POSTER ADOÇAO.pdf

May 24, 2017 | Autor: Vera Ramalho | Categoria: Adoção
Share Embed


Descrição do Produto

Armanda Gonçalves*; Vera Ramalho**; Nuno Sousa***

Histórias sobre a adoção

* Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa; ** Psiquilibrios – Centro de Consulta Psicológica *** Estagiário da Universidade do Minho/Psiquilibrios Contactos [email protected], [email protected]

1. Introdução

3. Resultados

A adoção constitui uma forma de dar resposta às crianças que, por motivos diversos, se encontram privadas da sua família biológica, procurando responsabilizar outra família pelo cumprimento das funções parentais. Constitui um procedimento legal que visa dar à criança uma família capaz de

1.  Informação   processual  

“adoptamos . . . demorou cinco anos de tempo de espera”; “as três entrevistas, foi no espaço de seis meses”; “o nosso perfil, . . . era uma criança até três ou quatro anos de idade”

2.  Mo9vação  para   adoção  

“depois primeiro problema que a minha esposa teve, portanto, primeiro aborto que teve, foi a seguir, passado alguns meses”

3.  Experiência  pré-­‐ adoção  

“as expetativas eram boas (...) sempre tivemos pessoas que nos ajudaram enquanto que a gente sabia que estava à espera. “Tudo o que saia, todas as alterações da lei, mantivemo-nos sempre informados”

4.  Experiência  do   processo  espera  

“E vai-se criando “pode ser agora” e fica-se naquela expectativa “as coisas agora vão melhorar” e vai-se aumentando essas expectativas”; “Casais perguntam como é que foi o processo(...)é das coisas mais tortuosas que existe, inexplicavelmente”

5.  Flexibilidade/ disponibilidade   família    

“. . . situações que não tinham absolutamente nada a ver com aquilo que nós tínhamos entre aspas idealizado”; “Nós já ponderávamos tudo se fosse preciso até mudávamos de casa”

6.  Experiência  dos   pais  face  à  proposta  

“Isso eu lembro-me bem, nós aceitamos de olhos fechados”; “Estávamos contentes por termos as duas crianças”;

7.  Experiência  da   adoção  

“na altura foi a realização do sonho e estávamos é… foi isso que nos motivou no dia-a-dia, e nas confusões do dia-a-dia”; “a própria felicidade de os termos connosco também nos motivou”;“havia dois tipos de receios, um era que todas as más experiências, havia um receio o processo legal”

8.  Dificuldades   iniciais  adoção  

“Nunca soubemos, nunca houve informação” “Foi de um momento para o outro, não existiu aquele tempo de..., vamos ter aqui duas crianças, percebe”

9.  Atribuições  sobre   as  dificuldades  das   crianças  

“ficamos sempre com aquela sensação de que existia alguma coisa no passado que pudesse justificar aquilo”

10.Construção  do   laço  

“Foi uma ligação pessoal”; “não houve raciocínio, só houve sentimento”

11.  Estratégias  lidar   com  dificuldades  

“Primeiro resolvemos entre nós, contratamos uma psicóloga (...) colocamos a situação a segurança social, que nomeou uma psicóloga deles”; “O apoio das pessoas próximas e também de amigas”

12.Avaliação  do   funcionamento  do   serviço  adopção  

“(...) um conjunto de situações que se notava que o processo não tinha sequer sido trabalhado”; “parece que estão a despachar mercadorias”; “Eles nunca foram ver se esta a ser bem tratado ou mal tratado.” “eles próprios disseram que só tinham um dia ou dois por semana para trabalhar no sistema de adopção”

assegurar o seu bem-estar, satisfazendo as suas necessidades através da sua inserção num ambiente favorável ao seu desenvolvimento (Salvaterra & Veríssimo, 2008). Do ponto de vista do casal que adota, trata-se de uma oportunidade de criar com uma criança um vínculo semelhante à relação entre pais e filhos biológicos (Instituto da Segurança Social, I.P., 2010), representando a decisão de adotar o primeiro passo na experiência da parentalidade adotiva (Silin, 1996; cit. Vieira, 2010). A partir do momento que um casal se predispõe à adoção, a sua vida sofrerá mudanças que acarretam a adaptação a um processo longo e moroso. Além dos aspetos formais, há a necessidade dos pais adotivos se confrontarem com as suas motivações, facto que poderá acentuar a consciência das perdas passadas, sendo fundamental que estes consigam dar significado aos seus sentimentos em relação à impossibilidade de conceber um filho. A literatura aponta várias motivações para a adoção, sendo a infertilidade do casal a mais comum (Salvaterra & Veríssimo, 2008; Vieira, 2010; Weber, 2003 cit. Mariano & Rossetti-Ferreira, 2008). De acordo com a investigação de Infante (1991), as três grandes motivações para adotar são: a necessidade de estar de acordo com o modelo social normativo do casal com filhos (“um lar está vazio quando não existem filhos”), a realização da mulher/homem só se completa na maternidade/paternidade, e a necessidade de apoio na velhice. No que concerne aos aspetos emocionais, é possível identificar um conjunto de fatores, que fazem

Categorias  

parte da experiência de uma percentagem significativa de casais que adotam e que muitas vezes não são reconhecidos. Estes casais têm de se confrontar com experiências de perda e de infertilidade, que podem ser ativadas no encontro com a criança e dificultar a construção da relação. Além disso, a não universalidade da experiência da adoção pode, por si própria, desencadear sentimentos de isolamento tanto para a criança como para os pais adotivos. Em continuidade, o fantasma dos pais biológicos pode permanecer nas mentes tanto das crianças como dos pais, neste caso associado à ameaça da perda da criança para a família biológica ou do reencontro com esta família. Tal-qualmente o carácter reversível (em termos legais) deste processo, constitui outro aspecto que pode dificultar a construção de um sentimento de segurança  (Greco, 2006). Apesar de todas as complexidades inerentes à transição para a parentalidade adotiva, não significa que esta seja necessariamente causadora de conflitos, nem que predisponha a criança a dificuldades. A aceitação pelos pais adotivos de um filho não biológico e da sua história e origem representam fatores de ajustamento, favorecendo que se estabeleçam os laços de filiação que culminam numa “adoção efetiva” pelos pais (Sonego et al., 2009).

2. Metodologia Como profissionais de psicologia, que lidam com o tema da adoção através do atendimento a famílias em sofrimento e com dificuldades no período posterior à adoção, interessa-nos saber o que conhecemos sobre a experiência dos pais adotivos ao longo de todo o percurso da adoção. Para o efeito desenvolvemos um estudo de natureza qualitativa.   2.1 Objetivos de investigação 1. Compreender a experiência das famílias ao longo do processo de adoção, procurando entender as diferentes etapas e as suas experiências mais significativas. 2. Facultar aos profissionais uma maior compreensão sobre uma configuração familiar cada vez mais presente na nossa sociedade. 3. Contribuir para a reflexão sobre o processo de adoção, procurando modelos alternativos para prevenir as dificuldades inerentes ao mesmo. 4. Encontrar medidas que permitam minorar ou ultrapassar dificuldades favorecendo a construção de uma parentalidade satisfatória 2.2. Participantes Participaram neste estudo um casal em que mulher e marido têm 38 anos. São casados, possuem formação superior e têm um filho adotado com 7 anos (3 anos no momento de adoção). A adoção foi motivada por razões de infertilidade. O casal recorreu a acompanhamento psicológico devido a questões relacionadas com a adoção.   2.3 Instrumentos Ficha Sócio-demográfica Dados relativos aos pais (e.g., género, idade, estado civil, escolaridade); dados relativos à criança (e.g., data de nascimento, género, e idade aquando a adoção). Entrevista narrativa intitulada “Histórias sobre a adoção”, na qual os pais adotivos partilharam alguns capítulos da sua história e da sua relação com o seu filho. Temas da entrevista: A decisão de adotar; o contato com os serviços de adoção; o filho esperado; as mudanças (ines)peradas; o meu filho; o presente: a filiação adotiva; o balanço final. 2.4 Procedimentos O casal foi informado sobre a natureza do projeto de investigação, do procedimento de recolha de dados e dos aspectos éticos associados. A administração do questionário sociodemográfico e a realização da entrevista decorreu em janeiro de 2012, nas instalações do Psiquilibrios A duração da entrevista foi de 90 minutos. A confidencialidade dos dados foi respeitada.   2.5 Tratamento de dados A entrevista foi gravada em áudio, tendo sido posteriormente, transcrita na sua totalidade. Os dados recolhidos foram analisados com o recurso a Análise de Conteúdo, integrando concomitantemente princípios da Grounded Theory.

4. Discussão e Conclusões A adoção tem sido alvo de um interesse renovado nos últimos anos em muitos países, entre os quais Portugal. Este facto deve-se ao aumento do fenómeno, por sua vez, associado às transformações sociais que caraterizam a sociedade e a família ocidental, mas também pelo interesse crescente em prestar aos intervenientes no processo, pais e crianças, o melhor serviço possível. No contexto nacional os estudos sobre o tema são ainda incipientes, principalmente se considerarmos países congéneres europeus (Espanha, Itália), justificando-se a necessidade de mais estudos que ajudem a compreender a experiência dos participantes neste processo e as suas necessidades de forma a refletirmos e ajustarmos as práticas. Com os resultados preliminares do nosso estudo, que se centra na experiência dos pais adotivos, percebemos que subjacente à decisão de adotar encontra-se a impossibilidade de construir uma família biológica devido à infertilidade (cf. Salvaterra & Veríssimo, 2008; Vieira, 2010; Weber, 2003 cit. Mariano & Rossetti-Ferreira, 2008). Assim, esta decisão é tomada depois de várias tentativas, o que evidencia que as alternativas biológicas e médicas à adoção persistem como primeira escolha (Ambert, 2003). De igual modo, parece manter-se a morosidade do processo de adoção (Potes, Bandola, Real & Ferreira, 2006), que no nosso estudo, não se pode justificar pelo perfil restritivo de criança definido pelo casal no momento de candidatura, atendendo à abertura e flexibilidade evidenciados por estes face às propostas apresentadas pelos serviços. Este tempo de espera merece maior reflexão pelo impacto que parece ter no casal, que entra neste processo com expectativas muito positivas, que no decurso do tempo se transformam em desilusões e angústias. Como refere Brodzinsky (1987) a incerteza que carateriza o processo de adoção parece gerar ansiedade e receios que são ativados no próprio momento da adoção, e que podem afetar o desenvolvimento de uma relação de vinculação segura. Se em termos de informação relativa aos aspetos burocráticos, processuais e legais do que à adoção concerne o casal se mostra autosuficiente, parece necessitar de ajuda e apoio para compreender as vicissitudes e imprevisibilidade deste processo. Além da preparação cognitiva, trata-se da preparação do coração (Re, 2008) relativa à necessidade do casal estar preparado para se questionar, sofrer, alegrar-se, sentir medo, e sobretudo para a importância de procurar conhecer o filho. Apesar destas dificuldades, a experiência de adoção reveste-se de uma carga emocional claramente positiva de felicidade e concretização do sonho do casal de poder experienciar a parentalidade e de construir uma família. Tal como também referem Ferreira e colaboradores (2004) o encontro com a criança é neste casal recordado como um momento de alegria e emoção, com recordações precisas acerca da criança e do contexto onde ocorreu o contacto. De forma surpreendente verificamos que o primeiro encontro do casal com a criança foi em simultâneo o momento da entrega da criança ao casal, o que impossibilitou que houvesse qualquer trabalho de promoção e avaliação do vínculo entre o casal e a criança (Costa & Campos, 2003; Salvaterra, 2007). Considerando que as famílias adotivas passam por processos e experiências semelhantes às das outras formas de família (Mateus & Relvas, 2002), podemos encarar a adopção como um acontecimento crítico não normativo no ciclo de vida da família, em que o casal precisa de ativar os recursos necessários para enfrentar as transformações que esta transição coloca. Assim, dificuldades como o carácter imediato da entrega da criança, a falta de preparação e acompanhamento ao longo das diferentes etapas do processo, parecem constituir um risco significativo num momento em que o casal está sobrecarregado com a reorganização dos papéis e das competências do casal, criação de novas regras e rotinas de funcionamento familiar, regulação da relação intergeracional e com o exterior (Alarcão, 2006; Mateus & Relvas, 2002; Scabini & Iafrate, 2003). Neste caso concreto, podemos apontar como sinais de risco as dificuldades em identificar as primeiras dificuldades na interação e no comportamento da criança. No processo de construção da parentalidade é habitual que a criança adotada adquira um tratamento especial, em que os pais passam com frequência por um período de “lua de mel” com as crianças, o que pode por um lado estar relacionado com as frustrações e decepções por que passaram (Sonego & Lopes, 2009; Pinto & Picon, 2009), e por outro lado pelo facto de no primeiro contato com a criança os pais se centrarem mais na própria experiência do que na criança, dificultando o processo de reconhecimento do outro, da sua história e especificidades (Pianu, 2008). Face a momento críticos a estratégia do casal é virar-se para dentro, procurando dentro de si as soluções, só depois nos outros (técnicos, sociais e familiares). Esta tendência de viver a adoção de um modo privado, pode ser explicado pelo estigma ainda associado a esta experiência (Miall, 1996), assim como pelo carácter não universal da mesma, que pode desencadear sentimentos de isolamento e de diversidade (Greco, 2006), mas também pela falta de apoio e suporte disponível na fase pós-adoção. A construção do laço familiar é apresentado pelo casal como algo que acontece e menos como um processo, tal como a própria identidade da família adotiva que para o casal não se diferencia da família biológica. Assumindo a construção do laço adotivo como um processo que se constrói ao longo do tempo, a tarefa central na adoção é a construção do pacto adoptivo, que integre as necessidades, expectativas e histórias tanto dos pais como da criança (Scabini & Cigoli, 2000). Este processo complexo que implica para os pais a legitimação da parentalidade adotiva, e para o filho a experiência de uma relação promotora do desenvolvimento (Re, 2008) desenvolve-se no tempo e carece de um acompanhamento mais próximos dos serviços ao longo de todas as etapas do processo de adoção.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.