Povo feito semente - ruptura e resistência dos Tembé de Santa Maria do Pará, 2017.pdf

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Laércio Braga

Povo feito semente: ruptura e resistência dos Tembé de Santa Maria do Pará

2ª Edição

Belém 2017 1

© 2017 by Laércio da Silva Braga 2ª edição – 2017 E-Book

Normalização Laércio da Silva Braga

Capa e Editoração Laércio da Silva Braga Revisão Professora Marissol Oliveira

B813p Braga, Laércio Povo feito semente: ruptura e resistência dos Tembé de Santa Maria do Pará/ Laércio da Silva Braga _ Belém, 2017. 212 p. ; E-Book. ISBN: 978-85-916793-5-5 1. Brasil - História. 2. Tembé. 3. Missão capuchinha. 4. Amazônia. 5. Ruptura. 6. Resistência. 7. Ocupação indígena. I. Braga, Laércio da Silva. II. Título. CDU 981

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SUMÁRIO RELAÇÃO DE ANEXOS..........................................................

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AGRADECIMENTOS.................................................................

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PREFÁCIO 2011.........................................................................

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NOTA DO AUTOR PARA 2017................................................

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LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE SANTA MARIA DO PARÁ, TERRAS DOS TEMBÉ, NO ESTADO DO PARÁ......

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O QUE FALTOU DIZER...........................................................

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UM MITO PLURISSECULAR..................................................

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A HISTÓRIA DOS TEMBÉ......................................................

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ESTE RIO FOI NOSSA VIDA..................................................

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POVO TEMBÉ E SEU TERRITÓRIO......................................

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1899, PAES DE CARVALHO E A NOVA ORGANIZAÇÃO NA MATA..................................................................................

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UM GRANDE CONFLITO NO MARANHÃO COM REFLEXOS NA MISSÃO.........................................................

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MORTES INEXPLICÁVEIS E SEM JUSTIÇA.......................

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NOSSA ARQUEOLOGIA, TESTEMUNHA PERSISTENTE: MEMORIAL DE UM POVO DESAPARECIDO........................

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BATIZADOS (1898-1907).........................................................

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CASAMENTOS (1898-1910)....................................................

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REFERÊNCIAS.........................................................................

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PARA SABER MAIS................................................................

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ENTREVISTADOS....................................................................

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ANEXOS....................................................................................

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RELAÇÃO DE ANEXOS

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Anexo I – Manuscrito escolar, de autor desconhecido, com pequeno histórico municipal, de 1985, em que os índios são citados aleatoriamente. Anexo II – Mapa de Santa Maria com a localização das escolas municipais, destacando-se pequeno histórico municipal, em que os índios local são citados. Anexo III – Documento protocolado no Cimi (Conselho Indigenista Missionário), em 2000. Anexo IV – Carta enviada a administração da FUNAI/Belém, pelo Sr. Laércio Braga, em 2000. Anexo V - Carta enviada via FAX para FUNAI pelo sr. Laércio Braga. Anexo VI – Continuação de carta enviada à FUNAI pelo sr. Laércio Braga. Anexo VII – Requerimento do vereador Walter Goleniesk para, conceder Título de Honra ao Mérito a, dona Maria Cassiano e Miguel Tembé, em 2001. Anexo VIII – 1a. página da Ata da Sessão Solene da Câmara Municipal de Santa Maria do Pará, concedendo Título de Honra ao Mérito às duas lideranças Tembé. Anexo IX – Cópia de convite enviado a todas as Entidades públicas e privadas afins, ministério públicas, Instituições religiosas e pessoas para a I Assembléia das Comunidades Indígenas de Santa Maria do Pará, a partir 17.11.2002. Anexo X – Carta à FUNAI depois da I Assembléia da Comunidades Indígenas Tembé de Santa Maria do Pará, Jeju e Área, protocolada em 14.01.2003. Anexo XI – Carta protocolada na Procuradoria Federal, em 14.01.2003. Anexo XII – Carta para FUNASA enviada depois da I Assembléia Indígena Tembé de Santa Maria do Pará, protocolada em 14.01.2003. Anexo XIII – Carta dos povos indígenas resistentes, em 20 de maio de 2003. Anexo XIV – Relação dos povos indígenas resistentes, na Carta de Olinda, em 20 de maio de 2003. Anexo XV – Reconhecimento Oficial pela FUNAI (1a. parte), em maio de 2003.

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Anexo XVI – Reconhecimento Oficial pela FUNAI (2a. parte) – continuação. Anexo XVII – Reconhecimento Oficial pela FUNAI (3ª parte) – final. Anexo XVIII – Carta do Ministério Público Federal à administradora regional da Funai, em 07 de outubro de 2003. Anexo XIX – Carta do Ministério Público Federal ao presidente da Funai, em 07 de outubro de 2003. Anexo XX – Carta para Procurador Felício Pontes Jr. do Diretor de Assuntos Fundiários da Funai, em 19.12.2003. Anexo XXI – Ofício para coordenador do Cimi Norte II sobre relatório de viagem realizado por técnico do DSEIGUATOC, em 24.09.2004. Anexo XXII – Encaminhamento de relatório ao senhor Procurador federal, Felício Pontes Jr., em 01.09.2004. Anexo XXIII – Relatório de viagem para comunidade Jeju e Areal, em 06 e 07.08.2004. Anexo XXIV – Continuação de relatório de viagem para comunidades Jeju e Areal. Anexo XXV – Documento para coordenadora do CIMI do procurador Felício Pontes Jr, em 29.01.2004. Anexo XXVI – Modelo de carta convite enviada à Funai pelos índios de Santa Maria para II Assembléia Indígena, em 07.04.2005. Anexo XXVII – Pedido de conhecimento de relatório de antropóloga à FUNAI, em 29.04.2005. Anexo XXVIII – Documento recente da Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará para Procuradores da República, Ubiratan Cazeta e Felício Pontes. Anexo XXIX – Carta reivindicatória enviada à Funai em 13.11.2005. Anexo XXX – Documento da AITESAMPA para FUNAI, manifestando desejo de participar da Pré-Conferência Indígena, realizada em Mosqueiro, em 2006. Anexo XXXI – Contrato do governo do Estado do Pará com a Missão dos frades capuchinhos, na Colônia do Prata - 1ª parte (Muniz, 1913, p. 57). Anexo XXXII – Contrato do governo do Estado do Pará com a Missão dos frades capuchinhos, da Colônia do Prata - 2ª parte (Muniz, 1913, p. 58). Anexo XXXIII – Batizados de índios, em 1898, na aldeia central (Prata).

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Anexo XXXIV – Continuação de batizados de índios em 1898 (no Prata). Anexo XXXV – Continuação de batizados de índios em 1898. Anexo XXXVI – Batizados na aldeia Jeju em 1899. Anexo XXXVII - Carta de índio Krahô Kanela para cacique Miguel Tembé. Anexo XXXVIII – Mapa de 1899 que destaca o antigo caminho de índios e aldeamentos (Araújo, 1924, p 159). Anexo XXXIX – Mapa do Álbum de governo de augusto Montenegro, com citação espacial de índios e territorialidade da Colônia do Prata, enquanto Núcleo de catequese indígena e de colonos. Figura 1: índios Tembé e Miranhios lado a lado na região do Capim. Figura 2: em rosa vemos o Instituto do Prata. Circundado em amarelo a região de Igarapé-Açu (em ambas figuras parte e total da região de Santa Maria). Anexo XL – Mapa da abrangência da Colônia do Prata, elaborado entre 1911 a 1915. Possivelmente os lotes foram medidos pelo agrimensor Boanerges Cardoso, com a rubrica de Palma Muniz. O original pertence ao Sr. Segundo Rodrigues Guntñas, e do qual temos cópia autenticada. Santa Maria está do lado Sul, a direita do rio Maracanã. Anexo XLI – Mapa político de Santa Maria do Pará e pósinstalação da Colônia do Prata. Anexo XLII – Registro de Nascimento de dona Maria Leopoldina da Silva, mãe do cacique Miguel, da aldeia Areal. Anexo XLIII – Registro de Casamento de Manoel Pedro Leopoldino da Silva (Mano Pedro), padrasto de seu Edgar Pinho. Anexo XLIV – Registro de nascimento de Manoel Cirilo, filho de Pedro Lopes e neto de Maria Lopes, da aldeia Prata (ou Santo Antonio). Anexo XLV – Registro de Nascimento de dona Francisca Gregória da Silva, da aldeia Areal. Anexo XLVI – Certidão de óbito de Benedito da Cruz, de aldeia ignorada (talvez Prata). Exemplo de índio que jamais se identificou como índio. Anexo XLVII – Registro de Óbito do Engº Antonio Mazzini , que viveu na missão do Prata, trabalhou (como agrimensor e

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construindo prédios) e casou com a índia Maria da Cruz, filha de Manoel Teodoro, de nossos registros. Anexo XLVIII – Título de Terras Definitivo distribuído gratuitamente pelo governo do estado do Pará. Anexo XLIX – Certidão de Óbito de Lourenço da Silva, o Cassiano. Anexo L – Certidão de Óbito de dona Izabel Braz da Silva, mãe de dona Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano). Anexo LI – Certidão de óbito de Pedro Paulo Pereira da Silva, filho de Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano). Anexo LII – Laudo de Exame Cadavérico de José Lourenço da Silva, irmão de Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano). Anexo LIII – Ofício 03/2006 encaminhado ao Promotor Mário Raul Vicente Brasil (interino de Santa Maria) pelos índios Tembé, em 30 de março de 2006. Anexo LIV – Ofício/PR/PA/GAB3/No. 0108/2006, do Procurador da República, Felício Pontes Jr. ao Promotor Mário Brasil, 07 de abril de 2006. Anexo LV – Ofício no. 033/06- PJSMP, do Promotor Mário Brasil, encaminhando documento aos índios Tembé e ao articulista Laércio Braga, acerca do referendado reconhecimento oficial, 03 de maio de 2006. Anexo LVI – 1a. lauda de Procuração Pública de 1944. Anexo LVII – 2a. lauda de Procuração Pública de 1944. Anexo LVIII – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: abano, balaio, brinquedos, fuso, cestos de carregar. Anexo LIX – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: armadilha de pesca, cesto redondo e chato, patrona, colar e tipóia. Anexo LX – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: cofo, canastra, arapuca, flecha, cabaça para guardar água, remo e canoa de casca de árvore. Anexo LXI – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: peneiras, feitiço, bobinas de tecelagem, calendário, batedeira de jerimum, tipiti. Anexo LXII – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: armadilhas de pesca, cuia ornato de cabeça e espátula.

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Anexo LXIII – Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: tear de rede e casa. Anexo LXIV – Quadro de cultura material Tembé, extraído de livro de Lima Figueiredo (1946) e Wagley e Galvão (1955): buzina, depósito da tucanayra, arame, maracá . Anexo LXV – 1ª parte do documento de Reconhecimento Étnico dos Tembé de Santa Maria do Pará, protocolado dia 08.04.2011. Anexo LXVI – Ofício 137/Pres-Funai de 18 de maio de 2011 que atesta Reconhecimento étnico do grupo Tembé de Santa Maria do Pará por parte da FUNAI. Anexo LXVII – Pintura corporal Tembé para rosto, membros e tronco. Desenhos de Edmilson Tembé. Anexo LXVIII - Pintura corporal Tembé para tronco. Desenho de Edmilson Tembé (2004). Anexo LXIX - Cultura material Tembé de Santa Maria do Pará (colares adulto e infantil). Anexo LXX – Apresentação do mapa territorial Tembé de Santa Maria do Pará 01 de junho de 2014 pelo engajado Almir Tembé, uma das conscienciosas lideranças da Adeia Jeju e um mapa territorial rascunhado por Miguel Tembé. Anexo LXXI – Mapa territorial dos Tembé de Santa Maria do Pará elaborado pelos próprios atores do processo.

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Respeitosamente, aos meus muitos amigos indígenas Tembé do Estado do Pará, especialmente aos Tembé de Santa Maria do Pará. In memorian a Miguel Carvalho da Silva Tembé. Nunca o esquecerei. Jamais!

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PREFÁCIO 2011

Temos aqui uma pequena contribuição para um referencial científico acerca dos Tembé de Santa Maria do Pará. Não tenho formação antropológica acadêmica, embora muitas vezes me comporte como tal. Minha formação acadêmica é em História1. Talvez eu seja considerado “antropólogo curioso”, autodidata, com argumentos empíricos da realidade de um povo, que estava em vias de desaparecer para sempre. Trata-se de uma evidência que eu já sabia desde criança, então, em determinado momento sou autor e em outro, personagem. Personagem porque a partir da capa deste trabalho acrescentei uma foto, de meu acervo pessoal, em que apareço atrás de uma mãe e um filho Tembé (Augustinha e Manoel/Mané Braz). A foto foi tirada entre 1976, em frente à casa dos meus avós, durante o desfile de 7 de Setembro. O flagrante foi colhido por um tio, Hermes, falecido em 1991. Meu tio tinha verdadeira admiração pelos Tembé de Santa Maria. Vivia atrás de fotografá-los. Sabia da existência deles pela minha avó (que nasceu em Santa Maria do Pará, oficialmente em 1923 e de fato, em 1925. Declararam nova data no seu registro para que pudesse se casar com meu avô, em 1939), falecida prematuramente vitimada pelo câncer, em 1981. Frequentemente eu via estes Tembés pela cidade, alguns com seus cestos de carregar cheios de outros produtos de cestarias (peneiras, abanos, cestos em vários tamanhos, tipitis, etc) vestidos em roupas que lembravam a antiga farda do educandário mantido na Colônia do Prata. Na maioria das vezes eram seu Joaquim e dona Augustinha ou Agostinha. O casal despertava muita curiosidade. As pessoas pareciam estar apreciando bizarrices ou excêntricos. Ninguém dignificava-se a perguntar a qual etnia pertenciam, nem o lugar de seus nascimentos, infelizmente. Aliás é muito comum as pessoas desconhecerem coisas desta terra, mesmo as pessoas antigas desconhecem momentos recentes de sua história. O que dizer do passado? Tem-se a impressão que estamos lidando com alienígenas, literalmente. As pessoas fazem pouco caso daqueles que, como eu tem conhecimento da existência dos Tembé, ironizando que tenho mais idade que a real cronologia. Sempre fui apaixonado pela visão daqueles Tembé. Quando criança tinha um desejo forte de ser índio. Todas as minhas 1

Graduação em Licenciatura em História pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA em junho de 2010.

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brincadeiras em criança se referiam a eles. Geralmente brincava de ser índio americano, que era a maior referência nos gibis, filmes e TV da época. Depois, mais consciente, comecei a imitar os naturais, inclusive louco por aprender a fazer fogo com pedaços de paus. Nunca consegui. O desejo de ser índio trouxe-me toda espécie de dissabor. Sei o que é ser discriminado, profundamente. O que se acha de ignorante confundindo etnia com religião é absurdo. O racismo é intenso e escarnecedor. Tudo que não é catolicismo ou evangélico é tido como macumba, como se criticar a religião afro-brasileira fosse uma coisa lícita. É terrível viver num mundo de diferenças e não ser respeitado. É o que comumente chamam de bullying hoje. O que informarei aqui às pessoas faz parte de um cenário real, de observações e constatações forjadas empiricamente, fruto de um trabalho de mais de dez anos com as comunidades indígenas de Santa Maria do Pará. Junto a elas procurei me doar enquanto amigo, memorialista, articulista e, possivelmente, indigenista. Contudo, o que deixo aqui registrado é fruto da mais tenra verdade. Não há exageros, nem ficção. Qualquer pessoa com mínima sensibilidade vai verificar que a situação do povo Tembé em Santa Maria do Pará é delicada, e merece ser revista. Não se trata apenas de corrigir a maldade com a falta de reconhecimento absoluto. É preciso bem mais, muito mais. É necessário restituir-lhes aquilo que é deles de pleno direito. Durante estes mais de dez anos os Tembé de Santa Maria do Pará batalharam para recuperar o orgulho em frangalhos, a desesperança, a discriminação deles próprios, o preconceito, o esbandalho do território. Agora se sentem fortes e desejam o que qualquer cidadão em sã consciência desejaria: seu lar, desejam recuperar seu território. Índio sem terra é índio encantado e eles querem a realidade. Encantamento fica para a ancestralidade, para quem já fez a passagem para o mundo espiritual. Não se pode imputar aos próprios índios o destino atual. Dizem que foram eles próprios que pediram para serem catequizados. É uma inverdade. Há informações contundentes que jogam esta afirmativa por terra. Não havia alternativa. A política daquela ocasião (1898) não permitia que se expressassem contrários “ao chamado a agremiação católica e cristã”. Nenhum índio tinha forças para combater o mal da aculturação e a tomada de seu território. Ou se adequavam ou sucumbiam. Não foram mortos no sentido literal, quase foram mortos enquanto povo. Morreram na opinião de muitos. A causa mortis foi a desconsideração, a usurpação, o esquecimento, o preconceito, o complexo de inferioridade. Mas, tal como a fênix, eles renasceram. Saíram das sombras, das poucas linhas que a História lhes dedicavam, para a vida plena, em todos os sentidos da palavra.

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Antigamente, na antiga vila de Santo Antonio do Prata e sua vasta área territorial, conteciam muitos casos de resistência, sim. Não com armas em punho, mas resistência a la Gandhi2 como a do índio Mariano, que se recusava estar sempre com roupas ocidentais, no tempo dos colonizadores do Prata (Mariinha Horácio, 2000 3). Da época que nos referimos já existia o SPI (Serviço de Proteção aos Índios). Órgão que não tinha atuação em nosso território. Alguns diziam que eram poucos índios. Não é o que a história nos mostra. Se em seis meses já tínhamos 55 famílias indígenas instaladas na colônia que se formou na antiga aldeia Prata, em 1898 (atual Colônia do Prata), imagina-se nas demais (Anselmo, Areal e Jeju). As pessoas sempre estranham quando me referiro à Colônia do Prata. Aliás, Prata na língua Tupi é Ita-ting (pedra branca). Dizem que os índios que estavam aldeados lá eram de Igarapé-Açu (ou do Prata mesmo). Não afirmo que eram todos do território de Santa Maria do Pará. Tinham vários índios residindo daquele lado, de fato. Mas, a maioria era do lado direito do rio Maracanã, portanto, do lado de Santa Maria. A história é cúmplice . A afirmação pode ser esta mesma se levarmos em conta que, antes de 1961, Santa Maria do Pará pertencia ao município de Igarapé-Açu. Desta data em diante Santa Maria foi emancipada politicamente. E já havia tido uma primeira tentativa de emancipação, em 1955, que foi prontamente malograda, alguns meses depois. Para aquela época, afirmar que os índios eram de Igarapé-Açu, era absolutamente correto, mas, atualmente é equívoco grotesco. É igualmente importante salientar, que quando as pessoas se referem aos índios daqui como índios do Prata, não estão exatamente corretos. Esta é uma ótica de branco, migrante, governo, Igreja. Pode ser até um subterfúgio para negá-los diante às afirmativas. Sempre que estão próximos a provar a existência histórica vêm um e diz: “não existem índios em Santa Maria. Eu sabia que existiam índios no Prata”. A atitude comum de muitos é colocar que existiu um número muito reduzido de índios, para justificar tudo de errado que foi feito. Mesmo que existissem apenas cinco índios nada poderia ter sido concebido da forma que aconteceu pois eu e todo mundo sabe que a organização política dos Tembé é baseada na família extensa. A desconsideração foi muito maior do que supomos. Atitude premeditada que tem

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Mohandas Karamchand Gandhi, nascido em 1869, em Kathiawar, estado de Porbunder, na Índia, líder pacifista da humanidade e principal personalidade da independência desse país. 3 Mariinha Horácio entrevistada pelo autor em 2000.

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reflexos até hoje. Não à toa, índios e comunitários santamarienses, continuamos todos no mesmo barco, da hipocrisia e do abandono. Quando, afinal, tem-se a impressão que a história vai fluir, aparecem do nada, gentes de alguns setores estratégicos, com uma explicação confusa, de que não vão atender estes índios porque existem pessoas nas comunidades que não são índios (anexo XXII, XXIII e XXIV). Dizem que estas pessoas querem se aproveitar das vantagens de ser índio. Vejamos que, vantagens propriamente ditas, só a longo prazo. Por agora só existe discriminação e abandono. Existem duas vertentes para que a oficialidade se efetive. De um lado se encontram os que acham que a auto-definição é um critério que merece ser considerado, e sabem que é um critério essencial, mas que existem pessoas que não são índias e por causa disso, todos devem pagar pela falta de assistência, ou pela formalidade de um relacionamento oficial. Acho estranho os índios terem que provar, documentalmente, a existência. Como fazê-lo sem espírito investigativo, sem ajuda especializada. Percebi que os índios teriam, mais uma vez, que decifrar os códigos modernos da sociedade não-índia. Sem estrutura financeira e física. Sem contar, que grande parte deles é semianalfabeta, ou totalmente analfabeta. O trato do Governo Federal com os índios Tembé de Santa Maria, creio que ainda não foi levado a efeito até essa data. Tiveram algum beneficio, na área social, através do Programa Fome Zero, com distribuição de cestas básicas, que cumpriram seu objetivo social fundamental, naquele momento, uma capacitação de confecção de rede e incrementação de um pequeno projeto de apicultura implementado pelo MMNEPA (Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense) e corroborado pelo Instituto Ajuri. Faltaram ações estruturantes, demarcação de território, educação, saúde. Tem-se a nítida impressão que o governo federal fica alijado do processo de Reconhecimento Oficial destas populações. A administração regional da Funai e a presidência da mesma, agem com um pragmatismo mórbido, diferenciado, que mais parece segregacionista. As ações do governo federal ficam por conta das pressões da Procuradoria da República, sempre atento às demandas e ao descaso com as populações indígenas, mas infelizmente, nem sempre atendidas. Os apelos dos índios Tembé de Santa Maria do Pará não são ouvidos pelo orgão oficial do governo federal, a Funai. Procuraram sempre estar distante para não significar que estão formalizando um acordo formal. A informalidade garante o não atendimento e um reconhecimento oficial de fato.

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O governo do Estado, a partir que esses índios resistentes emergiram, os beneficiou com convênios e outras políticas públicas, através da Secretaria de Justiça (leia-se Programa Raízes4), sem se importar que sejam oficializados e, principalmente, sem questionamentos insondáveis. Isso foi uma dádiva! Era necessário acabar com a discriminação dentro do orgão oficial. Não é possível ter uma política para lidar com índios A e índios B. Ressurgido ou resistente, todos são índios e têm seus direitos. Ainda não foi ultimada a formação da identidade da sociedade nacional. E existe o problema das pessoas universalizarem as etnias, como se um Kayapó ou Tembé tivessem os mesmos costumes e tradições. Este é só um pequeno exemplo do desconhecimento das pessoas em relação aos índios do Brasil. Com a Funai as coisas se arrastam. Acho necessário falar um pouco do ex-prefeito de Belém5 que inaugurou o Memorial dos Povos Indígenas e que convidou, solenemente, os Tembé de Santa Maria para se fazerem presentes. De Santa Maria do Pará saiu um ônibus cheio de índios. Isso orgulhou enormemente a capitôa dona Maria Cassiano e aos demais. Foi um aceno de respeito e cordialidade. O prefeito encantou a todos os índios com sua cultura e atenção dispensada. E ultimamente os Tembé de Santa Maria do Pará tem se mostrado contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, participando ativamente de manifestações. Muitos em Santa Maria ainda negam que os Tembé existam, mas não levo essa ignorância em conta, uma vez que estas pessoas não sabem nem mesmo que eles fizeram parte da formação de nossa sociedade. Por que? Será parte do preconceito latente do brasileiro em relação às suas origens? Para alguns é bem mais fácil se reconhecer negro que índio. Ademais, a política para os afrodescendentes está melhor definida e defendida que a política para os indígenas. Eu sei e os Tembé também sabem esperar docilmente, como aliás é próprio dos Tembé, sobretudo os de Santa Maria do Pará. Ao longo desses anos de dedicação fiquei meio abalado, achando capricho meu o ressurgimento dos índios, mas imensamente feliz por estar contribuindo para firmar seus nomes no patamar necessário e justo. Quando eu já mandava o livro para a gráfica eis que encontro Miguel Tembé com a notícia de que o presidente da FUNAI, Marcio Meira havia reconhecido oficialmente os Tembé de Santa Maria do Pará em 08.04.2011. Tive acesso a cópia do documento assinado. O 4

Programa extinto em 2007 e substituído em sua atenção por uma coordenadoria específica para atendimento aos indígenas, por causa de politicagem. A coordenadoria não teve a mesma importância que o programa tinh, principalmente nas partes física e financeira. 5 Edmilson Rodrigues foi prefeito de Belém entre 1997 e 2004.

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documento em si não responde a finalização dessa demanda. O documento atesta o reconhecimento das lideranças dos grupos Tembé existentes no Estado do Pará (Alto Rio Guamá, Alto Rio Gurupi e Tomé-Açu) aos indígenas Tembé de Santa Maria do Pará, reunidos no Ministério Público Federal do Pará. Quarenta e oito indígenas assinaram o documento entregue ao presidente da FUNAI intitulado RECONHECIMENTO ÉTNICO DOS TEMBÉ DE SANTA MARIA DO PARÁ (anexo LXV). O documento está assinado como recebido pelo representante máximo do orgão indigenista. Denota grande sensibilidade dos parentes Tembé. O apoio deles tem sido fundamental, emocionante e de grande prestígio... Poderia sim ser usado como uma afirmativa verdadeira para um parecer definitivo. Foi dito que, o supracitado documento, precede e respalda um outro a ser elaborado pelo presidente FUNAI. Marcio Meira se comprometeu com as lideranças e com o Ministério Público Federal do Pará que, a formalização do reconhecimento agora era questão de tempo. Ao menos o documento assinado dia 08.04.2011 tem como providenciar a garantia de algumas políticas públicas voltadas aos indígenas. Eis que pouco tempo depois sou surpreendido com um E-mail de um missionário do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) com um anexo de um ofício da FUNAI em que responde ao documento de 08.04.2011 e que, reconhece etnicamente os Tembé de Santa Maria do Pará, assinado pelo presidente da mesma (anexo LXVI). Entretanto, a luta continua e parece-me, vai ser eterna. Santa Maria do Pará, 01 de maio de 2011. Laércio Braga

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NOTA DO AUTOR PARA 2017 Em 25 de outubro de 2015 apagou-se a luz do meu amigo Miguel Carvalho da Silva, o Miguelzinho, o indígena Tembé mais interessante e comunicativo, guardião de sua cultura, que conheci. Desde o primeiro momento, desenvolvi grande empatia por ele. Ao longo dos anos, aprendi a tê-lo como um parente, meio achando-o um ser angelical. Miguel circulava pela minha casa, junto aos meus filhos. Todos em casa tínhamos amor e respeito pelo ser e pela representatividade dele junto aos seus. Miguel não era apenas o cacique da aldeia Areal, ele era a alma. Enquanto velávamos o corpo de Miguel Tembé, não consegui falar em sua memória publicamente. Esperavam um discurso meu, mas eu estava arrasado. Lembrava de nossas conversas, dos mitos que me contava, do humor fino que extraía de sua condição campestre. Miguel sabia do meu desejo de um dia meu corpo fosse sepultado debaixo do bambuzal, próximo ao rio Maracanã, quando eu fizer a passagem para o além, e também ríamos disso. Embora eu falasse sério, ele duvidava da intenção testamental. Infelizmente, ele próprio não foi sepultado na aldeia que reconstruíu. Aliás, vejo a grandeza de sua ação ao ter permitido que os parentes se aldeassem em suas terras, não sem comunicar antes que, a parte agriculturável era sua, mesmo ela sendo muito pequena. Os parentes seus, dos primeiros protagonistas indígenas, estão lá. Foi um gesto de muito boa vontade e de um significado imensurável. Quando lancei essa obra em 2011, obra que, diga-se de passagem, me envaideceu muito, pude trazer à tona as permanências dos Tembé na nossa microrregião. Uma obra que ajudou enormente nessa caminhada. Ajudei, sobremaneira, o próprio Miguel em ser melhor ouvido e compreendido. Miguel me tecia elogios pela obra e eu ficava rubro. Miguel sabia que eu fazia estas coisas por paixão à causa indígena. O cacique sempre esteve ciente disso. Agora, Miguel partiu e sua memória ecoa por tudo quanto é lugar por onde andou. Existe uma admiração geral, uma saudade imensa, a certeza de que se tornou uma entidade que zela pelos indígenas em alguma dimensão incompreensível. Traz um consolo enorme imaginar que as coisas aconteçam assim. Esta nova edição é para consolidar aquilo que dissemos no passado e para garantir que teremos futuro. E o futuro é a recuperação do território indígena de Santa Maria. A construção final do mapa do território Tembé de Santa Maria do Pará, se não foi surpreendente, foi de certa forma, mística. Surpreendente, porque foram realizados muitos encontros para que a comunidade pudesse discutir e definir o seu território, mas essa

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definição não chegava. Ao longo dos encontros ela foi sendo inconscientemente gestada, como se fosse um parto difícil de acontecer... Foram realizados muitos debates e não se conseguia fechar nenhuma linha do mapa. Uma das razões, era que a dimensão da área antiga do território pleiteada pelos Tembé, atualmente, entrava em choque com a realidade e dificultava a definição dos limites. Foi só em 2014, numa reunião da comunidade que, depois de terem discutido os pontos da pauta, alguém puxou a questão do mapa e Miguel Tembé começou a rascunhar o mesmo no chão do Centro Cultural Tembé. Juntaram-se a ele outras lideranças e, finalmente, sem planejamento, surgiu o mapa do território tembé de Santa Maria. Naquele momento, Almir Tembé memorizou, rascunhou e entregou esse mapa, a lápis, para o missionário do CIMI (Paulo Dutra). A filha do missionário, Julia, coloriu-o e o mapa foi apresentado na Oficina Sobre Território na Aldeia Areal, no dia 01 de junho de 2014 (anexos LXX e LXXI). O mapa é considerado místico, pois foi o último presente e desejo de Miguel Tembé, Cacique do Areal. Ele vislumbrou como seria o território Tembé de sua comunidade. A história do mapa do territótio indígena Tembé foi uma das muitas sementes plantadas por Miguel Tembé.

Belém, 20 de fevereiro de 2017. Laércio Braga

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1: Dona Maria Cassiano Tembé (Maria Francisca) e Miguel Tembé (Miguel Carvalho), durante encontro da assembleia da AITESAMPA, 2004 (foto: Braga, 2004).

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LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE SANTA MARIA DO PARÁ, TERRA DOS TEMBÉ, NO ESTADO DO PARÁ

Santa Maria do Pará está situada na mesorregião do nordeste paraense, distante da capital Belém em aproximadamente 110 km. No território da cidade encontram-se as duas principais rodovias federais. São elas as BR-010 e BR-316, respectivamente rodovias BelémBrasília e Pará-Maranhão. O município foi emancipado em 1961

2: Mapa do Estado do Pará assinalando a área de Santa Maria do Pará e as mesorregiões (reprodução: Braga, 2011).

Localiza-se a uma latitude 01º21'01" sul e a uma longitude 47º34'32" oeste, estando a uma altitude de 51 metros. Sua população

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estimada em 2004 era de 22.388 habitantes. Possui uma área de 459,8,49 km² (WIKIPÉDIA, 2011). Na primeira década do século XX, o engenheiro e arquiteto Antônio Mazzini6, começou a demarcar as terras separando-as em lotes pertencentes à cidade de Santa Maria do Pará a partir de 1915, atuando como agrimensor até 1920. Antes dele, e nos limites da Colônia do Prata, o Sr. Boanerges Cardoso já havia demarcado alguma coisa dentro do atual território (BRAGA, 2001). Em 1955 o governador Zacarias de Assunção criou o município de Santa Maria do Pará, mas meses depois a emancipação foi tornada sem efeito pela alegação de falta de renda (Braga, 2001). Com a Lei 2.460 de 29 de Dezembro de 1961, publicada no Diário Oficial do Estado, foi criado novamente o município de Santa Maria do Pará, sendo nomeado para prefeito, por decreto do Sr. Governador Aurélio Corrêia do Carmo, o Sr. Henrique José de Araújo, que administrou de 1º de abril de 1962 até janeiro de 1963, quando tomou posse o Sr. Pedro Barros da Silva eleito prefeito constitucional (eleições diretas), administrando de 06 de janeiro de 1963 até 31 de janeiro de 1967 (BRAGA, 2001).

3: Mapa político de Santa Maria do Pará com a localização das aldeias Tembé remanescentes (a área destacada é muito pequena diante do real território a ser demarcado), Jeju e Areal (Reprodução de mapa do Plano Diretor Participativo, 2006). 6

O engenheiro e arquiteto Antônio Mazzini era de relevante ascendência (o pai lutara ao lado de Garibaldi na unificação da Itália). Italiano de Cremona, se estabeleceu no Prata, inclusive se casando (1908) com uma filha da terra (a índia Maria da Cruz) e era funcionário público estadual.

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O QUE FALTOU DIZER É preciso deixar claro que fomos os principais responsáveis pela reorganização social dos índios Tembé de Santa Maria do Pará. Não fomos responsáveis pela existência dos indígenas aqui. O que lhes faltava era organização social. Eles em si sabiam a descendência e alguns direitos. Não sabiam nem como ou a quem se dirigir para obterem resultados. Surgi como uma espécie de memorialista. O reaparecimento dos indígenas Tembé na sociedade santamariense se deu porque eles queriam ser respeitados, considerados e tomar um lugar digno no patamar da formação de nossa sociedade, um lugar digno na nossa história. Em princípio temeram pelo movimento em si, pelo enorme preconceito nacional em relação aos índios, pelo escárnio 4: Lourenço da Silva (Cassiano) e Izabel Braz, sumamente, pelo nosso real pais da capitôa, dona Maria Cassiano (Maria motivo em reorganizá-los e, Francisca da Silva), da vila do Jeju. Morreram pelos conflitos pela década de 70 e 80. Eram muito conhecidos enfim, futuros que poderiam surgir e populares (reprodução: Braga, 2002). com a reivindicação dos seus principais direitos. Jamais tomamos uma posição ambígua ou contundente, fomos induzidos pela História, pela fé no homem enquanto ser, pelo merecimento. A única coisa concreta que existia era promover a expiação de nossos pecados recentes, que tinham sido insuflados e inchados pela nossa omissão histórica. Uma pergunta ficava evidente para nós: como podemos desprezar e menosprezar uma raça durante tanto tempo sem ao menos refletir sobre isso? Tínhamos todos repetido os mesmos erros de há quinhentos e dezessete anos, sem a digna reparação pela extinção de raças. Não quisemos incorrer nos mesmos erros dos nossos colonizadores (anexo X, XI e XII). Duas outras posições foram empolgantes e determinantes para o nosso resgate: uma veio da capitôa7 dona Maria Cassiano (da aldeia Jeju) e outra do cacique Miguel Tembé (falecido em 25/10/2015 em consequência de uma colisão entre a moto que pilotava e outro), que 7

Capitôa é um termo Tembé para designar o que pode ser interpretado como uma cacique; uma liderança.

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jamais negaram a raça, nem por um segundo. Foram firmes em nosso primeiro contato, como se já esperassem por aquele dia, acontecido no ano 2000. 5: Dona Maria Leopoldina ou Luzia (anexo XLII), mãe do cacique Miguel Carvalho faleceu em 1994. Foi um baluarte na preservação da cultura dos Tembé de Santa Maria do Pará. Falava com forte sotaque porque se comunicava melhor na língua ancestral (Tupi-Tenetehara). Tinha menos de 1,50 m de altura. Sua presença está nítida na cabeça das pessoas, como a deste autor ( reprodução da fotografia é nossa a partir de uma foto 3x4. Braga, 2002.).

Mas do contrário da história de outras etnias a disposição dos leitores, faltou aos historiadores e viajantes esmiuçarem mais a vida dos Tembés de Santa Maria do Pará. Pouco se sabia dos seus costumes mais primitivos, registrados naqueles momentos solenes, com uma descrição pormenorizada. Isso preocupou-nos bastante. Gostamos enormemente de História e Cultura, sentimos-nos profundamente tristes em não poder visualizar as coisas como elas eram, mesmo que fossem registradas em litografias, ou desenhos feitos a bico de pena. Mas falamos dos indígenas de Santa Maria do Pará. Porque outros grupos indígenas encontraram esta sorte, nas obras de Nimuendaju (1915), J. Barbosa Rodrigues (1882), Wagley & Galvão (1955), que estudaram outros grupos Tembés pelo Estado. Outros pesquisadores do século passado ficaram nos devendo estes esclarecimentos. Curt Nimuendaju, 1915 (apud Sales, 2000, p. 29) afirmou terem habitado no Alto Rio Pindaré os atuais Tembé localizados no Guamá, no Capim, no Gurupi e Acará-Miri: Até a primeira metade do século XIX, os Tembé habitavam a região do alto Pindaré. A partir deste momento, começam a migrar para a região do Gurupi e, mais além, até as região dos rios Capim, Guamá e Acará Pequeno, a convite do sertanista Manoel Antônio. Um grupo destes atingiu até mesmo a ferrovia

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Belém-Bragança, sendo assentado na localidade de Prata por missionários capuchinhos (Nimuendaju, 1915, p. 25).

Não queremos parecer presunçosos, mas acreditamos que Curt Nimuendajú equivocou-se um pouco com o relato dos Tembé de Santa Maria do Pará. Os índios não foram trazidos pelos missionários capuchinhos para o Prata. Os índios já existiam lá e em outros lugares que seriam, um dia, o território de Santa Maria do Pará. Os frades capuchinhos chegaram em 1898 na Colônia do Prata. Os primeiros contatos destes com os índios do lugar foi feito no ano anterior, 1897. O Prata, segundo relatos próprios e bibliográficos, já era uma aldeia constituída naturalmente e não fruto de um aldeamento nos moldes da política colonial jesuítica. Existiam outras três aldeias de Tembé. Cremos que estes erros são comuns quando se trata de um lugar politicamente inexpressivo como o nosso, principalmente quando se leva sempre em consideração apenas as ações conjunturais e renegam políticas sociais. A politicagem é uma marca prepoderante em Santa Maria do Pará.

6: Desenho de uma índia pescando. Nós o pusemos porque era comum às Tembé pescarem nos rios Jeju e Marcanã. Desenho de Huascar de Vergara para Revista da Exposição Anthropológica Brazileira de 1882 (reprodução: Braga, 2004).

Sem humanismo não podemos prever bons resultados. O desenvolvimento do homem passa pela sua essência e culmina numa transformação de toda uma sociedade para outra realidade. História e cultura são elementos fundamentais para quem pretende atingir

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qualquer desenvolvimento. Um não consegue se dissossiar do outro. É básico. Toda negativa dos Tembé de Santa Maria pode ter também uma origem cultural. Os Tembés são um povo unido por uma mesma língua e tradições comuns, do que uma tribo ou nação conscientemente organizadas em base política (Wagley & Galvão, 1955, p. 31). Estes pesquisadores observaram assim os Tembé (Tenetehara): Desconheciam a existência de outros Tenetehara do Rio Gurupi, e muito menos daqueles mais distantes, no Rio Guamá. Os indivíduos de outras aldeias são considerados estrangeiros, embora a facilidade de língua e conhecimento da etiqueta lhes garanta a hospitalidade ou tratamentos patrícios.

7: Um folguedo Tembé desenhado por Huascar de Vergara para Revista da Exposição Anthropológica Brazileira de 1882 (reprodução: Braga, 2004).

Se em 1955, já tínhamos índios que desconheciam outros índios da mesma etnia, quando o índice populacional de nacionais ainda era inscipiente, imagina-se na atualidade, com a prática comum de exterminar todo e qualquer sítio ecológico. E o que é pior, sem a menor cerimônia ou dor de consciência. E podemos afirmar que não é o pobre e desinformado quem promove desmatamentos. É gente da cidade, criado em padrões acadêmicos contemporâneos, fruto da visão globalizada de que é preciso preservar a natureza, de que é preciso

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desenvolver sim, mas com responsabilidade. Não é o que temos assistido, com profundo pesar. Mas, devemos contestar solenemente e meio que sem graça, o que disseram os senhores Wagley & Galvão. O fato foi que observaram apenas os grupos localizados na região estudada. Os índios Tembé daqui tinham conhecimento de outros grupos, na região do Guamá, Capim, Pindaré, Mearim, etc. E, tinham contato permanente. Havia um caminho de índios, pela floresta, que chegava no estado do Maranhão. Existiu até a construção da BR-316, nos anos JK e seu Plano de Metas. Uma parte deste caminho subsiste entre Santa Maria e a Colônia do Prata. Tem muito mais de duzentos anos (anexo XXXVIII)8. Durante o desenvolvimento do nosso trabalho temos citado e vamos continuar a citar insistentemente a 9 Colônia do Prata , 8: Dona Maria Cassiano e seu irmão Pedro Cassiano. Ela é daquele tipo de pessoa que não precisa fazer mesmo sabendo que, muito esforço para ser elegante. É um dom natural na atualidade, sua dela. Posiciona-se como verdadeira líder sem querer jurisdição está afeta ao tanto. Não é por acaso que é a “capitôa” dos Tembé da aldeia Jeju. É uma mulher consciente do “poder” sem município de Igarapése impor oralmente. Também é uma espécie de Açu , município criado protetora do nome e da cultura dos Tembé em sua em 26 de outubro de própria estampa (foto: Braga, 2004). 1906, pelo Exmº Sr. Governador Augusto Montenegro, com a assinatura da Lei nº 985 (Freitas, p. 27, 2005). Mas, não pode ser do contrário. A Colônia do 8

Infelizmente este caminho dos índios foi eliminado de nossa paisagem faz uns 3 anos. 9 A Colônia do Prata é uma autarquia federal por conta da criação do Leprosário do Prata em 1921.

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Prata é o marco registrador da existência bibliográfica dos índios aldeados em Santa Maria do Pará. Foi o útero que trouxe os índios para a “civilização” de forma sistemática. Se o Prata não tivesse existido como núcleo de catequese indígena, poderíamos ter outra realidade indígena em nossa terra. Poderíamos ter índios com aparência mais primitiva, com cultura plurissecular preservada. Poderíamos... não se afirma. Se insistimos em dizer que a realidade poderia ser outra é pois que, observamos que teríamos uma inversão de posições. Hoje, nossa “realidade civilizada” está esquecida dos índios. Se os frades não adentrassem as ocas dos índios, levando a todos o Santo Evangelho, eles com certeza, estariam esquecidos e preservados historicamente. Afirmamos isso, com franqueza, porque ainda hoje esta cidade passa despercebida de muitos paraenses, imagine se não houvesse cidade. Conhecemos pessoas que passam para o veraneio em Salinas há 47 anos e jamais se deram conta da existência de Santa Maria do Pará. Mesmo havendo a confluência de duas principais rodovias de integração do País, as BR-010 e BR-316. Não estamos premeditando uma retomada do Prata, mas é 9: Manoel Braz da Silva, que foi um uma pena que não nos pertença. cacique presumível, atropelado pelos Um lugar cheio de história como ideais de catequese dos capuchinhos da Colônia do Prata. aquele e íntimo nosso (apenas 6 O retrato falado é do tempo de sua quilometros nos separam, velhice, em meados do século XX, já enquanto Igarapé-Açu dista 21 casado em segundas núpcias, com uma quilometros)... A jurisdição do maranhence. A descrição a mim foi feita por sua filha Juliana Braz Sodré e sua Prata pertence a Igarapé-Açu. neta Maria Cassiano, 2000. Desde de 1921 é uma autarquia federal, com escrituras de compra e venda. Sabemos que a área do Prata não foi devolvida oficialmente para o município de Igarapé-Açu. Achamos que a Colônia do Prata tem muito mais em comum conosco que qualquer outro lugar. Divisão territorial foi tão assim que chega a confundir muitos. E ainda tem a história dos índios, dos que habitavam e dos que foram catequizados lá. Moralmente nos pertence. Todavia, não podemos creditar a transformação cultural dos índios, negativamente, aos frades. É necessário salientar que a ocupação

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chegaria com certeza. Os trilhos da ferrovia Belém-Bragança avançavam em povoados, vilas, núcleos coloniais, como Jambú-Açú (atual Igarapé-Açu). Coincidiam com a instalação do Núcleo de Catequese Indígena Santo Antonio do Maracanã, atual colônia do Prata (Freitas, 2005, p. 23-30). Há necessidade de se entender todo um contexto e o contexto da época. Precisamos analisar o passado no presente. Mas parece-nos costume geral desta cidade desprezar informações históricas, até pessoais. Ao longo das pesquisas nos deparamos com pessoas sem compromisso com os nomes de família, muitas sem documentos, infelizmente. Permanece assim atualmente. Antigamente era um tanto pior. Difícil era encontrar alguém compromissado com os nomes de família. Por exemplo, mudadas algumas normas gramaticais como a substituição do ph pelo f, muitas famílias promoveram esta mudança em seus sobrenomes (ou permitiram que fossem executadas). Foi o caso da família deste autor, que assinava

10: A foto não sugere, ela mostra a bandinha de música do Prata, constituída originalmente de índios Tembé, que estudavam naquele estabelecimento. No detalhe, Manoel Braz ainda adolescente, junto aos colegas, o professor de música e frei Daniel. Álbum do Estado do Pará, 1908, com detalhe nosso.

Seraphim. Hoje a grafia está, Serafim. O próprio cacique Miguel (Miguelzinho, Miguel da Índia) mudou seu nome por conta de escárnios dos colegas de escola. Miguel se assinava Miguel Leopoldino da Silva. Tinha documento com esse nome em criança. Os coleguinhas de escola faziam uma corruptela de

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Leopoldino para poldin (outra corruptela para chamá-lo de poltrinho). Faziam escárnio sistematicamente. Então Miguel pediu a mãe que mudasse seu nome, pois queria continuar estudando. A mãe providenciou a mudança em cartório, aproveitando que era mãe solteira, para acrescentar o nome de seu pai, Carvalho. Miguel assina hoje, Miguel Carvalho da Silva. Mas a mãe de Miguel não era casada com seu pai, um ente não índio. Ele apenas a seduziu e, depois de engravidá-la, abandonou-a. Dona Maria Leopoldina (e não Leopoldino, como seria correto) era pouco conhecida pelo nome de “batismo”. Conheciam-na mesmo como Luzia (anexo XLII). E quantas vezes não vimos esta senhora em nossas ruas. Mais adiante, nos aprofundaremos na história da concepção do cacique Miguel. Dona Francisca Grigória Tembé foi outra que mudou dados do seu Registro de Nascimento (anexo XLV) felizmente para seu bem e por interveniência nossa. Estava dez anos mais nova e não tinha como aposentar-se. Dona Maria de Lourdes de Souza, a Mariinha Horácio (entrevistada em 10.08.2000), contou-nos que os índios fabricavam artefatos de cerâmica, às vezes com desenhos e bonecos de madeira e fibra, para as crianças, além de outros artefatos inerentes a etnia. Podemos supor que algum material exista em alguma instituição científica, principalmente se levarmos em consideração que às proximidades do rio Maracanã (no sentido Norte), temos bastante argila. É só uma suposição, mas quase toda repleta de certeza. Frei Apolônio Troesi10 (entrevistado informalmente em 2000) nos contou da grande amizade entre frei Daniel e Emílio Goeldi (cientista que dá nome ao internacionalmente renomado Museu Emílio Goeldi). Não seria sonhar. Este autor mesmo, com sua curiosidade a respeito de índios, jamais desperdiçaria a oportunidade de incrementar um acervo, tanto em conhecimento quanto material. A suposição pode ser verdade absoluta. Mas, nem tudo é perfeito... Recentemente tivemos a oportunidade de colher um registro fantástico acerca de pesquisas, em torno do território dos Tembé, na Colônia do Prata. Soubemos que a Dra. Maria Elizabeth Emília Snethlage (Cunha, 1989, p. 92) recolheu-se, em 1918 à comunidade indígena Santo Antonio do Prata. A Dra. Emília Snethlage era uma pioneira que veio desempenhar uma função científica no Museu Emílio Goeldi, em 1905. Realizou estudo da avifauna amazônica e, 10

Frei Apolônio Troesi era um dos responsáveis pelo processo de canonização de frei Daniel Rossini de Samarate. Nos ajudou substancialmente ao passo que não teve paciência para entender nosso principiante objetivo histórico. Recusou-se a gravar entrevista.

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paralelamente realizando explorações geográficas e etnológicas entre os anos de 1905 a 1921. Foi diretora do Museu Goeldi. De origem germânica. A Dra. Snethlage passou alguns meses na Colônia do Prata, fazendo estudos ornitológicos e ecológicos. Não passou despercebido desta pesquisadora a rápida e irreversível degradação pela qual já estaria passando a região. Na época só existiam estradas carroçáveis e a ferrovia de Bragança. O resultado desta pesquisa da Dra. Snethlage foi publicado na revista americana “The Geographical Review”, N. York, sob o título “Nature and Man in Eastern Pará” (Natureza e homem no leste do Pará), 4:41-50. Ocorreu-nos a impressão que frei Apolônio (contato em 2000) pode ter errado a pontaria. Apostou que a Dra. Emília que visitou frei Daniel de Samarate (já fora do Prata em 1919 e interno da colônia de hansenianos de Tucunduba, em Belém) fora Emílio Goeldi. Frei Daniel anotou em seu diário, no dia 04.06.1919. Como era italiano talvez os pesquisadores tenham pensado tratar-se do igualmente célebre, Dr. Emílio Goeldi, contemporâneo daqueles capuchinhos e da própria Dra. Snethlage. Porém, não contesto firmemente frei Apolônio, uma vez que um e outro cientista pôde ter sim relacionamento de amizade com frei Daniel. A Dra. Emília, afirmamos com certeza. Muito embora frei Daniel tenha deixado o Prata em 1913 e a Dra. ter chegado lá em 1918. O relacionamento de amizade perdurou, já que encontramos a Dra. Snethlage visitando-o enquanto interno da colônia de hansenianos de Tucunduba (Samarate, 1995, p. 268). Perdurou a amizade por ela já ter visitado a Colônia do Prata antes de 1918. O primeiro registro foi de 1905. Contudo, fiquemos atentos, pois os frades tem em poder, em Milão, na Italia o famoso Arquivo Velar11 que deve ser muito esclarecedor como patrimônio pictórico de nossa história. Tanto da história dos indígenas quanto da história das migrações, imigrações e da história eclesiástica. Inconformados com o material colhido, nas pesquisas empreendidas em 2000/2001, não descansamos até encontrar um material bibliográfico mais antigo, com imagens, inclusive. Garimpamos no acervo da biblioteca do museu Goeldi e encontramos farto material, na sessão de obras raras, não exatamente dos Tembé de Santa Maria do Pará. Foi difícil colher uma imagem do material raro, naquela época. As biblioteconomistas e curadoras da seção de obras raras desaconselhavam o uso de flash. Uma delas, não só desaconselhava-nos como tratava-nos meio severamente. E, elas estavam certíssimas. Tivemos de transcrever a mão o que nos 11

O Arquivo Velar guarda sobretudo fotografias da época da Colônia do Prata, núcleo de catequese indígena: coisas do cotidiano, visitas ilustres, inaugurações e etc.

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interessou a respeito dos Tembés. Foto não poderíamos colher. Então, tivemos de desenhar, também. Tudo isso ocorreu em 03.06.2000 e em 29.06.2000. O advento das máquinas digitais, se já existiam, não estavam ainda popularizadas. Apenas cinco anos depois pude voltar lá e colher as imagens para ilustrar este livro. Achamos pertinente transcrever o que J. Barbosa Rodrigues relatou na Revista Anthropologica Brasileira (1882, p. 20-21, 32 e 55):

VESTUARIO - Não havendo nada escripto sobre esta tribu, referirei alguns de seus usos, que tive a ocasião de ver. No seu estado selvagem, vivem os Tembés, inteiramente nús, sómente ocultando o órgão sexual, com uma tala de cipó ou fio de algodão. Dão a esse suspensório o nome de tacuonguana. Trazem os cabellos grandes, cahidos pelas costas e aparados na testa. Usam um tecido de fio de algodão no braço esquerdo, e o tingem de urucú, para livral-o da pancada da corda do arco, quando despedida a flecha, cujo tecido serve de enfeite e só o tiram quando se estraga. Dão-lhe o nome de poapêcuaaua. As mulheres trazem o cabello da mesma fórma, e usam uma facha larga de algodão tecido, branco ou tinto de urucú, passado a tiracollo sobre o ombro direito, que, pendendo sobre o corpo cobre-lhes a parte vergonhosa, e serve para nella trazerem constantemente os filhos, dão a essa facha o nome de tupóy. Usam os homens do arco, muirapara, não direito e sim com as extremidades encurvadas, todo cobertode um tecido de fio de algodão, exceto no centro, para ter mais consistência. Suas flechas são: a tucuara (tié) para caça grande ou inimigos, que é de ponta de lança, e a para o peixe, macauaufeté, de ponta de osso. São as únicas armas que usam para a guerra e caça. Nos seus dias festivos então adornam-se com enfeites de pennas, consistindo quase toda cabeça. Amarram nesta, obliquamente, uma testeira de pennas amarellas da cauda de japú, tecidos inferiormente com fio de algodão, a que chamam akanicate. No cordão que amarram o akanicate na nuca prendem uma espécie de babado de pennas de cauda de arara vermelha, que cahi sobre as costas, a que chamam aranipeú. Por cima deste atam horizontalmente uma espécie de resplendor com tres ou quatro pennas de cauda de arara, presas a um tecido de algodão com pennas de papagaio, a que chamam atuáraué. Todos esses enfeites reunidos têm o nome nayahy. Na parte superior do ante-braço ligam uma espécie de pulseira de fio de tecido e tinto de vermelho, tendo pendente pela parte interna diversos cordões terminados em borlas de pennas de papos de tucano, a que chamam tiuapêcuay-tap. Na barriga das penas amarram ligas estreitas de cordas, chamadas tetémacuáus; acima dos tornozellos outras ligas com guizos de piquiá, chamados auáiú. Quazi todos usam, trazidas ás costas e

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pendurada ao pescoço, de cornetas ou businas feitas de massarandyba em duas partes, e depois unidas e grudadas com o leite da mesma arvore. As pennas que as enfeitam são grudadas com o mesmo leite. Têm a fórma de corno, com buraco para tocar-se na ponta do lado convexo: são cobertos de pennas de papo de tucano amarello, de arara vermelha e de mutúm, pretas. Acima do buraco prendem o cordão e um enfeite de pennas de gavião real (uiraueté), tecidos em fio de algodão. Esta busina, que serve para chamar os companheiros á dansa e á guerra, chamam-se mimê. É o unico instrumento que usam. As mulheres, para as festas, grudam nos cabellos com cêra virgem, e sem ordem, pequenos borlas de papo de tucano, chamadas ueçaê; cobrem os braços com a penugem branca do gavião real, que é segura ao breu com que se untam. A esse enfeite dão o nome de uirááua. Tirar-se uma das borlas do ueçaê é uma ofensa. Pintam as pernas de urucú e genipapo. O tucháua tem seu arauê, que é sceptro. É uma espécie de espanador, tendo no cabo uma porção de cordões cobertos de pennugem de gavião real, rematados por borlas de papo de tucano. J. Barbosa Rodrigues

Não queremos parecer presunçosos mas, este relato de J. Barbosa Rodrigues tem em comum muitos aspectos descritos por nossos entrevistados, feitos ainda em 2000/2001. Dona Mariinha Horácio ou Maria de Lourdes (2000), viúva do índio Pedro Horácio (anexo XLIV), disse-nos as mesmíssimas coisas. Ela faleceu vítima da idade avançada (10.09.05). Mariinha morou entre os índios do que restou da aldeia Prata. A aldeia tinha sido empurrada, “delicadamente”, pelos frades para o lado direito do rio Maracanã, para que pudessem construir sua colônia sem resistências. Agora, onde era a aldeia que dona Mariinha viveu é conhecida como a presumível e antiga travessa Santo Antonio. Presumível porque não tem atualmente forma de travessa rural. E antiga por ter sido demarcada por volta de 1907, por Boanerges Cardoso. A travessa Santo Antonio só está fechada por obra e graça de alguns, que se aproveitaram das vantagens das cercas e se apoderaram do rio Maracanã. Ultimamente não só o rio foi privatizado, mas até o caminho bicentenário dos índios foi fechado ao acesso público, por um comprador de terras12 que se apropriou dele. Depois, as demais travessas, nos primeiros anos do século XX, foram demarcadas pelo agrimenssor Antonio Mazzini 13 (anexo XLII).

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Muito provavelmente o senhor José Nunes de Andrade, um cearence, advogado, residente em São Paulo. 13 Antonio Mazzini, de Cremona, na Italia. Fora casado com a índia Tembé Maria da Cruz, filha de Manoel Teodoro, da aldeia Prata.

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Ficamos muito tensos e tristes, ao adentrarmos o ano de 2005, e persistirem ainda perguntas e ceticismos acerca dos Tembé de Santa Maria. O TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de Dulcinéia Nascimento de Moraes (2005, p. 16) nos trouxe evidente preocupação. Queremos reproduzir o que disse a concluinte de Pedagogia: Enfim chegamos a “tribo Tembé”. Daí minha decepção! Por que? Dentro do pouco conhecimento teórico e de pesquisa de campo sobre os Tembé, esperava uma tribo similar a dos Kaiapó, Arara, Yanomami e etc. Ou seja, um local com ocas e seus integrantes vestidos a caráter, conforme a concepção cultural e preconceituosa do “branco”. Isto foi importante ocorrer para demonstrar o quanto de preconceito carregamos conosco e principalmente mostrar que tudo que pensamos antes da ida a campo é totalmente diferente da realidade concreta. Ou seja, meu preconceito e ansiedade jamais esperavam encontrar uma “tribo” onde as casas são de taipa, seus integrantes andam vestidos e a vida comunal é quase ausente.

Preocupou-nos a visão de Dulcinéia, mas depois, analisando melhor, descobrimos que a história acontece assim mesmo. Todos temos modificações em nossas vidas. Elas acontecem sistematicamente. Uma mudança de cultura pode significar efeito de sobrevivência. Foi assim que nossos Tembés tiveram oportunidade de se preservar, adaptando-se ao meio. Acontecem coisas dessa natureza no século XXI, como aconteceram no século passado. Lidamos com uma cultura em constante transição. Wagley (apud Wagley & Galvão, 11: Um índio Panará, em seu 1955, p. 14), meio que lamentando a primeiro contato com o homem falta de estudos mais aprofundado, branco, com efeito primitivo junto ao Tenetehara14, fala da limitação evocado pelo leigo. (foto: Deserdados: os ínios do Brasil, de estudos às aldeias situadas ao longo Survival, p. 38). do rio Pindaré e marginais da estrada de gado entre os rios Mearim e Pindaré, no Maranhão. Mas, nos fala com toda certeza da propriedade cultural em que os Tembés se acham incluídos: “Conquanto nossa descrição se refira especificamente aos 14

Na língua Tupi-tenetehara significa os índios; os Tembé; gente.

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Tenetehara da região do Pindaré, temos a certeza que as observações podem ser consideradas como típicas da cultura tenetehara em geral”. Sendo assim, os índios de Santa Maria se encaixam perfeitamente na descrição dos etnólogos. E continuando seu relato Wagley (idem, 1955, p. 15) não titubeia em dizer, cinquenta e seis anos atrás, de sua impressão junto aos Tenetehara: “A primeira impressão que tivemos dos Tenetehara foi desencorajadora. Não esperávamos encontrar «índios puros», nem era esse nosso objetivo, porem essa gente que encontramos no Pôsto Indígena não nos parecia absolutamente índios”. E completa Wagley (idem, 1955, p. 15): “Descobrimos, em pouco, que embora vestidos à nossa moda e não poucos dominassem o português com facilidade, guardavam muito de seus costumes e atitudes tradicionais”. Foi dessa forma que encontramos os Tembé de Santa Maria do Pará. Eduardo Galvão (apud Wagley & Galvão, 1955, p. 9-10) nos fala que ao estudar os Tenetehara (Tembé) viu-se diante de um problema central que se impôs na pesquisa: “o da mudança cultural”. Índios e brasileiros estão em contato permanente, a cultura de um e outro grupo sofreu modificações, que se mostram mais acentuadas na sociedade indígena. Causas e fatores dessas mudanças se encontram no próprio contexto regional, duas tradições que reagem, que absorvem elementos que não lhes eram próprios e os readaptam em harmonia com seu todo cultural. É a ordem de fenômenos geralmente chamados aculturação, e que dependem do contato permanente ou continuado entre duas sociedades.

Existe na obra de Wagley e Galvão (1955), que estudaram os Tembé do Pindaré (Maranhão), uma coerente reparação para os Tenetehara, quando justificam que o contato desses índios com elementos não-índios, poderia significar em “despovoamento, em desmoralização da sociedade indígena”. O trauma gerado poderia implodir-lhes a resistência e, não apenas esfacelar-lhes a vida comunal, como decompor-se definitivamente. Havendo condições favoráveis outras tribos mantiveram cultura e organizações próprias, embora com muitos elementos modificados pela influência dos não índios. É o caso da organização política nas aldeias, com o elemento cacique criado pelo SPI, para favorecer o relacionamento deste órgão com os índios. Não à toa o cacique da aldeia Tembé é chamado capitão.

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Tanto faz a visão de um cidadão comum com a de um estudioso. Formulamos o que achamos certo, mas não temos o direito de encerrar a cultura de ninguém, nem de julgar comportamentos de quem não tem culpa de modificação. A transformação do meio ambiente foi mais um fator de aculturação. Sabemos que o universo cultural indígena se desenvolve junto a natureza. O que se pode esperar diante uma transformação profunda no cenário em que a vida está envolvida? Adaptação! Maria Manuela Carneiro da Cunha (1983), pela Associação Brasileira de Antropologia (apud COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 1983) faz um eloquente parecer sobre os critérios de identidade étnica. A proposição diz respeito sobre os critérios adotados para se decidir se uma comunidade é indígena ou não indígena. A antropóloga discorre, anteriormente, em seu parecer os critérios repelidos pela Antropologia Social, de maneira formal, adotando um novo critério e o reconhecendo: o critério da forma de organização. Os critérios rechaçados foram os seguintes: 1. critério biológico, de raça; 2. critério da cultura. As pessoas, em seu senso comum popular, ainda pensam no índio como descendentes “puros” de uma população pré-colombiana. Um grupo étnico seria um grupo racial, identificado com critérios sematológicos (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO, 1983, p. 96). Índio não teria direito ao desenvolvimento. Parecem esquecer que os responsáveis pela aculturação dos índios fomos nós mesmos. Os invasores promoveram toda sorte de mudanças na vida do índio a partir de 1500. Há pouco mais de 100 anos esta mesma mudança foi sistematicamente aplicada no território dos Tembé de Santa Maria do Pará. Exatamente com a mesma crueza e frieza do passado. Há inúmeras piadas sobre índios e inúmeros malefícios imputados a eles. A maioria das pessoas tem uma visão romântica do índio. Apreciam-no nos enredos das escolas de samba, nos folguedos folclóricos, no Dia do Índio (enquanto ser primitivo e encerrado no seio da floresta), nos filmes, especialmente os “hollywoodianos”. Nós contribuímos com esta visão non sense, incapazes de assimilar que as culturas sofrem modificações, empreendidas por nós mesmo, com nossa indiferença. As culturas sofrem modificações e se desenvolvem. As pessoas não estão dispostas a aceitar o desenvolvimento do índio, contribuindo com a opinião desvairada, de que o índio deixou de ser índio. A realidade é muito outra. Se estão com os cabelos crespos, a pele mais escura, ou mais clara, falando Português, agindo e vivendo como e com migrantes nordestinos, sem terra, residindo em casa de taipa ou alvenaria, e outras mazelas, não pode ser culpa deles. A justificativa não se

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encontra no seio da sociedade indígena, mas na sociedade dos não índios. Encontrar índios com as genitais de fora é coisa não muito comum. Existem sim, mas em grupos isolados, internados no meio da floresta, monitorados pela Funai. A nossa sociedade não índia foi quem repassou estes códigos para a sociedade índia e hoje renega a absorção. Renega por ser muito mais fácil para um sentido de tornar a reparação irreparável, utilizando a velha fórmula de que o índio deixou de ser índio. O que aconteceu foi uma usurpação de direitos. Um índio tem nome e sobrenome, e história. Após a Segunda Guerra Mundial o homem repensou a questão acerca do critério de raça. Ora, a guerra tinha sido em nome da pureza racial. O povo desconsiderado da vez foi o povo judeu. Não podemos minimizar o ocorrido: foi genocídio. O genocídio pode ser encarado na questão indígena. Índios violentados em sua cultura, mortos, expulsos de seus territórios desde a dominação, a que minimizamos e chamamos, Descobrimento. A falta de consciência popular não deixa ver que a sociedade indígena primitiva tinha e têm suas próprias tecnologias. Um adolescente Kayapó, no seu universo cultural, com seu conhecimento plurissecular, é equivalente a um universitário não índio. Os índios já tinham tecnologias de 12: Cacique Miguel Tembé (falecido em manipulação de 25/10/2017) às margens do rio Maracanã. (foto: alimentos, transformando Braga, 2004). mandioca, que in natura é veneno, em produto comestível, e dos mais gostosos. Inclusive, processando a folha da mandioca em uma iguaria adorável: a típica e popular maniçoba paraense. A culinária paraense é quase exclusivamente indígena. É especialmente necessário lembrar que tomar banho era hábito indígena e não do conquistador. Para não

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esquecer: para o conquistador europeu, tomar banho diariamente era considerado lascívia. Higiene pessoal é pecado? O que mais se popularizou a respeito dos índios no Brasil foi a transferência de crueldade que o conquistador mesmo semeou. Propagandearam o que quiseram e fizeram que isso fosse perpetuado. Não é raro encontrar pessoas com idéias de conquistador. O segundo critério, o da cultura, seria aquele grupo que compartilharia valores, formas e expressões culturais (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO/SP, 1983, p. 97). Este critério, de certa forma, exigia a existência de uma língua comum própria. Porém, a existência de uma língua própria não era imprescindível. Pelo menos no exterior, como no caso dos judeus e irlandeses que se perpetuaram enquanto grupos étnicos, antes da recuperação de uma língua nacional, o que aconteceu a menos de um século (idem, 1992, p. 97). No caso do Brasil, cremos que este critério ainda está bastante em voga. Quando a Funai enviou uma antropóloga, Giovana Acácia Tempesta15 (2004), para fazer um laudo preliminar sobre os Tembé de Santa Maria do Pará, forneceu-lhe algumas palavras em TupiTenetehara falada na Aldeia Alto Rio Guamá, para que pudesse confrontar com o grupo Tembé local. Também foi importante – para a Funai – conhecer a existência de não índios simpatizantes dos índios resistentes, para generalizar que os grupos Tembé local querem se aproveitar das vantagens de ser índio. A contradição do órgão oficial é tanta que beira a idiotice. Ele diz e desdiz com a facilidade de quem lida com a verdade absoluta, o que não é o caso. Mas, ao tempo que enviou a antropóloga esqueceu-se de tornar público as impressões (relatório final) que ela teve, apesar dos apelos. Uma segunda atropóloga foi enviada, Marlinda Patricio (em 2007), mas o que seria para delimitar um território tratou não mais de um estudo antropológico simples e excludente. Um relatório feito às pressas, catalogador e sem um estudo sistemático e profundo. Talvez não por culpa da antropóloga, mas pela necessidade do órgão oficial em se pronunciar mediante pressões dos envolvidos. Tempos depois os índios Tembé de Santa Maria do Pará buscaram explicações à Funai (anexo XXVII). O critério de identidade indígena vigente, de Fr. Barth (apud COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO/SP,1983, p. 99) define grupos étnicos como formas de organização social em populações cujos membros se

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Instrução técnica executiva (ITE) nº 830 PRESS de 23 de novembro de 2004, autorizou a antropóloga Giovana Acácia Tempesta, coordenadora da Área etnográfica VII/CGID/FUNAI, a realização de demanda fundiária nos municípios de Aurora do Pará e Santa Maria do Pará.

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identificam e são identificados como tais pelos outros, constituindo uma categoria distinta de outras categorias da mesma ordem. O próprio grupo dá prioridade a sua identificação, embora a cultura que exiba não seja exatamente de acordo com suas características. A cultura, portanto, ao invés de ser pressuposto de um grupo étnico, é de certa maneira produto deste (COMISSÃO PRÓÍNDIO/SP, 1983, p. 99). A definição da identidade étnica de um grupo indígena é, portanto, exclusivamente função da auto-identificação e da identificação pela sociedade envolvente (idem, 1983, p. 100). Quando se pesquisa, pesquisa-se minuciosamente, porque pode haver setores da sociedade prontos a corromper a identificação. É preciso imparcialidade e responsabilidade como pressuposto de resultados, genuinamente tendenciosos. A negação pode existir e se mostrar preconceituosa. Pode não existir o termo índio para identificar esse grupo Tembé, mas, com certeza, deve existir o termo “caboclo” que, embora revele o preconceito, identifica-os simplesmente. E, por fim, a consciência deste autor ao afirmar que os índios tinham muito conhecimento medicinal contra a picada de cobra peçonhenta, menos para o homem branco. Deles só conheceram a derrota ainda hoje imposta pelo órgão oficial do governo, que muitas vezes, lhes volta às costas para aquilo que jamais tiveram culpa alguma. A maioria dos migrantes de Santa Maria do Pará foram preconceituosos. Senão preconceituosos, foram, no mínimo, omissos em relação aos Tembé. Como aconteceu secularmente no Brasil, de o elemento português sentir-se elite na colonização do País, os nordestinos sentiram-se elite nas terras amazônicas. Delegaram, inconscientemente, aos índios, o título se sub-raça. Destrataram-no, desprezaram-no, impigiram-lhe comportamentos hostis e desprezíveis. Nenhum nordestino fez mea culpa ou se alinhou com a condição do índio santamariense. Veio com atitudes de gente fidalga. Chegou senhor de si, cheio de razão, brabo. Não havia a intenção de amizade. O que mais se apresentou foram atitudes de escárnio intenso. Foi comumente usado no sentido de tirar os índios de órbita. Nem pareciam pessoas flageladas das grandes secas, e que tinham mudado para aqui em busca de vida melhor, muitos amealhados nos rebanhos capuchinhos no nordeste brasileiro. Ninguém estava em condições de parecer, ou ser, elite. Se havia um ente superior era o próprio índio, que já era dono de tudo. Como nos disse a velha índia Tembé Juliana Sodré (em 19.04.2006) “Este lugar (Jeju) já era dos índios desde de que o mundo é mundo”.

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Os primeiros que tentaram registrar a história de Santa Maria, dedicaram-se aos migrantes em absoluto. Dedicaram aos índios apenas uma linha escrita, nada mais que uma linha, como se Santa Maria tivesse amnésia e não memória (anexo I e II). Os índios ficaram, por dezenas de anos, tratados como seres alienados. Trataram de esquecê-los e colocá-los na posição de invasores, como se não soubessem usar a terra. Com certeza, os migrantes sentiam-se amparados na espiritualidade e no direito político. As atitudes dos governantes, na sociedade não índia, dava crédito exarcebado aos flagelados em relação aos naturais e aos colonos estrangeiros. Os índios foram tratados como empecilho ao desenvolvimento local, sem nenhuma estratégia, que não a espiritual. Não se respeitou a cultura, o pionerismo, a tradição. Por isso, atitudes de desprezo atual é mais que inadimissível e têm que sofrer reparação já. Praticamente concluímos com o que, sabiamente, nos diz Maria Manuela Carneiro da Cunha (apud COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO/SP, 1983, p. 100): Enfim, cabe dizer que os grupos étnicos têm mecanismos de adoção e de exclusão de indivíduos. Quanto à inclusão de um individuo no grupo étnico, esta depende de sua aceitação pelo grupo, o que, evidentemente, supõe sua disposição em seguir seus valores e traços culturais. Isto (...) não dilui a identidade especifica do grupo.

Retrocedamos ao início do fim. Quando frei Carlos (apud Gheza, 1987, p. 22) planta “a cruz redentora da civilização”: Eis-me aqui entre vós e para sempre para fazer-vos conhecido aquele Deus que nos criou e tanto nos ama... Aqui construiremos a vossa e nossa casa para ficar todo tempo com vocês como vossos irmãos. Eu venho em nome do Governador, mas acima de tudo em nome de Deus, que mora nos céus e criou este rio, essas florestas, os homens e todas as cousas, que é o Pai de cada um de nós, com poderes de dar a cada um de nós um premio e o castigo eterno quando merecemos.

Por estas palavras, ditas sabe-se lá em que língua (talvez TupiTenetehara), o tuxaua da que até então era a aldeia Prata presenteou o frade com sua casa, para que transformasse em Igreja.

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UM MITO PLURISSECULAR

Conhecemos Miguel Tembé (Miguelzinho, Miguel da Índia, Miguel Leopoldino, Miguel Carvalho da Silva) através de uma indicação de frei Franco (2000), que era pároco na Colônia do Prata. Disse-nos que o mesmo era índio e que falava algumas palavras em Tupi. Ficamos empolgados e demoramos a achar a terra indicada e identificada como Areal. Fomos esbarrar em um outro Areal, de onde é retirada areia para construção, já em terras de outro município, Castanhal. Depois de adentramos, no retorno de nossa empreitada, quase sem querer, a propriedade o sr. Raimundo Souza, apelidado Sexta-Feira. Descobrimos o endereço de dona Mariinha Horácio (Maria de Lourdes Souza), no bairro Barrolândia, e lá descobrimos, através dela, o endereço correto. Dona Mariinha nos mostrou ser, também, uma fonte inesgotável de informações. Voltando a procura de nosso cacique, fomos nós no sentido da vila de São Domingos I e Travessa Telegráfica. Depois de uns seis quilômetros do centro da cidade, entramos mais um, à direita da travessa Telegráfica. O caminho fica num ramal estreito que se abre para uma sobra de terra nos fundos de dois terrenos laterais. Foi o que sobrou da aldeia Areal, da família dos Tembé Leopoldino (anexo XL, LVI, LVII, XLVIII).

13: Dona Francisca Bezerra, da aldeia Areal, mãe do José Messiano (índio, também) , sogra da viúva dona Nazaré Lima, que é sogra e prima do cacique Miguel Tembé. (reprodução: Braga, 2004).

Miguel, sempre muito comunicativo, brincalhão e inteligente, reafirmou sua identidade étnica indígena muito alegremente. Viu-se

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logo que gostava de contar histórias e de que era dono de um humor ingênuo e perspicaz. A primeira coisa que lhe ocorreu esclarecer era que foi sua mãe (anexo XLII) lhe ensinou tudo que sabe e que ela substituíu seu tio, Mano Pedro (anexo XLIII) no cacicado. Mostrou-se um filho saudoso e devotado a sua memória. Lia-se em seu semblante a alegria de poder falar, novamente, enquanto índio Tembé, que pronunciava como a mãe lhe ensinou: Temé. Segundo a antropóloga Noêmia Pires de Sales (2005), os índios Tembé se identificam em sua língua Temé, que quer dizer nariz chato. Em sua visita a aldeia Areal em meados de 2005, Noêmia identificou Miguel e aos demais, prontamente, como Tembé. Disse-nos que tudo estava exatamente de acordo com a cultura deles. Da organização social, as casas, e a língua, dos padrões da mistura a que estão afetos. Confirmou-nos o que já sabíamos de uma maneira meio intuitiva. Vale ressaltar que a antropóloga é muito humana e detentora de uma vasto conhecimento vivenciado, que extrapola sua formação acadêmica. Quando Noêmia fala o faz com conhecimento de causa. Alguns anos após nosso primeiro contato viemos saber que o cacique Miguel tinha sido, inicialmente, rejeitado por sua mãe. Ela fora casada com um sujeito índio que morrera prematuramente, sem ter tido filhos. Provavelmente a morte do sujeito tenha se dado no tempo das grandes epidemias de homem branco (palavras do próprio Miguel Tembé). Viúva fora enrredada por um cearense, de sobrenome Carvalho, mas esse sujeito não quis compromisso. Depois que ela engravidou abandonou-a. Pelo que apuramos havia muito escarnecimento da condição do índio: diziam que eram comedores de sapo16. Ela ficou sozinha muito apaixonada, mas não deu o braço a torcer. Quando Miguel nasceu abandonou-o no mato. Na verdade ele representava todo sofrimento que aquele cearense trouxera pra sua vida. Mas as tias de Miguel, passando pelo local, ouviram o choro da criança e o recolheram e foram entregá-lo novamente a mãe, recomendando, em tom de reprovação, que o criasse, porque não era culpado de nada. E Miguel era apenas um bebê. A partir daquele dia Miguel foi seu grande companheiro e o seu maior interlocutor. Dona Maria Tembé, a pequena grande guardiã da cultura Tembé-Tenetehara local, passou todos os seus conhecimentos ancestrais para o filho amado, Miguel Tembé. Uma vez Miguel também contou-nos um mito muito interessante, que confrontamos com o conhecimento dos Tembé da Aldeia Alto Rio 16

O cacique Miguel esclareceu (2004) que os índios comiam girinos sim, mas não de sapos cururu. Era uma outra espécie de sapo que eram assados na folha da bananeira brava.

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Guamá, e vimos tratar-se de um relato sui generis, importantíssimo para somar a todos os relatos dos Tembé do Pará. E além do que, o cacique Miguel Tembé foi reconhecido pelo grande pajé Pachico (já falecido. Vivia, originalmente, na Reserva Alto Rio Gurupi e hoje vive na aldeia Ita Putir’ da Reserva Alto Rio Guamá) como um dos últimos Tembé (a intenção de Pachico era dizer que a língua TupiTenetehara que Miguel fala é um uma forma mais clássica, dos Tembé antigos).

14: Dona Maria Leopoldina, com seu filho, Miguel Tembé [Miguel Carvalho da Silva] Retrato falado (arte gráfica: Braga, 2005).

Foi assim que Miguel Tembé (2000) nos contou: Um índio e suas duas esposas saíram para caçar. Embrenharam-se na mata por quilômetros. Passariam, talvez dias internados na mata, na intenção de caçar e pescar. Nem sequer tinham apanhado alguma caça, uma das esposas adoeceu gravemente, de passar mal e morrer. Seu estado era de morta. Apenas a mulher que restou e seu marido não poderiam remover o cadáver, para lhe dar um enterro digno no cemitério da aldeia. Naquele momento a distância prejudicava o contato com os outros da aldeia. Não aguentariam carregar tamanho peso sobre as costas. Decidiram voltar para a aldeia e comunicar aos outros e pedir-lhes ajuda para a remoção do cadáver. Foi uma decisão do marido. Retornaram para a aldeia onde já chegaram a noite, não dando tempo para retornarem para o local. Pela manhã tudo se resolveria. Na verdade, a esposa morta não morrera de realmente. Estava aparentemente morta. Parecia morta de verdade, mas estava apenas estática e sem sentidos. Se é que se pode explicar, até ela mesma pensou que tivesse

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morrido. Ao ficar sozinha, a esposa morta começou a ouvir um canto, de mulheres e de um pajé. Não era um pajé Tembé. Pertencia a outra tribo. Estava todo coberto por uma roupa de fibras, da cabeça aos pés. Nas mãos o pajé tinha maracás, que ritmavam com seu canto e o refrão das mulheres. Primeiro a mulher, aparentemente morta, começou a ouvir o canto baixinho, depois ele foi aumentando até ela abrir os olhos e sentir aqueles espíritos em volta dela, insistindo para que voltasse a vida, até ela levantar-se e se dar conta de que não morreu. Ela ouvia cantar assim: Hê-réhê hê-réhê (as mulheres cantavam) Iwak awaíry i mu(w)o pi-piw (o pajé cantava) Hê-réhê hê-réhê Iwak awaíry i mu(w)o pi-piw Hê-réhê hê-réhê O canto era o mesmo, sempre, repetido exaustivamente. As vozes das mulheres repetiam o refrão,hê-réhê hê-réhê , e o pajé a segunda parte. Tudo acompanhado ao ritmo dos maracás. Quando o marido retornou, com a segunda esposa e o pessoal da tribo para remover o corpo, deparou-se com a morta viva, “vivinha da silva”. Ele lhe perguntou: –Mulher, tu não tinha morrido? Ela lhe respondeu: –Morri sim, mas um canto, que escutei a noite toda, me enviveceu! E, saíram todos de volta para a aldeia entoando aquele canto de celebração da vida.

Não queremos arriscar uma tradução irresponsável da música entoada pelo pajé, até porque ela esbarra numa tradução filosófica, mas temos a obrigação de achar um sentido para ela. Verificamos vários aspectos antes de tudo: entonação, corruptela, entremeios. O que achamos mais plausível foi: “Por minha causa, por minha causa / O dia/céu amanhece / se acorde (se chame) macio”. A mitologia Tembé precisa ser mais estudada, no sentido de ter suas interpretações dispostas a esclarecer o sentido de sua existência, principalmente essa simbiose que eles têm com a natureza. Os cânticos Tembé tem essa relação estreita com a natureza, também. É por isso que significa muito para os índios recuperar o território. Justamente porque o território garante a perpetuação da mitologia Tembé e renova o sentido da vida indígena.

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15: O índio Edgar Pinho e família [índios do Areal] (reprodução: Braga, 2004).

16: Foto antológica que compõe a capa deste trabalho. Em primeiro plano estão os Tembé dona Augustinha Braz e seu filho, Manoel Braz. Atrás, com a mão no queixo, o autor. Hermes, 1976.

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A HISTÓRIA DOS TEMBÉ Os próprios Tenetehara costumam dividir-se em dois grupos distintos: Guajajara e Tembé. Porém, estes nomes, Guajajara e Tembé, foram dado pelos brancos. Os que habitam, no Estado do Maranhão, rios Mearim, Grajaú e Pindaré, têm sido denominados, por estudiosos e viajantes, de Guajajara, enquanto aqueles que migraram para o Gurupi, originários do Pindaré, são chamados Tembé. Eles partilham uma mesma língua e tradição cultural, portanto se consideram um só povo, se autodenominando como Tenetehara. Os Tenetehara que migraram, por volta de 1850, do Pindaré aos rios Guamá, Capim e Alto Gurupi, entre o Maranhão e Pará são comumente conhecidos como Tembé (Wagley & Galvão, 1955, p. 22 e Zanonni, 1999, p. 19). A língua comum de Guajajara e Tembé é a língua Tupi-Tenetehara. Este povo, tem sua origem no tronco cultural Tupi-Guarani. Eduardo Galvão (apud em Wagley & Galvão, 1955, p. 11) diz-nos: “A lingua falada 17: Um índio Tembé no século XIX, por pelos Tenetehara é um dialeto Huascar de Vergara para a Revista da do Tupi-Guarani que, ao Exposição Anthropológica Brazileira de 1882 (reprodução Braga, 2004). tempo do povoamento foi modificado pelos catequisadores, já se transformara em língua geral, facilitando por isso a comunicação entre colonos e índios”. Os índios Tembé de Santa Maria do Pará são o mesmo povo que habita a aldeia Alto Rio Guamá próximo à cidade de Capitão Poço. Mudaram-se da região do rio Pindaré, no Estado do Maranhão, no início do século XIX, aproximadamente entre 1800 a 1850, para as regiões dos rios Guamá, Gurupi, Maracanã e Capim. O grupo que mudou para a região do rio Maracanã e, que depois também foi habitar as margens do rio Jeju, ficou esquecido de muita gente, durante muito tempo. A maioria da literatura histórica do Pará não

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dava conta de sua existência. A grande sorte foi os frades capuchinhos os terem incluído na descrição da História do Prata, que pelos anos de 1898 a 1921 abrigou um grande núcleo de catequese indígena, em que os índios Tembé local estudaram e se profissionalizaram, embora tivessem perdido características originais de sua raça (Braga, 2001, p. 11). Portanto, não só existem relatos próprios e de comunitários como, também, literários. Esse fato não quer dizer tudo, embora seja grandiosamente relevante.

18: Tembé já falecido da Aldeia Areal conhecido como Mano Pedro (anexo XLIII), tio do cacique Miguel Tembé, que inclusive foi cacique da aldeia e seu documento de identificação ao lado (reprodução: Braga, 2003).

Em nossa cronologia.. Desde o ano 2000, poucos meses antes do malogrado intuito do presidente Fernando Henrique Cardoso de comemorar os 500 anos de Descobrimento do Brasil, estes índios resolveram sair do anonimato e por isso foram chamados de ÍNDIOS RESSURGIDOS ou EMERGENTES. Mais tarde, com um encontro em Olinda-PE (anexos XIII, XIV, XV, XVI e XVII) passaram a autodenominar-se, RESISTENTES (desde 2003). Reivindicam junto com outros índios pelo Brasil o direito de serem chamados de POVOS, porque possuem características próprias. Na verdade, estes índios (Tembé de Santa Maria do Pará, principalmente) jamais negaram a raça. Porém outros jamais se identificaram (anexo XLVI). Foram forçados pela situação arquitetada, premeditadamente, durante anos. Juntou-se a vontade do

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governo estadual (leia-se governador Paes de Carvalho) que queria desenvolver esta região tomada por densa floresta, habitada “por tribos nômades selvagens” com um modelo de catequização de indígenas, que incluía mudanças profundas na cultura, costumes e

19: Foto do cacique Miguel Tembé estampada na primeira página de O Liberal durante Fórum Pan-Amazônico, em janeiro de 2003 (foto: Cristino Martins).

esbranquiçar a raça. O modelo previa o desmantelamento da vida tribalizada, começando com os meninos e depois com as mulheres, que “era o seio da família”. Além de ocuparem o território indígena como terra de ninguém, localizaram somente famílias indígenas escolhidas para permanecer na vila que formaram. Davam dotes para as índias que contraíssem matrimônio com migrantes e para os alunos que se sobressaíssem aos demais, de modo que enaltecesse o ensino. Os índios que se destacavam tinham lugar garantido nas principais escolas públicas de Belém (leia-se o glamuroso Instituto Lauro Sodré). Os que não tinham a mesma aptidão ficavam sob a tutela do Instituto do Prata até a idade de 21anos, sem dar chance para que voltassem para casa e quisesse restituir costumes antigos com a mesma naturalidade (Muniz, 1913). De quatro aldeias pré-existentes temos hoje apenas duas, Jeju e Areal. A aldeia Jeju é chefiada pela cacique (ou como os Tembé denominam o cargo, capitôa), Maria Cassiano e a aldeia Areal é chefiada pelo cacique, ou capitão, Miguel Tembé. Mas a Tembé Nazaré Lima (2006) diz que o chefe era chamado tuxaua.

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Muitos na cidade negavam que eles existissem e os Tembé estão aí para mostrar justamente o contrário, porque eles são a história viva e, com certeza ainda vão surpreender muita gente com seu modo de ser e de viver, na construção de uma Santa Maria mais justa e cidadã. Apesar de todo esforço que temos empreendido para que a reparação seja feita, mesmo depois de o Memorando da Conveção 169 da OIT № 110/PRESS/03 (anexo XV) ter se tornado público, permanece o o empasse de um reconhecimento fundamentalmente formal. Foi preciso recorrer ao Ministério Público (anexo XXVIII). Foi ainda provocado um encontro com a administração da Funai (em 13.11.2005), em Santa Maria, em que os índios encaminharam singelo documento à mesma, sem nenhuma resposta proveitosa (anexo XXIX). Nem com a provocação do Ministério Público Federal e com as replicas do CIMI17 (anexos XVIII, XIX, XXV). A desculpa da vez era que os Tembé de Santa Maria não estavam incluso no mapa de localização étnica do orgão oficial. Em virtude de mais esta negativa, os índios enviaram um outro documento (anexo XXX) reivindicando o direito de participar da pré-conferência regional indígena que aconteceria no distrito de Mosqueiro, de 11 a 18 de novembro de 2005. Alcançaram o intento, não o objetivo.

20: Panorâmica da Colônia do Prata, antigo aldeamento Tembé. Álbum do Estado do Pará, 1908 (reprodução: Braga, 2008).

Os resultados não foram plenamente alcançados com as tentativas de oficialização de resultados. Em tese, de nada serviu o Memorando 110/PRESS/2003, que recomenda a autodefinição como princípio básico de reconhecimento oficial. Ele é sumamente desprezado e desconsiderado pelas autoridades da administração regional da Funai. O documento é claro quando recomenda, também, que as políticas 17

Conselho Indigenista Missionário.

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públicas sejam aplicadas para estes índios Tembé, mas ao contrário, existe uma chantagem velada para que outros orgãos do governo não atendam às políticas públicas previstas na Constituição Federal. Processos de aposentadoria e benefícios são ignorados e a documentação disponível tornada sem valor, mesmo emitidas por um orgão superior de justiça (anexos LIII, LIV e LV). Mas as negativas persistem, até quando ajudadas por outras entidades indígenas que reconhecem os Tembé de Santa Maria do Pará (anexos XXII, XXIII, XXIV). Em seguida transcrevemos a Ata do Livro de Atas da Câmara Municipal de Santa Maria do Pará, da sessão solene de entrega do Título de Honra ao Mérito aos caciques Miguel e dona Maria Cassiano (2001, p. 58-60), de acordo com Requerimento do vereador Walter Goleniesk (anexo VII). Transcreveremos na íntegra e, com apontamentos, para que o leitor possa se dar conta do que tem em mãos: Ata da reunião solene de entrega deTítulos de Honra ao Mérito, realizada no dia vinte de abril de dois mil e um, nesta cidade de Santa Maria do Pará, na Sala Especial do Plenário “Zedequias Rodrigues de Lima”, onde funciona o Poder Legislativo, às vinte horas e trinta minutos realizou-se a presente reunião com a presença de dez vereadores: Manoel Messias Soares da Silva – presidente, Walter Araújo Golleniesk -1o. secretário, Eliete de Souza Hage do Ó - 2a. secretária, Pedro Paulo dos Santos Medeiros, Jesiel Rodrigues de Lima, Joaquim de Oliveira Figueiredo, Humberto Wanderley do Rosário, Lucivaldo da Silva Melo, José Jocivaldo do Nascimento Costa, Antonio Carlos Hiroyuki Yano. Ausente o vereador Odivan Alves de Lima. Havendo número legal, o sr. Presidente convidou os senhores Onézio Sucupira, coordenador da EMATER local, Laércio Braga - funcionário da REDE CELPA, Simão Pinheiro - representando o Secretario de Saúde, para compor a Mesa. Após a composição da Mesa, o sr. Presidente solicitou ao 1o. secretário que fizesse a leitura de uma Passagem da Bíblia Sagrada, que se encontra no Evangelho de São Marcos capítulo nove e versículo quatorze a vinte, que diz assim: Quando eles se aproximaram dos discípulos, viram numerosa multidão ao seu redor, e que os escribas discutiam com eles. E logo toda multidão ao ver Jesus, tomada de surpresa, correm para ele, e o saudava. Então ele interpelou os escribas: Que é que discuties com eles? E um entre a multidão respondeu: Mestre, trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. Então Jesus lhes disse: Ó geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando vós sofrereis? Trazei-mo. E trouxeram-lho, quando viu Jesus, o

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espírito imediatamente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando. Após a leitura da mesma, o sr. Presidente declarou aberta a Presente Reunião invocando a benção e direção de Deus na abertura dos trabalhos solicitando ao vereador 1o. secretário que fizesse a leitura do Requerimento de no. 038/2001, autoria do vereador Walter Araújo, que concede titulo de Honra ao Mérito, a sra. Maria Francisca da Silva e Miguel Carvalho da Silva, por serem índios Tembés renascentes dos primeiros habitantes da terra de Santa Maria do Pará, antes mesmo que se tornasse um povoado. Após a leitura do mesmo, o sr. Presidente convidou a homenageada, a sra. Francisca da Silva para sentar na Tribuna de Honra e convidou o vereador José Jocivaldo para acompanhá-la até a tribuna. O sr. Presidente convidou o sr. Miguel Carvalho da Silva para sentar na Tribuna de Honra e convidou o vereador Humberto para acompanhá-lo até a tribuna. A seguir o sr. Presidente com base no requerimento de no. 038/2001, convidou a senhora Maria Francisca da Silva para receber o título de Honra ao Mérito e solicitou ao vereador 1o. secretário que fizesse a entrega do referido título a mesma. O sr. Presidente convidou o sr. Miguel Carvalho da Silva para receber o título de Honra ao Mérito e solicitou ao vereador 1 o. secretário que fizesse a entrega do referido título ao mesmo. Após a entrega dos referidos títulos, o sr. Presidente franqueou a palavra aos homenageados. O sr. Miguel Carvalho da Silva usando a Palavra disse: Quero agradecer a todos por esta homenagem, pois é uma honra receber este título, creio que a dona Maria Francisca se sente honrada também, como liderança representantes de duas comunidades indígenas Tembés, Jejú e Areal em nossa cidade. Agradeço também ao nosso pesquisador Laércio, ao vereador Walter que apresentou esse Requerimento e pelo esforço que fez para estarmos aqui. Essa homenagem representa duas comunidades Areal e Jejú e isso é de grande importância para nós recuperar os nossos costumes. Então agradeço a todos os vereadores, parentes e amigos, e digo que em dois mil, lutaremos para apresentarmos mais atrações no nosso movimento indígena. Obrigado. A seguir o sr. Presidente abriu uma exceção franqueando a palavra ao sr. Laércio Braga, o qual ajudou para que esse momento acontecesse. O sr. Laércio Braga usando a palavra disse: Boa noite a todos, me sinto feliz por esta data, pois estou fazendo uma pesquisa em nosso município e me informaram a dona Maria Cassiano e fui lá e ela me falou que era descendente de índio e continuamos a nossa pesquisa, chegamos ao Areal e encontramos o sr. Miguel descendente de índio Tembé. Os nossos índios muito tempo se sentiram marginalizados e esqueceram de ser índios. Agora eles querem resgatar aquilo que foram forçados a esquecer. Eles querem ser índios Tembés, eles vão ser, pois se sentem orgulhosos de serem índios. Me sinto gratificado por esse momento, pois eles estão recuperando sua

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memória, eles são protagonistas de nossa cidade e querem resgatar isso. Estou tentando terminar minha pesquisa e desde o ano passado me propus a visitar o arquivo dessa Casa e foi aberta essa casa para mim, então agradeço por esta oportunidade de estarmos resgatando um pouco de nossa história. Obrigado. A senhora Lia Simone Braga usando a palavra disse: sr. Presidente, srs. Vereadores, em nome da Secretária de Saúde, agradeço os alunos que estão aqui homenageando este momento. Acompanho o sr. Laércio em suas pesquisas, ajudo dentro das possibilidades na área da saúde, a gente leva vacina para os índios, e a gente vai tentar levar saúde aos mesmos; vai ser aberto o Posto do jejú e com certeza vai beneficiar a todos. Obrigado. A seguir o sr. Presidente franqueou a palavra ao lideres da Bancada Partidária. O vereador Pedro Paulo líder da Bancada do PPB usando a palavra disse: Boa noite a todos, quero dizer que nos sentimos surpreso por esta descoberta, pois conhecíamos a história de Santa Maria a típico grosso e para nossa surpresa, temos a satisfação de confirmar hoje um pouco de nossa história, colocando a sua cultura para prevalecer. Essas pessoas que estão sendo homenageadas hoje são descendentes de índios e vamos tentar repassar para vocês um pouco da história indígena do Brasil, os alunos vão entender o porque dessa homenagem, pois esse também é o papel do Legislativo. Ontem se comemorou a Dia do Índio e a gente fica pensando como podemos tirar o direito desse povo. Hoje perguntamos se Santa Maria não precisa dar mais valor a esse povo “índios Tembés”. Claro que sim, pois faltou fazer a história de Santa Maria com o povo que já existia, pois os índios foram os primeiros habitantes de nosso País, e precisa colocar a sua cultura para revolver, colocando a caracterização de Santa Maria. Estou fazendo parte dessa comemoração, nós não deixamos cair no esquecimento, o nosso amigo Laércio está fazendo um trabalho importante e a sua ajuda será benéfica para o município, ele tem capacidade de fazer esse trabalho. Quero parabenizar a família Tembés, e que o índio não seja lembrado só no dia dezenove de Abril, mas que vocês façam conquistar os seus direitos, que resgate um pouco da nossa história. Meus parabéns e muito obrigado. O vereador Humberto Wanderley do Rosário Líder do PTB, usando a palavra disse: Boa noite a todos, quero saudar o sr. Laércio Braga, que desenvolveu essa pesquisa junto a comunidade Tembé, estou aqui para fazer essa homenagem a sra. Francisca e ao sr. Miguel, povo indígena que habita em Santa Maria. Desconhecíamos que o nosso município tinha descendentes dos Tembés, mas agora que conheço, gostaríamos de fazer um pedido ao Poder Público para darmos a atenção a esse povo, oferecer condições básicas para que esse povo continue no nosso município. Não posso deixar de fazer homenagem ao sr. Onézio Sucupira coordenador da EMATER e pedir que procure o Poder Público para fazer projeto

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a esse povo, pois a EMATER desenvolve programa na agricultura, que vá ao encontro a essas comunidades pois as mesmas se desenvolvem na agricultura, sua principal fonte de vida. Não devemos negar nossas raízes; o vereador Pedro Paulo falou da importância de preservar o povo indígena. Então gostaria de parabenizar o Laércio, pois não mediu esforço para que esse trabalho se realizasse, para que possa resgatar um pouco de nossa cultura, que é o povo indígena do nosso município. O vereador Manoel Messias Líder do PMDB, usando a palavra disse: Quero registrar a presença da ex-vereadora Francisca Lima, sinta-se a vontade. O momento é festivo, é um dos momentos históricos para o município, para nossas vidas, para a vida dos homenageados, , pois é importante mantermos as raízes. Quero dizer ao sr. Miguel e a sra. Maria Francisca que não é qualquer pessoa que senta nessa cadeira de honra, porque é muita honra resgatar a história de nosso Brasil, foram eles, os índios que construíram toda melhoria de nosso País, nesse momento não são menos importante que nós, são mais, porque vem de uma história de nosso País. Peço a vocês que dê continuidade a cultura indígena que foi esquecida, cultura de nosso povo, de nossa gente. O sr. Laércio Braga teve a curiosidade de buscar essa história de nosso município e teve provas nas mãos e conversou com o vereador Walter que gostaria de homenagear estas duas pessoas, e o vereador Walter apresentou esse Requerimento concedendo o título de Honra ao Mérito a essas pessoas e sendo aprovada por unanimidade pelos srs. Vereadores. Portanto o meu pronunciamento só pode ser um, é o reconhecimento pelo que eles fizeram pelo nosso município, pela nossa cultura. Vocês recebem hoje o reconhecimento do Poder Legislativo. A seguir o sr. Presidente franqueou a palavra aos demais vereadores. O vereador Walter Goleniesk usando a palavra disse: Boa noite a todos, hoje me sinto feliz por esse momento, pois estou conseguindo dar meu passo para a sociedade, porque todos sabem do problema a qual eu passei, mas consegui vencer. É importante para o município essas duas pessoas e agradeço ao sr. Laércio Braga, pois tem descoberto um pouco de nossa história, história de nosso município. O sr. Miguel e a sra. Francisca, descendentes dos Tembés, tem que ser homenageados, porque representa a cultura de nosso município. Agradeço aos vereadores por terem aprovado esse requerimento e a alegria maior é porque está presente os alunos para homenagear essas pessoas. Peço a todos vamos nos unir para descobrir mais coisas para nosso município. Quero compartilhar com o Laércio esse requerimento, é de minha autoria juntamente com ele, então fica agraciado o Laércio, porque foi ele quem descobriu esses índios Tembés. Obrigado. Como nenhum vereador mais se manifestou, o sr. Presidente disse: quero agradecer a todos os vereadores, aos descendentes da tribo

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Tembé, a todos aqueles que contribuíram diretamente e indiretamente para que esse evento acontecesse. Peço desculpas ao sr. Miguel e a Dona Maria por esta casa não ter lhes recepcionado melhor, mas no dia da festa de vocês, o Poder Legislativo irá dar uma ajuda, obrigado a vocês por terem vindo a essa casa receber esta homenagem que representa um pouco da história de nosso município. Peço ao sr. Laércio Braga que passe as mãos da Dona Maria Francisca e do sr. Miguel, cópia do requerimento que lhes concede os referidos títulos. Não havendo mais nada a tratar declaro encerrada a presente reunião e convoco os srs. Vereadores para reunião ordinária daqui a dois minutos. Sala das Sessões da câmara municipal, Palácio Legislativo “Gregório dos Santos Neto”, Santa Maria do Pará, 20 de Abril de 2001.

21: Solenidade da concessão de título de honra ao mérito aos principais, cacique Miguel carvalho Tembé e capitôa dona Maria Cassiano Tembé (foto: Braga, 2001).

Podemos, também, fazer uma reflexão com as palavras de irmã Utília Maria18, durante a IV Assembléia Indígena da AITESAMPA19 ,

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Irmã Utília Maria Castilho, missionária capuchinha nascida em Belém-PA em 1934. Ingressou na congregação em 1954. 19 AssociaçãoIndígena Tembé de Santa Maria do Pará.

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na aldeia Areal (acontecida em 30, 31de outubro a 1º de novembro de 2009) transcrito a seguir: “Eu sou Utília Maria missionária capuchinha, irmã da congregação que foi fundada para os índios... para, e por eles... e para eles, dos índios Tembés...da região do Maracanã com o rio Prata. Em 1898 o Sr. Arcebispo queria construir junto com o governador o Sr. Paes de Carvalho queria uma missão indígena que os frades fossem tomar conta. Pediu a ele [frei]que fosse procurar. O governador gostaria que fosse na confluência do rio Guamá com o rio Gurupi... que criassem a missão indígena. Os sacerdotes capuchinhos foram olhar e se encantaram com a região do Prata... do rio Prata com o Maracanã.. .que era habitada... era uma reservado índios Tembés... Chegaram lá, assumiram... fundaram uma escola para os meninos... eles aprenderam muita coisa, aprenderam arte, tocar... não era só ler não... aprenderam a ler e a escrever, aprendiam também profissão... Foi um desenvolvimento muito grande. E as meninas não tinham nada... e tava criando até um conflito, porque eles estavam preparados [meninos índios] e as meninas não...então o governador pediu aos frades que trouxessem irmãs que ele fez um colégio e foi difícil encontrar irmãs na época... e resolvemos fundar no dia 18 de dezembro e assim que as irmãs foram para o Prata... caminhando, aquelas regiões todas diz que foi uma festa muito grande a chegada... feita pelos índios Tembés! E em janeiro abriram uma escola para as meninas... muitas meninas... era internato e externato e as irmãs viveram lá de 1905 a 1923 com essas alunas. Saíram porque o governador tava com dificuldades [financeira]de assumir...porque ele que assumia toda a despesa, né? E, então as irmãs tiveram que sair. E mais tarde essa região se transformou num leprosário. Agora não sei por que os índios saíram... não sei por que... eu pergunto: se era uma reserva, um terreno de vocês... Por que vocês saíram [irmã olha para a câmera e pergunta firme]?...Saíram... Por que vocês saíram? Eu acho que tá no tempo de vocês procurarem... de fazer uma pesquisa... saber se aquilo era de vocês. Tá no tempo de recuperar. Por que foi transformado em leprosário... era de responsabilidade do Estado? E hoje tá uma região quase que abandonada... não é? Com dificuldade... Nós mesmos gostaríamos de voltar pra lá, mas são tantos os problemas, são tantas as dificuldades que ninguém ainda tem coragem de assumir e eu parabenizo vocês. Eu estou sabendo que vocês estão agora estudando as origens de vocês... voltando... buscando as origens, né? E principalmente querendo recuperar as terras de vocês e eu parabenizo!”

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O senhor Braz Ribeiro de Lima (entrevistado dia 11.04.2011) conheceu de perto dona Augustinha Tembé (a índia Tembé estampada em nossa capa). Ela o visitou, e a sua esposa, até o princípio da década de 80. Seu Braz guarda o relato de dona Augustinha que afirmava que seu pai era o tuxaua da aldeia, e que era muito brabo e desconfiado. Quando os frades chegaram no Prata ela era apenas uma criança, mas fora testemunha ocular da insistência destes (frades) em “amansar” os índios. Eles fizeram três tentativas de atração, nos moldes do SPI (Serviço de Proteção aos Índios) e FUNAI (Fundação Nacional do Índio): colocavam tecidos, utensílios domésticos, cachaça, etc em determinado local para atraí-los. Na primeira frente de atração os índios não se mostraram. Ficaram à espreita. Depois que os frades saíram eles foram até o local e destruíram tudo, incusive uma cruz feita de madeira da mata e amarrada com cipós. Na segunda os frades truxeram mais coisas, principalmente tecidos com estampas florais coloridas, que os índios gostavam mais. O tuxaua apareceu diante do frade (provavelmente frei Carlos Olearo, fundador do Núcleo de catequese Indígena Santo Antonio do Maracanã) saído do nada e o frade que falava muitas línguas, inclusive a dos índios, conversou com ele disse da sua intenção de catequisação e pediu que aceitassem os presentes. Quando o padre deu por si estava rodeado de índios a ouvílo. O frade se foi e voltou uma terceira vez com mais presentes, e assim aos poucos os foi conquistando, convidando-os para participarem das missas e das solenidades acontecidas na vila Santo Antonio do Prata. Aos poucos os frades foram “amansando” os índios. Mas havia aqueles que não se rendiam. Seu Braz falou de uma menina que fora capturada e mordeu seus capturadores. Não sabe que destino que deram a ela. Sabe-se que ela sumiu. Depois que os índios desenvolveram relações de amizade com os frades dona Augustinha foi estudar na escola feminina. Lá ela aprendeu a ler, escrever. Haviam índios, meninas e meninos, que cantavam nos coros da igreja, em latim. E dona Augustinha era dona de uma escrita fabulosa. Seu Braz Ribeiro de Lima (2011) também falou que no local da antiga travessa Santo Antonio era habitada por uns índios pretos: “Urubus...(...)Essses eram brabos, foram todos mortos”. Não sabe dizer por quem. Frei Carlos Olearo (apud Gheza, 1987, p. 21): “...Tenho aqui três pequenas tribos: Tembés, Miranhas e Canelas...a todos evangelizamos”. Tentamos entender estas declarações, interpretá-las, mas nos faltam conhecimentos arqueológicos, para estratificar os antigos sítios, entretanto, não apenas as literaturas disponíveis dão conta da existência destas etnias aqui.

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Mas não apenas as declarações atuais trazem o fato da existência dos índios Urubu (Urubu-Kaapor, do tronco liguístico Jê?). trazem também a contradição quando frei Carlos (apud Gheza, 1987, p. 18) relata: “Padre – disseram [os índios] – aqui nós não estamos sozinhos. A vinte lances de flechas encontram-se as aldeias do Jeju, Anselmo e Arraial [Areal] e outras, todas dos índios Tembés e, como nós, fugidos da ferocidade dos Timbiras e Urubus no rio Gurupi. Nós vamos fazer o que tu quiseres e com gosto fazemos entrega dos nossos filhos para serem educados”.

Então, os índios Timbira e Urubu são aqueles que guerreavam com os Tembé, em solo maranhense, viviam no mesmo território dos Tembé aqui? Intrigante! Oitenta e dois anos depois (Jornal Diário do Pará, 25.04.2006) fala da presença indígena em Santa Maria do Pará, como algo absolutamente comum... Necessariamente como tem que ser: Santa Maria do Pará possui uma forte presença indígena. Na cidade há duas comunidades dos índios Tembés, a do Jeju e a do Areai. Na maior, a do Jeju, habitam 62 famílias, que ainda preservam suas tradições. No último 19 de abril, a tribo comemorou a data, promovendo rituais e jogos indígenas. Os corpos foram pintados com jenipapo, representando peles eescamas de animais. Os índios Tembés, assim como grande parte da população de Santa Maria do Pará, vive da agricultura e produção de farinha. O município é um dos maiores produtores de farinha do Estado, figurando entre os dez maiores produtores do país.

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ESTE RIO FOI NOSSA VIDA O caudaloso rio Maracanã matava a sede de uma gama impensável de caça e era piscoso ao extremo. Apesar da vasta territorialidade dos índios, eles não precisavam sair muito longe para garantir as refeições. Há cerca de mais 50 anos a caça e pesca eram abundantes. Podia-se ter a pretensão de que jamais fosse acabar. O rio Jeju era outro rio igualmente caudaloso, navegável por pequenas embarcações veleiras (seu Totó, 2000) e guardião da pesca e das caças. Nem os igarapés escapavam da vultosidade: o igarapé Conceição dava tráfego a várias canoas, que comportavam de 5 a 6 pessoas comercializando seus produtos nas feiras domingueiras de antigamente (dona Bernarda Delphina [Tembé], 2006). Da floresta, densa e majestosa, os índios tiravam tudo, para o sustento e para os adornos. Quão perfeitos eram os adornos dos índios. Mutuns, papagaios, jandaias, araras, vértebras das jibóias, dentes de onça (imagine só), entre outros. Estavam quase a disposição da captura, para enfeitar cocares, braçadeiras, brincos, colares. A 22: Dona Juliana Braz. Tembé (já falecida) diversidade desta Amazônia da aldeia Jeju, filha do cacique Manoel Braz era tanta que impressionou os e Maria Saraiva, tia de Maria Cassiano primeiros colonizadores. A (foto: Braga, 2000). mata ciliar era estupenda. Abrigava inúmeras castanheiras-do-Pará e uma infinidade de açaizeiros. Estas árvores não se limitavam, porém, a mata ciliar. Ganhava a planície, disputava com sumaumeiras gigantescas (sapopemas), mognos, angelins, cedros, maçarandubas, pau d’arcos, aquariquaras, copaibeiros e andirobeiros produtivos. O mel das abelhas nativas tinha aos borbotões. Da casca do caule da castanheira, os índios faziam suas saias. O cacique Miguel (2000) herdou a confecção deste artefato de sua mãe. As trilhas de pacas, cutias e capivaras entrecortavam-se vertiginosamente. A onça, sorrateira e notívaga, era presença contínua na floresta. Deixava seus rastros na beira dos rios e igarapés, esturrava na madrugada. Os rios abrigavam famílias de ariranhas, jacarés e gigantescas sucuris, que chegamos a conhecer quando uma delas foi capturada e morta a terçadadas (quando engolia um cachorro nas

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margens do igarapé Nanarana). Amarrada no pára-choque de um fusca foi exibida como troféu e arrastada pela cidade. Aconteceu no início dos anos 80. O rio Maracanã permitia o estreitamento do contado dos índios da região com parentes distantes 50/100 quilômetros, vencidos a canoa. O rio Jeju, também. Apesar do contato físico imediato que a natureza permitia, os índios dispunham de um instrumento de sopro (buzina) em que se comunicavam com as outras aldeias, usando códigos interpretativos. Este instrumento era muito comum entre os Tembés dos 1800. Até gravuras temos dele numa das edições da Revista Anthropológica Brazileira (Rodrigues, 1882, p. 20-22 e Wagley & Galvão, 1955, p. 212), que apresento originalmente (observar foto contida no miolo deste trabalho). Esse instrumento foi muito falado pelos nossos índios, entre eles nosso cacique Miguel, sua mãe dona Maria Leopoldina (falecida em 1994), seu tio Mano Pedro e comunitários como dona Mariinha Horácio (falecida em 2000) e seu Mitinho (2006) e dona Bernarda Delphina (2006). Esta região, nos anos 90 do século XIX, – não mencionada nos livros de Geografia – era conhecida pelo governo do Estado como Alto Maracanã. Por que? Porque era parte em que o rio fica largo, navegável. Até o início do século XX o Rio Maracanã era a estrada possível, por isso sua importância para o desenvolvimento da região. Hoje em dia, foi esquecido, podemos afirmar com alguma mágoa. Quem passa pela 23: Dona Bernarda Delfina, da BR-316 no sentido Belém ou vicealdeia Areal (foto: Braga, 2005). versa não o distingue. A maioria dos cidadãos não tem um relacionamento direto com sua ecologia. Quase todo santamariense ignora o rio. Os igarapeaçuenses (vizinhos e donos da metade dele), também. A mata ciliar tem sido derrubada sistematicamente, sem que autoridades e pessoas se interessem na sua preservação. Os gados das inúmeras fazendas adentram n’água, assoreando o rio mortalmente. A lenha extraída da mata ciliar é levada para queimar em fornos oleiros do município vizinho, São Miguel do Guamá. Mesmo o clima atípico de Santa Maria do Pará, não esforça um mínimo de orgulho em ninguém. Muitas vezes o clima é de montanha, raras vezes é certo. Acontecer de a cidade ficar coberta de névoa cedo da noite, até as primeiras horas do dia, é muito comum. Tão comum que poucos se dão conta do espetáculo que é. Fica parecendo algo

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mágico, misterioso. Isso se dá pela sua geografia. Mas, cremos que foi este fato que impressionou os índios. Segundo dona Maria “Milson” de Nazaré (entrevistada em 08.12.2005) a mata era exuberante. Tiravam rumas de madeira, que transportavam pelos rios, principalmente pelo rio Jeju, que hoje não é nem um terço do que já foi. Ela disse-nos: “era tanto peixe que caboclo não vencia. Se pescasse mais poderia estragar”. D. Bernarda Delphina (2006) também corrobora com a descrição de dona Maria Milson. O senhor Aristide da Silva Aranha, apelidado Mitinho (entrevistado em 17.04.2011) nos contou que os índios da aldeia Areal caçavam muitos jacarés, que existiam em quantidade no Rio Maracanã e igarapé Conceição. Ouvia-se os frades reclamarem das grandes chuvas, de seca nunca. A realidade hoje é bem outra. Estamos com nossa ecologia comprometida. Parece que não há solução a vista que não a desertificação. Cada vez a coisa fica pior. E pensar que essa terra já teve uma floresta idílica, onde borboletas amarelas abundavam nas beiras dos rios e igarapés, e as azuis pintavam as matas densas. Enormes bambuzais também se formaram com a chegada dos índios. Tudo nos leva a crer que trouxeram consigo, do Maranhão, as espécies existentes na cidade (Miguel Carvalho da Silva, 2000). É uma planta ideal para confecção de alguns de seus produtos típicos indígenas. O cacique Miguel sempre nos fala: “Onde tem uma touceira de bambu plantada, existia índio!”. Quem somos nós para dizer o contrário. Palavra de índio é palavra de índio. Realmente podemos comprovar o que ele nos diz, com certeza. Ao visitarmos os antigos e atuais sítios indígenas encontramos os pés de bambu em profusão. Nem precisava o cacique nos dizer, já sabíamos disso desde de criança. Nossos avós repetiam isso frequentemente. A região de Santa Maria era como se fosse um entreposto entre a floresta avassaladora e a civilização colonial, em Belém. Pertencia-nos uma floresta idílica, típica dos mais belos contos e da região amazônica. Uma terra cercada por rios, lagos e igarapés quase infindáveis. Em 30 anos assistimos, desconsolados e impotentes, a destruição de tudo isso. Não restou bulhufas do que ainda presenciamos. Podemos até falar, cronologicamente, sobre a destruição. Ela transformou nosso clima, nossos rios e igarapés. Podemos supor que os colonos acharam de construir um novo Nordeste aqui. Foi um senso coletivo, forjado inconscientemente, que perdura na atualidade. Ninguém se importa com a natureza, com etnia, com arqueologia, com História e Cultura. Em recente episódio tivemos algumas mangueiras vitimadas pela falta de informação administrativa e falta de espírito ambiental. Não apenas mangueiras, mas outras espécies urbanas,

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como acácias, que abundavam no lado esquerdo da Avenida Santa Maria, antiga Linha do Telegrafo Nacional. Parte de um contra-senso absoluto, de equívocos administrativos que terão reflexos no futuro. O mundo globalizado deveria, pelo menos, para servir de alerta sobre a destruição da natureza e a terrível transformação de nosso meio ambiente. O que foi feito nos põe na contramão do futuro. Voltemos ao nosso foco principal, entretanto, justamente porque confiamos que eles podem representar a esperança de um futuro melhor. Os índios já fustigados de uma costa a outra, por guerras tribais e dominações de brancos, no século XIX, acharam aqui o seu eldorado, de onde podiam fugir em todas as direções, diante um ataque possível. E além do que, índio não contava quilômetros. Vencer 100/40 quilômetros para eles – inclusive hoje em dia, dona Maria Cassiano (capitôa do Jeju), já em seus mais de setenta anos, praticamente todos os dias vence a distância de quatro a cinco quilômetros entre a Vila Jeju e Santa Maria – era bobagem. Por que a maioria das aldeias estavam situadas no lado direito do rio Maracanã? Porque o rio, de certa forma, protegia os índios das investidas dos que vinham no sentido Norte/Sul. As primeiras aldeias na região foram compostas possivelmente por outro elemento indígena, que ousamos citar, hipoteticamente, de Tupinambá. Mais adiante voltaremos ao assunto, pois existem controvérsias. O certo é afirmar que, depois destes índios mais primitivos, vieram os Tembé, que obdeceram praticamente a mesma ordem de ocupação. Queremos transcrever em todos os seus pormenores o que registrou o Engº Palma Muniz (1913, p. 16-17) acerca do relato dos capuchinhos colhidos aos índios. O autor revela que a transcrição que fez não se preocupou em conferir uma pesquisa histórica junto aos índios. Mais uma vez vemos índios desconsiderados em sua tradição, desta vez a ágrafa. Vamos, porém, ao relato: Resa a tradição, encontrada entre os índios que, em tempos idos, talvez em eras coloniais ainda, a região das nascentes do Maracanã, então não taladas pelas incursões civilisadoras, serviu de refugio a escravos fugidos, tanto das terras do rio Guamá, como das costas atlânticas, e de Belém e de suas cercanias, que, internando-se nas mattas, desappareciam para sempre. Existiu nestas paragens um celebre mocambo de negros, que cultivavam a terra e viviam da caça, fazendo de quando em vez correrias nos povoados e fazendas das circuvizinhanças, deixando atrás de si a rapina, o assassinato e outros crimes, acolhendo-se os seus reductos, que defendiam de qualquer espionagem e conhecimento, tendo feito pagar com a vida todo aquelle que se aventurou conhecer-lhes a localização.

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Diz ainda a tradição que, com o tempo, o número d’esses habitantes do celebre mocambo attingiu a perto de I.000, constituindo elles uma aldeia, em que, além de escravos fugidos, contavam-se criminosos evadidos da justiça, desertores de toda uma serie de indivíduos que não podiam persistir nos logares em que a lei imperava. O local d’essa villa estava situado á margem direita do rio Maracanã, a um kilometro acima da foz do rio Prata e era denominado Santa Maria de Belém. As continuas depredações commetidas por esses indivíduos, exigiu da parte do governo providencias e repressão enérgica, que se resumiram na subida do rio Maracanã por uma força armada, que, recebida affrontosamente, conseguiu, em um terceiro ataque penetrar no mocambo, depois de uma mortandade grande, tendo em seguida arrazado a villa. Hoje, ainda restam vestígios d’esse mocambo, attestados por diversas ruínas, como os restos de uma capella, de habitações e do cemitério. Desapparecido o mocambo, os índios assenhoraram-se da zona, formando uma aldeia, a uma légua, mais ou menos, distante do Prata, no local actualmente conhecido por Aldeia Velha de onde espalharam-se (10), constituindo as pequenas aldeias, encontradas pelos capuchinhos, uma no local de hoje da sede do Prata, formada por umas cinco ou seis casas, da família Miranha; outra nas mesmas condições no local denominado Anselmo margem esquerda do Maracanã, da família dos Tupanas; a terceira da família dos Braz, situada á margem direita do rio Jejú, affluente direito do Maracanã, na qual existia a rainha Catharina, e a ultima nas nascentes d’este rio, denominada Arrayal, na qual vivia a família dos Leopoldinos. Todas essas famílias pertencem á tribú dos tembés e viviam em continuas relações entre si, e ultimamente com a gente civilisada, por intermédio dos respectivos chefes. Foi no território ocupado por estas quatro famílias que Fr. Carlos de S. Martinho chegou em 13 de Setembro de 1898 e em 14 plantou a cruz redemptora da humanidade. Escolhido, como já ficou dito, o terreno para assentar a sede dos trabalhos, regressou aquelle missionário abnegado a Belém, onde, em conferencia com o chefe do Estado, expôs o resultado dos seus primeiros passos, recebendo em seguida votos de animação para a sua empreza e os meios necessários para iniciar a sua grande obra, regressando no dia 28 para o seio da matta, com os primeiros companheiros de jornada e sacrifícios.

Como deixar de falar do quilombo que aqui existiu? Como relatou Muniz (1913, p. 16-17) os frades chegaram a avistar as ruínas do quilombo. Ele existiu, de fato. Mesmo que as ruínas não tenham sido

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de um quilombo foram de qualquer outro ajuntamento humano. Não poderia ser totalmente ignorada. Havia um conjunto delas. Cem anos depois fomos atrás destas ruínas, de acordo com a localização do Engº João de Palma Muniz, em seu livro. Refizemos o caminho, acompanhados do senhor Raimundo Souza e um outro tipo aparentado com índio, de apelido Tipunha. Da foz do rio Prata com o rio Maracanã saímos na direção recomendada pelo escritor, do lado direito. Ficamos eufóricos. Pensamos que podíamos encontrar algo na flor da terra. Não encontramos nada a não ser alguns montes de pedra de construção. Destas comumente usadas na região. Os dois homens que nos acompanhou, apesar de residirem nas proximidades, não souberam dizer por que aquelas pedras estavam ali empilhadas, mas o senhor Raimundo disse que eram muito antiga naquele local. Havia uma lenda de que foi o pai de dona Mariinha Horácio quem deu-lhe este dever (juntar as pedras em montes) porque ela pecou. Não tivemos nem coragem de perguntar a ela a esse respeito. Uma senhora de idade... Era lenda mesmo. E eram muitas pedras mesmo para uma jovem pecadora.

24: Desenho de Rugendas, da Biblioteca Nacional, RJ. BLOCH EDITORA S.A., 1997/1998.

Perguntamos para dona Mariinha (2000) se ela sabia que montes eram aqueles. Ela disse-nos que eram mais antigos que as pessoas. Primeiro disse que talvez fossem os índios que os tivessem ajuntado, depois lembrou que João e Virgínia Seraphim (este casal era bisavós

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deste autor) tinham residido ali, antes de 1920, e que os montes já existiam mesmo. Ela não tinha conta do tempo que os tinha avistado. Ficamos meio triste. Como tinham desperdiçado uma história rica assim? Pensamos nisso por dias, até que decidimos voltar lá e conferir novamente, os montes de pedra. Fomos com Raimundo Souza, Tipunha e nos juntamos com o dono das terras, alcunhado de Boquinha. Haviam vários montes, afastados um do outro cerca de 50 metros, às vezes mais. Em torno da orla do Rio Maracanã, quase na divisa com Igarapé-Açu (Prata). O terreno é recheado de pedra por todos os lados. A probabilidade de se fazer fundações inteiramente de pedra era considerável. Tiramos fotos, analisamos, com um cuidado absoluto, temendo encontrar entre as pedras uma cobra venenosa. Deixamos o dono do terreno curioso. Haviam muitas histórias daquele local. Todos sabem que lá habitavam índios, muitos deles. Dizem que deixaram potes de ouro enterrado, doados no presente por meio de sonhos. Dizem que alguém foi agraciado e que desenterrou um pote cheio de ouro (comumente chamado de botija), meio negro, antes de ser lavado e derretido. O ouro era em barra. A pessoa colocou todo o ouro pendurado na cumeeira da casa e um outro alguém o teria roubado. Ninguém conhece quem. O dono do terreno começou a achar que procurávamos ouro, inclusive foi alertado por outros de que estávamos com gana nas riquezas do lugar. Obviamente que achamos tudo engraçado, mas respeitamos as opiniões. A única riqueza que queríamos era resgatar nossa história. Decidimos deixar tudo como estava e fazer apenas o registro.

25: Foto do ano 2000, com monte de pedras lavradas. Note-se os lados e o formato das pedras. Da esquerda para direita temos o sr. Boquinha, Tipunha e seu Raimundo Souza, o Sexta-Feira (foto: Braga, 2000).

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Notamos que as pedras amontoadas eram de certa forma lavradas, de um lado e de outro, a modo de alvenaria. Aquelas pedras eram do nosso quilombo. Muito provavelmente os índios não desmontaram as ruínas, pois, se haviam chegado anos antes dos frades e não o tinham feito, por que o fariam após 1898? Outros fatores contribuíram para esta desarticulação? Sim, é o mais óbvio responder. Talvez os colonos o tenham feito. O fato é que existem evidências concretas e no contexto. Escavações arqueológicas, com certeza, diriam muito. Mas, como voltar os holofotes para a questão histórica de Santa Maria do Pará? Cremos que nem os próprios santamarienses se interessam pela sua história. Não seria somente um caso localizado. O negros eram fugidos de toda região, então tudo extrapola a questão local. A questão é estadual. É uma parte desconsiderada da história do Pará. Merecia um olhar mais apurado. O que Santa Maria do Pará oferece de melhor aos seus cidadãos e cidadãs é sua saborosa e inodora água 20. Quem dela prova fica estarrecido. É bem mais gostosa que água engarrafada. Pena que prestes a ser poluída pelos dejetos das casas de farinha, que lançam ácido cianídrico (tucupi) a céu aberto. Do jeito que está logo atinge o lençol freático. Em se falando em tucupi, lembramos também da deliciosa farinha de mandioca, a “farinha do cacetão”, que é de se comer de joelhos, rezando. Produção em geral vinda da área da vila Jeju.

26: Outro ângulo dos montes de pedra, no local em que foi o antigo quilombo da vila de Santa Maria de Belém (foto: Braga, 2000).

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Infelizmente esta água salutar ficou para trás. Existe a recomendação de não bebê-la sem tratamento. O ácido cianídrico acabou por poluí-la.

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POVO TEMBÉ E SEU TERRITÓRIO A reconstituição da vida e do território dos Tembé em Santa Maria do Pará, antes de 1897, não foi tarefa fácil. Atualmente, quando informações preciosas foram perdidas, com a morte dos mais velhos, tanto da comunidade indígena quanto da população não-indígena, a reconstituição ficou profundamente abalada, mas não extinta, ou seriamente comprometida. O que se apresenta hoje, oralmente, são fragmentos de história. Fragmentos que não devem ser desprezados nunca, pois compõem o mosaico que desvenda todos os segredos guardados, simbologicamente preservados. Felizmente temos muitas bibliografias garimpadas pelo Pará e material arqueológico como prova cabal da presença de indígena na região. Alguns achados de cidadãos como o Sr. Raimundo “Sexta-Feira” (entrevistado em 2000) foram relevantes para compor um mapa e uma descrição. Posteriormente os depoimentos de dona Maria de Lourdes, alcunhada Mariinha Horácio (2000) e dona Bernarda (2006) foram imprescindíveis. Sem esquecer nunca, o núcleo de catequese indígena instalado na Colônia do Prata, em 1898. Só para referendar: o Núcleo de Catequese Indígena Santo Antonio do Maracanã, depois “do Prata”, foi fundado, na antiga aldeia Prata, para catequização de índios e assentamento de colonos. E o foi durante 23 anos. Depois disso é que foram introduzindo modificações relevantes, até que em 1924 teve consolidado o desmantelamento da cultura local com a criação do Lazarópolis do Prata. Depois que a colônia de hansenianos, instalada no Prata, foi aberta à população sã, com a descoberta da cura da hanseníase, na década de 80, muitos moradores da colônia freqüentavam mais Santa Maria e exerciam seu direito de cidadania aqui. Provavelmente, se houvesse havido interesse, o Prata poderia ser uma jurisdição de Santa Maria. O número de votantes justificava que requerêssemos aquela autarquia federal. Não diríamos nem pela história em comum. Núcleo de colonização e catequese indígena, o Prata foi magnífico, uma jóia. Os depoimentos dos livros de visitas justificam o que afirmamos com todas as letras. Os índios Tembé de Santa Maria do Pará são parentes dos índios Tembé da Aldeia Alto Rio Guamá (mantém contato permanente com os índios da aldeia Sede e de outras aldeias não Tembé (verificar anexo XXXVII) e Aldeia Alto Rio Gurupi, que migraram, por volta de 1840, da região do rio Pindaré, no Maranhão. Mais adiante mostraremos prova irrefutável do que afirmamos. Podemos constatar, no livro de registro de casamentos, em 28 de setembro de 1910 de Antonio Thomaz (67 anos, capitão da Aldeia Prata) com Maria (60 anos, ou Marinha) Miranha, transcrito neste

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trabalho, assinala que ambos são índios e... do Gurupi, no Maranhão. A senhora Maria Milson (2000) disse-nos que o pai de dona Maria Cassiano, Lourenço da Silva (mais conhecido como Cassiano) não era índio porque tinha vindo do Maranhão. Ora, sua aparência não nega. Este autor o conheceu muito bem, e em seus porres, ouviu-o muitas vezes falar Tupi-Tenetehara. Haviam as histórias recorrentes de que eram “caboclos”, do Jeju e Areal. Que tinham vindo do Xingu, da Transamazônica, do Baixo-Amazonas, etc. Nunca índios de Santa Maria do Pará mesmo (Mírian Serafim, 2006). A história revela as idas e vindas de índios, que mantinham contato permanente com Guajajaras, Tembés do Capim e Guamá (Januário Carneiro de Menezes, entrevistado em 2000). Dona Mariinha Horácio (entrevistada em 2000) também reforçou o relato de que os índios vieram do Maranhão, sem especificar o lugar. Afirmou que tanto os índios do Jeju, quanto os do Prata, Anselmo e Areal vieram mesmo de lá. O cacique Zé Grande (ouvido em 2000), da aldeia Alto Rio Guamá, relatou ao cacique Miguel que seu pai (Manoel Grande) tinha vindo deste lado há muito tempo atrás. Muitos dos índios da aldeia Alto Rio Guamá sabiam que existiu/existe Tembé em Santa Maria do Pará, mas diziam que eram Tembé do Prata por causa da geografia que, em épocas passadas, era outra. Santa Maria só passou a ser município em 1961, antes era vila de Igarapé-Açu, sem ter sido nunca declarada vila oficialmente até o dia de sua emancipação política. Antes do ano 2000 podíamos encontrar muitos índios que não tinham conhecimento de sua história. À medida que foram se (re)encontrando isso foi se dissipando. Na verdade sabiam muito, apenas não tinham contato neste sentido e não sabiam o caminho a percorrer. A memória de resistência estava muito bem guardada, no íntimo (anexos III, IV, V, VI). Depois de 2000 tudo foi ficando mais real e a memória foi aflorando, então eles passaram a reivindicar seus direitos, começando pelo município (anexos VII , VIII e IX). *** No passado, o trauma secular dos povos indígenas, estava mais que impregnado no cotidiano destes Tembé. O medo de serem subjugados, e motivo de chacotas, era terrível. Podemos garantir que ainda hoje não se livraram deste trauma. Resistem em se reconhecer, seja pela opinião de terceiros, em relação aos índios, seja pela aparência, como fossem ser desmascarados por terem tez clara ou negra, cabelos crespos e residirem no meio urbano. Mesmo já provado que quem ocupou o território dos índios foram os brancos/não-índios e não o contrário. Dona Maria de Nazaré Lima [Maria Milson] (entrevistada

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em 2000), perguntada se ainda existiam índios na Vila Jeju respondeu assim: “O que existe hoje são descendentes. Tem muito cearence, de papo amarelo, se dizendo índio... Aqueles índios antigos já morreram todos”. Dona Maria de Nazaré Lima (Maria Milson) responde o óbvio. Ninguém pode ser eterno. O único da história, alguém que sabemos viveu uns 200 anos, ou mais, foi Matusalém. Já nossa história é bem diferente. Para enfatizar o que dizemos, segundo Kosic (2002, p. 233): Os homens agem na história, mas só aparentemente fazem a história: na história atua a necessidade (o plano da providência, da harmonia preestabelecida) e as personalidades históricas são seus instrumentos e órgãos executivos.

Partamos de um pressuposto necessário: por que temos um sobrenome? Porque alguém, um dia, nos deixou como herança. Então, se eu sou fulano de tal e este tal foi de meu pai, meu avô, meu bisavô e por conseguinte ascendente. Euzinho não degenerei porque não fui gerado unilateralmente. Eu sou fruto de uma descendência e não sou menos tal do que foi o 1o. tal. Eu sou o tal atual, o herdeiro, o dono deste nome. Então... A geração que está surgindo hoje traz as características dos antepassados. Basta-nos observar atentamente a feição dos novinhos. Sinal claro, que a política de desarticulação promovida pelo governo, no século passado, malogrou. Não conseguiram eliminar o biótipo. Até nas aparências, os Tembé resistem. Além de depoimentos sumamente importantes de migrantes nordestinos e, de pessoas da própria comunidade indígena, temos a favor vasta bibliografia que o citam peremptoriamente. Não há como negá-los se existem edições tão antigas quanto a presença deste povo. A própria geografia municipal pode esclarecer ceticismos premeditados (anexos XXXVIII, XXXIX, XL e XLI - figura 2). Para enfatizar as atitudes de algumas pessoas das vilas, e a nossa própria, poderemos reproduzir o que nos diz Kosik, 2002, p. 229: Se a história é absurda e cruel, trágica ou burlesca, se nela se realiza um plano providencial ou uma lei imanente, se ela é o cenário do arbítrio e do acaso ou o terreno do determinismo: a cada uma destas perguntas e a todas em conjunto só poderemos responder satisfatoriamente se já sabemos o que é a história.

Quando começamos o trabalho de resgate cultural, tínhamos pouco mais de 80 indivíduos, mas, com o passar do tempo, muitos outros se apresentaram. Já em 2001 tínhamos, entre as duas aldeias (Jeju e

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Areal), 118 índios. Em 2003 houve um sensível acréscimo, justificado pelo nível de consciência que foi se fortalecendo. Contamos 27 famílias fazendo parte da aldeia Areal e 85 famílias na aldeia Jeju, perfazendo um total de 393 indivíduos. Não foram tomados dados recentes, que contemplem os últimos nascimentos e adesões. Diziam que eram poucas famílias, até nas escolas se ensinava assim e divulgavam em mapas (anexo I e II). Padre Calado, escrevia em 23 de maio de 1923 ao Presidente da República, Arthur Bernardes (Araújo, 1924, p. 76-78) e dizia: O Prata é uma circunscrição judiciária, tem supplente de juiz, escrivão, subprefeito e secção eleitoral. Tinha uma colônia indígena com uma centena de famílias, que foram catechisadas e instruídas pela missão capuchinha, entregue a pequena lavoura, que, presentemente, está voltando ás malócas no interior, compõem-se a Colônia do Prata de 1.650 lotes, descriminados e entregues por compra aos emigrantes do nordeste

As palavras contidas na carta de Pe. Calado corroboram duas expectativas: haviam centenas de famílias indígenas. Muitas, além das que nunca saíram de suas casas e permaneceram sem instrução, voltaram para o interior, ou seja, suas verdadeiras casas. Na avaliação da propriedade do Prata (Muniz, 1913, p. 81-82) nos diz que o governo distribuiu 4.196 hectares de terras aos índios, no valor total de 8:811$688. Esta 27: Pe. Antonio Muniz citação se encontra também em outra obra, Calado (reprodução: reforçando nossa tese de que não tínhamos Braga, 2000). poucos índios (Araújo, 1924, p. 121). Não é que estejamos agradecendo a distribuição das terras. Estamos referendando, que se não existissem número de índios consideráveis, a distribuição não seria considerada, uma vez que jamais consideraram que as terras lhes pertenciam. Dona Bernarda Delphina (2006) nos disse: “O Prata era dos índios!”. Vejamos em números estatísticos a quantidade de índios existentes. Padre Calado (que inaugurou a capela de Santa Maria, construída em 1925) já nos disse que eram centenas de famílias. Quantos índios poderíamos ter por hectare? Um! Teríamos pelo menos 4.000 índios? Temos motivos para acreditar que distribuíram mais de um hectare por índio? Nunca admitiriam que o índio era senhor dessas terras, nunca. A distribuição se deu antes de 1913 (ver mapa em anexo XL). Nos

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primórdios da fundação do Prata, em 1898, desde o início, o índio passou de senhor a ocupante do seu território. Quando o governo federal comprou o Prata, para transformá-lo em colônia de hansenianos, a partir de 1921, e fez suas avaliações não encontrou muitos melhoramentos da antiga colônia indígena. Não encontrou a Ferro-Carril do Prata, não encontraram mais o engenho e oficinas, nem os campos de experiências e plantações (Araújo, 1924, p. 121). Não sendo suficiente apenas as terras da antiga aldeia Ita-ting, ou Prata, ocidentalmente falando, em uma segunda escritura, a União adquiriu os 88 lotes pertencentes a Colônia do Prata, desde o número 263 a 437. Lotes situados nas travessas do Maracanã (anexos XLVIII, LVI e LVII), São Cypriano, Inhangapy e Travessão do Prata; terras públicas reservadas que constituem o povoado de São Felix e mais os lotes 54, 56, 58, 60, 206, 208, 210, 212, 214, 475, 476 e 477, destinados para a 28: Índio Marino dos Santos, um dos últimos administração (idem, 1924, Tembé da aldeia Anselmo (foto: Braga, p. 88). A numeração a que o 2001). autor se refere está contida na planta oficial da Colônia do Prata, levantada pelo agrimensor Boanerges Cardoso e rubricada pelo engenheiro Palma Muniz, ambos da Diretoria de Obras Públicas, Terras e Viação do Estado do Pará (idem, 1924, p. 69). Não podemos esquecer o mapa, com a rubrica de Palma Muniz, entre 1911 e 1913 (acompanhar anexo XXXIX ; figura 1 e 2). O leitor pode pensar que apenas com a criação da Colônia de hansenianos não era motivo suficiente para a debandada de muitos índios. Quando o governo anunciou a venda da colônia do Prata correu o boato de que os hansenianos comiam o fígado das pessoas sãs, no afã de ficarem curados. Dona Maria Cassiano e dona Mariinha Horácio (entrevistada em 2000) e seu Francisco Braz (entrevistado em 2005) lembraram muito disso. Dona Maria Cassiano chegou a nos falar que seu pai Lourenço da Silva (Cassiano) chegou a encontrar muito cadáveres de índios, na situação de fígados extirpados pela mata, quando saía para caçar. Quem em sã consciência ficaria para

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assistir tal derrota? De tanto não serem considerados podiam pensar que a coisa era encomendada pelo governo. Para onde muitos índios foram? Para junto de seu povo no Guamá. Por isso resistem os relatos na aldeia Alto Rio Guamá. A realidade, para os índios hoje, é bem outra. Eles se orgulham de ser o que são: índios Tembé. Encaram com naturalidade o movimento. Lastimam, somente, não poderem desenvolver-se cada vez mais. Precisam de terras para cultura, precisam do território tomado para estarem juntos. Alguns moram distantes dos outros. A concepção de aldeia fica um pouco prejudicada. Eles têm tentado vencer a distância como podem. Não é nada fácil. O sol no verão é causticante (muito mais que no passado, sem dúvida, principalmente pela escassez de cobertura vegetal). No inverno a chuva não dá trégua, deixando os ramais quase intransitáveis. O barro gruda na sola dos pés. A gripe grassa. A situação atual das terras dos Tembé não é muito boa. Temos duas aldeias resistentes, Jeju e Areal. Estão exatamente onde sempre estiveram. A aldeia Jeju, da família dos Braz, está muito invadida, porque em torno dela formou-se a Vila Jeju. Em seu antigo cemitério construíram uma fábrica de asfalto. Local para cultura há apenas as terras herdadas por dona Maria Cassiano Tembé (Maria Francisca da Silva), atual “capitôa” da aldeia. A aldeia presumível nada mais é que um lote (№270), relativamente próxima da margem do rio Jeju. A aldeia resistente Areal, comandada pelo cacique/capitão Miguel Leopoldino Tembé (Miguel Carvalho da Silva) não tem nem um lote inteiro. É considerada uma sobra de terreno, mas que foi palco de nascimentos memoráveis entre os Tembé da família dos Leopoldino. O terreno (o cacique/capitão tem apenas o espelho do título) fica na confluência entre o igarapé Conceição e o rio Maracanã. As terras do antigo cemitério da aldeia foram vendidas por um índio, já falecido, e hoje elas estão cercadas e inaproveitadas. Fica em frente à aldeia. De uma aldeia preexistente, a aldeia Tembé Anselmo, temos pouco informações de sobreviventes atualmente. De sua localização não temos a menor dúvida (estava situada às margens do rio Maracanã, do lado direito). Mas em 2000/2001 tivemos contato com o senhor Marino, que nasceu lá e morreu vítima de atropelamento, em Belém, aos 87 anos de idade mais ou menos. A visão já estava quase toda comprometida, tomada pela catarata. Dele tivemos testemunho e sabemos a ascendência. Seu casamento religioso consta no final deste trabalho. A bibliografia formal mais antiga sobre os Tembé de Santa Maria data do início do século XX (1913), como já dissemos anteriormente, escrita pelo engenheiro Palma Muniz, funcionário público do Estado,

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membro (secretário) do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP). Seu livro, “O Instituto Santo Antônio do Prata”, baseou-se em documentos ainda mais antigos, como registros e relatórios da missão capuchinha no norte do Brasil, com o “Álbum do Estado do Pará, 1908 - 8 anos de governo” (1901 a 1909) e depoimentos colhidos entre os índios. Como podemos ter certeza que os Tembé daqui de Santa Maria vieram da região do rio Pindaré, no Maranhão? Podíamos estar conjeturando, tomando como base o relato dos parentes Tembé da região da Aldeia Alto Rio Guamá, mas não. Não apenas isso. No livro de Palma Muniz (1913, p. 7), há escrito que “os índios dessa zona, que viviam em relações de amizade com os do Guamá e Capim, são da mesma raça, Tembés do Guamá (...)”. Logo, o relato de ambos (índios da Aldeia Alto Rio Guamá e locais) é absolutamente comum. Como se pode observar a desconsideração da ocupação indígena neste território só pode ter sido coisa orquestrada, suscitada por interesse convenientes, ranço proveniente da colonização européia no Brasil.

29: Documento pertencente a d. Maria Cassiano, cacique da aldeia Jeju. Herdou-o de seu pai, Cassiano, sendo uma grande referência das demarcações feitas em Santa Maria do Pará e, que reforça a tese da tomada do território indígena (reprodução: Braga, 2002).

Podemos afirmar com todas as letras que o maior interessado em desarticular as aldeias neste território foi o governo do estado do Pará (antes de 1897), com sua política desenvolvimentista, aliado ao projeto catequético dos frades capuchinhos lombardos (a partir de 1898) subsidiados pelos primeiros. Depois, o governo federal, em nome de um bom-senso discutível, desarticulou o núcleo de catequese indígena, para ceder lugar a primeira colônia de hansenianos agrícola do País (1921). Só Deus sabe o trauma causado na cabeça dos colonos e principalmente dos índios, desde o início sob fogo cruzado. Como

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nos disse dona Nazaré Garcia (entrevista em 2006), repetindo o que lhe disse o pai: “foi um clamor! Muito choro por todo lado!”. Depois de 23 anos (de 1898 a 1921) de pleno desenvolvimento da Colônia do Prata, como núcleo de catequese indígena e assentamento de migrantes nordestinos e, imigrantes estrangeiros, foi vendida em nome de uma dívida do governo do Estado do Pará ao Governo Federal. O local foi esvaziado para ceder lugar aos hansenianos. Os índios, nem sendo já cristãos, foram respeitados. Muito pelo contrário, nunca. Primeiramente o projeto dos frades capuchinhos incluía a desarticulação das aldeias e a mudança profunda na cultura dos Tembé. O projeto foi cumprido à risca. Os frades agiram em nome de Deus, o governo em nome do desenvolvimento, a fim de atender aos cidadãos desassistidos no meio da floresta. O cenário destes atores (índios) foi transformado drasticamente. Primeiro com a inserção de uma nova visão espiritual, depois mais bruscamente com machados, serrotes e fogo. Introduzido o migrante nordestino o cenário era de terra arrasada. Refugiados das secas e contratados para povoarem a floresta e transformá-la em terras desenvolvidas fizeram muito mais: criaram um nordeste amazônico, inconscientemente. Para eles toda a riqueza verde era inesgotável. O tratamento do nordestino, dado às florestas amazônicas, tem infinitos reflexos negativos, persiste até hoje. Hoje em dia, não encontramos qualquer Tembé que tenha feito fortuna apenas em ter adquirido conhecimento intelectual na Colônia do Prata, infelizmente. As matérias ensinadas no Prata eram: História do Prata, Geografia, Aritmética, Leitura, Caligrafia, Catecismo e Canto, além dos ensaios para algumas profissões como carpinteiro, pedreiro, mecânico, técnico agrícola, etc (Gheza, 1996, p. 40). Imaginamos índios cantando árias no seio da 30: Exmo. Sr. Dr. Paes de Carvalho. Álbum do Estado do Pará, 1908 floresta. (reprodução: Braga, 2005). Temos gente que recebeu terras e possuem documentos distribuídas entre os índios e migrantes, dados aos seus ancestrais. No documento em si não se menciona que sejam índios, embora Muniz (1913, pág. 82) cite: “4.196 hectares de terras distribuídos entre aldeamentos de índios (...)”. Também esta distribuição está referendada na página 121 do livro Dr. H. C. Araújo,

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“O Lazarópolis do Prata – A primeira colônia agrícola de leprosos fundada no Brasil”, 1924. Dissemos, infelizmente, acima por dois motivos. Todo conhecimento poderia ter sido usado para desenvolvimento do índio preservando-se o princípio básico do “ser índio”. A catequese foi um subterfúgio usado para o desenvolvimento territorial, o índio foi esquecido. E estamos levando em conta que os frades tiveram sua missão atropelada por outros interesses. Podemos até ter um terceiro infelizmente, quando observamos que, os frades ainda não repararam o mal empreendido em nome da catequese. Ainda estamos órfãos de espiritualidade. É certo que os tempos eram outros naquele final de século (1898). Os fins justificavam os meios. A realidade clamava por progresso. O esplendoroso ciclo da borracha na Amazônia permitia o progresso. O Exmº Sr. Dr. Governador Paes de Carvalho (apud Muniz, 1913, p. 6), que governou o Pará de 1 fevereiro de 1897 a 1 de fevereiro de 1901, entendia que o projeto dos frades eram semente de um todo grandioso e bem acabado. Havia o problema das grandes secas no Nordeste brasileiro. Há ainda. Não chegavam levas de migrantes nordestinos impunimente. Eram recrutados pelos governo e pela missão capuchinha implantada no Nordeste. Vejamos mais alguns detalhes interessantes. Até 1905 vários municípios de hoje compunham o território de Belém-PA (O Liberal, 07.02.2001). Santa Isabel, Santa Bárbara, Castanhal, Igarapé-Açu, entre outros. O que é hoje Santa Maria, pertenceu a Igarapé-Açu (que já foi Jambúaçú). Então, o que era IgarapéAçu, era de Belém. O território de Santa Maria pertenceu a Belém. Igarapé-Açu, antes de ser cidade (1906) pertencia a Santarém-Novo (Freitas, 2005, p. 27). Então, antes de Santa Maria ter pertencido a Igarapé31: Dr. João Hossanah de Oliveira. Açu, também pertenceu a Álbum do Estado do Pará, 1908 Santarém-Novo (Muniz, 1913, (reprodução: Braga, 2005). p. 8). Existe todo um contexto que precisa ser delicadamente analisado, para que não deixemos escapar a História. Os documentos devem ser interpretados à sua época, com os créditos para quem de direito. Não levamos em conta,

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ainda, aldeias indígenas, muito citadas nas cercanias da Belém colonial. Passemos a vista um pouco mais na fundação da Colônia do Prata: de mata inculta, habitada por selvagens, em poucos dias assentou-se uma vila, que cresceu e se desenvolveu rapidamente e, que talvez devido a ciumeiras, o lugar foi preparado para ser a primeira colônia de hansenianos do Brasil, até próximo os anos 80, do século XX. Hoje não é mais fundamentalmente colônia de hansenianos. Não cremos, piamente, que a transformação do núcleo de catequese indígena para colônia de hansenianos tenha se dado por pioneirismo cientifico. Acreditamos mais que o desenvolvimento da colônia incomodava alguns políticos, que se ressentiam do grande fluxo de europeus interessados em visitá-la. Para se ter uma idéia do desenvolvimento da Colônia do Prata, em seus primeiros anos, já havia até telefone instalado, sem contar com uma linha férrea exclusiva para serví-la, com duas máquinas, a Pajurá e a Cury, que eram máquinas pequenas e com vagões que se assemelhavam aos bondes. Reportando-se a colônia de hansenianos, há no livro de Araújo (1924, p. 15-16) várias transcrições de propostas: memorial sobre a Colônia do Prata (pág. 17-23), autorização para compra do Prata (pág. 42-45), recebimento do imóvel (pág. 46-48), a doação do Governo do estado (pág. 68-70) e entrega da escritura definitiva e pedido de quitação ao Estado (pág. 75-76). Estes importantes documentos não podem passar despercebidos de quem quer conhecer a verdade da desconsideração dos Tembé de Santa Maria. Citamos todas essas burocracias fundiárias porque a medida que foram dividindo tudo, os índios foram sendo, oficialmente, desprezados. Foi como se tivessem fechado um ciclo: de índios a agricultores. Aconteceu em Santa Maria exatamente o que ocorreu em todo Brasil a partir do pseudo Descobrimento. Nada aqui foi por acaso. Tudo foi minuciosamente planejado, como se a região fosse um microcosmo da Nação. Quando se lê o contrato do governo do estado com os frades é que se tem a dimensão exata, cronologicamente planejada, para a aculturação dos Tembé de Santa Maria do Pará. É bem verdade que a Colônia do Prata está hoje administrada pelo município de Igarapé-Açu, mas, trata-se desde de 1921, de uma autarquia federal, com foro privilegiado em alguns aspectos. Sempre citaremos o Prata, na questão que envolve os índios de Santa Maria do Pará, para explicar que, quando a colônia indígena lá se instalou, esta cidade não existia enquanto núcleo populacional de não-índios, como pudemos adiantar. Esta cidade só nasceu, definitivamente, em 29 de dezembro de1961 (Braga, 2001, p. 45). A Colônia do Prata cobria “25 km² de terras, divididos em lotes de 25 a 10 hectares” (Muniz, 1913,

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p. 8), o que, logicamente cobria o território do que é este município hoje (ver anexo XL). No capítulo II da obra de Palma Muniz (idem, p. 13) diz: “os terrenos demarcados para o Núcleo Colonial (9) são regados pelos rios Maracanã e seus affluentes Prata, à margem esquerda e Jejú à margem direita, alem do sub-affluente Cury, do primeiro, e de inúmeros outros de volume pequeno que seria ocioso mencionar.

Explica-se, no livro, abaixo no rodapé, o que é o número nove entre parêntese: “(9) Abrangem os terrenos do Núcleo a extensão territorial de 154.211.825,50 metros quadrados, fechada em um perímetro de 50.193 metros, correntes. Foram demarcados pelo agrimensor Boanerges Cardoso, da Secretaria de Obras Publicas, Terras e Viação. Está dividida em 449 lotes de 25 hectares em media.”

Como se pode constatar, a medição das terras da colônia do Prata envolvia a parte concernente às terras do hoje município de Santa Maria do Pará (anexos XXXIX, XL e XLI). Por isso é que temos que rever a questão do núcleo catequético do Prata para obter informações históricas a respeito dos Tembé daqui e seu território. As aldeias Tembé estavam localizadas em sua grande maioria no território desta cidade. Mas, é bom esclarecer, a maioria. Isso não quer dizer que não adentrassem o território das outras cidades. O Prata, que é jurisdição de Igarapé-Açu, foi aldeia (a aldeia Prata). Lá foi implantada o núcleo de catequese indígena. O território dos Tembé era muito mais vasto. Não se limitava a Santa Maria. As aldeias Tembés compreendiam a territoriedade do municípios de Igarapé-Açu, Castanhal, São Francisco do Pará, São Miguel do Guamá, Timboteua e talvez até Bonito. Estamos levando em conta as áreas de caça e pesca. Por exemplo, a aldeia Areal está situada próximo ao limite entre Santa Maria e Castanhal, antigamente, segundo Miguel Tembé (entrevistado em 2000-2005) existiam cabanas de índios do lado esquerdo do rio, onde hoje existe uma fazenda. O senhor Aristide da Silva Aranha, apelidado Mitinho (2011) nos relatou que as cabanas indígenas margeavam o rio Maracanã e igarapé Conceição. As casas eram cobertas e emparedadas com palha de ubim, meio levantadas do chão, com piso de paxiúba (o solo era sujeito a alaguados). As cabanas eram grandes e ele acha que comportava mais de uma família. Haviam redes, que eles mesmo faziam com fios de algodão em teares. Viu muitos artefatos decorados com penas de pássaros. Foi testemunha ocular de uma aldeia mais primitiva.

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Presenciou os Tembé Mano Pedro, Matirina, Pajé e outros a moquiar peixe, jacaré, etc. O Sr. Raimundo Teixeira de Souza (que tem uma ancestral Tembé local) e o Sr. Francisco Alves fizeram relatos em 2000 sobre a existência de um local que ficou conhecido como Aldeia Velha, primeiro habitat dos Tembé nas imediações de Santa Maria do Pará (hoje o local abriga uma fazendola, às margens do rio Maracanã, com frente para a rodovia BR-316. Na divisão territorial, em 1961 ficou pertencendo a Igarapé-Açu. O mesmo relato podemos observar no livro de Muniz (1913, p. 17), em que diz, segundo tradição oral colhida dos frades aos índios, que havia, talvez em épocas coloniais, existido um mocambo que foi destruído por tropas do governo. Esse local ficava a um quilômetro acima da foz do rio Prata. Depois da destruição da vila que se chamava Santa Maria de Belém, os índios se apoderaram da zona uma aldeia, 32: Exmo. Dr. Gov. Augusto construindo Montenegro. Álbum do Estado presumivelmente, a uma légua distante do Pará, 1908 (reprodução: do Prata, na margem direita do rio Braga, 2005). Maracanã. Se formos medir nos depararemos com a fazendola às margens da rodovia BR-316, ladeando as margens do rio Maracanã. Quando os frades chegaram em 1898 e fundaram a Colônia do Prata existiam 4 aldeias Tembé (Prata, Anselmo, Jeju e Areal). Uma delas é onde ergueram o núcleo de catequese (Prata), nas confluências entre os rios Prata e Maracanã (Muniz, 1913, p. 7-9). Havia no local umas 5 ou 6 casas, cobertas com palha de ubim, com poucas famílias indígenas residindo. Esta foi a primeira aldeia a ser desmantelada. Depois, aos poucos, foram convencendo os caciques das outras aldeias (Anselmo, Jeju e Areal) a cederem os filhos, para o internato, na intenção de educá-los. Comenta-se costumeiramente, hoje em dia, que alguns foram pegos “a dente de cachorro”, para justificar o modo selvagem em que se encontravam. Podemos traduzir isso, na atualidade, como uma forma de resistência. Muniz (1913, p. 6) descreve o projeto de frei Carlos desta forma: Apresentado Fr. Carlos de S. Martinho ao Governador do Estado, o Exmo. Snr. Dr. Paes de Carvalho, expôs elle o seu programma de catechese indígena, que, bem estudado, mereceu

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approvação, ficando o ilustre religioso capuchinho desde logo autorizado, e com os meios materiaes, a escolher situação entre os rios Guamá e Capim, afim de dar inicio á creação de um Núcleo Colonial Indígena, com o fim especial da catechese dos selvicolas

Os frades chegaram até o Prata através do procurador-geral do estado do Pará, Dr. Hossanah de Oliveira. Este senhor intermediou o local entre os índios e frei Carlos para instalar o núcleo de catequese indígena, que o governo do estado subsidiaria. Disse o procurador-geral aos frades que os índios situados nas margens do rio Prata, Maracanã e Jeju pediram para que visitassem seus aldeamentos, em 1897. Assim, frei Carlos atendeu a solicitação em consenso com seu superior. Vimos que os frades encontraram 4 aldeias, Prata (da família dos Miranhas), Anselmo (da família dos Tupanas), Jeju (da família dos Braz) e Areal (que vez ou outra citam como Arrayal, da família dos Leopoldinos). Todas 33: Abdão Souza e Silva morador estas famílias pertencentes a tribo da Vila Jeju identificado como dos Tembés (Muniz, 1913, P. 17). Tembé (foto: Braga, 2006). Fundado o núcleo de catequese indígena, o segundo passo foi localizar, na pequena vila, apenas as famílias indígenas que eram mais condizentes com os propósitos do colonizador. Digamos, uma certa segregação. Técnicos do governo agiam livremente, medindo terras, fiscalizando, distribuindo lotes. Assim desbravou o terreno, frei Carlos, o superior da missão capuchinha, introduziu apenas famílias de comprovada moral “para conseguir os fins que tinha em vista...” e, “com autorização do governo do Estado, as localizou no núcleo” (Muniz, 1913, p. 23). Seis meses depois o Prata contava com uma população de 55 famílias indígenas e 25 de civilizados (idem, 1913, p. 23).

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34: Fundadores da missão do Prata. O 2o. sentado e o 1o. em pé, da direita para esquerda, são frei Carlos Olearo e frei Daniel Rossini. Araujo, 1924 (reprodução: Braga, 2004).

O ideal catequético de frei Carlos Olearo tinha na paciência seu maior trunfo. Procurava não ser muito brusco para evitar a repulsa dos silvícolas diante de ensinamentos tão antagônicos. Apostou na mudança de gerações e acertou na mosca. Em princípio quis combater costumes plurisseculares como a poligamia. Achava a moral das famílias indígenas defeitos originais e temia que tivessem adquirido defeitos “nas suas últimas camadas sociais”, dos civilizados (idem, 1913, p. 21-22). Muniz (1913, p. 22) também diz do ideal de frei Carlos: “o principio da catechese, bebido por Fr. Carlos e seus irmãos de hábito nas fontes puras do ideal catholico, foi o que o levou ás selvas do alto Maracanã”. Entretanto, os índios Tembés nem sempre foram indiferentes a profunda mudança desenvolvida pelos capuchinhos e, amparada no governo do Estado do Pará, daquela ocasião. O índio Calixto, da família dos Tupanas (aldeia Anselmo) planejou matar frei Carlos, dando-lhe de presente uma batata doce envenenada. Tendo desconfiado, o frei jogou o turbéculo para um porco que morreu com convulsões (idem, p. 27-27). Muniz salienta ainda que, “é defeito conhecido aos nossos índios a vingança, sempre decorrente de actos que suppoem ferir-lhe os interesses e a dignidade”. Mas, o autor engrandece os ideais do frei, dizendo-o orgulhosamente: Uma alma repleta de bondade innata, que sempre semeou o bem, foi alvo, pela necessidade que teve de instituir a disciplina e a

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moral em sua colônia, de uns pequenos ódios de alguns índios velhos, já estragados, com o contato com a civilização, nos seus representantes indignos e viciados.

Podemos arriscar uma opinião embaraçosa e polêmica ao questionar o chamamento dos índios ao progresso. Não vivemos aquela época e não temos registro de que algo assim pode ter ocorrido, mas somos levados a crer que os frades podem ter convencido os índios levando-os a acreditar que não havia alternativa de barrar o “progresso”. Podem ter dito que o trem não tardava (o que não era mentira) e, que as mudanças seriam profundas (o que também não era mentira). Não existia outra possibilidade que não transformar aldeias em vilas, “selvagens” em civilizados, crenças pagãs em catolicismo, antes que outros segmentos religiosos chegassem com propostas destruidoras. Não achamos insensato o que falamos. Não teríamos inconformismos entre os índios – relatados na História – se os índios fossem todos cordatos. Se formos pelo prisma dos inconformados, com certeza, o relato seria outro. O que ficou registrado foi o que os frades e os homens do governo quiseram. Para justificar nossa reação podemos citar o que fala Muniz (1913, p. 22): “A fugir deste principio christão, só a bala norte-americana, em uma funcção extinctora de raças, poderá catechizar”. O modelo educacional do final do século XIX e inicio do século XX era bem diferente do praticado hoje. Aprendia-se na marra. Os frades relatam com certo orgulho, a curiosa visita de Aniratac, mulher do cacique de sua tribo (leia-se, Tembé, da aldeia Jeju). Chamaram-na rainha, sem se darem conta que a organização social dos índios era outra. Disseram que ela chegou acompanhada de um numeroso séquito, destacando-se seu filho, o Capitão Braz (neste ponto soma-se a denominação comum aos chefes das aldeias). Aniratac teria dito: “desejo que todos os meus descendentes sejam educados por estas irmãs”. Deixou entre as primeiras internas, sua neta Laurinda e sua sobrinha, Jupira (Ir. Teresinha Maria de Beneditinos, 1996). Aniratac, que os frades rebatizaram de Catarina, tinha certa autonomia dentro da aldeia. Queria o filho educado para prepará-lo para o cacicado, sem se dar conta da transformação que promoveria na estrutura da aldeia. O nome de Catarina foi uma transformação e foi criado invertindo-lhe o nome indígena (Braga, 2001, p. 25-26). Vejamos que o filho de Aniratac, chamado logo de capitão Braz foi o estimado avô de dona Maria Cassiano, Manoel Braz, nascido em 1888. Relato de sua filha, Juliana (2000) diz que ele lhe contou que foi estudar com os frades aos 10 anos de idade, realmente, seria o herdeiro do cacicado. Há controvérsias neste relato. Primeiro, na

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Certidão de Casamento de Manoel Braz sua mãe aparece com o nome de Marcolina e não Catarina. Ela não poderia ser sua mãe quando existe um registro verdadeiro. Achamos que Catarina, que existiu de fato, poderia ser uma outra esposa do cacique do Jeju, com igual relevância que a mãe oficial de Manoel Braz, ou eganaram-se os frades.

35: Foto histórica do início da caminhada dos Tembé de Santa Maria do Pará. Aqui vemos as crianças no campo de futebol da vila Jeju. Hoje as crianças são jovens atuantes na comunidade (foto: Braga, 2000).

36: Outra foto histórica da visita do índio Pelé Tembé, esposa e filhos aos parentes Tembé de Santa Maria do Pará (foto: Braga, 2000).

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1899, PAES DE CARVALHO E A NOVA ORGANIZAÇÃO NA MATA

Pela Lei de 1899, com as reformas administrativas do estado do Pará, foi criada a Inspetoria de Terras e Colonização (acumulava esta inspetoria os serviços de colonização, imigração e terras públicas). O primeiro chefe desta repartição foi o capitão-tenente José Fructuoso Monteiro da Silva e, em segundo, o coronel Joaquim Ferreira de Mendonça. Este último, segundo Muniz (1913, p. 28), não era muito simpático a catequese indígena dos frades capuchinhos. O autor não quis detalhar sobre qual falta de simpatia mostrou este funcionário. Mas, salientou que fazia um contraponto aos ideais do governador Paes de Carvalho. Os frades quiseram a rescisão contratual amigável, porém o governador recusou o pedido formal feito em requerimento em 17 de março de 1900. O governador visitou o estabelecimento, na companhia do Dr. Hosannah de Oliveira (procurador do estado do Pará, o mesmo que intermediou a instalação do núcleo de catequese emtre os frades e os índios), no dia 4 de abril de 1900, quando o inaugurou solenemente.

37: Inauguração da Colônia do Prata, com as presenças do governador Augusto Motenegro (foto ao lado) e distintas autoridades do Estado do Pará.Troesi, 1997(reprodução: Braga, 2004).

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Como os índios poderiam continuar reagindo, diante de militares e chefes do governo? Seria suicídio tomar uma posição. Secularmente marginalizados, ao demonstrarem inconformismo, poderiam suscitar interpretações errôneas que levasse “os civilizados” a entender que não passavam mesmo de bárbaros. Talvez o coronel Joaquim entendesse o lado dos índios, talvez achava que deveriam permanecer com seu modo de vida, com laços estreitos com a floresta. Era mais simbológico enaltecer os ideais de aculturação travestida de desenvolvimento.Talvez o coronel tivesse a visão do Marechal Rondon e dos irmãos Villas-Boas.

38: Primeira capela da Colônia do Prata. Casa doada aos frades pelo cacique do local, Thomaz de Miranda. Gheza, p. 22, 1996.

O fim dos índios poderia ser dos piores. Toda a população era levada a crer que eram criaturas bestializadas, nos dois sentidos. Contra eles não existiam o muro e a espada. Para eles existiam a espada e a espada. Ou os índios se adaptavam, ou não teriam nem descendência. Teriam o mesmo destino do antigo mocambo (chamado de vila Santa Maria de Belém), destruído na terceira tentativa do governo imperial (Muniz, 1913, p. 16). O que nos parece mais plausível? Vão-se os anéis, ficam-se os dedos. O tipo de habitação usada pelos Tembé desta zona reforça a descrita pelo colonizador no passado: casas cobertas por palhas (aqui palha de ubim), retangulares e bem espaçada, embora pequena. A casa que os padres receberam do cacique Thomaz de Miranha, da aldeia Prata, e que lá instalaram sua primeira igreja, demonstra claramente a cultura deles comparado a um desenho que enfoca um baile (?)

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ocorrido em uma aldeia Guajajara, que têm em comum com os Tembés a mesma cultura (Wagley & Galvão, 1955, p. 22). Não obstante, a missão capuchinha no Norte do Brasil iniciou-se no Maranhão, entre os Guajajaras, que tinham contato permanentes com os índios daqui.

39: Festa em uma aldeia Guajajara. Os Guajajara têm a mesma cultura dos Tembé. As malocas também são cobertas com palha de ubim. Autor desconhecido. (Wagley & Galvão, 1955, p. 22).

Nas palavras de Muniz (1913, p. 19), temos os contrapontos da receptividade dos Tembés em relação ao reconhecimento homem branco: Mais confiados, os índios da família dos Miranha os receberam com demonstrações especiaes de alegria e contentamento, cedendo o seu chefe João Thomaz de Miranha a sua própria casa, construída levemente, segundo o habito dos índios (17 – Medía uns 6 metros por 8 e era dividida em 3 compartimentos), na qual Fr. Carlos installou a administração, o almozarifado, a sua residência, escola e officinas de trabalhos, alem da capella. Sem duvida e que, em tão pequeno espaço de construcção primitiva, só a noção importante da missao a desempenhar, unida ao sacrifício, poderia reunir tantos serviços.

Se o cacique Thomaz cedeu sua casa ao frei, já estava residindo a bastante tempo lá. Os índios também estavam preocupados com o desenvolvimento deles próprios, não com o mesmo ideal do governo e dos frades. A promessa de uma vida melhor era tentadora, tanto até

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que o outro doou a casa para instalação de moradia e igreja. A família dos Miranha era mais cordata que a maioria dos Tembés. Não se pode falar por todos. Pouco ou nada ouvimos falar da família Miranha, ouvimos falar mais dos Braz e dos Leopoldinos e dos Tupanos, da aldeia Anselmo. E, com certeza, o ganho dos Miranha não foi superior ao de nenhum outro índio. Por outro lado, no álbum de governo do Sr. Dr. Augusto Montenegro (1908), temos um mapa (anexo XXXIX) em que localizam espacialmente uns índios miranhios ligeiramente próximo ao território dos Tembés do Capim. Poderiam ser membros da mesma família Miranha encontrada pelos frades, no Prata. Eles poderiam ter a mesma cultura dos Tembés, mas talvez fosse outro povo. Pode ser mais um caso de uma cultura desprezada, absorvida pelos Tembés e desconsiderada pelos frades e pelo governo. Atualmente, índios Miranhas, só encontramos em Tefé, no Estado do amazonas (Braga, 2001, p. 13).

40: Frei Carlos Olearo comanda uma procissão na Colônia do Prata. Foto reproduzida de um livro intitulado I Cappuccini nel Brasile, P. Metódio de Nembro. Centre de Studi Cappucchini Lombardi. Milão, 1957, 511 páginas (reprodução: Paulo Dutra, 2011).

Se os grupos indígenas que compõem os Tenetehara são formados pelos Guajajara e Tembé, que partilham da mesma língua e tradições cultural e se consideram um só povo (Wagley & Galvão, 1955, p. 22), pode este grupo, Miranha, ter se identificado com os Tembé do Alto Maracanã. Não podemos afirmar, apenas supor, uma vez que não

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encontramos registros bibliográficos suficientes, há não ser pelo que temos. Voltemos, pois, ao que se refere aos nossos índios, e notemos o que nos diz Muniz (1913, p. 55) em 7 de setembro de 1903, p. 53, mensagem ao Congresso Legislativo do Estado o Dr. Augusto Montenegro: De todas as colônias fundadas durante as passadas administrações, a única que continuou a ser custeado pelo estado foi a chamada Colônia Indígena de Santo Antonio do Prata, que é servida pela dotação especial da verba do § 4 o, cap. 8o, tit. 3 da lei n. 849 de 7 de Novembro do anno passado. Uma razão poderosa actuou no meu espírito para não extinguir completamente a Colônia do Prata, ad instar do que fiz com as mais colônias. Effectivamente o estabelecimento do Prata, além da colônia, encerrava um instituto de instrucção, obedecendo a um pensamento original, sabiamente dirigido por dignos missionários da ordem dos Capuchinhos Lombardos. Não ignoraes que a fundação da colônia do Prata se filiava a um plano de catechese de índios. Abandonando o gasto systema de catechisar índios adultos, o estabelecimento do Prata destinou-se a instrução das crianças filhas de índios, retirando-as do contacto material e moral profundamente dissolvente de seus progenitores. Comcomitantemente com o instituto de instrucção que deveria ser duplo, um para cada sexo, foi estabelecida uma colônia destinada á formação de um núcleo de productores incumbidos de prover ás necessidades do mesmo instituto.

Nas palavras do governador Augusto Montenegro temos a afirmação do que queremos deixar claro: os Tembé de Santa Maria não foram aculturados por acaso. Fazia parte de um programa de governo, objetivando transformá-los em civilizados. Queriam que esta transformação fosse para sempre para não haver reparação. Na história dos índios de Santa Maria do Pará pontua um nome, que será citado insistentemente por nós: o de frei Daniel Rossini de Samarate. Religioso que por treze anos permaneceu no Prata. Primeiro como vice-diretor, depois como o próprio diretor. Frei Apolônio Troesi (1998, p. 23) apresenta-nos assim: “Em fevereiro de 1900, Frei Daniel é transferido para uma Colônia agrícola dedicada a Sto. Antônio de Pádua, surgida em 1898 no coração da mata para civilização e evangelização dos Índios Tembés, que tinham apresentado explicita solicitação”.

Será mesmo? Questionamos esta solicitação, uma vez que prescinde de documentação de fato, do contrário os índios não

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tentariam desfazer esta intervenção. E mais nos diz frei Apolônio (1998, p. 25): “A Colônia o fascina; a mata, também. É um trabalho entusiasmante e perigoso por causa da extrema volubilidade e irritabilidade dos Índios, sôfregos demais da cachaça, mas os pequenos “curumins” são dóceis e atenciosos e a maioria dos colonos, provindos de varias partes do Brasil, responde a contento às solicitações dos missionários.”

41: frei Daniel Rossini de Samarate e frei Carlos Olearo. O primeiro diretor e o segundo fundador da Missão da Colônia do Prata para a “civilização” dos índios (reprodução: Braga, 2005).

42: Aqui, a foto da Colônia do Prata, depois de um ano de fundada. Nela vê-se os pequeninos alunos índios, freis e um colono (Troesi, p. 32, 1997).

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UM GRANDE CONFLITO NO MARANHÃO COM REFLEXOS NA MISSÃO Um acontecimento 1901, na localidade de Alto alegre, em Barra do Corda, no Estado do Maranhão, repercutiu amplamente na Colônia do Prata: Índios Guajajara, aldeados pelos capuchinhos, se revoltaram com o modelo de educação vigente, por parte dos frades, e trucidaram 4 frades, 7 freiras e mais de 200 colonos. Os índios daqui, também não satisfeitos com o modelo educacional no Prata (leia-se intervenção na cultura e território), ensaiaram pequena revolta (mais rumorosa que de atitudes) que foi sufocada, antes que tomasse dimensão, por tropas do governo do Estado acionadas por frei Daniel. Aos locais não foi dado direito de preservar-se. Imensos foram os rumores, na Colônia do Prata, que os índios a destruiriam e promoveriam uma matança como na colônia irmã de Alto Alegre, em Barra do Corda, no Maranhão. Vê-se que os índios, separados vários quilômetros, estavam em contato permanente. Mais uma vez Muniz (1913, p. 37-41) corrobora com a afirmação amplamente noticiada e citada. Seu relato é o seguinte: Deu o Exmo. Snr. Dr. Augusto Montenegro ordens urgentes para a ida de um dos prefeitos de policia, o Dr. Paulo de Vilhena Brandão, ao Prata, acompanhado de praças da policia militar do Estado, afim de serem evitadas violências possíveis em taes circumstacias e restabelecer a ordem por ventura alterada.

Sempre os índios tiveram as reações, até as hipotéticas, sufocadas. Flechas por rifles, pistolas, revólveres? Será que estes índios eram realmente belicosos? Responde para nós o jesuíta Bettendorf em 1910 (apud Wagley & Galvão, 1955, p. 26): “Têm esses Guajajara (Tenetehara) de bem serem mui preguiçosos e pouco valentes, serem mui inconstantes e grandes fujões, porque a cada passo tornam a fugir para seus matos, não tão somente os novos mais ainda alguns dos mais antigos” (Bettendorf, 1910, T. LXXXII, Parte I, p. 271). Frei Apolônio Troesi (1998, p. 26) diz dos grandes feitos do jovem frei Daniel de Samarate: “Com admirável prontidão de espírito, consegue frustar um assalto planejado contra a Colônia por parte de facínoras, desejosos de repetir a chacina de Alto Alegre...”. Facínoras! Segundo Hollanda (Dicionário Eletrônico aurélio século XXI) [Do lat. facinora, neutro pl. de facinus, oris 'ato criminoso', 'ação pérfida'.] S. m. 1. Homem perverso e criminoso: & Adj. 2 g. 2. Que cometeu grande(s) crime(s); perverso, cruel, desalmado. [Sin. ger.: facinoroso.].

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Não comungamos com a mesma opinião de frei Apolônio, principalmente no caso dos Tembé de Santa Maria do Pará. Nem no caso de outras etnias. A história se repete de 1500 a 2010. Os Tembé não têm fama de belicosos. Para estes Guajajara (que já dissemos anteriormente ser da mesma cultura dos Tembé) tomarem uma atitude precipitada assim, talvez tenha sido necessário, além de inconformismos, maus tratos. O modelo de educação no início do século XX não era exatamente uma educação inclusiva alinhada com os paradigmas e a pedagogia de hoje. Por ocasião de seu centenário, no norte e nordeste do País, os frades dedicam boa parte de sua literatura, leia-se frei Gentil Gianellini (1993, p. 276-299) a tragédia de Alto Alegre. Tragédia para ambos os lados. Sem minimizar, as mortes foram terríveis e atrozes, mas também depois sofreram os índios, perseguidos, mortos, presos. Os que não fugiram para o interior das matas sofreram as consequências. Aquele que, presumivelmente, foi o chefe da rebelião, o índio Cauiré Imana (Caboré), foi preso e morreu na prisão, implorando perdão e prontamente perdoado, disseram os frades. Disseram também que os índios foram insuflados pela maçonaria e por protestantes, o que conflita com alguma atitudes do futuro. Por que apenas Cauiré Imana morreu na prisão? Onde estão os nomes dos protestantes, governantes e maçons? Quem protegeu os nomes destes brancos senão os próxprios brancos. Por que? Gianellini (1993, p. 217) nos diz que há vários documentos que comprovam que os MÁRTIRES DE ALTO ALEGRE (assim mesmo em maiúsculo) eram cônscios do perigo iminente em que viviam. Também Wagley & Galvão (1955, p. 27 e 31) citam o episódio de Alto Alegre, dizendo ser-lhe o único ato de agressão que se relata para os Tenentehara. Justificam o incidente, sugerindo que pode ter sido provocado pela prática dos padres em retirar as crianças indígenas de seus pais e interná-los na missão, “e pelos castigos que impunham aos índios os quais, desobedecendo-os, tomavam mais de uma esposa”. Relatam, também, que não apenas os Guajajara (Tenetehara) da missão de Alto Alegre participaram do massacre dos capuchinhos. Várias outras aldeias se uniram, motivadas por uma ofensa comum. Fica evidente que os tenetehara podiam organizar confederações de aldeias para a guerra. E, desmistificamos assim, todo invólucro missionário que os frades colocam acima da aculturação. Os índios não eram chamados simplesmente à catequese, eram obrigados a participar dela e a se converterem ao catolicismo. Pode ser que ameaçados em nome das forças policiais do governo. De bom grado, sabemos que não foi. Os frades insistem nesta teoria de santidade, sem julgar a época e sem apresentar a justificativa plausível. Seria mais sensato se fizessem uma mea culpa, já dissemos isso mais de uma vez.

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Mas, no diário de frei Daniel temos (1994, p. 18), temos num quadro sem autor, e que talvez sejam palavras de frei Apolônio Troesi: Por treze anos consecutivos Frei Daniel foi missionário no verdadeiro sentido da palavra e assim nesse impulso, nunca deixou de sê-lo nem sequer entre os muros do Leprosário. Por 13 anos consecutivos cuidou dos Índios, dos filhos deles, de modo especial. Não temos muita certeza, mas por aquilo que sabemos nos parece poder afirmar que Frei Daniel viveu com os Índios mais do que todos os outros missionários, ao menos continuadamente. Por isso, para celebrar também 0 «Pai dos Índios» dirigimo-nos mais uma vez ao nosso artista – Rogério Martins – pedindo-lhe que fixasse nas cores também esse aspecto da vida de Frei Daniel.

43: Frei Daniel posto na pintura, encomendada ao artista Rogério Martins, como condutor do barco, acompanhado de índios de nossa terra (Diário de frei Daniel – “A Deus Louvado!..”, 1994, p. 18).

Não se sabe se por prevenção, como fizera o Marquês de Pombal no século XVIII, trataram de mudar, em 1902, por autorização do governo do estado, o nome de Núcleo Indígena Santo Antonio do Maracanã para Colônia S. Antonio do Prata (Muniz, 1913, p. 41-42). Foi uma mudança, a nosso singelo ver, de referencial cultural. A colônia havia sido fundada pelos frades para a catequese indígena. Retirar um pouco a lembrança dos índios, seria entregá-la a todos e proporcionar e concretizar o que se planejou desde o princípio. Depois estamos inventando índios... A história fala por si. Não nos deteremos desta vez apenas a Muniz, podemos citar outros autores como Zannoni (Conflito e Coesão- o dinamismo Tenetehara, 1999, p. 172-176). Outras obras também citam o acontecimento de Alto Alegre e a situação estremecedora na Colônia do Prata, tais como Micheli (O gigante do Prata, 1986 , p. 51-57), “A Deus Louvado!..”

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(Samarate, 1995, p.17), Muniz (O instituto Santo Antonio do Prata, 1913, p. 37-38) e outras. Como poderíamos julgar o modelo de educação empreendido pelos frades aos índios Tembé de Santa Maria? Poderia ser de absoluta cordialidade? Duvidamos muito: como os frades seriam carinhosos com seres considerados bárbaros, ingênuos, facínoras, preguiçosos e tantos mais adjetivos pejorativos? Observemos que o modelo de educação aplicado no século XIX era cruel, em qualquer lugar do mundo. A palmatória corria frouxo. Os índios não sabiam falar bem o português, alguns não sabiam nem que essa língua existia. Como incutir em nossas mentes que foram tratados paternalmente? Pode ser que depois da revolta acontecida na localidade de Alto Alegre o posicionamento dos frades tenha mudado da água para o vinho. Ficamos céticos, mas gostaríamos de acreditar. O bom é que tivessem abandonado a idéia de transformá-los em civilizados, para depois relegá-los a própria sorte. Em 26 de outubro de 1903, de acordo com a visão do governo do estado, o Congresso Estadual decretou uma medida que foi transformada em Lei, que tomou o nº 877, autorizando o governador a custear dois estabelecimentos de instrução sob a denominação comum de Instituto da Infância Desvalida Santo Antonio do Prata (anexo XXXI e XXXII). Temos agora mais um registro, mais uma lei para o antigo núcleo de catequese indígena. No dia 6 de janeiro de 1905 instalou-se o Instituto feminino, em que se matriculou 25 meninas internas, sendo 20 filhas de índios e 5 órfãs. No dia 23 do mesmo mês o governador Augusto Montenegro inaugurou oficialmente as aulas e o desenvolvimento das atividades atinentes ao instituto. O Prata (e toda jurisdição afeta a ele) é desmembrado do município de Santarém-Novo em 1 de janeiro de 1908, com a criação do município de Igarapé-Açu (Muniz, 1913, p. 66), que já dissemos, tinha ocorrido em 1906. O Prata passou a sediar a 2 a. circunscrição judiciária deste município e com secção eleitoral. Passou a ter suplente de juiz substituto e respectiva autoridade policial. Mais uma forma de manter a autoridade local sob pressão, de acordo com o projeto de desenvolvimento (idem, 1913, p. 66). Esta circunscrição gerou até um tabelião índio, Cirilo da Cruz (Mariinha Horácio, 2000), que depois que o Prata se transformou em lazarópolis mudou-se para a vila São Jorge do Jaboti (Km 18), no município de Igarapé-Açu.

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44 e 45: Colônia do Prata(Álbum do Estado do Pará, 1908) e capa de um pretenso livro de frei Daniel de Samarate, feito à mão. Nele o frei descreve o cotidiano da vida da Colônia do Prata antes de 1913, desde de sua fundação em 1898. Contém inúmeras referências sobre os índios e a forma de ocupação do território indígena. A data marcada é 1906. Este manuscrito serviu de base para muitas obras acerca da vida e obra desse frade que foi diretor da Colônia do Prata, enquanto núcleo de catequese indígena. Este frade morreu na década de 20 no Tucunduba, em Belém, vitimado pela hanseníase. É um documento sumamente importante para a história e para um laudo antropológico que venha a ser feito para reconhecimento definitivo da etnia Tembé em Santa Maria do Pará (reproduções: Braga, 2004).

Torna necessário demonstrar, através destas páginas, a transcrição de um trecho e xerox do contrato do Governo do Estado (leia-se governador Augusto Montenegro) com a missão capuchinha, principalmente em que cita a educanda índia, na intenção de reorganizar a assinatura contratual, transformada em lei pelo Congresso Estadual, com o n° 877 em 26 de outubro de 1903 (anexo XXXII). No “Art. 6° - O Estado dará, a titulo de dote, á educanda que casar, um lote de terras devolutas, com habitação, situada na zona que circunda o estabelecimento, para residência e cultura” (Muniz, 1913, p. 57-58). Não é de hoje que os índios são convidados a aculturação. Em 1759, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (apud Valente, O Liberal, 2000) , governador do Estado do Grão Pará, Maranhão e Rio Negro, escrevia ao Ministro da Marinha e dos Negócios de Ultramar Tomé Joaquim da Corte Real, referindo-se ao casamento de portugueses com índias. O autor acrescenta que aquelas ferramentas

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valiam ouro, principalmente no Grão Pará. Quem já vivia amancebado com uma índia, correu e casou: Em poucos anos teremos as povoações localizadas no alto sertão, completamente civilizadas, por este meio e seguras para repelirem qualquer violência que queiram praticar os índios ainda não civilizados. Depois de estabelecermos o dote das índias, em um enxó, um serrote, um martelo, um machado, uma foice, um ferro de cova duas peças e bertanha (tecido fino de algodão ordinário e uma saia de Ruão tecido de linho fabricado naquela cidade francesa), esse pequeno cabedal da noiva, despertou interesse no casamento, com elas acrescido de uma data, a meia, entre o casal.

Jamais houve qualquer disposição de reconhecimento de território para os índios, naquela época. Estas terras eram conhecidas como terras devolutas, embora citassem geograficamente que existia um caminho de índios (ANEXO XXXVIII), que até hoje resiste. Talvez isso se deu porque, antes dos frades, vieram técnicos de construção a partir 1885 (Braga, 2001, p. 18), ainda no tempo do Império, e rompido o território construindo a Linha do Telégrafo Nacional, que

46: índia Tembé moradora da vila Jeju (antiga aldeia Jeju, em Santa Maria do Pará). Chamava-se Lourença Braz Falecida em 1995. Foi aluna da escola feminina da Colônia do Prata (Gheza, p. 173, 1996).

passava onde hoje é a avenida Santa Maria. Não bastasse toda esta referência territorial ainda temos o depoimento do Sr. Segundo Guntiñas, genro do Benigno Lozada (que chegou ao Prata em 1913), ambos espanhóis. O primeiro herdou do segundo a propriedade chamada sitio São Francisco, que comprou por

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volta de 1915, e que havia pertencido aos índios. Quando da posse de terras o governo fornecia um mapa com número de diversos lotes. Isso quando Santa Maria era apenas uma travessa e pertencia ao município de Igarapé-Açu (emancipado em 1906). Neste mapa em anexo está delimitado parte do futuro território de Santa Maria do Pará até a Estrada do Telégrafo Nacional (atual Av. Santa Maria). Mais abaixo reproduziremos o citado mapa. Nele, curiosamente, constam alguns reservados que para o bom entendedor podem ser considerado antigos territórios indígenas. Pode ser considerado um documento, ressalvando que tais reservados faziam parte de territórios reduzidos, depois que os frades se instalaram na Colônia do Prata (anexo XL). O núcleo de catequese indígena foi fundado em 1898 (oficialmente em 1901). Depois passou a centro correcional em 1921, comandado por um sanguinário, capitão Beltrão, como forma de meter medo nos colonos e índios (pode ser considerado o início de desmobilização da existência indígena. Plantaram o pavor para coibir reivindicações). A pá de cal foi a transformação do local, também a partir de 1921, em colônia de hansenianos. É preciso também levantar que a partir de 1957 tivemos a construção de duas das principais rodovias federais, as BR-010 e BR-316. A segunda cortou o território, do que seria a aldeia Jeju, ao meio. Antes, só havia caminho de índios. Isso pode ser perfeitamente comprovado quando se lê o histórico de sua construção. Era também através deste caminho que os índios estabeleciam contato com outros índios do Guamá e Gurupi. Na década 60, no governo do Cel. Alacid Nunes foi construída a ponte de concreto sobre o rio Jeju. Na década de 70 as duas rodovias foram 47: Dona Maria Leopoldino, mãe do pavimentadas, inauguradas, cacique Miguel Tembé (arte gráfica: Braga, 2002). solenemente, pelo Presidente Médici (presidente militar). No álbum de governo do coronel Alacid Nunes, temos a foto (não paginado) da ponte e sua data de construção. Foi mais um ponto de desconsideração, levando em conta os anos de repressão política, em que, questionar o Estado era sinônimo de suicídio. Os índios foram

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inteligentes em se manterem calados. Já a BR-010 cortou a vila de Santa Maria trazendo outra realidade para os locais. Para substabelecer responsabilidades é necessário estudar o grau de afetação e o impacto da construção destas duas rodovias. Desenvolvimento ou dizimação? Cadê o progresso? A aldeia Areal, apesar das grandes construções impactantes, subsistiu ao progresso massivo. Alguns costumes permaneciam inalterados e, pelo menos, a língua sobreviveu. A aldeia Areal contava com a pequena dona Maria Leopoldino. Não tinha mais que um metro e meio. Falava o português com sotaque forte. Em casa preferia falar com os seus (principalmente com o filho, Miguel) em Tupi-Tenetehara. O filho Miguel (cacique Miguel Carvalho Tembé) não gostava muito que ela se dirigisse a ele na língua própria. Queria que ela “falasse a linguagem de gente” repetindo o que os colegas de escola se referiam a sua língua original. D. Maria ralhava, ameaçava bater-lhe (mas, ficava apenas na ameaça. Índio tem costume diferente do branco). Ela insistia na fala. Tanto fez que Miguel, Miguelzinho, Miguel Leopoldino ou Miguel da Índia é o único detentor do vocabulário Tupi-Tenetehara que susbsistiu ao tempo. Mas, apesar do pouco que restou aos Tembé do Areal, não estavam eles livres ainda da gana insana dos usurpadores do território. Pelo anos 80 o cacique Miguel (ainda não consciencioso dos seus direitos enquanto índio e cidadão) foi achacado por um cidadão que possuía terras a direita da sua. Certo dia este cidadão dirigiu-se ao cacique ordenando que desocupasse as terras que era dele porque “desconhecia sobra de terra atrás de terreno”. O cacique respondeu-lhe que sua mãe havia nascido ali, como ele próprio, então, era legitimo proprietário. Dias depois o cacique Miguel dirigiu-se ao Iterpa21, em Belém, e buscou o espelho22 do título do terreno. Diante a preocupação do cacique Miguel de buscar informações sobre sua origem, o cidadão abandonou a idéia de lhe tomar as terras tradicionalmente ocupadas. E no Iterpa soube que suas terras faziam parte de um reservado... Indígena. A cobiça se deu exclusivamente porque as terras da aldeia Areal são banhadas pelo igarapé Conceição e pelo rio Maracanã, propício para instalação de uma... fazenda. Fazendeiro aqui está despreocupado com a dizimação das matas e assoreamento de rios e igarapés. Nem mesmo as matas ciliares têm preservado. É um caso escabroso de relação danosa com a natureza.

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Instituto de Terras do Pará. No espelho cadastral rural são informados os dados de identificação do titular, proprietário ou possuidor do imóvel, das características do terreno. 22

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Temos a impressão que os fazendeiros estudaram todos numa mesma escola, com raras exceções. Não se importam nem um pouco com as transformações que vêm praticando na paisagem amazônica, com ênfase para o Nordeste do Pará. Não se pode ser assim tão insensível. Nem pessoas, nem governos. Biodiversidade? Que bicho é esse, morde? Nossos ogros amigos em nada se sentem devedores, nem ao vernáculo, nem à natureza. Nenhum termo cabe mais aos Tembé de Santa Maria que o termo resistência. Em dois momentos de nossa história, que envolve diretamente a História do Estado do Pará, tivemos duas índias inconformadas com as ocupações e invasões de suas terras. Na maioria das vezes, o invasor veio munido de documentação falsa, emitido por um cartório dos arredores. As índias que nos referimos, tratam-se de dona Maria Lopes e Augustinha. Aconteceram em épocas diferentes. Com dona Maria Lopes, sogra de dona Mariinha Horácio, mãe de Pedro Horácio, aconteceu na década de 30 do século passado. O governador do Estado era o coronel Magalhães Barata. O criador de caso com a índia foi um senhor chamado Francisco Leonel (muito conhecido cidadão de Santa Maria). Dona Maria Lopes, munida de sua documentação foi até o palácio do governo, acompanhada o tabelião índio, Cirilo da Cruz. Botou seus colares e suas roupas, à moda das alunas do Prata, e foi prontamente recebida. Não falou nem uma palavra em português. Dirigiuse ao governador em 48: Seu Joaquim e dona Augustinha Braz, com seus Tupi-Tenetehara, cestos de carregar [jamachi] (arte gráfica: Braga, de enquanto seu acordo com depoimentos e vivência, 2002).

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acompanhante, Cirilo da Cruz, traduzia tudo. Retornou de Belém com a garantia de que não seria mais importunada. Isso foi definitivo, até sua morte, que aconteceu antes de 1963 (Mariinha Horácio, 2000). Desse episódio com Maria Lopes, o que mais nos chama a atenção era que ela falava fluentemente o português, com algum sotaque. Se levou consigo um tradutor foi para que tivesse mais respaldo diante a autoridade governativa e causar impressão. Com certeza causou boa impressão e garantiu um bom resultado. Já dona Augustinha, teve o dissabor invasivo de suas propriedades pelos anos 50, do século passado. Dizem que foi o coronel Botelho, também muito conhecido de Santa Maria (Edgar Pinho, 2006) que tentou legalizar as terras dela, sobras da antiga aldeia Anselmo. Ela foi bater no palácio do governo para reclamar e foi muito bem recebida e atendida em seu pleito (dona Raimundinha e 49: José Lopes da Silva (origem na aldeia Areal, depois mudou-se para o Jeju), pai de seu Luizinho Viana, 2000, dona Nazaré Lima e seu irmão Diquinho, Januário Carneiro de que relatou muitas mortes na aldeia Jeju, Menezes, 2000). Somos por conta de doenças trazidas pelo homem levados a crer que dona branco. A foto é um retrato falado. (arte gráfica: Braga, 2005). Augustinha – e isso é uma conjectura individual – foi inspirada pela criação da Reserva Indígena Alto rio Guamá, pelo Decreto 307 de 21.03.1945, na gestão do Interventor Federal Joaquim Magalhães Barata (Sales, p. 11, 2000). Como aqui, os índios, ao contrário de outros Tembés, estavam em constante contato com outros parentes. Afirmamos que a notícia não tardou a chegar à Santa Maria, embora as aldeias estivessem já no caminho do esfacelamento total. Outra nossa teoria é que dona Augustinha inspirou-se, na problemática diante de si, na abordagem usada por sua parenta, dona Maria Lopes. O resultado alcançado pela primeira trouxe esperança, anos mais tarde, para quem enfrentava o mesmo prejuízo e conhecia os seus direitos. O primeiro território reclamado estava dentro da área sob a influência da aldeia Jeju, mais próximo à aldeia Anselmo. O segundo estava mais próximo à área do Prata e a hoje travessa Santo Antonio.

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Nota-se que a aldeia Jeju sempre foi cobiçada pelos não-índios, principalmente pela sua área ser bastante irrigada por igarapés e pelo rio Jeju. Até hoje muitos tentam negar a existência de índios temendo perder suas terras. O Jeju sempre foi uma aldeia desde o princípio. Não podemos distinguir os índios da fotografia a seguir, na vila Jeju. Algumas pessoas podemos destacar, entretanto. Vê-se a direita, sentado com as pernas cruzadas, o famoso Engº Dr. Mazzini (que a maioria dos habitantes de Santa Maria chamavam, Maizim), atrás, sua esposa índia Maria Mazzini, com um filho no colo. A senhora gorda de blusa estampada e saia escura é a índia Marcolina. Frei Daniel segura a cabeça de uma criança, gostava, de fato, de estar entre elas. O Sr. sentado sobre as pernas a direita pode ser o senhor Miguel Alexandre, que migrou para Santa Maria por volta de 1930. Os demais são todos índios, os primeiros encontrados por frei Carlos, e depois por frei Daniel, e seus filhos, avós e bisavós dos atuais sobreviventes. Note-se que se trajam a moda ocidental, até as crianças. Mas, vejamos, poderiam estar nus diante de um padre? A foto, com certeza, seria para ilustrar os relatórios da missão e para serem enviadas ao governo do Estado. Não arriscamos local, na atual vila, já que hoje em dia, temos uma nova concepção, com a abertura de ramais e estradas. Entretanto, na foto temos muitos dos principais atores daquela época. A mesma, também, serve para pontuar as visitas regulares de frei Daniel às aldeias, referendando que comprovava in loco as transformações empreendidas pela catequese. Não podemos nos furtar a informar que não apenas os trabalhos da missão estava, unicamente, restrita ao Prata. A visita do frei significa muito. É um documento importante e incontestável. As frondosas mangueiras – das que aparecem na foto – ainda existem. Mas, sabemos que não resistirão muito, não pela falta de longevidade para de uma árvore deste tipo e sim pela falta de escrúpulos dos proprios cidadãos, que teimam em não enxergar a destruição de nosso meio ambiente. É uma pena que tenha se formado esta falta de consciência entre nós. Parece-nos que aqui é bem mais arraigado que em outros lugares. Pobre Amazônia, pobre Pará. A miscigenação parecia ser muito pouco, na foto. Exceto pelo senhor de bigodes, à esquerda (Mazzini) e sua esposa (atrás dele, segurando uma criança, no colo, vestida ricamente, como as damas da época). Notem-se os pés descalços, os cabelos dos meninos, semitosados. Apenas as mulheres usam os cabelos compridos. Podemos conjecturar, ou opinar que as roupas devem ter sido postas para o registro fotográfico. O menino que frei Daniel segura pela cabeça não tem calças. As demais crianças sentam-se confortavelmente no chão, como se lhes fossem mister.

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50: Nesta foto estão os índios da Aldeia Jeju, junto com frei Daniel. Note-se que estão vestidos. Não somos nós que afirmamos, esta foto está em A Deus Louvado!.. (1994, p. 252-253). O ano sugerido é 1910, ou por aí, já que frei Daniel abandonou o Prata em 1913, por motivo de hanseníase (reprodução: Braga, 2004).

Dona Mariinha Horácio (2000) nos contou que havia um índio que se recusava a usar roupas ocidentais, o índio Mariano. Quando os frades muito insistiam ele vestia calças, mas logo logo estava sem elas. Não tinha nenhuma vergonha. Não acreditava profundamente nos ensinamentos religiosos dos frades. Resistia, resistiu o quanto pôde.

51: Edgar Fortunato Pinho ou Edgar Delphino (já falecido), da aldeia Areal, mas que nasceu na área do Jeju (foto: Braga, 2006).

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52: Mapa da Colônia do Prata, confeccionado por volta de 1915, e distribuído aos colonos e índios. Nele estão descritos reservados e a localização das aldeias resistentes, antes que Santa Maria fosse cidade (reprodução: Braga, 2005).

Em 1986 era muito comum a citação, por parte de alguns comunitários, que no Jeju havia umas terras a quem diziam ser da Funai (Fundação Nacional do Índio), embora não fosse especificado que existia, ou que houvesse existido índio em Santa Maria do Pará. Depois, esta citação mudou para “terras do Estado”. Nem se sabe por que. Seu Raimundo Alencar Sobrinho (2000) nos disse que testemunhou, anos antes de entrevistá-lo, as terras dos índios configuradas em um mapa na Secretaria de Agricultura do Estado do Pará. Pensamos que podem ter sido os invasores, que conflitando terras da Funai com índios, ainda existentes na vila Jeju, tenham mudado para “terras do Estado”. Quando os resistentes Tembé saíram do esquecimento, estas terras tinham sido invadidas havia anos (em 1986 eram desocupadas), embora alguns índios afirmem que lhes tenham pertencido no passado. Na Funai não se tem notícia deste território, ou pelo menos o desconheçam propositalmente. Se existe arquivo sobre estas terras está muito bem encapsulado, para que nada possa ser resgatado. Ninguém se pronuncia verdadeiro, nem Iterpa (Instituto de Terras do Pará), nem Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária), nem a Funai (Fundação Nacional do Índio). Devemos

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imaginar algum registro público sobre estas terras. Ontem como hoje, nenhuma construção pública seria feita se não houvesse um planejamento, um estudo pormenorizado. A instalação do Prata não prescindia de informações sobre a

53: Alunos índios em sala de aula na Colônia do Prata. Álbum do estado do Pará, 1908 (reprodução: Braga, 2004).

propriedade das terras e construir a Estrada de Ferro de Bragança, muito menos. Construir o ramal decauville (Ferro-Carril do Prata) até o Prata carecia de informações. Já dissemos que a partir de 1885 os fios e postes do Telegráfo Nacional cortaram o território indígena, no que hoje é a avenida Santa Maria. Como colocariam postes e fios no meio da mata sem um estudo prévio do lugar? Estudos devem ter sido elaborados para instalação destas obras públicas. Em alguns anais do estado deve constar estas informações. Será mesmo que é mais fácil repetir o que fez o Marquês de Pombal no século XVIII? Porque extinguir a História? A quem isso interessa? Será que isso é uma onda neo-nazista? Para uma realidade do início do século passado, as terras doadas aos índios do Jeju – e que resistiram desocupadas até 1986 – não eram terras inférteis. O terreno era muito arenoso do tipo areia branca, para construções. As tecnologias agrícolas disponíveis não observava a preparação do solo para o plantio, nem a seleção de mudas para aquele tipo de solo. A própria EMATER-PARÁ (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará), fundada em Santa Maria em 1975, encontrou uma agricultura insipiente e desordenada, praticada em terras férteis, imagine-se em solo arenoso.

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Mas, apesar de tanto desconhecimento e usurpação, sobram depoimentos de pessoas da zona rural que já sabiam que as terras as

54: Mais uma foto dos índios da Colônia do Prata em sala de aula. Álbum do Estado do Pará, 1908 (reprodução: Braga, 2004).

quais ocupam ou que sejam vizinhos, pertencem tradicionalmente aos índios local. Os documentos eclesiásticos da região paroquial ao qual o Prata estava subordinada estão na arquidiocese de Belém: Paróquia de Santarém-Novo - Registros de Casamentos de 1898 – 1905. Livro n° 1; Batizados de 1898 – 1907. Livro n° 1; Igarapé-Açu (Colônia do Prata) – Casamentos 1913 – 1919. Nestes documentos, quando os frades realizavam casamentos e batizados, muitas vezes nas aldeias, sublinhavam nos livros, que aquelas pessoas eram índias. Há muitos batismos de adultos com idades presumidas. Enumeramos um acervo da cultura material Tembé, de acordo com suas recordações, acerca da confecção para registro perpétuo (anexos LVIII, LIX, LX, LXI, LXII, LXIII, LXIV). Para locupletar a presença e a territoriedade do povo Tembé em Santa Maria do Pará, temos os próprios Tembé, com suas características e seus relatos pessoais e cópia do documento/memorando 110/PRESS/03 de 24 de maio de 2003 (ver anexo XV ; XVI e XVII, XVIII, XIX, XX e XXI).

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55: Nas escadarias do Instituto Feminino, fundado em 1906, alunas índias e as freiras franciscanas, congregação nascida no Prata. Conhecemos apenas os nomes das freiras, as alunas índias não pudemos destacar. Álbum do Estado do Pará, 1908 (reprodução: Braga, 2004).

56: Estação agrícola dos capuchinhos na Colônia do Prata. Álbum do Estado do Pará, 1908 (reprodução: Braga, 2004).

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MORTES INEXPLICÁVEIS E SEM JUSTIÇA Os Tembé sempre tiveram motivos de sobra para continuar no anonimato. Como explicar, antes que o pior acontecesse, que o lado dos índios era o lado dos oprimidos? Pelas circunstâncias e pela realidade nua e crua. A desgraças não mandavam aviso. Alguns índios Tembé de Santa Maria tiveram fins cruéis. Os relatos feitos pelos Tembé surpreendem. As certidões de óbitos deles (ver anexo XLIX, L, LI e LII) corroboram com a a falta de justiça. Isso em se tratando de nossa história recente. O que não dizer de outros relatos sem registro conveniente. Conseguimos algumas Certidões de Óbitos com os familiares dos mesmos, mas outras foinos impossível. Alguns índios além de mortos cruelmente foram abusados sexualmente, homens e mulheres idosos. O crime mais recente ficou insolúvel. O assassino goza de liberdade no Estado do Pará. Apenas mudou de cidade. Atualmente reside em Belém. E é de conhecimento público sua valentia e seu escárnio. Os populares já o condenaram em suas mentes. A polícia não esclareceu o crime nunca. Ser índio em Santa Maria do Pará, apesar de não parecer, é muito perigoso. Isso está tatuado na alma deste povo. O relato de dona Izabel Braz para o senhor Abdão (2006) no passado não deixa dúvidas. Dona Izabel viu uma amiga ser assassinada por caçadores por pura diversão. Ela criou um terror dos brancos e se manteve calada para sobreviver. Não gostava de comentar o assunto. Deixava-a muito triste. Para ela, o perigo rondava os índios por serem índios. Um crime que é lembrado apenas por um relato, sem engrossar estatísticas, nem ocorrências policiais. A família de dona Maria Cassiano é uma família marcada pelas desgraças. A impunidade, entretanto, é a pior delas. Deixa tudo vulnerável. Deixa a capacidade de acreditar arrasada e obstrui toda e qualquer intelectualidade. A morte do pai de dona Maria, Lourenço da Silva (conhecido como Cassiano) foi uma morte horrível. Numa manhã de 23 de outubro de 1979 encontraram o corpo de Lourenço jogado dentro do cemitério, nu em pêlo. Foi um horror. Mataram-no à facadas na madrugada. O índio Lourenço (Cassiano) estava com 67 anos de idade. Outro crime jamais esclarecido. Supõem-se que tenha sido latrocínio, mas a vítima não tinha bens. Dizem que o assalto se deu porque pensavam que ele estava com sua aposentadoria em mãos. Inclusive em sua Certidão de Óbito está como se ele fosse aposentado, embora não recebesse ainda seu salário de

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aposentado (ver anexo XLIX). Estava em vias de receber a aposentadoria. Se o intuito era roubá-lo apenas, porque o mataram e ainda – se comenta – abusaram dele sexualmente? Por que tanta hediondez em um único crime? Um pobre ancião. Um pobre velho que não fazia mal a quem quer que fosse. Conhecemos-o pessoalmente. Vimos-o até os 12 anos de idade. Não oferecia rísco a ninguém que não a ele próprio. Era um senhor divertido, entregue ao vício do álcool. Se formos voltar a vista para o lado étnico-social, veremos que a bebida era uma aliada para o desencontro cultural, em que os índios se viam coagidos. Em seus porres falava sempre na língua Tupi-Tenetehara, o que divertia as crianças e até os adultos, como se ele fosse um ser de outro planeta. Não bastasse a ridicularização que o vício provocava, muitos comunitários ameaçavam os filhos com “não vai para a rua sozinho senão o Cassiano te pega”, ou com “cuidado com o índio velho”. Muitos o atentavam falando asneiras, provocando-o para que falasse a língua Tupi, sem se darem conta que falavam Tupi. Pensavam que ele falava diferente por estar de porre. Incapaz de raciocinar com os desvairios da população o pobre índio via-se em apuros e aí é que não via como desvencilhar-se dos gracejos. Seu Lourenço não merecia esta morte estúpida e estapafúrdia. Dona Augustinha (foto da capa) teve fim triste, também. Depois que seu esposo Joaquim faleceu ela passou a residir sozinha. Dizem que numa de suas vindas para Santa Maria, para a missa dominical, foi morta à pauladas e ainda foi estuprada, mesmo sendo anciã. A história não repercutiu, principalmente porque trataram o caso como uma ocorrência comum e, nunca como mais um crime étnico. Não se tem notícias de investigação. Tem mais: o crime caiu no esquecimento. Alguns lembram dele mais como lenda. Ninguém fala claramente dele. Pouca importância se deu para o assunto. Mas seu Braz de Lima (2011) diz que foram bandidos que judiaram muito dela quando já era bem velha, pela década de 80 mesmo. Logo depois ela veio a falecer em consequecia dos maus tratos. Alguns na cidade deram pela falta de dona Augustinha, principalmente com seu artesanato de cestarias, trazidos para vender na cidade. Sempre com seu trajo tradicional, dos tempos do núcleo indígena do Prata. Até o filho de dona Augustinha, Manoel (Mané Braz) desapareceu de nossas vistas. Nunca mais foi visto pelos comunitários de Santa Maria. Segundo seu Braz de Lima (2011) ele estava cego de um olho e mora na Belém-Brasília (BR-010)... nâo sabe onde. Faz tempo que não o vê, mas que o encontrou um dia e Manoel o reconheceu. Estava bem velho já. Mas informações de uma nora sua, moradora de Santa Maria, via Facebook em 2016, nos informou que ele goza de boa

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saúde e reside no Bairro Barrolândia na cidade. Está bem velho e lúcido. Pediu-nos fotos digital dos familiares, pois estávamos morando por uns tempos no Canadá. Fizemos questão de atendê-la. De certo, só soubemos que o crime de dona Augustinha ocorreu depois da morte de Lourenço da Silva (Cassiano). No dia 5 de novembro de 1983 foi a vez do índio José Lourenço da Silva, irmão de dona Maria Cassiano atropelado por veículo às margens da rodovia BR-316. O relato foi que o motorista não prestou socorro à vítima, deixando-a morrer. Mas ele não morreu, pelo menos logo. Ficou incapacitado, preso à cama, morrendo aos poucos. José deixou viúva e muitos filhos. A família sequer pôde contar com o seguro indenizatório. Foi feito o Laudo de Exame Cadavérico, pelo médico Antonio Martins Filho, que trabalhou como perito. Mais uma vez, nada de testemunhas, nada de indenização, nada de responsabilidade. O pobre penou algum tempo, paralítico, até a morte. Quem cuidou do irmão foi a sofrida Maria Cassiano. O rosário de assassinatos, na família de dona Maria Cassiano, ainda não estava terminado: assassinaram um filho seu, Pedro Paulo Pereira da Silva, aos 23 anos de idade, às 22h do dia 23 de maio de 1984, morto à facadas. Foi atingido no coração (ver anexo LI). Pedro Paulo era uma pessoa querida da vila do Jeju. Pertencia ao time de futebol da vila. Não deu para os comunitários esquecê-lo, pela prematuridade da morte e pela amizade fraterna que ostentava com quem se relacionava. A facada que Pedro Paulo levou no coração aconteceu quando estava sozinho, sem testemunhas, em uma das travessas rurais de Santa Maria do Pará. Culpam um senhor que tinha ciúmes da enteada. Foi um crime passional. Mas, Pedro foi morto por engano. A morte foi acertada para outro irmão seu. Foi mais um crime sem solução, embora tenha sido feita ocorrência policial. Dizem que o assassino goza de intensa liberdade, relativamente próximo aos familiares da vítima. Teria o crime sido esquecido porque era apenas um índio? A impunidade de outrora contribuiu para que não fosse tomada as providências cabíveis? Pedro Paulo ficou na memória das pessoas como pessoa boníssima, sem inimigos declarados, bom jogador de futebol e bom filho. Mas será que estes relatos são o fim das mortes? Lamentamos ter que dizer não. Dona Júlia (ou Juliana, tia de dona Maria Cassiano) fez um relato dia 19.04.2006, Dia do Índio, de que seu avô, Chico Braz foi morto por outro, a terçadadas. Aconteceu da seguinte forma: Chico estava em sua casa, era 5:00h, tinha acabado de fazer o café. Chegou um sujeito e o chamou, para que abrisse a porta. Quando ele a abriu o

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outro passou-lhe o terçado e evadiu-se. Ou foi o primeiro ou o segundo crime acontecido contra índio em nossa terra santamariense. Foi mais um crime sem solução que a história jurídica não preocupou-se em esclarecer. Morte de índio é nada. Faz-se de conta que não aconteceu. Só a recíproca não é verdadeira. Os naturais, os verdadeiros brasileiros, são estigmatizados em sua própria terra. Há ainda uma nebulosa acusação de estupro que rendeu a prisão de um filho de dona Maria Cassiano, envolvendo uma parenta sua. A prisão de seu filho judiou demais o combalido coração da pobre mãe. Ela chorou dias e dias, caminhou incansavelmente entre o Jeju e Santa Maria, para levar conforto e alimento para o filho na prisão. Não apuramos se foi crime verdadeiro ou fato consensual entre as partes. Preferimos ficar de fora da discussão para evitar conflitos familiares, uma vez que às coisas parecem ter sido superadas pela família. Procurar a verdade nesta hora parece-nos conspiração à paz consolidada. Entretanto, para não termos apenas uma visão unilateral da condição de vítimas dos índios, relatamos o que nos disse Israel Viana (2011) sobre a morte de sua mãe há 77 anos atrás: ela estava grávida de uns 5 meses e caminhava no ramal com ele e a irmã. Na ocasião Israel tinha poucos anos de idade (hoje tem 80 anos). Quando sua mãe avistou um índio do Areal chamado Chico, bêbado, com uma faca na mão. Recomendou aos filhos que corressem.

57: início da caminhada dos Tembé de Santa Maria do Pará em 2000. Em primeiro plano vemos (da esq. Para direita) o índio Diquinho e Lucival. Exibem cestos e um tupé [cama de índio] (foto: Braga, 2000).

De longe o índio gritou que ia matar sua mãe e ela correu e entrou na casa de um conhecido. Em consequencia do susto veio a falecer

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dias depois. O bebê morreu dentro dela. Quando a polícia foi atrás do índio ele tinha fugido pra nunca mais voltar. O cacique Miguel Tembé (2011) nos reafirmou a história contada por Seu Israel Viana. Sua mãe tinha contado para ele. E mais, a mãe lhe disse que o índio tinha fugido com a esposa e o filho. Passaram despercebido pela polícia porque ele tinha se transformado em cachorro. Depois desse episódio o pai de seu Israel jamais deixou que circulassem pela aldeia Areal, mas ele não guarda ressentimentos dos índios porque foi um caso isolado, principalmente de Miguel e sua família, incluindo o tio dele chamado de Mano Pedro. Não é preciso dizer que Santa Maria sempre tratou seus índios com indiferença e um desconhecimento pragmático. Índio continua na marginalidade como seres bestializados, como personagens mitológicos e cheio de vícios, superlativados aos vícios dos nãoíndios. Ninguém perde tempo em entender o universo indígena, como se eles fossem os responsáveis pelas catástrofes naturais que vem acontecendo nestes tempos. Os índios continuam a ser interpretados como preguiçosos, vendedores de madeira, proprietários de lanchas, aviões, filmadoras... não se compreende por que querem terras e não os perdoam por que querem somar tecnologias às suas vidas. Índio já paga por existir secularmente. O direito de propriedade só é justo se partir de homem branco. Num grau de consciência poucas vezes observado seu Braz de Lima (2011) diz: “se não tivessem mexido com índios estava tudo igual... Índio só utiliza aquele pouquinho de terra, deixa tudo como está... Taria tudo preservado”.

58: Edmundo Braz, conhecido na vila Jeju como Tio Edmundo. Tembé da família dos Braz, parente (tio) de dona Maria Cassiano, a capitôa da aldeia (reprodução: Braga, 2000).

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NOSSA ARQUEOLOGIA, TESTEMUNHA PERSISTENTE: MEMORIAL DE UM POVO DESAPARECIDO É de espantar que pessoas e órgãos públicos tenham dúvidas da presença indígena em Santa Maria do Pará, porque ela é anterior a chegada dos Tembé, por volta de 1840. Artefatos líticos são achados comumente em todo nosso território. Muito mais no passado, hoje acha-se ainda, mas, isoladamente. Não se sabe qual etnia habitou a região com certeza, supõe-se, pelos artefatos encontrados, que tenha se tratado de Tupinambá do Pará (há controvérsias). 59: Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores – RJ, BLOCH EDITORA S. A., 1997/1998 9reprodução: Braga, 2004).

Entretanto, Tupinambá é um nome com a associação genérica muito estreita de muitas etnias para os colonizadores, ou afirmação da própria tribo para afugentar e confundir o intruso, já que os Tupinambás eram conhecidos pelo espírito guerreiro, canibalismo (que a História já esclareceu tratar-se de um ritual antropofágico) e em geral, indócil. Estas características afastavam o malfeitor. O indicativo de um antigo mapa da Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro reforça a tese, quando nos damos conta que, na “Capitania de Pará”, o nome desta etnia está bem assinalada. Então, poderíamos estar diante de uma evidência? Bom seria se pudessemos falar com convicção. Não seria apenas interessante, seria esclarecedor. Mas, o legado histórico a que estamos herdeiros é fragmentado. Precisamos construir quase a partir do nada. Porém não nos sentimos derrotados: o que seria da arqueologia e da antropologia se não existissem as conjecturas. Como se explicar que, a partir de um pequeno osso, se reconstitui animais do período jurássico e se completa um capítulo da evolução humana. Entretanto, no mapa ao lado, dos primórdios do Brasil, podemos observar que neste lado da Capitania do Pará, dominavam os

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Tupinambá e os Caeté. Esta região tão esquecida historicamente tem

60: Sítio arqueológico Cachoeira (São Miguel do Guamá). No destaque um dos muitos locais de lapidação de machadinhas e cunhas, entre outros artefatos (foto: Braga, 2004).

um enfoque importantíssimo na história do Pará. Se formos traçar um mapa da ocupação indígena em Santa Maria

61: Plano aberto do sítio arqueológico cachoeira, com destaque para o platô com as cavidades utilizadas para lapidação de machadinhas e cunhas, entre outros artefatos (foto: Braga, 2004).

do Pará veremos que praticamente toda a cidade é um sítio arqueológico. Claro, tal afirmação requer um laudo científico, apenas

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para a constatação de fato. O leigo pode desconsiderar a afirmação, com justificativas impensáveis e desculpas esfarrapadas, principalmente com o material achado em mãos, criando mitos em torno dele. Por exemplo, usar material arqueológico, como lâmina de machado, de pedra, para fazer chá contra determinada doença. A justificativa é que o artefato de pedra é produto de descarga elétrica. Chamam-na de pedra de corisco. É muito mais fácil aceitar isso que índios. Não tínhamos idéia da complicação do que é ser índio no Brasil. É mais fácil aceitar-se negro que índio. Mas, em hipótese nenhuma queremos desfavorecer nossos irmãos de cor, só estamos usando um parâmetro. É preciso que isto fique bem claro. As lâminas de pedra dos supostos Tupinambás eram lapidadas numa propriedade situada há uns 34 ou 37 km de Santa Maria. Fica já nas terras de São Miguel do Guamá, adentrando uma localidade conhecida como Bacabeira, até alcançar a fazenda da família Miranda. Os vestígios no chão de pedra marcado estão lá, testemunha do tempo. Merecia ser tombado, estudado, avaliado, pelo menos, catalogado para posterior estudo, mas... Ao mesmo tempo em que constatamos que na região da aldeia Alto Rio Guamá encontramos formações rochosas privilegiadas. É indispensável ter em mente a desinformação da maioria da população e a educação recheada de preconceito. Até quem se dedica a estas populações menos desfavorecidas é mal interpretado ou ridicularizado. Quem se interessa por história e cultura sofre todo tipo de chacota. É preciso ter fôlego e determinação para atingir o objetivo desejado, pois o preconceito confunde e nos deixa vulnerável. Só a verdade pode confortar porque prevalece aos céticos e ao ignorante. Podemos resistir, como os Tembé. Não podemos nos dar por satisfeitos somente com estes achados, por isso vamos mais fundo nesta questão arqueológica. Vamos mais fundo porque temos evidências irrefutáveis do que dizemos. O depoimento do Sr. Nazareno da Silva Martins (2000), nos colocou que a presença de 62: Muraquitã índios em nosso território é bem mais antiga. antropomorfo encobtrado a poucos Nazareno nasceu em 20.08.1939 e faleceu entre centímetros do solo, na 2002 e 2003. Ele nos aguçou a curiosidade. Nos travessa São Silvério por Antonio Rodrigues disse que trabalhou, como ajudante de pedreiro na construção da escola Nossa Senhora Pascoal em 1985 (já falecido). (foto: Braga, auxiliadora (entre 1966 a 1971). Nas escavações 2002). dos alicerces foram encontrados materiais

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emborrachado, meio em forma de bola achatada e irregular, que os colegas disseram pertencer aos índios. Como no local, no passado (até 1960) existiu uma lagoa, o comentário dos colegas do sr. Nazareno não estava equivocado. Conseguiu aguçar ainda mais a nossa curiosidade.

63: Machadinha e cunha encontradas no Vila Jeju por populares e índios (foto: Braga, 2004).

64: Pingente de pedra achado em julho de 2005, no sítio São Francisco, situado ao lado do rio Maracanã, na estrada do Km 18 (foto: Braga, 2004).

65: Triturador pertencente a coleção de Álvaro Costa. Encontrado na Travessa Espírito Santo, em Santa Maria do Pará (foto: Braga, 2004).

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É costume dos índios usarem as margens dos rios, igarapés e lagos como conservantes de alimento. Estas margens – como costumam falar os índios – “São geladeiras de índios”. A bola emborrachada encontrada pelos pedreiros não passavam de beijus fossilizados. É claro que não guardaram o achado. Jogaram-no com certeza, afinal, para que e para quem servia um beiju fossilizado? Se ainda hoje estas coisas não causam impacto por aqui, imagine-se em torno de 1966. Como poderia ser a aldeia Tupinambá no território de Santa Maria do Pará? Podemos, com certeza, conjeturar. Não apenas por causa dos achados, mas porque achamos que têm os Tembé muito haver com eles. O cacique Miguel (2004) falou que eles (os Tembé) descendem dos Tupinambá. Achamos improvável de início, mas depois pensamos que pode ser possível sim, com um outro contexto. A cultura Tembé e Tupinambá são iguais em alguns aspectos, além de pertencerem ao mesmo tronco, Tupi. O cacique Miguel pode estar certo, porém não iremos fundo na questão, no sentido que o foco de nosso trabalho está na garantia de esclarecer firmemente a presença dos Tembé em nosso território, e favorecer nossa arqueologia com suposições bem interessantes, que 67: Machadinha e cunha encontradas na Vila Jeju possam confrontar com por populares e índígenas (foto: Braga, 2004). outras suposições interessantes do mesmo grupo espalhados pelo território paraense. Antes de seguirmos, vamos voltar a falar um pouco dos Tupinambá, mas isoladamente, sem detalhismos minuciosos, para não disvirtuar o foco de nosso trabalho. Pelo menos temos que fornecer uma espécie de memorial: 66: Triturador encontrado na travessa Espírito Santo, pertencente a coleção particular de Álvaro Costa, residente em Castanhal (foto: Braga, 2004).

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Na descrição dos cronistas quinhentistas, as aldeias Tupinambá eram constituídas de quatro a sete malocas, dispostas a deixar uma grande área retangular conhecida como ocara (que pode ser interpretada como praça, em bom Português). As malocas, ou ocas, tinham também formato retangular, com uns 50 a 80 metros de extensão. Viviam nelas inúmeras famílias. Ao redor das ocas, com mais ou menos dois metros de altura eram colocados troncos espinhentos rachados (provavelmente troncos de pupunha, tucumã, macaúba ou ainda, pachiúba) juntinhos, com pequenos buracos de onde podiam atirar flecha. Ao redor da aldeia toda, colocavam outra cerca de troncos grossos e compridos, com pouco mais de 20 cm um do outro. As aldeias eram geralmente construídas próximas aos rios. Mas, tal descrição não pode ser aceita ao pé da letra para a região de Santa Maria do Pará. Cremos que os Tupinambá/Tembé aldeados por estas bandas, chegaram após a fundação de Belém do Pará, em 1616. Se tivessem chegado depois, haveria o registro oral por parte dos Tembé. Vimos que os Tembé relataram aos frades que existiu um antigo quilombo de eras coloniais, por que não relatariam a existência de outros índios que os havia precedido? Os artefatos líticos foram e são encontrados de Norte a Sul, Leste a Oeste. Não tivemos apenas uma aldeia, tivemos pelos menos uma grande aldeia. A lagoa em que se supõe tenham habitado suas margens também não era muito pequena, como alguns comunitários conheceram. Dona Maria Laide (2000) foi uma delas. Nascida em 1943, disse que a lagoa existiu até a década de 60. Dona Maria Nadir Bezerra 68: Gravura de uma aldeia Tupinambá (1557). (2000) chegou a vê-la Hans Staden (reprodução: Braga, 2004). quando chegou à Santa Maria, em 1936. Ela cobria a circunferência de pelo menos dois quarteirões. Tinha sangradouro no sentido Norte-Sul. Suas águas podiam desaguar no igarapé Influência, que existiu até os primeiros anos da década de 80, do século XX. Então, na lagoa existia toda uma biologia a disposição de nossos selvagens. Zito Barbeiro (2004) nos

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disse que abrigava uma fauna composta de socós, garças, jaçanãs e peixes. A lagoa, de acordo com a observação da geografia no local de sua existência, pode ser visualizada pelos acidentes que nos instigam. Verificamos uma espécie de depressão em forma de bacia nas ruas 7 de setembro, José Carlos Xavier, Dr. Rayol e Av. Santa Maria. O sangradouro derivava pelo Beco do Rosário até alcançar o extinto igarapé Influência, onde hoje está o poço artesiano da COSANPA (Companhia de saneamento do Pará), que fornece água para Santa Maria. A fundação de Belém em 69: machadinha de pedra 12.01.1616, com um contingente original, encontrada na cidade militar-Tupinambá, vindo do de Santa Maria do Pará, com Nordeste, capitaneado por Francisco colocação de cabo pelo índio Caldeira Castelo Branco, não deu Ed Tembé (foto: Braga, 2004). trégua aos Tupinambá do Pará. A oca principal, do chefe Guaimiaba, estava construída sobraceiramente na ponta do Mauri (onde hoje está construído o Forte do Castelo), local escolhido por Castelo Branco (o fundador) para a construção da paliçada, que marcaria a conquista portuguesa (O Liberal, 1992, p. 4). A aldeia estava situada num local estratégico para os conquistadores. Usando de estratagemas surrupiaram o local da aldeia Tupinambá. A resistência, já nos diz a história, foram todas combatidas ferozmente pelos portugueses, na insensatez colonizadora. Ao índio não restou outra saída que retirar-se para o interior da floresta, levando consigo o corpo jazido de seu chefe, Guaimiaba, morto com um tiro (idem, 1992, p. 4). E, a floresta disponível e aprazível, era a fantástica região de Santa Maria do Pará. Pode ser! Valente (apud O Liberal, 1992, p. 4) nos diz que, “no tempo do descobrimento do Brasil, a grande nação Tupinambá desdobrava-se desde a ilha de Miembipe (Santa Catarina), até a foz do rio Negro no atual Estado do Amazonas”. E nos diz, ainda: “ocupavam a faixa litorânea, com uma profundidade de 300 quilômetros costa adentro”. Embora o grupo Tupinambá local não tenha sido pequeno, imagina-se que a estrutura de suas aldeias, ou sua aldeia, não correspondiam exatamente a descrição dos europeus em seus desenhos. A(as) aldeia(as) daqui foram formadas nas urgências da

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fuga. É fato, que sem um estudo aprofundado, não se pode afirmar com exatidão, uma vez que as evidências arqueológicas, são relativamente poucas, mas sugestivas. Não sabemos se estiveram aqui apenas 4 ou 5 anos (como era costume) até se esgotarem os recursos naturais para caça e coleta, se foram vitimados pela aproximação de Belém ou aprisionados pelas excursões de “resgates” de índios, muito comum em eras coloniais. A impressão que temos é que foram surpreendidos, se foram, ou foram mortos. Do contrário não ficariam tantos artefatos líticos a flor da terra espalhados aos 70: presidente cabano Eduardo Angelim quatro cantos da cidade. (reprodução: Braga, 2007). Afinal, gostaríamos de registrar que em Santa Maria do Pará existiu um povo, que pode ter sido os Tupinambá, que deixaram vestígios e desapareceram sem registro oral ou escrito, como se fora parte de lugar nenhum. Podem estes Tupinambá, atualmente, fazerem parte de uma estatística geral, em que o principal destaque é Belém, e são citados implicitamente por causa da habitação presumível em suas cercanias (sem geralmente esclarecer a distância), de índios guerreiros. Azevedo (1994, p. 39-40) nos diz que em 1739 “...os prelados das religiões reuniam-se em junta com as primeiras auctoridades, e d’ahi, com graves fundamentos theologicos e politicos, decretavam as amarrações. Noutro ponto também descreve – a modo de lamento – que os índios estavam a mercê dos brancos: Havia tambem os caçadores de escravos, que salteavam as aldeias, e vinham vender as suas victimas aos povoados. Aos fungitivos, marcava-se-lhes no peito o nome do supposto senhor, ou com um ferro em braza ou lavrado á lanceta, para maior crueldade. Enfim, todos os abusos e barbaros procedimentos da escravidão foram applicados a estes povos, com extranha dureza.

O que estes índios Tupinambás daqui queriam era ficar longe dos brancos. Não dava para confiar neles. Do pseudo descobrimento (1500) até a Fundação de Belém (1616), sempre estiveram em desvantagem.

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Em 1848, o viajante Alfred Russel Wallace (1848, p. 83) nos diz: “Os índios que desciam os rios para negociar os seus produtos (em Belém), eram violentamente sequestrados e coagidos a servir como soldado. A isto chamavam ”. O Sr. de la Ravardière obteve carta patente, em 1 de outubro de 1610, com autorização de vir fundar uma colônia ao sul da linha equinocial. Associou-se ao Sr. Rassilly e em março de 1612 saía do Porto do Concal (Azevedo, 1994, p. 233-234). Ravardière saiu de São Luiz aos 8 de julho de 1613, levando consigo 1200 homens, favorecendo uma tribo contra outras. Seguiu para Cuman (próximo a São Luis) e depois Caeté (Bragança), onde se demorou um mês, reunindo novos contigentes de índios (idem, p. 234-235). Em julho de 1613 os franceses tentaram ocupar o Pará com um exército francês-tupinambá (80 franceses e mais de 2.000 índios), despertado a reação portuguesa, que sairam de Pernambuco e conquistaram o Maranhão, em 20 de novembro de 1614. Neste período o capitão Francisco Caldeira Castello Branco planejou em São Luis a conquista do Pará, o que foi levado a efeito com a fundação de Belém em 12 de janeiro de 1616, por um comando militar português (Paolo, 1990, p. 66). As guerras étnicos-nacionais entre os franceses e portugueses influenciavam as guerras étnico-tribais. Tanto que a conquista do Pará foi feita com a participação dos Tupinambás do Maranhão e contou com a indiferença das tribos locais, possivelmente interpretando que esta dominação não lhes traria consequências. Ledo engano! Bento Maciel Parente, em fins de julho de 1619, chegava a Belém com um corpo de 80 soldados e 400 índios pernambucanos, levando terror e destruição entre os Tupinambá do Maranhão e Pará, a começar por Tapuy-Tapera (perto de São Luis do Maranhão) até o Pará. Preocupou seu sucessor hierárquico, o capitão-mór Jerônimo Fragoso, que também tinha conduzido várias expedições contra os índios (idem, 1990, p. 71). À medida em que se firmava a conquista portuguesa na Amazônia o elemento índio era considerado parte da coroa e a seu serviço. Crescia a demanda por mão de obra escrava, o que favoreceu a formação de bandeiras de “resgate” de índios (idem, 1990, p. 72). Os portugueses deixavam transparecer que este “resgate” tinha um sentido de libertação, livramento, como se os índios fossem-lhes agradecer a violência. Desse período em diante aconteceram três bandeiras de resgate de índios: a 1a. que foi organizada em 1625, por Bento Maciel Parente (um assassino cruel e desalmado); a 2 a. em 06 de outubro de 1626, que teve como executor Pedro Teixeira; a 3 a. foi organizada por Pedro da Costa Favela, em outubro de 1627. depois desta terceira, os índios se uniram para defender sua liberdade.

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Estavam fartos de serem caçados como animais, violentados culturalmente e destruídos como comunidade (idem, 1990, p. 72-81). Reagir só despertou mais a ira do branco contra o índio. Resultado: o general José Maria da Gama, governador do Pará, que tinha o domínio português sobre toda Amazônia, pediu autorização para iniciar uma guerra de morte aos índios. A resposta foi plenamente favorável (idem, 1990, p. 82). A região entrou em período de decadência. Não por causa da tentativa de extermínio dos índios pelos portugueses e sim por uma epidemia de varíola (1721-33 e 1743-50). Belém perdeu 50% dos seus habitantes (idem, 1990, p. 82). Foi, então, que em 1753 entrou em cena Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Nomeado como plenipotenciário para demarcação dos limites entre Portugal e Espanha, como a aplicação do Tratado de Madri em 13.01.1750. Era irmão do Marquês de Pombal, que em agosto de 1750 assumiu o cargo de Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, concentrando o poder absoluto do governo português até 71: Tela de Alfredo Norfini (Cabano Paraense, 1940), parte do acervo do fevereiro de 1777 (idem, 1990, p. MABE (Museu e Arte de Belém). 83). Mendonça Furtado entrou em conflito com jesuítas e índios. Através do Decreto Régio de 06 de junho de 1755 emancipou os índios e transformou muitas aldeias em vilas, mudando-lhes os topônimos indígenas para o português. Os índios organizados pelos jesuítas na língua geral, o Nheengatu, foram obrigados a deixar as missões e a falar a língua portuguesa. Em 17 de setembro de 1759, Mendonça Furtado mandou prender a maioria dos padres e os expulsou de Portugal e do Brasil. Introduziu o negro como escravo. Inaugurou-se uma nova política em relação aos índios, uma política em que a servidão estava embutida no contexto colonizador e que tem reflexos presentemente. Podemos supor que, nas dominações na Amazônia, em alguma das bandeiras de resgate de índios, em guerras de morte, os supostos

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Tupinambás, aldeados em Santa Maria do Pará, tenham desaparecido ou, na menor das hipóteses, se foram em busca de um outro lugar ao sol. Hipótese descartada porque, ninguém que planeje mudança voluntária, deixa seus principais utensílios espalhados por todo canto. Podem ter sido assassinados! A história do Pará, em si, é muito fragmentada. Os principais interessados não a contam dignamente. Fica a impressão que a história, comum a todos, pertence apenas a determinado lugar, no caso, unicamente, Belém. O resto é resto. Não existe uma integração para a excelência de resultado, favorecendo o descaso, como assistimos hoje. É necessário resgatar a dignidade desses Tupinambá, dos atuais Tembé e a memória dos quilombolas destruídos pela polícia colonial. E até dos cabanos, que estiveram por aqui, de acordo com alguns relatos. A história nos relata que cabanos fugidos de Belém se integraram em algumas aldeias indígenas, pelas cercanias de Belém, e principalmente por aldeias nas proximidades do rio Capim, que abrigava grande quantidade de índios Tembés, tanto quanto aqui. 72: (foto: Braga, 2004). Sabemos que os 1 - Moeda do tempo do Império, cunhada duas vezes, encontrada pelo sr. Raimundo Souza. índios desta região, 2 - Moeda comparativa, também do tempo do Império. ao contrário de outros do Maranhão, tinham conhecimento um do outro, e viviam em contato permanente. É plausível aceitar que cabanos também tenham se dirigido para cá. Não aqueles principais líderes, levando-se em conta que o contingente fundamental da Cabanagem era o povo, principalmente negros e índios. Como gostamos de corromper o cético, dando uma informação e mostrando por que insistimos que é verdade alguns relatos, acrescentamos a imagem de uma moeda rara encontrada pelo sr. Raimundo Souza, o Sexta-Feira, antes de 2000. Apresentamos-a em cara e coroa, em duas versões, numeradas entre figura nº 1 e figura nº

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2. A primeira é foto da moeda original, encontrada pelo sr. Raimundo. A segunda é um exemplar para acentuar o tipo de moeda que é. Merece destaque que a moeda original é cunhada duas vezes. A segunda cunhagem foi para assegurar um maior valor com a desvalorização acontecida na época da cabanagem. Logo, algum cabano pode ter estado por aqui e perdido a dita na antiga travessa Areal, que já foi parte de uma aldeia. Precisamos relatar, por que o achado desta moeda é importante para nossa comunidade: ela é importante pelo contexto de seu achado e pela história que exala e inspira. Walcyr Monteiro (O Liberal, p. 5, 1o. caderno, 07.01.1985) nos conta: Visando sanear o meio circulante da época, a Regência Permanente, em nome de D. Pedro II editou a Lei nº 52, de 3 de outubro de 1833, que mandava susbstituir a moeda de cobre em circulação e estabelecia o modo de realizar-se a operação. O artigo 1o. da Lei nº 52 editava: “os possuidores de moedas de cobre actualmente em circulação poderão recolhe-a nas Thesoirarias Provinciaes, recebendo aí cédulas, que representem o valor das quantias recolhidas em razão do peso legal, com que foram emitidas pelo Governo, e giram nas Provincias, deduzindose cinco por cento para a Fazenda Pública”.

73: Simulação da lagoa habitada em suas margens, talvez por Tupinambás antes do século IXI. Hoje esquina das ruas Sete se Setembro com Dr. Rayol (arte gráfica: Braga, 2004).

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O carimbo do Pará ou as moedas cabanas: em 7 de janeiro irrompe a Cabanagem em Belém, assumindo a presidência da província o líder cabano Felix Antônio Clemente Malcher. Encontrando o Tesouro vazio, não teve dúvidas em mandar retirar as moedas de cobres que haviam sido recolhidas e colocá-las em circulação, com o valor reduzido. Segundo Álvaro da Veiga Coimbra, o trabalho citado (Coimbra, Álvaro da Veiga. Noções de Numismática. Revista de história, nº 42 abril/julho de 1960. São Paulo), tal medida foi efetuada pelo Bando de 14 de janeiro de 1835 e afirma ainda que Francisco Pedro Vinagre também utilizou as moedas em questão. Essas moedas circularam ao tempo das presidencias cabanas. O Tesouro não tinha como cunhar moedas na ocasião. Optou-se pelo modo mais barato.

74: Mapa pitoresco do centro de Santa Maria em 1937, que ainda conservava a lagoa, cujas margens foram testemunhas da primeira ocupação indígena em Santa Maria do Pará. O mapa foi confeccionado com o depoimento da sra. Maria Nadir Bezerra, que chegou à cidade em 1936, vinda do nordeste brasileiro (arte gráfica: Braga, 2004).

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BATIZADOS (1898-1907) Torna-se tremendamente necessário transcrever alguns batismos, cujas fotografias dos livros achamos por bem publicar, para dar mais veracidade ao que afirmamos. Não foram poucos os batizados de índios. Se formos fazer uma pesquisa e verificar o tamanho da aldeia e o número de nascimentos, veremos que, as comunidades indígenas locais, não eram pouca coisa. Quando realizavam batizados os frades anotavam em livro 75: Livro de Tombo, o número 1 da Colônia do Prata. Assim ele diz: Baptizados - Nº 1 – Livro de Tombo para os Baptizados dos filhos dos Cristãos e filhos dos índios feitos na freguezia da colônia (Colônia do Prata) a cargo do reverendimos frades capuchinhos desde 1898 a 1907 (foto: Braga, 2002).

próprio que aqueles batizandos eram de índios. Não é raro encontrar índios conhecidos nossos, filhos de nossos primeiros primitivos. Geralmente citados no primeiro nome, batizados já crescidos. Os pais têm nomes pequenos. Respeitam-se, todavia, a posição do cacique, tratados realmente como capitães de suas aldeias, como comumente se trata o chefe de uma aldeia Tembé. Constataremos a existência de trisavôs de ícones nossos, bisavós, avós, contemporâneos dos nossos atuais caciques. A documentação farta encontra-se na arquidiocese de Belém a disposição dos estudiosos e descrita em nossa bibliografia. Há de se ter em mente que, antes de 1900, toda documentação de pessoas estão nos livros de tombos das igrejas católicas. Como já dissemos, observa-se que os batizados constam da paróquia de Santarém-Novo e Igarapé-Açu. Santa Maria não existia enquanto município e paróquia. Há de se considerar que batizados e casamentos fossem registrado nas cidades de jurisdição espacial arquidiocesana (conferir em anexos XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI).

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Batizados em 14 de setembro de 1898 1- Catarina Miranha filha de Francisco e Ermelinda Miranha com 7 anos mais ou menos. 2- Joaquim Barroso, filho de Joaquim Barroso da Silva e Luzia Barroso, com 6 anos mais ou menos. 3- Honorata Miranha, filha de Francisco e Ermelinda Miranha. 4- Manuel Antonio, filho do capitão Thomaz Antonio de Souza e Maria Miranha. 5- Izabel Miranha, filha de Francisco e Ermelinda Miranha, com 12 anos mais ou menos. 6- Francelino, filho de Maçalino João. 7- Marciana, filha de João Campos da Silva e Juliana Campos. 8- Manuel Raimundo, filho de Joaquim Barroso da Silva e Luzia Barroso, com 6 anos. Batizados em 1 de novembro de 1898

32- Manuel Joaquim, filho de Rosa Dias. 33- Martinho nascido em 1896 filho de Rosa Dias. 34- Andresa Francelina dos Santos nascida em 30 de dezembro de 1897, filha de Rosa Miranha da Silva. 35- Frederico Antonio, nascido em 24 de julho de 1898 filho de Juliano Campos da Silva. 36- Malaquias, nascido em 1896, filho de Rosa Luciana da Silva. 37- Martinha, nascida em 18 de agosto, filha de Rosa Luciana da Silva. 38- Estevão, nascido em agosto de 1898, filho de Ana Gaetana. Batizados em 14 de dezembro de 1898 (Igarapé-Açu)

Anjo Rufino, nascido em 21 de novembro de 1898, filho de Benigno Robles e Dionísia Fernandes. Batizado em 25 de dezembro de 1898

Natalina, nascida em 1898, filha de Manoel João Lopes e de Maria Miranha – ela casou-se com Vicente Gabriel a 30 de junho de 1917. 91- Otaviano, nascido no ano de 1898, filho de José Mariano da Silva e de Magdalena da Silva. Foram padrinhos, Francelino Pinaré e Theodora Virgínia dos Santos. 92- Floriano, nascido em 1898, filho de João José de Carvalho e de Carolina Joaquina da Silva. 93- Catarina, nascida em 1893, filha de Manoel Joaquim e de Rosa. 94- Manuel, nascido em 1897, filho de João José de Carvalho e de Carolina Joaquina da Silva. 95- Julhano, nascido em 1898, filho de Jão José Carvalho e de Carolina Joaquina da Silva.

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96- Adelina, nascida em 1893, filha de Sabastiao Thomaz e de Romana Leopoldina da Silva. 97- Romana, nascida em 1893, filha de Thomaz Antonio de Souza e de Maria Miranha de Souza. 98- Maria, nascida em 1897, filha de Ambrosio e de Arcelina. 99- José, nascido em 1898, filho de Malaquias Francelino da Silva e Joana Antonia de Souza. 100- Floriano, nascido em 1898, filho de Abrosio e de Arcelina. Foram padrinhos: Dorotheo Francisco Saraiva e Leopoldina Pereira. 101- Joanna, nascida em 1880, filha de Thomaz capitão e Maria Miranha. 118- Maria, nascida em 1897, filha de Américo Carlos da Silva e de Alexandrina da Silva.

76: Livro de batizados da Colônia do Prata, de 1898 a 1907, nos primeiros tempos da missão (foto: Braga, 2002).

Batizado em 1899

119- Fortunato, 28 anos, filho de Miguel Fellipa da Silva e Maria Rita. 120- Maria, filha de Miguel Mariano e Rosa Miranha, com um ano. 121- Mauricia, nascida em 30 de dezembro de 1898, filha de Manuel Cancio e de Izabel (índia). 122- Manuel, filho de Jorge Joaquim Lopes e Simplicia Maria Lopes, nascida em 8 de janeiro de 1898. 123- Raimundo, filho leg. Candido Lopes da Cunha e de Belarmina Maria Lopes, nascido em14 de dezembro de 1898. 126- Maria, nascida em 2 de janeiro de 1897, filha de Marcolino e Antonia.

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77: Trecho do Livro de Tombo da Colônia do Prata, em que os freis assinalavam entre parênteses que o batismo era de um índio (foto: Braga, 2002).

Batizados em 2 de abril de 1899

214- Luzia, filha de Thomaz de Souza, com 12 anos. 215- Cirilho Antonio, filho de Manuel Felipe e Maria Rita – 9 anos. 216- Domingo, filho de Pedro Soares e Raimunda – 9 anos. 217- Theresa, filha de Capitão Thomaz e Maria – 14 anos. 218- Antonio, filho Gaetano de Carvalho e theodora (índios) – 5 meses. 219- Joana, filha de Gaetano de Carvalho e de Theodora, índia 5 anos. 220- Maria Rita, filha do Capitão Thomaz e Maria Miranha com mais ou menos 30 anos. Batizados em 20 de abril de 1899

222- Glória, filha de Manuel Antonio e Paula, nascida sábado de aleluia de 1899. 223- Joaquim, filho de Joaquim e Lucia com mais ou menos 3 anos. 224- Maria, nascida em 18 de dezembro de 1899, filha de Francisco Lopes Pimentel e de Maria Emilia da Conceição. Batizados em 7 de maio de 1899

258- Mario, filho de Joaquim e de Lucia com 2 anos mais ou menos. Foram padrinhos: Demétrio e Maria Rosa – índios. 259- Maria Joana, filha de Ambrósio e de Accilina (índios) com mais ou menos 2 anos. Ainda 1899

272- Paulino, filho de julhão Paulo e Maria Ignez – 2 anos (índio Prata).

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273- Maria, filha de Julhão Paulo e Maria Ignez com 3 anos. 274- Antonio, filho de Maria Clemetina Lopes e do finado Apolinário. 275- Henrique, filho de Francisca Maria da piedade, nascido em 18 de julho de 1898 no distrito Tv. S. Miguel da colônia. 276- Raimundo, filho de Lourença Francisca Alves, nascido em 18 de outubro de 1898 no Jejú – 24 de junho – Prata. 276- João Pedro, filho de João Pedro Barroso da Silva e Anastácia – índios – Prata 25 de junho de 1899 – fr. Carlos. 277- Mel (nome incompleto) Jão Ant. de Carvalho, filho de Manoel Carvalho e Rosa Carvalho – 16 anos. 286- Saturnino, filho de Manoel Cravalho e Raimunda, i ano, Areal. 287- João, filho do capitão Thomaz e Maria Antonia, com seis anos mais ou menos. 301- Maria, filha de José Barroso e de Maria (índios) Aldeia do Jeju, com 1 mês. Padrinhos: Francisco Alves Pereira e Catharina (índia). Batizado em 25 de Outubro de 1899

319- Sabino, filho de Pedro Soares da Silva e Raimunda Silva (índios). 320- Nazareth, filha de Luciano Antonio da Silva e de Quitéria Paula da Silva –índios do Areal – 2 anos. Batizados em 5 de Novembro de 1899 – Aldeia Jeju

324-- Aurora Maria, filha de Francisco Braz – capitão – e de Marcolina da Silva, nasceu aos 4 de outubro de 1899. 325- José Domingo (índios), nasceu aos 2 de agosto de 1899, filho de Julhão e de Maria Ignez Miranha da Silva. 332- Roberto nasceu aos 28 de novembro de 1899, filho de Chico Miranha e Izabel Miranha (índios). 336- Josephina, filha de Manoel Alexandre de Isabel Gonsales do Nacimento – 3 anos – Jeju. 338- Mariquinha, filha de Chico Miranha e Ermelinda Miranha, nascida em 1890. 342- Gaetano (ou Caetano), filho do capitão Thomaz e Maria Antonia, com 5 anos. 343- Francisca, filha do finado José Anastácio (índio) e Manuela Rita Thomaz, sendo padrinhos Dr. (nome ilegível) com Victorio e Catarina Braz. 344- Julhana, filha do finado José Anastácio (índio) e Manuela Rita Thomaz – com 2 anos. Padrinhos: João areia e Maria Lopes Braz. 395- Maria, filha de Agostinha Maria Área da Silva, Barroso com 1 mês. 389- Jovino Victorino, filho de Macalino da Silva e de Antonia, com 25 dias. 391- Raimundo, filho de Dorotheo Saraiva e de Justina Pereira Duarte, nasceu em 24 de outubro de 1899. Batizados em 1900

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428- Amélia, filha , nasceu em 13 de junho de 1900, José Leopoldino e de Maria Vitória. 439- Maria, (o nome não está separado por vírgula. Provavelmente era para dizer que seria filha do casal) Felippe Severo dos Santos e Peronisa – índios, nascida aos 24 de junho de 1900. 440- Clarindo – Miguel Leopoldino e de Anna Leopoldino, nascida aos 3 de março de 1900 – pais pagãos. 441- Narcisio, filho de Juliana Maria – índia. 443- Francesco, filho de Manoel Joaquim Guariba e de Rosa – índios pagãos, nascida em 5 de julho de 1900. 444- Agapito – Bom Intento – filho de Francisco Pimentel Pinho e de Joanna Nunes Pinheiro, nascido aos 24 de março de 1900. 473- Maria Generosa, filha de Thomaz Antonio Cerqueira e de Thomazinha Lucia (há um nome escrito e borrado) índios pagãos, nascida aos 15 de agosto de 1900. Batizados em 2 de junho de 1901

7- Raimundo, filho de Manoel João Lopes Miranha e de Maria Carlota de Carvalho, nascida aos 26 de abril de 1901. 8-Mareaino (talvez o frei tenha querido escrever Mariano) – índio Arrayal, filho de Luciano (índios), nascido em janeiro de 1901. Batizados em 23 de junho de 1901

10- Julhana, filha dos índios Juilhão e Maria Leopoldina, nascida aos 20 de maio de 1901. 11- Amélia, filha de índios não casados Antonio Juvenal Dassaso da Silva e Margarida da Silva, nascida em março de 1901. 12- Maria, filha de Manoel Theodoro e Virgilha dos Santos Marallina, nascida em fevereiro de 1901 no Anselmo. 30- Amélia, filha de José Leopoldino e Maria Vitorina nascida aos 20 de junho de 1901. 31- Vicente – filho de Pedro Paulo da Costa (Maranhense) e Ignez de Julhano (índia), nascida aos 19 de julho de 1901. 32- Almerinda, filha de José Barroso da Silva e Maria Romana da Conceição (índios), nascida aos 27 de junho de 1901. 34- Felippe, filhos dos índios João Carvalho e Coralina. 43- Amaro, filho dos índios Alexo João Ribeiro da Costa e Francisca Ribeiro (índios), nascida aos 15 de janeiro de 1901. 44- Geremia, filho de Fortunato Braz da Silva e Maria Constantina Braz (índios não casados) nascida em setembro de 1901. 47- Samuel, filho de Severo dos Santos e Apollonia Souza – índios, nascida em setembro de 1901.

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78: Dona Mariinha Horácio (Maria de Lourdes de Souza) e seu filho Manoel. Foi casada com o índio Pedro Tembé filho da famosa índia Maria Lopes. Moradora da aldeia que ficava na antiga Travessa Santo Antonio do Prata. Entrevistada nossa em 2000 e peça chave na reconstituição da vida cotidiana dos Tembé de Santa Maria do Pará (foto: Braga, 2000).

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CASAMENTOS (1898-1910)

Em 25 de junho de 2001 tivemos a oportunidade de estudar os livros de casamentos (Livro nº 01), na biblioteca da arquidiocese, entre 1898 a 1905, afetos a Paróquia de Santarém-Novo (que incluía toda a região do Prata). Falam da vila de São Domingos, Bom Intento, Anselmo, Jeju, Areal, localidades daqui. Na ocasião transcrevemos para um caderninho os enlaces que nos interessavam, sobretudo, índios, reproduzidos a seguir. Mais uma vez, gostaríamos de enfatizar que não somos nós que afirmamos que os casamentos eram de índios. Os frades, a partir de 1898, é que registraram para a história. Casamento em 25 de dezembro de 1898 (índios do Areal)

Justino, filho de N. N. e de Maria Almeida, natural do Maranhão, com Leopoldina Índia, batizada em são Domingos. Testemunhas: João José dos Santos e Dorotheo Francisco saraiva. Casamentos em 2 de abril de 1899 (índios do Prata)

José Leopoldino, do areal, batizado em são Domingo, filho do capitão Leopoldino e de Maria Ibelios (nome ilegível) 17 anos, com Victorina filha do Capitão Thomaz da Silva Miranha e de Maria Antonia com 13 anos. Tomaz Antonio Siqueira, batizado em São Domingos com 18 anos, filho de Paulino e Joaquina Siqueira – com Lúcia filha do Capitão Thomaz e de Maria Miranha, com 16 anos. João Marcelino Pinaré, filho de João Antonio de Assis e de Tereza Enrrique da Silva, batizado em São Domingos, com 30 anos com Virginia Theodora dos Santos com 22 anos. Julião Paulo da Silva, batizado em São Domingos com 28 anos filho de Thomaz – com Ignez filha de Leopoldino Miranha da Silva e de Maria Ibelia – com 28 anos. Gavião filho de Manoel Ferreira de Souza, com 35 anos com Josepha Francisca – viúva, com 44 anos. Casamento em 16 de abril de 1899 (Prata)

José Bezerra, filho de Manoel Ghedes Bezerra e de Maria Alves, natural Maranhão com 30 anos com Maria Rita (índia) filha do capitão Thomaz e de Maria Miranha, com mais ou menos 30 anos, batizada no Prata.

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Casamento em 21 de maio de 1899 (Prata)

Manoel Teodoro da Cruz, filho de Juliano de Souza, natural de Santa Helena-MA com 38 anos com Marcelina Severa dos Santos (índia) filha de Virgínio Severo dos Santos e de Josepha dos Santos batizada em Cintra, com 24 anos. Casamentos em 13 de junho de 1899

Casimiro Antonio Cardoso, filho de João dos Santos e Domingas, batizado sob conditione com 45 ano, índio desta aldeia do Prata – com Maria Bastos Nunes da Silva filha de José Maria Nunes da Silva e Melindra Josepha com 35 anos, batizada em Belém, moradora da aldeia. Paulo Pedro da Costa, filho de Iria da Costa, nascido Maranhão districto Guimarães, sendo padrinho Marcolino Pereira da Silva com 25 anos – com Joaquina filha de Julhão Paolo e Maria Ignez, índios batizados em São Domingos com 13 anos, índia desta aldeia. Casamento em 2 de julho de 1899

Antonio Lino Pereira filho de L. Lino Pereira e de Francisca Maria da Conceição, com 25 anos – CE residente Marapanim – com Izabel Maria da Conceição filha de Francisco Teles de Souza e de Francisca Maria de Jesus com 15 anos – CE. Casamentos em 6 de agosto de 1899

João Antonio Areia, filho de Maria Josepha Areia, natural de São Domingos de Boavista, com 48 anos, batizada em São Domingos – com Adelaide Maria Barbosa filha de Maria Portal, natural de São Domingos, com 36 anos, batizada em São domingos. Testemunhas João Pedro de Mello e Carlos Baleone. Casamento em 26 de agosto de 1899

Amancio Manoel Nunes, filho de Sebastiana Maria Lopes, natural de São Domingos, batizado em São Domingos, com 22 anos – com Constância Areia da Silva, filha de João Antonio Areia e de Adelaide Maria Barbosa, natural de São Domingos, batizada em São Domingos, com 20 anos. Testemunharam José Moreira Lima e Delphino dos Santos Gomes. Casamento em 1 de setembro de 1899

Manoel Antonio dos Santos, filho de Simão José do Sacramento e de Rosalina Maria da Conceição, com 30 anos, natural do Ceará, moradora de Capanema de Bragança, viúvo de Maria Magdalena da Conceição – com

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Maria Thereza de Jesus, filha de José Alves Ferreira e Maria de Jesus, com 16 anos natural do Maranhão. Casamento de 1 de junho de 1900

Salustiano dos Anjos Lopes e Maria (segundo nome ilegível) Soares dos Anjos. Celebrante foi frei Afonso. Casamento em 12 de julho de 1901

Simplicio dos Anjos Lopes e Benedita Correia da Luz, ele filho de Theodoro dos Anjos Lopes e Alexandra Maria do Espírito santo e ela filha de Luís Ferreira da Luz e Antonia Maria da Luz, ele de São Miguel do Guamá. Testemunharam Lodovico dos Anjos Lopes e Dorotheo Saraiva. Casamento em 8 de fevereiro de 1903

Mariano Braz da Silva e Joanna Maria da Silva, ele filho dos índios Francisco Braz da Silva e Marcolina Braz, com 20 anos e a índia filha de Thomaz da Silva e Maria Miranha (falecida), com 30 anos. Casamentos em 7 de janeiro de 1905

Augusto Uchôa Cavalcante, 19 anos filho de João José Uchôa e Silvana Maria da Conceição com D. Maria Magdalena de França, 19 anos filha Francisco Antonio de França e Maria Joaquina de Jesus, ambos do Ceará. Manoel Couto do Rosário e Maria Rosa da Silva. Testemunharam Miguel Alexandre e Bernardina Ribeiro, ele 30 anos filho de Ana Maria da Conceição, de Ourém, ela (idade ilegível) anos folha de Luis da Sil Reis e Martha Joana da Silva, residente em satarém-Novo. Casamento em 3 de setembro de 1908

Antonio Mazzini Menotte e Maria da Cruz, Ele 46 anos, filho de Achille Mazzini Menotte e Carolina, natural da Itália, ela com 20 anos, filha de Manoel Theodoro da Cruz e Marcollina Virginia Theodora, natural do Pará. Casamento em 5 de fevereiro de 1910

Manoel Braz da Silva e Maria Saraiva da Silva, ele com 22 anos filho de Francisco Braz da Silva e Marcolina Pereira, ela com 17 anos filho de Dorotheo Saraiva e Justina Pereira Duarte, natural do Piauí.

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Casamento em 28 de setembro de 1910

Antonio Thomaz e Marinha Miranha, ele com 67 anos, filho de pais incógnitos, ela com 60 anos, filha de Maria Joana, índia, ambos do Gurupy, no Maranhão.

79: Dona Maria de Nazaré Lima( falecida em fevereiro de 2017), prima e sogra do cacique Miguel Carvalho Tembé. Também ela Tembé da aldeia Areal, filha de Pedro Tembé, também conhecido como Mano Pedro (foto: Braga, 2005).

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REFERÊNCIAS ABREU, S. Fróes. Na terra das palmeiras - estudos brasileiros. Rio de Janeiro, 1931. ARAÚJO, Dr. H. C. de Souza. Lazarópolis do Prata – serviço de saneamento e prophilaxia rural no Estado do Pará. Belém: Emp. Graphica Amazônia, 1924. ARQUIVO VELAR. Arquivo fotográfico do secretariado da Missões dos capuchinhos. Milão. ARQUIDIOCESE DE BELÉM. Paróquia de Santarém-Novo registros de casamentos 1898-1905. Livro Nº 01. –––––––––––––––––––––––. Paróquia de Santarém-Novo batizados 1898-1907. livro Nº 01. –––––––––––––––––––––––. Paróquia de Igarapé-Açu (Colônia do Prata) – casamentos de 1913-1919. AZEVEDO, João Lúcio d’. Estudos de História paraense. Edição Fac-similada da obra de [1893]. Belém: Secretaria de Estado da Cultura (SECULT), 1994. (Lendo o Pará;19) BENEDITINOS, Ir. Teresinha Maria de. Fr. João Pedro - o servo fiel e confiante. Benjamin Constant (AM): CECAP, 1996. BRAGA, Laércio da Silva. Histórico da fundação de Santa Maria do Pará; terra dos Tembé. Belém: Editora semin, 2001. CARROBBIO, Frei Metódio. Nota sobre os índios da prelazia de Grajaú. Edições Voz de são Francisco de Fortaleza, 1955. COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. O índio e a cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1983. CRUZ, Ernesto. Colonização do Pará. Belém, 1958. CUNHA, Osvaldo Rodrigues da. Talento e atitude: estudos biográficos do Museu Emílio Goeldi, I. Belém: PR/SCT/CNPq, 1989.

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EMATER/SECRETARIA

MUNICIPAL

DE

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Marlinda

Melo.

Relatório

circunstanciado

de

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D.

Alberto

Gaudêncio.

Cronologia

da

História

Eclesiástica do Pará. Belém. REVISTA DA EXPOSIÇÃO ANTHROPOLOGICA BRAZILEIRA. Tribu dos Tembés. J. Barbosa Rodrigues. Dirigida e colaborada por Mello Moraes Filho. Rio de Janeiro: Typographia Pinheiro, 1882.

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:.

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PARA SABER MAIS: AGMC – Arquivo Geral das Missões Capuchinhas – Cúria Geral dos Capuchinhos. Rua Piemonte, 70 – Roma. BENEDITINOS, Ir. Teresinha de. Subsídios históricos. Fortaleza, 1982. H/67: relações particulares, cartas e relações anuais de cada missionário no Maranhão ao ministro geral da ordem. Cartas de missionários da Colônia do Prata e, em geral, da missão. H/67: “Documento officiolia” e Communicatones ordinariae”: desenvolvimento e dificuldades da colinia do Prata. H/67: “Notitiae historicae”: amplo manucristo de frei Daniel, com notas históricas em torno da origem e evolução da Colônia de Santo

137

Antonio do Prata (este manuscrito é marcado com o nº 09. igualmente importante o de nº 06. APCL – Arquivo Provincial Capuchinhos Lombardos (Convento Capuchinho, Viale Piave, 2 – Milão – Itália). 8/H: pasta importante, porque contém documentos pessoais de frei Daniel, como cartas (vinte cartas), endereçadas aos superiores e visitadores da missão. LIVRO DE TOMBO DA COLÔNIA DO PRATA, II (1913-1921), AGIMC (Arquivo Geral das Irmãs Missionárias Capuchinhas), Fortaleza. MANZONI, Alexandre. Os noivos prometidos. MIZZOTI, Frei Odorico. O homem feito semente. NEMBRO, Pe. Metódio. O.F.M. Cap., Pró-Manuscrito, AGMC (Arquivo Geral da Missão Capuchinha), H 67, B 2, 46; C 2, 3. Superiore e Fundatore Padre Giampietro da Sesto San Giovanni Missionário Cappuccino. REVISTAS E PERIÓDICOS ARQUIDIOCESANOS DE BELÉM. Abordam muitas vezes os problemas atinentes ao Prata e, em particular, a frei Daniel.

138

ENTREVISTADOS:

Anunciada Maria da Conceição (Anunciada Gabriel), nasceu no Estado da Paraíba em 07/02/1908. Saiu de lá em 1925 (entrevistada em 29/07/2000). Já falecida. Abdão Souza e Silva, Tembé, nasceu numa localidade de Salinas- PA em 09.08.1929 (entrevistado em 2000/2004). Aristide da Silva Aranha (Mitinho), nascido em Santa Maria do Pará (travessa São Domingos I) em 18 de outubro de 1932 (entrevistado em 16 e 17.04.2011). Braz Ribeiro de Lima (Braz Celim), nascido em Santa Maria do Pará (na travessa São José), aos 20 de agosto de 1950 (entrevistado em 11.04.2011). Edgar Fortunato Pìnho (Delphino), nascido em 05 de setembro de 1921, na Travessa São Pedro, próximo da aldeia Jeju (entrevistado em 04.01.2006). Já falecido. Francisco Braz da Silva (Soim), Tembé nasceu em 23.10.1944 (entrevistado em 2005). Francisco Alves da Silva, nascido no Estado do Ceará, 1910. Chegou à Santa Maria em 1915 (entrevistado em 2000/2010). Itamar Rodrigues da Silva, nascido em 28/01/1936. Residente no Bairro Barrolândia, em Santa Maria. Encontrou um artefato de pedra (uma machadinha) quando construía o alicerce de sua casa, em dezembro de 1999, do campo para o mato, a aproximadamente um palmo, mais ou menos do chão (entrevistado em 2000). Israel Martins Viana (Rael), nascido em São Domingos I em 15 de dezembro de 1931 (entrevistado em 15.04.2011). Juliana Braz Sodré (D. Júlia ou tia Júlia), Tembé nascida na aldeia Jeju em 1917 (entrevistada em 27.07.2000).

139

Maria Bernarda da Silva (Bernarda Delphina), nasceu

no dia

04.01.1918, no território da aldeia Areal (entrevista em 06.01.2006). Maria da Cruz Mazzini, nascida na Colônia do Prata, em 1916. Já falecida. Era residente em Belém. Maria da Silva Aranha (Maria Severo), nascida no Estado do ceará. Morreu em 30 de agosto de 2001 (entrevistada em 2000). Maria Laide da Silva, nascida em Santa Maria do Pará em 05/01/1943.

Reside

atualmente

em

Belém

(entrevistada

em

2000/2001/2005). Manoel Raimundo de Souza (Totó Justino), nasceu em Santa Maria do Pará em 11.02.1918. faleceu em 09.11.2004, aos 86 anos (entrevistado em 2000). Maria de Nazaré de Lima (Maria Milson), nascida em 17/12/1917. Nasceu na vila de São Luis do caripi, em Iagrapé-Açu. Moradora da vila Jeju em Santa Maria o Pará (entrevistada em 08/12/2005). Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano ou Maria Paulino), Tembé nasceu em 20 de janeiro de 1934, no local Jeju (entrevistada em 2000/2005). Maria de Nazaré da Silva Garcia. Tembé, nasceu na vila Jeju em Santa Maria do Pará em 09.05.1947 (entrevistada em 06.02.2006 e 2010). Maria de Lourdes de Souza (Mariinha Horácio), casada com Tembé, nascida em 20.01.1910. faleceu em 2006 (entrevistada em em 07.07.2000 e em 10.08.2000). Maria Nadir Bezerra (Maria Nadir), nasceu em Fortaleza, Ceará em 17.11.1927. Chegou, na então vila de Santa Maria, em 16.08.1936. O percurso Belém/Igarapé-Açu foi de trem e de Igarapé-Açu/Santa Maria, de pau de arara. Entrevistada em 2000/2010.

140

Mírian de Fátima Serafim Ferreira, nascida em Santa Maria do Pará, 21/06/1957. Reside atualmente em Belém, no residencial Altos de Pinheiros (entrevistada em 2006). Miguel Carvalho da Silva (Miguel Tembé, Miguel Leopoldino, Miguel da Índia, Miguelzinho), nasceu na aldeia Areal em 1955 (entrevistado em 26.09.2000). Raimundo Alencar Sobrinho, nascido em Timboteua-PA em 10/05/1927. Faleceu em 23/08/2001 (entrevistado em 31/08/2000 e 22.09.2000). Raimundo Teixeira de Souza (Sexta-Feira), nascido em 03/05/1945. Filho de Felicíssimo Guilherme de Souza e Lúcia Lucas dos Santos. Avós paternos, Francisco Manoel de Souza (descendente de índio, que morreu com 107 anos) e Maria...(não soube dizer o sobrenome) e avós maternos, Lucas Evangelista dos Santos e Tereza Lucas dos Santos. Residente em um lote rural na antiga Travessa Areal, Sítio Bom Jardim, às margens do rio Maracanã (entrevistado em 2000). Segundo Rodrigues Guntiñas (Gondim), nascido na Província do Lugo, Espanha em 03/10/1918. Veio para o Brasil em 22/04/1950. Residente na Rua Santa Lúcia, em Santa Maria do Pará (entrevistado em 2000/2005/2011). Faleceu dias após nossa entrevista (19.01.2011). Valeria Lúcia Mazzini da Costa, nascida 29/10/1940, em Belém. Residente em Belém (entrevistada em 2001). Zilda Maciel Rodrigues, nascida em 28/01/1921. Filha de Adélia Maciel Rodrigues (*20/03/1883 +14/07/1974) e Francisco Leonel. Residente na Av. Santa Maria, Centro (entrevistada em 2010).

141

ANEXOS

142

Anexo I – Manuscrito escolar, de autor desconhecido, com pequeno histórico municipal, de 1985, em que os índios são citados aleatoriamente.

143

Anexo II – Mapa de Santa Maria com a localização das escolas municipais, destacando-se pequeno histórico municipal, em que os índios local são citados.

144

Anexo III – Documento protocolado no Cimi (Conselho Indigenista Missionário), em 2000.

145

Anexo IV – Carta enviada a administração da FUNAI/Belém, pelo Sr. Laércio Braga, em 2000.

146

Anexo V - Carta enviada via FAX para FUNAI pelos índios através do articulista Laércio Braga.

147

Anexo VI – Continuação de carta enviada à FUNAI pelo sr. Laércio Braga.

148

Anexo VII – Requerimento do vereador Walter Goleniesk para, conceder Título de Honra ao Mérito a dona Maria Cassiano e Miguel Tembé, em 2001.

149

Anexo VIII – 1a. página da Ata da Sessão Solene da Câmara Municipal de Santa Maria do Pará, concedendo Título de Honra ao Mérito às duas lideranças Tembé.

150

Anexo IX – Cópia de convite enviado a todas as Entidades públicas e privadas afins, ministério públicas, Instituições religiosas e pessoas para a I Assembléia das Comunidades Indígenas de Santa Maria do Pará, a partir 17.11.2002.

151

Anexo X – Carta à FUNAI depois da I Assembléia da Comunidades Indígenas Tembé de Santa Maria do Pará, Jeju e Área, protocolada em 14.01.2003.

152

Anexo XI – Carta protocolada na Procuradoria Federal, em 14.01.2003.

153

Anexo XII – Carta para FUNASA enviada depois da I Assembléia Indígena Tembé de Santa Maria do Pará, protocolada em 14.01.2003.

154

Anexo XIII – Carta dos povos indígenas resistentes, em 20 de maio de 2003.

155

Anexo XIV – Relação dos povos indígenas resistentes, na Carta de Olinda, em 20 de maio de 2003.

156

Anexo XV – Reconhecimento Oficial pela FUNAI (1a. parte), em maio de 2003.

157

Anexo XVI – Reconhecimento Oficial pela FUNAI continuação.

158

(2a. parte) –

Anexo XVII – Reconhecimento Oficial pela FUNAI (3ª parte) – final.

159

Anexo – XVIII – Carta do Ministério Público Federal à administradora regional da Funai, em 07 de outubro de 2003. Fax.

160

Anexo XIX – Carta do Ministério Público Federal ao presidente da Funai, em 07 de outubro de 2003. Fax pouco legível.

161

Anexo XX – Carta para Procurador Felício Pontes Jr. do Diretor de Assuntos Fundiários da Funai, em 19.12.2003.

162

Anexo XXI – Ofício para coordenador do Cimi sobre relatório de viagem realizado por técnico do DSEI-GUATOC, em 24.09.2004.

163

Anexo XXII – Encaminhamento de relatório ao senhor Procurador federal, Felício Pontes Jr., em 01.09.2004.

164

Anexo XXIII – Relatório de viagem para comunidade Jeju e areal, em 06 e 07.08.2004.

165

Anexo XXIV – Continuação de relatório de viagem para comunidades Jeju e Areal.

166

Anexo XXV – Documento para coordenadora do CIMI do procurador Felício Pontes Jr, em 29.01.2004.

167

Anexo XXVI – Modelo de carta convite enviada à Funai pelos índios de Santa Maria para II Assembléia Indígena, em 07.04.2005.

168

Anexo XXVII – Pedido de conhecimento de relatório de antropóloga à FUNAI, em 29.04.2005.

169

Anexo XXVIII – Documento recente da Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará para Procuradores da República, Ubiratan Cazeta e Felício Pontes.

170

Anexo XXIX – Carta reivindicatória enviada à Funai em 13.11.2005.

171

Anexo XXX – Documento da AITESAMPA para FUNAI, manifestando desejo de participar da Pré-Conferência Indígena, realizada em Mosqueiro, em 2006.

172

Anexo XXXI – Contrato do governo do Estado do Pará com a Missão dos frades capuchinhos, na Colônia do Prata - 1ª parte (Muniz, 1913, p. 57).

173

Anexo XXXII – Contrato do governo do Estado do Pará com a Missão dos frades capuchinhos, da Colônia do Prata - 2ª parte (Muniz, 1913, p. 58).

174

Anexo XXXIII – Batizados de índios, em 1898, na aldeia central (Prata).

175

Anexo XXXIV – Continuação de batizados de índios em 1898 (no Prata).

176

Anexo XXXV – Continuação de batizados de índios em 1898.

177

Anexo XXXVI – Batizados na aldeia Jeju em 1899.

178

Anexo XXXVII - Carta de índio Krahô Kanela para cacique Miguel Tembé.

179

Anexo XXXVIII – Mapa de 1899 que destaca o antigo caminho de índios e aldeamentos (Araújo, 1924, p 159).

180

Anexo XXXIX – Mapa do Álbum de governo de augusto Montenegro, com citação espacial de índios e territorialidade da Colônia do Prata, enquanto Núcleo de catequese indígena e de colonos. Figura 1: Índios Tembé e Miranhios lado a lado na região do Capim.

Figura 2: Vemos o Instituto do Prata. Circundado em amarelo a região de Igarapé-Açu (em ambas figuras parte e total da região de Santa Maria).

181

Anexo XL – Mapa da abrangência da Colônia do Prata, elaborado entre 1911 a 1915. Possivelmente os lotes foram medidos pelo agrimensor Boanerges Cardoso, com a rubrica de Palma Muniz. O original pertence ao Sr. Segundo Rodrigues Guntñas, e do qual temos cópia autenticada. Santa Maria está do lado Sul, a direita do rio Maracanã.

182

Anexo XLI – Mapa político de Santa Maria do Pará e pós-instalação da Colônia do Prata.

183

Anexo XLII – Registro de Nascimento de dona Maria Leopoldina da Silva, mãe do cacique Miguel, da aldeia Areal.

184

Anexo XLIII – Registro de Casamento de Manoel Pedro Leopoldino da Silva (Mano Pedro), padrasto de seu Edgar Pinho.

185

Anexo XLIV – Registro de nascimento de Manoel Cirilo, filho de Pedro Lopes e neto de Maria Lopes, da aldeia Prata (ou Santo Antonio).

186

Anexo XLV – Registro de Nascimento de dona Francisca Gregória da Silva, da aldeia Areal.

187

Anexo XLVI – Certidão de óbito de Benedito da Cruz, de aldeia ignorada (talvez Prata). Exemplo de índio que jamais se identificou como índio.

188

Anexo XLVII – Registro de Óbito do Engº Antonio Mazzini , que viveu na missão do Prata, trabalhou (como agrimensor e construindo prédios) e casou com a índia Maria da Cruz, filha de Manoel Teodoro, de nossos registros.

189

Anexo XLVIII – Título de Terras Definitivo distribuído gratuitamente pelo governo do estado do Pará.

190

Anexo XLIX – Certidão de Óbito de Lourenço da Silva, o Cassiano.

191

Anexo L – Certidão de Óbito de dona Izabel Braz da Silva, mãe de dona Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano).

192

Anexo LI – Certidão de óbito de Pedro Paulo Pereira da Silva, filho de Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano).

193

Anexo LII – Laudo de Exame Cadavérico de José Lourenço da Silva, irmão de Maria Francisca da Silva (Maria Cassiano).

194

Anexo LIII – Ofício 03/2006 encaminhado ao Procurador Mário Raul Vicente Brasil (interino de Santa Maria) pelos índios Tembé, em 30 de março de 2006.

195

Anexo LIV – Ofício/PR/PA/GAB3/No. 0108/2006, do Procurador da República, Felício Pontes Jr. ao Procurador Mário Brasil, 07 de abril de 2006.

196

Anexo LV – Ofício no. 033/06- PJSMP, do Promotor Mário Brasil, encaminhando documento aos índios Tembé e ao articulista Laércio Braga, acerca do referendado reconhecimento oficial, 03 de maio de 2006.

197

Anexo LVI – 1a. lauda de Procuração Pública de 1944.

198

Anexo LVII – 2a. lauda de Procuração Pública de 1944.

199

Anexo LVIII - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: abano, balaio, brinquedos, fuso, cestos de carregar.

200

Anexo LIX - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: armadilha de pesca, cesto redondo e chato, patrona, colar e tipóia.

201

Anexo LX - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: cofo, canastra, arapuca, flecha, cabaça para guardar água, remo e canoa de casca de árvore.

202

Anexo LXI - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: peneiras, feitiço, bobinas de tecelagem, calendário, batedeira de jerimum, tipiti.

203

Anexo LXII - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: armadilhas de pesca, cuia ornato de cabeça e espátula.

204

Anexo LXIII - Catálogo de cultura material Tembé extraído do livro de Wagley e Galvão, 1955: tear de rede e casa.

205

Anexo LXIV - Quadro de cultura material Tembé, extraído de livro de Lima Figueiredo (1946) e Wagley e Galvão (1955): buzina, depósito da tucanayra, arame, maracá .

206

Anexo LXVI – 1ª parte do documento de Reconhecimento Étnico dos Tembé de Santa Maria do Pará, protocolado dia 08.04.2011.

207

Anexo LXVI – Ofício 137/Pres-Funai de 18 de maio de 2011 que atesta o Reconhecimento étnico do grupo Tembé de Santa Maria do Pará por parte da FUNAI.

208

Anexo LXVII – Pintura corporal Tembé para rosto, membros e tronco. Desenhos de Edmilson Tembé.

209

Anexo LXVIII - Pintura corporal Tembé para tronco. Desenho de Edmilson Tembé (2004).

210

Anexo LXIX - Cultura material Tembé de Santa Maria do Pará (colares adulto e infantil).

211

Anexo LXX – Apresentação do mapa territorial Tembé de Santa Maria do Pará 01 de junho de 2014 pelo engajado Almir Tembé, uma das conscienciosas lideranças da Adeia Jeju e um mapa territorial rascunhado por Miguel Tembé.

212

Anexo LXXI – Mapa territorial dos Tembé de Santa Maria do Pará elaborado pelos próprios atores do processo.

213

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