (1900), p. 175; P., R., Contos populares de animais, in Portugália, v. 2 (1908), p. 660 [três contos populares]; PIÇARRA, Ladislau, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tradição, v. 2 (1900), p. 158-159; REGO, José Teixeira, Os animais agradecidos nos contos populares e o dilúvio, in Revista de Estudos Históricos, v. 1 (1924), p. 8-23 [trata da versão russa do conto Emiliano Parvo, analisando os elementos que o compõem]; SOUSA, Elísio de, Crendices populares sobre os animais, in Douro Litoral, s. 4, v. 9 (1952), p. 34-36; VASCONCELOS, J. Leite de, Animais com luzes nos galhos, in Revista Lusitana, v, 14 (1911), p. 227-237; idem, Vozes de animais e relações fónicas do homem com eles, in Portucale, v. 7 (1934), p. 3-11

ANIMISMO Advoga a actividade voluntária da natureza, cujos seres e fenómenos se creem animados por espíritos com vontade própria. Os animistas propugnam que todos os objectos são possuídos por um espírito que sobrevive à destruição do seu hospedeiro, admitindo a metamorfose de pedras em seres viventes, pedras que se deslocam, penhas oraculares (*pedra dos casamentos, *rocha dos namorados), pedras curativas, etc. Certos actos (*sacramentos), palavras (*Amen), ensalmos e gestos (*sinal da cruz) há, aparentemente religiosos, mas, de facto, mágicos, i. e., tendentes a alcançar um objectivo não recorrendo a divindades, mas manipulando forças físicas. Por seu turno, alguns actos mágicos têm por base a crença no animismo. Por isso religião e magia andam tantas vezes associadas, terminando o rito de encantamento com uma oração, ou fazendo-se esta preceder daquele. ANIS Também denominado *erva-doce. Umbelífera anual, originária do Oriente, porém também cultivada na Europa. Especiaria muito prezada como condimento, porque facilita a digestão, alivia e evita perturbações gástricas e intestinais, bem como a flatulência. Não confundir com o anis-estrelado. ANIS ESTRELADO Fruto de um arbusto da família das Magnoliáceas, também denominado badiana. Possui um 286

óleo essencial, utilizado como especiaria, cuja composição é análoga ao do *anis, com o qual não deve, no entanto, ser confundido. ANIVERSÁRIO DE DEFUNTO Designação da celebração anual, em data fixa, por alma de um defunto, geralmente a do aniversário do óbito (o dia em que o falecido nasceu para a vida eterna) ou, em alternativa, a da festa de um santo da sua devoção. Após o primeiro aniversário do óbito considera-se que o falecido integrou definitivamente o mundo dos mortos, fazendo, doravante, parte dos *Fiéis defuntos. Outrora, os aniversários dos defuntos eram registados em livros especiais (necrológios), onde diante de cada efeméride eram inscritos os nomes das pessoas comemoradas, os bens vinculados ao seu sufrágio, por quem haviam sido trazidos, o pagamento a que estavam obrigados por testamento do falecido, etc. *Capelania. ANJINHO Criança falecida antes de completar sete anos. Segundo a crença popular, um anjinho não é santo, mas é puro, porquanto não teve tempo para confrontar e conquistar o mundo terreno. Ninguém faz luto formal pelos anjinhos. Cancioneiro: «Ó adro, terra de igreja, / onde se enterram anjinhos, / Ó terra que estás comendo / Corpos tão delicadinhos» (Jaime Cortesão, Cantigas do Povo para as Escolas, Porto, 1914). Em Ponte de Lima, Leite de Vasconcelos regista o uso de ossos de anjinhos para confecionar certos feitiços. Nos caixões dos anjinhos são introduzidos alfinetes, pela mesma razão que, em Gulpilhares, se colocam montes de pregos à cabeceira do defunto adulto para o defender das bruxas. Escavações realizadas em adros sintrenses verificaram a predominância de enterramentos de anjinhos no ângulo sudeste das igrejas. ANJINHO DE PROMESSA Figura que abrilhanta certas procissões mediante contrato e prévia arrematação. Ao anjinhos de promessa constituem manifestação de agradecimento por alguma graça recebida, carre-

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ANJO

Anjinho de promessa: pormenor de tela de Carlos Reis.

gando todos os ouros da casa, ou as Jóias da Procissão, muitas vezes exclusivamente destinadas a ser emprestadas por alguma família fidalga ou pessoa abastada que tenha prometido «vestir um Anjinho». Representam a garantia de solvência ou crédito de quem os vestiu e patrocina. BIBLIOGRAFIA VILAS BOAS, Conde de, Uma função pouco conhecida dos Anjinhos das Procissões, in Douro Litoral, v. 8 (1944), p. 41-43

ANJO 1. Termo derivado do sânscrito angiras (espírito divino), ou do persa angaros (mensageiro), semanticamente equivalente ao hebraico malakh, ao árabe maleak (enviado = mensageiro) e ao grego aggelos (mensageiro). Muito numerosos, os anjos formam um exército celeste, quase sempre invisível (2 Reis, VI, 17 e XIX, 35). Deus envia anjos no cumprimento de missões junto da humanidade: com anúncios de promessas (Génesis, XVIII, 10); de julgamento (idem, XIX, 12); de protecção (Êxodo, XXIII, 20-23; 1 Reis, XIX, 5); de punição (2 Samuel, XXIV, 16). Em algumas de tais missões os anjos conformam-se aos modos de vida dos humanos, partilhando com eles refeições e bene-

ficiando da sua hospitalidade (Génesis, XVIII, 3-8). O primeiro anjo a surgir na Bíblia foi o «anjo do Senhor» cuja intervenção se destinou a interromper o sacrifício de Isaac por *Abraão (Genesis, XXII, 11). Os anjos, propriamente ditos, ocupam o nono lugar na *Hierarquia Celeste, correspondendo à esfera da Lua e achando-se encarregados de zelar pela vida humana, a eles competindo desempenhar a função de anjos custódios privativos. São Gregório associa os anjos à esmeralda e à cor verde. A iconografia cristã adoptou o anjo antropomorfo com duas asas como paradigma quase exclusivo das entidades angélicas, fórmula que nenhum texto autoriza. Os meninos presentes nos retábulos barrocos, frequentemente interpretados como Anjos, são, de facto, almas que buscam a bem-aventurança, de acordo com a afirmação de Jesus, segundo a qual o Reino dos Céus só será acessível àqueles que adquirirem a pureza infantil. Representam as almas dos fiéis que constituem a Igreja e que sustêm figuradamente a estrutura visível dela, sob a forma do retábulo. No plano inferior figuram-se sexuados para aludirem àquelas que ainda se acham subjugadas pelos instintos da carne. À medida que ascendem torna-se evidente a espiritualização. Atingido o cimo do retábulo, são representados em atitude beatífica, em adoração ou carregando emblemas de glorificação. Atingiram a categoria de anjos, encontrando-se perfeitamente espiritualizados, porém, distinguindo-se dos que assim foram criados desde o princípio, por terem asas metade verdes, metade vermelhas. Quer isto dizer que foram elevados a tal

Anjos com incensório: moldura retabular da basílica de Mafra.

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ANJO CUSTÓDIO categoria pelo amor (vermelho) e pela penitência (verde). As pequenas cabeças aladas que, geralmente, os acompanham são os anjos, puros espíritos, que nunca encarnaram. *Serafim, *Querubim, *Trono, *Dominação, *Virtude, *Potestade, *Arcanjo, *Principado. BIBLIOGRAFIA CASTRO, Joaquim Machado de, Analyse Grafic’Orthodoxa, e Demonstrativa, de que sem escrupulo do menor erro Theologico, a Escultura, e Pintura podem, ao representar o sagrado Mysterio da Encarnação, figurar varios Anjos, Lisboa, 1805; GANDRA, Manuel J., Em torno do Anjo Custódio de Portugal e de outras epifanias da Hierarquia Celeste no Monumento de Mafra, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 203-242; M., E. D., Os Santos Anjos, Lisboa, 1945; OLIVEIRA, Custódio José de, Jerarchia celestial, Lisboa, 1812; Tratado dos anjos e demónios, compreendendo também os nomes de Deus e dos Anjos segundo os cabalistas, extraido dos Padres Gaspar Schott, Adrianus Lyroeus, etc. (séc XVII) [BN: cod. alc. 110, fl. 41-57]; REIS, Oliveiros de Jesus, Os Anjos, Porto, 1982; RICCIARDI, António, Commentaria symbolica in quibus explicantur arcana, Veneza, 1591 (Sobre os Anjos e as línguas [BPNM: 1-54-3-12 / 13]).

2. Lugar da freguesia de Argivai, distante da Póvoa de Varzim ca. de 4 quilómetros, onde, na tarde de segunda-feira de *Páscoa, as gentes poveiras se reúnem num grandioso piquenique de confraternização, cujo manjar obrigatório são os gambitos de raia (filetes de raia). Eventual reminiscência das festividades pagãs comunais em louvor da Primavera, a concentração culmina nos cânticos e danças sem qualquer acompanhamento instrumental. BIBLIOGRAFIA SÁ, Victor de, A Tradição do Anjo, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p. 363-368

ANJO CUSTÓDIO O culto do anjo da guarda radica na crença primeva e universal de que todos os seres humanos são assistidos pessoal e vitaliciamente por daimones ou génios protectores (equivalentes aos jinn corânicos), o mesmo sendo admissível dos lugares (*genius loci ou *espírito do lugar), bem como das nações (*anjo custódio de Portugal). A Igreja católica perfilhou os anjos da guarda desde cedo, fundada mormente em duas passagens, uma do Antigo (Salmos, XCI, 10-12), outra do Novo Testamento (Mateus, XVIII, 10). Orígenes, por exemplo, advoga 288

que «junto de cada homem há sempre um anjo que o ilumina, protege e guarda de todo o mal», de resto, tal como São João Damasceno (De Fide Orthodoxa, livro 2, cap. III), ou o Padre jesuíta Manuel Fernandes, em cuja Alma Instruída na Doutrina e Vida Cristã (t. 1, Lisboa, 1688, p. 164) se mostra peremptório: «É de fé que cada um tem seu Anjo que o guarda, posto que não seja de Fé que cada um tem seu Demónio que o assista». São Jerónimo não deixaria de sublinhar a grandeza da alma humana, ao ponto de, «desde o nascimento, ser guardada por um Anjo». Dom António Caetano de Sousa (Agiológio Lusitano, comentário ao XVIII de Julho, p. 216) assegura que o exercício da função de Anjo da Guarda é da competência dos anjos, propriamente ditos («terceira hierarquia do último Coro»), de tal modo que «em nascendo uma criatura, logo Deus lhe dá um anjo deste Coro para que a guarde e defenda e a guie ao fim para que foi criada». Esse o motivo por que a iconografia figura o Anjo da Guarda geralmente acompanhado por uma criança, símbolo da alma humana, com o bordão de peregrino. A festa do anjos da guarda foi aprovada por Paulo V, em 1608, apenas para o Império Austríaco, tendo sido alargada por Clemente X a todo o orbe católico, em 1670. O anjo da guarda, como conselheiro e hierofante do Ser e mais seguro guia para aceder ao mundus imaginalis, «orientando pelo mistério do pressentimento» (como sublinha Câmara Cascudo), era devoção já implantada em Portugal na centúria de quinhentos, como denotam: a circunstância de Francisco de Holanda ter dedicado ao Anjo Custódio um dos seus escritos perdidos, intitulado Louvores Eternos (manuscrito datado de 22 de Novembro de 1569, citado por Barbosa Machado); ou a rainha D. Catarina, no testamento que ditou, em 1574, não se ter esquecido de pedir ao seu Anjo Custódio que a amparasse na hora da morte (Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, t. 3, Lisboa, 1744, p. 24). Por seu turno, Isabel de Figueiredo († 1684), madre no mosteiro de Lorvão, atesta igualmente a veneração pelo anjo da guarda entre nós, pois, ten-

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Oração do Anjo Custódio, de João de Barros (Gramática da Língua Portuguesa com os mandamentos da Santa Madre Igreja, Lisboa, 1540, ed. Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, 1971, p. 288) Ó Anjo de Deus, que és minha guarda, pela piedade superna a mim e a ti cometido, salva defende e governa. Amen. Rogo-te, Anjo bento, a cuja providência eu sou encomendado, que sempre sejas presente em a minha ajuda, ante Deus, Nosso Senhor. [A]presenta os meus rogos às suas muito piedosas orelhas, por que, por sua misericórdia e tuas preces, me dê perdão de meus pecados passados, verdadeiro conhecimento e contrição dos presentes e aviso para evitar os pecados vindouros, e me dê graça para bem obrar e até a[o] fim perseverar. Afasta de mim, pela virtude do todo poderoso Deus, toda a tentação de Satanás e, o que eu não mereço por minhas obras, tu alcança por teus rogos por mim, ante Nosso Senhor, que em mim não haja lugar, mistura de alguma maldade. E se algumas vezes me vires errar o bom caminho e seguir os errores dos pecados, tu procura de me [de]volver a meu Salvador, pelas carreiras de justiça. E quando me vires em alguma tribulação e angústia, faze que me venha ajuda de Deus, por teus doces socorros. Rogo-te que nunca me desampares, mas sempre me cubras, visites, ajudes e defendas de toda fadiga e guerra dos demónios, vigiando de dia e de noite em todas as horas e momentos. Onde quer que andar, guarda-me e acompanha comigo. Oração ao Anjo Custódio, recolhida na Beira por Jaime Lopes Dias (Etnografia da Beira, v. 6, p. 245) Anjo da minha guarda, Companheiro, amigo meu, Peço-te que não te apartes De mim Que me leves a bom fim, Entregues a minha alma, Ao verdadeiro Senhor Como ele me entregou a ti, Meu anjo, real guardador. Oração ao Anjo Custódio, proferida ao deitar, em Vale Alto. (Aurélio Lopes, Religião Popular no Ribatejo, Santarém, 1995, p. 61) Anjo da Guarda, minha companhia Guardai minha alma de noite e de dia Protegei e santificai a minha família Dai pão aos pobres E resignação aos que sofrem Paz a todas as famílias Da minha comunidade paroquial Pelo eterno descanso Salvai as almas benditas do purgatório Especialmente se forem da minha família. Oração ao Anjo da Guarda (Joaquim Roque, Etnografia Portuguesa – Baixo Alentejo – como o povo reza…, in Arquivo de Beja, v. 3, n. 3-4, Jul.-Dez. 1946, p. 266-267) Anjo da minha guarda Semelhança do Senhor Que do Céu fostes mandado

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P’ra meu amparo e guardador Vos peço Anjo bendito, Vós me queiras defender A mim e a toda a minha família Assim como Deus andou guardado No ventre da Virgem Maria Padre Nosso, Ave-Maria. Oração ao Anjo da Guarda, recolhida por Maria Laura Costa, na freguesia de Mafra Anjo da minha guarda A quem meu Deus me entregou, Guardai-me e acompanhai-me Que eu não sei p’ra onde vou. Anjo da guarda Que és a minha companhia Guarda a minha alma De noite e de dia. Oração ao Anjo da Guarda (Almeirim) Boa noite meu Anjinho da Guarda Boa noite a ti, boa noite a mim Quando fores para o Paraíso Pede lá a Deus por mim Ó’pois por meu pai Por minha mãe e meus avós E por todos, Ámen. (in Ribatejo) Oração ao Anjo da Guarda (Alberto Correia, Etnografia da Beira Alta: nótulas referentes ao Concelho de Sernancelhe, in Beira Alta, v. 31, n. 3, 1972, p. 362) Ó anjo da minha guarda, Semelhança do Senhor, Do céu fostes mandado Para amparo e guardador. Espero, anjo bendito Que, pelo vosso divino poder, Das garras do Inimigo Me haveis de defender. Oração marrana, recolhida por Amilcar Paulo, em Lagoaça (Os Marranos em Trás-os-Montes, in Douro Litoral, s. 7, v. 5, 1956, p. 539) Ó anjo da nossa guarda, no Céu foste bem criado e por Deus foste mandado. Peço, ó anjo divino, que em nós tenhais cuidado. Ó anjo meu, faz sentinela dentro do meu coração. O pecado seja cativo; de mim não faça prisão, se eu morrer em toda a noite, me sirva de confissão. Ó anjo da minha guarda, companheiro do Senhor, em vida me foste dado para meu fiel guardador. Peço-te, anjo divino, por vosso divino poder, do laço maldito me queiras defender.

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Soneto XV, de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619) (Obras de Fr. Agostinho da Cruz, ed. Mendes dos Remédios, Coimbra, 1918, p. 177-178) Anjo Custódio meu, a quem foi dado Ter cargo de minha alma nesta vida, Havei respeito a ser por Deus remida, Ainda que sujeita ao vil pecado. Por vossa via seja eu perseverado De modo, que não fique homicida Em culpa contra ele cometida, Mas antes de mim seja sempre amado. Livrai-me da malícia e torpe engano Do nosso inimigo, e alcancemos Da carne, mundo e dele tal vitória. Que sem temor de pena e mal de dano, Convosco a alma minha e eu gozemos Na outra vida os bens da eterna glória. Exortação ao meu anjo, de José Régio (As encruzilhadas de Deus – Poema, Coimbra, 1935) Quando eu me deixar cair No sonho de adoecer para poder dormir, Fere-me com a tua lança! Reaviva em mim a dor, fonte da esperança. Quando a verdade, que é nua, Me cegar como um sol, e eu me voltar para onde há lua, E procurar jardins convencionais e plácidos, Queima-me com teus olhos ácidos! Quando me for mais fácil a verdade do que ter Um papel de actor qualquer, Como aos que assim se recreiam, Faz-me exibir-me bobo os que aplaudem ou pateiam. Quando eu julgar, falando, dizer tudo, Faz ante mim sorrir teu lábio mudo! Quando eu me poupe a falar, Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar! Quando eu tiver medo do Medo E acender fósforos nos cantos rumorosos de segredo, Arrasta-me pelos cabelos Para entre os pesadelos! Quando, a meio da noite e da ansiedade, Eu me rojar por terra e te pedir piedade,

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Não ma apareças nem me fales! Deixa-me só com o meu cálix. Quando eu te falsificar, E alugar anjos de serrim para em seus braços me embalar, Derrete o chumbo dessas casas: Leva-me no tufão das tuas asas! Quando eu, enfim, não puder mais, Por tuas próprias mãos belíssimas e leais, E sem caixões nem mortalhas, Enterra-me na terra das batalhas. Quando, depois de morto, a glória Me levantar o seu jazigo e celebrar minha vitória, Desvenda os alçapões dos meus escritos E arranca à terra que me esconde os mais secretos dos meus gritos!

do ficado cega e indo certo dia ao coro perdeu o rosário que seria entregue à sua criada por um menino, o qual, em virtude da sua formosura, foi identificado com o Anjo da Guarda da monja [ANTT: Lorvão, n. 310, fl. 17v]. Já *Almada Negreiros (1893-1970) garante que se trata de: «[…] um Anjo lindíssimo, mais lindo sem comparação nenhuma do que qualquer outro, e tal qual o sonho doirado de cada um. Tem umas grandes asas doiradas para acompanhar a voar o sonho doirado de cada um. E volta outra vez para o pé daquele a quem guarda por ordem de Nosso Senhor, para lhe contar até onde vai o seu sonho a voar. Mas ai daquele que desconheça a tal ponto o seu próprio sonho que não saiba sequer fazer as perguntas, pois o Anjo da Guarda só responde ao que for realmente bem perguntado. E quando a nossa pergunta estiver bem feita, o Anjo da Guarda responde imediatamente: Amigo! a tua pergunta está tão bem perguntada que se pensares mais um bocadinho tens já a resposta a seguir. Com efeito, pensa-se mais um bocadinho e pronto, é logo a resposta a seguir! Quer o Anjo da Guarda dizer com as suas palavras que muito mais difícil do que responder é perguntar» (Pierrot e Arlequim, personagens de theatro: ensaios de dialogo seguidos de commentarios, Lisboa, 1924). A evocação de uma tal intimidade teofânica com o «divino e 292

O anjo custódio de São Pedro livra o apóstolo da prisão: tela da igreja de S. Pedro dos Grilhões (Azueira, Mafra).

invisível companheiro», de resto, consentânea com as exigências ontológicas e hermenêuticas da filosofia profética portuguesa, supõe, contudo, a obediência a regras protocolares bem definidas, a que não é indiferente o teor vertigínico de considerável número das preces destinadas ao seu obséquio. Afinal, profetas e poetas sem-

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ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL pre coincidiram no que concerne às vias de acesso à transcendência. A Oração do Anjo da Guarda é também conhecida por *Palavras ditas e retornadas, sendo recitada à cabeceira dos moribundos ou para afastar as bruxas. *Custódia, *custódio, *Hierarquia celeste. DISCOGRAFIA VARIAÇÕES, António, Anjo da Guarda, LP, 1983 (no lado B inclui faixa Anjinho da Guarda) e 1997 (remasterizado); RAMP, Anjinho da Guarda (de António Variações, Anjo da Guarda), 2005 BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Francisco de, Diálogo entre o Anjo da Guarda e o Corpo Humano [ms. cit. Barbosa Machado]; ANÓNIMO, Das Emcelencias do Anjo Custodio [BUCoimbra: ms. 1262, fl. 20v]; ANÓNIMO, Novena para celebrar o dia consagrado aos nossos Anjos da Guarda, começa a 23 de Setembro, Lisboa, Regia Officina Typografica, 1783; ANÓNIMO, Ao Anjo da Guarda [música manuscrita, entre 1850 e 1880] [BN: MM 1579]; ANÓNIMO, Tábuas de Moisés e Oração do Anjo Custódio: tiradas de um manuscrito antigo achado num subterrâneo de Elvas, [Valadares, 1955] [BN: R 31555 (12º) P]; ANÓNIMO, Oração do Anjo Custódio, [Barcelos, 1985] [BN: R 38085 P]; CHAVES, Luís, O Anjo-Custódio ou as Palavras ditas e tornadas, in Revista de Guimarães, v. 46, n. 1-2 (Jan.-Jun. 1936), p. 8-24; COIMBRA, José da Costa, Novena do Anjo Custódio, Lisboa, 1756; CRISTÓVÃO DE LISBOA, frei, Sermão do Anjo Custódio, in Santoral de vários sermoens de sanctos […], Lisboa, António Alvares, 1638 [BN: R 4924 V]; DIOGO DO ROSÁRIO, frei, História das Vidas e feitos heroicos e obras insignes dos Sanctos e dos Anjos, Braga, 1567 [cap. dedicado a S. Miguel: parte 2, fl. CXLIIv-CXLIII], Coimbra, 1577, Lisboa, 1585, 1590, 1613, 1620, 1622 e 1647; ESPÍRITO SANTO, Frei José do, Sermão do Anjo Custódio, Lisboa, 1673; GANDRA, Manuel J., Em torno do Anjo Custódio de Portugal e de outras epifanias da Hierarquia Celeste no Monumento de Mafra, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 203-242; HOLANDA, Francisco de, Louvores Eternos [dedicado ao seu Anjo Custódio (datado de 22 Nov. 1569): ms. cit. Barbosa Machado]; ROQUE, Joaquim, Etnografia Portuguesa – Baixo Alentejo: como o povo reza ..., in Arquivo de Beja, v. 3, n. 3-4 (Jul.-Dez. 1946), p. 263-276; VASCONCELOS, António de, Tractado do Anio [sic] da Guarda. Primeira Parte. Da natureza, ordem, e occupaçoens dos Anios, Évora, 1621 [ACL: E 558 / 26]; idem, Obra do Anio [sic] da Guarda. Segunda Parte, Lisboa, 1622

ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL Segundo São Tomás de Aquino, estribado em Padres da Igreja da craveira de São Clemente de Alexandria, Orígenes, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno, São Jerónimo, Santo Agostinho, etc., não apenas os indíviduos, mas também as cidades, as instituições e as nações têm um anjo indigitado para as guardar e proteger: o profeta Daniel (X) refere os 21 dias

Anjo custódio de Portugal: porta travessa do mosteiro dos Jernónimos.

que durou o confronto entre os anjos custódios de Israel e da Pérsia. O Padre jesuíta Luís da Cruz, tornaria a instituição extensível à Europa, África e Ásia na Tragicomédia Iosephus. De entre as nações, que se sabe terem festejado liturgicamente o seu anjo tutelar (Israel, Irlanda, Hungria, etc.), Portugal é a única que mantém tal devoção, na actualidade, passando também por ser a derradeira a ter tido o privilégio da sua assistência epifânica, em *Fátima, a crer no teor da 4ª Memória de Lúcia, eventualmente redigida durante o período entre Abril a Outubro de 1915 ou, mais provavelmente, durante a Primavera de 1916. De facto, não se conhece um único testemunho directo que corrobore as sucessivas afirmações (e omissões) de Lúcia quanto à pré-aparição. Em 1917, ninguém se refere a anjos nos interrogatórios, nem nos depoi293

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1. ALDEIA DO BISPO (Penamacor, Castelo Branco): capela de São Bartolomeu; 2. ALMEIRIM (Santarém): imagem de madeira esculpida pela Casa Fanzeres de Braga (década de 1950), na matriz; 3. ALPEDRINHA (Castelo Branco): uma imagem de São Miguel é venerada como sendo a do anjo custódio de Portugal, constituindo, segundo parece, caso único em todo o país; 4. ANSIÃES (Carrazeda de Ansiães): procissão do anjo custódio no terceiro domingo de Julho; 5. ARCOZELO (Ponte de Lima): persiste a comemoração do anjo custódio, no Campo do Arnado, anualmente, durante o mês de Julho; 6. ARRONCHES (Portalegre): No século XVIII, existia imagem do anjo de Portugal; 7. AVEIRO: Procissão do anjo custódio; 8. AZURARA (Mangualde, Viseu): procissão do anjo custódio; 9. AZARUJA (Évora): em 1974, foi colocada na haste do pára-raios da torre da nova igreja matriz a representação do anjo de Portugal, em folha de ferro, trabalho realizado em Évora Monte, na oficina de José Simões Ferreira; 10. AZERE (Arcos de Valdevez, Viana do Castelo): imagem na matriz; 11. BRAGA: o primeiro Missal a incluir a missa do anjo custódio do Reino é o de Braga, impresso em Lião de França, em 1558, por ordem de D. Frei Baltasar Limpo: a Epístola é extraída de IV Reis, XIX, 20; Êxodo, XXIII, 20 e Mateus, II, 19; 12. BORBA (Évora): capela na nave do Evangelho, da matriz, construída mediante provisão de Dom João IV, com data de 6 de Maio de 1649, remetida aos «mordomos do Anjo da Guarda de Borba» [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 14, fl. 363], com imagem que remonta ao século XVII; 13. BRAGANÇA: procissão do anjo custódio; 14. BUCELAS (Loures, Lisboa): na matriz de Nossa Senhora da Purificação assistem três imagens barrocas do Santo Anjo, ainda festejado, anualmente. A Loja de José da Fonseca, estabelecido na Rua do Arsenal (Lisboa) vendia o Registo do Anjo Custódio do Reino «q se venera na Fregª de N. S. da Purificação do Lugar de Bucelas» (141 x 93 mm), no qual o anjo foi figurado de couraça e saio, elmo com plumas na cabeça, brandindo a espada com a mão direita e segurando o escudo com as armas de Portugal na outra, dentro de cercadura rectangular com ornatos rococó, palmas e festões de folhagem; 15. CASTELO BRANCO: Jardim do Paço Episcopal: estátua em granito, datada de 1725; 16. COIMBRA: em Janeiro de 1569, pousando em Almeirim, D. Sebastião enviou carta ao juiz, verea-

dores e procurador da cidade, prometendo à Câmara resolver as dúvidas que se haviam levantado com o bispo e cabido sobre o lugar das bandeiras real e do Anjo Custódio nas procissões de São Sebastião e do Anjo Custódio (José Branquinho de Carvalho, Cartas originais dos Reis, in Arquivo Coimbrão, v. 8, p. 76-77, n. CL). Sobre o trajecto da procissão, ver Compêndio das obrigações annuaes do Senado da Câmara desta Cidade de Coimbra e cidadães della, Coimbra, 1830, p. 8 e sobre o feitio (damasco e retrós) e pintura da bandeira «do anjo guardador», pelo pintor régio Afonso Gomes, ver Vergílio Correia (Pintores portugueses dos séculos XV e XVI, Coimbra, 1928, p. 40-41). Mosteiro de Santa Cruz: anjo tenente do pórtico principal, actualmente no Museu Machado de Castro, atribuído a Diogo Pires-o-Moço; 17. ELVAS (Portalegre): crê-se que na Sé da extinta diocese tenha existido altar privativo, porquanto no seu testamento, um tal António Martins, falecido em 15 de Agosto de 1646, deixou cinco missas por sua alma rezadas no altar ali dedicado ao anjo da guarda. O custódio era festejado com procissão, que se fazia com toda a solenidade, de harmonia com o disposto pelo supracitado alvará de Dom Manuel (10 de Junho de 1504); 18. ENTRE-OS-RIOS (Castelo de Paiva): escultura em bronze com 12 metros de altura, colocada à entrada da nova ponte Hintze Ribeiro, a perpetuar a memória das 59 vítimas da derrocada da ponte antiga; 19. ERICEIRA (Mafra, Lisboa): numa Visitação, ocorrida a 14 de Junho de 1735, é referida a realização da procissão do anjo custódio, onde «costumam irem danças e sanfoninas o que está proibido por determinação de sua Ilustríssima e Reverendíssima [Patriarca de Lisboa] pelo que mando com pena de excomunhão que nas ditas Procissões não vão mais danças nem sanfoninas»; 20. ESTREMOZ (Évora): na igreja da Misericórdia existiu irmandade do anjo da guarda de Portugal com estatuto, confirmado pelo Arcebispo D. José de Melo, a 26 de Setembro de 1625, o único conhecido em toda a arquidiocese de Évora (padre Henrique da Silva Louro, O culto do Anjo da Guarda na arquidiocese de Évora, Évora, 1974, p. 22-35); 21. ÉVORA: Igreja de S. Francisco: tábua quinhentista no altar de Nossa Senhora do Amparo, no transepto, atribuída aos Mestres de Ferreirim (cerca 1540); Igreja de Santo Antão: pintura em tondi no tímpano do retábulo do altar de Nossa Senhora da Saúde; Convento do Espinheiro: culto particular ao Anjo de Portugal. Em 1696, os religiosos eram obrigados a cantar, anualmente, «104 missas do Anjo a saber duas em cada semana, uma à quarta-

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-feira e a outra à sexta-feira pela tenção do Católico Rei Dom Manuel da gloriosa memória que instituiu pelos navegantes que passam o Mar em defensão destes reinos para o que nos deixou de esmola 20.000 reis em cada ano os quais se arrecadam na Esmolaria de El-rei em Lisboa […]» [BPÉv: cod. CLXVIII / 2-22]. Tais missas seriam reduzidas a apenas 21 no ano de 1738 [BPÉvora: cod. CLXVIII / 1-33, fl. 52]; Igreja da Misericórdia: azulejo setecentista, entre os altares de São Miguel e São João de Deus; Porta de Alconchel: sobre ela, no local onde esteve a ermida de Nossa Senhora da Ajuda, existiu uma pintura, segundo o Santuário Mariano (v. 6, p. 53); 22. FATELA (Fundão, Castelo Branco): a matriz é da invocação do Anjo Custódio de Portugal; 23. FÁTIMA (Vila Nova de Ourém, Santarém): No Santuário existe imagem do Anjo Custódio e na Loca do Cabeço, outra, da escultora Carvalheira; 24. FRONTEIRA (Portalegre): na matriz, dedicada a Nossa Senhora da Atalaia, um altar, do lado do Evangelho, foi, outrora, dedicado ao Anjo Custódio, tendo pertencido à respectiva confraria, com compromisso aprovado por Filipe II [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 10, fl. 389], ulteriormente, em 19 de Abril de 1643, modificado e ratificado por D. João IV [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 14, fl. 124]. Uma provisão de Filipe III [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 11, fl. 235v] ordenou ao pároco que deixasse os mordomos da confraria «usar da dita capela e por a imagem do Anjo da Guarda», o que deixa inferir a existência de um diferendo entre eles, a propósito da utilização da dita; 25. GUIMARÃES: nesta cidade a procissão do Anjo Custódio saía da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, desconhecendo-se com exactidão qual o seu itinerário (cf. Abade J. G. de Oliveira Guimarães, Festas anuais da Câmara de Guimarães. Notas históricas, in Revista de Guimarães, v. 21, n. 1, Jan. 1904, p. 27). Em 1605 e 1606, seguiu pela Rua de Santa Maria, tendo regressado pela Rua do Gado (posteriormente de D. Luís), conforme deliberação da Câmara (Livro 2º das Vereações, fl. 128). O padre Torquato Peixoto de Azevedo informa que, no seu tempo, a procissão levava, sob o pálio, um dos anjos tomados aos castelhanos por D. João I, em Aljubarrota, e oferecidos pelo mesmo monarca à Senhora da Oliveira, e que entrava na igreja de São Miguel do Castelo (Memórias ressuscitadas da antiga Guimarães, p. 163 e 211); 26. LISBOA: Igreja da Encarnação: imagem moderna e Associação do Anjo Custódio de Portugal; Mosteiro de Santa Maria de Belém e dos Reis Magos: ao alto da porta travessa; Basílica da Estrela: retábu-

lo pintado por duas princesas portuguesas, onde se acha figurado o anjo custódio, entre outras entidades celestiais; 27. MAFRA (Lisboa): Na Basílica do Monumento de Mafra, na capela colateral dedicada a São Pedro de Alcântara, existe uma escultura, em mármore, atribuída, ora a Filippo Della Valle, ora a Laurent Delvaux (173?), ladeando outra (de Giovanni Battista Maini, 1732) que iconografa o arcanjo São Miguel, circunstância que abona a favor da definitiva distinção entre ambas as entidades; 28. MIRANDELA (Bragança): procissão do Anjo Custódio; 29. MONFORTE (Portalegre): na matriz existiu, conforme as Memórias Paroquiais (1758), um altar dedicado ao Anjo da Guarda; 30. PENAMACOR (Coimbra): a Vereação da Câmara desta vila fez lavrar em acta, com data de 18 de Agosto de 1801, uma sua deliberação, segundo a qual determinava que «a procissão do Anjo Custódio se faça com solenidade que a lei, acompanhada de todos os oficiais, bandeiras e mais pessoas do costume, de cada casa uma pessoa, e de que os oficiais que faltarem, sendo a procissão feita em Domingo o[u] dia santo de guarda, paguem 200 reis e faltando de cada casa uma pessoa, 50 réis»; 31. REDONDO (Évora): na matriz, conserva-se imagem de madeira policromada setecentista; 32. SÃO PEDRO DA CABEÇA (Torres Vedras): Imagem na igreja local; 33. TOMAR (Santarém): na Charola do convento de Cristo, escultura em madeira estofada e policromada, atribuída ao mestre flamengo Olivier de Gand (1508-1512), a qual apresenta o escudo real com bordadura de 13 castelos; 34. VEIROS (Évora): o Santo anjo custódio de Portugal tem culto na capela-mor da igreja de Nossa Senhora dos Remédios, com irmandade, cujo compromisso foi aprovado por Filipe III, em 14 de Novembro de 1624 [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 12, fl. 379v]; a imagem é de madeira, medindo cerca de um metro de altura; 35. VILA VIÇOSA (Évora): uma pequena escultura de madeira do Museu Dom Manuel Mendes da Conceição Santos, antiga igreja de Sta. Cruz das Religiosas Agostinhas, onde se lhe prestava culto, tem sido identificada como imagem do anjo custódio de Portugal, apesar de nenhuma particularidade a distinguir das de S. Miguel, ou mesmo de S. Rafael; 36. VIMIEIRO (Évora): houve aqui uma capela dita do Anjo, à qual andou anexa a herdade da Peniqueira [ANTT: Chancelaria de D. João V, Livro 101, fl. 44v], havendo dúvidas sobre o Anjo em apreço é, ou não, o custódio de Portugal.

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ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL mentos, ao cónego Formigão. Nos diálogos com a Senhora, que Lúcia redigiu pelo seu próprio punho, em 1922, não são mencionados anjos. Também não consta qualquer referência a anjos no rigoroso interrogatório oficial efectuado, em 1924, pelas autoridades eclesiásticas, tendo Lúcia jurado pelos Santos Evangelhos nada mais ter visto além daquilo que descreveu. Foi na 2ª Memória, redigida entre 7 e 21 de Novembro de 1937, mas apenas divulgada, em 1942, por Galamba de Oliveira, que Lúcia se reporta a anjos, asseverando que o «jovem» (i. e., o anjo) se identificou como «Anjo da Paz» (cf. António Maria Martins, Documentos de Fátima, Porto, 1984, p. 112-118). O Engenheiro Varela Cid, numa tese apresentada no Congresso Internacional de Fátima (1950) desenvolveu bastante o assunto, que não é, de todo, pacífico (cf. Fina d’Armada e Joaquim Fernandes, Fátima: nos bastidores do Segredo, Lisboa, 2002, p. 90-91). Alguns autores, estribados numa tradição, segundo a qual Afonso Henriques, após ter desbaratado Albaraque nos campos de Santarém, teria designado *São Miguel como tutelar do Reino, crêem poder identificar esse *arcanjo com o anjo custódio de Portugal. Essa identificação, já anteriormente ensaiada por distintos memorialistas (cf. Manuel Severim de Faria, Promptuario espiritual e exemplar de virtudes, Lisboa, 1651, p. 28; Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, t. III, Lisboa, 1666, p. 126; frei Luís de Sousa, História de São Domingos, t. 1, livro VI, Lisboa, 1767, cap. XXXV, p. 687, etc.), havia de tornar-se quase consensual durante o consulado miguelista (1828-1834). As aparições de Fátima têm, igualmente, servido para fundamentar a assunção, porquanto, alegam os proponentes dela, o Anjo da Paz é, na liturgia eclesial, o próprio São Miguel (Angelus pacis Michael). Trata-se de opinião de difícil, quiçá, mesmo impossível, comprovação, porquanto não é essa a lição: A. quer de Fátima (convém distinguir as três entidades angélicas que, de acordo com as Memórias de Lúcia, redigidas em 1942, se terão manifestado na Cova da Iria: 1º o Anjo da Paz; 2º o Anjo de Portugal; 3º o Anjo da Eucaristia); B. quer dos Bre-

Anjo Custódio do Reino de Portugal: gravura de Agostinho Soares dos Tropheus Lusitanos (1633), de António Soares de Albergaria.

viários. Do Breviário do cónego Soeiro, que vigorou em Braga desde meados do século XIV até finais do XV e do qual foram extraídos os primeiros calendários litúrgicos impressos não consta o ofício do Anjo de Portugal. Nem tão pouco de boa parte dos missais e breviários impressos em Portugal durante os séculos XV (Lisboa, 1498 e 1509), XVI, XVII e XVIII não inclui nem a missa, nem o ofício do Anjo Custódio. Os primeiros em que isso sucede são os Breviários de Santa Cruz de Coimbra, de 1531 (fl. 412-415v), o Eborense, de 1548 (col. 1756 a 1771), o mais completo dos três, e o Bracarense, de D. Manuel de Sousa, impresso em 1549 (fl. 569-572v). Sintomaticamente, em nenhum deles o anjo tutelar do Reino é confundido com o Arcanjo São Miguel. De resto, nem dispomos dos documentos competentes para deslindar definitivamente o embróglio, designadamente o pedido manuelino e a resposta ou Breve da concessão pontifícia. A devoção pode muito bem ser anterior a quinhentos, tendo cabido a Dom Manuel dar consistência 297

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ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL legal e oficial a um costume, decerto, bastante antigo. Em qualquer dos casos, após oficialmente reconhecida pelo Papa Leão X, mediante solicitação do Venturoso, tornar-se-ia a comemoração mais sumptuosa e liturgicamente solene do Reino, logo depois das do *Corpo de Deus e da *Visitação de Nossa Senhora (as três procissões religiosas oficiais foram instituídas durante o século XVI como celebrações da realeza e da protecção divina à monarquia portuguesa). Não é mais esclarecedor aquele que se presume constituir o primeiro documento conhecido sobre a questão, a carta do monarca ao Senado de Coimbra (6 de Junho de 1504), muito embora, o monarca denote conhecer perfeitamente a doutrina dos génios, a qual expõe num preâmbulo à recomendação sobre quando e como se havia de celebrar tão faustoso evento: «[...] Fazemos vos saber que havendo nós respeito em como nosso Senhor Deus por salvação de nossas almas e conservação e alongamento de nossas vidas quis ordenar em cada Reino, cidade e lugar e assim a cada um de nós outros, anjos que nos guardassem de todo o mal e nos provocassem a fazer bem [...] ordenamos [...] que em cada um ano em o terceiro domingo de Julho se faça solene memória deste anjo nosso guardador em o qual dia além da muita solenidade que em todas as Igrejas se fará se há-de fazer devota e solene procissão. [...] mandareis fazer uma bandeira grande em que irá pintado o anjo de maneira que está em cada um dos ofícios que são imprimidos para se rezar em este dia e ao pé da pintura será escrito em letras grandes e bem vistosas, CUSTOS REGNY ET CIVYTATES CULIBRIESES. E esta bandeira irá em a procissão detrás de todas as cruzes e a levará o alferes da cidade [...]» (Biblioteca Municipal de Coimbra, livro 1, fl. 182). Além deste, apenas são conhecidos três dos alvarás expedidos: os remetidos aos Senados de Coimbra e de Elvas (10 de Junho de 1504), em traslado, e o autêntico (7 de Junho de 1504), com assinatura autógrafa de Dom Manuel, dirigido ao município de Évora [BPÉv: Casa Forte, est. I, n. 73], cujo teor é, em tudo, idêntico aos de Coimbra e Elvas (Câ298

Anjo custódio do Reino (basílica do convento de Mafra).

mara de Elvas, 2º Livro das Próprias, fl. 186). Embora de âmbito nacional, o Breve de Leão X não teve aplicação em todo o Reino, não obstante as ordens nesse sentido expedidas pelo monarca para todos os municípios, acabando por nunca se generalizar a comemoração do Anjo Tutelar. Raras localidades, além de Coimbra, Braga, e Évora, e estas duas porventura por influência dos cardeais Infantes D. Afonso (administrador de Évora, entre 1523 e 1540) e D. Henrique (arcebispo de Braga, entre 1533 e 1540), promoveram a festa litúrgica, instituída por D. Manuel, para ser celebrada anualmente, no terceiro domingo de Julho. As Ordenações Filipinas (livro I, título XLVI, Procissões, 48), de resto, à semelhança das Ordenações Manuelinas (livro I, título 78), incluíam a procissão

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ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL do Anjo Custódio no grupo daquelas que Juízes e Vereadores estavam obrigados a promover, anualmente. Na cidade do Mondego, o Regimento da procissão da festa do Anjo estipulava que: «Todas as bandeiras dos ofícios da festa do Corpo de Deus hão-de ir na procissão do Anjo com todos os oficiais de seus ofícios sem ficar nenhum, os quais levarão suas bandeiras e castelos e entremeses nas mãos assim na maneira que são obrigados de o fazer pela festa do Corpo de Deus e os que não tiverem bandeiras irão isso mesmo em seu lugar ordenado onde soi de ir dia do Corpo de Deus. Porém, na dita procissão do Anjo não levará o povo mais outra coisa que seja somente as ditas bandeiras e entremeses nas mãos, sem levarem reios [?], nem pelas, nem outras moças, nem jogos. E a cidade há-de mandar fazer duas folias para o dito dia assim e na maneira como as manda fazer dia do Corpo de Deus e lhes mandará dar a cada folia e aos dos tambores e tamboris que com eles vierem a cada um seu vintém para jantarem. A dita procissão do Anjo há-de ir ao Mosteiro de Santa Clara. E os Regedores mandarão limpar e despejar as ruas e espadanar e ditar panos às janelas por honra da dita festa» (cf. Titulo do Regymento da procyção da festa do hanjo e de q maneira a cydade há mãda ~e cada h~u ano fazer segundo ElRey nosso senhor mãda q se faça [Biblioteca da Universidade de Coimbra, livro I, fl. 182v], Coimbra, 1938, p. 168). Deveras eloquente, no que concerne à difusão no Brasil do culto do Anjo Custódio, decerto consoante o estipulado nas Ordenações Manuelinas, é a carta, remetida da Baía, em 9 de Agosto de 1549, pelo padre Manuel da Nóbrega, na qual refere a comemoração do Anjo Tutelar realizada naquela cidade brasileira, nos seguintes termos: «[…] e estiveram aqui por dia do Anjo, onde baptizamos muitos; tivemos missa cantada com diácono e subdiácono. Leonardo Nunes e outro clérigo com leigos de boas vozes regiam o coro; fizemos procissão com grande música, a que respondiam as trombetas. Ficaram os índios espantados de tal maneira, que depois pediam ao padre Navarro que lhes cantasse como na procissão fazia» (Cartas do Brasil,

Anjo Custódio do Reino da Charola de Tomar, antes integrado no cadeiral do Coro do Convento de Cristo.

Rio de Janeiro, 1931, 86. Há notícia de celebrações congéneres em Ouro Preto, Sabará, Cuiabá, S. Paulo, S. Luís do Maranhão, Rio de Janeiro, etc.). Em Margão (Índia), a confraria do Anjo Custódio, sedeada na igreja do Espírito Santo local, tinha a seu cargo a organização da festividade no ano de 1564. O culto canónico do Anjo Custódio de Portugal seria confirmado por Decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, datado de 9 de Julho de 1718. No mesmo diploma foi, ainda, deferida a liturgia aplicável: Missa e ofício de rito duplex de segunda classe. O Breviarium Romanum (Lisboa, 1791), seria um dos derradeiros a conter referência à festa do Santo Anjo da Guarda do Reino. Enfim, a devoção pelo anjo custódio de Portugal foi decaindo paulatinamente, até quase perder expressão, durante a segunda metade do século XIX, circunstância que provocaria a extinção da respectiva comemoração litúrgica, excepto nas dioceses de Braga e Viseu, as quais sempre a mantiveram nos seus calendários, até à actualidade, no dia 9 de Julho. Novamente restaurada, por rescrito da Sagrada Congregação dos Ritos, 299

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ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL te, na esquerda, inspira São João Evangelista, colocado sobre a esfera armilar, cercada de sete castelos. Estampa, aberta a buril (Francisco Xavier Fernandes), que ocorre na Chronica Seráfica da Santa Província dos Algarves da Regular Observância do nosso seráfico Padre S. Francisco (v. 1, Lisboa, 1750, cap. IX, p. 16) de Frei Jerónimo de Belém. Reproduzida in Album da Exposição de Arte Sacra, Lisboa, 1946, n. 98, p. 127.

Anjo Custódio de Portugal, no Livro de Horas dito de D. Manuel (1517).

de 28 de Junho de 1952, para se celebrar anualmente a 21 de Julho, viria a ser transferida para o dia 10 de Junho, no âmbito da reforma litúrgica aplicável a Portugal, ocorrida em 1969. ICONOGRAFIA Livro de Horas de D. Manuel (iniciado em 1517) [ANTT] Leitura Nova (15??) [ANTT] António Soares de Albergaria, Tropheos Lusitanos (1633) [BN: Res. 4065 P], gravura a fl. 2, subs. Augustin Soares fe.: O Anjo Custódio do Reino, de pé sobre nuvens, empunhando um escudo com as quinas e um gládio de fogo, é confundido com São Miguel, cujo nome traz escrito em caracteres hebraicos sobre a cabeça Monarquia Lusitana, sétima parte (1683), o Anjo Custódio preside à Batalha do Salado numa estampa que iconografa o evento Estátua equestre de D. José I (estudo de Vieira Lusitano) [MNAA] Alegoria ao nascimento da Princesa da Beira, D. Maria Teresa Francisca de Assis Antónia Carlota Joana Josefa Xavier de Paula Micaela Rafaela Isabel Gonzaga (1793), Estampa alegórica, subs. Hyeronimus de Barros Frr. [Jerónimo de Barros Ferreira] inv. sculps. Olisip. 1793 (300 x 190 mm): uma figura à direita representa o anjo tutelar com a mão assente no escudo de armas da cidade de Lisboa Santo Anjo Custódio do Reino exterminando de Portugal a águia de Napoleão (1810 ?) [Estampa da BPBr: Col. Estampas (BO)], 285 x 390 mm [cf. Frei António do Rosário, in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 6, p. 702] Registo do Anjo Custodio do Reino «q se venera na Fregª de N. S. da Purificação do Lugar de Bucelas» (141 x 93 mm), à venda na loja de José da Fonseca, o Arsenal [o anjo de couraça e saio, elmo com plumas na cabeça, brande a espada com a mão direita e segura o escudo com as armas de Portugal na outra, dentro de cercadura rectangular com ornatos rococó, palmas e festões de folhagem] Anjo Custódio de Portugal sustentando as armas de Portugal na mão direita, e o Sagrado Coração de Jesus flamejan-

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FONTES BIBLIOGRÁFICAS [COIMBRA, José da Costa], Novena do Santo Anjo Custodio do Reyno, que póde fazer-se nos nove dias antecedentes ao que se dedica á sua Festa que se celebra na Terceira Dominga de Julho, Lisboa, José da Costa Coimbra, 1746 [BN: R 27016 (15º) P], Lisboa, 1756 [BPNM: BVol. 2-1512-21(1º)]; COSTA, António Pinho da, A Verdadeira Nobreza, Lisboa, Oficina Craesbeeckiana, 16 [cap. XI: Da devação do Anjo Custódio e Almas do Purgatório (p. 67-71)]; MENESES, Francisco de Sá de, Malaca conquistada, 1634 [Dedica as estrofes finais à conversão de Glaura, logo seguida da aparição do Anjo Custódio a Afonso de Albuquerque]; MORAIS, José de Andrade e, Sermaõ de Acçam de Graças, que pela continuaçam das Melhoras da Saude D’ El-Rey D. João V Nosso Senhor e pela exaltação da Villa do Carmo das Minas em Cidade Mariana pregou [...] na Festa do Anjo Custodio do Reyno com O Santissimo exposto a dezoito de Julho de 1745 a qual celebrou o Senado da mesma Cidade, Lisboa, 1746 [BPNM: BVol. 2-11-7-1(11º)]; ORDENAÇÕES MANUELINAS (1513), liv. I, tit. 78; ORDENAÇÕES FILIPINAS, liv. I, tit. 66, § 48; SEQUEIRA, Bento de, Sermão na festa do Anjo Custodio do Reino, na occasião em que Elrei D. João IV passou em Alentejo contra Castela, Lisboa, 1651 [BN: R 7028 (22º) P; Res. 3537 (15º) P]; TEIVE, Diogo de, Hymno ao anjo Custodio do reino e da cidade de Lisboa, […] Off. a S. M. F. o sr. D. Miguel I, Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1822 [BN: L 596 A], Coimbra, Imprensa da Universidade, 1828 [BN: L 14703 V] FONTES MUSICAIS E DISCOGRAFIA ANÓNIMO, Angelis suis (intróito da Missa do Anjo Custódio de Portugal), in Fundo Musical da Misericórdia de Lisboa, MoviePlay Classics 3-11030, 1993; GARCIA, José Maurício Nunes, Missa da Visitação de Nossa Senhora e Anjo Custódio do Reino (1809) [destinada à capela Real do Rio de Janeiro] BIBLIOGRAFIA BRÁSIO, António, Será S. Miguel o Anjo Tutelar de Portugal?, in Novidades (Suplemento Letras e Artes) (18 Nov. 1951) [BN: J 4161 G]; Aires de Campos, Provisão sobre a procissão do Anjo Custódio (6 de Julho de 1504), in Índices e summarios dos Livros e documentos da Câmara de Coimbra, Coimbra, 1875, p. 96; Enciclopédia Verbo, v. 2, p. 455; GANDRA, Manuel J., Em torno do Anjo Custódio de Portugal e de outras epifanias da Hierarquia Celeste no Monumento de Mafra, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 203-242; idem, O Anjo Custódio de Portugal, Mafra, 2007; GOMES, Pinharanda, O Anjo da Guarda de Bucelas, in Povo e Religião no Termo de Loures, Loures, 1982, p. 33-36; LANDEIRO, José Manuel, As corporações através dos tempos XXIV. As Corporações em Portugal – Festas – As Festas do Anjo Custódio, in Mensário das Casas do Povo, a. 8, n. 91 (Jan. 1954), p. 18 e n. 92 (Fev. 1954), p. 18; LOURO, Henrique da Silva, O Culto do Anjo da Guarda de Portugal, na arquidiocese de Évora, Évora, 1974; LÚCIA DO CORAÇÃO IMACULADO, Irmã, Memórias da […], Fátima, 2006; REIS, Oliveiros de Jesus, Quem é o Anjo

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ANJOS

Nossa Senhora dos Anjos ou do Paraíso, proveniente da capela homónima da Charola do convento de Cristo, em Tomar [MNAA: inv. 30]. Custódio de Portugal?, Covilhã, 1969; REIS, Sebastião Martins dos, O Anjo de Fátima e o Anjo de Portugal: diverso ou idêntico ao arcanjo S. Miguel?, in Na Órbita de Fátima: Rectificações e achegas, Lisboa, 1958, p. 119-157; VASCONCELOS, António Garcia Ribeiro de, in Anuário da Universidade de Coimbra (1907-1908), p. CXXV; VITERBO, Sousa, Fastos Religiosos (Festas e Procissões), Porto, 1898 [BN: Res. 2001(1º) V]

ANJO DA GUARDA *Anjo custódio. ANJO DA MORTE Segundo a mística judaica, ente que, sob as ordens de Deus ( Êxodo XII, 23 e Isaías, XXXVII, 36), extrai a alma do corpo no momento da morte. Na escultura tumular assume a aparência de uma sedutora jovem alada com a incumbência de guiar o defunto na sua viagem para o além. ANJOS Invocação mariana, festejada a 2 de Agosto, correspondente à antiga invocação de Nossa Senhora do Paraíso. Na Charola de Tomar, no vão da torre sineira, existiu uma capela com a mesma dedicação, da qual é proveniente uma tábua (óleo sobre carvalho: 1250 x 1650 mm) do mesmo título, documentalmente atribuída ao pintor régio Gregório Lopes (1536-38). Frei Jerónimo Román descreve-a (Libro de la Yncli-

ta Cavalleria de Cristo) nos finais do séc. XVI. No primeiro plano mostra duas naturezas mortas (vaso de lírios = símbolo mariano, e cesto com maçãs e cachos de uvas = alusivos ao Menino, novo *Adão e verdadeiro vinho = sangue da Eucaristia). Maria acha-se enquadrada pela figuração de algumas litânias imaculistas (botões de rosa, palmeira, cancela fechada, fonte coroada por figura alada com arco e flecha [porventura um *Cupido, a cujos pés se observam duas cabeças de *veado ou cervo = Cântico dos Cânticos?] e duas bicas antropomórficas [homens silvestres nus e enlaçados de cujas bocas corre a água da salvação (*imaculada Conceição de Maria?) = mundo pré-adâmico ou Amor Profano e *Amor divino ?]. Um anjo, à direita do Menino, oferece-lhe uma cesta com figos (fruto da árvore do conhecimento), enquanto outros lhe apresentam uma pera (Amor de Cristo pela humanidade) e um pintassilgo (premonição da Paixão). BIBLIOGRAFIA CARVALHO, José Alberto Seabra, Gregório Lopes, Lisboa, 1999, p. 64-66; MARKL, Dagoberto, A pintura no período manuelino. Os ciclos: das oficinas à iconografia, in História da Arte em Portugal (dir. Paulo Pereira), v. 2, Lisboa, 1995, p. 273; PEREIRA, Paulo, A Charola do convento de Cristo em Tomar: iconologia da arquitectura (séc. XV-XVI), in O Brilho do Norte, Lisboa, 1997, p. 157

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ANO ANO Período do curso próprio do Sol, cuja duração é de 365 dias e um quarto, aproximadamente. O mesmo que revolução solar: A. ano civil: 365 dias, ou 366, se for bissexto; B. ano sideral (365 dias, 6 horas, 9 minutos e 5 segundos): tempo que a Terra leva a encontrar-se de novo na mesma posição em relação a uma estrela (*tempo sideral); C. ano trópico: 365 dias, 5 horas e 48 minutos (tempo entre duas passagens pelo ponto vernal); D. ano solar: dura de um aniversário a outro. A representação, quer do ano quer das *quatro estações, por intermédio de comportamentos quotidianos e de adornos domésticos já gozava de ampla aplicação entre os latinos, dos quais passaria aos tempos mediévicos. ANO BISSEXTO De quatro em quatro anos (sempre que o número do ano for divisível por quatro), o ano tem 366 dias, em vez de 365. Em 1582, o papa Gregório XIII ordenou a supressão do dia 29 de Fevereiro sempre que o ano for divisível por 100, mas não por 400. O dia adicionado intercala-se depois de 23 de Fevereiro, sendo o dia 24 celebrado como Vigília e as festas do apóstolo S. Matias e seguintes (festejadas entre 24 e 28 de Fevereiro) transferidas para o dia imediato (25 a 29). Uma vez que para o martirológio do dia intercalado não existe fórmula específica, apenas é anunciada a Vigília, repetindo-se a introdução do dia anterior (sexto calendas Martii = sexto dia antes do 1º de Março), de forma que se diz duas vezes [bis] sexto calendas, etc., donde a denominação de bissexto (annus bissextus ou bissextilis). *Aziago para casar. ANO BOM A véspera do primeiro de Janeiro. Para ter felicidade e sorte durante todo o ano: ao dar da meia noite de 31 de Dezembro, comem-se doze bagos ou passas de uvas pretas (à falta destas, embora menos virtuosas, servem as brancas), um bago a cada badalada (rezando no final um padre-nosso); sobe-se para cima de uma cadeira ou mesa; põem-se chapéus coloridos; veste-se uma peça de roupa azul; estreia-se uma peça de 302

vestuário; parte-se louça velha (para «deitar fora o ano velho»), acendem-se fogueiras (para «queimar o ano velho»); marcam-se as portas com farinha, no Alentejo e Beira-Baixa («milagre das portas»). Com o intuito de adivinhar o tempo que fará durante o ano seguinte: de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro, colocam-se sobre uma mesa doze cascos (escamas) de cebola com a concavidade voltada para cima e dentro de cada um deles deita-se uma pitada de sal da cozinha. Cada casco representa um mês. Os cascos onde no dia seguinte o sal se liquefez, representam os meses de chuva do ano. Os outros representam os meses secos. (A. Lima Carneiro, Previsões do Tempo, in Douro Litoral, s. 2, v. 1, 1944, p. 55-56). Jaime Lopes Dias relata antigo uso dos lavradores da Idanha, os quais na noite de 31 de Dezembro limpavam a padieira do forno, polvilhando-a com farinha ao bater da meia-noite, enquanto diziam: «Deus nos dê um, dois, três, [etc.] moios, o dobro e

Ensalmo recitado no Ano Bom (Cadaval, ca. 1880) Este dia de Janeiro É de grande merecimento Por ser o dia primeiro Em que Deus passou tormento. São chegados os três Reis, Da parte do Oriente, Vêm visitar um Deus nascido, A Jesus Omnipotente. Não quis nascer em palácio Nem em camarões de rosas, Lá foi nascer em Belém, Numa triste manjedoura, Onde comia o boi bento E a mula maliciosa. O boi bento como bruto Comia e bafejava. E a mula maliciosa Comia e resmungava. «Maldição te deito, mula, Pra que não pairas coisa alguma, Se alguma coisa parires, Dela não tenhais ventura Que tu pairas ou não pairas Minha maldição te cubra».

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ANO VELHO mais outro tanto». Em Rio de Onor, levam-se cordões (confeccionados com passas, amêndoas, figos secos, maçãs, rebuçados, bolachas, etc.) a casa dos familiares e amigos, sendo colocados apenas ao pescoço dos «Manuéis» («ir prender os Manuéis»), que retribuem oferecendo petiscos e bebidas. *Ano novo. BIBLIOGRAFIA DIAS, Lopes, Distrito Etnográfico: o ano bom, in Acção Regional, v. 1, n. 42 (1925); PIRES, António Tomás, A noite de Natal, o Ano Bom e os Santos Reis, Elvas, 1904

ANO LITÚRGICO Período de doze meses, organizados em tempos litúrgicos que celebram, como memorial, os mistérios de Cristo, bem assim como a memória dos santos. A. Ciclo do Natal: I. Tempo do Advento (desde o 1º domingo do *Advento até 24 de Dezembro); II. Tempo do *Natal (desde 24 de Dezembro até 13 de Janeiro); III. Tempo depois da *Epifania (de 14 de Janeiro até ao domingo de *Septuagésima); B. Ciclo da Páscoa: I. Tempo de Septuagésima (da Septuagésima às *Cinzas); II. Tempo da Quaresma (de quarta-feira de Cinzas ao domingo da *Paixão); III. Tríduo Pascal ou Tempo da Paixão (de domingo da Paixão até ao sábado Santo); IV. Tempo Pascal (de domingo de *Páscoa ao sábado imediato ao *Pentecostes); C. Ciclo do Pentecostes: I. Pentecostes (festa do Espírito Santo); II. Tempo depois do Pentecostes (até ao Advento ou final do ano litúrgico). ANO NOVO Dia primeiro de Janeiro. A Igreja celebra a *circuncisão de Jesus, festividade integrada no denominado ciclo dos *doze dias (que medeiam entre o *Natal e *Reis). Diz o povo que «o que se faz no primeiro dia do ano faz-se todo o ano», certamente inspirado em Ovídio (Fastos, I, 163-168: «Dediquei o começo do ano a ocupações, para que o ano inteiro não ficasse sem elas desde o começo». A entrada no Ano Novo festeja-se ruidosamente (para enxotar ou expulsar o Inverno), alegremente (porque se crê que conforme os actos praticados neste dia, assim decorrerá favorável ou desfavorável o ano, pois «quem mal começa, mal acaba»), ostentando

fartura e oferecendo-se presentes (na convicção de desse modo se propiciarão a fertilidade e a riqueza). Por vezes, oferecia-se mel (hoje bombons e chocolates) como estreia (do latim, strena = 1º de Janeiro), «para que o ano prossiga com doçura o caminho iniciado», conforme sugestão de Ovídio (Fastos, I, 187-188). Para atrair a felicidade todo o ano, ao dar a meia-noite de 31 de Dezembro, comem-se 12 bagos de uva (ou passas), um bago a cada badalada e pedem-se três coisas em que se tenha empenho (outrora, concluía-se este rito rezando um *padre-nosso). Cantam-se as *Janeiras pelas portas, recebendo os cantadores frutos secos, vinho e outros presentes (Soropita, Eloy de Sá Sotto Mayor, Chiado, Jerónimo Baía, Filinto Elísio, etc.) a que chamam *janeirinhas (correspondentes às estreias romanas, ou strenae calendaria). Joaquim de Santa Rosa Viterbo afirma ter assistido em pleno séc. XVIII, à cerimónia da nomeação do *Bispo dos Fátuos (ou doidos) também denominado *Bispo dos Inocentes, assunção das funções episcopais por um menino, representação teatral proibida em consequência dos desmandos que originava. No Nordeste transmontano, realiza-se a *Festa dos Rapazes. Outrora, em Carviçais (Moncorvo), quando se comia um prato, pela primeira vez no ano, era costume dizer: «Ano, bom Ano, Deus me deixe chegar a outro ano». Anexins: Primeiro dia de Janeiro, primeiro dia de Verão; No 1º de Janeiro subo ao outeiro a ver o nevoeiro; Quem no ano novo não estreia todo o ano pia. *Rosh ha-Shanah. BIBLIOGRAFIA M., C., As festas do Ano Bom, in Ilustração Moderna, v. 3, n. 28 (1928), p. 237-241

ANO VELHO Expulsar o ano velho com algazarra e ruído é costume muito difundido. Eventual reminiscência da tradição que consistia em bater com um pau (ou mangual) no chão de cultivo (na noite de *ano bom e nas seguintes), com a intenção de afugentar os espíritos malignos prejudiciais à renovação do solo e à germinação das sementes. Na Beira Baixa (Castelo Branco), à meia-noite de 31 de Dezembro, bandos de 303

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ANÓNIMA, SANTA rapazes andam pelas ruas gritando «Agarra-o! Agarra-o!», no que são secundados pelos residentes que gritam o mesmo das janelas de suas casas, fazendo chocalhadas, campainhadas, pifaradas e latadas. Em Lisboa, cerca do meado do século XX, além das manifestações ruidosas, havia o hábito de arremessar para a rua todo o lixo caseiro ou «escacar» (partir) loiça velha, particularmente loiça de barro. ANÓNIMA, SANTA *Santa Anonimata. ANONIMATA, SANTA O mesmo que *Santa Anónima. Irmã de *Santa Comba e de *São Jordão (bispo de Évora), venerada a 1 de Maio. À semelhança de sua irmã, Santa Anonimata foi martirizada sob Daciano (cf. Agiológio Lusitano, 1 de Maio). Em Tourega (Évora), no local onde se diz ter caído a sua cabeça degolada, nasceu uma *fonte santa, de águas miraculosas (cf. Memórias paroquiais [ANTT: Dicionário Geográfico, v. 37, Memória 87, fl. 955-958]). Onde caíu a de Santa Comba foi edificada a ermida homónima, outrora muito frequentada por romeiros, como comprovavam os inúmeros ex-votos que cobriam as paredes. ANOREXIA Inapetência absoluta pela alimentação sólida ou líquida. Preconiza-se chupar rodelas de limão ou beber chá de cabeças de macela (camomila romana – Anthemis nobilis, L.), em jejum. Fenómeno totalmente distinto da *inédia praticada por alguns místicos. ANQUEILHADO O mesmo que *angarilho e *caílho, em Bragança. ANREADE *Santa de Anreade. *Corpo incorrupto. ANTA Também *antanhol, *antão, *antela, *antinha, *antuã, *arca, *arcaínha, *mama, *mamaltar 304

Anta da Barrosa (Vila Praia de Âncora, Caminha)

(mama do altar), *mamoa, *mamoínha, *mamunha, *orca, *pala, *paradanta (pedra de anta), etc. Estrutura megalítica com as funções de templo, sepulcro (nem todas) e centro cerimonial, constituída por: A. Câmara mais ou menos circular ou trapezoidal, invariavelmente delimitada por sete esteios verticais (em cunha) e um horizontal de fecho, chamado chapéu; B. Corredor, quando existe é, sempre, mais baixo do que a câmara; por vezes incipiente, outras, como no caso da anta 2 do Olival da Pega (Reguengos de Monsaraz), quase atinge os 16 m; coberto por tampas monolíticas e pelo tumulus, por vezes possui um pequeno átrio e uma pequena área de passagem para a câmara, ambos providos de porta; C. Tumulus ou mamoa, cobrindo-a; geralmente circular ou oval, construída com terra e anéis de pedra, variando as dimensões desde alguns metros a cerca de 40; D. Algumas vezes, existe um marco monolítico ou *menir, associado a uma anta, como se verificou nos monumentos de Afonso Vicente (Alcoutim, Faro), Alcalar 1, 4 e 7 (Portimão, Faro), Amieiro 8 (Idanha-a-Nova, Castelo Branco), Granja de São Pedro (Idanha-a-Velha, Castelo Branco), Luzim (Lomar, Penafiel), Orca do Outeiro do Rato (Carregal do Sal), Saragonheiros (Nisa, Portalegre), Vale de Rodrigo (Tourega, Évora), Vidigueiras 1 (Reguengos de Monsaraz, Évora) e Anta Grande do Zambujeiro (Tourega, Évora). Desconhece-se a verosi-

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Anta de Areita (S. João da Pesqueira, Viseu): insculturas do ortóstato da cabeceira.

milhança da assunção generalizada segundo a qual as antas sem corredor são mais antigas. As construções do tipo desta podem ser consideradas tentativas para amplificar e tornar mais acessíveis as qualidades sagradas da *Grande-Deusa (indissociáveis da sua faceta regeneradora). Ao assumirem a forma oval do ventre grávido ou do corpo integral da Deusa antecipam a planta dos templos do cristianismo que tomam a forma de uma cruz para representar Cristo crucificado. Como Mãe dos mortos a Deusa acolhia os filhos no seu seio para promover o cíclico renascimento deles: em Alcarapinha 1, sete esqueletos jaziam dispostos radialmente com os crâneos juntos, no centro da câmara (cf. Abel Viana / Antónia Dias de Deus, Notas para o estudo dos dólmens da Região de Elvas, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 15, n. 3-4). A função uterina da arquitectura megalítica é complementar da das pedras. Ao entrar, reptando pelo exíguo orifício ou porta de acesso ao santuário-ossário, o adorador caminhava para o omphalos primordial, logrando assim a total união com a divindade e a unção do corpo simbolicamente recém-nascido. As zonas da anta mais densamente sacralizadas seriam a do ortóstato da cabeceira (*altar, *estela, *pedra de fundação) e os imediatamente contíguos, de ambos os lados (frequentemente formando uma espécie de retábulo ou tríptico), bem como a face esquerda da câmara. Numa

Conta sobre as antas, apresentada por Martinho Mendonça na Conferência que a Academia Real da História Portuguesa realizou, em 30 de Julho de 1733, o orador afirmaria: «[…] não serão temerárias conjecturas, as que nos inclinam a crer que as nossas antas foram dedicadas pelos primeiros povoadores da Lusitânia ao verdadeiro Deus, que adorou Israel e veneram os cristãos» (Col. dos Documentos, v. XIII, cit. Joaquim Ferreira Gomes, Martinho de Mendonça e a sua Obra Pedagógica, Coimbra, 1964, p. 45). Luís de Albuquerque e Castro interroga-se sobre se a «Arte megalítica» não será «um tipo de escrita religiosa ideográfica?». Já P. Bueno Ramírez e R. Balbín Behrmann consideram a «Arte megalítica» das antas e grutas com inumações a expressão de um código funerário Neolítico, cuja persistente vigência, com ligeiras alterações, ainda é susceptível de ser rastreado em sítios e monumentos datáveis do 3º milénio a. C. (Idade do Bronze), caso, entre outros, dos denominados tholoi. Quanto às covinhas elas ocorrem maioritariamente no anverso da laje de cobertura da câmara ou na parte superior dos ortóstatos que a constituem, circunstância que confere valor simbólico a tais pedras. Tendo constatado a raridade das placas de xisto a Norte do Mondego, E. Twohig especulou (eventualmente tendo em mente a semelhança com elas da pintura do esteio 2 de Pedralta) sobre a hipótese de o ritual de pintura e inscultura dos megálitos do centro de Portugal e do Noroeste peninsular poderem ter a mesma função que esses e outros objectos gravados do Sul. Muitas vezes as ossadas dos inumados acham-se organizadas por tipos de ossos, como se qualitativamente estruturadas (*Arquinha da Moura). Em antas junto de Pinhel depunhamse (1940) as primícias das colheitas e queimavam-se como em pira. Conforme a direcção do fumo, assim o oráculo de boa ou má colheita (cf. Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, v. 1, p. 291, n. 1). Muitas vezes, as antas têm cabedal guardado por mouros. Porém, acontece também serem custodiadas por um *touro (Herdade da Torre) ou por uma *galinha (nas proximidades da anterior). Uma pesquisa em305

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DAS ANTAS COM ARTE RUPESTRE

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1-7. Aveiro: ALAGOAS 1 (destruída) e ALAGOAS 4 (Escariz, Arouca); ALIVIADA 1 ou Escariz 1 (Escariz, Arouca): arruinada; CAMA (Entre Douro e Vouga): mamoa; CHÃO REDONDO 2 (Talhadas, Sever do Vouga): arruinado; PEDRA DA MOURA 1 (Vale de Cambra, Sever do Vouga); TACO 1 (Albergaria-a-Velha). 8. Beja: BARRANCO DA NORA VELHA (Ourique). 9-12. Braga: BOUÇA DO RAPIDO 3, ou Vila Chã (Vila Chã, Esposende); CIMA DE VILA (Palmeira de Faro, Esposende); LAMAS (Braga); PORTELAGEM (Esposende). 13-19. Bragança: ANTINHA (São Pedro de Vale do Conde, Mirandela): destruída; ARCÃ (Mirandela): arruinada; CARAVELAS (Valpaços); MONCORVO (Torre de Moncorvo); PENA MOSQUEIRA 3 (Sanhoane, Mogadouro); VILARINHO DA CASTANHEIRA ou Pala da Moura (Carrazeda de Ansiães); ZEDES ou Casa da Moura (Carrazeda de Ansiães). 20-21. Castelo Branco: GRANJA DE SÃO PEDRO (Idanha-a-Velha); MEDELIM (Idanha-a-Nova). 22. Coimbra: SOBREDA, Arquinha ou Curral dos Mouros (Seixo, Oliveira do Hospital). 23-33. Évora: BARROCAL 1 (Herdade do Barrocal, Reguengos de Monsaraz); CANDEEIRA (Aldeia da Serra, Redondo); FREIXO (Évora): destruída; FREIXO DE CIMA 2 (Herdade do Freixo de Cima, Torre de Coelheiros); MANCEBOS 1 (Reguengos de Monsaraz); MANCEBOS 3 (Reguengos de Monsaraz): destruída?; OLIVAL DA PEGA 2 (Telheiro, Reguengos de Monsaraz, Évora); PAÇO DA VINHA (Herdade do Paço das Vinhas, Canaviais); TERA 2 (Herdade da Têra, Mora, Pavia); VALE RODRIGO 1 (São Marcos da Abóbada, Tourega); ZAMBUJEIRO ou Anta Grande do Zambujeiro (Tourega). 34. Faro: ALCALAR 1 (Portimão) 35-37. Guarda: CORGAS DE MATANÇA (Matança, Fornos de Algodres); CORTIÇÔ (Fornos de Algodres); FONTÃO (Paranhos da Beira, Seia). 38. Lisboa: PEDRA DOS MOUROS (Belas, Sintra). 39-41. Portalegre: ARRONCHES (Portalegre); CASAS DO CANAL (Extremoz); COUTO DOS ENCHARES (Crato). 42-51. Porto:

ARCOS (S. Pedro Fins, Maia): arrasada; CHÃ DE ARCAS 5 (Serra Amarela, Baião): A Coisa; CHÃ DE PARADA 1 ou Casa da Moura (S. João de Ovil, Baião); CHÃ DE PARADA 3 (S. João de Ovil, Baião); FOLÃO (Bagunte, Vila do Conde): destruída; LAMOSO (Paços de Ferreira); PADRÃO, Baltar ou Chã de Vandoma (Baltar, Paredes): destruída; PORTELA ou Forno dos Mouros (Santa Marta, Penafiel); SABROSA (Baião): arruinada; SANTA MARTA (Penafiel). 52-60. Viana do Castelo: ALTO DA PORTELA DO PAU ou Portela do Pau 2 (Melgaço); BARRADAS (Viana do Castelo); BARROSA ou Lapa dos Mouros (Vila Praia de Âncora, Caminha); BRITELO-MOSTEIRÔ (Ponte da Barca); CHÃ DO MEZIO (Soajo, Arcos de Valdevez); CHAFÉ (Chafé); EIREIRA (Afife); LAPA DA MOURA (Chã de Cabanas, Serra Amarela, Ponte da Barca); SÃO ROMÃO DO NEIVA 1 (Viana do Castelo). 61-66. Vila Real: CARRAZEDO DO ALVÃO (Soutelo de Aguiar, Vila Pouca de Aguiar); FONTE COBERTA ou Chã de Alijó (Alijó): arruinada; FRIEIRO (Vila Pouca de Aguiar); MADORRAS 1 (S. Lourenço de Ribapinhão, Sabrosa); MEIXEDO (Montalegre); SALES ou Veiga da Mão de Sales (Montalegre). 67-90 Viseu: ALTO DE SÃO PEDRINHO (Manhouce, São Pedro do Sul): destruída?; AMIAIS ou Cova dos Moiros (Canas de Senhorim, Nelas); ANTELAS (Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades); ARCA (Oliveira de Frades); AREITA ou Anta da Bouça da Senhora Berta (São João da Pesqueira); ARQUINHA DA MOURA (Lajeosa do Dão, Tondela); CARAPITO 1 ou Casa da Moira (Aguiar da Beira); CARVALHA DO FIAL (Tondela): arruinada; CASFREIRES (Sátão); CHÃO DO BRINCO 1 (Cinfães, Viseu): A Coisa; CUNHA BAIXA ou Casa da Orca (Mangualde); FOJINHO (Queiriga, Vila Nova de Paiva): destruída; FORLES (Queiriga, Vila Nova de Paiva); JUNCAIS ou Pedra da Orca (Queiriga, Vila Nova de Paiva); JUNCAL 1 (Manhouce, São Pedro do Sul); LUBAGUEIRA 4 ou Fojo (Couto de Cima); MAMALTAR DE VALE DE FACHAS (Rio de Loba, Travessós de Cima); PEDRA COBERTA (Queiriga); PEDRALTA ou Côta ou da Ribeira do Buraco (Côta); PICOTO DO VASCO ou Orca de Pendilhe (Pendilhe, Vila Cova-à-Coelheira, Vila Nova de Paiva); REPILAU (Couto de Cima); SANTO TISCO (Oliveira do Conde, Carregal do Sal); TANQUE (Carvalhal, Vila Nova de Paiva, Sátão, Viseu); VENTOSA (Vouzela).

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Guia Antas cristianizadas de Portugal Beja: SERPA: capela de Nossa Senhora de Guadalupe; SINES: anta de São Torpes (destruída no séc. XVIII). Castelo Branco: VILA VELHA DE RÓDÃO: Senhora da Alagada; Santo Amaro. Évora: AGUIAR (Viana do Alentejo): capela do cemitério; AZARUJA: capela de São Bento do Mato; ESTREMOZ: capela de Nossa Senhora da Conceição; PAVIA (Mora): dedicada a São Dinis ou Dionísio (1ª ref. remonta a Manuel Severim de Faria, em 1625), é actualmente constituída por sete esteios de grandes dimensões (medindo o maior 4100 mm) e pelo capelo (3000 x 2600 mm), tendo possuído corredor, orientado ESSE, do qual não subsistem quaisquer vestígios. Classificada como Monumento Nacional; CONVENTO DE SÃO PAULO DA SERRA DE OSSA (Redondo): diversas antas no interior da cerca conventual, como a célebre anta da Candeeira (Aldeia da Serra); SÃO BRISSOS (Montemor-o-Novo): capela de Nossa Senhora do Livramento ou da Guia (seiscentista), integrada na Herdade da Anta ou de Valdearca, sede do morgado instituído (antes de 1536) por Garcia de Resende na pessoa do seu filho primogénito, Francisco de Resende; SÃO GERALDO (Montemor-o-Novo). Portalegre: MOURATÃO (Castelo de Vide); NISA: capela de São Gens; POMBAL (Castelo de Vide). Santarém: ALCOBERTAS (Rio Maior): encostada à igreja para o interior da qual se abre o corredor (do lado do Evangelho), servindo de capela, cujo orago é Maria Madalena. Setúbal: TORRÃO (Alcácer do Sal): denominada Lapa de São Fausto, porque, segundo a hagiografia popular, o santo ali apareceu «a um moiral». A sua imagem reiteradamente transferida para uma ermida que lhe ergueram, regressaria invariavelmente ao interior da anta, motivo por que os fiéis do Torrão, perante a sua renitência em abandonar o local da epifânia, decidiram venerá-la num nicho de alvenaria edificado sobre o chapéu do monumento, onde era costume colocá-la, a 18 de Outubro, dia do martírio do orago. Correia de Campos considera que, antes de ter sido cristianizada (na Idade Média), a anta serviu como oratório muçulmano (morábito). Foi vandalizada nos inícios da década de 1990. Viseu: ARCA (Oliveira de Frades); PENELA DA BEIRA (Penedono): a câmara do monumento é o altar da capela de Nossa Senhora do Monte, outrora destino de uma muito concorrida romaria que ocorria a 20 de Agosto; consta que «a pedra grande que cobre o altar foi para ali trazida às costas de uma burrinha guiada por Nossa Senhora», sendo ainda apontadas, a alguma distância da capela, as pegadas do piedoso animal.

preendida em 2001 por Robert Oldham, destinada a determinar o alinhamento de 61 antas alentejanas, obteve azimutes entre os 85º e 110º Norte, com significativa frequência nos 87º, 97º e 104º. Tais ângulos não correspondem a nenhuma data solsticial, equinocial ou de dia quartã, porém o azimute 104º Norte, coincide com o ponto do nascimento das Pleiades (constelação do Touro) que, cerca de 4200 a. C., nasciam helicoidalmente cerca de duas ou três semanas antes do equinócio vernal. *Acústica, *Alvão, *arqueoastronomia, *arte megalítica, *arte rupestre, *buraco da alma. BIBLIOGRAFIA BUENO RAMIREZ, P. / BALBÍN BEHRMANN, Arte Megalítico en el Suroeste de la Península Ibérica: Grupos en el arte Megalítico Ibérico?, in Saguntum, v. 30 (1997), p. 153-161; CASTRO, Luís de Albuquerque e, A Arte megalítica e as escritas ideográficas, in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959, p. 251-

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Anta capela de S. Dinis (Pavia, Mora)

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ANTÃO, SANTO -259; idem, Um novo aspecto interpretativo da ornamentação dos monumentos megalíticos, in Revista de Guimarães, v. 71, n. 3-4 (1961); idem, A simbólica e a evolução dos ondulados, in Studium Generale (Actas do I Colóquio Portuense de Arqueologia, Porto-Guimarães, 3-4 de Junho de 1961), v. 9, tomo 1 (1962), p. 100-108; idem, L’Art Mégalithique au Portugal, in Atti del VI Congresso Internazionale delle Scienze Preistoriche e Protostoriche, Secção V-VIII, 1966, p. 370-374; CHAVES, Luís, As Antas de Portugal: nomes populares, regionais e locais; influência exercida na toponímia; aproveitamento utilitário; cristianização; tradições e lendas, in O Arqueólogo Português, s. 2, v. 1 (1951), 95-115; CORREIA, Virgílio, El Neolitico de Pavia, Madrid, 1923, p. 26-31; FERREIRA, O. da Veiga / LEITÃO, M. / NORTH, C. T., Breves apontamentos sobre as antas-capelas em Portugal, in Estudos Italianos em Portugal, n. 40-42 (1977-1979), p. 119-126; FORTES, José, A propos des sculptures sur les mégalithes du Portugal, in Deuxième Congrès Préhistorique de France (Vannes, 1906), Le Mans, 1907, p. 350-354; GANDRA, Manuel J., Antas com arte rupestre de Portugal: subsídio para um roteiro, Mafra, 2007; JORGE, Vítor Oliveira, Questões de Interpretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47-65; JORGE, Vítor Oliveira / JORGE, Susana Oliveira, Figurations humaines préhistoriques du Portugal: dolmens ornes, abris peints, rochers graves, statues-menhirs, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 2, v. 8 (1991), p. 341-384; OLDHAM, Robert, Antas of thr Portuguese Alentejo: structural orientation to Stars? (Stone and Stars Project), [www.geocities.com/stoneandstars/Antas.html]; OLIVEIRA, Jorge de / SARANTOPOULOS, Panagiotis / BALESTEROS, Carmen, Antas-capelas e Capelas junto a antas no território português, Lisboa, 1997; SILVA, António Carlos, As Antas-capelas do Alentejo, in DN (2 Dez. 1993); TAVARES, A. Augusto, O sentido da arte dolménica à luz das mentalidades da época, in Da Pré-História à História (Homenagem A Octávio da Veiga Ferreira), Lisboa, 1987, p. 225-234; VASCONCELOS, J. Leite de, Peinture dans les dolmens du Portugal, in Homo Préhistorique, t. 5, Paris, 1907; VAZQUEZ VARELA, J. M., La Ideologia en el Arte megalítico de la Península Ibérica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 15-22

ANTANHOL *Anta. ANTÃO *Anta. ANTÃO, SANTO Eremita e abade, festejado a 17 de Janeiro. Padroeiro dos eremitas, talhantes, salsicheiros, porqueiros e cesteiros, invocado contra os contágios, as doenças da pele, o ergotismo, a erisipela e como protector dos porcos. Atributos: javali ou porco selvagem; campainha e bordão em forma de T (letra grega tau). É provável que o culto de Santo Antão tenha sido introduzido na Península Ibérica por influência monástica.

Imagem de Santo Antão.

Na diocese da Guarda ele é particularmente intenso, porventura em consequência da fixação na região, a partir do século XII, de vários conventos da congregação francesa dos Cónegos de Santo Antão, a qual se dedicava à cura de enfermos, designadamente de leprosos e doentes do mal de fogo, também denominado mal de Santo Antão (maleita causada por um fungo do centeio: Claviceps Purpurea) e fogo sagrado ou santo (ignis sacer). Em Teixoso (Castelo Branco) os criadores levam os seus gados para junto da capela da Senhora do Carmo, onde também é venerado Sto. Antão, e dão com eles diversas voltas ao edifício com a intenção de os protegerem de doenças durante o ano. Há notícia de práticas idênticas nas festividades em honra do patrono dos lavradores que ocorrem em Sortelha (Beira Baixa) e Videmonte (Guarda), na véspera de segunda-feira da Pascoela; também em Benespera e Vela (Guarda), no sábado e domin309

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ANTANHOL go de Pascoela (até 1970, na segunda-feira de Pascoela) alguns romeiros cumprem promessas, conduzindo os gados em circumambulações ao santuário, enquanto outros oferecem dinheiro ou presuntos, chispes e enchidos de fumeiro. Em Óbidos, uma romaria, que coincide com a feira dos Chouriços, na qual abundam as carnes de fumeiro características da época, tem por cenário uma ermida dedicada a Santo Antão, sita num outeiro a ocidente da vila. Em Moledo (Lourinhã) os animais são benzidos quando passam pelo local da feira, assim como as fitas vermelhas que depois lhes são postas ao pescoço. As promessas pela protecção dispensada ao gado são pagas com chouriços e toucinhos, posteriormente leiloados, e ex-votos com o feitio de animais. Em Colmeal da Torre (Belmonte) a romaria de Santo Antão realiza-se na segunda-feira de Páscoa, oferecendo os devotos dinheiro e enchidos. Na procissão que sai da capela do Senhor da Ribeira e vai até ao Refúgio (Covilhã), os romeiros cantam em uníssono: «Viva o nosso, / viva o nosso, / viva o nosso / Santo Antão! / Lá ó fundo, / Lá ó fundo, / lá ó fundo / tem um leitão». Em Estremoz, na igreja extramuros, de Nossa Senhora dos Mártires, venerou-se, outrora, um Santo Antão casamenteiro, ao qual as raparigas voltavam as costas, atirando-lhe ramos de flores, enquanto diziam: «Dizei-me, meu Santo Antão, / Se me casarei ou não» (*arremesso). Se os ramos acertassem na imagem, casariam, senão, não. Anexins: Pelo Santo Antão guarda o teu pão; Dizem os sinos de Santo Antão, que pelo dar dão; Pelo Santo Antão, galinhas não. Do pintor flamengo *Jerónimo Bosch exibe-se no Museu Nacional de Arte Antiga um tríptico figurando As Tentações de Santo Antão, sabendo--se que o humanista Damião de Góis possuíu na sua colecção, conforme confessa na sua defesa perante o Santo Ofício, outra Tentação de Santo Antão do mesmo artista, que oferecera ao núncio italiano João Ricci da Montepulciano. O tau grego, insígnia de Santo Antão, seria transformado em símbolo da conversão por Inocêncio II, em Latrão (1215), tendo sido aplicado a três tipos de predestinados: os que se alistassem na cruzada; 310

aqueles que impedidos de o fazer lutassem contra a heresia; os pecadores, empenhados na reforma da sua vida. *Ordem de Santo Antão. BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, Alberto Vieira, O Santo Chouriço de Óbidos – Santo Antão, in Revista de Guimarães, v. 97-98 (Jan.-Dez. 1997-1998), p. 311-330; MARKL, Dagoberto, O Tríptico das Tentações de Santo Antão de Jerónimo Bosch: um ensaio de interpretação iconológica, in Ocidente, nova série, v. 84 (Mai. 1973), p. 329-356

ANTAR OS MORTOS Expressão açoriana equivalente a *encomendar as almas ou *amentar as almas (cf. Ernesto Ferreira, Ao Espelho da Tradição, Ponta Delgada, 1943, p. 230). ANTELA *Anta. ANTELAS Nome de um *dólmen localizado no sítio do Bouço (Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, Viseu), na vertente Sudeste da serra das Talhadas [40º 43’ Norte; declinação 3º]. Tido pelo mais importante monumento do género conhecido na Península Ibérica e um dos mais notáveis do mundo (pelo carácter e estado de conservação das suas pinturas), já apelidado de «verdadeira Capela-Sistina do megalitismo extremo-ocidental peninsular». Classificado como Monumento Nacional. Amorim Girão denomina-o Antela da Mámoa. Foi escavado em 1993 e 1994. Outrora incluso em *mamoa, é constituído por galeria coberta (medindo cerca de 4 m) e câmara ou cripta (com mais de 2 m de diâmetro x 2,5 m de altura), cujos oito esteios de granito se achavam quase integralmente preenchidos por pinturas (negro, e ocre vermelho sobre fundo branco) e alguns por pequenas insculturas, porventura ilustração de uma cosmogonia centrada no mito do eterno retorno. Quando, em 1956, Luís Albuquerque e Castro, Octávio da Veiga Ferreira e Abel Viana o visitaram descreveram-no como constituindo um autêntico retábulo. O esteio que ocupa, na cabeceira (n. 5), o eixo do monumento tem sido considerado antropomórfico, constituindo o repertório das pinturas nele

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ANTELAS

A disposição retabular de Antelas, segundo Vítor Oliveira Jorge.

Esteio n. 4: o antropomorfo suspenso no ar figurará o voo do xamã, em «busca de visão» ou no desempenho da sua função de psicopompa da comunidade.

Esteio n. 5 (cabeceira): a pintura atinge aqui a sua maior densidade, atestando a importância do ortóstato correspondente à cabeceira das antas.

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ANTEPASSADO observáveis porventura a representação simbólica dos indivíduos sepultados (figurados por dois ídolos antropomórficos semelhantes aos das placas de xisto: o da esquerda, talvez feminino, e o da direita masculino, com a cabeça destacada e genitalia exposta), os quais, envoltos por linhas ziguezagueantes, estariam representados no acto de serem purificados pela água (*água de purificação). António Augusto Tavares vê neste pictograma a representação de um barco sobre a água. Aos signos labirintiformes (esteios n. 1, 9 e 8) atribuíu-se uma função apotropaica (impedir o regresso dos inumados do *além). A presença dos motivos solares e lunares (esteio n. 6) alude a óbvias preocupações astrolátricas. A representação de um suposto pente alegadamente egípcio (sobre o ídolo da esquerda) faz alguns autores alargar a influência oriental à restante decoração. Vítor Oliveira Jorge, sublinhando o paralelismo entre o motivo pintado no ortóstato da cabeceira de Antelas e o petróglifo da Mota Grande (Alto da Portela do Pau), recusa tal interpretação, admitindo que «placa e pente formam […] uma unidade, sendo este um apêndice superior de um motivo subrectangular bordejado a negro e preenchido interiormente a vermelho». A datação C14 revelou que a edificação do monumento terá ocorrido entre 3990 e 3700 a. C., enquanto as pinturas (nas quais foi detectada significativa quantidade de ferro [Fe] e de manganésio [Mg]) remontarão ao período compreendido entre 3625 e 3140 a. C., podendo, eventualmente, ter sido retocadas, reavivadas e acrescidas de mais motivos, em momentos posteriores. *Voo do xamã. BIBLIOGRAFIA CASTRO, Luís de Albuquerque, L’Art mégalithique au Portugal, in Atti del VI Congresso Internazionale delle Scienze Prehistoriche e Protostoriche – Sezioni V-VIII, 1966, p. 370, est. CLXIV; CASTRO, Luís de Albuquerque e / FERREIRA, O. da Veiga / VIANA, Abel, O dólmen pintado de Antelas (Oliveira de Frades), in Com. Serv. Geológicos de Portugal, t. 38, n. 2 (1957), p. 325-348; CASTRO, Luís de Albuquerque e / FERREIRA, O. da Veiga, Protecção e Conservação do dólmen pintado de Antelas, in Actas do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, 1959, p. 243-249; CRUZ, Domingos J., Dólmen de Antelas (Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, Viseu): um sepulcro-templo do Neolítico final, in Estudos Pré-históricos, n. 3, Viseu, 1995, p. 263-264; idem, Relatório dos traba-

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lhos arqueológicos realizados no Dolmen pintado de Antelas (Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, Viseu), Coimbra, 1995 (inédito); GIRÃO, A. de Amorim, Antiguidades pré-históricas de Lafões, Coimbra, 1921, p. 35; idem, Arte Rupestre em Portugal (Beira Alta), in Biblos, v. 1, n. 3 (1925); JORGE, Vítor Oliveira, Em torno da Arte megalítica: revisitando uma visão de 1981, in Portugália, nova série, v. 17-18 (1996-1997), p. 59-61; idem, A propósito da Arte megalítica do NW peninsular, in Arkeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Pré-História Europeia – 1998), Tomar, 1999, p. 119; L. R., Os dólmenes pintados da região de Viseu, in DN (26 Agosto 1993); MOITA, Irisalva, Características predominantes do grupo dolménico da Beira Baixa, in Ethnos, v. 5 (1966), p. 222-223; PEDRO, Ivone / VAZ, João L. Inês / ADOLFO, Jorge, Roteiro Arqueológico da Região de Turismo Dão Lafões, Viseu, 1994, p. 151; RODRIGUES, Maria da Conceição Monteiro, O Imaginário na Ordem Cósmica: paradigma das Pinturas do Dólmen de Antelas, in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu, Viseu, 1989, p. 71-82; idem, Arqueologia: a análise do simbólico, v. 2, Lisboa, 1991, p. 89-95; SHEE, Elizabeth, Painted Megalithic Art in Western Iberia, in Actas do III Congresso Nacional de Arqueologia (1973), Porto, 1974, p. 105-123; SILVA, Fernando Augusto Pereira da, A Arte megalítica da bacia do Médio e Baixo Vouga, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 123-148; TAVARES, António Augusto, Expressões do Megalitismo nas Beiras, in Boletim da Assembleia Distrital de Viseu (1979); idem, Convergência de Povos e Culturas no Noroeste Peninsular, no Bronze Final (através da arte rupestre do Vale do Vouga), in Bracara Augusta, v. 40 (1986-87), p. 11-13; TWOHIG, Elizabeth Shee, The Megalithic Art of Western Europe, Oxford, 1981, p. 150-151, fig. 37-38; VAZ, João L. Inês / RAPOSO, Luís (coord.), Por Terras de Viriato: arqueologia da Região de Viseu, Viseu, 2000, p. 47-48

ANTEPASSADO O culto dos heróis teve grande afinidade com o dos antepassados. Os mascarados e caretos transmontanos (e não só) representavam, originalmente, os espíritos domésticos ou espíritos dos antepassados. ANTICRISTO *Al-dajjal, *Apocalipse, *besta, *Casas Pintadas, *igreja de Terena, *seiscentos e sessenta e seis. ANTIDIO, SANTO *São Tude. ANTIMÓNIO Metal derivado da estibinite, conhecido a partir do séc. XVII. Adquiriu importância entre os alquimistas devido à sua intervenção no processo de purificação do ouro. O *alquimista francês Basile Valentin escreveu um tratado intitulado O Carro triunfal do Antimónio.

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ANTÓNIA, MARIA ANTINHA *Anta. ANTISCREUS Divindade cujo nome ocorre numa ara de granito procedente de Monte Redondo (Braga) e conservada no Museu de Guimarães: PRO S[alute] / TI[berii] C[aesaris] . ANTISC/REO SEI[...] / HERMES / V[otum] . S[olvit] . L[ibens] M[erito]. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 220

ANTÓNIA, ANA Acusada de feiticeira, por adorar e ter o diabo por Deus, consumando ajuntamento carnal com ele na figura de um *bode. Saíu penitenciada no *auto-da-fé, de 5 de Maio de 1622, da Inquisição de Lisboa (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). ANTÓNIA, FRANCISCA Também conhecida como a *Beata de Óbidos. Tinha 27 anos quando saíu penitenciada no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 24 de Setembro de 1747, por fingir visões, revelações, extâses e outros favores sobrenaturais. Afirmava ter morrido e ressuscitado, o que José Rodrigues Leal, prior de São Pedro de Óbidos e procurador dos cárceres do Santo Ofício, não questionou nunca. Condenada a 10 anos de degredo para Bragança, D. João V intercedeu por ela, tendo-lhe sido comutada a pena para Lisboa (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). ANTÓNIA, JOANA Preta, escrava de António dos Santos Leitão, latoeiro natural de Angola. Tinha 16 anos quando se apresentou no Santo Ofício (29 de Março de 1749), declarando que: «sendo ela de idade de sete para oito anos […] no qual tempo era escrava do desembargador João Álvares da Costa lhe sucedeu entornar um pouco de azeite, e temendo ser por isso castigada, saíra para o quintal das mesmas casas com ânimo e resolução de se lançar em um poço que está no

mesmo quintal, o que não fez, mas vendo-se nesta aflição e receando castigo, invocara e chamara pelo demónio para que lhe acudisse e livrasse, o qual com efeito logo ali se lhe manifestou em figura de homem, seriam dez para onze horas da noite […]». Confessaria também que o diabo lhe aparecera «muitas vezes, umas em figura de homem e outras em figura de cão e gato e que no dia seguinte ao em que a primeira vez lhe falou no quintal, lhe apareceu em figura de cão em uma casa escura […] e aí lhe deu ela voluntariamente o seu sangue, que tirou do braço esquerdo, sem que ele lho pedisse». Disse mais que com ele, em figura de homem, tivera cópula carnal mais de vinte vezes, em consequência das quais «parira a figura de um gato». Enfim, ouviria a sentença na Mesa, em 19 de Abril, porém, voltaria a pedir audiências em 11 de Agosto e 1 de Setembro, alegadamente, porque o demo reaparecera, censurando-a e procurando persuadi-la a regressar às práticas de que aparentemente pretendia abdicar [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 348]. BIBLIOGRAFIA SANTANA, Francisco, Bruxas e curandeiros na Lisboa joanina, Lisboa, 1996, p. 127-128

ANTÓNIA, MARIA 1. Também conhecida por *Bruxa de Valéga. Natural de Válega e casada com Manuel de Oliveira. Residia no lugar do Seixo, comarca da Feira, bispado do Porto. Contava 82 anos quando foi sentenciada pelo Santo Ofício de Coimbra (tendo saído no *auto-da-fé de domingo, 21 de Fevereiro de 1683) por culpas de feitiçaria, pacto e ajuntamento carnal com o *diabo, o qual lhe aparecia de noite «em forma humana de homem pequeno» e, noutras ocasiões, em figura de gato preto. No seu processo é descrito um *sabat (*assembleia), realizado junto a um rio, «onde estavam algumas mulheres conhecidas da ré em companhia de muitos demónios; e depois de todos se banharem por ordem do diabo, se saíu cada uma com seu demónio e com ela tinha ajuntamento carnal com circunstâncias lascivas e abomináveis, no fim das quais se tornava a ré para casa sempre em companhia do diabo, o qual por algumas 313

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ANTONINA, SANTA vezes a levou a certos lugares, onde a ré entrava sem ser vista, nem sentida das pessoas que nela estavam e aí fazia, com grande dano da sua alma, os males que o demónio lhe ordenava». Ignora-se se chegou a cumprir a pena de degredo decretada para Angola pelo período de 5 anos. BIBLIOGRAFIA MENDONÇA, José Lourenço Domingues de, Notícia dos Autos Celebrados pela Inquisição de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa, in História de Portugal, v. 9, cap. 4, p. 526s.; NEVES, Amaro, A bruxa de Válega, in Judeus e Cristãos-Novos de Aveiro e a Inquisição, s. l., 1997, p. 183-184

2. Processada pelo *Santo Ofício de Évora, no séc. XVII. Durante a sessão do Primeiro Exame, em Mesa, foi inquirida sobre que «meças» oferecera ao *diabo e se «julgava e tinha para si que o demónio tinha mais poder que Deus ou que dele se devia esperar o que Deus não quisesse fazer» [ANTT: Inq. Évora, fl. 56]. Argumentou que «nunca teve para si que o demónio era mais nem tão poderoso como Deus, nem que dele se devia esperar o que Deus não quisesse conceder» [idem]. Na sequência dos interrogatórios acabaria por assumir a crença que a havia conduzido aos cárceres secretos da Inquisição: que o poder do diabo era superior ao de Deus. ANTONINA, SANTA († CA. 306) Mártir de Niceia (Bitínia), sob Diocleciano, venerada a 12 de Junho. Antonina é o feminino de Antonius, nome provavelmente derivado do grego Antionos, nascido antes. No Martirológio Romano, Santa Antonina é citada três vezes – dia 1 de Março, 4 de Maio e 12 de Junho – como se se tratasse de três pessoas distintas. O calendário grego afirma que foi decapitada, o egípcio di-la queimada viva e o siríaco, que morreu afogada. Seja como for, após a condenação à morte terá sido barbaramente torturada e, finalmente lançada a um lago pantanoso da periferia de Nicea. A tradição de Santa Antonina ser natural da vila de Seia (Guarda) e de o seu martírio ter ocorrido por afogamento numa lagoa da serra da Estrela, tomou corpo a partir da publicação, em 1675, do tomo segundo do Agiológio Lusitano de Jorge Cardoso, que a dá como provada (p. 11-13), aceitando como 314

genuíno o parecer de António Távores de Távora, cónego da Sé de Bragança, também avalizado por Rafael Bluteau e Barbosa Machado, porém, verosimilmente adversado por Silva Leal (cf. Memórias para a História Eclesiástica do Bispado da Guarda, parte I, tit. 3, cap. 3), entre inúmeros outros, nacionais e estrangeiros. Carecendo de fundamento a naturalidade senense de Santo Antonina, a arca ou urna de madeira encontrada na lagoa da Paixão, na serra da Estrela, por iniciativa do Infante Dom Luís, jamais poderá ter servido de depósito virginal da ilustre santa, como o filho de Dom Manuel I piamente acreditou. Quadra: «Antonina pequenina / De olhos grandes / Mataram-na idólatras / Feros gigantes». BIBLIOGRAFIA ALVA, Rui d’, Lenda e História de Santa Antonina de Seia, in Ilustração, a. 3, n. 67 (1 Out. 1928), p. 25 [publica fotografia da imagem de Santa Antonina existente na igreja da antiga colegiada de Santa Maria de Seia]; CABRAL, José da Serra [pseud. de Manuel Pinto da Costa Rebelo], Epitome, ou breve compendio da portentosa vida e illustre martyrio da sempre admiravel martyr de Christo, Sancta Antonia de Cêa, Coimbra, 1751; CASAL, Manuel da Mota Veiga, Lendas e Tradições: Santa Antonina, in Revista Altitude, a. 2, n. 7 (Jul. 1942), p. 215-220

ANTONINA DE SEIA, SANTA *Santa Antonina. ANTONINO, SANTO Também chamado Antoninho. São conhecidos mais de uma dezena de santos mártires homónimos. No entanto, Joseph Piel considera provável tratar-se de Santo Antonino de Apameia (Síria), cujo culto surge em Palência, durante o séc. XI, oriundo do Languedoque. Hagiotopónimos em Cabeceiras de Basto e Vila Verde (Braga) e Coruche (Santarém). Antoinha (Braga e Monção) e São Toinho (casal da freg. de Darque, Viana do Castelo) devem ser considerados hagiotopónimos derivados. ANTÓNIO DE LISBOA, SANTO (CA. 1190-13.6.1231) Fernando Martins de Bulhões, no século, e Arca do Testamento por antonomásia (Gregório IX). Natural de Lisboa. Também Santo António de Pádua. Venerado a 13 de Junho. Outro-

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Quadras alusivas aos dotes casamenteiros de Santo António Casa-me Santo António Já que és tão milagreiro Conhecido por toda a parte Por grande casamenteiro. Santo António é o santo Que mais pancada deve levar Por não fazer o milagre P’rás raparigas casar. Santo António é moço Santo António é frade. Para casar as moças Tem habilidade.

ra, a sua festa anual era acompanhada de feira na Praça da Figueira (Lisboa). Padroeiro dos merceeiros e animais. Protector das mercearias e das farmácias. Casamenteiro das moças e advogado das coisas perdidas. Apóstolo, teólogo, escritor, pregador, taumaturgo, santo (canonizado por Gregório IX, a 30 de Maio de 1232) e doutor da Igreja (proclamado em 16 de Janeiro de 1946, por Pio XII no breve Exulta Luisitania felix). Frequentou até aos 15 anos os estudos de Artes Liberais na escola catedralícia anexa à Sé em Lisboa. Cerca dos 20 anos juntou-se aos *Cónegos Regrantes, no mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa. Dois anos depois, transferir-se-ia para o *mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde aprofundou a sua formação, usufruindo da excepcional livraria monástica. Pelos anos de 1218 ou 1219, foi ordenado sacerdote, pelos Cónegos Regrantes, junto dos quais permaneceria até à sua adesão ao ideário dos frades menores, entre Abril e Agosto de 1220. No Outono desse ano dirige-se para Marrocos em missão apostólica. Daí passa à Sicília (1221) e, depois, à Itália e Sul da França (onde é conhecida a sua actividade de missionação dos cátaros ou albigenses, em Tolosa e na região de Albi). Em breve, havia de ser convocado por *São Francisco com a finalidade de ensinar Teologia aos frades da Ordem. No essencial, Santo António, «o mais importante au-

Sermão aos Peixes: pormenor de um fólio do Livro de Horas, dito de D. Manuel (1517).

tor da Pré-Escolástica fransciscana» expressará nos seus Sermões, tanto as directrizes do saber universitário, como as posições da mística especulativa coevas. A Santo António, além de imputada a capacidade de «encontrar coisas perdidas» (*achado), para cujo efeito se dizem os responsos adequados (engano no decurso de um *responso é ruim *agouro para a coisa ou pessoa responsada), são creditados diversos milagres, com abundante expressão iconográfica, a saber: Milagre Eucarístico (Bourges); Salvação do pai da forca; Sermão aos Peixes (Adriático); Milagre da bilha; Cura de um leproso; Ressuscitação de um morto; Colocação de um pé cortado. Em Vilarelho (Caminha) existem duas *alminhas (1804 e 1881) dedicadas a Santo António, ali considerado protector contra as moléstias do gado suíno e vacum. De resto, Santo António surge com uma certa frequência a acolitar Cristo, a Virgem do Rosário e *São Miguel nas alminhas. Em Lisboa, na noite do taumaturgo, as moças ou mulheres casadouras deitam uma clara de ovo (*ooscopia), ou chumbo derretido (*molibdomancia), num copo de água e, conforme os feitios que assumirem, assim será a profissão do futuro noivo (Alda Soromenho). Na Madeira, quando uma rapariga quer saber 315

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Responso a Santo António Milagroso, Santo António Amigo de Jesus Cristo, Confessor de S. Francisco, Pelo hábito que vestísteis, Pelo cordão que cingísteis, Pela missa que dixésteis, Pelo tempo que apregásteis, Pelo vosso tempo bendito, Livrásteis vosso pai De sete sentenças falsas, Livrai-me também a mim De todos os perigos, De má cão, de má cadela, De todo o bicho bravo Que anda à de cima da terra. As pernas lhes quebreis, Os olhos lhes cegueis, A boca lhes açaimeis, Para todo o sempre Ámen. Responso a Santo António (para encontrar objectos perdidos e solicitar protecção para os viajantes) Santo António se levantou, Suas santas mãos lavou, Seus sapatinhos calçou, Seu cajadinho pegou E a caminho se deitou. No meio do caminho Jesus Cristo encontrou. E ele lhe procurou: – Onde vais tu, António? – Eu, Senhor, convosco vou. – Tu comigo não irás. Nesta terra ficarás. Todas as coisas perdidas Tu as guardarás, [ var.: Quantas coisas se perderem, Quantas tu encontrarás] Para que não sejam encetadas, Nem de cão, nem de cadela, Nem de homem, nem de mulher, Nem do maior bicho Que neste mundo houver P. N. e A. M. ao milagroso Santo António. Responso a Santo António (Carviçais) Ó beato Santo António, Quando ao monte Tabor subiste, Por três vezes tu ouviste:

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«Volta atrás, ó António, Volta atrás, ó António, Volta atrás, ó António! Um santo tu encontrarás, Tu, António, lhe dirás: Que o perdido seja achado, O esquecido alembrado». O meu homem seja guardado, Que não seja reatado, Nem seu corpo maltratado. Guardai-mo, Santo António, De tudo quanto for mau, Como livraste vosso pai Das sete sentenças falsas. Padre-Nosso e Ave-Maria. (Em Lisboa, rezava-se 3 vezes, terminando: «Por alma do Pai e da Mãe de Santantoninho, sua tia e Madrinha Santa Patrocina. PN-AV) Responso a Santo António (Nagosa, Moimenta da Beira) Ó meu padre Santo António, Da glória sendes rei; Dendes a flor da palma, Alfensor da nossa Lei. Deixa de pregar António, Acode aqui de repente, Anda acudir a teu pai, Que morre no sentimento. – No sentimento num morre, Qu’el’aí nu’é culpado, Por achar um homem morto No seu quintal interrado. Eu vou-o fazer dezes Por a boca ò mesmo morto: «Alevanta-te, homem morto, Das partes do impotente [= omnipotente] Vem dizer quem te matou Diante de tanta gente». – Essi homem nu’me matou nem de mim teve sinais. Foram falsos testemunhos, Inimigos munto maus. O homem que me matou Na companhia luvais. Mandou dezer o Rei da Glória Que num despelique [explique] mais. (Diz o pai Santo): – Donde sois vós, ó meu frade, que me viestens liberar? Esta justiça que vedes Era pêra me matar.

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– Muito m’admir’à mim N~u me terem conhecido. Neste hábito estou metido: Sou Fernando, vosso filho. O meu nome era Fernando, Eu mudei-o pêra Antonho, Só a ver se me livrara Da tentação do Demonho. Ó meu pai do coração, Deite-me a sua bênção, Qu’eu p’ra Spadua quero ir Acabar o meu sermão. Responso a Santo António (Castanheira de Pera) Se milagres desejais Recorrei a Santo António Vereis fugir o demónio E as tentações infernais Pela sua intercessão Foge a peste, o erro, a morte, O fraco torna-se forte E torna o enfermo são Recupera-se o perdido Rompe-se a dura prisão E no auge do furacão Cede o mar embravecido Todos os males humanos Se moderam se retiram Digam-no aquele que o viram E digam-no os Paduanos Glória, etc. V – Rogai por nós, Bem-Aventurado Santo António R – Para que sejamos dignos das promessas Oremos: Ó Deus, nós vos suplicamos, alegre A vossa Igreja a solenidade votiva de Santo António Vosso confessor e Doutor, para que fortalecida, Sempre com os espirituais auxílios Mereça gozar os prazeres eternos, Por nosso Senhor Jesus Cristo Amen. Oração a Santo António (de um caderno pertencente a Lucinda Caratão Soromenho) Santo António esclarecido, cheio de luz divinal, entre os Santos escolhido, de Lisboa natural. Santa Ana pariu Maria, Maria a Jesus Cristo, assim como é verdade isto, Santo António, pedi, rogai e alcançai de Nosso Senhor Jesus Cristo para que oiça [pede-se o se quer]. Isto vos peço, meu rico Santo António Bendito, pelo hábito que vestiste, pelo cordão que cingiste, pelos 13 dias do vosso mês e pelas cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo que me expliqueis isto. Eu vos peço, meu rico Santo António, pela alma de vosso Pai e de vossa Santa Mãe e pela da vossa tia e madrinha Maria Dias. Tudo que vós lhe pedíeis ela vos fazia. P. N. e A. V. [torna-se a pedir o que se quer].

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Sermão aos peixes: pormenor da tábua da Charola de Tomar, atrib. a Gregório Lopes.

Ilustração de Sebastião Rodrigues (1953).

o nome do seu futuro marido, salta três vezes e em três direcções diferentes a fogueira de Santo António, deixando cair uma moeda no braseiro; no dia seguinte procurará a moeda entre as cinzas com o fito de a entregar ao primeiro pobre que encontrar, a quem perguntará o nome que pretende conhecer (*cravo, *fava). Antigamente, dizia-se que a 13 de Junho, era de bom *agouro as meninas solteiras darem três voltas à igreja do taumaturgo. No mesmo dia eram entregues ao santo petições, com toda a sorte de pedidos, mesmo ilícitas, que chegavam a ser redigidas em papel selado por escrivães públicos, instalados nas vizinhanças da sua igreja, em Lisboa; aí, no primeiro *altar, à esquerda de quem entra, existe um cofre destinado a receber tais petições. Em Valongo, as festividades em louvor de Santo António, também denominadas festa dos Almocreves, principiavam na véspera de São Pedro, atingindo o clímax no segundo domingo de Julho, com a *Bugiada (cf. Manuel Pinto, As Tradições mais relevantes no Concelho de Valongo, in Vallis Longus, n. 1 (1985), p. 33-35). O costume sacrílego de castigar Santo António, quando não faz o que lhe pedem (referido na Recreação Periódica do Cavaleiro de Oliveira) é, ainda, prática muito difundida. No Peral (Alcanena), quando o taumaturgo não realiza os pedidos dos fiéis, estes arremessam ao chão, três vezes, o menino Jesus e às vezes a própria imagem de Santo António. Um conto recolhido na freguesia de Vila Cova

(Esposende) por Manuel Boaventura, descreve como um rendeiro conseguiu obter o perdão das rendas, graças à invocação de Santo António (cf. Silvestre Matos Costa, Interpretação de um conto de Manuel de Boaventura: milagre de Santo António de Lisboa, in Bol. Cultural de Esposende, n. 11-12, 1987, p. 55-58). Na Pastoria (Chaves), quando uma porca está prenhe, a dona faz a seguinte promessa: «Ó meu Santo António bendito, se a minha porca não tiver perigo, nem ela nem os filhos, dou-te um porquinho»; uma vez desmamado, o bácoro fica destinado ao santo, pondo-se-lhe um guizo ao pescoço; quando o porco atinge um ano de idade, é vendido ou leiloado, revertendo o produto em benefício dele. Para provocar chuva uma imagem do santo é mergulhada em água (superstição condenada pelas Ordenações do Reino, confirmadas por *Dom João IV). Para fazer chover: Oração a Santo António (cf. Revista Municipal, v. 21, 1913, p. 72) e Responso a Santo António (idem, p. 73-74). Junto à EN 312, próximo da igreja de Boelhe (Penafiel, Porto), existiu até Março de 1965, um enorme penedo, denominado de Santo António, em cuja parte superior consta que existiam umas pegadas insculpidas (*podomorfo), certamente as do próprio taumaturgo. Em Lisboa, os rapazes armam tronos nas ruas e fazem peditório aos transeuntes. Guloseimas que se comem no dia da sua festa: caracoladas, fogaças. Expressão: «A 13 do mês de Junho, Santo António se demove, S. João a 24, e S. Pedro a 29». *Cordão de São Francisco, *manjerico, *oráculo amoroso, *trezena, *tríduo, *trono de Santo António. 319

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ANTÓNIO DE LISBOA, SANTO OBRA CAEIRO, Francisco da Gama (introd. e selecção) / REMA, H. Pinto (trad. e notas), Santo António de Lisboa, Lisboa, 1990; REMA, H. Pinto (introd. e notas), Santo António de Lisboa, Doutor Evangélico: sermões dominicais e festivos (bilingue), Porto, 1987 (2 vols.) EXPOSIÇÕES E ICONOGRAFIA ABREU, Alberto Nunes de (dir.), Santo António 800 anos: exposição teológico-pastoral (catálogo), Viana do Castelo, 1995 [descreve 200 objectos oriundos do distrito de Viana do Castelo]; AAVV, Bibliotheca Nacional de Lisboa: Exposição Antoniana, Lisboa, 1895; CHAVES, Luís, Para a Iconografia de Santo António de Lisboa, in Feira da Ladra, v. 4 (1932), p. 217-224; EXPOSIÇÃO Bibliográfica Antoniana, Estoril, 1960; FARDILHA, Joel, Iconografia de Santo António – catálogo da exposição, S. Pedro da Palhaça [Oliveira do Bairro], 1995; FERRÃO, Julieta, Exposição Iconográfica e Bibliográfica de Santo António de Lisboa (na Sé Patriarcal de Lisboa, 13 a 23 Jun. 1947), Lisboa, 1947; FIGUEIREDO, José de, Retratos (?) e imagens de Santo António, in Notícias Ilustrado (14 Jun. 1931); GORJÃO, Sérgio, Santo António em Óbidos: Introdução a um estudo de iconografia, Óbidos, Câmara Municipal, 1996; LIMA, Henrique Campos Ferreira de, Catálogo da Exposição Biblio-Iconográfica Antoniana (Assoc. dos Arqueólogos Portugueses, 1931), in Arqueologia e História, v. 10 (1932), p. 59-94; PEREIRA, Fernando António Baptista, Flores para Santo António: uma homenagem setubalense, Setúbal (13 Junho-9 Julho 1995); SANTOS, Júlio Eduardo dos, Santo António na literatura e na arte portuguesa, Lisboa, 1935; idem, Catálogo da Exposição Iconográfica e Bibliográfica de Santo António (Junta de Turismo da Costa do Sol), Estoril, 1963; SANTOS, Luís Reis, Santo António na Pintura Portuguesa do séc. XVI, Lisboa, 1945; idem, Painel Antoniano de Gregório Lopes na Misericórdia de Tomar, in Belas Artes, s. 2, n. 15 (1960); idem, Exposição Antoniana: iconográfica e bibliográfica (Museu Machado de Castro, 3-20 Dez. 1965), Coimbra, 1965 BIBLIOGRAFIA A., A. J. C., Verdadeira Relaçam do admirável prodígio que obrou na Villa de Merthola, o Glorioso Sto. António, na igreja dos religiosos Franciscanos da Província dos Algarves, sita na dita Villa: escripta por fiel e verdadeira informação, que o Religioso fidedigno da mesma Ordem escreveo a outro, ao Convento de Xabregas desta Cidade, Lisboa, 1753; AAVV, Santo António: o Santo do Menino Jesus, Lisboa, 1996; idem, Itinerarium, n. 27 (1981); idem, Colóquio Antoniano, Lisboa, 1982; AFONSO, Belarmino, Santo António de Lisboa na poesia e na religião transmontana, in Congresso Internacional – Pensamento e testemunho – 8º centenário do nascimento de Santo António, v. 2, Braga, 1996, p. 803-821; ANÓNIMO, Vida de Santo António de Lisboa [BN: cod. alc. 38, fl. 24-32v]; idem, Nova Relaçam do Grande e Notável Milagre Que fez o Gloriozissimo Santo António Por meyo de hua Bemdita Imagem chamada Vulgarmente do Pé da Forca, livrando a hum Barco de Pescadores de irem Cativos a Terra de Mouros. Succedeu o Referido em o dia 25 de Janeiro deste Presente Anno 1755, o dito Barco era de Porto Brandão, Lisboa [folheto de cordel; ACL: Papéis Vários, 21/12]; idem, Canção popular a Santo António, in Revista Municipal de Esposende, v. 12 (1897) [cantiga pedindo casamento e prometendo chamar António ao primeiro filho]; BARROS, Matias de, Comédias de Santo António de Portela Susã, in Cadernos Vianenses, t. 1 (1978), p. 158-180 [transcreve auto representado na sobredita localidade no 2º

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domingo de Agosto, até 1972 no mês de Junho]; BASTO, Teixeira, Notas etnográficas, in Anuário para o Estudo das Tradições Populares Portuguesas, v. 1 (1883), p. 24-32; idem, Santo António, in Revista Municipal de Barcelos, v. 1 (1886), p. 25-30 [quadras brejeiras alusivas ao taumaturgo e oração para propiciar casamento]; CAEIRO, Francisco da Gama, A ordenação sacerdotal de Santo António, in Itinerarium, n. 46 (1965), p. 444-460; idem, Introdução ao Estudo da Obra Antoniana, Lisboa, 1967; idem, A Espiritualidade Antoniana, Lisboa, 1969; CARVALHO, A. Pacheco de, Procissão de Elvas a Santo António, in Feira da Ladra, v. 3 (1931), p. 142-152; CHAVES, Luís, Os Santos Populares – Santo António e S. Pedro nas tradições populares, in Brotéria, v. 17 (1938), p. 171-182; idem, Santo António nas tradições dos portugueses, in Mensário das Casas do Povo, v. 7, n. 84 (1953), p. 5; FELGUEIRAS, Guilherme, Santo António através da etnografia, in Estremadura – Boletim da Junta de Província, n. 2 (1943), p 141-147; FONTE, Barroso da, Rezas e crendices e medicina popular em terras do Barroso, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 1 (1985), p. 95-119 [responsos]; FORTUNATO DE SÃO BOAVENTURA, Vida e Milagres de Santo António de Lisboa, obra de um autor Anonymo […] posta em linguagem e enriquecida de notas críticas por frei […], Coimbra, 1830; GUERRA, Maurício, Auto de Santo António, in Cenáculo, n. 72 (1980), p. 7-74 [auto representado na Portela de Susã]; idem, O Auto de Santo António – II. História e comentário, in Arquivo do Alto Minho, v. 27, tomo único (1982), p. 115-175; LANHAS, Fernando / BRANDÃO, Domingos de Pinho, Inventário de Objectos e Lugares com interesse arqueológico, in Revista de Etnografia, n. 8 (196?), p. 316-317, n. 24 e p. 318, n. 25; M., C., Próprio do tempo: Santo António de Lisboa, in Ilustração Moderna, v. 4, n. 34 (1929), p. 377-381 [orações e responsos]; MARTINS, Mário, O Livro dos Milagres de Santo António em Medievo-Português, in Brotéria, v. 71 (1960), p. 299-307 e Estudos de Cultura Medieval, v. 1, Braga, 1969, p. 217-227; idem, O Sermonário de Frei Paio de Coimbra no cod. alc. 5/CXXX, in Didaskalia, n. 3 (1973), p. 337-361; MARTINS, Valdemar, Santo António e o exército, in A Mosca (28 Mar. 1970); MATOSO, José, Orientações da cultura portuguesa no princípio do século XIII, in Estudos Medievais, v. 1, Porto, 1981, p. 25-38; MATTOS, Armando de, Santo António de Lisboa na tradição popular (subsídio etnográfico), Porto, 1937; MAURÍCIO, Domingos, O município de Lisboa e o culto de Santo António no século XV, in Brotéria, v. 18 (1934), p. 387-396; MOURINHO, Padre António, Santo António: guia, filósofo e moralista do povo Português, in Mensário das Casas do Povo, v. 7, n. 84 (1953), p. 3-4; PACHECO, Maria Cândida Monteiro, Santo António de Lisboa: a águia e a treva, Lisboa, 1986; PEREIRA, Marcelino Dias, A Romaria de Santo António em Palmeira, in Boletim Cultural de Esposende, n. 3 (1983), p. 29-34; n. 4 (1983), p. 33-38; n. 6 (1984), p. 5863; ROSA, José António Pinheiro e, Algarve de Santo António: comemoração do 8º centenário do seu nascimento, Faro, Delegação Regional da Cultura do Algarve, 1995; SILVA, Carlos Henrique do Carmo, O simbolismo da «nuvem» e a doutrina mística Antoniana: o tempo diferencial do «assombramento», in Colóquio Antoniano, Lisboa, Junho 1982, p. 155-194; VALDEZ, Nuno, Santo António militar de Lagos, in Diário Popular (13 Jun. 1963); VASCONCELOS, J. Leite de, Santo António na tradição popular portuguesa (programa), in Revista Lusitana, v. 33, n. 1-4 (1935), p. 305-307

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ANTROPOFAGIA ANTÓNIO, MANUEL *Saludador que via em água (*hidromancia) para diagnosticar e curar enfermidades, bem como para praticar adivinhações, entre as quais determinar o sexo do feto [ANTT: Inq. Évora, proc. n. 7586, fl. 1v e 6v]. ANTÓNIO DE NOTO, SANTO († 1549) Nascido em África, de pais muçulmanos e feito cativo, foi levado para Noto (Sicília) onde havia de ser vendido a um certo Giovanni Lavandula, tornando-se pastor. Baptizado por iniciativa própria, revelar-se-ia exemplar na prática das virtudes cristãs. Uma vez liberto, consagrou-se à vida religiosa e às obras de caridade, como terceiro franciscano. Muitos anos depois de sepultado na igreja de Santa Maria de Jesus, em Noto, o seu corpo mantinha-se incorrupto. À semelhança do que aconteceu com os santos pretos *Benedito, *Elesbão, *Efigénia e *Rosa Maria Egipcíaca, a população de origem africana teve um papel crucial na difusão do seu culto no Brasil, no século XVIII, designadamente em Minas Gerais (confrarias de escravos e escravos libertos) e no Rio de Janeiro, onde é objecto de uma veneração especial na igreja de Nossa Senhora da Anunciação da Penha. Também Santo António Catigeró, outro dos nomes por que é conhecido, corruptela de Cataljirona (cidade siciliana). ANTÓNIO DOS PRAZERES, FREI Franciscano professo no *convento do Varatojo. Molinista (*molinismo) e quietista (*quietismo). Por ordem da Real Mesa Censória, de 6 de Abril de 1769, foi intimado a entregar todos os exemplares da obra Máximas Espirituais, impressa em duas edições (Lisboa Ocidental, 1737 e 1740), a segunda das quais «com acrescentamento», porquanto, sem aparente conhecimento do autor (*Frei Afonso dos Prazeres), se introduzira «o perniciosíssimo erro das violências diabólicas nos actos externos da sensualidade». ANTRAZ Na Madeira, trata-se com aplicações de uma papa de *limão assado (Citrus limonium vul-

gare) ou com sopas de miolo de pão em leite fervente. ANTROPOFAGIA Do grego, ingestão de carne humana. O mesmo que canibalismo, termo originado após a primeira viagem de *Cristóbal Colón à *América, quando o navegador soube que os caribes ou cariba (que por equívoco entendeu caniba) comiam os prisioneiros. A antropofagia terá, eventualmente começado como um acto de apropriação da força física e anímica do defunto. Em Portugal, subsistem vestígios de ritos antropofágicos em estações arqueológicas pré e proto-históricas, associados, designadamente a calotes cranianas e ossos longos. Nery Delgado demonstrou, em 1880, que durante o Neolítico a gruta da Furninha (Peniche) foi palco de canibalismo, tendo contabilizado os remanescentes de 45 indivíduos, dispostos como se se tratasse de restos de um repasto: ossos quebrados e fendidos de molde a poder-se extrair deles o tutano; crâneos quebrados intencionalmente; ossos expostos ao fogo, etc. Durante a Idade Média muitos feiticeiros foram acusados da prática de canibalismo. A antropofagia ritual visa potenciar as qualidades materiais e espirituais do indivíduo ou da comunidade que se apodera do cadáver de um herói vencido, cuja força física e psíquica são absorvidas com vista à obtenção de um espírito protector. Desde os primórdios da colonização do Brasil que os rituais antropofágicos dos diversos grupos indígenas contactados pelos colonos ocuparam um espaço considerável nas narrativas sobre os costumes dos povos autóctones e o interminável ciclo de conflito armado, motivado pela vingança, no entendimento dos autores europeus. Entre os grupos tupi, a vingança podia ser consumada tanto no campo de batalha, mediante a morte do inimigo durante a refrega, como mediante a sua captura. O processo culminava numa elaborada cerimónia, aglutinadora de aliados e parentes, durante a qual os cativos eram ritualmente mortos e manducados. O canibalismo dos nativos brasileiros foi severamente censurado pelos jesuítas e, depois, reprimido 321

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ANTROPOMANCIA pelo governador Mem de Sá, que decretou a imposição da escravidão aos grupos acusados de antropofagia, argumento que viria a servir de pretexto para justificar actos hostis cometidos pelos colonos mesmo sobre comunidades indígenas que não praticavam rituais antropofágicos, como se verificou no Maranhão, durante o séc. XVII. ANTROPOMANCIA Adivinhação pelo exame das vísceras de seres humanos esventrados. Praticada pelos *Lusitanos. ANTROPOMORFO António Martinho Baptista sublinha a «presença antropomorfizante» comum a todos os monumentos megalíticos decorados, designadamente, no ortóstato da cabeceira das antas, ou nos imediatamente contíguos. Na *arte megalítica a inscultura antropomórfica não é tão frequente quanto a pintura. Ao invés, a gravura é predominante em abrigos, penedos e afloramentos ao ar livre. No concernente às estátuas-menir e às estelas antropomorfas, torna-se evidente o motivo da nomenclatura adoptada para as nomear. Tipologicamente, os antropomorfos podem assumir as seguintes modalidades principais: A. Convencional: regra geral de pequena dimensão, repetida e enquadrada por outros motivos, achando-se preferencialmente representada no lado esquerdo da câmara (Padrão e Antelas); B. *Pele esticada de animal (*esqueuomorfo de pele de Shee Twohig): sempre re-

Par de antropomorfos de Fratel (Vale do Tejo).

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Pormenor dos antropomorfos pintados num abrigo rupestre sob o castelo templário de Penas Róias (Mogadouro).

Antropomorfos de Tripe (Chaves) e da Serra do Socorro (Mafra).

presentada a vermelho; interpreto-a como representação do *voo do xamã, razão porque a incluo aqui; C. Antropomorfos em fi simples: Cachão da Rapa, Penas Róias, Pala Pinta, Serra de Passos, Tripe e Gião 1; D. Antropomorfos em fi com toucado: Penas Róias, Serra de Passos, Tripe; E. Arboriformes e Ramiformes (traço rectilíneo vertical ou horizontal, cruzado transversalmente por número indeterminado de traços rectos): Lapa dos Coelhos, dólmen da *Cota, abrigos da *Pala Pinta, Esperança, *Serra de Passos (Mirandela), etc.; F. Casal (o homem, muitas vezes ictifálico, associado a um antropomorfo feminino) decerto relacionado com ritos sexuais e a procriação: Pedra dos Mouros (Belas); G. Antropomorfos femininos; H. Antropomorfos ictifálicos.

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Antropomorfos do Vale do Tejo.

Decalque das insculturas de Valdejunco, segundo Henri Breuil.

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Guia Antropomorfos esquemáticos pintados em abrigos rupestres ABRIGO DO CAVALEIRO (Arronches); ABRIGO DA FAIA 3 (Côa); ABRIGO PINHO MONTEIRO (Arronches): antropomorfo ictifálico; ABRIGO DAS PINTURAS (Castro Laboreiro, Melgaço); LAPA DA MOURA (Colmeais, Monsanto); PALA PINTA (Alijó); PENAS RÓIAS (Mogadouro, Bragança); VALE DO LAPEDO I (Zibreira, Torres Novas): um dos dois antropomorfos é ictifálico Antropomorfos em gruta ESCOURAL (Montemor): antropomorfo com cabeça e pescoço de ave Antropomorfos femininos BOUÇA DO COLADO (serra Amarela, Lindoso, Ponte da Barca); CHÃ DA RAPADA (Ponte da Barca): antropomorfo com representação de dedos, na rocha 6A; PEDRA LETREIRA (Amieiros, Álvares, Góis, Coimbra); etc. Antropomorfos em antas ANTELAS (Oliveira de Frades); ARQUINHA DA MOURA (Tondela): pele esticada de animal, em posição de destaque na ortóstato da cabeceira, e um ictifálico no segundo esteio do lado esquerdo da câmara; CARVALHAL DO FIAL (Tondela); CHÃ DE PARADA 1 (serra da Aboboreira): face oculada no esteio à direita do ortóstato da cabeceira; FOJINHO (Queiriga, Vila Nova de Paiva, Viseu); FORLES (Queiriga, Vila Nova de Paiva, Viseu); JUNCAIS (Vila Nova de Paiva): pele esticada de animal, no ortóstato da cabeceira; LUBAGUEIRA 4 (Viseu): pele esticada de animal; PADRÃO (Vandoma, Paredes); PEDRA DOS MOUROS (Belas, Lisboa): casal; TANQUE (Sátão): único caso conhecido de duplicação da pele esticada de animal; VILARINHO DA CASTANHEIRA (Carrazeda de Ansiães): pele esticada de animal na parte superior do ortóstato da cabeceira; ZEDES (Carrazeda de Ansiães); etc. Antropomorfos em menires ÁGUA DE CUBA (Marvão, Portalegre): inscultura; etc. Antropomorfos em estelas A-DE-MOURA (Tapada, Santana da Azinha, Guarda): estela-menir antropomórfica ictifálica; ALIVIADA 1 (Escariz, Arouca, Aveiro): um dos esteios desta anta tem sido considerado estela-menir antropomórfica, representando uma divindade feminina; BOUÇA (Mirandela): ictifálico; etc. Antropomorfos em penedos e afloramentos ALAGADOURO – Rocha 60 (Vale do Tejo): inscultura figurando um par de veados observados por um antropomorfo; ALMOINHA (Brotas, Mora): trinta e cinco figurações esquemáticas (cruciformes); BOTELHINHA (Alijó, Vila Real); CACHÃO DO ALGARVE – Rocha 65 (Vale do Tejo): pele esticada de animal, enquadrada por dois círculos concêntricos; CHÃ DA RAPADA (Ponte da Barca): diversos antropomorfos esquemáticos, ictifálicos, um orante (braços erguidos) e outro em fi, nas rochas 5 e 6A; CONTRA-EMBALSE 31 (Algodres): uma dezena de antropomorfos esquemáticos pintados a vermelho; FRATEL (Vila Velha Ródão): antropomorfo com cabeça e pescoço de ave; GANDARA DA SEIXA (Viseu); GIÃO 1 (Arcos de Valdevez); PENEDO DAS FERRADURAS (Oliveira de Frades); PENEDO GORDO (Idanha-a-Velha); PENEDO DE VALE DE FIGUEIRA (Idanha-a-Velha); RIBEIRA DE PISCOS (Côa): inscultura ictifálica; SÃO MIGUEL DO OUTEIRO (Tondela); etc.

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ANTUNES, JOÃO BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, D. Fernando de / FERREIRA, O. da Veiga, Descoberta das primeiras insculturas com figuração humana estilizada nos arredores de Idanha-a-Velha, in Lucerna, v. 5 (Actas do IV Colóquio Portuense de Arqueologia, 1965), Porto, 1966, p. 425-433; BAPTISTA, António Martinho, Arte megalítica no Planalto de Castro Laboreiro (Melgaço, Portugal e Ourense, Galiza), in Brigantium, v. 10 (1977), p. 191-216; BEUIL, Henri, Quelques observations sur les peintures schématiques de la Péninsule Ibérique, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 255-263; BRIARD, J. / DUVAL, A., Les représentations Humaines du Néolithique à l’Âge du Fer, Paris, 1993; BUENO RAMIREZ, P. / BALBÍN BEHRMANN, R. de, El papel del elemento antropomorfo en el arte megalítico ibérico, in Revue Archéologique Ouest, suplemento n. 8 (1996), p. 41-64; CHAVES, Luís, As figuras humanas na arte neolítica e eneolítica de Espanha e Portugal, in Brotéria, v. 14, n. 4 (1932), p. 253-254; FERREIRA, J. Bethencourt, Sur l’interpretation de la figure humaine dans les peintures et sculptures rupestres, in Bulletin de la Société des Sciences Naturelles, v. 15, n. 6 (1945); GIRÃO, A. de Amorim, Arte Rupestre em Portugal (Beira Alta), in Biblos, v. 1, n. 3 (Mar. 1925), p. 91-93; GOMES, Mário Varela, Estátuas-menires antropomórficas do Alto-Alentejo: descobertas recentes e problemática, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 255-279; JORGE, Vítor Oliveira, Em torno da Arte megalítica: revisitando uma visão de 1981, in Portugália, nova série, v. 17-18 (1996-1997), p. 59-61; JORGE, Vítor Oliveira, Questões de interpretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47-65; JORGE, Vítor Oliveira, A propósito da Arte megalítica do NW peninsular, in Arkeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Pré-História Europeia – 1998), Tomar, 1999, p. 109-127; JORGE, Vítor Oliveira / JORGE, Susana Oliveira, Figurations humaines préhistoriques du Portugal: dolmens ornés, abris peints, rochers gravés, statues-menhirs, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 2, v. 8 (1991), p. 341-384; LOURENZO-RUZA, R. Sobrino, Las representaciones antropomorfas de los petroglifos, en la costa atlantica euro-africana, in Zephyrus, v. 6 (1955), p. 5-16; SILVA, Eduardo Jorge L. da, Représentations Humaines sur deux Monuments Mégalithiques de la Région Nord du Portugal, in 115e Congrès National de la Societé des Savants (Avignon, 1990), Paris, 1993, p. 21-27

ANTROPOSOFISMO *Rudolf Steiner. ANTUÃ *Anta. ANTUNES, ANA Saíu penitenciada no *auto-da-fé da Inquisição de Coimbra, de 18 de Junho de 1656, por culpas de feitiçaria e presunção de pacto com o *diabo (cf. Adolfo Coelho, Crenças e costumes populares). ANTUNES, JOÃO (1885-1956) Advogado, professor do ensino secundário e um dos principais impulsionadores e divulga-

João Antunes, um dos mais activos e insignes teosofistas portugueses do século XX.

dores do ideal teosófico em Portugal. Foi o primeiro Secretário-Geral (triénio 1921 a 1924) da Sociedade Teosófica de Portugal. Dinamizador da Colecção Teosófica e Esotérica e da Biblioteca do Teosofista, editadas pela Clássica Editora, no período entre 1915 e 1919. Director das Revistas Isis (até ao v. 2, inclusive) e Eleusis (lançada em 1927, com 11 números publicados). O jornal O Século inseriu na sua edição de 4 de Julho de 1914 uma entrevista onde, acerca do *ocultismo, tece algumas considerações de indiscutível interesse. OBRA Psicologia Experimental, Lisboa, 1912 [reed.: 1917 e 1926]; O Hipnotismo e a Sugestão, Lisboa, 1912 [reed.: 1917 e 1924]; A Hipnologia Transcendental, Lisboa, 1913 [reed.: 1924]; O Espiritismo, Lisboa, 1914 [reed.: 1921]; As Ciências Malditas, Lisboa, 1914 [reed.: 1924]; O Ocultismo e a Ciência Contemporânea, Lisboa, 1914 [reed.: 1922]; A Teosofia, Lisboa, 1915; A Biocultura. A Psicoterapia. O Magnetismo Psíquico, Lisboa, 1917 [sob o pseud. Schwartz Roemer]; Oedipus (História e Filosofia do Hermetismo), Lisboa, 1917; A Maçonaria Iniciática, Lisboa, 1918; O Neo-Platonismo Alexandrino, in Isis, v. 1, n. 1 (1921), p. 7-12; O Mito do Genesis, in Isis, v. 1, n. 2 (1921), p. 33-37; Kronos: estudo sintético de um problema das origens, in Isis, v. 1, n. 3-4 (1921), p. 84-92; O problema do «Amor» no medievalismo provençal, in Isis, v. 1, n. 6-7 (1921), p. 162-166; As Humanidades Antigas, in Isis, v. 1, n. 8 (1921), p. 225-228; Dr. Mário Roso de Luna, in Isis, v. 1, n. 9-

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ANTUNES, MARIA -10 (1921), p. 266-267; Sinos de uma aldeia Vizinha: notas sobre uma corrente esotérica contemporânea, in Isis, v. 1, n. 9-10 (1921), p. 300-303; Dante, in Isis, v. 1, n. 11-12 (1921), p. 338-340; No Campo das Hipóteses, in Isis, v. 1, n. 11-12 (1921), p. 357-359; Solemnia Verba, in Isis, v. 2, n. 3-4 (1922), p. 65-71; Terras de Santo Graal, in Isis, v. 2, n. 9-10 (1923), p. 225-228; A Teosofia e o Neo-Espiritualismo perante a Crítica, in Isis, v. 2 (Set.-Out. 1923), p. 279 e 302 [artigo de desagravo ao ataque contra a Teosofia desferido pelo Engenheiro Fernando de Sousa (A Época, 13 e 14 Mai. 1923)]; Um problema agiográfico: Buda em altares cristãos sob o nome de S. Josafat – H. P. Blavatsky e Diogo do Couto, in Isis, v. 4, n. 2-3 (1925), p. 29; n. 4 (1925), p. 85-88; n. 5 (1925), p. 113-117; O Problema Colombino, in Eleusis, v. 1, n. 1 (Jan. 1927); n. 2 (Fev. 1927), p. 50-54; A Sciência Misteriosa de Egípcios e de Hebreus, in Eleusis, v. 1, n. 2 (Fev. 1927), p. 33-38; Exemplo de Calamidades humanas – versão portuguesa do Exemplar Humanae vitae do Luso Hebreu Gabriel-Uriel da Costa, in Eleusis, v. 1, n. 3 (Mar. 1927), p. 65-76; colaboração na Revista Eleusis (1927-1928)

ANTUNES, MARIA 1. Cristã-nova, casada com Pedro Simões e moradora em Cabreira (Cadafoz, Góis). Penitenciada, por *feiticeira, no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 11 de Outubro de 1639, com pena de três anos para o couto de Castro Marim (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). 2. Saíu no *auto-da-fé de Coimbra, de 14 de Julho de 1699, por culpas de feitiçaria. 3. *Beata, degredada para o Brasil, no auto-de-fé de 15 de Dezembro de 1658 [ANTT: Inq. Lisboa, ms. livraria n. 959]. ANUÇAR O mesmo que *enguiçar. Passar uma perna por cima de alguém faz que fique anuçado e não cresça. Ao que passa por cima chama-se *salvador. ANUNCIAÇÃO A MARIA Episódio narrado no evangelho de *São Lucas (I, 26-38), cuja expressão iconográfica mais frequente teve por fonte as Meditações da Vida de Cristo do pseudo-Boaventura: *São Gabriel visita Maria, ajoelhando diante dela. Traz na mão um *lírio branco, alusão à pureza da Virgem, dirigindo-se-lhe com a saudação Ave Gracia plena Dominus tecum e informando-a que havia sido escolhida para conceber e dar à luz o *Messias. Respondendo à inquietude (conturbatio) 326

Anunciação a Maria: gravura do Espelho de perfeição em língua portuguiesa (Coimbra, 1533), trad. por Frei Bras de Barros

da Virgem, o *arcanjo diz-lhe que o *Espírito Santo, materializado numa *pomba para a qual aponta, descerá sobre ela. Maria responde-lhe submissa (humiliatio): Ecce Ancilla Domini. A iconografia da Anunciação a Maria (comemorada no dia 25 de Março, alegadamente o mesmo da *criação do Mundo) figura a *Virgem: A. orando; B. lendo, provavelmente, o texto premonitório do profeta Isaías (VII, 14): «Por isso, o mesmo Senhor por sua conta e risco vos dará um sinal. Olhai: eis que a Virgem concebeu e dará à luz um filho, a que chamará Emanuel»; C. costurando (ou fiando) o véu para o Templo (cf. Evangelho – *apócrifo – de Santiago). Regra geral, a cena, repleta de adereços simbólicos, decorre num aposento áulico, com explícitos referenciais à arquitectura clássica e sumptuosamente mobilado (domus aurea ou *tabernáculo), por vezes, numa antecâmara da câmara do leito. Em primeiro plano, destaca-se o vaso do lírio, metáfora da Virgem enquanto

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ANUNCIAÇÃO AOS PASTORES receptáculo imaculado em que encarnou o *Salvador, evocando, também, a tradição (sustentada, entre inúmeros outros, por *São Bernardo), de que a Anunciação ocorreu durante a Primavera. Na igreja de Carrazeda de Montenegro (Valpaços) observa-se uma Anunciação românica, cuja inspiração tem sido creditada à oficina de Santiago de Compostela (cf. Ferreira de Almeida, 1986, p. 160); também românicas as estátuas-coluna dos pórticos das igrejas de Bravães e de Rubiães. Na Anunciação, atribuída a Vasco Fernandes, do retábulo da capela-mor da Sé de Lamego, observa-se num medalhão na parede do fundo, *Eva segurando uma *maçã com a mão esquerda, simbolizando desse modo a mulher pecadora, redimida pela Ave (*Paracleto), para a qual aponta com a mão direita. Anunciações figurando o Verbo feito carne: sob a forma da alma nua e nimbada do *Menino Jesus, engatinhando para o seio de Maria no interior de uma *vesica piscis que lhe toca nos lábios (lápide sepulcral de bronze de Frei Estêvão Vasques Pimentel († 1336), em Leça do Balio); o Padre Eterno cercado por dois anjos emite para a cabeça de Maria um feixe de raios luminosos onde se observa a figura nua do Menino, gorducho de braços lançados para diante (sarcófago, da 1ª metade séc. XVI, de D. Afonso Sanches, no Mosteiro de Sta Clara, de Vila do Conde). Quadra alusiva à *Imaculada Conceição de *Maria (muito popular em Portugal e no Brasil): «No ventre da Virgem Mãe / Encarnou divina graça: / Entrou e saiu por ela / Como o sol pela vidraça». *Açúcena, *encarnação, *Eva, *Ó, *Paracleto, *virgindade de Maria. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, C. A. Ferreira de, A Anunciação na Arte Medieval em Portugal: estudo iconográfico, Porto, 1983; AZEVEDO, Narciso de, Origem Medieval duma quadra popular, in Prometeu (1947), p. 50-62; CASIMIRO, Luís Alberto Esteves dos Santos, A Pintura da Anunciação do Museu de Lamego: contributos para o estudo do painel Anunciação de Vasco Fernandes, do acervo do Museu de Lamego, in Museu, s. 4, n. 8 (1999), p. 9-57; idem, Aspectos desconhecidos das pinturas portuguesas do Renascimento, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 1, v. 4 (2005), p. 193-213; CORREIA, Alberto, O Mistério Figurado: análise de uma «Anunciação» do Museu de Grão Vasco, in Beira Alta, v. 53, n. 1-2 (1994), p. 109-120; CORREIA, Virgílio, Uma Anunciação, in Arte e Arqueologia, a. 1, n. 2 (1930), p. 105-106; FIALHO, Madalena da Câma-

ra, A «Anunciação» de Agostinho Massucci e as obras com ela relacionadas, in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, v. 2, n. 2 (1951), p. 22-32; GONÇALVES, Flávio, Representações antropomórficas da alma na arte portuguesa dos séculos XII a XVI, in Brotéria, v. 46, n. 4 (1948), p . 442-458; GOTTLIEB, Carla, Disguised symbolism in the Gulbenkian «Annunciation», in Colóquio-Artes, s. 2, a. 19, n. 32 (Abr. 1977), p. 24-33; LIMA, Fernando de Castro Pires de, «No Ventre da Virgem Mãe» (nótula etnográfica), in Brasília, v. 2 (1943); MARTINS, Mário, «No seio da Virgem-Mãe», in Brotéria, v. 123, n. 6 (Dez. 1986), p. 519-524; MATTOS, Armando de, Glória in Excelsis Deo, in Lusíada, v. 1, n. 3 (1953); PINTO, Américo Cortez / MOSER, Fernando de Mello, Da Literatura Patrística à Linguagem Popular: «emprenhar pelos ouvidos» e «como o sol pela vidraça», in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 13 (1978), p. 725-740; QUEIROZ, Francisco de, De Gratia Plena: divagações sobre um tema plástico, in Revista Estudos (1950); SERRÃO, Vítor, Baixo-relevo tardo-renascentista da igreja de Rio de Mouro, in Sintria, v. 1-2 (1982-1983), p. 561-618 [estuda uma escultura quinhentista, iconografando a Anunciação a Maria, embebida na parede esquerda da capela-mor]; SOBRAL, Luís de Moura, A Anunciação na pintura portuguesa da Contra-Reforma: doutrina, tradição e agudeza, in A Pintura Maneirista em Portugal: arte no tempo de Camões, Lisboa, 1995, p. 106-113; VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de / VASCONCELOS, J. Leite de / BASTO, Cláudio, No seio da Virgem-Mãe: considerações sobre a história de uma quadra popular, Viana do Castelo, 1922

ANUNCIAÇÃO A ZACARIAS Lucas (I, 11-20) descreve a anunciação a Zacarias, sumo-sacerdote do Templo de Jerusalém e pai de *São João Baptista, segundo uma arquitectura idêntica à de outras anunciações: *Agar (Genesis, XVI, 7-12); Moisés (Êxodo, III, 1-12); pais de Sansão (Josué, XIII, 3-22); Pastores (Lucas, II, 9-12). Perturbado, em consequência da manifestação inesperada do anjo do Senhor, escuta, atemorizado, a mensagem que ele lhe transmite e duvida dela: «Como saberei isto? Pois eu já sou velho e minha mulher avançada em idade». Em resultado da sua descrença, *São Gabriel marca-o com um sinal: ficará mudo, «até ao dia que estas coisas aconteçam». A Igreja celebra a Anunciação a Zacarias a 18 de Novembro. ANUNCIAÇÃO AOS PASTORES /1 De acordo com a tradição apócrifa, o Anúncio aos pastores é concomitante com a *Natividade, motivo por que, amiúde, surge iconografado no fundo das composições dedicadas ao nascimento de *Jesus no *Presépio de Belém. No Livro de Horas dito de D. Duarte, por 327

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ANÚNCIO BOM exemplo, ocorre autonomizado. A presença dos pastores à porta do estábulo estabelece a transição da Natividade ao Presépio, no âmbito da qual se assiste, por vezes, a uma autêntica adoração dos anjos (polípticos do Museu Dom Lopo de Sousa, em Abrantes, e igreja do convento de Ferreirim), antecipando o acto adorador dos humildes.

Anúncio Bom: escultura de João José Aguiar.

Anúncio aos pastores: iluminura quatrocentista [BPMP: ms. 622]. BIBLIOGRAFIA PEREIRA, Fernando António Baptista / FALCÃO, José António, Pintura Maneirista do Distrito de Setúbal I. Duas Adorações da igreja matriz de Santiago do Cacém, atribuídas a José de Escovar, in Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, s. 2, v. 2 (1988), p. 165-186

ANÚNCIO BOM Título de uma das estátuas alegóricas (1821) de João José de Aguiar, patente no *Palácio da Ajuda. Representa uma figura apolínea, acompanhada por um ganso, ostentando uma estrela na mão direita erguida. A alegoria intitulada Bom Augúrio da Iconologia (Pádua, 1611) de *Cesare Ripa serviu de fonte de inspiração ao escultor. 328

Bom Augúrio de Cesare Ripa.

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APARECIDA ÂNUS Na *assembleia das bruxas (*sabat), todas beijam o ânus do *diabo, conforme uma crença popular mais ou menos generalizada. Quando as bruxas se levantam durante a noite e não querem que os maridos dêem por isso, dizem em Canas: «Eu te benzo por dentro e por fora, / Com as fraldas do meu cu, / Para que do primeiro sono não acordes tu!». Também os templários foram acusados de tal gesto nas cerimónias de recepção dos novos cavaleiros. Locuções: Nada tem a ver o cú com as calças; Quem tem cú tem medo; Voltar o traseiro contra o nevoeiro (cf. Tradições Populares Portuguesas, p. 48); Beija-me o cú (insulto). BIBLIOGRAFIA GIL, Carlos, O «Ânus» da Sé Catedral, in Praça Velha, s. 1, a. 5, n. 12 (2002), p. 61-62

ANUSIM Baptismo à força. Em Portugal, os judeus foram compelidos a abjurar a crença judaica no ano de 1497. *Apostasiar. ANZAR Em Cinfães, para o talhar o anzar, a benzedeira molha um ramo de *funcho em água fria, aspergindo com ele o doente, após o que queima o ramo. AO SOPÉ Denominação do vento Leste, canalizado pelo vale profundo do Douro, em Baião, Marco de Canavezes, Sinfães e Castelo de Paiva. APALPAR *Tacto. *Cinco sentidos. APANTOMANCIA Adivinhação baseada na aparição súbita e inesperada de pessoas, animais ou objectos. APARECIDA Invocação mariana, também denominada da Aparecida. A sua mais célebre epifânia em território nacional, ocorreu sobre um penedo do monte do Crasto, nas imediações da localidade de Balugães (Barcelos), a um pastor, a quem

Nossa Senhora da Aparecida de Guaratinguetá: rótulo de Vinho do Porto da marca J. T. Pinto Vasconcelos, Lda.

chamavam João Mudo, descrito pelo pároco local, Custódio Gomes Ferreira, nas Memórias Paroquiais, como «um mentecapto, falto de entendimento, quo ad actum, e se algumas palavras dizia, as dizia por um modo pouco ou nada inteligível». Em suma, certo dia do ano de 1702, o jovem deu a entender ao pai e a alguns vizinhos que a Virgem lhe aparecera, o que não mereceu a atenção de ninguém, até ocorrerem na freguesia certos casos tidos por milagrosos, bem como se ter começado a sentir um aroma perfumado no exacto local onde João Mudo asseverava que tinha visto a Senhora. Convencido, o pai, o pedreiro André Alves, edificou nesse sítio uma ermidinha em pedra, onde seria colocada uma imagem oferecida por «uma devota matrona bracarense». Substituída a ermidinha por uma capela, inaugurada em Novembro de 1704, cuja cabeceira assenta sobre as lajes de granito onde a epifânia terá ocorrido, as quais formam um pequeno túnel natural, passagem estreita que obriga os romeiros a percorrê-la acocorados, «[...] outra nobre senhora de Barcelos, chamada Dona Antónia, julgando que a imagem [existente] era muito pequenina, mandou fazer à cidade do Porto outra imagem de excelente escultura de madeira, ricamente estofada, que tem quase quatro palmos em alto» (Santuário Mariano, v. 4, 1712, p. 222). 329

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APARIÇÃO A devoção implantou-se rapidamente, chegando ao conhecimento do então bispo de Braga, Dom Rodrigo de Moura Teles, o qual, em 1707, nomeou João Mudo, que «com ciência do Céu já sabia ajudar às missas» (Santuário Mariano, idem, p. 223), ermitão da Senhora Aparecida. O mesmo prelado patrocinaria a construção (1707-1720) do actual edifício principal do santuário, custeado pelas esmolas dos devotos e por avultado legado do abade de Balugães, Francisco Teixeira Tinoco. O vidente não chegaria a vê-lo concluído, pois havia de falecer a 26 de Setembro de 1710, com 27 anos de idade. Estabelecido o dia da Assunção (15 de Agosto) como data de romaria anual, o movimento de romeiros assistiria a um continuado crescimento. A partir do séc. XIX, os leigos passariam a ocupar papel preponderante na organização dos festejos, circunstância que propiciaria a transformação do terreiro da romaria «em terreiro do diabo», no dizer de Bartolomeu Ribeiro. Assim, durante a década de 1930, no âmbito do movimento pastoral de recristianização das romarias, os padres Bartolomeu Ribeiro e José Cunha Portugal começaram a operar a «transformação da romaria de Balugães em peregrinação de piedosos devotos da Senhora Aparecida», interditando desde logo o carácter agonístico dos festejos («noitadas de fogo, bandas de música, grande e vistoso arraial»). O passo decisivo com vista à consolidação das reformas aconteceu em 1946, ano em que foi constituída a Confraria de Nossa Senhora Aparecida, entidade que ainda hoje administra o santuário ao qual ocorrem durante a procissão-peregrinação anual cerca de 50 mil peregrinos. A 14 de Agosto realiza-se uma procissão de velas muito participada, porém, a maior afluência regista-se no dia 15. A coreografia do cortejo começa a ganhar forma pela manhã, junto à capela de São Bento, na base do monte, onde desde a véspera se acham as imagens de João Mudo e da Senhora Aparecida. A procissão demora aproximadamente duas horas a alcançar o topo do monte Crasto, avançando a um ritmo extremamente lento, interrompida por longas e penosas paragens, 330

que podem ser interpretadas como um exercício ritual de interiorização do sacrifício do Calvário. Após a celebração da missa no adro do santuário, o andor da Senhora regressa ao templo, circundando a capela do local da aparição, entre vivas, lágrimas e acenos de lenços brancos (procissão do adeus), permanecendo em exposição na nave. Junto a ele, um escuteiro a quem muitas pessoas entregam um lenço, devolve-o ao romeiro que lho entregou, depois de ter tocado com ele a imagem de João Mudo. Assim impregnado com o suor ou o calor do santinho, os devotos passam os lenços pelos rostos, pelos cabelos, pelo peito, com gestos lentos enquanto murmuram preces e orações. Deitam, depois, esmolas numa caixa azul com duas ranhuras, destinadas uma ao vidente e outra à Virgem. Como recordação levam bandeiras de papel com os versos impressos do Hino da Senhora Aparecida (da autoria do padre José Cunha Portugal), estampas, pagelas e ramos de *alfádega. Nossa Senhora da Aparecida de Guaratinguetá, cultuada no Brasil, teve direito a rótulo de Vinho do Porto da marca J. T. Pinto Vasconcellos, Lda., Porto. Com destino à ermida da Senhora Aparecida (Lousada) realizava--se, noutros tempos, a *Procissão dos caixões, também denominada cortejo dos amortalhados e *procissão dos mortos-vivos. BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Bartolomeu, Nossa Senhora Aparecida de Balugães: primeira aparição mariana em Portugal, 1987

APARIÇÃO Também *busão ou *visão. Designação genérica para *alma penada, *fantasma, *medo, etc. No Livro dos Sonhos, no qual se encontra a sua explicação ao alcance de qualquer pessoa (Porto, 1904) afirma-se que existem quatro espécies de sonhos: A. o sonho propriamente dito; B. a visão; C. o pesadelo; D. a aparição. Aparições de almas penadas sob forma luminosa ou de *ave são frequentes na mitologia popular, tal como as epifanias de Nossa Senhora, das quais a de *Fátima é, evidentemente, a mais famosa. *Aparição mariana (*Epifania).

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gundo plano na tábua central (Aparição de Cristo à Vir-gem) de um tríptico (1531) atrib. a Garcia Fernandes; FUNCHAL [Museu, prov. do convento de Santa Clara]: pintura (séc. XVI) a têmpera sobre madeira (2020 x 1190 mm); LISBOA [MNAA: inv. 507] de Luiz de Morales; SÃO SEBASTIÃO (Terceira): fresco na parede Sul da matriz; SOURE (igreja de Santiago): altorelevo do retábulo de João de Ruão, na capela do Sacramento; VILA BALEIRA (Porto Santo): pintura no centro do camarim da igreja matriz.

APARIÇÃO DE CRISTO À VIRGEM Episódio apócrifo, baseado na Lenda Dourada, bem como na Vita Christi de Ludolfo Cartusiano, e assunto de uma das meditações propostas nos *Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola (primeira contemplação da Quarta Semana). Uma tábua do convento da Madre de Deus (Lisboa) parece ser a primeira representação do tema na arte portuguesa. O 515 ostensivo no centro dessa tábua (convertido em 1515 por mestre Luciano Freire) é uma alusão metonímica à palavra DVX (*Dux, *Encoberto) na Rosto do folheto intitulado Prodigiosas Aparições e Sucessos espantosos Vistos no presente ano de 1716 (Lisboa, 1716). BIBLIOGRAFIA MASCARENHAS, José Freire de Montarroyo, Prodigiosas apparições e successos espantosos vistos no presente anno de 1716, e nos fins do passado, em varias partes do mundo, Lisboa, 1716; PIÇARRA, Ladislau, Apparições, in Tradição, v. 2 (1900), p. 9-12; v. 3 (1901), p. 10-12 e 107-110; v. 4 (1902), p. 104-106; v. 6 (1904), p. 45

APARIÇÃO DE CRISTO A MARIA MADALENA Episódio evangélico também conhecido por Noli me tangere. *Maria Madalena. Guia BATALHA (mosteiro de Santa Maria da Vitória): vitral da capela-mor, ca. 1514; BRAGA (Bom Jesus do Monte): capela do Terreiro dos Evangelistas (término da *Via Sacra), sobre cuja porta se observa a inscrição: Apparuit primo Mariae Magdalenae. Mar. C. 16, 9 (Apareceu primeiro a Maria Madalena); COIMBRA [MNMC]: em se-

Aparição de Cristo à Virgem, de Gregório Lopes [Museu de Setúbal]

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Guia ANGRA DO HEROÍSMO [Museu]: tábua (séc. XVI); AROUCA (mosteiro): tábua quatrocentista, no museu anexo; BATALHA (mosteiro de Santa Maria da Vitória): vitral da capela-mor, ca. 1514; BEJA (Sé): azulejo da capela do cruzeiro, do lado da Epístola (séc. XVIII); CABO ESPICHEL (igreja do santuário): tela do lado do Evangelho; COIMBRA [MNMC: inv. 2515]: tábua central (1230 x 1010 mm) de um tríptico (1531) atrib. a Garcia Fernandes, pintado para Santa Clara-a-Velha; COIMBRA (capela da Universidade): tábua integrada no retábulo do altar-mor (1612-1613), de Simão Rodrigues; CONSTÂNCIA (col. Engº Manuel Faria): tábua de Fernão Gomes; ÉVORA (igreja de Santo Antão): óleo s/tela quinhentista; FUNCHAL [Museu, prov. do convento de Santa Clara]: pintura (séc. XVI) a têmpera (2040 x 1165 mm) na parede esquerda da capela da Ressurreição do claustro superior; IGREJINHA (Arraiolos): tábua de ca. 1600 (155 x1120 mm), na matriz; LISBOA [MNAA, prov. Madre de Deus]: tábua (2030 x 2030 mm) atrib. a Jorge Afonso, ostentando o célebre 515, posteriormente (no restauro de 1940) transformado em 1515 por Luciano Freire; LISBOA [MNAA: inv. 2; prov. conv. Espinheiro, Évora]: tábua (1510 x 1200 mm) da oficina do Espinheiro (Frei Carlos), datada de 1529 num escudete transportado por um anjo; LISBOA [MNAA]: tábua (1400 x 1490 mm) de proveniência desconhecida; LISBOA (Ermida dos Remédios, Alfama): tábua (1340 x 860 mm) atrib. a Garcia Fernandes; LISBOA (igreja de S. Roque, capela da Doutrina): óleo s/tela (1688-1690) de Bento Coelho da Silveira; LISBOA (baixo-coro da igreja de Santo Agostinhoa-Marvila): óleo s/tela (ca. 1690) de Bento Coelho da Silveira; SETÚBAL [Museu, prov. conv. de Jesus ou Misericórdia de Setúbal]: tábua (1300 x 1090 mm) pertencente a retábulo atrib. à 3ª fase de Gregório Lopes (ca. 1540), na qual Cristo surge envolto por um manto azul recamado de estrelas e não, como habitualmente, pelo vermelho da Ressurreição; SOBRAL DE MONTE AGRAÇO (igreja de São Quintino): tábua (1405 x 880 mm) atribuída ao Mestre de S. Quintino (2º terço do séc. XVI) e à oficina de Gregório Lopes por Luís Reis Santos; SOURE (igreja de Santiago): alto-relevo do retábulo de João de Ruão, na capela do Sacramento; VARATOJO (conv. Santo António): tábua pertencente ao retábulo da capela-mor, actualmente na parede da direita desta; VILA VIÇOSA (igreja da Lapa, prov. do conv. das Chagas ?): tábua (1675 x 1055 mm) atrib. a Garcia Fernandes (1536); Col. REIS SANTOS (?): fragmento de tábua (séc. XVI).

sua forma permutada em DXV (cf. René Guénon, O Esoterismo de Dante, Lisboa, 1978). Como se não bastasse, a própria concatenação da cena (tantas outras vezes pintada e em 1527 dramatizada por Gil Vicente no Breve Sumário da História de Deus evoca a sucessão das três idades do mundo, tal como o joaquimismo as entendia: *Adão e Eva e os patriarcas bemaventurados (Lei do Pai), saídos do *Limbo, chamados por *São João Baptista, precursor do Filho, para presenciarem o anúncio que este faz a *Maria da sua futura manifestação (*Espírito Santo). Lima de Freitas investigou minuciosamente o tema.

Aparição de Cristo à Virgem, de Frei Carlos, 1529 [MNAA: 2].

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BIBLIOGRAFIA COUTO, João, A data num painel da Igreja da Madre de Deus, in Bol. dos Museus de Arte Antiga, v. 1, n. 3 (1940); DIAS, Pedro, As pinturas quatrocentistas do Museu de Arouca, in Beira Alta, v. 39, n. 1-2 (1980), p. 175-199; DIAS, Pedro / SANTOS, J. J. Carvalhão, A Pin-

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APOCALIPSE tura maneirista de Coimbra: ensaio iconográfico, Coimbra, 1988; FREITAS, Lima de, Le 515 de Dante retrouvé au Portugal, in Les Templiers, le Saint-Esprit et l’Âge d’Or, Tomar, 1985, p. 65-80; idem, Os Painéis (talvez) de Nuno Gonsalves, o Duplo Paracleto e o 515, in Via Latina, n. 3 (Mai. 1991), p. 45-50 e 51; idem, Le Lieu du Miroir: art et numérologie, Paris, 1993; GANDRA, Manuel J., Joaquim de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica, Lisboa, 1999; MÂLE, Emile, L’Art Religieux de la fin du XVIe siècle, Paris, 1951, p. 358; MARKL, Dagoberto, Uma Aparição de Cristo à Virgem por Fernão Gomes, in Novas Obras de Arte quinhentista do tempo de Camões em Constância, Constância, 1986, p. 27-32; Os Primitivos Portugueses (1450-1550), Catálogo-guia da exposição, Lisboa, 1940; RÉAU, Louis, Iconographie de l’Art Chrétien II. Iconographie de la Bible (Nouveau Testament), Paris, 1957, p. 554; SANTOS, Luís Reis, Pintura dos Mestres do Sardoal e de Abrantes, Abrantes, 1971; idem, ver Alfama; VARELA, Susana / FLOR, Pedro, As tábuas maneiristas do Convento de Santo António do Varatojo, in Torres Cultural, n. 8 (1998), p. 26-35.

APARIÇÃO MARIANA/1 *Epifania. APARÍCIO Denominação popular da festa em honra dos *Reis Magos (*Epifania). APELES Lendário retratista de Alexandre Magno. Em 1545, Garcia Resende apodava *Francisco de Holanda de Apeles português, porventura por o artista, então jovem pintor de retratos régios, pretender emular aquele seu suposto ídolo. No século XVIII o epíteto seria aplicado ao pintor de Santarém, Luís Gonçalves de Senna (17131790) (cf. Joaquim Duarte Benedicto, Elogio do Grande Apelles Portuguez, Luiz Gonçalves de Senna, Lisboa, 1791). APENDICITE Indiciada, segundo a *quirologia médica, por uma cruz sobre o monte do dedo médio, por riscos na falangeta do mesmo ou meia-lua sobre a linha hepática ou unha intestinal. APER Sinónimo de *javali. Cognomen invulgar que ocorre em inscrições dedicadas: a *Endovélico (CIL, II 5206) do Curral das Cabras (São Miguel da Mota); de Sagunto (CIL II, 6033); de

Odrinhas (Mário Cardozo, Novas inscrições romanas do Museu Arqueológico de Odrinhas, Sintra, 1958, p. 7, n. 16). APERTADOR Espécie de cinto de riscado de ourelo que se usa sobre a camisa (Bragança), onde se prendem os *dixes (conjunto de amuletos infantis) dos meninos. APOCALIPSE A literatura apocalíptica hebraica conta com mais de uma dúzia de exemplos, apesar de só o Livro de Daniel ter chegado a ser considerado canónico pela igreja. O único texto do género aceite no Novo Testamento foi o Apocalipse ou Livro da Revelação, atribuído sob reserva ao evangelista João durante o seu exílio em Patmos, no tempo de Domiciano (81-96 d. C.). Aí são relatados de forma enigmática os acontecimentos concernentes ao fim do mundo e ao advento do outro (*Jerusalém Celeste), sob um novo céu ou ordem cósmica diversa. O seu carácter visionário e misterioso favoreceu o florescimento de uma tradição iconográfica multifacetada, cuja origem é possível rastrear já na arte paleocristã. A liturgia moçárabe prescrevia a leitura do Apocalipse no período entre a *Páscoa e o *Pentecostes (Concílio de Toledo de 633, cânone XVII). Certamente essa a razão do grande número de comentários e glosas, de que a famosa série dos Beatus, na qual se integra o não menos famoso Apocalipse de Lorvão, merece um realce muito especial. A iconografia do também chamado Livro místico dos Anjos irá reflectir na Península Ibérica, como, de resto, fora dela, as opções dos exegetas face à ordem prescrita nos textos sagrados, não obstante a Bula Supernae majestatis de Leão X, a qual proibia os pregadores de anunciarem o advento do Anticristo ou do *Juízo Final. Um dos temas mais difundidos foi o da Maiestas Domini, o Cristo em majestade ou *Pantocrator dominando os Juízos Finais, acompanhado ou não (fresco da sala de audiência do tribunal de Monsaraz; túmulo de Dom Rodrigo Sanches, no Mosteiro de Grijó, etc.) pelo *tetramorfo. 333

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APÓCRIFO

Apocalipse de Lorvão

As *Casas Pintadas (Évora) e a igreja da *Boa Nova (Terena) concentram, em Portugal, os mais significativos programas iconográficos baseados no texto do Apocalipse. *Agnus-Dei. BIBLIOGRAFIA EXEGÉTICA NICOLAU DIAZ, Tratado del Juyzio Final, en el qual se hallaran muchas cosas muy provechosas, y curiosas, Salamanca, 1588, Madrid, 1595, Valladolid, 1599 e Veneza (trad. por Júlio César Valentino) [ACL: E 694 / 21]; VIEGAS, Brás, Commentarii Exegetici in Apocalypsim, Évora, 1601 [BPNM: 2-5-6-17]; LUIS DE ALCAZAR, Vestigatio arcani sensu in Apocalypsi, Lyon, 1618 [BPNM: 2-3-5-21]; SILVEIRA, João da, Commentaria in Apocalypsim B. Joannis Apostoli, Antuérpia, 1666-1671, 2 vols. [BArrábida: nº 1056-1057 (p. 283)]; ÁLVARO DE SANTA MARIA ROXAS, Commentarii in Apocalypsin, et in Cap. IV Zachariae et VII Danielis, Hispali, 1732 [BArrábida, nº 944 (p. 253)]; LIMA, Archer de, Parmi les ombres de l’apocalipse et le silence des forêts e des mers: poêmes, Bruxelas, H. Lamertin, 1911 [BN: L 28467 P] ; CONCEIÇÃO JUNIOR, M., Epopeia esquecida: estudo sobre o apocalipse de João o inspirado de Patmos, Porto, Livr. Progredior, 1963 [BN: R 33819 P]; JORGE, Pedro (pseud.), Variações sobre temas do Apocalipse, Alcobaça, P. Jorge, 1975 [BN: L 23587 V]; LOBO, Fonseca, O julgamento dos quatro cavaleiros do Apocalipse [S.l., s.n.], 1975 [BN: L 69667 P]; CAPULETO, Flávio, Apocalipse: profecias, [S.l., s.n.], 1984 [BN: SA 61404 V]; LUÍS, Agustina Bessa, Apocalipse de Albrecht Durer, Lisboa, Guimarães Editores, 1986 [BN: L. 37565 V]

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APÓCRIFO Do grego, apocrypha, i. e., secreto, escondido. O termo serve para nomear textos religiosos judaicos não canónicos, constantes da Bíblia grega (Septuaginta ou Versão dos Setenta). Os Cânones de S. Martinho de Braga proibiam a leitura de livros apócrifos (Canon LXVII, correspondente ao Canon LIX de Laodiceia), incluindo os adoptados pelos priscilianistas, tais como as Actas de Santo André, S. João e S. Tomé (cf. António Caetano do Amaral, Colecção de Cânones ordenada por S. Martinho Bracarense, Lisboa, 1803, p. 318-327). A Reforma protestante (séc. XVI) negou aos apócrifos qualquer estatuto canónico, porém, o Concílio de Trento (1546) classificaria alguns como deuterocanónicos. O Antigo Testamento católico inclui 24 livros da Bíblia hebraica, sete deuterocanónicos da Versão dos Setenta (Tobias; Judite; Sabedoria de Salomão; Sirach; Baruch, com a Carta de Jeremias; I e II Macabeus; III e IV Esdras) e os aditamentos a Ester e a Daniel. Os 44 apócrifos dos católicos são os pseudo-epigráficos dos protestantes. O Evangelho de Nicodemos existia no escritório do *mosteiro de Alcobaça [BN: cod. alc. 419, fl. 175-187 = letra do séc. XV]. O 3º Tratado de *Prisciliano faz-se eco dele. É conhecida a influência que apócrifos e deuterocanónicos exerceram na literatura e, nomeadamente, nas artes. De entre tal género de escritos, os Apocalipses foram os mais glosados, em virtude da unidade e sublimidade doutrinais. O investigador galego Rafael Silva apontou os temas apocalípticos que se encontram iconografados no pórtico da catedral de Santiago de Compostela, atribuído a Mestre Mateo (cf. El Portico da Gloria, Santiago de Compostela, 1978, cap. II, p. 68-94), o subscritor fez idêntica demonstração no que concerne à igreja manuelina do *convento de Cristo (cf. O Projecto Templário e o Evangelho Português). *Adoração dos Magos, *Ana, Santa, *Aparição de Cristo à Virgem, *Apresentação da Virgem no Templo, *Esdras, *Gnosticismo. BIBLIOGRAFIA DORESSE, Jean, Les Livres secrets des Gnostiques d’Égypte, Paris, 1958; GANDRA, Manuel J. (ed.), O Livro de Henoch, Lisboa, 1976 ; GANDRA, Manuel J., Apo-

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APOLO calipse de Esdras: eco nas Letras e na Arte Portuguesas, Mafra, 1994 [inclui a trad. portuguesa realizada por Frei Francisco de Jesus Maria Sarmento (Lisboa, 1787), anotada]; MARTINS, Mário, O Evangelho de Nicodemos e as cartas de Abgar e de Pilatos nos Autos dos Apóstolos, in Itinerarium, v. 1, n. 6 (1955); idem, Os «Actos de Bartolomeu» em medievo-português, in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Lisboa, 1980, p. 229-234; PIÑERO, António / MONTSERRAT TORRENTS, José / GARCIA BAZAN, Francisco (ed.), Biblioteca de Nag Hammadi, Lisboa, 2006, 3 vols.; PIÑERO, António / TORALLASTOVAR, Sofia (ed.), Evangelho de Judas, Lisboa, 2006; VERMES, Geza (ed.), Manuscritos do Mar Morto, Lisboa, 2006

APODO *Alcunha. APOLINÁRIA, SANTA No dia da sua festa (5 de Janeiro), do seu túmulo (ou de *Santo Apolinário), em Urros (Moncorvo, Bragança), tira-se terra por um orifício, a qual diluída em água constitui uma mezinha, alegadamente muito eficaz contra as *sezões (cf. Santos Júnior, Notas de Medicina Popular Transmontana, Porto, 1929, p. 35).

Túmulo de Santo Apolinário na capela-mor da sua ermida, em Urros, assente sobre quatro cabeças de leão: lateralmente, a arca é decorada com cenas da hagiografia do tumulado. Possui estátua jacente. Diz-se que o caixão rectangular em xisto, sobre o qual se acha colocado, foi a sepultura primitiva.

APOLINÁRIO, SANTO Também *Santo Polinário e *Santo Plinairo. Bispo de Hierópolis (Frígia), mártir de Ravena. Advogado contra as hérnias. Diz-se que ao passar o Douro encheu no rio uma bilha para o caminho. Em Urros (Torre de Moncorvo, Bragança), onde é venerado no último domingo de Agosto, no sítio onde despejou a água, brotou uma fonte santa. Aqui, na sua ermida (ou de *Santa Apolinária, segundo Santos Júnior, Notas de Medicina Popular Transmontana, Porto, 1929, p. 35), se acha o seu túmulo, o qual tem um orifício onde todos os atingidos por *sezões metem a mão para retirarem um punhado de terra que bebem diluída em água. Para apaziguá-las, as crianças bravas são passadas pelo mesmo buraco, prometendo-se ao santo um *galo branco. APOLION Nome do *diabo, conforme o Apocalipse (IX, 11): «[...] anjo do Abismo, chamado em hebreu Abadon e em grego Apolion, que segundo o latim quer dizer Exterminador». A sua identificação com Napoleão ficou a deverse à quase homofonia entre ambos os nomes. APOLO Filho de Júpiter e Latona e irmão gémeo de *Ártemis-Diana. Deus dos oráculos e das profecias, patrono da poesia e da música. Célebre pelos seus inúmeros amores, como o que nutriu, segundo Ovídio (Metamorfoses), pela ninfa *Dafne, a qual preferiu ser transformada em loureiro a entregar-se-lhe. São seus atributos a lira, a trípode (da pitonisa de Delfos), o arco de prata, a aljava e as setas, bem como o corvo. Culto atestado em Portugal por uma estátua encontrada em Alcoutim, por aras provenientes de Lisboa, Mombeja (Beja), Balsa e Conimbriga (nestas duas surge com o epíteto de Augusto, porventura conotável com o culto imperial) e por uma epígrafe de Idanha-a-Velha [CIL, II, 494a]. A sua efígie ocorre numa gema oriunda de Conimbriga. Na musaística romana: Mosaico de Apolo (Póvoa de Cós, Pedrógão, Alcobaça), descoberto casualmente em Abril de 335

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APOLOGÉTICA ANTIJUDAICA

No Arco da Rua Augusta, a efígie do Génio-Apolo esconde outra de Júpiter, de menor dimensão, praticamente invisível a olho nú para um observador que se encontre na Praça do Comércio!

1902, quando da plantação de uma vinha [MNA: inv. 999.141.1]; Mosaico das Musas (Torre de Palma, Monforte), no VI painel surge acompanhado por Dafne. Iconografia: palácio Centeno (Lisboa): Apolo e Dafne; palácio de Belém; palácio Nacional de Queluz; palácio Fronteira: Apolo com as 9 Musas; palácio dos condes de Mesquitela: estátua no jardim; quinta da Trindade (Seixal): Apolo oferece lira a Mercúrio e recebe deste o caduceu (pintura). No Arco da Rua Augusta (Lisboa), surge à esquerda da Fama (direita do observador). Camões reporta-se a Apolo em Os Lusíadas (III, 1 e 97 e IX, 62). Dois poemas burlescos interessam ao caso: Fabula de Apollo e Daphne (cf. Fénix Renascida, t. IV, p. 79-88) de Jerónimo Baía e Fabula de Daphne convertida em louro [BPÉv: Man 457, fl. 156r], em trinta oitavas, da autoria de Manuel Azevedo Morato. BIBLIOGRAFIA AAVV, Mosaicos Romanos das colecções do Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, 2005, p. 20-21; ALMEIDA, D. Fernando, de, Egitânia: História e Arqueologia, Lisboa, 1956, p. 142; CARDOSO, Mário, Pedras de Anéis Romanos encontradas em Portugal, in Revista de Guimarães, v. 72, n. 12 (1962), p. 155-160; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de Conimbriga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 173-175, n. 14; FRANÇA, Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conimbriga, in Conimbriga, v. 7 (1979), p. 133-139

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APOLOGÉTICA ANTIJUDAICA A apologética cristã nacional produziu algumas obras contra o judaísmo, as quais, apesar de tudo, nunca atingiram nem a originalidade nem a agressividade das suas congéneres europeias. Merecem destaque: Tratado teológico em que se prova a verdade da religião de Jesus Cristo, a falsidade da Lei dos Judeus e a vinda do Messias (segundo Révah, trata-se do Catecismo contra os Judeus, redigido durante o reinado de D. Dinis); Speculum disputationis contra hebraeos, também intitulado Speculum hebraeorum, de Frei João de Alcobaça (2 ms. datados de 1333 [BN: cod. alc. CCXXXIX /236] e 1345 [BN: cod. alc. CCXL / 270]); *Livro da Corte Imperial; Ajuda da Fé contra os Judeus [BN: cod. 6967] do doutor Mestre Manuel António (médico converso da corte de D. João II e seu afilhado de baptismo); Tratado que fez Mestre Hieronimo, Medico do Papa Benedicto 13, cõtra os judeus em que se prova que o Messias da ley ser vindo. Carta do primeiro Arcebispo de Goa ao povo de Israel seguidor ainda da ley de Moisés, e do Talmud, por engano e malicia dos seus Rabis (Goa, 1565 [BN: cod. 11022]); Diálogo Evangélico sobre os artigos da fé contra o Talmud dos Judeus de João de Barros; Espelho de Cristãos novos, de Francisco Machado (dedicado ao cardeal D. Henrique); Inquisiçam e segredos da Fé, contra a obstinada perfídia dos Judeus e contra Gentios Hereges, de Diogo de Sá; Consolaçam Christaã, e Luz para o Povo Hebreo sobre os Psalmos do Real Propheta David, que prophetizou dos mysterios altissimos, que avia de obrar o sancto Rey Messias na redepção do genero humano: cõ hum discurso muy devoto sobre o Psalmo Beati Immaculati (Lisboa, 1616) e Diálogo entre Discípulo e Mestre Catechizante, onde se resolvem todas as duvidas que os Judeos obstinados costumão fazer contra a verdade da Fé Catholica (Lisboa, 1621 [BPNM: 2-12-3-3]), ambas de João Baptista d’Este, judeu converso, baptizado por Dom Teodósio, arcebispo de Évora; Carta, que hum rabbino chamado Samuel, escreveo a outro rabbino chamado Isaac, consultando-o sobre o ter alcançado pellas prophecias do testamento velho, que o Messias tinha vindo: a Ley Iudaica era aca-

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APOLÓNIA, SANTA

Reconstituição do massacre dos judeus, em Lisboa, no reinado de Dom Manuel.

bada e os Iudeos estavaõ em odio, e desemparados de Deos: destruese por esta carta totalmente a Ley Iudaica, e confirmase a Fé Catholica (Lisboa, 1673), de Francisco Fernandes Prata (trad. do latim); Papel que prova serem os de Nação a causa dos males que padece Portugal (séc. XVII [BN: cod. 1506]); Memorial que se deu em Castella pelo qual se mostra o muito dano que a gente da nação tem feito naquelle Reyno e a grande afronta que resulta a este de a termos entre nós [BN: cod. 1326]; Sentinela contra judeus, posta em a torre da igreja de Deus (Lisboa, 1674; Coimbra, 1710 e Lisboa, 1748), de Frei Francisco Torregonsilho (trad. do castelhano de Pedro Lobo Correia); Doutrina Catholica e Triunfo da Religião Catholica contra a pertinácia do Judaísmo, de Fernão Ximenes Aragão (teve 3 edições); Triumpho da Fé contra a perfidia Judaica, de Maria José de Jesus; Exortação dogmática contra a perfídia do Judaísmo, do Padre Francisco Pedroso (auto-da-fé de 1713); Discurso Catholico no qual hum Christão Velho ze-

lozo da nossa Santa Fé, falla com os Judeos, convencendo-os dos erros, em que vivem, para aproveitamento das suas almas, e gloria de Jesus Christo, deduzido das palavras de Jeremias e outros lugares da Escritura Sagrada, considerando o lastimoso espectaculo de hum Auto da Fé, aonde apparecem os delinquentes em theatro publico (Lisboa Ocidental, 1738) do familiar do Santo Ofício, António Isidoro da Nóbrega; Perfídia Judaica, de Roque Monteiro Paim (a propósito do «sacrilégio de Odivelas»); Invectiva Catholica contra a barbara obstinação dos Judeus, na qual se convencem com sagradas demonstrações das Escrituras, seus detestáveis desatinos, reprovão-se seus perfidos erros, e se persuadem que dando o devido credito aos Divinos Oraculos recebão a luz da Lei Evangélica, abominando as já extinctas Ceremonias da Synagoga (Lisboa, 1748), do franciscano Francisco Xavier de Serafim Pitarra; Portugal Christão-Novo ou os Judeus na República (Lisboa, 1921) e A Invasão dos Judeus (Lisboa, 1924) ambas de Mário Saa (denotando antisemitismo primário). *Apóstata, *auto-da-fé, *cristão novo, *Pedro Bom. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Judeus e Padres: Mário Saa e o seu livro, in Diónysos, s. 4, n. 1-2 (Abril 1928), p. 30-33; AZEVEDO, João Lúcio de, História dos Cristãos-Novos Portugueses, Lisboa, 1921; BENARÚS, Adolfo, O Antisemitismo, Lisboa, 1937; GOMES, Pinharanda, A Filosofia Hebraico-Portuguesa, Porto, 1981; MARTINS, Mário, Literatura judaica e a Corte Imperial, in Brotéria, v. 31, n. 1 (1940), p. 1524; idem, A polémica religiosa nalguns códices de Alcobaça, in Brotéria, v. 42, n. 3 (Mar. 1946), p. 241-250; idem, Fr. João, Monge de Alcobaça e Controversista, in Brotéria, v. 42 (1946), p. 412-421; MEDINA, João, António Sardinha, anti-semita, in A Cidade, nova série, n. 2 (Jul.-Dez. 1988), p. 45-122; NOVINSKY, Anita, Reflexões sobre o anti-semitismo (Portugal – séculos XVI-XX), in Congresso Internacional Portugal no século XVIII – de D. João V à Revolução Francesa, Lisboa, 1991, p. 451-461; RÉVAH, I. S. (ed.), Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé contra o Ralmud dos Judeus, – manuscrito inédito de João de Barros o autor das «Décadas», Lisboa, 1950; RODRIGUES, Maria Idalina Resina, Literatura e Anti-Semitismo: séculos XVI e XVII, in Brotéria (Jul. e Ago.-Set. 1979), p. 41-56 e 137-153; TALMADGE, Frank (ed.), The Mirror of the New Christians (Espelho dos Cristãos-novos), Toronto, 1977; TAVARES, Maria José Ferro, O Crescimento económico e o antijudaísmo em Portugal, in Estudos Orientais, v. 6 (1997), p. 199-220.

APOLÓNIA, SANTA Padroeira dos dentistas e odontólogos, advogada contra males de dentes. Festejada a 9 de Fe337

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APOPLEXIA

Santa Apolónia (pormenor de Predela): tábua do 2º quartel do séc. XVI [MNAA: inv. 79 Pint].

vereiro no antigo calendário litúrgico. Atributos: torquez do martírio com um dente; fogueira onde foi queimada viva [04780 a 04807]. A Sé do Porto possui um *dente, alegada relíquia desta mártir. BIBLIOGRAFIA ADÃO, Cabral, A Capelinha de Santa Apolónia, in Boletim do Grupo Amigos de Bragança (Dez. 1960); ATENEU COMERCIAL DO PORTO, Iconografia de Santa Apolónia existente em Portugal: catálogo, Braga, [s. n., D.L. 1964]; BOLÉO, José de Paiva, Santa Apolónia: estudo histórico e iconográfico, Lisboa, 1960 e in Acção Médica, n. 95, 1960; idem, A evolução dos ferros de extracção dentária, através dos séculos, pela iconografia de Santa Apolónia, in O Médico, n. 585 (Porto, 15 Nov. 1962), p. 386-390; idem, Santa Apolónia nos Ex-Libris, in Boletim da Associação Portuense de Ex-Libris, 1964; idem, Mais ex-libris com a efígie de Santa Apolónia, in Revista A Arte no Ex-Libris, a. 12, v. 5, n. 2 (1967); idem, Santa Apolónia nos ornamentos sagrados, Lisboa, 1968; idem, Martírio de Santa Apolónia, Lisboa, 1968; LIMA, Fernando de Castro Pires de, Os dentes na Etnografia Portuguesa, in Revista Lusitana; MACHADO, Casimiro de Moraes, Santa Apolónia na Sé do Porto, in O Tripeiro (Fev. 1957), p. 313-314

APOPLEXIA Na Mexilhoeira Grande (Portimão, Faro) dá-se leite de mãe e filha que amamentam, áqueles que sofrem de ataques apopléticos. *Santo André Avelino. APOQUENTAÇÃO Termo vulgarmente utilizado para aludir quer ao *encosto de uma *alma penada, quer à *pos338

sessão diabólica (Ribatejo). Em Alpiarça, para combater as apoquentações, defuma-se diariamente a casa com arrudão, durante nove dias. Depois «varre-se a casa de arrecuo», recolhendo as brasas e cinzas assim obtidas. No nono dia, leva-se toda a cinza até um rio ou ribeiro e, sem olhar para trás, atira-se o saco onde foi recolhida por cima do ombro, enquanto se profere a seguinte oração: «Em louvor do Santíssimo Sacramento / O mal saía para fora / E o bem entre para dentro». Entre os avieiros, para o mesmo efeito, dizia-se repetidamente: «Vai p’ó mari! Vai p’ó lodo! / Não venhas castigar / Quem cá está neste mundo». (cf. Religião Popular do Ribatejo, p. 70-71). No Covão do Coelho (Alcanena), exorcizavam-se as apoquentações, rezando, três vezes ao dia, o seguinte esconjuro, junto do apoquentado sem que este se apercebesse: «Em louvor de Santa Helena /Foste Rainha /Foste muro de estandarte /Com a cruz do Senhor /Sempre sonhaste / E de três cravos tiraste / Para sagrado ser / O primeiro o deste a Santo António / Outro o deste a teu filho / Para nesta luta vencer / Pai Nosso, Avé Maria» (o operador devia molhar com «pinguinhos de água benta com mostarda» os locais eventualmente em contacto com o afligido). *Semear o Espírito, *semear o morto. APORTAÇÃO Do francês, apporter, trazer. «Passagem da matéria através da matéria». Fenómeno mediúnico que consiste na súbita aparição, num recinto completamente fechado, de um ou mais objectos, denominados apports. Diz-se que tais objectos assim manifestados estão, geralmente, quentes. O contrário de *asporte. *Hiloclastia. APOSTASIAR Abandonar e renegar (*arrenegar) a fé anteriormente professada. No Antigo Testamento o episódio paradigmático é o do Bezerro de Ouro. Durante a Idade-Média a apostasia era condenada com a pena de morte, visto constituir um pecado gravíssimo. Apesar de a Luís Dias de Setúbal, que muitos cristãos-novos «tinham por ser o Messias prometido na lei», haver sido

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APÓSTOLO aplicado o epíteto de apostasiarca no processo inquisitorial contra o desembargador Gil Vaz Bugalho, desconhece-se qualquer processo de apostasia medieval português. *Apologética antijudaica. BIBLIOGRAFIA FIGUEIREDO, António Mesquita de, Aventuras de Manuel Marques, christão velho, natural de Buarcos que arrenegou da fé católica em terra de Mouros, in Revista de Guimarães, v. 31, n. 1 (Jan. 1921), p. 37-45

APÓSTATA Aquele que apostasia (*apostasiar). Foram apóstatas da Lei mosaica os judeus conversos, caso, entre inúmeros outros, de João Baptista d’Este, etc. *Apologética antijudaica. APOSTOLADO Figuração conjunta dos Apóstolos, discípulos de Jesus, sucessores dos Profetas e emissários da Boa Nova. São escassos em Portugal os programas iconográficos contemplando tais elencos, praticamente retabulares: Sé de Évora (séc. XIV); matriz de Viana do Castelo; pórtico axial da igreja do mosteiro da Batalha (séc. XV); portal Sul da igreja do mosteiro dos Jerónimos (séc. XVI); igreja de Fátima (1938). Também arcas tumulares da Rainha Santa Isabel (mosteiro de Santa Clara-a-Nova, Coimbra), do arcebispo Dom Gonçalo Pereira (capela da Senhora da Glória, Sé de Braga), etc. Apostolado de Zurbarán [MNAA], entre 1631 e 1638.

Pormenor do apostolado da Sé de Évora.

BIBLIOGRAFIA GONÇALVES, Flávio, O Pórtico da matriz de Viana do Castelo, in Museu, s. 2, n. 3 (Dez. 1961), p. 60-71

APOSTOLADO DA NOBRE ORDEM DOS CAVALEIROS DE SANTA CRUZ Sociedade secreta de cunho paramaçónico criada no Brasil, em 2 de Junho de 1822, por José Bonifácio de Andrada e Silva, mação monarquista, que tomou por modelo dela a própria Maçonaria e a Carbonária italiana. Destinava-se a neutralizar a influência sobre o princípe D. Pedro da ala radical e republicana da maçonaria, liderada por Gonçalves Ledo. Os filiados eram denominados camaradas, sendo liderados pelo Arconte-Rei (D. Pedro) e distribuídos por três Palestras, cada uma constituída por Decúrias formadas por doze Apóstolos e um Presidente. O próprio D. Pedro a dissolveu, a 15 de Julho de 1823, na sequência de uma carta anónima que atribuía à organização «planos tenebrosos» contra o Imperador. BIBLIOGRAFIA ASLAN, Nicola, Fastos da Maçonaria Brasileira, Rio de Janeiro, 1980; idem, José Bonifácio: um Homem além de seu tempo, in A Gazeta Maçónica (1988)

APÓSTOLO Do grego, apostolos, enviado. É o nome atribuído a cada um dos doze discípulos eleitos por Cristo para o acompanharem, enquanto pregava, e correrem mundo divulgando a Boa Nova, após a sua morte (S. Marcos): Santos *André, *Bartolomeu, *Santiago-Maior, *Judas Tadeu, *Filipe, *Santiago-Menor, *Tomé, *Pedro Simão, *Mateus, *Marcos, *Lucas e *João. A primeira evidência da adopção do termo num contexto cristão, remonta às Epístolas de São Paulo (Filipenses, II, 25 e II Coríntios, VIII, 23). Dos prelos do tipógrafo moravo Valentim Fernandes saíu uma obra intitulada Autos dos Apóstolos (Lisboa, 1505), estampada a expensas da rainha Dona Leonor, para servir de continuação à Vita Christi de Ludolfo de Saxónia, igualmente impressa por iniciativa da viúva de Dom João II. Trata-se da tradução portuguesa, realizada durante o reinado de Dom Dinis, da obra hagiográfica que veio a ser conhecida por Genesi Alfonsi, originada no scriptorium de 339

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APOTEGMA Afonso X, o Sábio, e constituída por 5 livros: a Vida de Jesus Cristo e de Santa Maria, a dos Apóstolos, a dos Mártires, a dos Confessores e a das Virgens. A compilação de Bernardo de Brihuega (ca. 1272-1284), realizada a partir de fontes muito heterogéneas (Beda, Rabano Mauro, apócrifos, compilações de milagres, etc.), conserva-se ms. [BN: cod. alc. 280, olim CCLXXXII (ca. 1442-1443); ed. Frei Fortunato de São Boaventura (Actos dos Apóstolos), in Colecção de Inéditos Portugueses dos Séculos XIV E XV, Coimbra, 1829, p. 17-128 = BN: HG 8705 V] e impressa (Os Autos dos Apóstolos, Lisboa, Valentim Fernandes, 1505 [BPÉv: Res. 234]) (cf. Vidas e Paixões dos Apóstolos – ed. crítica e estudo de Isabel Vilares Cepeda –, Lisboa, 1982-89, 2 vols). Na origem da sua instituição os padres jesuítas eram denominados apóstolos, conforme se comprova por um trecho de uma das respostas escritas de Diogo de Teive, com data de 21 de Outubro de 1550, incluída no processo que a *Inquisição lhe moveu (cf. Francisco Leitão Ferreira, Notícias Cronológicas da Universidade de Coimbra, 2ª parte, v. 3, t. 1, Coimbra, 1944, p. 525), bem como pela persistência em Coimbra do topónimo Couraça dos Apóstolos, que dava acesso à alta da cidade onde os padres da Companhia possuíam o seu colégio. BIBLIOGRAFIA CEPEDA, Isabel Vilares, Um fragmento inédito das Vidas e Paixões dos Apóstolos, in Bol. Filologia, n. 24 (1975), p. 295-304; MARTINS, Mário, Vidas e paixões dos Apóstolos, in Brotéria, v. 49 (1949), p. 521-528 e in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 111-117; idem, Bernardo de Brihuega, compilador dos Actos dos Apóstolos, in Bol. de Filologia, v. 21, n. 1 e 2 (l962-1963), p. 69-86 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 151-170; idem, O Evangelho de Nicodemos e as cartas de Abgar e de Pilatos nos Autos Apóstolos, in Itinerarium, a. 1, n. 26 (1955), p. 846-853 [BN: J 2557 B]; idem, Os Autos dos Apóstolos e o Livro de S. Tiago, in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 118-129; idem, Os Actos dos Apóstolos e os Autos dos Apóstolos, in Brotéria, v. 73, n. 2-3 (1961), p. 134-144 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 171-183; idem, O Livro do Caminho do Pseudo-Clemente, in Brotéria, v. 73, n. 5 (1961), p. 273-287 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 191-206; idem, Em torno do Pseudo-Abdias, in Brotéria, v. 73, n. 5 (1961), p. 428-435 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 207-215; idem, Quo Vadis?, in Brotéria, v. 72, n. 1 (l961), p. 51-55 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 185-190; idem, O romance do

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Pseudo-Marcelo, in Brotéria, v. 74, n. 5 (1962), p. 519-529 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 217-228; idem, Os Actos de São Bartolomeu em medievo-português, in Brotéria, v. 75, n. 2-3 (1962), p. 177-181 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 229-234; idem, A trasladação de S. Tiago nos Actos dos Apóstolos, in Brotéria, v. 76, n. 1 (1963), p. 59-65 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 235-243; idem, As vieiras dos peregrinos de Compostela, in Brotéria, v. 76, n. 2 (1963), p. 164-174 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 245-260; idem, O pseudo-Mellitus, em medievo-português, in Brotéria, v. 77, n. 4 (Out. 1963), p. 307-317 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 261-274; idem, A aparição do Arcanjo S. Miguel, contada por Bernardo de Brihuega, in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 275-285; POERRK, G. de, e outro, Introduction a la morphologie comparée des langues romanes basée sur des traductions anciennes des Actes des Apôtres, ch. XX à XXIV, tome 1. Ancien portugais et ancien castillan, Bruges / Gand, 1961

APOTEGMA Ditado sentencioso de pessoa célebre. Popularmente, o mesmo que *adágio. APOTEOSE Do grego, apothéosis, de Deus. Designa o acto oficial de deificação de um ser humano, em vida ou após a morte, em virtude de algum feito heróico por ele praticado. Todos os imperadores romanos que sucederam a Augusto (63 a. C. – 14 d. C.), até à adopção do cristianismo como religião do Império, foram consagrados e deificados após a morte. Para o efeito, era construída uma pira quadrangular em madeira, revestida com tecidos preciosos e ornamentos em ouro. O imperador sucedâneo acendia o fogo sagrado na pira onde repousava o corpo do defunto, coberto com perfumes e frutas. Uma *águia, que segundo a crença, transportaria a sua alma para o *céu (*psicopompa), era então libertada. *Culto do Imperador, *Viriato. APOTROPAICO Tudo quanto paraliza de terror e obriga, literalmente, a voltar as costas e a fugir. No apotropaico confluem dois aspectos complementares do mesmo processo: aterrorizar e proteger. Por isso é susceptível de, concomitantemente, afastar demónios e desfazer feitiços ou de proteger contra eles. Do castelo de Silves são oriundas duas placas apotropaicas [MMASilves], talhadas em arenito vermelho (grés de Silves), des-

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APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO tinadas a serem integradas na muralha ou colocadas sobre uma das portas da fortaleza, de resto, idênticas a outras conhecidas no al-Andalus (cf. Portugal Islâmico: os últimos sinais do Mediterrâneo, n. 324). APRENDIZ *Graus simbólicos. APRESENTAÇÃO DA VIRGEM NO TEMPLO A memória da Apresentação da Virgem é celebrada pela Igreja no dia 21 de Novembro, tendo sido estabelecida no século XIV por Gregório XI a pedido do embaixador de Chipre na Santa Sé (então sedeada em Avinhão).

Apresentação da Virgem no Templo: aba direita (1885 x 407 mm) de um tríptico pintado por Diogo de Contreiras (1556), proveniente do convento de São Bento de Castris [Sé de Évora]. Atente-se na escadaria com 15 degraus, adereço praticamente infalível na iconografia deste episódio apócrifo.

Trata-se de um episódio *apócrifo, inspirado no Evangelho da Natividade de Maria, no Evangelho Árabe da Infância, no Proto-Evangelho de Tiago (VII-VIII) e no Pseudo-Mateus, fontes que consignam informações preciosas no que respeita à infância de Maria, bem como à vida e nomes dos seus progenitores: *São Joaquim e *Santa Ana. Maria foi conduzida pelos pais ao Templo quando completou três anos de idade, para ali ser educada, consoante o preceituado pela lei mosaica. Para ascender ao pátio das mulheres, subiria os quinze degraus da escadaria correspondente à porta de Nicanor, sendo recebida pelo Sumo-Sacerdote, Zacarias, no recinto sagrado. Tal escadaria, que os Levitas percorriam entoando, degrau a degrau, os quinze Salmos Graduais (Salmos, CXX-CXXXV), constituía segundo a exegese judaica uma alusão metafórica ao êxodo do cativeiro do Egipto (Mitzrayim), i. e., do mundo dos constrangimentos quotidianos em direcção a uma progressiva espiritualização (i. e., libertação = Pesah =Páscoa). Já os hermeneutas cristãos haviam de comparar o número de degraus com a idade de Maria quando concebeu Jesus. A hagiografia deste episódio refere que Maria permaneceu no Templo durante doze anos, na escola destinada às virgens, período durante o qual seria alimentada por anjos. APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO Episódio relatado por *São Lucas (II, 22-38). Assinala a conclusão do tempo de *Natal e comemora a apresentação do Menino no Templo, com o sacrifício da *Purificação de Maria, após o parto, conforme as prescrições da Lei mosaica (cf. Êxodo, XIII, 2). O primogénito assim consagrado devia permanecer no Templo ou ser resgatado por alguma oferenda (idem, XIII, 12-13). Maria e José, humildes como eram e não tendo meios para sacrificar animais de grande porte, ofereceram duas rolas (cf. Levítico, V, 5). No séc. IV, a festa da Apresentação de Jesus celebrava-se em Jerusalém, no dia 14 de Fevereiro (40 dias após a *Epifania). A igreja do ocidente festeja-a desde o séc. VI ou VII, 341

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APRÍNGIO PACENSE BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Júlio da Cunha, Leitura crítica do Tratactus in Apokalipsin de Apríngio, Bispo da Igreja de Beja, Lisboa, 1973; CAMPO HERNANDEZ, Alberto del (introd., texto latino e trad.), Comentario al Apocalipsis de Apringio de Beja, Estella, Navarra, 1991; FÉROTIN, Dom, Apringius de Beja: son commentaire sur l’Apocalypse par Beatus de Liebana, in Révue d’Histoire et de Littérature religieuse, v. 7 (1902), p. 419-447 [publica fragmentos]; FITA, Padre, Apringio de Beja, in Boletin de la Real Academia de la Historia, v. 41 (1902), p. 353-416 [publica fragmentos]; GOMES, Pinharanda, A Patrologia Lusitana, Porto, 1983; JUSTINO, Maciel, Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal, Lisboa, 1996; SOUSA, Pio G. Alves de, Patrologia Galaico-Lusitana, Lisboa, 2001 [cap. X, p. 73-83]

AQUAXUMO Axum, em ge’ez. *Abissínia, *Arca da Aliança. *Lalibela, *Padre Francisco Álvares. AQUECER A MESA Expressão adoptada pelos espíritas para descrever a preparação da mesa de pé-de-galo para a visita dos espíritos. AQUIEL Nome do *diabo. Apresentação de Jesus no Templo: tábua quinhentista.

AQUILÃO Vento que sopra do Norte. Também *aguião.

com o título de Occursus Domini (designação que persistiu até finais da Idade Média), 40 dias após o Natal, a 2 de Fevereiro (*Candelária), com procissão e bênção das velas, antecedendo a missa.

AR 1. Um dos quatro elementos primordiais da natureza, masculino e activo, como o *fogo, em oposição à *terra e à *água, femininos e passivos. Identificado com: o *Verbo (*Espírito Santo); a purificação espiritual (prova do ar na iniciação maçónica). O sinal do ar é um dos sinais rituais do grau 29º (Grande Escocês de Santo André da Escócia) do *Rito Escocês Antigo e Aceite (REEA) *Atmosfera, *vento.

APRÍNGIO PACENSE (SÉC. VI) Bispo de Beja e santo, festejado a 3 de Janeiro. Autor de um comentário ao *Apocalipse, intitulado Expositio Apocalypsis B. Johannis Apostolo clarissimi viri Apringii Ecclesiae Pacensis Episcopi [BN: cod. alc. XCVIII / 247, in Scriptores Ecclesiatici Hispano-Latini, v. 10 (El Escorial, 1941)]. Inclui dois diagramas com cálculos relativos ao número 666, da Besta, e aos oito nomes desta (fl. 144-144v), sendo o comentário ao cap. I, 8, sobre as letras *Alfa-Ómega, o seu excurso mais longo. O comentário de Apríngio é a principal fonte de toda a literatura do *Beatus de Liebana, surgida na sequência da invasão muçulmana da Hispânia. 342

2. O mesmo que *engaranho. Emanação impura, peçonhenta, ou maléfica, que contamina e infesta o ambiente, interferindo no quotidiano dos indivíduos ou nas acções que executam, tolhendo-os e causando diversas doenças. Crê-se que existem distintas qualidades de ar, atribuíveis: à respiração de pessoa perversa, *mulher do mês (*menstruação), mulher prenha, donzela (em determinados dias e situações), *excomungado, *defunto, *alma penada, *bru-

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Reza do ar Ó Deus omnipotente, valei-me e socorrei-me, fazei-me diligente. Deus seja contigo e Deus seja o teu Mestre, Assim seja sempre como a Virgem Maria apartou a noite do dia Aparte o ar desta criatura. – Ar bravo, ar de cinza, ar de quentura, ar de friura, Ar de igreja e ar de toda a maneira que seja. Santa Catarina foi ao mar buscar três pedrinhas de sal para este atalhar. Eu não sou digno nem merecedor para este ar atalhar, Atalha-o o Pai, o Filho e o Espírito Santo, As três Pessoas da Santíssima Trindade. Um Padre Nosso a S. Clemente para este ar atalhar. Benzedura do ar Pegando num pau e numa faca, diz-se junto da pessoa que vai ser benzida: Jasus e Jasus! Qu’ éi Santo nome de Jasus Onde tá o Santo nome de Jasus Nã’ antra mali, nei prigo ninhum! Adond’ o Santo nome de Jasus tocou Tod’ o mali si acabou! Diz-m’ ó ar, em que dia viestes, e no corpo desta criatur’ entrastes ? Foi por frio, ou por quenteou por um’ àrcensão ? Ar, por dond’ entrastes há-des sair. Assim como S. Longuinho Dê’ ‘ma lancetada No pêto de Nó’ Senhô’ Jasu-Cristo, E nã’ acedantou, nã’ arejou ar l’ antrou, Assim saltes tu, ari, E Nossa Senhora t’ há-de pesári E jogar pr’ àquelas bandas das águas do Mári Prá donde nã’ oiças Galo nei galinha cantári Nèi Monino-macho pro pai bràdári. Depois, cortando com a faca no pau, diz-se: É’ te corto, ar, na cabeça No bescóço, nas costas, nos braços, Nas pernas nos péji, em todos os membros do corpo Em lavor de Dês e da Virja Maria, Padre Nosso, Avêm-Maria (Messejana) Benzedura do ar (S. Marcos da Ataboeira) Jasus! Jasus! qu’é santo nome de Jasus, Onde tá o santo nome de Jasus

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Nã’ entra mal nenhum. É’ te benzo Fulano d’ar frio e d’ar quente e d’ar narcido e d’ar entenguido e d’ar malvado que aqui fostes metido e daqui há-des ser tirado, pr’àquelas bandas do mar sarás dêtádo pr’ ádonde nã’ oiças Galo nem galinha cantar nem pai pro filho-macho bràdar em lavor de Dês e da Virja Maria Padre-Nosso e Avém-Maria Nos dias seguintes à benção do paciente, dizem-se, diariamente, cinco Pai Nossos e cinco Ave Marias, após o que se faz o oferecimento: «Ofereço estes cinco Padre Nossos, estas cinco Ave Marias e estas santas benzeduras, que aqui tenho rezado. Ofereço à Virgem Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento, p’ra que seja servido a tirar daqui este mau ar, este ar frio, este ar quente, etc., p’ra que daqui seja tirado e não seja amentado, às ondas do mar seja deitado, para onde não reverdeça, nem floresça. Ponho as minhas mãos p’ra saúde, e Deus ponha as suas p’ra verdade, p’ra sempre Amen». Benzedura do ar Se é ar da manhã, se é do meio-dia, Pela graça de Deus e da Virgem Maria! Se é ar da noite e da meia-noite, Pela graça de Deus e da Virgem Maria! Deixa este corpo são e salvo Pela graça de Deus e da Virgem Maria! Que agora em jejum te curo Toda’las moléstias, bocados [ruins] e males estranhos! Ensalmo para talhar o ar (Esposende) Fulano, se tens ar, eu to vou talhar; ar da noite, ar do dia, ar do pino do meio dia, ar do pino da meia noite, ar da manhã, ar da Trindade, ar das estrelas, ar das portas, ar das travessas e janelas; ar das encruzilhadas, ar da feitiçaria, de bruxaria, ar de encanhos e engaranhos, ar de esterpaço, de mal de inveja, ar corrupto moribundo, ar atrevido, ar remido e de espírito requerido; ar de morto, ar de vivo excomungado, ar de morto excomungado, e de todos os males e ares e males que te empeceram e pelas unhas dos pés foram, para o mar sem fundo sejam degradados [repete-se seis vezes). Ensalmo para talhar o ar (Constantim) Com uma vela benta acesa fazem-se cruzes, dizendo: Deus te fez Deus te criou Deus te tire o mal Que contigo entrou

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Ar de bibo Ar de morto Ar de feitiçaria Ar de excomungado Sai deste corpo Em nome de Deus E da Birgem Maria Um Pai-Nosso qu’Ave-Maria. Ensalmo para talhar o ar Fulano, se tu tens ar, Eu com Deus e com a Virgem Aqui te venho cortar. Ar de Lua, ar de luar, Ar de borralho, ar de cinza Ar de terra, ar de defunto excomungado Aqui te corto, aqui te retalho. Em louvor das pessoas da Santíssima Trindade, que é Padre, Filho e Espírito Santo. Na mesma ocasião cortam-se nove folhas de couve galega (três de cada vez) e lançam-se ao borralho. Se o mal de ar se manifesta numa criança, o receituário varia: vai-se pedir uma malga de grão de centeio a uma pessoa «pouco dadivosa», leva-se a moer ao moinho e passa-se a criança em cruz, ora de costas, ora de peito, por cima da mó, enquanto moi, devendo o moleiro tomar parte na operação. Nesta circunstância, o formulário recitativo reduz-se à sua expressão mais simples: «Em louvor do Santo Nome de Jesus», repetindo-se tantas vezes quantas as necessárias enquanto durar a operação da moedura. Concluída esta, embrulha-se a farinha na roupa da criança, a qual é atirada à água (corrente, de preferência). O regresso a casa deve realizar-se por caminho diferente, sem olhar para trás, nem falar, senão após ter entrado em casa, batendo a porta com força, para o ar não poder entrar. Ensalmo para talhar o ar (Melgaço) Toma-se sal virgem (que nunca tenha servido), e com ele na mão, fazem cruzes sobre o rosto do paciente, dizendo: Talho mau ar, Corrimento [dos ventos] E tolhimento Bota-te fora deste corpo, Vai-te para o mar coalhado: Ar de vivo, Ar de morto, Ar de excomungado, Ar de empecimento E ar de inveja, Q’antas calidades d’ares Possa haver e empecer, Eu te desconjuro Para o mar coalhado. Deixa este corpo

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São e salvo Como na hora Em que foi nado. Deita-se o sal em cruz para trás das costas do doente e para os lados. Toma-se mais sal miúdo e coloca-se com cuspo na testa, queixo e fontes, dizendo, simultaneamente: Nada tirei, Mezinha farei Pela graça de Deus e da Virgem Maria. Ensalmo para talhar o ar (Santa Eulália de Fermentões) Com um rosário lançado sobre o ombro direito e com uma faca que tenha aço vão-se fazendo cruzes sobre o peito do paciente, dizendo: Eu te talho Ar de dia, Ar de janela, Ar de viela, Ar de morto, Ar de vivo, Ar dexcamungado, Ar corrupto, Ar da noite, Ar da Trindade, Ar do lar, Ar do ar, Ou que no ar viesse, Ou requerido ou empecido, Ou porque alguém o botasse Ou que contigo entrasse, Ar das encruzilhadas, Ar dos adros, Ar das campas, Ar das praças, Ar ds fontes, Ar dos rios, Ar das minas, E todo o ar que em ti esteja Metido ou requerido, Ou que alguém te botasse Ou que contigo entrasse. Eu te talho Eu te quero talhar, E com esta faca Te quero cortar. Eu te mando contar As estrelas do céu, E as areias do mar.

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Ao acabar estas palavras, aponta-se com a faca para o mar. E continua-se: Eu te desligo De quem te ligou, Eu te desamarro De quem te amarrou, Eu te desembruxo De quem te embruxou, Eu te desenfeitiço De quem te enfeitiçou, Para que deixes esta criatura Comer, beber, passear E ser alegre como até agora. Este ar deve ser talhado até ao peito e depois talha-se das unhas dos pés até aos ombros, dizendo: Eu te talho dos pés à barriga, Da barriga para as costas, E das costas para o monte marinho Onde não haja pão nem vinho Nem bafo de menino Para que fique tudo em nada E quem este mal te tenha botado Debaixo do meu pé direito seja sepultado. De cada vez que se talha, se chamará pelo nome da criatura, dizendo: Como Nossa Senhora defumou Seu amado filho para o incensar, Assim eu te defumo pra sarares. Assim como eu te estou defumando Virado para o nascente Assim tu fiques são e salvo para sempre. Jesus, nome de Jesus, Eu te talho em cruz. Conclui-se com um defumadouro, dado pela manhã, em lugar escuro, com: 3 pedras de sal; 3 pingas de azeite da candeia; 3 pedaços de fermento; 3 pedaços de excremento de boi; 1 caninho de arruda; 1 caninho de erva de Nossa Senhora; 3 cabeças de alho; ouro, incenso e mirra; 1 caninho de rameiro. Ensalmo para achumbar a criatura, i. e., talhar o ar (Alvações do Corgo, Santa Marta de Penaguião) Tomam-se três balas de chumbeira e derretem-se numa colher de ferro ou qualquer outro recipiente metálico. Pega-se num guardanapo de linho de Flandres e põe-se sobre a cabeça da criatura que tem o ar e, colocando a colher cheia de chumbo derretido sobre a cabeça do paciente, diz-se: Deus te fez, Deus te criou, Deus te tire o mal que t’antrou; Deus te fez, Deus te criou, Deus te desencanhe de quem te encanhou;

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Deus te fez, Deus te criou, Deus te tire o ar que t’antrou: Ou de sepultura Ou de campa Ou de defunto Ou de caveira Ou de bicho rasteiro Ou de galinha choca Ou de peneira: Em louvor da Virgem Maria Que o doente sararia. Salve Rainha. Posto isto, pega-se numa malga com meio-quartilho de água e nove pedras de sal e põe-se sobre a cabeça do doente, vertendo para ela o chumbo derretido; se ao entrar em contacto com a água, o chumbo estoirar, o paciente tem ar. Observa-se o chumbo e vê-se a figura que forma: um caixão, cobra, caveira, etc. Em seguida, deitam-se água e chumbo numa panela vazia. Repete-se toda a operação duas vezes e, finalmente, esconde-se a panela num sítio oculto. Esconjuro do ar Em Nome de Deus Padre, em nome de Deus Filho, em nome do Espírito Santo, ar vivo, ar morto, ar de estupor, ar de perlesia [= paralisia], ar arrenegado, ar excomungado, eu te arrenego, em nome da Santíssima Trindade, que saias do corpo desta Criatura ou animal e vás parar no mar sagrado, para que viva são e aliviado. Esconjuro do ar (Terras do Barroso) Ar dos vivos e ar dos mortos Ar dos corruptos e ar dos excomungados Ar do monte e ar da pedra da fonte Ar mau de todos os ares, vai-te daqui para as ondas do mar Por onde não possam navegar Assim como a erva de Nossa Senhora consagrada Assim esta criança fique sã e salva Pela graça de Deus e da Virgam Maria Um Padre Nossso e uma Ave-Maria. Benzedura do ar Jesus, que é santo nome de Jesus, onde está o nome de Jesus não entra mal nenhum. Ar maldito quem te trouxe aqui? Trouxe-te o mau dia, a má noite, o mau vento, o mau tempo, a má hora? Pois eu quero que te vás embora: Em boa hora, no bom tempo, no bom vento, na boa noite e no bom dia. P’ra isso te benzo: ar do ar, ar do fogo, ar do mar, ar de portas, ar frio, ar quente, ar da cama, ar da rua, ar na cabeça, ar nos pulmões, ar nos nervos, ar nos miolos, ar nos ouvidos e toda a qualidade de ar mau. Eu te benzo e esconjuro do corpo desta criatura que seja esconjurado para o outro lado do mar sejas deitado, no deserto te há[s]-des achar, onde viventes não tornes a incomodar, nem ouças aves cantar, nem José por Maria bradar, nem o filhinho pela mãe chamar. Vai, vai, não tornes a voltar, em louvor de Deus e do sacramento do altar. Jesus, Deus meu seja comigo e nos livre de todo o p’rigo: Um Padre-Nosso e uma Ave-Maria [...].

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AR xa, *feiticeira, *espíritos malignos, *encruzilhada, *cemitério ou *sepultura, *mina, *noite, luar, passagem sobre um ribeiro; *cinza de barrela abandonada, *peneira (à noite), alguns animais, preferencialmente os rasteiros (*ar de bicho), certos fenómenos atmosféricos, etc. Aos ares nocivos chamavam os latinos sideratio (sideratus = tolhido do ar, paralisado). Ar é sinónimo de *paralisia em português, consoante a lição de *Duarte Madeira Arrais: «Dar um ar, ter um acidente de paralisia; chama o vulgo este acidente, ar, porque nos corpos humanos causa como que os mesmos efeitos que nas plantas, que a malignidade dos ares faz secar». Por vezes, em benzeduras, a enfermidade é designada por *Barrabás e Caifás, nomes populares do *diabo. A *figa é *amuleto contra o mau ar, tal como as invocações de determinados santos, especialmente *São Longuinho, São Marques (*São Marcos), *São Paulo, *São João Baptista e *São Mateus. Uma criança pode apanhar ar (ser arejada) de diversos modos: se a mãe grávida vir um defunto; de uma vassoura verde com que se varre a casa; ao esvoaçar de uma galinha choca; de um excomungado; do luar (só a madrinha o pode talhar). Após apanhar ar a criança fica magra, amarela e com a pele arrepiada. Em Vilar Seco (Nelas) sugerem-se duas fórmulas para cortar o ar: A. Dá-se a beber à criança nove dias seguidos um punhado de terra, da sepultura do defunto que provocou o mal, diluída em água, depois de fervida (Vilar Seco, Nelas); B. Leva-se a criança a um local onde exista relva verde, estendendo-se sobre ela com os braços abertos, marcando-se o seu contorno no chão. Corta-se a relva e coloca-se em água de um poço, dizendo: «Assim como reverdeia a cana verde na mão de Nosso Senhor, assim reverdie o mal desta criança nesta relva deste chão. Em louvor da Sagrada Morte e Paixão». Repete-se o processo nove vezes, rezando-se de cada uma nove padre-nossos, nove ave-marias, nove glórias, nove salve-rainhas, nove credos. Se se preferir fazer uma vez só, terá de ser na primeira sexta-feira do mês, antes de nascer o sol ou depois de ele se pôr. Diz-se que para talhar o ar é de bom emprego

fermento cru e palhas alhas (folhas de alhos). Da sentença inquisitorial de *Ana Martins extrai-se que entendendo ela que todos os achaques têm ar, de que procedem, tratava primeiro do remédio com que o atalhava, benzendo o enfermo e dizendo as palavras: «se um to deu, três to tirem, que é Padre, Filho e Espírito Santo, três pessoas e um só Deus verdadeiro» [BN: Sentença de Ana Martins, fl. 20]. Outra *benzedora, *Mariana da Coluna, degredava o mal, em nome de Deus, da Virgem Maria, da Santíssima Trindade, para a «ilha do enxofre» ou para o «mar coalhado», locais que presumiam a impossibilidade do seu regresso [ANTT: Inq. Lisboa, proc. Mariana da Coluna, fl. 5v]. Algumas fórmulas terapeuticas ainda hoje prescritas passam pela utilização de pachos de água quente ou de água quente com sal e *escalda-pés de água com sal. Também podem ser utilizadas ventosas com as quais se corta o ar, operação realizada do seguinte modo: dentro de um alguidar de barro com água quente coloca-se uma púcara nova de barro, de boca para baixo. Por cima da púcara põe-se o pé ou a mão. Em seguida, benze-se a água e o pé ou a mão (3 vezes): Eu te benzo Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na década de 1940, o Dr. Fernando Cunha, médico na região de Loures, referia um outro tratamento: «Quando o tio Gaspar se convenceu que não passava o mal que atacou a senhora Margarida, mandou um estafeta à Malveira, com uma camisa da doente para consultar a bruxa [da Arruda]. Esta diagnosticou bem – um ar – e aconselhou que se abrisse um frango preto e o colocassem bem espalmado, sobre o peito da doente onde ficaria oito dias». Em Ponte da Barca, diz-se que na noite de Natal se pode andar na escuridão sem receio de apanhar ares ruins, medos e coisas más, porque essa noite é santa a todos os títulos. Na Madeira, diz-se que os porcos podem ser vítimas do mal do ar, razão por que se colocam junto dos chiqueiros garrafas de vidro espetadas em paus e ramos de *alecrim (Rosmarinus officinalis). Locuções: Dar ar ou dar um ar a alguém = moléstia súbita; Livra349

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AR DE BICHO te dos ares que te livrarás de males; Ares que limpam de noite e mulher de outrém, não há que fiar; Ares sarabulhentos, dão chuva ou ventos (Açores); Antes um tiro que uma pontada de ar. Quadra: «Ó minha caninha verde, / Verde cana d’encanar: / Morreram as velhas todas, / Já não há quem talhe o ar». Os mindéricos designam o ar por o invisível. Os viajantes da carreira da Índia fizeram, amiúde, referência a ares malignos, oriundos de terras africanas, causadores de febres e enfermidades. Frei João dos Santos (cf. Etiópia Oriental, Lisboa, v. 1, 1891, p. 51) cita um pau (matuvi = esterco de homem), «enfiado como contas e atado no braço», adoptado pelos cafres e pela gente da Índia como amuleto contra o ar. *Ar mudo, *ar ruim, *aragem, *defumadouro, *Luísa de Azevedo, *mal de ar, *raminho, *raminho de ar. BIBLIOGRAFIA AMARO, Ana Maria, Mal-de-ar em Macau, in Review of Culture, n. 9 (Fev.-Abr. 1990), p. 27-36; ANÓNIMO, Breve notícia sobre a cruz ou medalha de São Bento, Lisboa, 1896; ANÓNIMO, Escudo Impenetravel aos Trovoens, Rayos, Peste, e Ar corrupto. Administrado por S. Barbora Virgem, e martir. Accrescentado com a Cruz de S. Be[n]to, Estação do Ss. Sacramento, Breve, e Oração de S. Roberto cõtra maleficios, e Cabeça de S. Anastasio, Coimbra, 1730; ANÓNIMO, Explicação do que significão os Caracteres das Cruzes, e Letras de S. Zacharias, vertidas no nosso idioma Portuguez, as quaes andão escritas nas Medidas, de que agora novamente usa a devoção dos Fieis contra o grande Mal da Péste, Lisboa, 1756 [BPNM: Bib. Volante, 2-25-8-24 (11º)]; ANÓNIMO, Preservativo Espiritual, Remedio util, e conveniente para pessoas vexadas; singular, e experimentado para se conhecerem feitiços, vexações, e maleficios de qualquer sorte feitos a grandes, e pequenos. Contra o Mal de Peste, Rayos, Torvões, Tempestades, e Fogo, Lisboa, 1746 [BPNM: Bib. Volante, 2-15-3-33]; ANÓNIMO, Verba Sanctissima adversus aêris tempestates, Lisboa, s.d. [BPNM: Bib. Volante, 1-29-4-11 (29º)]; BRAGA, Alberto, Tradições e usanças populares, Esposende, 1924; CÂNDIDO LUSITANO, Santos patronos contra tempestades de raios em devotos hinos, 1767; CORREIA, Alberto, Etnografia da Beira Alta: nótulas referentes ao concelho de Sernancelhe, in Beira Alta, v. 31, n. 3 (1972), p. 338-340; GUÉRANGUER, Dom Próspero, Ensaio sobre a origem, significação e privilégios da medalha ou cruz de São Bento, Rio de Janeiro, 1872; LIMA, Augusto César Pires de, O Arejo e o Ar, in Portucale, nova série, n. 3-4 (Mai.-Ago. 1946), p. 102-107; RIBEIRO, L., Um ar, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 3 (1945), p. 336; SANTÍSSIMA TRINDADE, Frei Tomás da, Escudo carmelitano ou o Sagrado Escapulário do Carmo [...], Porto, 1747; VIEIRA, José Augusto da Silva, Literatura Popular de Vila Real, in Cadernos Culturais, s. 2, n. 3 (1987), p. 71-72

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AR DE BICHO Peçonha provocada por *aranha, *cão danado, *cobra, *galinha choca, *gata prenha, *lagarto, *pita choca, *salamantiga, *sapo, *toupeira. AR MUDO Designação do *ar quando provoca dor aguda. Em Sernancelhe, para cortar o ar mudo apontam-se como indispensáveis os seguintes ingredientes: um litro de vinagre, numa vasilha que se porá ao fogo; dois guilhos de moinho, ou uma rela, a qual vale por dois guilhos; pedaço de escória de ferro, vulgarmente chamado «torresmo de forja»; brasa de carvalho. A vasilha com vinagre já aquecido é colocada sob a parte doente. Os restantes ingredientes, previamente levados ao rubro, serão lançados no vinagre, cada uma por sua vez, à medida que se repete a fórmula: «Ó meu Divino Pai do Céu, / Pelo Vosso divino poder, / Retirai o ar maligno / Que esta alma está a sofrer! / P. N. e A. M.». Os vapores produzidos pelo *defumadouro devem ser canalizados para o paciente. AR RUIM *Ar, *arejo. ARA No mundo romano, *altar para as oferendas dirigidas às divindades protectoras dos moradores e bens de uma vila ou casal, à volta do qual se realizavam cerimónias religiosas em sua honra. Muitas vezes, este altar era constituído por uma pedra paralelipipédica, trabalhada artisticamente, que podia conter ou não inscrição votiva. Era o elemento fulcral do altarium (outeiro, colina ou alto sobranceiro à povoação, onde decorriam os referidos cultos). Nos nossos dias, muitas aras aparecem a servir de supedâneos a cruzeiros processionais de certos templos erguidos na proximidade de antigos outeiros, substituindo-os. Por vezes, encontravam-se sob telheiros de 3 ou 4 colunas (como acontece ainda hoje com algumas *alminhas), ou mesmo no interior de pequenos templos. Noutros casos, o recinto sagrado da ara era defendido por um muro mais ou menos alto, como os

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ARA que delimitam, actualmente, o *adro de muitas ermidas. Esse recinto entre nós foi designado por claustraum ou claustrelum que se conservam na toponímia minhota sob as formas de crasto, crastelo, cristelo e castelo. São conhecidos dois altares com cavidades ou pequenas pias: um na anta chamada Capela dos Mouros (Talhadas, Sever do Vouga, Aveiro) e outro no Castro de Guifões. No período romano, eram colocadas ao ar livre, destinando-se a depositar oferendas aos deuses. Até ao século VII, pelo menos, a cristianização não terá eliminado as práticas litúrgicas tradicionais, nas zonas rurais, realizadas no altarium (outeiro), apenas lhes desviando o alvo. Só a partir do século IX, com o início da organização paroquial, os outeiros terão sido dotados de ermidas. Uma *pedra de ara é indispensável para determinadas feitiçarias amorosas, enquanto um fragmento dela pode tornar-se um amuleto poderoso, utilizado em filtros e amavios: Paula de Sequeira confessou, em 20 de Agosto de 1591, que «mais que avera dez ou doze anos que nesta cidade [Baía, Brasil] Maria Vilela, natural do Porto, mulher de Miguel Ribeiro, morador nesta cidade, na rua de São Francisco, lhe disse que ela usava de muitas coisas para fazer querer-lhe bem seu marido e que primeiro pegara com Deus para isto, porém depois viu que Deus não quisera melhorar-lhe o seu marido, pegou com os diabos para isso, dizendo-lhe mais que ela mandara com muito trabalho buscar à igreja da Vila Velha um pedaço de pedra de ara e que lha trouxera um moço que então segundo lembrança sua estava com Cosme Rangel do qual moço não sabe o nome e vendo ela confessante isto, lhe pediu uma pequena para dar ao dito seu marido a qual lha deu e ela confessante a deu moída em pó em um copo de vinho ao dito seu marido António de Faria uma vez» (Primeira Visitação do Santo Ofício: confissões da Bahia, Rio de Janeiro, 1935, p. 50). As Ordenações do Reino (título III: Dos feiticeiros) condenavam liminarmente à morte todos quantos se apoderassem de ara, corporais, ou parte deles: «Estabelecemos que toda a pessoa de qualquer qualidade, de cidadão que seja, que de Lugar

Ara dedicada a Endovélico.

Sagrado ou não Sagrado tomar pedra de ara ou corporais, ou parte de cada uma dessas coisas, ou qualquer outra coisa Sagrada, para fazer com ela alguma feitiçaria, morra morte natural». As Constituições do Arcebispado de Lisboa (1588) proibiam «que nenhuma pessoa de qualquer estado e condição que seja, tome de lugar sagrado ou não sagrado, pedra de ara ou corporais ou parte de cada uma delas ou qualquer outra coisa sagrada» (XXV, 1). em Silves, no ano de 1708, quando se cavava um túmulo na catedral, duas mulheres de quem se dizia serem feiticeiras, foram surpreendidas a roubar dentes de um cadáver e pedaços de uma pedra de ara, supostamente para com ela realizarem ritos maléficos [Arq. Episcopal Faro: livro 105, devassa de Silves, t. 10 a 20]. È convicção difundida que a pedra de ara torna as mulheres estéreis quando lhe tocam ou roubam um pedaço, enquanto o padre está a dizer a missa (Mogadouro, Santo Tirso, etc.). O interdito resultou do facto de as mulheres tocarem na pedra para serem fecundas. No Alentejo crê-se que, colocada em saquinhos e trazida ao pescoço, livra de feitiços e dá felicidade nos amores. Em São Bartolomeu de Messines, aplicada sobre uma parte dorida desvanece a dor. Outrora, em Gondomar (Briteiros), uma mulher quando no seu estado interessante, ia ter com o pároco e este raspava um pedaço da pedra de ara de uma antiga capela de *São Simão, num monte pró351

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ARA COELI ximo, recolhendo ela algumas pitadas do pó que metia num saquinho que passava a trazer no seio para ter um parto feliz, após o qual o saquinho era devolvido a São Simão (cf. J. L. Vasconcelos, Cultos Pallicos em Portugal, in A Vanguarda, v. 1, n. 27, 7 Nov. 1880). BIBLIOGRAFIA CASTRO, Luís de Albuquerque e, Monumento megalítico da Capela dos Mouros (Arcas, Talhadas), in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959, p. 235-241; MIRANDA, Abílio, Ara zoomórfica, in Douro Litoral, s. 2, v. 2 (1944), p. 25-26; SANTOS, Joaquim Neves dos, Altar com covinhas no Castro de Guifões, in Studium Generale, v. 9, n. 1 (1962), p. 111-117

ARA COELI Invocação mariana, que o povo pronuncia *Arceles. ARADA, SERRA DA Na serra homónima (São Pedro do Sul) foram assinalados dois rochedos insculturados. No primeiro, situado a cerca de 400 m acima do castro da *Cárcoda e a 10 m ao lado do atalho, à direita de quem sobe, observam-se diversas covinhas e uma figura, interpretada como um ídolo, constituída por arcos de círculo envolvendo três covinhas. O outro rochedo acha-se distante cerca de 600 m do cabeço cimeiro do castro da Cárcoda, mesmo ao lado da estrada que conduz à localidade de Arada. Ocupa o centro de um afloramento (5,8 x 3,75 m), constituído por «penedias caoticamente dispostas», orientando-se para Oeste. Na sua superfície oval contam-se 68 covinhas e 57 gravuras (cruciformes, círculos raiados, serpentifor-

Decalque de um do rochedos insculturados da serra da Arada.

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mes, reticulados, ramiformes, halteres, etc.). No mesmo maciço são conhecidos mais dois penedos insculturados, um a nascente (eventual idoliforme), outro a poente (cópula e pequeno reticulado). BIBLIOGRAFIA SILVA, Celso Tavares da, Gravuras Rupestres inéditas da Beira-Alta, in Actas das III Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (1977), v. 1, Lisboa, 1978, p. 169; TAVARES, António Augusto, Convergência de Povos e Culturas no Noroeste Peninsular do Bronze final (através da arte rupestre do Vale do Vouga), in Bracara Augusta, v. 40 (1986-1987), p. 1-24

ARADO Numa das dez rochas insculturadas pelo método de picotagem, com figurações de bucrânios, do santuário exterior do *Escoural, ocorre um arado. O que mais surpreende quando se observa esta autêntica raridade, é a ausência na *arte rupestre nacional de outros testemunhos indubitáveis da actividade agrícola (bem representada na zona alpina, por exemplo), apontada pela arqueologia como a preocupação dominante no período em apreço. ARAGÃO, ANTÓNIO PEREIRA FERREA (1800?-1857) Doutor em Matemática pela Universidade de Paris, professor de Humanidades e escrivão do Tribunal da Relação de Lisboa. Autor de extensa produção literária, de que se destaca o drama original A Rainha Santa Isabel e D. Diniz (Lisboa, 1854) e, designadamente, o Diccionario Mnemothecnico, e um breve resumo das regras mais importantes da arte de ajudar a memória (Lisboa, 1850) e a Arte Latina Mnemothecnica para aprender a declinar e conjugar rapidamente, e a traduzir com facilidade (Lisboa, 1852), obras nas quais, segundo Inocêncio, alargou os limites da mnemotécnica (*arte da memória), «introduzindo e desenvolvendo fórmulas de sua composição e combinações fecundas e vantajosas». ARAGEM Coisa ruim. Manifesta-se às *horas abertas. *Ar, *mal de ar.

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ARÂNCIA ARANHA Entre gregos e romanos, uma teia de aranha encontrada sobre as estátuas dos deuses era presságio funesto. Pelo seu lado, o povo assegura que não é aconselhável matar as aranhas porque elas auguram dinheiro ou a felicidade. Nos teares e fábricas de lanifícios não se matam as aranhas, porque são causa de fartura (Lisboa) ou prenúncio de dinheiro (Paredes). Em Nisa, as tecedeiras dizem: «As zorras das aranhas nunca se fartam de fazer teias». É esse o significado atribuído ao sonho com aranhas, excepto quando acompanhadas das suas teias, que podem querer significar traições. O pão não leveda se uma aranha passar sobre a masseira. Uma aranha, à semelhança de outros animais peçonhentos, torna uma pessoa doente (*ar, *ar de bicho) se olhar para ela (Vilar Seco. Nelas, 1939). Em Coimbra, para afugentar uma aranha, diz-se: «São Bento, forte Aranha!», contando-se que quando o santo se preparava para beber o vinho consagrado um dia à missa, lhe caíra no cálice uma aranha que foi conservada como coisa sagrada. Para curar feridas aplicam-se--lhes teias de aranha que são hemostáticas (cf. Revista Lusitana, v. 5, p. 82). Contra as *sezões mete-se uma aranha viva (em alternativa uma *lagartixa) num canudo, que se põe ao pescoço até as sezões desaparecerem, à medida que o bicho vai mirrando, até morrer (cf. Revista Lusitana, v. 20, p. 79). A aranha dos matos (epeira diadema, L.) encurta a sua teia quando se aproxima chuva. Se se despega e anda pelo ar, em tempo de sementeira (no fim do Verão), crê-se que a colheita será boa. Para fazer sair da toca uma determinada espécie de aranha, denominada Padre Zé os rapazes de Castelo de Vide dizem: «Páde Zé, Páde Zé / Vem à porta ver quem é». Na Crónica de Dom Pedro (cap. IX) de Fernão Lopes, a aranha e a sua teia figuram a justiça, enquanto na Crónica de 1419 (cap. 34) o aracnídeo personifica a loucura de Afonso IV ainda infante, visto que os seus detractores para demonstrar que era inapto para suceder a seu pai, diziam que «andava como homem desmemoriado tirando aranhas pela parede». Num

conto tradicional, uma aranha casa com um rapaz e acaba por se transformar em rainha (cf. Revista Lusitana, v. 5, p. 82). As bruxas podem adquirir a aparência de aranhas. Os aranhões coxam (empeçonham) as pessoas. Ao indolentes chamam no Alentejo Brás Aranha: «É como o Brás Aranha: / Quando come sua [porque come muito] / Quando trabalha arreganha [trabalha pouco]». Locuções: São precisos sete alfaiates [são aranhas também] para matar uma aranha; Setecentos alfaiates, / Todos postos em campanha, / Com tesouras e agulhas, / Para matarem a aranha (Covilhã); Andar às aranhas (andar desnorteado ou confuso); Guardou-se da mosca, comeu-o a aranha; Quem quer ver um aranhão, é meter-lhe uma candeia na mão; Uma aranha de manhã é agoiro, ao meio dia preocupações e à noite esperanças (Madeira); Má aranha, má façanha (Gil Vicente). Ver Cavaleiro de Oliveira, Recreação Periódica (v. 2, p. 163) e Xavier de Ataíde Oliveira, Contos Tradicionais do Algarve, v. 1, Tavira, 1900, p. 282 (conto Aranha Encantada). ARANHA, LÁZARO *Mameluco capturado durante a primeira Visitação do *Santo Ofício no Brasil, por ter afirmado que só havia uma coisa imortal no mundo: «o carvão metido debaixo da terra» (cf. Adriana Romeiro, Todos os caminhos levam ao céu, p. 235). ARÂNCIO Variante do teónimo Arêncio, do qual são conhecidas nove epígrafes. Sabugal, Ferro (Covilhã), Castelejo e Zebras (Fundão), Ninho do Açor (Castelo Branco), Chão do Touro (Monsanto, Idanha-a-Nova), Tapada da Ordem (Rosmaninhal, Idanha-a-Nova), Moraleja e Arroyo Tumbon (Cória, Cáceres). José de Encarnação considera-o divindade tutelar (Divindades Indígenas sob o domínio Romano em Portugal, Lisboa, 1975, p. 103-108). Da localidade de Castelejo (Fundão) é oriunda uma ara com dedicatória ao par divino Arância e a Arâncio Eburóbrigos. 353

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ARATIBRUS BIBLIOGRAFIA PROENÇA, Tavares, Inscripções romanas de Castelo Branco, in O Arqueólogo Português, v. 12 (1907), p. 174-175; GARCIA, José Manuel, Epigrafia Lusitano-romana do Museu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco, 1984, n. 1, p. 45-46

ARAÚJO, JOÃO BARBOSA DE (1675 -?) Autor de Oraculo Poetico para intelligencia dos Poetas antigos ou Diccionario Fabuloso para lição dos modernos [BN: cod. alc. 322 a 327]. Revela profundos conhecimentos acerca do hermetismo em geral e, particularmente, acerca da *astrologia. BIBLIOGRAFIA PRIETO, Maria Helena, João Barbosa de Araújo, um mitógrafo português dos séculos XVII-XVIII: a presença das ciências ocultas na sua obra, in Actas do V Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, 1998; idem, Astrologia e astrologia em Portugal nos séculos XVII e XVIII, in Veredas, v. 3, tomo 1 (2000), p. 91-99; idem, João Barbosa de Araujo: mitógrafo português dos sécs. XVII-XVIII: análise dos códices alcobacenses da Biblioteca Nacional de Lisboa, Lisboa, [s.n.], 2001 [BN: R. 21568 V]

Cartografia dos teónimos Arentius /Arentia e suas variantes (Pedro Salvado, João Mendes Rosa e Amílcar Guerra, 2004). BIBLIOGRAFIA CURADO, F. P., Monumento votivo a Arentia, de Sabugal (conventus Scallabitanus), in Ficheiro Epigráfico, n. 27 (1984); GARCIA, José Manuel, Epigrafia Lusitano-romana do Museu Tavares Proença Júnior, Castelo Branco, 1984, n. 2, p. 47-48 e n. 3, p. 49-50; idem, Religiões Antigas de Portugal, Lisboa, 1991, p. 287, n. 16, p. 285, n. 11, p. 286, n. 12, 13 e 15; PEREIRA, Felix Alves, Os deuses igeditanos Arentius e Revelanganitaecus, in Boletim da Associação dos Archeologos Portuguezes, s. 5, v. 13, n. 1 (1913), p. 3-15; idem, Hierologia de um povo da Lusitânia (o deus Arentius), in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Letras, v. 1 (1936), p. 442448; ROCHA, António dos Santos, Ara luso-romana consagrada ao deus Arêncio, in Boletim da Sociedade Arqueológica Santos Rocha, v. 1, n. 10 (1909), p. 289-290; idem, O Deus Igeditano Arêncio, in Terra da Beira, n. 21 (1 Set. 1930); idem, Nova ara do Deus Arentius dos Igeditanos, in Rev. de Arqueologia, n. 1 (1932), p. 16-22; 60-64 e 86-92; SALVADO, Pedro / ROSA, João Mendes / GUERRA, Amílcar, Um monumento votivo a Arância e Arêncio, proveniente de Castelejo (concelho do Fundão), in Revista Portuguesa de Arqueologia, v. 7, n. 2 (2004), p. 237-242

Joaquim de Araújo, sacerdote e parapsicólogo português.

ARATIBRUS Provável divindade indígena, atestada por uma lápide de granito muito danificada, encontrada na Quinta da Polida (Castelo Branco): ARATIB/RO VER/nacVLVS /? Ciliae? LiB[ertus] [li]BeRi. Deu entrada no Museu Tavares Proença, em 1910. 354

ARAÚJO, PADRE JOAQUIM DE (1918-1999) /1 Sacerdote português. Parapsicólogo, membro do Centro Latino Americano de Parapsicologia (CLAP), fundado por Óscar Quevedo. Autor de Hipnotismo, Espiritismo, Feitiçaria e Exorcismo (Porto, 1993 [BN: SA 78022 V]).

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ARCA DA ALIANÇA ARAÚJO, MASCARENHAS LHAU Português, natural de Zanzibar. Espírita, teosofista, naturista e anarquista, colaborador de A Batalha. Autor de novelas ocultistas e de *magia, como a intitulada Um Sortilégio (Lisboa, 1924 [BN: L 7576 (2º) V]). ARBARIAICUS Epíteto do deus *Banda que ocorre numa epígrafe procedente de Capinha (Castelo Branco). ARCA Designação popular para *anta (Lafões, Lebução, Oliveira de Frades, Ponte de Lima), resultante da associação da forma fechada do dólmen com uma caixa ou arca. Também *arcainha (Besteiros), *arcal (Braga, Carrazeda de Anciães, Guimarães, Mirandela, Oliveira de Azeméis, Oliveira de Frades, Ponte de Lima, Sinfães, Vila Pouca de Aguiar, etc.) *arcanha (Mirandela), *arcela (Sinfães), *arcelas (Braga), *arcelo, *arcelos (Ponte de Lima), *arquinha (Carrazeda de Anciães), etc. *Orca. ARCA DA ALIANÇA Também Arca da Casa de Abinadab (I Samuel, VII, 1). No Êxodo (XXV, 10) Iavé explica a *Moisés a forma de proceder com vista à sua construção. Segundo o Deuteronómio tratava-se de um cofre de madeira de *acácia, exteriormente forrado de *ouro, destinado a guardar: o *maná, a vara de *Aarão e as Tábuas da Lei recebidas no monte Sinai. A derradeira menção à Arca da Aliança ocorre em II Crónicas (XXXV, 3). De acordo com os judeus ortodoxos, estará

Entrada da Arca da Aliança em Jericó: tela da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães).

há 25 séculos (desde a conquista de *Jerusalém por Nabucodonosor, em 586 a. C.) escondida numa câmara sob o Monte do Templo (investigações realizadas entre 1908 e 1911 não a detectaram). Porém, segundo investigações recentes, em parte suscitadas pela exegese do Kebra Nagast (uma espécie de Antigo Testamento etíope), poderá ter sido transferida (ou uma réplica dela) para a *Etiópia, por Menelique I (filho de *Salomão e da rainha de Saba, Makeda), aí se conservando ainda hoje sob custódia da igreja monofisita local. As catedrais monolíticas coptas de *Aquaxumo e de *Lalibela, visitadas e descritas por *Frei Francisco Álvares, são geralmente apontadas como as detentoras cíclicas da relíquia. *Abissínia, *Preste João. Por extensão, o armário onde, na sinagoga, se guarda a Torah, e o *sacrário da igreja Católica. Esta interpreta-a, ora como símbolo de Cristo, ora

Guia CASTANHEIRA DO RIBATEJO (convento de Nossa Senhora de Sub-serra): painel azulejar setecentista, actualmente na Quinta de São João do Marco; CASTELO VIEGAS (Coimbra): painel de azulejos (séc. XVIII) na capela-mor da igreja de Nossa Senhora da Conceição, do lado do Evangelho (legendas: arca foederis propitiorium Dei e Nunquam defuit eis); GUIMARÃES [MAS: inv. P 21 e 25]: dois óleos s/tela, provenientes da Colegiada local, figurando Aarão incensando a Arca da Aliança e Entrada da Arca da Aliança em Jericó; LISBOA [Tesouro da Sé de Lisboa]: a custódia da Sé de Lisboa, dita de D. José, acha-se alicerçada numa base quadrangular em que assentam os quatro Evangelistas dispostos em torno da Arca da Aliança; LOURIÇAL (convento): painel de azulejos setecentistas, no coro de cima; PENICHE (igreja de São Pedro): pintura s/madeira, no tecto da nave; SALVATERRA DE MAGOS (igreja paroquial): painel azulejar (séc. XVIII), na capela-mor.

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ARCA CINERÁRIA da Trindade, uma vez que encerra o *Maná (Verbo eterno), a Vara (poder) e as Tábuas da Lei (Divino Espírito). Os menestréis e jograis que se observam no interior de alguns templos românicos (Rio Mau; Santa Maria de Abade e Vilar de Frades, em Barcelos; Braga, etc.) podem ser entendidos como os herdeiros dos músicos que faziam ecoar os seus instrumentos em louvor do Eterno, em torno da Arca da Aliança (I Paralipomenos, XV, 16-28). BIBLIOGRAFIA BUDGE, Sir E. A. Wallis (ed.), The Queen of Sheba and her Only Son Menyelek (Kebra Nagast), Londres, 1932; HANCOCK, Graham, The Sign and the Seal: a quest for the lost Ark of the Covenant, Londres, 1993

ARCA CINERÁRIA Bloco lítico escavado em forma de pia, coberto com tampa, por vezes de grande espessura. O rito normal de enterramento na Lusitânia, pelo menos até meados ou final do século III d. C., foi a *incineração. A prática da *inumação parece ter-se generalizado apenas a partir do século IV d. C. Não obstante, algumas necrópoles apresentam ainda incinerações com alfaias dessa época (Lomba, Amarante e Fraga, Marco de Canaveses). ARCA DE NOÉ Caixa (hebraico, teváth) flutuante, por intermédio da qual, de acordo com a *Bíblia, foi possível salvaguardar da extinção provocada pelo *dilúvio (tb. referido por outras fontes antigas) um casal de cada espécie animal, bem como a família de Noé. Alegadamente, o patriarca recebeu de Deus (Genesis, VI, 14-16) instruções detalhadas sobre a dimensão, o formato, assim como acerca dos materiais a utilizar para garantir a sobrevivência das criaturas seleccionadas. Cinco meses volvidos sobre o dilúvio, a embarcação havia de pousar nos montes de Ararate e, dez dias depois, as suas portas seriam abertas para devolver à natureza as espécies que haviam sido recolhidas nela (idem, VII, 11; VII, 4 e 14). Na exegese agostiniana (Da Cidade de Deus, liv. XV, cap. XXVI), a arca de Noé «significa a Igreja que se salva pelo madeiro em que Cristo esteve suspenso; e a porta aberta no 356

A salvação dos eleitos – Arca de Noé: iluminura de uma Bíblia castelhana (ca. 1440) que pertenceu a Dom Afonso V [BA: ms. 52-XIII-1 / olim 54-XIV-34 / 51-XII.I-40, cap. II, fl. 6v].

lado da arca é sem dúvida a ferida do lado aberta pela lança». Iconografia: Na capela-mor da igreja de Nossa Senhora da Conceição, da localidade de Castelo Viegas (Coimbra) existe, do lado do Evangelho, um painel de azulejos setecentistas figurando a Construção da Arca de Noé (legenda: ut salvetur semen). ARCABUZADO *José Custódio, *Santo soldado. ARCÁDIA Região da península do Peloponeso (Grécia), nomeada a partir do semideus Arcas, filho de Zeus e da ninfa Calisto. Na literatura e nas artes visuais é metáfora do lugar fecundo (locus uberrimus) e idílico (locus amoenus), assimilável à Idade de Ouro e ao *Paraíso, apenas habitado por pastores, em comunhão com a natureza,

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ARCÁDIA onde reinam a paz, a simplicidade (*utopia). Na literatura, o tópico do universo bucólico pastoril foi glosado por Virgílio (Bucólicas), Jacobo Sannazaro (Arcadia, Toledo, 1549 [BÉv: Res 757]), Gaspar Gil Polo (La Diana Enamorada, 1564), Miguel de Cervantes (La Galatea, 1585), Lope de Vega (Arcadia, 1598), etc. Entre os autores nacionais, destacam-se: Jorge de Montemor (Los Siete Libros de la Diana, ca. 1559), Rodrigues Lobo (Primavera, 1601; Pastor Peregrino, 1608; O Desenganado, 1614), Sá de Miranda (Éclogas), *Fernão Álvares do Oriente (Lusitânia Transformada, 1607), Manuel Quintano de Vasconcelos (A Paciência Constante, 1622), Elói de Sá Soto Maior (Ribeiras do Mondego, 1623), João Nunes Freire (Os Campos Elíseos,

1626). *Campos Elíseos. Por iniciativa dos poetas Cruz e Silva, Esteves Negrão e Teotónio Gomes de Carvalho, aos quais se havia de reunir Correia Garção, foi fundada em 1757, na cidade de Lisboa, uma *academia denominada Arcádia Lusitana (tb. conhecida por Arcádia Olissiponense), cujo objectivo consistia em subverter o espírito barroco, substituindo-o por uma estética neoclássica. Teve existência efémera, entrando em declínio em 1759 e extinguindo-se em 1774. Renasceria dois anos volvidos, sob a designação de Nova Arcádia, contando com Curvo Semedo, Bocage, José Agostinho de Macedo, etc., entre os seus académicos. Seria extinta no ano de 1794, legando o Almanaque das Musas como testemunho da actividade desenvolvida.

A Mata dos Sete Monte, adjacente ao convento de Cristo (Tomar), é descrita por Fernão Álvares do Oriente com o característico da Arcádia […]. Naquela parte da grande Lusitânia, que a natureza fez no sítio aos olhos mais oculta, e na frescura dos arvoredos, que a encobrem, mais aprazível, perto donde o rio Nabão, mais conhecido pela antiguidade de seu nome, que pela grandeza de sua corrente, e o claro Zêzere misturando as águas, juntamente com os seus nomes as vão entregar ao Tejo, que por douradas areias (desconto certo de todos os bens do mundo) as leva de mistura com as suas daí a pouco espaço ao mar salgado, numa abrigada ao pé de um alto monte, que de contínuo lava com a sua corrente um ribeiro, vive uma companhia de pastores que juntos debaixo do governo de Severo seu maioral, naqueles campos apascentam seus rebanhos. Aqui a par duma fonte clara se levanta um freixo antigo, que, estendendo os ramos sobre as águas, parece que ou estão contemplando no cristal líquido sua formosura, namorando-se, ou que, agradecido ao benefício, que das mesmas águas recebe, por natural impulso lho paga com a sombra, que de contínuo lhe fazem os ramos, que estende sobre a fonte cristalina. É naquela parte o clima tão temperado, que as ditosas flores, que ali nascem, se logram de uma perpétua primavera, de maneira que nem o frio inverno, nem o calmo estio lhe fazem com as suas alterações alguma injúria, que por particular dispensação do céu, alcançou aquele bosque deleitoso, privilégio de não ser tributário às mudanças do tempo, que tudo senhoreia. Costumavam neste lugar muitas vezes os pastores despender alguns pedaços do dia, que furtavam aos seus contínuos exercícios, em honestos passatempos para os quais a frescura do prado, e o apartamento dele lhe ofereciam seguríssima ocasião. E como os mais dos pastores, que naquele pacífico remanso passavam a vida, estavam desenganados da vaidade dela (mercê da longa experiência), o em que se entretinham, e deleitavam, era em contar casos diversos com que amor e fortuna, tiranos regedores do mundo, afligem nele quem os segue, para mais certo desengano de suas sem-razões, e mais firme segurança daquela vida, que lhe emprestava quietação tão descansada. [...]. Bem junto à ribeira do antigo Nabão, a par de um lugar fresco, a que os seus moradores por justa ocasião chamaram os Sete Montes, porquanto sete montes o rodeiam todo, está uma floresta tão oculta aos olhos dos pastores, que parece que não só à vista, mas também aos pensamentos se nega entrada nela. Habitavam juntas neste sítio muitas Ninfas que, consagradas ao exercício de Diana, se negavam à comum ocupação da gente, fazendo de si ao Céu, sacríficio perpétuo e consigo oferecendo à vista cá na terra um retrato natural do mesmo Céu. […].

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ARCÁDIO DE ANDRADE BIBLIOGRAFIA AVALLE-ARCE, J. B., La Novela Pastoril Española, Madrid, 1974; GANDRA, Manuel J., O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006, cap. VI; MUNLINACCI, Roberto, Do Palimpsesto ao Texto: a Novela Pastoril Portuguesa, Lisboa, 1999

ARCÁDIO DE ANDRADE Pseudónimo (?) do autor da Relação dos esquadroens da gente armada e outros sinais que no Ceo se virão no distrito de Barcellos no dia da infelice batalha de Alcacere da qual tirou hum publico instrumento. ARCAINHA *Anta. ARCAL *Anta. ARCANHA *Anta. ARCALAUS Bruxo do *Amadis de Gaula. ARCÂNGELA DO SACRAMENTO Discípula do *padre António de Fonseca, sacerdote expulso da sua congregação acusado do crime de *molinismo (*quietismo), pelo qual saíria penitenciado no auto-da-fé da Inquisição de Coimbra, de 14 de Julho de 1699. Arcângela do Sacramento havia de ser sentenciada em 1701, por fingir milagres para «ser tida e reputada por santa» [BÉv: cod. CVI / 1-41, n. 12]. BIBLIOGRAFIA MARTINS, Mário, O anti-quietismo em Portugal, in Brotéria, v. 37, n. 6 (1943), p. 519-531; REMÉDIOS, Mendes dos, Um processo sensacional na inquisição de Coimbra ao fechar do século XVII, Coimbra, 1925

ARCANJO Do latim, archangelus, acima de anjo. Anjos da esfera de Mercúrio, os quais partilham com os *Principados a condução do destino dos povos e nações, competindo-lhes, de acordo com o Pseudo-Dionísio, a comunicação dos decretos divinos, bem como «as obras mais heróicas e graves», eventualmente, a razão por que envergam armadura. No Novo Testamento o termo arcanjo apenas ocorre duas vezes, nas Epístolas 358

Santos Arcanjos Rafael Uriel Gabriel Micael Sealtiel Iehudiel Barachiel: registo (143 x 108 mm) da Loja de José Fonseca do Arsenal, cuja maior curiosidade reside na circunstância de adoptar a perspectiva da gnose cristã acerca dos sete arcanjos.

I aos Tessalonicenses e de São Judas, na qual só *São Miguel é citado como pertencendo a esta Ordem de entidades angélicas. Dos sete arcanjos que «estão diante da face de Deus» (Apocalipse, VIII, 2), os três principais (e únicos admitidos pelo concílio de Latrão, de 756, por se acharem citados na Bíblia), são São Miguel [= «grande príncipe» (Daniel, XII, 1)], *São Gabriel [= «Anjo intérprete» (Lucas, I)] e *São Rafael [anjo curador (Tobias, XII)]. Os nomes dos restantes não são consensuais, ocorrendo as variações mais sensíveis nos apócrifos e nos deuterocanónicos. Miguel, Gabriel, Rafael e Uriel são citados nos Papyri Graecae Magicae como arcontes (grandes anjos), com a função de proteger e tutelar as nações. Os monarcas nacionais desde Dom Miguel a Dom Manuel II e, à sua semelhança, o Imperador do Brasil, bem como diversos Infantes, tomaram no bap-

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ARCANJO

Os sete arcanjos da tradição gnóstica em telas setecentistas do convento dos Cardais (Lisboa).

tismo os nomes de Miguel, Gabriel e Rafael, alegadamente em virtude da devoção da coroa portuguesa aos três Arcanjos. Uriel animou Esdras, Barachiel precedia Moisés, Ieudiel foi preceptor de Sem, filho de Noé, e Sealtiel deteve a mão de *Abraão quando o patriarca esteve prestes a sacrificar Isaac.

BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Devoção dos Sete Arcanjos que cercam o trono de Deos, com a explicação dos seus nomes, Lisboa, Desidério Marques Leão, 1823 [BN: R 23987 (19º) P]; GANDRA, Manuel J., Em torno do Anjo Custódio de Portugal e de outras Epifanias da Hierarquia Celeste no Monumento de Mafra, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 203-242; SEBASTIÁN, Santiago, Contrarreforma y barroco, Madrid, 1981, p. 315-318

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ARCELA ARCELA *Anta. ARCELAS *Anta. ARCELES *Ara Coeli. ARCELO *Anta. ARCELOS *Anta.

dos epítetos da Deusa Navia (ILER, 891) e do topónimo Arcobriga (CIL, II, 765 e 2419). Blasquez Martinez constata que Arco é um teónimo que surge como nome de pessoa em diversas inscrições peninsulares e uma vez sob a forma Arcco (CIL, II, 664). Ocorre ainda na Germânia sob as formas Artio e Artioni (donde *Artemisa). Sustenta o mesmo autor que o nome da divindade se relaciona com a raiz indoeuropeia Ork-s-os, *urso (arkós, em grego) e que será conveniente relacionar com este deus práticas de carácter mágico, como a manducação dos órgãos genitais do animal (Plínio, História Natural, VIII, 130). Só uma interpretatio flexível poderá justificar a persistência deste uso indígena na região em torno de Olisipo. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 103-104; idem, Primitivas Religiones ibéricas II. Religiones prerromanas, Madrid, 1983, p. 300

ARCO DA ALIANÇA *Arco-íris. BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, José Leite de, Tradições Populares de Portugal, § 137s.

O archote invertido, luminária para o além, num jazigo do cemitério dos Prazeres (Lisboa).

ARCHOTE Na mitologia clássica era atributo das três Euménides ou Fúrias, filhas do Inferno, que aí flagelavam aqueles que tinham mal vivido. Fonte de luz destinada a iluminar a caminhada da vida, simboliza, quando invertido, a morte e o outro mundo. ARCO O cognome de origem céltica Arco, vulgar na região calaico-lusitana, é raro no aro olisiponense, onde apenas se conhecem dois exemplos: um oriundo das proximidades da igreja de São Domingos da Fanga da Fé (Encarnação, Mafra) e outro proveniente da capela de São João Baptista de Torres Vedras (CIL, II, 321). Em Siguenza, Arco constitui o radical de um 360

ARCO-ÍRIS Fenómeno atmosférico. Também *arco da velha e *arco da aliança, expressão originada na circunstância de Deus ter dito na Lei Velha que poria no céu este sinal para expressar a sua aliança com a humanidade (Genesis, IX, 11-18). De todas as explanações ensaiadas desde a antiguidade sobre o arco-íris (*Aristóteles, Séneca, Vitellio, Qutb-al-din, Teodorico de Saxónia, Maurolycus, Antonio de Dominis, etc.), a de Descartes (1637) foi a primeira a aproximar-se da doutrina contemporânea. Crê o povo que no local onde as extremidades do arco-íris tocam o solo se acham enterradas panelas com ouro. Em algumas regiões (Beira Alta, Minho, etc) diz-se que mergulha nos rios para beber a água que depois cai sob a forma de chuva. A circunstância de o arco-íris ser prenúncio de chuva originou fórmulas, por vezes esconjuratórias, como as seguintes: «Arco-da-velha / Fitinha amarela / Menina bonita / Não cases com

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ARCO TRIUNFAL

Estela lusitano-romana do Museu de Torres Vedras: ostenta alto relevo justamente considerado por Ricardo Belo representação do arco-íris (a faixa em arco de círculo emergindo da terra, sob duas duplas circunferências concêntricas).

ela», ou «Arco-íris / Tira-te daqui / Meninas bonitas / Não gostam de ti». Se um arco-íris anuncia chuva, dois correspondem a uma chuvada a dobrar, circunstância que suscitou o dito seguinte em Vila Franca de Xira: «Dois arcos no céu / Carrega o chapéu / Arco ao poente / E arco ao nascente / Faz o céu contente». Locuções: Arco-íris contra a serra, chuva na terra, arco-íris contra o mar, tira os bois e põe-te a lavrar; O arco da velha à tarde / Não vem cá em balde (fórmula anunciadora de tempestade, em Borba). ARCO TRIUNFAL Edifício constituído por uma ou três arcadas rodeadas de colunas e decoradas com baixo-relevos. De simples portas sagradas os arcos de triunfo tornaram-se monumentos destinados a festejar os generais vencedores. O mais antigo de que há memória foi edificado no Forum romano, para comemorar a vitória de Fabius Maximus sobre os Alobroges, no ano 121 a. C. Na época imperial os arcos triunfais destinaram-se

Arco dos Familiares do Santo Ofício, concebido para a entrada de Filipe III em Lisboa, no ano de 1619 (segundo Lavanha).

a honrar a pessoa de um imperador ou a celebrar qualquer evento da história regional. 1. Na arquitectura cristã simboliza o triunfo da Igreja, situando-se no ponto de encontro da nave (corpo de Cristo) com a capela-mor ou o presbitério (cabeça de Cristo), e sempre num plano superior àquela. 2. Estrutura efémera, em forma de pórtico, muito comum por ocasião das entradas régias e de quaisquer outras festividades que envolvessem encenações do poder ou algum evento relevante de outra índole (bodas régias, etc.). FONTES ANÓNIMO, Descripçam do arco triunfal que a nação inglesa mandou levantar na occasião em que D. João e D. Maria d’Austria forão á Cathedral de Lisboa, Lisboa, 1708; CASTELO BRANCO, Mouzinho de Quevedo, Triumpho del monarcha Philippo Tercero en la felicissima entrada en Lisboa, Lisboa, Jorge Rodrigues, 1619; COUTINHO, Pascoal Ribeiro, Arco triunfal, idea, e allegoria, sobre a Fabula de Paris em o Monte Ida, cuja ficçam ha de servir para o Arco Triunfal, que a Rua dos Ourives do Ouro, celebra, em applausos dos felicissimos Desposorios das Augustas, Lusitanas Magestades, Lisboa, 1687;

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ARCO DA VELHA FERREIRA, Francisco Leitão, Idea poetica, epithalamica, panegyrica, que servio no arco triunfal que a nação italiana mandou levantar na occasião em que D. João V e D. Marianna d’Austria foram á cathedral de Lisboa em 22 de Dezembro de 1708, Lisboa, 1709; GUERREIRO, Afonso, Das Festas que se fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del rey D. Philippe primeiro de Portugal, Lisboa, Francisco Correa, 1581; LAVANHA, Juan Baptista, Viage de la Catholica Real Magestad del Rei D. Filipe III N. S. al reino de Portugal, Madrid, 1622 [BPNM: 1-35-8-1]; LEON, Manuel de, Triumpho Lusitano, aplauzos festivos, sumptuosidades Regias nos Augustos Desposorios de D. Pedro II com Maria Sophia Isabel de Baviera, Monarchas de Portugal. Relatão-se as grandezas, narrão-se as Entradas referemse as Festividades que se celebrarão na Cidade e Corte de Lisboa desde 11 Agosto-25 Outubro, Bruxelas, 1688; LOBO, Rodrigues, La Jornada que la Magestad Catholica del rey Don Phelippe III de las Hespanhas hizo a su Reyno de Portugal, y el Triumpho, y pompa con que le recibió la insigne Ciudad de Lisboa el año de 1619, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1623; ROBRILVO, Jacinto Pacheco, Arco triumphal, ideia allegorica sobre a fabula de Hyppomanes e Atalanta, cuja ficção ha de servir para o arco que os ourives do ouro celebram em applauso dos desposorios das Augustas Magestades de Portugal, Lisboa, 1708; SCHIOPETTA, Domingos, Descripção do Arco Triunfal que os moradores circumvizinhos do Rocio desta Capital fizerão construir junto à rua denominada do Amparo, debaixo da direcção do celebre Pintor e Architecto Domingos Schiopetta, para receber com a dignidade que se torna compatível com as suas proporções a Illustre Junta Provisoria do Supremo Governo do Reino, Lisboa, 1820 [tb. in Mnemosine Constitucional, n. 7 (2 Out. 1820)]; SIMÕES, J. M. dos Santos, A «Entrada» de D. Filipe II em Tomar, 1619, Tomar, 1943; VÉLAZQUEZ, Isidro, La entrada que en el reino de Portugal hizo la SCRM de Don Philipe invictissimo rey de las Españas segundo deste nombre, primero de Portugal, assí con su real presencia como con el exército de su felice campo, Lisboa, 1583 BIBLIOGRAFIA AAVV, A Festa (VIII Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Estudos do século XVIII – Lisboa, 18 a 22 de Novembro de 1992), Lisboa, 1992 (2 vols.); AAVV, Rituais e Cerimónias (coord. Joaquim Ramos de Carvalho), Coimbra, 1993; AAVV, Arte Efémera em Portugal (coord. João Castel-Branco Pereira), Lisboa, 2000; AAVV, História das Festas (coord. Carlos Guardado da Silva), in Turres Veteras, v. 8 (2006); ALMEIDA, M. Lopes de (Leitura e revisão), Memorial de Pero Roiz Soares, Coimbra, 1953; ALVES, Ana Maria, As Entradas Régias Portuguesas: uma visão de conjunto, Lisboa, 198?; ALVES, Joaquim Jaime Ferreira , A Festa Barroca no Porto ao serviço da Família Real na segunda metade do século XVIII, Porto, 1988; ARES MONTES, José, Los poetas portugueses, cronistas de la Jornada de Felipe III a Portugal, in Filologia Romanica, n. 7 (1990), p. 11-36; BARBOSA, I. de Vilhena, O arco triumphal romano da praça de Évora, in Archivo Pittoresco, v. 6 (1863), p. 286-287; BIRKMEYER, Karl M., The Arch motif in Netherlandish Painting of the fifteenth Century, in The Art Bulletin, v. 43, n. 1 (Mai. 1961), p. 1-20 e n. 2, p. 95-112; BORGES, Nelson Correia, A Arte nas Festas do Casamento de D. Pedro II: Lisboa, 1687, Aveiro, 197?; BRAZÃO, Eduardo, A Recepção de uma Rainha: festas lisboetas no século XVII, in Bol. Cultural e Estatístico da Câmara Municipal de Lisboa, v. 1, n. 2 (1937); C. M., Arcos triunfais, in Feira da Ladra, v. 2 (1930), p. 141-142 [arcos erguidos por oca-

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sião do casamento de D. José, em 1763]; DIAS, João Pereira, La Scénographie Baroque au Portugal, in XVI Congrès International d’ Histoire de l’Art, v. 2, Lisboa-Porto, 1949, p. 329332; FERNANDES, Maria Manuel Campos Milheiro, A Festa barroca e a Arte Efémera, in Cadernos do Noroeste, série História, v. 3, n. 20 (1-2), (2003); FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B., Continuidade e ruptura do ideal barroca das entradas Régias do século XIX: alguns exemplos, in Cadernos do Noroeste, v. 20 (1-2), s. História, v. 3, n. 20 (1-2) (2003), p. 43-66; LOURENÇO; Maria Paula Marçal, A Entrada da Rainha D. Catarina de Áustria por terras do Alentejo em 1525: Triunfo, Festa e Poder, in A Cidade de Évora, s. 2, n. 6 (2002-2006), p. 161-177; LUCENA, Armando de, Arcos Triunfais de romarias, in Bol. Junta de Província de Estremadura, n. 12 (1946), p. 235-237; MONTEZ, Paulino, As belas-artes nas festas públicas em Portugal, Lisboa, 1931; PENA SUEIRO, Nieves, Las Relaciones de sucesos en la Colección de Misceláneas de la Biblioteca Geral de Coimbra, in XII Xornadas Anabad-Galicia (24-26 de Abril de 1997), p. 885-893; PENA SUEIRO, Nieves, Las Relaciones de sucesos manuscritas en la Biblioteca Geral de Coimbra, in IV Congreso Internacional de la A.I.S.O. (Alcalá de Henares, 22 a 27 de Julho de 1996); PIZARRO GÓMEZ, F. J., Emblemas y jeroglíficos en la entrada triunfal de Felipe III en Lisboa (1619), in Norba Arte (Cáceres), v. 5 (1984), p. 163176 e v. 6 (1985), p. 65-83; VELOSO, Carlos, Festa barroca e arquitectura efémera em Portugal, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, n. 21 (Out. 1997), p. 41-70; XAVIER, Ângela Barreto / CARDIM, Pedro / ÁLVAREZ, Fernando Bouza, Festas que se fizeram pelo casamento do Rei D. Afonso VI, Lisboa, 1996

ARCO DA VELHA *Arco-íris. A associação da velha ao arcoíris, supõe-se originado pela corcova ou corcunda comum, quer ao arco, quer à velha. Ditos originados pelo avistamento de um arco da velha: «Arco da velha, / Tir te d’aí: / Meninas bonitas / Não são para ti» (Leça da Palmeira, Castelo de Paiva, etc.); «Arco da velha / Vai para Castela, / Faze uma casa, / Mete-te nela; / Tu c’um machado, / E eu c’uma serra / Ganharemos pão /P’ra comer dentro d’ela» (São Martinho de Guifões); «Arco da Nova, / Arco da Velha, Não bebas aí, / Que urinou a velha» (Basto); «Arco da velha, / Põe-te na quelha, /Fita vermelha, / Menina bonita / Não é para a velha» (Famalicão). Locuções: Fazer coisas do arco da velha = fazer coisas extraordinárias, próprias do diabo; Arco da velha por água espera; O arco da velha à tarde não vem cá em balde [i. e., anuncia tempestade]. BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, José Leite de, Tradições da Atmosfera em Portugal, in Era Nova (1880-81), p. 220-221

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ARESTAL, SERRA DO AREIA No Alentejo, para cativar um rapaz, uma rapariga faz que ele, sem saber, pise areia que ela recolhe para confecionar um *feitiço. AREIAS Invocação alusiva a uma *epifania mariana ocorrida na freguesia de São Vicente de Aljubarrota, ca. de 1630. Conta-se que uma mulher saiu do lugar dos Chãos, ao sol posto, para ir buscar água, tendo perdido as chaves de casa. Nas suas buscas infrutíferas, terá daparado com uma Senhora sentada sobre um penedo que lhe perguntou qual a razão do seu desespero. Resistindo, inicialmente, acabaria por contar o que sucedera, aconselhando-a a aparição a regressar a casa e a procurar as chaves num determinado local. Com grande surpresa sua, elas estavam no sítio indicado. Rejubilando, regressou ao local, encontrando a mesma Senhora, «muito formosa e resplandecente», que, desta feita, se apresentou, declarando o que desejava da mulher: que ela divulgasse entre os moradores que pretendia que lhe edificassem uma igreja com o título de Nossa Senhora das Areias, prometendo livrar das *sezões, maleitas e febres quem fosse aí invocá-la. Conhecido o caso, muita gente ia raspar o penedo, para com a areia recolhida fazer chás. Foi então que o bispo D. Dinis Melo decidiu intervir, mandando retirar o penedo para a casa onde costumava pernoitar em Aljubarrota, constatando-se, com espanto, que, apesar de toda a vigilância, a pedra reiteradas vezes voltou ao lugar de origem. AREJADA Adjectivo que se aplica à pessoa atingida por alguma emanação impura (ar mau). Em Loiro (Famalicão), a borralha (*cinza) da fogueira que se acende na noite de *Natal serve para lavar as crianças arejadas. AREJO Leite de Vasconcelos ouviu dizer a Avelino Pereira (Baião) que, por arejo, entra numa pessoa a alma de outra, ficando aquela com o

*corpo aberto. Quando tal ocorre, a pessoa em quem dá o arejo cai no chão, estrebucha e fala com a voz da alma que entrou nela e é conveniente os familiares dela cumprirem o que o *aberto declara, para a sua alma não ficar *alma penada. Em Vila Marim (Mesão Frio), para talhar o arejo vai-se a uma fonte nove dias ou três dias a eito e diz-se, deitando, de cada vez, três pedras de sal para trás das costas: «Ar e céu, estrelas vejo: / Se eu tenho algum ar / Ou algum arejo / Para trás das costas o despejo». BIBLIOGRAFIA LIMA, Augusto César Pires de, O Arejo e o Ar, in Portucale, nova série, n. 3-4 (Mai.-Ago. 1946), p. 102-107

ARENATA Pedra que «petisca fogo», como o sílex. ARES LUSITANO Divindade venerada a Norte do Tejo, a quem, segundo Tito Lívio e Estrabão, os *lusitanos sacrificavam bodes e cavalos de guerra. Sendo o *cavalo um dos símbolos do guerreiro, o seu sacrifício correspondia, entre as castas guerreiras indo-europeias, ao Ashvamedha e destinava-se a absorver a energia e a fecundidade solar do equídeo. A epígrafe de uma ara de Vila Boa de Montelongo reporta-se-lhe. Constituirão as estátuas dos denominados guerreiros lusitanos ou calaicos a representação antropomórfica do Ares indígena? *Guerreiro lusitano. ARESTAL, SERRA DO Serra situada na região do Baixo-Vouga, onde se acham identificados diversos arqueosítios, de entre as quais se salientam: uma necrópole dolménica, constituída por numerosas mamoas, uma anta, uma série de castros e duas estações de arte rupestre, distantes entre si cerca de 10 km e consideradas das mais curiosas entre o Vouga e o Douro. A. Fornos dos Moiros (Sever do Vouga): penedo granítico insculturado (4500 x 1500 mm), à Fonte da Urgueira, a cerca de 700 m de altitude, ocupando uma situação privilegiada, porquanto se acha exposto a poente, avistando-se dali o 363

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ARETUSA

Decalque de um dos penedos insculturados da serra do Arestal.

oceano e as colinas e campos marginais do Vouga; dominam nele a *espiral (dextrorsum e sinistrorsum), os círculos concêntricos e as covinhas, havendo ainda a registar outros petróglifos em conexão, porém de difícil interpretação. B. Outeiro dos Riscos (freg. Cepelos, Vale de Cambra): sito na Espirra Ovelha, por baixo do lugar de Gatão, a cerca de 600 m de altitude; é formado por três painéis separados por fracturas naturais do bloco cuja inclinação é acentuada; ao centro apresenta três grupos de círculos concêntricos, associados a algumas covinhas, encontrando-se ausentes quer a espiral, quer os sulcos unindo os sinais. É possível que tenha existido outra estação com arte rupestre na Serra do Arestal, de onde seria proveniente uma pedra com uma espiral insculturada, arrancada à serra por pedreiros e hoje no Museu Municipal de Arqueologia e Etnografia de Aveiro. BIBLIOGRAFIA SOUTO, Alberto, Art rupestre galaico-portugais: les sculptures de l’ Arestal, in Actas do XV Congrès International d’ Anthropologie et d’ Archéologie Préhistorique (PortoCoimbra, 1930), Paris, 1931, p. 410-413; SOUTO, Alberto, A Arte Rupestre em Portugal (entre Douro e Vouga): as insculturas da serra de Cambra e de Sever e a expansão das combinações circulares e espiralóides no norroeste peninsular, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 5, n. 4 (Porto, 1932), p. 288s., est. XIII, fig. 21; SOUTO, Alberto,

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Arqueologia Prehistorica do Distrito de Aveiro – Arte Rupestre: as insculturas do Arestal e o problema das combinações circulares e espiralóides do Noroeste Peninsular, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 4, n. 13 (1938), p. 5-19

ARETUSA Ninfa acompanhante de *Artemisa-Diana. Ao ser perseguida por *Alfeo, *Diana transformá-la-ia em fonte, em consequência do que o filho do Oceano e de Tétis, regressando à sua natureza fluvial, a tornou a perseguir, subterraneamente, desde Elide até à Sicília, onde ela reapareceu em Ortígia (Siracusa), misturando, enfim, as suas águas com as de Alfeo. Cf. Camões, Écloga VII. Glosando a fábula mitológica que se lhe reporta, a Fénix Renascida inclui o poema burlesco Fabula de Alpheo e Arethusa (t. IV, p. 274-302) de Pinheiro Arnaut. ICONOGRAFIA painel azulejar na quinta dos Azulejos.

ARGA, SERRA DE De constituição maioritariamente granítica, domina Caminha e o rio Lima. O Dr. João de Barros (Geographia dentre Douro e Minho) crisma os serranos de Arga de «gente belicosa e mui má de amansar e são quase como galegos e da mesma linguagem e traje». Diz-se que o guardião da serra é o *Santo do Chocalho, nome por que é conhecido *São Paulo Eremita, protector

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ARGA, SERRA DE

Quadras cantadas na romaria de Arga, alusivas ao carácter casamenteiro de São João Adeus que me vou embora Daqui me vou retirar: – Adeus cravos, adeus rosas Aqui vos deixo ficar. Adeus, meu amor, adeus, Este adeus me custa a vida… – Custa-me mais do que a morte esta nossa despedida. Ó meu senhor S. João d’Arga Ó meu Santinho adorado Eu vim de tão longe Para arranjar namorado. Ó meu senhor S. João d’Arga Eu bem alto, aqui vos digo: Não volto cá outro ano Sem trazer amor comigo. No altar de S. João Nascem rosas amarelas… S. João subiu ao céu A pedir pelas donzelas. Ó meu Senhor S. João Casai-me que bem podeis, Já tenho teias de aranha Naquilo que bem sabeis. Hei-de deixar ao relento Uma folha de figueira, Se S. João a orvalhar Hei-de encontrar quem me queira.

dos leprosos, cuja imagem, de tão rústica, terá dado origem ao anexim: «não te rias do santinho, que o teu mal vem pelo caminho». O carácter de montanha sagrada (de Arg = montanha solar), que desde tempos ancestrais credita a serra de Arga (testemunhado por diversos santuários rupestres), terá ditado a ulterior fixação de comunidades de anacoretas e eremitas, fazendo jus à aura sacral de inúmeros lugares mágicos, ainda, justamente reverenciados pelos povos dos concelhos de Viana do Castelo, Ponte

O santuário de São João de Arga na actualidade, herança de um antigo convento beneditino.

de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura, que, galgando a serra ou trepando a festo alguns lanços dela, acorrem a múltiplas romarias que, ciclicamente, insistem em visitá-los. Contudo, a mais genuína e concorrida de todas continua a ser a que tem por destino o antigo mosteiro Máximo de beneditinos (abadia secular desde o 2º quartel de quinhentos) onde são venerados São João de Arga e *Santo Aginha: o padroeiro tem direito a duas festas anuais, a do nascimento (24 de Junho) e a da sua degolação (29 de Agosto): Não custa admitir que, noutros tempos, o templo terá sido palco de rituais de passagem (iniciação sexual), nocturnos (romaria sem sol), persistindo hoje apenas a tradição de permanecer ao relento, durante a noite, junto ao santuário. Paga-se com *sal, *cebola, galinhas pretas, ovos e ramos de cravos a cura dos quistos da pele (também denominados *nascidos) e tumores (coisas ruins). S. João de Arga é tido como casamenteiro, existindo, num atalho para a sua igreja, o Penedo do casamento (igualmente denominado *Penedo do Gatanhal), para cima do qual as raparigas casadoiras atiram pedras, a fim de saberem quantos anos permanecerão solteiras. Os romeiros quando dão esmola a *São João, dãona também a um *São Gabriel degolando o demónio que se venera na igreja, dizendo que se destina a este, uma vez que, «nem de mal com o santinho, nem com o demónio […]». Santo Aginha, patrono dos ladrões, embora arredado 365

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ARGADILHO dos santorais oficiais, integra todas as procissões em andor próprio. São Lourenço da Montaria: o povo do vale do Âncora leva as suas vacas leiteiras, que incorpora na procissão, atrás do pálio; no final são ordenhadas e o leite distribuído pelos pobres; as mães que amamentam levam os filhos a esta romaria, com amuletos ao pescoço, que tocam no santo para ficarem imunes ao *mau-olhado. Santa Bárbara: os rapazes e as raparigas que «estão prometidas» esfregam na imagem os anéis, que trocam em seguida. Santo Ovídio: as mulheres, cujos maridos lhes são infiéis, prometem levar ao santo, no dia da sua festa (domingo de Espírito Santo), uma telha roubada, à cabeça, em silêncio (para cumprirem esta parte da promessa, metem um seixo na boca). Santa Justa: advogada contra a esterilidade feminina e dos casais desavindos que lhe fazem oferendas de linho, pombas e frangos brancos; no que pode ser considerado uma espécie de ordália, as raparigas integradas na romaria (19 de Julho) que se dirige à sua modesta capela, introduzem uma mão numa cavidade do Penedo da Virgem. Monte do Facho: local onde a Irmandade dos Clamores rezava longas ladainhas. Arte rupestre: Laje das Fogaças; Penedo das Ferraduras (Alto da Coroa); Penedo da Igreja dos Mouros (Encosta do Carvalho), etc. O *azevinho, que aqui existia em abundância, era associado às celebrações do solstício do Inverno. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, José Rosa, Os Santos da serra de Arga, in Arquivo do Alto Minho, v. 2 (1928), p. 94-96; idem, A serra desconhecida, in Viagem, n. 9 (1939); idem, A Serra de Arga, in Arquivo do Alto Minho, v. 7 (1957), p. 89-110; CONDE D’AURORA, Monografia do concelho de Ponte de Lima, Porto, 1946; COUTINHO, Artur, Mosaicos da Serra d’Arga, Viana do Castelo, 1997; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, A Romaria e São João d’Arga, in Geographica, v. 7, n. 28 (1971), p. 3-15; PASSOS, Carlos de, A Serra d’Arga, in Civilização, a. 10, n. 98 (Set.-Out. 1937), p. 29-31

ARGADILHO Dobadoura. Uma de *trovisco levada para a igreja e empunhada quando o padre levanta a *hóstia obriga as feiticeiras presentes a dançar (Celorico de Basto). ARGIROPEIA Designação da pequena obra alquímica. 366

ARGOLA Uma argola metálica (*prata) pode ocorrer como *amuleto, contra os acidentes da dentição (cf. Brás Luís de Abreu, Portugal Médico, Coimbra, 1726, p. 584, § 18). ARGONAUTAS Tripulantes da nau Argo que, segundo a mitologia helénica, navegaram até à Colquida (*Ásia) em busca do Velo ou *Tosão de Ouro. O episódio deu origem a muitas histórias fabulosas. Consta que entre os ca. de cinquenta heróis, liderados por Jasão, estavam Castor, Polux, *Hércules, Télamon, *Orfeu, *Atalanta e outros, expressamente seleccionados para a difícil expedição. Argonautas chamou *Camões aos portugueses, comparando a descoberta do caminho marítimo para a Índia com a expedição à Cólquida. No painel da portinhola da mão do coche de Dona Maria Benedita [MNCo] representa-se a cena de *Jasão sobraçando o *Velo de Ouro e dirigindo-se para a nave onde os argonautas o aguardam (Pedro Alexandrino?). BIBLIOGRAFIA APOLÓNIO RÓDIO, Os Argonautas (trad. José Maria da Costa e Silva), Lisboa, 1852; MAIA, F. de Abreu, Os Argonautas, in Almanaque de Ponte de Lima, v. 5 (1923), p. 162-166; SALGADO JÚNIOR, António, Os Lusíadas e o tema das argonáuticas (I. Ideia de um problema; II. Esboço da sua História), in Ocidente, v. 36, n. 134 (Jun. 1949), p. 281-296 [BN: J 5198 B]; SARMENTO, Francisco Martins, Os Argonautas, Porto, 1887; idem, Os Argonautas: subsídios para a história antiga do Ocidente, in Revista de Guimarães, v. 4, n. 1 (Jan. 1887), p. 5-20

ARGOS Pastor, morto por *Mercúrio, enquanto guardava o seu rebanho. Figura de *Cristo, também ele pastor, que vela pelo rebanho formado pelos seus fiéis. Iconografia: palácio Nacional de Queluz; escadório dos Cinco Sentidos do Bom Jesus de Braga. ARGUEIRA Pedra, oriunda do mar, que se coloca sobre o olho para o *argueiro (*treçolho) sair agarrado a ela. Também *argueireira. ARGUEIREIRA O mesmo que *argueira. Pedra utilizada para tirar o *argueiro.

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ARION ARGUEIRO *Treçolho. O mesmo que *arujo e *arujeiro. Tira-se com pedra *argueira, ou *argueireira, oriunda do mar. Em Alijó, dizem: «Corre, corre, cavalheiro, / Pela porta do ferreiro, / Que lá vem Santa Luzia / Pra me tirar este arujeiro». Em Idanha-a-Velha, deitam-se, entre a conjuntiva e o globo ocular, três ou cinco sementes de erva dos olhos (*alfavaca de cobra) e esfregam-se as pálpebras. Já na localidade de Tolosa, metem a pálpebra inferior debaixo da superior, ou vice versa, dizendo: «Algueirinho, algueirinho, / Vai para o teu palheirinho, / Que lá está uma faca de latão, / Que corta o teu coração». *Santa Luzia. ARIANISMO Heresia proclamada em 318, no Egipto, por Arius († 331), discípulo de Luciano de Antioquia, o qual havia e ser anatemizado no ano de 320, terminando desterrado por decisão do Concílio de Niceia (325). Nega a coeternidade, a consubstancialidade e a divindade do Verbo, conforme ela é reivindicada por Mateus (XI, 27) e João (X, 36). O Filho apenas é considerado Deus por adopção, não por natureza. Asseverava Arius que, se o Filho se acha subordinado ao Pai, não pode ser absolutamente Deus e não sendo igual ao Pai, não é da mesma essência dele. Assim sendo, existiam dois Deuses iguais em tudo. Por outro lado, sendo a substância divina absolutamente simples, indivisível e imutável, Deus não pode criar, i. e., produzir e tirar algo da sua própria substância, o que tornaria criação e geração sinónimos. Em suma, não sendo eterno, o Filho só pode ser uma criatura (um ser que nasceu no tempo e teve começo), participando das imperfeições delas, inclusivamente no plano moral. Apesar de tudo, o arianismo não contestava a missão messiânica de Jesus, por cuja pessoa professava singular veneração. Após terem conquistado o Império romano, os germanos converteram-se ao arianismo por influência de Ulfilas. *Potamius de Lisboa, bispo entre 355-356, foi adepto desta heresia. As invasões bárbaras da península fortaleceram a crença, a qual só em 589,

Tímpano do pórtico axial da igreja de São Pedro de Rates: ladeando Cristo em Glória (no interior da vesica piscis), dois Evangelistas espezinham Judas e Arius.

no terceiro concílio de Toledo, com a conversão de Recaredo, sob os auspícios de *São Leandro, começou a declinar. O *Credo, definindo a natureza trina de *Deus, consubstanciou a reacção católica ao arianismo. ARIMASPES Povo mítico que segundo certas descrições possuía um único olho e montava sempre a cavalo (cf. Zurara, Crónica da Guiné). ARIOLO Do latim, hariolus (adivinho). Santo Isidoro (Etimologias, liv. VIII, cap. 9) define os ariolos como aqueles que pronunciam preces nefandas ante as aras dos ídolos e oferecem sacrifícios para suscitar a resposta dos demónios. ARIOLOMANCIA Adivinhação por meio de ídolos. ARION Poeta e músico lendário, natural da ilha de Lesbos, a quem é creditada a invenção do ditirambo. No regresso de um concurso poético, de que foi vencedor, na Sicília, os marinheiros com quem navegava conspiraram com o fito de o roubar. Oferecerem-lhe, em alternativa, dois cenários: ser assassinado e ter um funeral condigno em terra, ou lançar-se ao mar. Nenhuma das hipóteses lhe agradando, para ganhar tempo, pediu para cantar uma última canção, o que lhe seria concedido. Pegando na lira, en367

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ARISTODEMO toaria um cântico de louvor a *Apolo que atraiu muitos golfinhos para junto da embarcação. Terminando, atirou-se ao mar, sendo recolhido por um dos golfinhos que o conduziu são e salvo para terra. Heródoto (I, 23-24) informa que Arion chegou a Corinto antes dos marinheiros que o julgavam afogado e tendo contado a sua aventura, ninguém acreditou nele. Porém, uma vez desembarcados e inquiridos acerca da sorte do poeta a quem muito estimava, o rei Periandro condenou-os à morte, depois de eles assegurarem que Arion optara por permanecer em Itália. Iconografia: o rápsodo montado num golfinho, num painel azulejar da quinta dos Anjos. ARISTODEMO *Buena-dicha.

em detrimento da Razão. O tema é referido no *Orto do Esposo, achando-se iconografado na Capela do Cruzeiro do Convento de Cristo. BIBLIOGRAFIA FIGUEIREDO, Borges de, Sobre uma passagem de Aristóteles relativa à Península Ibérica, in Revista Archeologica, v. 3 (1889), p. 97-99

ARITMOMANCIA Abarca uma grande diversidade de sistemas divinatórios baseados na manipulação dos números. ARITMOSOFIA *Algarismo, *número. ARLANÇA *Gigante do sexo feminino, companheira constante do cavaleiro Floriano do Deserto, no *Palmeirim de Inglaterra de Francisco de Morais. ARMAÇÃO DE CARNEIRO Os cornos do *carneiro podem ocorrer como *amuleto. ARMADOR DE IGREJA Encarregado de decorar uma igreja para a festa do *padroeiro, ou outra. Sinónimo de *zangaralheiro (Anatómico Jocoso, v. 1, p. 160). ARMAJONA *Almajona e *amazona.

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Capela do Cruzeiro do convento de Cristo: caixotão da abóbada, em que Filis cavalga Aristóteles.

ARMAMENTO *Amuleto complexo.

ARISTÓTELES Filósofo grego, discípulo de Platão e mestre de Alexandre Magno. O lai d’ Aristote, que se considera invenção de Henri d’Andely, expõe uma lenda medieval (cuja fonte directa são os Exempla de Jacques de Vitry, liv. 3, cap. 18) extraordinariamente difundida por estampas francesas e alemães de finais de quatrocentos e inícios de quinhentos, segundo a qual o estagirita, exemplo de sabedoria e virtudes, sofreu pública humilhação, servindo de montada à bela Filis (ou Campaspe) por se deixar conduzir pelo Amor

ARMAR O VULTO *Feitiço que consiste em construir um boneco, réplica do indivíduo cujo destino se pretende tolher, crivando-o de alfinetes, depois de feita a competente *rogação ou *esconjuro do *Mal de Inveja. *Ana do Moinho. *Boneca de cera. ARMAS (ARTE RUPESTRE) Motivo característico do ciclo rupestre filiforme, quer em modelos líticos, quer em armas do Bronze Final (espadas pistiliformes e do tipo «língua de carpa», em bronze), quer em model-

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ARMAS (ARTE RUPESTRE)

Guia Abrigos rupestres e grutas ABRIGO DA FAIA 3; ESCOURAL (Montemor-o-Novo): arco ocorre na parede da chaminé 1; FRAGA D’AIA (Paredes da Beira, São João da Pesqueira): antropomorfo armado de arco, em cena de caça aos cervídeos. Antas JUNCAIS (Queiriga, Sátão, Viseu): três homens armados, acompanhados por cães dão caça a um grupo de veados (esteio da cabeceira); LOBAGUEIRA 4 (Couto de Cima, Viseu): antropomorfo armado com arco e flecha. Penedos ao ar livre BELVER (Carrazeda de Ansiães); FONTE DA PEDRA (Picão, Castro Daire): punhal, atribuível ao Calcolítico e falcata; FRAGA DOS FUSOS (Sortes, Bragança); FRAGA DO PUIO (Picote, Miranda do Douro): arqueiro semi-esquemático em posição de tiro, com sol na sua rectaguarda; MOLELINHOS (Molelos, Tondela): punhais, lanças, facas curvas, alabardas e foices; MONTE DA LAJE (Valença): a dimensão excessiva de um dos punhais figurados (1,15 x 0,35 m), associado a um eventual ídolo (ou par divino?), pode reportar-se ao conceito de força que emana da divindade, conferindo poder e glória ao guerreiro (herói) que lhe consagra os feitos bélicos; PEDRA LETREIRA (Amieiros, Góis): 2 alabardas de silex (triângulos maiores) e pontas de seta (triângulos menores), um arco e seta e 2 hipotéticos escutiformes; PEDRA RISCADA; POÇO DA MOURA (Assares, Vila Flor, Bragança): Pedra Escrita; RIDEVIDES (Vilariça, Bragança): Pedra Escrita 1 e 2; TAPADA DO CORDEIRO (Alfândega da Fé, Bragança): Pedra Escrita; VALE DA CASA (Vila Nova de Foz Côa): as armas identificáveis concentram-se quase exclusivamente nas Rochas 6 e 10, sendo atribuíveis à Idade do Ferro: falcatas (duas das quais embainhadas, na R 6), dardos ou armas de arremeso, lanças, arcos e setas, uma espada ou machete de lâmina comprida e alguns escudos (um redondo e outros rectangulares); VALE DE JUNCAL (Mirandela): um arco isolado; VERMELHOSA (Vila Nova de Foz Côa): conjunto de oito rochas gravadas com cervídeos (típicas do Paleolítico) e de guerreiros a cavalo empunhando armas (Idade do Ferro).

os típicos da Idade do Ferro. Os artefactos deste tipo, presumivelmente do Bronze antigo (1800 a 1500 a. C.), ou eneolíticos, preferencialmente representados são as alabardas, os machados trapezoidais de encabamento directo, os punhais epicampaniformes, as falcatas, as lanças e as espadas. Ocorrem também o que se convencionou denominar escutiformes. No âmbito nacional o arqueosítio porventura mais representativo, a Norte do Douro, é Monte da Laje (Gandra, Valença), onde se observam figurações de espadas e de 2 punhais, aparentemente de folha lisa, associados a círculos, crê-se que insculturados posteriormente. *Alabarda, *espada, *estela, *estela do Sudoeste, *falcata, *lança, *machado, *punhal. Quanto aos arciformes têm sido interpretados como instrumentos de *caça ou guerra, e porque não,

igualmente, referência astronómica, remetendo para concepções míticas e cosmológicas?

Pormenor das insculturas da Pedra Letreira (Amieiros, Góis).

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ARMAS NACIONAIS

Pormenor das insculturas de Molelinhos (Molelos, Tondela). BIBLIOGRAFIA ALMAGRO, Martin, Las estelas decoradas del Suroeste Peninsular, Madrid, 1966; idem, Sobre la interpretación de las figuras en forma de hacha de las estelas decoradas de la Edad del Bronce, in Arquivo de Beja, v. 23-24 (19661967), p. 241-256; BAPTISTA, António Martinho, Arte Rupestre do Norte de Portugal: uma perspectiva, in Portugália, nova série, v. 4-5 (1983-1984), p. 78-80; BUENO-RAMÍREZ, P., Les plaques décorées alentejaines: un approche à son étude et analyse, in L’Anthropologie, v. 96, n. 2-3 (1992), p. 573-604; COSTAS GOBERNA, Fernando Javier / HIDALGO EUÑARRO, José Manuel / NÓVOA ÁLVAREZ, Pablo / PEÑA SANTOS, Antonio de la, Las representationes de armas en el grupo galaico de arte rupestre, in Los motivos de fauna y armas en los grabados prehistoricos del continente europeo, Vigo, 1997, p. 85-112; COSTAS GOBERNA, Fernando Javier / HIDALGO CUÑARRO, José Manuel / NOVOA ÁLVAREZ, Pablo / PEÑA SANTOS, António de la, Los motivos de fauna y armas en los grabados prehistóricos del continente europeo, Vigo, 1997; FERNÁNDEZ PINTOS, Julio, La Cronologia del Arte Rupestre Gallego: aproximacion a su problematica, in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu, 1989, p. 289-298; GOMES, Mário Varela / MONTEIRO, J. Pinho, As Estelas decoradas da Herdade de Pomar (Ervidel – Beja): estudo comparativo, in Setúbal Arqueológica, v. 2-3 (1976-1977), p. 281-343; SANCHES, Maria Jesus, Laje de Vale de Juncal – Mirandela, in Actas do Seminário Megalitismo no Centro de Portugal (Mangualde, Novembro, 1992), 1994; SANCHES, Maria Jesus / PINTO, Dulcineia Bernardo, O Arqueiro da Fraga do Puio, Relatório dos Trabalhos Arqueológicos realizados em Picote-Miranda do Douro em 2001 [IPA: policopiado]; idem, O arqueiro da Fraga do Puio (Picote-Miranda do Douro): estudo de uma estação com arte rupestre no Parque Natural do Douro Internacional, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 1, v. 1 (2002), p. 51-72; SILVA, Eduardo Jorge Lopes da / CUNHA, Ana Maria C. Leite da, As gravuras rupestres do Monte da Laje (Valença), in Arqueologia, n. 13 (Jun. 1986), p. 143-158 e in Livro de Homenagem a Jean Roche, Porto, 1989, p. 490-505

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ARMAS NACIONAIS Um mistério denso rodeia a adopção e a evolução das armas de Portugal. Sublinha Pero de Andrade Caminha que «se se quisesse mostrar que não aconteceu [a Visão de Ourique] assim seria tirar às armas deste reino um tão principal e pio fundamento». Se *Dom Afonso Henriques foi, efectivamente, aclamado de pé sobre o seu escudo-pavês antes da *batalha de Ourique (conforme sustenta José Mattoso) e o escudo heráldico dos reis de Portugal pretendia evocá-lo, é possível especular que poderia ter surgido, em determinada ocasião, a ideia de associar o brasão real à comemoração do feito militar. D. João II promoveu a reforma do brasão real em 1485, aparentemente suscitada nas Cortes de 1482 por alguns Procuradores dos Povos, os quais teriam proposto diversas modificações ao escudo das armas de Portugal, a saber: A. Retirar do escudo a cruz verde da Ordem de Avis; B. Endireitar os escudetes laterais, pois «jaziam derribados, com as pontas através para a cruz, o que era contra regra direita de armas e parecia significar alguma grande quebra, ou [der]rota recebida contra si em batalha campal, o que não era». A chamada operação de endireitar o escudo (i. e., os escudetes das ilhargas) terá subvertido irremediavelmente o significado das peças que compunham as armas nacionais, as quais na sua configuração original representavam a *Alma do Mundo, segundo Plotino: os três escudetes superiores voltados para a Inteligência (ou seja, para o interior) e o do meio e o inferior, voltados para a matéria (i. e., para o exterior). Ao proceder assim, D. João II terá entregue ao Corpo do Mundo, de acordo com o mesmo neoplatónico e a crer na tese exposta por Ismael Joaquim Spínola, a direcção do destino nacional, transformando-o, doravante, numa questão de pura mercearia. *Bandeira Republicana, *besantes, *quinas. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Manifesto politico do fundamento e origem das Armas dos Reynos de Portugal, fl. 178v-187v [BN: cod. 655]; BARATA, A. António Francisco, Divisa usada nos escudos do Conde D. Henrique de Borgonha e de seu filho D. Afonso Henriques: alterações por que tem passado o escudo, in Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, t. 4 (18??), p. 56; CÂNDIDO, Alfredo, A

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ARQUEOASTRONOMIA origem e o Simbolismo do Escudo Portuguez, in Feira da Ladra, v. 8, n. 1 (1937), p. 24-29; CONDE DE TOVAR, As Memórias de Álvaro Lopes, secretário del Rei D. João II – A Reforma do Brasão Real por D. João II, Lisboa, 1932; GANDRA, Manuel J., A Cristofania de Ourique: mito e profecia, Lisboa, 2002; MATOS, José de Assunção, As gloriosas bandeiras de Portugal: evolução histórica da Bandeira Nacional, Porto, 1961; MATTOS, Armando de, Evolução histórica das Armas Nacionais Portuguesas, Porto, 1939; MELO, Olímpio, de, A Bandeira Nacional, sua evolução desde a fundação da Monarquia até à actualidade, Lisboa, 1924; ROIG, Adrien, Mensagem: heráldica e poesia, in Fernando Pessoa: Mensagem – Poemas Esotéricos, Madrid, 1983, p. 280-312; SPÍNOLA, Ismael Joaquim, Da necessidade de restituir às Armas de Portugal os seus verdadeiros símbolos, in Revista de Guimarães, v. 70 (1960); VASCONCELOS, António de, O Escudo Português: Lenda e História, in Lusitânia, n. 2 (Mar. 1924), p. 171-185 e n. 3 (Jun. 1924), p. 321-337

ARMOMANCIA Adivinhação pelas espáduas de animais imolados. AROEIRA Pistacea lentiscus. Utilizada em defumadouros, para exorcizar as coisas ruins, para praticar esconjuros e, designadamente, para *tirar a Lua às crianças. A Senhora da *Atalaia (Aldeia Galega do Ribatejo, actual Montijo) apareceu sobre uma aroeira, de cujas folhas era produzido uma espécie de bálsamo, ou «resina cheirosa, que era remédio admirável para as sezões» (João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 239). AROUCA Vento assim denominado em Lousada: «De Arouca, vento muito, chuva pouca». *Arouquês, *ouroquês. AROUQUÊS Nome que se dá em Lousada ao vento que sopra de Arouca. Também *arouca, *ouroquês ARQUEOASTRONOMIA A arqueoastronomia é uma transdisciplina que tem por objecto o estudo do papel desempenhado pelos fenómenos astronómicos, como parte inalienável da cosmovisão das sociedades humanas de todos os quadrantes e épocas, desde a pré-história à actualidade e como elas os conectaram intimamente com o espaço habi-

tado, validando todos os seus sistemas de crenças e correspondentes instituições culturais. Deve a sua fundação a Sir Norman Lockyer (The Dawn of Astronomy, 1894) ao qual se associaria F. C. Penrose. Modernamente, contribuíram decisivamente para a institucionalização da arqueoastronomia os artigos de Gerald Hawkins, publicados na Revista Nature em 1963 e 1964 (ulteriormente editados no livro Stonehenge decoded, 1965), e do astrónomo Fred Hoyle (On Stonehenge, 1977). Como modus operandi a arqueoastronomia adopta, entre outros, os seguintes procedimentos: estuda as práticas astronómicas arcaicas (na origem dos calendários), bem como a astronomia cerimonial e o significado atribuído ao céu como paisagem ritualizada (fonte de hierofanias, teofanias e mitologias); relaciona a topografia de sítios (arqueotopografia) e de estruturas edificadas e respectivas orientações (azimutes) e configurações (geomancia) com as posições dos corpos celestes no momento da sua edificação (*precessão dos equinócios) ou com eventos astrais cíclicos que, a partir deles, possam ser observados ou previstos; investiga a eventual associação de acidentes geomorfológicos a fenómenos celestes; constata e interpreta a frequente interacção directa da luz solar com petróglifos ou com pictogramas, designadamente em estruturas astronomicamente significativas, como é o caso daquelas cuja orientação marca o nascimento do sol em certos dias-chave, como os solstícios, os equinócios, os *dias quartãs, etc. Cerca de 3000 a. C. o sol atingia durante o Verão uma declinação positiva até + 24º, enquanto durante o Inverno chegava até um máximo negativo de – 24º. De modo que sómente os dólmenes que se dirigem para a metade oriental do horizonte, com declinações entre os – 24º e os + 24º, se acham exactamente orientados para o nascer do sol em dois dias do ano: os dos solstícios. A orientação das antas portuguesas privilegia o nascer do sol do solstício de Inverno, para o qual apontam as entradas dos corredores (Alentejo), mas o alinhamento equinocial. Do mesmo modo, a orientação predominante dos cromeleques de planta oval (*Al371

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A partir da constatação das orientações «anómalas» dos templos de Apolo, do exame da mais antiga numismática e do estudo da mitologia do mundo helénico, Jean Richer logrou reconstituir as três gigantescas rodas zodiacais, centradas em Delfos, Delos e Sardes, que organizavam toda a Hélade. Utilizando a mesma metodologia, obteve resultados similares no que concerne ao mundo latino e à Península Ibérica.

Sólidos platónicos (foto de Graham Challifour): estes cinco poliedros regulares (cubo, tetraedro, octaedro, icosaedro e dodecaedro) não existem na natureza, tratando-se, portanto, de uma realidade metafísica. No National Museum of Antiquities of Scotland (Edimburgo) guardam-se 387 artefactos congéneres, datados do Neolítico, i. e., de ca. dois milénios antes de Platão, o seu alegado inventor.

mendres, Vale Maria do Meio, *São Cristóvão I, etc.) deixa entender que foram alinhados para o nascer do sol nos equinócios. Alguns dos cromeleques e alinhamentos edificados destinavam-se, aparentemente, a detectar a pequena irregularidade de 9’ verificada na órbita da Lua devido à atracção exercida pelo Sol, fenómeno que só tornou a ser conhecido com Tycho Brahe (1546-1601). Quem o assegura é o presti372

giado topógrafo britânico Alexander Thom, de parceria com o arqueólogo Euan Mackie. Advogam estes cientistas que a arquitectura protohistórica é a cabal expressão dos conhecimentos astronómicos dos respectivos construtores, não apenas pela sua configuração emblemática, mas, também, pelas correlações astronómicas e numerológicas detectáveis, quer em monumentos isolados, quer em sistemas deles, fre-

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ARQUIMIA quentemente dispersos por áreas enormes e, muitas vezes, distantes entre si várias dezenas de quilómetros. Dos dados apurados pelos astroarqueólogos é legítimo extrair três conclusões principais : A. Os construtores do neolítico estavam cientes da esfericidade da Terra, bem como das causas dos eclipses; B. Os monumentos megalíticos foram meticulosamente projectados, sendo o seu posicionamento e orientação determinados por cálculos astronómicos; C. As suas dimensões foram calculadas em função de um padrão geométrico unificado de molde a exprimirem números integrais com evidente significado simbólico e mágico (jarda megalítica = 82,9 cm). De quanto ficou dito se torna obrigatório inferir a existência de uma escola neolítica de filosofia matemática. Mais tarde enquadrada pelo druidismo celta, terá servido de modelo à comunidade de Samos, a dar-se crédito à tradição veiculada por Jâmblico e Clemente de Alexandria (Stromates, I, cap. XV), segundo a qual Pitágoras, seu fundador, jornadeara até ao extremo ocidente com o fim de se ilustrar. Tal assunção só vem corroborar a opinião expendida por *Aristóteles de a Filosofia ter passado dos *celtas aos gregos, posição igualmente perfilhada por doxógrafos como Diógenes Laércio, Diodoro de Sicília, Polyhistor, Suídas, Lucano ou Amiano Marcelino que chega a comparar as confrarias pitagóricas aos colégios druídicos. Do presumível local da sua mais remota manifestação, a ocidental praia hispânica, esse tão apetecido saber terá irradiado para o Norte da Europa, muitos séculos antes da chegada de fenícios e helenos, correspondendo os vectores da sua difusão aos sentidos predominantes da expansão da civilização megalítica. *Anta, *astrolatria. BIBLIOGRAFIA ANTONIO BELMONTE, Juan, As Leis do Céu: astronomia e civilizações antigas, Lisboa, 2003; BAUDOUIN, Marcel, La Préhistoire par les Étoiles: un chronomètre préhistorique, Paris, 1926; CRITCHLOW, Keith, Time stands still: new light on Megalithic Science, Londres, 1979; DUMAYROU, Guy-René, Géographie sidérale, Paris, 1975; HAWKINS, Gerald S., Stonehenge decoded, Londres, 1966; HOSKINS, Michael, A possible solstice marker in Northern Portugal, in Journal for the History of Astronomy, v. 21 (1997), p. 79-82; HOSKINS, M. / CALADO, Manuel, Orientations

of Iberian Tombs: Central Alentejo Region of Portugal, in Archaeoastronomy, v. 23 (1998), p. 77-82; KRUPP, Edwin C., As Antigas Astronomias, Lisboa, 198?; OLDHAM, Robert, Antas of thr Portuguese Alentejo: structural orientation to Stars? (Stone and Stars Project), [www. geocities.com / stoneandstars / Antas.html]; PENNICK, Nigel, Geomancy, Londres, 1979; RICHER, Jean, Géographie Sacrée du Monde Grec: croyances astrales des anciens grecs, Paris, 1967 e 1983; idem, Géographie Sacrée du Monde Romain, Paris, 1985; SILVA, Marciano da, Conjecturas sobre astronomia megalítica (Comunicação apresentada ao I Simpósio Transformação e Mudança, Cascais, 1993); idem, The Spring Moon, in Archaeoastronomy (2004); SILVA, C. M. / CALADO, Manuel, New astronomically significant directions of the Central Alentejo Megalithic Monuments, in Journal of Iberian Archaeology, n. 5 (2003), p. 67-88; THOM, Alexander, Megalithic sites in Britain, Oxford, 1967; idem, Megalithic lunar observatories, Oxford, 1971; THOM, Alexander / THOM, A. S., Megalithic remains in Britain and Brittany, Oxford, 1978; WATKINS, Alfred, The old Straight Track: its mounds, beacons, moats, sites and mark stones, Londres, 1974; WOOD, John Edwin, Sun, Moon and Standing Stones, Oxford, 1980.

ARQUEU Espírito universal. ARQUIMIA O carácter aleatório da actividade dos homens do fole ou assopradores e dos químicos, uns como os outros incapazes de explicar os seus frequentes fracassos ou sucessos, foi recuperado no século XIX pelos Hiperquímicos, cujos teóricos mais ilustres, Berthelot, Paul Chevalier e Jolivet-Castellot, se empenharam na demonstração de que os processos alquímicos não passavam de meras operações químicas destituídas de toda e qualquer metafísica e veladas por uma linguagem criptográfica. Não sendo, no entanto, legítima a reivindicação para um químico, por mais genial que ele seja, da capacidade de realizar a Grande Obra a partir dos seus conhecimentos científicos, também não é de enjeitar que o puro empirismo, lado a lado com técnicas artesanais secretas todavia distintas da alquimia, tenha concorrido para descobertas e transmutações bem sucedidas como aquelas celebradas por grande número de medalhas, moedas e placas comemorativas, ou pelos inúmeros relatos probantes de testemunhas acima de qualquer suspeita como, por exemplo, Spinoza ou S. Vicente de Paulo. Se, porém, a realização no decurso da Crisopeia de um certo número 373

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ARQUIMISTA de operações materiais aparentadas com a química vulgar concorre para o resultado final de todo o processo, o sucesso deste dependerá, em última instância, da natureza do operador, isto é, do seu estado psíquico particular, fruto da efectiva captação e correcta manipulação do Espírito Universal, esse dinamismo que se obtem única e exclusivamente por revelação divina e que agrega e coagula a matéria universal, sendo simultaneamente agente e paciente da Grande Obra e a sua principal e verdadeira incógnita. Muito a propósito sustentava, em 1889, o *Visconde de Figaniére em Submundo, Mundo, Supramundo – Estudos Esotéricos: «[...] Descobrir os segredos do mundo físico, é porém um objectivo de primeira importância; o erro só está na presunção de se poder por eles explicar os segredos supramundanos. Elimine-se esta presunção, e o mais não é só genuíno e louvável, mas um complemento necessário. Trabalhe a ciência física no próprio campo, e os transcendentalistas no seu, a ver se se encontram, eis o que pede a sã razão. Àquela compete estudar os efeitos, manifestos cá em baixo. O ponto de partida dos últimos é o primevo, o universal, a causa, o centro, tendo em vista a analogia e, como antecedente necessário da evolução, o envolvimento (envolvimento de quê? E que poderia ser senão de forças «espirituais», assim chamadas, aliás ultra-super-etéreas, envolvimento de «seres» nas suas infindas significações)». ARQUIMISTA Aquele que aspira a realizar a transmutação metálica por processos meramente químicos (não herméticos). ARQUINHA *Anta. ARQUINHA DA MOURA Anta sita na margem direita do Dão, a cerca de 600 m de distância da localidade que lhe dá o nome (Lageosa do Dão, Tondela, Viseu [coordenadas: latitude 40º 30’; declinação 5 ½º; cota: 324 m]). Assenta num afloramento granítico de grão grosseiro a médio, com grandes cris374

O xamã (geralmente interpretado como um esqueuomorfo de pele) protege, sob os braços flectidos, três antropomorfos, cuja menor dimensão denota a sua dependência dele.

tais de feldspato, visíveis à superfície, cujas propriedades piezoeléctricas certamente pesaram na escolha do local de implantação do monumento. De resto, no decurso das intervenções arqueológicas realizadas em 1991 e 1993 viria a ser detectado razoável número de peças de quartzo leitoso e algumas em quartzo hialino, também elas detentoras das mesmas qualidades «mágicas». Tratava-se, primitivamente, de um monumento envolvido por mamoa, constituído por câmara poligonal formada por sete esteios, mesa ou chapéu (pesando cerca de 4,6 toneladas) e um corredor com cinco esteios de cada lado. Quatro dos ortóstatos da câmara, com destaque para o da cabeceira (n. 9) e para o esteio 7, apresentam pinturas, quase exclusivamente a vermelho (duas tonalidades, às quais se associam uma figura a preto e pinturas periféricas alaranjadas) e maioritariamente esquemáticas: o ortóstato da cabeceira mostra um par de antropomorfos, um acima do outro, ligados pelas linhas radiais de um motivo circular, diversos outros antropomorfos, alguns dos quais nitidamente ictifálicos, e alguns quadrúpedes (cervídeo e caprídeo); no esteio 7 observa-se um grande *antropomorfo («pele esticada de animal» = esqueuomorfo de pele) protegen-

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ARQUITECTO do, sob os braços flectidos em ângulo recto, três figuras mais pequenas (*voo do xamã). Os esteios com vestígios de pintura são os n. 8 e 12. Constatou-se que os restos mortais dos inumados se achavam organizados por «tipos de ossos», como se a câmara do monumento constituísse um espaço vocacionado para a estruturação qualitativa das figuras tutelares dos antepassados, cujos crâneos não tinham face (não havia vestígios de qualquer osso da face). BIBLIOGRAFIA CUNHA, Ana Maria C. Leite da, Pinturas Rupestres na Anta da Arquinha da Moura (Conc. de Tondela, Viseu): notícia preliminar, in Estudos Pré-Históricos, v. 1, Viseu, 1993, p. 83-97; idem, Un dolmen peint portugais: Anta da Arquinha da Moura, in Archéologia, n. 304 (1994), p. 50-53; idem, Anta da Arquinha da Moura (Tondela), in Trabalhos de Antropologia e Etnologia (Actas do 1º Congresso de Arqueologia Peninsular, Actas 3), v. 35 (3) (1995), p. 133-151; JORGE, Vítor Oliveira, Questões de interpretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47-65; VAZ, João L. Inês / RAPOSO, Luís (coord.), Por Terras de Viriato: arqueologia da Região de Viseu, Viseu, 2000, p. 57 e 72-73

ARQUITECTO 1. Do grego, arkhitekton, literalmente: o primeiro (i. e., o chefe) dos carpinteiros. A *arquitectura tradicional assumindo-se como a arte de guiar ou conduzir as forças criativas da natureza, o seu exercício constituía prerrogativa da casta sacerdotal (posteriormente, das corpo-

O «arquitecto» vigilante, na sala do capítulo do mosteiro da Batalha.

rações de construtores), competindo ao arquitecto (magister fabricae, ou *mestre de obra) fazer jus à sua vocação de demiurgo, i. e., aquele que personifica o princípio organizador (não criador) do cosmos (Platão). De resto, segundo a Bíblia dos Setenta e a Vulgata, o «hapax legomenon ‘amon», seria não o arquétipo, antes o

Elenco sucinto das referências documentadas, entre os séculos XII e os inícios do XV, a arquitectos activos em Portugal, ressalvando a possibilidade de o termo pedreiro poder ter sido aplicado indistintamente tanto a simples operários que se dedicavam ao trabalho em pedreiras, quanto a pedreiros mais especializados, incluindo mestres de obra 1117 Numa inscrição, gravada em silhar, comemorativa da obra da igreja paroquial de S. Martinho de Manhente (Barcelos, Braga), lê-se a seguinte epígrafe revelando o nome do seu arquitecto: «MAGISTER / GUNDISALVUS FECIT / IN ERA : M : C : 2 / V : XOSLECTO»; 1144 Em diploma oriundo do mosteiro de Grijó, Soeiro Petrarius, indubitavelmente um mestre pedreiro, compromete-se a não abandonar as obras do cenóbio, tendo direito à alimentação e a um morabitino por mês (Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe-XIIIe Siècles, ed. Robert Durand, Paris-Lisboa, 1971, p. 78); 1162-1176 O Livro Preto (ed. A. de Vasconcelos, 1930, v. 1, p. 56), referente à acção do bispo D. Miguel de Salomão, a quem é devida a edificação da Sé Velha de Coimbra, patenteia a forma como os mestres Bernardo e Roberto se pagavam bem (aquele, aquele além da comida e da roupa, recebeu 124 morabitinos, durante os dez anos que chefiou as obras), além de comerem à mesa do bispo.

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1178 Num testamento feito em Guimarães, cita-se a dádiva de um pedreiro, durante um mês, para ajudar na edificação da ponte do Souto, sobre o Ave (Documentos de D. Sancho I (1174-1211), ed. Rui Pinto de Azevedo et allii, Coimbra, 1979, p. 119); 1186 Os pedreiros que trabalham na obra da Sé de Coimbra testemunham diploma deste ano: «[…] et omnes petrarii Sedis Sce Marie testis […]» (Livro Preto, doc. 8); 1209 (29 de Maio) Em documento da Colegiada de Guimarães, Dom Sancho garante a sua protecção aos pedreiros da ponte de Penamacor (Documentos de D. Sancho I (1174-1211), ed. Rui Pinto de Azevedo et allii, Coimbra, 1979, p. 152). 1258 Jacobus Petrarius e Garcia Petrarius são citados nas Inquirições realizadas neste ano (p. 458 e 736), em Lordelo (Porto) e em São Miguel do Castelo (Guimarães), respectivamente; 1279 Inscrição funerária de Mestre Domingos Anes, arquitecto da Sé de Silves, recenseada cerca de 1940, durante os trabalhos de restauro do templo, cujo paradeiro actual se desconhece: «Era : Mª : CCCª : XVIIª : AQ / UI : IAZ : DOMINGOS / IOH[A]N[ni]S : MEESTRE : / QUE : FUNDOU : ES / TA : OBRA:»; Séc. XIII (segunda metade) Inscrição gravada em silhar da igreja de São Pedro de Rates (Póvoa de Varzim), revelando a identidade do arquitecto do templo: «[…] / MAGI[ster] / PELAGIus [fe] / CIT HOC O[p] / US»; 1295-1305 Inscrição registando o nome do mestre arquitecto do Mosteiro de Odivelas: «ANTAM MarTINZ», gravada em capitel da respectiva igreja; 1320 Inscrição gravada em imposta do Paço da Audiência de Dom Dinis, em Estremoz, da qual consta o nome do arquitecto da obra: «ANTON ME ED[ificou]». Outra, insculpida em capitel de colunelo do salão nobre da Torre de Menagem do castelo de Estremoz, relativo ao mesmo mestre: «ANTON»; 1341 Na Chancelaria de D. Afonso IV (ed. A. H. de Oliveira Marques, v. 3, Lisboa, 1992, doc. 337) é mencionado «Martim Dominguez pedreiro que faz mós»; 1363 Na Chancelaria de D. Pedro I (ed. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, 1984, doc. 859) são referidos os «pedreiros que lavram na dita ponte [de Olivença]»; 1376 Numa inscrição gravada em lápide oriunda do castelo de Torres Novas (actualmente no Museu Municipal da localidade), lê-se: «[…] DESTA : OB / RA : FOI : M[estr]e : ST[evão] : DO[mingu]IZ : P / EDREIRO : Q[ue] : ESTO : FE / Z : E : LAVROU :»; 1378 Inscrição gravada em lápide, oriunda da igreja do Mosteiro de S. Domingos de Évora (actualmente no Museu Regional de Évora), comemorativa da edificação de uma capela na dita igreja, pelo mestre Francisco Domingues: «: ESTA : CAPELA : MANDOU : FAZER : / : FERNAN : GONCALVIZ : DARCA : / : SCUDEIRO : E COMECOUA : HE : / : ACABOUA : FRANCISCO : DominguIZ : / : MEESTRE : DOBRAS : DE : PEDR / ARIA : HE : FOI : ACABADA : ERA : / : DE : MIL : HE : CCCC : E : XVI : ANOS»; 1382 Inscrição comemorativa das obras no claustro do mosteiro de Alpendurada, ordenadas pelo abade Dom Afonso Martins e edificadas sob o traço de mestre João Garcia de Toledo: «[…] E FOI FEITA : PER : / MAAO : DE : IOH[a]N GARC / IA : DE TOLEDO : MEST / RE : E : VEEDOR : DAS OB /RAS : DELREY : DON FE / RNANDO : PATER NOS / TER / AVE MariA»;

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1387 (6 de Maio) Inscrição comemorativa do início das obras da igreja de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães), ordenadas por Dom João I, de que foi mestre João Garcia de Toledo: «[…] DOM IOHAN […] MANDOU FAZER E[sta] : / OB[r]A : DA QUAL FOY MEESTRE POR SEU MANDADO : IOHAN GARC[ia] : MESTRE : EN PEDR[aria : e :] FO / Y : ACABADA : [?] DIAS : DO MES : DE : [?] : ERA DE : MIL : e : CCCCe[?] : ANOS:»; 1389-1397 Inscrição gravada em colunelo da capela lateral Norte da igreja do convento do Carmo (Lisboa), provável assinatura do arquitecto do templo: «GOMEZ»; Séc. XIV Inscrição comemorativa da construção de casa particular de Bragança (Rua da Trindade, n. 42, antiga Rua da Costa Grande), gravada em aduelas: (A) – «ERA / DE M / …XIII / …»; (B) – «GARCIA M[estre]»; *Séc. XIV Inscrição gravada em silhar na face exterior da parede Sul da nave da igreja da Misericórdia de Melgaço (Viana do Castelo), provavelmente assinalando o nome do arquitecto da obra: «… LAVOR : MA… / DOMINGO D[ia]S» (isto é: «Foi deste lavor Mestre Domingo Dias»); *Séc. XIV (meados) Inscrição comemorativa da construção da Alfândega medieval do Porto (Casa do Infante), gravada em silhar do cunhal Noroeste do edifício, registando o nome do seu arquitecto, mestre João Anes Melacho: «DE SUA : OBRA / FOI : MEESTRE / IHOAm : EANES : M / ELACHO :»; 1403 (31 de Janeiro) Inscrição comemorativa da conclusão (?) das obras da Torre do Relógio de Serpa: «E[ra] : DE : MIL : CCCC : / XR : E HUm ANNOS XXXI / DIAS : DE IANEIRO : / AT D (?) VEDOR DESTA / OBRA ROI MARVOM (?) / ESTEVAM : MESTRE»; 1404 Inscrição comemorativa da construção da igreja matriz da Sertã, gravada em lápide, revelando o nome do arquitecto responsável João Anes Pereiro ou Pereira: «E[ra] : D[e] : MIL : CCCC : XL : II : / FOI : FEITA : ESTA : I / G[r]EIA : A [h]ONRA : / DE SAM : PEDR[o] / E FEZEA : IOH / AN EANES : P[e]R / EIRO : DE OUREm».

arquitecto, agente da criação do mundo. O primeiro e único arquitecto lusitano de que há conhecimento foi Caius Sevius Lupus, uma vez que a identidade de Gaius Iulius Lacer, a quem é creditada a ponte de Alcântara e o templo anexo, permanece incerta. Quanto a Caius Lupus, presume-se que tenha sido o construtor do farol da Corunha, obra romana do séc. I d. C., junto do qual consagrou uma inscrição a Marte [CIL II 2559 e 5639] onde se daclara architectus aeminiensis (arquitecto de Aeminium = Coimbra). Na nomenclatura da *maçonaria o termo reporta-se a Deus (*Grande Arquitecto do Universo), sendo, igualmente, sinónimo de *Hiram. *Gliptografia, *marca de canteiro, *marca corporativa, *marca lapidar, *pedreiro, *sigla corporativa.

BIBLIOGRAFIA SILVA, Joaquim Possidónio Narciso da, O que foi e é a architectura, e o que aprendem os architectos fora de Portugal, Lisboa, Imprensa Silviana, 1833

2. Invocação mariana venerada no Longo da Vila (Mafra). Ainda se não chegou a consenso quanto à origem desta devoção, também intitulada do *Socorro. Uma tradição popular atribui a construção da capela a um dos arquitectos do *convento de Mafra. Outra versão afirma que, em tempos remotos, um homem do mar em perigo, em consequência de uma tempestade, terá prometido a Nossa Senhora do Socorro que, caso se salvasse, mandaria construir uma capelinha em sua honra de cujo campanário não se enxergasse chaminé a fumegar (O Concelho de Mafra, 31 Jul. 1972). Uma 377

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ARQUITECTURA variante, decerto mais recente, informa que o devoto teria prometido edificar dois templos, um no ponto mais alto e outro no ponto mais baixo do concelho, isto é, na Serra do Socorro (Enxara do Bispo) e no Arquitecto, respectivamente. Ora, como a actual configuração administrativa do Concelho de Mafra, abarcando o extinto município da Enxara dos Cavaleiros, data apenas de 1855, a lenda não pode ser anterior, perdendo verosimilhança. Ao certo, sabe-se que, no ano de 1759, existia «[...] uma fazenda a que chamam o Arquitecto [já consignada nas Memórias Paroquiais do ano anterior], situada no termo de Mafra que compreende umas casas nobres, Ermida e cerca tudo místico; e assim mais um serrado com seu pedaço de mata, a que chamam serrado novo, Casas a que chamam as que foram da Confraria, um palheiro e serrado do jogo [...]» [AHMM: Autos de Contas da capela que instituiu o Coronel..., 1857, fl. 23r]. O proprietário era o Coronel Manuel Nunes Silvestre, natural de Mafra e falecido em Évora (1758), o qual, no seu testamento, determinou a instituição de um vínculo na sua Quinta do Arquitecto, com a obrigação de uma missa anual, de esmola de 240 réis, em dia da Natividade de Nossa Senhora (8 Setembro). Seu sobrinho, o Doutor António Nunes Silvestre, foi o primeiro administrador do vínculo. Sucedeu-lhe outro sobrinho, Domingos Xavier Teles (Socorro) [AHMM: Autos cíveis de justificação, 1763], e um filho deste, Manuel Nunes Silvestre (Socorro) [AHMM: Autuação de uma petição, 1822] que morreu sem descendência. Um primo deste requereu, tendo visto satisfeita a sua pretensão em 1834, tornar-se administrador do vínculo [AHMM: Autos cíveis de justificação]. No ano de 1897, António Miranda dos Cabeços assumiu a obrigação (A Folha de Mafra, 6 Jun. 1897), a qual findou em 1921 com o termo do legado pio. O isolamento da ermida propiciou alguns furtos documentados no AHMM, como por exemplo, aquele que teve lugar a 18 de Maio de 1887, praticado por dois estrangeiros [Autos crimes de corpo de delito acerca do arrombamento na porta da Ermida de Nossa Senhora do Socorro no sítio 378

do Arquitecto]. A imagem da Senhora, em madeira policromada, de cunho popular, que alguns pretendem representação da Senhora do *Ó, outrora na igreja da Carvoeira, não ostenta nenhuma das características iconográficas que permitam legitimar tal suposição. Primitivamente era festejada a 8 de Setembro. Paulo Freire escreve a propósito: «Neste sítio se fazem magustos e piqueniques e há ali uma festa com arraial e fogo em Setembro, muita concorrência, namoricos, danças e descantes, e lá para o fim da tarde grossa pancadaria entre grupos rivais» (Os Parochos de Mafra, Lisboa, 1925, p. 22, nota 1). Em data que não foi possível determinar, os festejos passaram a ter lugar no domingo e segunda-feira de *Pentecostes (50 dias após a *Páscoa e 10 após a *Ascensão). Em 1986 o templo foi sujeito a obras, que lhe retiraram grande parte da sua traça original, e a celebração passou a ter lugar no domingo de Pentecostes e no sábado anterior, constando de missa, procissão solene em redor da igreja (no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio), concerto por uma banda, ranchos, foguetes e merendas. A comissão organizadora é constituída, regra geral, por mordomos provenientes das povoações de Boco e Valverde e das aldeias de Gonçalvinhos e Casas Novas. ARQUITECTURA Do grego, arché + tékton, construção segundo o princípio (arquétipo). Mostrou Dumèzil que a Soberania, a Força e a Fecundidade foram as forças configurantes da mundividência dos indoeuropeus. De tais hipóstases manou todo o corpo de instituições desses povos, competindo, no entanto, o entrosamento entre eles à arquitectura, tradicionalmente entendida como a arte de guiar ou conduzir as forças criativas da natureza. O seu exercício constituía, então, prerrogativa da Soberania, ou casta sacerdotal (posteriormente, dos collegia fabrorum = *corporações de ofícios), cabendo ao sacerdotearquitecto (*magister fabricae, i. e., o *mestre da obra) fazer jus à sua vocação de demiurgo (aquele que encarna o princípio organizador, não criador, do cosmos). Para os mestres cons-

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ARQUITECTURA trutores tradicionais, a sintonia com a matriz universal só seria efectiva na condição de o templo haver sido adequadamente edificado, de acordo com um sistema matemático preciso (aritmológico e geométrico). Todavia, a justa medida do templo não se confinava apenas à arquitectura. A geometria da imaginária havia de, igualmente, ser sujeita a estrito controlo matemático ou iconométrico, porquanto só uma imagem bem delineada constituiria um convite para que a divindade a habitasse. Os cânones de proporções seriam ainda complementados por um cuidadoso desenho das expressões, posturas, trajes e atributos. Haviam de ser os latinos os responsáveis pela dessacralização da arquitectura (que deixou de constituir património divino e real). A eles se ficou a dever, com efeito, a sua transformação numa técnica especializada, intermédia entre as ciências puras (matemática e geometria) e os ofícios mecânicos (a construção), cuja prática, embora apanágio de homens livres (ou libertos), passou a ser instrumentalizada pelos poderes públicos e políticos. Os discípulos de Vitrúvio, o primeiro arquitecto teórico (para quem a arquitectura é fruto da conjugação de três conceitos básicos: firmitas, utilitas e venustas), tornar-seiam, doravante, meros geómetras especulativos e construtores práticos, engenheiros mecânicos, versados nas artes e nos distintos conhecimentos humanísticos. Nem durante a vigência do «paganismo erudito» que se convencionou denominar Renascimento, o referido estatuto sofreu alterações de monta, não obstante a requalificação sacralizante da arquitectura no seio das artes, mercê do contacto directo com as fontes neoplatónicas e herméticas (*pitagorismo, *astrologia, *alquimia e *magia), tornadas acessíveis em traduções impressas. Enquanto arquitectos, *António Rodrigues e *Francisco de Holanda, cujas obras denotam um circunstanciado conhecimento das doutrinas em apreço, desempenharam, concomitantemente, o papel de testemunhas e de agentes exemplares desse efémero hiato epistemológico, em Portugal. António Prestes, no Auto da Ave Maria, diabolizaria duplamente a arquitectura re-

Fólio do Tratado de Arquitectura de António Rodrigues [BPMP: ms 95].

nascença, pois veste o *diabo de arquitecto italianizante e põe um simpatizante da arquitectura manuelina a arengar que, no que respeita àquela moda, «só os cegos se alegram nela» (cf. Primeira parte dos Autos e Comédias Portuguesas feitas por […] e Luís de Camões, Lisboa, 1587, fl. 17v). São cinco as ordens tradicionais de arquitectura: jónica, dórica, coríntia (gregas), compósita e toscana (latinas). E três os postulados universais e imutáveis do simbolismo aritmológico operativo da arquitectura: A. as plantas e os alçados (*monteia) das edificações tradicionais correspondem a um quadrado director (a forma inicial) ou a um duplo quadrado (*ad quadratum); B. as cotas e medidas das edificações tradicionais exprimem-se em pés e côvados, unidades de medida consagradas, já que definidas pelo comprimento do pé e do antebraço de Deus; C. as cotas em pés e côvados da forma inicial e das linhas mestras dos edifícios tradicionais são universalmente calculadas em números inteiros e sagrados: 2, 3 e 5 (bem como as potências e múltiplos destes números), 7, 11, 17, 19, 23 (bem como os produtos destes números por 2, 3 e 5). Desde uma perspec379

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ARQUITECTURA tiva etimológica, *maçonaria (do francês, maçon = pedreiro) e arquitectura, são praticamente sinónimos e, de facto, o objectivo simbólico da Ordem Maçónica é a construção do Templo, ou simplesmente, a construção. *Arquitecto, *geomancia, *geometria, *icnografia, *manuelino, *medida, *número, *pedra fundamental, *primeira pedra, *proporção, *quadratura do círculo. FONTES PORTUGUESAS DA TEORIA DA ARQUITECTURA CIVIL (ATÉ 1800) ARMAS, Duarte de, Livro de Fortalezas, 1509 (ed. João de Almeida, 1943); BARROS, João de, Esfera da Enstrutura das Cousas (ms. perdido); HOLANDA, Francisco de, Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, 1571 [BA: 51-III-9]; RODRIGUES, António (ca. 1520-1590), Tratado de Arquitectura, 1576 e 1579 (dois ms.; [BN: cod. 3675 e BPMP: ms 95]); ARAÚJO, Pero de, Tratado de Architectura politica e militar (legado pelo autor a Rui de Melo Cardoso; tratava-se de um manuscrito ilustrado com desenhos à pena de modelos de arquitectura e problemas de geometria, perspectiva e traçados de fortalezas; composto por seis livros: A. Discurso contra ociosos, para dar ânimo aos que quiserem ser arquitectos e passar a vida beatamente; B. Prologo em louvor da arquitectura e da necessidade da arte de edificar; C. Como procede a geometria em seus princípios, dos princípios, nome, definição e divisão da geometria; D. Do modo de proceder nestes quatro livros de arquitectura politica e militar; E. Das medidas famosas e seus princípios, redução de pés castelhanos a palmos e palmos em pés, por regra de três; F. Problemas de geometria, resolvidos segundo os princípios de Euclides, das cinco ordens de colunas, da perspectiva, da matemática, da fortificação, dos templos; BOCARRO, António (15941642?), O livro das plantas de todas as fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental (ed. Isabel Cid, Lisboa, 1992 [BN: BA 12344 V]); COUTO, Mateus do, Tratado de Architectura (ms. inc., apenas os liv. I a IV); ANDRÉ DA CONCEIÇÃO, Frei, Tratado da Algebra, da Architectura, da Perspectiva, da Hidrostática (ms. ilustado com estampas à pena); TINOCO, João Nunes, Taboadas Geraes […], 1660; FORTES, Manuel de Azevedo (1660-1749), Tratado do modo mais facil e o mais exacto de fazer as cartas geograficas, assim da terra como do mar, e tirar as plantas das praças, cidades e edificios com instrumentos e sem instrumentos, Lisboa Ocidental, Pascoal da Silva, 1722 (baseado principalmente nos escritos de Deschales e Ozanam); idem, O Engenheiro Portuguez dividido em dous Tratados, Lisboa, 1728-1729 (2 vols.) ([BA: 38-V-3 / 4]; inclui 33 ilust. desdobráveis); PEREIRA, Paulino José, Tratado de Architectura, ca. 1732 (ms.); VASCONCELOS, Padre Inácio da Piedade (1676-1752), Artefactos symmetriacos e geometricos, advertidos e descobertos pela industriosa perfeição das artes esculturaria, architectonica, e da pintura, com certos fundamentos e regras infalliveis para a symetria dos corpos humanos, Escultura, e Pintura dos Deoses fabulosos, e noticia de suas propriedades, para as cinco ordens de Architectura, e suas figuras Geometricas, e para alguns novos, e curiosissimos artefactos de grandes utilidades [...] repartidos em quatro livros, Lisboa Ocidental, José António da Silva, 1733 ([BN: BA 549-51 V; BPNM: 1-20-10-5]; inclui 22 ilustrações a talhe-doce); SEIXAS, José Figueiredo, Tratado de arruação para Emenda das

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Ruas das Cidades, Villas e Logares d’ este Reyno [...], ca. 17621765 ([BPMP] ms.); EÇA, Matias Aires Ramos da Silva de, Problema de Architectura Civil, a saber: Porque os edificios antigos teem mais duração, e resistem mais ao tremor de terra que os modernos?, Lisboa, Miguel Rodrigues, 1772 (2 vols.); MACHADO, Cirilo Volkmar, Conversações sobre a Pintura, Esculptura e Architectura, escriptas e dedicadas aos professores e amadores das Bellas-Artes, Lisboa, 1794 a 1798 (seis números); António José MOREIRA (?-1794?), Regras de Desenho para a Delineação das plantas, perfis e perspectivas pertencentes á Architectura militar e civil, para uso da Real Academia da Fortificação, Artilheria e Desenho, Lisboa, 1793 [BN: BA 168 P; BA: 39-II-89]; NEGREIROS, José Manuel de Carvalho (17511815), Do Engenheiro Civil português respondendo aos quesitos que lhe propõem relativos á sua profissão [...] (ms.); idem, Projecto do qual se pode extrahir um Regulamento para os Engenheiros Civiz, 1798 BIBLIOGRAFIA AAVV, A Introdução da Arte da Renascença na Península Ibérica, Actas do Simpósio Internacional Comemorativo do IV Centenário da Morte de João de Ruão, Coimbra, 1981; AGUILAR, Francisco Maria Guedes Teixeira de, Alguns apontamentos para o estudo da Vida e da Obra de Manuel de Azevedo Fortes (Dissertação de licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas), Lisboa, 1951; ALARCÃO, Jorge / ÉTIENNE, Robert / GOLVIN, Jean-Claude / SCHREYECK, J. / MONTURET, R., Vitruve a Conimbriga, in Conimbriga, n. 17 (1978), p. 5-14; ALBUQUERQUE, Luís de, Luís Serrão Pimentel, in Dicionário de História de Portugal, v. 5, Lisboa, 1970; ALMEIDA, D. Fernando de, Arte Visigótica em Portugal, in O Arqueólogo Português, nova série, IV (Lisboa, 1962), p. 5-278; ASSUNÇÃO, Lino d’, Diccionário dos termos d’Architectura, suas definições e noções históricas. Com um índice remissivo dos termos correspondentes em francez, Lisboa, s. d.; BERGER, Francisco José Gentil, Lisboa e os Arquitectos de D. João V: Manuel da Costa Negreiros no estudo sistemático do barroco joanino na região de Lisboa, Lisboa, 1994; BONIFÁCIO, Horácio Manuel Pereira, Alguns documentos inéditos sobre o arquitecto Manuel da Costa Negreiros, in Claro-Escuro, v. 1 (1988); CAETANO, Joaquim Oliveira / SOROMENHO, Miguel (org.), A Ciência do Desenho: a ilustração na Colecção de Códices da Biblioteca Nacional, Lisboa, 2001; CAMPOS, Correia de, Arqueologia Árabe em Portugal, Lisboa, 1965; CHICÓ, Mário T., A «cidade ideal» do Renascimento e as cidades portuguesa da Índia, in Garcia de Horta, n. 18, p. 321-327; CHICÓ, Mário Tavares, A Arquitectura Gótica em Portugal, Lisboa, 1954; COUTINHO, José de Moura, As Artes pré-românicas em Portugal – S. Frutuoso Montélios, Braga, 1978; CUNHA, Arlindo Ribeiro da, Restos de igrejas visigóticas, in Theologica, II,1 (Braga, 1954), p. 87-110; DESWARTE, Sylvie, Francisco de Hollanda et les écoles Vitruviennes en Italie, in A Introdução da Arte da Renascença na Península Ibérica, Coimbra, 1981, p. 227-280; DIAS, Pedro, Notas para o estudo do emprego das Ordens clássicas nos claustros quinhentistas de Coimbra, in Arte Portuguesa: notas de investigação, Coimbra, 1988, p. 153-183; idem, A Arquitectura Gótica em Portugal, Lisboa, 1994; FERREIRA, Carlos Antero, A Reforma setecentista da Universidade e o Ensino da Arquitectura em Portugal no século XVIII, Lisboa, 1991; GOMES, Luís Miguel Martins, Geometria no Traçado de Praças, Teoria versus Prática, no tempo de Pombal, in A Praça na Cidade Portuguesa, Lisboa, 2001, p. 199-223; GRAF, Gerhard N., Portugal Roman, Paris, 1987, 2

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ARRÁBIDA, SERRA DA vols.; KUBLER, George, Portuguese Plain Architecture Between Spices and Diamonds, 1521-1706, Connecticut, 1969 (trad. port.); KUBLER, George / SORIA, Martin, Art and Architecture in Spain and Portugal and their American Dominions 1500-1800, Harmondsworth, 1959; MOREIRA, Rafael, Um tratado Português de Arquitectura do séc. XVI (1576-1579), Tese de Mestrado em História de Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL (dactil.); idem, Uma utopia urbanística Pombalina: o «Tratado da Ruação» de José de Figueiredo Seixas, in Pombal Revisitado, v. 2, Lisboa, 1984, p. 133-144; idem, D. João de Castro e Vitrúvio, in Tapeçarias de Dom João de Castro, Lisboa, 1995, p. 51-56; idem, Um Tratado Português de Arquitectura do século XVI (1576-1579), in Universo Urbanístico Português – 1415-1822, Lisboa, 1998, p. 353-398; PEREIRA, José Fernandes, A Cultura Artística Portuguesa (Sistema Clássico), Lisboa, 1999; SANCHEZ, Formosinho, O «De Arquitettura» de Vitrúvio numa recolha bibliográfica (manuscrita e impressa existente em Portugal), in Belas-Artes – Revista e Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, s. 3, n. 11-13 (1988-1991), p. 155-188; SANTOS, Paulo F., Contribuição ao estudo da arquitectura da Companhia de Jesus em Portugal e no Brasil, in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, v. 4, Coimbra, 1966; SILVA, Jorge Henrique Pais da, Fontes medievais da Arquitectura da Companhia de Jesus no Mundo Português, in Arte, História e Arqueologia: Pretérito (sempre) presente (estudos em Homenagem a Jorge H. Pais da Silva), Lisboa, 2006, p. 321-328; VITERBO, Sousa, Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, Lisboa, 1899-1922, 3 vols.

ARQUIVOLTA Se o pórtico de um templo indica o caminho do céu, a arquivolta simboliza o céu aberto, de acordo com a letra do Apocalipse (IV, 1): «Depois destas coisas, olhei e vi uma porta aberta no Céu. E a primeira voz que ouvi, e que me falava, como o som duma trombeta, disse: «Sobe aqui e mostrar-te-ei as coisas que devem acontecer depois destas»». A arquivolta externa do pórtico da igreja românica de São Salvador de Vilar de Frades representa passos do Perceval do Conto do *Graal (cf. Narciso de Azevedo, Uma arquivolta românica na Igreja de S. Salvador de Vilar de Frades: nova interpretação, in Bracara Augusta, v. 24, n. 57-58, Jan.-Dez. 1970, p. 89-105). ARRABI O mesmo que *rabi, líder religioso das comunidades judaicas. Nas estruturas administrativas do Reino cabía-lhe o papel de juiz para as causas entre judeus ou entre judeus e cristãos, quando os réus pertenciam à sua comunidade.

ARRABI-MOR Representante máximo dos judeus nacionais na corte e juiz nas causas mais importantes. ARRÁBIDA, SERRA DA Crismada de «serra-mãe» na poética de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619) e Sebastião da Gama (1924-1952). Maciço calcário cujo cume se acha a 502 m de altitude e alcança o Atlântico na finisterra do *cabo Espichel. O seu carácter sagrado é testemunhado por vestígios arqueológicos que remontam à pré-história ou até pela designação que lhe foi atribuída pelos muçulmanos, al-ribat (o convento), ulteriormente assumida pelo cristianismo (convento franciscano homónimo). A este acorriam círios de Lisboa (saloios de Alcântara, extinto no séc. XIX), Setúbal (instituído em 1839), Azeitão (instituído em 22 de Maio de 1845), etc., em louvor de Nossa Senhora da Arrábida, cuja epifania lendária foi apropriada da de Nossa Senhora da *Pedra da Mua, venerada no Espichel. Primitivamente, os festejos duravam três dias (sexta, sábado e domingo), na infra-oi-

Rosto do folheto Relação abreviada, em que se mostra a antiguidade da Senhora da Arrábida (Lisboa, 1791).

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ARRAIS, DUARTE MADEIRA tava da *Ascensão. Já o círio de Azeitão partia na véspera de domingo de Pentecostes e regressava na segunda-feira seguinte, realizando a arrematação de fogaças e de uma ou duas bandeiras, no local denominado Painel das Almas. BIBLIOGRAFIA ALBINO, José Maria da Rosa, Arrábida: publicação comemorativa do centenário da fundação do antigo Círio da Arrábida de Setúbal, s. l. [Setúbal], 1939 [BN: HG 25689 P]; ANÓNIMO, Arrábida: publicação comemorativa da festividade celebrada pelo antigo círio de Setúbal, Setúbal, 1896; CAETANO, Maria Fernanda Rodrigues, A festa tradicional da Senhora da Arrábida, Setúbal, 1990; CALEIRO, Miguel, Loas a Nossa Senhora da Arrábida, Lisboa, 1946; PEREIRA, Artur Alberto da Conceição, Subsídio para a história dos Círios da Arrábida provenientes de Setúbal, Setúbal, 1983; idem, A Arrábida, troino e o Novo Círio, Setúbal, 1992; PERESTRELLO, Dulce, A Serra da Arrábida e o seu Convento, Lisboa, 1952; PINTO, Maria Adelaide Rosado, Toadas, Cantares e Danças de Setúbal e sua Região, Setúbal, 1971; QUINTAS, Maria da Conceição, O culto mariano na Península de Setúbal: círios a Nossa Senhora da Arrábida, in Cultura, s. 2, v. 8 (1996), p. 249-256; [SANTANA, Augusto Júlio], Recordação das Festas de Nossa Senhora da Arrábida: dedicado à digníssima Comissão, s. l., s. d. [Setúbal, 1900?]; UM DEVOTO, Relação abreviada, em que se mostra a antiguidade da Senhora da Arrábida, escrita por […] da mesma Senhora em seu louvor, Lisboa, António Gomes, 1791 [BN: HG 14946 (3º) P]; VILHENA, António Mateus / PIRES, Daniel (ed.), A Serra da Arrábida na poesia portuguesa, Setúbal, 2002

ARRAIS, DUARTE MADEIRA (?-1652) «Físico-mor do Pulso del Rei Dom João o IV». A seu respeito escreveu Barbosa Machado: «Instruído com as letras humanas e Poesia estudou na Universidade de Coimbra as faculdades de Filosofia e Medicina, nas quais recebeu os graus de Mestre e Licenciado com a universal aclamação do seu engenho, alcançando maior aplauso quando sendo Físico-mor da Majestade del Rei Dom João o IV. Não havia enfermidade que não cedesse à eficácia dos seus medicamentos […]». Médico e cirurgião, um dos mais reputados da sua época, notabilizou-se como estudioso da sífilis (morbo gallico), cuja origem americana, importada pelos marinheiros da armada de *Cristóbal Colón, apontou. Discreteou ainda sobre o alimento oculto da vida (occultus vitae cibus) e o problema da imortalidade física, bem como sobre as propriedades herméticas (*iatroquímica) de alguns óleos. Soror Violante do Céu dedicou-lhe o soneto seguinte: «Ó tu que oposto sempre à dura Parca 382

Rosto de Arbor vitae, or a Physical account of the Tree of Life in the Garden of Eden (Londres, 1683), tradução inglesa da Nova Philosophiae et Medicinae de Qualitatibus occultis, de Duarte Madeira Arrais.

/ Conservas em teu ser o ser humano, / Pois por ser Esculápio soberano / Menos por seu respeito a morte abarca. / Tu que Arrais deves ser da vital barca / Que navega no mar do mal tirano / Novo Galeno, Apolo Lusitano / Médico em fim do Português Monarca. / Logra de singular a feliz sorte / Tanto, apesar da intrépida homicida / Que sejas do mais douto imortal Norte. / Pois vitória será bem merecida / Que quem opor-se sabe à mesma morte / Saiba dar ao seu nome imortal vida» (cf. A Fenix Renascida, ou Obras Poeticas dos melhores Engenhos Portuguezes, tomo 1, Lisboa, 1746, p. 390 in Eccos, que o Clarim da Fama dá: Postilhão de Apollo, Lisboa, 1761, p. 313 [BN: Res. 4481 P]). Jaz sepultado junto da sacristia do convento de Nosse Senhora de Jesus (Lisboa).

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ARRELIQUE OBRA Apologia em que se defende huas sangrias de pos dadas em hua inflammação de olhos complicada com gonorrhea purulenta de seis dias, Lisboa, António Arevaz [aliás, Alvarez], 1938 [aliás, 1638] [BN: SA 9481 P]; Methodo de conhecer e curar o Morbo Gallico: Primeira parte: Propoem-se difinitivamente a essencia, species, causas, sinaes, prognosticos, e cura do morbo gallico, e de todos seus affectos. E largamente se trata do azougue, salsaparrilha, guayação, pao santo, raiz da China e de todos os mais remedios desta enfermidade. Segunda parte: Disputaõ-se largamente por questõens e argumentos em forma todas as duvidas, que se podem mover sobre a essencia, especies, causas, sinaes e pronosticos da cura do morbo gallico, e as que pode haver sobre o azougue [...], Lisboa, Lourenço de Anveres, 1642 ([BN: SA 9503 P]; Lisboa, António Rodrigues de Abreu, 1674 [BN: Res 4295 P (à custa de Francisco de Sousa); SA 8533 V (à custa de Manuel Manescal)]; Lisboa, António Craesbeeck de Melo, 1683 [BN: 2725 A]; Novae Philosophiae et Medicinae de Qualitatibus occultis a nemine unquam exculta pars prima Philosophicis, et Medicis pernecessaria Theologis vero aprime utilis. Accedit inaudita Philosophia de Arbore Vitae Paradisi qualitatibus; de viribus Musicae, de Tarantula, ac qualitatibus electricis et magneticis, Lisboa, Manuel Gomes de Carvalho, 1650 (discorre sobre o alimento oculto da vida – occultus vitae cibus – e o problema da imortalidade física; aponta algumas qualidades ocultas – sensis nostris occulta – dos medicamentos e de determinados alimentos; a 2ª parte desta obra, que Vander-Linden alega composta e pronta para a impressão, não chegou a ser estampada [BN: SA 9500 P]); Arbor vitae, or a Physical account of the Tree of Life in the Garden of Eden. [...]. A piece useful for divines as well as physicians (trad. Richard Browne), Londres, Tho. Flesher at the Angel and Crown in St. Pauls Church-Yard, 1683 (trad. inglesa da Novae Philosophiae et Medicinae de Qualitatibus occultis; [BN: Res 5681 P]); Tratado dos Óleos de Enxofre, Vitríolo, Philosophorum, Alecrim, Salva, e da água ardente por mandado del Rei nosso Senhor D. João o quarto Dedicado ao mesmo Senhor. Composto pelo Doutor [...], médico de sua Câmara, 1648 [BGUC] (ed. Yvette Kace Centeno, Lisboa, Edições Salamandra, 1993 [BN: SA 81843 V]); Cap. da mudança que fazem os climas nos corpos dos cavallos e dos signos que nelles dominam ou nas suas p[ar]tes, 16[??] (ms.; [BN: ms. 256, n. 70]; Hipiátrica notícia, 16[??] (ms. incompleto: apenas o tratado 1º, os dos primeiros e o início do terceiro capítulos do tratado 2º, de um total de seis tratados sobre anatomia do cavalo [BN: cod. 12974] BIBLIOGRAFIA HENRIQUES, Francisco da Fonseca (16651731), Madeyra Illustrado. Methodo de conhecer e curar o morbo [...], Lisboa, António Pedrozo Galrão, 1715 (apenas a 1ª parte do Methodo de conhecer e curar o morbo gallico de Madeira Arrais; a substância da doutrina original, é substancialmente transtornada no tocante à administração e uso do mercúrio).

ARREBATAMENTO *Maria Dias. ARREBOL Cor de fogo, característica da aurora, ou do ocaso, quando o sol se reflecte nas nuvens. Locuções: Arrebois ao anoitecer, água ou vento ao

amanhecer; Arrebois de manhã, trazem água à noite, arrebois à noite, sol de manhã. O poeta e actor Vasco de Lima Couto (1923-1980) publicou um livro justamente intitulado Arrebol (1943). ARRELICA 1. Corruptela de relíquia. Este termo, bem como *arrelique, ocorrem até em orações, contra a trovoada, por exemplo, na Mexilhoeira Grande: «Toma estas arrelicas / Do mártir São Sebastião / […]». 2. Também *arrelique, *cambolhada e *dixe. Conjunto de diversos dos seguintes amuletos: cinco bagos de *trigo, pedra de *ara, cinco baguinhos de incenso de igreja, cinco folhinha de *alecrim, *aipo ou *tomilho, conta de *azeviche, *dinheiro de cruz, *sal virgem, pontas de vassoura de *giesta, *arruda). A bolsinha de tecido vermelho onde são introduzidos é colocada debaixo da toalha de *altar, para ser benzida sem o padre saber, sendo usada por crianças e adultos (nos punhos, na braçadeira, à cinta, no colete, ao pescoço) como profiláctico contra bruxedos (*mal contrafeito). Por vezes, presta-se a confusão com a *nómina, certamente mercê da circunstância de, nas bolsinhas, juntamente com os amuletos, andarem relíquias (ossos de santos, etc.). No Minho, as viúvas trazem arrelicas no corpete ou no interior da roupa para se protegerem das almas dos cônjuges defuntos que poderiam desejar levá-las consigo para o outro mundo. ARRELIQUE O mesmo que *arrelica. Em São Jorge (Açores), consiste num «pedaço de fita com legenda de seda que se prega nas lapelas e no peito dos vestidos por ocasião das festas religiosas». Na Terceira é sinónimo de «relíquia devota». Nome que dão no Cadaval a um conjunto de amuletos (*verónica, *meia-lua, *moeda furada, *figa, *signo saimão, *cornicho, conta vermelha, conta de *azeviche, etc.), enfiados num fio, excelente profiláctico contra as bruxas e a *erisipela. 383

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ARRELÍQUIA ARRELÍQUIA O mesmo que *arrelica e *arrelique. ARREMEDAR O ENTRUDO Costume de Vila Boim (Elvas) e Oleiros. Cerca do *Entrudo, reúnem-se alguns homens à noite, e colocando-se nos locais que julgam mais convenientes para o seu intento, começa um deles, em alta voz, a recitar alguma anedota «mais ou menos galante, acontecida por aqueles sítios», sendo acompanhado por estrondosos gritos e gargalhadas dos restantes. Concluído o acto num sítio, vão repeti-lo em outro, ocupando desse modo o serão a publicar segredos de família ou coisas que se desejavam ocultar. Em Oleiros, as visitações de 1653 e de 1688 proibiram tais diversões que então ocorriam desde o *Natal até ao Entrudo. ARREMEDAS Fórmula de previsão do tempo do ano seguinte, estabelecendo paralelismo entre os doze dias do período que vai de 13 a 24 de Dezembro (de *Santa Luzia ao *Natal), e os doze meses do ano vindouro. O tempo que fizer no dia 13, será o característico do mês de Janeiro, e assim por diante até 24 que corresponderá ao mês de Dezembro. Prevalecerá, no entanto, o tempo que estiver no dia 25 sobre o ocorrido no dia 13, o do dia 26 sobre o de 14, etc. Em Alenquer, o mesmo que *ver as têmporas. O prognóstico pode ser anulado pela desarremeda, contraprova iniciada a partir do dia 25 de Dezembro, também denominada *arremedilhos, os quais consistem em observar o estado do tempo nos doze dias que medeiam entre o Natal e os *Reis (6 de Janeiro) ou então pelos doze últimos dias do ano. BIBLIOGRAFIA CASTRO, Leite de, Folk-lore, in Revista de Guimarães, v. 4 (Jan.-Mar. 1887), p. 42-43; CHAVES, Luís, As arremedas, in O Arqueólogo Português, v. 22 (1917), p. 365

ARREMEDILHA É muito generalizada a crença que o ano correrá bem ou mal, consoante o primeiro de Janeiro for fasto ou nefasto. São Martinho de Dume condena-a como supersticiosa no De Correctione Rusticorum: «Ridiculamente se ilude o mise384

rável homem [...] convencido de que, assim como à entrada do ano tenha fartura e alegria, assim será bem sucedido o ano todo». São igualmente dias de arremedilha: 1 de Janeiro (primeiro dia de Janeiro, primeiro dia de Verão), 2 de Fevereiro (Candelária) e 1 de Agosto (primeiro de Agosto, primeiro de Inverno). Além destes, tb. são arremedilhas metereológicas, entre diversas outras: a Lua nova de Março ou Marçalina e a Lua nova quando trovejada. No verso, em branco, da folha final da visitação, realizada em 1511, à igreja de Santo André de Mafra achase exarada uma arremedilha metereológica relativa ao dia de São Vicente (20 de Janeiro). BIBLIOGRAFIA C., C. da, Previsão do tempo: antiguidade de um prognóstico, in Revista Insulana, v. 3 (1947), p. 548-549

ARREMEDILHOS Desarremeda, ou contraprova iniciada a partir do dia 25 de Dezembro, a qual consiste em observar o estado do tempo nos doze dias que medeiam entre o Natal e os Reis (6 de Janeiro) ou então pelos doze últimos dias do ano para confirmar ou não as *arremedas. ARREMEDO Em Gulpilhares (Gaia) corre o seguinte arremedo chocarreiro às talhações: «Três palhas alhas, / Três maravalhas, / Três pintelhos meus, / Três outros teus, / Três de S. Mateus, / Três do meu cão, / Três do meu irmão, / E vai-te embora / Que estás são... / E, em louvor de Sta. Eufêmia, / Se mal estás / Pior te venha... / Tantos diabos / Levem a quem os levou, / Como sem eles ficou...». ARREMESSAS O mesmo que *tempras e *remessas. Prognóstico do tempo, segundo o lado de que fica o vento à meia-noite de 24 para 25 de Dezembro (Arcos de Valdevez). Por sua vez, a orientação dos ventos à meia-noite de 22 para 23 de Janeiro (festa de *São Vicente) comanda o ano agrícola: se os ventos sopram de poente (ventos de baixo) o ano será chuvoso, logo com colheita farta, se sopram do Norte (ventos de cima) o ano será seco.

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ARROZ ARREMESSO Arremessar objectos, pedrinhas, figos, caroços de *azeitona (ou a própria azeitona), limões, laranjas, espigas verdes da *aveia (ripadas), tem função oracular. Diz-se que criança a quem caia um *dente deve deitá-lo para *trás das costas, para o forno, para o lume ou para o telhado, dizendo: «Moirão, moirão / pega lá o meu dente podre, / Dá cá o meu são». Caso não proceda assim (i. e., não propicie o valor mágico e criador do arremesso), crê-se que não lhe nascerá outro dente. O arremesso de *amêndoa e de *arroz às noivas constitui rito de fecundidade. É provável que tal costume remonte a tempos pré ou protohistóricos (Penedo dos Namorados, em Monsaraz), tendo sobrevivido à catequese cristã. Junto à povoação de Águas Frias (Chaves), à beira da estrada, existe um penedo (Penedo Macho, em virtude da sua posição erecta) para o cimo do qual as raparigas lançam pedrinhas, na convicção de tantos anos tardarão em casar quantas as vezes que repetirem o arremesso, até ficar lá uma. Na capela de S. Miguel do Castelo (Guimarães) venera-se uma imagem de Santa Margarida muito visitada por grávidas que ali se dirigem para atirarem três pedras para a fresta da capela sobre a porta transversal do Sul na tentativa de atingirem com elas a imagem: terão um filho se acertarem, uma filha se falharem. Na capela de *São Brás (Bragança) as raparigas solteiras indagam da mesma forma quantos anos faltam para casar. Outrora venerava-se em Estremoz, na igreja de Nossa Senhora dos Mártires, um *Santo Antão a quem as jovens casadouras visitavam com ramos de flores, os quais arremessavam voltando as costas para o altar do santo e dizendo: «Dizei-me, meu Santo Antão, se casarei ou não». Os ramos tombados sobre o altar correspondiam a uma resposta afirmativa. Até à década de 1940, tinha lugar no *Monte Leite (Malveira, Mafra), no dia 1º de Maio, uma cerimónia propiciatória da fertilidade, cujo climax ocorria quando uma mó era arremessada encosta abaixo. No Marão (Cabeceiras de Basto, Rio Tinto, etc.), cada viajante que passa por um *cruzeiro, reza um Padre-Nosso e arremes-

sa uma pedra para os montões denominados *fiéis de Deus, nos quais não é aconselhável tocar, tal qual como nos denominados *moledros de *Sagres. Em Vila Real, os homens e os rapazes que vão nadar arremessam para trás das costas pedras para se livrarem das *sezões. Também se arremessam pedras à água para impetrar *chuva. Os arremessos simbólicos são muito frequentes na poesia popular portuguesa. *Oráculo amoroso. BIBLIOGRAFIA PINHO, José de, A propósito de uma velha usança, in Pátria, v. 1 (1931), p. 54-56 [arremesso dos dentes de leite para o forno e o telhado, como sobrevivência do culto fálico]; VASCONCELOS, J. Leite de, Arremessos simbólicos na poesia popular portuguesa, in Revista Lusitana, v. 7, Lisboa, 1902, p. 126-132

ARRENEGAR O mesmo que renegar e *apostasiar. Abandonar a fé antiga para adoptar outra nova. O Santo Ofício ocupou-se de diversos de tais casos, nomeadamente o *Santo Ofício de Évora, o qual, no período compreendido entre 1620 e 1685, instruíu vinte e sete processos (cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Renegados estrangeiros na Inquisição de Évora, séc. XVII: a vivência da religião islâmica, in Clio, nova série, n. 1, 1995, p. 83-98). *Apostasia. ARREPIO Em Castro Marim, quando é sentido um arrepio diz-se: «A morte me apalpou, achou-me forte; outra vez virá, que me levará!». No Douro (Baião): «Entrou-me uma alma!». Em Trás-os-Montes: «Abriu-se-me o corpo para entrar um espírito». ARROTO O arroto imprevisto livra de bruxedo, praga rogada, feitiço por ingestão, ou entidades malignas. *Espirro. Manuel Godinho informa que os alarves (muçulmanos) entendem o arroto como elogio indirecto à excelência da refeição (cf. Relação do Caminho da Índia, cap. 18, fl. 107). ARROZ Alimento propiciador da felicidade e da fertilidade e abundância, ao qual, no Oriente, é atri385

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ARRUDA buída origem divina. Extrapolada para o Ocidente tal semântica, consubstancia o acto de lançar arroz sobre os recém-casados ou de o manducar sob a forma de arroz doce. Em sonhos tem o mesmo significado. Os mindéricos chamam-lhe veneso, porquanto antes de se conhecer o Carolino e o de Bruma, quase todo o arroz chegava à Europa via Veneza. Os jantares dos foliões beirões do *Espírito Santo tinham pratos obrigados: sopas, arroz, ensopado, prato desconhecido (conduzido para a mesa tapado) e arroz doce. À chegada do arroz e do arroz doce os foliões entoavam de pé algumas quadras recolhidas por Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, v. 1, p. 77-78). Nos Açores também é comum o arroz doce ser servido com decoração geométrica de canela. Locuções: Arroz com couve, comer de beata; Cresce com’ò arroz (Elvas). ARRUDA Ruta graveolens, L. Planta citada por Jesus (Lucas, XII, 42). Originária do Sul da Europa, antigamente, era cultivada nos hortos como aromatizante e planta medicinal. Contém um óleo essencial venenoso (Oleum rutae), rutina, antissépticos vegetais, princípios amargos e taninos. Em doses elevadas, pode, no entanto, ser perigosa, principalmente durante a gravidez, já que é emenagoga e abortiva. Uso interno: é a rutina que tem interesse medicinal, pois baixa a tensão, fortalece os capilares e diminui a sua permeabilidade. Os alcalóides são espasmolíticos, calmantes e reguladores da actividade cardíaca, reduzem as dores de cabeça, estimulam a digestão e a secreção biliar e eliminam os parasitas intestinais. Uso externo: lavagens oculares, cataplasmas sobre feridas e úlceras, gargarejos ou banhos. Região de Mafra: na medicina caseira, as suas bagas em forma de meialua eram utilizadas para defumar as primeiras roupas vestidas aos recém-nascidos, bem como para defumar os próprios bébés quando apanhavam o *Mal de Lua; arruda era prescrita pelas curandeiras sob a forma de emplastros, para eliminar influências malignas, geralmente provocadas por *mal de inveja da parte de namoradas(os) ou vizinhas(os) mal intenciona386

das(os). Muito usada na composição de amuletos contra o *mau olhado e a inveja: um galhinho nos bolsos dos homens e no cós das saias (ou no seio) das mulheres. Em chá é preconizada para impedir os sortilégios do *diabo e sob a forma de *defumadouro contra as bruxas. Segundo Frei João Pacheco «o seu fumo preserva do quebranto e o cura; e por isso com ele se devem perfumar os berços das crianças e casas. Pendurados nas portas os ramos defendem da peste e feitiços» (I, p. 287). Frei Manuel de Azevedo, na Correcção de Abusos (II, p. 40) duvida que possua qualquer valor profiláctico. As figas da Guiné eram preferencialmente fabricadas com esta planta. Cancioneiro: «Deste-me arruda a beber, / Fizeste de mim Diabo ! / Oxalá que o fosse, / Que te trazia atentado. / Dizem que a arruda amarga, / Quem vo-la deu a beber ? / Os segredos do meu peito, / Quem vo-los deu a saber?» (Baião). Locuções: Velha como arruda; Conhecida como arruda. ARS GENERALIS *Arte da memória, *Raimundo Lúlio.

O moribundo atormentado pelas cinco tentações, num retábulo azulejar do convento do Varatojo (Torres Vedras), inspirado na Ars moriendi.

ARS MORIENDI Literalmente: arte de morrer. Título de duas obras muito populares, redigidas em 1415 e 1450, consignando conselhos e procedimentos a cumprir pelos cristãos para assegurar uma *boa morte. O argumento dessas obras, cuja primeira edição saiu impressa em 1480, centrase no diálogo entre demónios e anjos, em torno

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ARTE DA MEMÓRIA de um leito onde agoniza um moribundo, atormentado por cinco tentações: falta de fé, desespero, impaciência, orgulho espiritual e avareza (cf. cap. II). As gravuras em madeira reproduzidas no incunábulo, haviam de ser copiadas e imitadas até à exaustão. *Dança macabra. ARTE MÁGICA As Constituições sinodais do Bispado do Porto, 1687 (liv. V, tit. III, const. I) ordenam e mandam «que toda a pessoa que fizer alguma coisa de que se conclua proceder de arte mágica, como é formar aparências fantásticas, transmutações de corpos, vozes, as quais se ouçam, sem se ver quem fala e outras coisas que excedem a eficácia das coisas naturais, incorrerá em pena de excomunhão maior, ipso facto, a nós reservada, e sendo peão, em que caiba pena vil, será posto à porta da Sé em penitência pública com uma carocha na cabeça e vela na mão, em um Domingo ou dia Santo de guarda no tempo da Missa conventual e será degredado para o lugar que nos parecer, e caindo Segunda vez, fará a mesma penitência pública e será degredado para galés pelo tempo que parecer, conforme a qualidade da culpa e mais circunstâncias que concorrerem [...]» (cf. ed. Coimbra, 1735, p. 449-450). Na Biblioteca da Ajuda guarda-se um manuscrito intitulado Arte mágica [49-III-20 (51)]. ARTE DA MEMÓRIA Arte apadrinhada por Mnemosis, mãe das nove Musas, também conhecida por Memória de ferro, Arte da Memória e Memória artificial (por oposição à memória congénita ou natural, cujo adestramento visava). Terá sido Simónides de Ceos (556-468 a. C.) o primeiro a formulá-la sob a forma de um sistema de tópicos. Todavia, tal sistema só se tornaria relevante graças a um trágico acidente ocorrido durante um banquete para o qual fora convidado por Escopas, rei da Tessália. Simónides participava na festa quando um mensageiro chegou com um recado para si, o que o fez sair da sala para o receber. Pouco depois o tecto desta caía sobre o anfitrião e os convivas, ficando os cadáveres de tal modo desfigurados que se tornou impossível

A retórica clássica concebe o orador como construtor de um espaço mental próprio, no qual armazena, por ordem e consoante uma determinada disposição, uma série de figuras que contêm as palavras, os conceitos, bem como a estrutura do discurso.

reconhecê-los. Solicitado a colaborar no processo de identificação, Simónides reconstituiu o cenário até ao momento do acidente, assinalando o lugar preciso ocupado à mesa por cada convidado e demonstrando a excelência do seu método, que advogava ser mais fácil recordar objectos, situações e eventos quando é possível reportá-los a lugares conhecidos. O método proposto por Simónides grangeou legião de adeptos e continuadores, alguns dos quais lhe introduziram alterações e aperfeiçoamentos. O sofista Hipias parece encabeçar a lista, que regista o nome de Metrodoro da Ásia, amigo de Epicuro, como introdutor de 360 lugares inspirados nos 12 signos do zodíaco, em substituição das imagens dos edifícios e compartimentos de Simónides. Em Roma, onde a retórica (constituída por cinco partes: inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio) gozou de enorme prestígio, Cícero (De oratore [BPNM: R-19-2-2]), o anónimo autor da principal fonte tradicional da mnemotecnia, intitulada Ad C. Herennium [BPNM: 2-20-7-8 e 2-20-710], e Quintiliano (Institutio oratoria [BPNM: 1-13-7-6; 2-20-8-1 e 2, etc.]) deram-lhe enorme impulso, sendo ulteriormente considerados os decanos da Arte da Memória. Na prática, a técnica mnemónica que propuseram associa dois métodos, o dos lugares e o das imagens ou pinturas (Constat igitur artificiosa memoria ex 387

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Exposição atribuída a Simónides sobre o método de aplicação da sua combinatória «[...] deveis figurar na vossa mente a imagem de um edifício de três corpos divididos cada um deles em aposentos, e cada compartimento há-de estar designado por uma letra, uma palavra ou o nome de um animal que sirva de ponto de referência para pensar no respectivo compartimento. Em cada compartimento imaginemos cinquenta lugares numerados, distribuídos como segue: Nove números ocuparão cada uma das quatro paredes e o pavimento, ou seja um total de 45. O número 50 colocar-se-á no centro do tecto. Na parede fronteira à porta de entrada estarão os números de 1 a 9; na parede direita, os de 11 a 19; na da esquerda, de 21 a 29; na outra, de 31 a 39; e no pavimento de 41 a 49. Os números 10, 20, 30 e 40 colocar-se-ão no tecto, precisamente em cima das respectivas paredes dos números dez, vinte, trinta e quarenta. Se for preciso aumenta-se o número de compartimentos mobilando-os imaginativamente a tal ponto que, como têm feito alguns dos meus discípulos, podeis figurar mentalmente bairros inteiros de edifícios imaginários com os seus diversos aposentos. Uma vez que tenhais construído este arquivo mnemotécnico podereis utilizá-lo para visionar milhares de objectos, vocábulos ou ideias que queirais recordar, para o que bastará imaginá-los situados em um dos números do aposento, como o lugar que ocupa um comensal a uma mesa ou um colegial no dormitório. Quando chegardes a estar senhores deste sistema sereis capazes de recordar milhares de nomes de coisas sem relação entre si, pois esta incongruência é suprida pela associação do objecto com o lugar que ocupa no compartimento imaginário».

locis et imaginibus). O primeiro consiste em instituir uma topologia concreta, destinada a armazenar argumentos, sentenças, hieróglifos, emblemas, etc., ao passo que o segundo propõe a eleição de um elenco de imagens (res picta) a cada uma das quais possa ser associada uma ideia ou palavra. Até ao séc. XIII, salvo uma breve referência de Martianus Capella (410-439), no De nuptis Philologiae et Mercurii, nada consta sobre a utilização de regras mnemónicas. Nessa centúria, Rogério Bacon (1214-1294) redige a Arte memorativa e Raimundo Lúlio (1235-1346) a sua Ars Generalis [BPNM: 2-19-4-5 e 6]. Cerca dos finais de quatrocentos, Pedro de Ravena causa sensação em Itália com as suas proezas mnemónicas tidas por nigromânticas por alguns. A Phoenix Artis Memoriae (Veneza, 1491) deste mnemotécnico teve diversas edições num período de poucos anos, merecendo ainda destaque a Oratoriae artis epitome (Veneza, 1482) de J. Publicius, a Epitoma in Utramque Ciceronis Rhetoricam cum Arte Memorativa Nova (1492) de Conrado Celtes ou o Congestorium Artificiose Memorie (1520) de Juan Romberch, não esquecendo, todavia, Pedro Ciruelo (De Arte Memorandi), Frei Bartolomeo de S. Concórdio (Trattato della Memoria artificiale), Guillermo Grataroli Bergomatis 388

(De Memoria Libellus), Lodovico Dolci (Dialogo di Memoria), Cosme Ronello (Thesaurus Artificiosae Memoriae), etc. Seria simplesmente fastidioso prosseguir na enumeração dos propagandistas da Arte da Memória até à actualidade, ainda que apenas reportando-me aos mais notáveis. Reservo, portanto, o destaque para os portugueses, de entre os quais saliento, meramente a título exemplificativo, os nomes de: um tal *Adrião, Mestre da «Arte de Reymonde», Frei Isidoro de Ourém, Álvaro Francisco de Vera, Frei Francisco de Santo Agostinho Macedo, Padre Cristóvão Bruno, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, António Pereira Ferrea Aragão, J. F. e A. M. de Castilho, António Feliciano de Castilho e Martins Oliveira. Antes da voragem que atingiu as livrarias das Ordens religiosas portuguesas, no rescaldo da sua extinção, em Portugal (1834), a generalidade, senão mesmo a totalidade delas achava-se organizada segundo um modelo mnemotécnico, conforme se deduz dos catálogos manuscritos que lograram salvar-se. A BPNM, em virtude de ser uma biblioteca, concomitantemente, real e conventual, manteve-se incólume, tornando-se o testemunho exclusivo de tal sistema no âmbito nacional. Partindo do pressuposto indiscutível que o or-

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ARTE NOTÓRIA ganizador da BPNMafra, Frei João de Santa Ana, dominava as regras da Arte da Memória, mesmo assim não creio ser possível saber-se com rigor se o sistema de Simónides lhe era familiar, nem tão pouco quais os mnemotécnicos que terá elegido. As fontes disponíveis na BPNM constituem uma substancial colecção dos melhores autores sobre a matéria em apreço, mas não está, igualmente posta de parte a possibilidade de ter sido compulsada bibliografia inexistente no acervo mafrense ou, quiçá, havido colaboração de mnemotécnicos religiosos ou leigos activos em Portugal na época. Ocorre-me como possível inspirador do bibliotecário arrábido o nome do bispo de Évora, Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, cuja actividade como organizador das bibliotecas do Convento de Jesus e dos Paulistas, segundo cânones idênticos, lhe não era decerto estranha, tal como as suas preocupações relativamente ao sistema da ciência (como diria Fichte) concebido por *Raimundo Lúlio (1232-1316). Que a Arte luliana tinha cultores também em Mafra é um dado adquirido, rastreável nas Conclusões de Filosofia dos Reais Estudos de Mafra. Resta extrair as ilações adequadas dessa circunstância. Antes, porém, é conveniente sublinhar que a Arte luliana é algo mais que um mero artifício dialéctico, ultrapassando em muito qualquer estrita metodologia do pensamento. Trata-se, na verdade, de um conjunto de estruturas sistémicas e escalonadas dirigido para o conhecimento, encurtando o percurso e facilitando o exercício intelectual. Suposta uma recta intenção, a Arte luliana exige aprendizagem e treino simultâneos, com o intuito de atribuir a cada conceito o lugar e a figura que lhe convêm. Para alcançar esse desiderato o praticante dispõe de uma tábua de 84 combinações ternárias, cada uma delas cabeça de 20 câmaras, num total de 1680 câmaras (84 x 20), curiosamente, apenas mais quatro que o número total de casas (536 + 1140 = 1676) da *Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra! FONTES PORTUGUESAS DA ARTE DA MEMÓRIA: ANÓNIMO, Compendium Artis demonstrativae [BPPorto: ms. 1150 (cota 14-4-2)], cod. do séc. XV, oriundo da livraria de Santa Cruz

de Coimbra (Catálogo de D. José da Ave Maria, n. 95); ARAGÃO, António Pereira Ferrea, Diccionario Mnemothecnico, e hum breve resumo das regras mais importantes da arte de ajudar a memória, Lisboa, 1850; idem, Arte Latina Mnemothecnica para aprender a declinar e conjugar rapidamente, e a traduzir com facilidade, Lisboa, 1852; BRUNO, Cristóvão, Arte da Memória [BGUC: ms. 44; BPÉv: ms. CXVI / 1-17]; CASTILHO, António Feliciano de, Tratado de Mnemónica ou Methodo facilimo para decorar muito em pouco tempo, Lisboa, 1851 e 1909-1910 (3 vols.); CASTILHO, M. de, Recueil de Souvenirs du Cours de Mnémotechnie, Saint-Malo, 1831; CASTILHO, J. F. de, Traité de Mnémotechnie ou Exposition des principes de cet Art et de ses principales applications, Paris, 1832; CASTILHO, A. M. de / J. F. de CASTILHO, Dictionnaire Mnémonique, Lyon, 1834 (5ª ed.) ; ISIDORO DE OURÉM, Frei, Ars demonstrativa et inventiva Raymundi Lulii (cf. Barbosa Machado, Bib. Lusitana, v. 2, p. 843-844); [MONGE BERNARDO ANÓNIMO], Compendium Artis demonstrativae ([BN: cod. alc. 203], de meados do séc. XV); OLIVEIRA, Martins, Magia Teatral, Porto, 1948 (2 vols.); VERA, Álvaro Ferreira de, Memória Artificial, ou modo para adquirir memória por arte (in Orthographia ou modo para escrever certo na lingua portugueza. Com um tratado de memoria artificial, outro da muita similhança que tem a língua portuguesa com a latina, Lisboa, 1631, fl. 57-76) BIBLIOGRAFIA CAEIRO, Francisco José da Gama, Revivescências setecentistas do Lulismo em Portugal, in Actas do I Congresso Nacional de Filosofia, Braga, 1955, p. 607-612; idem, Frei Manuel do Cenáculo: aspectos da sua actuação filosófica, Lisboa, 1959; GANDRA, Manuel J. A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, Mafra, 2003; MARTINS, Abílio, A filosofia de Raimundo Lulo na literatura medieval portuguesa, in Brotéria, v. 34, n. 5 (Maio 1942), p. 473-482; RIBEIRO, Padre Ilídio de Sousa, Fr. Francisco de Santo Agostinho de Macedo: um filósofo escotista português e um paladino da Restauração, Coimbra, 1952

ARTE NOTÓRIA São Tomás de Aquino apesar de não considerar a arte notória ilícita em si mesma, integra-a no grupo das práticas supersticiosas (Suma Teológica, II-IIae, quest. 96), as quais, segundo o Doutor Angélico, podem revestir quatro formas distintas: A. as que visam a aquisição da ciência universal, por intermédio de arte notória (ciência infusa obtida mediante a visualização de figuras ou pronúncia de palavras misteriosas); B. as que têm por finalidade a conservação da saúde e protecção do corpo (magia, talismãs, amuletos, medicinas não baseadas em causas naturais, etc.); C. aquelas cujo objecto é a previsão da boa ou má sorte (adivinhação, augúrios, etc.); D. as que fazem uso de objectos contendo palavras sagradas, nomes de anjos, etc. (nóminas, anéis, etc.). Nas Constituições do Arcebispa389

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ARTE RUPESTRE do de Braga, 1639 (XLIX, 1) é estipulado o seguinte: «E sob a mesma pena de excomunhão, proibimos que pessoa alguma, de qualquer qualidade ou estado que seja, use de arte notória, querendo por observâncias vãs e supersticiosas cerimónias, ainda que seja por meio de orações, jejuns e outras obras pias e santas feitas a Deus nosso Senhor, com certas palavras ou sinais esquisitos e não usados, alcançar ao certo e com ciência particular, o conhecimento das coisas que estão por vir ou saber de algum defunto, se está no Céu, se no Inferno, ou falar com ele – a que chamam tirar--lhe a alma –, ou para se livrarem de algum infortúnio, ou para não poderem ser feridos em briga alguma, ou para alcançarem saúde os que estão enfermos [...]». ARTE RUPESTRE Petróglifo, pictograma, geóglifo. Portugal é o país europeu com maior densidade relativa de testemunhos de arte rupestre pré e proto-histórica, abrangendo todas as épocas, desde o Paleolítico Superior aos inícios da romanização, ocorrendo quer sob a forma de pintura, quer de gravura, com distintas técnicas (abrasão e

picotagem) e utilizando como suporte a superfície de rochas ao ar livre, paredes de grutas e abrigos, mas igualmente monumentos megalíticos (antas e menires). As primeiras referências conhecidas a rochas decoradas em Portugal remontam ao séc. XVIII, sendo devidas ao Padre José António Carvalho da Costa, o qual assinala a existência de um arqueosítio junto ao Douro na sua Corografia Portuguesa (1712, p. 436). No ano de 1721, o Padre João Pinto de Morais e António de Sousa Pinto descreveriam o mesmo local, conhecido pela designação de Letras [BN: ms.]. Anos volvidos, Jerónimo Contador de Argote publica nas suas Memórias para a História Eclesiástica de Braga Primaz das Hespanhas (1734, p. 151), nova notícia, agora nomeando o local como *Cachão da Rapa e reproduzindo em estampa aberta por Debrie os motivos ali patentes. Além deste, refere ainda um monumento megalítico decorado de Esposende, descoberto em 1684, cujos esteios se achavam «[…] debuxados com vários caracteres e figuras […]». O primeiro inventário global da arte rupestre em Portugal (registando 109 sítios) foi publicado por J. R. dos Santos

Abrasão Técnica destinada a obter insculturas filiformes, por meio de fricção persistente ou da incisão de qualquer instrumento rijo terminado em gume ou ponta. Só possível em rochas brandas e de superfícies lisas, nomeadamente xistos grauváquicos. Relativamente pouco representadas em estações rupestres peninsulares, as gravações deste ciclo são radicalmente distintas das obtidas por outros processos, tendo gerado fórmulas iconográficas próprias. Às insculturas (traços lineares contínuos) assim originadas chamou J. R. dos Santos Júnior litotrípticas (do grego, lithos, pedra + tripsis, fricção), atribuindo-lhes uma cronologia Neolítica (Pedra Letreira e Pedra Escrita de Ridevides) e Neo-eneolítica (Molelinhos). Já António Martinho Baptista prefere a designação de filiformes, datando tais gravuras do Bronze médio e, no que concerne às do Vale da Casa (Côa), no seu entender tardias, do início da II Idade do Ferro, em virtude da grande quantidade de armas gravadas, quer em modelos líticos (Pedra Letreira), quer em armas do Bronze Final (Molelinhos), quer em modelos típicos da Idade do Ferro (Vale da Casa). No âmbito nacional, os litótribos ou filiformes mais notáveis recenseados são: a Pedra Letreira (Amieiros, Góis, Coimbra), as Pedras Escritas de *Ridevides 1 e 2 (Eucisia, Alfandega da Fé, Bragança), a Pedra Escrita da *Tapada do Cordeiro (Alfandega da Fé, Bragança), a Pedra Escrita do *Poço da Moura (Assares, Vila Flor, Bragança), a Pena Escrita ou Fraga dos Fusos (*Sortes, Bragança), Vale da Casa (Vila Nova de Foz Côa), a Pedra da Carvalheira, também denominada *Molelinhos (Molelos, Tondela) e a estação de Fechadura (Figueiredo, Sertã, Castelo Branco). E. Anati integrou esta estação no «ciclo galaico-português», classificando-a como a rocha «mais tardia e mais a Sul atribuível ao grupo dos ídolos e dos punhais» (Idade do Bronze média e tardia). Picotagem Técnica de gravação de insculturas, frequentemente associada (Côa) à abrasão.

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ARTE RUPESTRE queologia e História, v. 54 (2002), p. 139-180; LOPEZ CUEVILLAS, F., El noroeste de Portugal y el Arte Megalítico, in Archivo Español de Arqueologia, v. 21 (1943), p. 245-254; SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 366, nota 57

Primeiro testemunho iconográfico de arte rupestre produzido em Portugal, por Jerónimo Contador de Argote, nas suas Memórias para a História Eclesiástica de Braga Primaz das Hespanhas (1734).

Júnior, em 1942, jamais chegando a concretizar a ideia que acalentava, em 1953, de publicar o Corpus Petroglyphorum Transmontanorum (cf. III Congreso Arqueológico Nacional, Galiza, p. 536). Hodiernamente, acham-se referenciados mais de um milhar de sítios com arte rupestre, pintada ou gravada em abrigos e grutas, em monumentos megalíticos, ou ao ar livre, em rochas, penedos, fragas, etc., a maioria ainda carecendo de datação e de análise semântica cuidada, susceptível de ultrapassar as, por vezes, completamente dispares e contraditórias (quando não prematuras) sistematizações propostas, quer no que respeita aos reportórios ou grupos temáticos, quer à gramática dos pictogramas, quer no que concerne à cronologia, longevidade, áreas da respectiva difusão geográfica e integração em paisagens rituais (*arqueoastronomia). BIBLIOGRAFIA ANATI, Emmanuel, Arte Rupestre della Regioni Occidentali della Peninsola Iberica, Capo di Ponte, 1968, p. 78-79; BAPTISTA, António Martinho, Arte Rupestre do Norte de Portugal: uma perspectiva, in Portugália, nova série, v. 4-5 (1983-1984), p. 78-80; BATATA, Carlos António Moutoso, Idade do Ferro e romanização entre os rios Zêzere, Tejo e Ocreza, Trabalhos de Arqueologia, n. 46, Lisboa, 2006, p. 57-59 e n. 018 (p. 136) e fig. 29 (p. 281); GOMES, Mário Varela, Arte Rupestre em Portugal – perspectiva sobre o último século, in Ar-

1. Arte paleolítica ou glaciar (entre ca. 100.000 e ca. 10.000 a. C.) A autenticidade da arte rupestre paleolítica foi longamente questionada. Só a partir de finais do século XIX o panorama se alterou, mercê da descoberta de grutas com pinturas seladas por depósitos de calcite ou com a entrada obstruída de longa data. Remontando, regra geral, ao Paleolítico médio, as grutas onde foram detectadas, concentrando-se em particular na França (Dordonha, Vézère e Pirinéus) e Espanha (cordilheira cantábrica), foram concebidas como autênticos santuários, com função ritual e mágica, da qual esse tipo de manifestações constitui o vestígio material. Em Portugal, o único exemplo conhecido até ao presente de arte parietal paleolítica é o da gruta do *Escoural (Paleolítico superior), existindo dois conjuntos de petróglifos ao ar livre: *Mazouco (Paleolítico superior) e *Côa (Solutrense médio antigo, ca. 20.000 anos), uma das mais importantes entre as raras (Fornols-Haut, na França, Domingo Garcia e Siega Verde, na Espanha) estações com arte rupestre paleolítica ao ar livre de todo o mundo. Pouco frequentes as figura-

Equídeos rupestres da gruta do Escoural (Évora).

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ARTE RUPESTRE

Insculturas do núcleo rupestre da Faia (Vale do Côa)

Monólito insculturado de Monte Eiró (Marco de Canaveses)

ções humanas, mas extremamente comuns determinadas espécies animais (*cavalo, caprídeos, *auroque). As pinturas e gravuras obedecem a graus de hierarquização interna, consoante a morfologia e *acústica do lugar (gruta ou ar livre), sendo, amiúde, interrompidas, retomadas, ou objecto de sobreposições e palimpsestos. É elevada a probabilidade de parte considerável da arte rupestre parietal desta fase ser o resultado de experiências de «busca de visão» no decurso de transes xamânicos. *Alucinogénio. *estados alterados de consciência, *xamanismo.

prolongamentos setentrionais e ocidentais de um centro artístico radicado no Sudoeste peninsular. Como características distintivas fundamentais, além da abstracção convencional e recorrente, destacam-se na arte esquemática: o *antropomorfo e o *podomorfo, as cenas historiadas, relativas à caça, de carácter astral (*astrolatria), ritual (*orante, *xamã) ou totémico, bem como a ocorrência de certos motivos e temas com paralelo no mobiliário, aos quais se convencionou chamar ídolos ou idoliformes (masculinos e femininos). Distintas funções têm sido apontadas para determinados motivos esquemáticos: domínio territorial; sinalização de percursos e direcções; lugares hierofânicos (acústica); sinalização de nódulos energéticos; calendários; tatuagens; *litolatria; etc.

BIBLIOGRAFIA VILAÇA, Raquel, Arte paleolítica, in História da Arte Portuguesa, v. 1, Lisboa, 19??, p. 15-21

2. Arte esquemática ou pós-glaciária (entre ca. 8000 e 1000 a. C.) Segundo o padre Breuil, a arte esquemática seria oriunda do Mediterrâneo, tendo aportado à península durante o Neolítico e o Calcolítico. Ao invés, Jordá Cerda advoga que a arte esquemática é inteiramente peninsular, de origem levantina (ca. 2500 a. C.). Por seu turno, António Martinho Baptista sustenta que a arte esquemática dos abrigos rupestres e rochas insculturadas transmontanas participa de um «amplo ciclo» de manifestações de origem meridional, constituindo tais núcleos artísticos como que 392

BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho, Arte rupestre pós-glaciária: esquematismo e abstracção, in História da Arte em Portugal, v. 1, Lisboa, 1986, p. 31-55

3. Arte megalítica (entre ca. 3500 e 2500 a. C.) Considerada o «segundo ciclo artístico da nossa história de europeus ocidentais» (Vítor Oliveira Jorge). Enuncia hierofanias, veiculadas por mitogramas (i. e., figurações de uma acção mitológica, segundo a definição de LeroiGourhan), geralmente de pendor abstracto,

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ARTE RUPESTRE combinando motivos esquemáticos, seminaturalistas e simbólicos, cujo quadro semântico não seria, na opinião de Vítor Oliveira Jorge, acessível a toda a comunidade. Em 1959, já Luís Albuquerque e Castro se interrogava se a arte megalítica não consistiria um «tipo de escrita religiosa ideográfica». Certos signos são comuns a outras regiões europeias, como é o caso do serpentiforme, do *sol, do motivo em U (vulgarmente denominado *ferradura), do *círculo concêntrico e da *covinha. Presume-se que, nas antas, os esteios da cabeceira e os adjacentes à sua esquerda constituíssem os locais mais sagrados da câmara (*altar), funcionando, conforme sugere Vítor Oliveira Jorge, como autênticos painéis integrantes de polípticos com indiscutível sentido religioso, destinados a enquadrar os ritos de que os monumentos eram o palco, podendo, inclusivamente, aludir a eventos de natureza mitológica (*Orca de Juncais). Elisabeth Twohig emitiu a hipótese de o ritual da pintura e inscultura dos monumentos do centro de Portugal e do Noroeste peninsular poder ter uma função idêntica à das placas de xisto e outros artefactos gravados do Sul, abonando a sua explanação na raridade das placas de xisto a Norte do Mondego. Por seu turno, para Susana Oliveira Jorge a arte megalítica seria um item de prestígio só acessível a determinadas linhagens, o que, supostamente, denunciaria o incremento da hierarquização nas comunidades neolíticas. A circunstância de a arte megalítica se achar preferencialmente associada a monumentos de grandes dimensões, consabidamente os mais antigos, fez suspeitar que havia sido coincidente com um momento inicial do megalitismo. No entanto, para Bosch-Gimpera (1965), a cultura megalítica portuguesa é atravessada por duas fases de arte rupestre: o semi-naturalismo avançado, encetado no quarto milénio a. C. (Orca dos Juncais, etc.), e o esquematismo que surge a partir do terceiro milénio (Pedralta, Chão Redondo, Antelas, etc.). Duas maneiras de encarar a arte megalítica foram aventadas por Elisabeth Shee Twohig (1981) e Vítor Oliveira Jorge (1990), respectivamente: aquela propõe a análise isola-

Ortóstato insculturado da anta do Alto da Portela do Pau (Melgaço).

da dos motivos, enquanto este, admitindo que os motivos formam autênticos polípticos, prefere conjugá-los, todavia, advogando uma distinção semântica entre as superfícies historiadas estruturadas (mercê de molduras ou rodapés) e as não delimitadas. Seja como for, carece-se de dados cronológicos fiáveis e concludentes, permitindo datações absolutas das insculturas e das pinturas megalíticas, susceptíveis de confirmar ou infirmar as alegações sobre a contemporanidade entre monumentos e arte rupestre. A maior antiguidade relativa das insculturas relativamente à pintura (sem, todavia se poder estabelecer qual o hiato temporal entre ambos) tem-se visto reforçada pelo achado de restos pictóricos no interior de sulcos de insculturas necessariamente pré-existentes. Na pintura, as cores utilizadas são fundamentalmente três: o branco de base, ou caolino; o vermelho, de ocre ou de óxido de ferro; o negro de carvão. Dos principais motivos seleccionados por E. S. Twohig, cinco, pintados (*antropomorfo; *pele esticada de animal; fiadas de triângulos ou de Vs; dentes de serra; serpenti393

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ARTE DE SÃO JORGE formes verticais), seriam característicos do grupo 1 dito de Viseu, enquanto os restantes, insculpidos (serpentiformes verticais, oblíquos ou horizontais; motivos lineares radiados; motivos em U; *A Coisa), articular-se-iam num grupo 2 (miscelâneo), correspondendo a monumentos situados a Norte, mas, igualmente, a Sul do Douro. Considera-se hoje, ao contrário das teses expostas por Shee Twohig (1981), que o que se denomina arte megalítica peninsular não é uma expressão territorial – Norocidental – e específica de um determinado tipo de arquitectura (câmaras de corredor largo). De facto, a arte megalítica ocorre em distintas regiões da Península, assumindo tipologias arquitectónicas dispares (*abrigo rupestre, *anta, *menir, etc.), e expressões gráficas diferenciadas (pintura e inscultura), mas contemporâneas das estruturas de suporte (IV milénio a. C.) e concebidas para fazer parte integrante delas. A semântica de tal código reiterativo é instituído não apenas por via da repetição dos motivos, mas também da respectiva localização, bem como dos critérios determinantes na sua associação. Alguns dos ideogramas sugerem os padrões entópticos das fases 1 e 3 das experiências visionárias, eventualmente induzidas por substâncias psico-activas (*xamanismo). BIBLIOGRAFIA BOSCH-GIMPERA, P., La Chronologie de l’art rupestre semi-naturaliste et schematique et la culture megalithique Portugaise, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, v. 9 (1965), p. 113-122; CASTRO, Luís de Albuquerque, L’Art mégalithique au Portugal, in Actas do VI Congresso Internazionale delle Scienze Preistoriche e Protostoriche (Roma, 1962), v. 3, Roma, 1966, p. 370-373; CASTRO, Luís de Albuquerque e, A Arte megalítica e as escritas ideográficas, in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia (Lisboa, 1958), Lisboa, 1959, v. 1, p. 251-259; CASTRO, Luís de Albuquerque e, Um novo aspecto interpretativo da ornamentação dos monumentos megalíticos, in Rev. de Guimarães, v. 71, n. 3-4 (Julho-Dez. 1961), p. 255-260; JORGE, Vítor Oliveira, Interpreting the «megalithic art» of Western Iberia: some preliminary remarks, in Journal of Iberian Archaeology, v. 0 (1998), p. 69-83; JORGE, Vítor Oliveira, A propósito da Arte megalítica do NW peninsular, in Arkaeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Pré-História Europeia – 1998), Tomar, 1999, p. 109-127; TWOHIG, E. Shee, The Megalithic art of Western Europe, Oxford, 1981

ARTE DE SÃO JORGE O mesmo que *ver em água. 394

ARTÉMIO, SANTO Alegado confessor de Jesus, testemunha presencial do martírio de *São Torpes, em Pisa. É venerado em *Sines, onde se diz que teve a revelação de que o corpo de São Torpes ali aportara. Chegado à localidade, encontrou Audax, um moço que guardava o sepulcro do santo (uma *anta destruída pelos dominicanos no século XVIII) a quem se juntou, tendo ambos vivido como eremitas até ao fim das suas existências.

Lucerna procedente de Santa Bárbara, com figuração de Artemisa.

ARTEMISA O mesmo que Ártemis. Filha de Latona e de Zeus e irmã gémea de *Apolo. Deusa, associada à *Diana e à *Luna latinas, protectora da natureza, dos animais selvagens e da fecundidade masculina. Conhecida pelos epítetos de Ilithia (protectora das mães), Lucina e Geniales (que faz nascer o dia). Encarna a faceta terrena de Hecate triformis (Lua no Céu, Proserpina nos infernos), constituindo tema recorrente em seis das lucernas de Santa Bárbara. *Arco.

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ARTUR ARTEMISIA Planta medicinal. Segundo um acórdão do *Santo Ofício (1796), *António Rodrigues de Carvalho, por alcunha o *soldador, terá confessado que «a um homem doente de um braço mandou que o lavasse com água da erva Artemisia» (cf. Benedita Araújo, Medicina Popular: usos, costumes e tradições portuguesas – séculos XVII e XVIII, in Actas do II Encontro de Cultura Tradicional da Beira, 1994, p. 35). ARTES DIVINATÓRIAS Genericamente, as Constituições diocesanas não condenavam as artes divinatórias, em bloco, mas apenas certas modalidades de algumas delas: quando existia pacto com o demónio ou os prognósticos propugnavam um determinismo rígido, limitativo do livre arbítrio. A título exemplificativo, vejam-se as Constituições Sinodais do Bispado do Porto (Porto, 1690) e, mais especificamente, as Constituições Sinodais do Bispado de Braga, ordenadas no ano de 1639 e impressas em Lisboa, em 1697: «Não é proibido usar da Astrologia que se chama Natural, nem é proibido usar da judiciária astrologia […]; será lícito a qualquer pessoa pelas influências e constelações dos céus, pelas estações e movimentos dos astros, suas conjunções e aspectos, conjecturar os efeitos futuros mais importantes e necessários para ajudarem nas artes da Medicina, Navegação e Agricultura […]; o que então será lícito quando se use desta ciência para somente conjecturar as inclinações naturais e temperamentos das pessoas» (p. 610-611). Com efeito, as artes divinatórias ocupam um lugar subalterno na hierarquia dos crimes perseguidos pelo *Santo Ofício. Ao megassismo de 1755 pode ser creditada uma duradoura revitalização das artes divinatórias em Portugal, na segunda metade de setecentos (cf. Ana Cristina Bartolomeu Araújo, Ruína e Morte em Portugal no século XVIII – a propósito do terramoto de 1755, in Revista de História das Ideias, v. 9, 1987). ARTES LIBERAIS *Trivium, *Quadrivium.

ARTES MARCIAIS *Jogo do Pau. ARTUR Rei-cavaleiro, que se ocultou sob a identidade de Santo Armel ou Arthmael (cf. Chris Barbaer e David Pykitt, Journey to Avalon: the final discovery of King Arthur, Mayne, 1997), após a batalha de Canlam. Começou a assumir personalidade literária a partir das narrativas de Gildas (Book of Complaints, ca. 540), Nennius (História dos Bretões), e do Livro de Talesin, que lhe consigna o estatuto mágico, legitimado pela posse da espada Caliburn (*Excalibur) e do Graal, ulteriormente ficcionado por Geofrey de Monmouth., Chrétien de Troyes, Robert de Boron e Wolfram von Eschenbach. Na corte de Dom João I era tal a veneração pelos míticos cavaleiros da *Távola Redonda que não se hesitava comparar as próprias virtudes militares com as descritas na *Matéria da Bretanha: a conduta de Nuno Álvares Pereira era estrictamente decalcada pela de *Galaaz. Fernão Lopes narra (Crónica de Dom João I) que durante o cerco de Cória (Castela), em consequência de o monarca se lamentar por não ter ao seu serviço aqueles heróis fabulosos, um dos nobres presentes, Mem Rodrigues de Vasconcelos, terá retorquido agastado, referindo-se a si e a seus companheiros, que a coragem demonstrada por todos no campo de batalha era equivalente à dos cavaleiros do reino de Artur. João Vieira de Azevedo, sebastianista do séc. XVII, afirmava em 1644 que D. Sebastião regressaria assistido pelo «Rei Artur de Inglaterra e outros Príncipes de que se não soube a morte e vêm com eles as nove [sic] ocultas tribos de Israel [...]» (cf. Feiticeiros, p. 186). Com efeito, não terá sido Ferdinand Denis (Portugal, Paris, 1846) o primeiro autor a aproximar Matéria de Bretanha e Sebastianismo, porquanto já Jorge Ferreira de Vasconcelos, no Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567), dedicado a D. Sebastião, o fizera. O alegado celtismo do sebastianismo teria substancial desenvolvimento suscitado entre outros por Oliveira Martins (História de Portugal, 1879, p. 373), 395

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ARUJO Teófilo Braga (A Pátria Portuguesa, 1894, p. 150) e António Sardinha. Sílvio Romero discorda frontalmente, pois radica o «a doença do sebastianismo» numa matriz semita. *Avalon. BIBLIOGRAFIA A propósito do Rei Artur de Inglaterra e do Rei D. Sebastião de Portugal, in Recreação Periódica (ed. Aquilino Ribeiro), Lisboa, p. 33-38

ARUJO Pequena lasca de madeira, bichinho ou qualquer *argueiro que entra para os olhos (Póvoa de Varzim). O mesmo que *trampo. ARUJEIRO *Argueiro. ARUS Teónimo que ocorre numa epígrafe (CIL II 5247; RL II, p. 314-315) encontrada na ponte sobre o rio Paiva (Castro Daire, Viseu), actualmente no Museu do Carmo: «Votu[m] Aro / l[ibens] a[nimo] s[olvit]» (Voto cumprido de bom grado a Aro [...]). Na mesma ara observa-se um *javali gravado em alto relevo, associado a um guerreiro de pé, com lança. Uma vez que o javali, além de símbolo sacerdotal, é um dos animais do deus *Lug, a presente circunstância pode indicar a subordinação da classe guerreira à sacerdotal. Há quem considere Arus um antropónimo (cf. Maria Manuel Alves Dias, in comunicação que apresentou ao Colóquio Internacional sobre as Religiões da Península Ibérica, Salamanca-Cáceres, 1986). João L. Inês Vaz diz o topónimo Castro Daire (Castrum dei Ari) originado neste teónimo. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 115; FIGUEIREDO, A. C. Borges de, Ara descoberta em Castro Daire, in Rev. Archeologica e Historica, v. 1 (1887), p. 52-57; UNTERMANN, J., Los teonimos de la region lusitano-galega, in Actas del III Colóquio sobre las lenguas y culturas paleohispanicas, p. 345; VAZ, João L. Inês, A pervivência da teonímia indígena na toponimia actual da região de Viseu, in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu, p. 326-327

ARÚSPICE Adivinho. Sacerdote romano cuja função consistia em interpretar o aspecto das vísceras das 396

vítimas, analisando o comportamento dos animais (sobretudo cornúpetos) antes do sacrifício, a sua agonia e as suas entranhas, a chama em que ardiam (bom augúrio se clara, silenciosa e piramidal), bem como a água, o incenso, o vinho e a farinha utilizados nas cerimónias. ARVELA O mesmo que *alvéola e *arvéloa. Também denominada *lavandeira. Se voarem em linha recta é prenúncio de boa sorte. Na ilha Terceira (Açores) constitui-se como sinal de próxima desgraça quando entra ou tenta entrar numa casa. Diz-se ainda que, quando voa em cruz, se estiver um cadáver em casa isso é mau agouro para a *alma do defunto (cf. Revista Lusitana, v. 30, p. 285). A superstição foi aproveitada por Vitorino Nemésio no conto Mau Agoiro do Paço de Milhafre. ARVÉOLA *Alvéola e *arvela. ÁRVORE A árvore é indício da presença de *água e, logo, de vida (Genesis, I, 11-12), sintetizando as forças telúricas ou vegetativas que se elevam do solo (*árvore de Maio, *árvore da Vida, *eixo do mundo). A sua sombra serve de refúgio e de refrigério (na *Bíblia, a expressão «árvore frondosa» é sinónimo de local interdito pela lei mosaica; cf. Deuteronómio, XII, 2). Os seus frutos alimentam e podem intoxicar, ou fazer o homem crer que é Deus (*árvore do Paraíso, *banana, *maçã). As árvores de folha caduca são símbolo de morte e de ressurreição (*videira), enquanto que as de folha perene (*cipreste) remetem para a vida eterna. A explosão primaveril da folhagem é descrita como o reflexo da actividade discreta mas fecunda de Deus (*figueira). Já a esterilidade das árvores, tal como a dos animais, é explicada por maldições. Árvores são, amiúde, hospedeiras de entidades sobrenaturais, supedâneos de hierofanias marianas ou residência, abrigo e esconderijo de imagens de santos. Certas árvores são receptáculos de maleitas que os seres humanos transferem para

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ÁRVORE DE JESSÉ ralmente nome masculino enquanto não dão frutos, ou enquanto não são enxertadas. A partir dessa data tornam-se femininas. Por exemplo, as diversas espécies de carvalhos são masculinas se têm folha caduca e se as glandes não são comestíveis e femininas se os frutos são bons (*azinheira). Quer em latim, quer em português, a madeira é do género feminino, possuindo raiz comum (mater) a mãe e matéria. BIBLIOGRAFIA FELGUEIRAS, Guilherme, O mundo vegetal no conceito popular. Fitolatria. Práticas e crenças supersticiosas de feição dendrolátrica, Porto, 1969; LIMA, Augusto César Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 6, Porto, 1951

Frontal de altar: Epifania de Nossa Senhora da Oliveira, em Sobral da Abelheira (Mafra).

elas, na expectativa de se tornarem beneficiários das suas propriedades terapêuticas (*Santo Aleixo). Nas árvores sagradas ninguém toca, senão em dia designado e com consentimento, pois, de contrário, o sacrílego profanador será atacado de *sezões. O culto das árvores (*dendrolatria, *fitolatria) teve enorme difusão na Hispânia pré-histórica e proto-histórica e, designadamente sob o baixo Império. O *carvalho pertencia a *Júpiter, a *oliveira a *Minerva, a *murta a *Vénus, a *vinha a *Baco, etc. Árvore fendida pelo raio era sagrada para os romanos. Muitas árvores e bosques sagrados foram abatidos na sequência de éditos de Imperadores cristãos dirigidos contra o seu culto. Martinho de Dume estigmatizou todos quantos acendessem velas junto a árvores (De correct. rust. 16), tendo, os rituais relacionados com árvores merecido também referências condenatórias nos cânones dos concílios: o cânone 73 do Concílio III de Braga (572) condenou aqueles que cobriam as casas com louro ou árvores; os cânones 11 do Concílio XII de Toledo (681) e II do Concílio XVI de Toledo (693) os adoradores de árvores, superstição que se sabe ter persistido na Galiza e nas Astúrias até à actualidade. Das árvores festivas, as personificações mais comuns ainda hoje são o *Maio carrapato e o *São João verde. As árvores de fruto têm ge-

ÁRVORE DA CABALA *Cabala, *Cabala cristã. ÁRVORE DE JESSÉ O tema, inspirado em Isaías, II, 1 («E brotará uma vara da raiz de Judá e da sua raiz abrirá uma flor»), e omnipresente na literatura medieval (Introdução aos Milagres de Nuestra Señora de Gonzalo de Berceo; Cantigas 20 e 31 de Afonso X; Livro de José de Arimateia; Horas de Nossa Senhora segundo o Costume Romaão, Paris, 1500, fl. 11v; Breviário de D. Leonor, fl. 382v, etc.) foi abandonado pela arte ocidental nos finais do séc. XVI e então quase extinto. Porém, na Península Ibérica, o dogma da *Imaculada terá alimentado a popularidade desta composição dedicada à figuração da genealogia de Cristo por intermédio de *Maria. Aliás, com a Contra-Reforma, sob a égide dos dominicanos, alcançou em Portugal uma expressão que antes nunca lograra. A maioria dos artistas adoptará a genealogia de Cristo, segundo *São Mateus. Robert Smith advoga que a fachada poente da igreja manuelina de Tomar ostenta uma árvore deste tipo, achando-se Jessé representado pelo homem suspenso das raízes da *árvore seca (cf. The Art of Portugal, 15001800, Londres, 1968, p. 51). Tema recorrente na arte efémera, assim como no bordado e na escultura (em marfim) indo-portuguesa. Sob o ponto de vista iconográfico, as Árvores de Jessé seiscentistas e setecentistas obedecem a certas convenções: A. O corpo de Jessé surge deitado, 397

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ÁRVORE DE JESSÉ

Guia ALDEIA VELHA (Aviz): na capela de Nossa Senhora da Arrabaça; AVEIRO (Nossa Senhora da Penha de França); AZAMBUJA (matriz): tábua atrib. Simão Rodrigues; BEJA (igreja de Santa Maria): proveniente da confraria do Rosário (1676); BERINGEL (Santo Estêvão); BERINGEL (Beja): matriz; BORBA (matriz): subsiste apenas a imagem de Jessé, na capela de Nossa Senhora do Rosário; BRAGA (igreja do colégio de São Paulo): retábulo de Nossa Senhora da Conceição; BRAGA [Museu Pio XII]: imagem de Jessé de um retábulo (séc. XVII) que existiu na ermida de Nossa Senhora de Azurei, junto a Guimarães; CABEÇÃO (Mora): retábulo dos finais de quinhentos ou inícios do século seguinte na igreja da Misericórdia; CAMINHA (matriz): no absidíolo do lado do Evangelho, 1704-1705; CARVALHOSA (matriz de Paços de Ferreira); ELVAS (igreja de S. Domingos): retábulo de talha e imaginária, na capela de NossaSenhora do Rosário; ESTREMOZ (convento de São Francisco): retábulo de talha; ESTREMOZ (convento de S. João da Penitência): num dos coros (perdida); ÉVORA (igreja demolida do convento de S. Domingos): dois retábulos, de 1625 e 1683, respectivamente, aquele vendido para uma quinta do Escoural (ambas perdidas); ÉVORA (convento de Santa Clara): no claustro (perdida); ÉVORA (?): tela; FACHA (Ponte de Lima): na capela da quinta do Sobreiro (ou de Nossa Senhora do Rosário) existiu pintura mural (perdida); FERREIRA (Paços de Ferreira): na matriz, árvore de Jessé monumental (perdida, depois de apeada pela Direcçaõ Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais); FUNCHAL (convento de Santa Clara): pintura quinhentista sobre as portas de um oratório do claustro superior; GUIMARÃES (convento de São Francisco): retábulo de talha; GUIMARÃES (igreja de Nossa Senhora da Oliveira): figura reclinada de Jessé na janela da fachada; LAGOA (Várzea da Cova, Fafe): na capela de Nossa Senhora das Neves (perdida); LAMEGO (capela do Desterro): o sacrário setecentista ostenta a Árvore de Jessé pintada; LAMEGO ([Museu]: pilastra do retábulo de talha de S. João Evangelista, procedente da igreja do antigo convento das Chagas; LAMEGO (capela-mor da Sé): retábulo quinhentista da capela-mor, com 15 imagens de madeira (perdida); LAVANDEIRA (Bragança): igreja matriz; LEIRIA (capela de Nossa Senhora da Pena, castelo): painel de pintura pertencente ao retábulo da ábside (perdido, em 1620, em consequência de incêndio); LISBOA [MNAA]: iluminura do Livro de Horas de D. Manuel (aliás de Dom João III); LISBOA (mosteiro de São Domingos): capela de Nossa Senhora do Rosário, instituída por Dom Pedro de Castilho, 1614 (destruída pelo terramoto de 1755); MAÇÃO: retábulo azulejar da matriz, 1644 (sobre o arco da capela colateral da Epístola); MADRID [BNMd]: fl. 74 do De Aetatibus Mundi Imagines de Francisco de Holanda; MATOSINHOS (igreja do Bom Jesus); MOUCOS (Vila Real): painel da ousia da capela de Nossa Senhora de Guadalupe; OLIVEIRA DO CONDE (Carregal do Sal): capela do solar dos Soares de Albergaria; OLIVENÇA (igreja de Santa Maria do Castelo); PAÇOS DE BRANDÃO (Feira): no manto da escultura em pedra de ançã de Nossa Senhora da Conceição, na matriz; PAINZELA (Cabeceiras de Basto): matriz; PEREIRA (Montemor-o-Velho): matriz; PORTALEGRE (Casa José Régio): dez pequenas esculturas dos Reis de Judá de uma Árvore de Jessé, seiscentista, da igreja da Misericórdia de Monforte; PORTO (convento de São Francisco): retábulo de talha, patrocinado pela confraria de Nossa Senhora da Conceição; PORTO [MSR]: painel proveniente do Colégio de Ermesinde; PORTO (igreja de S. Domingos): a destruição da igreja acarretou a destruição do retábulo, 1630; RIO DE MOINHOS (Borba): tábua na igreja matriz de Santiago; SANTA CRUZ DA GRACIOSA (Açores): tábua da matriz; SÃO PEDRO DE FRANCE (Viseu): na capela da quinta do Covelo, pintada no peito da imagem de Nossa Senhora do Ó; TAMENGOS (Anadia): matriz, séc. XVIII; VIANA DO CASTELO (igreja do convento de São Domingos): retábulo de talha, desmontado em 1761; VISTA ALEGRE (Ílhavo): tecto da nave da capela de Nosse Senhora da Penha (séc. XVII).

quase sempre dormindo, num sonho premonitório, com o cotovelo de um dos braços fincado no solo e a cabeça encostada na mão desse braço (na igreja do Machico pousa as duas mãos nos primeiros ramos da árvore, enquanto no tecto da capela de Nossa Senhora da Penha 398

de França, na Vista Alegre, se encontra em decúbito ventral, as raízes saindo das costas; já no retábulo da igreja do antigo colégio de S. Paulo de Braga, acha-se reclinado, apoiado na árvore e num rochedo; B. Geralmente, os Reis de Judá são doze (para se equipararem aos Profetas), ora

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ÁRVORE DE MARTÍRIO (1971), p. 101-107; n. 5 (1971), p. 139-144; n. 6 (1971), p. 165-170; n. 7 (1971), p. 211-218; n. 8 (1971), p. 240-247; n. 9 (1971), p. 257-265; idem, A Árvore de Jessé na arte portuguesa, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 2, v. 3 (1986), p. 213-238; MARTINS, Mário, A Árvore de Jessé e a canção final do Auto da Feira, in Temas Vicentinos, Lisboa, 1992, p. 81-86; MOURA, Carlos, Árvore de Jessé, in Dicionário de Arte Barroca em Portugal, Lisboa, 1989, p. 239-240; PEREIRA, Henrique Manuel, A árvore de Jessé, um exemplo da igreja da Lavandeira, in Brigantia, v. 12, n. 3 (1992), p. 221240; RÉAU, Louis, Iconographie de l’ Art Chrétien: Nouveau Testament, Paris, 1957, p. 135-140; VITORINO, Pedro, Árvores de Jessé, in Douro-Litoral, s. 2, v. 1 (1944), p. 25-30

Árvore de Jessé num códice iluminado da igreja de Santo Estevão (Lisboa).

de pé, ora sentados, nos ramos ou nas flores que brotam da composição; C. Por vezes, os ramos formam, na parte superior, uma espécie de elipse ou de óvulo, dentro dos quais se encontra a imagem da Virgem, como que encerrada num resplandor (Olivença, S. Francisco de Estremoz, S. Francisco de Guimarães, Carvalhos, Ferreira, Braga, etc.). BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, António de, Santa Maria de Guimarães, Guimarães, 1956, p. 7, 8 e 11; BRANDÃO, Domingos de Pinho, Para a História da Arte – algumas obras de interesse I. Calvário do século XV, Árvore de Jessé do século XVI, in Museu, s. 2, n. 2 (Mai. 1961), p. 76-85; CORREIA, Francisco Carvalho, Um símbolo eucarístico invulgar, in Mundo da Arte, n. 12 (1982), p. 32-36; GONÇALVES, Flávio, Para a compreensão de um retábulo do século XVII, in Suplemento de Cultura e Arte de O Comércio do Porto (24 Jan. 1961); idem, As Árvores de Jessé dos retábulos de talha, in Suplemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto (23 Dez. 1969); idem, O retábulo da Árvore de Jessé da Igreja de S. Francisco do Porto, in Suplemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto (12 Fev., 12 Maio e 28 Julho 1970); idem, A capela de talha da árvore de Jessé da Igreja de S. Francisco do Porto, in O Tripeiro, n. 4

ÁRVORE DE MAIO Designação do mastro erguido por ocasião das *maias (1 de Maio). Pinho Leal testemunha presencial dessas festividades em Tavira, Castro Marim, Vila Real de Santo António e outras povoações do Algarve, reporta-se-lhes nos seguintes termos: «[…]. Escolhia-se uma rapariga de dez a doze anos, das mais bonitas do sítio. Enfeitava-se com um vestido branco, jóias, fitas e flores e se colocava em um trono florido, construído em uma sala ao rés da rua. Era a maia. Em frente da casa onde ela estava, havia um mastro, coberto de murta e flores, em roda do qual se dançava todo o dia, ao som de qualquer instrumento [...] e era um dia de divertimento e alegria.» (cf. Portugal Antigo e Moderno). Em Arcozelo das Maias (Oliveira do Hospital, Viseu), a encenação era similar. Por vezes o mastro era pintado com um desenho espiralado a vermelho e branco, cores sempre relacionadas com os ritos arcaicos na origem de tais festividades. A *dança da Roca, ainda esporadicamente coreografada em Santo Isidoro (Mafra) na década de 1990, constituia uma variante dessa fórmula: presas no topo do mastro, em torno do qual evoluíam os dançadores, doze fitas brancas e vermelhas, intercaladas, eram cruzadas e descruzadas, concluindo a coreografia com todas elas entrançadas no mastro. Outras vezes era, simplesmente, erigida no centro da povoação uma árvore cortada durante a noite nos bosques onde os jovens de ambos os sexos iam pernoitar. ÁRVORE DE MARTÍRIO Figuração de grupos de santos mártires. O único exemplo nacional ocorre na capela de Santa 399

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ÁRVORE DE NATAL Quitéria do colégio de São Paulo de Braga, onde a mártir ocupa o centro de uma árvore, achando-se cercada pelas oito efígies das Santas suas irmãs. Deitado, junto ao tronco da árvore, observa-se a imagem de *Santo Ovídio, 3º arcebispo de Bragaque as baptizou e doutrinou. BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Padre Luís de, Dicionário Geográfico, v. 2, Lisboa, 1751, p. 260; GONÇALVES, Flávio, Em torno da iconografia das nove irmãs gémeas, in Boletim da Câmara Municipal do Porto, v. 25, n. 3-4 (1962), p. 476-480

ÁRVORE DE NATAL Jorge Dias sustenta que é originária da Alemanha, onde terá aparecido por volta de 1500. Leite de Vasconcelos di-la introduzida em Portugal no último quartel do séc. XIX (Etnografia Portuguesa, v. 8, p. 522). Gustavo Barroso prefere apresentá-la como sobrevivência pagã da *árvore de Maio. Seja como for, já no quatrocentista Regimento dos Sacristãos-Mores da Ordem de Cister de Alcobaça [BN: cod. alc. CLI / 64, fl. 330] se alude ao que poderá considerar-se a mais antiga referência à árvore de Natal em Portugal: «Nota de como has de poer o ramo de natal, scilicet: Em vespera de natal, buscarás huu grande Ramo de loureiro verde, e colherás muitas laranjas vermelhas e poer lhas has metidas pelos ramos que dele procedem especificadamente segundo já viste. E em cada hua laranja, poeras hua candea. E pendurarás o dicto Ramo per hua corda na polee que ha de star acerca da lampada do altar moor». Em Vilarinho da Castanheira (Carrazeda de Ansiães, Bragança) havia o costume de enfeitar com frutos, peças de caça, fumeiro, etc., a árvore de Natal que era feita no interior da igreja e depois arrematada em leilão. BIBLIOGRAFIA BARROS, J. C. Freitas, A Árvore de Natal (suas origens históricas), in Mensário das Casas do Povo, v. 8 (1953), p. 7; DIAS, A. Jorge, A Árvore de Natal, in Dois Distritos da Beira Litoral, v. 1 n. 36 (1953)

ÁRVORE DE VERA CRUZ *Vera cruz. ÁRVORE DO PARAÍSO Representada pela árvore da ciência do bem e do mal, a melhor do vergel criado por Deus 400

(Genesis, II-III), mas cujos frutos Adão e Eva estavam proibidos de comer (Genesis, III, 3-5). Tradicionalmente confundida com a *árvore de Maio, considerada a melhor da floresta. Os moços cortam-na sem para tal obterem autorização, uma vez que a formosura da árvore lhes legitima o acto. Num contexto eclesial à *árvore de Maio (festejada no dia 1 de Maio), sucede a *árvore de Vera Cruz (festejada no dia 3 de Maio), imagem da redenção do pecado original. A *palma encarada como emblema do martírio, ou antes, da recompensa concedida aos mártires (imortalidade e ressurreição), é um símbolo estilizado da árvore do Paraíso. Entre judeus é um motivo messiânico usado na Festa dos Tabernáculos para simbolizar «o reino terrestre do Messias que antecede a vida eterna». De resto é esse o significado das palmas com as quais Jesus foi recebido quando da sua entrada em Jerusalém. A *procissão dos Terceiros de Alter do Chão (extinta) era aberta por duas figuras alegóricas denominadas Anjo do Sol e Árvore do Paraíso, ambas personificadas por rapazes adolescentes: aquele vestido com túnica de seda branca, usando turbante na cabeça com grande penacho de penas brancas, levando na mão direita uma alta vara, na ponta da qual se via um sol; este, vestido de verde, com um grande ramo de loureiro nas mãos, do qual pendiam peros de Portalegre. ÁRVORE SECA Motivo recorrente na arquitectura do período *manuelino. A mais remota iconografia conhecida da árvore seca ocorre num selo cilíndrico babilónico (2000 a. C.). Durante a Idade Média distintos viajantes reclamaram o privilégio de ter estado na presença da misteriosa raridade dendrológica. O problema consiste em determinar qual a sua exacta localização, uma vez que os relatos divergem nesse ponto. Oderic de Pordenone (1286-1331) aponta o Monte de Mamre, nas cercanias de Hebron, afirmando que a Árvore, que secara quando Cristo foi crucificado, permanecia ali desde a criação do Mundo. A descrição de Mandeville (Viagens, livro 1, cap. XIX), baseada na de Oderic, acaba-

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ÁRVORE SECA ria por se tornar a mais divulgada, andando associada a uma profecia sobre o advento de um Príncipe ocidental que havia de conquistar a Terra Santa e devolver o verdor à árvore. Frederico, Barba Ruiva, foi o primeiro a encarnar tal mito. Segundo uma tradição, remontando ao séc. VII, exposta por Arculf, o qual remete para S. Jerónimo, a Árvore de Mamre também era denominada Carvalho de Abraão, porque teria sido à sua sombra que o Patriarca recebera os três anjos que lhe anunciaram o nascimento de Isaac, além de que, junto dele, se achavam os túmulos do próprio *Abraão, bem como os de *Isaac, *Jacob e *Adão. Por seu turno, Marco Pólo localizará a Árvore Seca numa planície, ao Norte da Pérsia, inspirando André Bianco (1436) e Fra Mauro (1459). No mapa de Hereford (séc. XIII) de Richard de Haldingham, era colocada na vizinhança da Índia e do *Paraíso Terrestre, sendo identificada pela legenda Albor Balsami est Arbor Sicca. Nas diferentes versões da História de Alexandre a Árvore Seca seria associada às duas árvores do Sol e da Lua (ou da Vida e da Morte), o que não é despiciendo no caso de Tomar. Já no ciclo da *Távola Redonda, a Árvore Seca tornar-se-ia um dos símbolos do próprio *Graal. A árvore seca sob a janela poente do baixo-coro (vulgo casa do capítulo) do *convento de Cristo induz a caracterizar como gibelino (*gibelinismo) o ideário exposto em Tomar, pois ela é um dos emblemas do Império Universal. A interpretação da árvore abatida pelo poder do Altíssimo do sonho de Nabucodonosor vem secundar a hermenêutica que testemunho: «Parecia-me que via no meio da terra uma árvore e era a sua altura desmarcada. Era uma árvore grande, forte e cuja altura chegava até o Céu. A sua vista estendia-se até às extremidades de toda a terra. As suas folhas eram formosíssimas e o seu fruto copioso em extremo e dela se podiam sustentar todas as castas de animais: as alimárias domésticas e selvagens habitavam debaixo dela e as aves do Céu pousavam sobre os seus ramos e dela se sustentava toda a carne. Eu [Nabucodonosor] estava vendo isto na visão da minha cabeça sobre o meu leito e eis que o Vigia e o Santo des-

A Árvore Seca no Liber Chronicarum (Nuremberga, 1493) de Hartmann Schedell.

ceu do Céu. Ele clamou com uma voz forte e disse assim: Deitai abaixo pelo pé esta árvore e cortai-lhe os ramos, fazei-lhe cair as folhas e desperdiçai-lhe os pomos. Afugentem-se as alimárias que estão debaixo dela e enxotem-se as aves de cima dos seus ramos. Deixai, todovia, na terra o tronco com as suas raízes e ele fique ligado com umas cadeias de ferro e de bronze, entre as ervas que estão fora no campo, e a sua sorte seja com as feras na erva da terra. Por sentença dos Vigias foi assim decretado [...]. Lançar-te-ão [Nabucodonosor] fora da companhia dos homens e a tua habitação será com as alimárias e feras e comerás feno como boi e serás molhado do orvalho do Céu. Passar-se-ão também sete tempos por cima de ti até que tu reconheças que o Excelso tem debaixo da sua dominação os Reinos dos homens e os dá a quem lhe apraz. Quanto, porém, ao que mandou que se conservasse o germe das suas raízes, isto é da árvore: quer dizer que o teu Reino se ficará conservando para se te tornar a dar, depois que tu tiveres reconhecido que todo o poder vem do Céu [...]» (Daniel, IV, 7-23). A divulgação além fronteiras do gibelinismo da coroa portuguesa na transição do século XV para o XVI pode inclusivamente depreender-se de uma 401

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Árvore seca da fachada poente da igreja manuelina de Tomar, sob a janela, dita da Casa do Capítulo.

gravura alusiva a Portugal, que ocorre no Liber Chronicarum (Nuremberga, 1493) de Hartmann Schedell, na qual uma árvore seca é exibida em primeiro plano, como se ela fosse o distintivo próprio do Reino que reconhecera que «todo o poder vem do Céu» e não do bispo de Roma! Mas até os momos representados na presença de D. Manuel e da corte aludiam desinibidamente ao tema, conforme o teor da carta enviada aos Reis Católicos pelo embaixador Ochoa de Ysasaga: «[...] En cabo de la sala estaba fecho un retraiymento grande con paños de donde salió un huerto de encantamiento que venia dentro un arbol membrillo grande muy biene cho con muchas ramas espesas llenas de candelas ardiendo y encima del arbol un dragon muy espantable con tres cabezas feroces y seis manos grandes y con la cola tenia rebujado todo el cuerpo del arbol y todo el huerto estaba cubierto al derredor con paramentos de lienzo delgado y venian dentro seis damas Doña Leonor de Millan y Doña Maria de Cardenas é Doña Angela é Doña Leonor Enrriques é Doña Guiomar Freire é Doña Maria de Silva 402

vestidas á la francesa [...] y en las manos unas achas pintadas de cera ardiendo y en cabo del huerto venia echo un asentamiento principal con almoadas de brocado [...] y llegando el huerto delante de la Señora Reyna de la manera que venia parescia muy real imbencion y saliendo fuera las Damas Doña Angela en nombre de todas dió un escripto á Señora Reyna que desia en esta manera: «Estando en Etiopia en nuestro huerto damore Sagrado guardado por el Dragon usando de aquel poder que por los Dioses nos fué otorgado de dar remedio á todos los verdaderos amadores vino á nos pidir un principe tan enamorado que el so he comparacion de si mesmo porque la grandeza de sua pena es mayor que nosa sabeduria y porque en tua alteza que he merecedor de seus amores está o remedio deles é no en nós o tracemus aqui á te pidir que o quieras remediar porque á tua soygecion estima mays estar que á todos seus Señrios é todos os cavalleros de sua compañia en poder de tuas damas é uoso sean soygetos é sendo coza tan nova aquela que á todas podian dar remedio o viren pidir a ty por

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Maria, a Nova Eva (ou Ave) redentora, qual copa frondosa de uma espécie arbórea desse modo reverdecida, vem resgatar dos grilhões originados por Adão e Eva (quos Evae culpa damnant) os antepassados de Cristo, Patriarcas e outras personagens do Antigo Testamento, acorrentados ao tronco robusto, desprovido de ramos, ou copa, da Árvore do Conhecimento ou da Ciência do Bem e do Mal, colocada pelo Criador no centro do Paraíso Terrestre. À esquerda (direita do observador) divisam-se: Eva, Abraão, Josué, Isaac, Jacob e José, entre outros; à direita (esquerda do observador) são identificáveis: Adão, Abel, Isaías, David, Salomão e João Baptista, entre outros.

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ÁRVORE SECA ver una princesa de tanta escelencia ouvemos por probeyto a perda deste poder á te pidimus que nos lo queras otorgar por que o traballo deste camiño se torne en muyto seu é noso descanso e teu servicio». Segundo a lenda, corroborada por passagens dos Livros de Marco Pólo e João de Mandeville e das Viagens do Infante Dom Pedro, compostas por Gomez Santisteban (1515), essa verdadeira árvore solar, Solque (vasta, alta, duradoura) ou da Vida, ocupara o centro do Paraíso Terreal. Quando da expulsão de Adão e Eva do Eden, Set, terceiro filho dos progenitores primordiais, teria logrado apoderar-se de um rebento da árvore que transplantara para o vale de Hebron, na Palestina, onde frutificara, tendo murchado no próprio dia em que Jesus foi crucificado (cf. Voragine, Lenda Dourada, cap. LXVIII), dando início a um período de decadência da humanidade, só superado mediante determinadas condições, nomeadamente: A. Quando um príncipe ocidental cantasse missa sob os seus ramos secos; B. Uma vez, efectivamente, estabelecido o contacto com o Preste João. A concretização de qualquer um destes pressupostos devolveria à árvore o tão desejado viço, bem como a respectiva copa, e asseguraria a consequente reconquista do estado paradisíaco perdido: o homem caído revestir-se-ia então das Vestes de Luz do Homem Novo (S. Paulo, Epístola aos Efésios, IV, 24) e ocorreria o advento do Milénio que o Duque (Dux) ou Senhor Universal se encarregaria de manter até à consumação dos Tempos, isto de acordo com a concepção que fazia da Árvore da Vida um prémio para os justos (IV Esdras, II, 12; Apocalipse, II, 7; Henoch, XXV, 4). Em abono da assunção anterior vêm dois episódios que reclamam me detenha. O primeiro lê-se numa devassa inquisitorial cujo teor é como segue: «No dia 10 de Fevereiro de 1543, compareceu António Rico, alcaide na vila de Valhelhas, e disse que, estando a conversar com Artur Rodrigues, mercador, cristão novo de Belmonte, lhe dissera que a terra de Jerusalém era muito estéril e somente produzia pão, e isto por causa do pecado dos Judeus que crucificaram Jesus e o denunciado respondeu que ela tornaria a ser 404

viçosa quando ele viesse, referindo-se ao Messias» (cf. Manuel Ramos de Oliveira, Os Cristãos Novos dos Distritos da Guarda e Castelo Branco, in Beira Alta, a. 9, v. 3, 1950, p. 214). Do segundo foi protagonista o Infante Dom Duarte, irmão do duque de Bragança e futuro Dom João IV. Cita-o uma crónica conventual composta por Frei Bernardo da Costa. Após considerar que a igreja manuelina de Tomar toda ela está lavrada com particular ideia, o cronista remata: «[...] No infimo desta fabrica [janela da Casa do Capítulo] está uma estátua [...]. A estátua querem dizer que é representação da Real Casa de Bragança. Sucedeu quando veio tomar o hábito [...] o Infante Dom Duarte ao passar pelo sítio desta Janela e demorando-se a vê-la um dos freires que o cortejavam lhe disse como intrometido e com pouca reflexão o pensamento que dissemos da ideia que se faz daquela fábrica. Se é assim, senhor, muito seco está aquele tronco para as esperanças pelo que representa ao que logo respondeu o Senhor D. Duarte: Não está tão seco que não possa reverdecer e brotar com mais força» (cf. Historia da Militar Ordem de Nosso Senhor Christo […], ca. 1773). Sendo precisamente a Força com os seus quatro atributos – Magnificência, Confiança, Paciência e Perseverança – uma das acepções do termo latino para carvalho, espécie vegetal sob cuja copa Abraão, agasalhou hóspedes e peregrinos e levantou o seu Tabernáculo, a *Arca da Aliança havia de ser abrigada e com cuja madeira as naus dos novos apóstolos do Cordeiro foram arquitectadas, torna-se cristalino o motivo da sua eleição para substante do jardim simbólico ali plantado. No qual abundam o *coral (Corallium rubrum ou Isis nobilis), árvore seca marinha consabidamente detentora de propriedades profilácticas e mágicas, e a *alcachofra, inflorescência do cardo (Cardum Coeli ou Cardus benedictus, o cardo santo), a qual é sujeita ao fogo pelo São João para, no caso de reverdecer, assinalar o cumprimento do anelo de exaltação íntima. Ao tentar repôr no seu campo específico os elementos do vocabulário decorativo manuelino, alvo da interpretação romântica de Emile Berteaux, P. A. Evin caíria na tentação

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ÁRVORE TRISTE redutora da mera enumeração naturalista sem considerar sequer a possibilidade da existência de um significado alegórico (Faut-il voir un symbolisme maritime dans la décoration manuéline?, in Actas do XVI Congresso Internacional de História de Arte, v. 2, Lisboa, 1949, p. 193-196). A título de exemplo, refiro a circunstância de a expressão portuguesa Árvore de Santa Cruz designar a Árvore Seca e de esta, na acepção marinheira, descrever um navio com os mastros desguarnecidos, sem qualquer vela exposta (ferrado), em virtude de serem adversas as condições atmosféricas. Confira-se com o texto da Crónica da Conquista de Ceuta (cap. LXVII) de Zurara, das Trovas de Álvaro de Brito, no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (I, p. 242) ou da Década I (fl. 66) de João de Barros. Atente-se igualmente nas expressões Correr e Corrido em Árvore Seca, Árvore (mastro), Arvorar (pôr um mastro ao alto) e Arvoredo (conjunto de mastros e vergas de um navio), todas elas específicas da arte da marinharia (Humberto Leitão/ J. Vicente Lopes, Dicionário da Linguagem da Marinha Antiga e Actual, Lisboa, 1974). O painel central do altar-mor da igreja de Nossa Senhora da *Luz (dos freires da *Ordem de Cristo), pintado por Francisco Venegas (ca. 1590), figura uma Alegoria da Imaculada Conceição (Virgem da Árvore Seca) a todos os títulos assinalável, porquanto numa conjuntura de apertado controlo ideológico e doutrinal, em que as regras do decoro (decretadas pelo Concílio de Trento na sessão de 3 de Dezembro de 1563) mandavam vestir todas as manifestações lascivas e profanas na arte religiosa, nos oferece um dos raríssimos nus femininos da pintura portuguesa da época. Todavia, uma vez apreendido o sentido do programa exposto pela pintura de Vanegas, essa não constituirá senão uma curiosidade meramente circunstancial. Com efeito, aquilo que numa primeira abordagem não passa da epifania de Nossa Senhora da Luz, assume outra dimensão semântica ao constatar-se que a Virgem paira sobre uma árvore seca (também supedâneo de uma imagem homónima, de grande devoção, cujo epicentro foi a cidade de Bruges). *Serpente de Bronze.

BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006; LEITE, Sílvia, A Arte Manuelina como percurso simbólico, Lisboa, 2005; PEBBLES, Rose Jeffries, The Dry Tree: symbol of Death, in Vassar Mediaeval Studies by members of the Faculty of Vassar College, Londres-Oxford, 1923, p. 59-79; PEREIRA, Paulo, A Obra Silvestre e a Esfera do Rei: iconologia da Arquitectura Manuelina na Grande Estremadura, Coimbra, 1990; idem, De Aurea Aetate: o Coro do Convento de Cristo em Tomar e a simbólica manuelina, Lisboa, 2003

ÁRVORE TRISTE Nyctanthes arbor-tristis L. Pequena árvore da família das Oleaceae descrita no Colóquio dos Simples (liv. 2, cap. I) de Garcia de Orta: «Nos medicamentos e nas raízes indianas desconhecidas para nós, pensei que não seria fora de propósito começar por uma certa árvore que só floresce desde o pôr até ao nascer do sol, quase nada durante o dia. A árvore é do tamanho da oliveira,com folhas parecidas à da ameixeira, com uma flor muito cheirosa durante a noite (enquanto floresce), da qual, que eu saiba, não fazem nenhum uso por ser tenra: a não ser os pedúnculos das flores, que são amarelo-alaranjados, dos quais usam os habitantes desta cidade para tingir os alimentos, pois que fazem como o açafrão. Querem alguns que a água destilada das flores seja útil aos olhos pondo um pano de linho molhado nela. Esta árvore é vulgar em Goa e dizem ter sido trazida, de Malaca. Nunca a vi em outra parte da Índia. Chama-lhe em Goa Parizacato, em malaio Singadi. O nome de árvore triste foi-lhe dado porque só floresce de noite. Os indígenas fabulam que um certo sátrapa, de nome Parizacato, tinha uma filha elegante, a qual, tendo-se perdido de amores pelo Sol, por ele foi violada. Como ele a deixasse depois, seduzido pelo amor de outra, a filha de Parizacato horrorizada com o seu amor, resolveu matar-se. Das cinzas do corpo cremado […] nasceu esta árvore, cujas folhas detestam o sol de tal modo que não conseguem vê-lo […]». O coraleiro, denominação portuguesa da árvore triste, tem aplicações na medicina tradicional, omitidas por Garcia de Orta, mas salientadas por Cristóvão da Costa, no Tratado das Drogas e Medicinas das Índias Orientais (Burgos, 1576), onde consigna que 405

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ÁRVORE DA VIDA os médicos locais a usavam nas «medicinas conformativas do coração». A História da Árvore Triste ocorre na Lusitânia Transformada (liv. II, prosa IV) de *Fernão Álvares do Oriente, a par da História do Príncipe de Arima e da Princesa Dinabella (liv. II, prosas X-XII), simbolizando as duas facetas do Amor: o amor ferinus ou material (falso amor, amor vicioso, ou de perdição) e o *Amor divino ou espiritual (salvífico ou buen amor). ÁRVORE DA VIDA Protótipo de todas as plantas milagrosas que ressuscitam os mortos, curam doenças, restituem a juventude, etc. A árvore da vida é referida conjuntamente com a árvore da ciência do bem e do mal, no Genesis (II, 9-10), como distintas de todas as restantes do *paraíso. Tendo comido do seu fruto, *Adão e Eva tornaram-se participantes do conhecimento até então reservado ao criador. Porém as fontes ascético-místicas que utilizam esta imagem polissémica reportam-se habitualmente ao texto do Apocalipse, onde surge não apenas referida, mas descrita: situa-se no centro do paraíso, junto do rio de águas vivas, é frondosa e coberta dos frutos que produz doze vezes ao ano. Em alguns místicos, como, por exemplo, Taulero, a árvore da vida aparece como representação da cruz, sendo descrita como «lenho frutífero, bento e excelente» (cf. Devotos exercicios e Meditações da vida e paixão de nosso Senhor Iesu Christo [...], Coimbra, 1571, fl. 143). O padre Manuel Bernardes utiliza a imagem da árvore da vida no Tratado breve da oração mental e na meditação X (7º ponto) do exercício sobre o paraíso (in Exercícios Espirituais, v. 1, p. 2): «Nós neste lugar [...] somente compararemos a oração à árvore da vida, que S. João viu no paraíso celestial e da qual diz, que produzia doze géneros de frutos. Porque verdadeiramente a Oração Mental é uma árvore plantada pela mão de Deus no Paraíso da Igreja para sustento da vida espiritual: sua raiz é aquela grande excelência de ser um colóquio da alma com o mesmo Deus, e daqui procedem seus copiosíssimos, e dulcíssimos frutos, que podemos reduzir aos doze 406

Árvore da Vida: pormenor do pelourinho de Vila Nova de Foz Côa.

seguintes [divide os frutos pelas três vias, quatro para cada via]. Noutro passo (idem, v. 2, p. 554), considera o número doze uma representação da perfeição humana plenamente realizada nas suas faculdades corporais (os cinco sentidos), psíquicas (as três potências da alma: memória, entendimento e vontade) e celestes (os quatro dotes do corpo glorioso). Em outros hermeneutas, os doze frutos figuram: ora a vida espiritual, escalonada nas suas três etapas (mortificação, contemplação e iluminação), ora a plenitude do ciclo temporal (os doze meses do ano), dos povos da terra (doze tribos de Israel), da perfeição da cidade de Deus (doze portas), etc. A influência exercida pela arte e religião orientais no actual território nacional na iconografia da árvore da vida é detectável desde a proto-história até às colchas de Castelo Branco. No portal Norte da igreja da Orada, defrontando a

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ASCENSÃO DE CRISTO árvore da Vida acham-se uma hárpia e um leão. Os cabalistas representam-na pela *árvore da Cabala, constituída por 10 Sefirotes e 22 vias. BIBLIOGRAFIA MALKIEL-JIRMOUNSKY, Myron, A árvore da Vida e a árvore da Sabedoria, in Rev. Ocidente, v. 76 (1969), p. 43-47

ASA As asas que tornam as aves senhoras do elemento aéreo constituem ideograma da glória, da beleza, da sublimidade, da exaltação, da contemplação (São Gregório Magno) e da aspiração às alturas espirituais ou filosóficas. Os áugures do mundo antigo tentavam ler presságios no voo das aves. As asas constituem emblema da *alma, dos espíritos angélicos (São Tomás de Aquino é denominado Doutor Angélico e iconografado com asas), da corte celestial, bem como das virtudes (designadamente da Esperança, Caridade, Verdade, Pobreza evangélica e Penitência). Porém, as asas são igualmente emblemáticas da *morte, de *Satã, bem como de algumas entidades infernais e malditas (como o *vampiro, o *basilisco, o *dragão e, por vezes, da *sereia). *Ordem de S. Miguel da Ala. ASCENSÃO Lendas de jornadas heróicas e humanas até um céu onde habitam os deuses são relatos frequentes, tal como a referência a técnicas extáticas permitindo tal ascensão a xamãs, bruxos e místicos. Porém, também os gnósticos acreditavam que a alma poderia atravessar sete esferas e alcançar o pleroma, i. e., a plenitude ou essência divina. Outro conceito caro ao gnosticismo foi o de antimimon pneuma (espírito falso), ulteriormente adoptado pela tradição hermética, o qual postulava a existência de um espírito intermediário entre o corpo e a alma que a dirigia na sua descida ou subida pelas esferas planetárias, acompanhando-a em todas as reencarnações e desencarnações. Na tradição judaico-cristã a jornada celestial da alma acha-se restringida quase exclusivamente à literatura apocalíptica. Já na literatura cristã mediévica diversas são as obras que relatam a ascensão de santos (Purgatório de São Patrício) ou de persona-

gens históricas (Visão de Túndalo). Dante apresentaria no Paraíso, terceira parte da Divina Comédia, a sua alegada viagem pelas esferas celestiais, combinando elementos oriundos do pensamento helenístico-hermético-neoplatónico com a tradição judaico-cristã-islâmica, conforme evidenciou Miguel Asin Palácios (La Escatologia Musulmana en la Divina Comedia). ASCENSÃO DE CRISTO A derradeira aparição de Jesus aos seus discípulos ficou assinalada por uma refeição em comum. Uma vez esta concluída, o Mestre conduziu-os para os lados de Betânia, ao Monte das Oliveiras, de onde subiu ao Céu à vista deles. O evento, ocorrido na sequência da Ressurreição e descrito por São Lucas (XXIV, 51) e nos Actos dos Apóstolos (I, 1-11), foi consagrado no concílio de Niceia, numa quinta-feira doravante denominada de Ascensão e, popularmente, *dia da espiga. Um tal acontecimento determina o encerramento do ciclo de quarenta dias, ou quarentena, iniciado na Páscoa, festejando-se (entre 30 de Abril e 3 de Junho) no dia imediato ao último dos três dias das Rogas ou Rogações (também designadas Ladainhas Menores), as súplicas, preces públicas e bençãos instituídas no século V por um prelado menor, o Bispo de Viena, em França, Claudiano Mamerto (São Mamerto), para que Deus afastasse os flagelos e calamidades que infestavam o Delfinado. Apesar de instituídas no ano de 469, alguns autores consideram-nas uma das mais remotas festividades agrárias da Europa, provavelmente de origem pré-romana. Seja como for, na antiguidade os sacerdotes de Ceres organizavam na mesma época do ano procissões pelos campos para pedir fertilidade e colheitas abundantes. Quinta-feira de Ascensão é dia fasto, durante o qual há proibição ritual do trabalho, designadamente durante a Hora (da Ressurreição), donde o hábito muito participado da realização de merendas em plena natureza. Ervas colhidas em quinta-feira de Ascensão, ao meio-dia, têm virtude contra sezões e feitiçarias. O raminho, colhido neste dia nos trigais ainda não sazonados (composto por três mal407

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ASCENSÃO DE CRISTO

Ascensão de Cristo do retábulo da capela-mor da Sé de Viseu [MGrãoVasco: inv. 2154].

mequeres, três pampilhos, três tronquinhos de oliveira, três papoilas, três espigas de trigo e outras três de cevada), tem valor profiláctico, dando fartura de pão e sorte até à festa do ano seguinte. Os ramos podem ser comprados, porém, crê-se, que aqueles que pessoalmente se vão buscar aos campos possuem maior virtude. Em Gáfete e em Nisa, costumava-se colher espadanas e alecrim que se levavam à missa. Na Festa da Hora, que se seguia à missa, os ramos eram benzidos, sendo, posteriormente, espetados nos campos para o pão «gradar bem». No convento de São Jerónimo (Viana do Alentejo), durante a Hora, enquanto cantavam no coro, as freiras lançavam para a igreja aves (quase sempre andorinhas) com fitinhas encarnadas ao pescoço e também rosas. Na Rapa, durante a cerimónia que sucede à missa, denominada Hora de Noa, alguns rapazes escondidos atrás da tribuna deitavam sobre o celebrante e o altar 408

uma chuva de pétalas de rosa, as quais o povo, finda a missa, recolhia para confeccionar mezinhas. Em Castelo Branco, crê-se que, como as portas do céu estão abertas, quem morrer neste dia irá para o céu. Na Ericeira as celebrações tradicionais relacionadas com a Ascensão consistiam na Procissão das Ladainhas de Maio e nas merendas (galináceos, coelho e marisco) na Abadia e Foz do Lizandro, estas ainda em vigor. Outrora, o pároco ia, em procissão, cantar os Benditos, a casa de todos os doentes. Na custódia seguia o Santíssimo Sacramento com a qual lhes dava a benção. Na Rapa, durante a cerimónia religiosa que se celebra após a missa, a que chamam *Hora de Noa, é costume uns rapazinhos (escondidos atrás da tribuna) deitarem uma chuva de pétalas de rosa sobre o celebrante e o *altar. Concluída a Hora de Noa, o povo presente recolhe avidamente essas pétalas para as suas mezinhas oftalmológicas. Diz-se que não é aconselhável enformar pão em Quinta-feira de Ascensão: Quinta-feira de Ascensão nem coalha o leite nem se coze o pão (Murteira). Em Esposende, crê-se que os pássaros adoram o Senhor nos ninhos, do meio-dia à 1 hora de Quinta-feira de Ascensão. Em Vieira, na quinta-feira de Ascensão, depois do sol posto, vai o povo em grande berraria afugentar o *montujo (animais daninhos). Em Elvas, chovendo na tarde de quinta-feira de Ascensão, diz-se que os frutos sairão pecos. Dagoberto Markl sustenta (cf. Fernão Gomes: um pintor do tempo de Camões, p. 58) ter sido grande a influência da Transfiguração de Rafael de Urbino [Pinacoteca Vaticana] nas Ascensões portuguesas da Sé de Portalegre ou da Igreja do Milagre, em Santarém, talvez através das gravuras de Marco Antonio Raimondi. Anexins: Chuvas (ou águas) na Ascensão das palinhas fazem pão (ou grão); Quinta-feira de Ascensão, coalha a amendoa, nasce o pinhão (Aljustrel); Quintafeira de Ascensão, coalha a amendoa e o pinhão (Mexilhoeira Grande); Chuvinha da Ascensão dá palhinhas e pão (ou das palhinhas faz pão); Depois da Ascensão nem salmão nem sermão; Quando chove na Ascensão até as pedrinhas dão pão; Dia de Ascensão seca a raiz ao pão;

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ASMA Em chovendo na tarde de quinta-feira da Ascensão, todos os frutos saem pecos; Quem tem trigo de Ascensão todo o ano terá pão. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Superstições populares, in Revista Lusitana, v. 12 (Esposende, 1897), p. 64, 72 e 77-80; CHAVES, Luís, O Mosteiro da Serra de Ossa, in O Arqueólogo Português, v. 21 (1916), p. 243 [nos arredores do mosteiro faz--se romaria, onde se junta muito povo, que dança e canta pela nave do templo, nos claustros, nas salas, por toda a parte onde há sombra, possa dançar e cantar e tocar harmonium; no exterior são vendidos cravos de papel]; GANDRA, Manuel J, Quinta-feira de Ascensão: feriado municipal, in Bol. Cultural ‘94, Mafra, 1995, p. 366-367; GUIMARÃES, Alfredo, Quinta-feira das Rosas, in Terra Lusa, v. 1 (1951), p. 2-4 [descrição da festa em Guimarães]; LIMA, Augusto César Pires de, Costumes do século XVIII, in Revista Lusitana, v. 28 (1920), p. 189190 [relata a colocação de canários ornados de flores nas igrejas, no dia da Ascensão]; MARTHA, M. Cardoso, Cartas etnográfícas, in L, v. 3 (1919-20), p. 23-24 [costumes tradicionais da Quinta-feira de Ascensão, no Murteira]; M., C., Próprio do tempo: A festa da Ascensão e o dia da espiga, in Ilustração Moderna, v. 4, n. 33 (1929) [sublinha a importância que a Ascensão tem na liturgia; entronca nas Rogações em que se pedem as bençãos do Alto para os frutos e sementeiras, o costume da apanha da espiga, opondo-se à sua origem pagã]; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, A Quinta-feira de Ascensão em Portugal, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 15, n. 3-4 (1955-57), p. 288-293 [descreve as práticas específicas e tradicionais deste dia, bem como o seu carácter propiciatório]; PEREIRA, A. Gomes, Tradições Populares e Vocabulário da Guarda, Esposende, 1912; S/a., Curiosidades e indicações úteis e precisas extraídas de processos do Arquivo dos feitos findos, in Feira da Ladra, v. 4 (1932), p. 23 [Notícias sobre uma procissão que tinha lugar no dia de Ascensão, em que entravam ranchos e carteiros, homens mascarados armados com armas de fogo, levando bonecos horrendos e praticando acções indecorosas, ao mesmo tempo que mulheres ornamentadas com enfeites indecentes bailavam danças lúbricas]

ASCLEPIUS Em Braga existe uma fonte, denominada do Ídolo, dedicada a Asclepius. *Esculápio. BIBLIOGRAFIA CORTEZ, Russell, A fonte do ídolo e o culto de Asklépios em Braga, in Bracara Augusta, v. 4 (1952), p. 32-45 e 263-280; v. 5 (1953), p. 90-103

ÁSIA O primeiro registo conhecido da designação deste continente é devida a Heródoto. O historiador helénico concebia o mundo dividido em três partes, atribuindo a cada uma o nome de uma personagem mitológica grega: Europa, em homenagem à ninfa homónima, filha de Agenor; Líbia (África), em louvor da mãe de Age-

A Ásia segundo a Iconologia de Cesare Ripa e numa nota do Banco de Lisboa.

nor; Ásia (Ásia Menor ou Anatólia), para exaltar outra ninfa, conhecida como Clímene. Na alegoria dos *quatro continentes, a Ásia é, geralmente, personificada por uma figura feminina, cujos atributos são um dromedário e um queimador de incenso (cf. Jan Sadeler, Iconologia de Cesare Ripa, Baixela Germain, notas do Banco de Lisboa, etc.). Numa gravura do Epitome das Historias Portuguesas (Bruxelas, 1677) de Faria e Sousa, a representação do continente asiático é assumida por um oriental montado num elefante. Na Ásia achavam-se sitas duas das «três Índias» (conceito geográfico extremamente lato, muito vago, e de contornos variáveis, consoante a fonte utilizada): a Prima, na qual eram incluídos o Tibete, a China e a Tartária; a Secunda, constituída pela Malásia. ASINHA, SANTO *Santo Óginha, *Santóginha. O mesmo que *Santo Aginha. Chegou a integrar o Santoral Bracarense e a constar das Horas do Breviário, no dia 19 de Fevereiro. O hagiónimo Asinha (i. e., depressa) deve ter-se originado na circunstância de o nomeado ter passado rapidamente de malfeitor a bem-aventurado. ASMA Alivia-se fumando *figueira do inferno (*figueira do diabo), pondo pachos de petróleo em rama ou tomando em jejum, alternadamente, chá de rama de *alfarroba (Ceratonia siliqua, L.) e de folhas de *eucalipto (três folhas-mãe fervi409

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ASMODEU das em 7,5 dl de água). Muito receitados são também o chá de pele de cobra ou o seguinte preparado: pele de *cobra, *agrião, *cenoura, caracóis grandes, açúcar mascavado, tudo cozido em banho-maria e depois passado por um pano de linho ou algodão; tomado às colheres, três vezes ao dia. Em Óbidos, mordisca-se um pedaço de pão, colocando-se seguidamente num buraco onde costume meter-se um sardão, na esperança de que comendo-o ele, também fique com a moléstia. Preconiza-se ainda: comer gato guisado ou gato preto (cf. Revista Lusitana, v. 20, p. 73) e trincar um peixe no dia de São *João (para curar asma nas crianças). ASMODEU Espírito do mal que coadjuvou Salomão na edificação do Templo hierosolimitano. Se convenientemente invocado, pode propiciar a felicidade conjugal. Possuiu o corpo da *Madre Maria dos Anjos (penitente no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 11 de Março de 1590), cuja mente enchia com «coisas vergonhosas». O sebastianista *Luís Lourenço Lopes teve uma conversação familiar com o diabo Asmodeu, descrita num panfleto que publicou (Lisboa, 1836). *Abelha, *Belzebu, *mosca. ASNO Do processo inquisitorial de Luís de la Penha consta o Ensalmo do Asno, destinado a «fazer que outrém obedeça ao nosso mando»: «Asno és e filho de burra. Assim como este asno, esta burra não pode estar sem albarda e cilha e sobrecarga, assim como comer isto que aqui trago se torne burra e asno e ande a meu mandado e me suba pelos pés e me ponha na cabeça» [ANTT: Inq. Évora, Processos Apartados, n. 8179, libelo 17]. Jesus entrou em Jerusalém montado num burro (Mateus, XXI; Lucas, XIX; Marcos, XI e João, XII) para que se cumprisse a profecia de Zacarias (IX): «Eis teu Rei vem a ti, manso, assentado sobre um asno […]». A Prosa do Asno era cantada na missa do dia de Santo Estêvão, também caracterizada pela Dança dos Presbíteros. Cf. *Gil Vicente. Locução: Pagar as favas que o asno comeu. *Burro. 410

ASPERGILLUM Frequentemente um simples ramo de ervas, com o qual se asperge com água (de preferência benta) um objecto que se deseja consagrar ou proteger. *Aspersão. ASPERSÃO Borrifar, tomar ou deitar borrifos é simulacro de banho ritual. Em muitas localidades, na noite de S. João (à meia-noite ou obrigatoriamente antes do sol nascer) aqueles para quem é impossível ou impraticável o *banho santo (a água de São João é santa), entretêm-se a aspergir os membros da sua comunidade com água de alguma fonte ou com orvalho (orvalhadores). A aspersão é uma das utilizações mais comuns da *água benta, terminando quase todas as bençãos do Ritual com uma aspersão. Aquela que se realiza antes da missa dominical (costume franco do séc. IX) tem por objecto recordar aos fiéis o *baptismo que receberam no Domingo da Ressurreição. O Cortejo do Penico, que se realiza em Ribamar (Santo Isidoro, Mafra) pelo São João, parece participar do mesmo simbolismo. Em Cinfães, para talhar o *anzar a benzedeira molha um ramo de *funcho em água fria, aspergindo com ele o doente, após o que queima o ramo. *Aspergillum. ÁSPIDE Segundo *Santo António, esta pequena serpente «é a tentação latente dos demónios (cuja cabeça ou princípio, nasce primeiro no coração)». ASPORTE O contrário de *aportação, isto é, desaparecimento de um ou mais objectos durante as sessões espíritas. ASSADURA Outrora, para tratar as assaduras dos bébés aplicava-se pó de caruncho, o qual, regra geral, era retirado dos barrotes velhos das casas do gado e peneirado com peneira muito fina. ASSAECUS Epíteto de *Júpiter numa ara procedente de Lisboa: I[ovi] ASSAECO / VOTUM / ANIMO

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ASSEMBLEIA LVBEN[s] / M[arcus] . CAECILIVS / CAENO SOLVIT. A. Vieira da Silva interroga-se se o dito epíteto não poderá relacionar-se com algum dos rios Asseca de Portugal (cf. Epigrafia de Olisipo, Lisboa, 1944, n. 144-E, p. 269). BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 171

ASSARES No vale de Vilariça (Vila Flor, Bragança), no sítio chamado Cova da Moura, há, conforme carta remetida por Santos Júnior ao abade de Baçal, a Pedra Escrita do Poço da Moura, «uma rocha com alguns sinais do mesmo tipo e factura da Pedra Escrita de Ridevides», porém, incluindo dois sinais que não ocorrem na referida estação, «que são certamente, ou pelo menos se podem considerar, como símbolos solares». Um desses signos de semântica claramente astral, é uma estrela de dez raios. *Astrolatria. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p. 613; idem, Insculturas e Arte Rupestre: novos elementos para a sua interpretação, Bragança, 1977, p. 35; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 305; SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 361, n. 79

ASSEDACE Invocação mariana, festejada nos arredores de Folgosinho (Gouveia), nos dias da Anunciação (25 de Março) e da Natividade (8 de Setembro), ambos momentos cruciais do ciclo ganadeiro anual, porquanto correspondem ao nascimento de cordeiros e cabritos e à descida dos rebanhos dos pastos da serra para as terras baixas, respectivamente. A lenda de fundação do santuário refere o reiterado e sistemático desaparecimento dos materiais destinados à sua edificação, no lugar do mirante (onde actualmente existe um cruzeiro à vista do Mondego e de Assedace), até que os povos da região, assolada por prolongada estiagem, decidiram erguê-la num local infestado de feras, as quais, como por magia, desapareceram. Embora em menor número que antigamente, quando cada família enviava o respectivo representante à romaria,

consoante promessa feita à Senhora para se obter a graça da chuva, ainda acorrem a ela muitos pastores com os seus animais enfeitados. Estes são conduzidos em sucessivas circumambulações à capela, recebendo a benção após a missa. No caminho antigo para a Senhora de Assedace fica a Fraga da Costureira, onde se diz que uma mulher castigada por trabalhar ao domingo expia o seu pecado. ASSEMBLEIA Termo usado em Portugal para designar o *sabat, uma das denominações das reuniões nocturnas de bruxas, um «lugar de desenfadamento», na opinião de Pedro Anes, exposta, em 1555, na Inquisição de Évora. Também *ajuntamento, *conventículo. O que se passava no decurso de tais assembleias consistia, salvo pequenas variantes, no seguinte: cerimónias de adoração do *diabo que se achava sentado num trono (rezando-lhe orações da Igreja, benzendo-se, ajoelhando-se diante dele e beijando-lhe

Manuscrito consignando a Confissão de umas bruxas que queimaram na cidade de Lisboa, no ano de 1559 [BN: cod. 681].

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ASSEMBLEIA

Confissão de umas bruxas que queimaram na cidade de Lisboa, no ano de 1559 (in BN: cod. 681 – Colecção Moreira – Sentenças da Inquisição – tomo I – fl. 8-13) Pelo Juízo Secular em uma devassa que mandou tirar a Rainha Dona Catarina Depois que no ano de 1559 o Licenciado Gomes Soares, Desembargador e Ouvidor do duque de Aveiro, na mesma via de Aveiro, trouxe a esta Corte e Cidade de Lisboa certas bruxas presas, com seus processos, das quais foram queimadas cinco no Rossio da mesma cidade, a muito Católica Rainha Dona Catarina, vendo e ouvindo o grande dano e perda do povo cristão, que o Demónio nosso inimigo, por si e por meio dos bruxos e bruxas, feiticeiros e feiticeiras fazia nesta terra, como faz em todas as outras, determinou de mandar tirar uma devassa geral sobre estes casos. A qual devassa por seu mandado e provisão se cometeu ao Licenciado Gomes Soares que comigo escrivão a tirasse nesta cidade de Lisboa e seu Termo, a qual devassa começámos aos 4 dias do mês de Abril do dito ano de 1559, em poucos dias, foram presas vinte e sete mulheres, em que também entrou um homem [...]. [...] Dentre algumas coisas, que estes presos confessaram, confessou uma bruxa velha e antiga no ofício, o seguinte: [...]. Os dias em que se ajuntam e ficam sinalados, são quartas e sextas-feiras, em as quais dando o relógio dez horas da noite, ou antes, as ditas bruxas se untam com certos unguentos que elas fazem das confecções diabólicas que adiante se dirá, que o demónio lhes faz crer, que sem ele não podem voar, nem ir a seus ajuntamentos. para o fim de tanto mal quanto deles recresce, e untadas, o demónio as leva pelas janelas ou chaminés ou buraco por onde uma mulher possa caber corporalmente e em um breve espaço e momento, levando-as pelos ares, as põem em certos campos, aos quais elas não sabem o nome e chegam a esta paragem às dez horas da noite. Esta mulher só disse em sua confissão que lhe parece pela distância que andam e o furioso ímpeto e movimento com que as levam, que podiam ser duzentas e mais léguas desta Cidade de Lisboa e pode muito bem ser que não passem de Vale de Cavalinhos. Porém de irem corporalmente, disse esta mulher e outras que não havia nenhuma dúvida e o afirmou e ratificou esta e outras, tão constantemente, por espaço de muitos dias que duraram suas confissões, dizendo o tivessem por sem dúvida o irem elas corporalmente. Porque ela estando acordada e em todo o seu juízo e entendimento, e às vezes, despida e outras vestida se untava com seus unguentos, em as partes ocultas de seu corpo e se punha sobre a janela por onde havia de sair, e dali era arrebatada e levava repentinamente e em muito breve espaço pelos ares, ou por onde quer que a levavam aos campos onde se achavam. Estando nos ditos campos, disse que achava lá outra muita gente de muitas partes; a saber: portugueses, de todo este Reino, mouros, judeus, franceses e de outras muitas nações e diversas línguas e muitas mulheres e homens portugueses e alguns muito fidalgos com algumas filhas moças e formosas. E algumas levavam coisas de comer e, tanto que lá chegavam, os demónios, em pouco espaço de tempo, dormiam com elas muitas vezes carnalmente, quantas vezes elas queriam e pelo lugar que elas queriam ou traseira ou pela dianteira, e por sua confiança diz que o gosto que eles dão e causam às mulheres é muito grande, sem comparação com os homens. E que têm suas naturas muito compridas e que eles também dormem com moças virgens, as quais suas mães, por serem bruxas e outras também bruxas, lhes alcovitam e provocam a que pequem e durmam com eles e com os mais da sua diabólica seita. E confessou que nos campos onde se ajuntam os Demónios dão aos mesmos homens bruxos mulheres muito formosas com que durmam, as quais, segundo lhe parece, eram os mesmos demónios que tomavam figura de mulheres; e lhes dão grande deleitação e toda a sua glória e seus passatempos são luxúria; porque eles, ainda que prometam muito, lhes não dão outra nenhuma coisa e tudo é mentira, de maneira que todo o seu contentamento consiste em luxúria e mais luxúria, em que eles e elas se não acabam nunca de fartar. Disse mais que, depois de folgarem nos campos e ajuntamentos com eles, lhes põem uma muito comprida mesa de umas tábuas negras, estas em cima da terra, sem toalhas e sem mais outra coisa; e lhes trazem em uns pratos de pau-preto e deles nas mãos muita soma de carne de bode, muito cozida e a lançam pelas

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ASSOBIO

mesas para que elas com eles comam. E os que não querem comer, andam em seus passatempos carnais e seus torpes ajuntamentos pelo campo folgando. [...] E na cabeceira da mesa estava assentado o seu Maioral em sua cadeira de espalda negra, com um roupão como capuz frisado e, às vezes, o tinha tosado muito negro e uma barba muito comprida; e como Rei o adoravam e obedeciam todos os outros e o serviam de joelhos e na mesa serviam muitos daqueles malignos espíritos. E disse mais em sua confissão que alguns deles andavam nus e outros vestidos de preto, uns com adagas na cinta e com luvas pretas calçadas e punhos galantes. E estando nestes desenfadamentos e folgares, cantava, no campo, um galo preto que estrugia as orelhas, que devia ser algum demónio, que sempre cantava à meia-noite a modo de galo. E logo, num momento, que desfaz a festa e o folgar e todos os demónios desaparecem e os que lá têm suas amigas e mancebas as tornam num momento a trazer de modo que as levarão a suas casas. [...]. E confessou mais uma, e muitas vezes, que tendo o Demónio parte com ela por muitas vezes, o apalpava e achava corpo e carne, segundo apalpava com as mãos e que se lhe figurava ser carne pelosa com muita soma de cabelos, como de bode, mas o pêlo mais brando e macio. [...]. Estando o presente o Licenciado Gomes Soares e o Doutor assim nomeado Manuel de Almeida que comigo escrivão cerramos estes Autos donde tirei esta breve Relação, não trato dos testemunhos das mais bruxas acima, porque todas elas vão por este teor: que nisto se parecem com os judeus, de todo simbolizarem nos ditos com outros de ordinário. Um Sabat burlesco? Esta história foi-me contada por uma mulher nova que não falava dialecto, razão porque a escrevo em português. Reza assim: Uma vez duas mulheres ajustaram um alfaiate para vir trabalhar para casa delas. Elas eram bruxas e, logo que o alfaiate se foi deitar, levantaram umas pedras do lar, tiraram umas unturas, despiram-se e untaram-se. Depois foram até à janela e disseram: Por baixo do carrascal, por cima do silveiral vamos ter ao areal.» Mas o alfaiate estava a espreitar e, ao ver aquilo, quis também saber para onde elas iam. Foi ao sítio, onde elas tinham os unguentos, untou-se também, e saiu pela janela fora como um zangão [lobisomem]. Mas, ao repetir o que elas disseram, enganou-se e disse: por cima de carrascais, por baixo de silveiral, vai-se ter ao areal. De forma que, ao passar por baixo dos silveirais ficou todo arranhado. Ao chegar lá, as bruxas juntaram-se à volta do zangão e tinham que lhe dar um beijo no c[ú]. Mas uma viu quem ele era e ao ir beijá-lo, deu-lhe uma espetadela com uma agulha. «Ui, disse ele, esta tinha a barba muito dura!

o *ânus); danças e orgias promíscuas entre humanos e demónios; banquetes em que se comia opiparamente e bebia em abundância; relatórios apresentados pelas bruxas ao diabo nos quais lhe davam conta dos malefícios que haviam perpetrado. Um local chamado Escrita, no termo de Agrochão (Vinhais, Bragança), é, segundo a lenda (registada pelo abade de Baçal), um centro de reunião de feiticeiras, onde praticam o sabat. *Mécia Afonso e *Margarida Lourenço frequentavam um outro, em Vale de Cavalinhos (arredores de Lisboa). Em Campanhã (Porto) constava que as bruxas se reuniam, à noite, no Outeiro da Bela e no Monte Aventino. *Maria Antónia.

BIBLIOGRAFIA SANTOS, Domingos Martins de Oliveira, Campanhã: as bruxas, in O Tripeiro, s. 5, a. 4, n. 12 (Abr. 1949), p. 273-274

ASSIS DE FARO Curandeiro lisboeta a quem foram creditadas algumas curas extraordinárias, no início do século XX (cf. Sousa Bastos, Lisboa Velha, Lisboa, 1947, p. 196). ASSOBIO A interdição de assobiar deriva da crença de que o assobio atrai os espíritos maléficos e, consequentemente, a infelicidade. Em sonhos vaticina exitos, porém, quando quem sonha assobia está a prever intriga familiar. Em Vila Nova 413

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ASSOMBRAÇÃO de Gaia crê-se que não é bom assobiar de noite, porque se chama pelo *diabo (em alternativa, as cobras). Diz-se também que se uma rapariga solteira assobiar, não casará virgem. Julho tem o nome de mês dos assobios. Entre os marítimos do Tejo crê-se que os ventos começam a soprar ou aumentam de intensidade (refrescam) quando se lhes assobia. Consta que três assobios longos atraem o vento. Na Madeira, diz-se que quando o vento Norte sopra rijo se deve bater no vento, «porque são os assobios das feiticeiras que andam no ar para danificar a terra». BIBLIOGRAFIA GONÇALVES, Fávio, Assobios onomatopaicos dos barristas de Barcelos, in Revista de Dialectologia y Tradiciones Populares, v. 7, n. 2 (Madrid, 1951), p. 327-336 [estuda o rouxinol e o cuco]; MACEDO, F. Ferraz de, Cerâmica popular portuguesa: assobios de água, in Revista Lusitana, v. 3 (Porto, 1894-95), p. 82-84

ASSOMBRAÇÃO Fenómeno atribuído a espíritos, almas penadas ou fantasmas. Pode envolver aparições inexplicáveis, ruídos, cheiros, extremos de temperatura e movimentação de objectos (*telecinética). Ocorre, geralmente: A. nos locais onde costumavam residir pessoas e animais, com quem os espíritos desencarnados tiveram alguma relação; B. em locais apenas frequentados pelos defuntos; C. onde se verificaram mortes violentas. Existe uma casa no Sul da Ericeira, outrora pertencente a um leiteiro, que se diz assombrada. Consta que à meia-noite se ouvem os mugidos das vacas e o ruído das bilhas do leite batendo umas contra as outras. De uma curva junto à localidade da Lagoa (Santo Isidoro, Mafra) se afirma que todos os anos, em determinado mês, dia e hora, surgem como projectados num écran todos os acidentes ali ocorridos. Em consequência das assombrações de casas de habitação, currais e palheiros realizam-se rituais constituídos por rezas e defumações, com carácter de *esconjuro e *exorcismo. Para proteger uma habitação do *mau olhado diz-se a seguinte oração, enquanto se asperge *água benta por toda a casa com um raminho de *oliveira: «Quatro cantos tem a casa / Quatro anjos a guardá-la / Marcos, Lucas e Mateus / E Deus 414

por todos os seus / Deus me livre / Do vizinho, ao pé da porta / Que bem nos fala e mal nos quer / Pai Nosso, Ave Maria». ASSOMBRAMENTO Coisa ruim. Actua durante as *horas abertas. ASSOMBRAR Uma alma pode ficar ressentida e assombrar os vivos se, durante o *velório, o cadáver for deixado só. Convém, por isso, que parentes e amigos se revezem, nunca o abandonando. ASSOPRADOR Falso alquimista. Característico comportamento de um deles é-nos revelado nas Memórias de Charles Fréderic de Merveilleux, naturalista, antiquário e viajante chamado ao nosso país por D. João V para realizar estudos de botânica e geologia. Confessa ele que «depois de ter fixado o mercúrio na cor do ouro, na presença do marquês de Abrantes», de cujos capricho e «erudição muito superficial» tinha de depender, e não querendo «divertir-se a perder o seu tempo a seguir as fantasias deste fidalgo», este lhe causou tantos dissabores, «desacreditandoo junto do Rei», que quase se viu na contingência de ter que pedir autorização para regressar a França. Anos antes, por volta de 1713 ou 1714, um outro assoprador, desta vez espanhol e então ainda adolescente, travava conhecimento com um adepto português. Chamava-se o jovem Diego Torres Villaroel (1696-1770). Quem poderia ter sido o aludido Mestre de quem Villaroel cala o vero nome, chamando-lhe simplesmente ermitão? Quer a sua obra, quer os seus biógrafos, são mudos quanto a pistas. De seguro apenas se apura que no decurso da primeira das diversas visitas que efectuou a Portugal, tendo entrado por Almeida, conheceu um ermitão em Mondim de Basto em cuja companhia tomou o rumo de Coimbra de onde, ao fim de quatro meses, se pôs precipitadamente em fuga para o Porto. Em 1732, de novo em território nacional, após vários meses de deambulações por terras de Vila Real e Lamego, dirigiu-se para Coimbra onde fazia tenção

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ASSUNÇÃO de se instalar, plano a que se viu obrigado a renunciar, ausentando-se de imediato para Mirandela e Torre de Moncorvo porque, apesar de velho e prostrado, ainda lá vivia o indivíduo de quem tivera de fugir quando visitara pela primeira vez a cidade do Mondego. Não me repugna que ermitão e velho prostrado tenham sido uma e a mesma pessoa (*Anselmo Caetano Munhós de Abreu e Castelo Branco?). ASSUADA Sátira agressiva, ocasional, tendo por alvo actos específicos. Distingue-se das *pulhas pela circunstância de estas, regra geral, ocorrerem integradas em festividades cíclicas, terem por objecto as características e o comportamento de determinadas pessoas e o chiste assumir um carácter humorístico. O mesmo que *casamento carnavalesco, *corridela do Entrudo, *cortiçada, *chocalhada (Miranda do Douro), *latada (Águas Santas, Maia), *ronda (Póvoa de Lanhoso), *testamento, *troça ou *vindicta popular. Frequentemente, tem por destinatários os viúvos que contraem segundas núpcias. O *corno e o *chocalho são instrumentos ruidosos fundamentais neste género de manifestações. *Surra da azeitona é o nome da assuada feita áqueles que passam junto do olival onde se acha o pessoal que anda na safra. Em algumas regiões do país, o não cumprimento dos preceitos quaresmais pode ser sancionado com assuadas. D. Sancha, casada com D. Gonçalo de Sousa, surpreendida pelo cônjuge quando partilhava o leito com *Dom Afonso Henriques, foi alvo de uma assuada. BIBLIOGRAFIA BASTO, Cláudio, Silva Etnográfica, in Revista Lusitana, v. 25 (1923-1925), p. 148-179; FELGUEIRAS, Guilherme, Da nossa gente – dos seus costumes – das suas tradições (Respigos Etnográficos), in Mensário das Casas do Povo, v. 3, n. 34 (1949), p. 3-5; n. 35 (1949), p. 12-14; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Formas fundamentais da vindicta popular em Portugal, in O Comércio do Porto (10 Mar. e 22 Dez. 1959; 8 Mar. e 24 Abr. 1960); PICOITO, Pedro, O cavaleiro, a Mulher e o rei: uma Assuada do século XII, in O Corpo e o Gesto na civilização Medieval, Lisboa, 2005, p. 247-263

ASSUNÇÃO Invocação mariana, padroeira dos correeiros e negociantes de pescado. Festa de origem orien-

Assunção da Virgem: painel da igreja de Lordosa (Viseu).

tal, introduzida em Roma pelo Papa Sérgio I (687-701). Também conhecida por festa da Dormição, Trânsito e Natividade (Dormitio, Pausatio, Natalis). No século VI, celebrava-se em Janeiro, no entanto, nesta mesma centúria foi transferida para 15 de Agosto, pelo Imperador Maurício (582-602). O tema difundiu-se nos séculos XIV, XV e seguintes. Trata-se de uma das primeiras invocações de Maria celebradas com festa litúrgica, a partir do século IX. Comemora a morte de Nossa Senhora e a sua entrada em corpo e alma no Céu. O dogma da Assunção de Nossa Senhora foi proclamado em 1 de Novembro de 1950, por Pio XII. Em Portugal, a invocação de Nossa Senhora da Assunção ou da Glória está estreitamente associada às lutas travadas com Castela, no período de 1383-85. Foi por sua intercessão que, conforme a tradição, Portugal se conservou independente (a Batalha de Aljubarrota foi ganha na vigília desta festa, em 14 de Agosto de 1385), motivo por que lhe foram consagradas todas as catedrais do Reino. Em Arcozelo é festejada com a *dança das donzelas, a *dança dos marujos, a dança dos espingardeiros e a *dança 415

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ASTAROTH dos pretos. *Alto de Carocedo (também denominado Alto de Carrocedo). A iconografia da Assunção, apresenta a Virgem, ascendendo ao Céu (diz-se que o corpo subiu 40 dias após a alma), regra geral, de mãos postas e resplandor, de pé, suspensa sobre um crescente lunar, imaculada e livre da corrupção da morte. Em redor dela, anjos entoam cânticos celestiais e tocam instrumentos. No plano inferior, os apóstolos em redor do seu túmulo vazio. Dois dos mais notáveis painéis da Assunção conhecidos em Portugal: igreja de Sardoura (Mestre de Ferreirim) e o pintado por Frei Carlos [MNAA]. BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Histórico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p. 144; LACERDA, Aarão de, Notícia acerca de um quadro primitivo na Igreja de Sardoura, in Prisma, n. 2 (Nov. 1936); LIMA, J. da Costa, Iconografia Assuncionista, in Brotéria, v. 51, n. 6 (1950), p. 540-558; LOPO, Albino dos Santos Pereira, Apontamentos Arqueológicos, in O Arqueólogo Português, v. 7 (1902), p. 72; idem, Apontamentos arqueológicos, Braga, 1987, p. 23; MARTINS, Mário, A Assunção de Nossa Senhora, nas Cantigas de Santa Maria e na Poesia Medieval, in Estudos de Cultura Medieval, v. 3, Lisboa, 1983, p. 65-74; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 196; SANTOS, Luís Reis, Duas Tábuas dum retábulo do século XVI em Viseu e Oberlenningen, in Estudos de Pintura Antiga, Lisboa, 1943, p. 89-100

ASTAROTH Demónio tesoureiro do *Inferno. Cavalga um dragão, segurando uma víbora na mão esquerda. Quando invocado à Quarta-feira, ajuda a obter a protecção dos grandes. É identificado pelo odor fétido que emana. ASTARTE Também denominada Asterate, Baalat (feminino de *Baal), Asera (cananeus); Ishtar (Estrela da Manhã, entre os assírios) ou Inanna (acádios); *Afrodite ou Hera (gregos); Juno (latinos). A mais importante das divindades fenícias, conhecida na tradição bíblica como a deusa dos Sidónios (I Reis, XII, 2). Filha de Baal, irmã gémea de Camos, esposa de Tamuz (Ezequiel, VIII, 14). Um dos seus mais importantes santuários situava-se em Sidom, sendo venerada durante o equinócio da Primavera, com libações e ritos orgiásticos. A *prostituição sagrada constituía uma faceta importante do culto 416

de que era a destinatária, porquanto Astarte era tida como a encarnação, por excelência, da fecundidade. Qaddesh (= a Santa) era um dos seus títulos e, concomitantemente, o título honorífico por que eram conhecidas as prostitutas sagradas (mulheres santas) que serviam nos seus templos. Luciano refere-se à obrigação religiosa imposta a todas as mulheres, qualquer que fosse a sua condição, de se entregarem uma vez na vida, no templo de Astarte, ao primeiro que aparecesse, obrigação ulteriormente substituída pela oferta ao templo das respectivas tranças. Na ausência de imagens que a figurassem (mulher coroada por estrela ou crescente lunar), uma simples pedra ou pilone (cone) podia servir-lhe de habitáculo. O seu culto expandiu-se pelo Mediterrâneo, alcançando o ocidente peninsular. Na Ericeira, Santa Marta terá, eventualmente substituído uma devoção anterior, cujo sincretismo remete para AstarteArtemisa, conhecida por Eileithyia (a grávida) em Creta e por Venus Ericina no monte Erix (Sicília), cuja titular os romanos apelidavam de Venus pudica, a qual tinha por companhia e atributo um *ouriço-cacheiro (cf. Manuel J. Gandra, Subsídios para a Carta Arqueológica do Concelho de Mafra, in Boletim Cultural ’94, Mafra, 1995, p. 265). ASTRAGALOMANCIA Adivinhação por intermédio de pequenos ossos (ou dados) assinalados com as letras do alfabeto. As respostas são obtidas mediante a combinação das letras. ASTRAL Plano ou mundo subtil, alcançável através da projecção astral, também denominada *viagem astral (*voo do xamã). ASTRALÉDIA Lugar utópico onde a humanidade há-de viver após a vinda do Espírito, o qual tornará possível o domínio do universo astral pelo ser humano. As doutrinas espírita e rosa-cruz encontram-se na origem desta concepção de *Raúl Leal (Henoch).

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ASTROLATRIA ASTRÓLATRA Adorador dos astros. ASTROLATRIA A mais remota notícia escrita conhecida reveladora da existência de cultos astrais na Península Ibérica é a constante do poema Ora Maritima de Avieno, que se reporta a uma Ilha da Lua (a actual Pénon, um pouco a oriente de Málaga) e ao Monte da Lua (*serra de Sintra). Tão sucinta informação, veiculada pelo mais célebre roteiro da antiguidade, é susceptível de ser corroborada pelas abundantes representações astrais (esteliformes, asteriformes, *Lua, *Sol, *cometa, etc.) consignadas pela arte rupestre e pelos incontáveis artefactos exumados, a observação das inscrições lapidares e da numismática (moedas de Salacia, Mirtilis e Cilpes) romanas, as actas conciliares (I Concílio de Braga, LXXII), as constituições dos bispados (cf. Constituições do bispado Porto, 1687, liv. 5, tit. 3, const. 3) e as tradições e ritos populares. Com efeito, são tantas e de tal qualidade as evidências ao dispor, que se torna indubitável a persistência de cultos astrais desde épocas extremamente recuadas no actual território nacional. Um dos mais notáveis exemplos (antes de ter sido vandalicamente destruído) foi o sítio da Pedra Alçada (Magoito, Sintra) onde se achava figurado um *orante em adoração ao sol, enquanto este caminhava para o *ocaso no horizonte ocidental. Quando se ocupou das antas em Religiões da Lusitânia, Leite de Vasconcelos notou que «as suas entradas estavam, muitissimas vezes, voltadas para o nascente», concluindo dessa circunstância que ela depunha «a favor de tal ou qual veneração pelo sol» (v. 1, p. 324-325 e 391). Os conjuntos de covinhas poderão figurar constelações, como parece ser o caso no castro de *Guifões (Leça, Matosinhos) ou em Azevedo (Vila Praia de Âncora, Caminha). Nesta localidade detectou Martins Sarmento «uma laje com gravuras curiosas», algumas novas para ele, como sublinha, acrescentando: «Aqui em vez de círculos concêntricos, aparecem quadrados, mas gravados pelo mesmo processo dos círculos» (cf. O estudo da Ora

Orante da Fonte da Vila, em Turquel (Alcobaça).

Maritima; antas da Peneda; insculturas antigas, in O Arqueólogo Português, v. 6, n. 8-12, Ago.Dez. 1901, p. 183). O mesmo arqueólogo cita um ciprianista local, o qual lhe contara «ter quebrado na sua propriedade uma laje, onde, além do sol e da lua, estavam também pintadas as estrelas. O sol e a lua eram gravuras circulares de diferente diâmetro; as estrelas eram, segundo parece, covinhas (fossettes), a que ele dava certamente aquele nome, por vê-las na companhia dos dois astros» (cf. Dispersos, Coimbra, 1933, p. 314 e Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, v. 1, p. 376). De facto, agrupamentos de sinais asteriformes poderão ter constituído minuciosa cartografia do céu, cuja influência, consabidamente, foi decisiva sobre a vida e o destino, por todas as comunidades arcaicas. Amorim Girão também interpreta como símbolos astrais os motivos quadrangulares reticulados. *Arqueoastronomia, *heliolatria, *hora aberta, *hora fechada, *lúnula, *meio-dia. BIBLIOGRAFIA BELO, Aurélio Ricardo, Símbolos astrais das lápides Luso-Romanas, in Bol. da Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 44-46 (1957), p. 143-168 e n. 47-49 (1958), p. 39-75; FONTES, Joaquim, Figuras rupestres astrais no santuário pré-histórico do Gião (Arcos de Valdevez), in Homenagem a Martins Sarmento, Guimarães, 1933, p. 120-121; GARCIA, Eduíno Borges, A fonte de vila há 6000 anos: santuário do Deus do Sol na região de Alcobaça?, in Boletim da Asociação para a Defesa e Valorização do Património Cultural da Região de Alcobaça, n. 2 (Jan.-Jun. 1979), p. 13-14; GOMES, Mário Varela,

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Guia de astrolatrias nas penínsulas de Lisboa e Setúbal 1– Alcobaça; 2– Arrife (Serra d’Aire); 3– Vila Nova de S. Pedro (Cartaxo); 4– Furadouro da Rocha Forte (Cadaval); 5– Pai Mogo (Lourinhã); 6– Alenquer; 7– Quinta do Caracol / Aldeia Gavinha (Alenquer); 8– Arruda dos Vinhos; 9– Portucheira / Matacães; 10– Louriceira; 11– Cova da Moura / Ventosa; 12– Cabeço da Arruda 2 (Torres Vedras); 13– Casal da Estrada / Fanga da Fé; 14– Sobral da Abelheira; 15– Ericeira [Forte de N. Sra. da Piedade popularmente conhecido por Forte da Lua]; 16– Tituaria / Milharado; 17– Casais do Lexim; 18– Covas / Igreja Nova (Mafra) [Cromeleque assinalado por Estácio da Veiga]; 19– Serra de Sintra; 20– Monserrate (Sintra) [Lucerna com crescente (Veiga Ferreira / Couto Tavares, in Rev Guimarães, 64, 1953)]; 21– Barreira e Funchal 1 e 2 / Odrinhas [Cromeleques e alinhamentos]; 22– Folha das Barradas [Ídolo cilindrico com crescente]; 23– Negrais; 24– Almoçageme; 25– Magoito ; 26– Praia da Maçãs; 27– Colares; 28– Cabo da Roca; 29– Pedra dos Mouros / Belas (Sintra); 30– Montemor (Caneças); 31– Baútas; 32– Carenque (Amadora) [Lúnulas das grutas artificiais de Vila Chã]; 33– Trigache 2 e 3 (Loures); 34– Alapraia 2 (Cascais); 35– Lisboa; 36– Palmela 4 [A. I. Marques da Costa, Estações Prehistoricas dos Arredores de Setúbal, in O Archeologo Portuguez, v. 12, n. 5-8 (Mai.-Ago. 1907), p. 206-217 e n. 9-12 (Set.-Dez. 1907), p. 320-338]

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ASTROLOGIA Aspects of megalithic religion according to the portuguese menhirs, in Valcamonic Symposium III, 1983, p. 385-401; LORENZO FERNANDEZ, Joaquin, El simbolo solar en el NW de la Peninsula, in Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 265-289; PAÇO, Afonso do, O culto da lua na necrópole de Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 6 (1955), p. 91-96; PINTO, Orlando da Rocha, Vestígios do Culto da Lua em Portugal, in História, n. 63 (Jan. 1984), p. 76-83 [trata-se de uma comunicação apresentada no II International Congress of Prehistoric and Protohistoric Sciences (Oslo, 1936)]; VASCONCELOS, J. Leite de, Cosmogonia popular portuguesa, in AV, v. 1 (1880-1881), p. 34, 35, 38, 39 e 40; idem, Um passo de Sá de Miranda, in Revista Lusitana, v. 29 (1931), p. 310 [o poeta reporta-se à crença, de que fala Possidónio, segundo o qual o mar ferve quando o sol se afunda no mar da Hispânia]

ASTROLOGIA Desde sempre foram legião os seus adeptos. Os neoplatónicos, herdeiros do pitagorismo, retiraram aos astros a sua qualidade de causa eficiente (poietikon) do destino que a astrologia exposta pelos estóicos lhes reconhecia. Plotino, retomando uma ideia de Philon, atribuí-lhes tão-só o papel de signos (semeia semantikon), motivo por que as almas são livres, não obedecendo a qualquer necessidade mecânica, mas somente a uma predestinação (heimarméné) que elas próprias por sua vontade criaram para si. Não se encontram ainda seguramente averiguadas as crenças astrais da antiguidade hispânica. Diversas concitaram o anátema de sucessivos Concílios, não sendo dispiciendas as expostas pelos priscilianistas (Canones Apostolorum et Consiliorum Saeculorum IV, V, VI, VII cum praefatione, Berolini, 1839, p. 29-36), nem mero exercício de retórica o cânone 72 de S. Martinho de Dume: «Não seja lícito a cristãos conservar práticas do gentilismo e regular-se ou governar-se pelos elementos ou pelo curso da *Lua ou estrelas, ou fútil significação dos signos nas horas domésticas». No final da Idade Média a Astrologia grangeara uma aceitação quase generalizada. Reis, príncipes, e áulicos mantinham astrólogos nas suas cortes, eles próprios aderindo frequentemente à arte. Portugal não foi excepção, porquanto se o Infante D. Henrique, D. Manuel I (Damião de Góis, Crónica de D. Manuel, IV, cap. 84) e o príncipe D. Teodósio (discípulo do Jesuíta Padre João Pascásio Ciermans ou Cosmander, é-lhe atribuída

Frontispício do Guia Náutico de Évora (ca. 1516).

a Summa Astronomica in duos divisa tomos: primus de Astronomia, secundus de Astrologia) lhe eram muito afeiçoados, a Afonso V se atribui um tratado, hoje perdido, sobre a Constelação do Cão Maior, alegadamente regente da nação lusíada por intermédio da estrela Sirius. Francisco de Holanda coloca-a entre as ciências que convêm ao pintor (Da Pintura Antiga, I, 8). Por outro lado, as sucessivas edições do Repertório dos Tempos e do Tesouro de Prudentes, bem como o sem número (manuscrito ou impresso) de efemérides, tábuas, prognósticos, lunários, almanaques, sarrabais, juízos sobre eclipses e tratados acerca de cometas, constituem um acervo não negligenciável para aquilatar da extraordinária receptividade de tal, nas palavras de Pedro Nunes, «crendice vã» (De Crepusculis, in Obras, v. 2, Lisboa, 1943, p. 149). Os comentários negativos e as censuras podem, do mesmo modo, constituir um valioso auxiliar nessa tarefa. A 9ª Regra do Índice expurgatório de 1564 é disso o atestado: «E os Bispos tenham muita conta que ninguém tenha, nem leia livro ou catálogo ou Tratado de Astrologia 419

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ASTROLOGIA judiciária que tratem do que está por vir e do que há-de acontecer, ou de casos da fortuna ou de todas as obras que dependem da vontade dos homens, ou que afirmam com certeza alguma destas coisas. Poder-se-ão permitir juízos e especulações naturais que para base da navegação ou da agricultura ou da medicina estão escritas» (no que concerne à medicina cf. Ambrósio Nunes, Tractado repartido en cinco partes principales, que declaran el mal que significa este nombre peste, Coimbra, 1601, p. 31-32). Álvaro Pais (Colírio da Fé contra as Heresias) denuncia entre nós os primeiros sintomas desta reacção a determinados aspectos da prática astrológica, que a teologia desde Santo Agostinho (Super Genesim, L. 2, cap. 16-17; Confissões, L. 4, cap. 3; De Doctrina Christiana, L. 2, cap. 2124 e Da Cidade de Deus, L. 5, cap. 7, baseando-se no Deuteronómio, XVIII e no Levítico, XIXXX) vinha reprovando, quando, a propósito do averroísmo que o seu contemporâneo Tomás Escoto ensinava na Universidade de Lisboa, escreve: «Outro erro sustenta como dizem os maus astrólogos e também chamados falsos profetas, que as coisas surgem e sucedem necessariamente neste mundo pelas constelações». No Leal Conselheiro (Lisboa, 1942, p. 115-116 e 146-150), D. Duarte alinha pela ortodoxia, segundo a qual apenas os julgamentos sobre as coisas naturais eram lícitas, incorrendo em grave falta quem se permitisse emitir juízos sobre as obras dos homens, dotados de livre arbítrio e, por conseguinte, não sujeitos a qualquer determinismo. Ver críticas à astrologia em Gil Vicente na Carta a D. João III (1531) e na fala inicial de Mercúrio no Auto da Feira (1528 ?), bem como em Garcia de Resende (Miscelânea, est. 200). As reservas da Igreja dirigiam-se (conforme ditames do Breve Coeli et Terrae de Sixto V, de 5 Janeiro 1586, e da Constituição de Urbano VIII. Cf. Regimento do Santo Ofício da Inquisição, Lisboa, 1640, l. III, título XIV. Constituições do Arcebispado de Braga, 1639, XLIX, 1 e Constituições do Bispado do Porto, 1687, V, 3, 110: «Os que adivinharem coisas secretas e casos futuros, ainda que se faça juízo, e levantem figuras pelos movimentos do sol, 420

Reportório dos Tempos de André de Avelar (Lisboa, 1594).

lua e estrelas ou qualquer outras coisas»), como é óbvio, contra a astrologia judiciária (em Lisboa no ano de 1741 foi preso pela 2ª vez por fazer uso dela um homem já reconciliado no auto de 1709 por culpas de heresia) que se aplicava à adivinhação de futuros contingentes (conforme diatribes contra a Astrologia no Adversus Fallaces et Supertitiones Artis hoc est Magia et Observatione Somniorum, et de Divinatione Astrologica libri tres de Bento Pereira e no cap. X do Domínio sobre a Fortuna de António de Sousa Macedo), mas igualmente visavam alguns exageros da astrologia mundial, como aqueles de que Fr. António de Beja se faz eco no Contra o Juízo dos Astrólogos (Lisboa, 1523), em grande parte inspirado nas Disputationes adversus astrologiam (1495) de Pico della Mirandola. Com a Contra-Reforma, e não obstante os interditos (na origem de amputações impostas a almanaques e repertórios e relativas a prognósticos sobre guerras, morte de monarcas, destruições, sedições, etc.), tanto a astrologia judiciária quanto a mundial continuaram a ser praticadas, contando-se entre os seus mais

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ASTROLOGIA ferverosos adeptos a muitos religiosos (registam-se os manuscritos de D. Manuel de Meneses, Cosmógrafo e Cronista-mor do Reino, Fernando Álvares Cabral, Frei Custódio Lobo, Padre João Delgado e Padre Frei Valentim de Alpoem, cujo paradeiro se ignora, e as Miscelâneas Astrologia [BN: cod. 10851] e Astrological, Astronomical and Mathematical treatises in portuguese, de diversos autores Jesuítas [British Library]). Estes chegavam, por vezes, como aconteceu com os Oratorianos de Lisboa no ano de 1769, a competir com leigos pelo privilégio de imprimir obras sobre a matéria (Sentença da Relação de Lisboa, a favor de Pedro Villela, e contra os padres da Congregação do Oratório, sobre o privilegio de imprimir a Folha do anno, e Prognosticos, Lisboa, 1769, 4 Novembro). No entanto, da licença concedida pela Inquisição Geral da Santa Sé ao Padre Luís Caetano de Lima para possuir e ler todos os livros interditados pelo Index Romano, os únicos expressamente excluídos são os de Carlos Molina, Nicolau Maquiavel e os Tratados de Astrologia judiciária (Biografia de D. Luís Caetano de Lima [BN: cod. 417, fl. 15-15v]). O ensino da disciplina foi institucionalizado com a criação da cadeira de Astrologia nos curricula da Universidade de Lisboa (1513), onde leccionaram Mestres Filipe e Tomás de Torres (teses que ilustram o afirmado: [BPÉv: ms. CXII / 1-41]), este professor do futuro D. João III a quem ensinou os rudimentos da arte, conforme o cronista Francisco de Andrade (Crónica de D. João III, Coimbra, 1796, parte I, p. 8). Os Jesuítas ensinavam Astrologia no Colégio de Santo Antão, cujo corpo docente produziu algumas obras de mérito que viriam, caso do Planetário Lusitano do Padre Eusébio da Veiga (Lisboa, 1756 [BPNM: 2-40-2-16] e 1758 [BPNM: 2-40-2-17]), a correr impressas (trata-se mesmo das primeiras Efemérides regulares e metódicas editadas em Portugal). Um trinitário, Frei António Teixeira, foi autor de outra notável obra, intitulada Epitome das Notícias Astrológicas necessárias para a Medicina (Lisboa, 1670 [BA: 38-IV-18]), na qual assegurava a total ineficácia da medicina sem a astrologia, tese clássica (bastará recordar

Rodado de um dos coches de D. João V, no qual são observáveis os 12 signos zodiacais. O monarca émulo do Sol, fazia-se transportar num veículo celeste.

a frequência com que se confundiam as profissões de médico e astrólogo), igualmente perfilhada por António Xavier de Paula, no Tratado da Influência da Lua nas Febres (Lisboa, 1790). Merecem ainda menção a Chronographia o Repertorio de los Tiempos de Valentim Fernandes, de Jerónimo de Chaves, de André de Avelar, O Non Plus Ultra do Lunario de Jerónimo Cortez, o Teatro universal de novidades [...] tiradas dos movimentos dos astros do globo esférico pela altura do pólo de ambas as Lisboas (Lisboa, 1736) de D. Carlos de Vico, cuja dedicatória «às senhoras desta corte» deixa adivinhar o importante papel da mulher na difusão do ideário astrológico, nomeadamente da sua vertente horoscópica. Na actualidade, a par da curiosidade pela obra astrológica de Fernando Pessoa e de amigos seus, como Augusto Ferreira Gomes e Raúl Leal, assiste-se a uma promissora recuperação do interesse pela faceta tradicional desta disciplina hermética. BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Luís de, A ‘Aula de Esfera’ do Colégio de Santo Antão no Século XVII, Lisboa, 1972; idem, Gil Vicente e a astrologia, in Estudos de História, v. 1, Coimbra, 1974; idem, Nota sobre a crítica à Astrologia em Portugal no século XVI, in Crónicas da História de Portugal, Lisboa, 1987, p. 107-111; BETHENCOURT, Francisco, Astrologia e Sociedade no século XVI: uma primeira abordagem, in Revista de Histó-

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ASTRÓLOGO ria Económica e Social, 8 (Jul.-Dez. 1981), p. 43-76; CARVALHO, Joaquim de, O Livro ‘Contra o Juízo dos Astrólogos’ de Fr. António de Beja e as suas fontes italianas, in Estudos sobre a Cultura Portuguesa do séc. XVI, Coimbra, 1947, I, p. 185-212; O Livro ‘Contra os Juízos dos Astrólogos’ de Fr. António de Beja, in Boletim da Universidade de Coimbra, v. 16 (1944), p. 181290 (ed. Joaquim de Carvalho, a partir do único exemplar conhecido, da Biblioteca do Harvard College); GANDRA, Manuel J., A Filosofia Hermética em Portugal e no Acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Boletim Cultural ‘93, Mafra, 1994, p. 11-74 (especialmente p. 45-51); MARTINS, J. Pina, Fr. António de Beja e a Astrologia Judiciária, in Tempo Presente, n. 17-18 (Set.-Out. 1960), p. 30-71; idem, Fr. António de Beja contra a Astrologia judiciária, in As Grandes Polémicas Portuguesas, Lisboa, 1962, p. 86-129; SAMPAIO, Duarte, Astronomia Pittoresca, Lisboa, 1900; SOARES, Ernesto, Almanaques, prognósticos, lunários, sarrabais do século XVIII em Lisboa, Lisboa, 1946; VENTURA, Augusta Gersão, Estudos Vicentinos. I. Astronomia-Astrologia, Coimbra, 1937.

ASTRÓLOGO Em hebraico, ashshaph, encantador que pratica a adivinhação de futuros contingentes por intermédio das estrelas (Daniel, I, 20; II, 2, 10, 27, etc.). Prática mântica proibida pelo Deuteronómio (IV, 19; XVIII, 10) e por Isaías, (XLVII, 13). ASTROSIA Adivinha ou qualquer jogo de sorte ou fortuna em que se crê possam influir os astros.

portantes e melhor conhecidas divindades indígenas, provavelmente celtizada, da Lusitânia, entre o Tejo e o Guadiana (a outra foi *Endovélico de quem Ataégina terá sido o paredro), região que constituiu um vasto e ancestral santuário votado ao culto da fertilidade (*megalitismo). Deusa da morte e da regeneração, relacionada com o mundo subterrâneo e infernal, cujos poderes terapêuticos e fecundantes eram manifestados por intermédio de determinadas fontes salutíferas ou mananciais aquáticos de origem profunda. É conhecido um número significativo de aras votivas onde surge com funções idênticas às da Perséfone grega ou da *Proserpina latina, de resto muito venerada nas regiões de onde são oriundos os monumentos dedicados a Ataégina (Alentejo e Sudoeste de Espanha), em alguns dos quais, por um fenómeno de sincretismo, a deusa é identificada com Proserpina (cf. A. Garcia y Bellido, Esculturas Romanas de España y Portugal, fig. 126, 142, 155-157, 172-173), o que, definitivamente, faz dela uma divindade infernal e funerária, circunstância sublinhada pela ocorrência de um *cipreste, num dos cipos funerários que

ASTROSO Alguém nascido sob o influxo de uma má estrela, consoante a definição de Santo Isidoro: «Astrosus ab astro dictus, quasi malo sidere natus» (Etymologiae, X, 13). Por extensão semântica: com má sina, malfadado, infeliz, sujeito à influência da Lua, de mau agoiro, amaldiçoado. ATADURA *Nó. ATABURRAR Verbo com o qual é costume assustar as crianças em Bragança (cf. Gonçalves Viana, in Revista Lusitana, v. 1, p. 204). ATAÉGINA Também Adaecina, Adaegina, Adecina, Adegina, Atacina, Ataecina, Attegina, etc. (variantes documentadas do teónimo). Uma das mais im422

Ara dedicada a Ataégina, oriunda de Quintos (Beja).

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Cabra em bronze: Ex-voto de Arraçário (Sintra).

invocam o seu nome. Outro argumento (não consensual) em prol do referido sincretismo tem sido aduzido por alguns autores que relacionam o teónimo Ataégina com o irlandês adaig, noite, reportando-se a uma *tabella defixionis de Mérida [Museu Nacional de Arte Romana: n. 580], na qual lhe é impetrado (a Ataecina Turobrigense Proserpina) que amaldiçoe um ladrão. Sem embargo de o seu santuário principal ficar situado na cidade bética de Turóbriga (donde os epítetos: Dea Domina Turibrigensis, e Dea sancta Turibricensis, este consignado na epígrafe de Quintos – Beja), muitas das mais de três dezenas e meia de aras e epígrafes exumadas foram-no das cercanias de nascentes mineromedicinais. A *ablução purificadora realizada pelos seus fieis seria, eventualmente acompanhada pela oferenda de ex-votos em bronze figurando cabras, vítimas expiatórias das maleitas do ofertante (*bode expiatório). Duas das epígrafes conhecidas acham-se gravadas sobre placas de bronze, associadas a uma pequena *cabra do mesmo metal, razão por que Leite de Vasconcelos crê que outros exvotos de cabras [Museus de Évora e Cáceres] recolhidos na região onde Ataégina era venerada, possam reportar-se ao seu culto (cf. Religiões da Lusitânia, v. 2, p. 169-172 e 283-285, fig. 34-35 e Opúsculos, v. 5, p. 143-144). À mesma conclusão chegaram J. Camarate França e O.

da Veiga Ferreira, relativamente ao ex-voto do Arraçário (Sintra) (cf. Ex-voto pré-romano inédito do Museu Regional de Sintra, in Rev. de Guimarães, v. 64, n. 3-4, Julho-Dez. 1954, p. 290-297), classificado como ibérico por Salete da Ponte (cf. Bronze Ibérico Votivo de Sintra, in Sintria, v. 1-2 (1), 1982-1983, p. 89-94). No Museu de Arqueologia de Silves guarda-se uma estatueta em bronze de figura feminina togada, a qual tem sido interpretada como Ataégina, em virtude de ter sido encontrada perto da mina da Defesa (Santo Estêvão, Silves), em conexão com uma pequena estatueta em bronze de uma cabra. Outros ex-votos similares no Pinhal Novo – Arraiolos (extraviado), no Redondo e na Ribeira do Vascão – Mértola. BIBLIOGRAFIA ABASCAL PALAZON, Juan Manuel, Ataecina, in Religiões da Lusitânia – Loquuntur saxa, Lisboa, 2002, p. 53-60; BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 145-147; GARCIA, José Manuel, Um Ex-voto Lusitano-Romano, in Almadan, n. 4 (Maio-Nov. 1984), p. 7; SOARES, A. Monge, Igreja de S. Jorge, in Informação Arqueológica, n. 7 (1986), p. p. 19-20

ATALAIA Invocação mariana. Uma das suas imagens mais festejadas (em Agosto) terá aparecido numa *aroeira, junto de uma fonte situada perto da antiga Aldeia Galega do Ribatejo, actual vila do Montijo. A imagem fugiu diversas vezes da ermida que os fiéis para ela edificaram, sendo sempre encontrada na *fonte onde se havia manifestado, primitivamente. Ulteriormente, seria erguido outro santuário, no local da primitiva epifânia, ao qual passaram a afluir círios oriundos de Lisboa, Olhos de Água, Carregueira, Anunciada, Quinta do Anjo, Sesimbra, Moita, Azóia, Setúbal, Azeitão, Samora Correia, Cacilhas, Barreiro, Seixal, Alcochete e Aldeia Galega. Os romeiros oriundos da capital (freguesias de Chelas, São Sebastião da Pedreira, São Francisco de Paula, Francesinhas, Beato, São Lourenço, Santa Isabel, Ajuda, Santa Engrácia, etc.) embarcavam para a margem Sul, num sábado, em vapores ou faluas rebocadas, regressando na segunda-feira seguinte. Na madrugada da grandiosa procissão que dava a volta ao terreiro da 423

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ATALANTA igreja, os romeiros lavavam o rosto na Fonte Santa, limpando-o com vistosas toalhas expressamente confeccionadas para esse fim. Comparecia também na Atalaia o Círio dos Caramelos, constituído pelos rapazes e raparigas que andavam na safra da *azeitona. Das folhas da aroeira santa extraía-se uma espécie de bálsamo, ou «resina cheirosa, que era remédio admirável para as sezões» (cf. João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 239). BIBLIOGRAFIA DIAS, Mário Balseiro, Círios de Caramelos, Pinhal Novo, 2000; FONSECA, Arnaldo, A Senhora da Atalaia, in Branco e Negro, a. 2, n. 75 (5 Set. 1897), p. 361-364; MARQUES, Luís, Tradições Religiosas entre o Tejo e o Sado: os círios do Santuário da Atalaia, Lisboa, 2005

ATALANTA 1. Sobre a fábula mitológica que se lhe reporta (cf. Ovídio, Metamorfoses, 8) a Academia dos Singulares de Lisboa (t. II, p. 189) inclui um poema satírico intitulado Fabula de Hypomenes e Atalanta, de autor anónimo. O retrato da ninfa não se afasta do paradigma barroco da beleza feminina, residindo a originalidade do seu tom burlesco na circunstância de ser construído com metáforas procedentes da arte da doçaria conventual, explícito convite ao leitor para saborear licenciosamente o corpo feminino assim descrito: «[…] temendo / perder-me nos matizes da pintura / porque a cópia saísse verdadeira / pedi, que em Odivelas / ma pintasse de doces uma Freira / […]». Em consequência, os cabelos louros são figurados por ovos reais, o rosto por branco e doce açúcar, os olhos eram confeitos, o nariz semelhava cândido alfenim, etc. Iconografia: Jardim do Palácio dos condes de Óbidos (Lisboa). BIBLIOGRAFIA ROBRILVO, Jacinto Pacheco, Arco triumphal, ideia allegorica sobre a fabula de Hyppomanes e Atalanta, cuja ficção ha de servir para o arco que os ourives do ouro celebram em applauso dos desposorios das Augustas Magestades de Portugal, Lisboa, 1708

2. Filha de Jansio, rei da Arcádia. Desposou Meleagro, um dos argonautas, filho de Eneu e Alteia, cujo destino estava ligado a um tição que as Parcas haviam posto no fogo, enquanto 424

Atalanta e Meleagro: pormenor do retábulo azulejar do palácio dos condes de Óbidos (Lisboa).

sua mãe o dava à luz, ao mesmo tempo que proferiam o seguinte *augúrio: «Este menino vivera enquanto durar este tição». Um dia, Eneu sacrificou a todos os deuses, excepto a Diana. Esta, enfurecida, enviou um terrível javali que assolou a cidade de Cálidon e suas imediações. Teseu, Jasão, Castor, Pólux, bem como toda a mocidade grega se uniu para lhe dar caça. Meleagro teve a dita de ser o matador da fera, tendo feito presente da cabeça dela a Atalanta. Os irmãos de Alteia, invejosos desta preferência, quiseram tirar a cabeça a Atalanta, pelo que tiveram de defrontar Meleagro que os venceu, perecendo ambos. Então, Alteia para vingar a morte dos irmãos, lançou no fogo o tição fatal, cujo fogo ardente devorou as entranhas de Meleagro até o consumir por completo. ATANÁSIO, SANTO († 372) Natural de Alexandria. Bispo em 326, participou activamente no concílio de Niceia e, particularmente, nos debates que conduziram à condenação do *arianismo. Invocado contra as dores de cabeça. Os Doze Mandamentos de Santo Atanásio [ANTT: livraria n. 771, fl. 1-11]. BIBLIOGRAFIA ASKINS, Arthur L.-F. (ed.), Os Doze Mandamentos: an early portuguese translation of the Doctrina mandatorum duodecim Athanasii, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, s. 5, n. 13-14 (1990), p. 67-75

ATAR Feitiço muito temido, ainda usado na actualidade. Funda-se no pressuposto de que é possí-

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ATLÂNTIDA vel impedir um indivíduo de ter qualquer tipo de relação carnal com uma mulher, excepto com a mandante ou requerente. As técnicas operativas são muito variadas, contemplando fórmulas como a da *adoração da estrela formosa ou da *devoção das almas. Uma fórmula de magia amatória considerada muito eficaz, supunha o emprego de uma peça de uso próprio do indivíduo a maleficiar, de preferência roupa, mas igualmente uma fotografia, um papel escrito, uma madeixa de cabelo ou um boneco: «Eu te ato com Barrabás, com Satanás e Caifás e Maria Padilha, que hoje é o seu dia, para que F. não possa ter cópula carnal com mulher alguma, nem possa parar sem com F. vir estar» [ANTT: Inq. Coimbra, proc. de Maria Ferreira, fl. 48v]. À medida que proferia o conjuro, a operadora dava alguns nós na roupa ou nos cabelos. O malefício persistia enquanto os nós não fossem desatados. *Amarração, *devoção da porta-portal, *dominar vontades, *ligamento, *ligar. ATAR AS CARDAS Expressão sinónima de morrer. ATAVISMO Manifestação em seres humanos de características e comportamentos associados a formas pré-humanas de existência, tais como a *licantropia, o *vampirismo, etc. ATEÍSMO Crença do ateu (do grego, a+theos = sem deus), i.e., descrença em qualquer deus, deuses ou entidades divinas. Durante muitas décadas causou estupefacção o teor de um trecho da Geografia (III, 4, 16) de Estrabão, no qual o autor grego afirmava: «Dizem alguns que os Calaicos são ateus». Face à constatação de que os Calaicos, efectivamente, veneravam considerável número de divindades, alguns autores modernos aventaram hipóteses no sentido de deslindar o que poderia ter motivado tão despropositada afirmação do geógrafo. Leite de Vasconcelos, por exemplo, entende que significa que esse povo não tinha deuses, na acepção de ídolos ou

imagens. Todavia, a resposta mais plausível reside na circunstância de os gregos considerarem atheos todos aqueles que, não partilhando as mesmas crenças religiosas, prestavam culto a deuses distintos dos seus. *Diogo Afonso. BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, J. Leite de, Do atheismo dos callaicos, in Revista Lusitana, v. 2 (1890-92), p. 346-347

ATENA Também conhecida por Palas Atena. Corresponde a *Minerva, uma das divindades mais antigas do panteão latino e um dos elementos da tríade capitolina. Feroz, implacável e destemida na guerra. Figurada com capacete, lança, couraça (égide) e escudo (broquel no qual fixara a cabeça de Medusa, oferecida por Perseu). A coruja, ave que simbolizava a sabedoria, é o seu atributo mais difundido. Culto atestado em Portugal, numa ara de Valado (Alcobaça). Uma gema, oriunda de Conimbriga, reproduz a efígie de Atena Nikephoros, originada na de Atena Parthenos de Fídias. BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Mário, Pedras de Anéis Romanos encontradas em Portugal, in Revista de Guimarães, v. 72, n. 12 (1962), p. 155-160; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de Conimbriga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 163-166, n. 10; FRANÇA, Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conimbriga, in Conimbriga, v. 7 (1979), p. 133-139

ATIS *Cibele. ATLÂNTIDA Há tradições de dilúvios e referências a eles em todas as civilizações. A geologia e a geofísica contemporâneas não se opõem a que essas tradições correspondam a factos efectivamente ocorridos, conferindo alguma verosimilhança, quer à narrativa platónica, quer ao episódio bíblico. A camada de maxne, loess ou lehm, espécie de lama, geralmente vermelha, que se encontra em todos os continentes cobrindo vestígios do Paleolítico final (em Portugal, na Lapa do Fumo – Cabo Espichel – Sesimbra e na Gruta da Figueira Brava, sita a uns 400 m para Sudoeste do Forte de Santa Maria, no Portinho da Arrábida) e a que os geólogos chamam «gla425

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ATLÂNTIDA ciária», constitui o indício mais flagrante da magnitude do cataclismo, uma vez que as glaciações jamais afectaram globalmente o planeta! Em conformidade, a realidade da Atlântida só esporadicamente continua a ser questionada, não obstante persista o debate quanto às suas exactas cronologia e extensão, fundado, muitas vezes, em inauditas conjecturas e apontando-lhe as mais recônditas localizações. O Atlantis nesos, i. e., a ilha da Atlântida de Platão, mais poderosa que a Líbia (do grego, Amâ, i. e., África) e a Ásia juntas (consoante o conceito que delas se fazia no século IV. a. C.) e localizado adiante ou além do Fretum Gaditanum (as Colunas de Hércules ou Estreito de Gibraltar), constituía o poderoso império de MU, que terá abrangido todo o litoral atlântico, desde a latitude da Mauritânia (Maurousia dos gregos) até à da Irlanda-Escócia, limite setentrional do último máximo glaciário (16.000 a. C.), cujos gelos chegaram a atingir, em determinadas paragens, cerca de dois quilómetros de espessura. Com efeito, Platão que comparara a Atlântida à Ásia e à Líbia juntas (i. e., um território aquém das Colunas de Hércules), omite qualquer referência ao litoral atlântico europeu e norte-africano (actual Marrocos), eventualmente porque Atlantis compreenderia tais regiões, sitas além dessa autêntica e misteriosa fronteira finistérrica do mundo antigo. O nível do oceano, então inferior ao actual mais de uma centena de metros (entre -140 e -160 metros), expunha quase por completo as plataformas continentais. Por seu turno, o litoral atlântico europeu estendia-se para ocidente, em certos casos, algumas centenas de quilómetros, tornando continentais até as actuais Ilhas Britânicas: era possível ir do golfo do Morbihan até Inglaterra a pé enxuto; Brest distava quatrocentos quilómetros da costa e Londres setecentos! E também nesta região subsistem relatos lendários acerca de drásticas súbidas da maré e de cidades engolidas pelas águas, como Ker-Is ou Ys, (segundo a lenda bretã, situada entre a Armórica e o monte de Saint Michel, na Cornualha), e Lyonesse (que se diz ter existido entre a Cornualha e as ilhas Scillies, unindo 426

este arquipélago do Sudoeste de Gales com o cabo do Fim do Mundo). A catástrofe que destruiu a Atlântida foi, eventualmente causada pelo impacto de um cometa ou de um Objecto Apolo (espécie de asteróide, cujo periélio é contido pela órbita da Terra) em pleno Atlântico ou, mais provavelmente, nas Antilhas (próximo de Porto Rico). Fenómenos congéneres, muito mais frequentes do que se julgava até há cerca de meio século, quando passaram a merecer a atenção dos geólogos, são susceptíveis de provocar efeitos cataclísmicos à escala planetária se produzidos por corpos de envergadura superior a 20 quilómetros. Nessas circunstâncias, além da inevitável e morfologicamente variável cratera, dar-se-ão explosões atmosféricas (com repercussões perniciosas sobre o clima e a biosfera terrestre), originando-se, no caso de a queda ocorrer no mar, vagas-maré e tsunamis de intensidade proporcional à magnitude, velocidade e trajectória do impacto (este género de ocorrências terá causado a extinção em massa dos dinossáurios, bem como de inúmeras outras espécies). O cenário decorrente do evento, que se estima ter tido lugar ca. 10.000 a. C., ter-se-á caracterizado pelo aquecimento global do planeta, o qual provocou uma deglaciação abrupta, em virtude da qual se assistiu à instantânea devolução aos oceanos das águas retidas no gelo formado durante a glaciação Wurm. A súbita e inesperada vaga-maré, resultante do impacto, terá atingido o litoral europeu com um frangente ou crista de dimensão estimada em 500 metros de altura, formando uma colossal massa de água de incalculável capacidade devastadora. Em consequência da inundação diluviana que originou a lenda do afundamento, o conjunto de povos que habitava a Atlântida terá sido afectado por sucessivos desastres orogénicos, acompanhados por transgressões marinhas, erupções vulcânicas e alterações climáticas (junto à plataforma continental portuguesa, o nível do mar atingiu a cota actual entre 3000 e 1000 a. C., aproximadamente). As comunidades mesolíticas, surgidas de tais convulsões como uma aurora brusca, poderão ser justamente consideradas a sua solução de conti-

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Mapa paleogeográfico do Estreito de Gibraltar e etapas da transgressão finiglaciária (Collina-Girard) Na sequência do aquecimento global que pôs fim à derradeira glaciação, há cerca de 19.000 anos, o nível oceânico (-135 ou -140 metros) começou a subir, tendo atingido um pico de aceleração há 14.000 anos (Melt Water Pulse 1A) e outro há 11.400 anos (Melt Water Pulse 1B), decrescendo de ritmo por volta de 9.000 a. C. (-55 metros), apesar da persistência do fenómeno. O nível das águas estabilizaria cerca de 6.000 a. C. Nesse interim, a paleo-paisagem da região e do planeta modificara-se radicalmente. A passagem muito mais estreita e mais longa que a actual desembocava num mar fechado de 80 km de comprimento por 20 km de largo, espécie de antecâmara oceânica. Em qualquer mapa batimétrico dessa região exterior do Estreito de Gibraltar pode observar-se um grupo de 7 ilhas submersas, denominado Banco de Majuan ou The Ridge (que o geólogo francês Collina-Girard renomeou Ilha Spartel), outrora emersas, aqui identificadas com o pélago descrito por Platão. A grande ilha central do arquipélago achava-se exactamente diante do Estreito. Os cumes desta ilha, que culminam actualmente a -56 metros, foram submergidos há 11.000 anos, i. e., 9.000 anos antes de Platão.

nuidade. É consensual, de resto, a assunção de que na raiz do Mesolítico, época de transição entre o Paleolítico e o Neolítico, está um fenómeno geoclimático (o qual inaugurou uma nova era geológica, denominada Holocénico) e de que os grupos humanos que sofreram tal tribulação se viram confrontados de forma duradoura (durante mais de dois milénios) com rápidas e profundas e alterações biofísicas que afectaram o equilíbrio bioclimático, gerando o declínio dos recursos alimentares, bem como inúmeros outros efeitos, cuja verdadeira amplitude ainda não logrou uma cabal interpretação. Para se fazer uma pálida ideia da dimensão brutal do fenómeno, convém recordar que o tsunami que se seguiu ao terramoto ocorrido no dia 26 de Dezembro de 2004 no Sudeste asiático, atrasou o movimento de rotação da terra em cerca de três microsegundos, tendo provocado uma tal oscilação das placas tectónicas que a

ilha de Sumatra se deslocou vinte metros para Sudoeste da sua anterior localização! Além disso, provocaria, ainda, a inesperada e insólita revelação de considerável número de estruturas pertencentes à lendária cidade de Mahabalipuram, outrora (séc. V a VIII), importante metrópole portuária, situada no litoral de Tamil Nadu (distante de Madrás cerca de 35 quilómetros), a qual havia sido «engolida» por outro tsunami verificado 1.200 anos antes! Platão retrata o estado deplorável das humanidades vítimas de tais calamidades globais, sublinhando o efeito regressivo desses eventos na civilização. As imagens que usa são-nos familiares, quase televisivas: «Quando, […] os deuses submergem a terra com as águas, para purificá-la, os habitantes das montanhas, boieiros e pastores, escapam da morte, mas os que vivem nas cidades são arrastados pelos rios para o mar. […] as torrentes de água do céu, de novo caem sobre 427

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Recapitulação sucinta dos principais tópicos abordados por Platão no decurso do relato sobre a Atlântida (Timeu e Crítias). – Ambos os diálogos, Timeu e Crítias, baseiam o seu argumento num relato transmitido a Sólon, um dos Sete Sábios da Grécia, por sacerdotes egípcios que se exprimiam no idioma do seu país, para o qual havia sido traduzida a nomenclatura atlante. Para torná-la compreensível aos seus compatriotas, Sólon viu-se compelido a retrovertê-la para grego (Crítias, 113-113b). A destruição da Atlântida terá impressionado deveras os egípcios de uma forma geral, mas, muito particularmente, Psenophis de Heliopolis e Sonchis de Saís que transmitiram, cerca de 590 a. C., o relato a Sólon, o qual o anotou traduzindo os nomes da língua egípcia para a grega. Exemplo paradigmático disso é a circunstância de o deus helénico Atlas, que emprestou o nome à ilha da Atlântida, ser o correlato da divindade egípcia Shu, descendente de Nun, à semelhança de Poseidon, deus do Oceano. Assim, não surpreende que as Colunas ou Estelas de Shu dos egípcios, tenham sido transformadas pelos helenos nas Colunas de Atlas, ulteriormente de Hércules. Platão refere que Atlantis significava, na língua indígena ou autóctone (epichoriôn), ilha-península daquele que «transporta, carrega ou sustém algo sobre si». – Platão dá o nome de Atlântida a uma ilha (Atlantis nêsos) situada num pélago (Atlantikou pelagous) (Timeu, 24d). Platão jamais chamou continente à Atlântida, antes a designou por nêsos, termo adoptado pelos helenos quer para nomear uma ilha, quer como sinónimo de península (como em Peloponeso). Isto porque, ao tempo, o empório atlante abrangeria todo o litoral atlântico da Europa, até à latitude da Irlanda-Escócia, sendo descrito e representado como uma vasta península ou promontório, culminando na Ibéria, a Sul. Por outro lado, pélago, significa em Platão pântano, águas pouco profundas, onde coexistem ilhas (um arquipélago), separadas por canais ou braços de mar. Platão, jamais usou a palavra Okeanos no Timeu e no Crítias. De facto foram os seus tradutores que traduziram os termos gregos para mar, pelagos e pontos, por oceano, condicionando a localização da ilha em pleno Atlântico. – A ilha da Atlântida, situava-se diante da embocadura das Colunas de Hércules. Dela podia então passar-se para as outras ilhas que constituíam o arquipélago, sito num autêntico mar, e a partir delas alcançar uma terra firme, que o circundava, a qual, adverte Platão, «com toda a propriedade» se podia chamar um continente (Timeu, 24d-25). Para ser rigoroso na localização do arquipélago que defrontava as Colunas de Hércules, Platão usa a voz grega pro (tou stomatos), a qual significa, precisamente diante de (da embocadura). De resto, Platão descreve o Estreito de Gibraltar justamente com o aspecto que terá tido há 11.000 anos. O texto platónico deixa muito claro que antes do afundamento o Estreito era navegável e podia ser atravessado. A passagem muito mais estreita e mais longa que a actual desembocava a Oeste num mar interior (de aproximadamente 80 km de comprimento por 20 km de largura máxima) que precedia o Oceano Atlântico. A terra firme que circundava esse autêntico Mediterrâneo em miniatura, frequentemente (mas abusivamente) interpretado como o continente americano, corresponderia às plataformas continentais africana e europeia então emersas, em virtude do nível das águas ser inferior, e formaria, à data, uma espécie de ponte ou istmo natural, unindo a Ibéria à África. Uma vez ultrapassada essa ilha-península, espécie de dique natural, seria possível singrar em pleno Oceano Atlântico, para Sul (África) e para Norte (Europa). Pesquisas geológicas e subaquáticas recentes autenticam a paisagem descrita, porquanto há 11.000 anos havia, de facto, terras emersas na zona imediatamente diante das Colunas de Hércules. – Desejando proteger Clito, Poseidon isolou, fortificou e embelezou o centro da ilha da Atlântida, tendo edificado em torno da sua Acrópole, para defesa desta, cinco fossos concêntricos (três de terra e dois de água. alternados), de molde que fossem intransponíveis para os humanos que ainda não sabiam navegar nem dispunham de embarcações para esse fim (Crítias, 113d-113e).

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Na ilha principal de Atlantis encontrava-se sedeada a capital Poseidonis, em cujo centro existia uma Acrópole. Sita no meio de uma ampla planície, medindo 3.000 estádios de longitude por 2.000 de latitude, essa ilha achava-se protegida dos ventos setentrionais por um arco de montanhas. Na Acrópole, rodeada por 5 anéis ou fossos concêntricos, edificou Poseidon um templo que lhe era dedicado, bem como a sua mulher Clito. – Poseidon e Clito geraram cinco pares de gémeos masculinos, que educaram e pelos quais distribuíram as dez regiões ou comarcas em que dividiram o Império atlante. Ao primogénito, Atlas, coube a ilha da Atlântida e a suserania sobre os restantes nove irmãos, doravante seus vassalos, apesar da autoridade que detinham sobre o território vasto que haviam herdado e respectivos habitantes. O gémeo de Atlas, nascido depois dele, obteve em partilha o promontório junto às Colunas de Hércules, cerca da região chamada hoje Gadírica, nome este que lhe adveio do helénico Eumelo, que se traduzia no vernáculo dos autóctones por Gadiro. Aos da segunda geração, chamou, a um, Anfero, e ao outro Evaimon. Aos da terceira geração, deu o nome de Menesias ao primeiro, e de Autóctone, ao segundo. Aos da quarta chamou Elasipo e Mestor, respectivamente. Os da quinta, foram baptizados Azaes e Diaprepe (Crítias, 113e-114c). A ilha-península da Atlântida (a Atlântida inteira = nhsos pasan), dividida em dez comarcas ou regiões (mhros) para serem herdadas e governadas pelos dez filhos de Poseidon e Clito poderão ter sido transformadas nas Dez Cassitérides dos povos do Mediterrâneo, após a vitória destes sobre os atlantes. Do nome de Atlas já conhecemos o significado. Eis os dos seus irmãos: Eumelo (Gadiro) = que tem muitas e magníficas ovelhas; Anfero = disputado (aquele que ocupa ambas as partes ou lados, dos Pilares de Hércules?); Evaimon = feliz ou afortunado; Menesias = reminiscência; Autóctone = indígena; Elasipo = cavaleiro, escudeiro que anima os corcéis; Mestor = que serve de limite, marco; Azaes = o seco, o árido, fuligem, negrura, de corpo queimado, sujidade; Diaprepe = distinto, notável, ilustre. – O texto platónico duas vezes assegura que a ilha da Atlântida era muito mais poderosa do que a Líbia e a Ásia reunidas (Timeu, 24e; Crítias, 108e). Os reis atlantes exerciam o seu domínio não apenas sobre Atlantis, mas igualmente sobre numerosas outras ilhas e ainda sobre algumas regiões da Europa. Na bacia do Mediterrâneo dominavam da Líbia até ao Egipto e da Península Ibérica até à Itália (Timeu, 25-25b). A ilha da Atlântida ocupava o epicentro do Império Atlante. Os atlantes possuíam língua e escrita próprias; edificavam canais, pontes, aquedutos, termas, templos e casas; conheciam a abóbada e a cúpula; erguiam muralhas circulares em torno das suas cidades e hipódromos; construíam navios e portos; além de Poseidon, cultuavam o touro, o cavalo e o golfinho. Os soldados hoplitas atlantes usavam escudos circulares, elmos, lanças, couraças, arcos e carros de combate, constituindo uma poderosa força de elite. Os atlantes, foram creditados pelos sacerdotes egípcios como detentores de uma brilhante civilização, capaz de competir com outras talassocracias pela supremacia do Mediterrâneo. – Na Atlântida abundavam os animais domésticos ou selvagens de todas as espécies imagináveis, os quais tinham à disposição as pastagens mais férteis. Para todos eles, incluindo o elefante, «o maior e o mais voraz de todos os animais», e muito numeroso, segundo Platão, «o pélago transbordava de alimentos» (Crítias, 114e-115). A curiosidade maior deste trecho do Crítias reside na referência ao elefante, o único animal, dos muitos de todas as espécies que existiam no pélago, que é expressamente nomeado, neste contexto. Ora, sabe-se que desde o Miocénico até ao Plistocénico, i. e., até ao cataclismo que destruiu Atlantis, os proboscídeos estiveram abundantemente representados no litoral ocidental da Península Ibérica. São, aliás, muito frequentes os vestígios deles, quer em contexto geológico, quer arqueológico, nas penínsulas de Setúbal e de Lisboa, com relevância para a bacia do Tejo: Carregado, Esteiro da Princesa, Quinta da Farinheira e 12 outras estações da Várzea de Loures (Santo Antão do Tojal, Loures), Gruta da Figueira Brava (Arrábida),

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Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão), etc.. O problema que se coloca aos paleontólogos consiste em apurar as circunstâncias que condicionaram o seu abrupto desaparecimento (leia-se extinção) na região, exactamente durante a brevíssima transição (apenas algumas décadas) do Dryas recente para o Holocénico, i. e., contemporaneamente ao cataclismo que vitimou a Atlântida. – Segundo o relato de Crítias, nove mil anos antes do seu tempo, a ganância dos reis atlantes degenerados desencadeou uma guerra que opôs uma confederação formada pelos povos que habitavam além das Colunas de Hércules, chefiada pelos reis da ilha da Atlântida, a outra, liderada por Atenas, que integrava aqueles que viviam aquém delas. Valeu o heroísmo dos atenienses, a quem, alegadamente, coube aniquilar essa potência «que vinha de um outro mundo situado no arquipélago Atlântico» (Timeu, 24e; Crítias, 108e; 120e121). No espaço de um dia e uma noite todos os combatentes (atlantes e atenienses) foram submergidos de uma só vez, juntamente com a ilha que desapareceu, afundando-se no mar (Timeu, 25c). Nove milénios antes de Platão, os reis atlantes não conseguiram refrear os seus ímpetos expansionistas, e aliados a diversos povos do Mediterrâneo ocidental, eventualmente seus súbditos, marcharam contra as nações do Mediterrâneo oriental (Mare Nostrum), designadamente a egípcia e a helénica, com o objectivo de as subjugar. A tais povos, oriundos do extremo ocidente, que penetraram no Egipto pelo Nilo, atribuiram os egípcios a denominação de Watchantyu ou Uchantyu, i. e., Povos do Mar. Defrontaram-nos numa série de grandes batalhas que se acham narradas nos hieróglifos do templo de Djamet (Medinet Habu), mandado erigir por Ramsés III. Quanto a Atenas, fundada por Cecrops, avô de Erechtheus (segundo as fontes clássicas, nascido de Hephaistos e Gaia), o qual fundou Saís, no Egipto, 1000 anos depois, os seus alvores míticos confundem-se com a época do conflito que opôs os atenienses aos eleusinos, justamente os mesmos Povos do Mar que a que os egípcios se reportam. Os atenienses terão devolvido, progressivamente, a liberdade aos povos que haviam sido subjugados pelos atlantes, obrigando estes a recuar até Poseidonis, seu derradeiro bastião. Foi aí que os guerreiros de Atenas foram surpreendidos pelo tsunami que destruiu a ilha da Atlântida, tendo perecido todos (edu kata tês gês, literalmente, foram enterrados ou sepultados debaixo da terra). Depreende-se outro tanto de passagens da Topographia Christiana, de Titus Flavius Clemente (séc. III) e dos Stromatum, de Cosmas Indicopleustes (séc. VI). É este um dos pontos de maior discordância dos hermeneutas modernos com o filósofo ateniense, porquanto consideram totalmente anacrónica a cronologia por ele proposta, uma vez que, as suas próprias cronologias ditam a impossibilidade de tal conflito, bem como a concretização de um feito da envergadura do cometido por Atenas no final do Paleolítico. Em contrapartida, ajustam esse evento ao Bronze Final, fazendo coincidir com ele as origens míticas de Atenas, entre 1.582 e 1.387 a. C., que o mesmo será dizer, cerca de 1.033 a 838 anos antes do tempo de Sólon. Um dos mais estrénuos defensores dessa opinião é Georgeos Diaz-Montexano, para quem a época de Cecrops (1581 a. C.) remontaria apenas a cerca de 900 anos antes do tempo dos interlocutores dos diálogos platónicos, jamais a 9.000, como assevera Platão! Efectivamente, só violentando a coerência narrativa do Timeu e do Crítias, seria possível situar o conflito em cerca de 1.460 a. C., de facto, em pleno apogeu de diversas outras civilizações mediterrânicas, porém completamente à revelia de Platão, e contrariamente à ordem dos eventos. – O colapso da ilha da Atlântida é atribuído a repetidos sismos de grande intensidade (seismôn exaisiôn) que originaram inundações extraordinárias e, concomitantemente, provocaram o seu afundamento no espaço de um dia e de uma noite. Em consequência dos «fundos lodosos que a ilha criou ao submergir-se», o pélago tornou-se impraticável para a navegação, situação que se mantinha na época da redacção dos diálogos Timeu e Crítias, 9.000 anos volvidos sobre a ocorrência do cataclismo, período durante o qual diversos outros «terríveis dilúvios» ocorreram na mesma região (Timeu, 25c-d; Crítias, 108e-109; 111-111b). A capital do empório atlante seria destruída em consequência de diversos sismos de grande magnitude que acabaram por desencadear um cataclismo (kataklusmôn genomenôn), expressão que os helenos usavam quando pretendiam reportar-se a qualquer tipo de dilúvio ou inundação de dimensões invulgares (muito provavelmente um tsunami). O cataclismo inesperado submergiu apenas a ilha da Atlântida, não a totali-

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dade de Atlantis, circunstância que teria levado Platão a escrever hê te nêsos Atlantis, em vez de usar a frase hê te Atlantis nêsos, justamente aquela que ocorre no seu texto. Os fenómenos imediatamente decorrentes da submersão e os subsequentes eventos telúricos, associados a tsunamis, recorrentes no período de 9.000 anos, tornaram intransponível toda a área do pélago, mantendo-o interdito à navegação ainda no tempo de Sólon. De facto, o cataclismo alterara radicalmente a paleo-paisagem, ora constituída por marismas e terras semi-inundadas. As plataformas continentais africana e europeia, que antes formavam, uma espécie de ponte ou istmo natural, unindo a Ibéria à África e protegendo o mar interior que continha o pélago, também haviam sido sujeitas à erosão induzida por sucessivos sismos e tsunamis, tendo-se rompido e ficado submersas. Díaz-Montexano sustenta que a ilha da Atlântida se afundou cerca de 3.200 ou 3.300 anos antes do tempo presente (Bronze Final) e não no final do Paleolítico, como escreve Platão. Empenhado como está, em formatar o texto platónico à medida da sua tese, remete para o final da Idade do Bronze o cataclismo, alegando que Solón terá entendido mal o número de anos decorrido desde o afundamento da ilha da Atlântida: 900 e não 9.000. Desse modo, torna concomitantes o afundamento da Atlântida e o dilúvio de Deucalião, o qual, segundo os seus cálculos teria ocorrido entre 1.574 e 1.480 a. C. (cerca de um milénio antes de Sólon). Além disso, o dilúvio de Deucalião não tendo sido uma banal inundação, porquanto cobriu colinas, atingindo os cumes das montanhas, não é comparável em magnitude ao cataclismo que destruiu a Atlântida. Porém, mesmo concedendo que Sólon tivesse sido vítima de um erro de interpretação do sentido da narrativa dos sacerdotes egípcios, Diáz-Montexano é contraditado pelo próprio texto platónico que diz, expressamente: «os terramotos e o dilúvio [que afundaram a ilha da Atlântida], que foi o terceiro antes da catástrofe do tempo de Deucalião, aconteceram ao mesmo tempo» (Crítias, 112)! Como se não bastasse, as evidências geológicas, reveladas pelo geólogo francês Jacques Collina-Girard, invalidam irremediavelmente, não apenas essa, mas todas a teses passadas, presentes ou futuras que façam remontar a destruição da Atlântida ao final da Idade do Bronze. Durante o máximo glaciário (17.000 a. C.) o nível oceânico que se achava à cota -135 ou -140 metros, deixava completamente emersa a ilha renomeada de Spartel por Collina-Girard. A transgressão acelerada ocorrida em 9.400 a. C. submergiu-a definitivamente, bem como a outra das duas maiores ilhas e testemunhas residuais do arquipélago (a uma cota de -56 metros), cujas demais ilhotas (entre -80 e -130 metros) já haviam sido tragadas pelo mar. Em abono da tese de Collina-Girard vem o geólogo e geofísico Marc-Andre Gutscher da Universidade da Bretanha Ocidental (Plouzane, França), cujas pesquisas revelaram a existência de um depósito sedimentar na ilha Spartel, atribuível a um terramoto e consequente tsunami, contemporâneos do cataclismo ao qual Platão assaca a destruição da Atlântida. Porém, até os dados carreados pela biologia marinha concordam com os constatados pela geologia e pela geofísica. Efectivamente, o recuo ou avanço dos recifes e bancos coralíferos acompanha as descidas ou subidas oceânicas, constituindo por esse motivo um excelente indicador dos níveis marinhos. Constituídos por carbonatos, os organismos em apreço são analisáveis pelo método do Carbono 14 (C14) e confirmam exactamente as mesmas etapas na subida das águas que submergiram o paleo-Estreito de Gibraltar. Por seu turno, amostras recolhidas no estuário do Guadiana permitiram, em 2002, corroborar localmente o mesmo fenómeno. Estudos recentes, concluíram que a região desde o Estreito de Gibraltar e do Golfo de Cádis, até ao Cabo de S. Vicente integra um dos focos mais activos de geração de terramotos submarinos e tsunamis, de que o mais recente e destruidor exemplo foi o de 1755, em virtude de constituir um dos pontos de máxima pressão entre a união das placas tectónicas africana e europeia, de resto coincidente com uma grande falha transformante (Gibraltar-Madeira-Açores). Os estudos de Marc-Andre Gutscher sobre os sedimentos de turibite detectados na mesma área evidenciam a ocorrência de, pelo menos, oito terramotos na região, desde o afundamento de Atlantis. Também neste particular, para desespero e vergonha de muitos dos seus soi-disant hermeneutas, Platão não pode ser acusado de efabulador! Aliás, o rigor da informação que deixa transparecer possuir no Timeu e no Crítias quanto à história da humanidade e da própria Terra durante os nove milénios que separavam o seu mundo do do cataclismo atlante, não deixa de surpreender-nos, face às incomensuráveis lacunas do nosso conhecimento relativamente ao mesmo período, já ironicamente explanadas pelo filósofo. Não resisto a recordar o trecho do Timeu onde o faz: «[…] Faetonte, filho do Sol que, atrelando um dia o carro de seu pai, mas não sabendo mantê-lo no caminho paternal, queimou tudo

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quanto havia sobre a terra, e ele próprio morreu atingido pelo raio, como se diz na lenda. Esta tem, é certo, a aparência de uma fábula, mas a verdade que encerra é a de que os corpos que circulam no céu, em volta da terra, desviam-se da sua trajectória, e com grandes intervalos de tempo, há uma destruição de tudo que está à superfície da terra, pelo excesso de fogo. Então todos os habitantes dos montes, dos sítios elevados e secos, morrem em maior número do que os habitantes da beira-mar. Nós temos o Nilo, nosso salvador fiel, que em tais casos nos protege, livrando-nos dessa calamidade, em consequência das suas cheias. […]» (22c22d). Ora, o mito de Faetonte, interpretado por antropólogos e mitólogos, por confusão com a de Prometeu, como uma fábula alusiva a um acto civilizacional, a dádiva do fogo à humanidade, assume um registo particularmente distinto no texto platónico, bem como na generalidade dos autores clássicos. O discípulo de Sócrates invoca intencionalmente o filho de Hélios e da ninfa Clímene, para descrever a típica colisão de um corpo celeste com a Terra e o evento cataclísmico decorrente de tal impacto. Não sendo peremptória essa relação, não será, no entanto, lícito especular que Platão poderia estar a reportar-se a mais um dos distintos factores condicionantes do afundamento da Atlântida? Admito que sim, dada a amplitude do desastre. Socorro-me, nesta instância, das conclusões de Alexander Tollmann, professor do Instituto de Geologia da Universidade de Viena, o qual, tendo comparado numerosos mitos de grandes dilúvios que ocorrem em todas as civilizações, verificou, na totalidade dos casos, e especialmente no associado à destruição da Atlântida (9.600 a. C.), que as evidências geológicas o faziam coincidir com o impacto de um cometa. Duas das suas descobertas são cruciais na avaliação do episódio e referem-se: A. Ao padrão de dispersão das tectites, fragmentos de rocha fundida projectada em consequência dos impactos. As concentrações que registou, em diferentes regiões do globo, todas contemporâneas do evento descrito por Platão, sugerem que a Terra foi atingida por sete fragmentos de grandes dimensões, bem como por inúmeros de menor dimensão; B. O aumento súbito de Carbono 14 em árvores fossilizadas, remontando à mesma época, fenómeno só justificável pela destruição da camada de ozono por um cometa. Desta constatação se infere a fraca fiabilidade das datações por C14, tão acarinhadas pelos arqueólogos, em geral, e pelos arqueólogos nacionais, em particular. Efectivamente, por si só, a velocidade da transgressão marinha em curso, cerca de 9.600 a. C., de aproximadamente 2,50 metros por século, estava longe de ser dramática, não correspondendo ao cenário cataclísmico descrito por Platão, mesmo se acrescida dos efeitos do tsunami decorrente dos sismos intensos registados. O tsunami do Sudeste Asiático, em 2004, atesta o afirmado. Collina-Girard aponta a possível cedência de diques e das muralhas circulares de Poseidonis, como responsável pela dimensão do desastre, recordando o caso recente de Nova Orléans (EUA).

vós, e não deixam sobreviver de vós, senão os homens rudes e ignorantes, de modo que vos encontrais de novo, no ponto de partida, e como as crianças, nada sabendo do que se passou nos tempos antigos. Porque essas genealogias, que ainda agora recitavas, dos teus compatriotas, Sólon, não diferem muito dos contos de amas de leite. Em primeiro lugar não vos lembrais senão de um único dilúvio universal, quando antes houve muitos […]» (Timeu, 22d-23b). Uma vez minimamente estabilizado o nível médio dos mares, o clima, bem como os demais factores indispensáveis à sobrevivência humana, imediatamente o hiato sedimentar seria interrompido, assistindo-se à adopção por parte das populações do ocidente peninsular de padrões de organização comunitária que denotam um notável grau de sofisticação. É nesse 432

contexto que os denominados *concheiros ganham enorme relevância testemunhal, porquanto ao invés da tese que faz escola há mais de uma centúria (desde aproximadamente 1863, quando foram detectados os de MUge!), tais estruturas não são meras concentrações caóticas de conchas («restos de cozinha, lançados a esmo durante largos períodos de tempo»!!), antes lugares de tumulação ritual e de culto aos defuntos de uma humanidade cuja persistente relação com a água e respectivos recursos parece não merecer contestação, até pela ocorrência da denominada cerâmica cardial (decorada com a concha do Cardium edule), ainda em contextos de transição do Mesolítico para o Neolítico Antigo português. Na Gruta do Caldeirão (Tomar), por exemplo, foram encontrados pendentes fabricados a partir de con-

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O Banco Spartel A Noroeste do Cabo Spartel, o Banco Majuan ou Banco Spartel das cartas batimétricas espanholas, The Ridge, das cartas inglesas, orientado NE-SW, foi, outrora, uma ilha (14 km de comprimento por 5 de largura), cujo cume se acha, actualmente, à profundidade de -56 metros. Essa ilha fazia parte de um arquipélago, constituído por um total de 7 ilhotas, 3 das quais, se localizavam a Norte da ilha maior, entre ela e a Península Ibérica. A passagem do Mediterrâneo para o Atlântico, muito mais estreita do que a actual, prolongava-se para Oeste, em virtude da emersão das plataformas continentais europeia e africana. A ilha do Cabo Spartel defrontava esta goleta que abria para uma enseada protegida das vagas oceânicas pelas 3 restantes ilhotas que formavam o arquipélago, com uma extensão aproximada de 80 km na direcção Leste-Oeste e de 20 de largura máxima na direcção Norte-Sul.

chas de Glycymeris glycymeris e de Hinia pfeifferi, seguramente provenientes do litoral, o que, se confirma uma grande mobilidade das populações e a existência de contactos inter-regionais e a longa distância para obtenção de matérias-primas e artefactos, também serve à demonstração da possibilidade de algumas dessas deslocações sazonais serem orientadas para os cabos ocidentais. A concretização de visitas desse tipo daria ensejo à obtenção de objectos consagrados por parte dos viajantes, no caso vertente fauna malacológica, como a vieira (Pecten maximus Lineu), ainda hoje obrigatoriamente recolhida pelos peregrinos de Santiago de Compostela. Tais deslocações persistiam em pleno Calcolítico, uma vez que têm sido exumadas de estações arqueológicas da Estremadura portuguesa, atribuídas a esse período, diversas conchas perfuradas e afeiçoadas de espécies (Patella safiana, Conus pulcher, etc.) oriundas do longínquo Sul de Marrocos e das Canárias. Nessa

perspectiva, as conchas (e não apenas as que ficaram por abrir) ritualmente depostas sobre os despojos fúnebres encontrados em concheiros seriam, realmente, uma forma de mantimento, porém, destinado ao além e não a esta vida. Creio mesmo tacitamente demonstrada a crença dos homens e das mulheres dos concheiros na imortalidade individual, se não como explicar os cadáveres em posição fetal, os dispostos em semicírculo (sem sobreposições) como no concheiro de Vale de Romeiras, os circundados por fogo ligeiro, ou os polvilhados com ocre vermelho, um substituto do *sangue, substância que os espíritos buscam avidamente? Aliás, o integrismo funcionalista da generalidade das teses arqueológicas a respeito do Mesolítico, consagrado, por exemplo, na caracterização dos micrólitos geométricos, sua utensilagem mais característica (fabricada, designadamente, em quartzo leitoso, esbranquiçado, hialino, ou mesmo em quartzite), como probatória da in433

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Cerâmica cardial de distintos arqueosítios portugueses.

Concheiro individual exumado no Cerro de Alcaria do Pocinho (Cacela).

volução dos seus fabricantes e utentes ou da época de recessão em que viviam, suscita-me uma dúvida: será que os epígonos de tais teses também consideram a sua própria uma época de involução e de recessão, simplesmente em virtude da omnipresença de transistores e de chips no seu quotidiano? Sendo o padrão de distribuição do Neolítico Antigo português, excluídos os concheiros do Tejo (Moita do Sebastião, Cova da Onça e Cabeço da Amoreira) e Sado (Cabeço dos Pez e Poças de São Bento), fundamentalmente costeiro (Figueira da Foz, São Julião, Vale Pincel I, Salema, Cabranosa, etc.) que se poderá inferir da sua detecção em grutas estremenhas e da península de Setúbal (Almonda, Ministra, Caldeirão, Buraca Grande, Lapa do Suão, Furninha, Casa da Moura, Salemas, etc.)? E entre os testemunhos mais antigos da Arte do Vale do Tejo? Ou em pleno Alentejo: na Gruta do Escoural (Évora); no complexo de menires e cromeleques edificado no corredor Montemor-Évora-Reguengos de Monsaraz, igualmente datável, segundo o arqueólogo Manuel Calado, do mesmo período; e até em contextos dolménicos, em cujos espólios ocorrem com frequência o micrólito trape-

zoidal tardenoisense e um bracelete redondo produzido a partir da concha bivalve Glycemeris glycemeris?. Uma das soluções mais plausíveis apontará as populações mesolíticas das penínsulas de Lisboa e de Setúbal como responsáveis pela colonização e neolitização do interior alentejano, explicada por Manuel Calado «pela deslocação temporária [dos segmentos mais activos das populações dos concheiros], provavelmente no âmbito de um calendário ritual». Quem seriam, então, essas populações dos concheiros, supostamente primitivas, porém capazes de singulares proezas tecnológicas (micrólitos geométricos) e arquitectónicas (*megalitismo), cuja concepção e concretização denuncia conhecimentos astronómicos que desafiam o obscurantismo pedante e a hipocrisia dos adeptos do corporativamente estatuído? E, questão não menos pertinente, qual o motivo por que as actuais penínsulas de Lisboa e Setúbal assumiram um papel tão preponderante no processo, aparentemente, liderado pelas supracitadas comunidades? Radicais indígenas (CN ou KN) persistiram na nomenclatura adoptada por gregos e latinos para transliterar os fonemas bárbaros pelos quais se nomeavam os descen-

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ATLÂNTIDA dentes dos atlantes. Assim, aos povos saídos do cataclismo, por conseguinte provenientes do mar ou do lugar onde o mar (OKeaNos) está, chamaram os gregos [O]CoNi[i] ou [O]KyNetes, os oceânicos, aliados de Poseidon. De resto, o paralelismo entre o texto platónico e as condições peninsulares é evidente. A riqueza em metais (ouro, estanho e cobre), a abundância de vegetação e produtos naturais, a quantidade de cavalos e a importância cultual do touro, a influência do Zéfiro proveniente do Oceano, os jogos gímnicos e hoplíticos e as navegações dos oestrymnicos, são apenas alguns dos aspectos a considerar. O Professor Mendes Correia considera até que o nome de Elasippos, um dos filhos da quarta geração de Poseidon e Kleitos, constitui nos diálogos do discípulo de Sócrates uma menção expressa a Lisboa. Tragada a pátria dos antepassados pela água viva, recuada a linha de costa, a reminiscência do paraíso perdido impele os povos para as terras que mais avançam pelo oceano dentro. Os promontórios tornam--se objecto de veneração, sítios cuja magia atrai e onde o mistério é segredado aos iniciados. Os círios parecem consubstanciar um tal apelo, cuja intensidade perdura na actualidade, apesar de perdidas as referências indispensáveis à sua descodificação consciente. Um dos exemplos mais flagrantes do afirmado é a concentração na Igreja Nova (Mafra), localidade vizinha e herdeira do Lexim, da incumbência de respeitar diversas «promessas colectivas», assumidas num passado necessariamente longínquo, com as titulares de diferentes santuários (Ameixoeira, Cabo, Nazaré, etc.), as quais obrigariam a grandes deslocações e permutas cíclicas com «santuários intercalares» de comunidades irmanadas, a que nenhum clã ou família se poderia eximir, sob pena de comprometer a vitalidade, harmonia e coesão da gens correspondente. As lendas de fundação que legitimam tais devoções associam, invariavelmente, essas divindades tutelares (sempre femininas!) ao oceano (matriz primordial e meio amniótico materno), a mães de água ou a pedras que «destilam». Diversos locais do litoral atlântico peninsular poderão reivindicar para si

Plano de Poseidonia e da ilha-Acrópole da Atlântida 1. Hipódromos; 2. Ginásios; 3. Acrópole da Atlântida: ilha central onde se achavam o Palácio real, bem como o templo dedicado a Clito e a Poseidon; 4. Porto secundário; 5. Porto interior; 6. Porto principal; 7. Torres de vigia da goleta do canal que se abria para o mar; 8. Planície circundante.

o cenário também vagamente descrito na Menina e Moça (parte II, cap. I): «Dentro neste nosso mar Oceano, que aqui logo perto entra este rio, contam que havia naquele tempo uma ilha tão abundante e tamanha em terras, rica em cavalos, que dali todo o mundo quase senhoreava: Falavam dela maravilhas grandes». Porém em nenhum outro rincão da orla marítima ocidental essa nostalgia atingiu a densidade rastreável no território em apreço. E, nomeadamente, no Espichel, cuja vizinhança, Tubal, neto de Noé, elegeu para fundar Setúbal, iniciando assim o povoamento de toda a Hispânia, segundo a opinião divulgada por Santo Isidoro de Sevilha, acolhida na Crónica do Mouro Razis, transmitida à tradição monástica portuguesa de quinhentos e de meados do século seguinte (Frei Bernardo de Brito, Monarquia Lusitana, cap. I, XXII) e exposta por eru-

Cartela egípcia alusiva ao dilúvio (MUa).

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Porta de Alcabideche, orientada para o coelho da Pedra Branca, em plena Serra de Sintra

ditos de renome, como Manuel Faria e Sousa (Europa Portuguesa, cap. I, IX). Lendas piedosas, suplantando os marcos efémeros da história, são, como sempre foram, as custódias do mito. Em suma, se conta que uma embarcação terá sido surpreendida por terrível borrasca à vista do Cabo. Desesperados, os tripulantes lembram-se de implorar o socorro da Mãe Divina, mas o sacerdote que segue a bordo descobre que a imagem à qual desejavam endereçar as suas súplicas desaparecera sem deixar rasto. Subitamente, perante a estupefacção de todos, faz-se bonança e avistam no alto da falésia uma luz irradiante a qual, desembarcados e atingida a fonte dela, reconhecem provir da própria imagem sumida, que galgara o precipício no dorso de uma mula. Entretanto, uma velha da Caparica e um velho saloio de Alcabideche, deslumbrados também, e sem conhecimento recíproco, convergem para ali, encontrando-se no local que se havia de tornar o destino do Cí436

rio anual em honra de Nossa Senhora da Pedra da Mua. A invocação Pedra da Mua é justificada por a mula ou muar ter deixado impressas, afirma-se, as suas pegadas nas rochas sedimentares da encosta a pique. Todavia, o que nesta se observa são numerosas pistas de dinossáurios, só justificáveis no seu estado actual se autorizadas pela radical alteração da tectónica do lugar. Quem quer que tenha delineado o registo de azulejos, remontando ao século XVIII e integrado na face Sul da ermida que assinala o sítio da aparição, tencionava não deixar dúvidas quanto ao conhecimento dessa realidade e de que tal invocação se destinava a perpetuar a memória de Mu. É com sibilina ironia que se dirige àqueles cujos olhos não enxergam por não olharem para o que estão vendo, socorrendo-se do Evangelho de S. João no passo (IX, 32) que afirma: «[...] desde que há mundo nunca se ouviu que alguém abrisse os olhos a um cego de nascença». Todavia, outros indícios

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Retábulos azulejares da igreja do Monte de Caparica, reportando-se ao Dilúvio. Outrora, este templo achava-se no itinerário do círio de Nossa Senhora do Cabo, ou da Pedra da Mua.

se mostram nas localidades de origem do casal de anciãos. Com efeito, na matriz do Monte da Caparica – ou da Capa Rica que, guardando, como quer a lenda, um tesouro, encobre igualmente o segredo que lhe dá acesso – são observáveis dois retábulos azulejares os quais, significativamente, têm por tema o dilúvio universal. Por seu turno, Alcabideche não fornece menos matéria para reflexão. Um monumento erigido contíguo à Quinta dos Cinco Ventos, sob a supervisão do consagrado historiador de arte Major Santos Simões para, alegadamente, comemorar a realização em 3 de Outubro de 1965, do 1º Congresso Internacional de Molinologia e, concomitantemente, celebrar o poeta muçulmano Ibne Mucane Alisbuni, reenvia para o cerne do enigma. Numa estela votiva lê-se um trecho do Poema de Alcabideche (Portugal na Espanha Árabe, IV, p. 335-336), composto no século XI pelo homenageado: «... SE ÉS HO/MEM DECIDIDO / PRECISAS DE UM MO/INHO QUE TRABALHE / COM AS NUVENS SEM DEPENDERES DOS /

REGATOS ...». De uma análise, mesmo que superficial, ressaltará imediatamente a circunstância de a divisão silábica da palavra Moinho conferir notoriedade à sílaba MO. Contudo, até o próprio nome do poeta evocado denota a sobrevivência da tradição atlante, ou não se chamasse ele Filho, Herdeiro ou Descendente do Rei de MU, conforme o literal significado de Ibne Mucane. Entretanto, se se atender à orientação do monumento, em definitivo se poderá concluir que não é plausível invocar o acaso como pretexto para justificar tão anómalo consórcio de «coincidências». Com efeito, prolongando o eixo deste inequívoco portal na direcção da Serra de Sintra, a vista do observador será precisamente conduzida a uma das inúmeras colinas basálticas (Pedra Branca) que a constituem. Ver-se-á então confrontado com um colossal coelho megalítico (o qual há quem teime em classificar de mero fenómeno geomorfológico), relíquia astrolátrica perdurando desde há milénios numa região desde sempre associada a cultos siderais. A uma investigadora 437

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ATLÂNTIDA britânica, Vera Jane Gilbert, afigurou-se existirem analogias transatlânticas numa tal representação zoolátrica das constelações, bem como nas formas proto-linguísticas usadas para as nomear (The importance of the South-American toponomy and faunal nomenclature as evidence of the world-wide diffusion of a common ancestral tongue, in Atti del Internazionale degli Americanisti, Roma-Génova, 1972; A Transatlantic origin for the Zodiac?, in XLII International Congress of Americanists, Paris, 1976). Assim, a confirmar-se a hipótese, cada dia que passa mais consistente, da comunidade cultural entre os habitantes de ambas as margens do Atlântico, das duas uma, ou mantiveram contactos num passado difícil de precisar ou, com maior verosimilhança, são raças saídas de uma mesma humanidade expulsa em sentidos opostos do paraíso por inesperado cataclismo. Tal é, pelo menos, o que os mitos dos ameríndios deixam entrever (A. Lopes Mendes, O Oriente e a América: apontamentos sobre os usos e costumes dos povos da India Portugueza comparados com os do Brazil, Lisboa, 1892, p. 19.). De resto, no continente Sul-Americano também ocorre toponimia MU: Mu, Muaná e Muaco são rios brasileiros. Os círios que ainda hoje se realizam no aro de Mafra, abrangendo desde a região da Nazaré até ao Cabo Espichel, tudo leva a crer constituam uma homenagem ritualizada aos antepassados vitimados pelo cataclismo que provocou o afundamento de tão celebrado continente. BIBLIOGRAFIA (apenas sobre as conexões portuguesas): ALMEIDA, João de [Numa conferência realizada em Paris, no ano de 1931, afirmou que «o homem de Muge não é outro senão o homem da Atlântida»], O Espírito da Raça portuguesa na sua expansão além-mar, Lisboa, 1933 [Inclui dois mapas hipotéticos: um relativo ao Plioceno-final, outro ao Chelense do Quaternário]; idem, O Fundo Atlante da Raça Portuguesa e a sua evolução histórica, Lisboa, 1950; idem, Apenso a O Fundo Atlante da Raça Portuguesa e a sua evolução histórica, Lisboa, 1951; ANTUNES, José, Atlântida: do mito à exploração científica, in Futuro, a. 2, n. 19 (Ago. 1988), p. 9-17; BARRADAS, Lereno, As primitivas navegações oceânicas segundo a lenda da Atlântida, in Monumenta – Boletim da Comissão dos Monumentos Nacionais de Moçambique, a. 7, n. 7 (1971), p. 3-41 [«Adaptação de um extracto em preparação [de] A Atlântida no estuário do Tejo»: considera a Tarsis dos semitas distinta de Tartessus, identificando-a com Lisboa e apontando a possibilidade de os seus habitantes terem viajado até à América]; BARROSO, Gustavo, Aquém da Atlântida, Rio de Janeiro,

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1932; BERLITZ, Charles, The Mystery of Atlantis, Nova Iorque, Leisure Books, 1979; BRAGHINE, A., L’Énigme de l’Atlantide, Paris, 1952; CASTRO, Domingos Leite de, A Atlântida, in Revista de Guimarães, v. 28, n. 1-2 (Jan.-Abr. 1912), p. 5-16; idem, A Atlântida e as Dez Cassiterites, in Revista de Guimarães, v. 29, n. 3 (Jul. 1912), p. 97-115 [«A Atlântida era apenas o litoral atlântico da Europa desde o Atlas até à Irlanda; O reino de Atlas, um dos dez reinos da Atlântida, foi o primeiro, o mais importante do grupo, e o que lhe deu o nome; Os outros eram: Cádis, Cartara (Cartaya?), o Sacrum (compreendendo S. Vicente e Santa Maria), os Saefes e Cempses ao sul da Arrábida, Oliusippo, Brigância, Grã-Bretanha e Irlanda; A Grande Ilha da Atlântida não era nada mais que a Grã-Bretanha, isto é, um dos dez povos que ocupavam esse litoral; As Dez Ilhas Cassitérides eram muito provavelmente o mesmo que os Dez Reinos da Atlântida, consideradas como o conjunto do mercado do estanho»]; CAYCE, Edgar, On Atlantis, Nova Iorque, Warner Books, 1968 [Os documentos que respeitam à Península Ibérica e a Portugal estão datados de 19 de Fevereiro de 1936 (cota: 1123-1) e de 26 de Novembro de 1937 (cota: 1486-1), respectivamente: «A Entidade encontrava-se entre os atlantes que chegaram ao Egipto e viajaram para o que é agora uma região de Portugal, ou dos Pirinéus, onde os atlantes se tinham já estabelecido e construído templos […]»; «[…] em terra atlante quando os professores e os chefes da Lei do Um anunciaram a destruição próxima da Atlântida e Poseidia [sic]; a Entidade viajou […] primeiro para os Pirinéus e Portugal e depois para o Egipto […]»]; CORDEIRO, António, História Insulana das Ilhas a Portugal sujeitas no Oceano Ocidental, Lisboa Ocidental, António Pedroso Galrão, 1717; CORREA, A. Mendes [Na década de trinta realizou conferência sobre o tema em apreço, na Sala dos Capelos da Universidade do Porto, considerada notável por Virgílio Correia (1943)], Um estudo paleogeográfico, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, v. 12 (1920), p. 87-101; idem, Os Povos Primitivos da Lusitânia (Geografia, Arqueologia, Antropologia), Porto, Casa Editora de A. Figueirinhas, 1924; idem, As Novas Ideias sobre a Atlântida, in A Terra, n. 12 (Jan. 1934), p. 1-14 e n. 13 (Mar. 1934), p. 1-12; idem, A Atlântida e as origens de Lisboa, in Da Biologia à História, Porto, 1934, p. 93-157 [Reproduz conferência promovida pela Associação dos Arqueólogos Portugueses, subordinada ao título O mito da Atlântida e as origens de Lisboa (7 de Fevereiro de 1934)]; idem, Anthropologie et Préhistoire du Portugal, in Bulletin des Études Portugaises, fasc. 1 (1941) [Conferência no Centre Universitaire Méditerranéen de Nice (12 de Maio de 1941)]; CORREIA, Virgílio, Uma Conferência sobre a Atlântida, in Diário de Coimbra (17 Mai. 1943) [Reporta conferência realizada pelo professor Correns da Universidade de Goettingue (Hanover), na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, intitulada O solo submarino do Oceano Atlântico e os problemas da Atlântida, na qual concluiu «que o solo do Oceano Atlântico sofreu alterações nos últimos 20.000 anos, o que está de acordo com a lenda da Atlântida»]; COSTA, Dalila Pereira da, Atlântida, in Portugal Renascido, Lisboa, Fundação Lusíada, 2001, p. 76-78; COSTA, J. Carrington Simões da, A Geologia de Portugal, a Teoria de Wegener e a Atlântida, in A Terra, n. 9 (Mai. 1933), p. 1-16 [A teoria de Wegener legitimaria, supostamente, a identificação da Atlântida com o continente americano]; CRUZ, Frederico, Atlântida: mito ou realidade, in Boletim do Instituto de Angola, n. 36-37 (Luanda, Jan.-Jun. 1970), p. 27-46; FERREIRA,

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ATLÂNTIDA Fernanda Durão, A Terceira Atlântida, on-line [A ilha Terceira dos Açores foi a Atlântida]; FIGANIÈRE, Visconde de, Estudos Esotéricos : Submundo, Mundo e Supramundo, Porto, Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1889 [Cf. O capítulo X, n. 91: Os Atlanteanos (p. 418-424) e nota K, n. 3: Sobre o livro de Mr. I Donnelly, Atlantis: the Antedeluvian World (p. 690-691)]; FREIRE, José Manuel, A Atlântida e a Verdade (Re)Velada, Lisboa, Zéfiro, 2007 [Tese decalcada das doutrinas ocultistas do Teosofismo]; FREIRE (Mário), João Paulo, A Atlântida existiu, in Torre do Tombo... crónicas dispersas, Lisboa, 1937, p. 63-67 [Havia publicado artigo homónimo in Reporter X, n. 48 (4 Jul. 1931), p. 11-12]; FRUTUOSO, Gaspar, Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1966 [Interessam os cap. 27-31, p. 239-293]; G. ATIENZA, Juan, Los Superviventes de la Atlántida, Barcelona, Martinez Roca, 1978 [Trad. port.: Lisboa, Litexa, 1978]; GANDRA, Manuel J., Imagens e Funções Arcaicas do Eterno Feminino no Aro de Mafra, in O Eterno Feminino no Aro de Mafra, Mafra, Câmara Municipal de Mafra, 1994, p. 7-28; idem, Os Círios ou aspectos do culto da Grande Deusa na Estremadura, in Jornadas sobre Cultura Saloia (2 e 3 Dezembro de 1994), Loures, 1996, p. 85-119; idem, Cabo Espichel: ecos portugueses da Atlântida, Mafra, Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica, 2001; idem (coord.), Ecos Portugueses da Atlântida (coord. Manuel J. Gandra), Cadernos da Tradição, n. 3-4 (EquinócioSolstício 2004), Lisboa, Hugin [Além da tradução portuguesa dos diálogos Timeu (parcial) e Crítias (integral), de Platão, inclui contributos de: António Cordeiro, Gaspar Frutuoso, Domingos Leite de Castro, J.-M. Pereira de Lima, Raposo de Oliveira, Mendes Correa, Paul le Cour, Philéas le Besgue, A. R. Silva Júnior, José Lopes da Silva, Mário Saa, António Sardinha, Augusto de Vasconcelos Azevedo e Silva e Manuel J. Gandra]; idem, Atlantis: esboço de roteiro sobre as conexões portuguesas, in Cadernos da Tradição, n. 3-4 (Equinócio-Solstício 2004), p. 305-404; idem, O Círio de Nossa Senhora do Cabo Espichel: aspectos mítico-simbólicos, Sintra, Comissão de Festas do Círio do Cabo da freguesia de São Martinho, 2005; idem, Aspectos mítico-simbólicos do Círio do Cabo, in Boletim Cultural 2005, Mafra, 2006, p. 225-296; LAMAS, Maria, Arquipélago da Madeira: maravilha atlântica, Funchal, Eco do Funchal, 1956, p. 13 [«Falam as lendas duma Ilha Atlântida que Platão situava aquém das Colunas de Hércules e dizia ser maior que a Líbia e a Ásia juntas. Um dia foi essa Terra portentosa sacudida por tremenda convulsão e nela se abriram bocas de fogo que atiravam para o céu labaredas ameaçadoras e formavam caudais ardentes, que tudo consumiam por onde passavam, crescendo sempre, até à costa, como se quisessem abrasar as próprias águas. As montanhas ruíram: o mar referveu iras destruidoras e, com fragor infernal, engoliu a ilha imensa e bela como nenhuma outra. Toda a noite o mar e a terra travaram titânica batalha, soltando rugidos que enchiam os ares de pasmo e terror. Quando, na manhã seguinte, o Sol subiu de novo no horizonte, a Atlântida fora submergida. Do lendário Continente restavam apenas os píncaros mais altos das suas montanhas – ilhas dispersas em grupos no Oceano vencedor. Um desses grupos seria o arquipélago da Madeira […]».]; LE BESGUE, Philéas, Atlantes, ligures et lusitaniens, in Atlantis, n. 60 (Jul.-Ago. 1935), p. 193-195 [Artigo reproduzido, em tradução portuguesa, in Ecos Portugueses da Atlântida, p. 167-169]; LE COUR, Paul (dir.), Portugal, Açores, Atlantide, Atlantis, n. 60 (Jul.-Ago. 1935); LE COUR, Paul, Açores et Atlantide, in Atlantis, n. 60 (Jul.-Ago. 1935), p. 185-192 [Artigo repro-

duzido, em tradução portuguesa, in Ecos Portugueses da Atlântida, p. 157-166]; LEMOS, Olinda de Lima Araújo da Silva, Na rota da Atlântida: em busca do passado dos filhos do sol e do fogo, o legado dos Atlantas, subsídios para a primi-história dos Açores, s. l., 1995 [BN: HG 42566 V]; LIMA, J.-M. Pereira de, Iberos e Bascos, Paris-Lisboa, Liv. Aillaud, 1902 [Interessa o cap. IV: A Atlântida, e a civilização, tradições e affinidades ethnicas dos Atlantas, p. 49-75, praticamente no termo do qual afirma: «Admitida a existência da Atlântida, e a sua civilização antiquíssima, não é lícito duvidar, que Atlantas e Iberos foram, pelo menos, coevos e que se entroncam na genealogia dos povos da raça Turaniana, donde beberam a sua vida histórica pré-ariana, embora a família Ibérica não chegasse ao desenvolvimento de civilização, que o grande núcleo Atlanta atingiu. Não findaremos estas considerações sobre a existência dos Atlantas e suas afinidades étnicas e tradicionais sem pormos em relevo a etimologia da palavra Ibero, segundo os basquistas modernos; assim Ibero vem de Ib-er, que em basco significa = rio queimante, rio ardente = perfeita alusão ao GulfStream, rio ou corrente ardente, que ladeava a Atlântida».]; LIVRAGA, Jorge Angel / SCHWARZ, Fernand, Atlântida: mito ou realidade? (trad. Eduardo Amarante / José Maria Caselas), Lisboa, Nova Acrópole, 1993 [BN: HG 40856 V], 1996 [BN: HG 42943 V]; MARQUES, Carlos Alberto, A Atlântida e outros textos (compil., estudo preliminar e notas de J. Pinharanda Gomes), Lisboa, Casa do Concelho do Sabugal, 1996, p. 23-37 [Transcreve a conferência: A Atlântida (realizada na Associação de Estudantes de Letras de Coimbra, em 16 de Março de 1927 e repetida no Colégio Luís de Camões, em 18 de Março do mesmo ano)] [BN: HG 42863 V]; MARTINS, José Nobre, A Atlântida, Lisboa, 1927 [Tese de licenciatura em Ciências Geográficas apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa] [ULLE: TL-G5]; [MARTINS, Rocha], A Atlântida e a descoberta dos Açores, in Arquivo Nacional, a. 1, n. 9 (11 Mar. 1932), p. 4-5; MEDEIROS, José, O Mito da Atlântida, in Os Caminhos Ocultos do Ocidente, Lisboa, Pergaminho 2006, p. 13-32 [Da catadupa de incoerências, contradições e omissões releva o relato de José Batista Duarte (1925-2000), cognominado «Zé Inglês», poeta popular e «cantoneiro da limpeza da Câmara Municipal de Sintra», residente em S. João das Lampas, o qual, alegadamente, teria transmitido ao autor, em 1973, as «suas memórias antigas, da sua vivência em Igni, a cidade da Buéria, dos conflitos entre as províncias de Leuna e Oríon e das destruições provocadas pelos sucessivos cataclismos que foram destruindo a grande ilha situada a meio do oceano Atlântico…». A p. 2930, escreve, na primeira pessoa: «Quando era jovem e no Verão ia para a Ericeira, adorava imaginar que na Malhadinha, uma praia minúscula entre a praia do Sul e a Foz do Lizandro, se encontravam os restos de um porto atlante. E a meio, provocado por uma fractura térmica dum grande estrato de arenito vermelho, ficava o trono do atlante [foto na p. 29], virado para ocidente, como a estátua da ilha do Corvo».]; MENDANHA, Vítor, Soviéticos à procura da Atlântida nos Açores, in Correio da Manhã (5 Out. 1987); idem, História Misteriosa de Portugal, Lisboa, 1995 [Interessam os capítulos: Um arquitecto atlante (p. 279-289) e A Atlântida nos Açores (p. 305-312)]; MERTZ, Henriette, Atlantis: Dwelling Place of the Gods, Chicago, 1976 [Ensaia a identificação da Ilha das Sete Cidades ou Antilia da Carta de André Bianco (1426) com a Atlântida]; NICOLAU, Manuel, A Atlântida na antecâmara da História, Lisboa, Nov. 2003 [Edição mimeografada de um texto ainda

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ATLÂNTIDA provisório]; PEREIRA, Paulo, As Atlântidas, in Enigma – Lugares Mágicos de Portugal: Cabos do Mundo e Finisterras, v. 5, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p. 174-211; PINTO, Manuel Maia, Platão, o Timeu, a Atlântida, a Pirâmide, A invenção do Grau, a Esfinge, a Astrologia, a Criação do Universo e do Homem, Porto, 1952 [Publica uma versão portuguesa do Timeu, prefaciada e com notas explicativas]; QUADROS, António, Portugal, Razão e Mistério, v. 1, Lisboa, 1988, p. 87155 [Interessa a Parte III: A Atlântida desocultada]; RIBEIRO, José Cardim, Romanização e Romanidade na zona W do Município Olisiponense, in Jornal de Sintra (27 Out. 1989-16 Mar. 1990) [Transcrição incompleta de uma conferência realizada na igreja de Santo André, em Mafra, no ano de 1989. Adopta a equação schulteana Tartessos = Atlântida e, com base nela, considera a península de Lisboa uma colónia daquele empório andaluz]; RIVERO SAN JOSE, Jorge M., La Atlantida o el enigma histórico de España, Barcelona, Ediciones de Camara, 1989 [Propõe uma tradução revista do Timeu e do Critias (expurgada dos numerosos erros que inquinam a resolução do problema), sobre a qual funda a sua tese de que a Atlântida de Platão não era uma ilha (nêsos), antes uma península (nêsos de pantas), exactamente a península Ibérica, não tendo sido, por conseguinte, engolida pelas águas do Atlântico]; SAA, Mário, Erridânia: geografia antiquíssima, Lisboa, 1936 [Situa a Atlântida na Sicília: «Todas estas hipóteses de localização da Atlântida, incluindo a de Platão, que a havia suposto no Golfo de Gádir, são falhas do pensamento da Continentalidade, e, por tal, não se podem manter. A posição no Grande-Mar até então conhecido, o Mar Mediterrâneo, aquém do Continente envolvente, é a única que serve por ser a única que condiz com o relato do sacerdote egípcio. Depois, considerando, ainda, o problema de Aea, o problema da Atlântida fica definitivamente resolvido na posição siciliana».]; SANTA ROSA, Frei Bernardino de, Theatro do Mundo Visivel, Coimbra, 1743 [Prova a existência da Atlântida contra o espanhol Feijóo, a p. 370]; SARDINHA, António, O Valor da Raça: introdução a uma campanha nacional, Lisboa, 1915 [Interessa o capítulo O Espírito da Atlântida: identifica o homem de Muge com o homo atlanticus, o qual distingue do homem de Cro-Magnon. Em outro passo escreveria: «Não se referirá à Atlântida legendária a Ilha de Ouro do nosso ciclo marítimo? Lá é que ficava a nobre cidade de Antilia. De lá viria o Encoberto na manhã sagrada das profecias. Não é inútil reparar que se o Encoberto é a figura da Esperança, factor dinâmico da alma colectiva do Ocidente, a «ilha-empoada» é sempre um dos traços fundamentais da criação messiânica. Não estará aqui mais um sinal identificador do nascimento do Homo Atlanticus, apelando para o Desejado na hora da fraqueza e vendo o remédio acenar-lhe dum ponto enigmático que flutua à flor das ondas e se some com os cerraceiros? É a lembrança poética do primitivo berço perdido. Já Artur dormia em Avalon, a ilha florida dos bardos. Numa ilha que é a um tempo purgatório e paraíso, El-rei D. Sebastião aguarda que se cumpram o ano e o dia das promessas de Deus. Sabe-se o valor dos mitos, como a filosofia hoje os interpreta, vendo neles materializações da vontade duma raça».]; SARMENTO, Francisco Martins, Os Atlantes de Diodoro Sículo, in Revista das Sciencias Naturaes e Sociaes, v. 1, n. 1 (Porto, 1889), p. 6174 [Reeditado in Dispersos: colectânea de artigos publicados, desde 1876 a 1899, sobre Arqueologia, Etnologia, Mitologia, Epigrafia e Arte pré-histórica, Coimbra, 1933, p. 328-335. Lê-se logo no primeiro parágrafo deste ensaio: «Os Atlantes de

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Diodoro não têm nada a ver com os habitantes da famosa Atlântida, de que nos falam Platão, Teopompo e outros, e que um cataclismo teria devorado; eram os povos estabelecidos pelas costas do Atlântico, desde o Mar do Norte ao Atlas, e que para o nosso historiador tinham uma existência tão real e verdadeira, como qualquer outro povo seu contemporâneo».]; SILVA, Augusto de Vasconcelos Azevedo e, De um Choque de Planetas aos Discos Voadores, Luanda, 1967 [Merece realce o capítulo XII: Afundamento da Atlântida, inclinação do Eixo da Terra, origem de propagação da Onda Maré, p. 227-244. Atribui a destruição da Atlântida à colisão com a Terra de um satélite desse planeta ou de Vénus]; SILVA JÚNIOR, A. R., A Atlântida: subsídio para a sua reconstituição histórica, geográfica, etnológica e política, in A Arquitectura Portuguesa (Lisboa, Jan. 1930 – Mai. 1933) [O mais original estudo produzido pelo engenho nacional sobre a matéria, designadamente mercê da iconografia que, na sua qualidade de arquitecto visionário, projectou para ele; constitui o texto de uma série de cinco conferências realizadas na Sociedade Teosófica Portuguesa pelo seu autor, então Secretário Geral da instituição, no ano de 1928; o v. 7 (p. 122-127) de Isis – Revista da Sociedade Teosófica Portuguesa publicou um Extracto dele. A perspectiva teosofista do autor fica cabalmente expressa na seguinte passagem: «Este continente ocupava, antes da primeira catástrofe produzida há cerca de 800.000 anos, uma grande parte do que é hoje o Oceano Atlântico, desde a Inglaterra até à América do Norte e do Sul. Nele se continha, além da parte que desapareceu e é presentemente mar, as seguintes regiões do mapa actual da Terra: ao Norte, a parte das ilhas Britânicas constituída pela Irlanda, Escócia e uma parcela da Inglaterra propriamente dita e, alcançava até às proximidades da Islândia. Ao Sul compreendia parte da América incluindo o Brasil, Bolívia, Equador, Perú, Venezuela e a América Central até meio do México que constituía uma grande ilha adjacente. Ao poente incluía parte dos Estados Unidos da América, Canadá até às costas do Labrador, compreendendo a Terra Nova; ao Nascente as costas da Atlântida eram no recinto do Oceano, aproximando-se muito da África perto da Libéria e avançando deste lado até à Inglaterra. O arquipélago dos Açores fazia parte do continente Atlante e bem assim as ilhas Bermudas, as Antilhas e a ilha de Fernando de Noronha. A superfície deste continente, nessa época remotíssima, era muito aproximadamente igual às superfícies reunidas da América do Norte e do Sul. A catástrofe de há 800.000 anos modificou consideravelmente a configuração deste continente reduzindo-lhe um pouco a sua superfície e dividindo-o em duas partes. No cataclismo de há 200.000 anos ficaram, por assim dizer, fixadas a América do Norte e parte da do Sul, ao passo que o que era propriamente o continente Atlante passou a ser dividido em duas partes: Ruta e Daitia. Após o terceiro cataclismo sucedido há 800.000 anos a Atlântida ficou reduzida à ilha de Poseidonis, redução considerável da parte Ruta, ao passo que a parte Daitia quase desapareceu reduzindo-se a uma ilha afastada de Poseidonis e situada ao largo em frente da Libéria, na costa africana. Finalmente no ano 9.564 antes de Cristo, um quarto cataclismo fez sumir tudo que restava da Atlântida, no fundo do Oceano Atlântico, ficando apenas como baliza, como memória, o arquipélago dos Açores, terras que há 1.000.000 de anos parece que já existiam, que jamais se submergiram, sendo pois duma respeitável e veneranda antiguidade. Mas outras partes da primitiva Atlântida existem ainda hoje, mas que já dela se haviam separado há 800.000 anos, são

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ATLÂNTIDA elas: parte da América do Norte, Central e do Sul, compreendendo quase todo o Brasil, Bolívia, Perú, Equador e Colômbia. Na Europa temos ainda, como restos da Atlântida, a Irlanda, Escócia e uma pequena parte da Inglaterra, propriamente dita. A península Hispânica existia já há 800.000 anos evidentemente sem a configuração que tem hoje mas englobada numa extensa superfície que compreendia parte do Mediterrâneo, África do Norte, Ilhas de Cabo Verde, Marrocos, etc., região então banhada ao Sul pelo mar que cobria o deserto do Sara».]; SOUSA, Pereira de, Ideia geral dos efeitos do megassismo de 1755 em Portugal, Lisboa, 1914 [Considera que «uma parte da Atlântida existirá na depressão do Golfo de Cádis, que se chama «afundimento em oval lusitano-hispanomarroquino», postulando que o terramoto de 1755 terá constituído «talvez o último arranco da Atlântida submersa»]; THÉVENIN, René, Les Pays Legendaires, s. l., 1961 [«Pode ser que Tarsis, tão procurada, se poderá encontrar em qualquer sítio das costas de Portugal. Porque não será Lisboa, porto admiravelmente situado […]?»]; TRAVASSOS, Lubélia, O mistério da Atlântida e da Lemúria, Lisboa, 2000 [Chanfana New Age sem qualquer fundamento, quer histórico, quer tradicional]; VARELA, Maria Helena, A Civilização da Atlântida e as influências célticas, in «Sofia» e «Profecia» na Filosofia da história de Sampaio Bruno, Porto, 1990, p. 47-52; VASCONCELOS, Faria de, Por Terras Dalém Mar (Viagens na América), Lisboa, 1922, p. 101-119 [Interessa o capítulo VIII: Sobre as Ruínas de Tiahuanaco; a Atlântida, os Atlantas e os Árias; as hipóteses sobre a origem das ruínas; remontando cento e vinte séculos]; VASCONCELOS, Padre Simão de, Chronica da Companhia de Jesu do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos n’esta parte do Novo Mundo [...], Lisboa, A. J. Fernandes Lopes, 1865 (2ª ed.) [Fundado na autoridade de Platão, de Marsilio Ficino e de Abraão Ortélio, entre outros, admite a realidade da Atlântida, sem cuja existência, garante, teria sido impossível realizar o povoamento da América antes e depois do dilúvio: «Diz Platão e diziam aqueles gravíssimos filósofos que houve em tempos antiquíssimos uma ilha prodigiosa chamada de Atlante que, começando defronte da boca do mar Mediterrâneo e das colunas chamadas de Hércules, ia correndo por esse mar imenso com extensão tão agigantada que era maior que toda a África e Ásia. Porém que depois, andados os séculos, toda esta terra foi subvertida e inundada com as águas do oceano, por ocasião de um grande terramoto e aluvião de águas de um dia e noite; e que ficou sendo mar navegável, a quem chamamos hoje mar Atlântico, aparecendo nele somente algumas ilhas (as da Madeira, dos Açores, de Cabo Verde e as demais) por modo de ossos de defunto corpo que fora. Segundo a opinião destes filósofos, esta ilha de tão agigantada extensão era naquele tempo contínua com a que hoje chamamos América e todo um corpo somente, a que chamavam ilha de Atlante. […]. Se hei-de dizer o que sinto nesta opinião tão discutida da ilha de Atlante, confesso que faz alguma força a meu entendimento não só o segui-la Platão, homem de tanta autoridade, chamado naqueles tempos por antonomásia o Divino, luz de toda a filosofia e de todos seus segredos e tão sério em todo seu dizer, mas também o modo com que fala, quando a segue, descrevendo-a com todas suas particularidades, da grandeza da terra, fertilidade dos sítios, seus bosques, seus rios, suas fontes, suas gentes, seus costumes, suas façanhas, suas cidades, seus sumptuosos edifícios: e finalmente os reis que nela senhoreavam, em parte dela El-rei Atlante e na outra parte outro seu irmão chamado Guadiro. Tudo isto parece es-

tá metendo medo a duvidar de um homem tão sério, para se poder cuidar dele que escreveu patranhas. Alguns contudo rejeitam esta doutrina da ilha Atlântica como fabulosa, outros por incerta ou por impossível».]; VAZ, Fernando Henriques, Atlantas nossos Avós, Lisboa, 1944 [?]; VELOZO, Francisco José, Oestrymnis (Atlântida – Campo Elíseo), in Bracara Augusta, v. 4, n. 4 (25) (Ago. 1953); v. 5, n. 1-3 (26-28) (Out. 1953-Junho 1954); 4-5 (29-30) (Jul. – Dez. 1954); v. 6, n. 6 (31) (Jan. 1955 – Dez. 1956) [Artigo editado em separata pelas Publicações da Associação Luso-Britânica do Minho, Braga, 1956]; idem, A Atlântida, mito ou realidade? I. Um ponto de partida: o Egipto Antigo, in Bracara Augusta, v. 40, n. 89/90 (102/103) (1986-87), p. 25-87; VIEIRA, Padre Conceição, Atlântida, in O Spiritismo, Ilha encoberta e Sebastianismo, Lisboa, 1884, p. 123-165 A ATLÂNTIDA NA LITERATURA PORTUGUESA (OU RELATIVA ÀS CONEXÕES PORTUGUESAS) AGUIAR, Fernando de, Cousas da

Madeira: lendas de outrora e de sempre, in Gil Vicente, v. 14, n. 9-10 (1938), p. 140-147; BORGES, Paulo Alexandre Esteves, Atlântida, in Nova Renascença, v. 4, n. 1 (Porto, Jul.Set. 1984), p. 270 [Poema: «Mãe, / Não te tem / Quem nos olhos do coração / Te não traga. / A ti doeu / O pressentimento que somos / No útero oculto / Da sétima vaga. / Saudade tua, do Eterno / Primogénita se nos traga. / Ditirambo o Longe / Interior distância / Se nos abra.»]; BRANCO, Alfredo de Freitas, Algumas lendas e alguns monumentos do Arquipélago da Madeira, in Arqueologia e História, v. 3 (1924), p. 155 [A Cidade Encantada (Poseidónia), submergida nos mares da Madeira, volve «à flor da água», segundo a lenda, nas noites de São João]; CARDOSO, Pedro, Hespéridas, [Praia], 1930 [Nos Fragmentos de um poema perdido em triste e miserando naufrágio admite a ascendência atlante dos cabo-verdianos]; DIDIAL, G. T. (pseudo-heterónimo de João Manuel Varela), Contos da Macaronésia, Mindelo, 1992-1999 (2 vols.) [Ancora a ficção em apreço num processo de enraizamento mitófilo do arquipélago de Cabo Verde, estatuindo como axial a equação Macaronésia- = Atlântida]; JACOBS, Edgar P., Aventuras de Blake e Mortimer: o Enigma da Atlântida, Lisboa, Livraria Bertrand, 1980 [Banda desenhada, primeiro publicada no Tintin Magazine (Mar. 1955 a 1956): L’Enigme de l’Atlantide, e só depois em livro (1957)]; MOUTINHO, José Viale / ABREU, Maurício, Lendas dos Açores, Lisboa, 2007 [Lagoa, Ilha de S. Miguel: A Lagoa das 7 Cidades (p. 16-17); Madalena, Ilha do Pico: A Ilha Encantada (p. 20-21); Nordeste, Ilha de S. Miguel: A Princesa da Atlântida (p. 22)]; OLIVEIRA, Raposo de, Lendas Açorianas: Sete Cidades, in Serões, v. 3, n. 15 (1906), p. 240-242; RIBEIRO, Ribeiro, História de Menina e Moça, Ferrara, 1554 [«Dentro neste nosso mar Oceano, que aqui logo perto entra este rio, contam que havia naquele tempo uma ilha tão abundante e tamanha em terras, rica em cavalos, que dali todo o mundo quase senhoreava: Falavam dela maravilhas grandes».]; RODRIGUES, Ana Margarida Salgueiro, Mitos revisitados… origens insulares na literatura Cabo-verdiana, in Islenha, n. 39 (Jul.-Dez. 2006), p. 123-132 [Ocupa-se da mitificação das origens insulares, pela actualização dos mitos clássicos das Hespérides e da Atlântida, na literatura Cabo-verdiana, com especial referência a José Lopes da Silva, Pedro Cardoso e G. T. Didial]; SILVA, José Lopes da, Hesperitanas (Poesias), Lisboa, 1929 e 1933 [No poema Minha Terra! (p. 21-30) advoga a ascendência atlante das ilhas de Cabo Verde e dos seus habitantes];

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ATMOSFERA VERDAGUER, Jacinto (1845-1902), A Atlântida: poema catalão vertido em verso português por José M. Gomes Ribeiro, Lisboa, Livraria Férin, 1909 [O tradutor, professor nos Colégios do Barro e de Campolide, antepôs ao poema um prólogo, do qual se destacam as seguintes passagens: «A Atlântida é um poema peninsular. Depois dos Lusíadas, nenhum outro se publicou na Ibéria, que tamanho brado desse pelo mundo. […]. Jacintho Verdaguer nasceu em Folgarolas, perto de Vich, na Catalunha, a 17 de Abril de 1845. Seguiu a carreira eclesiástica e aos vinte anos, sendo ainda estudante, alcançava o primeiro prémio de poesia nos Jogos florais de Barcelona. […]. A Atlântida foi o seu primeiro passo de gigante na carreira das letras; O Canigó, a Pátria, o Sonho de S. João, os Idyllios e cânticos místicos e muitos outros poemas de subido mérito foram como arcos triunfais levantados na via do seu Capitólio. […]. Estudando a fundo A Atlântida, vê-se que não envolve um assunto caprichosamente escolhido, mas directamente ligado com o facto mais estrondoso da história moderna, o descobrimento da América. Vejamos. Dois navios, um genovês, veneziano o outro, encontram-se junto às costas de Portugal; travam entre si rude peleja; ao troar de seus canhões vem unir-se a dupla tempestade do céu e do mar, que a ambos sepulta no abismo. Eram duas grandes potências marítimas que naufragavam; nos mares que elas sulcavam dominadoras, campearão num futuro próximo as naus da Ibéria. Do terrível naufrágio salvou-se apenas um jovem que a maré arrojou à praia, abraçado a uma prancha descosida. Ansião venerando, que longe do mundo habitava naqueles ermos, acolhe-o em seus braços, conforta-o, restitui à vida o corpo quase gelado. Um dia o jovem silencioso e triste contemplava, de um alto promontório, a vastidão dos mares. Aproxima-se dele o velho, convida-o para a sombra de um carvalho sobranceiro às ondas e conta-lhe a história do rumoroso Atlântico. Sob a narração maravilhoso do anacoreta, a Atlântida emerge do sepulcro das grandes águas e, com todo o seu cortejo de glórias e devassidões, desfila perante os olhos extasiados do marinheiro, até ao dia trágico da assolação. Sumiu-se e para sempre! Entretanto surge, como herdeira de suas glórias e tradições heróicas, a Hespéria […]».]; VISCONDE DO PORTO DA LUZ, A Lenda da Cidade Encantada, in Folclore Madeirense, Funchal, 1955, p. 24-25

ATMOSFERA *Aerólito, *arco-íris, *arremeda, *aurora, *aurora boreal, *chuva, *meteoro, *nevoeiro, *nuvem, *ocaso, *raio, *relâmpago, *trovão, *trovoada, *vento. BIBLIOGRAFIA CASTRO, D. Leite de, Folk-lore, in Revista de Guimarães, v. 4, n. 1 (Jan.-Mar. 1887), p. 39-44; VASCONCELOS, J. Leite de, Tradições da atmosfera em Portugal, in Era Nova (1880-81), p. 216-223

ATRAVESSADO Denominação do vento de Oeste ou do Noroeste, nas regiões do litoral. Também chamado *travessia *travessia alteira (Torreira), *travessia baixeira (idem), *travessio (Alentejo), *travesso, 442

*travesso alto (vento de Oeste), *travesso baixo (vento do Noroeste), *vento da Nazaré. ATRIDOR O mesmo que *demoninho. ÁTROPOS Uma das três Parcas, divindades que tutelam o destino da humanidade. As outras duas são Cloto e Laquesis. Aquela segura uma roca, esta fia o fio da vida, enquanto Átropos o corta com uma tesoura. A ausência de Átropos (tesoura)

Sebastianus XVI Rex Portugalliae Numa oval, o monarca, meio corpo a três quartos à direita, de armadura, faixa, gola enrocada e bastão de marechal. Circundando a oval, observam-se superiormente duas cabeças femininas, figurando duas Parcas, uma com fuso e outra de roca e, inferiormente, um grande escudo e coroa reais portugueses. A primeira tem em volta do toucado uma faixa onde se lê: «F. Vieira Lusit inv.». Retrato concebido por Vieira Lusitano e gravado e subscrito por Debrie («G. F. L. Debrie sculp. 1737») para as Memórias d´El-rei D. Sebastião de Diogo Barbosa de Machado (265 x 174). A legenda numa filactera VIVO EQUIDEM, VITAM QUE EXTREMAM PER OMNIA DVCO (Virgílio, Eneida, III, 315), é uma alusão ao encontro de Eneias com Andrómaca, a qual, estupefacta ante a aparição prodigiosa do herói, suscita a resposta deste: «Sim eu vivo e arrasto no meio dos reveses uma existência dolorosa».

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AUGE numa gravura de Vieira Lusitano representando *Dom Sebastião, é circunstância indiciadora da presumível adesão ao sebastianismo por parte do artista. *Beladona. ATUM Na costa de Portugal são vulgares três espécies deste teleósteo da família dos Scombridae: Orcynus thynnus, L. (atum), Orcynus alalonga, L. (albacora) e Orcynus albacora, Lowe (atum albacora). Figurado em numismas cunhados pelas oficinas de Gades, Abdera, Sexsi, Asido e Ketovion, bem como na numária pré-romana e lusitano-romana de Balsa (Tavira), Myrtilis (Mértola), Ossonoba (Faro), Salacia (Eviom, i. e., Alcácer do Sal) e Sirpens (Serpa). BIBLIOGRAFIA BRITO, Guerreiro de, Pesca do Atum, in Boletim da Pesca, n. 2 (1943); FERREIRA, S. da Veiga / FERREIRA, Octávio da Veiga, Numária Lusitana, in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 3, n. 75-78 (1971-1972), p. 47-79; MARQUES, Maria Graciana, Representações de animais nas moedas com inscrições pré-latinas, cunhadas na Península Ibérica, e seu significado, in Rev. Numismática, n. 47 (Nov.-Dez. 1987)

ATURRUS Teónimo que ocorre num cipo de pedra calcária ligeiramente rosada, descoberto em Campos, no ano de 1908. Blazquez assegura que a divindade invocada na inscrição funerária é aquática, entrando tanto na composição de nomes de rios como de cidades: ATVRR[o sac/r]VM BISIIO / [A]VITO, AN[norum] XXII / [IV]NIA . I[ulii] F[ilia] TVSCA / FRATRI / [Pub?]LICIAE M[arci] F[iliae] TVSCAE / MATRI. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 170; LAMBRINO, Scarlat, Vila Viçosa, in O Arqueólogo Português, v. 1 (1951), p. 43s.

AUGAMENTO Doença característica das crianças, embora os adultos possam também contraí-la. Atribui-se o augamento ao facto de o desejo de comer algum alimento não ter sido satisfeito. Menino desmamado pode estranhar e ficar ougado. Em Gulpilhares chamam-lhe *ougarice e *ouguice e, em Canidelo, *ougamento. Em Vilar Seco (Nelas), uma criança que vê comi-

da e não a pode comer auga, ficando amarela e queixosa, de boca aberta. Cura-se dando-lhe a comer um bolo de milho sem sal. Há, no entanto, crianças que já nascem augadas (de boca aberta), em virtude de as mães terem desejo de comer alguma coisa e não poderem fazê-lo. Em S. João de Rei (Póvoa de Lanhoso), quando alguém não engorda e fica com o cabelo em pé, diz-se que está ougado, preconizando-se como remédio comer um bolo atrás de uma porta e deitar o que sobrar a um *cão preto. Outra maneira de curar criança ougada é irem sete Marias cada uma a sua casa a pedir uma «pouquechinha de cozinha», misturarem tudo e darem uma parte à criança e o que sobeja a um cão. Ou tirar o leite de sete ou nove mulheres, misturá-lo e dá-lo a beber. Em Ega (Condeixa-a-Nova), fazem, para o mesmo efeito, um pão de sete bocadinhos de massa de pão a cozer por outras tantas pessoas, cozem-no no forno e dão-no a comer, levando a parte que sobra a uma encruzilhada, onde é atirada para trás das costas. Pessoa ou animal que a coma fica com o mal. No Peral (Alcanena), trata-se uma criança ougada do seguinte modo: deita-se a criança de bruços no colo e esfrega-se com cada um de cinco ou nove bocadinhos de toucinho, da nuca ao sacro, dizendo-se de cada vez: «Em louvor de São Romão / Melhorai, meu menino, / E seco seja o cão». Indo à janela, de seguida, e vendo passar um cão diz-se o mesmo, dando ao cão, os bocados de toucinho, um de cada vez. Os animais apanham augamento quando, estando habituados a passar num determinado local e a parar, os não deixam proceder assim. Para os curar da tristeza e fastio provocados pelo caso, tomam-se nove folhas de couve, roubadas a cada dono sua, e dão-se a comer ao animal atingido pela maleita (Vilar Seco, Nelas, 1939). AUGE Aurora, i. e., deusa da manhã. Divindade grega, venerada em Tegea, por vezes identificada com Atena. Os romanos representavam-na dentro de um carro triunfal, puxado por ca443

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ÁUGURE valos brancos, precedendo o *Sol, com uma estrela na fronte e nimbada com raios de luz, envolvida num manto dourado e sustentando um archote numa das mãos, enquanto a outra espalha rosas, alusão ao orvalho matinal. Como o seu nome indica (Aurora) trata-se de uma deusa do calor e da fecundidade, razão por que também é confundida com Ilitia. Na Lusitânia foi cultuada no Castro de Fontes (Santa Marta de Penaguião), de onde procede uma ara (séc. II?) com a inscrição: AVGE /CILEA E/MINI ME[rito] / VOT[um] . L[ibens] . PO[suit]. BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 105-106; CORTEZ, F. Russell, A ara greco-romana do Castro de Fontes: novos subsídios para o estudo dos cultos orientais na Região do Douro, in Anais do Instituto do Vinho do Porto, n. 9 (1948), p. 45-95; JALHAY, E., Ara romana inédita de Fontes (Santa Marta de Penaguião), in Brotéria, v. 49, n. 5 (1949), p. 473-478

ÁUGURE Teólogo (não sacerdote) romano que aconselhava os magistrados, tomando os auspícios e interpretando os presságios fornecidos por sinais celestes, voo de aves, apetite dos galináceos sagrados ou qualquer incidente fortuito ocorrido durante o processo de obtenção dos auspícios. Os áugures formavam um colégio, presume-se remontando a Numa, composto por nove membros (quatro patrícios e cinco plebeus recrutados por cooptação, durante a República) ou dezasseis (nomeados, a partir de César), encarregado de preservar e transmitir as regras tradicionais relativas à observação e à interpretação dos sinais naturais constitutivos dos auspícios. Tinham uma vara curva, o lituus, por emblema, com o qual delimitavam no céu ou no solo um espaço sagrado (templum). Cícero afirmou que dois áugures não podiam olhar um para o outro sem rir (De Divinatione, II, 24). AUGÚRIO Segundo uma crença muito comum nas comunidades tradicionais, o devir é determinado pela vontade dos deuses que podem aprovar ou 444

reprovar as acções humanas. Um augúrio é um método divinatório que pressupõe a comunicação com a divindade para conhecer o seu desígneo. A noite de S. João é propícia à obtenção de augúrios, interpretando-se mais ou menos convencionalmente o resultado de certas operações, a mais conhecida das quais consiste em submeter a *alcachofra ao fogo antes de colocála ao relento na tentativa de lhe suscitar o auspicioso reverdecimento. *Bochecho, *casamento, *chumbo, *erva-pinheira, *oráculo amoroso, *ovo, *sonho. BIBLIOGRAFIA JUNQUEIRO, Arronches, Augúrios, in A Tradição, a. 3, v. 3, n. 2 (Fev. 1901), p. 24-25

AUGUSTO, SANTO Em Vilar de Amaro (Figueira de Castelo Rodrigo) atribui-se-lhe, e a *Santo Eugénio, poderes milagrosos contra a *raiva e o *bolor do pão cozido. BIBLIOGRAFIA GOMES, Milcíades Marques, Perpetuar a memória do III centenário (1678-1978). História e tradição das santas relíquias dos mártires e santos Augusto e Eugénio da freguesia de Vilar de Amaro, diocese da Guarda, Lisboa, 1979

AUMENTADOR O mesmo que *amentador. AUMENTAR AS ALMAS O mesmo que *amentar as almas. AURA Campo de substância subtil que envolve o corpo dos seres vivos, do qual emana. Diz-se que um *clarividente pode distinguir num ser humano cinco auras interpenetradas, cuja dimensão, cor e intensidade indicam o respectivo estado de saúde física, emocional e mental. No cristianismo surge como a *auréola, *nimbo ou *resplandor que rodeia os corpos e, nomeadamente, as cabeças de santos e místicos. *Paracelso foi dos primeiros a escrever sobre este envelope de energia, também denominado «linga sharira» (corpo subtil da *ioga), «magnetismo animal» (Franz Anton Mesmer), «força ódica» (barão Karl von Reichenbach), etc.

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AURA

Alguns exemplos de nimbos ou auréolas.

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ÁUREA, SANTA BIBLIOGRAFIA LEAL, C. de Brito, As Radiações desconhecidas, in Magazine Bertrand, a. 1, s. 2, n. 8 (Ago. 1927), p. 67-73; n. 9 (Set. 1927), p. 86-91; n. 10 (Out. 1927), p. 71-75

ÁUREA, SANTA Companheira de martírio de *Santa Úrsula. A sua *cabeça foi venerada no convento de São Francisco de Santarém. AURÉOLA *Aura, *nimbo, *resplendor. AURICALCO Nos seus Sermões dominicais, Santo António afirma que o auricalco «assim se chama por assemelhar-se ao ouro e ao bronze; bronze em grego diz-se chalcon [aliás chalcós]. O ouro designa a claridade da sabedoria; o bronze, a sonoridade da eloquência. Os pés, portanto, de Jesus Cristo assemelham-se ao auricalco, porque os pregadores devem fulgir com a claridade da sabedoria e com a sonoridade da eloquência» (Obras Completas, v. 1, p. 198).

Auroque do Côa.

AUROQUE Bos primigenius. Espécie de bovídeo representado (mais de meia centena de ocorrências) nos complexos do *Côa (núcleos da *Canada do Inferno, da *Penascosa, de *Rego da Vide e da *Ribeira de Piscos) e do Sabor: Ribeira da Sardinha, Fraga Escrevida e Sampaio (Milhão). 446

Auroque da Canada do Inferno (Côa).

Foi uma das espécies mais capturadas durante o Calcolítico e os seus ossos aproveitados (especialmente o cúbito) para a produção de furadores e punhais, conforme os testemunhos obtidos em povoados desse período (Liceia, Zambujal, etc.). BIBLIOGRAFIA JORGE, Vítor Oliveira, Algumas reflexões em torno da arte rupestre do centro-interior do país, com principal referência ao Côa, in Actas do Colóquio A Pré-História na Beira Interior (Tondela, 21 a 23 de Novembro de 1997), Viseu, 1998, p. 195-206

AURORA A aurora foi criada por Deus no primeiro dia do Genesis, renovando-se a cada episódio da Criação. A *Francisco de Holanda é atribuído um livro (perdido) intitulado Da Aurora. Na sua pintura representa-a sempre no momento em que o sol desponta no horizonte. Na quinta da Prelada (Porto) existe uma fonte denominada da Aurora. Martins Sarmento registou uma oração à aurora recolhida em Santa Leocádia de Briteiros (Carta de 17 de Out. De 1918), dita de madrugada, na ocasião do seu despontar: «Graças a Deus para sempre, / Que já vi a luz do dia. / Quando esta graça pedia, / Ainda o Sol não nascia. / Que o Senhor seja meu Pai, / Nossa Senhora minha Mãe, / Os doze Apóstolos meus Irmãos. / Os doze Apóstolos permitam / Que eu nunca seja presa, / nem matada, / nem roubada, / nem mordida de cousa danada; / Que seja alegre da minha vida, / Assim como foi o Verbo em carne / No ventre da Virgem Maria. / Padre-Nosso, Ave-Maria». Locução metereológica: Aurora ruiva, ou vento ou chuva. *Auge.

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AUTO AURORA BOREAL É sangue espalhado no céu, razão por que prognostica conflitos e guerras terríveis. Em Cinfães, o povo chora e reza quando avista uma (cf. J. Leite de Vasconcelos, Tradições da atmosfera em Portugal, in Era Nova, 1880-81, p. 221). AUSPÍCIO Do latim, observação (spicere) das aves, apesar da circunstância de as aves apenas constituírem um (baseado ora no canto, ora no voo) dos cinco tipos de auspícios, sendo os restantes quatro: A. Sinais celestes, tais como a trovoada ou os relâmpagos (os mais importantes); B. Sinais obtidos a partir do modo como as galinhas sagradas comiam (adoptados no concernente às expedições militares); C. Sinais obtidos a partir do comportamento de quadrúpedes e répteis (nunca tomados relativamente ao Estado); D. Sinais obtidos a partir de outros eventos distintos dos referidos. O auspício consubstancia um presságio, cuja finalidade consistia em determinar a vontade dos deuses relativamente a qualquer acção projectada. Em Roma, os auspícios eram tomados pelos magistrados, assistidos pelos áugures, sendo obrigatórios em determinados actos públicos (convocação de comícios, entrada em funções de magistrados, partida de exércitos, etc.). Para evitar conflitos, a alguns magistrados (ditadores, censores, consules, pretores) estavam reservados os auspícios maiores, enquanto a outros (edis, tribunos, questores) só auspícios menores, os quais não podiam ser tomados fora do poemerium. A um presságio desfavorável chamava-se obnuntiatio. AUSTER Vento que sopra do meio-dia (Sul), também denominado *Noto. AUSTRO Vento do Sul ou Sudoeste. O mesmo que *vendaval. *Alcovês. AUTA, SANTA Companheira de *Santa Úrsula e das *onze mil virgens, martirizadas pelos hunos, às portas de

Entrada das relíquias de Santa Auta ao mosteiro da Madre de Deus: tábua de mestre desconhecido.

Colónia. O imperador Maximiliano ofereceu à rainha Dona Leonor, irmã de Dom Manuel I, as relíquias de Santa Auta, as quais seriam acolhidas no mosteiro da Madre de Deus. O denominado retábulo de Santa Auta evoca os momentos cruciais do martírio (Martírio das onze mil virgens / Santa Úrsula e o Príncipe Conan), bem como a trasladação das relíquias e sua entrada processional no mosteiro lisboeta, assistida pela guardiã do presente imperial (Partida de Colónia das relíquias de Santa Auta / Chegada das relíquias de Santa Auta à igreja da Madre de Deus). Em Colónia, Santa Auta é iconografada com uma seta na garganta, já em Lisboa seguraa na mão, juntamente com a palma do martírio. BIBLIOGRAFIA AAVV, Retábulo de Santa Auta: estudo de investigação, Lisboa, 1972

AUTO Forma teatral de enredo popular (incluindo canto e bailado), de tema religioso ou profano. Nas Beiras, as festividades em louvor do Divino *Espírito Santo eram denominadas Auto do Império. A representação do Auto da Descoberta da Moura ocorria no Domingo de Pentecostes na localidade beirã de Vale Formoso (cf. Jaime Lopes Dias, Etnografia da Beira, v. 9, 1963, p. 149). Os padres jesuítas usaram o auto religioso como poderoso elemento de catequese, 447

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AUTO-DA-FÉ fundindo-o com a liturgia e integrando-o em procissões. Para coadjuvar a sua actividade missionária, o Padre José de Anchieta compôs inúmeros mistérios e autos sacrais (muitos dos quais bilingues, em português e tupi, metamorfoseando figuras sagradas do cristianismo em heróis da mitologia tupinambá) destinados a serem representados por índios, mamelucos e luso-brasileiros nos adros das igrejas. As visitações de igreja de Nossa Senhora da Praça (1566) interditaram a representação do Auto da Pombinha durante a procissão do *Corpo de Deus para evitar que o *Santíssimo Sacramento ficasse retido. *Dança das espadas, *dança dos ferreiros, *dança da Genebres, *dança dos machatins, *dança dos mitrados, *dança do rei David, *Gil Vicente, *lapinha, *mouriscas, *tchiloli. BIBLIOGRAFIA ABELHO, Azinhal, Teatro Popular Português, Braga, 1968-1973, 6 vols.; CORREIA, João David Pinto, Os Romances Carolíngios da Tradição Oral Portuguesa, Lisboa, 1993, 2 vols.; DIAS, Baltasar, Autos, Romances e Trovas, Lisboa, 1984; FERRÉ, Pere (coord.), Romanceiro Português da Tradição Oral Moerna – versões publicadas entre 1828 e 1960, Lisboa, 2000-2003, 3 vols.; FRECHES, Claude-Henri, Le Theatre Neo-latin au Portugal (1550-1745), Paris-Lisboa, 1964; KALEWSKA, Anna, Baltasar Dias e as metamorfoses do discurso dramatúrgico em Portugal e nas Ilhas de São Tomé e Príncipe: ensaio histórico-literário e antropológico, Varsóvia, 2005

AUTO-DA-FÉ Proclamação solene e pública das sentenças condenatórias proferidas pelo *Santo Ofício. Realizada em praça pública, no palácio da Inquisição ou num convento (apenas para os reconciliados), tinha lugar ao domingo. Os penitentes formavam um cortejo que desfilava pelas ruas, pela seguinte ordem: os que não abjuravam, nem levavam hábito; os que abjuravam de leve; os que abjuravam de vehemente; os que abjuravam em forma de judaísmo, que levavam *sambenito com *fogo revolto (*afogueado). Havendo relaxados em carne, seguiam-se, ostentando sambenito com aspa, *carocha e, por vezes, mordaça: os herejes e feiticeiros confitentes, os diminutos e simulados; os negativos convictos, os impenitentes e revogantes; os relapsos manifestos, ou por ficção de direito, e os impenitentes; os profitentes pertinazes em alguns erros contra a fé. Fechavam o 448

auto-da-fé representado discretamente na extrema direita do São Sebastião da Charola do Convento de Cristo [MNAA: inv. n. 80]: trata-se do primeiro testemunho iconográfico conhecido em Portugal.

préstito, providenciadas pelo *alcaide do Santo Ofício: as estátuas dos réus ausentes; as caixas dos ossos dos réus falecidos nos cárceres (convictos de heresia e apostasia); as arcas dos livros proibidos. Uma vez chegados ao destino, ouviam sermão e, ajoelhando diante de um tablado, onde presidiam as autoridades eclesiásticas, escutavam a leitura das respectivas sentenças. Perante um *altar pronunciavam as abjurações para serem admitidos à reconciliação. Os condenados à morte, eram relaxados (entregues) à justiça secular, dizendo a Inquisição: «condena e relaxa à justiça secular a quem pede com muita instância se haja com o réu benigna e piedosamente e não proceda a pena de morte nem efusão de sangue»! O relaxado era tão só inquirido em que lei pretendia morrer: se declarasse que na de Cristo era, primeiro, garrotado e, em seguida, queimado; se na de Moisés, Mafoma ou qualquer outra, era queimado vivo. O aparato de que se revestiam estes eventos, a presença e a assistência de personalidades de nomeada e até de membros da família real, atestam a sua importância e o relevo que se pretendia imprimir-lhes. O primeiro auto-da-fé de que há notícia em Portugal ocorreu em Lisboa, a 20 de Setembro de 1540, na Praça da Ribeira, e os derradeiros em Lisboa, Coimbra e Évora no ano de 1781. Conservam-se as listas dos autos-da-fé celebrados em Coimbra (1625, 1689, 1696,

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AUTÓMATO 1699, 1716, 1723, 1726, 1727, 1729, 1737, 1739, 1751, 1753, 1755, 1759 e 1781), Évora (1717, 1725, 1736, 1747,1755, 1756, 1757 e 1781) e Lisboa (1647, 1703, 1704, 1707, 1709, 1714, 1716, 1717, 1720, 1723, 1728, 1729, 1732, 1733, 1737, 1739, 1741, 1745, 1746, 1747, 1749, 1750, 1752,, 1754, 1761 e 1778) com o elenco dos penitenciados e respectivas penas. *Abjurar, *confitente, *convicto, *diminuto, *impenitente, *negativo, *pertinaz, *profitente, *relapso, *revogante, *simulado. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Maria Benedita Almeida, Alguns aspectos dos Autos-da-Fé: subsídios pra o estudo do comportamento e da mentalidade nos séculos XVII e XVIII, in Actas do I Congresso Internacional do Barroco, v. 1, Porto, 1991, p. 143-150; BAIÃO, António, Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Lisboa, 1936-1953, 3 vols. (2ª ed. melhorada e acrescentada com documentos inéditos e informações novas); BETHENCOURT, Cardozo de, L’auto-da-fé de Lisbonne, 15 Décembre 1647, in Révue des Études Juives, n. 98 (Out.-Dez. 1904), p. 262-269; BRAGA, Isabel Drummond, «Para Triumpho da Fé e mayor gloria de Deos»: o cadafalso do auto da fé de Lisboa de 1698 segundo o projecto do arquitecto Luís Nunes Tinoco, in Artis, n. 4 (2005); idem, Representação, Poder e Espectáculo: o Auto da Fé, in História das Festas, in Turres Veteras, v. 3, Torres Vedras, 2006, p. 177-185; CASSUTO, Alfonso, Bibliografia dos Sermoes dos Autos-da-fé impressos: descrição bibliográfica da colecção do autor, Coimbra, 1955 (separata do Arquivo da Bibliografia Portuguesa, a. 1); GANDRA, Manuel J., Parenética dos Autos da fé na Biblioteca Volante de Frei Matias da Conceição, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Mafra ’98, Mafra, 1999, p. 847-851; GLASER, Edward, Invitation to Intolerance: a study of the Portuguese sermons preached at Autos de fé, in Hebrew Union Collection Annual, v. 27 (1956), p. 327-385; HORCH, Erika, Sermões Impressos dos Autos da Fé, Rio de Janeiro, 1969; PEREIRA, Isaías da Rosa, auto-da-fé de Coimbra de 14 de Junho de 1699, in Clio (1995), p. 99-116; REMÉDIOS, Joaquim Mendes dos, Sermões em Autos-da-fé, in Biblos, n. 3 (Jan. 1927), p. 6-17; VERO, Carlos, The Inquisition and Judaism: a sermon adressed to jewish martyrs on the ocasion of an auto-da-fé at Lisbon, 1705, by the Archbishop of Cranganor, Philadelphia, 1860

AUTO-SUGESTÃO Consiste na capacidade de um indivíduo se hipnotizar a si próprio. AUTOMATISMO Comportamento em que a autoconsciência é limitada. Durante a escrita automática quem escreve não sabe conscientemente o que escreve. Quando tal ocorre dá-se a separação temporária entre a parte da personalidade empenhada no processo de escrever e a consciência normal

do indivíduo. Desenho, pintura ou escrita espontâneos, foram técnicas cultivadas pelo Surrealismo como um meio privilegiado de exprimir a criatividade não consciente. AUTÓMATO Máquina contendo mecanismos que lhe conferem movimentos próprios, imitando os dos seres animados. O Padre jesuíta, Gabriel de Magalhães (1610-1677), foi um dos precursores da moderna robótica, tendo construído autómatos na China. Há também notícia de um cavalo autómato ofertado ao princípe D. Teodósio por A. Macedo (cf. Gazeta de Lisboa, 1642). Num folheto de cordel oitocentista alude-se a homens artificiais e a um autómato feminino expressaOs homens artificiais e a mulher mecânica de Dom Sebastião […]. Na casa de campo do Senhor Rei D. Sebastião há uma oficina subterrânea, onde trabalham continuamente 30 homens artificiais, uns de bronze, outros de mármore, etc. Estes artífices são construídos de tal maneira, que dando-se-lhe corda, por meio de molas trabalham com perfeição em toda a qualidade de obra. Fazem excelentes tapetes à Mourisca, consertam relógios, tiram retratos, em uma palavra, tudo o que a arte, e a indústria dos homens animados tem imaginado de mais raro, se executa com perfeição neste subterrâneo. O Autor de todo este mecanismo acaba de aumentar a colecção com uma soberba estátua. É uma formosa mulher feita de toda a qualidade de metais em liga proporcionada. É destinada a servir de intérprete aos embaixadores, e a responder com eloquência sobre qualquer assunto, ou matéria. Fala já as línguas Orientais; porém está ainda muito atrasada em Grego, e Filosofia. El-Rei acha-se tão apaixonado dela, que o Autor está actualmente imaginando uma nova mola para lhe dar sensibilidade. Logo que esta circunstância se verifique, ficam removidos os obstáculos, que retardam a Época do nosso Triunfo: o Autor terá em recompensa o governo da Ilha; e nós sulcando os mares, vitoriosos subiremos o saudoso Tejo. Há vários outros objectos assaz curiosos, de que agora não trato, reservando-os para quando receber a resposta desta.

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AUTOSCOPIA mente construídos para D. Sebastião, na *Ilha Encoberta. Os autómatos do cavalheiro Pinetti tornaram-se famosos em Portugal, em finais do séc. XVIII, na corte de Dona Maria I. Diversos panfletos descrevem as exibições mecânicas do famoso prestidigitador italiano que exibiu a sua colecção de autómatos na Rua dos Algibebes e no Teatro do Salitre. Beckford reporta um bailado a que terá assistido no Teatro da Trindade (Lisboa), em 11 de Outubro de 1787, protagonizado por diversos supostos autómatos (cf. Diário de William Beckford em Espanha e Portugal, Lisboa, 1988, p. 144). *Ilusionismo.

BIBLIOGRAFIA FERREIRA, J. A. Pinto, O culto de Nossa Senhora Auxiliadora no Porto (breve notícia), in Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, v. 26, n. 1-2 (1963), p. 313-324

AUTOSCOPIA Capacidade de um ser humano ver o que se passa no interior do seu próprio corpo. Denomina-se heteroscopia quando no corpo de outrém. *Madame Pedegache era creditada com essa faculdade.

AVALON Ilha para a qual se diz que foi transportado Artur quando moribundo para ser curado. Alguns autores asseveram que não se trata de um local geográfico, mas, simplesmente, de um eufemismo para designar o *além. Outros afirmam que tem um equivalente geográfico, reportando-se a Glastonbury. Também identificada com a ilha de Bardsey (outrora denominada Ynys Afallach), sita próximo da península de Lleyn e descrita como a mais romântica ilha da Grã-Bretanha. Após a batalha de Camlan, Artur terá sido tratado no mosteiro aí existente, do qual era abade o seu primo, Santo Cadfan. Referida no Nobiliário do Conde D. Pedro, em Zurara (Crónica da Guiné), sob a forma da ilha de *São Brandão e em Camões, sob a da *Ilha dos Amores. No poema Regresso do Nevoeiro (in Viagens do Meu Reino, Lisboa, 1968, p. 136137) Tomás de Figueiredo identifica Avalon com a *Ilha Encoberta: «Vou retornar à Ilha de Avalão, / à do Mistério, à da certeza perene, /onde me aguarda uma alma irmã / para brincarmos irmãmente ao Sonho, / o jogo a que só jogam almas virgens. / Perguntando ao silêncio, a nevoeiros, / a cada instante o meu Irmão Antigo / espera que lhe surja um galeão / comigo à proa, e de armadura, e de elmo, / afincado à cruz da minha espada. / Vai ralhar-me, pois vai. Dizer-me: – «Louco, / para que te partiste antes da Hora? ... / Eu bem te disse ... Eu bem te disse ... Tu / só querias batalhar ... Aí tens o ganho ... / De novo a traição te esfaqueou ...».

AUXILIADORA Invocação mariana, também expressa sob as designações de *Agonia, *Amparo, *Remédios

AVARENTA Aldeia da freguesia de Carrazedo de Montenegro (Valpaços), onde existe um arqueosítio

FONTES ANÓNIMO, Reflexões sobre as habilidades do cavalheiro Pinetti, sobre os cavallinhos e sobre os automatos que escrevem e desenhão (Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1791); ANÓNIMO, Ultimas habilidades, despedida e grande automato do cavalheiro Pinetti (Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1791); CREMPS, de, O pelotiqueiro desmascarado, tratado em que se dá huma clara e completa exposição de todas as surprendentes [sic] habilidades executadas, tanto neste reino, como no continente, pelos mais dextros e eminentes professores de ligeireza de mãos, e que comprehende as Peças da Varinha de Condão, dos automatos que jogão o Chadrez, Figuras que fallão, Serpentes artificiaes, Passaros mechanicos, Automatos que tocão flauta; Figuras moventes, Mezas magicas, Motos perpetuos, etc. Segunda edicção com amplas adicções e alterações, por T. Denton, proprietario das exhibições mechanicas, ultimamente exhibidas em Londres, Edenburh, Neucastle, York, etc. Impressa em Londres no anno de 1788, e traduzida do Inglez em Portuguez, para fazer patente ao Público a illusão e enganos dos Impostores (Lisboa, António Rodrigues Galhardo, 178?); J., F. de P., Carta de Hum Guarda-Roupa d’El Rei S. Sebastião a hum amigo seu nesta corte, em que depois de humas breves reflexões sobre o folheto intitulado Os Sebastianistas, lhe dá huma notícia circumstanciada da Ilha Encuberta, e da existencia daquelle Soberano. Tudo em estilo jocoserio, unico proprio de semelhante assumpto, Lisboa, Impressão Régia, 1810 BIBLIOGRAFIA DEVAUX, P., Autómatos, Automatismo e Automatização, Lisboa, 1964; LIMA, Henrique de Campos Ferreira, Um prestidigitador italiano em Portugal no século XVIII, in Feira da Ladra, v. 1 (1929), p. 11-17

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e *Socorro. A sua festa ocorre a 24 de Maio, tendo sido instituída no princípio do séc. XIX por Pio VII, em reconhecimento pelo auxílio recebido durante o cativeiro imposto por Napoleão. No Porto teve uma confraria, fundada em 1865, sendo cultuada em diversos altares.

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AVE também conhecido por Passadas de Nossa Senhora. Nuns afloramentos em xisto grauváquico, muito erodidos, sobre a ribeira das Olgas e adjacente a um caminho, acham-se dois pequenos painéis horizontais insculturados com podomorfos: no maior distinguem-se quatro pegadas em dois pares; cerca de 5 m adiante, noutro painel observa-se uma única pegada (*podomorfo). Na superfície imediatamente abaixo do primeiro painel terão existido petróglifos (hoje extremamente ténues) em forma de *ferradura, popularmente identificados como pegadas da burrinha de Nossa Senhora. É plausível a ocorrência de mais insculturas em afloramentos das cercanias, todos camuflados por abundantes tapetes de musgo. AVE As aves são portadoras do verbo divino (Eclesiástico, X, 20), todavia, também as há mudas (sobretudo as de rapina). As primaveris ou proféticas (*cuco, *andorinha, *pomba e *cotovia) encarnam a energia vital, anunciam a Primavera, o casamento e a morte, são morada das almas dos antepassados defuntos e guardiãs da família, do clã e da cidade; as aquáticas (*pato, *ganso, *cisne, *grou, *cegonha) são garantes da felicidade, riqueza, alimento e epifanias da *Grande-deusa na sua função de distribuidora. Sonhar com aves prognostica penas e desgostos. Na arte românica, as aves alimentam-se do pão espiritual e do sangue. Muitos povos concebem a alma como uma ave que se liberta no momento da morte (cf. Religiões da Lusitânia, v. 1, p. 223, nota 1). Em Portugal regista-se a crença de que a *alma se transforma em *pomba (cf. Teófilo, O Povo português, v. 2, p. 89) ou em *borboleta, motivo por, em Pitões das Júnias, não se lhe faz mal, pois é uma *alminha (cf. Revista Lusitana, v. 19, p. 95 e Aquilino Ribeiro, Terras do Demo). Na gruta do *Escoural (Montemor-o-Novo) ocorre uma pintura figurando um antropomorfo com cabeça e pescoço de ave. Idêntica figuração crê-se representada, em picotado fino (dimensão máxima: 11 cm), no complexo rupestre de *Fratel [CV J (s/nº)]. A presença de aves carnívoras, dilacerando os

Aves afrontadas desfrutando da bebida da imortalidade numa taça.

corpos dos pecadores (Arnoso, Braga, Pombeiro, Rates, Rio Mau, Vilar e Frades, etc.), tem o Apocalipse (XIX, 17-18 e 21) por paradigma: «Vi então um Anjo de pé sobre o Sol e a clamar em voz alta a todas as aves que voam pelo meio dos céus: vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus, para comerdes carnes de reis, carnes de generais e carnes de poderosos; carnes de cavalos e cavaleiros; carnes de homens livres e escravos, pequenos e grandes. [...] E todas as aves fartaram-se das suas carnes». Aves afontadas, debicando bagos ou cachos de *uva são alusão a *Dionísio e à crença na imortalidade celeste (os defuntos encontram nova luz no *além). Aves afrontadas, dessedentando-se numa taça, urna, cantharus ou cratera central (motivo documentado na Hispânia nos séc. V e VI, possivelmente de origem bizantina), consubstanciam a ideia latina de fidelidade (exposta em Horácio, Ep. 1, 10, 5: «vetuli notique columbi»). O cantharus simboliza a vida eterna, cujo elixir (dons de Deus e bens celestiais) contém (Arnoso, Beja, Braga, Cedofeita, Estói [MNA], Fonte Arcada, Ganfei, rates, Vilar de Frades, etc.). A substituição da taça pela cruz adequa-se 451

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AVE-BRUXA à circunstância funerária: cf. Epitáfios de Mértola, do Rossio do Carmo (Estácio da Veiga, Memória das antiguidades de Mértola, Lisboa, 1880, p. 114-115), de Aianes (3 Julho 539) e de Leopardus (27 Dezembro 525). Aves / pombas, pousadas na árvore do Mundo, figuram as almas dos defuntos. Anexim: Ave muda não faz agouro. *Horto do Esposo, *Livro das Aves e *Ornitomancia. FONTES ANÓNIMO, Livro de Cetraria [BN: PBA 518, fl. 130v (séc. XVII-XVIIII)]; ANÓNIMO, Livros de falcoaria (ed. crítica por Manuel Rodrigues Lapa), in Bol. de Filologia, t. 1 (1932-1933), p. 199-234 [BN: CG 4145 V]; ANÓNIMO, Tratado de Cetraria do Rei Dancus [BLLondres: Sloane 821, fl. 29-32v (séc. XVl); Uma tradução Portuguesa desconhecida do Tratado de cetraria do Rei Dancus (ed. Gunnar Tilander), in Bol. de Filologia, t. 6 (1940), p. 440-457 [BN: CG 4145 V]; ANÓNIMO, Livro que fez Enrique emperador d’Alemanha: Tratado do muito nobre rei d’Ancos (ed. Gunnar Tilander), in Neuephilologische Mitteilungen (Helsinquia), v. 66 (1965), p. 607-618]; FERREIRA, Diogo Fernandes, Arte da Caça de Altaneria, Lisboa, 1616 e 1899 (2 vols.); GIRALDO, Mestre, Tratado das enfermidades das aves de caça (ed. segundo um manuscripto do século XV por Gabriel Pereira), Lisboa, 1909 [BN: B 4815 V]; MENINO, Pero, Livro de Falcoaria [BN: cod. 2294, fl. 45v-59v (séc. XVI); BLLondres: Sloane 821, fl. 73-131 (séc. XVII); BN; BA: 518, fl. 30v-68r (séc. XVIIXVIIII); ed. com introd., notas e glossário por Rodrigues Lapa, Lisboa, 1931 = BN: SA 11950 V]; TINOCO, Luís Nunes, Retratos de varias aves tirados do natural. Seguem-se outros retratos assim de passaros, como de animais quadrupedes, e de alguns fabulosos, e menos naturaes, 1666 [ms. il. à pena, outrora propriedade da Livraria das Necessidades; BA: 49-II-71] (cf. Jorge Faro, Um calígrafo do século XVII, in Panorama, s. 3, n. 7, Set. 1957, il. com aves fantásticas: unicórnio alado, grifo uraeus = serpente alada) BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho / GOMES, M. V. / LEMOS, Francisco de Sande / MARQUES, T. / MARTINS, M. / MONTEIRO, J. P. / RAPOSO, L. F. / SERRÃO, Vitor / SILVA, A. C. / ANGELES QUEROL, M. de los / SERRÃO, Eduardo da Cunha, O Complexo de Arte Rupestre do Tejo: processos de levantamento, in Actas do III Congresso Nacional de Arqueologia (Porto, 1973), v. 1, Porto, 1974, p. 317; FELGUEIRAS, Guilherme, Etnografia agropecuária, in Notícias Agrícola, v. 6, n. 283 (28 Jul. 1938) [fórmulas para afugentar aves daninhas]; idem, A avicultura e a Tradição, in Notícias Agrícola, v. 6, n. 292 (29 Set. 1938); idem, Etnografia agro-pecuária, in Notícias Agrícola, v. 7, n. 316 (16 Mar. 1939) [As aves e as supertições dos camponeses]; FRADEJAS RUEDA, José Manuel, Una versión catalana del Livro de falcoaria de Pero Menino?, in Actas do IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval (Lisboa, 1991), v. 3, Lisboa, 1993, p. 187-190 [BN: CG 15065 V]; MARTINS, Mário, Experiência e conhecimento no Livro de Falcoaria, in Estudos de Cultura Medieval, v. 3, Lisboa, 1983, p. 75-84; NUNES, J. J., Aves de agouro, in Lusa, v. 2 (1918-19), p. 58-59 [considerações sobre algumas aves tidas

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como agourentas]; SANTOS JÚNIOR, Joaquim R. dos, A matança do Porco-bispo, in Feira da Ladra, v. 9 (1940), p. 101113; TILANDER, Gunnar, Acerca del Libro de Falcoaria de Pero Menino, in Revista de Filologia Española, t. 23 (1936), p. 255-274 [além dos ms. em língua portuguesa, trata de uma trad. castelhana existente na Biblioteca de Palacio, Madrid, ms. 1370 e de outra existente também no ms. Sloane 821 do BritishMuseum, fl. 73-131. Publica o texto do ms. 1370 da Biblioteca de Palacio (fragmentário) = BN: RE 394 V]; VASCONCELOS, Carolina Michaelis de, Mestre Giraldo e os seus Tratados de Alveitaria e Cetraria: I. Estudo literário, II. Estudo etimológico, in Revista Lusitana, v. 13 (1910), p. 149432 [BN:J 2497 B]; VELOSO, José Mariano da Conceição, Aviário Brasilico, ou Galleria Ornithologica das Aves indigenas do Brasil, disposto, e descripto segundo o systema de Carlos Linne, copiado do natural, e dos melhores authores, precedido de diversas dissertações análogas ao seu melhor conhecimento, acompanhado de outras estranhas ao mesmo continente […], Lisboa, Oficina da Casa literária do Arco do Cego, 1800

AVE-BRUXA Criatura híbrida, constituída por corpo de ave dominado por cabeça feminina. Presente na arte românica nacional, porventura herdada da antiguidade grega, onde ocorre como tema de uma das aventuras de Ulisses, cantada numa rapsódia de Homero. Também descrita como uma sereia alada, a locusta da visão apocalíptica (Apocalipse, IX, 3-11). Ver Ensaio Mágico ou duas palavras sobre a feitiçaria em que se mostra a falsidade da Arte Mágica provada pela Sagrada Escritura, Tradição SS. PP. e AA. Profanados por M. J. D. G. P. D. M. para instrução de seus Freguezes, Braga, [1842], p. 25. AVE DO DIABO Na Madeira, apontam-se como tais o *tentilhão e a *toutinegra, porque «têm metade de galatrixa». AVE MARIAS Em 1456 (três anos após a queda de Constantinopla), em virtude do avistamento de um grande cometa, o papa Calisto III ordenou que se tocassem os sinos de todas as igrejas ao meiodia, originando-se daí o toque das Ave Marias. Oração rezada em Paços de Ferreira (ca. 18801881), no dia 25 de Março, contra as bruxas: «Pelo campo de Gerafás passarei, / O inimigo d’ alma encontrarei, / E eu lhe direi: / Noite, arreda Satanás, / Que tu nesta alma não tens parte, nem terás, / Que eu em dia de Nossa Senho-

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AVENCA ra de Março / Cem ave-marias rezei, / E cem vezes me persignei, / E cem vezes o chão beijei / E cem vezes disse: / Ó Senhor da Bela Cruz, / Salvai a minha alma, / Salvai, Jesus». O povo acredita que os Medos aparecem ao meio-dia, meia-noite, ou depois do toque das Ave-Marias. AVE DO PARAÍSO Paradisaea apoda. Ave que aninha no *Paraíso. Não possui nem asas, nem patas, flutuando num desafio à gravidade (cf. Panorama, 29 Abr. 1843). Acha-se representada num azulejo da Universidade de Évora (sala 121). Sob ela dança um génio (Amor) ostentando uma filactera onde se lê: Semper Abstracta. Muito comum em emblemas jesuíticos: nutre-se de ar e de luz e não poisa sobre a Terra. Título de um romance de Carlos Selvagem (Paris-Lisboa, 1930?). Na imaginária indo-portuguesa, a ave do paraíso ocorre nas esculturas do Menino Jesus Bom Pastor, junto à fonte, dessedentando-se. AVEIA A propósito de uma passagem de Ezequiel (IV, 9: «E tu, filho do homem, toma trigo, cevada, favas, lentilhas, milho e aveia e meterás tudo isto num vaso e farás para ti pães»), ocorre a *Santo António o seguinte comentário: «No trigo que morre quando se deita à terra, designa-se a mortificação própria; na cevada, que possui uma pragana que se agarra, o rigor da disciplina; nas favas, alimento de abstinentes, a virtude da abstinência; nas lentilhas, pequeninas e de pouco valor, a consideração da nossa fraqueza; no milho, que precisa de frequentes cuidados, o exercício da vida activa; na aveia, que se ergue para o alto, a contemplação da glória celeste» (Obras Completas, v. 1, p. 94). Em Messejana (Aljustrel) ripam-se espigas verdes da aveia, atirando-se os grãos às costas de alguém solteiro: quantos grãos se fixarem no fato, tantos amores a pessoa há-de ter. AVEJÃO Também *abejão, *abujão e *abentesma. Fantasma, visão, aparição, medo, alma do outro mundo. Manifesta-se sob a forma de figura al-

vejante que, ora arremessa pedregulhos como uma funda, ora passa gemendo sobre os telhados, fazendo estremecer as casas. Dom Francisco Manuel de Melo escreve em O Fidalgo Aprendiz: «Eis vem a negra abujão!» (Terceira Jornada, v. 69) e «abujão, eu te esconjuro / que tu me digas quem és» (idem, v. 131-132). O Avejão (Lisboa, 1929) é o título de um episódio dramático de Raúl Brandão e Avejão Lírico (1939) o de uma tela de António Pedro. BIBLIOGRAFIA BASTOS, Glória ; VASCONCELOS, Ana Isabel, O Avejao e o Gebo e a Sombra de Raul Brandao, Porto: Porto Editora, 1995 [BN L. 51618 V]; BRANDAO, Raúl, O avejão: episódio dramático, Lisboa, 1929 [BN L. 23169 (16º) P]; idem, O Avejão, Porto, 1991 [BN L. 83862 P]; COVAS, Pedro, Os Avejões, in Tradição, v. 2 (1900), p. 24-27 e 57-58

AVELEIRA Em Nelas, dizia-se (1939) que rezando uma oração com uma vara de aveleira debaixo do joelho, se adivinhava o que se desejava saber. Nas suas Flores moralizadas, Soror Maria do Céu associa a avelã à leviandade: «Leviandade avelãs, / Não direi delas podres delas sãs, / Sua árvore ligeira como o vento, / Toda vem ao primeiro movimento, / Muitas não têm miolo como a cana, / Que nunca tem miolo a que é leviana. / Tem gosto, e não tem peso, / Que este é da loucura o contrapeso, / Do sizo faça a dama a sua palma, / Ou ficará por avelã com alma, / Do bom cheiro de fama esclarecida, / Para que assim pareça flor com vida». AVENCA Adiantium capilus-veneris, L. Também Capilária. Planta de virtude, utilizada em defumadouros de doentes de feitiçaria. Encontra-se em quase todo o território português, em locais húmidos, especialmente junto dos poços, fontes, entradas de grutas, etc. Utilizam-se as folhas (frondes) frescas. Propriedades terapêuticas: contém tanino, mucilagem, açúcar, ácido gálico, capilarina, etc.; propriedades béquicas, diuréticas, emenegogas e emolientes. Muito útil no combate a catarros brônquicos e pulmonares. Na Antiguidade era muito utilizada em loções para fazer crescer o cabelo, daí a denomi453

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AVENTAL DE COSTAS nação de capilária. Uso interno: infusão (20 g da planta, num litro de água) adoçada com mel, tomada quente. O xarope (200 g da planta fervidas num litro de água, coar e juntar posteriormente igual peso de açúcar ) é muito eficaz nas inflamações de garganta e afonias. Outra receita contra a tosse preconiza chá de avenca em leite ferrado (no qual se mergulhou um ferro em brasa). AVENTAL DE COSTAS Xaile preto de lã grosseira com o qual as viúvas mais idosas têm o hábito de cobrir a cabeça. AVENTESMA O mesmo que *abentesma. No conto A Serena de Alamares, difundido no Baixo e no Alto Alentejo, o mau relacionamento entre mães e filhas, dá ensejo a uma de enviar a filha ao moinho, onde aparece uma «aventesma que matava quem lá ía» (cf. A. Tomás Pires, Tradições Populares Alentejanas, in Revista Lusitana, a. 1, n. 1, 1887, p. 61). AVENTISMA O mesmo que *abentesma. AVENTURINA Pedra de virtude. *Amuleto excelente para quem vive movimentada e perigosamente. AVES, LIVRO DAS Oriundas de Portugal são conhecidas quatro cópias do Livro das Aves: (Lorvão, 1183 [ANTT], Santa Cruz de Coimbra [BPPorto: Santa Cruz 34, ms. 43], Alcobaça [BN: cod. alc. XXIX / 238, a mais completa de todas] e um fragmento adquirido aos herdeiros de Jorge de Faria) de um intitulado Livro das Aves, que mais não é do que um extracto do livro primeiro do De Bestiis et aliis rebus, inicialmente publicado como obra de Hugo de S. Vitor (Mogúncia, 1517), mas posteriormente atribuído por Migne a Hugo de Folieto e a autor anónimo. Trata-se de obra de apologética, baseada no Fisiólogo, S. Gregório Magno, Santo Isidoro de Sevilha, São Jerónimo, etc., consagrando capítulos às seguintes aves reais ou míticas: *abu454

Fólio do Livro das Aves (Lorvão, 1183 [ANTT]).

tre, *águia, *andorinha, *avestruz, *cegonha, *cisne, *codorniz, *corvo, *falcão, *fénix, *galo, *ganso, *garça, *gralha, *grou, *melro, *milhafre, *mocho, *noitibó ou *coruja, *pardal, *pavão, *pelicano, *perdiz, *pomba, *poupa, *rola e *tarambola. FONTES Uma Versão portuguesa da história natural das aves do séc. XIV (ed. Pedro de Azevedo), in Revista Lusitana, v. 25 (1923-1925), p. 128-147; Fragmentos de uma tradução medieval portuguesa (fins do séc. XIV) de um Livro das Aves, de autor anónimo (ed. Serafim da Silva Neto), in Textos medievais Portugueses e seus problemas, Rio de Janeiro, 1956, p. 40-45 e 104105; FOLIETO, Hugo de, Livro das Aves: reprodução fac-similar do manuscrito do século XIV (introd., leitura crítica, notas e glossário de Jacira Andrade Mota, Rosa Virgínia Matos, Vera Lúcia Sampaio e N. Rossi, sob orientação deste), Rio de Janeiro, 1965 [Trata-se da trad. portuguesa do ms. De avibus (1122-1125), pertencente à Biblioteca Central da Universidade de Brasília, um dos bestiários mais difundidos nas bibliotecas monásticas portuguesas, do qual são actualmente conhecidos os exemplares do mosteiro de Lorvão e outro oriundo do escritório de Alcobaça; BN: L 22151 V] BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Um Tratado de História Natural das Aves, in Revista Lusitana, v. 25 (1925), p. 128-

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AVESTRUZ 147; CRUZ, A., O Livro das Aves, in Revista de Ciências Históricas, n. 1 (1986), p. 161-174; CRESPO, Firmino / FRADE, Fernando, Anotações e comentários sobre o Livro das Aves, in Geographica, n. 3 (1967), p. 20-39; GONÇALVES, Isabel, Subsídio para o estudo iconográfico animal dos códices alcobacenses, in Actas do Congresso Internacional para a investigação e defesa do Património (Alcobaça, 1978), p. 369-380; MARTINS, Mário, Os Bestiários na nossa literatura, in Brotéria, v. 52, n. 5 (1951), p. 547-560; idem, O Livro das Aves, in Brotéria, v. 77 (1963), p. 413-416; idem, A simbologia mística nos nossos «bestiários», in Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956, p. 379-393; idem, O livro das Aves, in Brotéria, v. 77 (1963), p. 413-416; idem, Simbologia das aves e de outros animais, in Alegorias, símbolos e exemplos morais da literatura medieval portuguesa, Lisboa, 1980, p. 31-36; ROSSI, N., Livro das Aves, Rio de Janeiro, 1965

AVESSAS A confusão entre os termos latinos aversus e adversus justificará o conjunto de crenças relacionadas com objectos e comportamentos opostos à norma. Crê-se que caminhar às arrecuas é atrasar a vida (Lisboa), ensinar o caminho ou acompanhar o *diabo (Mondim), ou dirigir-se para o *Inferno (Óbidos). Em Minde (Seixal), diz-se que quando alguém anda às arrecuas, está Nossa Senhora a chorar e o diabo a rir-se. Quando alguém se esquece subitamente de algo que quer dizer ou fazer, preconiza-se que volte atrás pelo mesmo caminho, para se lembrar (Lisboa). Pôr um banco ou cadeira de pernas para o ar ou vassoura com a rama para cima, atrás de uma porta, faz sair uma visita inoportuna (Lisboa). O mesmo efeito é obtido colocando o cabo de uma vassoura com a rama para cima, dentro de um banco. Em Melgaço, considera-se destinado ao diabo o *Pai-Nosso dito às avessas: «[…] Céu no como, terra na assim, vontade vossa a feita seja, nome vosso o seja, ficado santo, Céu no estais que, Nosso Padre» (não é conveniente dizer todas as palavras). O mesmo se diz da Ave Maria, rezada às avessas: «Jesus amen morte nossa na hora e agora pecadores nós por rogai Deus de mãe Maria Santa Jesus ventre vosso do fruto o é bendito mulheres as entre vós sois bendita convosco é Senhor o graça de cheia Maria Ave». Igualmente, da Salve-Rainha. Pelo contrário, em Trás-os-Montes, tem-se como excelente remédio para afugentar bruxas. Para curar as *dadas (Arcos de Valdevez) as mulheres devem lavar-se às aves-

O Mundo às avessas (1730): um dos painéis do salão de baile do palácio dos condes de Anadia (Mangualde).

sas (?). O pão não se deve pousar voltado porque não foi ganho assim (cf. A. C. Pires de Lima, in Revista Lusitana, v. 17). Varrer a casa às avessas foi pretexto para denúncias na Inquisição, por suposto judaísmo (cf. Maria Antonieta Garcia, Denúncias em Nome da Fé, Guarda, 2000, p. 71). Não se voltar para trás: ver mito de *Orfeu e episódio bíblico de Sodoma e Gomorra. O Mundo às avessas é o tema de diversos painéis azulejares do salão de baile do palácio dos condes de Anadia (Mangualde), inspirados em gravuras francesas de Oudry (1730) e pintados por uma oficina coimbrã, em 1770. AVESSO Para arrenegar bruxas é aconselhável virar a camisa e o fato do avesso. Quando alguém se dirige ao *espojadouro onde ficou a roupa de um *lobisomem e a volta do avesso, quebra-lhe o *fado (Pesqueiro). Na Terceira (Açores), diz-se que para benzer o quebranto deve o benzedor ter a roupa vestida do avesso. Embora, roupa vestida do avesso seja quase invariavelmente de mau *agouro, em Lisboa, constitui prognóstico de presente. AVESTRUZ Significa o hipócrita, o qual, segundo Santo António, tal como o avestruz que tem penas mas não pode voar devido à grandeza do seu corpo, «se carrega com o amor dos bens terrenos e, sob a pena de religião falsa, pretende mostrar-se falcão no voo contemplativo» (Obras Completas, v. 1, p. 60). Depositar ovos 455

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AVIGOIRO

Santo António sobre a avestruz […]. A avestruz significa o hipócrita, cobiçoso de bens temporais. Abandona os seus ovos, os filhos que gerara e não se preocupa nada de que os exemplos das más obras pervertam os privados da solicitude da exortação ou da guarda da disciplina. Não cuida ainda de que, algum animal do campo lhos quebre. O campo figura o mundo; o animal, o diabo, que lançando emboscadas à alma com as rapinas deste mundo, ao descer ela de Jerusalém para Jericó, a despoja e fere. E assim o diabo sacia-se todos os dias com a morte humana. […] Se o diabo, exercendo a crueldade neste mundo, arrebata os nascidos em bom ambiente, ao hipócrita absolutamente nada disto lhe interessa. […]. Deixar os ovos em terra é não dar aos filhos exemplo algum da vida celeste. […]. […]. Diz-se que a avestruz põe os ovos diante dela e os olha fixa e continuamente. Este olhar aquece-os, de modo que os ovos vêm a dar o seu fruto. Também o pecador deve pôr as suas obras diante do espírito e dorido, considerá-las frequentemente e com atenção para que delas consiga produzir o fruto da penitência. […]. […]. Cristo de facto libertou-nos, como certa ave, chamada avestruz, que libertou seu filho. Consta que o sapientíssimo Salomão teve uma ave, uma avestruz, cujo filho meteu num vaso de vidro. A dolente mãe via o filho, sem o poder possuir. Finalmente, por demasiado amor para com o filho retirou-se para o deserto, onde encontrou um verme. Trouxe-o e pô-lo em cima do vaso de vido, contra o qual arrebentou o verme. A virtude desse sangue quebrou o vidro e desta forma a avestruz libertou o filho. […]. Esta ave significa a divindade; o seu filho, Adão e a sua descendência; o vaso de vidro, o cárcere do inferno; o deserto, o ventre virginal; o verme a humanidade de Cristo; o sangue, a sua paixão. Deus, pois, para libertar o género humano do cárcere do inferno, do poder do diabo, foi para o deserto, ou seja, para o ventre duma Virgem. Dela recebeu o verme,isto é, a humanidade . […]. Arrebentou este verme no patíbulo da cruz. Do seu lado saiu sangue, cuja virtude quebrou as portas do inferno e libertou o género humano do poder do diabo. […].

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(emblema da alma justa) de avestruz nos túmulos foi costume tipicamente semita. A *Bíblia é particularmente severa para com a avestruz (Job, XXXIX, 13-19). AVIGOIRO Junção de ave com *agouro. Designação da *vespa. AVISO Invocação mariana festejada com romaria, em Serapicos (Bragança). A meio do percurso entre o santuário e São Ceris, existe a Fonte dos Engaranhos, muito procurada pelas mães de crianças que padecem de raquitismo (*engaranho), que as vão banhar nela, segundo determinados preceitos rituais, para obter a cura. Associadas à fonte, encontram-se algumas insculturas rupestres (muito delidas). AYPEROS Também *Ipés. Assume aparência de anjo ou de leão com patas de ganso e cauda de lebre. Comanda 36 legiões. Citado no cânone 7 do Concílio de Braga (530-536). AYRE DE RIBA Em Terras de Miranda, nome do vento que sopra de Burgos. O mesmo que *burganês e *burguês. AZAEL Nome do *diabo. AZAGEL Nome do *diabo. AZAGRE O mesmo que *azague, em Perosinho (Vila Nova de Gaia) e *zagre. Doença típica das crianças até aos sete anos, que consta de crostas na cabeça e/ou na cara. Trata-se com azeite quente ou óleo de amêndoas doces. Arrenega-se junto de um riacho, molhando um raminho de três folhas na água, fazendo com ele, de cada vez, cruzes no rosto do paciente e lançando após isso as três folhas na corrente enquanto

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AZEITE

Ensalmo destinado a talhar o azagre (Penamacor) Manuel vai a lavrar Maria vai levar o jantar Que é isto que aqui anda a andar? É o zagre que vamos a atalhar Com unto sem sal e cinza do lar. Benzedura do azagre Com uma pena de pita preta, ainda viva, molhada em azeite, fazem-se algumas cruzes na casa do enfermo, enquanto se diz: Santa Cezília tinha três filhas Uma lavava, outra cozia, Outra no fogo ardia Ela me disse que o atalhasse Com azeite de oliva E com esta pena preta de pita viva.

se pronuncia: «Azague foi ao monte... / Nunca comia, nem bebia, / Quem talhava era Deus / E a Virgem Maria / com a folhinha de gesta / que pela água corria...». AZAGUE *Azagre. AZAR Difere do *agouro, porquanto enquanto o azar o anuncia, aquele é a própria desgraça, causada acidentalmente. Também difere do *enguiço, porque este apenas causa obstáculo, i. e., empata. Outrora, quando se via uma preta em Lisboa, espirrava-se («Atxim preta!») ou cuspia-se depois dela passar para evitar o azar; ver um preto, pelo contrário, augurava sorte. Exemplos de azares: tesoura aberta; partir garrafa com azeite ou entornar azeite (morte de parente); entornar tinta (para afastar o azar: deitar uma mão cheia de sal por uma janela, estando de costas voltadas para ela); partir vidros ou espelhos; possuir pombos em casa (casa de pombos, casa de tombos); ter rolas (porque elas dizem: põe-te na rua!); ter galinha que canta de galo; virar um banco de pernas para o ar (anda a casa para trás); entornar sal inadvertidamente

(pisá-lo é ainda maior azar); rodar um prato sobre a mesa distraidamente; ter facas ou garfos em cruz; sentar treze pessoas à mesma mesa (morre a mais velha ou a mais nova); ver um boi preto; ver uma cobra (Cadaval); ver um gato preto numa sexta-feira; cumprimentarem-se várias pessoas, simultaneamente, cruzando os braços (diz-se que desmancha o *casamento daqueles que apertarem as mãos por baixo). AZAROTH Cântico judaico peninsular, específico das celebrações judaicas do Pentecostes ou Páscoa de Shabaot, a grande festa da Torah, na qual os hebreus comemoram o dia em que Deus deu a Moisés a Lei. BIBLIOGRAFIA AMZALAK, Moisés Bensabat, Notas sobre as Azharot ou Exortações, Coimbra, 1922

AZAZEL Um dos nomes judaicos do *diabo, denominado o Mistério da Iniquidade. Primeiro porta-estandarte das legiões infernais. Ensinou a humanidade a fabricar armas e a fundir os metais para produzir moeda, sendo também mestre de astronomia, venenos, encantamentos, fascinações e adivinhação. Citado no cânone 7 do Concílio de Braga (530-536). No dia do quipur os judeus peninsulares sacrificavam dois cabritos ruivos, um a Deus e outro a Azazel. AZEITE Óleo divino, utilizado na alimentação, mas também em rezas (pingos de azeite deitados em água permitem diagnosticar o *mau olhado, o *luado ou o *mal praguejado), benzeduras (talhar o *cobrão ou *buxo virado), pagamento de promessas, na preparação de unguentos (na Chamusca, contra a dor de barriga, que se deve untar com azeite embebido em papel pardo), emplastros e pomadas ou como tónico, em combinação com vinho, vinagre, essências, etc. Vomitivo adoptado no caso de intoxicações ou envenenamentos. Derramar azeite é mau agouro e causa de enguiço. Em Vila Nova de Gaia, quando isso ocorre, fazem-se cruzes com sal, dizendo: «Boto sal em cruz, / Santo Nome de 457

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AZEITEIRO Jesus!». Em outras regiões, caminha-se de costas para a chaminé ou para uma janela, deitando-se para trás das costas, sem olhar, uma mão cheia de sal. Para desmanchar um *feitiço toma-se um quartilho de azeite, benzido por um padre que não seja amante de mulheres e o indivíduo com feitiço vomita-o imediatamente (Melgaço, 1918). Para se saber se alguma pessoa tem quebranto, deitam-se três pingos de azeite em água: se o azeite se espalhar tem, se ficar junto não tem. Na freguesia de São Martinho de Silvares (Fafe) existe o Penedo do Azeite, do qual, segundo uma lenda, brotava azeite que era recolhido por mulheres com o suposto objectivo de intensificar a fertilidade. No local onde se diz que a pedra destilava observa-se uma cavidade com a configuração dos genitais femininos. Diz-se que o fenómeno nunca mais se repetiu depois de duas das mulheres que ali se dirigiam se terem desentendido. O penedo foi dinamitado há alguns anos, tendo ficado partido em dois. Em artigos publicados em 1928, Teixeira Rego advogou, baseando-se nos «fastos hoje conhecidos de ectoplasmia», que a unção com óleos (azeite, etc.), *sangue (*ocre vermelho), *leite, *visco, etc., de pedras, estátuas e humanos, visava o aprisionamento da divindade nesses corpos, doravante consagrados (Genesis, XXXV, 14-15) BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro A. de, O fogo eterno nos lagares de azeite, in Revista Lusitana, v. 14 (1911), p. 298-299; CARVALHO, Alfredo Ferreira de, O Azeite: como funciona uma azenha de azeite em Biodães da Beira (Pesqueira), in Douro Litoral, s. 2, v. 7 (19??), p. 28; LEÃO, Armando, Folclore da freguesia da Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 63-67 [termos usados nos lagares de azeite; desenho com nomes das peças; alcunhas]; LIMA, Augusto César Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 6, Porto, 1951 [além do carvalho, estuda a oliveira, seu carácter sagrado e importância e do azeite na liturgia cristã; referências históricas às oliveiras em Portugal; cultura e apanha da azeitona, adágios e quadras populares, «penhoras» e festa das adiafas; fabrico do azeite, desenho de um ligar de vara com nomenclatura das principais peças; processos tradicionais de curtir a azeitona; a oliveira na literatura erudita e na arte; vocabulário, ditos, adágios e adivinhas, cantigas populares, religiosas e tópicas, alusivas à oliveira; medicina popular e virtudes atribuídas ao azeite; ensalmos e superstições várias; contos e lendas em que se fazem referências à oliveira; costumes tradicionais referentes ao azeite e aos ramos de oliveira e relacionados com mortórios, casamentos, esconjuros de trovoadas, etc.]; PINTO, Ale-

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xandre de Azeredo, O Azeite: o fabrico em Mesquinhata (Baião), in Douro Litoral, s. 2, v. 7 (1947), p. 27; PIRES, A. Thomaz, Investigações ethnographicas, in Revista Lusitana, v. 16 (1913), p. 112-146 [além de outros assuntos, trata da escolha de pesooas castas para a apanha da azeitona]; REGO, Teixeira, Pedras e Estátuas animadas, in A Águia, s. 4, n. 4-5 (Jul.-Out. 1928), p. 115-123; VEIGA, Álvaro, De como se obtém o azeite, in Douro Litoral, s. 3, v. 3 (1948), p. 64-67; S/a., Festa rural (colheita da azeitona), in Revista Lusitana, v. 31 (1933), p. 312-313 [descreve a festa final da adiafa em Riodades: o ramo oferecido ao patrão, o baile, o jantar, etc.]

AZEITEIRO Nome do diabo. AZEITONA Sonhar com azeitonas caídas no chão significa maus resultados, enquanto vê-las na oliveira vaticina amizades profundas. Caroços de azeitona enfiados num cordel e usados ao pescoço saram dores de dentes (Portel). Em Escalhão (Figueira de Castelo Rodrigo), os jovens que têm mais do que um namorado(a) e querem saber com qual hão-de casar, pegam num caroço de azeitona, apertam-no entre os dedos, fazendo-o saltar: a direcção que tomar indicará o sítio ou rua onde reside o futuro esposo ou esposa. O azeite é utilizado na alimentação, mas também em rezas (pingos de azeite deitados em água permitem diagnosticar o mau olhado, o luado ou o mal praguejado), benzeduras (talhar o *cobrão ou *buxo virado), pagamento de promessas, na preparação de unguentos, emplastros e pomadas ou como tónico, em combinação com vinho, vinagre, essências, etc. Vomitivo adoptado no caso de intoxicações ou envenenamentos. Derramar azeite é mau *agouro e causa de enguiço. Em Vila Nova de Gaia, quando isso ocorre, fazem-se cruzes com sal, dizendo: «Boto sal em cruz, / Santo Nome de Jesus!». Para desmanchar um feitiço toma-se um quartilho de azeite, benzido por um padre que não seja amante de mulheres e o indivíduo com feitiço vomita-o imediatamente (Melgaço, 1918). Para se saber se alguma pessoa tem quebranto, deitam-se três pingos de azeite em água: se o azeite se espalhar tem, se ficar junto não tem. Na freguesia de S. Martinho de Silvares (Fafe) existe o Penedo do Azeite, do qual, segundo uma lenda, brotava azeite que era recolhido por mulheres

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AZEVEDO com o suposto objectivo de intensificar a fertilidade. No local onde se diz que a pedra destilava observa-se uma cavidade com a configuração dos genitais femininos. Diz-se que o fenómeno nunca mais se repetiu depois de duas das mulheres que ali se dirigiam se terem desentendido. O penedo foi dinamitado há alguns anos, tendo ficado partido em dois. *Círio dos Caramelos (*Atalaia), *surra da azeitona (*assuada). Quadra: «Atirei c’uma azeitona / À menina da varanda: / A azeitona caiu dentro, / A menina já cá anda!» (*Oráculo amoroso). BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro A. de, O fogo eterno nos lagares de azeite, in Revista Lusitana, v. 14 (1911), p. 298-299; BARREIROS, Álvaro Augusto, A apanha da azeitona em Ervedosa do Douro, in Douro Litoral, v. 9 (1944), p. 56 [descrição da apanha pelo processo de varejo]; CARVALHO, Alfredo Ferreira de, O Azeite: como funciona uma azenha de azeite em Biodães da Beira (Pesqueira), in Douro Litoral, s. 2, v. 7, p. 28; CASTELO-BRANCO, Fernando, Aspectos e canções da apanha da azeitona em Borba, in Revista Ocidente, v. 55 (1958), p. 1-16; idem, Aspectos e Canções da apanha da Azeitona em Borba, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p. 423-426; CHAVES, Luís, Festas agrícolas (Alentejo): O rancho da azeitona, in Lusa, v. 4 (1921-22), p. 127-134; idem, Páginas folclóricas, in Revista Lusitana, v. 26 (1927), p- 5-67 [descrição da apanha da azeitona e da festa final, a adiafa, etc.); idem, Páginas folclóricas, Porto, 1942 [colheita da azeitona, descrição e práticas específicas: eleição do Alferes, juíza e Mordoma do rancho; festa da adiafa; o arrebolar, homem e mulher pelo chão; etc.; virtudes e simbólica da oliveira; quadras populares alusivas, etc.] ; DIAS, Jaime Lopes, Distrito Etnográfico: Costumes do Campo. A apanha da azeitona, in Acção Regional, v. 3, n. 118 (1928); FELGUEIRAS, Guilherme, Etnografia agro-pecuária, in Notícias Agrícola, v. 7, n. 306 (1939); S/a., Apanha da azeitona, in Notícias Agrícola, v. 3, n. 139 (1935); LEÃO, Armando, Folclore da freguesia da Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 63-67 [termos usados nos lagares de azeite; desenho com nomes das peças; alcunhas]; LIMA, Augusto César Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 6, Porto, 1951 [além do carvalho, estuda a oliveira, seu carácter sagrado e importância e do azeite na liturgia cristã; referências históricas às oliveiras em Portugal; cultura e apanha da azeitona, adágios e quadras populares, «penhoras» e festa das adiafas; fabrico do azeite, desenho de um ligar de vara com nomenclatura das principais peças; processos tradicionais de curtir a azeitona; a oliveira na literatura erudita e na arte; vocabulário, ditos, adágios e adivinhas, cantigas populares, religiosas e tópicas, alusivas à oliveira; medicina popular e virtudes atribuídas ao azeite; ensalmos e superstições várias; contos e lendas em que se fazem referências à oliveira; costumes tradicionais referentes ao azeite e aos ramos de oliveira e relacionados com mortórios, casamentos, esconjuros de trovoadas, etc.]; PINTO, Alexandre de Azeredo, O Azeite: o fabrico em Mesquinhata (Baião), in Douro Litoral, s. 2, v. 7 (1947), p. 27; PIRES, A. Thomaz, In-

vestigações ethnographicas, in Revista Lusitana, v. 16 (1913), p. 112-146 [além de outros assuntos, trata da escolha de pesooas castas para a apanha da azeitona]; VEIGA, Álvaro, De como se obtém o azeite, in Douro Litoral, s. 3, v. 3 (1948), p. 64-67; S/a., Festa rural (colheita da azeitona), in Revista Lusitana, v. 31 (1933), p. 312-313 [descreve a festa final da adiafa em Riodades: o ramo oferecido ao patrão, o baile, o jantar, etc.]

AZÊMOLA Tendo morrido uma azêmola que transportava a cama do Condestável, D. Nuno, disse o povo que no local onde o animal morreu, um espírito maligno tomou um homem e falou dele muitas coisas (cf. Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. I). AZEVEDO Nesta localidade (Vila Praia de Âncora, Caminha) detectou Martins Sarmento «uma laje com gravuras curiosas», algumas novas para ele, como sublinha, acrescentando: «Aqui em vez de círculos concêntricos, aparecem quadrados, mas gravados pelo mesmo processo dos círculos» (cf. O estudo da Ora Maritima; antas da Peneda; insculturas antigas, in O Arqueólogo Português, v. 6, n. 8-12, Ago.-Dez. 1901, p. 183). O mesmo arqueólogo cita um ciprianista local, o qual lhe contara «ter quebrado na sua propriedade uma laje, onde, além do sol e da lua, estavam também pintadas as estrelas. O sol e a lua eram gravuras circulares de diferente diâmetro; as estrelas eram, segundo parece, covinhas (fossettes), a que ele dava certamente aquele nome, por vê-las na companhia dos dois astros» (cf. Dispersos, Coimbra, 1933, p. 314). Ainda Martins Sarmento refere a existência aqui de outros petróglifos, a saber: 1. numa laje à beira da estrada entre Vila e Azevedo, logo acima da igreja de São Pedro, de covinhas, sinais e letras: «As covinhas pareceram-me antigas. O círculo terá três polegadas e é um pouco frustre e duvidoso. O P, pelo menos o segundo, é muito distinto e deve ser relativamente moderno» (Antiqua: apontamentos de Arqueologia, Guimarães, 1999, p. 96, n. 146); 2. o Penedo das Fontinhas que tinha «umas letras» que o rapazio destruíu com cinzel e martelo (idem, p. 157); 3. as «cadeias pintadas» (aliás gravadas), num penedo das redondezas (idem). *Asteriforme. 459

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AZEVEDO, PADRE JOSÉ DE SOUSA AZEVEDO, PADRE JOSÉ DE SOUSA Clérigo do hábito de São Pedro e *exorcista. Saíu penitenciado no *auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 21 de Junho de 1731, por se valer de coisas e palavras supersticiosas para os exorcismos e fazer vir o *diabo à sua presença em figura de um *cágado, tendo pacto com o mesmo (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). AZEVEDO, LUÍSA DE Chamada a Mestra de Vila Boa. Denunciada à *Inquisição de Coimbra pelo Padre António Mendes, reitor de Vila Boa de Quires, em 1653. Residia em Vilarelho, achando-se, na opinião do sacerdote, «infamada de feiticeira, e que adivinha, e cura por arte do demónio, à qual acode muita gente de diversas partes deste Reino nas quartas-feiras, e sextas da semana, que são os dias assinalados, em que mais usa de suas cerimónias, e diz que quem não tem saúde a pode procurar por via do diabo […]». Por despacho de 22 de Julho de 1653, os inquisidores mandaram que se procedesse à inquirição de testemunhas, o que teve lugar em 10 de Setembro seguinte, na localidade de Vila Boa de Quires. Várias acusaram-na de feitiçarias, designadamente de mandar passar ao domingo por cima de espada nua, curar argueiros com palavras, levantar a espinhela, etc. Na sequência das inquirições, Luísa de Azevedo seria presa por ordem do Santo Ofício, dando entrada nos cárceres e Coimbra, em 8 de Janeiro de 1655. Comparecendo perante os inquisidores disse ser cristã-velha, de 60 anos, viúva do pedreiro Gonçalo Vieira. Logo durante a primeira sessão dos interrogatórios começou a confessar as suas culpas, consoante se lê no seu processo [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 2026]: «[…]. Começou a curar enfermos, que se dizia serem doentes de ar, com uma oração que começa: Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, Jesus, Maria, José, que andastes na terra do Egipto fugindo aos inimigos com Nosso Senhor Jesus Cristo, em vossos santíssimos braços, a qual oração se não escreveu por extenso por ser excessivamente comprida, e parece que não con460

tinha coisa alguma suspeita, e era com efeito uma oração de cego que refere a Paixão e Sepultura de Cristo Senhor Nosso por modo e estílo rústico e impróprio. A qual oração ela confitente dizia sobre o enfermo doente tolhido, ou leso dos olhos, por ter neles argueiros, lançando benções em cruz a certos espaços sobre o doente, dizendo no fim da oração: Pelo poder de Deus e da Virgem Maria, e dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, e S. Miguel Arcanjo, e de todos os Santos, este mal talho e benzo pelo poder de Deus, ar de mortos excomungados, ar de vivos excomungados, do meio dia, da meia-noite, de todas as horas más, estes males fiquem pacificados, assim como o Nosso Senhor pacificou seus inimigos que na Cruz o crucificaram. E em isto lançava outras benções e dizia cinco vezes Louvado seja o Santissimo Sacramento. E com o sobredito uns doentes saravam, outros não, como Deus era servido. Porém os que tinham argueiros sempre saravam, e saía do olho o argueiro, ou ali ou depois. E algumas vezes os tirava com uma tenazinha, ou palhinha». No decurso de outras sessões, confessaria que «mandava fazer cozimentos com água dizimada, lançando fora nove púcaros dela, e o décimo nas ervas que se haviam de cozer». Que dava aos crentes grãos de giesta para preservar do ar e não de fetão, como algumas testemunhas tinham «inventado isto da sua cabeça». Acrescentou que mandava as pessoas passarem sobre espada nua (no processo é citado o caso de certa moça, que estava enfeitiçada, à qual fez dar três voltas em redor de uma espada nua), mas não em dias determinados e que também não curava só em dias certos. Acabou por sair penitenciada no *auto-da-fé realizado em Coimbra, no Terreiro de S. Miguel, junto à Inquisição, em 18 de Abril de 1655, condenada a abjurar de leve suspeita e a dois anos de degredo para Castro Marim. Solta a 27 do mesmo mês, o degredo ser-lhe-ia comutado para Torre de Moncorvo, em 14 de Junho. Regressando a Vila Boa de Quites, vendeu tudo que aí possuia e foi para destino ignorado, com uma filha. Mas, volvidos 4 ou 5 anos, regressou, continuando publicamente as suas práticas de feitiçaria (novamente denunciadas ao Santo Ofício

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AZEVICHE pelo reitor António Mendes, por carta de 6 de Outubro de 1662). Não consta, porém, que a Inquisição voltasse a importuná-la. Depoimento do Padre António Mendes «No princípio de Dezembro de 1652 achei nesta minha casa a Luísa de Azevedo curando minha mãe dos olhos que como tinha a vista perdida, e lhe disseram que a dita Luísa de Azevedo curava de tudo, mandou a vir a esse efeito, e à minha vista lhe mandou cozer certas ervas em água dizimada, lançando nove púcaros no chão, e recolhendo o décimo, e com ela lavasse os olhos, e a benzeu, fazendo umas cruzes nos peitos, e nas costas, e cabeça, com uma faca, dizendo uma grande lenda [sic], em que falava em diversos Santos e Patriarcas […]. Untava os olhos com unto, e depois mandava lançar a untura em rio que nunca estancasse. Já a mãe Marta Pires se dedicava a feitiçarias. Ao Licenciado Manuel Cerqueira, abade de S. Romão de Paredes, que sofria do estômago, recomendaram-lhe que fosse consultar Luísa de Azevedo, e ela disse-lhe «que se ele quisesse, ela mostraria em um alguidar de água a pessoa que lhe tinha feito os feitiços». O abade sarou de todo, tirando do pé um escarapim que usava, e estava embruxado pela mulher, cujo rosto aparecera na água do alguidar. Palavras de bem querer: «Fulana, com dois te vejo, com cinco te prendo, pelo poder de Deus, e de S. Paulo, tu queiras o que eu quiser, e caibas onde eu couber». Estas palavras, ditas às avessas, serviam pata mal querer». Depoimento de Maria Correia [Luísa de Azevedo, para lhe curar certo achaque] «mandou cozer uns mentrastos, e cozidos eles pusesse as folhas no rosto, e lhe dera um papel. que não sabia se estava branco, se escrito, para que o deitasse no Rio de S. Martinho, sem olhar para trás. Para uma doença do pai dela testemunha, recomendou-lhe que fosse muito depressa ao meio do lugar onde ele vivia e em voz alta dissesse que a pessoa que tinha seu pai preso que lho soltasse, que mais rendia vivo que morto, senão que havia de buscar seu remédio». BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bruxos, Bruxas e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do Congresso Internacional de Etnografia promovido pela Câmara Municipal de Santo Tirso, v. 3, Lisboa, 1965, p. 189-192

AZEVEDO, FREI MANUEL DE (?-1672) Desempenhou altas funções na Armada, tendo professado o hábito carmelita, em 1649. Autor de Correcção de abusos introduzidos contra o verdadeiro methodo da medicina: em tres Tratados. O primeiro: Do grande proveito, que a todos faz o exercicio; & de quanto proveitosas são as purgas no principio das enfermidades. O segundo: De como convem as sangrias dos pês, primeiro que as dos braços, nas enfermidades que cometem cabeça, & coração. O terceiro: Do conhecimento, & curação da febre maligna, com os remedios mais particulares & experimentados para melhor se curar (Lisboa, Diogo Soares de Bulhoens, 1668 [BN: SA 9063 P]), obra na qual se refere à fascinação (I, p. 9s.) e aos contactos que manteve com saludadores portugueses e castelhanos (II, p. 34-37), incluindo um Tratado da fascinação, olhado ou quebranto (reedições: 1680, 1690 e 1705). AZEVICHE Espécie de lenhite, negra e brilhante. Jóia do luto. Objectos de azeviche (contas, figas, etc.) protegem contra o *mau olhado, o mau *ar, o *quebranto, a *fascinação, as *luadas e os feitiços em geral (cf. Fonseca Henriques, p. 125; Frei Manuel de Azevedo, Tratado da Fascinação). Contas e amuletos de azeviche foram detectados nas estações arqueológicas de Pai Mogo, lapa do Suão, Cabeço da Ministra, Cascais, grutas de Alcobaça, gruta do Correio-mor (Loures), lapas do Fumo e do Bugio (Cabo Espichel). O azeviche é referido por Plínio que lhe atribuía poderes medicinais e profilácticos, e lhe conferia a propriedade de afugentar demónios e desfazer quebrantos. Santo Agostinho assevera que a fumigação desta pedra afugenta demónios, fascinações, ideias melancólicas e malefícios (Da Cidade de Deus, cap. IX). Uma conta de azeviche é preconizada como profiláctico contra o mau ar e as *bichas (*sanguessuga). Ao pôr-se a conta numa criança, dizia o sábio de Melgaço: «Azebiche! Te ponho nesta criança, que corte’las bichas e o mau ar». Também Camilo Castelo Branco se reporta ao uso de contas de azeviche como profiláctico: «E começou a desenrolar o nastro gorduroso de uma 461

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AZEVINHO carteira de coiro em que tinha recibos da décima, um aviso da junta da paróquia para pagar a côngrua, uma conta de azeviche contra maus-olhados, uma oração manuscrita contra as maleitas […] o livrinho de Santa Bárbara […]» (cf. A Brasileira de Prazins 1883, p. 35 e 341: «Mas o grande consumo era de contas de azeviche, refractárias aos maus-olhados[…]»). Um poeta da Academia dos Singulares escreve: «Por sempre fermosa e bella, / receando-se de olhado, / o cupido bem laurado / no azeviche tinha Isbella» (2ª parte, 1665, p. 151). O azeviche falso (*pau-preto) estala e quebra-se se exposto ao sol. O poeta seiscentista António Serrão de Crasto dedicou um Romance a uma dama, que tendo no peito um Cupido de azeviche, lhe estalou aos raios do Sol (cf. Academia dos Singulares, t. 1, fl. 153): «[…] / Esse Cupido não era / lá na Batalha criado? / filho de Marte, e de Vénus, / pois como acabou tão fraco? / Não tinha virtude oculta / para tirar os quebrantos? / pois quando os quebrantos tira, / Como fica esse quebrado? / […]». Ao azeviche encastoado em prata dá-se os nomes de *conta de quebranto e *conta de estanca-sangue: se alguém deita mau-olhado a uma pessoa que a traga ela estala (Vila do Conde), ficando com maior virtude. *Coral. AZEVINHO Arbusto (o mistletoe, britânico) associado às celebrações do solstício do Inverno (*serra de Arga). O azevinho borrifado com vinho na noite de *São João e levado para casa depois da meianoite, trás a fortuna. As mulheres do bairro da Ribeira de Viana do Castelo, donas de barcos e redes, colhem azevinho junto do convento de São Francisco do Monte para proteger as embarcações. Para o efeito, é organizado um cortejo composto por nove donzelas de nome Maria, o qual não pode realizar-se às terças e sextas-feiras, nem no dia da Vera Cruz (3 de Maio), por serem considerados azíagos. BIBLIOGRAFIA COSTA, Amadeu, Coisas da nossa Ribeira: a apanha do azevinho, uma velha usança da classe piscatória da foz do Lima, in Cadernos Vianenses, v. 12 (1989), p. 95-106

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AZIA Diz-se que a azia (hiperacidez gástrica ou hipercloridia) nas grávidas é provocada pelo crescimento dos cabelos do bebé. Quando se sente azia faz-se um nó numa ponta do lenço com a mão esquerda ou mete-se a mão num sovaco e cheira-se. Preconiza-se água com açúcar, um chá para dores de estômago, ou comer em jejum: pevides de *abóbora assadas na lareira, peros (Madeira), laranjas (idem), batata doce (idem) ou ainda talos de couve (idem). Para talhar a azia: «Santa Luzia tinha três filhas, uma fiava, outra tecia, outra curava o mal da azia» (repetir três vezes, podendo substituir Santa Luzia por Santa Sofia ou por Santa Rita [Cruz de Caravaca, s. l., 1801, p. 35]); «Indo eu por uma carreirinha, / Encontrei a uma portinha / A Virgem Maria / Com seus livrinhos na mão: / Num lia / Noutro escrevia / Noutro talhava a azia» (Paços de Ferreira, ca. 1880-1881). Em S. Mamede de Infesta (Matosinhos) coloca-se a pessoa com azia sobre uma pedra, dizendo quem lhe talha o mal: «Talho-te a azia, / Talho-te a trela; / Sai-te, burro, / De cima dessa pedra». Na Golegã também se sobe para cima de uma pedra, dizendo: «Azedia, azedia / No monte se cria / Cabras guardadas / P’ro amor da zedia». Em Telões (Amarante) o ensalmo é idêntico: «Cortem o estámego, / Cortem a trela: / Está o tolo em cima da terra». Na Rapa (Celorico da Beira) a um ouriço com uma só *castanha chamam castanha d’azia, guardandoa para comer em caso de azia. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Domingos de, Tradições populares de Vila do Conde, in Douro Litoral, s. 2, n. 1 (1944), p. 61-69 [Ensalmos para talhar unheiro, azia, defumadoiros, mão ou pé abertos, coser o pulso, erisipela, tirar o sol, quebranto, icterícia]

AZIAGO A crença em dias azíagos ou egípcios (infaustos, infelizes, agourentos) é um património fundamente ancorado na mentalidade popular. Aquilo que se principiar em cada um deles não terá bom fim, antes mau sucesso, salvo se Júpiter estiver bem aspectado. Júpiter com Marte são considerados temíveis. As terças e sextasfeiras são azíagas porque preferidas pelas bruxas

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AZIAGO

Tabela de dias azíagos segundo um manuscrito da BN.

para actuarem, tal como todos os dias 13 de anos bissextos ou quando coincidentes com a sexta-feira. Na Lista de alguns dias aziagos que tem o anno, cujo papel se achou entre os do Viso Rey P[edro] da Silva, o Molle, quando morreu; e se a[s]segura ser tirado de demonstrações claras de Astrologia, Filosophia, e ajuda das experiências exercitadas; e não há q[ue] lhe por duvida, conforme a regra n[atural], salvo se D[eu]s N[osso] S[enho]r quizer ordenar o contrario» [BUC: ms.

604], citam-se 3 dias mortais (26 de Janeiro; 1 de Agosto e 1 de Setembro), desaconselhados para casar, começar obras novas ou efectuar aquisições, aos quais acrescem 33 dias azíagos, a saber: Janeiro: 1, 2, 3, 4, 5, 9, 30; Fevereiro: 10, 16, 19; Março: 16, 17, 18, 19; Abril: 1 (ou primeira 2ª feira do mês = mortal = Caim matou Abel), 6, 15; Maio: 7, 18, 19; Junho: 1, 6; Julho: 2, 10, 20; Agosto: 1 ou primeira 2ª feira do mês (mortal = Deus abrasou Sodoma e Go463

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AZINHAGA DA BRUXA morra), 2, 19; Setembro: 1 (mortal somente em alguns autores, em vez da primeira 2ª feira de Novembro), 16, 19; Outubro: 6; Novembro: primeira 2ª feira do mês (mortal = nascimento de Judas Iscariote), 15, 17; Dezembro: 6, 7, 9. Locuções: À terça não cases a filha nem urdas a teia; Agosto é mês aziago, é um mês de desgosto. BIBLIOGRAFIA FIGUEIREDO, Borges de / SOUSA, Alexandre, in Rev. Archeologia e História, v. 1, p. 50-65; MATTOSO, Luís Montês, Memória [numerológica], in Ano Noticioso e Histórico (17 Set. 1770); SILVA, Armando J., Etnologia açoriana, in Revista M, v. 1 (1886), p. 89

Desenho alusivo à Azinhaga da bruxa, publicado por Barbosa de Lima no Archivo Pittoresco (1863).

AZINHAGA DA BRUXA Artéria da freguesia do Beato. Principiava na Estrada de Marvila e terminava na Azinhaga do Planeta, ligando as quintas da Bruxa e do Planeta. AZINHEIRA Espécie de carvalho, cenário de numerosas epifânias marianas, tais como em São Martinho de Antas (Vila Real) e, nomeadamente, da de Fátima. Uma das 27 árvores representadas na heráldica familiar portuguesa. A Sudoeste do Redondo (Évora), junto à berma da estrada que actualmente conduz desta localidade a Reguengos de Monsaraz, acha-se um santuário dedicado a *Santo Aleixo, porventura relíquia proto-histórica que a hierarquia 464

eclesiástica tentou, em vão, transferir para uma ermida sita a cerca de um quilómetro de distância. Consta de uma azinheira a que o povo chama Azinheira de Santo Aleixo, a qual é creditada com a capacidade de curar moléstias, designadamente por via da camada de *cortiça que possui junto da raiz. Assim, quando alguém fica doente, corta cinco pedacinhos dessa cortiça que são introduzidos num saquinho para trazer ao pescoço, até que a maleita desapareça. Uma vez obtida a cura, os cinco pedaços de cortiça são entregues como oferenda à árvore. Nas imediações acha-se um penedo granítico com covinhas, conhecido pela Gruta de Santo Aleixo, em cuja concavidade se diz que apareceu o santo, atribuindo-se as covinhas visíveis ao longo do penedo às patinhas da cabrinha que, de noite, o amamentava. Mesmo após a edificação da ermida de Santo Aleixo, o povo circunvizinho permaneceu fiel à tradição, teimando em levar processionalmente a imagem do mártir até à gruta, de onde só regressava ao cair da noite, motivo por que os párocos decidiram impedir tais festejos, o que originou a extinção do culto na dita ermida. Leite de Vasconcelos regista ter ouvido, em Agosto 1893, os habitantes das redondezas da capela da Senhora dos Prazeres (Avis) afirmarem que se livravam de sezões usando ao pescoço, enfiada numa linha, uma bolota da azinheira que pertence à dita Senhora. AZÓIA Do árabe, zâwia. Designa o lugar de reunião espiritual e caritativa dos muçulmanos, constituído por oratório (ribat), hospedaria e madrasa (escola). Por vezes, coexiste com o sepulcro de um homem santo. O topónimo é muito comum, especialmente nos percursos de acesso aos promontórios ocidentais a sul do rio Vouga, destinos de peregrinação consagrados desde tempos imemorais, onde a sedimentação de formas cultuais deixou marcas indeléveis. *Cabo Espichel, *cabo da Roca. AZONGO Nome do *diabo.

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AZUL AZOUGUE Mercúrio alquímico ou mercúrio hermético. Frio e húmido e, por consequência, aquoso. É a água permanente, o espírito vitalizador do corpo, aquilo que os filósofos herméticos medievais chamavam Ens Veneni. É consensual que a arte alquímica depende da efectiva compreensão da natureza deste Mercúrio, o qual se encontra directamente relacionado com a quintessência. O azougue é profiláctico contra as bruxas (Barroso), a *erisipela (Curvo Semedo, Polyanthea, p. 402, n. 23; Nelas; Portel, etc.), o *bócio (Atalaia da Vida, p. 87), etc., fazendo-se preto e reduzindo-se a pó quando alguém quer mal ao seu possuídor (por essa razão, outrora, as mulheres de Lisboa traziam azougue num frasquinho dentro da mala de mão). Em Alcoutim, não se aconselha ter espelhos na parede quando está a trovejar, porque têm azougue. O engenheiro militar Manuel da Maia denunciou, em 8 de Julho de 1755, um alemão das relações do Padre Cardone por transmutar azougue em prata, reputando-o de iluminado [ANTT: Inq. Lisboa, caderno 114 dos promotores, fl. 210]. BIBLIOGRAFIA ESCHWEGE, Guilherme, Sítios em que se encontra azougue em Portugal, in Revista Universal Lisbonense (1843), p. 166s.; HENRIQUES, Francisco da Fonseca (16651731), Medicina Lusitana: Soccorro Delphico aos clamores da natureza humana para total profligação de seus males. Dividido em tres partes [...], Amesterdão: por Miguel Dias, 1710 [Inclui: Tratado unico e administração do Azougue, nos casos em que é prohibido. Reimpressões em 1731 e 1750 (Porto), correctas e aumentadas pelo autor. Incluem a Dissertação dos humores naturaes do corpo humano. Trata da fascinação (livro II, cap. I, p. 123-127) e das pedras de peçonha (cap. VII, p. 309)]; idem, Tratado unico e administração do Azougue, nos casos em que é prohibido, Lisboa, Valentim da Costa Deslandes, 1708 [Saíu incluído nas edições de 1710 e 1731 de Medicina Lusitana].

AZPILCUETA NAVARRO, MARTINHO DE (1494-1586) Cónego de Santo Agostinho, doutor em Teologia, lente de Cânones na Universidade de Coimbra. Autor de alguns dos mais divulgados manuais de *confissão que circularam em Portugal. OBRA Enchiridion sive Manuale confessariorum et poenitentium complectens pene resolutiones, Veneza, 1608 [BN: R 13051 P;

Rosto da edição do Manual de Confessores (Coimbra, 1560) de Martinho de Azpilcueta Navarro. R 13053 P; Res. 1800 P]; Manual de confessores e penitentes, que clara e brevemente contem a universal decisam de quasi todas as duvidas q em as confissões soem occorer dos peccados, absoluições, restituyções, censuras, e irregularidades, Coimbra, 1549 [outras edições de Salamanca (1557), Coimbra (1560), Antuérpia (1568 e 1581), Lião (1637), Veneza (1681)]; Capitulo vinte y ocho de las adiciones del Manual de cõfessores del doctor [...], Évora, 1581.

AZUL Cor espiritual e de Deus (cf. Êxodo e Ezequiel, que descrevem o trono de Deus talhado numa *safira) e da sua morada celeste (azul do céu). Simboliza realeza, nobreza (sangue azul), ventura (ouro sobre azul) e o princípio feminino ou aquático (azul marinho). Segundo os códigos heráldicos o azul denota zelo, claridade e lealdade. Entre as flores, o *miosótis (azul), também denominado «não me esqueças», é emblemático dos namorados, os quais vêem nele persistência e saudade. Anéis com uma *opala engastada são *amuleto de apaixonados e ambiciosos. Bluteau (s. v. Pedras preciosas) 465

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AZUL menciona a safira como detentora da virtude de proteger o coração. Três contas azuis postas ao pescoço de uma criança fazem que lhe nasçam os dentes sem sofrimento (Santa Eulália de Fermentões, Guimarães). Em Lisboa, dizse: «olho azul em portuguesa é erro da natureza», enquanto em Idanha-a-Nova os olhos azuis são lisonjeiros, desleais e prejuros (*olho). Na tintura dos tecidos (serguilhas, riscadinhas, lenços e panos de Alcobaça) foi, outrora, muito aplicado o azul de cochonila (cf. Gil Vicente, Farsa dos Almocreves), tão do agrado dos liberais de 1820 que usavam lenços dessa cor, ali fabricados, pendentes dos bolsos das casacas de briche. De resto, os liberais haviam de associar a cor azul ao pavilhão nacional (exclusivamente branco, até então), bipartindo-o para se distinguirem dos usurpadores absolutistas. Vestir uma peça de roupa azul durante a passagem do ano favorece a realização de desejos íntimos. Portugal detém a prerrogativa exclusiva de usar paramentos de cor azul

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na festa da *Imaculada (8 de Dezembro). As faixas azuis que, noutros tempos, emolduravam as casas populares desde Lisboa a Torres Vedras, possuíam função antiséptica, porventura a mesma que competia aos lambris e silhares de azulejo da arquitectura das classes mais abastadas. Expressões: Ver-se azul (= passar momentos atribulados = ver-se em calças pardas; ver-se em assados; ver-se em maus lençóis; mau quarto de hora); ouro sobre azul (= estrelas douradas sobre o céu azul = noite calma = vida venturosa). Quintilha: «Ó Malhão, Malhão, / Ó Malhão do Sul! / Quando o mar ‘stá bravo, / Ó Malhão, Malhão / Faz a onda azul» (Póvoa de Varzim). O azul é adoptado pela *maçonaria em diversas circunstâncias, a saber, entre outras: paredes das lojas do *Rito Francês; 2º degrau da escada do ritual do 2º grau (*Companheiro); aventais do 3º grau (*Mestre), quer no Rito Francês (RF), quer no *Rito Simbólico (RS); nas abóbadas dos templos do *Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), etc.

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BACO

B BAAL Deus semítico da fertilidade, eventual epíteto de Adad, tb. conhecido por Enki (Senhor da Terra). O teónimo é sinónimo de Senhor, marido, dono (Dom). O nome hebraico desta divindade é cognata do Bel, acádio. Baalath corresponde ao feminino de Baal, cujo plural é Baalin. Baal (referido em muitos livros do Antigo Testamento) está na origem de Beliel, divindade citada até no Novo Testamento. Há referências na *Bíblia às seguintes divindades cananeias: Baal-Gad, Baal-Hamon, BaalHanan, Baal-Hatsor, Baal-Hermon, Baal-Peor, Baal-Pératsim, Baal-Salisa, Baal-Thamar, BaalTsephon e Baal-Zebub (*Belzebu). Venerado sob a forma de uma pedra cónica (*bétilo). Deu o nome a muitas localidades, tais como *Belas, Belmonte, etc. (cf. Moisés Espírito Santo, Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa – Ensaio sobre a Toponímia Antiga, Lisboa, 1988). *Astarte. BABA Utilizada na magia erótica. Inês Catela Rodrigues confessou aos inquisidores que havia aprendido com uma cristã-nova uma prática que consistia em recolher a baba de um moribundo, dando-a a beber, misturada em água ou em vinho, ao destinatário do *feitiço. A baba devia ser conjurada no momento da recolha com as seguintes palavras: «como tu esqueces este mundo assim tu esqueças teu pai e tua mãe para me quereres bem» [ANTT: Inq. Évora, proc. 7738, fl. 1v]. BABADO *Sémen ou líquido seminal. A sua utilização na magia erótica era preconizada para *obrigar a vontade de alguma pessoa (cf. Francisco Be-

thencourt, O Imaginário da Magia, Lisboa, 1987, p. 85-86, 211). À escrava *Marcelina Maria foi ensinado «que quando tivesse cópula com algum homem que molhasse o dedo no seu vaso natural, e que fizesse duas cruzes sobre os olhos para a tal pessoa sempre lhe assistir e a não deixar» [ANTT: Inq. Évora, proc. 4728, fl. 76v (de 1734)]. Do mesmo modo, *Joana Rosa seria aconselhada a que para o «efeito de uma pessoa querer bem a outra [...] se chegasse a ter cópula com a dita pessoa, alimpasse logo as suas partes pudendas com a fralda da camisa e depois cortasse aquele bocado de pano e o metesse debaixo do pé esquerdo entre a meia e a carne, porque nunca mais a tal pessoa, a quem se fizesse o referido havia de perder o amor, nem separar-se da sua comunicação». *Ligadura, *menstruação, *sangue. BABAU O *papão, em Alcácer do Sal. Para se causar medo às crianças diz-se: «Cala-te por causa do Babau»; «Olha que vem ali o Babau»; «Anda cá, Babau»; «Babau, vai-te embora, deixa dormir o menino um soninho descansado»; «Ó Babau, vai-te embora / De cima desse telhado, / Deixa dormir o menino / Um soninho descansado». BACANTE Sacerdotisa) consagrada a *Baco e aos seus Mistérios. O mesmo que ménade e tíade. Bacantes incorporam o Triunfo báquico do mosaico das Musas (Torre de Palma). BACO Divindade equivalente ao grego Dionísio. Filho de Júpiter e de uma mulher mortal, Sémele. Deus do *vinho, encarna o poder embriagador deste, bem como suas influências benéficas. 467

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BACO, SÃO

Procissão ou Triunfo de Baco: mosaico das Musas (Torre da Palma, Monforte).

Promotor da civilização, legislador e amante da paz. Entre os latinos era denominado Pai Liber (Pater Liber), justamente o epíteto que ocorre numa ara erigida em sua honra, encontrada, em Junho de 1944, no desaterro destinado à estrada de ligação do Aeroporto de Lisboa com o Poço do Bispo (cf. Vieira da Silva, Epigrafia de Olisipo, Lisboa, 1944, p. 270-271). Uma epígrafe votiva, dedicada a Liber Pater e Libera, ordenada pelo veterano Lúcio Márcio Materno, foi exumada do Chão das Cachopas – Monsanto (cf. D. Fernando de Almeida, Egitânia, Lisboa, 1956, p. 378-379). Uma cena do mosaico das Musas (Torre de Palma, Monforte) figura o Triunfo de Baco, cujo carro, rodeado de bacantes, é puxado por dois leopardos. Baco leva consigo o kântharos, vaso de tradição eminentemente ritual (*cálice, *taça). Para a procissão do *Corpo de Deus no Porto, em 1621, os mercadores e tratantes de vinho concorriam com «uma folia de 12 vozes com a figura de Baco» [CMPorto: Livro 4º das Provisões, fl. 379s.]. Na sacristia da capela da Misericórdia de Barcelos, existe uma tela iconografando Baco, pintada por Damião Bustamante, em 1768 (cf. Afonso Belarmino, Confrarias e mentalidade barroca, in Actas I Congresso Internacional do Barroco, v. 1, Porto, 1991, p. 137-148). Em Os Lusíadas, de Luís de Camões, Baco é o principal opositor 468

dos portugueses, tendo argumentado no Concílio dos Deuses que a animosidade que lhes nutria resultava da prognose do esquecimento a que seria votado se os lusos fossem bem sucedidos e chegassem à Índia. BIBLIOGRAFIA AAVV, Mosaicos Romanos nas Colecções do Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, 2005; HELENO, Manuel, A villa lusitano-romana de Torre de Palma, in O Arqueólogo Português, s. 2, v. 4 (1962), p. 313-338; KUZNETSOVA / RESENDE, T., O mosaico com motivos báquicos de Torre de Palma: tentativa de interpretação, in Conimbriga, v. 28 (1989), p. 205-221; LANCHA, Janine, À propos de quatre vues inédites (1947) de la mosaïque des Muses de Torre de Palma, retrouvées en 2003 au Musée National d’Archéologie, in O Arqueólogo Português, s. 4, v. 22 (2004), p. 317-346, ilust.; idem, O Mosaico das Musas – La Mosaïque des Muses – Torre de Palma, Lisboa, 2002; LANCHA, Janine / ANDRÉ, P., Corpus dos mosaicos romanos de Portugal II, 1. A villa de Torre de Palma, Lisboa, 2000; MACIEL, Justino, Da Arte Romana à Arte Paleocristã: o sarcófago romano de Évora, in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, v. 2 (1988), p. 97-113; RESENDE, T., Os mosaicos com motivos báquicos da Península Ibérica, Lisboa, 1997 (tese de doutoramento)

BACO, SÃO Martirizado sob Maximiano, na companhia de *São Sérgio. A cabeça de São Baco foi venerada no destruído mosteiro seráfico de Nossa Senhora da Piedade, de Salvaterra (vulgo convento de Jenicó), ofertada pelo infante Dom Luís, consoante informação consignada por Frei António da Piedade (cronista da Província de San-

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BÁCULO ta Maria da Arrábida): «[…] entre as felicidades que gozou o infante Dom Luís a que avaliava por mais singular era o possuir todo o casco da cabeça deste invicto mártir. Mandou o infante fazer um meio corpo ricamente estofado e na cabeça pôs a relíquia, que com a imagem colocou no altar colateral da igreja do convento antigo, à porta da Epístola; e para o mesmo altar do convento novo se transferiu e se conserva hoje em um sacrário, por se mandar fazer outra imagem sem o dito artifício [trata-se de uma imagem de pedra seiscentista]». No dia da sua festa, a 7 de Outubro, realizava-se, na vizinhança do convento de Jenicó, uma feira muito concorrida, que entrou em decadência nas primeiras décadas do século XVIII. Consta que São Baco obrava maravilhas «em doentes de febre» (João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1, Lisboa, 1762, p. 218), sendo também muito procurado por devotos a quem o pulgão atacava os pomares. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Alfredo Betâmio, O Convento de Jenicó (1542-1834), Benavente, 1986

BAÇO VIRADO Às crianças a quem se vira o baço (embaçadas) em consequência de quedas, coloca-se sobre o estômago, o estômago ainda quente de um cabrito ou borrego acabado de matar. Em 1746, *Francisco Gonçalves Salgado, paneleiro de São Martinho dos Montes (Viseu), foi condenado pelo Santo Ofício por fazer curas várias, entre as quais a do baço. Na Rapa (Celorico da Beira), o baço é denominado passarinha, já no Jarmelo (Guarda) chamam-lhe moleija ou moleijinha. BÁCORO As coisas más podem aparecer sob a forma de uma galinha com bácoros, junto a poços (cf. Positivismo, v. 4, p. 287). BÁCULO 1. Considerado uma das originalidades do *megalitismo português, não obstante tb. esteja representado no da Bretanha. Artefacto votivo talhado em xisto, com a forma de gan-

Báculos em xisto procedentes de arqueosítios do território português.

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BÁCULO

Guia Artefactos ANTA 3 DE VALE DE RODRIGO (Évora); ANTA DE LOBA 2 (N. Senhora de Machede, Évora); DÓLMEN DE FALSA CÚPULA DE VALE DE RODRIGO (Évora); ANTA 1 DO CEBOLINHO (Évora): fragmentos de dois exemplares; ANTA GRANDE DO OLIVAL DA PEGA (Reguengos de Monsaraz): fragmentos de cinco exemplares; ANTA 1 DO PASSO (Reguengos de Monsaraz): fragmentos de cinco exemplares; ANTA 3 DA HERDADE DE SANTA MARGARIDA (Reguengos de Monsaraz): báculo ou placa de xisto?; THOLOS DA COMENDA (Reguengos de Monsaraz): fragmentos de dois exemplares; DÓLMEN DO MONTE ABRAÃO (Queluz, Sintra); ANTA DA ESTRIA (Queluz, Sintra): dois exemplares; LAPA DA GALINHA (Alcanena, Santarém): 3 exemplares; GRUTA DA CASA DA MOURA (Óbidos); Gruta da Cova da Moura (Torres Vedras): pequeno báculo recortado em esquírola de osso polida; GRUTA DO CORREIO-MOR (Loures); ANTA DA LOBEIRA DE BAIXO (Montemor-o-Novo); ANTA 4 DA HERDADE DAS ANTAS (Montemor-o-Novo): com a particularidade de possuir a extremidade proximal encurvada [MNA: 989.29.1]; ANTA 1 DOS GALÕES (Montemor-o-Novo); ANTA 3 DA HERDADE DAS ANTAS (Coruche, Santarém): [MNA: inv. 204.181.1]; ANTA DE MARTINS AFONSO (Salvaterra); ANTA DA HERDADE DAS CABEÇAS (Arraiolos); ANTA 1 DOS COURELEIROS (Castelo de Vide): placas de xisto, eventualmente talhadas sobre fragmento de báculo; ANTA 1 DA HERDADE DA MOITA (Mora): vaso em cerâmica, decorado com dois báculos relevados [MNA: inv. 45194] Arte rupestre DÓLMEN DA PEDRA DOS MOUROS (Belas): antropomorfo e báculo invertido; MENIR DOS ALMENDRES (Évora): sobreposto a linhas onduladas; MENIR EM CONEXÃO COM O SEPULCRO DE VALE DE RODRIGO (Évora); AFLORAMENTO DO PORRO (Évora): eventual báculo, identificado por Manuel Calado; ESTELA-MENIR DO MONTE DA RIBEIRA (Reguengos de Monsaraz); MENIR DA BULHOA (Reguengos de Monsaraz): envolvido por linhas onduladas que partem do disco solar, no topo do monólito; MENIR 1 DOS PERDIGÕES (Reguengos de Monsaraz); ESTELA-MENIR DA HERDADE DO BARROCAL (Reguengos de Monsaraz); MENIR DOS PONTAIS (actualmente no Museu de Arqueologia de Silves): duas pequenas figurações; Menir de Vidigueiras (Reguengos de Monsaraz): inicialmente interpretado como ferradura; MENIR DA VELARINHA (Silves: diversos); MENIR DE SANTA MARGARIDA (Corval, Reguengos de Monsaraz): insculpido na face Sul; CROMELEQUE DOS ALMENDRES: treze figurações no menir 57, uma no menir 76; CROMELEQUE DA PORTELA DOS MOGOS (Graça de Divor): em dois menires; CROMELEQUE DO XAREZ (Reguengos de Monsaraz): num menir; CROMELEQUE DE VALE MARIA DO MEIO (Évora): em três menires; ROCHAS 130 E 158 DE SÃO SIMÃO E 11 DE FRATEL (Vale do Tejo); ABRIGO PINHO MONTEIRO (Arronches, Portalegre): antropomorfo com báculo; ANTA DA ARCÃ (Abreiro, Mirandela, Bragança); ANTA DE ZEDES ou Casa da Moura (Carrazeda de Ansiães, Bragança): Santos Júnior viu um antropomorfo ictifálico pintado, no 3º ortóstato, e Shee Twohig um báculo, no 2º

cho e a figuração de um cabo na extremidade inferior. Percorrido por espirais simples e inseparáveis dele, insculturadas ou pintadas, simbolizando a vida eterna e a regeneração (tal como o cajado ou bastão do rei *Vamba que reverdeceu). O relativamente reduzido número de artefactos deste tipo exumados permite considerá-los um símbolo de distinção, apenas detido por uns quantos dos mais notáveis membros da comunidade. Autêntico objecto mágico, ilustra a emanação da energia 470

serpentina (electromagnetismo?), bem como o exercício da autoridade espiritual e o correlato potencial de regeneração, inerente ao poder oracular investido pela divindade no *xamã ou pastor da comunidade (prefiguração da crossa ou báculo cristão). Octávio da Veiga Ferreira interpretou o báculo como um «machado encabado ligado ao amanho da terra e da agricultura», explicação quiçá aplicável ao exemplar da Lapa da Galinha (que configura um sete), mas já não aos restantes.

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BAIXA POMBALINA abades, certos prelados titulares e as abadessas de alguns mosteiros. A ponta inferior do báculo é denominada stimulus, eventualmente porque o contacto do báculo com o solo é profiláctico. Profiláctica, decerto, também a cena iconografada no tímpano axial (exterior) de Rio Mau, onde um bispo paramentado e com báculo, assistido por diácono e subdiácono mostrando livros abertos, deita bênção exorcizante.

Pormenor do decalque do báculo insculpido no menir de Vidigueiras (Reguengo de Monsaraz). BIBLIOGRAFIA BRANDHERM, Dirk, Os chamados «báculos» – para uma interpretação simbólico-funcional (Actas do 1º Congresso de Arqueologia Peninsular, Actas V), in Trabalhos de Arqueologia e Etnologia, v. 35 (1) (1995), p. 89-94; CALADO, M., Cromelechs alentejanos e Arte Megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 289-297; CASSEN, S. / L’HELGOUACH, J., Du symbole de la crosse: chronologie, répartition et interprétation (Paysans et bâtisseurs), in L’Emergence du Néolithique Atlantique et les origines du Mégalithisme, Vannes, 1992, p. 223-235; FERREIRA, O. da Veiga, Acerca dos enigmáticos báculos da cultura megalítica do Alto Alentejo, in Arqueologia, n. 12 (Dez. 1985), p. 86-93 e in Livro de Homenagem a Jean Roche, Porto, 1989, p. 307-314; GERARDIN, Lucien, Crosse et mégalithes, in Atlantis, n. 326 (Mai.-Jun. 1983), p. 270-277; GOMES, Mário Varela, Aspects of megalithic religion according to the portuguese menhirs, in Valcamonic Symposium III, 1983, p. 385-401; GOMES, Mário Varela, O menir da Herdade das Vidigueiras (Reguengos de Monsaraz, Évora): resultados dos trabalhos efectuados em 1988, in Cadernos de Cultura, n. 1 (1997), p. 17-37; idem, O Culto do machado do Calcolítico português, in Ethnos, v. 2 (1942), p. 461-464 [cf. polémica, in Diário de Notícias, 26 Ago., 5, 9 e 10 Set. 1937]

2. A vara florida (reverdecida durante a noite) de *Aarão, na qual germinaram flores e amadureceram amêndoas (Números, XVII, 23), preludia a virgindade de *Maria e a *Ressurreição de Cristo, tendo-se constituído como protótipo dos báculos episcopal e abacial. Bastão encimado por uma voluta que o bispo diocesano usa na mão esquerda durante as funções litúrgicas solenes, excepto nas Missas de *Requiem e na sexta-feira da *Paixão, como símbolo do seu ofício de pastor. Na área sob sua jurisdição pastoral o bispo usa esta insígnia litúrgica com a voluta para diante, invertendo a posição dela se de visita a outra diocese. Tb. usam báculo, os

BIBLIOGRAFIA SOUSA, Francisco Saraiva de, Báculo Pastoral de Flores de Exemplos, colhidos de Varia, e authentica Historia espiritual sobre a doutrina Christã, utilíssimo para todo o Christão, que procurar salvar-se, e instruir seus filhos com bons exemplos, Lisboa Ocidental, Manuel Fernandes, 1737 (2ª ed.; contém o «Purgatório de São Patrício»)

BAFAGEM Aragem branda. O mesmo que *bafugem. BAFOMETO *Baphomet. BAFUGEM Aragem branda. Fernão Mendes Pinto: «[...] para daí com as primeiras bafugens da monção fazerem boa viagem» (Peregrinação, cap. 53). O mesmo que *bafagem. BAIXA POMBALINA A Baixa lisboeta acha-se concebida como um autêntico cosmograma, razão por que nenhuma das suas partes constituintes pode ser alienada sem prejuízo do todo e dos seus utentes, inexoravelmente influenciados pelo clima psíquico que preside à estrutura física da obra. Ao arquitecto que a concebeu se pode com propriedade chamar visionário, porquanto por via da aplicação a ela de certos cânones tradicionais (os *quatro horizontes, as *duas vias e os *três recintos), favoreceu a revitalização da essência trina do genius loci da «cidade dos sete oiteiros», cujo vigor primevo, abalado pelo terramoto, logrou, desse modo, reencontrar um receptáculo consentâneo com o seu destino. Com efeito, se confrontado com os restantes cinco projectos destinados à reconstrução da Baixa submetidos a Pombal, o subscrito por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel destaca-se 471

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BAIXA POMBALINA

Os quatro horizontes e as duas vias da Baixa Pombalina.

Os três recintos da Baixa pombalina SOBERANIA – Oratores – Rossio Sede da Inquisição e palco para os seus Autos-da-fé. Teve o eixo reorientado, relativamente ao Recinto anterior, de molde a distar 17º do Norte verdadeiro. Configura um rectângulo 4. FECUNDIDADE – Laboratores – Praça da Figueira O plano aprovado não contemplava ainda este Recinto, o qual acabaria por se impôr em dois estudos posteriores [Inst. Geográfico Cadastral], destinando-o ao mercado de abastecimento da cidade. Cf. Regulamento da Praça desta cidade, denominada da Figueira (11 Abril 1800). FORÇA – Bellatores – Praça do Comércio Eugénio dos Santos diria que «[...] a área total da praça que pode ser ocupado pelo povo é de 780.668 palmos quadrados [830 palmos (eixo Norte-Sul) x 870 palmos (eixo Leste-Oeste)], e dando a cada homem 9 palmos quadrados, podem acomodar-se na praça 86.740 homens em coluna cerrada». Demonstração retórica da Nova Ordem. Possui 95 Arcadas [22 (fachada Norte) + 56 (28 em cada uma das fachadas Leste e Oeste) + 17 (16 não dirigidas para a Praça + arco da Rua Augusta)]. Os coruchéus pontiagudos (revestidos de chumbo) dos Torreões indiciam as ressonâncias imperiais, herdadas do projecto político de Filipe I. O Torreão da Alfândega (lado nascente = Alfândega) ficou concluído em 1772. Já o Torreão do Paço da Ribeira (lado poente = Ministério da Guerra) só muito mais tarde: substituíu o que fora iniciado por Terzio, em 1581, e destruído pelo terramoto (por sua vez implantado no local do antigo baluarte manuelino, erigido, em 1508, por Diogo de Arruda). A atribuição da sua traça a Juan de Herrera foi avançada por Cean Bermudez e suportada por Ayres de Carvalho e Chueca Goitia; Rafael Moreira inclina-se para a autoria de Francisco de Mora, discípulo de Herrera (cf. O Torreão do Paço da Ribeira, in Mundo da Arte, n. 14, Jun. 1983, p. 43), enquanto Vitor Serrão sugere haver sido inspirado num desenho de Jacques Androuet du Cerceau (cf. António Campelo: um pintor do tempo de Camões, in Estudos de Pintura Maneirista e Barroca, Lisboa, 1989, p. 37, nota 22). Seja como for, a sua importância emblemática cimentara-se ao longo de 170 anos, enquanto metáfora da própria Monarquia, como residência simbólica dos Reis de Portugal.

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BAIXA POMBALINA não apenas por denotar uma assinalável coerência formal, como, particularmente, mercê do carácter ostensivamente emblemático do empreendimento, o qual deu a José Augusto França aso a clamar que concordava com o pensamento político do Marquês e que influíra de forma determinante no modo como este o acolhera e pusera em execução. Uma vez que é por demais duvidosa a absoluta subordinação do plano ao programa pró-burguês pombalino, consoante o sacrossanto e reiterado enunciado daquele autor, que ideário consubstanciaria, afinal, esse carácter emblemático alegadamente tão do agrado do ministro de Dom José? E por que razão nas plantas apresentadas pelos demais concorrentes, detentores de idêntica formação teórica e qualificados oficiais do seu ofício, designadamente no da parceria Eugénio dos Santos e António Carlos Andreas, nem sequer vislumbres são detectáveis da disciplina do plano que torna a proposta, em cujo traçado Mardel interveio, singular? Terá sido, em suma, a adequação às preocupações regalistas herdadas de Dom João V, e já compendiadas pelo Magnânimo no *palácio cenóbio de Mafra, aquilo que influenciou decisivamente Sebastião José de Carvalho e Melo na escolha da proposta de *Carlos Mardel (a atribuição exclusiva do plano a Eugénio dos Santos é uma mera suposição confessada por Augusto França, não obstante ter à vista o autógrafo de Carlos Mardel). A constatação não é inovadora, porquanto Luís Chaves implicitamente a contemplou ao admitir a adaptação do plano do Convento de Mafra ao Terreiro do Paço (cf. Mafra: o Monumento, in Revista de Guimarães, 1963). Adaptação formal, com efeito, mas sobretudo metafórica e evocativa dos principais topoi do eschaton nacional. É o caso, entre outros, da utilização de certos números, como o 17 e seus múltiplos: na declinação do cardo relativamente ao eixo do Norte verdadeiro e a alguns secundários; no cômputo das artérias (9 ruas no sentido NorteSul = cardo maximus e 8 no nascente-poente = decumanus); nas relações angulares, em geral; no número de arcadas da Praça do Comércio, etc. (cf. Plano da reedificação de Lisboa « para se

Modelo teórico da Baixa pombalina (desenhado pelo arquitecto Joaquim Braizinha) À zona habitacional (desde o Rossio até à R. da Conceição) corresponde um quadrado mágico de Marte (5 x 5), cuja diagonal rebatida (phi) determina a posição da fachada Norte da Praça do Comércio. A área ocupada pelo Rossio é um rectângulo 4. A sobreposição das plantas de ambos os «edifícios» à mesma escala revela, segundo Braizinha, que os torreões de Mafra «encaixam» perfeitamente nos do Terreiro do Paço, que funciona como autêntico «negativo» para o «positivo» mafrense.

regular o alinhamento das Ruas e reedificação das casas, que se hão-de erigir nos terrenos, que se fazem entre a Rua Nova do Almada e Padaria e entre a extremidade septentrional do Rocio, até o Terreiro do Paço exclusivamente», 12 Junho 1958; Aviso que proibe a reedificação de edificios, enquanto não estiver definido o novo alinhamento das ruas, excepto os concertos em prédios que escaparam ao Terramoto, 20 Abril 1759; Decreto que estabelece o «Plano e distribuição das ruas» da parte baixa de Lisboa, assim como a distribuição 473

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Projecto de Vieira Lusitano para a estátua equestre de D. José O soberano apresenta-se vestido à romana, de clâmide e coroa de louros. Ladeando-o: um cão, abocanhando os símbolos do Patriarcado de Lisboa (ramo de oliveira e folha de palma) e encarnando o regalismo (noutros tempos gibelinismo) da Coroa Portuguesa; o Génio ou Anjo custódio do Reino, ostentando o brasão dos Carvalhos no elmo e na barra do manto e levando uma lança apontada para a rectaguarda, para indicar que se trata do Anjo da Paz (Shekinah = Grande Paz = Pax profunda = a presença divina no ponto central do Ser).

pelas mesmas dos mercadores e outros mesteres, 5 Novembro 1760). Como, porém, o di arithmon (provado mediante números) da tratadística greco-latina, passa por ser fórmula menos precisa que o dia ton grammon (provado com o auxílio de linhas, ou construções geométricas), é conveniente submeter o modelo teórico da Baixa à regra do compasso e do esquadro com o objectivo de apurar qual a simetria que o rege. Considere-se, então, a zona de intervenção. A área em apreço ficará confinada numa figura cujas extremas são: o Rossio, a Norte; as Ruas do Carmo e Nova do Almada, a poente; a Praça do Comércio, a Sul; a Rua da Madalena, a 474

nascente. Dentro dessa figura destaca-se nitidamente um rectângulo, no qual coexistiam originalmente dois módulos: um residencial, constituído por quarteirões orientados Norte-Sul, e outro administrativo, formado por quarteirões orientados nascente-poente (situado entre a Rua da Conceição e o Terreiro do Paço). O desenho aprovado revela que o primeiro desses módulos configura um quadrado cuja diagonal rebatida gera o limite Sul do segundo, a totalidade desse espaço constituindo um rectângulo 2. O rebatimento da diagonal da metade do aludido quadrado gera uma secção áurea (*phi), na mediana de cujo lado meridional assenta a estátua de D. José. Esse o verdadeiro motivo, por que o monumento não preenche o centro geométrico da Praça, não quaisquer das causas aleatórias alegadas ou a justificação exposta pelo *Abade Pierre de Saint Juste, abonado por Reinaldo Ferreira, de que a localização escolhida se destinaria a ocultar um segredo subterrâneo. Se dúvidas subsistirem, recordo que a praça ainda só existia em projecto quando o local foi objecto de um ritual (lançamento da pedra fundamental) que lhe superlativou a sacralidade. De resto, o centro virtual ou omphalos que manifesta será o polarizador da retórica geometrizante de que o soberano absoluto é, concomitantemente, a encarnação e o dispensador. A sua qualidade de Rei-Máquina fica assim subentendida e, igualmente, pela forma como a própria estátua se viu transportada desde a fundição e colocada no pedestal. Encontrando-se no centro, o Rei situa-se no cume. A sua entronização no topo do obelisco, simulado pelo plinto da estátua, assinala-o como Sol sempre Augusto, governando como Pai da Pátria e Sacra Majestade (Invicta, Pia e Justa), com a missão de reconduzir os elementos caóticos (as serpentes que o seu cavalo esmaga sob os cascos) à harmonia cósmica. Em torno a si, e a seus pés, mostra-se o mundo todo (suburbia), enquanto Ele recapitula a História à Luz da Eternidade. Não admira, pois, que na cerimónia de inauguração da estátua, coroamento de todo o projecto pombalino, Apolo, Oceano, Portugal Triunfante e os quatro continentes te-

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Projecto de Machado de Castro para a estátua equestre de D. José Sucedeu a um projecto de Eugénio dos Santos, já aprovado, do qual retirou o leão que se encontrava sob o cavalo, substituindo-o por cobras e silvados («as máximas viciosas que se extinguiram»). No restante seguiu, como lhe ordenaram, os dois desenhos que lhe foram fornecidos pelo Arquitecto Manuel Reinaldo dos Santos. A inscrição (JOSEPHO. I AUGUSTO. PIO. FELICI. PATRI. PATRIAE. QUOD. REGIIS. JURIBUS. ADSERTIS. LEGIBUS. EMENDATIS. COMMERCIO. PROPAGATO. MILITIA. ET. BONIS. ARTIBUS. RESTITUTIS. URBEM. FUNDITUS. EVERSAM. TERRAEMOTU. ELEGANTIOREM. RESTAURAVERIT. AUSPICE. ADMINISTRO. EJUS. MARCHIONE. POMBALIO. ET. COLLEGIO. NEGOTIATORUM. CURANTE. S.P.Q.O. BENEFICIORUM. MEMOR. A. MDCCLXXV. P[osuit]. Significa: «A [D] José I, Augusto, Pio, feliz Pai da Pátria, porque tendo defendido as reais prerrogativas, corrigido as leis, desenvolvido o Comércio, reconstituído a milícia e as boas artes, restaurou, aformoseando-a, a Cidade completamente arrasada por um terramoto. Sob os auspícios do seu ministro, o Marquês de Pombal e por administração da Junta do Comércio, o senado e povo de Lisboa, lembrado de [tais] benefícios, no ano 1775, erigiu [este monumento]». Quando a estátua foi inaugurada, no dia 6 de Junho de 1775 pelas 16 horas, só se achavam erguidas a fachada Norte, sem o arco, metade da fachada ocidental e o torreão da Alfândega (nascente). Para a função, foram expressamente levantados simulacros em madeira pintada para preencher os espaços ainda vagos. Foi nesse cenário, autêntico omphalos do mundo que o soberano se viu entronizado, ao som da aclamação «Viva, José Augusto, Viva, Viva!» (cf. Narração dos Applausos com que o Juiz do Povo e Casa dos Vinte-Quatro festeja a felicissima inauguração da Estatua Equestre onde tambem se expoem as allegorias dos carros, figuras, e tudo o mais concernente ás ditas Festas, Lisboa, 1775).

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Baixo-relevo da base do pedestal da estátua de D. José, concebido por Machado de Castro e gravado por José Lúcio da Costa (coxinho), em 1795 À esquerda do arquitecto que apresenta a planta da cidade, vê-se uma figura feminina segurando duas chaves (dourada e prateada) e o leme de um navio, símbolos de Janus, patrono dos collegia fabrorum latinos, e, por consequência, igualmente da Casa dos Vinte e Quatro.

nham ido todos prestar vassalagem ao soberano. De facto, a estátua equestre irradia a partir do foco de uma circunferência que igualmente constitui o foco de um triângulo equilátero nela inscrito e cujos vértices coincidem com os eixos da Rua Augusta e das portas laterais dos torreões do Ministério da Guerra e da Alfândega. Ganha deste modo maior consistência e significado a observação de Helmut Wohl, segundo o qual «as contribuições de Mardel residem na qualidade dos seus desenhos e nas suas inovações relativamente a um certo número de problemas arquitectónicos», ou aquela outra onde sublinha que «era extremamente sensível à beleza das formas simples e não decoradas» (cf. Carlos Mardel and his Lisbon Architecture, in Apollo, n. 134, Abr. 1973, p. 357). A circunstância de Carlos Mardel constar como participante nos conclaves da Loja maçónica denominada *Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitânia, cujas actividades um inquérito da Inquisição, intitulado Sumario das Testemunhas que se tirarão a respeito dos Pedreiros Livres [ANTT: caderno 108 (300 da Ordem) do Pro476

motor, fl. 408r – 474r.], pretendeu investigar, lança ainda alguma luz sobre o caso. De facto, alguns dos depoimentos são extremamente elucidativos sobre as actividades e o cenário dos conclaves. Será muito difícil negar o evidente paralelismo entre a loja descrita por Miguel O’Kelly, e o modelo da Baixa proposto por Carlos Mardel ao Ministro de Dom José. Na ausência de outros dados, será de todo pertinente interrogar-mo-nos em que medida a omnipresente *Casa dos Vinte e Quatro e bem assim a Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitânia, ambas consabidamente herdeiras dos *mesteirais (*collegia fabrorum) e da sua ética corporativa, poderão ter influenciado as opções de Pombal, na definição da toponímia dos arruamentos da Baixa (cf. decreto de 5 de Novembro de 1760) e no patrocínio dado à elevação do monumento equestre («Collegi Negotiarum curans»). Seja como for, uma coisa parece indubitável: o baixo-relevo colocado na face do pedestal «que olha a cidade» serve de autêntico epítome à obra pombalina. Machado de Castro declara ter-se inspirado (à excepção

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Depoimentos prestados no Santo Ofício por maçons da Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitânia Grão-Mestre, Hugo O’Kelly, a 1 Agosto de 1738: [...] o que nela [loja] se contém é tratar-se de várias matérias umas pertencentes ao governo económico, outras ao público, observando as ocasiões das suas conveniências e também a de querer cada um exceder-se em qualquer ciências destas. Tem também a da Arquitectura em que se empregam com vários discursos e exames e, para em tudo serem peritos discorrem nos Pedreiros Livres Mecânicos [maçonaria operativa] e nos Pedreiros Livres Nobres e Cavalheiros [maçonaria especulativa], e destes Pedreiros Livres Mecânicos há dois ou três em cada casa para servirem aos outros [...] outras vezes se empregam em Músicas e Instrumentos [...]. Disse mais que sem estarem peritos e cientes naquelas artes de governar e de arquitectura e de tudo o mais que se lhe propõem na dita sociedade, nenhum da dita sociedade pode pretender grau algum daqueles superiores, nem ter conhecimento da sua hierarquia [...]. Disse mais que todos os da dita sociedade [...] se conhecem pelo aperto das mãos e nos movimentos que fazem com a direita, levando-a ao pescoço os da primeira classe e por outro modo os aprendizes, os da segunda ao peito [...] aqueles que estão próximos a serem Mestres e os da terceira levam a mão à cintura [...] (fl. 419v-420r). Diogo Thomas O’Kelly, criado do Senhor Infante Dom António e seu mestre de dança, a 16 Outubro de 1738: [...] comiam e bebiam conquanto que não fosse em demasia porque esta era proibida, conversavam fazendo discursos matemáticos ou sobre outra qualquer arte ou ciência, como Medicina, Arquitectura ou outra qualquer, cantavam, tocavam instrumentos conforme cada um sabia, era proibido falar em matéria de religião, porque como entravam igualmente Católicos Romanos e herejes, evitavam toda a disputa que pudesse perturbar a boa sociedade. Também era proibido o murmurar, jurar e se obrigavam com juramento quando entravam sobre a Bíblia de guardar segredo inviolável de tudo o que se pensava na dita sociedade [...] (fl. 461r). Miguel O’Kelly afirmaria a dado passo: [...] E nas ocasiões em que entrava algum de novo, estando demais na dita casa três tochas acesas, em figura triangular, em que simbolizavam o Sol, a Lua e o Grão-Mestre, também havia na mesma casa a figura do Sol, feita de papelão dourado e a da Lua, de papelão prateado e uma proporção matemática [delta = 47ª proposição de Euclides], feita de papelão cortado [...] e também havia na mesma casa nas ditas ocasiões as quatro letras iniciais dos quatro ventos principais: Norte, Sul, Leste, Oeste. Carlos Mardel é citado nos depoimentos de Frei Carlos O’ Kelley (fl. 409v), Dionísio Hogan (fl. 424v), Diogo O’ Kelley (fl. 465v) e Miguel O’ Kelley (fl. 467).

da matrona que figura Lisboa) na Iconologia de *Cesare Ripa para a elaboração dessa Invenção poética, sendo reconhecíveis nela: a Generosidade Régia (Real donzela) acompanhada por um leão e uma cegonha, o Governo da República (varão vestido de couraça) amparando a Cidade de Lisboa, o Amor da Virtude (menino alado coroado de louro e uma estrela) conduzindo pelo braço ao Governo da República, o Comércio (varão abrindo um cofre) oferecendo riquezas à

Generosidade Régia, a Providência Humana (matrona coroada de espigas de trigo, ostentando um leme e duas chaves) e a Arquitectura (segurando a planta onde se vê o plano da reedificação, um compasso e um esquadro, instrumentos por intermédio dos quais tudo começa e se organiza no cosmos). Os objectos apresentados pelas Providência Humana e Arquitectura denunciam, tal como na obra de Ripa, o seu verdadeiro alcance: aquela ocupa o lugar de Ja477

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Arco da Rua Augusta (face Sul) O Arco triunfal foi iniciado conforme projecto de Veríssimo José da Costa, aprovado em 1843, mas preterido, em 1862, por outro que se acharia concluído no ano de 1873. Do primitivo risco restariam apenas 4 estátuas: Viriato, Vasco da Gama, Marquês de Pombal e Nuno Álvares Pereira; e 5 figuras alegóricas: a Glória coroando o Génio-Apolo e o Valor-Minerva (de Anatole Calmels), o Tejo e o Douro (de Vitor Bastos). Resultante de um compromisso, mesmo assim condicionado pela falta de espaço para gravar a inscrição inicialmente prevista, aquela, de facto, nele aposta (VIRTVTIBVS MAIORUM VT. SIT. OMNIBVS. DOCUMENTO. P[ecunia]. P[ublica]. D[icatum].), significa: «[Dedicado] Às Virtudes dos Maiores [Antepassados], para que sirva a todos de ensinamento; dedicado por subscrição pública».

Arco da Rua Augusta (face Norte) Quando se observa o Arco da Rua Augusta olhando para Norte, direcção tradicionalmente denominada Porta dos deuses (céu), a vista encontra os heróis que se libertaram da lei da morte (imortais), já o mesmo exercício relativamente à direcção Sul, tradicionalmente conotada com a Porta dos homens (o mundo subordinado ao tempo e ao devir histórico), revela a existência de um relógio! Porém, a curiosidade maior reside na circunstância de sobre o relógio estar figurado um ancoradouro, decerto aludindo à navegação (ali tão perto, no Tejo) como metáfora da vida humana.

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Norte

O cardo maximus da Baixa (Rua Augusta) desvia-se do Norte verdadeiro 17º para Noroeste, coincidindo com a antiga porta da cerca fernandina de Lisboa, tutelada por Santo Antão (venerado a 17 de Janeiro, em pleno signo do Capricórnio). Por sua vez, o eixo do Passeio Público (o mesmo da actual Av. da Liberdade) dista daquele os mesmos 17º (logo 34º, i. e., 17 x 2, do Norte verdadeiro). O seu prolongamento para Norte, quiçá uma das «estradas em linha recta» balizadas por Manuel da Maia, encontra o palácio cenóbio de Mafra.

nus (as duas chaves e o leme da barca, seu distintivo), ao passo que esta evoca o Criador e os que dão pelo nome de pedreiros livres. Em face do exposto, não serão, por consequência, dispiciendas as palavras seguintes do Marquês de Pombal dirigidas ao seu monarca: «A grande cortina que no felicíssimo dia 6 do corrente mês de Junho de 1775, descobriu a Régia Estátua de El-Rei meu Senhor, veio a manifestar nos dias sucessivos ao claro conhecimento de todos aqueles que, não passando da superfície dos objectos que lhes presentam à vista, passam a investigar e compreender a substância das coisas, que Sua Majestade não só tem inteiramente dessipado as trevas e reparado as ruínas em que achou sepultados os seus Reinos, mas

que além disso tem feito aparecer outra vez em Portugal o século feliz dos Senhores Reis D. Manuel e D. João III, para os exceder com os progressos das suas paternais, magnânimas e infatigáveis providências» (cf. Observações secretíssimas do Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello na ocasião da inauguração da Estátua Equestre no dia 6 de Junho de 1775, e entregues por ele mesmo, oito dias depois ao Senhor Rei D. José I, in Cartas e outras obras selectas do marquês de Pombal, ministro e secretário d’ Estado d’ el-Rei D. Jozé I com o epítome da vida deste ministro e ornado do seu retrato, Lisboa, 1822, p. 15-16). Nem, tão pouco, serão causadoras de estranheza as destinadas por António Pereira de Figueiredo ao Conde de Oeiras: «Onde estão, ó soberba Roma, os teus Augustos? Onde estão os teus sete Montes, as tuas Praças, os teus Palácios, o teu Senado, as tuas Cúrias, os teus Arsenais, os teus Arcos, as tuas Fontes, os teus Aquedutos, as tuas Vias Militares, as tuas Calçadas? A Nova Lisboa confiadamente protesta, que em nenhuma destas partes te quer ceder [...]. Todas estas qualidades ostenta a Nova Lisboa juntas e unidas em um só Sebastião» (cf. O Dia das Três inaugurações: Breve discurso sobre a Régia função do dia 6 de Junho de 1775 [...], Lisboa, 1775). BIBLIOGRAFIA AAVV, Monumentos, n. 1 (Set. 1994) e n. 21 (Set. 2004); BRANCO, Alice Tomaz / VIEGAS, Inês Morais / ANTUNES, Margarida Eiras, Rocio-Rossio: Terreiro da Cidade, Lisboa, 1990 [BN: BA 1858 A]; BYRNE, Gonçalo Sousa, Recostruire nella Città la Lisbona di Pombal, in Lotus Internacional, n. 51 (Milão, 1987); CAESSA, Ana, Cartulário Pombalino, Lisboa, 1999; DIAS, Silva, Os Primórdios da Maçonaria em Portugal, v. 2, t. 2, Lisboa, 1980, p. 439-526; EXPOSIÇÃO ICONOGRÁFICA E BIBLIOGRÁFICA comemorativa da Reconstrução da Cidade depois do Terramoto de 1755 (Nov.-Dez. 1955), Lisboa, 1955; FRANÇA, José Augusto, Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, 1965; idem, Les Six Plans de la Lisbonne Pombaline, in Colóquio-Artes, a. 14, s. 2, n. 8 (1972), p. 30-34; idem, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Lisboa, 1978; GAMA, Henrique Dinis, Baixa Pombalina: a luz obscura do Iluminismo, Lisboa, 2005; GANDRA, Manuel J., A Praça do Real Arco demonstrada, in Monumentos, n. 1 (Set. 1994), p. 35-40; idem, Da Face Oculta do Rosto da Europa: prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Lisboa, 1997; idem, A Baixa Pombalina ou a Praça do Real Arco demonstrada, Mafra, 2002; GONÇALVES, José Braga, O Maçon de Viena, Lisboa, 2005 [romance histórico]; idem, O Príncipe Rosa-Cruz, Lisboa, 2005, [romance histórico]; MACEDO, Luís Pastor de, A Baixa Pombalina: confe-

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BALANÇA rência, Lisboa, 1938; MURTEIRA, Maria Helena da Cunha, Lisboa da Restauração às Luzes: uma análise da evolução urbana, Lisboa, UNL, 1994 (dissertação de mestrado); ROSSA, Walter, Além da Baixa: indício de planeamento urbano na Lisboa setecentista, Lisboa, 1998; SANTOS, Vítor Manuel Vieira dos, O sistema construtivo pombalino em Lisboa em edifícios urbanos agrupados de habitação colectiva – estudo de um legado humanista da segunda metade do séc. XVIII, Lisboa, 1994 (texto policopiado); SUEIRO, Barbosa, Um inquérito da Inquisição de Lisboa no século XVIII, Lisboa, 1930; VATCHER, Sidney, A Lodge of Irishmen at Lisbon, 1738: an early record of Inquisition Proceedings, in Ars Quatuor Coronatorum, v. 84 (1971), p. 75-109

BALANÇA Leite de Vasconcelos regista a sua utilização como *amuleto. BALBORINHO Alma penada de camponês que tenha cometido qualquer delito agrário. O mesmo que *barborinho (Guimarães). Em Briteiros (Guimarães), o balborinho é um torvelinho resultante do choque de duas correntes opostas de ar. Tb. *belborinho. BALDAQUINO Dossel ou sobrecéu de pedra, estuque ou madeira, colocado sobre estátuas. Trata-se de sinal de distinção, porquanto indica que os indivíduos colocados sob a sua protecção alcançaram a glória celeste. BALDOEIRO No castro homónimo (Moncorvo, Bragança) existem seis petróglifos representando outras tantas serpentes. O naturalismo de uma das insculturas é tal que os habitantes das circum-

Decalque de uma das insculturas ofiolátricas do Baldoeiro.

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vizinhanças denominam o rochedo por «penedo do cobrão», constituindo o conjunto um flagrante vestígio de *ofiolatria. BIBLIOGRAFIA SANTOS JÚNIOR, Joaquim Rodrigues dos, As serpentes gravadas do castro do Baldoeiro (Moncorvo – Trás-os-Montes), in 15eme Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistorique (Coimbra – Porto, 21-30 Set. 1930), Paris, 1931, p. 413-418

BALDOMERO, SÃO Padroeiro assumido pelos ferreiros e serralheiros do Porto, em 16 de Maio de 1715, por troca com *São Dunstam (*São Dustano). Venerado a 27 de Fevereiro. Uma imagem do novo padroeiro (de bigode e barba, vestindo túnica e capa e apresentando numa das mãos um martelo e uma tenaz) acha-se junto à de Nossa Senhora da Silva, na capela da Rua dos Caldeireiros (Porto). BIBLIOGRAFIA SOUSA, M. Nascimento, A curiosa história da deposição de um santo. S. Dunstam primeiro padroeiro dos ferreiros e serralheiros do Porto e substituído por S. Baldomero, in Douro Litoral, s. 6, n. 3-4 (1954), p. 31-32

BALEIA *A Coisa. BALOIÇANTE Designação aplicada a certos penedos ou monólitos em equilíbrio instável, que oscilam mediante qualquer ligeiro impulso que se lhes dê em determinado ponto. Equivalente do loghan, anglo-saxónico. Também denominada *abolida, *berço, *bulideira, *embanador, *falperra, *pedra da paciência, *penedo que fala, *penedo da mó, *perramedo, *sino dos mouros, etc. Filipe Simões opina que as pedras baloiçantes «talvez fossem cipos dum cemitério pré-histórico», enquanto José de Pinho, descartando a possibilidade de corresponderem a um qualquer capricho da natureza, as considera autênticos monumentos megalíticos, «possivelmente de carácter funerário, mágico ou simbólico», intencionalmente preparadas para oscilar. Alguns destes monumentos megalíticos têm revelado insculturas. Há memória de se ter recorrido a elas como prova judiciária (*ordália e *oráculo). O mesmo que *abulida, *baloiçan-

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BÁLSAMO NA MÃO

Pedra que bole de Valpaços, destruída em 1919.

te e *bulideira. Também *berço, *embanador, *sino dos mouros, *falperra, *peravana, *pedra da paciência, *pedra que bole, *penedo que fala, *perramedo e *pedra da mó. Guia Braga: MONTE DA POLVOREIRA (Guimarães): sobranceira à estrada de Guimarães a Vizela, a ca. 4 quilómetros a Sul daquela cidade Bragança: ALGOSINHO (Mogadouro): entre a povoação e o seu castelo houve uma pedra baloiçada com insculturas rupestres (cf. Igreja de Algosinho, Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, n. 126, 1972, p. 5), que «se movia com o mais pequeno impulso, e para a qual se subia por umas escadinhas feitas noutras pedras a ela encostadas»; BOUSENDE (Serra da Pena, Macedo de Cavaleiros); num bloco granítico que guarnece a escada da fraga do Berço, acham-se gravados uns sinais a que os habitantes locais chamam letras, na realidade, covinhas; CANTEIRA (Caminho do Rol, Bragança); CARDANHA (Moncorvo); CASTRO CORISCA (França, Bragança); Linhares (Carrazeda de Ansiães); ESTEVAIS (Moncorvo): três penedos baloiçantes; Fornos (Freixo-de-Espada--à-Cinta); LAGOAÇA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): entre Lagoaça e Bruçó; LOMBEIRO DA DERREIGADA (França, Bragança): dois monólitos oscilantes; MARRA DO PORTO DO SABOR (Soutelo); MONTEZINHO (Bragança); SOUTELO DA GAMOEDA (Bragança); VALPAÇOS: pedra que bole (destruída em 1919) Coimbra: CARRAGOSELA (Espariz, Tábua); PÓVOA DE MIDÕES (Tábua) Guarda: GOUVEIA (Gouveia): pedra do equilíbrio; TESTADA (Argomil); VILA NOVA DE TAZÉM (Gouveia)

Porto: ABRAGÃO (Monte do Crasto, Penafiel); MANCELOS (Amarante): acham-se contabilizadas dezassete pedras baloiçantes na serra do Marão; MONTE DO ESPORÃO (Penafiel): duas pedras baloiçantes; PÉ REDONDO (Carvalho de Rei, Amarante) Vila Real: BOBADELA DE MONFORTE (Chaves); BOLIDEIRA (Chaves): junto à EN de Chaves a Bragança; TRONCO (Chaves) Viseu: QUINTA DA TORRE (S. João de Lourosa, Viseu) BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Pedras baloiçantes. Adagiários, castros e lendas, in O Arqueólogo Português, v. 12, n. 1-12 (Jan.-Dez. 1917), p. 214-220; ANTUNES, João, As pedras oscilantes ou baloiçantes, in Questionário da Revista Eleusis, v. 1, n. 9 (Jan. 1928), p. 283, n. XXXI; FIGUEIREDO, Borges de, [artigo], in O Conimbricense (4 Jul. 1885); idem, As Pedras Baloiçantes, in Revista Archeologia, v. 1 (Jan. 1888), p. 16; PINHO, M. José de, Expansão da cultura megalítica no concelho de Amarante (Subsídios para a história do povo amarantino), in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 4, n. 1 (1928), p. 71-78; idem, A pedra baloiçante de Abragão, in Penha Fidelis, v. 1, n. 7 (Penafiel, 1928), p. 134136; idem, Certaines pierres branlantes ne sont-elles de vrais mégalithes?, in Actas do XVe Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistorique (21-30 Setembro 1930), Paris, 1931; SIMÕES, Filipe, Introdução à Arqueologia da Península Ibérica, Lisboa, 1878; VASCONCELOS, J. Leite de, Portugal pré-histórico, Lisboa, 1885, p. 54 (Colecção Biblioteca do Povo e das Escolas, n. 106); VILELA, Sá, Monumentos... cyclopeenses em Portugal, in Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, s. 2, v. 2, n. 4 (1877), p. 54-56

BALSAMÃO *Bálsamo na mão. BÁLSAMO, JOSÉ *Cagliostro. BÁLSAMO NA MÃO Invocação mariana, venerada no castelo de Chacim (Macedo de Cavaleiros), no mês de Agosto. Narra a lenda que, durante as lutas entre cristãos e mouros, esta Senhora apareceu com um vaso de bálsamo na mão para curar os cristãos feridos. Também denominada Nossa Senhora de Balsamão. BIBLIOGRAFIA CUNHA, Maria de Montalvão, Nossa Senhora do Bálsamo na mão, in Boletim do Grupo Amigos de Bragança, n. 25 (1960), p. 5-6; OLIVEIRA, Casimiro Augusto, Lendas da nossa terra, in Bi-tó-rô, v. 9, n. 1 (1995), p. 17

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BALTASAR, SÃO BALTASAR, SÃO Padroeiro dos fabricantes de *cartas de jogar e serradores de madeira, invocado contra a *epilepsia, a 11 de Janeiro. Atributos: traja manto e coroa; segura urna [cf. Ernesto Soares, n. 0316-0317]. BAMBA, REI *Rei Vamba. BANANA Os muçulmanos chamaram musa à banana, donde a denominação de musáceas que lhe foi atribuída por Lineu. No Oriente e médio Oriente crê-se ter sido a bananeira «a árvore da qual comeu o nosso Padre Adão no Paraíso terreal, sendo-lhe vedada pelo Senhor Deus, [...] e creio eu serem as bananas do nosso São Tomé», afirma Frei Pantaleão de Aveiro (Itinerário da Terra Santa e suas particularidades, Lisboa, 1953), baseado no que ouvira na ilha de Chipre, em 1563. Porém, Garcia da Orta (Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, colóquio XXII) aludiria a tal tradição antes desse ano, reportando-se a um franciscano peregrino de Jerusalém e escritor dos mistérios da Terra Santa, o qual dissera que «nesta fruta pecou Adão». Diversos testemunhos de diferentes autores haviam de concordar no essencial da tradição, acrescentando que a prova crucial da presença da banana no Paraíso reside na circunstância de conservar, quando cortada verticalmente, o que foi considerado a efígie de um crucifixo (cf. Gandavo, 1570; Frei António do Rosário, 1702; etc.); possuir forma fálica, responsável pelo despertar do sentido erótico de *Eva, além de ser a única árvore que geme como a criatura humana nos momentos da frutificação (Frei João Pacheco, Divertimento Erudito, Lisboa, 1734, p. 293). Muitas de tais assunções emigraram para o Brasil, onde a banana é sinónimo vulgar de órgão viril. Assim, Gabriel Soares de Sousa presumia (1587) que a espécie, à qual, na Índia, chamam figos da horta, fora levada ao Brasil por *São Tomé. Em pleno século XVIII, Frei João Pacheco informaria que «Na Baía é opinião que [a banana] é fruta proibida por 482

Deus a Adão» (ob. cit., p. 293), opinião ainda secundada pela literatura popular brasileira, designadamente a nordestina, a qual continua a proclamar «não ter havido maçãs no Paraíso e sim bananas». Afirma-se ainda que quando a bananeira não produz, a árvore deve ser abraçada por um homem. BIBLIOGRAFIA CASCUDO, Luís da Câmara, O Mais popular africanismo no Brasil, in Made in África, Rio de Janeiro, 1965; idem, A Banana no Paraíso, in Revista de Etnografia, v. 7, tomo 2 (Out. 1966), p. 307-310

BANDEIRA REPUBLICANA *Movimento Federalista 15 de Novembro, *República. BANDUS Teónimo indígena particularmente abundante na Hispania. Leite de Vasconcelos aceita a etimologia proposta por Holder para a raiz Band(derivada do indo-europeu bhenelh-), a qual significaria ordenar, mandar. Nessa perspectiva os deuses em cujos nomes ocorre a dita raiz teriam o carácter de senhores e donos (tutelares) dos lugares onde eram venerados e protectores da gens que neles habitava (designada pelos epítetos que frequentemente acompanham o nome da divindade). Seja como for, conforme sublinha Blazquez Martinez, os teónimos dos deuses indígenas assim formados são assimiláveis a Tutela, porquanto um deles surge aparentado com essa deusa. São conhecidas aras dedicadas: a Banda Oilienaicus (Esmolfe, Penalva do Castelo [MNA]), especulando alguns autores sobre se o nome próprio da divindade não será antes Bandio Ilienaico; a Bande Raeicus (ara descoberta em Santa Marinha de Ribeira de Pena [CIL II, 2387]); a Bande Velugo Toiraecus (ara oriunda da região de Vila da Feira); a Bandi Isibraiegus (Bemposta); a Bandei Brialaecus (Arjais); a Bandi Arbariaicus (inscripção [CIL II, 454] proveniente de Capinha); a Bandi Tatideaicus (ara de granito encontrada em Queiriz); a Bandu Vordeaeco (aras de Meda e da capela de Nossa Senhora da Ribeira, em Carrazeda de Ansiães); a Bandoge (ara em granito recolhida, no ano de 1890, em Castelo do Mau Vizinho, São Pedro

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BANHO SANTO do Sul [MNA desde 1904]); a Bandua, que Bernardo de Stempel admite tratar-se da correspondente feminina do teónimo Bandus (inscrição [CIL II, 2498] encontrada na ermida de Nossa Senhora de Hebra, Cova da Lua, Bragança). BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Madrid, 1962, p. 51- 55; CORTEZ, F. Russell, Divinités des Pyrenées et du Portugal, in Actas do Congresso Internacional de Ciências Pré e Proto-históricas, p. 974; STEMPEL, P. de Bernardo, Los Formulario teonímicos Bandus com su correspondiente femenino Bandua y unas isoglosas célticas, in Conimbriga, v. 42 (2003), p. 197-212; VASCONCELOS, José Leite, Opúsculos, v. 5, p. 229-231 e 237; idem, Religiões da Lusitânia, v. 2, p. 316-317, 321 e 337s.

BANHO Na Póvoa de Varzim, com a primeira água com que se lava o recém-nascido deve a mãe lavar a cara, para que lhe desapareça o pano do rosto. Esta água do banho é despejada sob a masseira da casa para não provocar mau ar, não sem antes se dar a beber um pouco à criança. Locuções relativas ao primeiro banho do recém nascido: Auguinha de cu lavado / Para a menina ir ao recado; Auguinha do teu cu, / Que te não faz mal nenhum; Quem quiser que o seu menino cresça, / Lave dos pés p’ra cabeça; As boas águas te lavem, / E as boas fadas te fadem; Auguinha, a correr / E o meu menino a crescer!; Auguinha, a lavar, / E o meu menino a medrar!; Cada lavadura, / Cada formosura (cf. O Poveiro, p. 93). BANHO DE CHEIRO O padre Anchieta alude, em 1585, aos «lavatórios de algumas ervas» usados por velhas indígenas brasílicas para rejuvenescer. O banho de cheiro, meramente mágico, sem intuitos higiénicos e tomado de pé, pode ser considerado uma reminiscência dessa prática destinada a propiciar a boa sorte e a preservar contra as forças adversas. Deixa-se enxugar o corpo depois de friccioná-lo com as folhas, cascas e raízes fervidas em água. BANHO DE MAR Assevera Bernardim Ribeiro que os banhos de mar são muito úteis, porquanto nas águas «mo-

ram coisas que guardam religião» (Menina e Moça, p. 144). Diz-se que, para terem efeito vantajoso, os banhos de mar devem ser tomados de modo que, em cada época, coincidam com um número impar. Na Figueira da Foz um banho de mar na véspera de *São João à tarde, outro à meia-noite e outro na manhã de 24 de Junho, equivalem a uma época balnear completa. Outrora, os crentes benziam-se antes de mergulhar (Algarve). BANHO DA MEIA-NOITE Ocorre no âmbito da famosa romaria de *São Bartolomeu do Mar (Esposende), para combater a epilepsia ou para «tirar o medo às crianças». *Banho das nove ondas. BANHO DAS NOVE ONDAS O mesmo que *banho da meia-noite. Realizase na famosa romaria de *São Bartolomeu do Mar (Esposende), contra a epilepsia ou para «tirar o medo às crianças». BANHO SANTO Banhos rituais têm lugar em determinados dias, em vários pontos do mundo. Também denominado *banho da meia-noite e *banho das nove ondas. Talvez o banho santo mais famoso de Portugal seja aquele que ocorre pelo *São Bartolomeu (24 de Agosto). Em São Bartolomeu do Mar (Esposende), localidade que se diz fundada pelo *diabo: os romeiros levam os filhos menores de sete anos que são mergulhados no mar pelo sargueiro ou sargueira e depois bentos com o sinal da cruz. O sentimento mais generalizado é o de que este banho, que vale por sete banhos vulgares, além de espantar o medo das crianças (que mergulhem sete vezes e urinem na água), afugenta a gota e cura os epilépticos, também chamados endemoinhados. É costume antigo que as crianças neste dia ofereçam a São Bartolomeu, um pinto (ou um frango) preto, o qual, antigamente, era mantido numa capoeira improvisada que era armada junto da pia baptismal da capela, até ao leilão (realizado após a procissão), cujo produto revertia para o santo. Outros banhos santos: Figueira 483

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BANHO DO DIABO de Nelas, in O Instituto, n. 97 (1940), p. 319-332; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, A romaria de S. Bartolomeu do Mar em Esposende, in O Comércio do Porto (8 Ago. 1959); SOARES, Franquelim Neiva, A romaria de S. Bartolomeu do Mar e o seu banho santo, 1988; VASCONCELOS, José Leite de, Banho Santo, in Boletim de Etnografia, v. 2 (1923), p. 34-35 [banho santo da Figueira da Foz]; idem, Superstições dos rios encarados geneticamente, in Revista Lusitana, v. 29 (1931), p. 170-182

BANHO DO DIABO Denominação antiga, segundo Bluteau, para a melancolia hipocondríaca (opprobium medicorum).

Romaria de São Bartolomeu do Mar (Esposende).

da Foz (23 e 24 de Junho); praia da Costa Nova, na barra de Aveiro (véspera de São João), muito concorrido por homens e mulheres de Ovar e da Murtosa; Nelas (São Bartolomeu); Leça da Palmeira (São Bartolomeu); Foz do Douro; Matosinhos (São Bartolomeu); Senhorim (Mangualde), no rio, cuja água cura todos os males no dia de São Bartolomeu; Seixo de Ansiães (Carrazeda de Ansiães), no rio Douro, no dia de São Bartolomeu, levando de lá cabaças de água que cura doenças; São Bartolomeu de Cavês, no rio Tâmega são lavadas as crianças afectadas por alguma moléstia, fazendo parte do acto o lançar pelo rio abaixo a camisa do enfermo; etc. Canções alusivas ao banho santo na Figueira da Foz: «Na noite de S. João, / fui tomar banho ao mar; / apeguei-me c’o santinho / para o mar não me levar»; «Adeus, terra da Figueira, / adeus, ó lindas romeiras, / adeus, rico banho-santo, / adeus, ranchos e fogueiras». BIBLIOGRAFIA CALLIER-BOISVERT, Colette, Survivances d’un bain sacré au Portugal – S. Bartolomeu do Mar, in Bulletin des Études Portugaises de l’Institut Français au Portugal, nova série, t. 30, 1969, p. 347-367; DIAS, Carlos Malheiro, O Banho santo – véspera de S. João na barra de Aveiro, in Atlântida, n. 10 (1917), p. 306-310; DIAS, Jorge, Banhos Santos, in Actas do Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, v. 3, Porto, 1960, p. 195-200; FELGUEIRAS, Guilherme, Aspectos populares da antiga romaria de S. Bartolomeu em Leça, Matosinhos e praias nortenhas – o banho santo, diabruras e crendices encaradas na terapêutica supersticiosa, in O Tripeiro, n. 9 (1964), p. 267-270; LANDOLT, Candido, Folk-Lore – A água do mar nas superstições e crenças populares, in A Póvoa de Varzim, v. 3, n. 7 (1914); LOUREIRO, J. Pinto, O Concelho

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BANQUETE A dádiva alimentar é um fenómeno de significativa importância no estabelecimento de relações duradouras entre indivíduos e entre estes e a divindade. Tradicionalmente, o nascimento é um dos momentos em que a dádiva alimentar se circunscreve, tal como no *casamento, a um número limitado e preciso de convivas. A cerimónia do *baptismo é igualmente assinalada por um banquete, porém, menos exuberante que o da boda, reservado aos pais da criança, aos padrinhos e amigos. No dia do *funeral, e no da *missa do 7º dia ocorrem outras dádivas alimentares, consentâneas com a ocasião (*banquete fúnebre). *Alimento, *manjar cerimonial, *pão. De *treze pessoas à mesa, diz-se que um é judeu (Caldas da Rainha); acredita-se que morre a mais velha (em Lisboa, também a mais nova) num curto período de tempo. Comendo três pessoas do mesmo pão, queijo ou pêra, ou outro alimento singular, morre a mais velha (em Lisboa, também a mais nova). Quando cai qualquer coisa da mão de quem está a comer, diz-se que alguém lhe quer falar e não pode (S. Brás de Alportel): se o objecto for feminino será mulher, se masculino, homem. Outrora, em Parada (Bragança), na festa de *Santo Estêvão (Dezembro), fazia-se um banquete de sardinha e vinho no meio da povoação ao qual concorriam praticamente todos os habitantes. Antes, o pároco da freguesia abençoava a mesa, presidindo a esta e participando no banquete público, que evocava as refeições comunitárias da antiguidade.

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BAPHOMET BANQUETE FÚNEBRE Outrora, após a inumação, o termo das exéquias era frequentemente precedido por uma refeição tomada em comum pelos familiares e amigos do defunto que o haviam acompanhado até à sua última morada. Já o banquete em memória dos defuntos era celebrado junto ou sobre a sua própria campa, no aniversário do óbito, prática que a igreja censurava, como acontece nas Constituições do Bispado do Porto: «[...]. E cada um dos párocos, sob pena de lhes dar em culpa, não consintam em suas freguesias abusos e superstições nos acompanhamentos, enterros, ofícios, exéquias e trintários, nem se coma sobre as sepulturas, nem façam rezas com ajuntamento da freguesia à porta da igreja em que se costuma dar de comer» (livro 4º, título 2º, constituição 9ª, p. 471). Sobre as libações nos túmulos, cf. Virgílio (Eneida, V). No dia do *funeral, em algumas regiões era servida às pessoas de fora uma refeição de «pão, vinho e bacalhau frito», oferecendo-se na missa do 7º dia «meio trigo e um dedal de aguardente» a todos quantos participassem no acto de sufrágio. O *carolo era então manducado para «aliviar o morto de penas e o vivo de doenças». BAPHOMET Uma das acusações expressas na ordem de prisão de todos os templários, emitida pelo rei de França em 13 de Outubro de 1307, referia-se à adoração de um « ídolo que tem a forma de uma cabeça de homem com grande barba». Mas além da acusação de idolatria outras lhes foram igualmente imputadas. Segundo os inquisidores os templários eram apóstatas, porquanto renegavam Cristo cuspindo na cruz. Geoffroy de Gonneville, preceptor de Aquitânia e Poitou indeciso quanto à origem do rito avançou explicações aceites no seio da Ordem: segundo alguns confrades fora instituído pelo Mestre Gérard de Ridefort (1184 a 1/10/1189), segundo outros por Thomas Bérard (1256 a 1272) ou por um enigmático Roncelin de Fos, enquanto outros ainda entendiam que memorava *São Pedro, o qual negara Cristo três vezes. Por seu turno, Geoffroy de Charnay, que

O Ídolo andrógino dos gnósticos, segundo Eliphas Levi: o bode Mendes, barbado, com chifres, seios, asas e patas unguladas, senta-se de pernas cruzadas, apontando com um braço para uma lua minguante no alto (Solve) e com o outro para baixo na direcção de uma lua crescente (Coagula), gesto talvez alusivo ao axioma da Tábua de Esmeralda («o que está em cima é como o que está em baixo»).

confessou ter praticado a renúncia de Cristo a pedido de Amaury de la Roche, comendador da Normandia, acrescentava que este lhe teria afirmado «[...] não crer naquele, cuja imagem estava pintada, porque era um falso profeta, não era Deus». Acusações igualmente inventariadas no libelo davam os Freires da Pobre Milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo como praticantes de beijos obscenos no acto de recepção na Ordem e portadores de cintos mágicos que cingiam na mesma ocasião, os quais haviam estado em contacto com a referida imagem. Imediatamente após o cumprimento da determinação de Filipe, o Belo, o inquisidor Guillaume de Paris ordenou aos seus agentes que conduzissem os interrogatórios de molde a esclarecer o caso. O zelo evidenciado pelos inquisidores produziu os resultados previstos. Com efeito, diversos cavaleiros submetidos a tortura acabariam por confessar a prática dos aludidos ritos perversos, tal como a existência de um ídolo que alegadamente haviam visto ou adorado em 485

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Depoimentos de cavaleiros templários reportando-se à adoração de um ídolo Raynier de Larchant (20/10/1307) – Viu a cabeça doze vezes em Capítulos, nomeadamente em Paris. A cabeça tinha barba e era adorada, beijada e chamada Salvador. Supõe que esteja na posse do Grão-Mestre ou do Presidente do Capítulo. Guillaume d’Arblay (26/10/1307) – Viu a cabeça durante dois Capítulos presididos por Hugues de Pairaud, visitador de França. Crê que seja de madeira prateada ou dourada. Revelou que a cabeça possuia duas faces e aspecto terrível, bem como barba de prata ou uma espécie dela. Foi-lhe dito que se tratava da relíquia de uma das Onze Mil Virgens o que, antes de ter sido preso, acreditava corresponder à verdade. Jean du Tour (26/10/1307) – Viu uma cabeça pintada sobre um pedaço de madeira. Adorou-a durante um Capítulo. Raoul de Gizy (7/11/1307) – Observou-a no decurso de sete Capítulos presididos por Hugues de Pairaud e outros dignitários. A sua aparência terrível, que a tornava semelhante a um demónio (maufé), sempre o perturbou. Hugues de Pairaud (9/11/1307) – Viu a cabeça e pegou nela durante um Capítulo em Montpellier. Entregoua ao irmão Pierre Alemandin, preceptor de Montpellier. Possuia quatro pés, dois à frente e dois atrás. Geoffroy de Gonneville (15/11/1307) – Nunca a vira nem sequer ouvira falar da cabeça antes do Papa se lhe referir, uma vez, em Poitiers, quando ali esteve em companhia de Jacques de Molay. Jean Taillefer (14/4/1308) – No dia da sua recepção viu-a mas de longe, apenas percebendo que possuia rosto humano. Era vermelha, do tamanho de uma cabeça normal. Durante a imposição do hábito foi-lhe entregue um cordão de fio branco, tendo-lhe sido dito que havia cingido aquela imagem. Desfez-se dele. Jean l’Anglais (15/4/1308) – No dia em que foi recebido na Ordem entregaram-lhe um cordão de fio branco para usar noite e dia sobre o hábito. O capelão disse-lhe que o cordão cingira uma cabeça que não sabe em que consiste. Apenas ouviu falar dela depois de ter sido preso. Barthélemy Boucher (19/4/1308) – Assemelhava-se a uma cabeça de templário, com casco e longa barba branca. Não reparou se era de metal, madeira ou carne humana. Viu-a uma única vez. Huguet de Bure (24/4/1308) – Viu a cabeça durante a cerimónia da sua própria recepção. De prata ou cobre, parecia humana e possuia longa barba quase branca. O cordão que lhe foi dado era de fio branco e fino possuindo a dimensão necessária para que um homem se pudesse cingir com ele. Gérard du Passage (28/4/1308) – Afirma ser falso que os cordões estivessem em contacto com a cabeça de um ídolo antes de serem entregues aos irmãos. Todos se cingiam com um cordão sobre o hábito. Era oferecido, podendo também ser adquirido quando se desejasse. Quando os templários caíam prisioneiros dos sarracenos só possuiam, dizia-se em Acre, aquele cordão para oferecerem pelo seu resgate. Baudouin de Saint-Just (7/5/1308) – Não crê que o cordão fosse colocado ao pescoço de um ídolo antes de ser entregue aos cavaleiros. Cada um tomava-o quando entendia e cingia-o honestamente como cinto de castidade. Jacques de Troyes (9/5/1308) – Antes de ter sido recebido na Ordem ouviu dizer que sempre que se reunia um Capítulo em Paris aparecia, ao toque da meia-noite, uma cabeça que os presentes adoravam. Depois da sua recepção nunca mais ouviu falar dela. Raoul de Gisy (15/1/1311) – No final de um Capítulo geral reunido em Paris sob a presidência de Géraud de Villiers foi trazido à presença dos irmãos um ídolo em forma de cabeça. Aterrorizado, abandonou o local sem ter podido observar nem detalhes nem o material de que era feita. Durante outro Capítulo, igualmente realizado em Paris e presidido por Géraud ou Hugues de Pairaud, foi de novo apresentada a mesma cabeça tendo procedido do mesmo modo, razão por que não é capaz de se recordar de pormenores. Hugues de Faure (12/5/1311) – Em Chipre ouviu Jean Tanid, cavaleiro e bailio real da cidade de Limasso, contar que um cavaleiro nobre de Sidon se enamorara de uma jovem muito formosa (do condado de Tripoli), porém a donzela morrera antes de ter logrado conquistá-la. Após o funeral o nobre profanou a sepultura, tendo saciado o seu desejo sobre o corpo da defunta a quem degolou. Terá ouvido então uma voz sobrenatural dizer-lhe que guardasse cuidadosamente a cabeça porque tudo o que ela olhasse seria destruído e reduzido a pó, o que, com efeito, constatou, utilizando-a contra inimigos seus. Tendo, entretanto, embarcado para Constantinopla, que ia ser assediada, a sua velha ama decidiu investigar o que ele guardava, tão cuidadosamente, guardava no escrinio. Desencadeou-se, então, uma tempestade medonha que provocou o naufrágio do navio, escapando apenas uns quantos marinheiros que narraram o sucesso. Constava, inclusivamente, que nunca mais existira peixe no local onde ocorrera o naufrágio. Jamais ouviu dizer que esta cabeça ou aquela a que os comissários se referiam tenham pertencido aos templários.

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Teses mais relevantes sobre a natureza e significado do ídolo supostamente adorado pelos templários e respectivos proponentes Esfinge Egípcia – Símbolo do mistério, conforme expõe Karl Gottlob Anton no seu Versuch einer Geschichte der Tempelherren-Ordens (Leipzig, 1781); Relicário – Opinião de Friedrich Munter (Aufnahme der Tempelherren nach dem alten ritual, in Deutches Magazin, v. 3, Altona, 1792, p. 543-576) igualmente adoptada por J. H. Probst Biraben (Les Mystères des Templiers, Paris, 1973) que a abona com relicários espanhóis de Soria (San Saturio), Segovia (San Frutos, em Sepulveda) e Navarra (S. Gregório Ostiense, em Sorlada e S. Guillermo, em Annotegui, Obaños); Troféu – Opção de Herder exposta num escrito intitulado Historische Zweifel gegen das Buch-versuch uber die Beschuldigungen welche dem Tempelherren-Orden gemacht worden (Estugarda); Hieróglifo gnóstico – Conclusão a que chegou Joseph de Hammer Purgstall após ter descoberto no Gabinete das Antiguidades do Museu Imperial de Viena de Áustria objectos com inscrições e diversas figuras relevadas (Mysterium Baphometis revelatum, seu fratres militiae Templi, qua gnostici et quidem Ophiani apostasiae, idoloduliae et impuritatis convicti per ipsa eorum monumenta, in Fundgruben des Orients, v. 6, Viena, 1818, p. 3-120 e Mémoires sur deux Coffrets Gnostiques du Moyen Âge, du cabinet de M. le Duc de Blacas, Paris, 1832). Seguiram esta tese, que gerou enorme controvérsia, Guerrier de Dumast no poema em três cantos La Maçonnerie (Paris, 1820) e Jules Loiseleur (La Doctrine Secrète des Templiers, Paris, 1872), entre outros; Divindade Pagã – Como propõem, apesar de não unanimemente, Carl Gotthold Lenz (Die Gottin von Paphos auf alten Bildwerken und Baphomet, 1808) e Henri Gaidoz (Le Dieu assis les jambes écartées retrouvé en Auvergne, Paris, 1885); Cristo sob novo aspecto – F. Naef supõe que os templários não eram idólatras mas herejes, porquanto servidores de uma mentalidade nova baseada no Evangelho de S. João (Recherches sur les opinions religieuses des Templiers et sur les traces qu’elles ont laissées dans la littérature et l’histoire, Nîmes, 1890); Talismã – Utilizado em práticas de bruxaria atribuídas aos templários por Paul Christian (pseudónimo de Paul Pitois, autor de La Magie des Templiers, in Quinzaine, v. 4, 1895, p. 467-478). Segundo Maurice Magre assegurou a vitória aos cavaleiros do Templo até lhes ter sido roubado pelos mongóis em Liegnitz, na Boémia, onde estes levaram de vencida as tropas de Henrique da Silésia (Jean de Fodoas); Ícone do Diabo – Monumento bizarro anterior aos templários e às sociedades secretas medievais, criado por homens que haviam celebrado pacto com o príncipe das trevas, de acordo com Ernest Babelon (Baphomet, in Grande Encyclopédie, v. 5, p. 307-308); Ídolo Andrógino – Segundo Berillon (Le Baphomet, l’Idole Androgyne des Templiers, in Aesculape, Jan.-Fev. 1913); Símbolo do ecumenismo do Templo – Hipótese exposta por Victor-Emile Michelet (Le Secret de la Chevalerie) e retomada por René Guénon e Julius Evola; Imagem sintética da Tradição – Fulcanelli recorda que os poderes do Baphomet são idênticos aos detidos pelo Graal; Síntese de símbolos alquímicos – Louis Charpentier considera que a adoração de cabeças não passava de uma meditação colectiva dirigida para os ditos símbolos e seu significado (Les Mystères Templiers, Paris, 1967).

diversas ocasiões e lugares, bem como das ataduras ou cintos mágicos colocados ao pescoço do ídolo, os quais recebiam com o compromisso de sempre, noite e dia, usarem. Nunca, porém, a natureza do ídolo em questão e o significado dos procedimentos enumerados foram satisfatoriamente dilucidados, sem dúvida, em virtude do desacordo entre as confissões obtidas e, nomeadamente, da circunstância agravante de jamais ter sido encontrada qualquer das imagens descritas. Guillaume Pidoye, administrador-guardião dos bens do Templo e a esse títu-

lo detentor das relíquias e caixas apreendidas aos templários de Paris, convocado pelos comissários para apresentar todas as imagens de metal ou madeira que tivessem resultado do confisco, declarou não ter encontrado senão uma grande cabeça feminina de prata dourada. Uma vez mostrada a Guillaume d’Arblay este negou tratar-se da cabeça humana a que aludira no seu depoimento, acrescentando «não ter a certeza de a haver visto no Templo de Paris». Em pleno século XVIII, quando a questão foi retomada pela pena de eruditos, o alemão 487

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BAPTISMO Friedrich Nicolai encetou, sem se dar conta, uma polémica discussão, que não se acha ainda encerrada, ao baptizar o ídolo de Baphomet. Fêlo numa obra extremamente hostil aos templários, inspirado na deposição do provençal Gaucerand de Montpezat, o único confrade que, durante todo o processo de que a Ordem foi alvo, se referiu a uma imagem «com a forma de um bafomete». Este testemunho induziu o investigador a suspeitar da vigência de uma doutrina secreta no seio da Ordem do Templo. Trazida do oriente, seria indissociável do Islão, conhecidos os laços de companheirismo mantidos por alguns mestres do Templo com chefes muçulmanos e sabido que as mesquitas eram designadas na Provença por bafomairias, termo que figura, por exemplo, no sirventês Ira et Dolor, composto em lingua d’Oc, cerca de 1265, por um cavaleiro templário anónimo. A partir de então a curiosidade e as paixões de muitas dezenas de investigadores e estudiosos não mais deixaram de incidir sobre esse enigmático ídolo e a suposta doutrina secreta dos templários. Na muito obviamente desactualizada Bibliographie de l’Ordre des Templiers, dada à estampa em Paris no ano de 1928 por M. Dessubré, estimavam-se em cerca de duzentos e cinquenta os títulos a favor ou contra a idolatria e sobre o mistério do Baphomet e esse número tem vindo sempre a aumentar. Ainda hoje se atribui a classificação de Bafometos a peças iconográficas invulgares, mas só dificilmente identificáveis com as dos testemunhos. Uma suposta imagem bafomética tem, no entanto, vindo a concitar um consenso quase generalizado. Refiro-me ao Santo Sudário que na actualidade e desde 1578 se acha na Catedral de Turim, em Itália, o qual alguns autores presumem constituir a dupla cabeça com quatro pés que Hugues de Pairaud, visitador das casas da mílicia em França, declarou ter adorado em Montpellier. Os diversos alegados *bafometos descobertos nos últimos anos em Portugal, não têm a menor verosimilhança, aliás, à semelhança de todos os restantes, elencados após a efabulação de Friedrich Nicolai. *Almourol, *Cortes de Amor, *laço de Amor. 488

BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Os Baphometos ou os Mysterios dos Templarios, in O Panorama, v. 3, n. 106 (11 Mai. 1839), p. 150; GANDRA, Manuel J., Os Templários na Literatura, Lisboa, 2002; idem, O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006; idem, Templários e Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida para português (século XIV-2006), Mafra, 2007; LIZERAND, Georges, Le Dossier de l’Affaire des Templiers, Paris, 1964; MICHELET, Jules, Procès des Templiers, Paris, 1841, 2 vols.; NICOLAI, Friedrich, Versuch uber die Beschuldigungen, welche dem Tempelherrenorden gemacht worden, und uber dessen Geheimniss: nebst einem Anh. uber Entstehen der Freymaurer gesellschaft, Berlim, 1782, 2 vols. (Existe tradução francesa intitulada: Essai sur les accusations intentées aux Templiers et sur le secret de cet Ordre avec une dissertation sur l’origine de la Franc-Maçonnerie, Amsterdão, 1783); PARASCHI, André Jean, Segredos dos Templários: Bafomé, uma lenda «fabricada» depois da dissolução do Templo, por pessoas que jamais foram Templários, Ericeira, 1995

BAPTISMO Para os não cristãos a profissão de fé cristã equivalia ao nascimento (generatio), tornando-se por essa via, num mecanismo de inclusão. A submersão na água (efectiva ou figurada) constitui o primeiro dos sacramentos cristãos, cujo objectivo é a purificação do pecado original. O baptismo (regeneratio) é o equivalente a um segundo nascimento. Mulher grávida não pode ser madrinha de baptismo, pois, de contrário, a criança morrerá. Depois de baptizadas as crianças ficam livres de maus olhados (Madeira). O baptistério é o local destinado ao baptismo dos cristãos (*pia baptismal). Locução: Baptizar de pé = receber o baptismo quando adulto (*converso, *cristão-novo). BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, As horas mais altas da vida da família: casamento, baptizado, falecimento, in Mensário das Casas do Povo, v. 2, n. 23 (1948), p. 12-14; NEVES, António Amaro das, Vir à luz – práticas e crenças associadas ao nascimento, in Revista de Guimarães, n. 104 (1994), p. 51-81

BAPTISMO DE JESUS Actualmente festeja-se no domingo seguinte ao da *Epifania (6 de Janeiro). Trata-se de um episódio referido por todos os evangelistas: Jesus, proveniente da Galileia, chega às margens do Jordão e convida *São João Baptista a baptizá-lo. Concluída a função, o Espírito Santo manifestou-se sob a forma de uma pomba enquanto uma voz procedente do céu anunciou: «Este é o meu Filho muito amado e predilecto». Os Padres da Igreja viram neste evento,

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BARACHIEL (*aborto) ou temendo os nado-mortos, dirigem-se a Ponte da Barca, com o objectivo de serem baptizadas sob a ponte do rio Lima. Nos extremos da ponte fica alguém de vigia para evitar que, entretanto, algum ser irracional a atravesse porquanto o baptizado tem de ser feito pelo primeiro ser vivo que passe após a meia noite. A pessoa assim indigitada não pode eximir-se de ser padrinho ou madrinha da futura criança. Lança alguma água sobre a mulher, dizendo três vezes: «Eu te baptizo em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo». Diz-se que tais baptizados só podem ser realizados nas pontes orientadas no sentido Norte-Sul e que dividam dois concelhos. *Afilhado da ponte, *ponte macha. Tábua central do tríptico do Baptismo de Jesus da igreja de S. João Baptista, em Tomar.

prefigurado pela Travessia do Mar Vermelho, a manifestação da Trindade. BAPTISTA, JOSEFA Viúva do pintor António Vieira, natural de Vila Franca de Xira. A 18 de Outubro de 1749, foi pela segunda vez denunciada ao *Santo Ofício por Marcelina Teresa, a qual, compelida pelo seu confessor, afirmava que Josefa Baptista havia anos lhe dissera que as *cartas de tocar «haviam de ser de noite levadas a sete adros de igrejas, de macho [i. e., santos masculinos], para que aproveitassem» [ANTT: Inq. Lisboa, caderno 108 do Promotor, fl. 12].

BIBLIOGRAFIA CRUZ, Amorim Machado Cruz, Os baptizados da meia noite, em Ponte-da-Barca, in Douro Litoral, v. 8 (1944), p. 53; CRUZ, Eduardo, Os baptizados da meia noite na Ponte da Barca, in Douro Litoral, s. 3, v. 7 (1949), p. 5659; VIEIRA, A. Martins, Baptizados da Meia-Noite, in Cadernos Vianenses, v. 13 (1989), p. 73-77

BARACHIEL *Arcanjo que precedia Moisés. Um dos sete que «estão diante da face de Deus» (Apocalipse, VIII, 2). Iconografado em registo setecentista e numa tela do convento dos Cardais (Lisboa), pertencente à mesma centúria.

BIBLIOGRAFIA VITERBO, Sousa, Notícia de alguns pintores portugueses e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal, Coimbra, 1911 (série 3ª), p. 165, n. LXXXVIII

BAPTISTA DO CÉU, SÓROR *Serva de Deus. Clarissa do mosteiro da Madre de Deus, em Linhó (Gouveia). A sua biografia consta de dois manuscritos [BGUC: ms. 1733 e BPMP: ms. 569]. BAPTIZADO DA MEIA NOITE Prática muito corrente no Alto Minho. As grávidas com propensão para os desmanchos

Barachiel iconografado numa tela do convento dos Cardais.

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BARAÇO DE ENFORCADO BARAÇO DE ENFORCADO Utilizado na magia erótica, para confecção de feitiços [ANTT: Inq. Évora, proc. 8029, fl. 79v]. BARADUQUE, BEATA FRANCISCA DE JESUS Terceira de São Francisco, casada duas vezes. Investigada pela *Inquisição de Lisboa [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 8619], em virtude das visões que o seu confessor, *Frei Bernardo de São José, também ele denunciado ao *Santo Ofício, passou a escrito na Exemplarissima e prodigiosa vida da veneravel serva de Deus Francisca de Jesus Baraduque com muitas revelações, visões e incomparáveis favores de Deus. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Lúcio de, A Evolução do Sebastianismo, Lisboa, 1947, p. 172

BARÃO, SÃO Santo cultuado no povoado proto-histórico de Castelos, em Alcaria Ruiva. BARÃO DE CATÂNIA Curandeiro lisboeta a quem, nos inícios do século XX, foram creditadas diversas curas extraordinárias (Sousa Bastos, Lisboa Velha, Lisboa, 1947, p. 196). BARATA Também carocha ou caroucha. Na Madeira dizse que «casa onde haja baratas terá dinheiro». BARBA Símbolo de virilidade, de honra e de sabedoria. O Deus de Israel, as divindades masculinas do panteão egípcio (com barba postiça), Indra, Zeus, ou Jesus, são representados com longas barbas, sinal indiscutível do seu estatuto. Também afirmação da majestade dos reis das *cartas de jogar (valetes e condes só possuem bigode ou pêra). Homem sem barba não é homem, razão por que se diz, em tom de zombaria, aos rapazes imberbes: «Estes meninos d’agora / São franguinhos de vintém, / Prometem dez réis às almas / A ver se lh’a barba vem». Barbas honradas são sinónimo de pessoa honrada, carácter sublinhado pela cor branca delas, bem como 490

pela velhice do seu portador: «não ouvistes dizer em quanta veneração se tinham antigamente as cãs, e o caso que se fazia de umas barbas brancas e largas?» (Martim Afonso de Miranda, Tempo de agora, t. 1, 1785, p. 182). No Juiz da Beira de Gil Vicente, Ana Dias queixa-se que o filho de Pêro Amado lhe inquietou a filha, dizendo: «Um moço, já homem barbado /(Benza-o Deus!), e emancipado, / Ir fazer tais desatinos!». Ao pastor Jano diz Piério: «Por teu bem […] te cresça / A Barba […] de honrado!» (Bernardim Ribeiro, Écloga segunda). Outrora, quando se corria o galo em Tolosa (Portalegre), ele dizia no testamento: «E as barbas honradas /Deixo-as a quem s não tem, / Que sem elas não se pode / Chamar [honrado a ninguém]» (cit. J. Leite de Vasconcelos). Desde a antiguidade, que arrancar ou cortar a barba a alguém constitui castigo (por delito) ou vitupério. Disposições constantes dos forais de Freixo de Espada-à-Cinta (séc. XII) e de Castelo Rodrigo (1209) condenavam duramente todo aquele que mesasse (mesar = arrancar) ou messasse (messar = cortar) a barba de outrém. Puxar pela barba era, igualmente, injúria afrontosa. A barba desempenha papel nobre em certos actos: hipotecas, apostas, empenhos, juramentos, etc. Ao empenho da barba, cujos casos paradigmáticos são os de *Afonso de Albuquerque (cf. Fernão Lopes de Castanheda, História do descobrimento e conquista da Índia, Coimbra, 1551, liv. 3, cap. 155) e de Dom João de Castro (cf. João Pinto Ribeiro, Elogio de D. João de Castro, Lisboa, 1644, p. 73), há referências na literatura portuguesa: Jerónimo Baía invectiva um general espanhol derrotado na batalha de Montes Claros: «Com barbas não torneia a Portugal; / E se para tirardes / As vossas de vergonha, cá tornardes, / Do grande Apolo as barbas vos empenho!» (cf. Fénix Renascida, v. 3, 1718, p. 184). Ao juramento pela barba, aludem Gil Vicente (Auto dos Almocreves, in Obras, v. 3, p. 216) e Jerónimo Baía (cf. Fénix Renascida, v. 3, p. 182), entre inúmeros outros. Viterbo (cf. Elucidário, sv. barba, p. 18) assevera ter visto selos de cera (e de outras matérias) do séc. XII, nos quais haviam sido misturadas pontas de barbas,

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BÁRBARA, SANTA como testemunho da firmeza inabalável da escritura ou contrato. Barbas promissas ou compridas podem ser sinal de penitência (imposta pela Igreja aos condenados por desmandos cometidos: Príncipe de Serpa, no séc. XIII), desgosto (Pedro Esteves, o Barbadão, no séc. XIV) ou luto (quando D. Manuel I morreu, em 1521, foi ordenado aos barbeiros que durante seis meses não barbeassem ninguém, nem cortassem cabelos). Talvez, o mais relevante exemplo moderno de barbas promissas seja o de *Sampaio Bruno que as deixou atingir dimensão assinalável, em sinal concomitante de penitência, desgosto e luto. Consoante um costume coimbrão, quem submete a primeira barba à tesoura ou navalha do barbeiro (*primeira vez) tem de pagar patente ou patenta (gratificação). A barba é comparável a um rebento vegetal e o aparecimento e vigor dessa espécie de vegetação facial anda associada ao advento primaveril do cuco (que espalha a denominada barba de cuco, pelos matos), achando-se atestado nas locuções: «há-de-se fazer uma encomenda ao cuco, para te trazer a barba para o ano», «tens de dar dez réis ao cuco, para te trazer a barba para o ano que vem» e «tu não encomendaste a barba ao cuco, mas à poupa!» (aplicável ao rapaz cuja barba só nasce no mento, sendo rara no resto da cara). Crê-se que sangue de *morcego faz crescer a barba (cf. Positivismo, v. 4, p. 288). Dizem os transmontanos que Chelas (Mirandela) é terra das barbas, porquanto, segundo uma lenda muito divulgada, existiu no lugar uma velha que as fazia nascer imediatamente aos homens. No Minho, por se acreditar que um mulher que fia uma estriga de linho no *Carnaval fia as barbas do *Entrudo, queimam-na quando alguma aparece com ela. No Barroso, diz-se que não se deve fazer a barba à terça-feira porque anda o *diabo à solta, nem à sexta-feira porque nesse dia a fizeram a Jesus, os judeus. Locuções: Pouca barba, pouca vergonha; Homem sem barba não tem vergonha; queixadas sem barbas não merecem ser honradas (Bluteau); Deus dá a barba a uns e a vergonha a outros; homem que num tem bigode, num éi home (Ardãos, Boticas); A barba não faz o monge (Jerónimo

Baía, Fénix Renascida, v. 3, p. 179). Quadras: «Espelho que não tem aço / Atira-s’a ~ua parede; / Rapaz que não tem bigode, / Poucas conversas com ele!» (Vila Franca do Campo, Açores); «Azeitona miudinha /Que azeite pode render / O homem que não tem barbas / Que palavra pode ter?» (Mexilhoeira Grande); Oliveira pequenina / Que azeitona pode dar? / Em homem de pouca barba / Que vergonha se há-de achar? « (Cabaços, Alvaiázere). *Aarão, *Baphomet, *barbeiro-cirurgião, *bênção da barba, *cabelo, *Santo André Avelino. BIBLIOGRAFIA LIMA, Augusto César Pires de, A Barba nas Tradições Populares de Santo Tirso, in Douro Litoral, s. 3 (1945), p. 79 (expressões e quadras de esfolhada referidas à barba); VASCONCELOS, J. Leite de, A Barba em Portugal: estudo de etnografia comparativa, Lisboa, 1925

BARBA-AZUL Nome popular do marechal Gilles de Laval (1404-1440), senhor de Raiz, combatente na guerra dos Cem Anos ao lado de Joana d’Arc. Acusado de mago e feiticeiro, foi condenado à morte. Em Portugal correm diversas versões da lenda que originou. BIBLIOGRAFIA SAUNIÈRES, Paul, Gilles de Rais, Lisboa, 1870; VICENTE RISCO, História do Diabo, Porto, 1959, p. 191-193

BARBA DE MILHO O chá é diurético e preconizado para achaques da *bexiga. BÁRBARA, SANTA Santa de origem oriental, cuja lenda se formou em Bizâncio (séc. X): Dioscuro, seu pai, sátrapa da Nicomédia, encerrou-a numa torre para impedir que se convertesse ao cristianismo. Festejada pela igreja latina, desde o séc. XV, no dia 4 de Dezembro. Advogada contra o raio, as trovoadas e a morte súbita. Também invocada como protectora dos matemáticos, mineiros (barraneiros), fogueteiros, armeiros e artilheiros. De acordo com a sua hagiografia, seu pai, que lhe decepou a cabeça, morreu fulminado por um raio. Na região de Mafra era costume invocá-la em dias de trovoada. É prática muito dis491

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Oração para afastar trovoadas (Mafra) Santa Bárba se vestiu, Santa Barba se calçou, Seu caminho encaminhou Jesus Cristo perguntou: – Onde vais Barba? – Vou espalhar trovoada – Espalha-a lá p’ra bem longe onde não haja pão nem vinho, não oiças cantar os galos nem repeniquem os sinos. Já os galos cantam, já os Anjos s’ alevantam Já o Senhor subiu à Cruz para sempre Amen Jesus. Responso para afastar trovoadas (Sernancelhe) Jesus Cristo lhe disse: – Santa Bárbara, onde vais? – Eu com o Senhor irei – Tu comigo não irás. Nesta terra ficarás. A arramar [=desviar] estas trovoadas Para onde não haja eira nem beira, Nem pé de figueira, Nem alminha cristã Nem guedelinho de lã. P. N. e A. M. Responso para afastar trovoadas (Barroso) Santa Bárbara bendita Se levantou, se vestiu e se calçou Suas santas mãos lavou Jesus Cristo encontrou

seminada utilizar a «campainha de Santa Bárbara» para esconjurar trovoadas (cf. Leite de Vasconcelos, Na Beira Alta, in O Arqueólogo Português, v. 22, 1917, p. 333-334). Em algumas regiões do Norte, reza-se a seguinte oração: «Santa Bárbara; Santos Fortes! / Santa Bárbara Bendita, / Que no céu está escrita / Com um raminho de água benta, / Nos livre desta tormenta!». Na região de Sernancelhe anda associada a *São Jerónimo, tal como Santa Bárbara, «advogado das trovoadas» (cf. Alberto Correia, Etnografia da Beira Alta: nótulas referentes ao concelho de Sernancelhe, in Beira Alta, v. 31, n. 3, 1972, p. 360). A devoção a Santa Bárbara em Trás-os492

E o Senhor lhe perguntou: – Onde vais Barbarinha? – Senhor eu ao Céu vou; – Vai, Barbarinha, vai Desarma aqueles trovões e trovoadas Lá para um castro marinho, Onde não haja pão nem vinho Nem bafo de menino pequenino, Em que só haja uma serpente Sem nada que lhe dar, Se não aguinha da fonte E areia do mar. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria Um Padre-Nosso e uma Avé-Maria. Oração para afastar trovoadas (Norte) Santa Bárbara; Santos Fortes! Santa Bárbara Bendita, Que no céu está escrita Com um raminho de água benta, Nos livre desta tormenta!. Responso para afastar trovoadas (Ribatejo) Santa Bárbra se alevantou Seu pézinho direito calçou Nossa Senhora encontrou Esta lhe préguntou Onde vais Santa Bárbra? Vou espalhar a trovoada Que no céu anda armada Espalha-a lá para bem longe Onde não haja perca nem vinho Nem flor de rosmaninho.

-Montes foi incrementada, durante setecentos, por dois milagres que lhe foram creditados pelos padres da Companhia de Jesus, em cuja igreja seria instituída a primeira confraria de que foi titular na diocese. Os mineiros de São Domingos (Mértola) festejavam Santa Bárbara levando-a em procissão e dando tiros de pólvora seca, enquanto os de Aljustrel preferiam os tiros de dinamite, de resto, em ambos os casos simbólicos dos trovões. No concelho de Mértola canta-se a seguinte cantiga em louvor de Santa Bárbara: «Ó Senhora Santa-Bárbara, / Tenha dó dos barraneiros: / Trabalham debaixo do chão /À luz dos seus candeeiros».

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BARBEIRO-CIRURGIÃO

Bentinho do folheto Escudo Impenetrável aos Trovões, Raios, Peste e Ar Corrupto, administrado por Santa Bárbara. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Varias Oraçoens Approvadas pela Igreja de que devem usar todos os Catholicos, e devotos de S. Barbara na occasiam de Tromenta [sic] e trovoadas, Lisboa Ocidental, 1729 [BPNM: BVol. 2-71-3-16]; MARTINS, Fausto, Presença dos jesuítas em Bragança e introdução do culto e devoção A Santa Bárbara no século XVIII – Páginas da história da diocese de Bragança-Miranda – Congresso histórico (1545-1995), Bragança, 1996, p. 773-782

BARBASCO Planta leguminosa, originária da América do Sul (Perú e Surinam). Em Portugal, foi utilizada na *magia erótica. As folhas do barbasco deviam ser metidas nos seios da interessada para secarem e, depois, moídas e dadas a comer ou a beber ao destinatário do *feitiço. Aos inquisidores, Leonor Neta confessou que o colhera «sem ser assombrado», i. e., antes da aurora, numa sexta-feira (ou no dia de *São João), enquanto dizia: «tu és barbasco e eu Leonor Neta que te cato asssim como tu embarbascaste o mar e as areias assim faças de Gonçalo Anes asno e de mim pega para que eu lhe suba pela cabeça e lhe desça pelo rabo» [ANTT: Inq. Évora, proc. 6460, fl. 18r]. Num outro processo inquisitorial, invoca-se o facto de o barbarco sempre ter sido namorado [ANTT: Inq. Évora, proc. 5264, fl. 42v]. BARBEIRO Vento seco, cortante e frio que sopra de Norte. Também *barbeirinho, *chiasco, *ciasco, *cieiro, *Norte alto, *nordistão, *rapa-barbas.

BARBEIRO-CIRURGIÃO O mesmo que *sangrador. Outrora, os barbeiros acumulavam, mais ou menos oficialmente, a função própria com a de médico. Em muitos casos, as câmaras municipais davam carta de curandeiro ou curão aos barbeiros, havendo livros destinados à sua preparação profissional, como os de Manuel Leitão, cirurgião do hospital de Todos os Santos (Lisboa), Leonardo de Prista (pseud. de Bernardo Pereira), Costa Santos, Ferreira Roque, L. J. Cândido, etc. Numa das suas poesias, Costa e Silva alude às habilidades múltiplas dos barbeiros de aldeia: «O cirurgião da Aldeia / É também Mestre Barbeiro, / Sabia a vida de todos, / E era grande noveleiro. / Sangrava, tirava dentes, / Tinha carta de Curão». Frei Manuel de Azevedo já escarnecia deles no séc. XVII (Correcção de abusos [...], 1680). Desde os inícios de oitocentos, arrogar-se tal categoria podia acarretar pena de prisão de seis meses a dois anos, sem multa, ou a coima de 20 mil réis, a primeira vez, o dobro, a segunda vez, progredindo a pena de acordo com o disposto no alvará de 22 de Janeiro de 1810. Todavia, em Trás-os-Montes, segundo José Leite de Vasconcelos, chamar o barbeiro equivalia a chamar o médico, ainda no início do séc. XX. De resto, foi um barbeiro natural de Abrantes, Manuel Constâncio Alves (1726-1817), quem logrou criar, pela primeira vez, uma escola anatómica portuguesa, no Hospital de Todos os Santos de Lisboa. *Bicha de sangrar, *sanguessuga. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Nova Arte da Sangria na qual se achão descriptos todos os preceitos que se devem observar na execução desta operação, Lisboa, Impressão Régia, 1830 [BN: SA 30359 P]; ANÓNIMO, Reparos filanthropicos de hum fiel portuguez sobre o abuso da sangria e bichas offerecidas ao público para sua instrucção e governo, Lisboa, Impressão Régia, 1832; ANÓNIMO, Novo Manual do Sangrador ou meio fácil de Sangrar com perfeição, Lisboa, 1870; BARRADAS, Joaquim, A Arte de Sangrar de cirurgiões e barbeiros, Lisboa, 1999; BERMOTAN, António Bernardo Monteiro, O barbeiro na literatura portuguesa e na vida social, Porto, 1927; CÂNDIDO, José Luís, Tractado de Sangria, Coimbra, 1863 [BN: SA 10806 P]; FONSECA, Manuel José, Exame ou arte dos sangradores, que em forma de diálogo ensina aos mestres o que devem perguntar e aos discipulos o que se compreende na arte de sangrar […], Lisboa, António Marques da Silva, [BN: SA 32744 P]; LEITÃO, Manuel, Prática de barbeiros em quatro tratados, em os quais se trata de como se há-de sangrar, e as cousas necessárias pa-

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BARBORINHO ra a sangria, etc., Lisboa, 1604; LEMOS; Maximiano de, Arquivos da História da Medicina, nova série, v. 13, p. 78-79; LEONARDO PRISTA (pseud. de Bernardo Pereira), Pratica de barbeyros phlebotomanos ou sangradores […], Lisboa, 1719; MOURA, Bernardo da Silva, Dissertação illustrada, ou sangria das salvetellas defendida, Lisboa Ocidental, 1739 [BN: SA 9902 P]; PINHO, António C., A arte de sangrar: pretexto para o elogio de um «barbeiro-cirurgião», in História, a. 10, n. 109 (Jun. 1988), p. 64-67; ROQUE, Ferreira, Tratado de Phlebotomia, prática racional e directório de principiantes, Évora, 1722 [BN: SA 9475 P]

BARBORINHO *Balborinho, *belborinho. BARBOSA, AGOSTINHA Natural de Novelas. Mulher de João Ferraz, músico, e filha de João Ribeiro, lavrador, e de sua mulher, Maria Barbosa. Residia no lugar de Ferreiros, em Bustelo (Penafiel), quando foi presa, em 25 de Agosto de 1739, por ordem da Inquisição de Coimbra, acusada do crime de bruxaria, contando 48 anos de idade. Confessaria que «[...] padecendo ela confidente várias queixas e ânsias do coração e tremuras, a levaram a casa de Maria Nunes [...] à qual veio o padre João de Albuquerque, que foi cura em Bustelo, chamado da mesma, e lhe deu uns pós que disse serem leite de Nossa Senhora, os quais lhe tinha dado um seu tio abade de Aveleda, e lhe ensinou usasse de suadouros de poejos, salva e arruda cozidas em sete canadas de água e, deitada esta em uma gamela, se assentasse nela com os pés para de lá das cabeceiras e, bem coberta, tomasse o suadouro do dito cozimento, e havia de estar um quarto de hora a fazê-lo por três dias interpolados, por causa da grande fraqueza que causam, e com os ditos suadouros melhorou, sem embargo que havia, dois anos que padecia as ânsias e tremuras, e com a notícia que logo correu da sua melhora, concorreram várias pessoas, e ela ensinava a cura e modo dela, que uns passavam aos outros, e a maior parte da gente que os usava, melhoravam. E das curas que ela fez é tão grande o número que o não sabe dizer, e as pessoas a quem assistia, benzia com o cruzeiro das contas, como também a água, dizendo as palavras seguintes: «Esta criatura de Deus, Deus a criou, Deus a desencanha de quem a encanhar, por 494

quem é / assim como clérigos e frades que estão no altar e põem o vinho sagrado, assim esta criatura de Deus, pelo poder de Deus, há-de sarar», as quais últimas palavras dizia só quando a benção era de manhã, e dizia pelo ensino do dito clérigo que eram bons os suadouros, ainda para todo o malefício. Disse mais que àqueles que não queriam os suadouros, que tinham malefício, levava de casa embrulhos de penas de galinha, linhas e paninhos, e em casa dos doentes fingia que buscava os feitiços e mostrava os ditos embrulhos que levava de casa, e por este modo capacitava os enfermos que tinham malefícios e os movia a que usassem de suadouros [...]. [...] os lavatórios que confessou [...] não são de ervas, mas sim de açúcar mascavado, deitado na água, e assentando-se nela, o qual lhe ensinou para ela confidente e sua filha, um cirurgião Domingos Mendes, de Arrifana, já falecido, dizendo ser bom para as almorroidas [...]. Disse mais que usava de uns lavatórios de arruda, salva, poejos e funcho, e declara agora que era só para suadouros [...] e que a água depois do suadouro mandava lançassem em terra seca porque tinham medo de passar por ela, e dava uma bebida de aguardente, vinho maduro e um quartilho de aguardente, partes iguais, para beberem morna os que tinham dor de estômago, a qual ensinou o dito cirurgião [...]». Com estas mezinhas asseverou Agostinha Barbosa ter realizado inúmeras curas, designadamente: um homem que estava doente havia ano e meio curou-se com os suadouros; melhoraram sensivelmente Catarina, mulher de Manuel de Barros, de Arrifana, [...], que estava algemada, e um homem de São Mamede, que endoidecera e fugira durante a missa nova de um seu irmão frade; curou-se outra mulher que estava presa com cordas; uma mulher de Santiago, que havia muitos dias não falava, não comia, nem bebia, sarou com os suadouros «posto que estava como um corpo morto»; melhorou também um abade de Recesinhos, «que se queixava de esfalecido e dor de peito»; igualmente um frade de Bustelo, frei Santa Rosa, melhorou dos queixumes de que padecia; curou um rapaz que se entendia estar

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BARBOSA, FRANCISCO com um malefício «por se desfazer um casamento que estava ajustado com ele»; sarou um homem de quem se suspeitava terem-lhe a sogra e um filho feito malefício, por causa de umas partilhas; sarou ainda outro homem que tinha «umas grandes picaduras no corpo». Confessou ainda que, «por quatro vezes cada uma, ia com uma pessoa doente passarem uma ponte de joelhos, até à parte onde estava a Cruz das Almas; e rezavam uma coroa a Nossa Senhora em memória das maiores penas que a Senhora padeceu ao pé da Cruz, e por duas delas voltavam daquelas para trás, até à parte donde tinham principiado». Em seguida dava-lhes os suadouros, que antes tinham recusado, e todas melhoravam. «Disse mais que por três vezes cada uma com uma doente foi a uma encruzilhada a horas de Ave Marias, por lhe dizerem as tinham aconselhado [...], e indo se sentavam, ela dizia estas palavras: «Deus te fez, Deus te criou, pelo poder de Deus te desencanhe quem te encanhou», as quais dizia cinco vezes, porém primeiro se benziam» (estas doentes não melhoraram e não quiseram tomar os suadouros). «[...]. Três mulheres casadas se queixavam estarem seus maridos ligados para o véu do matrimónio, lhes deu o conselho fossem cada uma de per si a um moinho que moesse às avessas e se assentassem ali e que não moesse e lançasse a água para fora, e rezassem uma coroa dando três voltas ao redor do moinho [...]». «Disse mais que Maria Nunes, do Paço, mulher viúva que mora à ponte de Cepeda [...], deu de conselho aplicasse suadouros a um seu filho clérigo, que desconfiava estava maleficado pela manceba, e que lhe trouxessem uma pinga de água de cada suadouro, o que fez, e quando se retirava então a lançava fora ela confidente, e o clérigo sarou [...]». Foi acusada pelo promotor da Inquisição de «[...] pouco temor de Deus e da justiça», de curar de feitiços e várias enfermidades, com palavras, rezas e outras cerimónias vãs e supersticiosas, «usando de água benta de três igrejas que tivessem sacrário, aplicando suadouros de certas ervas e levando os enfermos a pontes e encruzilhadas, aonde dizia certas palavras, e mandava que a água que rema-

nescesse dos suadouros se lançasse em um rio, e que a pessoa que fizesse esta diligência, que não olhasse para trás [...] e para desligar a certas pessoas lhes aconselhava que fossem a um moinho, e depois de fazerem certas cerimónias, dessem três voltas às avessas ao redor do, mesmo. E que consultando-a certa pessoa para que lhe dissesse quem teria certa moeda que lhe faltava, ela, ré, mostrando que adivinhava, respondera que principiasse a justiça por casa». Outra vez, «abriu uma gaveta e saindo para outra casa, voltou dizendo que a pessoa enferma tinha feitiços que estavam presos em rio ou sapo preso, e que fizessem um cozimento de cinco castas de ervas em sete canadas de água, para dar três suadouros à dita pessoa enferma, e de cada um tirasse um pouco de água, lha levassem em um vidro para a ir lancar no rio [...]». E que «costumava tirar uns ferros da dita gaveta por lançar sortes e saber a qualidade das queixas [...]». Agostinha Barbosa seria condenada a abjurar de leve no auto da fé que se realizou no Terreiro de São Miguel, em Coimbra, a 8 de Novembro de 1739, e a três anos de degredo para Miranda [ANTT: Inq. Coimbra, proc. n. 7360]. *Gregório Barbosa. BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bruxos, Bruxas e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do Congresso Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso, 1965, p. 193-196

BARBOSA, ANTÓNIA DOS SANTOS Curandeira herbalista, pertencente a família com tradições nesse domínio, porquanto, além de atribuir a suas filhas o mesmo conhecimento, afirmava possuir «alguns documentos de sua bisavó Maria Barbosa para curar várias enfermidades de dores de peito, de cabeça e de todo o corpo, com várias ervas e cozinhados delas». Tinha 87 anos quando o Santo Ofício a prendeu (1791). Mostrando-se renitente em confessar as culpas que lhe atribuiam, foi condenada a instrução religiosa na casa de correcção de Lisboa [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 6229]. BARBOSA, FRANCISCO Saíu penitenciado, acusado de feitiçaria, no *auto da fé da Inquisição de Lisboa, de 29 de 495

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BARBOSA, FRANCISCO

Extractos da sentença de Francisco Barbosa Para saber se outra certa pessoa que assistia fora do reino viria para sua casa brevemente, lançava sortes com certas cerimónias e, levantando as mãos para o céu, dizia: «que [...] certa pessoa haveria cartas», inculcando que sabia o que continham algumas sem as ler. Também se gabava que sabia fazer encantos e desfazer feitiços, obrigando a vir à sua presença a pessoa que os tinha feito, ainda que estivesse dormindo, sem usar para este fim do favor do demónio, mas sim de suas artes que aprendera com certas pessoas. Para cortar feitiços usava de tomar as ditas medidas, bençãos e palavras e dava parte das medidas para se queimarem, e a outra parte entregava à pessoa enferma para as trazer ao pescoço, e lhe mandava tomar banhos de maceira, compostos de três castas de ervas diferentes, e que tudo se lançasse em uma panela e depois em um rio corrente sem olhar para trás. Mandando abrir um colchão, em que dormia uma das pessoas enfermas, de dentro dele tirou umas linhas cortadas, acbelos, pedaços de fiado cru de lemiste e um boneco sem braços, com alguns alfinetes cravados por várias partes do corpo, em que a pessoa enferma experimentava grandes dores, e o réu queimou o dito boneco e na cinza, que dele ficou, lançou água benta de certa igreja, e juntamente água da que tinha servido nos lavatórios. E esta cinza com um cântaro de água mandou o réu lançar no mar e que a cinza fosse lançada por três vezes, dizendo ao mesmo tempo «Assim como tu andas, assim ande fulano», nomeando a pessoa enferma. Para o mesmo efeito [talhar feitiços] mandou o réu vir um novelo de linhas brancas e com elas tomou várias medidas à pessoa enferma, uma do pescoço até ao peito, outra da cintura para baixo, ambas sobre a carne, e do mesmo modo outra do sangradouro do braço até à ponta do dedo grande da mão esquerda, outra do quadril da mesma parte até ao tornozelo do pé, e isto repetiu por três ou quatro vezes, e das ditas medidas levou uma, outra cortou em bocados, os quais lançou em uma bacia de água e, sem diligência alguma dele réu, andavam à roda da bacia e se ajuntavam no fundo da mesma em forma de cruz ou signo-saimão, o que o réu dizia «era bom sinal». E as outras medidas deu à pessoa enferma para que, umas as metesse em uma bolsa com um dente, que também lhe deu sem dizer de quem era, recomendando-lhe que trouxesse sempre consigo a dita bolsa, e a outra medida a metesse debaixo da cabeceira da cama; e com este remédio experimentou melhoras a pessoa enferma, ainda que, quando dormia sonhava coisas horríveis. E ele réu, quando visitava a pessoa enferma, sempre lhe perguntava se tinha alguns sonhos e, dizendo-lhe a pessoa o que sentia, o réu dizia «que isto lhe procedia dos humores que andavam abalados». Para degradar sombras, depois de várias cruzes e lançar água benta por toda a casa, dizia as palavras seguintes: «eu te requeiro da parte de São Pedro e de São Paulo e de todos os santos que me acompanhes para qualquer parte que eu for». Prometia também descobrir tesouros e muitas léguas de minas, para o que se servia de um livro, que tinha, e convidou muitas pessoas de ambos os sexos, assegurando-lhes «que dentro de um mineral achariam doze mouros muito bem adereçados com seus espadins nas mãos e outras tantas mouras muito bem adereçadas com muitas peças de ouro e diamantes, e que tudo se havia de repartir entre ele, réu, e as ditas pessoas» que o acompanhavam, e que, despojados os ditos mouros e mouras, caíriam logo por terra e se reduziriam a cinza e entrariam novamente a repartir entre si copiosíssimos tesouros, que ali se achavam. Confessou que, de certo tempo a esta parte, sendo procurado para descobrir onde havia tesouros e minas, ajustou com certas pessoas de um e outro sexo o entrarem nessa empresa e, para melhor introduzir o seu engano, mandava aos homens, que haviam de ir em sua companhia que por certo número de vezes beijassem as espadas e as pusessem nuas no chão, e às mulheres, media por várias partes de seu corpo, recomendando-lhes muito que levassem as tais medidas consigo, porque nas partes nas partes em que estavam as minas, lhes havia de repetir e tomar-lhe medidas com com as mesmas. E perguntando-lhe uma das ditas pessoas «se haviam de levar sacos para conduzirem os tesouros», o réu lhe respondeu: «que no sítio das minas havia grande provimento deles». E, fazendo todos a jornada, tanto que chegaram perto do sítio em que dizia estarem os tesouros, se retirou ele réu sem dizer coisa alguma aos companheiros. E costumava também «cortar o ar», usando de medidas, cruzes, signos-saimões e palavras em nome da Santíssima Trindade; e a

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BARBOSA GREGÓRIO

vários enfermos aplicava latórios de certas ervas, recomendando-lhes muito que depois se lavassem em um rio corrente com a mão direita e voltassem sobre a esquerda. Para cortar sombras se valia de cinza peneirada, que lançava pelo ar dizendo: «eu te degrado, sombra, pela graça de Deus e de São Pedro e de São Paulo». Sendo perguntado pelo estado de certas pessoas, que assistiam em terras remotas, respondia que não só estavam vivas mas ricas, para o que industriosamente se valia de umas sortes de papel para confirmar os seus enganos. Para curar os feitiços, disse a certa pessoa «que era necessário por espaço de nove dias meter os pés em água quente, estando ele presente»; e com efeito para o dito lavatório preparou ele um alguidar com água quente, na qual lançou cinco mãos cheias de cinza do forno, cada uma em forma de cruz, e logo mandou à dita pessoa que metesse os pés no dito alguidar, o que ela fez, e ele réu lhe formou três cruzes em cada perna, uma nas coxas e duas do joelho para baixo, e depois molhando a mão na água corria com ela as pernas da dita pessoa pela parte de fora; e o mesmo lhe fez nos braços, e esta primeira água mandou o réu deitar em um pote, e que à noite fossem lançar a água e o pote em uma encruzilhada, e quem fosse lançá-lo não olhasse para trás, e depois de o lançar voltasse sobre a parte esquerda e deste modo continuou por nove dias sucessivos, em um dos quais mandou lançar a água em certo lugar e a pessoa que a lançasse havia de dizer ao mesmo tempo: «eu te degrado em louvor de São Pedro e São Paulo». A outras pessoas dizia ele réu «que os feitiços que tinham haviam de passar para outras» e que se cravasse uma faca no chão logo apareceria a pessoa que lhos tinha feito e não poderia apartar-se daquele lugar sem que ele réu desencravasse a dita faca. Às mesmas pessoas que curava dizia: «que as medidas que tomava também serviam para tocar com elas as pessoas com quem quisessem casar e o conseguiriam, porque deste modo tinha feito muitos casamentos»; e a algumas pessoas enfermas dizia os dias e as noites que haviam de passar bem e mal, e assim sucedia. E a certa pessoa, que lhe deu conta de uma moléstia que padecia, entregou um lenço para que o mandasse lavar por certa pessoa e logo se acharia bem, e assim o experimentou. A outras pessoas fazia acções torpíssimas, dizendo que eram boas para que não entrassem os feitiços e mandava às mesmas pessoas que, quando ele dissesse «torto», lhe respondessem «males fora, sombras e feitiços», e ele réu dizia: «para que não entrem males e feitiços, nem sejas vexada por feiticeiros e feiticeiras», com outros factos e acções semelhantes. Curava de feitiços com lavatórios de cozimento de erva molarinha, com ervas de São João, sem observar dias nem horas, debaixo do sangradouro do braço direito para baixo, por ele ou por outra qualquer pessoa.

Maio de 1609 (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares), tendo sido relaxado em carne. O próprio se jactava de feiticeiro, prometendo que faria aparecer no mesmo instante indivíduos que viviam em terras distantes e para esse efeito «tomava medidas ao corpo de certas pessoas com uma linha, que depois mandava queimar». Gabava-se também de saber fazer e desfazer feitiços, descobrir tesouros e minas de água (para o que se servia de um livro), lograr curas, «degradar sombras» (i. e., encostos), etc. De acordo com a sentença da Inquisição (cf. O Instituto, v. 10, 1862, p. 130): «mandou o réu vir [para a cura de feitiços a uma mulher] um novelo de linhas brancas, e com elas tomou várias medidas à pessoa enferma, [...] e isto re-

petiu três vezes ou quatro, e das ditas medidas, uma cortou em bocados, os quais lançou em uma bacia de água, e, sem diligência alguma dele réu, andavam à roda da bacia de água e se ajuntavam ano fundo da mesma em forma de cruz ou signo-saimão, o que o réu dizia era bom sinal». BARBOSA, GREGÓRIO Carpinteiro, natural de Novelas, filho de João Ribeiro, lavrador, e de Maria Barbosa, casado com Josefa da Silva. Irmão de *Agostinha Barbosa. Residia em Várzea do Douro, quando, em 9 de Abril de 1718, com 22 anos, foi denunciado pelo pároco de Medas ao vigário-geral do Porto, Bernardo de Azevedo e Carvalho, 497

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BARCA em virtude de fazer «algumas curas, usando de superstições, para o que metera umas ervas junto a pedra de ara da sua igreja para ao depois de se dizer missa em cima dela as aplicar por remédio». Já a 7 do mesmo mês fora citado pelo comissário do Santo Ofício André de Mendonça Barbosa, por denúncia que recebera, datada de dia 2, do padre Bento Pires de Lima, abade de Aguiar de Sousa, que o acusara de andar «curando e diz é Salvador». Preso primeiro no Aljube do Porto, foi depois remetido à Inquisição de Coimbra, em cujos cárceres deu entrada a 30 de Maio de 1718. Logo no dia imediato confessaria as suas culpas, dizendo, nas Medas, «aplicar a alguns enfermos uns lavatórios e suadouros de ervas cozidas, [...] a saber benefe, marcela e tanchagem sem mais outros ingredientes, pelas ter visto aplicar a um barbeiro [...]». Disse que a um doente aconselhara que «mandasse meter debaixo da pedra de ara da igreja as ervas chamadas benefe e e que dizendo-se missa em cima delas as pusesse no estômago para melhora do achaque». Por sentença de 10 de Junho do mesmo ano de 1718 foi condenado a sair no auto da fé que se realizou a 18 e a cinco anos de degredo para Castro Marim, que logo lhe foram perdoados. Novamente acusado, a 8 de Dezembro de 1718, desta feita pelo abade André Pinto, de que continuar a praticar medicina supersticiosa e de se intitular oficial do Santo Ofício para praticar sonhos, etc., seria outra vez preso, em 29 de Janeiro de 1719, e, por sentença de 10 de Fevereiro de 1720, condenado a sair em auto público de fé, açoutado pelas ruas cifra sanguinis effusionem, e degredado sete anos para Angola. Todavia, a 8 de Julho de 1720, a pena ser-lhe-ia comutada e ele devolvido à liberdade [ANTT: Inq. Coimbra, proc. n. 7299]. BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bruxos e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do Congresso Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso, 1965, p. 192-193

BARCA Geralmente associada a ritos de passagem ou funerários (*Caronte). No cristianismo a barca é reportada à navegação como metáfora da vida 498

humana, segura quando a Igreja se acha ao leme, perigosa, em caso contrário. As barcas de *Gil Vicente participam do mesmo simbolismo.

Embarcações fenícias, em cerâmicas exumadas de Almaraz (Almada) e da Rua dos Correeiros (Lisboa).

BARCO De Almaraz (Almada) e da Rua dos Correeiros (Lisboa) foram exumadas cerâmicas com figurações de embarcações fenícias. Os barcos devem ter olhos «p’ra ver p’ra donde vão», segundo uns, «para afastar invejas e maus olhados», segundo outros. Em alguns regiões do litoral português, a primeira viagem de um barco exige um sacrifício ritual: uma gaivota é colocada viva, com as asas espalmadas presas nas cordas ou no mastro; ninguém lhe pode tocar, encarregando-se o vento de levar os restos dela, afastando os azares. Para lograr boa pesca, é conveniente que, quer o barco, quer os seus aparelhos, tenham sido benzidos e comparecido na procissão ao santo protector dos navegantes, qualquer que ele seja. *Construção naval, *embarcação. BAREIRO O mesmo que *barreiro ou *vareiro. BARLAÃO E JOSAFÁ A história de Barlaão e Josafá consigna a versão cristã da lenda de Buda (*budismo), composta no séc. VII, em língua grega, por um monge do convento de S. Sabas (próximo de Jerusalém), depois traduzida para latim (Liber gestorum Barlaam et Josaphat). A partir do séc. XIII, a tradução circularia creditada a São João Damasceno, tendo a popularidade que grangeou ditado a sua tradução para vernáculo (castelhano, provençal, francês, italiano, romeno, etc.). No *mosteiro de Alcobaça existiram dois códices

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BARREIRA que a incluíam: o primeiro, reproduzindo a versão latina [BN: cod. alc. 169]; o segundo, trecentista, a tradução abreviada (da qual foram suprimidos alguns capítulos), em linguagem, do primeiro, realizada por Frei Hilário da Lourinhã [ANTT: Livraria n. 2274 (olim alc. CCLXVI), fl. 1-42r (séc. XIV)]. Uma outra tradução portuguesa, recolhida no Flos Sanctorum (Lisboa, 1513), circulou entre nós. O conto era conhecido de árabes e judeus. João de Barros reconheceu existirem analogias entre a história de Buda e a de S. Josafá, admitindo que haviam sido os religiosos indianos os responsáveis pela conversão do santo em Buda (Décadas da Ásia). BIBLIOGRAFIA ABRAHAM, Richard D. (ed.), A Portuguese version of the life of Barlaam and Josaphat: paleographical edition and linguistic study by..., Filadélfia, Universidade da Pensilvânia, 1938 [BN: L 7294 V]; ABREU, G. De Vasconcelos /VIANA, A. R. Gonçalves (ed.), A Lenda dos Santos Barlaão e Josafate, in Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Classe de Sciencias Morais, Politicas e Belas-Artes, nova série, tomo 7, 2ª parte (1898), p. 1-49 [BN: P 1242 A]; LACERDA, Margarida Correa de (ed. diplomática), Vida do honrado Infante Josaphate filho del rey Avenir, Lisboa, 1963 [BN: L 17303 V]; MARTINS, Mário, Romances hagiográficos: 1º História de Barlaão e Josafá, in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 12-16; MOLDENHAUER, Gerhard, Die Legende von Barlaam und Josaphat auf der Iberischen Halbinsel Untersuchungen und Texte, in Romanistische Arbeiten, v. 13 (Halle, 1929), p. 141-155; PEREIRA, Francisco Maria Esteves (ed.), A história de Barlaam e Josaphat em Portugal, in Boletim da 2ª classe da Academia das Ciências de Lisboa, v. 10 (1915-1916), p. 346-383; PUPO-WALKER, Constantino Enrique (ed.), A Critical edition of the old portuguese version of «Barlaam and Josaphat», Chapelhill, Universidade da Carolina do Norte, 1967

BARNABÉ, SÃO Venerado a 11 de Junho. Fontes antigas referem-se a São Barnabé (etimologicamente = filho da consolação) como *apóstolo, embora se saiba que não integrou o grupo dos doze, assim denominados. Conhecido como o homem das intuições felizes, terá sido, provavelmente, um dos inúmeros discípulos enviados por Jesus. É-lhe creditado o Evangelho *apócrifo, homónimo, no qual Jesus é descrito, não como filho de Deus, mas como um profeta, circunstância, coincidente com a doutrina exposta no *Alcorão, que havia de determinar a enorme estima que grangeou entre os mouriscos peninsulares. Locução: no dia de S. Barnabé seca a palha pelo pé.

BARRABÁS Nome que se dá ao *diabo. *Domingas da Conceição, *bruxa afamada durante os primeiros decénios de setecentos, adorou-o sob o nome de Barrabás, persuadindo-se «que podia seguir-se o efeito que pretendia só na confiança do poder do demónio» [ANTT: Inq. Évora, proc. Domingas da Conceição, fl. 129-134]. *Ar. BARRABÁS E CAIFÁS Por vezes, em benzeduras, o *ar é designado por *Barrabás e Caifás, nomes populares do *diabo. BARRANQUENHO Vento que sopra dos lados de Barrancos. Assim denominado na região de Além-Guadiana. BARREIRA Complexo megalítico sobranceiro à villa romana de Odrinhas (São Miguel de Odrinhas, Sintra), a qual dista dele cerca de 600 metros. Mais de duas dezenas de menires distribuem-se irregularmente no meio de afloramentos naturais, no sítio do Castelo das Pedras. Apresentam formas prismáticas e cilíndricas, podendo medir até 4 metros de altura. Em 1975 diversos monólitos foram removidos para o molhe da Ericeira. Por sua vez, um particular deslocou para a sua propriedade três menires e, designadamente, aquele que ocupava o centro de um

Barreira (Odrinhas): aspecto de um eventual cromeleque, antes da sua destruição, em virtude da integração de muitos dos monólitos no molhe do porto da Ericeira.

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BARREIRO provável cromeleque, tendo o caso sido julgado em tribunal e o dito condenado a repôr os penedos no seu local primitivo, o que, inexplicavelmente, nunca chegou a acontecer. *Funchal. BIBLIOGRAFIA CINTRA, Augusto, O Escândalo dos 3 Menires de Sintra, in Correio de Domingo (15 Jun. 1986); MARTINS, Adolfo Silveira / MORGADINHO, Sara Manuel, O complexo megalítico da Barreira e do Funchal – Sintra, in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu, Viseu, 1989, p. 111-114; VICENTE, Eduardo Prescott, Os menires da Barreira e do Funchal, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, s. 84, n. 10-12 (1966), p. 519; VICENTE, Eduardo Prescott / MARTINS, Adolfo da Silveira, Menires de Portugal, in Ethnos, v. 8 (1979), p. 113-114, n. 19 e 20; ZBYSZEWSKI, G. / FERREIRA, O. da Veiga / SOUSA, H. Reynolds de / NORTH, C. T. / LEITÃO, M., Nouvelles Découvertes de Cromelechs et de Menhirs au Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 61 (1977), p. 63-73

BARREIRO O mesmo que *bareiro ou *vareiro, vento de Oeste ou da Barra (de Viana, do Cávado, de Aveiro). Também *mareiro, *marinheiro, por vir do lado do mar, quase sempre chuvoso no Inverno e refrescante no Verão. BARRETO VERMELHO O mesmo que *bicho-mágico ou *diabo. Junto a Monsanto (S. Pedro de Vir-a-Corça, Idanha-a-Nova), no caminho que conduz dessa povoação ao lugar do Carroqueiro, existe um sítio denominado do Barrete vermelho, enorme toca, aberta num penedo granítico, onde consta que vive o Barreto vermelho. Diz-se que este estranho ser, que constitui um dos medos que mais terror infunde na região, pode assumir a aparência de «um cavalo a galope, carneiro preto, cão de olhos brilhantes, ou de um homem diabólico com rabo e carapuço vermelho». Aparece das onze para a meia-noite, deitando chispas de lume pelos olhos. Leonor Buescu interpreta-o como uma personificação do diabo (cf. Monsanto: etnografia e linguagem, Lisboa, 1961, p. 30). A associação da tradição do Barreto vermelho ao topónimo Chão do Touro, sugeriu a Maria Adelaide Neto Salvado a hipótese de, em São Pedro de Vir-a-Corça (*Santo Amador), ter existido um santuário dedicado a *Mitra e de aquela entidade sobrenatural mais 500

não ser que uma reminiscência do culto mistérico. Segundo outras versões, o *medo em apreço usa barrete vermelho e calças amarelas e segura uma moca de ferro na mão. Ver o conto O Rei Minas das calças amarelas. BIBLIOGRAFIA PROENÇA, António Ramos, Memórias de um médico, Castelo Branco, 1980, p. 131; SALVADO, Maria Adelaide Neto, A Lenda do Barreto Vermelho, in O Espaço e o Sagrado em S. Pedro de Vir-a-Corça (concelho de Idanha-a-Nova), Fundão, 1993, p. 31-33

BARRETO, CATARINA Com 48 anos, saíu penitenciada no *auto da fé da Inquisição de Lisboa, de 10 de Maio de 1682, por feitiçaria (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). BARRO A crença de que comer barro faz bem é muito antiga, persistindo na actualidade. O poeta seiscentista Jerónimo Baía dirigiu alguns versos a uma senhora que comia barro: «[...] quando a terra comeis, / Mais eterna vos fazeis, / pois, se a terra os corpos come / E se a comeis vós com fome, / Quem vos coma não tereis» (cf. Fénix Renascida, v. 4, p. 55). Referem-se à prática o padre Manuel Bernardes (Pam partido em pequeninos, II, p. 54 e 109), Curvo Semedo (Polyanthea, § 33, p. 540 e Atalaya da Vida, p. 183, coluna 1ª), o Almanaque de Lembranças para 1864 (p. 112), etc. BIBLIOGRAFIA SILVA, António Messias, O barro na tradição oral, in Pampilhosa: uma Terra um Povo, n. 10 (1991), p. 139-143

BARROS, ISABEL DE Penitenciada no *auto da fé da Inquisição de Lisboa, de 17 de Outubro de 1660, por feiticeira e presunção de pacto com o diabo (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares). BARROS, LEONOR DE De seu nome próprio Dona Francisca de Barros. «Obrigada do pejo de ter parentes honrados [...] se deliberou a mudar o nome [...] só a fim de não chegar» ao conhecimento deles que vivia» de sua agência» como «mulher Dama»,

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BARTOLOMEU, SÃO em cuja condição estivera sucessivamente «por conta e da mão» de diferentes indivíduos de elevada condição social (um cavaleiro de Malta, um eclesiástico, um escrivão dos Armazéns, um cavaleiro da Ordem de Cristo e um guardamor do sal). Possuía bens avultados, razão por que também era conhecida como Dama dos diamantes. Saíu penitenciada no auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 9 de Novembro de 1698, por feitiçaria. Na sequência de fervedouros (nos quais utilizava alecrim verde) e de rezas para obrigar vontades, praticava a *sorte do alecrim: que consistia na colocação de raminhos de alecrim, em cruz sobre o fogo, lançando-lhes sal. Por vezes, para atingir os fins desejados, invocava a acção de demónios. O último feitiço citado no processo tinha por base uns pós obtidos a partir de barbasco e rosas de Alexandria, misturados «em coisa de comer» ou em tabaco, o qual feitiço comportava também palavras que visavam a cega obediência do enfeitiçado à feiticeira, intenção traduzida em expressões como: «a mi[m] me queira e a mi[m] me busque e só comigo queira falar e me dê quanto tiver e me diga quanto souber». Abjurou de leve, tendo sido condenada a cárcere a arbítrio e degredo, depois perdoado (cf. Francisco Santana). BARROS, SALVADOR JOSÉ DE Tradutor da obra italiana intitulada Desengano de allucinados: caso horroroso, relação tragica e historia funesta do peregrino do inferno. Hum homem do Demonio, ou hum Demonio feito homem cuja estragada vida, e escandalo da natureza humana, foi mandada escrever pelo Demonio; cuja desastrada morte [...] foi horror de huma das cidades da Italia (Lisboa, 1737 [BN: Res 1353 (23º) P]). BARTOLOMEU, SÃO *Apóstolo figurado tendo na mão a faca que lhe serviu para arrancar a pele e dominando a figura do diabo vencido e, por vezes, acorrentado. Padroeiro dos carniceiros, curtidores de peles e encadernadores. Advogado contra a possessão demoníaca e suas manifestações maiores (*epilepsia) ou menores (*medo, dificuldades

São Bartolomeu: bentinho de Ponte de Cavêz.

das crianças em caminhar ou falar, gaguez, etc.), a gota e a *trovoada (Elvas). Festejado a 24 de Agosto, dia em que se supõe que o *diabo anda à solta. O culto de São Bartolomeu surge em Portugal relacionado com a água (também com a partilha das águas para irrigação em certas regiões do Minho) ou com nascentes sulfurosas, como aquela que existe junto da ponte de Cavês, sobre o Tâmega, a qual serve de terreiro ao arraial, noutros tempos muito concorrido por tudo quanto costumava haver em eventos de tão largas tradições no norte do país. No entanto, três acontecimentos tornaram famigerada a romaria: A. o grande número de rufiões, protagonistas de uma emulação raiana entre minhotos e transmontanos, iniciada por altercações de língua e gritos, e terminada por rixas sangrentas, com muitos feridos e até mortos, produzidos pelas pauladas, facadas, pedradas, etc.; B. a gritaria e os trejeitos dos que se diziam endiabrados e afectados por espíritos 501

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BARTOLOMEU, SÃO malignos (cf. Camilo Castelo Branco), os quais, na eventualidade de os exorcismos não se demonstrarem eficazes, eram brutalmente empurrados contra uma cabeça de pedra do santo, tanta vezes quantas as necessárias para aquietar o diabo; C. a água da dita fonte sulfurosa, que, sendo colhida no dia 24, antes de lhe dar o sol, era considerada antídoto contra todas as moléstias, tanto as contraídas como as por contrair. São inúmeras as festividades em honra de São Bartolomeu que merecem destaque: São Bartolomeu da Charneca, nos subúrbios de Lisboa (cf. A. Loureiro, O Diabo solto, in Revista Municipal, v. 13, 1898, p. 48); Elvas; Moncorvo; Ponte da Barca; Senhorim (na terceira semana de Setembro), onde os romeiros vão molhar os seus lenços na imagem de São Bartolomeu que sua, para depois esfregarem com eles as partes lesadas do corpo. Porém, as mais espectaculares são aquelas que se realizam em São Bartolomeu do Mar (Esposende) e em Rego, no concelho de Celorico de Basto (*lavoura dos cães). Em São Bartolomeu do Mar tem lugar o *banho santo, sobre cujas virtudes divergem as opiniões. No entanto, o sentimento mais generalizado é o de que além de espantar o medo das crianças (que mergulhem sete vezes e urinem na água), afugenta a *gota. Além do banho santo (cada banho tomado no dia de S. Bartolomeu equivale a sete), das três voltas rituais em silêncio à igreja, da passagem por baixo do andor do santo, do beijo da imagem, da sua colocação sobre a cabeça e de abluções ou imersão e bebida de água da fonte, é costume antigo a entrega pelas crianças, neste dia, de um ex-voto a São Bartolomeu: um frango preto, o qual, antigamente, era mantido numa capoeira improvisada que era armada junto da pia baptismal da capela, até ao leilão das oferendas (realizado após a procissão), cujo produto revertia para o santo. Próximo da Nazaré existe, num monte alto, uma ermida dedicada a São Bartolomeu onde as raparigas solteiras têm o costume de levar uma telha roubada para o santo lhes abreviar o casamento. Em Cardigos (Mação), para proteger a alma do demo durante a noite e o sono, reza-se a seguinte oração: «São Bartolomeu 502

Oração de São Bartolomeu S. Bartolomeu me disse Que velasse e que dormisse Que não tivesse medo Nem da onda [cão danado] nem da sombra [fantasma], Nem da malfadada Carantonha [diabo] Que tem a palma da mão furada E a unha retronhada [unha revirada = diabo]. Quatro cantos tem a casa, Quatro velas ‘stão a arder, Quatro anjos me acompanhem, Quando eu morrer.

me disse / Que dormisse e não tivesse medo / Nem da onda nem da sombra / Nem da pedra com a calhondra / Nem da unha arrepiada / Nem da palma da mão furada / Sete velas a acender /Sete missas a dizer / São Bartolomeu me queira valer» (Religião Popular do Ribatejo). Nos Açores usa-se uma oração idêntica contra o *pesadelo, com e sem invocação de São Bartolomeu, da qual são conhecidas versões continentais. Anexins: A boa fiandeira de S. Bartolomeu, toma a vela e mais boa, da Madalena; Dia de S. Bartolomeu anda o diabo à solta; Pelo S. Bartolomeu vai à vinha e enche o lenço. Locução: Em dia de S. Bartolomeu tem o demo uma hora de seu. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, M. A. Magalhães e, [artigo sobre a romaria de São Bartolomeu da ponte de Cabez], in Almanaque de Lembranças para 1860, p. 300-301; CALLIER-BOISVERT, Colette, Survivances d’un Bain Sacré au Portugal (São Bartolomeu do Mar), in Bul. des Études Portugaises, v. 30 (1969), p. 347-367; FELGUEIRAS, Guilherme, Aspectos populares da antiga romaria de S. Bartolomeu em Leça, Matosinhos e praias nortenhas – o banho santo, diabruras e crendices encaradas na terapêutica supersticiosa, in O Tripeiro, n. 9 (1964), p. 267-270 e in Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos, n. 23 (1979), p. 115-120; MARTINS, Mário, Os «Actos de Bartolomeu» em medievo-português, in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Lisboa, 1980, p. 229-234; OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, A romaria de S. Bartolomeu do Mar em Esposende, in O Comércio do Porto (8 Ago. 1959); RIBEIRO, Luís da Silva, A oração contra o pesadelo, in Revista dos Açores, v. 3 (1944), p. 199-203; SOARES, Franquelim Neiva, A romaria de S. Bartolomeu do Mar e o seu banho santo: passado e presente, Esposende, 1988

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BASÍLICA BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES, DOM FREI (1514-1590) Professou na Ordem de São Domingos a 11 de Novembro de 1528, tendo sido eleito arcebispo de Braga, em 1558-1559. Participou nas sessões do concílio de Trento de 1562-1563, onde defendeu a primazia de Braga em detrimento da de Toledo. Foi o primeiro prelado português a aplicar os decretos tridentinos em Portugal. Promoveu a formação do clero e dedicou-se com afinco às obras de caridade e assistência. Passava a maior parte do tempo em visita pastoral na sua arquidiocese, tendo resignado em 1582. Faleceu com fama de homem santo (arcebispo santo, pai dos pobres e dos enfermos). Seria declarado Venerável pelo Papa Gregório XVI (23 de Março de 1845) e beatificado por João Paulo II (4 de Novembro de 2001). A iconografia de Bartolomeu dos Mártires, que não consta que sofresse de estrabismo, representa-o, invariavelmente, praticando a convergência ocular, exercício corrente entre ioguis: Nasagradrishti (concentração sobre a ponta do nariz) e Rhrumadhya Drhiothe (concentração sobre o olho de Shiva). *Estrábico. OBRA Tractatus de superstitionibus (citado por Barbosa Machado); Stimulus pastorum ex grauissimis sanctorum patrum sententiis, Lisboa, 1565; Opera Omnia, Braga, 1973, 3 vols. BIBLIOGRAFIA BRANCO, José Luís, Túmulos, epitáfios e retratos do venerável D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Viana do Castelo, 1990; CÁCEGAS, Luís de, Vida de D. Frei Bartholomeu dos Martyres da Ordem dos Pregadores, Lisboa, 1763, 2 vols.; xxxxxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

BASÍLICA Habitação régia (do grego, basileus, rei). Local onde o Arconte-Rei, em Atenas administrava a justiça. Em Roma, as basílicas serviam de tribunais e também de bazares e mercados. A origem das basílicas é, portanto, profana. No séc. IV, os Bispos de Roma, já sob a protecção imperial, escolheriam de entre os edifícios públicos os mais notáveis, para os transformarem em local de culto cristão. As basílicas seriam as preferidas, não só porque eram espaçosas, mas porque a sua planta era vagamente cruciforme. Nenhuma das basílicas paleocristãs que se sabe terem existido no actual território português sobreviveu incólume. Numa lápide sepulcral (séc. VI) procedente da igreja de Dume, observa-se uma basílica de cinco naves. Sob o arco central, sustentado por grandes capitéis sobre colunas, um oficiante aparece atrás de um altar. O *nimbo que ostenta indica tratar-se de um santo, eventualmente São Martinho (ou Cristo) a oficiar. No exterior do templo talvez suevos antes da conversão. De todos os edifícios religiosos congéneres portugueses, o único ao qual compete com propriedade o nome de basílica é o do Monumento de Mafra, porquanto foi concebido para desempenhar a função de Capela ao Paço real e edificado por um monarca em cuja pessoa andaram unidos Império e Pontificado: de facto, se *Dom João V governou o Império como Rei-Sol, o Pontificado administrá-lo-ia como Quase-Deus, tendo por ca-

BARZABÚ Também *barzabúm e *São Brezabúm. Epíteto por que é designado o *diabo. Corrupção de *Belzebu. Usa-se como imprecação para evitar proferir as palavras diabo ou demónio. Locuções: Valha-te o Barzabum ! ou Oh, com seiscentos barzabuns ! (Barroso). BARZABÚM *Barzabú e *São Brezabúm.

Pedra Fundamental lançada no alicerce da Basílica de Mafra, no dia 17 de Novembro de 1717.

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Cerimonial de lançamento da Pedra Fundamental da Basílica de Mafra A fim de se cumprir a cerimónia aprazada para o dia 17 de Novembro de 1717 com o maior esplendor, quer litúrgico quer mundano, mandou João V armar a Basílica em madeira pintada, de acordo com o plano então aprovado. De tecto serviram velas de navio forradas interiormente com panos de brim, cobertos de tafetás encarnados e amarelos. Razes pendiam das paredes. As portas e janelas foram guarnecidas com cortinas de damasco, de franjas e galões dourados. Mais tafetás vermelhos decoravam a fachada. Na capela-mor erguiam-se dois sitiais de preciosa tela branca. O do Evangelho, sobre seis degraus e com dossel, destinava-se ao rei; o da Epístola, sobre três e sem dossel, era para o Patriarca Dom Tomás de Almeida. O deste era ladeado por credências cobertas de sumptuosos paramentos, destinados à Missa de Pontifical, e de opulentas peças de prata. Noutra credência estavam a pedra que devia ser benzida, de jaspe (como preconiza o texto do Apocalipse para o fundamento da Nova Jerusalém), marcada com cruzes, medindo 55 cm de comprimento, e a portadora da inscrição comemorativa, além de uma urna de mármore, na qual ficariam encerrados: um cofre de prata dourada com os pergaminhos do voto régio e do benzimento da primeira pedra e da cruz erecta na igreja, dois frascos com os santos óleos, duas caixas de prata dourada com o Agnus Dei de Inocêncio XI e o de Clemente XI e doze medalhas (quatro de ouro, quatro de prata e quatro de bronze). Das primeiras, uma tinha os retratos do rei e da minha, gravados a buril, no anverso e no reverso a planta do templo; outra, no anverso Santo António e o rei ajoelhado ante ele e no reverso a perspectiva de todo o edifício; outra, o retrato de Clemente XI e o seu brasão; a última, o do Patriarca Dom Tomás e o seu escudo. Em todas havia legendas. Tanto as de prata como as de bronze eram iguais. Para o monarca havia mais, junto à coluna do cruzeiro, uma tribuna em forma de leito, com balaústres de ébano e cortinas de brocado vermelho. Juncos e espadanas recobriam o chão, no qual serviam panos de alcatifas verdes. Às 8.30 horas da manhã do dia solene chegou o rei ao terreiro do templo, seguido pela corte, todos a cavalo, cuja pompa dos jaezes se equiparava à das galas dos cavaleiros. Acompanhavam-no: lateralmente a real guarda alemã e atrás a cavalaria com seus clarins. Logo se organizou a procissão para entrar na igreja. À frente marchava a comunidade dos 64 frades arrábidos; depois, sucessivamente, o clero local, os músicos, capelães de sobrepelizes, acólitos patriarcais, subdiáconos, capelães de capa magna com capelos de arminho e pluviais, beneficiados, cónegos de pluviais de tela branca e mitras bordadas com pedras preciosas (cada um precedido pelos seus criados nobres e seguido por caudatários de sobrepelizes sobre os hábitos patriarcais), o Patriarca vestido com peças riquíssimas e coberto com mitra de pedras, os protonotários patriarcais com roquetes e capas magnas, o rei, a corte, o juiz e o corregedor, os vereadores e, por fim, o povo, à volta de três mil pessoas. Feita a benção, cujo cerimonial o rei acompanhou com o ritual nas mãos, dirigiu-se a procissão para o local em que a pedra devia ser colocada, junto do altar mor, da qual foi portador o Patriarca. Aí depostas, essa e a da inscrição, e também a dita urna de mármore, na cova lançou o geral de São Bernardo, esmoler mor, doze moedas de cada espécie de dinheiro corrente no reino: doze de ouro, de 4800 réis, doze meias moedas, doze quartinhos e assim do real e meio de cobre. Este acto concluído, regressaram todos à igreja, na mesma forma processional, para assistirem às restantes funções e à missa, da qual disse D. Gabriel Chimbali, mestre-de-cerimónias da Patriarcal, que nunca vira, nem sequer em Roma, tanta magnificência em paramentos e cópia de sacerdotes, nem pomposo rito, nas missas pontificais; só em lugar de cardeais eram cónegos os celebrantes. Acabada, finalmente, a função, quis o rei dar uma prova pública do seu amor à obra empreendida e da sua portentosa devoção. Num cesto dourado estava uma pedra de palmo e meio. Pegou nela Dom João V e, carregando com ela, foi depositá-la piedosamente junto da que fora benzida. Os fidalgos de sua corte, estimulados por esse acto de pia humildade, agarraram em outras pedras iguais, assentes em cestos prateados. e acompanharam o soberano, levando a sua à cabeça o nobre visconde de Ponte de Lima.

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BASÍLICA pelão um Patriarca Quase-Papa. Reportando-se à Basílica de Mafra, William Beckford foi taxativo: «Nunca observei um conjunto de formosos mármores como o que resplandecia por cima, abaixo e em redor de nós: o pavimento, a abóbada, a cúpula e até o lanternim do remate são forrados dos mesmos preciosos e duráveis materiais [...]. Nunca vi capitéis coríntios melhor modelados, nem esculpidos com maior precisão e engenho do que os das colunas que sustentam a nave «(Carta, 27 Agosto 1787). Por seu turno, Atanásio Raczynski (1846) sublinhava não existir nela «anacronismo ou confusão de ideias», acrescentando que «se o progresso não lhe tocar conservar-se-á bela até cair». Já Jane Leck considerá-la-ia, em 1884, o «único acontecimento redentor [na vila de Mafra]». Partilho com Armando de Lucena a convicção de «[...] que o ascendente da impressão produzida [pela Basílica de Mafra] se deva ainda mais ao segredo das suas proporções que propriamente à riqueza e ao volume da construção [...]» (cf. O Convento de Mafra). De facto, se aplicado à planta da Basílica de Mafra o módulo regulador do Monumento de Mafra (*adro), gera a proporção sagrada raiz de cinco (*ad quadratum), a mesma que contém a montea ou alçado total do templo: a diagonal do duplo quadrado (rectângulo *phi [Ø] ou Secção Áurea) está para o lado menor como a raiz quadrada de cinco para a unidade. As três áreas distintas resultantes do traçado (dois quadrados + rebatimento da diagonal de Ø) poderão, quiçá, arremedar aquelas que constituíam o Templo de Salomão: Ulam (vestíbulo, precedido pelas colunas Jakin e Boaz), Hekal (templo e palácio) e Debir (Santo dos Santos). De resto, tenho como indispensável à conveniente descodificação do edifício o recurso ao Apocalipse do vidente de Patmos e, designadamente, aos enunciados consagrados à Nova ou Celeste Jerusalém pelos exegetas, siginificativo número dos quais propôs a reconstituição dela à imagem do seu protótipo, o Templo de Salomão. Aliás, é impossível deixar de considerar sintomática a omnipresente insistência da parenética coeva do Magnânimo, mas igualmente dos

Serafim do topo dos 3 altares (Arcas da Aliança) principais (capela-mor e capelas do cruzeiro) da Basílica de Mafra.

panegiristas então de serviço, na atribuição da Basílica de Mafra ao Salomão da Lei da Graça (Dom João V), para tabernáculo de Santo António, por antonomásia chamado Arca do Testamento, que o mesmo é dizer Arca da Aliança. O caso pode também ser ilustrado pela semântica subjacente ao cerimonial de lançamento da Pedra Fundamental. A Basílica de Mafra mede 278 palmos de comprido no eixo maior (incluindo a Capela-mor) por 141 de largura total (incluindo as *Capelas laterais) e 100 de altura. A opção de apenas ser usado mármore, e não madeira ou talha dourada, na sua fábrica, deveu-se, certamente, à circunstância de D. João V desejar, também nesse particular, emular as igrejas romanas, cujos altares na época eram quase exclusivamente edificados em pedraria. De resto, essa característica é expressamente citada na correspondência remetida para Roma: «para o convento de Mafra não se quer nada que seja de pau, senão de latão bem feito e acabado», como dirá numa Carta de 3 de Dezembro de 1729 e reiterará noutra datada de 505

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A. Horóscopo do lançamento da Pedra Fundamental da Basílica (17 de Novembro de 1717, pelas 8.30 horas); B. Horóscopo da Sagração da Basílica (22 de Outubro de 1730, pelas 7.00 horas) . Frei Cláudio da Conceição alega que o Magnânimo havia planeado lançar a primeira pedra no dia 19 de Outubro de 1717, consagrado a São Pedro de Alcântara, mas «como se não pode vencer o abrirem-se os alicerces, e formar-se o sobredito templo, transferiu esta função para o dia 17 de Novembro, dedicado a Santa Salomé […] (Gabinete Histórico, v. 8, p. 90). Considero pouco plausível o argumento por diversos motivos. Um dos mais fortes resulta da comparação dos horóscopos para os dias 19 de Outubro e 17 de Novembro: neste é possível detectar condições astrais favorecedoras do projecto político de Dom João V, ausentes daquele. Além disso, outras fontes sublinham que o dia 17 de Novembro de 1717 fora escolhido em virtude da tripla ocorrência do valor 17, intimamente relacionado com o eschaton português. Acresce ainda que Salomé é o reflexo imaginal feminino de Salomão.

22 de Fevereiro do ano seguinte. As cores dos mármores utilizados em Mafra não são alheias a essa preocupação, mas igualmente à necessidade de fazer corresponder a imagem da Basílica de Mafra ao texto do Apocalipse, que descreve a Jerusalém Celeste recamada de pedras preciosas. Ao entrar pela porta axial, a vista do observador é automaticamente conduzida para o centro espiritual do templo, a capela-mor, cuja importância é realçada pelas pilastras gigantes que ladeiam as capelas laterais e guiam o olhar, processionalmente, até ao Santo dos Santos mafrense. Na Basílica de Mafra, à semelhança do Gesú de Roma, o efeito de unificação óptica é conseguido sem recorrer a nenhum dos artifícios cenográficos propostos por Palladio. A *capela-mor e a capela do Santíssimo Sacramento apresentam cada uma delas Sete Luzes diante do Trono, circunstância que não tem paralelo na capela da Sagrada Família (que apenas conta três), sem qualquer motivo aparente, dirá o observador desprevenido. Existe, no entanto, uma razão ponderosa para tal aparente anoma506

lia: o total de 17 lâmpadas (3 + 7 + 7), que iguala o número dos pára-raios instalados sob a supervisão de Dom Joaquim de Assunção Velho, corresponde ao mesmo valor 17, fundamento biorrítmico do eschaton nacional e manifestação da teofânia de Schaddai (O Inefável – Pólo Celeste da Criação – Deus), de acordo com a contagem das gerações desde Abraão até Cristo, apresentada pelo evangelista Mateus. A soma de 3 + 7 + 7 é equivalente a 3 + 14 ou ainda a 3,14, i. e., ? (Pi), número irracional, por intermédio do qual se passa do esquadro (Terra) ao compasso (Céu), i. e., do Pólo Terreno (Metraton = 314 = O Príncipe do Mundo = Dom João V) para o Pólo Celeste da Criação (Schaddai –314). Nem de propósito, Frei João de Santa Ana informa que nas Matinas solenes, à noite, em dias de primeira ordem, se punha em cada uma das pilastras do corpo da Igreja e do Cruzeiro uma «cornucópia com três velas e por conseguinte são 17 cornucópias de cada lado e 102 [51 + 51 = 17 x 6] velas em todo o corpo da Igreja». Nas mesmas ocasiões cada al-

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As 17 lâmpadas da Basílica de Mafra.

Teofania de Shaddai.

Cornucópia de três velas.

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Cerimonial da Sagração da Basílica (22 de Outubro de 1730) No dia 18 de Outubro de 1730, chegaram a Mafra os cardeais da Cunha e da Mota, os bispos de Leiria, Portalegre, Pará e Nanquim, em coches de aparato, seguidos de larga criadagem e de muitas azémolas carregadas e cobertas com reposteiros bordados. A 19 chegaram o rei, o príncipe do Brasil, Dom José, e o infante Dom António, em coches sumptuosos, acompanhados pelos criados da casa real. A 20, entrou na vila o Patriarca num coche riquíssimo, ao qual seguiam o de estado e mais quatro com os seus criados. No dia 21, de manhã, o deão da Sé Patriarcal, revestido de capa de asperges e com mitra encarnada, ante o rei e a família real, realizou a benzedura dos paramentos e das peças litúrgicas, assim como dos painéis dos altares laterais. A seguir, benzeu o convento com todas as suas dependências –noviciado, refeitórios, dormitórios, celas, etc. À tarde na capela do Hospício, fizeram os arrábidos, com a presença do rei e da corte, as vésperas da dedicação da Basílica, às quais se seguiu uma procissão até à mesma; ao seu desfile assistiu o rei e a família real da varanda De Benedictione. À noite, numa sala do palácio régio armada em capela, sigilou o patriarca as relíquias dos apóstolos e vangelistas que no dia seguinte devia colocar no altar-mor. Depois, cantaram-se as matinas dos apóstolos, com a presença do rei e da família real, que a seguir foram ouvir as do Hospício, cantadas desde a meia-noite até às três horas da madrugada. Este diligentíssimo e fervoroso zelo devoto do monarca deu provas de admirável resistência durante os oito dias seguintes. No dia 22, o primeiro da sagração, as funções religiosas começaram às 7 horas da manhã e só às 3 da madrugada tiveram fecho. No terreiro, cortado por uma rua toldada com panos de brim para passar a procissão, postou-se em forma, às 5 horas da manhã, a tropa, composta de cavalaria e infantaria. Às 6 horas ingressaram os frades no seu convento, onde já estava o rei com os príncipes, os quais assistiram à missa rezada na sala De Benedictione, depois da qual João V deu beija-mão à corte por ser esse dia o seu natalício. Pelas 7 horas chegaram a rainha, a princesa, os infantes Dom Pedro e Dom Francisco. Daí a meia hora surgiu a procissão, debaixo de cujo pálio ia o Patriarca com magnífico pluvial branco e mitra recamada de pedras preciosas, seguido pelo rei, pelas altezas e pelos fidalgos da corte, cobertos de galas custosas, à compita. Primeiro, o Patriarca deu beija-mão; depois, cantadas uma Antífona e a Ladainha de Todos os Santos, benzeu o sal e a água. Enquanto fez a aspersão em si próprio, nas pessoas reais, nos eclesiásticos e no povo, cantou-se a antífona Asperges Me. A disposição do vestíbulo, cujo pavimento estava alcatifado, era esta: à esquerda, sobre quatro degraus, o trono patriarcal com cadeira e dossel de tela branca e o do rei e das altezas com cadeiras e dossel de veludo carmesim guarnecido de ouro. Defronte, encostados aos arcos, bancos de espaldares, cobertos de razes, para os cónegos e bancos rasos, cobertos também de razes, para os beneficiados. Ao fundo, do lado meridional, a tribuna da rainha, da princesa do Brasil e das suas damas. À direita uma credência com varias peças: caldeirinha, hissope, aspersórios, jarros e pratos, de prata dourada, e sal moído; sobre um escabelo um grande vaso de prata, em concha, com água. Junto dos degraus da porta e sobre uma credência ficava o cerimonial e defronte, o faldistório. Findo o sobredito acto, ordenou-se novamente a procissão, levando cada beneficiado um castiçal com vela acesa. Durante o rodeio da Basílica aspergiu o Patriarca as suas paredes com água benta. Chegado à porta nela bateu o mesmo três vezes com o báculo dizendo: Attolite portas principes vestras... ao que o diácono do interior respondeu: Quis est iste Rex gloriae? Retorquiu o Patriarca: Dominus fortis et potens in praelio. Por mais duas vezes andou a procissão à volta da igreja e bateu à sua porta o patriarca. À terceira, porém, respondeu ele e todo o clero: Dominus virtutum ipse est Rex Gloriae, dizendo depois em triplicado Aperite. Então se abriu a porta. Antes do ingresso fez o Patriarca unia cruz com o báculo acompanhada da frase: Ecce crucis signum, fugiant fantasmata cuncta. Pela nave estavam distribuídos, a distâncias iguais e formando cruz, montículos de cinza, sobre os quais o Patriarca gravou os alfabetos grego e latino, com as letras recortadas em papelão, com o báculo. Na capela-mor estavam dois tronos, à esquerda, um para o rei e a rainha, o outro para o Patriarca. Fronteiras, do lado da Epístola, ficavam duas grandes credências – uma com incenso em grão e moído, e sal, em pratos de prata dourada, aspersórios, uma garrafa de prata com vinho branco, duas bandejas com cal e pó de pedra, outra vazia para nela se fazer a argamassa, pratos de prata com o avental para o patriarca, toalhas para limpar o altar e três velas pequenas, uma taça de prata para a água benta, algodão para limpar os óleos das sagrações; a outra com os castiçais do altar, turíbulos e navetas, caldeirinhas e hissopes de prata, tudo disposto segundo as

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BASÍLICA

rúbricas do pontifical romano. Chegado ao altar-mor o Patriarca benzeu a água, a cinza, o vinho e o sal, desceu depois até à porta da basílica e nela com o báculo riscou duas cruzes. Voltando ao altar-mor por sete vezes o rodeou enquanto cantava o Salmo Miserere e o aspergia de água benta. Passou depois a rodear três vezes a basílica, como fizera no exterior, aspergindo-lhe as paredes com a dita água. Aspergiu também o pavimento, em cruz, desde o altar-mor até à porta. Cantada a antífona Vidit Jacob, de novo aspergiu o chão e o ar, lançando a água na direcção das quatro partes do mundo. A seguir, pôs o avental e fez o cimento. [...]. Em todos estes oito dias os serviços começavam às 8 horas da manhã e acabavam às 3 da madrugada, com permanente assistência do rei, da família real e da corte, que comiam nas tribunas da igreja, largas como quartos. Com tão extenuante e contínuo sacrifício sua majestade garantiu à sua alma a bemaventurança eterna. Eram 7.30 horas, retirou-se para descansar, mas o rei continuou firme no seu posto. Àquela hora entraram no coro os frades para cantar Sexta e Noa, depois do que passaram ao Refeitório (não era sem tempo) seguidos pelas pessoas reais e pela corte. Aí a iluminação era feita por trinta candeeiros de latão de quatro lumes cada um. Antes de se sentarem. cantaram a benção da mesa. Quando sentados, entoou o leitor o primeiro ponto de leitura oportuna, depois do qual o provincial deu o sinal para se servir. Então se viu um espectáculo tanto mais admirável e assombroso de piedosa humildade quão menos esperado. O rei, o príncipe Dom José e o infante Dom António, depostos chapéus e espadins, começaram a servir os frades, conduzindo os pratos em tábuas redondas apropriadas. À ordem régia, para rápido despacho do serviço, imitaram-nos os camaristas de João V: os marqueses de Cascais e do Alegrete, os condes de Assumar, de Aveiras, de São Miguel e de Povolide. Isto causou grande perturbação nos espíritos dos frades, pois ao abatimento da soberania em tão grande acto de humildade se juntava o da mortificação no distribuir tantos pratos, porque eram 320 os convivas. Acabado o repasto, voltou a comunidade ao coro, cujos cadeirais tinham sido colocados durante esse intervalo, apesar de tal trabalho, a que deu seguro despacho o engenho do italiano Tadeu Luís, mestre da carpintaria, ser considerado quase impossível. Neles também se sentaram as pessoas reais. E aí, em descanso, estiveram todos desde as 9 às 11 horas, que este foi o tempo gasto por Frei Fernando da Soledade, ilustre cronista franciscano da Província de Portugal, com o seu erudito e substancioso sermão, alumiado por trezentas e vinte velas. Seguiram-se ao mesmo as Vésperas da dedicação da Basílica e, depois, as Completas. À função, porém, ainda faltava o coroamento, que lhe foi dado pelas Matinas de São João Capistrano, cantadas pela comunidade desde a meia hora às três da madrugada. Só então o rei e os seus familiares regressaram ao palácio para dormir. Se com tão resistente e aferrada devoção não ganhou o céu foi por ser excessivo o peso dos seus pecados. Todas estas cerimónias as acompanhou atentamente o rei por um pontifical romano, verificando, como entendido na matéria, que não lhe faltava um gesto, uma palavra. Posto isto, formou-se novamente a procissão para ir buscar à capela do palácio as relíquias lá depositadas. Assentes estas pelo Patriarca em andor próprio, outra volta à igreja executou o préstito. Depois, todos a postos nos seus lugares, pronunciou o Patriarca uma elegante e piedosa prática acerca das excelências dos templos sagrados, lembrando ao rei, como fundador deste, a obrigação de o dotar a preceito para sua conservação e para subsistência dos seus ministros, os bons frades arrábidos, e lembrando a estes o dever de rogar a Deus pela saúde e pelo feliz aumento de sua Majestade. Pelo visto, a diplomacia eclesiástica era deveras engenhosa. Tal prática foi a meio interrompida pelo primeiro diácono com a leitura adequada de dois decretos do concílio tridentino, os quais proibiam, sob graves penas, defraudar os bens eclesiásticos e ordenavam o pagamento dos dízimos à Igreja. De sobejo se patenteia quão hábeis e bons estratégicos eram os humildes fradinhos. Respeitosa, submissamente, o rei de pé ouviu toda a pia exortação. Fez-se, depois, o benzimento do altar-mor, acto de grande complexidade de cerimónias: antífonas, salmos, unções de óleos santos, aspersões de água benta, incensações. etc. Sagrou, também, o patriarca, as cruzes do altar mor, do cruzeiro e da nave, e no meio do altar meteu uma caixa de prata dourada com as relíquias dos apóstolos. Eram cinco horas da tarde quando acabou esta parte da sagração. Mas ninguém arredava de cansado. Começou, então, a Missa de Pontifical, que foi cantada com extraordinária imponência, quer pelo precioso dos paramentos quer pela qualidade de sacerdotes e qualidade dos cantores. Estes eram os da Patriarcal, vindos de Roma por escolha. O acompanhamento musical era feito pelos seis órgãos. No exterior, os sinos das torres repicavam estrondosamente. No seu final, o Patriarca subiu à varanda De Benedictione e daí lançou ao povo, que enchia o terreiro, a benção.

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BASILISCO

Tabela com as alfaias litúrgicas indispensáveis na Missa de Pontifical.

tar era «alumiado por seis velas e duas tochas e uma lâmpada, não falando nas do cruzeiro [...]». Todos os religiosos se apresentavam «paramentados com bordados brancos e assim se ajuntam no Coro todos com velas na mão como acontece pelo Corpo de Deus e quando se faz alguma festa de acção de graças pelo nascimento de algum Príncipe ou de algum grande benefício público, em cujas ocasiões, quando a procissão anda por fora, se muda o trono para a Capela mor para aí se cantar o Te Deum laudamus no fim da procissão tocando ao mesmo tempo os seis órgãos e os sinos grandes, não há língua que possa explicar a impressão que tudo isto faz nos espíritos e muitas vezes chora-se de alegria. Nos dias de segunda ordem havia meia iluminação na Igreja, bem como no Coro (fl. 270). […] Outras tantas [72] são as velas com que se iluminam o Coro nas noites de Matinas solenes, além de muitas tochas que sobre tocheiros se põem na plateia, o que tudo junto faz uma perspectiva admirável parecendo cada lado um trono iluminado». As pias de água benta existentes entre as portas do pórtico principal da Basílica, que haviam sido substituídas por conchas de pedra, em 1835, foram de novo repostas no seu local primitivo, em 1943 (cf. Armando de Lucena, Uma reparação artística devida à Basílica de Mafra, in Diário de Notícias, 10 Ago. 1943). Sobre o pórtico principal (central), observa-se uma tabela em baixo relevo com a representação de diversas alfaias litúrgicas e paramentos indispensáveis à cele510

bração de uma *missa de Pontifical (imagem de Cristo crucificado, castiçais, naveta, turíbulo com suas cadeias, caldeirinha de água benta, hissope, campainha e uma toalha). Frei João de Santa Ana regista uma tradição conventual, segundo a qual «fora feita por um aprendiz e que em prémio pedira ao monarca fundador que lhe desse por acabado o tempo de aprendiz» (fl. 248). Ladeando a tabela descrita veem-se duas imagens de vulto, as quais encarnam duas *Virtudes Teologais: a Fé (h = 2,08 m), do lado da Epístola, e a Religião, do lado do Evangelho. Das notícias de Cirilo Volkmar Machado se depreende que terão sido modeladas por Caetano Paggi (sob inspiração de *Cesare Ripa), e esculpidas em mármore por Alexandre Giusti. À esquerda da Fé acha-se um quadro a óleo figurando Santo António pregando aos peixes, À direita da Religião, outro, representando Santo António livrando o pai da forca. Por portaria emanada do Ministério do Reino, em 13 de Abril de 1835, a Basílica de Mafra seria cedida à Câmara Municipal de Mafra para sede da freguesia de Santo André, tendo a transferência ocorrido a 7 de Junho do mesmo ano, assinalada com públicos festejos. Poucos anos volvidos, tornar-se-ia evidente a insustentabilidade da situação, porquanto a paróquia de Mafra não dispunha dos meios financeiros indispensáveis ao arranjo e manutenção do templo, tendo de apelar a um subsídio governamental, o qual, havia de cifrarse, inicialmente (1864), em 240 mil réis anuais ou 20 mil mensais. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, F. de / MATOS, J. L., Torre de Palma (Portugal): A Basílica paleocristã e Visigótica, in Archivo Español de Arqueologia, n. 45-47 (1972-74), p. 103-112; HELENO, Manuel, A Villa lusitano-romana de Torre de Palma (Monforte), in O Arqueólogo Português, s. 2, v. 4 (1962), p. 313-338; GANDRA, Manuel J., A Basílica do Monumento de Mafra: compêndio de salomonismo, pólo da Nova Jerusalém, in Boletim Cultural ’97, Mafra, 1998, p. 9-78; PIMENTEL, António Filipe, Real Basílica de Mafra: Salão de Trono e Panteão de Reis, in Boletim Cultural ’93, Mafra, 1994, p. 75-88

BASILISCO Animal fabuloso. Rei das serpentes. Nasce do *ovo de um *galo chocado por *lagarto, *sapo ou *víbora. Tem o poder de matar instantânea-

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BASILIZA, SANTA mente com a vista (ou com o hálito) quem o fite. Ora se diz que tem pés de ave, ora que é um réptil (caso de Santo António que diz que é o diabo e lhe chama áspide). Geralmente, é representado como um galo com cauda de serpente e três cristas na cabeça, cingidas por um círculo branco, semelhante a uma coroa. O seu significado moral (alegoria do demónio e representação do mal) surge concomitantemente com o obscurecimento do conteúdo metafísico do sentido tradicional. É utilizado para designar a Dialéctica, sendo associado ao Escorpião. Santo António aponta-o como figura do iracundo, o qual, «com o seu sopro extingue as ervas, dá cabo das árvores, mata e incendeia os animais, etc. Corrompe ainda a própria atmosfera, de modo que nem mesmo no ar ave alguma voa impune, infectado como está com o sopro pestilencial; mesmo as serpentes têm horror do seu sibilo; e ao fugir, caminha por onde quer que pode, mata o que quer que seja com a sua mordedura, não se alimenta de feras, não intenta contra os alados. É vencido, todavia pelas doninhas, que os homens metem nos buracos, onde se oculta» (Sermão para o 6º Domingo depois do Pentecostes, p. 113). Basilisco é um dos nomes atribuídos ao mercúrio por alguns alquimistas, porquanto este também é um solvente universal. Outros entendem-no ora como a pedra ao branco, ora como a pedra ao vermelho, pois o pó de projecção feito da pedra ao branco ou ao vermelho e projectada sobre o mercúrio mata-o, fixando-o. Del Rio não crê que o Basilisco morra quando contempla o seu reflexo nas águas (p. 23). D. Pedro, filho do Infante D. Pedro, no conselho que deu a Afonso V acerca da guerra de África afirma: «[...] vosso Reino não há tanta gente que seja sobeja para povoar as alheias regiões, nem em vossa terra não há Bazaliscos e peçonhentas e bravas serras por que o devais de fazer e leixar e buscar milhor terra [...]». Conta-se que no Minho (S. Salvador do Campo, Barcelos) houve um convento de freiras, todas mortas à vista de um basilisco. Ver Salmos, XC, 13: «Super aspidem et basiliscum ambulabis», que Malvenda lê: «Super Leopardum et aspidemviabis» (*Salado).

Basilisco (ipse peribit = auto-aniquila-se): retábulo azulejar da igreja das Mercês (Lisboa).

Cf. Há males que dão mais vida (1752), p. 29 e Invectiva critica contra as bruxas, ciganas e benzedeiras (Lisboa, 1763), p. 5. Iconografia: retábulos azulejares no *convento da Serra de Ossa e na igreja das Mercês (Lisboa). BIBLIOGRAFIA BULARD, M., Le Scorpion, symbole du peuple juif dans l’ art religieux des XIVe, XVe, XVIe siècles, Paris [1936]; GUICHOT Y SIERRA, Alejandro, Lo maravilloso popular: El mito del basilisco, Madrid, 1884; MADAIL, A. G. da Rocha, A política de D. Afonso V apreciada em 1460, in Biblos (Jan.Fev. 1931), p. 33.

BASILIZA, SANTA Basiliza, do grego, Rainha (ou Trono = Isis). Sexta das *nove irmãs gémeas, virgem e mártir, como as demais, sob Antinoo, no Egipto. Companheira de *São Julião (do grego, lindo), com quem partilha a capela da localidade homónima deste, na Carvoeira (Mafra). Cristianização provável do casal *Isis-Serapis. O seu culto difundiu-se a partir de Antioquia. Ou511

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BASTO

Imagem de Santa Basiliza [Patriarcado de Lisboa].

O Basto, de Cabeceiras de Basto.

trora festejados, na Carvoeira, pelo denominado Círio da Água-Pé, oriundo de Ribeira de Pedrulhos, Varatojo, Torres Vedras, Mafra, Azóia, Colares, Almargem do Bispo, etc.: «Vinham todos a cavalo em burros e muares, o gaiteiro na frente, seguindo-se o homem da bandeira, e logo os festeiros e as festeiras, em número de 30 a 40 pessoas. As festeiras traziam, em geral, uns muito antigos e estapafúrdios chapéus, ornamentados com fitas e flores de papel. Eram quase sempre os mesmos estes chapéus, e parece que faziam parte do material do círio. Este chegava aqui num sábado, dava três voltas ao santuário, festejava São Julião e Santa Basiliza no domingo, e regressava na 2ª feira pela mesma ordem da ida». Às festividades associava-se, geralmente, muito povo da Carvoeira, Pobral, Baleia, etc. Actualmente, só o Círio da localidade de Ribeira de Pedrulhos (Torres Vedras), o mais antigo, permanece fiel à tradição. O santoral festeja S. Julião a 16 de Março, porém, localmente, a tradição manda cultuá-lo em Janeiro (entre os dias 8 e 10).

ra vez em 1612, agravada por outra ocorrida em 1892) com o objectivo de imortalizar um vetusto símbolo local: o lendário guerreiro que, detendo-se no pontilhão próximo da antiga alameda, afirmara: «Até aqui basto eu!», significando dessa forma que não carecia de auxílio para se defender de quem o atacasse. As pitorescas alterações a que foi submetida dotaramna de barretina, pés calçados com botas, meias e ligas, gola, galões, etc., além da inscrição, em caracteres incisos, no torax: PONTE / DE S MIGUEL / DE REFOYOS / DE BASTO / 1612. *Favaios, *Homem da maça, *Lamego.

BASTO *Génio tutelar, epónimo, de Cabeceiras de Basto, apropriação de uma estátua de um *guerreiro lusitano, desde 1892, exposta na praça principal da localidade. A escultura foi sujeita a uma transfiguração grotesca (a primei512

BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, O Basto: estátua de guerreiro lusitano em Refoyos de Basto, Braga, 1934; P. , R., O Basto, in Portugália, t. 1, n. 1-4 (1899-1903), p. 832-833; PEIXOTO, Rocha, O Basto, in Portugália, v. 1 (1903), p. 832-833; SARMENTO, Martins, in Revista de Guimarães, n. especial comemorativo (1900), p. 246

BATALHA, MOSTEIRO DA *Mosteiro de Santa Maria da Vitória. BATATA Quando as batatas grelam em casa de alguém é sinal de que lhe nascem os bens. Duas batatas pequenas, trazidas no bolso, são boas contra o reumatismo (Lisboa). Rodelas de batatas aplicadas localmente são preconizadas contra queimaduras e dores de dentes. Pode ocorrer como *amuleto.

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BEATA DE CELAS BATRÁQUIO Animal vertebrado anfíbio, de pele nua e sangue frio, que sofre metamorfose. *Osga, *rã, *rela, *salamandra, *sapo. Muito popular na magia erótica. BIBLIOGRAFIA FELGUEIRAS, Guilherme, Os batráquios no conceito popular e na superstição, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p. 65-92.

BAZAR Também pedra *bezar ou *bezoar. Nome dado aos cálculos achados nas vísceras de alguns ruminantes. Os bezoares dotados de maiores poderes mágico-taumatúrgicos eram os da cabra persa e do antílope. De todas as pedras medicinais foi aquela que grangeou maior renome e preço. Durante séculos foi «o rei dos remédios e o remédio dos reis» (Silva Carvalho). São-lhe atribuídas virtudes curativas nas mordeduras de víboras. O mesmo que *pedra de cobra e *pedra ferronha. Aplica-se internamente, só ou associada a outras drogas, não podendo ser recuperadas as quantidades ministradas. Referida pelo Padre Manuel Consciência (Academia Universal, p. 151) e por *Amato Lusitano (Dioscorides, v. 2, p. 39). BIBLIOGRAFIA CARVALHO, Silva, A Pedra Bazar, in A Medicina Contemporânea, Lisboa, 1920; V., Pedra «Bazar» ou de «Cobra», in Feira da Ladra, v. 8 (1937), p. 118-119

BEATA No seu Novo Dicionário (1764), o Padre José Marques distingue a autêntica, aquela que vive com recolhimento e serve a Deus com demonstrações de singular virtude, da Beata falsa, a qual parece devota e modesta em suas acções, embora tenha o coração corrupto. Em 1796 a Inquisição de Coimbra organizou uma devassa para investigar o Bispo de Bragança, o qual encorajava umas recolhidas a descreverem extâses extraordinários, considerados pelo promotor do *Santo Ofício «tudo tão acompanhado de ostentação e vaidade, tão despido de humildade e de todas as mais virtudes que são inseparáveis daquele em que há o Espírito de Deus [...]». Locução: Arroz com couve, comer de beata.

BIBLIOGRAFIA BAIÃO, António, A Inquisição e um bispo de Bragança, in Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, v. 3, Lisboa, 1938, p. 77-15; REGO, Yvonne Cunha, Lembrete da Consulta sobre o Bispo de Bragança, in Feiticeiros, profetas e visionários, Lisboa, 1981, p. 147-161

BEATA DA ARRIFANA Na segunda edição (Londres, 1875, p. 215216) dos seus Travels in Portugal, John Latouche relata o caso desta afamada santinha jejuadora: «A beata [...] de Arrifana – pequena vila do norte de Portugal – é uma pobre criatura acamada que, já não sei há quantos anos, se abstém ou quase de comida e bebida e que é miraculosamente elevada da sua cama mais ou menos um metro quando toma o sagrado sacramento – isto é, aí uma vez por semana. A sua reputação espalhou-se através de Portugal nos últimos três ou quatro anos. Eu tive o prazer e privilégio de visitar esta futura santa». BEATA DE BAUCENDE Santa fingida (1697) [BN: cod. 8577, fl. 61s.]. BEATA DE CELAS *Maria Dias. Cristã-velha, solteira, residente em Celas (Coimbra). Em 1589, dizia não só comunicar em espírito com a prioresa da Anunciada de Lisboa, após a comunhão (ficando sem acordo e arrebatada), como falava com *Santo António, *São Francisco e tivera várias visões celestiais com Cristo, do vale do pecado, etc. Em virtude destas visões, alegava que o demónio a inquietava de vez em quando, ameaçando-a de ele próprio a denunciar à *Inquisição. Logrou convencer muita gente, incluindo o confessor, porém foi desmascarada por um céptico que durante um dos seus «arrebatamentos» lhe colocou uma candeia acesa debaixo de um dedo que ela imediatamente afastou. Confessou aos inquisidores que se fingira santa para ter de que comer. No acórdão do *Santo Ofício (1590) lê-se: «[…] a Ré delinquiu em grande ofensa de Cristo Nosso Senhor e da Igreja Católica, enganando seus confessores e aos fiéis cristãos com os ditos fingimentos, em descrédito das verdadeiras revelações que Deus comunicara aos seus escolhidos e dos milagres 513

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BEATA DE ÉVORA que obra por intercessão de seus santos, tendo pouca veneração ao sacramento da Confissão e santíssimo sacramento da Comunhão, deixando de tomar lavatório contra o costume universal da igreja com grande malícia e pouco temor de Deus, perjurando-se muitas vezes e revogando sua confissão como pessoa obstinada em sua culpa […]» [ANTT: Inq. de Coimbra, proc. n. 321]. A sua sentença foi publicada na Sé, tendo sido condenada a dez anos e degredo para o Brasil e a receber 50 açoites «citra sanguinis effusionem» pelas ruas da cidade, não participando em auto da fé, como pretendia D. Afonso de Castelo Branco, o qual a clssificou de «mais diabólica e artificiosa que a Prioresa que foi da Anunciada». BIBLIOGRAFIA BAIÃO, António, A beata de Celas processada pela Inquisição de Coimbra: intervenção do bispo conde neste caso, in O Instituto, v. 88 (1935), p. 173-179 [BN: J 2547 B]

BEATA DE ÉVORA *Ana de Jesus Maria. Prognosticou o dia e hora de sua própria morte, a qual ocorreria a 29 de Setembro de 1792, quando completasse 22 anos de idade, pelas nove e meia da noite (em ponto). Fingiu-se de morta e ressurgida do céu, forjando, com a cumplicidade do seu confessor, o Padre carmelita descalço Frei Félix de Jesus Maria, muitos prodígios e milagres. Foi presa pelo *Santo Ofício, tendo saído no auto da fé, realizado em Évora a 23 de Março de 1795, condenada a degredo de 17 anos na Casa da Estopa, após ter abjurado publicamente de seus erros e imposturas [BN: ms. 184, n. 3; cod. 854, fl. 158s.; cod. 8058, fl. 176s.; cod. 8570, fl. 210s.]. O acórdão inquisitorial assevera que Ana de Jesus Maria se achava «deliberada em consentir ser enterrada viva, só para conservar a opinião da sua santidade e sustentar o crédito da Religião de seus confessores». A repercussão do caso foi tal que Bocage e Miguel Tibério Pedegache Brandão Ivo, entre outros, escreveram sonetos alusivos a ele. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Daniel, A Beata de Évora: drama em 4 actos e 9 quadros, 18??; ESPANCA, Túlio, A Beata de Évora, in Cadernos de História e Arte Eborense, XXIII, Évora, 1964, p. 67-76; SEABRA, João Miguel Moreira de, A Beata

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de Évora: duas palavras ao leitor, in A Nação (5 Nov. 1882); SILVA, D. Bruno da (pseud. de António Francisco Barata), A Beata de Évora, 1890 (romance histórico)

BEATA DE ÓBIDOS *Francisca Antónia. BEATA DE SANTA ISABEL *Mariana Inácia de Jesus. BEBER O MORTO Libação que consiste em beber um copo de aguardente ou um cálice de vinho do Porto, em honra de um defunto. BIBLIOGRAFIA BRANCO, Cecília Schmidt, Da origem de um symbolo na Festa de São Martinho, in Revista Lusitana, a. 1, n. 4 (1887-1889), p. 295

BEBIANA, SANTA Virgem, companheira de martírio de *Santa Inês e de *Santa Cecília. Venerada a 2 de Dezembro. Na Beira Baixa, designadamente em Tinalhas, a tradição fá-la padroeira das mulheres bêbadas. Nesta localidade, na véspera de Santa Bebiana (1 de Dezembro), homens e rapazes munidos de chocalhos e campainhas organizam um cortejo para a solenizar, encabeçado por um pregador, o qual, de onde em onde, faz um sermão em versos de pé quebrado. Jaime Lopes Dias afirma que a primeira quadra de Joaquim Cainatre dizia sempre: «Meus irmãos, é o dia da Santa. / As mulheres, p’ra enganarem os homens, / Não bebem o vinho pelo copo, / Mas sim pela cântara.» (cf. São Martinho e Santa Bebiana, in Etnografia da Beira, v. 3, p. 95-98). O cargo de juiz da confraria de Santa Bebiana é sempre entregue à mulher mais bêbada da localidade e os de mordomos a todas as «conhecidas e havidas como amantes da pinga». BEIJO Acto mágico, propiciador do despertar para a vida (cf. beijo na Bela Adormecida e no cancioneiro popular). O beijo assume diferente significado consoante a zona do corpo osculada. Beijar os santos é sinal de reverência. Na Madeira dar um beijo em pessoa que segure na mão uma vela acesa é mau: ardem ambas (Elu-

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BELAS cidário, v. 1, p. 297). O direito medieval aceitava o beijo como sinal de reconciliação entre inimigos, porém considerava infame (osculum infame) o beijo ritual dado pelas bruxas no traseiro do *diabo, quando da sua iniciação, ou durante a *assembleia denominada *sabat (cf. Malleus Maleficarum). BEIJO DA LEOA O trovão e o raio, em Minde (cf. Revista Lusitana, v. 37, p. 105 e 125). BEIRES, JOSÉ MANUEL SARMENTO DE (1893-1974) Piloto aviador com o posto de Major. Protagonista de alguns dos grandes feitos da aviação portuguesa: tentativa de voo Lisboa-Madeira, em 1920; viagem aérea Lisboa-Macau, em 1924; 1ª travessia nocturna do Atlântico Sul, em 1927. Colaborador da Seara Nova (1925-1931), de cuja direcção fez parte. Opositor ao movimento militar de 28 de Maio de 1926, optou pelo exílio, a partir de 1928, para a China e, ulteriormente, para o Brasil, de onde regressaria mais tarde. Teosofista, publicou uma obra de índole espiritualista, intitulada A Cidade do Sol (Lisboa, 1926 [BN: L 29964 P]), bem como alguma colaboração na Revista Ísis da *Sociedade Teosófica. BELA CRUZ, DIA DA Tb. *dia de Santa Cruz, i. e., 3 de Maio. No dia 2 para 3 de Maio, juntam-se os rapazes e as raparigas da Aldeia da Mata (Crato) e fazem três cajados de uma planta de jardim chamada rapaziada, murta, cravos, rosas, etc. e põe-nos em dois cruzeiros que há na localidade. Depois vão bailar para o largo, inaugurando a *sesta, a que chamam a *Dona Rosa (noutros locais denominada Senhora D. Rosa) e que consiste no descanso de duas horas para os trabalhadores, ao jantar. As mais grandiosas festividades a assinalar esta efeméride são as das Cruzes, em Barcelos, que se iniciam no dia 1 de Maio. BELA E O MONSTRO Tema da mitologia universal. Na literatura portuguesa, regista-se, a título de exemplo, em:

Écloga Canção do Encantamento (Francisco Sá de Miranda); O Conto da Bela Menina (cf. Adolfo Coelho, Contos Populares Portugueses); O Monstro (cf. Francisco Xavier de Ataíde Oliveira, Contos Tradicionais do Algarve); Bela e a Cobra (cf. J. Leite de Vasconcelos, Contos Populares e Lendas); A Menina e o Bicho (cf. Consiglieri Pedroso, Contos Populares Portugueses). BIBLIOGRAFIA LIMA, Fernando de Castro Pires de, Crónica de Aldeia – A Bela e o Monstro, in Mensário das Casas do Povo, v. 5, n. 49 (1950), p. 12-13 [conto a Bela Menina]; idem, A Bela e o Monstro (Raiz de um Mito Universal), in Revista de Etnografia, v. 15, t. 1, n. 29 (Out. 1970), p. 77-87

BELADONA Atropa belladona (Lineu). Também denominada erva moura. O seu nome científico remete para *Atropos, a parca a quem compete cortar o fio da vida. Contém atropina, substância estimulante (que entre outros efeitos, provoca a dilatação das pupilas), conhecida e utilizada desde a antiguidade. BELAS Topónimo, supostamente, derivado do nome hebraico de *Baal, cognato do Bel acádio (próximo subsiste o topónimo Monte Abraão, onde existe a anta homónima). No Gloucestershire (Gales), uma mamoa, considerada típica da arquitectura do género, ostenta a designação de Belas Knap ou seja, segundo a tradução consagrada, Monte do Farol ou do Facho, facto não pode deixar de evocar naturalmente uma das lendas justificativas do topónimo Queluz, segundo a qual um príncipe que vagueava perdido logrou orientar-se devido a uma luz que viu brilhar num cômoro próximo. O dolmen da Pedra dos Mouros foi classificado como Monu-

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mento Nacional por decreto de 16 de Junho de 1910. Também conhecido por Anta da Idanha ou do *Senhor da Serra, fica situado a 900 m Norte, 5º Oeste do marco geodésico do Monte Abraão, no âmbito da Quinta de Belas. Pode bem ser a sepultura de *Viriato que João de Barros (Descripção do Minho) afirma ter visto em Belas, na quinta que fora da Infanta D. Brites, mãe do rei D. Manuel. O mesmo João de Barros se refere a uma inscrição, na «arca de pedra», onde a custo se lia Hic jacet Viriatus Lusitanorum Dux, e a uma espada com letras ininteligíveis que se achara na sepultura. Carlos Ribeiro afirma ter topado com o monumento em 1856, tendo procedido à sua escavação em 1876. Três dos esteios encontravam-se, então, in loco. Hoje, apenas um permanece, já bastante inclinado, mas mesmo assim com cerca de 5 m de comprimento. A um metro do solo, à direita, observam-se insculturas representando um homem e uma mulher. Este dolmen andou, pelo menos até à década de 1940 (quando a popular romaria do Senhor da Serra, que tinha lugar no último domingo de Agosto, foi extinta) associado a práticas de fecundidade, descritas de forma pitoresca por O. da Veiga Ferreira: «A tampa dessa grandiosa sepultura eneolítica está tombada com uma inclinação de cerca de 35º e afecta a forma fusiforme, isto é, a base é muito larga e vai estreitando cada vez mais até ao topo. Pois, quando se realizava a popular e tradicional festa ao Senhor da Serra as moças casadas de fresco subiam até ao topo da pedra, tiravam as cuecas, quando as tinham, sentavam-se e escorregavam até à base, na crença que, após este acto, podiam 516

conceber. A superfície da pedra está toda gasta e polida de gerações sucessivas de posteriores!». Explorado por desconhecidos alguns anos antes da campanha empreendida por Carlos Ribeiro, forneceu espólio escasso [Serviços Geológicos de Portugal], de entre o qual, não obstante, merecem destaque: duas esferas em calcário, um fragmento de *lúnula e, perdida no fundo da escavação, uma moeda de 5 réis portuguesa, cunhada em 1741. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Rubem de, Romarias populares: Senhor da Serra, in A Folha Ilustrada, a. 1, n. 4 (15 Set. 1930); ARNAUD, José Morais, O Megalitismo em Portugal: problemas e perspectivas, in Actas das III Jornadas Arqueológicas (1977), v. 1, Lisboa, 1978 (p. 105-106); BARBOSA, Domingos Caldas, Descripção da grandiosa quinta dos senhores de Bellas, e noticia do seu melhoramento, Lisboa, 1799; BARBOSA, Inácio de Vilhena, Quinta dos Senhores de Bellas, in Arquivo Pitoresco, v. 5 (1862), p. 289-291; BARBOSA, Inácio de Vilhena, Fragmentos de um roteiro de Lisboa (inédito): Arrabaldes de Lisboa, in Arquivo Pitoresco, v. 6 (1863), p. 185-186 e 192; CARTAILLAC, Émile, Les Âges pré-historiques de l’ Espagne et du Portugal, Paris, 1886; CORREIA, Virgilio, Gravuras do Dolmen da Pedra dos Mouros (Belas), in Terra Portuguesa, v. 2, n. 12 (Jan. 1917), p. 185-186; FERREIRA, O. da Veiga, Inventário dos monumentos megalíticos dos arredores de Lisboa, in Actas e Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1959 , p. 215-224; idem, Acerca dos monumentos funerários da cultura do vaso campaniforme em Portugal, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 9, n. 3-4 (1955), p. 203-218); idem, Notícia de algumas estações pré-históricas e objectos isolados inéditos ou pouco conhecidos, in Bol. Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 2, n. 59-60 (1963), p. 155-156; idem, La Culture du Vase Campaniforme du Portugal, Lisboa, 1966; FONSECA, Arnaldo, Actualidades: O Senhor da Serra (Notas), in Branco e Negro, v. 1, n. 23 (6 Set. 1896), p. 7-10; GANDRA, Manuel J., Imagens e Funções arcaicas do Eterno Feminino no Aro de Mafra, in O Eterno Feminino no Aro de Mafra: Roteiro monográfico, Mafra, 1994, p. 7-28; idem, O Triângulo Megalítico Queluz – Belas – Carenque, Mafra, 1996; MARQUES, Teresa / FERREIRA, Carlos Jorge, Sintra: Antas de Belas, in Informação Arqueológica, n. 8 (1987), p. 52-53; TERESA, Marques / LOURENÇO, Fernando /FERREIRA, Carlos Jorge, Antas de Belas: uma tentativa de valorização do património arqueológico nos arredores de Lisboa, in Actas das IV Jornadas Arqueológicas (Lisboa, 1990), Lisboa, 1991, p. 87-89; RIBEIRO, Carlos, Estudos Prehistoricos em Portugal, v. 2, Lisboa, 1880; Roteiros da Arqueologia Portuguesa 1: Lisboa e Arredores, Lisboa, 1996; SANTOS, Farinha, Pré-história de Portugal, Lisboa, 1972, p. 66; SEVERO, Ricardo, Paleoethnologia Portugueza: Les Âges Préhistoriques de l’ Espagne et du Portugal de M. Émile Cartaillac, Porto, 1888, p. 50

BELBORINHO Termo adoptado na Beira Alta para denominar uma rajada fortíssima de vento, localizada num

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BELMIRO TRANSTAGANO espaço limitado de terreno, que chega a levantar e levar medas inteiras de palha pelo ar. Por vezes, associado a este fenómeno, regra geral atribuído ao *diabo, ocorrem estalidos e até estrondos. Em Carregal do Sal, para afastar um belborinho, gritam-lhe: «Penico! Caqueiro velho! Vai para o Inferno! Santo Nome de Jesus!» (cf. Pedro Tudella, in Beira Alta, v. 25, n. 3, 1966, p. 431). *Balborinho. BELCHIOR *Saludador processado pelo *Santo Ofício. Afirmava que a distância a que um *benzedor podia indicar os seres humanos e os animais atingidos pelo mal da raiva era proporcional à virtude do indivíduo em questão: aquele que possuía a graça de Deus em maior proporção via melhor e mais longe [ANTT: Inq. Évora, proc. de Belchior, fl. 14v]. BELEZA, MARIA MANUEL Natural e residente em Azurara, casada com o marceneiro Jerónimo João. Abjurou de veemente por culpas de feitiçaria, em 14 de Outubro de 1687, tendo sido condenada a cinco anos de degredo no Brasil. Havia de ser presa segunda vez por relapsia das mesmas culpas e por não ter cumprido o degredo a que fora imposto. Saiu no auto da fé de Coimbra, de 14 de Junho de 1699. BELIAL Antónimo de *Cristo, segundo São Paulo (2 Corínteos, VI, 15). Belial ocupa o posto de Meirinho da corte de *Lúcifer na hierarquia dos diabos de *Gil Vicente, sendo Lúcifer o Maioral do *Inferno e *Satanás Fidalgo do seu Conselho (Breve Sumário da História de Deus). O Tratado de Belial procurador de Lúcifer contra Moisés procurador de Jesus Cristo é citado no processo instaurado (1618) pela *Inquisição de São Salvador da Baía a *Fernão Mendes, natural do Porto. BIBLIOGRAFIA Livro das confissões, e reconciliações que se fizerão na Visitação do Santo Ofício do Salvador da Baía de Todos os Santos do Estado do Brasil (11 de Setembro de 1618), in Anais do Museu Paulista, XVII (1963), p. 356-359; PIMENTA,

Alberto, O conceito de Diabo na Biblia e em Gil Vicente, in Ocidente, LXIX (1965), p. 231-247.

BELIDA Cicatriz da córnea. O mesmo que *nubécula (belida leve) e *farpão (belida tensa). Para talhar belidas, enquanto traça cruzes com a mão direita, a benzedeira diz: «A milagrosa Santa Luzia ia pelo mundo, três livrinhos tinha, por um rezava, por outro lia, outro belidas desfazia. Valha--nos aqui Santa Luzia. Em honra de Deus e da Virgem Maria». Em Tolosa, com o mesmo objectivo, usa-se a seguinte reza, fazendo cruzes sobre o olho doente: «Jesu-Cristo nascêi / E Virgem concebê / E na testemunha [?] desta verdade / Belida e farpã secarás, / este olho deixarás em paz! / E um padre-nosso e ave-maria / Em louvor de Santa Luzia». Depois de a ter repetido nove vezes, prossegue a *talhadeira com um padre-nosso e uma avemaria, dizendo a concluir: «ofereço este padrenosso e esta ave-maria a Santa Luzia, que nos dê melhoras nos nossos olhos». O tratamento dura nove dias a fio, a qualquer hora, podendo ser realizado duas vezes ao dia. Na região de Guimarães preconiza-se mastigar uma folha de loureiro e bafejar o olho que tiver a belida. Em Freixo-de-Espada-à-Cinta invoca-se *Santa Iria para desfazer as belidas e os carnigões: «Santa Iria tinha três filhas / Uma dobava, / Outra tecia. / Outra belidas e carnigões desfazia. / Em louvor de Santa Iria, um padre nosso / e uma ave-Maria» (reza-se três vezes, ou nove dias seguidos, até se obter a cura). BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Maria Benedita, Superstições Populares Portuguesas: contribuição para o seu estudo, Lisboa, 1997, p. 106; MASSA, Sandra Maria Teixeira, Oração das Belidas, in Brigantia, v. 17, n. 1-2 (Jan.-Jul. 1997), p. 108

BELMIRO TRANSTAGANO Nome arcádico de Belchior Manuel Curvo Semedo (1766-1838). Autor de um Madrigal (cf. Almanak das Muzas, parte I, Lisboa, 1793, p. 49), onde alude ao grasnar do corvo como *agouro. Quando mais terno a Lilia idolatrava, N’um dia em que o meu gado apascentava, 517

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BELTAINE De repente vi mortas duas rezes; Corvo sinistro ouvi grasnar três vezes No cipreste, do raio denegrido. Temi do fero agouro persuadido, Ver fogo no Casal, ronha no Gado, Ou outro algum sucesso desgraçado. Porém, não foi assim: Tive a ventura De achar Lilia cruel nos braços de outrem, De riscar da lembrança uma Perjura. BELTAINE Festival celta, celebrado na véspera do 1º de Maio (noite de Walpurgis), para assinalar o início da Primavera. *Lughnasadh, *Oimelc e *Samhain. Segundo dos quatro grandes festivais anuais (sendo o de Imbolc o primeiro). Dança em torno do pólo ou *árvore de Maio. BELZEBU Nome aramaico de Baal-Zébub, i. e., Senhor das moscas. Nome do *diabo. *Gil Vicente refere-se a Belzebu, no Auto da Cananeia (inspirado em Marcos, VII, 24-30), além de a diversos outros demónios de inferior hierarquia. Maria Antónia (*bruxa de Válega), de 82 anos, confessou ao Santo Ofício que lhe aparecera um mancebo bem figurado, com pés de cabra ou bode, «e lhe disse que era Belzebu, que para fazer curas e outras coisas extraordinárias lhe havia de dar uma gota de sangue tirada de sua mão ou dedo e havia de crer nele e não em Cristo e que ele lhe apareceria em figura de pega ou pitão, para a aconselhar todas as vezes que ela o invocasse por meio da oração de Santo Erasmo». Cf. Mateus, X, 25; XII, 24; XII, 27; Marcos, III, 22; Lucas, XI, 15 e 18-19. Figurado por uma *mosca, emblema das coisas fúteis e efémeras. Esconjuro de Belzebu (diz-se ao deitar) Berzebu que vives nu, Viro eu e viras tu. Co’esses chavelhos de teca, Co’essas bentas d’alforreca, Andas tentando às pessoas; Tens asas mas não aboas Ao fazer má gericoca.

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BEM-FADADA Fada boa. BEM-GUIADOS Bouça situada em Alvito do Pindelo, entre a estrada velha da Póvoa de Varzim e o mar. Por trás, a poente da propriedade contígua ao Senhor dos Bem-Guiados, houve alguns penedos com fossettes, «parte já quebrados», segundo os registos de Martins Sarmento. BIBLIOGRAFIA SARMENTO, Francisco Martins, Antiqua: apontamentos de Arqueologia, Guimarães, 1999, p. 443

BEN-ROSH Artur Carlos de Barros Basto (1887-1961). Apóstolo dos marranos portugueses e dinamizador da Obra de Resgate do judaísmo ancestral em Portugal, da qual releva o impulso dado à formação de uma Comunidade Israelita no Porto, a publicação de um periódico (revista Ha-Lapid, o Facho), órgão oficial da Comunidade, e a edificação de uma sinagoga. O período compreendido entre 1897 a 1904 ou 1905 corresponde a uma fase de intensa busca espiritual, depois de o avô paterno lhe ter dado a conhecer a ascendência judaica da família, bem como os primeiros rudimentos do mosaísmo. Simultaneamente, adere aos ideais republicanos e anticlericais, participando em diversos movimentos culturais e políticos que antecederam a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, sendo ele quem hasteia a bandeira republicana no edifício da Câmara do Porto. Novamente dedicado a actividades de índole espiritualista, entra em contacto com as doutrinas de Helena P. Blavatsky e de Rudolf Steiner, fundando o Instituto Oriamita do Porto e publicando diversos folhetos e artigos na revista Luz do Ocidente, cujo primeiro número saiu em Março de 1912. Num artigo intitulado «Uma nova epopeia» estabelece um paralelo entre o ideal de propagação da fé dos portugueses do séc. XVI e a sua própria intenção de divulgação dos ideais oriamitas. Combate na Flandres, integrado no Corpo Expedicionário Português, sendo galardoado com várias condecorações e promovido a capitão, em 1918,

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BÊNÇÃO denciar a formação de guias espirituais para tais comunidades cria, em 1929, uma escola rabínica, denominada Instituto Teológico Israelita do Porto (Yeshivah Rosh Pinah). Finalmente, em 1938, mercê de uma bem sucedida campanha de angariação de donativos, inaugura, em terreno adquirido na Rua Guerra Junqueiro, a sinagoga Mekor H’aim (Fonte de Vida), crismada de «Catedral Judaica do Norte de Portugal». A forte rivalidade entre a comunidade israelita de Lisboa, que dava primordial importância à ascendência judaica, e a do Porto, proselitista, bem como a conjuntura política, quer nacional, quer internacional, haviam de ditar reacções anti-semitas e campanhas difamatórias dirigidas contra Barros Basto, que é destituído do Exército (1943) e abandona a presidência da Comunidade do Porto (1949), para assistir, paulatinamente, à extinção da Obra de Resgate, na década de 1950. ???????????????????????????????????????????????????????????????????? ???????????????????????????????????????????????????????????????????? ??????????????»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»» »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»

antes mesmo de regressar a Portugal, o que havia de suceder a 17 de Julho de 1919. Esta estada em França influenciaria decisivamente a sua adesão ao judaísmo, que ocorreu em Tânger onde foi admitido na comunidade judaica local, constituída por numerosos sefarditas, e na sequência da qual adoptaria o nome hebraico de Abraão Israel Ben Rosh. A Comunidade Israelita do Porto seria instituída em 7 de Junho de 1923 e legalizada no mês de Agosto seguinte. Entretanto, Ben Rosh ganha para a causa simpatizantes influentes. Em 1927, enceta a publicação da Revista Há-Lapid, órgão oficial da Comunidade judaica portuense, da qual sairiam 156 números, com carácter didáctico e informativo, durante um período de mais de três décadas (1927-1958). Concomitantemente, sob a orientação de Barros Basto, são fundadas diversas comunidades e núcleos judaicos em Bragança, Castelo Branco, Belmonte, Caria, Pinhel, Guarda, etc. No sentido de provi-

OBRA Entre montanhas: quadros oryamitas, Porto, 1913 [BN: L 21178 V], 1914 [BN: L 13604 P] BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, Evangelina Mota / OLIVEIRA, Isabel Ferreira de, Os marranos no século XX: Ben Rosh e a restauração do judaísmo português, in História, n. 54 (Abr. 1983), p. 55-67; MEA, Elvira Cunha de Azevedo, Ben-Rosh: biografia do capitão Barros Basto, apóstolo dos marranos, Porto, 1997; [REPORTER X], No segredo das sinagogas: o que se passa entre os hebreus de Lisboa e os «marranos» do Norte?, in Repórter X, n. 96 (Jun. 1932), p. 12

BÊNÇÃO Gesto mágico, por vezes acompanhado de fórmula recitada, rito ou cerimónia realizados quer para implorar de Deus um benefício (benção invocativa), quer para sagrar pessoa ou objecto (benção constitutiva). As bençãos constitutivas podem ser verbais (quando se fazem sem a aplicação de óleos sagrados) e reais (com aplicação de óleos), sendo estas mais conhecidas por sagrações ou consagrações. A benção ao modo judaico (colocando a mão sobre a cabeça e passando-a pelo rosto abaixo) foi objecto de diversas denúncias no *Santo Ofício. O doutor *António Homem foi acusado de lançar bençãos durante certas cerimónias a que presidira. As Constituições sinodais estabelecem diversos interditos no que respeita as bençãos: 519

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BÊNÇÃO DA BARRA RELIGIOSO DE S. FRANCISCO DA SOLEDADE, Manual breve: collecçao de bençaos, e absolviçoes; forma de metter terceiros, e deitar bentinhos, exorcismos da Igreja, e modo de assistir aos moribundos composto [...], Porto, António Alvarez Ribeiro, 1788 e Tipografia de Viúva Alvarez Ribeiro & Filhos, 1825

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«Nem benzam com espada que matou homem ou que passasse o Douro e Minho tres vezes» (Évora, 1534, XXV,1); «Outrossim defendemos que nenhuma pessoa benza de enfermidades a outra qualquer pessoa, nem benza gado, cães, bichos, nem outra qualquer coisa, nem amentem, nem encomendem com superstições o gado perdido, sem primeiro nos manifestar a nós ou a nosso Provisor, o modo e as palavras de que usam e livro por que as dizem, para que sendo tudo examinado e visto se há nisso alguma superstição, lhe seja dada ou negada licença para o fazer» (Porto, 1585, XXI, I); Outrossim defendemos que pessoa alguma não benza cães ou bichos ou outra qualquer coisa nem use disso sem primeiramente haver para isso nossa autoridade. E o que fizer o contrário pomos em ele sentença de maior excomunhão e o havemos por condenado em mil reais para a nossa chancelaria e meirinho» (Lisboa, 1588, XXV); Mandamos que ninguém neste nosso Bispado benza gente, gado ou outros animais» (Algarve, 1673, V, 8). Bençãos de Jesus nos Evangelhos: Mateus, VIII, 1-4; Marcos, I, 40-45; Lucas, V, 12-14. Locuções: Deixa-me benzer com a mão canha [esquerda] para o diabo não dizer que é manha (Lisboa); Até me benzi com a mão canha, para a direita não ter manha (Penafiel). BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Collecção de bençãos ecclesiasticas [...] extrahidas dos pontificais, e rituais romanos antigos, e modernos e dos authores liturgicos [...], Porto, Antonio Alvarez Ribeiro, 1797; BRAGANÇA, Joaquim de Oliveira, A benção do peregrino nos códices portugueses, in Didaskalia, n. 4 (1974), p. 223-228 [BN: R 13600 V]; DIAS, Geraldo J. Amadeu Coelho, Origem medieval do compasso-visita Pascal: a benção das casas, in Lusitânia Sacra, s. 2, n. 4 (1992), p. 83-97; HUM

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BENÇÃO DA BARBA Tomada de hábito monástico, com a concomitante deposição da barba e do cabelo, em sinal de presente e oblação a Deus (acompanhado pela leitura ou entoação do denominado Salmo [das barbas] de Aarão: «Ecce quam bonum, et quam jucundum habitare fratres in unum: sicut unguentum in capite, quod descendit in barbam, barbam Aaron […]»). BENÇÃO DA MALDITA Benção oriunda de Espanha. Muito popular entre as benzedeiras portuguesas graças à sua alegada eficácia. Em 1637, com muitas deturpações, foi ensinada a uma mulher parda por outra da mesma origem: «Jendo-se nuestro señor Jesu Christo por un camino encontró con una mujer y le dixo: mujer quien eres que de colorado vistes y de colorado calças hasta el cavallo en que vas cavallera es colorado: señor oy [i. e., yo] soy la rosa malditta que chupo la sangre, quebranto los huessos y magullo la carne. Si eres la rosa maldita escomulgada, yo te desterro a la mar honda, onde gallo no cantó, ni hombre passó. Señor mio no me desterres a la mar honda adonde ni gallo cantó, ni hombre passó sino santiguando, y mentando tu nombre poniendo los cinquo dedos, y la palma de la mano llana este mal de aqui no sea passado, y sea desecho como la sal en la agua» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. de Maria Ortega, mulher parda, fl. 51-51v]. BENÇÃO DAS SEARAS E CAMPOS Consagração simultaneamente ritual e propiciatória da saúde e da fertilidade. Tem origem provável na festa pagã dos Robigalia (ao deus Robigo) que ocorria a 25 de Abril. Robigo preservava os trigais da ferrugem. Em algumas regiões quando alguém inicia um trabalho no campo benze-se. Em Gáfete as espadanas benzidas na capela de S. Marcos (25 Abril) são co-

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BÊNÇÃO DO GADO

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Santa Quitéria de Meca (Alenquer); Santiago de Cardielos (Ribeira Lima), depois de efectuarem umas tantas voltas à capela, situada no cimo de um monte, os bois são enfeitados com grandes rosários (formados por alhos-porros, conchinhas pintadas de purpurina, raminhos de *alfádega e manjerico), previamente passados sob o andor para durarem todo o ano; Nossa Senhora do Amparo de Felgar (Bragança), a 3 de Agosto, realiza-se uma procissão precedida por animais transportando oferendas de trigo e centeio (os bois transportam as sacas sobre os chifres, os muares sobre o dorso); Santo António de Touça (arredores de Freixo de Numão), a 13 de Junho, sendo bois enfeitados, colocando-se-lhes na cabeça uma veleia coberta com uma colcha, sobre a qual se colocam os sacos com as ofertas de cereais; São Sebastião da Vila de Touro (Sabugal), a 15 de Setembro; Santo Antão de Valhelhas (Guarda), na 2ª feira de Pascoela, levando a procissão carros de bois enfeitados com arcos, loureiro, alecrim e flores; São Geraldo de Midões e São Geraldo de Covas

locadas no meio das searas de trigo para estas prosperarem. Outrora, além das procissões do *Corpo de Deus, da *Visitação, do *Anjo Custódio e de Nossa Senhora do Rosário, uma das práticas religiosas mais importantes que ocorriam em Mangualde, eram as ladainhas para benzer os campos (cf. Alexandre Alves, A igreja de S. Julião de Azurara, matriz de Mangualde, Viseu, 1990). *Quinta-feira de Ascensão, *rogações. BENÇÃO DO GADO Segundo alguns autores a benção do gado filia-se nos ritos pascais mediévicos (inspirados em 1 Corínteos), segundo outros (caso de Fernando Castelo-Branco) tratar-se-ia da sobrevivência do culto de Diana. Muito comum em Portugal, em comunidades de economia pastoril, invariavelmente associada à *circum-ambulação (número impar de voltas ao adro) dos santuários ou capelas, no dia da festa do respectivo orago (sempre entidade protectora do gado): São Mamede de Janas (Sintra), a 15 de Agosto;

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BENÇÃO DO MAR E EMBARCAÇÕES (Coimbra), em domingo de Pascoela; São Jorge de Marinha das Ondas (Figueira da Foz), no domingo gordo; Santo Amaro (arredores de Leiria); São Marcos de Oleiros (Castelo Branco); Santo Antão de Teixoso (Castelo Branco), na capela de Nossa Senhora do Carmo; Senhora de Pergulho (Castelo Branco), na festa de São Marcos, no dia 25 de Abril; Santa Susana (Caldas da Rainha), em Agosto; São Silvestre de Covão da Carvalha (Porto de Mós), 31 de Dezembro; Santo Antão de Moledo (Lourinhã), a 17 de Janeiro, sendo as promessas pagas pela protecção dispensada ao gado, com chouriços, toucinhos e ex-votos com o feitio dos animais, posteriormente leiloados; Nossa Senhora do Castelo de Coruche (Santarém), a 15 de Agosto, levando o gado os chifres guarnecidos de flores e chocalhos; São Silvestre do Canal (Santarém), a 31 de Dezembro; Santa Brígida (Lumiar, Lisboa), a 2 de Fevereiro (extinta), à direita da entrada da igreja dois homens recebiam esmola em trigo ou em dinheiro e vendiam registos, milagres de cera, bois, peitos e muito pavio de cera amarelo às braçadas para ser enrolado nos chifres dos bois, onde é deixado até se estragar (crê-se que livra o gado de moléstias, olhados e desastres); São Marcos (Santo António das Areias, Marvão), a 25 de Abril, sendo costume fazer entrar na igreja um boi oferecido por um lavrador, o qual é bento pelo padre que se encontra à porta; São Marcos (Póvoa e Meadas, Castelo de Vide), a 25 de Abril, idêntica à de Santo António das Areias; Boizinho de São Marcos (Alter do Chão), a 25 de Abril, sendo um novilho obrigado a entrar na igreja por quatro Empresadores (irmãos de São Marcos, previamente confessados), à voz «Entra Marcos, em louvor do Senhor São Marcos!»; São Luís da Aldeia da Conceição (Faro), no primeiro domingo de Setembro, circumambulando as pessoas que fizeram promessas bolos com o formato de animais; etc. Vide A Caça, v. 5, p. 50. BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Benção dos gados, Pavia: [s.n., D.L. 1960] [BN: SC 20315 P]; ARAÚJO, José Rosa, Romarias da Beira-Lima, in Mensário das Casas do Povo, n. 143 (Abr. 1958), p. 15; CASTELO-BRANCO, Fernando, Sobrevivências de cultos pagãos em Portugal, in Actas do XXVI Congresso

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Luso-Espanhol da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, Porto, 1962, p. 257-266; COELHO; Possidónio Laranjo, Terras de Odiana: subsídios para a sua História documentada, v. 1, Coimbra, 1924, p. 322-333; DIAS, Jaime Lopes, Etnografia da Beira, v. 3, Lisboa, 1955 (2ª ed.), p. 221 e v. 7, 1948, p. 132; FERREIRA, Fernando Bandeira, Nótula acerca da Ermida de S. Mamede de Janas, in Revista de Guimarães, (1962), p. 5 e 23-28; PEREIRA, Gabriel, Notícias de Carnide, in Pelos Subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, Lisboa, 1910, p. 116-117; RIBEIRO, Margarida, Bençãos de gado: subsídios para o estudo do Catolicismo Popular, in Ethnos, v. 6 (1970) [BN: SC 32720 V]; idem, Benção de gados, in Revista de Etnografia, v. 15, t. 2, n. 30 (Out. 1971), p. 333-341 [BN: SC 34344 V]; ROCHA, Alípio da, Monografia de Valhelhas, Coimbra, 1962, p. 241; RODRIGUES, A. Vasco, A festa da Senhora do Amparo em Felgar, in Mensário das Casas do Povo, n. 161 (Nov. 1959), p. 18; SARDINHA, António, O Boi de São Marcos, in De Vita et Moribus, Lisboa, 1931, p. 61-62

BENÇÃO DO MAR E EMBARCAÇÕES Em algumas comunidades marítimas (Matosinhos, Póvoa do Varzim, etc.), quando o mar está bravo, as famílias dos homens que andam na faina lançam azeite (ou uma garrafa cheia dele) à água para abrandarem a tempestade. Em certas localidades, como na Póvoa do Varzim e em Vila do Conde, quando a procissão passa junto ao mar, os andores são voltados para ele de modo que os santos (Senhora da Lapa e Senhora da Guia, respectivamente) o abençoem ou as embarcações dos pescadores (Senhor dos Navegantes, em Paço de Arcos). Noutros pontos da costa, a benção do mar (Nossa Senhora da *Boa Viagem, na Ericeira) é feita pela autoridade eclesiástica local, depois de missa com sermão alusivo. Em Lisboa, quando o mar está bravo preconiza-se dar um *nó a uma corda que se atira à água e segue a reboque do barco.

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BENTO, SÃO BIBLIOGRAFIA COELHO, António Matias, Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem em Constancia: a benção dos barcos e o abraço dos homens, Constância, Câmara Municipal, 1991 [BN: SC 65390 V]

BÊNÇÃO DO PÃO São inúmeras as fórmulas adoptadas para benzer o pão. Regista-se um responso recitado em Folgosinho, enquanto se faz uma cruz (ou três) sobre o pão já pronto para ser enfornado: «Senhor S. Bento / Te acrescente. / Senhor São João / Faça bom pão, / Nossa Senhora / Te deite a sua divina bênção». *Festa dos merendeiros. BENDITO A propósito da ponte romana de Vila Formosa (Alter do Chão), Félix Alves Pereira alude a uma cigana que, para afugentar uma *trovoada, entoava um cântico, espécie de bendito (cf. O Arqueólogo Português, v. 17, 1912, p. 214). BENTINHO O mesmo que *escapulário. É formado por duas tiras de pano ligadas por uma fita, tendo numa delas a imagem de um santo. São benzidos por pároco aprovado para o efeito e com benção especial do bispo. Na Regra da Ordem de Cristo (1605 ou 1606 ?) estipula-se «que os bentinhos se tragam de dia sob o jubão e de noite no corpo». BENTO O mesmo que *adivinhadeiro(a) e *adivinho (Beira Baixa). Distinto do *benzedor. Homem ou mulher (*benta) de virtude, cujo nascimento é predestinado, porquanto falou ou chorou (soltou vagidos) enquanto no ventre materno. A mãe não pode contar a ninguém que o ouviu chorar, pois se o fizer, o menino bento perderá a virtude. Também poderá perdê-la se for a tribunal como parte ou testemunha (Penamacor). Diz-se que os bentos têm uma cruz no céu da boca (Abade J. Tavares, Concelho de Moncorvo, 1904), sendo, outrora, temidos e muito respeitados. Tem o dom de adivinhar, ensinar remédios, fazer defumadouros e *ver em água. Pode reconhecer o seu dom ou virtude em outros. Opera curas, fazendo rezas, bençãos e mesuras

(sopra em cruz sobre as pessoas e os animais, i. e., realizando movimentos cruciformes com a cabeça). Em Alijó, os bentos e as bentas diagnosticavam cheirando um pedaço de roupa do doente que tivesse estado em contacto com a zona do corpo afectada pelo mal (cf. José Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, v. 3, p. 50). BENTO, SÃO (480-543) Festejado a 11 de Fevereiro. São Bento iniciou a sua vida espiritual como eremita numa cova nas imediações de Subíaco. Anos mais tarde tornou-se abade de um mosteiro que seguia a regra da Igreja oriental, a qual considerou demasiado suave. No ano de 528 fundou a abadia do Monte Cassino (Nápoles), que viria a tornar-se a casa mãe dos beneditinos. Atributos: mitra, báculo, livro; cálice com a serpente indiciadora do veneno que lhe administraram [Ernesto Soares: 0341 a 0368, 0371, 05629, 05647 e 05649]. Advogado contra inflamações, erisipelas, febres e doenças dos rins, invocado para cortar o *cobro. Protector contra as centopeias e as formigas (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições do povo português). Quando se pretende matar um bicho peçonhento diz-se: «São Bento te prenda». Outrora, à porta da igreja de São Bento (actual Assembleia da República), juntavam-se muitos foreiros do convento, na segunda oitava do Espírito Santo, pedindo pão em enorme algazarra (Cf. Superstições descobertas, Verdades declaradas e desenganos a toda a gente, Lisboa, 1833, fl. 113). Em Baião, é invocado contra o *mal do vento que dá nas galinhas, as quais agachando-se para pôr, «põem vento» (i. e., não põem nada). No terreiro pelo qual se acede ao santuário de São Bento da Várzea, perto de Barcelos, acha-se um nicho, no qual três personagens em tamanho natural, figuram a tentação de São Bento: o diabo mostra uma mulher ao santo em oração. Conta-se que um artesão de Barcelos, perturbado com o ruído produzido por uma motocicleta junto da sua oficina, prometeu ao diabo cem escudos e um maço de cigarros se ele o livrasse do incómodo. Logo que a promessa foi feita, o motociclista sofreu um acidente. As 523

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BENTO DA ASSUNÇÃO

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oferendas do sal (conjuntamente com os cravos e os ovos, propiciatórias da fertilidade) eram as específicas da romaria de São Bento da Porta Aberta (15 de Agosto). No concelho de Arcos de Valdevez realizam-se os cortejos dos «romeirinhos de S. Bento», para obter graças e há o costume de, durante a visita aos seus santuários, colocar o chapéu do santo para aliviar as dores de cabeça, bem como de oferecer ovos e cravos. Na freguesia de Ermelo a romaria de São Bento realizava-se entre o pôr e o nascer do sol (donde a designação de *romaria sem sol). Na vertente oriental do castro de São Bento (freguesia de São Tomé do Castelo, Vila Real), diante da capela homónima, existe um santuário ofiolátrico (*ofiolatria), constituído por dez penedos nos quais foram insculpidos nove serpentiformes e mais de uma dúzia de podomorfos, além de muitas dezenas de covinhas, às vezes ligadas por sulcos. Curiosamente, antes da cristianização do local, este foi dedicado, como se depreende de uma epígrafe formada por duas palavras gregas abreviadas (Ízidi Béltistê), a «Ísis, a mais maternal». *Cruz de São Bento, *Ísis, *Medalha de São Bento. MANUSCRITOS DA REGRA BN: alc. 14 (olim CCCXXIX [séc. XIV]); alc. 44 (olim CCCXXVIII [meados séc. XV]); alc. 73 (olim CCCXXVI [meados séc. XV]); alc. 223 (olim CCCXXXI, fl. 1-48 [séc. XVI]: cópia do alc. 73); alc. 231 (olim CCC, fl. 138-170 [séc. XV]); BPMP: 18 Azevedo, fl. 3v-49r [séc. XV (1477): trad. frei João Álvares]

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EDIÇÕES DA REGRA BURNAM, John M., An old portuguese version of the Rule of Benedict, University of Cincinatti Studies, 7, 1911 (baseada em BN: alc. 44); CALADO, Adelino de Almeida (ed. crítica), Regra do nosso Padre o muy aventurado Sam B~eeto Abade, in Obras de frei João Álvares, v. 2, Coimbra, 1959, p. 6-90 (baseada em BPMP: 18 Azevedo); FORTUNATO DE SÃO BOAVENTURA, frei (ed.), Fragmentos de uma versão antiga da Regra de São Bento, in Collecção de Inéditos Portuguezes dos séculos XIV e XV, v. 1, Coimbra, 1829, p. 243-291 (baseada em BN: alc. 14) [BN: HG 8705 V]; NETO, Serafim da Silva, Regra de São Bento: edição crítica da mais antiga versão portuguesa acompanhada de breves notas filológicas, in Revista Brasileira de Filologia, v. 5, tomo I-II (19591960), p. 21-46 (baseada em BN: alc. 14); NUNES, José Joaquim, Textos antigos portugueses – VII [Regra de São Bento], in Revista Lusitana, v. 21 (1918), p. 89-145 (baseada em BN: alc. 44) [BN: J 2497 B]; NUNES, José Joaquim, Evolução da Língua Portuguesa exemplificada em duas lições principalmente da mesma versão da Regra de S. Bento e ainda nos fragmentos da mais antiga que se conhece, in Boletim da 2ª classe da Academia das Ciências de Lisboa, v. 14 (1922), p. 222-313; v. 15 (1922), p. 224-262 e 928-978); v. 16 (1926), p. 538-637 (baseada em BN: alc. 14 e 231) BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, S. Bento no concelho de Arcos de Valdevez, in Terra de Val de Vez, n. 2 (1981), p. 52-56 [catálogo da exposição comemorativa do XV centenário de S. Bento, realizada em 1980]; ARAÚJO, José Rosa de, As Romarias sem sol, in Terra de Val de Vez, n. 7 (1984), p. 15-26; COSTA, Avelino de Jesus da, Imagens, templos e mosteiros de S. Bento na terra de Valdevez, in Terra de Val de Vez, n. 3 (1981), p. 5-41; FELGUEIRAS, Guilherme, O culto popular a S. Bento, in Boletim Cultural da Câmara de Santo Tirso, v. 4 (1956), p. 8592; GOMES, Maria Luísa de Aguiar, S. Bento na tradição oral do povo arcuense, in Terra de Val de Vez, n. 1 (1980), p. 32-78; GUÉRANGUER, Dom Prospero, Ensaio sobre a origem, significação e pribilégios da Medalha ou Cruz de S. Bento, Porto, 1875; SOBRAL, Luís de Moura, Os ciclos de São Bento e São Bernardo na capela-mor de Santa Maria de Bouro: sentido e narratividade, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 233-246; SOUSA, Gabriel de, S. Bento na história e na tradição popular, in Boletim Cultural da Câmara de Santo Tirso, v. 4 (1956), p. 239-257

BENTO DA ASSUNÇÃO Tinha 19 anos quando saíu penitenciado no *auto da fé da Inquisição de Évora, de 16 de Março de 1698, por afirmar que a Virgem o levara ao *céu e ao *inferno, bem como ter tido diversas revelações (cf. Adolfo Coelho, Crenças e costumes populares). BENTO DA PORTA ABERTA, SÃO As oferendas de sal (conjuntamente com os cravos e os ovos, propiciatórios da fertilidade) são as específicas da romaria de São Bento da Porta Aberta (15 de Agosto), cujo santuário fi-

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BENZEDOR ca situado em Paredes de Coura. A devoção teve origem na lenda da imagem do santo, que preferia ficar ao ar livre, num *carvalho, em vez de na capela que lhe destinaram. Uma das promessas mais frequentes é o *romeiro, que os enfermos prometem e trazem à romaria depois de curados, formado por nove raparigas menores de nove anos, que fazem o percurso a pé, em estilo de penitência, cantando árias religiosas, de que se destaca a seguinte: «S. Bentinho / Aqui vos trazemos / Este Romeirinho / Que vos prometemos». Chegadas ao santuário, dão três voltas à capela antes de entrar para rezar. No concelho de Arcos de Valdevez realizam-se os cortejos dos «romeirinhos de São Bento», para obter graças, persistindo ainda o costume de, durante a visita ao santuário, colocar o chapéu do santo para aliviar as dores de cabeça. BENZEDEIRO O mesmo que *benzedor. BENZEDOR Também benzedeiro(a). O mesmo que curioso(a), mestre(a), saludador e virtuoso(a). Nasceu com o dom (*condão) ou obteve-o por morte de outro possuídor dele. Afirma que o seu poder deriva de Deus. Não adivinha, apenas reza, no que se distingue do bento. Talha doenças, exorcisa demónios, trata quebrantos e esconjura tempestades recitando ensalmos, acompanhados de sinais da cruz, feitos com a mão ou galhos de ervas, muitas vezes diante de um altar com velas acesas. Frei José de Jesus Maria considera que «os benzedores coincidem com os mezinheiros [...] e são suas benzeduras supersticiosas» (Academia Singular e Universal, liv. XII, cap. VI, p. 694-695). Muitas das orações que utiliza são adaptações de outras genuínas cristãs, não intervindo a magia, mas apenas a fé em Deus, santinhos e boas almas a cujo poder atribui o seu dom (involuntário e intransmissível, salvo se proferir à hora da morte a frase «transmito-te o meu condão» para pessoa presente, a qual não pode recusá-lo). Difere por isso do bruxo e do feiticeiro, não obstante tal classificação lhe seja pe-

jorativamente aplicada. A um benzedor só lhe era permitido exercitar a sua virtude quando para isso tinha autorização real. Diversos benzedores receberam cartas régias concedendo-lhes licença para exercerem, bem assim como outros privilégios: Maria Gomes «que sabia curar com o sinal da cruz e com muitas ervas» (Chancelaria de D. Manuel, liv. 25, fl. 165v); Antónia da Mota que «curava [...] de doudice» (Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, liv. doações, n. 34, fl. 173v); Pedro Eanes que curava doenças produzidas por cães danados (obteve licença de mestre Gil, cirurgião de D. Sebastião, confirmada, em 10 de Abril de 1534, pelo cardeal D. Henrique. Cf. Vale de Moura, 2, 10, 17); António Rodrigues que curava com palavras (Registo das Patentes e Alvarás pela Contadoria Geral do Exército do Alentejo, liv. 3, fl. 101, 13 de Outubro de 1654, in Jornal de Coimbra, 45, parte I, p. 219 e Instituto, v. 10, 134, n. 3), etc. Em 1497, os benzedores de cães danados recebiam ordenado dos vereadores e procuradores dos Mesteres de Lisboa (cf. Archivo Pitoresco, v. 1, 1858, p. 343). Cf. Sá de Miranda e Invectiva crítica contra as bruxas. Na Fénix Renascida: «[...] os benzedores / Que não curam sem o sol claro» (1728, V, p. 368). Diz Carlos Galrão que «o saloio é eminentemente supersticioso e facilmente acredita em bruxas e benzedeiras» (O Concelho de Mafra, 22 Out. 1943) e de facto já as Visitações de Santo André de Mafra, de 16 de Maio de 1509, citam como benzedores o hospitaleiro e *Maria Anes do Casal Mourão, os quais o cura ficou obrigado a enviar ao visitador, para este saber «que maneira têm em seu benzer». A última benzedeira digna desse nome, que conheci no concelho de Mafra, exerceu em Ribamar (Santo Isidoro). Segundo Camilo, o ofício de benzedeira consiste em deitar cartas, adivinhar pela peneira, recitar a oração de S. Marcos para prender uma pessoa (A Filha do Arcedíago, cap. 3). O Título IV do Quinto Livro das Ordenações Filpinas trata «Dos que benzem cães ou bichos sem autoridade do rei, ou dos Prelados». *Homem de Alcariais, *Mami. 525

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BENZEDURA BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Feira dos tempos – XV – Benzedores de cães danados, in Feira da Ladra, v. 2 (1930), p. 123; AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e feiticeiros do tempo d’ el rei D. Manuel (séculos XV-XVI), in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4 (1894-1895), p. 329-347; idem, Superstições portuguesas no século XV, in Revista Lusitana, v. 4 (1895-1896), p. 197-215, 315-324; idem, Costumes do tempo de el rei Dom Manuel, in Revista Lusitana, v. 4 (1895-1896), p. 5-12; idem, Superstições portuguesas no séc. XVI, in Revista Lusitana, v. 5 (1897), p. 121, 198-207, 261-270; v. 6 (1900-1901), p. 211-225; CORREIA, Alberto, Etnografia da Beira Alta: nótulas referentes ao concelho de Sernancelhe, in Beira Alta, v. 31, n. 3 (1972), p. 333-366; FERREIRA, Manuela, Um aspecto marginal da cultura popular: as Benzeduras, in Actas do Congresso Internacional para a investigação e defesa do património (Alcobaça, 1978), Alcobaça, 1979, p. 432-447; OLIVEIRA, Manuel Ramos de, Superstições, in Beira Alta, v. 19, n. (1960), p. 65-83; RODRIGUES, Maria Adelaide, Bençãos e orações populares, in Brigantia, v. 14, n. 1-2 (1994), p. 132; TUDELLA, Pedro de Sousa, Crendices e bruxedos, in Beira Alta, v. 25, n. 3 (1966), p. 429431; VIEIRA, José Augusto, Literatura popular em terras de Vila Real, in Cadernos Culturais da Câmara Municipal de Vila Real, n. 3 (1987), p. 7-80

BENZEDURA O mesmo que *oração, *ensalmo ou *esconjuro.

BENZILHÃO O mesmo que curandeiro (Tomar), ou bento. Tiram os males, fazem remédios, filtros amorosos, etc. A correspondente feminina chama-se *benzilhona, sendo creditada com a capacidade de benzer doentes, prática que adquiriu com outra ou outras benzilhonas. Em Tolosa diz-se que chamando-se Maria é melhor. BENZILHONA Correspondente feminina do *benzilhão. BERÇO *Abulida, *baloiçante. BERILO Do grego, beryllos, qualquer pedra preciosa de cor verde. Também *pedra de fumo. Denominação alternativa para a *esmeralda. Paracelso afirma que se trata de um espelho ou cristal mágico onde as manifestações da Aura astral podem ser observadas pelos clarividentes. A expressão arte berílistica é sinónima de *cristalomancia e de *ver em água. Do berilo foram realizados os vidros dos primeiros óculos (séc. XIII), aos quais Bernardo de Gordon chamava, em 1305, oculus berillinus. *Aarão. BERLENGUEIRO Vento das Berlengas.

???????????????????????????????????????????????????????????????????? ?????????????? BIBLIOGRAFIA ROQUE, Joaquim, Rezas e benzeduras populares (Etnografia alentejana), Beja, 1946

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BERMUDES, FÉLIX (1874-5.1.1960) Insigne poeta, prosador e comediógrafo, deixou o seu nome ligado ao teatro de comédia e à Revista. São crismadas de magistrais as suas traduções do poema If de Rudyard Kipling e dos Versos Dourados de Pitágoras. Em 1925, foi Vice-Presidente da 1ª direcção da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses (actual Sociedade Portuguesa de Autores) e seu Presidente no período compreendido entre 1928 e 1960. Desportista emérito, praticou futebol, atletismo, ténis, ciclismo, tiro, esgrima, hipismo e natação no Sport Lisboa e Benfica, clube a cujos destinos havia de presidir em 19161917, 1930-1931 e 1945, tornando-se um dos seus símbolos. Foi campeão mundial de tiro. Presidente da Société Internationale des Gens de

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BERNARDES, PADRE MANUEL

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Lettres. Secretário Geral da Sociedade Teosófica de Portugal, na qual ingressara, em 1924, tendo realizado a sua 1ª conferência na Festa do Lótus Branco nesse mesmo ano. Director da Revista Ísis desde 1 de Março de 1928 e Presidente do Ramo Koot-Hoomi, fundado em finais da década de 1930. OBRA ESPIRITUALISTA MAIS RELEVANTE Auxílio Psíquico, in Ísis, v. 3 , n. 10 (1924), p. 333-335; Evolução, Livre Arbítrio e Karma, in Ísis, v. 4, n. 5 (1925), p. 126-129; Voar, in Ísis, v. 4, n. 10 (1925), p. 295-297; A Voz do Silêncio (Meditação), in Ísis, v. 7 (1928), p. 15; A Alma Errante: síntese teosófica, in Ísis, v. 7 (1928), p. 88-92; Os meus irmãos comunistas, Lisboa, 1949 [BN: L 59102 P]; O Homem condenado a ser Deus, Lisboa, 1952; [BN: L 40359 P]; A arte reflexo de Deus, Lisboa, 1958 [BN: BA 2978 P]; Buda instruindo os discípulos: estudo da filosofia do Senhor da Compaixão, Lisboa, 1959; La conquête de l’Éternel, Paris, 1959; A Conquista do Eterno, Rio de Janeiro, 1974 BIBLIOGRAFIA AAVV, Homenagem do Ramo Annie Besant ao seu antigo presidente Félix Bermudes no ano do seu centenário, Lisboa, 1975; TRINDADE, António / CUSTÓDIO, António (coord.), Félix Bermudes: escritor teatral, 1874-1960, Lisboa, 1995

BERMUDES, PEDRO *Saludador quinhentista, natural de Oviedo, residente em Cuba (Alentejo). Curava doenças com «ervas e unguentos», segundo métodos que

havia aprendido nos hospitais de Roma, Valência e Saragoça. Segundo o processo do *Santo Ofício, «mandava os diabos» que lhe serviam para «adivinhar muitas coisas secretas e interiores» [ANTT: Inq. Évora, proc. 11149, fl. 5]. Adivinhava pela observação da mão as idades, trabalhos e a castidade de cada um: «[...] pelos riscos da mão adivinhava os trabalhos e enfermidades que haviam de ter e por umas três cruzes no dedo anelar da parte de dentro entendia ser casto». Também era capaz de saber se uma mulher estava grávida e qual o sexo da criança: «as mulheres prenhes pela experiência de lhe ter os olhos húmidos e outros sinais que para isso tinha e entendia se era macho se fêmea na barriga, sendo de fêmea ser pontiaguda e pequena a barriga e nas águas em assentarem no fundo a prenhês e não serem tão fortes como as dos machos e as dos machos conhecia por ser a barriga mais larga e não ser pontiaguda e as águas são mais fortes e estão mais encarnadas e tem a prenhês em cima». Conseguia ver «pelo sol as águas dentro da terra e dentro em uma pessoa tudo o que tem de bexiga para cima pelas águas que ali estão e daí para baixo não se vê nada [...]». Porém, a partir de 1758, as suas capacidades terão ficado afectadas em virtude de uma estocada sofrida na batalha de Alcácer Quibir e mal curada: «depois que veio de África porque pela ferida que tem na cabeça ficou mal tratado e não pode sofrer olhar para o sol das onze horas por diante não vê já como dantes». Asseverava que Dom Sebastião se salvara com vida da batalha dos Três Reis. BERNARDES, PADRE MANUEL *Exercícios espirituais. BERNARDINO DE SIENA, SÃO Franciscano. Um dos principais reformadores da sua Ordem. Amiúde, a sua iconografia, que o figura em idade madura e mortificado pela disciplina severa que se auto-impôs, mostra as três mitras que recusou por amor da pobreza e da humildade e um livro, eventualmente, a Regra primitiva de S. Francisco, cuja observância fez retomar. Outro atributo, que ostenta na 527

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BERNARDINO DE SIENA, SÃO

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mão direita, é um sol radiante no qual se inscreve o monograma IHS, identificativo da devoção ao nome de Jesus por ele instituída. BERNARDO, SÃO (1090-1153) Reformador da Ordem de Cluny e fundador do mosteiro de Claraval, festejado a 20 de Agosto. O seu empenho garantiu o sucesso da implantação da devoção a *Maria, andando associado a São Bernardo o episódio mais célebre da Lenda Dourada: a *Lactação da Virgem. Canonizado em 1178. A sua pessoa é invocada pela generalidade dos investigadores, decerto inspirados nos cronistas alcobacenses, quando pretendem explicar a constituição de Portugal como estado independente. Para o efeito, citam-se algumas cartas deste abade de Claraval, hoje tidas por apócrifas (julgou-se verdadeira a n. 308, mas mesmo essa é uma falsificação), divulgadas por Frei Bernardo de Brito (cf. Migne, Patrologia, n. 308, 463 e 470). De todas, a mais relevante é, efectivamente, uma alegadamente remetida ao próprio D. Afonso Henriques, a propósito da vitória de Ourique e da fundação do mosteiro de Alcobaça (cf. Ailbe J. Luddy, Life and Teachings of Saint Bernard, Dublin, 1937, p. 553-554): «Os muros de Jericó ruíram, a grande Babilónia caíu. O Senhor destruíu os redutos dos seus inimigos e exaltou a corneta do seu povo. Eu tive conhecimento do sucesso mesmo antes da ocorrência através do Espírito Santo que sopra onde quer, sem ruído de palavras. Para obter este triunfo para V. Ma528

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jestade nós humilhámos nossas almas em trabalhos de penitência, e enquanto os vossos soldados estavam combatendo o inimigo, meus irmãos e eu, prostrados em oração ante Deus, suplicámos-lhe que sustentasse vossa força e coragem. É uma grande alegria saber que o meu estado pecaminoso não foi entrave para o vosso sucesso. Eu sabia, antes mesmo que chegasse o vosso mensageiro, do voto piedoso feito por V. Majestade de fundar uma abadia cisterciense. Assim, envio-lhe alguns dos meus filhos espirituais aos quais eduquei em Jesus Cristo e que recorrendo ao cuidado de V. Majestade eles vos fornecerão os meios de realizar o vosso santo desejo. Eles fundarão um mosteiro que, enquanto continuar na posse total de suas propriedades [e rendas] trará ao vosso reino glória inigualável. Mas se alguma vez os seus rendimentos forem divididos o vosso reino vos será retirado». Locução: Pelo S. Bernardo seca-se a palha pelo pé. OBRA Contemplação das sete horas canónicas [ANTT: Livraria n. 2274 (olim alc. CCLXVI), fl. 97-111 (séc. XV)] ed. MA-

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BERRÃO CHADO, José Pedro, Contemplaçom que fez o santo Sam Bernardo segundo as seis oras canonicas do dia, in Boletim de Filologia, tomo 6 (1940), p. 97-157 [BN: CG 4145 V]; Meditações [BN: alc. 211 (olim CCXLIV), fl. 73-90v (séc. XV)] ed. MARTINS, Mário, A Biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de livros espirituais: 3º - O Tratado das Meditações e pensamentos do pseudo-Bernardo, in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 266-272 BIBLIOGRAFIA AAVV, Arte sacra nos antigos coutos de Alcobaça, Lisboa, 1995, p. 169-199; BARBARICA, frei Francisco, Espelho Monástico e Catholico, que em discursos moraes, e predicais sobre os dictames, que para a vida religiosa, e perfeita escreveu o Mellifluo Dr. S. Bernardo no seu tratado do modo de bem viver, Lisboa, 1751; BORGES, Nelson Correia, O programa iconográfico do coro do Mosteiro de Lorvão, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 253-290; COCHERIL, D. Maur, Saint Bernard et le Portugal: a propos d’une lettre apocryphe, in Revue d’Histoire Ecclésiastique (1959), p. 426-477; idem, Études sur le Monachisme [...], p. 269-272; idem, Routier des abbayes cisterciennes du Portugal, Paris, 1978, p. 324-325; GUILLAUME DE SAINT-THIERRY, Vida de São Bernardo (séc. XV) [BN: cod. alc. CCXCI / 200]; MARTINS, Mário, A Biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de livros espirituais: 5. Vida de S. Bernardo e Espelho de Monges, in Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956, p. 275-278; MONTEIRO, Manuel, Prodígios de S. Bernardo em azulejos, in Portugália, v. 2, n. 2 (1906), p. 272-274; PAIS, Alexandre Nobre / PEREIRA, João Castel-Branco, Iconografia de São Bernardo na azulejaria portuguesa do século XVIII, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 225-232; SHARPE, Lawrence A., The Old portuguese Vida de Sam Bernardo: edited from Alcobaça manuscript CCXCI-200 [...], Chapel Hill, University of North Carolina, 1971 [BN: RE 5676 V]; SOBRAL, Luís de Moura, Os ciclos de São Bento e São Bernardo na capela-mor de Santa Maria de Bouro: sentido e narratividade, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 233-246

BERNARDO DE SÃO JOSÉ, FREI Religioso franciscano do convento de São Francisco, em Lisboa. Em 1761, foi denunciado ao *Santo Ofício [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 8619], em virtude de, enquanto director e padre espiritual de religiosas e beatas leigas da Ordem Terceira, incentivar as visões e revelações das suas confessadas: sorores Maria Inácia de São Miguel e Maria Joaquina (convento de Santa Ana), Soror Luísa do Monte Carmelo (convento de Santa Clara da Guarda), Francisca de Jesus Baraduque (beata terceira de S. Francisco), etc. Passou a escrito a Exemplarissima e prodigiosa vida da veneravel serva de Deus Francisca de Jesus Ba-

raduque com muitas revelações, visões e incomparáveis favores de Deus. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Lúcio de, A Evolução do Sebastianismo, Lisboa, 1947, p. 169-176

BERRÃO Escultura zoomórfica figurando javalis ou javardos. Também *verrasco. Do latim verres, porco (Leite de Vasconcelos, in Revista Lusitana, v. 2, p. 116). Nome ainda hoje atribuído pelos transmontanos ao *porco não castrado, designadamente a um que é comunitário e serve para a fecundação. Não existe nenhum outro animal tão representado na imaginária proto-histórica peninsular. Mais de uma centena de esculturas zoomórficas, em granito, foram encontradas no nordeste do território nacional (Trás-os-Montes e Beira Alta), bem como nas regiões espanholas contíguas (Províncias de Ávila, Salamanca, Cáceres, Toledo, Zamora, Segóvia e Burgos), mas também no Minho e até em Sagres (Algarve). Em suma, principalmente distribuídas pelo território outrora ocupado por Vettones (Astures – Lusitanos e Carpetanos) e em menor grau pelos Vacceos e Tur-

Bragança: porca da vila ou porca do pelourinho.

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BERRÃO

Planta do monumento onde foi encontrado o berrão de Picote.

módigos. Embora, na sua maior parte, se trate de porcos, também se crê que algumas esculturas possam representar porcas: a berroa de Tor-

re de Dona Chama e a do pelourinho de Bragança, por exemplo. No entanto, a única que não oferece qualquer dúvida quanto ao género é a berroazinha de Açoreira, porquanto ostenta a vulva exageradamente assinalada. Discute-se ainda qual a sua função, visto que só três berrões foram, supostamente, detectados in situ: Picota (Trás-os-Montes), no centro da câmara de um monumento de falsa cúpula; Paderne (Minho), reduzido à cabeça; Corunha. As hipóteses mais divulgadas apresentam os berrões como: A. Marcos de domínio tribal; B. Representações tutelares de carácter zoolátrico, mágico ou apotropaico, encarregadas da protecção e multiplicação do gado; C. Indícios de culto fálico (esculturas votivas de pequenas dimensões, ex-voto/consecratio); D. Monumentos funerários (alguns ostentam inscrições funerárias latinas, em que ocorrem antropónimos e gentílicos tipicamente hispanos) dos séc. I a III d. C. (reutilizadas?), tendo-se verificado a ocorrência de esculturas em conexão com cistas de incineração de origem nitidamente indígena (colocadas sobre sepulturas, com função de estelas?); E. Ex-votos a divindade(s) astral, ctónica e funerária (Endovélico?) que os latinos identificaram com Marte/Mercúrio. Alguns verracos ostentam fossettes, além de sinais cruciformes, com evidente significado cultual

Guia AÇOREIRA (Moncorvo): berroinha; ALGOSINHO (Mogadouro); ALMOFALA (Figueira de Castelo Rodrigo): dois berrões; BRAGANÇA: porca da vila tb. denominada porca do pelourinho; CABANAS DE BAIXO (Cabeça Boa, Moncorvo): sete berrões; CABEÇO DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO (Vilas Boas, Vila Flor); CASTELO MENDO (Almeida, Guarda): dois berrões; COELHOSO (Bragança): adro da igreja; COURACEIRA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): sete fragmentos, dois berrões mutilados e dois focinhos; DUAS IGREJAS (Miranda do Douro): eventual berrão; FAÍLDE (Bragança); FORNOS (Freixo-de-Espada-à-Cinta): porco de granito denominado a «mulher de pedra»; LINHARES (Carrazeda de Ansiães): porco da Fonte, em mármore (desaparecido); MAIROS (Chaves): dois berrões; MAZOUCO (Freixo-de-Espada-à-Cinta); MONTE DO CASTELAR (Picote, Miranda do Douro): fragmento; MONTE DE SANTA LUZIA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): quinze berrões; MURÇA (Vila Real): berrão monumentalizado; PADERNE (Melgaço); PARADA DE INFANÇÕES (Bragança): adro da igreja: PAREDES DA BEIRA (S. João da Pesqueira); PICÃO DA RAPOSA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): dois fragmentos; PICOTE (Miranda do Douro): berrão achado no interior de uma câmara do tipo tholos, em 1952; QUINTA DA RIBEIRA (Tralhariz, Carrazeda de Ansiães); SABROSO (Guimarães): cabeça e focinho; TORRE DE D. CHAMA (Mirandela): berrão junto ao pelourinho; VILA DE SINOS (Mogadouro): grande berrão e berrãozinho

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BESANTES (caça ao javali = montaria). Outros apresentam o Dorsuale com que se adornavam os animais conduzidos ao sacrifício. Segundo Camón Aznar, o porco era um animal destinado pelos celtas a sacrifícios telúricos, cujo sangue era derramado como ex-voto de molde a propiciar a presença e a assistência das divindades ctónicas junto dos castros. Em 1975, Santos Júnior registou a existência de 53 berrões, 49 dos quais achados em Trás-os-Montes e na Beira transmontana, quase todos de granito, à excepção da chamada berroinha da Açoreira (Moncorvo), de talco, e do porco da Fonte de Linhares (Carrazeda de Ansiães), desaparecido, que era de mármore. O número de achados tem vindo a aumentar: 62 no ano de 1981. BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Rogério, O porco na Etnografia ibérica (Subsídios), in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 19, n. 1 (1963), p. 80-87; idem, O porco na zoolatria ibérica, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 24, n. 2 (1982), p. 321-329; BRASIL, Jaime, Extensão do culto do porco e sua imaginária, in Etnografia Portuguesa, v. 2, p. 1516; idem, A existência de berrões ao sul do Douro, ibidem, p. 16-18; FERREIRA, A. C. / FERREIRA, M. C. F. C., O porco de pedra de Paredes da Beira: berrão proto-histórico, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 23, n. 2-3 (Porto, 1978), p. 340-345; LOPEZ MONTEAGUDO, G., Extension de los verracos y características de su cultura, Universidade Complutense de Madrid, 1976 [tese de doutoramento]; idem, Las Esculturas zoomorfas «celticas» de la Peninsula Iberica y sus paralelos Polacos, in Archivo Español de Arqueologia, v. 55, n. 145-146 (1982), p. 3-25; idem, Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica, Madrid, 1989; MORAN BARDON, Cesar, Toros y verracos de la Edad del Hierro, in Archivo Español de Arqueologia, v. 15, n. 48 (1942); RODRIGUES, Adriano Vasco, O culto da ganadaria a sul do Douro português, in Revista de Guimarães, v. 68, n. 3-4 (Jul.Dez. 1958), p. 393-396; SANTOS JÚNIOR, Joaquim Rodrigues dos, Sobrevivência folclórica dos berrões da Vilariça, in Actas do Congresso do Mundo Português, t. 2, v. 18 (1940), p. 368-371; idem, «Berrõezinhos» do Castro de Santa Luzia (Freixo de Espada-à-Cinta), in A Pedro Bosch-Gimpera en el septuagésimo aniversario de su nacimiento, México, 1963, p. 395-402; idem, A cultura dos Berrões do nordeste de Portugal, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 22, n. 4 (1975), p. 353s.; idem, Conferência: a cultura dos berrões proto-históricos do Nordeste de Portugal, in Revista de Guimarães, v. 85 (Jan.-Dez. 1975), p. 127-132; idem, Berrões proto-históricos no Nordeste de Portugal, Lisboa, 1975; idem, Mais três berrões proto-históricos de Freixo de Espada-à-Cinta, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 24, n. 1 (1981), p. 101-159; idem, Notável berrão proto-histórico aparecido algures na Galiza, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 24, n. 1 (1981), p. 159-164; VASCONCELOS, José Leite de, A «Porca» de Murça, in O Arqueólogo Português, v. 2 (1896), p. 284

BERTÍLIA, SANTA Advogada contra a papeira, dores de garganta, inchaços, hérnias de crianças, doenças de cavalos, tempestades e raios. Festejada a 3 de Janeiro. BERTOEJA Herpes. Irritação da pele que provoca muita comichão. O mesmo que *bretoeja. A *louva-a-Deus cura a bertoeja (cf. Armando Leão, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 7, n. 4, p. 252). Em Santa Marinha, para o seu tratamento, utiliza-se uma pia de porcos, passando o doente sobre ela três vezes, dizendo: «Assim como porco e porca comem aqui / Assim bretoeja tu fiques aí!» (cf. Carlos Valle, Superstições do Povo (Medicina Mágica), in Actas do Congresso Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso). Em Alvações do Corgo (Santa Marta de Penaguião), o rito é mais elaborado: o padecente é levado nú para junto de uma pia de porco e porca pequeninos, varrendo-se, com uma vassoura nova de matapulga (erva), as cabeças dos leitões, da frente para trás, e a do doente de cima até aos pés, enquanto se diz: «Bertoeja, vai-te daqui / Que porco e poça vão atrás de ti». Em Óbidos, quem contrai a doença, se é homem, veste uma camisa quente de mulher, se é mulher, uma camisa quente de homem. Noutros locais, preconiza-se que o doente se deite em miúdos de porco (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições do Povo Português). *Bicho. BES Génio benfazejo. O MNA possui algumas estatuetas de Bes, *amuleto egípcio extremamente popular e divulgado na Época Baixa ou período ptolomaico (séc. VII-III a. C.). Desnudado, pernas arqueadas, umbigo bem marcado, mãos nas coxas, longa cauda pendente e falo testiculado, Bes exibe penacho sobre a cabeça e o típico esgar facial que o caracteriza. BESANTES Autores há que interpretam os besantes de prata das armas nacionais como espressão da rei531

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BESENCLA ostensivamente para os cinco escudetes a significação das cinco chagas antes atribuídas aos cinco besantes de cada escudete, consoante uma tradição reiteradamente iconografada a partir dos inícios de quinhentos (roteiro, n. 37, 38 e 45). *Armas nacionais, *quinas. BESENCLA Divindade indígena atestada por uma inscrição encontrada em Canas de Senhorim (Nelas). João L. Inês Vaz vê no «radical do nome desta divindade a origem do nome da cidade principal da região, Viseu». BIBLIOGRAFIA VAZ, João L. Inês, A pervivência da teonímia indígena na toponimia actual da região de Viseu, in Actas do I Colóquio Arqueológico de Viseu, p. 328

Brasão com 17 escudetes

vindicação por parte de Afonso Henriques do direito de cunhar moeda após ter adoptado o título de rei. Duarte Galvão explica que os 221 (i. e., 17 x 13) besantes primitivos das armas nacionais foram diminuindo progressivamente, porquanto «os Reis de Portugal […], vendo que não podiam meter tantos dinheiros em pequenos Escudos de Armas puseram em cada um dos cinco Escudos cinco dinheiros em aspa». Seja como for, só em finais do século XIV (Dobra gentil de D. Fernando) seriam definitivamente fixados em cinco os besantes dos escudetes das armas nacionais: dispostos em cruz (grega) e em aspa ou sautor (cruz de Santo André), mais frequentemente. Para Damião de Góis os besantes figuram as chagas de Cristo. Para a contagem dos besantes as fontes propõem dois métodos: A. Contam-se os besantes de cada fiada de escudetes, incluindo duas vezes o do meio para obter os trinta dinheiros (Crónica de 1419, Duarte Galvão, Cristóvão Rodrigues Acenheiro, Camões, André de Resende, etc.); B. Somam-se os cinco besantes de cada escudete, adicionando-se também os cinco escudetes para obter os trinta dinheiros (Vasco Fernandes de Lucena, Damião de Góis, Frei Simão Coelho, Frei Paulo da Cruz, Fernando de Oliveira, etc.). D. Jerónimo Osório (roteiro, n. 67) transfere 532

BESOURO Na Madeira, um besouro é mau *agouro. Entrar besouro louro em casa é prenúncio de abundância, porém se for preto augura desgraça, segundo uns, ou visita inoportuna, segundo outros (Alvações do Corgo). Locução: Besouro loiro é agouro e se for preto traz oiro. Denominação do *demónio familiar de *Maria Antónia (*bruxa de Válega), conforme a sentença que o *Santo Ofício lhe cominou. Uma tradição exumada por Pedro de Azevedo de um documento da Chancelaria de Dom Manuel, aponta o *ichacorvo como a origem provável de onde «descendem os besouros» (cf. Costumes do tempo de el rei D. Manuel, in Revista Lusitânia, v. 4, 1896, p. 5-12). BESTA Um dos temas que gozou de maior fortuna iconográfica na arte ocidental foi o da Besta, comparável teratologicamente ao *dragão e à hidra (por sua natureza ferozes, selvagens, bestiais e desprovidos de alma ou anima e, portanto, alheios ao reino animal), apesar de ser difícil a sua perfeita caracterização face às ambiguidades do texto do discípulo amado. As três citações que lhe são dedicadas (XIII, 1, 11 e 18 e XVII, 3) parecem indiciar a existência de duas Bestas e não apenas de uma: a terrestre (da 1ª e 3ª visões) e a marinha (da 2ª visão), da qual se

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BESTA

A Besta = 666, na Bíblia O número 666, valor guemátrico do termo apousia (= ausência do Espírito Santo) e antónimo de cobertura para a cabeça (= mitra, em Ezequiel, XXI, 25-27) e vinda de Cristo (cujo valor guemátrico, em ambos os casos, é 2015), ocorre na Bíblia em três circunstâncias distintas, aludindo: 1. Ao número de talentos que Salomão recebia anualmente da Rainha de Sabá (1 Reis, X, 14): «E era o peso do ouro que se trazia a Salomão a cada ano seiscentos e sessenta e seis talentos [...]»; 2. Ao número dos filhos de Adonicam repatriados do cativeiro babilónico (Esdras, II, 13): «Filhos de Adonicam: seiscentos e sessenta e seis»; 3. Ao número da Besta que «subiu da terra» (Apocalipse, XIII, 11-18): «E vi subir da terra outra Besta, e tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro, e falava como o dragão. E exercia todo o poder da primeira Besta na sua presença e fez que a terra e os que nela habitam adorem a primeira Besta, cuja chaga mortal fora curada. E fez grandes prodígios de maneira que até fogo do céu fez descer à terra, à vista dos homens. E engana os que habitam na terra com prodígios que lhe foi permitido que fizesse em presença da Besta, dizendo aos que habitam na terra que fizessem uma imagem à Besta que recebera a ferida da espada e vivia. Foi-lhe concedido que desse espírito à imagem da Besta, para que também a imagem da Besta falasse e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da Besta. E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita ou nas suas testas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da Besta, porque é o número de um homem, e o seu número é: seiscentos e sessenta e seis.» Por seu turno a expressão O Sinal da Besta, Charagma [Khar’-ag-mah (derivado do verbo charasso = gravar)] (antítese do Crisma ou Baptismo da Face, marca do Espírito Santo e da sua presença), selo, sinal, distinto de stigma [estigma, incisão], do verbo stizo = estigmatizar, incidir (Gálatas, VI, 17), ocorre sete vezes no Apocalipse: XIII, 16-17: «E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita ou nas suas testas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome». XIV, 9: «E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: «Se alguém adorar a besta e a sua imagem, e receber o seu sinal na sua testa ou na sua mão, [...]». XV, 2: «E vi um como mar de vidro misturado com fogo e também os que saíram vitoriosos da Besta e da sua imagem e do seu sinal e do número do seu nome, que estavam junto ao mar de vidro, e tinham as harpas de Deus». XX, 4: «E vi tronos e assentaram-se sobre eles e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados em virtude do testemunho de Jesus e da palavra de Deus e que não adoraram a Besta, nem a sua imagem e não receberam o sinal nas suas testas nem nas suas mãos; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos». XVI, 2: «E foi o primeiro e derramou a sua taça sobre a terra e fez-se uma chaga má e maligna nos homens que tinham o sinal da besta e que adoravam a sua imagem». XIX, 20: «E a besta foi presa e com ela o falso profeta que diante dela fizera os prodígios, com que enganou os que receberam o sinal da besta e adoram a sua imagem. Estes dois foram lançados vivos no ardente lago de fogo e de enxofre». XIV, 11: «E o fumo do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso, nem de dia nem de noite, os que adoram a Besta e a sua imagem e aquele que receber o sinal do seu nome».

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Em três casos distintos há menção na Bíblia de uma marca aposta em alguém, sempre literal e visível: Ezequiel, IX, 4 e 6: «Deus disse-lhe: ‘Vai pela cidade, atravessa Jerusalém e faz uma marca na fronte dos homens que gemem e se lamentam por causa das abominações que nela praticam. [...]. Velhos, jovens, virgens, meninos e mulheres, matai-os a todos e exterminai toda a gente; mas não toqueis naqueles que foram marcados na fronte’. [...]». Apocalipse, IX, 1-4: «E o quinto anjo tocou a sua trombeta e vi uma estrela que do céu caíu na terra e foi-lhe dada a chave do poço do abismo. E abriu o poço do abismo e subiu fumo do poço, como o fumo de uma grande fornalha e com o fumo do poço escureceu-se o sol e o ar. E do forno vieram gafanhotos sobre a terra; e foi-lhe dado poder, como o poder que têm os escorpiões da terra. E foi-lhes dito que não fizessem dano à erva da terra, nem a verdura alguma, nem a árvore alguma, mas somente aos homens que não têm nas suas testas o sinal de Deus». Apocalipse, XIII, 16-17: «E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita ou nas suas testas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome».

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O Evangelista João redige o Apocalipse, vendo-se a Besta a pairar sobre ele.

Pasquim anti-napoleónico.

não conhece a aparência mas se diz que possuía dois cornos e rugia como um dragão, encontrando-se ao serviço da outra. No Apocalipse de Lorvão a besta tem corpo de leopardo, patas de urso e fauces de leão (com sete cabeças e apenas sete chifres de carneiro) e patas de ave de rapina (fl. 158r-161r). A arte mediévica (fruto do terror perante a invasão mongol) e a francoalemã do renascimento foram obcecadas pela Besta (o que também se comprova pelas gravu-

ras de Durer, datadas de 1495 a 1500) (Apocalipsus cum figuris, Nuremberga, 1511). Referida na lírica trovadoresca e no Cancioneiro de Garcia de Resende. O facto de o texto bíblico referir que o número da Besta «é o número de um homem» [o homem foi criado no sexto dia], originou a atribuição dele a personalidades muito diversas, preferencialmente chefes militares e estadistas. Contudo, nem a instituição pontifícia seria poupada, porquanto o no-

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BESTIÁRIO me da Besta não é aplicável apenas a uma pessoa específica, podendo constituir também um título. António Vieira, rejeita a hermeneutica católica, a qual interpreta a Besta como o *Anticristo, preferindo identificá-la com Maometis = Islão (cf. Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício, v. 2, p. 14-15, 256 e 261). No século XIX, foi Napoleão o candidato mais popular, na centúria seguinte seria Hitler o designado. *Aleister Crowley, por exemplo, auto-intitulou-se A Besta (Master Therion). Vide o conto O Dragão das sete cabeças (in Actas do Congresso de Etnografia de Santo Tirso, v. 6, Lisboa, 1965, p. 221-225). Iconografia: capela mor da *igreja de Terena; *Casas Pintadas (Évora); igreja de S. João da Pena (Lisboa); propaganda anti-napoleónica; etc. *Bicha das sete cabeças, 666 (*Seiscentos e sessenta e seis). BESTA LADRADOR Na Demanda do Graal portuguesa há uma demanda paralela da besta ladrador por parte de alguns cavaleiros, designadamente Ivã, o Bastardo, e mais tarde, Palamedes. Ocorre ao longo de 83 capítulos e institui-se como uma busca de aniquilação das instâncias infernais incarnadas na monstruosidade da besta. Trata-se de um animal monstruoso, gerado e protegido pelo próprio *diabo e descrito como um «homem mais negro que o pez, e seus olhos vermelhos como as brasas», possuindo também uma «voz muito espantosa, tanto que era maravilha». Ao ressurgir do lago faz ouvir os gritos e latidos pelos quais ficou designada: besta ladrador[a]. BIBLIOGRAFIA CHAMBEL, Pedro Alexandre de Sacadura, A simbologia dos animais n’A demanda do Santo Graal, Lisboa, 1997 (tese mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN: HG 43848 V]

BESTIÁRIO Bestiários são colectâneas de descrições breves de toda a sorte de animais, reais (natura) ou fantásticos (mirabilia), algumas vezes ilustradas e acompanhadas por uma glosa moralizante. Apesar de lidarem com o mundo natural, os bestiários jamais intentaram constituir-se como textos científicos, não devendo ser tidos por tal. De facto, a hermenêutica medieval, justapondo

natura, símbolo e alegoria, identifica nos animais (e nas mirabilia) e respectivos comportamentos exemplos (exempla) úteis para a classificação ética dos tipos humanos. O primeiro bestiário digno desse título denomina-se Physiologus. Redigido em grego (séc. IV), provavelmente em Alexandria, tornar-se-ia a fonte primordial dos bestiários medievais que fazem a sua aparição durante o século XII. Além das suas traduções latinas não são conhecidos os estádios intermédios entre os manuscritos sobreviventes do Physiologus (séc. X e XI) e os bestiários medievais, os quais integram imensas fontes adicionais, tais como Aristóteles (Historia Animalium), Plínio (Historia Natural), Solino (Liber Memorabilium), Santo Ambrósio (Hexaemeron), Rábano Mauro (De Universo), Isidoro de Sevilha (Etimologiae), Hugo de Foliet (Aviarium ou *Livro das Aves), Bernardo Silvestre (Megacosmos), Bartolomeu Anglicus (De Proprietatibus Rerum), etc. *Criptozoologia, *emblemática, *fabulário, *herbário, *hieróglifo, *lapidário, *Livro das Aves, *teratologia. BIBLIOGRAFIA ALEXANDRINO, António, Animais fugindo à morte, in Tradição, v. 2 (1900), p. 107-109 [contos da tradição oral de Brinches]; ANÓNIMO, A lenda cómica e fantástica do Diabo, in Ilustração Portuguesa, n. 50 (4 Fev. 1907); APARÍCIO, João Paulo / PELÚCIA, Paula, O animal e a Literatura de Viagens: bestiários, in Condicionantes culturais da Literatura de Viagens, Lisboa, Edições Cosmos, 1999, p. 217-233; AZEVEDO, Pedro de, Uma versão Portuguesa da História Natural das Aves do século XIV, in Revista Lusitana, v. 25 (1925), p. 128-147; BASTOS, José Gabriel Pereira, A Mulher, o Leite e a Cobra: ensaio de antropologia pós-racionalista, Lisboa, Edições Rolim, 1988; BLANC DE PORTUGAL, José, A Propósito de Música e Caça, in Panorama, s. 4, n. 20 (Dez. 1966), p. 50-54; CAEIRO, Francisco da Gama, Natureza e símbolo em Santo António de Lisboa, in Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, v. 8 (1965); CASTRO, José Acácio, Serpens Aeneus: para um estudo da simbólica natureza em Santo António de Lisboa, Porto, 1989 [tese de mestrado em Filosofia Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto) [BN L. 42777 V]; CIRURGIÃO, António, O animal como símbolo, metáfora e símile no «D. Jaime» de Tomás Ribeiro, in Arq. Centro Cultural Português, v. 15 (Paris, 1980), p. 235-245 [BN: L 28685 V]; CHAMBEL, Pedro Alexandre de Sacadura, A simbologia dos animais n’A demanda do Santo Graal, Lisboa, 1997 (tese mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN: HG 43848 V]; COELHO, Joaquim Francisco, Pessoa - viagem ao bestiário de Alvaro de Campos, in Jornal de Letras, v. 5, n. 185 (21-27 Jan. 1986), p. 8-9; COMISSÃO ORGANIZADORA DO MUSEU DE CERÂMICA DAS CALDAS DA RAINHA, O animal na louça das Caldas, Caldas da Rai-

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BÉTILO nha, 1981; CORREA, A. A. Mendes, La Zoogéographie des Lusiades, in Actas do XII Congrès International de Zoologie (Lisboa, 1935), Lisboa, 1937; CORREIA, Virgílio Hipólito, Notas sobre torêutica orientalizante em Portugal, in O Arqueólogo Português, s. 4, n. 8-10 (1990-1992), p. 247-258; COSTA, Carreiro da, Os animais nalgumas superstições populares micaelenses, in Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n. 18 (1953), p. 119-124; n. 21 (1955), p. 165-168; n. 22, p. 165-170; n. 23 (1956), p. 159-163; CRESPO, Firmino / FRADE, Fernando, Anotações e Comentários sobre o Livro das Aves, in Geographica, v. 3, n. 9 (1967), p. 20-39; CRUZ, António, O Livro das Aves: um códice ignorado idêntico ao de Lorvão, in Revista de Ciências Históricas, v. 1 (1986), p. 161-174 + fac-símile; FARO, Jorge, Um calígrafo do século XVII, in Panorama, s. 3, n. 7 (Set. 1957); FERRÃO, Cristina Maria Gomes, A simbólica dos animais no romance de Apuleio, Coimbra, 1996 (tese mestrado Univ. Coimbra) [BN: L 54415 V]; FERREIRA, J. Betencourt, Os animais nas tapeçarias, in Diónysos, s. 3, n. 4-6 (Mai. 1927), p. 236-246; FERREIRA, Maria João, Gárgulas: levantamento em Tomar, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, n. 19 (Out. 1993), p. 61-78; FERREIRA, Octávio da Veiga, O estudo da Fauna Quaternária pelas pinturas, gravuras rupestres e escultura, in Actas das I Jornadas Arqueológicas, 1970; FERRONHA, António Luís / BETTENCOURT, Mariana / LOUREIRO, Rui, A Fauna Exótica dos Descobrimentos, Mafra, 1993; FINAZZI-AGRÒ, E., Bestiários, in Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, p. 83-85; GANDRA, Manuel J., Imagens e funções arcaicas do Eterno Feminino no Aro de Mafra, in O Eterno Feminino no Aro de Mafra, Mafra, 1994, p. 7-28; idem, Bestiário simbólico e de virtude da tradição portuguesa, in Newsletter do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica, n. 8 (21 Jun. 2002), idem, Bestiários, in Newsletter do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica, n. 9 (23 Jun. 2002); GONÇALVES, Flávio, Os Animais do Presépio, in Diário do Norte (Porto, 26 Dez. 1957) e in História de Arte: iconografia e crítica, Lisboa, Imprensa Nacional, 1990, p. 13-16; GONÇALVES, Isabel, Subsídios para o estudo iconográfico animal dos códices medievais alcobacenses, in Actas do Congresso Internacional para a investigação e defesa do património (Alcobaça, 1978), p. 369-380; GONÇALVES, Maria Isabel Rebelo, Imagens e símbolos animais na poesia greco-latina, Lisboa, 1983, 2 vols. (tese doutoramento Univ. Lisboa); idem, Livro das Aves, in Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, p. 404-405; GUINCHO, Maria dos Anjos Brandão Maurício, Aspecto da recepção de Ovídio na época medieval, Lisboa, 1991 (tese mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN: L 46831 V]; HATHERLY, Ana, Satanás (não português) de Revisita, in Diário Lisboa (Supl. Literário n. 80, 18 Set. 1969); JALHAY, Eugénio, Un umbral de puerta zoomorfico de la Citania de Sanfins, in Crónica del IV Congreso Arqueológico del Sudeste Español (Elche, 1948), Cartagena, 1949, p. 300-302; JUNQUEIRO, Arronches, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tradição, v. 2 (1900), p. 175; LOPES, Esmeralda, O bestiário na poesia de Alexandre O’Neill, Lisboa, 1997 (tese mestrado Literatura Portuguesa, Univ. de Lisboa); LOPES, Isabel Maria dos Anjos, A simbologia da natureza e do animal na prosa de Wolfgang Borchert, Lisboa, 1996 (tese de mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN: L 55109 V]; LOPEZ MONTEAGUDO, G., Esculturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica, Madrid, 1989;

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MAÇÃS, Delmira, Os Animais na Linguagem portuguesa, Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1951; idem, Os Animais na fraseologia Portuguesa e Brasileira, in Rev. Portuguesa de Filologia, v. 15, t. 1 e 2 (Coimbra, 1969), p. 165-176; MARKL, Dagoberto, O julgamento das Almas do Museu de Arte Antiga, in Prelo, n. 1 (Out.-Dez. 1983), p. 85-104; idem, Introdução ao estudo do Inferno do Museu Nacional de Arte Antiga, in Boletim Cultural da Póvoa de Varzim, v. 26, n. 2 (1989), p. 541-561; idem, O Tríptico das Tentações de Santo Antão de Jerónimo Bosch: um ensaio de interpretação iconológica, in Ocidente, nova série, v. 84 (Mai. 1973), p. 329-356; MARQUES, Maria Graciana, Representações de animais nas moedas com inscrições pré-latinas, cunhadas na Península Ibérica, e seu significado, in Numismática, n. 47 (Nov.-Dez. 1987); MARTINEZ PEREIRO, Carlos Paulo, Natura das animalhas: bestiário medieval da lírica profana galego-portuguesa, Vigo, Edicións a Nosa Terra, 1996; MARTINS, António Coimbra (introd.), As Fábulas de La Fontaine de São Vicente de Fora – Les Fables de La Fontaine du monastère de Saint-Vincent à Lisbonne, Lisboa, Gótica-Chandeigne, 2001; MARTINS, Mário, Os Bestiários na nossa literatura medieval, in Brotéria, v. 52, n. 5 (1951), p. 547-560; idem, O Livro das Aves, in Brotéria, v. 77, n. 5 (1963), p. 413-416; idem, Simbologia das Aves e outros animais, in Alegorias, Símbolos e Exemplos Morais da Literatura Medieval Portuguesa, Lisboa, Brotéria, 1975, p. 31-36; MOURÃO-FERREIRA, David, Breve Antologia da Caça na Poesia Portuguesa, in Panorama, s. 4, n. 20 (Dez. 1966), p. 61-83; OSORIO, Baltasar, A Fauna dos Lusíadas, in Jornal das Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, s. 2, t. 7, n. 27 (Lisboa, 1906), p. 175-208; P., R., Contos populares de animais, in Portugália, v. 2 (1908), p. 660 [três contos populares]; PEREIRA, Luciano José dos Santos Baptista, Os bestiários franceses do século XII: revelações do inefável, Lisboa, 1991 (tese mestrado Univ. Nova de Lisboa) [BN: L 46713 V]; PIÇARRA, Ladislau, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tradição, v. 2 (1900), p. 158-159; REGO, José Teixeira, Os animais agradecidos nos contos populares e o dilúvio, in Revista de Estudos Históricos, v. 1 (1924), p. 8-23 [trata da versão russa do conto Emiliano Parvo, analisando os elementos que o compõem]; RIBEIRO, Emanuel, O Cadeirado da Sé do Funchal, in Portucale, v. 3, n. 17 (1930); RIBEIRO, Margarida, A montaria na Escultura Tumular: subsídios para o estudo do baixo-relevo historiado, in Panorama, s. 4, n. 20 (Dez. 1966), p. 29-40; SOUSA, Elísio de, Crendices populares sobre animais, in Douro Litoral, s. 4, v. 9 (Porto, 1952), p. 34-36; TRINDADE, Manuel, Breves Notas sobre os Bestiários Medievais, in Bol. Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 2, n. 59-60 (1963), p. 167-177; VASCONCELOS, J. Leite de, Animais com luzes nos galhos, in Revista Lusitana, v, 14 (1911), p. 227-237; idem, Vozes de animais e relações fónicas do homem com eles, in Portucale, v. 7 (1934), p. 3-11; VILHENA, Maria da Conceição, Bestiário nemesiano, in Arquipélago (Línguas e Literaturas), v. 10 (Ponta Delgada, 1988), p. 233-247

BÉTILO Também aerólito. Os bétilos de calcário, cilíndricos, rombóides, hiperbolóides, troncocónicos, fálicos, etc., são figurações da Grande-deusa calcolítica. *Astarte, *Baal, *ídolo-

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BEZOAR -cilindro. Vide Vasconcelos, Religiões da Lusitânia, v. 2, p. 203.

BEZAR O mesmo que *bazar e *bezoar.

BEXIGA Contra a retenção da urina, é receitada, na Madeira, uma infusão de uma colher das de sopa de linhaça (Linum uzitatissimum) que deve ferver em meio litro de água e ser bebida depois de fria. Outras receitas: chá de folhas de espinheiro (Lycium europeum); infusão de hipericão (Hipericum perforatum ou Hipericum humifusum); infusão das folhas e das flores da artemisia (Chrysanthemum parthenium) ou do pedúnculo da cereja (Prunus avium), das folhas e raízes de morangueiro (Fragaria vesca), das folhas de pessegueiro inglês (Lippia citriodora) e da sempre-noiva (Polygonum tuberosum); também comer agrião (Nasturtium officinale), raízes de aipo (Apium graveolens), alho (Allium sativum) ou pipinelas (Sechium edule) cozidas.

BEZERRINHA O *Santo Ofício registou diversas denúncias de testemunhas que referiram ter visto, em distintas circunstâncias uma «bezerrinha de prata» ou «uma toura muito formosa», algumas vezes associada pelos informadores a práticas judaizantes dos seus possuidores. Seria esta bezerrinha, que se tornou indício de judaísmo, uma forma metonímica de referir a Tora, i. e., a Lei mosaica?

BEXIGAS Na Madeira, é a designação para a varíola. Tratam-se esfregando o corpo do doente com sumo de limão (citrus limonium). Em Alenquer, chama-se madre das bexigas ao sinal maior, e tem-se *São Roque por advogado delas. Quadra (Mexilhoeira Grande, Portimão): «Tu cuidas que eu por ti morro, / Por ti estrago os meus sapatos: / Tu tens cara de faneca, / Toda ratada dos ratos».

BEZERRO Pelo *São Marcos, um bezerro é levado pelos mordomos à igreja de Alter do Chão, vindo o pároco recebê-lo à porta com o hissope, dizendo: «Entra Marcos! Entra Marcos!» (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições do povo português, p. 178). Nos Açores ainda se celebra pelo Pentecostes a festa do bezerro (cf. Revista Lusitana, v. 23, p. 86 e Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal, p. 214): coberto de fitas, com uma rosa de papel entre os chocalhos, é levado em cortejo, acompanhado por música e foguetório, até à porta do *imperador, onde é obrigado a ajoelhar. Depois será abatido para as suas carnes serem consumidas durante o bodo. BEZOAR O mesmo que *bezar ou *bezoar.

BEXIGAS DE CARNEIRO *Gafeira ou *morrinha.

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ÍNDICE ALÉM, VIAGENS DA ALMA E ROSTOS DA MORTE Absolvição Acalanto Afogamento Agasalhador Além 1 Alimentar as almas Alma Alma-gémea Alma no seio de Deus Alma-par Alma do outro mundo Alma pégã Alma penada Almas do Purgatório Almeida, José António Alves de Alminhas Amenta Amentar as almas Amortalhado 3 Andador de almas Andar às vozes Aniversário de defunto Anjinho Anjo da morte Anreade Antar os mortos Aparição Arejo Arrepio Ars moriendi Assombração Assombrar Astral Atar as cardas Aumentar as almas Balborinho Barborinho Beber o morto AMULETOS E TALISMÃS Abracadabra Abraxas Abrenunciar Agnus-Dei 2 Aladel, Padre Albano Albornocas Amêndoa de trovão Amuleto Anel Anel de fava Anel da má dor Anel da unha da grã besta Anel de aço Anel de alquique Anel de corvina Apertador Apotropaico Argola Armação de carneiro

Armamento Arrelica2 Arrelique Arrelíquia Balança Bentinho ANIMISMO E SUPERSTIÇÃO Abano Abraço Abreu, Lopo Gomes de Abusão Achado Agouro 1 Água corredia Água do mar Amante Ameixa Andadura Animismo Antropofagia Assobio Avessas Azar Aziago Belmiro Transtagano ARQUEOLOGIA MISTERIOSA A Coisa Abelhoa Abolida Abrigo rupestre Abulida Açafate 1 Acústica Água de purificação Alabarda Alapraia Alcalar Aldeia Nova Alinhamento Almendres Alprajares Alquerque Alqueva Alvão, serra do Ancoriforme Anta Antanhol Antão Antela Antelas Antinha Antropomorfo Antuã Arada, serra da Arado Arca Arca cinerária Arcainha Arcal

Arcanha Arcela Arcelas Arcelo Arcelos Arestal, serra do Armas (arte rupestre) Arqueoastronomia Arte rupestreArquinha Arquinha da Moura Assares Astrolatria Atlântida Avarenta Azevedo Báculo 1 Bafometo Baldoeiro Baloiçante Baphomet Barco Barreira Bem-guiados Berço Bétilo

Aper Arvela Arvéola Asno Áspide Atum Auroque Ave Ave-bruxa Ave do diabo Ave do paraíso Aves, Livro das Avestruz Avigoiro Azémola Bácoro Baleia Barata Basilisco Batráquio Berrão Besouro Bestiário Bezerro BÍBLIA E APÓCRIFOS

ARQUITECTURA, GEOMETRIA E ARITMOSOFIA Abóbada Ad quadratum Agrimensura Alcobaça, mosteiro de Algarismo Arco triunfal Aritmosofia Arquiteto 1 Arquitectura Arquivolta Baixa pombalina Baldaquino Basílica Batalha, mosteiro da BESTIÁRIO E FABULÁRIO Abada Abelha Abelheirosa Abetarda 1 e 2 Abutre Águia Águia bicéfala Alicante Alicórnio Alma de mestre Almíscar Alvela Alvéola Andorinha Anel do diabo Anfisbena Animal

Aarão Abdias 1 e 2 Abraão Adão e Eva Adonai Agar Aliança 1 Almeida. João Ferreira A. de Anátema Apocalipse Apócrifo Apríngio pacense Arca da aliança Arca de Noé BOTÂNICA SIMBÓLICA Abeto Abóbora Abrótano Abrótega Absíntio Acácia Açaflor Açafrão Acanto Acónito Açucena Agrião Agrimónia Aipo Álamo Alcachofra Alecrim Alface Alfádega Alfarrobeira

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ÍNDICE Alfavaca de cobra Alfazema Alho Alho-porro Almeirão Aloés Amendoeira Amendoim Amieiro Amor perfeito Amora Amoreira Amoricos Aneto Angélica Anis Anis estrelado Aroeira Arroz Arruda Artemisia Árvore Árvore seca Árvore triste Árvore da Vida Aveia Aveleira Avenca Azeitona Azevinho Azinheira Banana Barba de milho Barbasco Batata Beladona ENTIDADES SOBRENATURAIS E MÍTICAS Abentesma Abezu Abezua improlada Abrantil Abrantino Abrego Abujão Adegas de Évora Aeroforma Africo Aganão Aguião Alamão Alamoa Alcaçarenho Alcaçarense Alcantaré Alcantarenho Alcantaril Alcantarilho Alcantario Alcaparra Alcobês Alcoucês Alcovês Algovês

Alimpa gata Alma da Raça Almajona Almazona Alpabarda Alpardo Amazona Anainho Anaio Anão Ao sopé Aquilão Aragem Arco da aliança Arco-íris Arco da velha Arimaspes Armajona Arouca Arouquês Arrebol Assombramento Ataburrar Atmosfera Atravessado Aurora Aurora boreal Auster Austro Avejão Aventesma Aventisma Ayre de Riba Babau Bafagem Bafugem Barbeiro Bareiro Barranquenho Basto Beijo da leoa Belborinho Bem fadada Berlengueiro EPIFANIAS MARIANAS E INVOCAÇÕES DE JESUS A-Branca Abadia Abelheira Aboboris Açor Aflitos 1, 2 e 3 Agonia 1 e 2 Agonizantes Águas Aires Ajuda Alagada Alagoa Alegria Além Alívio Almas Almodena Almortão

Altos Céus Alumieira Ameixoeira Amoras Amortalhado Amparo Anamão Anjos Aparecida Aparição mariana Ara Coeli Arceles Areias Arquitecto 2 Assedace Assunção Atalaia Auxiliadora Aviso Balsamão Bálsamo na mão

Alataba Albaninha Alberto Caeiro Alcunha Além-Deus Alfaiate Althotas Altina Álvaro de Campos Amadis de Gaula Amadis de Grécia Anedota Anexim Apodo Apotegma Arcalaus Arlança Arremedo Artur Auto Bela e o Monstro Besta ladrador

EXTÁTICOS, ALUMBRADOS E FALSOS BEATOS GEOGRAFIA SAGRADA E LUGARES MÁGICOS Abreu, Brites Catarina de Agostinho da Cruz, Frei A-ver-o-Mar Agostinho de Santa Maria, Frei Abade Pierre de Saint Juste Alexandre de Múrcia, Frei Abássia Alexandrina de Balazar Abiegno Alongamento Abismo Alumbrado Abissínia Ambiveri, Padre Alberto Maria Abitureiras Amor divino Aboboreira, serra da Ana da Conceição Açores Ana de Jesus Maria Adro Ana de São Joaquim, Sóror Afortunadas Anacoreta Águas Santas Analgésia Albion Andrade, Susana de Alcácer Quibir Antónia, Francisca Alcântara António dos Prazeres, Frei Alenquer Antunes, Maria 3 Alfaiates Arcângela do Sacramento Almourol Arrebatamento Alto de Carocedo Baptista do Céu, Sóror Álvares, Padre Francisco Baraduque, Beata Francisca de Aquaxumo Jesus Arcádia Beata Arga, serra de Beata da Arrifana Arrábida, serra da Beata de Baucende Astralédia Beata de Celas Avalon Beata de Évora Azinhaga da bruxa Beata de Óbidos Azóia Beata de Santa Isabel Belas Bernardes, Padre Manuel Bernardo de São José, Frei HAGIOGRAFIA (santos, mártires e santões) GÉNEROS E PERSONAGENS LITERÁRIAS Abdão, Santo Acácio, Santo Abraão Cofem Acário, Santo Abracadabro Adalberto, Santo Adágio Adão, Santo Adivinha Adelredo, Santo Adriano, Públio Élio Adosinda, Santa Aforismo Adriano, Santo

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ÍNDICE Adrião, Santo Afonso Maria de Ligório, Santo Afra, Santo Ágape, Santo Ágata, Santa Ágia, Santa Aginha, Santo Agnes, Santa Agostinha, Santa Agostinho, Santo Águeda, Santa Alberto de Jerusalém, Santo Alberto Magno, Santo Alcastor, Santo Alderedo, Santo Aleixo, Santo Alexandre, Santo Amador, Santo Amaro, Santo Ambrósio, Santo Ana, Santa Anárgiro Anastácia, Santa Anastácio, Santo André, Santo André Avelino, Santo Ângela de Foligno, Santa Ângelo, Santo Anónima, Santa Anonimata, Santa Antão, Santo Antidio, Santo Antonina, Santa Antonina de Seia, Santa Antonino, Santo António de Lisboa, Santo António de Noto, Santo Apolinária, Santa Apolinário, Santo Apolónia, Santa Artémio, Santo Asinha, Santo Atanásio, Santo Augusto, Santo Áurea, Santa Auta, Santa Baco, São Baldomero, São Baltasar, São Barão, São Bárbara, Santa Barlaão e Josafá Barnabé, São Bartolomeu, São Bartolomeu dos Mártires, Dom Frei Basiliza, Santa Bebiana, Santa Bento, São Bento da porta aberta, São Bernardino de Siena, São Bernardo, São Bertília, Santa HEREGES E HERESIAS Abexim

Abraham, Mar Abreu, Gonçalo de Abreu, José Manuel de Acege Adeodato, Frei Adopcionismo Afonso, Diogo Albigense Arianismo Bento da Assunção HERMETISMO E GNOSE Abade de Faria Abraham Abravanel, Jehuda Ácido Ácido marinho Ácido nitroso Ácido vitriólico Adam-Kadmon Adepto Adurente Adustação Agla Agripa, Cornélio Água Régia Água seca Aguardente Aires, Matias Alambique Alcali Álcool Alexandria Alfonso, Rei de Portugal Alma do Mundo Almanaque Almeida, Dom Lopo de Almeida, Frei Roque de Alquimia Alquimista Aludel Alvaiade Amaral, Nicolau Coelho do Andrógino Antimónio Aragão, António Pereira Ferrea Araújo, João Barbosa de Araújo, Mascarenhas Lhau Argiropeia Arqueu Arrais, Duarte Madeira Ars Generalis Arte da Memória Árvore da Cabala Ascensão Astrologia Azougue HETERODOXOS, VISIONÁRIOS E INCONFORMADOS Aerostatação Afinidade Afonso Henriques, Dom Afonso dos Prazeres, Frei

Afonso V, Dom Agnosticismo Agostin, Don Aguiar, Frei Francisco de Aguiar, Joaquim António de Albuquerque, Afonso de Albuquerque, Artur de Allan Kardec Almada, José Lopes Baptista de Almeida, Vigildo Peres de Alquime Alquimiar Alucinação Alucinogénio Álvares do Oriente, Fernão Andrada, Miguel Leitão de Andrade, Padre António de Aportação Aquecer a mesa Aranha, Lázaro Araújo, Padre Joaquim de Arquimia Arquimista Asporte Assoprador Ateísmo Auto-sugestão Automatismo Autómato Autoscopia Bamba, rei HIERARQUIAS CELESTIAL E INFERNAL Abadon Abigor Abominação da desolação Adramelech Adversário Advogado Agouro 2 Aguares Alcifer Alcifré Alcipré Alocer Aloger Amduscias Amon Andras Anhaga Anhanguera Anica Anjo Anjo custódio Anjo custódio de Portugal Anjo da guarda Anticristo Apolion Aquiel Arcanjo Asmodeu Astaroth Atridor Amperos Azael

Azagel Azazel Azeiteiro Azongo Barachiel Barrabás Barrabás e Caifás Barreto vermelho Barros, Salvador José de Barzabúm Belial Belzebu Besta ICONOGRAFIA E IMAGINÁRIA RELIGIOSA Adeus de Jesus à Virgem Adoração dos Magos Adoração dos Pastores Afonso, Jorge Agnus-Dei 1 Aia Amêndoa mística Anunciação a Maria Anunciação a Zacarias Anunciação aos Pastores Aparição de Cristo a Maria Madalena Aparição de Cristo à Virgem Apostolado Apresentação da Virgem no Templo Apresentação de Jesus no Templo Árvore de Jessé Árvore de martírio Árvore do paraíso Ascensão de Cristo Aura Auréola Baptismo de Jesus ISLÂMICA Abu’Abdallah Muhammad ibne Qasi Abu’Imram ibne ‘Imrane alMartuli Abu Já’far al-Oriani Al-Dajjal Al-Imam Al-Mahdi Alá Alberto, António Alcorão Aleydequibir Alguacia Aljamia Aljofor Almançor Almóadas Almorávidas JUDAICA Aani Abafação

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ÍNDICE Abafador Acabadeira Adafina Adacladonai Afogador Alabança Alheira Alma-Grande Almocavar Almocovar Álvares, Violante Amesterdão Anusim Arrabi Arrabi-mor Azaroth Ben-Rosh Bezerrinha LAPIDÁRIO SIMBÓLICO Aço Aerólito Ágata Água marinha Alabastro Alambre Alectória Âmbar Ametista Arenata Argueira Argueireira Auricalco Azeviche Bazar Bezar Bezoar MAGOS, FEITICEIROS, BRUXOS E RESPECTIVAS OPERAÇÕES Abdul de Nazarino Abracadabrancia Abracadabrante Abracadabresco Abracadábrico Abracadabrista Abreu, Pedro Gonçalves de Adjuração Adoração da estrela formosa Afilhado da ponte Afonso, Gonçalo Afonso, Leonor Afonso, Mécia Afonso, Pedro Afonso, Santos Água de cu lavado Água de lava-rabos Aguiar, Antónia de Agulha Alcoviteira Alfinete Alforria Aljubarrota Almanaque da bruxa da Arruda

Almeida, Ana de Almeida, André de Almeida, Damião de Álvares, Ana Álvares, Catarina Álvares, Isabel Álvares, Margarida Amadio Amarela, Catarina Amarração Amarrar Amavia Amentador Amentar o cão do gado Ana do Moinho Andrade, Joana Andrade, Patrício Andreza, Maria Anes, Branca 1 e 2 Anes, Isabel Anes, Maria 2 Anes, Pero 2 Antónia, Ana Antónia, Joana Antónia, Maria 1 e 2 Antunes, Ana Antunes, Maria 1 e 2 Anuçar Ânus Ara Areia Argadilho Armar o vulto Arroto Arte mágica Assembleia Atar Aumentador Avesso Azevedo, Luísa de Baba Babado Baptista, Josefa Baraço de enforcado Barão de Catânia Barba-azul Barbosa, Agostinha Barbosa, Francisco Barreto, Catarina Barros, Isabel de Barros, Leonor de Beleza, Maria Manuel Bênção da maldita Bendito MEDICINA MÁGICA Abcesso Aberto Aborto Abreu, Augusto Cesário de Vasconcelos Abreu, Brás Luís de Acidente Ácido úrico Afito Aflito

Afonso, Catarina Afonso, Domingas Afonso, Manuel 2 Afonso, Maria Afonso, Marta Afrodisíaco Afta Água de borragem Água dizimada Água ferrada Água de flor Água de funcho Água de Inglaterra Água mineral Água de pastinaca aquática Água de rabaças Água santa Água de Santa Ana Água de São João Aguado Aguamento Agulha de albardar Albininho da Póvoa Aleitar Algebrista Almucega Alporcas Aluado Alva, José da Amamentar Amato Lusitano Ambrósia Amêndoa Amenorreia Analgésico Andaço Andar Andar de desejos Anel das almas Anemia Anes, Constança Anes, Maria 1 Anes, Pêro Angaranho Angarilho Anginas Anorexia Anqueilhado Antraz Anzar Apendicite Apoplexia Apoquentação Ar 2 Ar de bicho Ar mudo Ar ruim Arcabuzado Arejada Argueiro Arujo Arujeiro Asma Assadura Assis de Faro Astroso Augamento

Azagre Azague Azevedo, Frei Manuel de Azia Baço virado Banho Banho de cheiro Banho de mar Banho da meia-noite Banho das nove ondas Banho santo Banho do diabo Barbeiro-cirurgião Barbosa, Antónia dos Santos Barbosa, Gregório Barro Belchior Belida Benzedeiro Benzedor Benzilhão Benzilhona Bermudes, Pedro Bertoeja Bexiga Bexigas Bexigas de carneiro ORDENS, SOCIEDADES E MOVIMENTOS Abade Abóbada de aço Abomináveis Academia Academia esotérica Academia Portuguesa de Ilusionismo Aceite Adoniramita, rito Adopção, rito de Ala dos Namorados Aleister Crowley Almas do Corpo Santo Alphun Sair Alta-Venda Andrade, Gomes Freire de Antroposofismo Antunes, João Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz Aprendiz Bálsamo, José Beires, José Manuel Sarmento de Bênção da barba Bermudes, Félix PRÁTICAS MÂNTICAS E ORACULARES Abreu, Helena de Actinomancia Acultomancia Adivinhação Adivinhadeiro Adivinhador Adivinhança

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ÍNDICE Adivinhante Adivinhão Adivinho Adivinhoa Aeromancia Afonso Afonso, Manuel 1 Agoureiro Albano Ulisiponense Alectriomancia Aleuromancia Alfitomancia Alomancia Àlvares, Domingos Amniomancia Anagramatismo Andrade, Cruz Anemomancia Ângelo Musca António, Manuel Antropomancia Apantomancia Ariolo Ariolomancia Aristodemo Aritmomancia Armomancia Arremedas Arremedilha Arremedilhos Arremessas Arremesso Arte notória Arte de São Jorge Artes divinatórias Arúspice Astragalomancia Astrólogo Astrosia Áugure Augúrio Auspício Bento

Ajoelhar Aldeia do Mato Aleluias Algorovão Alguerévão Alimento Almocreves, festa dos Alvíssaras Amiais de Baixo Amortalhado 2 Andor Anjinho de promessa Ano Ano bissexto Ano bom Ano novo Ano velho Antepassado Aparício Armador de igreja Arrelica 1 Arremedar o Entrudo Artes marciais Árvore de Maio Árvore de Natal Árvore de Vera Cruz Aspergillum Aspersão Assuada Avental de costas Azeite Banquete Banquete fúnebre Baptizado da meia-noite Barca Beijo Bela Cruz, dia da Beltaine Bênção Bênção das cearas e campos Bênção do gado Bênção do mar e embarcações Bênção do pão

RITOS E FESTIVAIS

SÍMBOLOS, ALEGORIAS, EMBLEMAS E ESCRITAS

Abadengo Abadessado Abiul Ablução Aboiar Abominação Abrantes Abred Abril Abstinência Abuzinar Açafate 2 Acúbito Adiafa Adoração Adufe Advento Afaúlar Afoular Ágape Agosto

A Abc Acção virtuosa Acróstico Afabilidade África Água Alcalá y Herrera, Alonso de Alciato, André Alegoria Alfa-Omega Alfabeto Aliança 2 Amarelo América Amor da Pátria Amor da Virtude Ampulheta Anagrama Analogia

Âncora Anel de casamento Anúncio Bom Apalpar Ar 1 Archote Aristóteles Asa Ásia Atadura Azul Barba SÍMBOLOS DA LITURGIA E DO PODER Abato Abside Acólito Água benta Água lustral Aleluia Altar Altar-mor Alva Âmbula Ámen Amicto Anel pontifical Ano litúrgico Apoteose Armas nacionais Ave Marias Báculo 2 Bandeira republicana Baptismo Besantes TEOGONIA E MITOLOGIA PRÉ-CRISTÃS Abidis Abna Abricus Acteão Adamastor Adónis Aerno Afrodite Albocelus Alcides Alcione Alcmena Alfeo Ameipicer Amor 2 Anão de Ptah Andrómeda Anfitrite Anhanga Antiscreus Apeles Apolo Arâncio Aratibrus Arbariaicus Arco

Ares lusitano Aretusa Argonautas Argos Arion Artemisa Arus Asclépius Assaecus Astarte Ataégina Atalanta 1 e 2 Atena Atis Átropos Aturrus Auge Baal Bacante Baco Bandus Bes Besencla TEOLOGIA, DOGMA, APOLOGÉTICA E CENSURA Abjurar Aboim, Diogo Guerreiro Camacho de Adjuração 1 Admoestação Adultério Advogado do diabo Afogueado Afonso de Villegas Aires, Padre Francisco Alcaide do santo Ofício Almeida, Frei Domingos de Angelus Aretinus Apologética anti-judaica Apostasiar Apóstata Apóstolo Arrenegar Auto-da-fé Azpilcueta Navarro, Martinho de

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