I N T R O D U Ç Ã O
U+lizando como categoria analí+ca o “mí+co” epíteto de “Terceira cidade” atribuído a Coimbra, este estudo -‐ “A construção da imagem de Coimbra no contexto das hierarquias urbanas das cidades portuguesas” -‐ assume como postulado a existência de um ranking compe++vo de cidades. Prosseguindo duas linhas de orientação – a construção da imagem da cidade e as hierarquias urbanas – a análise observa a interpenetração dos dois eixos numa lógica que entende a cidade enquanto objecto que ostenta um valor que extravasa o lado meramente simbólico. Esta promoção da cidade, esta capitalização da imagem manifesta-‐se transversal aos diversos períodos cronológicos analisados – dos anos 20 até 2007. Tendo como mote um conflito par+cularmente aceso nos anos 20, do séc. XX, com a cidade de Braga, que reclamava a Coimbra o seu estatuto de “terceira”, a análise percorre (quase) 9 décadas de história, etapas de um Tempo em que a transformação, a reconstrução, a manutenção, mas mais do que tudo o combate, nunca poderiam estar imunes às mudanças macrossociais vivenciadas a nível nacional e internacional. As guerras mundiais, as revoluções militares, o fim do colonialismo, a democracia, as ideologias, o regionalismo, a urbanização, a metropolização, estes e outros acontecimentos deixaram uma marca na cidade. Causas e consequências. Impactos do ser (ou não ser) a “Terceira cidade”, nas trincheiras de uma iden+dade reclamada/ameaçada num Portugal bipolarizado por Lisboa e Porto. M E T O D O L O G I A Embora sejam analisadas diversas hierarquizações de âmbito geográfico ou sócioterritorial – de Pedro Costa a Patrícia Abrantes, da Comissão Europeia ao QREN, passando pela incontornável Saskia Sassen – o estudo, em primeiro lugar, centra-‐se nas narra+vas dos autores, explícitas nos jornais de âmbito local – A Gazeta de Coimbra e o Diário de Coimbra – num intervalo temporal balizado entre 1920 e 2007. No mesmo sen+do, focaliza-‐se no mês de comemoração (nem sempre oficial) do “dia da cidade”, exactamente por ser aquele em que são produzidos mais discursos e discu+dos/apresentados os programas principais. Sendo assim, de 1920 a 1968 considerou-‐se o mês de Maio – data que evoca a entrada das tropas liberais na cidade, comandadas pelo duque da Terceira, a 8 de Maio – e de 1969 a 2007 considerou-‐se o mês de Julho -‐ data evoca+va da morte da padroeira de Coimbra, a Rainha Santa Isabel, comemorada a 4 de Julho. Enquanto que o mês de Maio coincide com a festa da Queima das Fitas, no mês de Julho comemoram-‐se as fes+vidades da Rainha Santa Isabel. Em termos de periódicos privilegiou-‐se A Gazeta de Coimbra de 1920 a 1947 e o Diário de Coimbra a par+r dessa data. Em termos globais, foram analisados oitenta e sete meses, equivalentes ao mesmo número de anos, para uma es+ma+va aproximada de dois mil e duzentos números de jornais.
C O N C L U S Õ E S
O estudo conclui que na origem do estatuto de “terceira cidade” está uma visão “estrutural-‐funcionalista” de pendor geográfico de um país dividido na trilogia Coimbra/Porto/Lisboa, fundamentado pelo facto de Coimbra se entender como a “primeira cidade”, o “genuíno” centro cultural/universitário português. E essa é, no fundo, a “essência” da “Terceira cidade” conimbricense -‐ ou seja, não um estatuto menor face à primeira e à segunda, não enquanto um lugar ameaçado em relação à “hipoté+ca” “quarta cidade”, mas pelo simples facto de que ser a “terceira cidade” se dever ao facto de se entender, no fundo, a “primeira”, aferida pela função cultural/educa+va. A forma como a cidade não se desvinculou desse modelo, entendendo como qualquer redução do seu papel como um ataque ao seu ego, não obstante a emergência de diversas alterna+vas, centradas no comércio, na indústria, no turismo, etc., assim como a presença de um discurso excessivamente autocrí+co, condicionaram a que perdesse a capacidade de reclamar esse estatuto, “diluído” em meados dos anos 60, num processo con+nuado em que a sua capacidade compe++va foi sendo deteriorada e alvo sistemá+co de “ataques” por parte de outras cidades. Da mesma forma, problema+za a emergência de novos epítetos sobre a cidade (capital da saúde, da cultura, etc.), associados a novas estratégias urbanas, traçando uma linha de comparação entre os mesmos e o espírito “terceira cidade”.
L I N H A D A S D É C A D A S
20 – Persistência um discurso auto-‐centrado onde existe uma noção clara de que Coimbra se encontra numa relação de paridade face a Lisboa e Porto, não obstante emergir um conflito com a cidade de Braga sobre qual das duas é que deveria u+lizar o epíteto de “terceira cidade”. 30-‐ Início da retracção discursiva, despoletado pela mudança de “paradigma” polí+co, condicionado pela polí+ca “centralista” do Estado Novo. 40 -‐ Total submissão face ao Poder Central, aspecto que condiciona uma reacção discursiva interna, visível no discurso “xenófobo” em relação às outras cidades portuguesas. 50 -‐ Marcada essencialmente pela inauguração de novos edijcios da Cidade Universitária, reflecte os pressupostos observados nas décadas transactas: a cidade perde o seu potencial compe++vo e a sua estratégia de afirmação começa a circunscrever-‐se ao espaço da região Centro. 60 -‐ Marcada pelas crises académicas de 62 e 69, reflecte a imagem de uma cidade profundamente dividida entre a cidade “oficial” – a que se encontra nos discursos polí+cos e pode ser lida nos jornais – e a cidade “alterna+va” – a que se encontra “nas ruas”, patente na contestação estudan+l face ao Poder Central, mas que “não existe” nos jornais devido à censura polí+ca. É também nesta década que o epíteto de “terceira cidade” começa a ser menos u+lizado em termos discursivos. 70 -‐ Observa que a inadaptação de Coimbra ao sistema democrá+co não pode ser entendida como o resultado de uma mera transição de regime polí+co. Pelo contrário, constata que já exis+a um ní+do desgaste da capacidade estratégica e retórica de Coimbra nos anos anteriores, resultado de um processo degenera+vo que se foi assumindo como uma constante. 80 -‐ Caracteriza-‐se pelas tenta+vas de a cidade se reajustar à democracia, procurando modelos alterna+vos de afirmação e desenvolvimento, destacando-‐se, como os mais emblemá+cos, o aumento exponencial de acordos de geminação com cidades estrangeiras. 90 -‐ Despoleta o início de novas orientações estratégicas e discursivas, visíveis na ressurgência promocional dos sectores da cultura e da saúde. 00 -‐ Estes anos reflectem, fundamentalmente, a construção mnemónica como factor de afirmação iden+tário, recorrendo, mais uma vez, aos sectores da cultura e da saúde. “À semelhança do organismo animal, um País distribue a cada uma das suas partes funções mais ou menos especializadas, mas quando um só lugar pode concentrar e desenvolver uma determinada função, é isso uma real vantagem. Se Lisboa tem funções de capital do País, de grande porto de mar, de cidade de prazer e de recreio; se o Porto é cidade de trabalho, de indústria e de comércio; porque se não há-‐de dar a Coimbra o primado que ela sempre gozou e que nenhuma outra pode melhor exercer?”. A Gazeta de Coimbra, 18/05/1933 “Coimbra pretende ser uma cidade de 100.000 habitantes: Cumpre-‐nos defender a nossa posição de terceira cidade, agora que de outros lados vemos ameaçado esse {tulo, que desde sempre cons+tuiu para nós jus+ficado mo+vo de orgulho”. A Gazeta de Coimbra, 27/05/1965
Estudo realizado no âmbito do Mestrado em Cidades e Culturas Urbanas (FEUC/UC – Dezembro de 2009) sob a orientação do Professor Doutor Paulo Peixoto. Ricardo Marques é Bolseiro de Inves+gação no Centro de Estudos Sociais no âmbito do projecto “Estudo sobre Voluntariado” coordenado por Mauro Serapioni, Teresa Maneca Lima e Sílvia Ferreira. CONTACTOS:
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Grafismo: Andrea Inocêncio Fotos: Ricardo Rodrigues Santos para o projecto Super-‐Ar+sta Incógnita de Andrea Inocêncio