Portugueses na Grande Guerra em África

June 14, 2017 | Autor: Nuno Lemos Pires | Categoria: Historia Militar, Primeira Guerra Mundial
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Publicado na Revista o Tripeiro, 7ª série, Ano XXXIV, Número 12, Dezembro de 2015, pp. 354-357.

Portugueses na Grande Guerra em África (1914-1918) Nuno Lemos Pires https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

Em Novembro de 1916, poucos meses depois de Portugal estar oficialmente em guerra contra a Alemanha, as forças portuguesas que tinham conquistado Nevala, a norte do Rio Rovuma, em pleno território da África Oriental Alemã, precisavam urgentemente de reforços e de abastecimentos. Mas a coluna de reforços nunca lá chegou. Assim, esta pequena, embora simbólica, ação ofensiva, teve de retirar sobre Moçambique sem ter conseguido manter a posição por mais do que um mês1. Nesta ação, como em outras que ocorreram até ao final de 1918, houve uma tendência de acusar, em especial por parte de muitos dos autores estrangeiros, as forças portuguesas de falhas graves e de uma ação mal planeada. Também foi verdade mas o problema foi essencialmente de natureza política, muito mais profundo e grave do que uma simples análise operacional aparenta descrever. Só na imensa dimensão política, para além da estratégica e operacional, se poderão entender e explicar os variados eventos que ocorreram naquelas paragens tão longínquas2. Só assim poderemos entender o gigantesco sacrifício e sofrimento pelo que passaram os bravos homens que tudo deram à Pátria. Devemos-lhe o rigor da História. No início da Grande Guerra, em África, nenhumas das potências coloniais estavam preparadas para se combaterem entre si. Os combates travaram-se numa região gigantesca, perigosa, de clima árido e condições de vida muito difíceis e, as forças existentes, estavam apenas dimensionadas e treinadas para fazerem, essencialmente, ações de policiamento e contra eventuais sublevações locais. A falta de preparação foi evidente nos primeiros anos, levando a fortes constrangimentos operacionais e que se traduziram em ações com resultados desastrosos para quase todos os envolvidos. Os Britânicos foram humilhados ao tentarem um atabalhoado desembarque em Tanga na África Oriental Alemã, os Belgas, no outro extremo da mesma colónia, sofreram fortes revezes junto Lago Niassa, os Portugueses tiveram de retirar do sul de Angola e os Alemães da África Ocidental renderam-se sem glória face à avançada fulgurante das forças sul-africanas. Por exceção, mas com 1

Ver descrição da ação pelo autor em: “Recordar o esforço Português em Moçambique durante a Grande Guerra (1914-1918) através da Revista Militar” (2014), Revista Militar, 66º Volume, Nº5 (Número Temático extraordinário sobre: Portugal na I Guerra Mundial – Operações em África (1914-1918), pp. 429-458. 2 Ver, do autor: “Sobre Portugal na Grande Guerra em África” (2015), no livro de atas O Poder dos Pequenos e Médios Estados na Grande Guerra (1914-1918), IDN, Lisboa.

imensas dificuldades e com algumas hesitações na direção superior da guerra, nomeadamente entre o Governador Heinrich Schnee e o Comandante militar Von Lettow Voerbeck, apenas a África Oriental Alemã, registou alguns êxitos iniciais nas campanhas de 1914 e 19153. Estes anos marcaram o início de sacrifícios imensos, para gentes de muitas nacionalidades: Alemães, Britânicos, Belgas, Portugueses, Franceses, Indianos, Bóeres e, em muito maior número, milhares de africanos que direta e indiretamente, foram afetados pela guerra, como os Landins, Catangueses e Askaris, incluindo os humildes carregadores e respetivas famílias que os acompanhavam. Os portugueses, também eles aos milhares enviados da Europa para a África Ocidental e Oriental, nomeadamente para Angola e Moçambique, somar-seiam neste tremendo esforço coletivo em nome da Pátria que orgulhosamente representavam mas que, infelizmente, pouco os apoiou e cuidou. Provavelmente, esta Grande Guerra de 1914-1918, foi um dos momentos da nossa História em que, pela primeira vez, a Nação não se vestiu de Exército para afrontar os desafios que enfrentava. O Exército Português, anteriormente tão prestigiado, disciplinado, de elevada reputação obtida nas várias campanhas do final do século XIX e princípios do XX, vai ser, paulatinamente, minado e destruído na sua coesão e eficácia nos anos que antecedem a guerra4. De 1914 até 1916, Portugal, que se encontrava numa enorme crise política, económica e social, vai dividir-se nas suas opções sobre a entrada na Guerra. Se era consensual a defesa das Colónias, nunca se encontrou consenso sobre o envio duma enorme expedição para a Flandres no centro da Europa, nem sobre a necessidade de se efetuarem expedições ofensivas em território alemão em África. Fez-se assim uma espécie de guerra com um Exército minado pela politica e fortemente acossado na sua disciplina, sem meios e sem sustentação, sem os melhores e mais experientes comandantes, sem vontade e sem apoio popular, com uma governação portuguesa sempre a mudar e sempre a mudar de opinião. Portugal foi errante nas orientações que enviou para Moçambique, agravado pelos inúmeros interesses locais conflituantes como os das Companhias privadas de Moçambique e do Niassa dominadas por acionistas estrangeiros (incluindo alemães) e, acima de tudo, foi inconsequente na atribuição dos meios e possibilidades para a execução de uma estratégia que exigia coerente e concertada. Assim se explica porque os nossos cidadãos fardados, europeus e africanos, empunhando a nossa bandeira, se tenham sentido tão abandonados, enganados e esquecidos na aridez da fronteira norte de Moçambique. Quatro foram as expedições enviadas e nunca as condições melhoraram entre a primeira e a última. Ao contrário das restantes potências coloniais, que 3

Ver, do autor: “Moçambique e as opções de Heinrich Schnee e von Lettow-Vorbeck durante a Grande Guerra” (2015), no livro de atas do Seminário Portugal e as campanhas de África: da imposição de soberania à Grande Guerra, Lisboa, Fronteira do Caos. 4 Até 1914 grande parte das chefias vão ser substituídas, em alguns casos, por infiltração direta das choças da carbonária, por soldados e sargentos que se arvoram em Oficiais e que tomam o lugar dos que se exilam, dos que decidem abandonar, dos que são presos, dos que são deportados para paragens longínquas. Ver descrição completa em: Telo, António José (2015), “Revolução e Contra-Revolução em 1915 – O primeiro ciclo da beligerância portuguesa” no livro O Assalto à Escola de Guerra 1915-2015, Lisboa, Fronteira do Caos, pp. 7-52.

também iniciaram as hostilidades em grandes dificuldades mas que reagiram e alteraram profundamente a forma de combater e de se apoiar nos anos sucessivos, Portugal não soube, não quis, não demonstrou vontade de alterar as péssimas condições em que enviou os seus filhos para combater nestas regiões5. Os soldados portugueses, da Europa e de África, no combate ou no apoio, merecem ser recordados pelo enorme sacrifício que tiveram. Naquelas péssimas condições, em doença permanente, acantonados em locais imundos sem os mínimos cuidados de higiene, de saúde, de alimentação, de proteção, fizeram milagres na ação. Hoje podemos afirmar que, mesmo sem diretivas claras, entre ambíguas ordens políticas e ingerências permanentes na arte operacional, vítimas de uma hostilidade evidente de inimigos, aliados e de conflituantes interesses locais, houve ainda lugar a atos de enorme dedicação e coragem com muito sacrifício e humildade. Cem anos depois, podemos afirmar que aprendemos, pelo menos assim o esperamos, porque mesmo com as tentativas escondidas de lançar acusações insidiosas contra os que deram a cara e o corpo nas ações, vindas do estrangeiro mas também muitas internas que visaram colocar as Forças Armadas como o bode expiatório para os males que sofremos, fica claro que assim não foi. Os militares cumpriram, mesmo quando a política não lhes soube dizer “o quê”, “com quê”, nem “o como” e, no final, Portugal sentou-se à mesa dos vencedores. Essa presença final na mesa da diplomacia e que permitiu manter intacto a obra das gerações que os precederam foi, essencialmente, como sempre foi em muitos dos bons e maus momentos da nossa História, forjada no suor e sangue dos Soldados de Portugal.

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Ver do autor: “O Exército de Portugal no início da Guerra: Ação, Reação e Omissão”, no livro de atas do Colóquio Portugal e a I Guerra Mundial (1914-1918), Assembleia da República, Lisboa, pp. 25-37, disponível em: http://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/ColoquioPortIGM.pdf

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