POTENCIAL GEOPOLÍTICO DA CPLP: LÍNGUAS NACIONAIS E LÍNGUAS OFICIAIS

June 1, 2017 | Autor: Clod La | Categoria: African Studies, Geopolitics
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POTENCIAL GEOPOLÍTICO DA CPLP: LÍNGUAS NACIONAIS E LÍNGUAS OFICIAIS

Mestrado em Estudos Africanos Globalização e Desenvolvimento na CPLP Claudia Favarato a.a. 2015/2016

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RESUMO Este artigo apresenta a situação linguística dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, uma vez que a língua portuguesa é o laço por qual a Comunidade foi criada. A língua torna-se e um eixo de cooperação, desenvolvimento e promoção fundamental entre os membros. Apesar disso, em alguns países da CPLP a língua portuguesa é somente a língua oficial, enquanto a maioria da população fala uma das línguas nacionais ou uma língua étnica. Na Guiné-Bissau, por exemplo, o crioulo guineense é usado na rádio nacional, como língua veicular no ensino e até nas discussões da Assembleia Nacional. Neste artigo pretende-se abordar a questão da língua oficial portuguesa nos membros da CPLP, especialmente no contexto da Guiné-Bissau, e as suas potencialidades no plano geopolítico internacional, em comparação com a língua nacional, como instrumento político desfrutável no processo de nation building.

ABSTRACT This article aims to provide an overview on current linguistic situation of Comunidade de Países de Língua Portuguesa’s countries. Since the common language, Portuguese, worked as the basement for the creation of the Community, its main policies focus on language development, promotion and cooperation. Indeed, in some CPLP’s countries Portuguese is nothing much more than the official language and most of the people speak one of the national or ethnic languages. For example, in Guinea Bissau, Guinean creole is spoken within the national radio, in the education system (whether Portuguese is not the mother language nor of the professors nor of the children) and in Assembleia Nacional’s meetings. In this article, I discuss international geopolitics potentials of Portuguese as official language in CPLP’s countries in general and in Guinea Bissau specifically, while comparing it with the development of a national language, a valuable tool in the process of nation building, indeed.

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ÍNDICE

Introdução……………………………………………………………………………….……3 CPLP: potencial geopolítico duma comunidade linguística ……………………………….…...4 Língua nacional e língua oficial na Guiné-Bissau ………………………………………….…..7 Língua e nation building ……………………………………….……………………………..10 Conclusão ……………………………………………………………………………………14

INTRODUÇÃO A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criada no dia 17 de Julho de 1996, pelo esforço do embaixador brasileiro em Portugal José Aparecido de Oliveira. Dos sete países iniciais, conta agora com nove membros, cuja caraterística comum é ter a língua portuguesa como língua oficial. Não obstante as dificuldades políticas e económicas de alguns destes países, é indiscutível o rol de importância da Comunidade no cenário geopolítico mundial, face ao mundo moderno posterior a época bipolar. A língua portuguesa está na base da fundação da Comunidade Lusófona. Este artigo pretende fornecer uma breve analise da relação entre esta comunidade e um dos seus membros, a GuinéBissau, na área da língua, confrontando potencialidade e vulnerabilidade da língua oficial e da língua nacional no desenvolvimento do Estado, para a promoção do processo de State e Nation building e para criar uma área estratégica de cooperação e influência.

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CPLP: POTENCIAL GEOPOLÍTICO DUMA COMUNIDADE LINGUÍSTICA O mínimo de inteligência (até económica) que os Estados Lusófonos, designadamente Portugal e Brasil, deveriam ter era assegurar a utilização da língua portuguesa em todos os lugares ou encontros internacionais (políticos, turísticos e quaisquer outros!) e não permitir, sob nenhum pretexto, que uma das línguas mais faladas do mundo seja constantemente reduzida ao papel duma língua insignificante. [Fernando Santos Neves]

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa nasceu como “foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros” (artigo 1 do Estatuto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 1996). A referência à língua como laço comum e base para a construção desta comunidade encontra-se já no artigo 3 do estatuto: “são objetivos gerais da CPLP: a) a concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais; b) a cooperação em todos os domínios, inclusive o da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça segurança pública, cultura, desporto e comunicação social; c) a materialização de projetos de promoção e difusão” (Artigo 3 do Estatuto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, 1996). Nas palavras do Embaixador José Aparecido de Oliveira, promotor dos esforços iniciais para a criação desta Comunidade, “a CPLP nasceu da consciência da fraternidade selada pela Língua Portuguesa entre os povos da Europa, América, África e Asia” (Pinto, 2004: 310) e não foi fruto de um decreto institucional. Trata-se duma comunidade com aspeto espiritual, procedente dos laços de língua e cultura, com uma dimensão política e repercussões económicas e sociais” Nos próprios documentos da CPLP encontram-se referência à língua portuguesa como o meio privilegiado de difusão da criação cultural dos povos que falam português e a projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista (CPLP, 2009). A língua, como vínculo histórico e património comum dos povos que falam português (CPLP, 2009) é a base para a criação da Comunidade, uma linguagem comum torna-se o meio para o entendimento comum. Todavia, os países africanos já criticaram o uso destes termos, uma vez que a língua portuguesa não é a língua dos povos da CPLP, mas a língua dos países de língua oficial portuguesa, onde a língua (ou uma das línguas) nacional(is) é a língua materna da maioria da população. (Seibert, 2008) As afirmações dos críticos africanos não querem desvalorizar a importância da língua portuguesa no âmbito internacional ou no âmbito da comunidade, mas pretendem sublinhar a existente diferença cultural e linguística, própria das realidades africanas. Por enquanto, a língua é um elemento que se 4

adapta a, e no mesmo tempo é criador de cultura. Como sublinham Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983), pelos conceitos correntes da nação, uma língua comum é veículo duma cultura comum e cria laços importantes entre os falantes, que se inserem como elementos constitutivos da personalidade deles. A partilha duma língua é profundamente ligada a construção da identidade própria e nacional dos indivíduos. Por estas razões, a língua portuguesa tem alto valor na CPLP, seja cultural e identitário, seja económico ou político. Na vertente social, um melhor conhecimento da língua materna pela população é capaz de reduzir a discriminação social e de proporcionar em forma equitativa as condições básicas de acesso de todos os cidadãos às estruturas de poder. (Andrade, 2014:54), contribuindo para reforçar a inclusão e a paz social. Como afirmado no Plano de Ação de Brasília (2010), e reafirmado no Plano de Ação de Lisboa (2013), a promoção e o ensino da língua portuguesa em todos os países da Comunidade são de fundamental importância. Por isso, a CPLP, junto com órgãos internacionais dedicados à promoção da língua portuguesa, quais sejam o IILP (Instituto Internacional de Língua Portuguesa) e o IC (Instituto Camões), desde o ano 2006 implementou um programa de difusão e promoção da língua portuguesa, que compreende possibilidades de mobilidade dos estudantes, o uso das potencialidades e virtualidades da tecnologia, a formação de tradutores e intérpretes e a garantia uma solida formação linguística dos profissionais e dos professores. Em fim, é dado apoio aos programas de ensino bilingue para providenciar aos falantes de cada língua materna a oportunidade de acesso e permanência no sistema educativo. A língua comum representa também um valor económico, como instrumento de intercompreensão e comunicação; é criadora de externalidade positiva, enquanto reforça o seu valor e impacto nas trocas com o exterior e ainda opera nas comunidades, como a CPLP, uma ação unificadora. Ela dinamiza as trocas comerciais, é ator da promoção global empresarial e propulsiona o desenvolvimento de relações políticas e sociais, ou seja, o intercâmbio de ideias e o fluxo de pessoas. (Andrade, 2014:20). No plano político, a língua é relacionada com o poder enquanto é instrumento de soft power e smart power, como definidos por John Nye (1990). Através da língua é possível criar unidade, tão como controle de massa. A escolha e a definição duma política linguística são responsabilidades dos governos e a capacidade deles de a definir é relevante também no plano internacional, enquanto “um país que não possua uma política de língua ao nível nacional não pode reivindicar o direito de impor, a nível regional ou internacional, ideias ou modelos que não consegue implantar internamente” (Pinto, 2009:169). De facto, por todas estas caraterísticas, a constituição de uma comunidade linguística tem enorme valor geopolítico.

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O Observatório Calvet elaborou um Barômetro (Baromètre Calvet des Langues du Munde) para medir a importância de 563 línguas do mundo, utilizando dez parâmetros: número de falantes, entropia1, índice de desenvolvimento humano, índice de fecundidade, índice da penetração da internet, números de artigos na Wikipedia, línguas oficiais, prémio Nobel da literatura, traduções como língua-fonte e língua-alvo (http://wikilf.culture.fr/barometre2012/). No ano 2012, a língua portuguesa era estimada ser a nona língua no mundo, das analises conjuntas de todos estes fatores.

Baromètre Calvet, consultado Maio 2016

Pela sua posição de relevância no contexto internacional e pelas implicações económicas, políticas e sociais e culturais, a língua portuguesa, usada como língua de trabalho em mais do que vinte organizações internacionais têm alto valor geopolítico.

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A entropia não tem nada a ver com o número total de falantes de uma língua, mas com a forma como estes falantes estão localizados na área ou áreas onde a língua é falada (http://wikilf.culture.fr/barometre2012).

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LÍNGUA NACIONAL E LINGUA OFICIAL NA GUINÉ-BISSAU O Kriol é a única língua viável para esta função, na medida que a heterogeneidade populacional não permite a homogeneidade das tabancas [Johannes Augel] Os falantes de português têm uma distribuição desigual entre os países da CPLP: Portugal e Brasil são os únicos dois países de língua materna portuguesa, enquanto nos outros sete ela só é língua oficial. Ainda mais, nos dois países fala-se duas variantes diferentes de português, definidos respetivamente como português europeu ou continental e português brasileiro, que são o resultado de dois diferentes rumos de desenvolvimento da língua devidos ao contexto histórico, geográfico e às especificidades culturais, sociais e regionais. No ano 2009 entrou em vigor o Acordo Ortográfico (que compreende também Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste) com o objetivo de harmonizar e unificar a escrita da variante europeia e da brasileira. Todavia, até agora a aplicação do Acordo é mais um ato formal do que prático e encontrou uns obstáculos na sua aplicação pela dificuldade de mudar a maneira das pessoas escreverem. As palavras do Embaixador Lauro Moreira (Pinto, 2009:172) explicam o desafio representado pelo Acordo “A nossa língua, que foi feita para nos unir, que é a nossa grande base comum, de repente começa a nos separar”. Em Angola e Moçambique os falantes de português são cerca da metade da população, mas a língua portuguesa é a língua materna só duma pequena percentagem deles. Como são países muito grandes, a língua portuguesa representa o idioma comum a todos e a ninguém, porque é o único que não pertence à heterogénea panóplia das línguas étnicas ou nacionais, que são cerca de 40 em cada país. (Seibert, 2008:193) Em Timor Leste as línguas oficiais são três: tétum, português e inglês, ao lado de cerca de quinze línguas nacionais. A língua portuguesa foi eleita língua oficial pelo rol de importância nos anos de luta contra a dominação indonésia (Observatório dos Países de Língua Oficial Portuguesa, 2015). Nas ilhas de São Tomé e Príncipe, 98% das pessoas entendem e falam a língua portuguesa; fala-se crioulo também, sobretudo santomé ou farro (72,4% da população), lunguyé (na Ilha de Príncipe) e angular (pelos descendentes de antigos escravos fugidos). No arquipélago de Cabo Verde fala-se sobretudo crioulo cabo-verdiano, embora desde os seis anos de idade as crianças aprendam a língua portuguesa na escola. (Seibert, 2008:194)

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Falantes de Português, de Observatório de Países de Língua Portuguesa

Na República da Guiné-Bissau só cerca de 140 000 pessoas falam português, numa população total de 1,5 milhões de pessoas, o que significa uma percentagem de 13%; fala-se as línguas africana do Oeste Africano, sobretudo balanta, fula, mandinga e pepel (correspondentes às etnias maiores) (Embaló, 2008:104), que representam a língua materna de 15% da população. Numa situação de diglossia e de bilinguismo social entre língua oficial e língua nacional, a maioria dos cidadãos fala crioulo guineense (Kriol), que desempenha a função de língua nacional ou língua de unidade nacional. Como Amílcar Cabral acreditava, “a língua portuguesa é o bem mais precioso que nos deixaram os tugas”: apesar do título hodierno de língua oficial e da sua relevância nas relações com o estrangeiro, a língua portuguesa contribuiu para o nascimento do crioulo. Quando os portugueses chegaram na costa da Guiné (1446) encontraram uma pluralidade linguística já existente entre uma população composta por etnias balantas, mandingas, manjacos, fulas, felupes e pepel (Embaló, 2008:109). Durante o século XV, ao lado das cidades dos colonos portugueses, onde viviam também assimilados e africanos grumetes, desenvolveram interpostos comerciais mais longe do mar. Nestas tabankas2 viviam os Lançados, comerciantes portugueses que ousavam se aventurar no mato da África; eles viviam à maneira africana, casavam com mulheres nativas (tangamãs) e estabeleceram relações de parentesco com os régulos e os fidalgos africanos (os donos do chão). Na tabankas nasceu uma língua de comunicação, que não era própria de nenhum dos interlocutores, o Pidgin. Das uniões de portugueses e africanas nasceram os assim chamados “filhos da 2

Fortins cercados por palincadas, construídos à maneira africana.

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terra”, uma sociedade crioula que adotou o pidgin como veículo de comunicação: tornando-se língua materna desta sociedade, o pidgin adquiriu o estatuto de língua, ou seja, um sistema ou convenção composto por um conjunto de signos com uma dupla realidade de forma e contexto, falado por uma comunidade (Scantamburlo, 1999:24). O crioulo (que literalmente significa “ser criado em casa”) nasceu por uma mistura desigual da língua do dominador (a língua portuguesa, que representa a língua de base) e a língua do grupo subordinado (as etnias multilingues africanas). Enquanto o português constitui 80% do léxico, a estrutura das frases baseia-se na sintaxe africana. O resultado é o que algumas pessoas ainda hoje chamam por “português mal falado”, mas que na verdade representa uma língua própria e independente. Ao contrário do português, que simboliza a língua do colonizador, o crioulo era a língua usada pelo PAIGC durante a guerra de independência e era falado nas zonas libertadas pelas guerrilhas. Quando Portugal reconheceu a independência do país, em 1974, embora o crioulo fosse a língua de identidade nacional e a mais falada pelo povo da Guiné-Bissau, escolheu-se a língua portuguesa como língua oficial pela conceção de Amílcar Cabral. Tratava-se duma estratégia política para alcançar desenvolvimento e progresso através das possibilidades de integração internacional que a língua portuguesa oferecia. O próprio Cabral afirmava “Se queremos levar para a frente o nosso povo, durante muito tempo a nossa língua tem que ser o português; (…) devido a necessidade de estabelecer contatos com outros países e para o conhecimento cientifico a língua portuguesa é adotada como língua oficial na Guiné-Bissau, assumindo o estatuto de língua de administração, justiça, legislação e de comunicação com o exterior” (citado em Observatório dos Paises de língua Portuguesa, 2015). Apesar destas importantes funções, a língua portuguesa não é elemento construtor de identidade nacional ou cultural, seja no âmbito regional ou no nacional, porque é o crioulo é língua nacional de maior expressão. Usa-se nas interações sociais, é instrumento de comunicação nos atos oficiais, é língua veicular no ensino e língua de discussão nos debates da Assembleia Nacional. Nos últimos anos, ao lado da promoção de politicas de adesão a língua oficial, o governo prestou maior atenção a realidade de plurilinguismo existente no país. Atualmente, o uso do crioulo atingiu à cultura e no presente escreve-se mais poesias em guineense do que um português, enquanto as primeiras bandas desenhadas em crioulo já apareceram na década dos 80s. (Embaló, 2008:109) O crioulo é a língua usada para cantar o imaginário da tradição oral e usa-se na música, no teatro, no cinema e, sobretudo, na rádio nacional, onde adquiriu uma cota de 50% das transmissões. Nas últimas duas décadas houve várias tentativas de inserir o crioulo como língua de ensino, as quais falharam por deficiente preparação dos profissionais, por falta de matérias didáticos e porque o crioulo não é necessariamente a língua materna de quem aprende. (Embaló, 2008:105). Além de tudo isso, o problema maior é que a escrita do Kriol ainda não é regulamentada e cada um escreve a língua à sua maneira. No ano 1987 o Ministro da Educação propôs uma unificação da ortografia, 9

fundada no critério fonético, com base no alfabeto latim e utilizando empréstimos das línguas africanas para expressar os sons que não existem em português. A proposta dele, todavia, não teve sucesso e ainda hoje falta uma escrita unificada e uma gramática de crioulo guineense, que representa um elemento de fundamental importância pela vitalidade e pelo estatuto duma língua. Como escreve Béjont (1994), o dicionário “é um dos raros objetos que pode concretizar a existência duma língua como duma nação, atuando como símbolo de união duma comunidade”. (citado em Scantamburlo, 1999:101).

LÍNGUA E NATION BUILDING A minha pátria é a língua portuguesa [Fernando Pessoa]

O crioulo, como forma de expressão mais usada pelo povo guineense, representa um elemento que contribui para a criação da unidade nacional, sendo símbolo da identidade comum que se sobrepõe a cada um dos grupos nacionais. (Embaló, 2008:107). De facto, como escrevem Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983), a língua faz parte dos carateres correntes duma nação, ou seja, um conjunto de laços naturais existente ad immemorabili entre os membros duma comunidade. É com base nestes laços que se toma a decisão de organizar o poder para se governar sob a forma de Estado nacional, tornando os laços comuns entre os membros como critérios de inclusão na própria nação. Pelo visto, o processo de estruturação do regime político na Guiné-Bissau não respeitou estes padrões. Ao alcançar a independência, o PAIGC era o único interlocutor guineense (e cabo-verdiano, até 1980) com Portugal; portanto representava o único sujeito político capaz de receber autoridade e exercer poder sobre o país. O movimento de libertação nacional tornou-se assim um partido, ou melhor, o único partido do Estado. Os ativistas e os guerrilheiros do movimento tornaram-se membros do governo, gozando duma legitimidade histórico-revolucionária que é antónimo da representatividade democrática baseada na livre escolha do povo.

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Estado e “nação” formaram-se por um processo top-down, como ideologia da elite política, um pequeno grupo de pessoas no poder que moldaram as estruturas e o rumo do país. Por uma estratégia política que pretendia alcançar o desenvolvimento, a língua portuguesa foi escolhida como língua oficial. O potencial de externalidade positiva devido ao uso duma língua internacional não tem sido suficiente como garantia do desenvolvimento duradouro, porque, em 1974 tal como agora, a República da Guiné-Bissau carateriza-se por algumas vulnerabilidades, quais sejam a falta de autossuficiência alimentar, o abastecimento de água potável deficiente, as altas taxas de natalidade e de mortalidade, a forte dependência do estrangeiro nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento do sistema de transporte, procura de recursos energéticos e expansão da rede de comunicações. (Pereira, 1999). Ao lado da fraqueza económica, o maior obstáculo ao desenvolvimento foi a instabilidade política. Pelo contrário de outros países de língua oficial portuguesa, como Angola e Moçambique, a GuinéBissau não teve longos, sangrentos anos de guerra civil, porque luta pelo poder foi circunscrita aos membros da elite política. A personificação do poder foi endémica entre os lideres guineenses, como no caso de Nino Viera, que chefiou o país por mais de vinte anos sob um governo ditatorial. Enquanto o país era governado por um regime politico de partido único, o povo guineense que vivia fora das cidades enfrentava o dia-a-dia sem ligar com o Estado. De facto, o poder e a autoridade do moderno aparelho estatal nunca conseguiram chegar até as tabacas nem a se sobrepor à autoridade dos chefes locais tradicionais (régulos). Uma vez que o Estado independente modelou o seu aparelho na estrutura do antigo Estado colonial, sofreu as mesmas vulnerabilidades, entre as quais a incapacidade de exercer a sua soberania nas áreas rurais. Os assim chamados Comité de Tabanca, criados com o primeiro governo independente do Presidente Luís Cabral, eram instituições dedicada à implementação do poder do Estado em todo o território nacional. A ação deles revelou-se, na realidade, inconsistente: as comunidades locais apropriaram-se dos Comités, elegendo indivíduos com legitimidade políticas e religiosa tradicional ou designando para estas estruturas indivíduos socialmente incapazes ou facilmente controláveis, esvaziando-as de qualquer poder autónomo. Como a Guiné-Bissau não foi alvo de guerras civis, o fenómeno migratório interno é contrário ao da maioria dos países africanos e as cidades não passaram por um intenso processo de urbanização; a maioria da população ainda vive longe da cidade, berço do poder Estatal. Na Guiné-Bissau coabitam mais do que vinte etnias diferentes; a heterogeneidade populacional dum país tão pequeno é algo peculiar. A falta de participação e inclusão no sistema estatal, pela preponderância e importância do poder local tradicional, todavia, desafia a criação duma comunidade que partilhe laços comuns, ou traços identitários, base necessária para dar à luz uma nação. Como a democracia é um tipo de governo que é possível estabelecer só passando pela nação, não pelo Estado, o povo é fundamento dum país. Os aparelhos e os membros do Estado podem estabelecer órgãos e instituições, mas se for somente a 11

vontade da elite politica a gerir esta estrutura dita democrática, não é possível falar dum regime de governo democrático. A ideologia duma elite (seja nacionalista, seja democrática) não é suficiente para caracterizar um sistema político. Se a forma de governo pretendida é a democracia, o povo, ou seja, a base da nação, torna-se o elemento fundamental do mecanismo. Mesmo que o processo do State building seja essencial para estruturar o aparelho de governo, o processo de Nation building é imprescindível à formação dum Estado forte, estável e duradouro. Falar, ouvir, ensinar e aprender uma língua é um dos mais importantes veículos para a criação de laços identitários comuns, que levem à formação duma comunidade com consciência coletiva e um próprio caráter cultural. Pela aprendizagem do crioulo, língua nacional e língua da unidade nacional, símbolo da luta contro o poder colonizador, há a possibilidade da população guineense se tornar uma nação, cujo primeiro critério de inclusão seja o linguístico. A estabilidade política e a instituição duma democracia verdadeiramente participativa, priva de corrupção generalizada que carateriza a luta pelo poder entre a elite guineense, é um caminho rumo ao desenvolvimento económico, politico e social inclusivo e um meio para a Guiné-Bissau poder desfrutar os seus recursos. A população da Guiné-Bissau é mediamente jovem e o país tem boas capacidades hídricas e agrícolas, fatores de fundamental importância e garantia para o desenvolvimento do país, ao lado de possuir recursos minerários inexplorados e um ponto de acesso ao Mar numa área geoestratégica, qual a África do Oeste (Pereira, 1999), que são em enorme potencialidade geopolítico. O desenvolvimento económico e político da Guiné-Bissau, que passa pela construção duma democracia baseada na nação, traz benefícios à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, enquanto a presença dum membro forte e com capacidade de se impor na sua área geográfica é um elemento positivo. A CPLP está a promover o uso da língua portuguesa como língua de trabalho nas organizações de integração regional com membros países de língua oficial portuguesa, como ad exemplo a UEMOA (União Económica e Monetária da África Ocidental) e a CEDAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) além das já mais de vinte organizações internacionais que já o utilizam (Observatório dos Paises de Língua Portuguesa, 2015). Isso ajuda a fortalecer a língua portuguesa como língua de comunicação internacional e reforça a cooperação entre os países membros da CPLP num espaço multicultural e multilingue. (Andrade, 2014) Embora a dimensão política e as repercussões económicas e sociais sejam elementos de fundamental importância e entre os principais interesses dos Estados, a CPLP foi criada na base de um aspeto espiritual procedente dos laços de língua e cultura, que criam um relacionamento entre os sete países (Pinto, 2004:256). Este elemento merece especial importância, mas sobretudo cuidado, porque a língua portuguesa é língua dos países lusófonos e não língua dos povos (Graça, 1992): a língua é um

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caráter identitário, parte da identidade pessoal e nacional de cada individuo. Não é possível criar algum laço entre as pessoas pela imposição duma língua. Por isso, é importante o governo da Guiné-Bissau ter em consideração a existência do bilinguismo social crioulo-português. As políticas linguísticas dos governos de Timor Leste e de Mozambique são caso exemplares, como nos últimos anos ativaram programas de ensino bilingue (De Rosa, n.d.). Nas escolas moçambicanas, desde o ano 2017, no ensino falar-se-á a língua portuguesa e as línguas bantus africanas da região. Desta forma, aprender a língua nacional, ou local ou étnica, é parte da formação dos alunos, tão como aprender a língua portuguesa, que deixa de ser a língua do “colonizador civilizado” e torna-se numa língua segunda viável e útil. A promoção da língua oficial, um passe-partout pelo estrangeiro, tem de ser feita rumo a um bilinguismo consciente e equitativo, sem a sobrepor à língua nacional, que é expressão do vivido e da especificidade regional e étnicas.

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CONCLUSÂO A língua é parte dos conceitos correntes que compõem uma nação: é um elemento próprio de cada individuo, que determina a identidade pessoal dele e a sua identidade nacional. Quando é partilhada por um grupo de pessoas, a língua é um laço fundamental na comunidade porque cria relações e ligações entre os indivíduos baseados num vivido comum, ou seja, o mundo linguístico e o mundo que aquele conjunto de signos linguísticos descreve. Uma língua comum cria laços emocionais, sociais, culturais e políticos entre um grupo, torna-se um critério de inclusão ou exclusão da comunidade, cujo povo, pelos laços que partilha, sente uma legitimada vontade de se governar e gerir de forma autónoma de outros poderes externos. A nação, como comunidade com identidade nacional própria e como povo com vontade de eleger representantes que o governem, é a base para instituir uma democracia verdadeira e duradoura. Para alcançar tal sistema de governo é fundamental o processo democrático e representativo, que expresse a vontade do povo e seja uma escolha livre de condicionamentos e independente de qualquer outro poder u vontade. A língua, como manifestação de identidade nacional e como símbolo da luta pela e da unidade nacional é um laço fundamental pela união do povo da Guiné-Bissau e no processo de Nation building, enquanto a nação é o berço da democracia. Se a importância da língua nacional, como o crioulo guineense, cria coesão e suporta a estabilidade politica, a língua portuguesa, língua oficial, tem grande importância porque é a língua da ciência e da comunicação internacional, meio para o desenvolvimento e a cooperação no plano económico, social e cultural. As duas deveriam desenvolver em maneira mútua e paralela porque ambas são fundamentais para fortalecer Estado e nação e para realizar um país autónomo, independente, estável, forte e influente, um parceiro de importância no seio de comunidades linguísticas ou de integração económica ou regional. Uma comunidade linguística, qual a Comunidades de Países de Língua Portuguesa, que saiba considerar às línguas nacionais, como o crioulo, ao lado da língua oficial comum, saberia desenvolver um enorme potencial geopolítico, porque uma comunidade constituída por Estados forte, coesos e no mesmo tempo respeitosos das diferenças étnica nacionais, tem maior capacidade de projeção de soft e smart power.

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