Pós-keynesianos e o IS-LM: uma revisão das críticas à síntese neoclássica da Teoria Geral

June 23, 2017 | Autor: Douglas Dias | Categoria: Keynesian Economics, Post-Keynesian Economics, John Maynard Keynes
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Pós-keynesianos e o IS-LM: uma revisão das críticas à síntese neoclássica da Teoria Geral

Douglas Dias Braz1

No artigo “Mr. Keynes and the “classics”: a sugested interpretation”, publicado em abril de 1937, John Hicks lançaria as bases da moderna macroeconomia tradicional e do que hoje conhecemos como a síntese neoclássica do pensamento de Keynes. Seu objetivo nesse estudo era de, primeiramente, apontar em que aspectos as proposições da Teoria Geral de Keynes realmente se distanciavam da teoria clássica e, posteriormente, propor um modelo teórico de fato mais geral, que conciliasse essas duas perspectivas e que conseguisse dar uma explicação satisfatória para os fenômenos descritos por elas – chamados de casos particulares-, partindo de um só mecanismo de interpretação da realidade econômica: o modelo IS-LM. Esse modelo constituir-se-ia, pois, em um sistema de equações simultâneas – acompanhado de representações gráficas - que pretendia expressar as relações causais apresentadas na TG de Keynes. O trabalho de Hicks, entretanto, apesar de pretender, com seu arcabouço analítico mais formalizado, tornar mais simples e intuitivas as ideias explicitadas na Teoria Geral, parece ter desvirtuado em muito, senão completamente, a verdadeira essência dessa obra. Essa concepção é compartilhada principalmente pelos autores pósKeynesianos, que defendem um retorno ao estudo das ideias originais de Keynes, no sentido de resgatar a concepção de uma economia monetária da produção. O objetivo do presente trabalho se dará, pois, no sentido de sumarizar brevemente as principais críticas direcionadas à síntese neoclássica do pensamento de Keynes, estabelecida inicialmente pelo trabalho de Hicks (1937), tentando entender em que medida e a partir de quais elementos essa perspectiva se distancia do espirito fundamental da Teoria Geral do Emprego, da Renda e do Juro. Para tanto, faremos, na

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Mestrando do PPGE-UFU

primeira seção, uma breve discussão sobre o modelo IS-LM, a qual será seguida pelo apanhado das críticas a esse modelo, e, finalmente, pelas considerações finais. Vale ressaltar que, não obstante haja uma vasta literatura que trate do tema trabalhado neste artigo, parece-nos válido reavivar tal debate, que nos últimos dez anos parece ter se esgotado, no sentido de se resgatar as abordagens que tentam consolidar a verdadeira essência da teoria de Keynes.

1. Hicks e o IS-LM

Como explicitado anteriormente, Hicks, em seu artigo de 1937, objetiva estabelecer uma base de comparação entre a concepção de Keynes e o modelo clássico, de modo a construir uma abordagem que fundisse essas duas perspectivas em um só aparato analítico. Assim teria origem um dos mais influentes modelos da história do pensamento econômico, o IS-LM. Deste modo, assume uma posição de defesa em relação à teoria clássica, considerando, no entanto, que a teoria de pigou – principal alvo de crítica da Teoria Geral - não é a que melhor representa o pensamento clássico a respeito dos determinantes do emprego. Dessa forma, tenta reconstruir o modelo clássico de modo a absorver os aspectos peculiares e inovadores da proposta de Keynes para então desenvolver a verdadeira teoria geral. Para realizar tal comparação, Hicks apresenta formalmente três modelos: 1°) I= S (i,Y), I= I(i), M= kY; 2°) I= S(Y), I= I(i), M= L(i); 3°) I= S(Y), I= I(i), M= L(i,Y). Dado que I é o investimento, S a poupança, Y a renda, i a taxa de juros, e M a demanda por moeda. O primeiro seria denominado de “modelo clássico”, o segundo seria chamado de modelo “Keynesiano especial” e o terceiro de modelo “Keynesiano”. As duas primeiras equações de cada modelo conformariam o que se conhece como a curva IS, que expressa a condição de equilíbrio no mercado de bens e serviços, ao passo que a terceira equação, também contida nos três casos, expressaria a relação LM, ou a condição de equilíbrio no mercado monetário. Desse modo, em um sistema com duas equações

independentes e duas variáveis endógenas (renda e taxa de juros), permitir-se-ia obter uma solução de equilíbrio simultânea nos mercados monetário e de bens. (CARVALHO, 1992). As diferenças fundamentais entre os dois primeiros modelos seriam em relação às funções de poupança e de demanda por moeda. No entanto, a diferença que Hicks realmente enfatiza é aquela entre as equações de demanda por moeda. Segundo ele, a introdução da taxa de juros como determinante da demanda por moeda no segundo modelo não seria inconsistente com o modelo clássico da teoria quantitativa da moeda. Portanto, o que diferenciaria o modelo de Keynes em relação aos clássicos estaria nos “parâmetros admitidos como prováveis para as equações”. (CARVALHO, 1992, P.6). O terceiro modelo seria, portanto, o mais geral e mais adequado para a intepretação dos fenômenos econômicos. Segundo Oliveira Lima (1989), Graficamente este conjunto de equações pode ser representado pelas funções IS-LM, indicando respectivamente os pares de taxas de juros e renda real compatíveis com o equilíbrio no mercado de bens e no mercado monetário, de tal modo que o ponto de intersecção das duas linhas indicaria o equilíbrio simultâneo nos dois mercados. Implícita nessa construção está a possibilidade, como um caso particular, desde que ocorra rigidez de preços em algum mercado, de que a renda efetiva se estabeleça em nível de renda inferior a renda de pleno emprego. (OLIVEIRA LIMA, 1989, P.43).

Nesses termos Hicks supõe ter construído um modelo geral que poderia explicar tanto a situação de pleno emprego, observada pelos clássicos, como a situação de equilíbrio com desemprego involuntário – identificado como “economia da depressão” , proposto por Keynes.

2. Os Pós-Keynesianos e a crítica à síntese neoclássica da Teoria Geral

Como já explicitado, os Pós-Kenesianos negam de forma veemente a capacidade do modelo IS-LM de traduzir de forma fiel a essência do que está contido na Teoria Geral de Keynes. Chick (1983) traduz bem essa perspectiva afirmando que “the

macroeconomics which has followed the General Theory in time has not followed it in spirit” (apud KREISLER & NEIVILE, p.2). A crítica desses autores se dará, no entanto, não apenas em relação ao grau de fidelidade desse modelo ao pensamento de Keynes, mas também no que se refere à sua capacidade explicativa quanto aos fatos reais de uma economia capitalista moderna. Antes de tudo, é importante frisar que numa perspectiva Pós-Keynesiana, para que haja uma interpretação adequada das proposições contidas na Teoria Geral não se pode desconsiderar alguns elementos que seriam características fundamentais e marcantes dessa obra, dentre eles: i) a ideia central de Keynes de que em uma economia capitalista o emprego é determinado pelo princípio da demanda efetiva e que não há mecanismo que mova automaticamente uma economia para um ponto em que não haja desemprego involuntário. ii) como a produção leva tempo e os bens de capital duram por longos períodos, as decisões sobre produção e investimento são feitas, basicamente, a partir de expectativas. Por fim, iii) na Teoria Geral o dinheiro não se caracteriza como um “Véu”*, na medida em que as variáveis monetárias influenciam variáveis reais da economia, como produto e emprego. (KREISLER & NEIVILE). Desse modo, qualquer analise que se pretende “Keynesiana” precisa levar em consideração todos esses elementos. Dada a ideia do que seriam os pontos essenciais para o entendimento adequado da obra de Keynes, começa, então, a se construir a crítica dos Pós-Keynesianos ao modelo IS-LM, que, para eles, seria uma interpretação “bastarda”2 da Teoria Geral justamente por ter se desviado destes pontos. A primeira grande crítica que se faz à síntese elaborada por Hicks gira em torno da ideia de que o principal problema com o modelo IS-LM seria sua natureza pautada no equilíbrio estático. Isto significa dizer que este arcabouço abstrairia os problemas relacionados ao tempo e à dinâmica associados aos movimentos de uma economia fora do equilíbrio.

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Termo cunhado por Joan Robinson para classificar a macroeconomia desenvolvida a partir do modelo

IS-LM, o qual expressa a concepção de que este teria deturpado a essência revolucionária de Keynes, na medida em que traz de volta a tona a velha concepção baseada na Lei de Say, de que não poderia haver deficiência de demanda, fato que reforçaria o argumento de defesa do livre mercado.

Os modelos de equilíbrio geral walrasianos usados pela síntese neoclássica fornecem informações sobre as condições necessárias e suficientes, as quais deveriam ser satisfeitas para que uma economia esteja em equilíbrio. Nessa perspectiva, não há muito o que dizer sobre uma economia que não está em equilíbrio. Ademais, aí as variáveis são determinadas simultaneamente, o que impede a identificação de relações de causalidade. A noção de equilíbrio enfatizada pelo modelo IS-LM desvirtua a relação de causalidade temporal entre as variáveis, proposta por Keynes: em um modelo de equilíbrio não há causação, de modo que a análise que parte desse arcabouço pretende explicar o “valor que várias variáveis devem assumir se a economia estiver em equilíbrio”. Ou seja, as variáveis são determinadas simultaneamente, o que não permite dizer que há uma determinada ordem de causação entre elas; de outra forma, o que se tem na teoria geral é uma análise histórica que permite estabelecer elos causais ou sentidos de determinação entre as variáveis. (HELLER, 2002). Keynes, entretanto, está profundamente preocupado com a explicitação de relações causais, ou seja, entende o fenômeno da economia como um processo que se dá no tempo e que deixa clara a ordem causal entre as variáveis. Esta forma de interpretação permite a Keynes que se construa uma teoria aplicável às situações de desequilíbrio. (KREISLER & NEIVILE). Outro elemento da interpretação de Hicks que se torna alvo de severas críticas é a desconsideração das expectativas e da incerteza como fatores importantes para a explicação do comportamento dos agentes econômicos em uma economia de mercado moderna. Essa falta de atenção dada às expectativas e a utilização de um arcabouço analítico Walrasiano são características marcantes do modelo IS-LM, as quais o distanciam do verdadeiro espírito da obra de Keynes. Apesar das expectativas serem tratadas formalmente por esse modelo, através da consideração de que a escala da eficiência marginal do capital é um dos determinantes da curva IS e de que a preferência pela liquidez, que fundamenta a curva LM, inclui a demanda especulativa por moeda, Hicks negligencia esse elemento como determinante fundamental, ao passo que o considera como exógeno ao modelo. Para Keynes, todavia, as expectativas são um importante conjunto de variáveis, consideradas constantes sob a assunção de ceteris paribus, mas que podem ser alteradas caso haja modificação em outras variáveis também consideradas constantes, ao contrário do que se observa no modelo da síntese neoclássica, o qual considera que

alterações em variáveis consideradas exógenas não afetam outras variáveis deste mesmo tipo. (KREISLER & NEIVILE) (FERRARI, 1991). Segundo Davidson (1991), outra incompatibilidade evidente entre a síntese neoclássica e o pensamento de Keynes estaria no fato de a primeira ter adotado o pressuposto de neutralidade da moeda, mesmo que no longo prazo. A lógica da síntese neoclássica, por se basear em axiomas como a tendência de longo prazo a um equilíbrio não-inflacionário com pleno emprego em uma economia de livre mercado – resultado lógico do princípio da neutralidade da moeda -, reduz a analise de Keynes a uma solução instantânea para perturbações que afetariam o sistema econômico no curto prazo. No longo prazo, portanto, a economia se auto-ajustaria em direção a um equilíbrio de pleno emprego. Keynes, pelo contrário, acreditava que independentemente de quão longo fosse determinado período, economias de mercado não possuiriam mecanismos de ajustamento que corrigissem o sistema. (DAVIDSON, 1991). Considera, ademais, que a moeda desempenha um papel fundamental na dinâmica dos fenômenos de uma economia capitatista, na medida em que funciona não só como unidade de medida e unidade de troca, mas como meio de pagamento de contratos e reserva de valor. A decisão de reter moeda passa a ser entendida, pois, como parte fundamental do comportamento dos agentes econômicos que, em face de um ambiente de incerteza, optam entre realizar ou não gastos em investimento e consumo. Desse modo torna-se claro o mecanismo pelo qual a moeda afeta as variáveis reais da economia: a existência da possibilidade de optar pela retenção de ativos líquidos em vez de ativos reais. (F.CARVALHO, 1999) Além dos elementos elencados anteriormente, segundo Carvalho (1992), podem ser feitas outras duas críticas fundamentais à interpretação de Hicks em relação à TG. A primeira seria o fato de que Hicks teria falhado ao explicitar os elementos que realmente diferenciariam Keynes dos clássicos, tratando mais do contraste entre as especificações das funções de cada modelo do que de questões teóricas que os fundamentam. Tomando como exemplo a função investimento dos dois modelos, percebe-se que a taxa de juros está presente em ambos, entretanto, enquanto para Keynes essa taxa representa um fator de desconto ou um custo de oportunidade em relação às possibilidades de alocação financeira, nos clássicos essa taxa representa a escassez relativa do capital (ou seu preço) em relação ao trabalho.

Hicks considera, pois, em sua análise apenas nas

variáveis explicitadas nas funções, ignorando os fatores constantes dessas relações.

Esses fatores constantes, todavia, são fundamentais para o entendimento do caráter realmente inovador da obra de Keynes. A segunda crítica do autor se dá no sentido de que Hicks, ao desenvolver o seu modelo, chega à conclusão errônea de que Keynes compartilharia das mesmas premissas da ortodoxia, diferindo dela apenas no que tange aos valores dos parâmetros relevantes. Seriam essas duas visões, na perspectiva de Hicks, basicamente, versões concorrentes de uma mesma teoria. Desse modo, a teoria de Keynes seria considerada aquela que examina meramente os efeitos de rigidezes e outras imperfeições na economia. Vitoria Chick (1983), por outro lado, foca sua crítica à lógica interna modelo ISLM, argumentado que este é incapaz de internalizar alguns elementos considerados básicos em uma economia atual, tais como o nível de preços ou uma estrutura financeira razoável. O próprio Hicks, depois de passados alguns anos de sua publicação original, reconhece ter distorcido o conteúdo da teoria geral, como deixa claro na seguinte passagem:

It was this formal model of Keynes which i summarized in the ISLM diagram. There is indeed much more in the General Theory of Keynes than this formal model, and very much more in some of Keynes’s other writings, wich can be quite properly used to elucidate his work. (HICKS, 1977, P. VVI apud DAVIDSON, 1991, P.28)

Como expresso anteriormente, fica patente que os pós-Keinesianos sempre insistiram no argumento de que a síntese Keynesiana jamais entendeu o caráter revolucionário da teoria geral em sua completude. E o principal problema a que levaria essa abordagem errônea sobre a Teoria Geral, segundo esses autores, seriam os erros teóricos e de política, que poderiam gerar novos problemas para o funcionamento da economia.

Considerações Finais

Em suma, o que se tentou argumentar ao longo deste trabalho foi a ideia de que o esforço de Hicks de tornar a Teoria Geral mais intuitiva e compreensível, através da construção de um modelo formalizado de equações simultâneas, o IS-LM, teria na

verdade provocado uma completa confusão sobre qual seria a essência do pensamento de Keynes. Percebe-se, pois, que ao mesmo tempo em que esse modelo ajuda a colocar a Teoria Geral no centro do debate econômico da época e a evidenciar a perspectiva de Keynes frente às concepções teóricas vigentes, quebrando em parte a resistência à aceitação das ideias deste autor, também camufla os elementos incompatíveis entre as duas vertentes, fazendo com que se tornassem irrelevantes os aspectos mais importantes e revolucionários da TG. A síntese neoclássica faz com que se obscureça e se desconsidere a análise pioneira construída por Keynes acerca do funcionamento do capitalismo moderno em sua dimensão agregada. Invertem-se relações causais entre as variáveis fundamentais do modelo Keynesiano original, inserindo-o em um arcabouço teórico que defende justamente o seu extremo oposto. No sentido de se estabelecer uma análise de equilíbrio geral do tipo Walraziana, excluem-se variáveis de caráter instável, como as expectativas e a ideia de incerteza; diminui-se o papel fundamental da demanda efetiva como determinante fundamental da renda e do emprego em uma economia, e, finalmente, considera-se a Teoria Geral como um mero estudo das implicações econômicas de preços rígidos e outras imperfeições de mercado. Dada a importância que tal interpretação ainda exerce sobre a teoria econômica dominante, torna-se imprescindível reestabelecer os pilares fundamentais da Teoria Geral, no sentido de se resgatar uma abordagem teórica mais realista e aplicável aos fatos reais de uma economia monetária da produção, na qual o tempo histórico, a incerteza, as expectativas e o dinheiro exercem papel crucial.

Referências Bibliográficas

Carvalho, F. C. (1992), Mr. Keynes and the Post Keynesians, USA, Edward Elgar.

Carvalho, F. D. (1999), Macroeconomia Keynesiana da IS-LM Revisitada. Paper do NAEA, 119, Maio.

Davidson, P. (1991) Controversies in Post Keynesian Economics. England, Edward Elgar.

Chick, V. (1983), Macroeconomics After Keynes, Oxford, Philip Allan. Hicks, J.R. (1937), “Mr Keynes and the ‘Classics’: A Suggested Interpretation”, Econometrica, Vol.5, No.2, pp.146-59.

Keynes, J.M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, London, Macmillan.

Kreisler, P. & Neivile, J. IS-LM and Macroeconomics After Keynes. Wales.

Oliveira Lima, L. A. (1989) As Funções IS-LM e a Neoclassização do pensamento de Keynes. Revista de Economia Política, Vol. 9, N°2, abril-junho/1989.

Ferrari Filho, F. (1991) Os Keynesianos Neoclássicos e os Pós-Keynesianos, Ensaios FEE, Porto Alegre, 340-348.

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