Posição no mundo, posição na rede: flexibilidade e democracia nas organizações sociais contemporâneas

July 22, 2017 | Autor: Breilla Zanon | Categoria: Redes Sociais, Biopolítica
Share Embed


Descrição do Produto

V SEMINÁRIO DE TRABALHO E GÊNERO E III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO PPGCS: TEORIAS, PESQUISAS E PRÁTICAS SOCIAIS GT2: Mídias, redes e movimentos sociais POSIÇÃO NO MUNDO, POSIÇÃO NA REDE: FLEXIBILIDADE E MERITOCRACIA NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS Breilla Zanon

O desenvolvimento de novas tecnologias introduz as organizações em rede como plataformas autênticas e propositivas à afirmação de interesses e representações dos indivíduos, através da sua capacidade de revelar e distribuir informações. Propomos um exercício reflexivo sobre a rede como organização de indivíduos que visam promover suas representatividades objetivando uma maior participação em meio à sociedade civil. Trata-se de uma análise crítica a respeito das organizações em rede como possíveis fomentadoras do espaço democrático. Revelaremos os contrapontos entre a exaltação de seus atributos tecnológicos e informacionais, e os questionamentos formulados a partir de teorias antropológicas e sociais, relacionando conceitos econômicos, políticos e em grande medida filosóficos. Para isso, autores como Manuel Castells, Anthony Giddens, David Harvey, Eduardo Marques, Amartya Sen entre outros, nos auxiliaram na construção de um campo de debate crítico para visualizarmos o tema de forma analítica. Iremos para além da pura exaltação da estrutura em rede, atentos à necessidade de compreendermos sobre suas relações sociais e contextos. Palavras-chave: redes – informação – autonomia

INTRODUÇÃO: UMA QUESTÃO DA FLEXIBILIDADE NO MUNDO ATUAL Inúmeros autores em dias atuais classificam nossa sociedade como uma sociedade em rede. Manuel Castells (1999), por ser um dos primeiros a estruturar esse termo dentro da dimensão sociológica, nos guiará nesse primeiro momento de reflexão a partir de sua categorização sobre o que seria hoje essa sociedade. De acordo com Castells, Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e individualização da mão-deobra. Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Essa nova forma de organização social, dentro de sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está sendo difundida em todo mundo, do mesmo modo que o capitalismo industrial e seu inimigo univitelino, o estatismo industrial, fora disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo à pobreza, incitando à ganância, à inovação e à esperança, e ao mesmo tempo impondo o rigor e instilando o desespero. Admirável ou não, trata-se na verdade de um mundo novo. (CASTELLS, 1999, p. 17)

Nosso intuito não é um estudo de caso acerca de uma rede em particular, mas realizar, a partir de uma construção teórica, um exercício reflexivo a respeito da essência da rede de maneira ampla, tomando-a pelo seu simples aspecto de troca de informações1 e conexões de indivíduos mediante essas trocas. O objetivo aqui é analisar, de maneira crítica, o grau de capacidade que as redes detêm quando compreendidas como uma possível plataforma capaz de gerir o aumento da representatividade política dos indivíduos que dela fazem parte, ou seja, capaz de desenvolver sua cidadania em um contexto político-democrático, através do aumento das perspectivas de autonomia e participação desses indivíduos no campo da sociedade civil e diante do Estado. O momento atual é um período permeado por informações e toda sua dinâmica de compartilhamento e troca2. Já é sabido por meio de estudos políticos que a informação se

1 Quando consideramos as características sobre a informação neste texto, levamos em conta não apenas sua virtualidade, mas também sua materialidade, podendo ser essas informações instrumentos que potencializam as capacidades e liberdades subjetivas ou objetivas dos indivíduos que as detêm. Trataremos das categorias de liberdade e capacidade mais adiante, com a ajuda do economista Amartya Sen (2004). 2 Castells em A galáxia da internet, (2003, p. 07) auxilia nossa análise neste ponto: “(...) se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época, a Internet poderia ser equipada tanto a uma rede elétrica quanto a um motor elétrico, em razão da sua capacidade de distribuir a força da informação por todo domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a Internet passou a ser a base tecnológica para a formação organizacional da Era da Informação: a rede.”

constitui como principal ingrediente para a formulação de demandas legítimas e eficientes por meio dos indivíduos situados em um ambiente democrático3. Essa nova situação permeia todas as dimensões da vida social da maioria dos regimes políticos contemporâneos por ser uma dinâmica estruturada e estruturante de nossa sociedade democrática, seja em seus aspectos econômicos, políticos ou sociais (BORDIEU, 2007). Trata-se também de um ambiente cuja as condições, seja pela estrutura que as formatam ou pelas exigências que as impelem, se encontram em constante mutação. Essas transformações, bem como a flexibilidade que as maneja, configura o caráter do panorama vigente e mais objetivamente visível a partir dos anos 70/80 do século XX (SANTOS, 2003). Não nos interessa constatar ou prever consequências dessa nova estruturação, mas ter em mente que a contemporaneidade constrói seu discurso a partir das novas tecnologias e suas transformações4, e que o componente fundamental para pensar não só os rumos que tais desenvolvimentos tomarão em meio a sociedade serve também de substrato para refletir sobre como essas novas práticas são fomentadas e articuladas em sua base mais primordial que é a dimensão do indivíduo. Esse componente é, portanto, a informação. Quando tratamos das redes, principalmente quando queremos relacioná-las ao plano político especificamente democrático, devemos levar em conta a informação como ingrediente constituinte básico não só para a construção da estrutura da rede em si – como uma organização virtuosamente significativa dos interesses e representações dos indivíduos que a partir dela se conectam –,

como também devemos considerá-la

fundamental para a formulação das demandas que configuram a eficácia de políticas públicas no plano democrático (PUTNAM, 1996). Doravante, algumas considerações. A informação é um componente muito importante que deve ser salientado e isso se deve por que: a) é o ingrediente para as trocas, uma vez que ela faz parte da formulação de interesses e dá sustento às capacidades. Dessa

3 Podemos observar perspectivas e conclusões semelhantes na obra Comunidade e democracia: experiência na Itália moderna, de Robert Putnam (1996), onde o autor observa que o grau de participação política da sociedade civil está intimamente ligado às condições informacionais nas quais seus indivíduos se encontram. 4 Assim como propriamente salientou Castells, “é claro que essa capacidade de desenvolvimento de redes só se tornou possível graças aos importantes avanços tanto das telecomunicações quanto das tecnologias de integração de computadores em rede, ocorrido durante os anos 70. Mas ao mesmo tempo, tais mudanças somente foram possíveis após o surgimento de novos dispositivos microeletrônicos e o aumento da capacidade de computação, em uma impressionante ilustração das relações sinérgicas da Revolução da Tecnologia da Informação. (CASTELLS, 1999. p. 62).

forma, se vamos fazer uma observação relativa a um movimento que se configura como rede, é crucial que conheçamos sua funcionalidade, pois é a partir dela que se estabelecem laços e relações mais ou menos fortes dentro dessa rede. São basicamente as informações e sua circulação que caracterizam e nos permite entender os tipos de relação que existe entre a qualidade da informação e o posicionamento na rede; b) a informação e sua amplitude contribuem consideravelmente para a construção de uma sociedade baseada no conhecimento, porém ela não basta por si só. Apenas sua existência e circulação não garantem um usufruto nem reflexo eficiente na garantia por representação de interesses sólidos e pertinentes. Sua eficácia é garantida mediante uma série de variáveis decorrentes das condições contextuais em que estão postas, podendo assim, ser mais ou menos eficaz5. Junto com a expansão dos mecanismos que gerem a informação, passa a ser aplicado o conceito de flexibilidade para dar conta das novas transformações desse momento. O que nos interessa, no entanto, é perceber que o desenvolvimento tecnológico proveniente do final do século XX permitiu a popularização do discurso acerca da flexibilidade como liberdade – que até então era proferido especialmente pelo mercado – para todas as dimensões da vida em sociedade. As novas tecnologias, principalmente as vinculadas aos aspectos informacionais, permitiram que o espaço e o tempo não mais fossem compreendidos de maneira estática e pragmática e ganharam a partir de então toda uma dinâmica e fluidez com a qual o indivíduo passou a identificar suas subjetividades. Anthony Giddens (1991) trata tal fenômeno como um processo de desencaixe do espaçotempo. Entender o processo de desencaixe do espaço-tempo é importante para que possamos entender a posição e a referência em que se encontra o conceito de flexibilidade para os indivíduos nas sociedades atuais. Para ele, esse processo é fundamental para o extremo dinamismo da modernidade. Em suas palavras, justificamos tal importância a respeito da separação entre tempo e espaço para compreender como essa flexibilidade influi em suas adesões informativas e formulação de interesses e capacidades, seja no campo micro das estruturas em rede, ou no plano macro do contexto democrático da sociedade em que se insere. Essa perspectiva nos permite refletir igualmente acerca da flexibilidade como incremento da liberdade e subjetividade em dias de hoje: 5 Como Sen nos evidenciou em sua obra Desenvolvimento como liberdade (2004), cabe ressaltarmos o fato de que para se garantir a eficácia em algum interesse ou representação torna-se antes necessário que este indivíduo tenha condições para manter sua participação, conectividade com a rede, ou seja, a sua autonomia e eficiência dentro da rede acaba por depender de outras variáveis. Nessa perspectiva, a participação na sua construção de demandas tanto dentro de uma plataforma em rede como em um ambiente democrático depende de variáveis que em grande parte diz respeito especialmente às condições individuais dos sujeitos que são formatadas em ambientes e contextos específicos.

Em primeiro lugar, ela é a condição principal do processo de desencaixe que passo a analisar de maneira breve. A separação entre tempo e espaço e sua formação em dimensões padronizadas, vazias, penetram as conexões entre a atividade social e seus encaixes nas particularidades dos contextos de presença. As instituições desencaixadas dilatam amplamente o escopo do distanciamento tempo-espaço e, para ter esse efeito, dependem da coordenação através do tempo e do espaço. Este fenômeno serve para abrir múltiplas possibilidades de mudança liberando das restrições dos hábitos e das práticas sociais. Em segundo lugar (…) as organizações modernas são capazes de conectar o local e global de formas que seriam impensáveis em sociedades mais tradicionais, e, assim fazendo, afetam rotineiramente a vida de milhões de pessoas. Em terceiro lugar, a historicidade radical associada à modernidade depende de modos de inserção no tempo e no espaço que não eram disponíveis para as civilizações precedentes. (…) Um sistema de datação padronizado, agora universalmente reconhecido, possibilita uma apropriação de um passado unitário, mas muito de tal história pode estar sujeito a interpretações contrastantes. Em acréscimo, dado o mapeamento geral do globo que é hoje tomado como certo, o passado unitário é um passado mundial; tempo e espaço são recombinados para formar uma estrutura histórico-mundial genuína de ação e experiência. (GIDDENS, 1991, p. 30-31)

Nesse trecho, Giddens nos permite compreender o quanto o desencaixe do espaço em relação ao tempo permite que agora subjetividades construam com mais propriedades suas interpretações a respeito de fatos e contextos históricos, bem como, têm a possibilidade de recombinar e formular ações a partir de experiências que agora não mais estão restritas à práticas sociais fixas. Compreendemos que o ganho que podemos encontrar nessa constatação está no que diz respeito ao regimento das ações e experiências. No entanto, ainda visualizamos alguns entraves para que esse desencaixe (e quando o dizemos, levamos em conta os atributos informacionais que o propicia), provedor da flexibilidade contemporânea, seja considerado também como catalizador das liberdades individuais quando tratamos da sua importância mas questões de representatividade em meio a sociedade. Nesse sentido, desenvolvendo um pouco mais essa conceituação e reflexão a respeito dos novos mecanismos tecnológicos e como estes seriam capazes de desenvolver nossas capacidades representativas observamos que autores como Castells (1999) deixam claro seu otimismo a respeito dessas novas tecnologias para o avanço das identidades e singularidades. Podemos também dizer que Castells vai ao encontro de Giddens quando observa a importância de contornos pertinentes para a construção de tais identidades e singularidades, mesmo não classificando estritamente tal fenômeno como consequência de um processo de desencaixe da relação espaço-tempo. A partir do exposto, o que levamos para o segundo capítulo, no entanto, são as seguintes perguntas: seria possível tratarmos do avanço das representações identitárias de

maneira autônoma pelo uso das novas tecnologias e pela estrutura da rede como troca de informações para a implementação de uma maior participação por suas partes sem que sejam colocados em evidencia questões a respeito das suas capacidades de acesso a essas miríades de benefícios? Seriam as novas organizações em rede uma plataforma que, propulsada pelos artifícios da sociedade informacional, uma construção eficaz para a implementação e desenvolvimento eficaz da cidadania levando em conta o atendimento aos interesses dos indivíduos que dela fazem parte? Estaríamos tratando com igualdade as constatações a respeito da ampliação das oportunidades na sociedade informacional ou apenas estaríamos exaltando a sua estrutura sem pensar em seus componentes fragmentados, os indivíduos, e sem levar em conta suas capacidades contextuais/materiais e políticas/simbólicas? AS REDES: RELAÇÕES E RELATIVISMO NO MUNDO REESTRUTURADO Como buscamos estabelecer uma análise e questionamento a respeito da rede como estrutura organizada capaz ou não de garantir um aumento da representatividade e participação dos indivíduos como cidadãos em meio a sociedade civil, precisamos de antemão fazer alguns apontamentos. Entenderemos a partir de então as redes aqui como uma estrutura de sociabilidades capaz de conectar subjetividades em prol comum do compartilhamento de informações com fins diferenciados de acordo com cada indivíduo. A questão então se torna em revelar o quão pertinente a organização em rede é para a formatação da dimensão cidadã dos indivíduos que nela se estabelecem. Nossa compreensão se baseia nos recentes estudos realizados pelo antropólogo Eduardo Marques (2010) a respeito do tema. Em sua obra Redes sociais, segregação e pobreza, Marques classifica as redes como padrões complexos de relações de diferentes tipos acumuladas ao longo de trajetórias de vida e em constante transformação. Elas são heterogêneas – variam de indivíduo para indivíduo –, são intrinsecamente dinâmicas e podem ser mobilizadas por eles de diversas maneiras dependendo da mesma situação. Mesmo o sentido e o uso dessas redes podem variar para indivíduos de grupos sociais distintos. (…) Consequentemente, as redes devem ser consideradas simultaneamente relacionais (no sentido de serem constituídas de relações) e relativas (no sentido de que a sua mobilização pode variar dependendo da situação). Para conseguir essas dimensões plenamente, os estudos devem capturar ao mesmo tempo a sua estrutura (as próprias redes e suas características) e a sua mobilização na sociabilidade cotidiana. (MARQUES, 2010, p. 16)

Assim como Marques nos permite dar foco à questões a respeito das relações e

relativismo das redes é importante ressaltar nesse ponto que não entendemos as redes como dotadas de um fim ou objetivos próprio, mas que essas são construções desenvolvidas a partir dos indivíduos que nela se conectam e que a partir dela estabelecem o acesso a seus interesses. Por outro lado, uma rede não pode ser necessariamente classificada como uma plataforma com a finalidade de garantir representatividade ou cidadania, pois tal estrutura pode se estabelecer mediante diversas sociabilidades e interesses a elas ligados. Norbert Elias (1994) nos auxilia a pensar sobre a diversidade e relatividade das redes: Na rede, muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede, nem a forma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca. Essa ligação origina um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, cada um de sua maneira um pouco diferente, conforme seu lugar e função na totalidade da rede. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto, essa rede nada é além de uma ligação de fios individuais; e no interior do todo, cada fio continua a constituir uma unidade em si; tem uma posição e uma forma singulares dentro dele. (ELIAS, 1994. p. 35)

A partir dessas conceituações, o que nos interessa colocar em comum a essas redes é a conexão de diferentes subjetividades mediadas pelas informações em jogo, pensando na qualidade e no acesso dessas informações e a sua pertinência para a formulação de demandas e conexões que vão atender de maneira eficaz os interesses desses indivíduos. Nesse ponto e através do caminho que percorremos até aqui, temos claro em nossas mentes que as consequências sociais e políticas presentes em nossa contemporaneidade, desenvolvidas a partir de preceitos e valores da modernidade, tem suas engrenagens regadas pelo pensamento democrático, na medida em que este institucionaliza a influência sobre a forma de representação e manifestação dos interesses e valores do indivíduo dentro de sua sociedade. Não nos interessa focar sobre os mais variados tipos de institucionalização dessas influências, mas considerar, neste ponto, que todas suas consequências e estruturações – e aqui situamos as organizações em rede – são fenômenos globais que se engendram segundo o contexto no qual estão aplicadas6. Ao recorrermos por esse caminho de pensar sobre o indivíduo e a sua potencialidade em acessar informações, bem como a qualidade e características dessas últimas, sendo ambas dimensões relacionadas ao contexto inserido, cabe a nós explicitarmos algumas observações feitas por David Harvey (2009). Assim como Castells

6 HUNTINGTON, S. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Edusp, 1975. p. 36-37

(1999), Harvey buscou analisar as causas e consequências desse novo momento em que o fluxo de informações e novas tecnologias que às exaltam, configuram novas noções em torno da vida social e política. Além de estabelecer aqui um diálogo interessante com Giddens (1991), o avanço de Harvey foi em analisar essa nova configuração a partir do prisma das transformações encaminhadas pelo desenvolvimento capitalista em fins do século XX. A partir de sua perspectiva, podemos entender aqui que as redes, bem como as novas tecnologias voltadas para o fluxo extenso e intenso de informações aliados à evocação por flexibilidade são provenientes de uma nova estruturação do sistema econômico. A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões subdesenvolvidas. Ela também envolve um novo movimento de “compressão do espaço-tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado. (HARVEY, 2009, p.140)

Dessa forma, ao tratarmos das representações possíveis através de uma estrutura em rede, não podemos deixar de evidenciar sua relação com a esfera econômica, entendendo sua influência não somente no campo material, como também no simbólico. Mesmo sabendo que estamos percorrendo por um viés tomado por conceitos antropológicos e sociais, – uma vez que visamos debater a subjetividade e sociabilidade, e a relação de ambas na participação política do indivíduo como cidadão através dessas plataformas – não podemos deixar de elencar pontos que tangem à questões econômicas na construção de interesses e de acessos em relação às informações que permeiam as redes. E isso por que: Um sistema particular de acumulação pode existir porque “seu esquema de reprodução é coerente”. O problema, no entanto, é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos […] assumirem alguma modalidade de configuração que mantenha o regime de acumulação funcionando. Tem de haver, portanto, uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regulamentação. Há duas amplas áreas de dificuldade num sistema econômico capitalista que têm de ser negociadas com sucesso para que esse sistema permaneça viável. (HARVEY, 2009, p.117)

É essa relação presente entre a subjetividade interpretativa do indivíduo e a objetividade trazida pela materialidade de seus contextos que devemos focar quando queremos tecer impressões relacionadas à garantia de acesso à rede e à qualidade7 das informações acessadas e compartilhadas. Compreendemos a influência não só da individualidade na formatação de interesses que guiem um determinado acesso a uma determinada informação mediante um objetivo específico regido por experiências particulares. O que queremos evidenciar aqui é que compreendemos a importância de evidenciar as influências entre as condições individuais – no sentido das subjetividades e as ordens de interpretações de mundo a elas relacionadas – e as condições materiais para a formulação de interesses e para propulsão das informações dentro da rede. Amartya Sen (2000) nos auxilia a estabelecer essa conexão. Como ele já havia observado em sua obra Desenvolvimento como liberdade, para que haja ambientes onde a livre circulação de informações possa acontecer é necessário que tanto as liberdades políticas quanto as substantivas estejam garantidas a esses indivíduos, uma vez na relação existente entre a liberdade política e liberdade substantiva uma desenvolve a outra no sentido de gerar/ampliar autonomia para o indivíduo. A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social vai muito além da relação constitutiva – por mais importante que ela seja. O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas. As disposições institucionais que proporcionam essas oportunidades são ainda influenciadas pelo exercício das liberdades das pessoas, mediante a liberdade para participar da escolha social e da tomada de decisões públicas que impelem o progresso dessas oportunidades. (SEN, 2000. p. 19)

Chegamos aqui em um ponto-chave de nossa reflexão. Assim como a informação é o componente fundamental para a eficiência da estrutura em rede como propulsora de representações legítimas, questões sobre a liberdade e suas características também se encontram presentes nesse debate, pois estabelecem um forte vínculo em relação aos ingredientes informacionais. É a partir dessa relação que podem ser estabelecidas observações a respeito das oportunidades de acesso e da qualidade da escolha de certas informações em detrimento de outras. É interessante articular a noção de Sen (2000) sobre liberdades substantivas e políticas às noções de Bauman (2001) sobre liberdades objetivas 7 Ao nos referirmos sobre a qualidade das informações, não é nossa intenção estabelecer um juízo de valor a seu respeito, mas apenas concluir que as informações são construídas a partir de inúmeras variáveis, constituindo -se assim, como uma matéria de características próprias.

e subjetivas a partir de um trecho longo e em grande medida filosófico, no entanto, imprescindível para que nossos caminhos possam revelar o aspecto psicanalítico presente entre no conceito de flexibilidade (como atributo das redes) e reflexividade (como atributo do indivíduo) Tal uso nos permite distinguir entre liberdade “subjetiva” e “objetiva” – e também entre a “necessidade de libertação” subjetiva e objetiva. Pode ser que o desejo de melhorar tenha sido frustrado, ou nem tenha tido oportunidade de surgir (por exemplo, pela pressão do “princípio de realidade” exercido, segundo Sigmund Freud, sobre a busca humana do prazer e da felicidade), as intenções fossem elas realmente experimentadas ou apenas imagináveis, foram adaptadas ao tamanho da capacidade de agir, e particularmente à capacidade de agir razoavelmente – com chance de sucesso. Por outro lado, pode ser que, pela manipulação direta das intenções – uma forma de “lavagem cerebral” - nunca se pudesse chegar a verificar os limites da capacidade “objetiva” de agir, e menos ainda, saber quais eram, em primeiro lugar essas intenções, acabando-se, portanto, por colocá-las abaixo do nível da liberdade “objetiva”. A distinção entre liberdade “subjetiva” e “objetiva” abriu uma genuína caixa de Pandora de questões embaraçosas como “fenômeno versus essência” - de significação filosófica variada, mas no todo considerável, e de importância política potencialmente enorme. Uma dessas questões é a possibilidade de que o que se sente como liberdade não seja de fato liberdade; que as pessoas podem estar satisfeitas com o que lhes cabe mesmo que o que lhes cabe esteja longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo na escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentem a necessidade de se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente libres. O corolário dessa possibilidade é a suposição de que as pessoas podem ser juízes incompetentes de sua própria situação, e devem ser forçadas ou seduzidas, mas em todo caso guiadas, para experimentar a necessidade de ser “objetivamente” livres e para reunir a coragem e a determinação para lutar por isso. Ameaça mais sombria atormentava o coração dos filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejeitassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liberdade pode acarretar. (BAUMAN, 2001, p. 24-25)

A partir de agora, e depois das relações estabelecidas entre informação e liberdade como componentes propulsores das capacidades representativas, tendo como pano de fundo as organizações que se constroem em forma de rede, buscaremos estabelecer e avaliar a conexão entre esses dois elementos em relação à dimensão do indivíduos e suas respectivas capacidades de agir e consequentemente posicionar-se na rede. Levaremos em conta não só que já foi exposto até aqui, mas também objetivaremos avançar no escopo de uma conclusão que vise deixar evidente as características e a qualidade das interações com rede, para que possamos entender se existe ou não uma assimetria, ou incoerência em relação a sua perspectiva afirmativa e flexibilizante que possa remeter a essas organizações um caráter um tanto quanto meritocrático e portanto, incompatível com os ideais democráticos que tem como intuito propagar. POTENCIALIDADE FLEXÍVEL OU MERITOCRÁTICA?

Ao pensarmos a rede como estrutura até aqui, trouxemos em nossa bagagem conceitos e reflexões que permeiam teorias e análises dentro do campo do pensamento sociológico e político das sociedades contemporâneas. No entanto, ao tratarmos agora de questões configuradas através das relações existentes entre o indivíduo e contexto que este visa implementar sua participação, é necessário que nos enveredemos a partir de então em meio categorias antropológicas8 – no que diz respeito à compreensão do sentido relacionado à ação mediante o contexto em que se estrutura – e, como já fora anteriormente explicitado, filosóficas. Giddens, em sua obra A constituição da sociedade colabora e muito para com o caminho teórico que pretendemos trilhar. Entendemos que, por se tratar de um objeto de estudo que articula processos atuais como o desenvolvimento e expansão dos aspectos tecnológicos e informacionais à questões clássicas e filosóficas dentro do debate sobre participação/representação política e sociedade, lidamos ainda em grande medida com teorias sociais que estimulam o pensamento das ciências sociais tanto no sentido de suas afirmações ou obsolências. “Teoria social” não é uma expressão que tenha alguma precisão, mas, apesar de tudo, é muito útil. Tal como a represento, a 'teoria social' envolve a análise de questões que repercutem na filosofia, mas não é primordialmente um esforço filosófico. As ciências sociais estarão perdidas se não forem diretamente relacionadas com problemas filosóficos por aqueles que as praticam. Pedir aos cientistas sociais que estejam atentos para questões filosóficas não é o mesmo que lançar a ciência social nos braços daqueles que poderiam pretender ser ela inerentemente mais especulativa do que empírica. A teoria social tem a tarefa de fornecer concepções da natureza da atividade social humana e do agente humano que possam ser colocadas a serviço do trabalho empírico. A principal preocupação da teoria social é idêntica às das ciências sociais em geral: a elucidação de processos concretos da vida social. Sustentar que os debates filosóficos possam contribuir para essa empresa não significa supor que tais debates necessitam ser resolvidos de modo concludente antes que se possa iniciar uma pesquisa social digna de crédito. Pelo contrário, o prosseguimento da pesquisa social pode, em princípio, tanto projetar luz sobre controvérsias filosóficas quanto fazer justamente o inverso. (GIDDENS, 2003, p. 18)

Assim como expõe Giddens (2003), o que nos interessa aqui, por tanto, é a construção da arena para um debate coerente com as insurgências contextuais que nascem 8 Essas categorias poderiam ser mais bem profundamente conhecidas aqui pela Hermenêutica como linha antropológica capaz de explanar sobre a relação entre indivíduo e a estrutura em que se encontra em sociedade. Segundo Giddens (2003, p. 3), “é na conceituação da cognoscitividade humana e em seu envolvimento na ação que procuro tomar para uso próprio algumas das principais contribuições das sociologias interpretativas. Na teoria da estruturação, um ponto de partida hermenêutico é aceito na medida em que se reconhece que a descrição de atividades humanas requer familiaridade com as formas de vida expressas naquelas atividades”.

em nossa contemporaneidade em relação às nossas clássicas concepções sobre indivíduo, sociedade e participação política, e não prioritariamente revelar caminhos definitivamente conclusivos. Ao desempenhar uma análise a respeito das organizações em rede nesse âmbito, devemos considerar que tanto o interesse e consecutivamente, a ação realizada pelo indivíduo em meio a rede, deve ser analisada tendo como pano de fundo sua dimensão subjetiva e objetiva da realidade. É necessário que nesse exercício, articulemos as características das liberdades relacionadas a esses indivíduos e como elas se articulam em conexão com o Outro. Nesse caminho, é possível que avaliemos não só a qualidade dos nós e da configuração que apresenta na rede, como também poderemos desvendar, a partir das variáveis presentes nessas duas dimensões acima citadas, em que medida se dão as oportunidades e possibilidades tanto de produção de interesses, demandas ou informações a serem concatenados às redes. Dessa mesma forma, também poderemos reconhecer características que qualificam o acesso à informações e potencializam um menor ou maior participação cidadã por meio dessa rede. Ainda sim consideramos as redes como uma estrutura onde sujeitos, organizados em meio a sociedade civil, garantem algumas possibilidades e oportunidades em representar seus interesses igualmente por meio das potencialidades informacionais que elas podem proporcionar. Dessa forma, consideramos a rede como uma construção que influência a relação entre indivíduo e sociedade por meio de um mecanismo que se configura como político por proporcionam ambientes que promovem a participação na dimensão social, uma vez que coloca em diálogo interesses, demandas, informações e objetivos individuais e coletivos. Vamos, portanto, ao encontro de Marques (2010): As redes podem mediar a entrega de política pelo Estado. Por muito tempo, a literatura de políticas públicas considerou que a lógica da universalização significaria a existência de certo automatismo despersonalizado na implementação e na entrega das políticas. Contudo, ao menos desde Lipsky (1980), sabemos que com muita frequência a entrega de políticas envolve um exercício contínuo de tradução, criando discricionariedade. A incorporação das redes no desenho das políticas pode ajudar a melhorar a implementação, tornando as iniciativas públicas mais capazes de alcançar seus alvos. (MARQUES, 2010, p. 47)

No entanto, diferente de muitas construções teóricas que visam exaltar a estrutura da rede como se essa por si só estabelecesse padrões igualitários e afirmativos no desenvolvimento da participação política e social, torna-se necessário deixarmos evidente a ligação proporcional que existe entre os conceitos de liberdade anteriormente explorados e a configuração das potencialidades e capacidades individuais. Sen nos ajuda

nessa orientação quando nos permite compreender a capacidade individual como categoria semelhante – por ser estruturada e estruturante – à liberdade individual, pensando-as tanto em seu aspecto substantivo quanto político. O diferencial é que passaremos a dar foco, então, aos nós (indivíduos) e links (ligações entre nós) e não à estrutura maximizada da rede. O conceito de capacidade individual define a própria potencialidade, sendo essa desenvolvida em maior ou em menor grau mediante a uma maior ou menor oportunidade de alcançar combinações eficientes para a realização de seus interesses e demandas seja qual for a dimensão social. Se a questão é concentrar-se na oportunidade real do indivíduo para perseguir seus objetivos (como Rawls explicitamente recomenda), então se deveria levar em conta não apenas os bens primários que as pessoas têm respectivamente, mas também a conversão dos bens primários na habilidade das pessoas de promoverem seus fins [...]. A "capacidade" de uma pessoa se refere a combinações alternativas de funcionamento que são factíveis de serem atingidas por ela. A capacidade é, portanto, um tipo de liberdade: a liberdade substantiva de alcançar combinações alternativas de funcionamento (ou, posto menos formalmente, a liberdade para alcançar vários estilos de vida). (SEN, 2000, p. 74-75)

O que nos interessa concluir nesse ponto, portanto, é que a privação às liberdades tanto substantivas e como políticas resulta proporcionalmente ao uma privação no campo das capacidades dos indivíduos em representar-se me meio a rede e concretizar seus objetivos9. CONCLUSÃO: A REDE E SUA PARCELA DE ESTRANHAMENTO Os estudos e teorias que exaltam a rede como uma nova plataforma capaz de ampliar a participação política daqueles que dela fazem parte já relatados anteriormente não avançaram a análise para os nós, ou seja, os indivíduos e suas ligações com os outros. Nesse sentindo, pudemos perceber que não só a qualidade de gestão da rede, ou seja, a coerência para com a realização de seus objetivos, como também a posição dos indivíduos em sua estrutura depende de variáreis, classificadas anteriormente por nós como informações, relacionadas mais a uma primeira ordem, a qual diz respeito não simplesmente ao contexto em que este indivíduo está inserido, mas sua capacidade interpretativa e reflexiva mediante suas oportunidades substantivas e políticas. Podemos 9 Apesar de não citar no trecho que segue a capacidade como liberdade também política, levamos em conta a forte relação existente entre as duas, apresentadas em sua obra Desenvolvimento como liberdade (2000). Para Sen, é importante e necessário que existam paralelamente a liberdade substantiva e a liberdade política, partindo da afirmação de que na relação existente entre a liberdade política e liberdade substantiva uma desenvolve a outra no sentido de gerar/ampliar autonomia para o indivíduo.

entender adiante que, a posição sendo proporcionada por essas variáveis é a estrutura configuradora, relacionada e relativa, que permite a esse indivíduo uma maior ou menor capacidade de agir mediante a legitimidade de representação de seus interesses em meio a dimensão política de participação. As categorias de capacidade e possibilidades, acima articuladas pelas análises de Sen (2000) sobre liberdades e suas oportunidades ganham força em nossa explanação se concatenadas aos conceitos de Giddens (2003) sobre ação e poder. O seguinte trecho de sua obra A constituição da sociedade, apesar de ser longo, é muito pertinente para estabelecermos essa relação e categorizarmos a rede para além das suas potencialidades estruturais. Colocando essas observações de um outro modo, podemos dizer que ação envolve logicamente poder no sentido de capacidade transformadora. Nesse sentido, pelo significado mais abrangente de “poder”, o poder é logicamente anterior à subjetividade, à constituição da monitoração reflexiva da conduta. (…) Assim, “poder” é definido, com muita frequência, em termos de intenção ou de vontade, como a capacidade de obter resultados desejados e pretendidos. Outros autores, por contraste, entre eles Parsons e Foucault, vêem o poder como, acima de tudo uma propriedade da sociedade ou da comunidade social. A questão não é eliminar um desses tipos de concepção à custa do outro, mas expressar a relação entre eles como uma característica da dualidade da estrutura. (…) Os recursos (focalizados via significação e legitimação) são propriedades estruturadas de sistemas sócias, definidos e reproduzidos por agentes dotados de capacidade cognoscitiva no decorrer da interação. O poder não está intrinsecamente, ligado à realização de interesses secionais. Nessa concepção o uso do poder não caracteriza tipos específicos de conduta, mas toda a ação, e o poder não é em si mesmo um recurso. Os recursos são veículos através dos quais o poder é exercido, como um elemento rotineiro da exemplificação da conduta na reprodução social. Não devemos conceder as estruturas de dominação firmadas em instituições sociais como se de alguma forma produzissem laboriosamente “corpos dóceis” que se comportam como autônomos sugeridos pela ciência social objetivista. O poder em sistemas sociais que desfrutam de certa continuidade no tempo e no espaço pressupõe relações regularizadas de autonomia e dependência entre atores ou coletividades em contextos de interação social. Mas todas as formas de dependência oferecem alguns recursos por meio dos quais aqueles que são subordinados podem influenciar as atividades de seus superiores. É isso que chamo de dialética do controle em sistemas sociais. (GIIDENS, 2003, p. 1719)

O ponto que queremos chegar para fundamentarmos definitivamente a pertinência de uma reflexão que se ainda se encontra aberta à conclusões é que, a rede como estrutura contemporânea de relação de indivíduos pode ser compreendida a partir do que Giddens (2003) chamou de dialética do controle. Sendo assim, sua potencialidade não se dá apenas pelas promessas de flexibilidade ou expansão democrática, mas também relaciona-se com as relações regularizadas a partir das interações que acontecem a partir dela, entendo que tais relações, compreendem tanto à regulamentação objetiva quanto subjetiva que cada

indivíduo encontra na interação e na formação de nós. É importante ressaltarmos que, assim como salientou Harvey (2009) a respeito da formatação de comportamentos para o atendimento de uma nova estrutura econômica e política, a rede, pode ser relativa e relacionada, e consequentemente, estruturada e estruturante se pensarmos pelas categorias de Giddens (2003) sobre a dialética do controle, pode em grande medida estabelecer-se como estrutura de estranhamento, a qual, exaltando sua perspectiva de neutralidade e consecutivas implementações de participação política, obscurecem as capacidades primeiras, relativas ao seu acesso e adesão, que podem caracterizar uma estrutura baseada na meritocracia. Ainda é prematuro afirmar que as organizações em rede se configuram como um novo elemento político alienante dos aspectos que tangem a uma maior ou menor oportunidade e capacidade de formulação de demandas, interesses e poderes. No entanto, tal fato não nos impede de salientar as instabilidades de suas coerências. Jesus Ranieri (2001) contribui para essa reflexão quando expõe de maneira clara sobre a utilidade dos mecanismos de estranhamento para a perpetuação de contexto alienado nesse trecho: (…) a primeira [alienação - Entäusserung] está carregada de um conteúdo voltado à noção de atividade, objetivação, exteriorizações históricas do ser humano; a segunda [estranhamento - Entfremdung], ao contrário, compõe-se dos obstáculos sociais que impedem que a primeira se realize em conformidade com as potencialidades do homem, entraves que fazem com que, dadas as formas históricas de apropriação e organização do trabalho por meio da propriedade privada, a alienação apareça como um elemento concêntrico ao estranhamento. Na verdade [...], a partir do momento em que se tem, na história, a produção como alvo da apropriação por parte de um determinado segmento social distinto daquele que produz, tem-se também o estranhamento, na medida em que este conflito entre a apropriação e expropriação é aquele que funda a distinção socioeconômica e também política entre as classes (RANIERI, 2001, p. 8-9).

O que queremos concluir e deixar aberto ao progresso reflexivo é que exaltar as organizações em rede como nova força universal capaz de garantir a participação e desenvolvimento autônomo de sugestões e vontades individuais de maneira plena nas diversas dimensões da vida social é de certa forma ofuscar as causas de desigualdades mais primárias, e que se relacionam diretamente com as percepções e sentidos que o indivíduo insere uma vez em contato com o ambiente em que vive, e por isso, prioritariamente importantes para o real desenvolvimento da consciência e prática do indivíduo acerca do contexto em que reside. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida.; tradução Plínio Dentzien. – Rio de

Janeiro : Zahar, 2001. 258 p. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas; introdução, organização e seleção Sérgio Miceli. – São Paulo : Perspectiva, 2007. 424 p. (Coleção Estudos). CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução, Maria Luiza X. de A. Borges; - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. _________________. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Vol. 1. _________________. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Vol. 2 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos; org. Michael Schröter; tradução Vera Ribeiro; revisão técnica e notas Renato Janine Ribeiro. – Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1994. 204 p. GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade; tradução Álvaro Cabral. – São Paulo : Martins Fontes, 2003. 458 p. _________________. As consequências da modernidade; tradução Raul Fiker. – São Paulo : Editora Unesp, 1991. 195 p. HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural; tradução Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. – 23ª ed. São Paulo : Edições Loyola, 2012. 348 p. HUNTINGTON, Samuel. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Edusp, 1975 MARQUES, Eduardo. Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo : Unesp, 2010. 216 p. PUTNAM, Robert David. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. 4ª Edição, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. SANTOS, Laymert Garcia. Politizar as novas tecnologias: o impacto sociotécnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 337 p. ____________. Desigualdade Reexaminada; tradução: Ricardo Doninelli Mendes. – 2ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo : Editora Record, 2008. 300 p. RANIERI, Jesus. A câmara escura. Alienação e estranhamento em Marx. São Paulo : Boitempo, 2001.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.