(Portuguese) O papiro Ebers e o ‘Tratado dos Tumores’ e os casos encontrados em restos humanos do antigo Egipto

June 30, 2017 | Autor: Paula Veiga | Categoria: Egyptology, Paleopathology
Share Embed


Descrição do Produto

O papiro Ebers e o ‘Tratado dos Tumores’ e os casos encontrados em restos humanos do antigo Egipto

Paula Veiga

Ebers, colunas 83-85, Uni-Bibliothek, Leipzig

O precursor da oncologia e doenças infecciosas : O Tratado dos Tumores do Papiro Ebers: 857-877 Proveniência, descrição e edições do Papiro Ebers O Papiro Ebers e os elementos patogénicos Tumores dos tecidos moles Uma breve nota sobre o cancro da mama A fito-farmacopeia prescrita no Tratado dos Tumores Relação entre a schistosomíase, o cancro da bexiga e o cancro hepático – paralelo com o Egipto actual Gráficos do cancro no Egipto actual Evidência material encontrada em restos humanos do antigo Egipto que revelam presença de tumores

Carcinoma da nasofaringe, Nubia Collection, KNH Center, Manchester Majno, 1975

Proveniência, descrição e edições do Papiro Ebers Descoberto por George Ebers (1837-1898), e alegadamente encontrado juntamente com outro papiro conhecido como Edwin Smith, entre as pernas de uma múmia, num túmulo tebano. Datado de aprox. 1534 a. C., está hoje na University Library, em Leipzig Os seus textos incluem: encantamentos mágicos prescrições para patologias digestivas, parasitas intestinais, enxaquecas e peturbações do tracto urinário, tratamentos para tosse e cuidados capilares, queimaduras, patologias das extremidades, língua, dentes, condições ginecológicas, cuidados dermatológicos, patologias do ânus, um breve tratado sobre o coração, e uma última secção sobre tumores (o que se pensa serem cuidados oncológicos) .

Ebers

Hugh E. Mulcahy, John Hyland, Diarmuid P. O'Donoghue, From dinosaurs to DNA: a history of colorectal cancer, International Journal of Colorectal Disease, 18,3,Maio 2003

Edwin Smith

O Papiro Ebers e os elementos patogénicos

Os metu podem ser interpretados como veículos do tracto respiratório, canais lacrimais, glandulares e do esperma, ligamentos e substâncias que fluem neles, como o sangue, senef, e a urina, weseshet . • • • • •

São assimilados como representativos dos afluentes do Nilo e convergem para o ânus. Se obstruídos, dão lugar a patologias de todo o tipo, por vezes com sintomas reconhecíveis tais como as obstruções. As substâncias consideradas malévolas – wxdw - eram as transportadoras de doenças, transmissoras da dor e das patologias. Os wxdw eram originados por um tipo de processo pútrido no intestino e estas substâncias circulavam por todo o corpo enquanto em descanso. A sua remoção era vital, e portanto os antigos Egípcios levavam a cabo purgas diárias de modo a manter os seus corpos puros e limpos de substâncias peturbadoras e infecções de todo o tipo.



O Papiro Ebers tem uma série de prescrições que se pensam serem os restos de um “tratado de tumores”, que trata do que parece ter consistido um grupo de varias perturbações: massas gangliónicas benignas, polipos, quistos sebáceos, veias varicosas e aneurismas.



Num caso estudado por Ruffer, apenas os restos da aorta e seus ramos restam para estudo por patologistas de hoje. A aterosclerose estava presente no antigo Egipto. Ruffer descreve lesões arteriais nos restos da aorta e artérias periféricas, confirmando isto. (Imagem: Ruffer, arteria femoral calcificada) Artérias pélvica e da coxa completamente calcificadas

Secção duma artéria peroneal completamente calcificada (van Gieson ) * restos do endothelium e membrana; † calcificações

Ruffer MA. On arterial lesions found in Egyptian mummies. J Pathol Bacteriol 1911; 15: 453-462

Tumores dos tecidos moles Na literatura da antiguidade: tumor=inchaço=bolha=abcesso=ovo=neoplasma

Ortner, Donald J., Aufderheide, Arthur C. , ed. , Human Paleopathology, Current Syntheses and Future Options, a symposium held at the International Congress of Anthropological and Etnological Sciences, Zagreb, Yugoslavia, 24-31 July 1988

Uma vez que o legado dos corpos do antigo Egipto consiste em: mumificado e esqueletizado, a análise de tecidos moles está praticamente fora de questão para diagnóstico destas doenças, uma vez que é muito difícil retirar esta informação dado o estado de preservação dos corpos. A observação das lesões no osso em restos humanos mumificados pode ser mais difícil de apreciar porque os ossos estão cobertos de tecido mole dissecado. E as lesões em tecido mole são ainda mais difíceis, se não impossíveis de detectar, mesmo usando os métodos de rehidratacao aplicados pela histologia, pois as bactérias e os fungos deterioram os restos humanos (Campillo, 2001: 74). Embora a tomografia axial computorizada (TAC) possa revelar diferentes camadas de tecido, e objectos como amuletos, e revela ossos consoante a sua localização em relação a sua posição na cartonagem; quando lidamos com uma múmia ainda enfaixada, pouca ou nenhuma evidência de tecido mole e encontrada. Existem, no entanto, mais exemplos de tumores ósseos detectados nas múmias do antigo Egipto, mas mesmo assim são um número mínimo comparado com as estatísticas presentes. (Harris 2007: 201)

Uma breve nota sobre o cancro da mama •



• •





Aufderheide afirma que o carcinoma (da mama) pode não ter sido frequente na antiguidade (Aufderheide 2003: 493) e que o caso 39 do Papiro Edwin Smith alegadamente sobre um tratamento para cancro da mama, não possui informação substancial para que se faça esse diagnóstico (Aufderheide 2003: 495). Cockburn afirma que não há exemplos de cancro da mama (Cockburn 1980: 38), mas estará com certeza a referir-se a tumores malignos, pois, no mesmo trabalho; confirma a descoberta dum fibroadenoma, tumor benigno da mama na PUM III, múmia feminina do Pennsylvania University Museum (Cockburn 1980: 93). Estes também concorda que não há exemplos de tumor da mama em múmias, sejam benignos ou malignos (Estes 1989: 46). Este caso 39 do Papiro Edwin Smith diz respeito a um tumor chamado de bnwt, que pode afectar varias regiões como a mama, a vagina ou as gengivas. A cauterização era usada para abrir abcessos como este, com uma ‘cabeça’ proeminente na mama (Kamal 1967: 12). O tratamento para este caso, descrito como ‘Alguém com tumor de cabeça proeminente na sua mama, e que produz [bolsas] de pus [ferve?]. Um padecimento que tratarei com a broca de fogo’ (Majno 1975: 96) e também feito com cauterização. Podzorski refere um caso provável de metastase de carcinoma da mama num esqueleto feminino de Naga ed-Der, N7355B, c. 55-60 anos; as lesões observadas estão concentradas por trás do olho esquerdo o que sugere cegueira premortem. O tumor também invadiu a supra-orbital esquerda e o sinus endocraniano (Podzorski 1990: 64-65); (Filer 1995: 75). Marro diagnosticou que algumas metástases num esqueleto podem ter sido originadas por um carcinoma primário da mama (Daglio 2005: 104).

AUFDERHEIDE, A. C. (2003) The Scientific Study of Mummies Cambridge, Cambridge University Press. COCKBURN, A., COCKBURN, EVE, REYMAN, THEODORE A. (1980) Mummies, disease & ancient cultures Cambridge, Cambridge University Press. ESTES, J. W. (1989) The medical skills of ancient Egypt Canton, Massachusetts, Science History Publications. KAMAL, H. (1967) Dictionary of Pharaonic Medicine, Cairo, The National Publication House. MAJNO, G. (1975) The Healing Hand, Man and Wound in the Ancient World Harvard, Harvard University Press. PODZORSKI, P. V. (1990) Their bones shall not perish. An examination of Human Skeletal remains from Naga ed-Der in Egypt, New Malden, Surrey, England, SIA Publishing FILER, J. (1995) Disease, British Museum Press, London DAGLIO, C. (1998) La medicina dei faraoni: malattie, ricette e superstizioni dalla farmacopea egizia, Torino, Ananke.



‘espécie de’ acácia – Acacia nilotica - Twn – 5 /(1 – oAA) Acacia leave/thorn



Sicómoro – Ficus sycomorus - tpAw.t



Figos - Ficus carica - dAb



Ervilha – Pisum sativum - tHwA - 4



Melão – Cucumis melo - bddw-kA



Amêndoa amarga – Prunus africana, Pygeum africana - HmAj.t



Grãos de aveia –Hordeum vulgare - amaa



Jujube pão/farinha/pó da casca da árvore? - Zizyphus jujuba



Feijões longos, do lótus? – Nelumbo nucifera – 2



Bagas de junípero - Juniperus phoenicea - wan



Vinho/Passas/Uvas - Vitis vinifera - iArrt (uvas)



Cerveja doce - Sorghum vulgare/Triticum dicoccum (cevada) - bdt



Bolbos de cebola - Allium cepa – HDw



Xarope de tâmaras – Phoenix dactylifera – bnjw; tâmaras esmagadas - srm.t



Cominho – Cuminum cyminum - tpnn - 3



Fruto do pyrethrum Tanacetum cinerariaefolium (anti histamínico?) - ¥Ams - 2



Mel - 2



Planta/fruto - ¥A¥A



Planta/fruto – amAw - 2



Agnus castus/Bagas de agnocasto (hormonal?)– Vitex agnus castus - xt-ds



Incenso (franquincenso, mirra) – Boswellia species - snTr



Alfarroba - Ceratonia siliqua - DAr.t

A fito-farmacopeia prescrita no Tratado dos Tumores

Óleo de rícino

Franz, David R., Jaax, Nancy K., Medical aspects of chemical and biological warfare, chapter 32, Ricin Toxic

alho

Foster, Sheldon, 2007, patent for bulb slicer, http://www.google.co.uk/patents/pdf/Bulb_slicer.pdf

A fito-farmacopeia prescrita no Tratado dos Tumores •





Cientistas forenses italianos pesquisando a medicina no antigo Egipto relacionada com o Papiro Ebers, dizem que a maior parte dos agentes anticancerígenos disponíveis hoje em oncologia clínica derivam de substâncias activas extraídas de plantas, são exemplos clássicos de compostos. (Lippi, 2008) As plantas actuais usadas para tratar infecções do fígado incluem as nativas egípcias glicirrizina (Glycyrrhiza glabra), o alcaçuz, que induz a produção do interferão natural, protegendo e curando as células hepáticas da destruição, e actuando também como antialérgico, anti-inflamatório e elemento desintoxicante, E o extracto da folha de oliveira (Olea europaea), que interfere com a produção do aminoácido especíifico essencial ao ciclo de vida do vírus, também interfere com a invasão viral, desactivando o vírus e inibindo a sua agregação à membrana celular.

10 maiores causas de morte por cancro no Egipto Projecções feitas para 2005

Cancer Type

Age Standardized Death Rate per 100,000

Bladder cancer

36

Trachea, bronchus, lung cancers

12

Liver cancer

8

Leukaemia

6

Colon and rectum cancers

5

Stomach cancer

4

Prostate cancer

4

Lymphomas, multiple myeloma

4

Pancreas cancer

2

Oesophagus cancer

2

LIPPI, D., BAUSI, LETIZIA, NOBILI, STEFANIA, MINI, ENRICO, CAPACCIOLI, SERGIO (2008) Natural Compounds for Cancer Treatment and Prevention. Florence.

Relação entre a schistosomíase, o cancro da bexiga e o cancro hepático – paralelo com o Egipto actual

EL-ZAYADI, A.-R. (2004) Curse of schistosomiasis on Egyptian liver. World Journal of Gastoenterology, 10, 1079-1081

Relação entre a schistosomíase, o cancro da bexiga e o cancro hepático – paralelo com o Egipto actual De acordo com as investigações da Prof. Rosalie David, o parasita (schistosomiasis) infecta a bexiga e isto causa irritação crónica, o que marcadamente aumenta o risco da pessoa desenvolver cancro na bexiga, um dos mais comuns em certas regiões do Egipto (David, 1999). Como hoje, parece haver uma relação estreita entre a schistosomiase/bilhiarziose e o cancro da bexiga no antigo Egipto (Nunn 1996: 69). É mais predominante nos homens, pois são eles que trabalham nos campos ao ar livre e estão assim em contacto directo com as águas infectadas. A doença facilmente leva a hematúria; daí os relatos das tropas de Napoleão de que o Egipto seria a terra ‘dos homens menstruados’. (Paton, 1996). DAVID, A. R. (1999) Learning From the Dead Study of Ancient Mummies Reveals Clues for Today’s Health American Cancer Society. NUNN, J. F. (1996) Ancient Egyptian medicine London, British Museum Press. PATON, A. (1996) Ancient Egyptian Medicine British Medical Journal, 312, 1166-1167.

Casos de cancro da bexiga causados por infecção da bilharzia (Egipto, 1979)

Gráficos do cancro no Egipto actual

ELATTAR, I. (2003) Magnitude of Liver Cancer in Egypt. Cairo.

Gráficos do cancro no Egipto actual

seer.cancer.gov/publications/mecc/mecc_liver.pdf

Evidência material encontrada em restos humanos do antigo Egipto que revelam presença de tumores •

Tumores mencionados nos papiros médicos egípcios (Ebers e Edwin Smith), têm sido interpretados como neoplasias por um autor, inchaços ou possivelmente veias varicosas por outros. E existem apenas um punhado de relatórios de tumores em restos humanos antigos. (Zimmerman, 1977) • Será que os antigos Egipcios não mostram sinais de cancro porque não sofriam deles tanto como as sociedades actuais sofrem? • Então como podemos explicar que o Papiro Ebers refira estas preocupações em tratar os ‘inchaços’ interpretados como tumores? • Ha razões para pensar, de estudos feitos no papiro Ebers, que a oncologia existia no antigo Egipto. Os médicos de então já possuíam alguma informação que lhes proporcionava diagnosticar e tratar cancros, embora, das fontes literárias retiremos uma ideia indefinida de como distinguiam um abcesso duma pústula ou neoplasia.

Mould, 2008, Evolution of the knowledge of cancer from earliest times to the end of the 18th century, Journal of Oncology, 58, 2, 103115

ZIMMERMAN, M. R. (1977) An Experimental Study of Mummification pertinent to the Antiquity of Cancer. Cancer. Philadelphia, Department of Pathology University of Michigan Medical centre.

Evidência material encontrada em restos humanos do antigo Egipto que revelam presença de tumores : De acordo com Strouhal, (Strouhal, 1976) embora alguns autores afirmem que os tumores malignos são raros de encontrar no antigo Egipto, a literatura favorece a ocorrência destas neoplasias, especialmente o Papiro Ebers que descreve 21 casos. No seu trabalho ele terá detectado ainda mais pós-1976.

RUFFER, M. (1914) Note on a tumour of the pelvis dating from Roman times (250 AD) and found in Egypt. Journal of Pathology, XVIII, 480-484 STROUHAL, E. A. (1999) Kissing osteochondroma: A case from Ancient Egypt. International Journal of Osteoarchaeology , 9, 361-368

Isto não significa com certeza, que, quanto mais excavações houverem no Egipto, mais casos de tumores se encontrem, mas é um indicador de que, além destas populações estarem menos expostas à doença, também há escassez de material para estudo, pois este tipo de doença é difícil de detectar em tecidos antigos (incluindo tecido ósseo) e, também porque ainda nao foi tudo descoberto… Quantos mais casos de tumores malignos forem estudados, mais informações teremos sobre a idade, estatuto social, localização geográfica e género dos indivíduos afectados, bem como da especificidade dos tumores.

Evidência material encontrada em restos humanos do antigo Egipto que revelam presença de tumores - Casos estudados -

NERLICH, A. G., ROHRBACH, HELMUT, BACHMEIER, BEATRICE, ZINK, ALBERT (2006) Malignant tumours in two ancient populations: An approach to historical tumour epidemiology. Oncology Reports, 16, 6

Javier, Butel, 2008, The History of Tumor Virology, Cancer Research, 68, (19), 7693

Wells, C. 1963. Ancient Egyptian Pathology, Journal of Laryngology and Otology, 77: 261- 265

STROUHAL, E. (1978) Ancient Egyptian case of carcinoma. Bulletin New York Academy Medicine, 54, 290-302.

As conclusões apontam para possível pequena incidência de cancro no antigo Egipto, embora os casos encontrados indiquem que existam outras doenças aos quais o cancro pode ser ligado. Isto refere-se tanto à localização dos tumores encontrados no corpo como às funções afectadas. Em relação ao ‘pus’ ou ‘bílis’ que é frequentemente mencionado; a ‘água’ ou ‘líquido dentro da bolsa’ pode, em alguns casos, ser linfa bloqueada nos nódulos/gânglios, afectando a circulação linfática geral. Isto pode ser causado por factores genéticos, ou infecção por picada de mosquito em climas subtropicais (provavél no Egipto uma vez que esta doença é ainda endémica em África), ou trauma que destrua os gânglios linfáticos e evita que a linfa flua pelo corpo.

Alguns casos parecem descrever realmente tumores malignos. A cor amarela demonstrada pelos pacientes pode ser causada por bilirrubina em excesso (o que produz cálculos em muitos casos), uma patologia do fígado, o primeiro orgão a receber o impacto duma infecção externa. Foram encontrados cálculos biliares em múmias egípcias: Gray, in Gray, P.H.K., Radiography of Ancient Egyptian Mummies, Medical Radiography and Photography, Rochester, Eastman Kodak Co. 1967 e (Smith 1924), e também numa múmia de proveniência desconhecida da Universidade de Leiden na qual foram identificados cálculos com raio-x (Aufderheide 2003: 453).

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.