Povoamento, ocupacao e agricultura na Amazonia colonial (1640-1706)

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Povoamento, Ocupação e Agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706)

Rafael Chambouleyron

Povoamento, Ocupação e Agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706)

Belém-Pará 2010

Capa Marco Leão Diagramação Cecília Rodrigues da Silva Revisão Ana Conceição Oliveira Impressão e Acabamento Editora Açaí Conselho Editorial Alexandre Souza Amaral (FAMA) Antonio Maurício Costa (UFPA-FAHIS-PPHIST) Milton Cordeiro Farias Filho (UNAMA) Raimundo Sérgio de Farias Junior (ESAMAZ) William Gaia Farias (UFPA-FAHIS-PPHIST) Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) – Elisangela Silva da Costa – CRB-2/983 Chambouleyron, Rafael. Povoamento, Ocupação e Agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706)/Rafael Chambouleyron. – Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da Amazônia (UFPA), 2010. ISBN: 978-85-61586-16-4 1. Amazônia - História. 2. Caboclos (Povo Brasileiro) – Amazônia. 3. Colônias Agrícolas – Amazônia. I. Título. CDD - 22. ed. 981.1 Todos os direitos autorais desta edição são reservados à Editora Açaí. Telefones: 3226-8108 / 8125-4071 E-mail: [email protected] Site: www.editoraacai.com.br

Para Hebe

Every record has been destroyed or falsified, every book has been rewritten, every picture has been repainted, every statue and street and building has been renamed, every date has been altered. And that process is continuing day by day and minute by minute. George Orwell. Nineteen Eighty-Four, 1949.

Sumário Abreviaturas.............................................................................................. 11 Agradecimentos ....................................................................................... 13 Introdução ................................................................................................ 15 I. Povoadores, degredados e soldados ................................................ 29 “Pessoas que quiserem ir passar àquelas partes”........................... 35 Soldados e degreadados .................................................................... 41 Casais das ilhas ................................................................................... 62 Os irlandeses ....................................................................................... 72 II. Capitanias, sesmarias e vilas .............................................................. 77 As capitanias privadas ....................................................................... 82 Terras e sesmarias ............................................................................101 Vilas ....................................................................................................115 III. Açúcar, tabaco e o cultivo das drogas .........................................121 Açúcar e aguardente ........................................................................121 Tabaco ...............................................................................................145 O cultivo do cacau ...........................................................................152 Considerações finais ..............................................................................171 Fontes impressas....................................................................................173 Fontes manuscritas ................................................................................175 Bibliografia..............................................................................................177

Abreviaturas Arquivos e bibliotecas AGAL – Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa AHU – Arquivo Histórico Ultramarino APEM – Arquivo Público do Estado do Maranhão BA – Biblioteca Nacional da Ajuda BNF – Bibliothèque Nationale de France BNP – Biblioteca Nacional de Portugal BPE – Biblioteca Pública de Évora DGARQ/TT – Direcção-Geral de Arquivos/Torre do Tombo FBN – Fundação Biblioteca Nacional SGL – Sociedade de Geografia de Lisboa Compilações de fontes ABN – Anais da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) ABAPP – Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pará CCLP – Collecção chronologica da legislação portugueza Fundos da Direcção Geral de Arquivos/Torre do Tombo João IV – Chancelaria de Dom João IV Afonso VI – Chancelaria de Dom Afonso VI Pedro II – Chancelaria de Dom Pedro II João V – Chancelaria de Dom João V IL-CP – Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor RGM – Registro Geral de Mercês JAT – Junta da Administração do Tabaco MR-CF – Ministério do Reino, Conselho da Fazenda CU-Decretos – Conselho Ultramarino (Decretos) CSV – Coleção São Vicente Documentos do Arquivo Histórico Ultramarino CCU-João IV – Consulta do Conselho Ultramarino para Dom João IV CCU-Afonso VI – Consulta do Conselho Ultramarino para Dom Afonso VI CCU-Pedro II – Consulta do Conselho Ultramarino para Dom Pedro II

Agradecimentos UFPA, CNPQ, FAPESPA, Sidney Sussex College. Faculdade de História/UFPA e PPHIST/UFPA, seus professores e alunos. Humberstone College. Funcionários dos arquivos e bibliotecas consultados. Franciane, Ester & João (meus amores de sempre). Ivan, Brian & Matias. David Brading, Mary del Priore & José Roberto do Amaral Lapa. Alírio Cardozo, Aldrin Moura de Figueiredo, André Ferrand de Almeida, Antonio Otaviano Vieira Jr, Didier Lahon, Fernando Arthur de Freitas Neves, José Luis Ruiz-Peinado Alonso, José Maia Bezerra Neto, Márcia Mello, Márcia Motta, Oscar de la Torre, Pere Petit, Roquinaldo Amaral Ferreira, Serge Gruzinski, Sidney Chalhoub.

Introdução Em setembro de 1673, o Conselho Ultramarino escrevia uma consulta ao príncipe regente de Portugal, Dom Pedro II, na qual os conselheiros examinavam o estado geral das conquistas portuguesas. Após analisar os sérios problemas enfrentados pela Coroa no Estado da Índia, no Reino de Angola e no Estado do Brasil, os membros do Conselho afirmavam, em poucas palavras, que o Estado do Maranhão não dava a Portugal, “mais que o domínio imaginário de muita terra sem habitadores, sem cultura e sem comércio”. 1 Criado nos anos 1620, o Estado do Maranhão e Pará corresponde em boa parte aos contornos atuais da Amazônia brasileira. Em finais do século XVII e princípios do século XVIII, compreendia várias capitanias reais – Pará, Maranhão, Piauí – e algumas capitanias privadas – Tapuitapera, Caeté, Cametá e Ilha Grande de Joanes (houve também uma fracassada capitania no Cabo do Norte e a intenção de criar uma capitania do Xingu, que nunca saiu do papel). A sua administração era totalmente separada da do Estado do Brasil, e diretamente ligada a Lisboa; essa situação se consolidou com a criação da diocese do Maranhão, em 1677, e mais tarde com a do Pará, em 1719. A idéia deste livro surgiu a partir de duas perplexidades. Em primeiro lugar, diante da noção de abandono da qual os conselheiros do Ultramarino se valiam para descrever a Amazônia colonial. A segunda perplexidade, de outra natureza, deriva do fato de obras fundamentais da historiografia brasileira e brasilianista, que ajudaram a construir modelos explicativos gerais para a formação colonial brasileira, em grande medida, deixarem de lado a experiência do Estado do Maranhão. Não que a região seja ignorada pela historiografia. Como os próprios conselheiros admitiam, o Estado do Maranhão e Pará era e é vasto demais para ser totalmente relegado ao esquecimento historiográfico. O que ocorre, na maioria das vezes, é uma preocupação centrada no que se denomina de “áreas dinâmicas” das “Sobre o estado em que se acha o comercio das comq.tas e ser conveniente [comerçearçe] deste Rn.o para os rios da Cuama”. 9/09/1673. AHU, cód. 17, f. 123. 1

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conquistas da América, em detrimento das chamadas “áreas periféricas”. Não há dúvida que, do ponto de vista econômico, o Maranhão seiscentista tinha pouco a oferecer. Como lembrava o Conselho Ultramarino ao príncipe, a Amazônia era uma região muito extensa, mal povoada, pouco desenvolvida, relativamente isolada e pouco conectada aos circuitos mais amplos das conquistas portuguesas de então, como o espaço do Atlântico sul ou o do oceano Índico. A centralidade do Estado do Maranhão não estava na sua produção – como no caso da região açucareira ou, tempos depois, da área das Minas Gerais. A sua centralidade para a Coroa consistia em dois pontos fundamentais. Por um lado, a sua condição de fronteira; é que a história dos primeiros tempos da conquista estivera marcada por um intermitente conflito com outras nações europeias pelo domínio das terras e rios da região, como parte da historiografia “regional”, ciosa do valor dos “luso-brasileiros”, orgulhosamente ressaltou. 2 Além do mais, as ameaças “externas” nunca desapareceram, mesmo depois de consolidado o domínio mais ou menos estável sobre a região. A essas ameaças juntavam-se os frequentes conflitos com os índios, principalmente na fronteira oriental do Estado e ao longo do rio Amazonas e seus tributários. Por outro lado, e paradoxalmente, a centralidade do Estado do Maranhão fora determinada pela sua própria pobreza. Diferentemente do que se poderia pensar, o “atraso” da Amazônia não levara ao abandono. Muito pelo contrário, o que parte da historiografia denomina de caráter “periférico” do Estado do Maranhão ensejou uma intervenção vigorosa e incessante da Coroa, que procurou controlar, incentivar e ordenar diversos aspectos de sua vida, como o povoamento, as atividades econômicas, o comércio e a reprodução da força de trabalho.

Certamente, o caso emblemático é o da obra de Arthur Cezar Ferreira Reis. Ver: Arthur Cezar Ferreira REIS. A política de Portugal no vale amazônico [1940]. Belém: Secult, 1993, pp. 59-69; REIS. Limites e demarcações na Amazônia brasileira [1948]. Belém: Secult, 1993, 2 vols.; REIS. A Amazônia que os portugueses revelaram [1957]. Belém: Secult, 1994, pp. 35-54; REIS. Síntese de história do Pará. 2ª Edição. Belém: Amazônia Edições Culturais, 1972, pp. 11-21. 2

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Se a Amazônia foi, a meu ver de forma equivocada, denominada de “área periférica” é, principalmente, porque a construção de sua sociedade e economia foi pensada a partir de um modelo colonial – a experiência açucareira e o mundo do Atlântico sul – e explicada pelo que lhe faltava em relação a esse espaço escolhido como “ideal” pela historiografia clássica que procurou dar conta da experiência portuguesa na América como um todo.3 O objetivo deste livro é fazer algo que poderíamos chamar de uma “história vinda de dentro”. A inspiração principal vem certamente dos textos de Sérgio Buarque de Holanda que, voltados para os sertões, nos ajudam a compreender as especificidades das diversas formações sociais construídas pelos paulistas (e sua expansão) no período colonial.4 Contudo, duas observações devem ser feitas. Em primeiro lugar, isso não significa deixar de lado a experiência “imperial” portuguesa. Nos últimos anos, a historiografia brasileira e a portuguesa têm revelado os diversos níveis – principalmente simbólicos e políticos – que atravessavam as várias “colônias” do Antigo Regime. O que se quer evitar é projetar para o antigo Estado do Maranhão uma lógica de ocupação que foi pensada para o Estado do Brasil, ou melhor, para uma parte dele. Afinal de contas, o Maranhão, o Pará e as demais capitanias que compunham o Estado não eram o Brasil, mesmo que, hoje, dele façam parte. Em 1624, pouco tempo depois da criação do Estado e poucos anos antes da chegada do primeiro governador, o capitão Simão Estácio da Silveira Refiro-me aqui aos trabalhos de: Roberto SIMONSEN. História econômica do Brasil. 8ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978; Caio PRADO JÚNIOR. História econômica do Brasil. 35ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987; Celso FURTADO. Formação econômica do Brasil. 22ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987; Nelson Werneck SODRÉ. Formação histórica do Brasil. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1964; Stuart SCHWARTZ. “O Brasil colonial, c. 1580-c. 1750: as grandes lavouras e as periferias”. In: Leslie BETHELL (org.). História da América Latina. São Paulo/Brasília: EdUSP/Fundação Alexandre Gusmão, 1998, vol. II, pp. 339-421; Luiz Felipe de ALENCASTRO. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 4 Refiro-me aqui aos seguintes textos: Sérgio Buarque de HOLANDA. O Extremo Oeste. São Paulo: Brasiliense, 1986; HOLANDA. Monções. 3ª edição, ampliada. São Paulo: Brasiliense, 1990; HOLANDA. Caminhos e fronteiras. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 3

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exemplarmente escrevia “o Maranhão é Brasil melhor”. 5 Se é preciso entender essa frase a partir da própria obra de “propaganda” escrita pelo capitão Silveira, ela, contudo, revela que se o Maranhão nascera ligado ao Brasil e à expansão de suas gentes, pouco a pouco, trilhava seus próprios caminhos. Por outro lado, mesmo com a importante inspiração de trabalhos como o de Sérgio Buarque de Holanda, não me parece que uma dicotomia que sempre teve um papel fundamental na construção de modelos explicativos para o Brasil como um todo – a do sertão/litoral – seja pertinente para entender a experiência do Estado do Maranhão e Pará. Essa distinção, ou melhor, os pressupostos dela, parecem não fazer muito sentido para essa conquista de Portugal. Não que o termo não fosse usado. Ao contrário, dele se lançava mão com frequência, inclusive a partir dos mesmos sentidos que se consagraram em outras conquistas, inclusive das várias capitanias do Brasil. 6 O que quero Simão Estácio da SILVEIRA. “Relaçaõ Sumaria das cousas do Maranhão” [1624]. ABN, vol. 94 (1974), p. 43. 6 A bibliografia sobre o sertão é tão vasta quanto os sentidos a que o termo remete. Torna-se difícil acompanhar o que tem sido escrito recentemente, felizmente, quero enfatizar aqui, pois tem se revelado profícua a produção, inclusive de discentes, principalmente das universidades do nordeste. Remeterei aqui, portanto, a alguns títulos clássicos e/ou suficientemente gerais, que me parecem indispensáveis para uma reflexão mais ampla: João Capistrano de ABREU. Capítulo de história colonial & Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil. 2ª edição. Brasília: EdUnB, 1998, pp. 113-68; Eidorfe MOREIRA. O sertão – a palavra e a imagem. Belém: H. Barra, 1959; Janaína AMADO. “Região, sertão, nação”. Estudos Históricos, vol. 8, nº 15 (1995), pp. 145-51; Lúcia Lippi OLIVEIRA. “A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento brasileiro”. História, ciências, saúde – Manguinhos, vol. 5, suplemento (1998), pp. 195-215; Emmanuel ARAÚJO. “Tão vasto, tão ermo, tão longe: o sertão e o sertanejo nos tempos coloniais”. In: Mary DEL PRIORE (org.). Revisão do paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de história. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 45-91; Pedro PUNTONI. A guerra dos bárbaros. Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec/EdUSP, 2002, pp. 21-87; Cristina POMPA. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru: EdUSC, 2003, pp. 199-219; Kalina Vanderlei SILVA. “O sertão na obra de dois cronistas coloniais: a construção de uma imagem barroca (século XVI-XVII)”. Estudos Ibero-Americanos, vol. XXXII, nº 2 (2006), pp. 4363; Alysson Luiz Freitas de JESUS. “O sertão e sua historicidade: versões e 5

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dizer é que não creio que se constituíram dois universos distintos no sertão e no litoral do Estado do Maranhão e Pará; ao contrário era um único universo projetado de distintas formas sobre o imenso e heterogêneo território que por sua vez ajudou a construir essa sociedade. Poderíamos dizer que o Estado do Maranhão e Pará era marcado por múltiplas espacialidades, todas elas conectadas como partes de um todo que compunham e ao qual davam sentido. Exemplar é o caso de Diogo de Fróis de Brito que aparecerá em vários momentos neste livro. Senhor do engenho Nossa Senhora da Conceição, no rio Mearim, capitania do Maranhão, produzia açúcar e, é claro, comprava africanos dos “carregamentos” enviados à custa da Coroa em finais do século XVII, como as “nove peças”, pelas quais pagou 1:440$000 réis, em 1693.7 Ora, quatro anos antes (em 1689), também comprara seis “peças” para “benefício de fazer açúcar”, não de escravos da Guiné, e sim de cativos resgatados por uma tropa enviada pela Câmara de São Luís a fazer escravos no Pará, com dinheiro da Coroa.8 Além do mais, em 1686, pouco antes desta compra, recorria ao rei, pedindo o privilégio, como senhor de engenho, e em conjunto com seus lavradores, de não ser executado nas fábricas dos engenhos, nem em seus escravos, “e que o mesmo se entenda com os escravos que forem mandados ao cravo e cacau”. 9 O mundo do trabalho nas terras de Diogo Fróis parecia ser mesmo complexo. Provavelmente no início do século XVIII, o senhor do engenho Conceição queixava-se ao rei das opressões do loco-tenente Fernão Carrilho, que fazia as vezes de governador do Maranhão. É que entre outras vexações, Carrilho lhe tomara quatro “servos dos forros pertencentes ao serviço do engenho por serem nascidos nele de escravos, os quais V.M. por lei mandar ficar nas mesmas fazendas onde são nascidos e criados”, além de um escravo Mina. 10 representações para o cotidiano sertanejo – séculos XVIII e XIX”. História & Perspectivas, vol. 35 (2006), pp. 247-65. 7 “CCU-Pedro II”. 16/11/1693. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 869. 8 “[Registro da repartição dos índios resgatados]”. 9/07/1689. APEM, Livro de Registro Geral (1689-1746), ff. 3-3v. 9 “Diogo Froes de Britto morador no Maranhaõ pede se lhe passe Provizaõ…”. 2/08/1686. AHU, cód. 49, ff. 243v-244. 10 “Requerimento de Diogo Fróis de Brito para Dom Pedro II”. c. 1700. AHU, Maranhão, cx. 10, doc. 1049.

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Enfim, escravos vindos do sertão, escravos vindos do além-mar, cultivo do açúcar, colheita do cacau e do cravo, tudo parecia se juntar na experiência do senhor Diogo Fróis de Brito, articulando universos que por muito tempo a historiografia considerou como separados e até opostos. Mas não é neste livro que quero me concentrar na pouca pertinência dessa dicotomia, tal qual serviu para compreender outras conquistas de Portugal (muito embora a idéia da articulação e complementaridade seja um dos caminhos que a pesquisa me indicou). Quero nas páginas que se seguem tentar desvendar e entender como a Coroa portuguesa respondeu aos problemas que o Conselho Ultramarino apontava em 1673, mas aos quais a Corte já havia prestado atenção anos antes. Assim, me concentrarei no povoamento, na ocupação do território e na agricultura (primeiro, segundo e terceiro capítulos, respectivamente) e no papel da Coroa em relação a eles. Mas cabe ainda fazer mais uma precisão. Quando os conselheiros falavam em “domínio imaginário”, para, em seguida, emendar afirmando a necessidade de povoadores e cultura, quero crer que eles se referiam a um típico específico de domínio, que se acreditava ser o mais eficaz: o da ocupação efetiva por povoadores que trabalhassem a terra. Daí a especificidade das preocupações desta obra, que não lidará com outras formas fundamentais de construção do domínio português do Estado do Maranhão e Pará, marcadas pelas expedições de guerra, pela manutenção das fronteiras, pelas missões e aldeamentos, pelas trocas e conflitos com estrangeiros e com diversos grupos indígenas, entre muitas outras. O escopo deste livro está em grande medida dado pela advertência do Conselho Ultramarino, pela maneira como ela se constrói e pelas influências que lhe dão sentido. Essas influências, infelizmente, não são tão fáceis de precisar. Podemos associar o conjunto das políticas da Coroa para o Maranhão ao chamado “mercantilismo”; entretanto, como vários autores já chamaram a atenção, não existe propriamente uma “doutrina mercantilista”. Em seu clássico e debatido livro, publicado pela primeira vez em 1931, Eli Heckscher já chamava a atenção para o fato de que o “mercantilismo nunca existiu no sentido em que Colbert ou Cromwell existiram”, tendo que ser encarado como “um conceito instrumental”

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adequado para a compreensão de um determinado período histórico (ou, como acrescenta depois, de uma “fase na história da política econômica”).11 Em obra escrita ainda nos anos 1930, John Ferguson definia o mercantilismo como “a totalidade dos meios econômicos empregados para conseguir esse objetivo [o fortalecimento do Estado], juntamente com a explicação teórica e a justificação da política nacionalista, tal qual foi exposta por centenas e ainda milhares de escritores”.12 Já nos anos 1950, Charles Wilson alertava para o fato de que era tão perigoso negar que certos “princípios” alimentaram tanto o pensamento como a política do período, como “apostrofar esses princípios e exagerar os seus efeitos”. 13 Donald C. Coleman chega a se referir ao mercantilismo como uma dessas “não-entidades que tiveram que ser inventadas para prevenir o estudo da história de cair no abismo do antiquarianismo [antiquarianism]”.14 Não sem razão, como argumenta Alfred W. Coats, o termo mercantilismo ainda hoje provoca “fortes emoções”, muito embora, destaque o fato de os historiadores da Europa continental dele se valeram com “menos inibições” do que os seus pares britânicos. 15 Obviamente, não se trata aqui de recolocar os debates em torno ao mercantilismo.16 Interessa enfatizar, em primeiro lugar, que afirmar que a política portuguesa do século XVII era do tipo “mercantilista” talvez não seja suficiente para pensar o lugar do Estado do Maranhão

Eli F. HECKSCHER. Mercantilism. Londres/Nova York: Routledge, 1994, vol. 1, p. 19. 12 John FERGUSON. Historia de la economía. México: FCE, s.d., p. 36. 13 Charles WILSON. “The other face of mercantilism”. Transactions of the Royal Historical Society, Fifth Series, vol. 9 (1959), p. 83. 14 Donald C. COLEMAN. “Mercantilism Revisited”. The Historical Journal, vol. 23, nº 4 (1980), p. 791. 15 Alfred W. COATS. “Mercantilism. Economic ideas, history, policy”. On the history of economic thought (British and American economic essays, 1). Londres/Nova York: Routledge, 1992, p. 45. Certamente, não é o caso de autores como Pierre Deyon. Ver: Pierre DEYON. O mercantilismo. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1985 [1969], pp. 10-12. 16 A esse respeito, ver: Lars MAGNUSSON. Mercantilism: the shaping of an economic language. Londres/Nova York: Routledge, 1994, pp. 21-59; e DEYON. O mercantilismo, pp. 74-89. 11

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e Pará no conjunto das “conquistas”. Em segundo lugar, a bibliografia aponta para duas questões importantes. Por um lado, num nível mais geral, acompanhando a reflexão de Lars Magnusson, apesar de todas as dificuldades que o termo suscita, ele ainda permite designar determinadas medidas econômicas, bem como uma tendência do pensamento econômico que enfatiza a produção de riquezas e não a distribuição moral delas (como preconizava o pensamento medieval). Daí, segundo Magnusson, o desenvolvimento de novos conceitos e idéias. Mais ainda, argumenta esse autor, o enfretamento dos problemas econômicos era feito no interior de um quadro de pensamento, mesmo que não houvesse um sistema definido.17 Numa introdução à edição de textos “mercantilistas ingleses”, Lars Magnusson defende que: “podemos começar a ver o mercantilismo como uma série de textos interconectados que tratavam da política prática da economia política [practical political economic policy] do momento, assim como apresentavam interpretações das condições econômicas de um determinado período, que decorre aproximadamente entre 1620 e 1750”.18

Por outro lado, a historiografia destaca a importância que adquirem os homens de negócios e figuras públicas na teorização das práticas econômicas19 e, igualmente, a centralidade das conjunturas econômicas na formulação de políticas e idéias sobre elas. 20 Certamente é esse o caso do pensamento político-econômico português do século XVII, que interessa aqui.

MAGNUSSON. “Introduction”. In: MAGNUSSON (org.). Mercantilist economics. Boston: Kluwer, 1993, pp. 3-7. 18 MAGNUSSON. “Introduction”. In: MAGNUSSON (org.). Mercantilism. Londres/Nova York: Routledge, 1995, vol. I, p. 4. 19 FERGUSON. Historia de la economía, pp. 40-41 e 44-45; COATS. “Mercantilism. Economic ideas, history, policy”, pp. 57-58; Cosimo PERROTTA. “Early Spanish mercantilism: the first analysis of underdevelopment”. In: MAGNUSSON (org.). Mercantilist economics. Boston: Kluwer, 1993, pp. 20-21 e 2426; DEYON. O mercantilismo, pp. 48-50. 20 COLEMAN. “Mercantilism Revisited”, pp. 773, 780, 785, 790-91. 17

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Nesse sentido, não há dúvida que as políticas para o Estado do Maranhão e Pará, analisadas neste livro, devem ser compreendidas também a partir do contexto da Restauração – das rearticulações que ele enseja21 – e das vicissitudes que o tempo impusera às conquistas e ao reino de Portugal. Assim, torna-se fundamental pensar num quadro geral, por um lado, marcado pelo declínio do domínio sobre a Índia e pelo deslocamento do eixo central do império para o Atlântico.22 Igualmente, é preciso considerar a consolidação da

Ver: Eduardo D‟Oliveira FRANÇA. Portugal na época da Restauração. São Paulo: Hucitec, 1997; Joaquim Veríssimo SERRÃO. História de Portugal. Lisboa: Verbo, 1996, vol. 5 (1640-1750), pp. 125-56; Luciano FIGUEIREDO. “O império em apuros. Notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII”, In: Jûnia FURTADO. Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte, UFMG, 2001, pp. 197-232. Edval de Souza BARROS. “Negócios de tanta importância”. O Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661). Lisboa: CHAMUNL/UA, 2008. Para um rápido panorama da historiografia da Restauração, ver: António Manuel HESPANHA. “A „Restauração portuguesa‟ nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641”. Penélope, nos 9/10 (1993), pp. 29-31. 22 Huguette CHAUNU & Pierre CHAUNU. “Autour de 1640: politiques et économies atlantiques”. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, année 9e, nº 1 (1954), pp. 44-54; Frédéric MAURO. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe siècle, 1570-1670. Étude économique. Paris: SEVPEN, 1960; Charles BOXER. O império colonial português. Lisboa: Edições 70, 1977, pp. 129-49; Charles BOXER. A Índia portuguesa em meados do séc. XVII. Lisboa: Edições 70, 1982; Anthony R. DISNEY. A decadência do império da pimenta: comércio português na Índia no início do séc. XVII. Lisboa: Edições 70, 1981; MAURO (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Luso-brasileiro (1620-1750). Lisboa: Estampa, 1991; Sanjay SUBRAHMANYAM. O império asiático português, 1500-1700. Uma história política e económica. Lisboa: Difel, 1995, pp. 205-56; ALENCASTRO. O trato dos viventes; Francisco BETHENCOURT. “O complexo atlântico”. In: BETHENCOURT & Kirti CHAUDHURI (dir.). História da expansão portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, vol. 2, pp. 315-42. CHAUDHURI. “O império na economia colonial”. In: BETHENCOURT & CHAUDHURI (dir.). História da expansão portuguesa, vol. 2, pp. 248-73. José Vicente SERRÃO. “O quadro económico”. In: António Manuel HESPANHA (org.). História de Portugal. O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, pp. 67-109. Para uma perspectiva econômica mais ampla sobre o período, ver: Immanuel WALLERSTEIN. The modern world-system 21

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dinastia bragantina, notadamente durante a regência e reinado de Dom Pedro II, como têm apontado diversos autores. Essa consolidação está marcada por uma relativa estabilidade política, e também, como indica Nuno Gonçalo Monteiro, pelo “retorno a um modelo bem definido de tomada das decisões políticas”. 23 Não que Portugal não atravessasse momentos delicados do ponto de vista econômico. Pelo menos essa é a leitura de Vitorino Magalhães Godinho, que aponta um considerável recuo da economia portuguesa do final da década de 1660 até 1693, “prolongada depressão dominada pela crise do açúcar, tabaco, prata e tráfico de escravos”.24 Mas a crise não significou uma retração da ação do Estado. Em texto clássico anterior, Godinho já chamava a atenção para o fato de que os portugueses tiveram consciência da crise e da necessidade de um “surto manufatureiro” para enfrentá-la, que o autor identifica com a introdução de uma “política colbertista” em Portugal.25 Por outro lado, houve uma reestruturação monetária e diversas outras medidas direcionadas ao reino e às conquistas. 26 Ora, parte dessas ações voltou-se também para as conquistas, caso do Estado do Maranhão e Pará. Magalhães Godinho e, depois, Carl Hanson identificaram o que este chamou de “esforços da coroa para

II. Mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova York: Academic Press, 1989. 23 Nuno Gonçalo Freitas MONTEIRO. “A consolidação da dinastia de Bragança e o apogeu do Portugal barroco: centros de poder e trajetórias sociais (16681750)”. In: José TENGARRINHA (org.). História de Portugal. Bauru/São Paulo/Lisboa: EdUSC/EdUNESP/Instituto Camões, 2000, p. 130. A esse respeito, ver também: Carl HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, 1668-1703. Lisboa: Dom Quixote, 1986, pp. 20-22. 24 Vitorino Magalhães GODINHO. “Portugal and her empire, 1680-1720”. In: John S. BROMLEY (org.). The new Cambridge modern history. Cambridge: CUP, 1970, vol. IV, p. 511. 25 GODINHO. “Problèmes d‟économie atlantique. Le Portugal, les flottes du sucre et les flottes de l‟or (1670-1770)”. Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, vol. 5, nº 2 (1950), p. 186. 26 Ver: GODINHO. “Problèmes d‟économie atlantique. Le Portugal, les flottesdu sucre et les flottes de l‟or (1670-1770)”, pp. 186-87; GODINHO. “Portugal and her empire, 1680-1720”, pp. 511-17.

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revitalizar a periferia”, e que no caso da Amazônia estavam relacionadas ao desenvolvimento da cultura das drogas do sertão. 27 Infelizmente, a literatura sobre o pensamento político-econômico português tem pouco lugar para as “conquistas” consideradas como menos importantes pela historiografia. 28 Por outro lado, em geral, os autores clássicos se voltam para algumas figuras emblemáticas do século XVII. Nas histórias do pensamento econômico português, ganham destaque autores como Luís Mendes de Vasconcelos, Duarte Gomes Solis, Manuel Severim de Faria, o padre Antônio Vieira 29 e Duarte Ribeiro de Macedo. 30 Todos eles, como apontou Armando GODINHO. “Portugal and her empire, 1680-1720”, pp. 530-31; HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, pp. 247-51. A respeito dos ensaios com as drogas, ver: Martim de ALBUQUERQUE. O Oriente no pensamento económico português no século XVII. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, 1967; José Roberto do Amaral LAPA. “O problema das drogas orientais”. In: Economia colonial. São Paulo: Perspectiva, 1973, pp. 111-40; e Luís Ferrand de ALMEIDA. “Aclimatação de plantas do Oriente no Brasil durante os séculos XVII e XVIII”. In: Páginas dispersas. Estudos de história moderna de Portugal. Coimbra: IHES/FLUC, 1995, pp. 59-129 (republicação de artigo saído na Revista Portuguesa de História, em 1975). 28 Aliás, isso não é exclusivo do mundo português. A esse respeito, ver: Alain CLÉMENT. “English and French mercantilist thought and the matter of colonies during the 17th century”. Scandinavian Economic History Review, vol. 54, nº 3 (2006), pp. 291-323. Ver também numa versão preliminar: CLÉMENT. “Les mercantilistes et la question coloniale au XVIe et XVIIe siècle”. Outremers: revue d’histoire, nos 348-349 (2005), pp. 167-202. 29 Sobre o padre Antônio Vieira especificamente há material recente de interesse. Ver: Leandro Henrique MAGALHÃES. “Padre Antônio Vieira e a economia portuguesa da Restauração”. Revista de História Regional, vol. 11, nº 1 (2006), pp. 87-107; e Paulo de ASSUNÇÃO. “O pensamento económico do António Vieira. Um mar de pensamentos na busca de soluções para Portugal”. Revista Lusófona de Ciência das Religiões, ano VII, nos 13/14 (2008), pp. 159-80. 30 Ver: Moses Bensabat AMZALAK. A economia política em Portugal. O economista Duarte Gomez Solis. Lisboa: s.c.e., 1922; AMZALAK. A economia política em Portugal. O diplomata Duarte Ribeiro de Macedo e os seus discursos sôbre economia política. Lisboa: s.c.e., 1922; AMZALAK. A economia política em Portugal. Os estudos económicos de Manuel Severim de Faria. Lisboa: s.c.e., 1922; António SÉRGIO. “Nótulas preambulares”. In: Antologia dos economistas portugueses. Século XVII. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1924, pp. III-LII; AMZALAK. Anciens économistes portugais du Moyen-Age au XVIIe siècle. Lisboa: Institut Français au Portugal, 1940, pp. 7-27; René GONNARD. Les doctrines 27

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Castro, não deixaram de ter um papel central para se pensar os problemas concretos que o reino atravessava então, pois “pela própria força da sua inserção social eles se debruçam sobre aspectos bem reais e sensíveis dos problemas económicos portugueses”.31 Entretanto, fica de lado um considerável número de “pensadores” e “escritores” que pertenciam aos conselhos, ou eram ouvidos por eles (como era de praxe no Conselho Ultramarino com os procuradores da Coroa e da Fazenda, ou com os antigos governadores), ou simplesmente se manifestavam por alguma razão a respeito das coisas das conquistas. A pesquisa, contudo, indicou que esses “pequenos” autores, alguns inclusive anônimos, foram fundamentais para definir – a partir do “vai e vem” da correspondência pelos mares – boa parte dos rumos que tomariam as políticas da Coroa para a região. A relação entre a teorização e as políticas econômicas concretas dos estados europeus é uma das questões importantes do debate em torno ao “mercantilismo”.32 Na historiografia portuguesa ou sobre Portugal não poderia ser diferente.33 Não se trata neste livro de tentar resolver essa equação, que nos levaria muito longe do Maranhão. De qualquer modo, vale a pena reter a advertência de Carl Hanson, para quem, em Portugal, “aquilo que os escritores mercantilistas mercantilistes au XVIIe siécle en Portugal. Paris: Libraire des Sciences Economiques et Sociales, 1935; GONNARD. La conquête portugaise. Découvreurs et économistes. Paris: Editions Politiques, Economiques et Sociales/Libraire de Medicis, 1947, pp. 81158; José Calvet de MAGALHÃES. História do pensamento económico em Portugal. Da Idade Média ao Mercantilismo. Coimbra: Imprensa Universitária, 1967, pp. 144 e ss. Para uma historiografia do pensamento econômico em Portugal, ver: José Luís CARDOSO. “The history of economic thought in Spain and Portugal: a brief survey”. History of Political Economy, nº 34 (2002), pp. 137-47. 31 Armando CASTRO. As doutrinas económicas em Portugal na expansão e na decadência (séculos XVI a XVIII). Lisboa: ICP, 1978, p. 32. Ver também: António ALMODOVAR & José Luís CARDOSO. A history of Portuguese economic thought. Londres/Nova York: Routledge, 1998, pp. 14-35. 32 Ver: HECKSCHER. Mercantilism, p. 25; FERGUSON. Historia de la economía, p. 36; WILSON. “The other face of mercantilism”, p. 83; COATS. “Mercantilism. Economic ideas, history, policy”, pp. 53, 57; MAGNUSSON. “Introduction”. In: MAGNUSSON (org.). Mercantilist economics, p. 9; MAGNUSSON. “Introduction”. In: MAGNUSSON (org.). Mercantilism, vol. I, pp. 8-9. 33 CASTRO. As doutrinas económicas em Portugal na expansão e na decadência, pp. 4247; HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, pp. 127-53.

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propuseram e o que aconteceu foram, evidentemente, duas histórias diferentes. As políticas prosseguidas pelo governo imperial eram também traçadas pelas necessidades fiscais, custos de defesa e outras contingências”.34 Quando o Conselho Ultramarino escrevia ao príncipe em 1673, o termo que se destacava em relação ao Estado do Maranhão e Pará era o domínio. As discussões em torno da ocupação econômica do espaço e do povoamento, quero crer, foram dominadas por esta preocupação – compreensível diante da extensão do território, da imprecisão de suas fronteiras, e das “ameaças” que constantemente o assediavam.

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HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, p. 153.

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Ocupação portuguesa 1500 – 1600 1600 – 1700 1700 – 1760

Com base em: John HEMMING. Red Gold: the conquest of the Brazilian Indians. Londres: MacMillan, 1978

CAPÍTULO I

Povoadores, degredados e soldados Desde 1640, a preocupação em povoar tão vasto domínio fez parte das inquietações dos primeiros reis bragantinos (o que se manteve durante boa parte do período colonial, inclusive durante o ministério Pombalino).1 Significativamente, vários autores do período moderno, tanto em Portugal, quanto no resto da Europa, fundamentavam o desenvolvimento e poder das nações ao crescimento da população. A historiografia enfatiza a importância da percepção de que o poder do príncipe estava em estreita relação com o número de súditos, principalmente a população economicamente produtiva, refletindo uma mudança na concepção sobre o crescimento populacional, cada vez mais atrelada a questões de cunho econômico.2 Em Portugal, autores como Manuel Severim de Faria e Duarte Ribeiro de Macedo já apontavam para os problemas que decorriam da despovoação do reino, inclusive indicando a emigração para as conquistas e também a estrutura agrária como causas desses males.3

Maria Luiza MARCÍLIO. “A população do Brasil colonial”. In: BETHELL (org.). História da América Latina, vol. II, p. 321. 2 René GONNARD. Histoire des doctrines de la population. Paris: Nouvelle Libraire Nationale, 1923, pp. 89-90; Johannes OVERBEEK. “Mercantilism, physiocracy and population theory”. The South African Journal of Economics, vol. 41, nº 2 (1973), pp. 167-173; OVERBEEK. Historia de las teorías demográficas. México: FCE, 1984, pp. 44-51; Joseph J. SPENGLER. “History of population theories”. In: The Economics of population: classic writings (textos organizados por Julian L. Simon). New Brunswick: Transaction Publishers, 1998, pp. 6-7. Para um esmiuçamento das concepções modernas sobre população, a partir de autores clássicos, ver: Philip KRAEGER. “Early modern population theory: a reassessment”. Population and Development Review, vol. 17, nº 2 (1991), pp. 207-27. Ver também: JeanClaude PERROT. Une histoire intelectuelle de l’économie politique. XVIIe-XVIIIe siècle. Paris: Éditions EHESS, 1992, pp. 143-62. 3 AMZALAK. As doutrinas da população em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: s.c.e., 1947, pp. 11-24; ALMODOVAR & CARDOSO. A history of Portuguese 1

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O Estado do Maranhão e Pará, contudo, foi ao longo da segunda metade do século XVII objeto de inúmeras tentativas de incremento populacional. É que mais do que um lugar que drenava a população do reino, como, desde o século XVI, vários autores pensavam em relação à Índia, a Amazônia era vista como uma região a povoar para assegurar o domínio sobre o território, processo que deveria se completado pela fixação desses “povoadores” ou “habitadores” à terra por meio notadamente da agricultura. O incentivo ao povoamento das capitanias reais foi organizado em diversos níveis pela Coroa – muitas vezes por solicitação principalmente dos governadores. O movimento de pessoas, como salientou Anthony Russell-Wood foi uma característica frequente não só na América como em todas as conquistas de Portugal. Entretanto, para Russell-Wood, o “papel do Estado no incentivo à migração foi mínimo”.4 Dados referentes ao Estado do Maranhão e Pará, contudo, revelam outra perspectiva. Em relação à Amazônia, o limitado número de europeus que se dirigia para a região ensejou uma ação clara da própria Coroa, que pode ser percebida em diversas esferas e em relação a vários grupos, não só de europeus. É preciso ressaltar que falar de migração e povoamento requer enfrentar, antes de tudo, um problema de dimensionamento (e das escolhas que dele decorrem). De fato, não se pode pensar a ocupação humana da Amazônia colonial, apenas em termos de migração de grupos de europeus, não só no sentido Reino-Maranhão, mas também no interior da própria Amazônia.5 Isto porque a sociedade colonial que se constituiu na região – deixando de lado, por enquanto, a sua heterogeneidade –, implicava a participação de diversos outros grupos sociais (também heterogêneos). Refiro-me aqui não só aos escravos africanos, trazidos à força, principalmente a partir de finais do século economic thought, pp. 26-30; ALBUQUERQUE. O Oriente no pensamento económico português no século XVII, pp. 6-8. 4 Anthony John R. RUSSELL-WOOD. The Portuguese empire, 1415-1808. A world on the move. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1998, p. 62. 5 Sobre movimento interno na América portuguesa, ver: Sheila de Castro FARIA. A colônia em movimento. Fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 101-62; Sérgio Odilon NADALIN. “A população no passado colonial brasileiro: mobilidade versus estabilidade”. Topoi, vol. 4, nº 7 (2003), pp. 222-75.

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XVII.6 Há também que se considerar os complexos movimentos indígenas, suscitados pela chegada dos portugueses à região. Isso significa pensar a constituição de aldeias de índios livres nas proximidades das comunidades portuguesas, decorrentes dos chamados descimentos, organizados principalmente por missionários (houve ainda descimentos voluntários levados a cabo pelos próprios grupos indígenas); mas igualmente os descimentos privados, autorizados pela Coroa a partir da década de 1680, e também o movimento de índios escravizados no sertão (através das guerras e dos resgates).7 Sobre tráfico negreiro para o século XVII e início do século XVIII, ver: Colin MACLACHLAN. “African slave trade and economic development in Amazonia, 1700-1800”. In: Robert Brent TOPLIN (org.). Slavery and race relations in Latin America. Westport: Greenwood Press, 1974, pp. 112-45; Rafael CHAMBOULEYRON. “Escravos do Atlântico Equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII)”. Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 52 (2006), pp. 79-114; Daniel Domingues da SILVA. “The Atlantic slave trade to Maranhão, 1680-1846: volume, routes and organisation”. Slavery & Abolition, vol. 29, nº 4 (2008), pp. 477-501; Benedito Costa BARBOSA. Em outras margens do Atlântico: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Grão-Pará (1707-1750). Belém: Dissertação de Mestrado (História), UFPA, 2009. Neste ano será lançado um livro de Walter Hawthorne, intitulado From Africa to Brazil. Culture, Identity, and an Atlantic Slave Trade, 1600-1830 (publicado pela Cambridge University Press), sobre o tráfico negreiro para o Maranhão. 7 Sobre descimentos e escravidão indígena até meados do século XVIII, ver: David SWEET. A rich realm of nature destroyed: the middle Amazon valley, 1640-1750. Madison: Tese de doutorado, University of Wisconsin, 1974, vol. II, pp. 578625; Sue GROSS. “Labor in Amazonia in the first half of the eighteenth century”. The Americas, vol. XXXII, nº 2 (1975), pp. 211-21; Maria Regina Celestino de ALMEIDA. “Trabalho compulsório na Amazônia: séculos XVIIXVIII”. Revista Arrabaldes, ano I, nº 2 (set.-dez. 1988), pp. 101-17; John M. MONTEIRO. “Escravidão indígena e despovoamento na América portuguesa: S. Paulo e Maranhão”. In: Jill DIAS (org.). Brasil nas vésperas do mundo moderno. Lisboa: CNCDP, 1992, pp. 137-67; Antônio PORRO. “Os povos da Amazônia à chegada dos europeus” e “História indígena do alto e médio Amazonas. Séculos XVI a XVIII”. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1996, pp. 9-36 e 37-73; Mauro da Costa de OLIVEIRA. Escravidão indígena na Amazônia colonial. Goiânia: Dissertação de Mestrado (História), UFG, 2001; Barbara SOMMER. “Colony of the sertão: Amazonian expeditions and the Indian slave trade”. The Americas, vol. 61, nº 3 (2005), pp. 6

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De qualquer modo, quero deixar claro desde já que não é sobre africanos e indígenas que tratarei aqui. Em grande medida, embora como trabalhadores tenham participado ativamente da ocupação do Estado do Maranhão e Pará, não eram o tipo de “habitadores” que o Conselho Ultramarino tinha em mente, nem tampouco a Coroa. Por outro lado, é preciso assinalar que uma reflexão sobre o “povoamento” da Amazônia no século XVII, pensando-o a partir das preocupações da Coroa, implica pensar uma série de eixos que permitam dar sentido a uma documentação geralmente fragmentária. Assim, por um lado, é preciso dividir os grupos de migrantes a partir do seu lugar na sociedade portuguesa da época (cujos valores em boa parte se reproduziram no Novo Mundo, principalmente os que diziam respeito à distinção social).8 Portugueses, além dos indígenas e africanos, ou melhor, brancos, índios (ou negros) e pretos – termos que faziam sentido à época – migraram (não necessariamente de forma voluntária) por diversas razões para ou no interior o Estado do Maranhão; essas razões estavam ancoradas no lugar que ocupavam na 401-28; Marcia Eliane Alves de Souza e MELLO. “Desvendando outras Franciscas: mulheres cativas e as ações de liberdade na Amazônia colonial portuguesa”. Portuguese Studies Review, vol. 13, nº 1 (2005), pp. 1-16; Décio de Alencar GUZMÁN. “Encontros circulares: guerra e comércio no Rio Negro (Grão-Pará), séculos XVII e XVIII”. Anais do Arquivo Público do Pará, vol. 5, tomo 1 (2006), pp. 139-65; Karl-Heinz ARENZ. De l’Alzette à l’Amazonie. JeanPhilippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise (1661-1693). Paris: Tese de Doutorado (História), Université Paris IV-Sorbonne, 2007; Camila Loureiro DIAS. Civilidade, cultura e comércio: os princípios fundamentais da política indigenista na Amazônia (1614-1757). São Paulo: Dissertação de Mestrado (História), USP, 2009, pp. 87-127; Fernanda Aires BOMBARDI. “„Persuasões‟ e „escoltas‟: descimentos e política na Amazônia colonial (séculos XVII e XVIII)”. In: Anais do XXIX Encontro Nacional dos Estudantes de História. Belém: ENEH, 2009, pp. 351-63; M.E.A.S. MELLO. Fé e império. As Juntas das Missões nas conquistas portuguesas. Manaus: EdUA/FAPEAM, 2009, pp. 243-317; Heather Flynn ROLLER. “Migrações indígenas na Amazônia do século XVIII”. In: Cristina Donza CANCELA & CHAMBOULEYRON (orgs.). Migrantes na Amazônia (do período pré-colombiano aos dias de hoje). Belém: Açaí, 2010, PP. 27-39. 8 Para uma discussão a respeito das distinções sociais na América e sua relação com as tradições ibéricas, ver: Stuart SCHWARTZ. Sugar plantations in the formation of Brazilian society. Bahia, 1550-1835. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 245-64.

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sociedade para onde se dirigiram, mas também na sociedade de onde saíam, como discutiu Ida Altman para o caso da América espanhola.9 Nesse sentido, se europeus, indígenas e africanos constituem os três grandes grupos que migraram para e na região e compuseram – inclusive por meio da mestiçagem – a sociedade colonial, há no interior de cada um deles distinções que os rearticulam, fazendo com que de forma alguma possamos pensá-los como homogêneos. Ganham aqui importância as três “dimensões cruciais” numa analise da migração colonial, seguindo a sugestão de David Robinson: espaço, tempo e as características do migrante.10 No caso dos portugueses, que é sobre o qual me debruçarei aqui, por um lado, as distinções estavam dadas pela própria sociedade de origem e decorriam de diversos lugares de significação. A religião (cristãos-novos), a aplicação justiça (degredados), as questões militares (soldados), a profissão (oficiais mecânicos), e a família (mulheres a procura dos maridos, por exemplo), entre vários outros fatores, nos ajudam a entender as razões que ensejaram a migração (voluntária ou não) de gente do Reino para o Maranhão. Por outro lado, esse tipo de motivação é recortada por outra, de natureza geográfica, que é preciso desvendar. Assim, é notável, como veremos, que nas décadas de 1690 e 1700, um significativo número de tropas fosse recrutado na ilha da Madeira. Do mesmo modo, foram inúmeras as levas de casais de açorianos enviadas à custa da Coroa, ao longo de todo o século XVII, para povoar e lavrar a terra. Isso determina pelos menos dois grandes fluxos migratórios de europeus: um que saía do próprio Reino, e outro que partia das Ilhas atlânticas. No caso das ilhas, esses movimentos

Altman chamou a atenção para a necessidade de estudar o contexto da sociedade de onde partiam os migrantes (no caso, a Estremadura espanhola) – e não só a que os recebia. Essa perspectiva permite conhecer também “os padrões de comportamento econômico e social, as formas de organização e as expectativas culturais, observadas na América espanhola, que tinham raízes no Velho Mundo”. Ida ALTMAN. “Emigrants and society: an approach to the background of Colonial Spanish America”. Comparative studies in society and history, vol. 30, nº 1 (1988), p. 171. 10 David ROBINSON. “Introduction: towards a typology of migration in colonial Spanish America”. In: ROBINSON (org.). Migration in colonial Spanish America. Cambridge: CUP, 1990, p. 5. 9

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parecem se confundir com outros dois padrões: soldados da Madeira e lavradores dos Açores. Mas há também distinções construídas (ou recriadas) no Novo Mundo.11 Senhores, lavradores, oficiais da Câmara, “pobres”, sertanistas, entre outros grupos, tiveram papéis diferenciados e lugares distintos no mundo que se construía no Estado do Maranhão e Pará, ao longo do século XVII. De outro lado, principalmente em lugares como o Pará, constituiuse uma sociedade cuja mobilidade parecia estar determinada pelas atividades econômicas: as jornadas ao sertão e as concentração das roças nos rios Acará e Moju. Finalmente, necessidades de defesa foram responsáveis por deslocamentos internos, como as que mobilizaram a Coroa e autoridades contra os “índios do corso”, com a fundação da Vila Nova de Icatu, na fronteira oriental da capitania do Maranhão. Poderíamos falar de três tipos de migração de portugueses para o Estado do Maranhão. Em primeiro lugar, o caso de indivíduos que solicitavam voluntariamente a sua mudança para as capitanias do Maranhão e do Pará. Em segundo lugar, o fluxo de “viajantes involuntários”, para usar a expressão de Janaína Amado, composto por soldados e degredados, categorias que, em geral, se confundiam. E, finalmente, um movimento mais amplo que poderíamos caracterizar

O que vale também para índios e africanos, para os quais estatuto jurídico que separava livres e escravos era fundamental. Assim, um descimento de índios livres que vinham do sertão e se instalavam próximo às comunidades dos portugueses, para serem convertidos e depois repartidos entre os moradores para trabalhar, por exemplo, era algo muito diferente de um “lote” de escravos resgatados ou de cativos decorrentes de guerra justa, feitos também no sertão. O lugar de origem dos deslocados era o mesmo – o sertão – e todos pertenciam a nações indígenas. Entretanto, seu novo lugar na sociedade implicava que o processo migratório tinha conseqüências diferenciadas para os dois grupos. Aliás, a própria ideia de sertão, como lugar de saída de grupos indígenas (fossem eles livres ou escravos) era também decorrente da própria colonização européia. Embora se tratasse em ambos os casos de trabalho compulsório, ser escravo ou livre era uma distinção fundamental naquela sociedade. O aprendizado da nova condição social foi um elemento importante nesse processo. A esse respeito, ver: MONTEIRO. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 154-87. 11

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como “migração em massa”, que consistiu na organização e envio de várias levas, principalmente de açorianos, para a região. Os três tipos de migração revelam uma ação intensa da Coroa, seguramente uma resposta ao que os conselheiros ultramarinos haviam alertado ao príncipe Dom Pedro II. É que, de uma forma ou de outra, os três grupos eram vistos pela Coroa como os “habitadores” de que tanto precisava o Estado do Maranhão.

“Pessoas que quiserem ir passar àquelas partes” Frequentemente incentivada pela Coroa, a migração “voluntária” do Reino para o Estado do Maranhão revela uma miríade de razões que justificavam a viagem, dificultando a definição de qualquer padrão de migrante.12 Os poucos dados que permitem reconstituir esse tipo de fluxo originam-se dos requerimentos formulados pelos próprios indivíduos (às vezes acompanhados da família), o que, de todo modo, possibilita compreender de que maneira a própria Coroa e o Conselho Ultramarino percebiam esse tipo de fluxo migratório.13 Alguns casos permitem vislumbrar os motivos da viagem para o Maranhão. João Francisco Rabasqueiro, por exemplo, era genovês e Ao estudar a migração inglesa para o Novo Mundo, Anthony Salerno adverte que a documentação pouco pode revelar acerca dos migrantes, em razão do próprio grupo social ao qual pertenciam, geralmente constituído em sua maioria por iletrados. De fato, a maioria dos dados sobre aqueles que migravam são obtidos indiretamente, por meio de instituições como o Conselho Ultramarino. Anthony SALERNO. “The social background of Seventeenth-Century emigration to America”. The Journal of British Studies, vol. 19, nº 1 (1979), p. 31. 13 Infelizmente, apesar de alguns requerimentos explicarem as razões da viagem, não há indícios de outro elemento importante para compreender esse tipo de migração, que é a própria percepção que tinham os portugueses (e não a Coroa ou os Conselhos) do Estado do Maranhão e Pará ao longo do século XVII. Há interessante investigação relativa ao Canadá francês a esse respeito. Ver: Peter MOOGK. “Reluctant exiles: emigrants from France in Canada before 1760”. The William and Mary Quarterly, vol. 46, nº 3 (1989), pp. 463-505; Yves LANDRY. “Les français passés au Canada avant 1760: le regard de l‟émigrant”. Revue d’histoire de l’Amérique française, vol. 59, nº 4 (2006), pp. 481-500. 12

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vivia havia 28 anos em Lisboa. Solicitava à Coroa permissão para viajar para a capitania do Pará, “com sua casa”, argumentando a “falta que nela há de quem cure aos feridos e enfermos, em razão de não haver médicos nem cirurgiões”.14 Já Manuel Siqueira e Magalhães declarava ser pobre, incapaz de “sustentar-se e a sua família”, razão pela qual solicitava permissão e ajuda de custo para poder viajar com sua mulher e quatro filhos.15 Maria dos Santos Rodrigues requeria autorização para viajar ao Maranhão para se juntar ao marido, Manuel Gomes Ourém, artilheiro em uma fortaleza do Estado, pois não tinha como sustentarse em Lisboa.16 José Martins, “oficial de coronheiro”, por sua vez, explicava que queria passar ao Pará “onde tem um irmão com a mesma ocupação, em razão de este avisar que não podia acudir a todas as obras que tinha, e lhe ser necessário para o ajudar ao dito exercício”.17 Finalmente, Manuel Antônio, “mestre pedreiro”, morador e natural de Braga, queria viajar à capitania do Pará, com a sua mulher e 4 filhos, solicitando ajuda de custo para “poder aviar-se e pagar a passagem”.18 Outro tipo de dado sobre esse fluxo de pessoas indica que a jornada ao Estado do Maranhão tinha que ser garantida por um fiador, pelo menos para o caso de trabalhadores qualificados. No registro dos contratos reais, encontram-se várias garantias dadas a pessoas que embarcavam para a Amazônia. Era o caso de Antônio de Madureira, “oficial de ferreiro”, que embarcava para o Estado do Maranhão, em 1676, com a mulher e seis filhos, tendo como fiador a Antônio Martins.19 Já João dos Santos, “oficial de coronheiro”, tivera a Luís Antunes Barbeiro, morador em Lisboa, como seu fiador e principal pagador, o qual se vira desobrigado da fiança ao ter João dos Santos de “CCU-Pedro II”. 2/12/1673. AHU, Pará, cx. 2, doc. 153. “CCU-Pedro II”. 27/09/1677. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 616. O príncipe autorizou um auxílio de 24 mil réis (8 mil de ajuda de custo e 16 mil de “mantimento”). 16 “CCU-Pedro II”. 12/12/1692. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 855. 17 “CCU-Pedro II”. 7/12/1693. AHU, Pará, cx. 4, doc. 319; e “CCU-Pedro II”. 13/3/1693. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 865. 18 “Manoel Antonio Antonio [sic] mestre pedreiro que se offerece a ir para o Maranhaõ com sua molher e filhos pede ajuda de custo para se apprestar”. 10/12/1698. AHU, cód. 51, f. 207. 19 “Termo de fiança que deu Ant.o de Madureira a se embarcar p.a o Maranhaõ com sua m.er e seis filhos”. 18/08/1676. AHU, cód. 296, f. 17. 14 15

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fato embarcado para o Maranhão.20 Antônio de Siqueira, “juiz do ofício de espingardeiro” serviu de fiador a Luís Fernandes, “oficial de serralheiro”, e se viu desobrigado da fiança com o embarque deste.21 O caso dos migrantes voluntários, cuja frequência é impossível de mensurar, como dissemos, leva a pensar o quanto muitos deles não podiam fugir também de perseguições religiosas. Russell-Wood chama a atenção para o fato de que se muitos cristãos-novos saíam de Portugal rumo à Europa do norte, as conquistas foram também um “lugar de refúgio” para aqueles que buscavam fugir ao risco de permanecer no reino.22 Como já mencionei, mais do que tentar compreender os motivos da viagem, interessa aqui entender como a Coroa percebia esses deslocamentos. Fica claro nos pareceres emitidos pelo Conselho Ultramarino sobre os requerimentos dos migrantes, que tais jornadas eram vistas não só como uma forma de suprir a escassez de trabalhadores qualificados – no caso dos oficiais –, mas igualmente como uma maneira de povoar a região. Os casos citados acima são exemplares nesse sentido. Ao determinar a soma de dinheiro a ser dada a Manuel Siqueira e Magalhães, o Conselho enfatizava que o príncipe “tem ordenado que se dê provisão às pessoas que quiserem ir passar àquelas partes”. Na consulta referente à viagem de José Martins, os conselheiros argumentavam que o pleito era uma forma de o oficial exercer seu ofício no Estado do Maranhão, “ajudando por este meio a povoá-lo”. No caso do pedreiro Manuel Antônio, o Conselho Ultramarino era favorável à ajuda de custo solicitada pelo fato de ele embarcar como “povoador” para o Maranhão, “onde é conveniente passarem muitos deste reino”. “Termo de fiança q. da Joaõ dos Santos a se embarcar p.a o Maranhaõ em Comp.a do gov.or Artur de Sá”. 19/12/1686. AHU, cód. 296, f. 62. 21 “Termo de fiança q. faz Luis Fernandes de […] a ce embarcar p. a o Estado do Maranhaõ”. 18/12/1686. AHU, cód. 296, f. 63. A respeito deste caso, incluindo outros oficiais que embarcavam para o Estado do Maranhão, ver também: “CCU-Pedro II”. 30/10/1686. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 752. 22 RUSSELL-WOOD. The Portuguese empire, 1415-1808, p. 108. Sobre o lugar dos cristãos-novos nas conquistas da América (no caso na Bahia), ver: Anita NOVINSKY. Cristãos novos na Bahia. São Paulo: EdUSP/Perpsectiva, 1972, pp. 57-102; ver também: Maria Luiza Tucci CARNEIRO. Preconceito racial no Brasil colônia. Os cristãos-novos. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp. 43-194. 20

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Em momentos de evidente escassez de moradores, como durante os anos que se seguiram à invasão holandesa a São Luís, tais preocupações tornavam-se urgentes. Em 1644, por exemplo, Dom João IV determinou ao Conselho da Fazenda que declarasse em Lisboa e no resto do reino que “toda a pessoa que quiser ir viver naquelas partes se lhe dará passagem e mantimentos para a jornada”.23 Poucos meses antes, o próprio Conselho Ultramarino havia lembrado ao rei que antes da invasão holandesa, o soberano costumava conceder “passagem e mantimento a toda pessoa que ia para aquele Estado, por ser em utilidade dele”. Diante das dificuldades, era agora necessário renovar tal tipo de medida, dada a falta de moradores nas capitanias do Estado do Maranhão, pelo que cabia que se procurasse “por todos os meios possíveis a povoação delas”.24 Se João Francisco Lisboa refere-se ao fato de que a legislação portuguesa “sempre procurou contrariar e dificultar a emigração e embaraçar o livre trânsito dos súditos”, os casos, aqui analisados, revelam que a política portuguesa evidentemente se adaptava às necessidades de cada uma de suas conquistas.25 As consultas do Conselho Ultramarino revelam o interesse claro da Corte em fomentar a migração para a Amazônia. É claro que o fluxo de pessoas não se dava somente no sentido Portugal/Maranhão, mas também da conquista para o reino. Para Russell-Wood, o império português era caracterizado pelo “constante fluxo e refluxo de pessoas”.26 Esta mobilidade era frequente no caso dos oficiais a serviço da Coroa, como os governadores, que percorriam todo o império. Tal temática deu ensejo a uma reflexão sobre o que Maria de Fátima Gouvêa chama de “trajetórias administrativas”, cuja construção “tornou possível a combinação de uma política de distribuição de cargos, e portanto de mercês e privilégios, a uma de hierarquização de recursos humanos, materiais e territoriais por meio

“Socorro ao Maranhaõ”. 13/08/1644. DGARQ/TT, MR-CF, Registro de decretos, livro 162, f. 140. 24 “CCU-João IV”. 29/7/1644. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 155. 25 João Francisco LISBOA. Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão [1853-1858]. Petrópolis/Brasília: Vozes/INL, 1976, p. 537. 26 RUSSELL-WOOD. The Portuguese empire, 1415-1808, p. 63. 23

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do complexo territorial”.27 Entretanto, não eram os oficiais da Coroa os responsáveis pelo povoamento da região, qualquer que tenha sido a sua importância para compreender o governo das conquistas da América.28 A mobilidade era também característica de outros grupos sociais. Muitos, de fato, requeriam autorização para voltar ao reino, após anos de permanência no Estado do Maranhão. Francisco da Rocha Portocarreiro, por exemplo, que embarcou para o Pará, “onde se casou com uma parenta sua, filhas de portugueses”, solicitava ao rei licença para retornar a Portugal, com sua mulher, para administrar uma herança deixada por um tio seu. Ouvido o Conselho Ultramarino, declarou-se favorável à concessão, “não se oferecendo na tal licença inconveniente do serviço de V.M., ou prejuízo de terceiro em razão de dívidas ou demandas que pode haver”.29 O controle da população por parte da Coroa era evidente nesse tipo de requisições, papel no qual as autoridades locais – no caso o capitão-mor do Pará – tinham uma função central.

Maria de Fátima Silva GOUVÊA. “Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808)”. In: João FRAGOSO & Maria de Fátima GOUVÊA & Maria Fernanda BICALHO (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 287. 28 A bibliografia sobre elites e governo nas conquistas de Portugal é vasta. Remeto aqui às principais obras coletivas: António Manuel HESPANHA & Ângela Barreto XAVIER. “Os poderes num império oceânico”. In: HESPANHA (org.). História de Portugal. O Antigo Regime, pp. 351-66; FRAGOSO & BICALHO & GOUVÊA (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII); BICALHO & Vera Lúcia Amaral FERLINI (orgs.). Modos de governar: idéias e práticas políticas no Império português. Séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005; Nuno Gonçalves MONTEIRO & Pedro CARDIM & Mafalda Soares da CUNHA (orgs.). Optima pars: elites ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa: ICS, 2005; FRAGOSO & Carla de ALMEIDA & Antônio Jucá de SAMPAIO (orgs.). Conquistadores & negociantes: história das elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; Ronaldo VAINFAS & Rodrigo Bentes MONTEIRO (orgs.). Império de várias faces: relações de poder no mundo ibérico da Época Moderna. São Paulo: Alameda, 2009; Laura de Mello e SOUZA & Jûnia Ferreira FURTADO & BICALHO (orgs.). O governo dos povos. São Paulo: Alameda, 2009. 29 “CCU-Afonso VI”. 3/12/1661. AHU, Pará, cx. 2, doc. 113. 27

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Outro caso, de Manuel Dias Vilasboas, de qualquer modo, indica que esse tipo de licença era concedido sem grandes problemas, desde que não houvesse impedimentos. Em 1666, Manuel Vilasboas, que dizia viver havia “muitos anos” no Estado do Maranhão, requeria licença para viajar ao reino, tendo “causas que o obrigam”. Significativamente, o rei mandou que Vilasboas explicitasse as razões que tinha para justificar a sua jornada. Em resposta ao Conselho, explicou que tinha “heranças e partilhas” que cuidar no reino; queria também “dar estado de religiosa a uma filha única que tem, por naquelas partes não haver mosteiro em que a possa recolher”. Analisando essas alegações, o Conselho Ultramarino era favorável ao pedido, vistas as razões declaradas e “ser costume V.M. conceder semelhantes licenças”.30 Novamente, a Coroa controlava de perto, embora claramente não impedisse o movimento dos moradores que viajavam do Estado do Maranhão para o reino. Tal posição parecia ser mais flexível em relação ao fluxo contrário, revelando o interesse em tornar a migração voluntária também um mecanismo de povoamento. Isso significa que a Coroa estava preocupada em enviar indivíduos ao Maranhão, quaisquer que fossem suas origens. Pelos casos de pessoas como Manuel Siqueira e Magalhães e Maria dos Santos Rodrigues, que ao que parece não tinham nenhuma especialização, fica claro que povoar era uma preocupação significativa de Lisboa. Mais ainda, o controle que os casos de Francisco da Rocha Portocarreiro e Manuel Dias Vilaboas permitem vislumbrar indica o interesse da Coroa de manter a população portuguesa na Amazônia. É verdade, contudo, como já afirmamos, que os dados aqui apresentados são fragmentários, tornando impraticável qualquer estabelecimento de padrões dessa migração voluntária, sejam eles etários, regionais, ocupacionais, ou de gênero.

O caso de Manuel Dias Vilasboas está espalhado por diversos documentos: “Requerimento de Manuel Dias Vilasboas”. c. 1666. AHU, Maranhão, cx. 4, doc. 512; “M.el Dias Villasboas pede licença p.a se embarcar com sua familia do Pará”. 10/09/1666. AHU, cód. 46, f. 377; “CCU-Afonso VI”. 6/11/1666. AHU, Pará, cx. 2, doc. 130. 30

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Soldados e degredados Se muitos viajavam voluntariamente através do Atlântico, embora sob algumas condições, outros eram obrigados a se deslocar e até a permanecer, por maior ou menor tempo, no Estado do Maranhão. Esse era o caso de muitos soldados e daqueles condenados à pena do degredo.31 Em geral, mas não necessariamente, a fronteira entre ambos os grupos era indistinguível. Timothy Coates destaca a dificuldade de estabelecer a distinção entre soldados e degredados no Portugal moderno, muitas vezes, a própria Coroa confundido “deliberadamente estes dois termos”. Para Coates, o “elo que ligava os soldados e os criminosos” só seria desfeito com a criação de um exército profissional em meados do século XVIII.32 Nem todos os degredados, entretanto, viriam a servir nos presídios e fortes do Estado, nem as tropas do Estado do Maranhão seriam somente compostas de gente remetida do reino ou das ilhas. Por um lado, Janaína Amado aponta o envio de inúmeros degredados para “reforçar o povoamento português na região ou para trabalhar nos vários empreendimentos da Coroa”.33 Tão cedo como em 1617, a Coroa já encomendava ao Desembargo do Paço que “não havendo inconveniente na matéria, se passem nele todas as ordens necessárias para que os degredados ultramarinos se apliquem ao Maranhão, pelo

Sobre as transformações do degredo em Portugal com a expansão, ver: Maristela TOMA. Imagens do degredo: história, legislação e imaginário (a pena de degredo nas Ordenações Filipinas). Campinas: Dissertação de Mestrado (História), UNICAMP, 2002; Geraldo PIERONI. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degredados no Brasil-colônia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2006. 32 Timothy J. COATES. Degredados e órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1550-1755. Lisboa: CNCDP, 1998, pp. 118 e 121. 33 Janaína AMADO. “Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. VI (Suplemento, setembro 2000), p. 822. Tratava-se, aqui de uma velha política portuguesa, instaurada com a própria expansão portuguesa, principalmente a partir de 1635-36, momento em que como explica Geraldo Pieroni “foi oficializado o degredo em terras brasileiras”. PIERONI. Os excluídos do Reino: a Inquisição portuguesa e o degredo para o Brasil colônia. Brasília/São Paulo: EdUnB/IOESP, 2000, p. 31. 31

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muito que convém povoarem-se aquelas partes”.34 Essa realidade se manteria ao longo de todo o período colonial. Por outro lado, também compunham as tropas indivíduos como João Fernandes, “mameluco, isto é, filho de índia da terra e de branco”, soldado no Pará, que havia sido denunciado junto à Inquisição por relatar o uso de umas folhas que “reduziam as mulheres”.35 Assim, se degredados e soldados geralmente se confundiam, nem sempre eram sinônimos. Além do mais, a documentação deixa claramente entrever que, em determinados momentos, como veremos, o envio de soldados implicava o recrutamento (forçado sem dúvida) em determinadas conquistas (como na ilha da Madeira). Esse processo não significava, necessariamente, que os recrutados eram degredados.36 Por outro lado, como já apontou Janaína Amado, a tropa era apenas um dos destinos dos degredados. Entender os dois grupos – de degredados e de soldados – como distintos e nos seus entrecruzamentos é CCLP. Lisboa: Imprensa de J.J.A. Silva, 1855, tomo II (1613-1619), p. 244 – grifos meus. 35 “Joaõ Frź soldado. Feitis.as”. DGARQ/TT, IL-CP, livro 263, f. 262. Ao longo do período colonial, como nas mais diversas partes do Império, o recrutamento era, para além de uma medida de composição das milícias, uma importante forma de controle social. A esse respeito, para a Amazônia, ver: Flávio dos Santos GOMES & Shirley Maria Silva NOGUEIRA. “Outras paisagens coloniais: notas sobre desertores militares na Amazônia seiscentista”. In: Flávio dos Santos GOMES (org.). Nas terras do Cabo do Norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana brasileira (séculos XVIIIXIX). Belém: EdUFPA, 1999, pp. 196-224; e Wania Alexandrino VIANA. Das armas aos sertões: recrutamento militar e resistência no Estado do Maranhão e Pará (primeira metade do século XVIII). Belém: Monografia apresentada à Faculdade de História/UFPA, 2009 – mimeo. 36 O que remete a pensar a própria organização militar portuguesa de meados do século XVII. Sobre esta questão, ver: Fernando Dores COSTA. “Formação da força militar durante a guerra da Restauração”. Penélope, nº 24 (2001), pp. 87-119; F.D. COSTA. “As forças sociais perante a guerra: as Cortes de 1645-46 e de 1653-54”. Análise Social, vol. 36, nº 161 (2001), pp. 1147-81; Fancis Albert COTTA. “Estados nacionais e exércitos na Europa moderna: um olhar sobre o caso português”. Fênix, vol. 4, nº 3 (2007). www.revistafenix.pro.br; Para uma discussão mais ampla, ver: Jeremy BLACK. “European overseas expansion and the military revolution”. In: George RAUDZENS (org.). Technology, disease and colonial conquests, sixteenth to eighteenth centuries. Essays reappraising the guns and germs theories. Leiden: Brill, 2001, pp. 1-30. 34

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fundamental para entender o significado deles para a própria construção da sociedade colonial. Uma análise da forma e razões pelas quais eram enviados esses indivíduos ao Estado do Maranhão, assim, se torna ainda mais pertinente na medida em que boa parte da historiografia considerou os degredados como uma população desregrada, porque expulsa do reino, tomando-os quase como um grupo à parte da sociedade colonial. Em obra publicada em 1876, Domingos Soares Ferreira Penna lamentava a inexistência de qualquer preocupação mais profunda, no período colonial, sobre os índios encontrados pelos europeus e reputava isso ao tipo de gente que viera de Portugal: “os primeiros colonos que vieram ao Pará e aqui se estabeleceram constituíam o rebotalho ou eram tirados do rebotalho de Portugal; vadios, malfeitores, ratoneiros, ladrões e condenados, tais foram os primeiros colonos. Poucos anos depois, continuou a vir da mesma gente, mas já com algumas famílias extremamente pobres e ignorantes, que vinham de Trásos-Montes e de algumas ilhas”.

Assim, segundo ele, mesmo que depois viessem algumas pessoas de maior instrução, não houve, naquele tempo, “quem se desse ao estudo da história dos índios ou quem para isso estivesse habilitado”.37 Pouco tempo depois, era Domingos Antônio Raiol quem se referia ao fato de que Portugal só mandava para a América “almas interesseiras”, não se interessando, segundo ele, numa preocupação característica de finais do século XIX, pela imigração estrangeira, “de gente laboriosa, ativa e moralizada, (…) grande força motora do engrandecimento dos povos”.38 Ernesto Cruz, por exemplo, chamou atenção para os diversos tipos de povoadores que chegavam à Amazônia seiscentista, dentre eles, não só os “chamados povoadores voluntários, caçadores de aventuras, que, seduzidos pelas propaladas riquezas da região”, mas também os “os vadios, os Domingos Soares Ferreira PENNA. “Os índios do Marajó” [1885]. Obras completas de Domingos Soares Ferreira Penna. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1973, vol. II, p. 239. 38 Domingos Antônio RAIOL (Barão de Guajará). “História colonial do Pará” (Capítulo segundo – 1ª parte). Revista da Sociedade de Estudos Paraenses, fasc. IV (outubro/dezembro 1894), p. 164. 37

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degredados por toda a vida”, segundo ele, “todos criminosos da pior espécie”.39 Já Carlos de Lima referia-se à população no início da conquista como “gente baixa”.40 Mesmo alguém como João Francisco Lisboa, que chamou a atenção para a natureza da própria legislação portuguesa – sua “desproporção, exorbitância e rigor da penalidade” – como razão de ser de tantos degredos, parecia desconfortável com a pecha de a população colonial do Estado do Maranhão ser composta de degredados.41 Lisboa defendia, assim que, contra a opinião corrente de que o Brasil teria sido povoado por degredados, as “nossas investigações” indicam que no Maranhão o foi em “escala muito diminuta”, pelo menos, menor do que em outras capitanias. Mais ainda, fossem os crimes reais ou fictícios, imputados aos condenados a degredo, por uma “legislação monstruosa e cruel”, ao abandonarem o reino, melhoravam os criminosos, “cujas paixões naturalmente se aplacavam pela possibilidade de satisfazerem mais fácil e licitamente nas colônias as necessidades que na pátria as estimulavam”. Mas na verdade, revelando ainda as suas ressalvas, João Francisco Lisboa defendia que os “verdadeiros elementos de povoação e colonização” devem ser buscados nas expedições militares, nas tropas mandadas para o Maranhão, e nos “casais de colonos” que partiam do reino e das ilhas para se estabelecer nas conquistas.42 Quaisquer que sejam as queixas dos historiadores da região a respeito da “qualidade” dos seus primeiros moradores, o fato é que a Coroa se valeu do degredo como um frequente instrumento para povoar o território e compor as tropas.43 É que, segundo Timothy Ernesto CRUZ. Colonização do Pará. Belém: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1958, p. 11. 40 Carlos de LIMA. História do Maranhão, São Luís: s.c.e., 1981, p. 58. 41 Segundo Geraldo Pieroni eram aproximadamente 90 os tipos de crimes punidos com degredo pelas Ordenações Filipinas. Ver: PIERONI. Os excluídos do Reino, pp. 48-57. 42 LISBOA. Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão, pp. 397 e 400. 43 Não estamos considerando aqui o degredo pelo Santo Ofício da Inquisição, mas apenas o determinado como pena pela justiça secular. A respeito do degredo inquisitorial, ver: Laura de Mello e SOUZA. “Por dentro do império: infernalização e degredo”. Inferno atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI39

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Coates, a “flexibilidade na condenação dos criminosos era uma das características marcantes do sistema de exílio penal estabelecido pelo Estado português nos primórdios da época moderna”. 44 Na ausência de documentos como o “Livro dos degredados”, onde, de acordo com Janaína Amado, registravam-se (a partir da década de 1750) todos os dados referentes aos condenados a degredo pelos tribunais do reino, períodos anteriores se caracterizam pela dispersão e pelo caráter pouco sistemático das informações. 45 De qualquer modo, na impossibilidade de estabelecer números, importa aqui entender a forma como a Coroa percebeu o degredo para o Maranhão no interior de uma preocupação mais geral de povoamento e fornecimento de soldados daquela região. 46 Timothy Coates argumenta que durante o século XVII, as “comutações colectivas” respondiam a momentos de crise, muito embora o “padrão global” delas seja difícil de discernir em razão da natureza fragmentada da documentação.47 No caso do Estado do Maranhão, em vários momentos, fica claro o interesse da Corte em reorientar degredados para a Amazônia, principalmente a partir do reinado de Dom João IV. Alguns casos deixam clara essa preocupação. Por um lado, exilados eram frequentemente solicitados pelas autoridades. Pouco tempo antes do início do reinado dos Bragança, por exemplo, o capitão Manuel Madeira, que partia ao Pará para assumir seu posto numa fortaleza,

XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 89-101; PIERONI. Purgatório colonial: inquisição portuguesa e degredo no Brasil. Lisboa: Estudos LusoBrasileiros, 1994; PIERONI. “Le viol du secret: anatomie d‟une institution – l‟Inquisition et le bannissement au Brésil”. Cahiers du Brésil contemporain, nos 2324 (1994), pp. 17-38; PIERONI. Os excluídos do reino; PIERONI. Banidos: a Inquisição portuguesa e a lista dos cristãos-novos condenados a viver no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 44 COATES. Degredados e órfãs, p. 169. Ver também, pp. 188-89. 45 AMADO. “Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial”, pp. 814-15. 46 Para a Amazônia do século XVIII, além do trabalho de Janaína Amado, ver: Simei Maria de Souza TORRES. O cárcere dos indesejáveis: degredados na Amazônia portuguesa (1750-1800). São Paulo: Dissertação de Mestrado (História Social) apresentada à PUC-SP, 2006. 47 COATES. Degredados e órfãs, p. 169.

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sugeria que lhe dessem 6 a 8 prisioneiros “dos muitos que no Limoeiro estão sentenciados a degredo para o Brasil”, visto ser no Estado do Maranhão que “com mais segurança podem satisfazer seus degredos, e a V.M. fazer muitos serviços”.48 Anos depois, numa consulta sobre uma carta escrita pelo governador em 1646, o Conselho Ultramarino informava ao rei que o governador requeria que se mandassem ao Maranhão criminosos “ou semelhantes a estes”, que merecessem degredo. A proposta do governador era apoiada pelo Conselho, ao qual parecia que se enviassem “todos os degredados que for possível, assim homens como mulheres”. 49 Já em 1650, segundo o mesmo Conselho, o governador Luís de Magalhães insistia que, se criminosos eram sentenciados ao degredo para Angola, São Tomé, Ilha do Príncipe e Brasil, “conquistas já povoadas”, conviria que se sentenciassem também para o Maranhão, “pela falta que naquele Estado há de gente”.50 Pouco tempo depois, o rei escrevia ao regedor da Casa da Suplicação, para que ordenasse aos desembargadores que procurassem que as sentenças de degredo fossem dadas também para o Estado do Maranhão, por “haver naquela conquista falta de gente para sua defesa e conservação”.51 Em dezembro do mesmo ano, em setembro de 1651, e em maio de 1652, ordens semelhantes eram enviadas à Casa de Suplicação. 52 Novas determinações para envio de degredados ao Maranhão foram expedidas em 1661, 1667, 1670, 1685, 1692 e 1705.53

“Requerimento de Manuel de Madureira”. c. 1638. AHU, Pará, cx. 1, doc. 42. “CCU-João IV”. 18/09/1647. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 226. 50 “Sobre o q. gov.or do Maranhaõ Luis de Magalhães escreve, açerca de se enviar aqle Estado degredados pla falta de g.te nelle, e a q. foi da Ilha de S.ta Maria naõ ser de utilidade”. 3/08/1650. AHU, cód. 14, f. 247. 51 “Ao Regedor”. Lisboa, 23/09/1650. SGL, Res. 3-C-13, nº 9. 52 “Ao Reg.or da Justiça e Caza da Supp. çaõ”. Lisboa, 6/12/1650. SGL, Res. 3D-18, nº 4; “Decreto – que o Maranhão seja reputado por Brazil, e se appliquem para alli os degredados”. 23/09/1651. CCLP, 1856, tomo VII (1648-1656), p. 67; “[Ao regedor da Casa da Suplicação]”. Alcântara, 24/05/1652. SGL, Res. 3-D-18, nº 32. 53 “Decreto – applicação de degredados para o Maranhão”. 2/09/1661. CCLP, tomo VIII (1657-1674), p. 73: “CCU-Afonso VI”. 24/01/1667. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 519; “Decreto – applicação de degredados para o Maranhão e Pará”. 18/02/1667. CCLP, tomo VIII, p. 125: “Decreto – applicação de degredados para 48 49

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Em agosto de 1686, o rei decretou a comutação do degredo dos ciganos da África para o Maranhão.54 Embora haja pouquíssimas notícias sobre ciganos na Amazônia seiscentista, é significativo o fato de, em 1696, denunciar-se por bigamia, perante o comissário da Inquisição no Pará, a João Francisco, que supostamente casara a segunda vez em Belém, “com uma filha da cigana” Maria da Costa. 55 Embora Carl Hanson aponte o envio de ciganos para o Maranhão já a partir dos anos 165056, de acordo com Bill Donovan, é no reinado de Dom João V que uma política anti-cigana se incrementa em Portugal (embora sem sucesso); justamente, uma das medidas era o envio de ciganos para Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Ceará e Maranhão.57 As solicitações de envio de degredados, vindas do Estado do Maranhão, e as respostas das autoridades em Lisboa, deixavam claro que, como explica Timothy Coates, por meio do degredo a Coroa buscava que “estes indivíduos, que haviam sido ameaças para a sociedade e para a sua estabilidade, se tornassem úteis para o

o Maranhão”. 19/05/1670. Ibidem, p. 182: “[Decreto para a Casa da Suplicação]”. 18/01/1677. CCLP, tomo IX (1675-1683); “Decreto – degredados para a Africa comutem-se para Castro Marim, Maranhão e outras conquistas do Brazil”. 13/12/1685. CCLP, 1859, tomo X (1683-1700), p. 49: “Decreto – applicação de degredados para o Maranhão”. 22/12/1692. Ibidem, p. 302; “Pera o g.or do Estado do Maranhão”. 28/12/1692. AHU, cód. 268, f. 97; “P.a o gov.or do Estado do Maranhaõ. S.e o q. obrou com a ocaziaõ do avizo q. teve da liga deste rn.o com o de Inglaterra e do q. necessita p.a aquelle Estado p.a a sua conservaçaõ”. 3/11/1705. AHU, cód. 268, f. 206v. 54 “[Decreto sobre os ciganos]”. CCLP, 1859, tomo X (1683-1700), p. 66. A esse respeito, ver: LISBOA. Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão, p. 540. 55 “[Contra João Francisco]”. 1695-1696. DGARQ/TT, IL-CP, livro 263, ff. 33-39v. 56 HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, p. 80. 57 Bill DONOVAN. “Changing perceptions of social deviance: Gypsies in early modern Portugal and Brazil”. Journal of Social History, vol. 26, nº 1 (1992), p. 38. Ver também: SERRÃO. História de Portugal, vol. V, pp. 148-50; Elisa Maria Lopes da COSTA. “O povo cigano e o degredo: contributo povoador para o Brasil colônia”. Textos de História, vol. 6 nos 1-2 (1998), pp. 35-56; e PIERONI. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas, pp. 111-14.

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Império”.58 Charles Boxer nota que não só Portugal, mas as demais nações da Europa do Antigo Regime condenavam “multidões de larápios insignificantes e de criminosos menores” à prisão e ao exílio. Assim, os navios que saíam de Lisboa, principalmente a partir do século XVII, em direção ao ultramar, “transportavam a sua percentagem de degredados”.59 Nesse sentido, a “utilidade” dos vadios e criminosos seria amplamente defendida pelas autoridades ao longo de todo o período colonial, como decorrência do processo de consolidação da ideia da “obrigatoriedade do trabalho”, que, segundo Laura de Mello e Souza, se cristalizaria em “leis repressivas”, principalmente contra vadios.60 Era essa a razão de as penas dos degredados serem comutadas, “segundo os interesses socialeconômicos, políticos e estratégicos”, esclarece Janaína Amado, para determinados territórios em detrimento de outros, como deixa claro a solicitação feita pelo governador Luís de Magalhães, em 1650.61 A comutação das penas ou o direcionamento de degredados para o Estado do Maranhão, fosse para as milícias ou para povoamento, foi uma reiterada política da Coroa a partir de 1640. Entretanto, ao longo do século XVII, houve pelo menos três momentos em que o envio de tropas requereu um esforço de maior escala por parte das autoridades portuguesas. Nas décadas de 1640, 1680 e 1690 – em decorrência da invasão holandesa a São Luís, da chamada “revolta de Beckman” e da ação dos franceses, agravada por uma séria epidemia de bexigas, respectivamente –, a Coroa se viu forçada a transportar significativos contingentes de soldados para a região. Examinemos rapidamente cada uma dessas situações, pois elas importam para refletir sobre a forma como se pensava e se efetivou também o seu povoamento. COATES. Degredados e órfãs, p. 115. BOXER. O império colonial português, p. 347. 60 Laura de Mello e SOUZA. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 2ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 55. Para uma percepção geral sobre a questão do trabalho (inclusive sobre a necessidade do trabalho compulsório) e de sua utilidade para os pensadores econômicos do Antigo Regime, ver: Fernando DÍEZ. Utilidad, deseo y virtud. La formación de la idea moderna del trabajo. Barcelona: Ediciones Península, 2001, pp. 21-101. 61 AMADO. “Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial”, p. 817. 58 59

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Não é meu interesse aqui narrar os detalhes da “invasão” holandesa a São Luís, que deu motivos para a historiografia maranhense orgulhosamente decantar as armas da resistência local e, em alguns casos, execrar a figura do governador Bento Maciel Parente, tachado de incapaz e até de covarde. 62 O que importa aqui é entender algumas das implicações que dela decorreram e que mobilizaram a Coroa a promover diversos envios de “socorros” ao Maranhão e Pará. Uma série de decretos enviados pelo rei ao Conselho da Fazenda dá conta da premência do envio de soldados ao Estado do Maranhão. Em 1643, Dom João IV ordenava ao Conselho que provesse logo “todas as coisas referidas sem diminuição alguma”, para garantir a “segurança e defesa daquela conquista”. Tratava-se de 150 soldados, 10 artilheiros, 25 quintais de pólvora, 25 de balas, armas, 10 quintais de morrão, aço, 8 peças artilharia de ferro e 500 balas para elas. 63 Em 1644, o rei enviava ordem ao Conselho da Fazenda que averiguasse o estado de outra caravela que partia para o Maranhão, “e sem se perder hora de tempo se ponha em estado de poder partir”.64 Novo decreto de 1645, determinava o financiamento de 100 soldados, sendo 60 para Ao que parece essa foi uma perspectiva em grande parte inaugurada por Bernardo Pereira de Berredo. Bernardo Pereira de BERREDO. Annaes historicos do Estado do Maranhão [1749]. Iquitos, CETA/Abya-Yala/IIAP, s.d., pp. 33038. Ver também: LISBOA. Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão, pp. 127-39 (Lisboa, contudo, constrói uma imagem mais atenuada das ações de Maciel Parente); Josué MONTELLO. Os holandeses no Maranhão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda, 1945, pp. 17-22; Mário Martins MEIRELES. História do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001, pp. 83-91. 63 “[Sobre homens e armas para o governador do Maranhão]”. Lisboa, 4/02/1643. DGARQ/TT, MR-CF, Registro de Decretos, livro 162, f. 187v. A respeito dessa jornada, ver também: “Do Marques de Montalvaõ. Sobre o socorro q. se deve inviar logo ao Pará”. 15/08/1642. AHU, cód. 30, f. 222; “Sobre as armas e monições que pede P.o de Albuquerque q. S.Mg.de manda por gov.or do Maranhaõ para deffença daquelle Estado”. 17/09/1642. AHU, cód. 30, ff. 233-233v. 64 “[Sobre o navio que vai ao socorro do Pará]”. Lisboa, 10/02/1644. DGARQ/TT, MR-CF, Registro de Decretos, livro 162, f. 100; “Socorros do Maranhaõ”. Alcântara, 28/06/1644. Ibidem, f. 106; “Socorro ao Maranhaõ”. Lisboa, 13/08/1644. Ibidem, f. 140; “S.e se entregar a ordem do Cons.o Ultramarino q. hiaõ de socorro ao Maranhaõ”. Lisboa, 14/09/1644. Ibidem, f. 141v. 62

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o Maranhão e 40 para o Ceará, além munições e ferramentas. Mais uma vez, o rei recomendava ao Conselho da Fazenda que fizesse “partir este socorro com toda a maior brevidade que for possível, porque segundo o estado em que ali se acham as coisas não permite a partida dele um só momento de dilação”. 65 Um ano mais tarde, em razão da ameaça, pelos “avisos que há de que poderão os holandeses [tomar] as capitanias do Estado do Maranhão, particularmente as do Pará”, Dom João IV determinava o envio de mais 100 soldados. 66 Embora não haja informações claras sobre a composição dessas tropas, nem sobre quais de fato chegaram ao Estado do Maranhão, há indícios de que não se tratava necessariamente de degredados ou mesmo de recrutados à força. O capitão Paulo Soares Avelar, que levaria um dos socorros ao Maranhão (o de 1644), solicitava que se lhe confirmasse a patente de capitão de mar e guerra para que se pudesse “mandar botar bando, em nome de V.M., para se irem fazendo 30 ou 40 soldados a que se dêem as pagas costumadas, que sem elas não haverá quem se queira assentar”. Lembrava igualmente que “os casais que podem ir nesta ocasião irão sem pagar”, o que não podiam fazer os homens solteiros que “vão servir nos presídios e companhias”.67 Na década de 1680, por ocasião da chamada “revolta de Beckman”, novos contingentes foram enviados ao Estado do Maranhão. O caso dos soldados mandados para debelar a rebelião dos moradores de São Luís, entretanto, constitui um caso a parte. Na verdade, as tropas enviadas faziam parte de contingentes regulares do reino (o que, de qualquer modo, não exclui o recrutamento forçado). Toda a organização da jornada, comandada por Gomes Freire de Andrade (que permaneceria como governador do Maranhão de 1685 a 1687) passaria não pelos conselhos da Fazenda e Ultramarino e sim pelo Conselho de Guerra (órgão criado por ocasião das guerras de

“Socorro ao Maranhaõ”. Alcântara, 1/06/1645. DGARQ/TT, MR-CF, Registro de Decretos, livro 163, ff. 177-177v. Ver também: “Sobre a pessoa q. ha de levar o socorro ao Maranhaõ, q. V.Mg.de tem resoluto se lhe invie”. 13/09/1645. AHU, cód. 13, f. 239. 66 “Socorro ao Maranhaõ e Parâ”. Alcântara, 27/07/1646. DGARQ/TT, MRCF, Registro de Decretos, livro 163, f. 205v. 67 “CCU-João IV”. 9/09/1644. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 161. 65

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restauração).68 Assim, os soldados que chegaram em duas naus a São Luís do Maranhão acabariam posteriormente voltando ao reino. De fato, em 1686, o rei ordenava que a infantaria que acompanhara Freire de Andrade se restabelecesse “ao seu terço”, já que não era “justo que havendo-me servido, recebam castigo em um desterro dilatado, quando merecem prêmio por me haver obedecido”. Entretanto, ponderava o monarca, aqueles que quisessem ficar no Estado, não se lhes devia “impedir a sua vontade”. 69 No ajuste feito, provavelmente entre 1686 e 1687, na Secretaria de Estado, com Manuel Preto Valdés, cuja nau deveria levar de volta o governador Gomes Freire de Andrade, faz-se referência também aos 100 soldados, “que se entende poderá haver dos que foram em companhia do governador”. O ajuste previa que sendo menor o número de soldados, nem por isso por frete se diminuiria. Por outro lado, se determinava que somente podiam voltar ao reino as tropas que “S.M. mandou para quietação daqueles povos” e “não outros, de qualquer qualidade que sejam”. 70 Fica claro aqui não só a possibilidade de que muitos dos soldados podiam de fato querer permanecer no Maranhão, mas também a natureza dos demais contingentes que compunham as tropas do Estado do Maranhão, impedidos explicitamente de voltar ao reino. Assim, como na década de 1640, nos anos 1690, a Coroa se mobilizou para determinar o envio de consideráveis contingentes de soldados ao Estado do Maranhão. Desta vez, as razões decorriam de dois tipos diferentes de “invasão” estrangeira. De um lado, a crescente ação dos franceses no norte do Estado do Maranhão. De outro, não povos “estrangeiros”, mas sim patógenos estranhos, as temíveis bexigas. Não me deterei aqui nos detalhes da irrupção esta epidemia, que tantas consequências trouxe para a região. Para além da questão das bexigas, a década de 1690 assistiu a um significativo Synopse dos decretos remettidos ao extincto Conselho de Guerra. Elaborado pelo Tenente-coronel de Infantaria Claudio de Chaby. Lisboa: Imprensa Nacional, 1872, vol. III, pp. 169-70. Sobre o Conselho de Guerra, ver: F.D. COSTA. “O Conselho de Guerra como lugar de poder: a delimitação de sua autoridade”. Análise Social, vol. 44, nº 191 (2009), pp. 379-414. 69 “Pera o governador do Estado do Maranhaõ. Sobre a infantaria que mandaõ vir”. 7/12/1686. AHU, cód. 268, f. 52v. 70 “[Ajuste que se fez na secretaria de Estado com o capitão Manuel Preto Valdés]”. DGARQ/TT, CSV, vol. 12, p. 518. 68

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esforço das autoridades para arregimentar tropas para o Maranhão, preocupada que estava a Coroa com as incessantes incursões francesas no Cabo do Norte.71 Nesse sentido, se a solução do recrutamento de soldados na ilha da Madeira não foi a única alternativa aventada pela Coroa, foi, de fato, a única que se implementou.72 A primeira referência ao envio dos soldados da Madeira para o Maranhão encontra-se num parecer dado pelo antigo governador Gomes Freire de Andrade numa consulta do Conselho Ultramarino. Como veremos ao longo deste livro, depois de sua estadia no Estado do Maranhão, Freire de Andrade seria, sem sombra de dúvida, o mais importante consultor da Coroa no que diz respeito aos assuntos sobre a região. No caso em questão, entre 1695 e 1696, o ex-governador, comentando cartas enviadas pelo governador e capitão-mor do Pará, ressaltava a falta de homens nos fortes do Estado, razão pela qual fora necessário tirar soldados dos “portos de mar”, que se achavam “desamparados”. Nesse sentido parecia que se poderiam adotar dois “meios” para resolver o problema. Por um lado, que se ordenasse ao governador do Brasil que “suposto haver já caminho para o Maranhão”, remetesse 150 homens. De outro, que se mandassem 100 homens da “ilha”, fretando-se navio para isso e ordenando-se que o governador da Madeira os tivesse prontos, “e que sejam moços que não passem de 25 anos”. Aceitando, como se tornou costume, os argumentos de Gomes Freire de Andrade, o Conselho Ultramarino sugeria que se efetivasse o envio dos homens da Madeira, por conta da Fazenda real. Insistiam ainda os conselheiros que se ordenasse que Ver, principalmente: Arthur VIANNA. “As foritificações na Amazonia I - As fortificações no Pará”. ABAPP, tomo IV (1905), pp. 227-302; REIS. Limites e demarcações na Amazônia brasileira, vol. I, pp. 65-101; Adler Homero Fonseca de CASTRO. “O fecho do império: história das fortificações do Cabo do Norte ao Amapá de hoje”. In: GOMES (org.). Nas terras do Cabo do Norte, pp. 154-62; Vanice Siqueira de MELO. “Aleivosias, mortes e roubos”. Guerras entre índios e portugueses na Amazônia colonial (1680-1706). Belém: Monografia de graduação apresentada à Faculdade de História/UFPA, 2008, pp. 30-51. 72 A Ilha da Madeira também fornecia soldados regularmente para o reino de Angola. Ver: Roquinaldo Amaral FERREIRA. Transforming Atlantic slaving: trade, warfare and territorial control in Angola, 1650-1800. Los Angeles: Tese de doutorado (História). UCLA, 2004, pp. 145-53. 71

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nenhum navio que fosse das Ilhas ao Maranhão deixasse de levar soldados. Como convinha também que “por todas as partes se espeçam estes socorros”, e se encontrava “hoje facilitada a passagem e comunicação do Estado do Brasil para o do Maranhão”, que se ordenasse ao governador na Bahia que remetesse 150 homens por terra.73 Quase dois meses depois, o rei enviava carta ao governador do Maranhão informando-lhe de sua determinação de enviar 100 soldados da Madeira, entre agosto e setembro e que “daqui em diante não navegue navio algum das Ilhas para ele sem que leve cada um cem soldados para servirem nessa conquista”. 74 Poucos dias antes, o Conselho Ultramarino havia ajustado com Manuel Francisco Vilar e Antônio Freire de Ocanha o envio das tropas, pagando-se de frete (incluído aí o mantimento) 13 mil réis por soldado. 75 Em julho, o navio estava já pronto, era a “fragatinha” Menino Jesus e Nossa Senhora da Piedade, e seu mestre, João Nunes Freire, solicitava patente de capitão, podendo inclusive nomear oficiais, “para que havendo alguma ocasião de inimigos, tenham os ditos soldados a quem obedecer”. O Conselho Ultramarino aconselhava que se deferisse o pedido, lembrando as “as desordens que podem acontecer na viagem”.76 As preocupações do mestre e do Conselho não eram descabidas, embora tivessem se revelado inúteis. De fato, o navio nunca chegou ao Maranhão. A causa fora justamente um motim a bordo, comandado por “um dom João de Ares”, que viajava “no número da infantaria”, com um filho e dois sobrinhos, o qual, juntando-se ao alferes e demais oficiais, prendeu João Nunes Freire, e se proclamou “capitão do dito navio e infantaria”. Pior ainda, obrigou-se o piloto a rumar para a ilha Margarita (costa da Venezuela), onde foram roubadas todas as fazendas que levava a embarcação e se aprisionou “CCU-Pedro II”. 18/01/1696. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 909. “Pera o g.or e capitaõ geral do Maranhaõ. Sobre as monições e planta que se emviou para o Maranhaõ”. 13/03/1696. AHU, cód. 268, f. 118v. 75 “Termo de obrigaçaõ q. fazem M.el F.co Villar e Ant.o Freire de Ocanha”. 2/03/1696. AHU, cód. 296, f. 108. 76 “CCU-Pedro II”. 28/07/1696. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 923. A patente de capitão, contudo, era sem soldo e seu efeito cessaria quando da chegada ao Estado do Maranhão. 73 74

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ao capitão Nunes Freire. Se por um lado é preciso investigar o que teria levado a dom João de Ares (o “dom” aqui é significativo) a se amotinar, o fato é que se soubera depois que os soldados haviam voltado para a Madeira. Tudo leva a crer, portanto, que, forçados a servir na distante Amazônia, os soldados resolveram reverter o seu destino por meio do motim. Tanto é que o rei ordenara ao governador da Madeira que prendesse o “cabeça” do levante, que se encontrava então de volta à ilha.77 Em finais de 1696, a epidemia de bexigas levava novamente o Conselho Ultramarino a recomendar ao rei o envio de soldados recrutados na Madeira. Os conselheiros advertiam então a Dom Pedro II que, mesmo “sem esta fatalidade”, o Estado do Maranhão já se achava “muito diminuto de forças para a sua defesa, e as fortalezas principais dele sem a guarnição de gente conveniente”. A irrupção da doença só viria, portanto, agravar a delicada situação militar da região. Cabia assim, levantar mais 100 soldados, que seriam enviados ao Maranhão por conta da Fazenda real, pois “não haverá nenhuma [embarcação] a que seus donos a mandem navegar voluntariamente indo a fazer este serviço de V.M. à ilha para dali levar os ditos soldados para aquele Estado”.78 Em fevereiro de 1697, em correspondência ao governador, Dom Pedro II reforçava o envio de “outros” 100 soldados da Madeira, já que a “mortandade que ali houve causada do mal das bexigas” não só havia ceifado a vida dos trabalhadores indígenas, mas igualmente, dela decorrera ficarem “os presídios sem a gente necessária para sua guarnição”. O navio, novamente de Antônio Freire de Ocanha, sairia na “monção de março”.79 Em setembro de 1697, o Conselho “CCU-Pedro II”. 12/11/1698. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 968. Ver também: “CCU-Pedro II”. 26/02/1698. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 961. Em 1702, novas informações a respeito do caso davam conta que o navio apreendido em Margarita havia sido vendido aos moradores da ilha de Tenerife por 1500 pesos. O capitão Nunes Freire foi também isentado do encargo de reaver a carga perdida, por não ter sido culpado da situação. “Sobre o que representa Joam Nunes Fr.e cappitam do navio Menino Jezus e Nossa S.ra da Piedade”. 16/11/1702. AHU, cód. 274, ff. 157v-159. 78 “CCU-Pedro II”. 14/12/1696. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 930. 79 “Para o mesmo. S.e se lhe mandarem cem soldados”. 14/02/1697. AHU, cód. 268, f. 125. Ver também: “Pera o g.or geral do Estado do Maranhaõ. Sobre 77

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Ultramarino informava ao rei que o navio havia chegado em março à Madeira e que o governador da ilha havia conduzido tudo com “tão singular diligência” que quando chegara o navio que ia para o Maranhão e outro que rumava para Angola (com 200 soldados), “se achava tudo prevenido de tal maneira que não tiveram demora naquele porto”.80 Em carta de 21 de julho de 1697, o governador finalmente informava ao rei que 100 soldados haviam chegado da “Ilha”, dos quais metade ficara em São Luís e a outra fora ao Pará.81 Em 1698, mais 200 soldados foram ao Estado do Maranhão. É o que informa uma carta do rei ao governador, em que se referia a uma correspondência enviada por este em julho daquele ano, em que dava conta da chegada das tropas da Madeira, das quais formara quatro novas companhias, duas na capitania do Maranhão e duas na capitania do Pará.82 Em setembro de 1699, o Conselho Ultramarino informava a o rei sobre uma petição de Manuel Dias Quaresma, capitão da nau Nossa Senhora da Boa Viagem, que requeria patente de capitão ad honorem, como havia sido dada a outros, para levar 150 soldados da Madeira para o Estado do Maranhão, que iam sem cabo. 83 Em 1703, mais 300 soldados, já levantados na Madeira, eram enviados “de socorro para o

os cem soldados que han de hir pera o Maranhaõ pera guarniçaõ da fortaleza”. 9/11/1696. AHU, cód. 268, f. 118. 80 “Sobre Sua Mag.de mandar agardecer ao gov.or da Ilha da Madeira Pantaleaõ de Saâ e Mello o zello com q. se houve na expediçaõ dos dous socorros de gente que naquella Ilha se levantaraõ para hirem para o Maranhaõ e Rn.o de Angolla”. 27/09/1697. AHU, cód. 19, ff. 46-46v 81 A carta está inclusa em: “CCU- Pedro II”. 18/11/1697. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 950. Esta consulta traz ainda a lista nominal dos 100 recrutados. 82 “S. os duzentos soldados q. lhe remeteraõ da Ilha da Madeira”. 10/12/1698. AHU, cód. 268, ff. 138v-139. 83 “CCU-Pedro II”. 9/09/1699. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 982. Dois dias depois, uma provisão real concedia ao navio a preferência sobre qualquer carga que levassem. “Interessados em o navio Nossa Senhora da Boa Viagem. Preferencia de d.o navio”. 11/09/1699. AHU, cód. 95, ff. 33v-34. Sobre essa expedição, ver também: “Para o mesmo. S.e Fran.co de Souza Cabral hir por capitaõ de hũa comp.a de gente q. vay da ilha da Madr.a e da outra Fran.co de Sousa Fundaõ”. 19/09/1699. AHU, cód. 268, f. 146.

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Estado do Maranhão”.84 Três anos depois, o rei enviava carta ao governador da ilha da Madeira encomendando-lhe que a nau que ia “receber” os 120 soldados que iam ao Maranhão, não se demorasse, “pela perda e risco que podem ter os interessados no dito navio”. 85 Já ao governador Cristóvão da Costa Freire, que seguia para o Estado do Maranhão, o rei ordenava que, chegando à ilha, que de modo algum trocasse os soldados “que se vos hão de dar”, nem “os licencieis, nem depois de chegados ao Estado do Maranhão lhes permitais licença para voltarem para a sua terra”.86 Embora seja impossível ter certeza da chegada de todas essas embarcações ao Estado do Maranhão, devido à falta de dados sobre o desembarque nos portos da região – realidade que o estudioso enfrenta para boa parte do período colonial –, o número de soldados enviados em dez anos parecia mais do que considerável. Supondo igualmente que toda a infantaria chegara sem baixas à Amazônia (o que é seguramente uma perspectiva otimista, dadas as condições das viagens), a região recebera nesse curto intervalo de tempo quase 900 soldados. Quando comparado aos dados “muito deficientes” da população (como lembrou Fran Paxeco), tal número revela-se significativo.87 Francisco Teixeira de Moraes, provedor da Fazenda, escrevendo na década de 1690, por exemplo, contava que na cidade de São Luís havia então 800 moradores que podiam tomar em armas. 88 Tratava-se aqui seguramente da população masculina adulta, de portugueses e seus descendentes (em geral, os únicos computados na “[Carta do Conselho Ultramarino, sobre soldados da Madeira]”. Lisboa, 19/09/1703. AHU, cód. 268, ff. 192-193. 85 “Para o g.or e capitaõ geral da ilha da Madeira. S. e fazer embarcaçaõ cõ toda brevidade os 120 soldados ahi feitos p.a o Maranhaõ”. 26/06/1706. AHU, cód. 268, f. 218. 86 “P.a o gov.or e capitaõ g.l do Est.o do Maranhaõ. S.e naõ trocar os sold.os q. receber na Ilha da Madr.a nem lhe primitir licenças depois de chegados p.a voltarem p.a as suas terras”. 21/06/1706. AHU, cód. 268, f. 217v. 87 Fran PAXECO. O Maranhão. Subsídios históricos e corográficos. São Luís: Typogravura Teixeira, 1912, p. 132 88 Francisco Teixeira de MORAES. “Relação historica e politica dos tumultos que succederam na cidade de S. Luiz do Maranhão” [1692]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 40 (1877), p. 74-75. 84

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documentação). Se supusermos que metade da infantaria ficara na capitania do Maranhão (embora não necessariamente em São Luís), isso significava, portanto, em dez anos, um incremento de 50% da população adulta masculina. Esse movimento de gente gerara seguramente problemas para a já precária Fazenda real. Há indícios das dificuldades que o envio de tantos soldados podia representar para as autoridades. Bom exemplo disso eram as queixas representadas pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho de que com a chegada dos soldados da Madeira, as despesas da Fazenda real no Pará haviam crescido de tal maneira que temia que, mesmo com a introdução de um novo imposto, houvesse inconvenientes para pagar a infantaria. 89 Quaisquer que tenham sido as dificuldades financeiras decorrentes do envio das tropas da Madeira, o fato é que as décadas de 1690 e 1700 representaram assim um considerável aumento no número de habitantes da região – mesmo que de soldados, sujeitos a uma série de restrições, quanto a sua própria instalação na terra, mas claramente proibidos de voltar ao seu lugar de origem. O mesmo se dará em relação ao tráfico de escravos africanos, que também se concentrou nesse período, como veremos mais adiante. É que, diferentemente do que opinaram vários autores, como vimos, não se pode ver os soldados e/ou degredados (e, é claro, os africanos e indígenas trazidos para as comunidades portuguesas) como grupos isolados da sociedade colonial. Embora eles possam ter chegado como um grupo social distinto, portanto com um lugar e um papel já definidos na sociedade colonial, não há dúvidas quanto a sua inserção na sociedade que se construía na Amazônia, que por sinal era caracterizada pela sua heterogeneidade. Certamente, como já apontou Janaína Amado, poucos conseguiram ascender socialmente; as dificuldades e os sofrimentos que padeciam só foram mitigados, segundo Amado, no final do século XVIII, quando “começou a implantar-se em Portugal a noção de que o Estado era responsável pela sobrevivência dos cidadãos que condenava”. A documentação por ela consultada permitiu-lhe definir uma “forte tendência” que indicava (como para outras conquistas) a pouca incidência de casos de “Carta de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho”. Belém, 24/06/1698. AHU, Pará, cx. 4, doc. 344. 89

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“ascensão ou econômica” (somente três, para o século XVIII). De acordo com Janaína Amado, isso decorria da própria origem social dos degredados, da estigmatização que sofriam e das poucas possibilidades de ascensão na Amazônia. 90 De qualquer modo, isso não significava inexistência de interação social (nem Janaína Amado afirma isso). O fato de a maioria dos degredados serem soldados significa que se localizavam em muitas das fortalezas de fronteira que a Coroa havia construído para defesa do Estado. Isso por um lado, permitia-lhes interagir com grupos indígenas e também com mestiços e portugueses que iam às jornadas do sertão. Há que se lembrar, igualmente, que soldados compunham as tropas de resgate e de guerra que com frequência devassavam o interior do território. As tropas constituíram um espaço privilegiado de interação social, pois eram compostas por grupos muito diversos, como militares, clérigos, indígenas e mestiços. Uma tropa enviada ao rio Tocantins, em meados da década de 1650, na qual fora como missionário o padre Antônio Vieira era composta, segundo ele de “um capitão com oito oficiais reformados, portugueses, duzentos índios de remo e arco, quarenta cavaleiros [indígenas], e de gente de serviço até sessenta”.91 Por volta da mesma época, uma tropa de guerra era composta, segundo o padre jesuíta João Felipe Bettendorf, por “dois cabos com uns cento e doze brancos e uns novecentos índios, em umas trinta e sete canoas”. 92 Como pode se ver, as tropas permitiam a interação dos soldados portugueses com diversos outros

AMADO. “Viajantes involuntários: degredados portugueses para a Amazônia colonial”, pp. 825-26. É preciso lembrar que muitos soldados e degredados voltavam a Portugal, uma vez terminadas suas obrigações ou pena no Estado do Maranhão e Pará. Foi esse o caso do praça João Gomes Torres e também de Pedro Rodrigues Sarmento, exilado por cinco anos. “Para o governador do Maranhaõ. Sobre Joaõ Gomes de Torres”. 10/10/1675. AHU, cód. 268, f. 12; “Pera o g.or e capitaõ geral do Estado do Maranhaõ. Sobre P.o Roiź Sarm.to acerca de ter comprido o degredo”. 12/02/1680. AHU, cód. 268, f. 25. 91 Antônio VIEIRA, SJ. “Ao provincial do Brasil”. Maranhão, 1654. Cartas. Coordenadas e anotadas por João Lúcio de Azevedo. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997, vol. I, pp. 354-55. 92 João Felipe BETTENDORF, SJ. Crônica da missão dos Padres da Companhia de Jesus no Maranhão [1698]. Belém: Secult, 1990, p. 90. 90

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grupos que compunham aquela sociedade, como os índios de “remo e arco” e os “cavaleiros”.93 Por outro lado, se o vasto sertão amazônico servira de refúgio para índios escravizados e aldeados e para escravos africanos que abandonavam o espaço de trabalho, também o fora para desertores. A deserção se tornou um mecanismo de construção de “laços de solidariedade e redes de troca e proteção” num território de difícil controle por parte das autoridades, como discutiram Flávio Gomes e Shirley Nogueira para o século XVIII. 94 Não sem razão, em 1682, o governador do Maranhão, Francisco de Sá e Meneses, queixava-se da falta de soldados nas companhias do Pará, “que devendo ao menos ser cada uma de 30, muitas vezes que nem 10 acompanham ao seu capitão, uns por andarem fugidos pelos matos, e outros por estarem presos por crimes”. A principal causa era o fato de os soldos serem “tão tênues”, razão pela qual “ninguém se convida a assentar praça, antes todos fogem de cativar a sua liberdade”. 95 A carta de Sá e Meneses aponta para dois elementos centrais elencados por Flávio Gomes e Shirley Nogueira: o recrutamento como forma de controle social (“fogem de cativar a sua liberdade”) e O padre Vieira explica: “e porque não faça dúvida o nome de cavaleiros, é de saber que entre os índios destas partes é costume de se armarem alguns cavaleiros, e isto com grandes cerimônias a seu uso. Destes se chamam também cavaleiros os que, por nascimento ou por ofícios, são como a gente nobre, e estes nem remam, nem servem aos portugueses, e só os acompanham na guerra”. VIEIRA. “Ao provincial do Brasil”. Maranhão, 1654. Cartas, vol. I, p. 355. Charles Boxer editou um raro regimento de uma tropa dos anos 1660, em que se vislumbram todas essas categorias e as possíveis interações. Ver: BOXER. “Um regimento inédito sobre o resgate dos ameríndios no Estado do Maranhão em 1660”. Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1965, vol. III, pp. 65-71. 94 GOMES & NOGUEIRA. “Outras paisagens coloniais: notas sobre desertores militares na Amazônia seiscentista”, p. 224. 95 A carta de Francisco de Sá e Meneses, redigida em São Luís, a 14/09/1682, está anexada a “CCU-Pedro II”. 27/11/1682. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 676. Não era sem razão que os soldados fugiam ou se rebelavam. Em 1697, a partir de uma carta régia registra-se que a Fazenda real devia dois anos de soldos às tropas. “Para o mesmo. S.e se pagar a infantr.a dos effeitos aplicados as fortificações tudo o q. se lhes estiver devendo”. 7/12/1697. AHU, cód. 268, f. 130v. 93

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a constituição de uma “estratégia social diante das formas de dominação e controle”, efetivada por meio de fuga e dos crimes, dos quais reclamava o governador.96 Essas eram então formas de inserção dos soldados na sociedade que os recebera, muitas vezes, como degredados. O caso do degredado Faustino Mendes de Araújo é exemplar para se compreender a forma como degredados e/ou soldados reconstruíam suas vidas no lugar de desterro. Os problemas de Faustino Mendes começaram com uma denúncia feita pelo padre Manuel da Rocha ao tribunal da Inquisição em Lisboa, em julho de 1671. Segundo o padre Rocha, Faustino era casado em Braga com Margarida Rabelo. Acontece que o mesmo havia sido degredado para o Maranhão, havia 20 anos; entretanto, em conversa com o capitão Manuel da Silva capitão de um navio que fora ao Maranhão, soubera que Faustino havia se casado novamente no Maranhão. 97 Cinco anos mais tarde, Faustino Mendes foi novamente denunciado. Desta vez, o promotor do Santo Ofício requeria que se passassem as “ordens necessárias” para se averiguar o caso. A primeira acusação foi de João de Sousa Ferreira, em agosto de 1676, que relatara que havia uns 19 a 20 anos, fora ao Estado do Maranhão

Sobre as estratégias de sobrevivência e a resistência dos recrutados, ver também, para o século XVIII no Brasil meridional: Enrique PEREGALLI. Recrutamento militar no Brasil colonial. Campinas: EdUnicamp, 1986, pp. 118-41; Kalina Vanderlei da SILVA. “Dos criminosos, vadios e de outros elementos incômodos: uma reflexão do recrutamento e as origens sociais dos militares coloniais”. Locus, vol. 8, nº 1 (2002), pp. 79-92; Paulo Cesar POSSAMAI. “O recrutamento militar na América portuguesa: O esforço conjunto para a defesa da Colônia do Sacramento (1735-1737)”. Revista de História, nº 151 (2004), pp. 151-80; Christiane Figueiredo Pagano de MELLO. “As novas diretrizes defensivas e o recrutamento militar. A capitania de São Paulo na segunda metade do século XVIII”. Revista de História, nº 154 (2006), pp. 267-95. Para o Estado do Maranhão e Pará da primeira metade do século XVIII, ver: VIANA. Das armas aos sertões, pp. 68-92; para a Amazônia da segunda metade do século XVIII, ver: NOGUEIRA. Razões para desertar: institucionalização do exército no Estado do Grão-Pará no último quartel do século XVIII. Belém: Dissertação de mestrado (PLADES/NAEA), UFPA, 2000. 97 “Contra Faustino Mendes m.or no Maranhaõ”. 1671. DGARQ/TT, IL-CP, livro 247, ff. 19-20v. 96

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“fazer alguma assistência por razão de negócio”, e que junto com ele viajara Faustino Mendes como degredado, que dizia ser solteiro. Segundo Sousa Ferreira, depois de uns 12 anos, Mendes se casara de novo com uma moça nascida na região (no Maranhão ou no Gurupi). Havia dois anos soubera por um amigo que Faustino já era casado em Braga, antes de ter ido ao Maranhão. No mês seguinte, era Manuel Rodrigues Furtado quem relatava que indo ao Pará (havia uns 15 anos), encontrou a Mendes de Araújo, tendo “negócio com ele”. Segundo Rodrigues Furtado, sabia que ele era casado, mas voltando uma vez de uma viagem ao sertão, o encontrou casado, com um filho, morando no Moju. Outro depoimento, do frei João da Conceição (capucho de Santo Antônio) acrescentava novos detalhes. Quando de sua estadia no Maranhão tinha achado a Faustino Mendes, que ouvira ter sido degredado para a região por falso testemunho, e que estava casado com dona Maria, natural de Belém, com a qual tinha dois filhos. Pedindo-se certidões ao cônego da Sé de Braga, confirmou-se o casamento de Faustino Mendes com Margarida Rebelo, que estava ainda viva, e o fato dele ter sido degredado por falso testemunho.98 A história de Faustino Mendes revela que a constituição familiar pode ter sido um dos mecanismos de reconstrução da vida dos degredados no exílio. No caso de Faustino, entretanto, ela fora justamente o seu ponto fraco, pois, infelizmente para ele, e felizmente para nós, a sua condição de bígamo chamara a atenção da rede de denúncias da Inquisição, tão presente nas conquistas. Por outro lado, é significativo o fato de Faustino ter morado no rio Moju, na capitania do Pará, região que, já na década de 1670, começava a concentrar unidades de produção agrícola, tanto de açúcar quanto de cacau. Talvez, o próprio casamento com dona Maria tenha possibilitado a Faustino a aquisição ou herança de terras na região (não encontrei nenhuma referência a terras deles, ou dos pais de dona Maria nos registros de sesmarias; mas estes, de qualquer modo são incompletos). Não me parece que esse caso tenha sido excepcional. Na verdade, o que seguramente ocorre na maioria dos casos é que, por um lado não temos o registro sistemático dos degredados para o Maranhão, “[Contra Faustino Mendes de Araújo]”. 1676-1677. DGARQ/TT, IL-CP, livro 254, ff. 150-176v. 98

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para a segunda metade do século XVII. Por outro lado, como claramente constituíam a população branca e pobre da região amazônica, também não aparecem com facilidade na documentação, a não ser nas ricas denúncias enviadas ao tribunal da Inquisição em Lisboa. David Robinson já chamara a atenção para o fato de que dos incontáveis migrantes para a América, em geral, somente se podem recuperar aqueles que se meteram em problemas com o poder colonial.99

Casais das ilhas Se migrantes individuais, soldados e degredados vieram a compor a população do Estado do Maranhão, outro fluxo fundamental de europeus proveio das várias levas de casais dos Açores, cujo envio foi financiado pela Coroa. Segundo Timothy Coates, essa situação revelava que, em contraste com o Estado do Brasil, a Amazônia dependeria da “colonização forçada e patrocinada pelo Estado”.100 Talvez fosse mais acertado falar em diversos níveis de participação da coroa portuguesa na conquista da região. Assim, se soldados e degredados eram obrigados a migrar pela Coroa, prática que permaneceria ate o início do século XIX 101, no caso dos açorianos, eram eles, muitas vezes, que requeriam a sua mudança das ilhas, devido aos problemas causados por catástrofes naturais, como veremos. Nesse caso, a Coroa agia como promotora, mas também como meio para viabilizar a migração dos habitantes das ilhas e, consequentemente, promover a ocupação da região. Em relação à migração individual, o papel da Corte era na verdade o de estimular (mas seguramente não forçar) interesses individuais (quaisquer que eles fossem), no sentido de contribuir para o povoamento da região. O fato é que, como o próprio Timothy Coates indica, durante o século XVII, as capitanias do Maranhão e do Pará “mantiveram uma ROBINSON. “Introduction: towards a typology of migration in colonial Spanish America”, p. 2. 100 COATES. Degredados e órfãs, p. 144. 101 Ver: CRUZ. “Os degredados”. In: Procissão dos séculos: vultos e episódios da história do Pará [1952]. 2ª edição. Belém, Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1999, pp. 121-22. 99

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ligação com os Açores”, caracterizada pela migração de indivíduos decorrente de “sobrepopulação e uma série de terramotos”. Para esse autor, foram enviados moradores das ilhas nos anos de 1619, 1622, 1649, 1667, 1673, 1674 e 1677. 102 Já Arthur Cezar Ferreira Reis indica os anos de 1620, 1621, 1667 e 1676, e argumenta que somente a partir de meados do século XVIII é que a Coroa interveio “ativamente, no propósito de colonizar intensamente o vale”. 103 Muito tempo antes, já Bernardo Pereira de Berredo em seus Anais históricos do Maranhão, referira-se a chegada de casais açorianos nos anos 1621, 1622 e 1676.104 A documentação coletada ao longo da pesquisa dá conta das seguintes jornadas que levaram açorianos ao Maranhão e Pará, entre as décadas de 1640 e 1670, com dados do número de casais e pessoas. Para o período anterior à década de 1640, encontramos referências às expedições de 1618-1619 (sob a responsabilidade do capitão Jorge de Lemos Betencourt) e em 1621-1622 (nau São Francisco, capitaneada por Manuel Fernandes).105

COATES. Degredados e órfãs, p. 145. REIS. A política de Portugal no vale Amazônico, pp. 106-107. Ver também: REIS. “Os açorianos na criação do Brasil”. In: Épocas e visões regionais do Brasil. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas, 1966, pp. 509-28. 104 BERREDO. Annaes historicos do Estado do Maranhão [1749], pp. 209-211 e 568. 105 Sobre a primeira jornada (que transportou 200 casais de açorianos), ver: “Carta régia de Dom Felipe II”. c. 1618. AHU, Maranhão, cx. 1, doc. 16; “Consulta do Conselho da Fazenda”. 26/05/1618. AHU, Pará, cx. 1, doc. 7; “Carta Régia de Dom Felipe II”. 5/03/1619. AHU, Maranhão, cx. 1, doc. 29; “Requerimento de Jorge de Lemos Betancourt”. 1610-20. AHU, Maranhão, cx. 1, doc. 109. Sobre a segunda (que transportou 40 casais), ver: Certidão de Luís Borralho”. 24/11/1622. AHU, Maranhão, cx. 1, doc. 51. 102 103

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Viagens de açorianos (a partir de 1640) Nome da embarcação e/ou do capitão/proprietário 1647-49 “Nau inglesa” – Jorge Bretão

106

Mercúrio – Martis Filter107 Nossa Senhora da Palma e S. Rafael – Cap. Manuel 1674-75 do Vale. Senhorio: Jorge Gomes Alemo108 N.Sa. da Penha de França e S. Francisco Xavier – 1676-77 Cap. Manuel Rodrigues109 1649

Total

Casais Pessoas 52

375

45

270

50

234

50

[235]

197

1114

É preciso ressaltar três elementos em relação à migração de açorianos para o Estado do Maranhão, durante o século XVII110. Em 18/6/1647. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 215; 10/07/1647. AHU, cód. 92, f. 94v; 16/07/1647. AHU, cód. 92, f. 95; 23/04/1649. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 278. 10/09/1653. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 327. 107 16/04/1649. AHU, Açores, série 1, cx. 2, doc. 4; c. 1655. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 370. 108 22/12/1674. AHU, cód. 268, f. 6v; 22/12/1674. AHU, cód. 268, f. 7; 3/12/1674. AHU, cód. 268, f. 8; 22/12/1674. AHU, cód. 268, f. 8; 22/12/1674. AHU, cód. 268, f. 8; 22/12/1674. AHU, cód. 268, f. 8v; 28/02/1675. AHU, cód. 268, f. 7; 28/02/1675. AHU, cód. 268, f. 8v; 4/04/1675. AHU, cód. 268, f. 8v; 4/04/1675. AHU, cód. 268, f. 9; 3/04/1675. AHU, cód. 268, f. 9v; 17/12/1674. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 592; c. 1674. AHU, Pará, cx. 2, doc. 155; 10/02/1675. AHU, cód. 268, ff. 10v-11; 28/02/1675. AHU, cód. 268, f. 7; 4/04/1675. AHU, cód. 92, f. 113; 4/06/1675. AHU, cód. 268, ff. 11-11v; 5/06/1675. AHU, cód. 268, f. 10v; 20/10/1675. AHU, Açores, série 1, cx. 2, doc. 17; 25/04/1676. AHU, cód. 274, ff. 4-5. 109 23/07/1676. AHU, cód. 268, ff. 13-13v; 4/09/1676. AHU, cód. 93, f. 142v; 19/09/1676. AHU, cód. 268, f. 14v; 19/09/1676. AHU, cód. 268, ff. 15v-16; 23/07/1676. AHU, cód. 268, ff. 16-16v; 23/07/1676. AHU, cód. 268, ff. 16v-17; 28/07/1676. AHU, cód. 268, f. 17; 7/09/1676. AHU, cód. 48, f. 8; 3/06/1677. AHU, cód. 268, f. 17; 3/06/1677. AHU, cód. 268, f. 17v; 8/12/1677. AHU, cód. 268, ff. 18-18v; 3/06/1677. AHU, cód. 93, f. 162v; 8/07/1677. AHU, cód. 93, f. 163v; 11/08/1677. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 610; 9/11/1677. AHU, cód. 268, f. 21; 10/01/1679. AHU, Pará, cx. 2, doc. 177; 18/08/1678. AHU, Açores, série 1, cx. 2, doc. 19; 12/09/1679. AHU, Pará, cx. 2, doc. 180; 18/03/1680. AHU, cód. 268, f. 26; s.d. AHU, cód. 93, ff. 226-226v. 106

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primeiro lugar, a expedição realizada pela “nau inglesa”, na verdade, não fora patrocinada pela Coroa, e sim por Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, donatário de Tapuitapera (Alcântara) e de Cametá, para povoamento desta capitania. Em segundo lugar, de acordo com a documentação, houve uma jornada organizada entre 1672-1673, que não chegou a se concretizar.111 E, finalmente, não foi possível encontrar referências que comprovassem a efetivação da viagem de 1667, referida por Timothy Coates e Arthur Cezar Ferreira Reis. Embora em uma consulta em 1667, o Conselho Ultramarino sugerisse ao rei que, em função da necessidade de povoadores para o Estado do Maranhão, parecia conveniente ao serviço real “e ao aumento do Estado do Maranhão” que se ordenasse às autoridades das ilhas que havendo casais que quisessem ir ao Maranhão se enviassem por conta da Fazenda real, como já tinha sido feito antes, não há nenhuma comprovação que essa sugestão, mesmo aprovada pelo rei, tenha de fato sido levada a cabo.112

Ver também: Ananias Alves MARTINS. “Imigrantes esquecidos na fronteira norte. Açorianos na colonização e na cultura. Maranhão, século XVII”. In: Vera Lúcia Maciel BARROSO. Açorianos no Brasil: história, memória, genealogia e historiografia. Porto Alegre: Ed. EST, 2002, pp. 21-41; Rosa ACEVEDO MARIN. “Açorianos nas terras conquistadas pelos portugueses no Vale do Amazonas e Açorianos no Cabo Norte Século XVII”. In: BARROSO. Açorianos no Brasil: história, memória, genealogia e historiografia, pp. 43-66; José Damião RODRIGUES & Artur Boavida MADEIRA. “Rivalidades imperiais e emigração: os açorianos no Maranhão e no Pará nos séculos XVII e XVIII”. Anais de História de Além-Mar, vol. 4 (2003), pp. 247-64. 111 Embora uma expedição tivesse sido organizada a partir de 1672, e até a embarcação já tivesse sido escolhida, não há nenhuma indicação de que essa jornada se realizou. Na verdade, poderia se dizer que a migração de 1674-1676 seria a concretização dessa primeira tentativa. Ver: “Para o governador do Maranhaõ. Sobre os mesmos e cazaes da ilha do Fayal”. 24/09/1672. AHU, cód. 276, ff. 71-71v; “Sobre o que pedem o capitaõ mor e officiaes da Camara da Ilha do Fayal e vay a rellaçaõ que se acusa”. 27/09/1672. AHU, cód. 47, ff. 211212; “Representação dos oficiais da câmara da ilha do Faial”. Faial, 22/12/1672. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 574; “CCU-Pedro II”. 7/10/1673. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 581; “CCU-Pedro II”. 28/11/1673. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 583; “CCU-Pedro II”. 13/01/1674. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 585. 112 “CCU-Afonso VI”. 24/01/1667. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 519. 110

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Examinemos as jornadas da década de 1670, que se revelam exemplares do esforço do príncipe regente Dom Pedro II em povoar o Estado do Maranhão, e são contemporâneas (e seguramente constituem uma resposta) às advertências do Conselho Ultramarino sobre a falta de moradores na região. As três empresas, juntamente com a ida de soldados da Madeira e o incipiente tráfico negreiro, que veremos adiante, indicam claramente uma dimensão imperial que se concretizava em diversas rotas do Atlântico norte, que ligavam o reino, as Ilhas atlânticas (da Madeira e dos Açores), a Guiné, o arquipélago de Cabo Verde e o Estado do Maranhão. Como já apontei, a ida de açorianos para o Estado do Maranhão, patrocinada pela Coroa, se efetivara em razão de uma confluência de necessidades. De um lado, as prementes dificuldades de ocupação humana desse vasto território. De outro, como explicavam o capitãomor e oficiais da Câmara da ilha do Faial “O miserável estado com que seus habitantes se consideram por causa dos terremotos que têm experimentado por sinal de castigo com que Deus, Nosso Senhor, os está ameaçando com ruína de duas freguesias e todas suas casas, vários vulcões de fogo, que têm rebentado, chuviscos de areia, cinza que têm devastado os campos, deixando-os incapazes de produzir frutos”.113

Em dezembro de 1672, os oficiais da Câmara da ilha requeriam fossem socorridos, passando para o Maranhão ou Brasil, “que deste modo, ficará a necessidade e miséria que padecem remediada”. O capitão-mor, Jorge Goulart Pimentel, insistia que se mandassem embarcações e ajuda para que os moradores da ilha fossem ao Maranhão “ou outra qualquer parte dos estados do Brasil, para aí habitarem e com seu trabalho buscarem o remédio para passarem a vida”.114 Sinal de uma vinculação norte-atlântica, estabelecida décadas antes, com as primeiras levas de açorianos que aportaram ao Estado do Maranhão, o fato é que a solução para os problemas dos moradores do “Sobre o que pedem o capitaõ mor e officiaes da Camara da Ilha do Fayal e vay a rellaçaõ que se acusa”. 27/09/1672. AHU, cód. 47, ff. 211-211v. 114 “Representação dos oficiais da câmara da ilha do Faial”. Faial, 22/12/1672. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 574. 113

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Faial – simplesmente a evacuação de parte da população – serviria de meio para a Coroa resolver os problemas de povoamento nas suas conquistas. Assim, por ocasião dessa primeira petição dos vereadores e capitão-mor, em 1672, o Conselho Ultramarino sugerira igualmente o envio de casais a Angola. Um dos conselheiros, Salvador Correia de Sá e Benevides, apontara inclusive a necessidade de “povoadores” em Moçambique.115 A relação entre catástrofes naturais e a emigração para o Maranhão (como no século XVIII para Santa Catarina, por exemplo) é fundamental para entender a viagem dos casais. Em 1647, por exemplo, registrou-se um terremoto com terríveis efeitos.116 Do mesmo modo, em 1672, os diversos terremotos e erupção, e os incêndios que a eles se seguiram devastaram as vilas, como relata com detalhes a Relaçam dos tremores de terra, e fogo, que arrebentou na Ilha do Fayal… (1673), republicada no Archivo dos Açores.117 Já para o Estado do Maranhão e Pará, a viagem dos “casais” esteve claramente determinada pelas necessidades específicas de povoamento. Em outubro de 1673, o Conselho Ultramarino informava ao rei que o governador do Maranhão escrevera recomendando que os casais se estabelecessem na capitania do Pará, “considerando a limitada povoação que tem, e que os moradores daquela cidade estão prontos para os receberem e fazerem todo o bom agasalho”.118 A ideia era

Os interesses de Correia de Sá na África eram mais que conhecidos. Poucos anos depois, em 1675, insistiria na mesma ideia, lembrando a importância do povoamento da costa oriental africana. “Do Conc.o Ultramarino. Sobre o que escreve o Prov.or da Faz.a das Ilhas dos Assores Augustinho Borges de Souza e o capitaõ-mor do Fayal”. 20/10/1675. AHU, Açores, série 1, cx. 2, doc. 17. Sobre Salvador Correia de Sá e sua relação com o continente africano, ver: BOXER. Salvador de Sá and the struggle for Brazil and Angola. Londres: University of London/The Athlone Press, 1952; ALENCASTRO. O trato dos viventes, pp. 231-38. 116 “Anno de 1647. Terremotos na Ilha Terceira”. In: Archivo dos Açores. Publicação destinada a vulgarisação dos elementos indispensaveis para todos os ramos da Historia Açoriana. Ponta Delgada: Typ. do Archivo dos Açores, 1881, vol. III, pp. 339-40. 117 “Anno de 1672. Erupção na Ilha do Fayal”. In: Archivo dos Açores, vol. III, pp. 426-34. 118 “CCU-Pedro II”. 7/10/1673. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 581. 115

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enviar 100 casais. Na primeira viagem, entretanto, a fragata Nossa Senhora da Palma e São Rafael, cujo capitão era Manuel do Vale, não era capaz de transportar toda a gente, razão pela qual foram enviados somente 50 casais, que partiram em agosto de 1675 e chegaram ao Pará em outubro do mesmo ano.119 Os casais restantes teriam que esperar o ano de 1676, e seriam transportados na charrua Nossa Senhora da Penha de França e São Francisco Xavier, comandada por Manuel Rodrigues. A viagem de 1676 fora marcada por algumas atribulações. Inicialmente o capitão Rodrigues capitanearia o navio Jesus Maria José, que se dirigiu de fato à ilha do Faial. Entretanto, descendo o capitão a terra, sobreveio uma tempestade que impediu a ancoragem e, ao que parece incitou um motim dos tripulantes contra o piloto, João de Ávila; segundo um relato sobre o sucesso da jornada, tal situação obrigou o piloto a “fazer viagem para onde se salvassem”, dirigindo-se ao Estado do Maranhão. O navio acabou lá chegando “destroçado, falto de amarras e velame”.120 Já no Maranhão, os problemas pioraram, pois a embarcação foi sequestrada por ordem do provedor da Fazenda do Estado. Anos depois, os senhorios da embarcação requeriam ao rei a restituição de seu navio.121 A importância dos açorianos para o povoamento da região se revelara de forma explícita em várias ocasiões. Por ocasião da primeira viagem, por exemplo, o rei recomendava ao governador que, para a chegada dos casais, tivesse “prevenido se acomodem e governem civilmente”, além de ordenar que se dispusessem alguns “índios idôneos” como aprendizes daqueles que tinham ofícios.122 As expectativas com a ida dos casais eram altas, tanto é que o Conselho “Do Conc.o Ultramarino. Sobre o que escreve o Prov.or da Faz.a das Ilhas dos Assores Augustinho Borges de Souza e o capitaõ-mor do Fayal”. 20/10/1675. AHU, Açores, série 1, cx. 2, doc. 17; “Sobre a comduçaõ dos sincoenta cazaes da Ilha do Fayal para o Parâ e chegada dos primeiros 50 aquella Praça e M.es que os querem levar com suas embarcações”. 25/04/1676. AHU, cód. 274, ff. 4-5. 120 “CCU-Pedro II”. 12/12/1679. AHU, Pará, cx. 2, doc. 180. 121 “Salvador Simões Borralho e D.os Clemente. P.a o Prov.or da Faz.a do Maranhaõ mandar levantar o sequestro a Salvador Simões Borralho e D.os Clemente”. S.d. AHU, cód. 93, ff. 226-226v. 122 “P.a o g.or do Estado do Maranhaõ. Sobre a chegada de Marçal Nunes da Costa a capitania do Pará”. 3/04/1675. AHU, cód. 268, f. 9v. 119

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Ultramarino, em repetidos momentos, lembrava que a chegada de açorianos no Pará “poderá ser princípio à povoação daquele Estado”.123 Já na segunda viagem, o rei escrevia ao governador pedindo notícias sobre a chegada e instalação dos casais e também informação sobre a necessidade de mais migrantes, “para que com vosso aviso se possam remeter os mais que puder se para se povoar essa capitania”.124 Entretanto, a julgar pela documentação existente, as esperanças se revelaram frustradas. Ao comentar a primeira leva de migrantes, em carta escrita de Roma a Duarte Ribeiro de Macedo, em 1675, o padre Antônio Vieira sentenciara em poucas palavras: “estes vão a morrer de fome, como já foram outros das ilhas”.125 Talvez suas opiniões tivessem sido moldadas pela impressão que tivera quando da sua estada no Estado do Maranhão, momento em que já lamentava as “misérias que passa esta pobre gente das Ilhas”.126 As impressões do padre Vieira eram compartilhadas por outros, entretanto. Segundo o Conselho Ultramarino, baseado em carta do governador, Inácio Coelho da Silva, por ocasião da chegada dos casais em 1677, o seu antecessor teria repartido os migrantes “por casa dos moradores que mais possibilidade tinham, e ainda se acham alguns com este cômodo”. Entretanto, “outros que se enfadaram de estar por casas alheias, se foram acomodar como puderam, metendo-se uns com outros com grande miséria e descômodo”. A conclusão do governador, reproduzida na consulta do Conselho, não poderia ser mais desalentadora: se a terra precisava urgentemente de povoadores,

“CCU-Pedro II”. 17/12/1674. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 592. Numa outra consulta, os conselheiros escreviam que a com a jornada dos moradores das ilhas, “poderá ter princípio a povoação daquele Estado, que promete grandes melhoras à Coroa de V.A.”. “Requerimento de Manuel do Vale, mestre de fragata Nossa Senhora da Palma e São Rafael”. c. 1674. AHU, Pará, cx. 2, doc. 155. 124 “P.a o g.or do Maranhaõ. S. e os cazais q. foraõ e recomendaçaõ do m. te M.el Roiz”. 8/12/1677. AHU, cód. 268, ff. 18-18v. 125 VIEIRA. “A Duarte Ribeiro de Macedo”. Roma, 13/03/1675. Cartas, vol. III, p. 166. 126 VIEIRA. “Ao rei D. João IV”. Maranhão, 4/04/1654. Cartas, vol. I, p. 401. 123

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Rafael Chambouleyron “Não é a da casta desta a que serve para seu aumento, por ser a que foi inútil e de nenhum préstimo, que nenhum tem ofício, nem quer trabalhar; nem é esta a gente para acrescentar terras, e eles pela sua incapacidade e miséria se vão atenuando, e são já muitos mortos e suas famílias”.

Diante dessa catastrófica situação, o próprio Conselho advertia ao príncipe que “não convém esta gente para as povoações dele, assim por sua inutilidade, como pelo mais que representa o governador”.127 Se não há dúvida que esses comentários revelavam um considerável desprezo pelos açorianos que se dirigiram ao Maranhão, o fato é que, poucos anos depois, o donatário da capitania do Cametá, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, requeria que se lhe estendesse o tempo prescrito para povoar suas terras, uma vez que tentando ir à ilha do Faial conseguir gente para ocupá-la, “lhe não foi possível conduzir nenhum, receosos do mal que havia sucedido aos que dali foram”.128 A experiência com os açorianos na década de 1670 revelava-se, assim, no mínimo ambígua. Por um lado, não há dúvida que o impacto demográfico da chegada dos açorianos na população de portugueses (e seus descendentes) foi enorme. A julgar pelas referências esparsas na documentação, a população de portugueses na capitania do Pará, em 1674, chegava a 200 casais (assim informava o governador Pedro César de Meneses em carta ao Conselho).129 Desse modo, em apenas três anos – 1674-1677 – a população da capitania teria aumentado em cinquenta por cento.130 Em seu Compêndio das eras da província do Pará, Antônio Ladislau Monteiro Baena refere-se a uma determinação da Câmara de Belém que teria designado o “sítio”, paralelo à rua dos Mártires, que deveria “marcar campo aos domicílios dos açorianos nuper-chegados”.131 “CCU-Pedro II”. 10/01/1679. AHU, Pará, cx. 2, doc. 177. “CCU-Pedro II”. 23/12/1681. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 659. 129 “CCU-Pedro II”. 16/10/1674. AHU, Maranhão, cx., 5, doc. 590. 130 Justamente, em 1679, Simão da Costa e Souza informava que a população da capitania do Pará era de 300 casais. Quero crer que nesse número estavam incorporados os 100 casais de açorianos chegados anos antes. Simão da Costa e SOUSA. “Sobre o Maranhão e Parà e dezordé dos ministros, e officiais, q là hà”. Lisboa, 21/10/1679. BA, cód. 50-V-37, f. 398. 131 Antônio Ladislau Monteiro BAENA. Compêndio das eras da província do Pará [1838]. Belém: EdUFPA, 1969, pp. 103-104. Ver também: Augusto MEIRA 127 128

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Entretanto, as esperanças da Coroa de povoar o imenso Pará com açorianos viram-se claramente baldadas. A sugestão do Conselho Ultramarino de não apostar mais nos casais das Ilhas para povoar o Estado parece ter sido seguida à risca. Em fevereiro de 1678, pouco tempo depois da chegada do segundo grupo de casais, o próprio Conselho, analisando uma proposta do recém-nomeado bispo do Maranhão, reforçava essa tendência. A sugestão de Dom Gregório dos Anjos era a de aproveitar os moradores de Tanger que haviam se instalado no Algarve e enviá-los para o Estado do Maranhão.132 Embora os conselheiros tivessem algumas ressalvas quanto ao tipo de gente, ponderavam que, “com sua assistência se farão colônias, e nos filhos se pode perpetuar, e com menos custo da Fazenda de V.A.”. Mais ainda, sentenciavam os membros do Conselho Ultramarino, eram “estes moradores de mais conveniência para enobrecer as colônias que os casais das Ilhas”.133 O fracasso da experiência açoriana, assim, parece ter se revelado logo. É sintomático o fato de que a Amazônia teria que esperar até meados do século XVIII para receber novas levas de açorianos. No fim das contas, talvez tivesse razão Simão da Costa e Sousa, que em 1679, escrevia que, entre vários grupos, compunham a população do Estado “os mais humildes homens das Ilhas, que com uma enxada sustentavam a vida”.134

FILHO. Evolução histórica de Belém do Grão-Pará. Belém: Grafisa, 1976, vol. I, p. 412. 132 Tânger tinha sido transferida para o domínio britânico, como parte de um tratado de paz e aliança, assinado entre a Coroa e a Inglaterra em 3/06/1661, decorrente do casamento de Catarina de Bragança com Carlos III. Joaquim Veríssimo SERRÃO. História de Portugal, vol. 5, p. 67. 133 “Com o papel que apresentou Dom frey Gregorio dos Anjos Bispo do Maranhaõ sobre varios apontamentos comcernentes ao milhor augmento daquelle Estado”. 28/02/1678. AHU, cód. 274, f. 9. Ver também: “Parecer do Conselho Ultramarino para Dom Pedro II”. 5/02/1678. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 624. 134 SOUSA. “Sobre o Maranhão e Parà e dezordé dos ministros, e officiais, q. là hà”. Lisboa, 21/10/1679. BA, cód. 50-V-37, f. 398.

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Os irlandeses Os casais açorianos não foram a única alternativa vislumbrada pela Coroa para povoar o Estado do Maranhão com europeus. Vimos a proposta do bispo do Maranhão de enviar os moradores de Tânger que se encontravam no Algarve. Tudo indica que fora uma experiência baldada, pois não há nenhuma referência na documentação a esse respeito.135 Já décadas antes, outra tentativa de povoar o Estado do Maranhão com europeus, dessa vez mais ousada, fora colocada em ação. Na década de 1640, vários católicos irlandeses, comandados pelo capitão Pedro Sweetman requeriam ao rei Dom João IV permissão para se instalar no Pará, alegando perseguição religiosa por parte dos ingleses protestantes.136 Embora não tenhamos notícia do pedido de Sweetman, o foral e doação concedido pelo soberano, depois reformado e aparentemente tornado sem efeito, relata que os irlandeses haviam resolvido recorrer ao rei “como Príncipe tão católico e favorecedor e protetor de todo católico desterrado, e em particular da dita nação, recebendo-os e dando-lhes neste Reino conventos e mosteiros de religiosos e religiosas, e seminários de sua nação com grandes esmolas e particular piedade”.137

Na segunda metade do século XVIII (entre 1768 e 1770), a Coroa mandaria outros “africanos” para a região, com a desocupação de Mazagão e transferência de seus moradores para o Cabo do Norte. A esse respeito, ver: Eliana Ramos FERREIRA. “Estado e administração colonial: a vila de Mazagão”. In: Rosa de ACEVEDO MARIN (org.). A escrita da história paraense. Belém: NAEA, 1998, pp. 93-114; José Manuel Azevedo e SILVA. “Mazagão. De Marrocos para a Amazónia”. Biblioteca Digital – Textos e documentos. Centro de História da Sociedade e da Cultura/Universidade de Coimbra, dezembro de 2002, Acesso em 6/11/2007. Laurent VIDAL. Mazagão, la ville qui traversa l’Atlantique: du Maroc à l’Amazonie (1769-1783). Paris : Flammarion, 2008. 136 Utilizamos aqui a grafia “Sweetman”, como citada por Joyce Lorimer. Nos documentos, seu nome aparece como “Sutman” ou “Sotmão”. Joyce LORIMER. English and Irish settlement on the River Amazon (1550-1646). Londres: The Hakluyt Society, 1989, p. 120. 137 “Regimento dos habitadores irlandezes do Pará”. 4/03/1644. DGARQ/TT, João IV, livro 1, ff. 196-199. O foral foi publicado: “Carta de foral, povoação e 135

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O Foral relata ainda que Pedro Sweetman e seus quatrocentos companheiros haviam saído, ao que parece da Irlanda, “pelo aperto das guerras e terra”, e teriam se dirigido à Ilha de São Cristóvão (Antilhas), para onde o capitão irlandês levara “a sua custa, muitos lavradores e soldados, para povoarem e romperem a terra”.138 Entretanto, na ilha teriam entrado em conflito com os ingleses, que eram mais numerosos, “e de diversa profissão, [que] os perseguiam e tiranizavam”. Sendo assim, “desejavam e determinavam sair-se e ir povoar a outra província, em que professassem livremente a santa fé católica”.139 O pedido de Sweetman e seus companheiros seguiu um trâmite relativamente lento na corte portuguesa. A documentação, depositada na Seção de Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, revela as idas e vindas da decisão do soberano, que, se inicialmente concedera a “mercê”, revira sua decisão, acompanhando os conselhos do Dr. Tomé Pinheiro da Veiga, membro do Conselho do rei, do Desembargo do Paço e Procurador da Coroa. Aliás, ao Dr. Pinheiro da Veiga, Dom João IV encomendara dois pareceres, relativos a mais dois pedidos do capitão irlandês (um em agosto e outro em outubro de 1643). O processo contara ainda com a intervenção da rainha Dona Luisa, que em julho de 1643 encomendava a um destinatário desconhecido, talvez o próprio Pinheiro da Veiga, que “mandasse logo chamar a Sweetman inglês [sic] que se ofereceu a el-Rei nosso senhor com quatrocentos casais de sua nação para irem povoar parte das terras da conquistas do Maranhão”. 140 Acima desta carta enviada pela rainha, há uma interessante inscrição anotada pelo Dr. Pinheiro da Veiga que diz: “Com Pedro Sweetman irlandês ir povoar ao

doação, e naturizamento passada pelo rei D. João IV ao irlandês Pedro Suetman”. ABAPP, tomo XIII (1983), pp. 369-78. 138 Sobre as colônias irlandesas no Caribe, ver: Nini RODGERS. “The Irish in the Caribbean, 1641-1837. An overview”. Irish Migration Studies in Latin America, vol. 5, nº 3 (2007), pp. 144-55 (este texto refere-se também às aventuras de Sweetman). 139 “Papéis vários referentes ao pedido de Peter Suthman, irlandês, para se instalar na Capitania do Pará. O codice inclui três propostas, pareceres e oposições”. Década de 1640. BNP, Seção de Reservados, cód. 7627, f. 78. 140 Ibidem, f. 89.

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Maranhão [à] instância de D. Pedro [Pueros] irlandês, mestre do sereníssimo príncipe D. Teodósio, que Deus guarde”.141 Como se vê, a presença e/ou influência dos irlandeses católicos não merece ser desconsiderada, principalmente numa década em que, por um lado, Portugal acabava de reconquistar a sua independência e o novo rei da casa de Bragança seguramente empenhava-se em consolidar a sua posição como soberano, e mais, como soberano católico. De outro lado, como vimos, no início da década de 1640, os holandeses invadiam São Luís, ocupando-a por um par de anos. O concurso de mais homens – não hereges – era, sem dúvida, de fundamental importância para a defesa do território do Estado do Maranhão, e o próprio Pinheiro da Veiga ressalta esse aspecto, no último parecer, dessa vez, favorável à instalação dos irlandeses na ilha de Joanes, lembrando que “crescendo as povoações, crescerão também os rendimentos, e terá V.M. vassalos confidentes, que defendendo suas vidas e fazendas, resistam a qualquer invasão do inimigo, sem ser necessário tirar gente do reino, e acometendo o inimigo a cidade do Pará [Belém], da dita ilha [de Joanes] se pode socorrer, e o mesmo do Pará à ilha em semelhante caso”. 142

Apesar de o último parecer do Dr. Pinheiro da Veiga ter sido finalmente propício ao pedido dos irlandeses, a concessão do regimento pelo rei mobilizara uma considerável oposição, tanto na Corte como na conquista.143 O padre Mateus de Sousa Coelho, nomeado vigário-geral do Estado do Maranhão, a esse tempo em Lisboa, advertiu o perigo que os casais de irlandeses poderiam representar se se instalassem no Pará, de onde poderiam “se assenhorear do rio das Amazonas”.144 Em maio de 1644, o Conselho Ultramarino escreveu duas vezes ao rei Ibidem. Ibidem, f. 96v. 143 Para uma discussão sobre identidade e estrangeiros nas conquistas e na península ibérica, ver: Tamar HERZOG. “Être espagnol dans um monde moderne et transatlantique”. In: Alain TALLON (org.). Le sentiment national dans l’Europe meridionale aux XVIe et XVIIe siècles. Madri: Casa Velázquez, 2007, pp. 1-18. 144 “Requerimento de Mateus de Sousa”. c. 1644. AHU, Pará, cx. 1, doc. 48. 141 142

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explicitando as razões pelas quais o rei deveria revogar o regimento, lembrando as razões apontadas pelo vigário.145 Mas por outros motivos, a viagem dos irlandeses parecia naufragar. Em um dos últimos documentos do “dossiê” dos irlandeses, consta uma anotação que se refere ao falecimento do capitão Pedro Sweetman. O mesmo registro relata, entretanto, que, diante do acidente, passava-se a mercê a outro irlandês, Guilherme Brum (ou Brun), novamente por influência de D. Pedro [Pueros]: “e agora lhe concede D. Pedro Pueros que se lhe entregue para conquista a terra”.146 Em despacho de 8 de fevereiro de 1646, o rei mandava novamente que o Desembargo do Paço examinasse a matéria. No entanto, o problema era agora repassado ao Conselho Ultramarino, pois “da mesa, não se oferece mais que dizer”.147 Novamente, uma frente de oposição se mobilizou na Corte.148 A pressão finalmente teve êxito; em janeiro de 1648, o rei escrevia ao governador do Maranhão explicando que tinha mandado suspender a licença dada a Guilherme Brun.149 O soberano acrescentava ainda que o governador não deveria consentir irlandeses no Maranhão, e que “nenhum outro qualquer estrangeiro, que andar no referido Estado, resida fora da cidade de Belém, onde assistis, ou em outra qualquer parte onde os tenhais mais seguros da comunicação dos índios e de adquirirem notícias a respeito do mesmo Estado, e de se poderem ausentar”.150 Entretanto, os irlandeses que habitavam no Estado não foram expulsos. Em 1652, por exemplo, o rei concedeu licença a Geraldo Geraldino (provavelmente Fitzgerald) para voltar ao Maranhão “Sobre couzas tocantes ao Estado do Maranhaõ”. 4/05/1644. AHU, cód. 13, f. 75v. Ver também: “CCU-João IV”. 14/5/1644. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 151. 146 “Papéis vários referentes ao pedido de Peter Suthman, irlandês, para se instalar na Capitania do Pará. O códice inclui três propostas, pareceres e oposições”. Década de 1640. BNP, Seção de Reservados, cód. 7627, f. 98. 147 Ibidem, f. 99. 148 Ver: “Sobre a carta q. S.Mg.de manda passar ao capitaõ Guilherme Brum”. 28/06/1646. AHU, cód. 13, f. 347v. 149 A carta a Guilherme Brun está registrada: “Guilherme Brum”. 16/08/1646. DGARQ/TT, RGM, Doações da Torre do Tombo, livro 1, ff. 213-219. 150 “P.a Fr.co Coelho de Carv.o g.or do Maranhaõ, sobre naõ consintir aly Irlandeses, e outros particulares”. 7/01/1648. AHU, cód. 275, ff. 129v-130. 145

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com sua mulher e filhos, embora fosse “estrangeiro”.151 Dois anos depois, era o próprio Guilherme Brun quem assinava uma petição juntamente com outros moradores contra os padres jesuítas.152 A migração irlandesa não pode ser entendida de modo isolado, mas num esforço mais vasto feito pela população da Irlanda de escapar da perseguição religiosa instalando-se em terra católicas, seja nas Índias de Castela, seja nas conquistas de Portugal. Por outro lado, como lembra Joyce Lorimer a “Amazônia não era um El Dorado impraticável. Oferecia lucrativos e realistas lucros em tabaco, tinturas, madeira e a possibilidade do cultivo de açúcar”.153 Assim, não há dúvida que as experiências anteriores de irlandeses e ingleses na região (desde o final do século XVI) constituíram uma forte motivação para a tentativa de estabelecimento dos católicos irlandeses na Amazônia. Finalmente, as histórias de Sweetman, Brun e as famílias irlandesas revelam a importância que tinha para a Coroa o povoamento da região amazônica. É que a defesa do território e a exploração de seus recursos ensejaram que a Corte aproveitasse todas as oportunidades possíveis para sua ocupação.

“Para o cap.aõ mor do Pará. Sobre dom Giraldo Giraldino”. 25/06/1652. AHU, cód. 275, f. 205. Num documento provavelmente escrito pelos padres jesuítas, cita-se “um Dom Geraldo Irlandês”, vítima dos desmandos do capitão-mor do Pará, Inácio do Rego Barreto. Seguramente, trata-se do mesmo, que havia mesmo voltado ao Estado do Maranhão. “Procedim. tos do Capitaõ Mor Ignacio do Rego”. [década de 1650]. BNP, cód. 4517, f. 76. 152 “Requerim.to do povo contra os PP”. Belém, 27/01/1654. BPE, cód. CXV/2-11, f. 83. 153 LORIMER. English and Irish settlement on the River Amazon, p. 123. 151

CAPÍTULO II

Capitanias, sesmarias e vilas Povoar o Estado do Maranhão e Pará também significava para a Coroa e para os moradores explorar o território. Ao discutir a questão da ocupação da região, a historiografia privilegiou notadamente o problema dos conflitos contra os “invasores”, as missões e as expedições ao sertão. Não há dúvida que, estabelecidos na região, os portugueses enfrentaram a resistência nativa e de outros europeus, principalmente os franceses (depois de seu estabelecimento na Guiana) e os holandeses.1 Arthur Cezar Ferreira Reis identificou um conflito inicial pela “posse da Amazônia”, notadamente contra os “invasores” europeus, entre 1616 e 1637, que mobilizou toda a vida da região.2 Essa perspectiva é evidente nos documentos que se referem à ocupação inicial da região. Textos escritos por governadores, moradores, religiosos e até indígenas, nas primeiras décadas, destacam os problemas da defesa do território, discutem a melhor localização dos fortes, o número de soldados, ou de homens que poderiam “pegar em armas”, e suplicam o apoio de Lisboa face às ameaças. Bons exemplos dessa literatura são a relação escrita pelo governador Jácome Raimundo Noronha, em 1637, e uma carta escrita pelo principal indígena Antônio da Costa Marapirão. O primeiro dos textos descreve a situação do Maranhão, insistindo na importância dos índios Ver: George EDMUNDSON. “The Dutch on the Amazon and Negro in the seventeenth century”. English Historical Review, vol. 18, nº 72 (Oct. 1903), pp. 642-63; James Alexander WILLIAMSON. English colonies in Guiana and on the Amazon (1604-1668). Oxford: Clarendon Press, 1923; Cornelis GOSLINGA. The Dutch in the Caribbean and on the Wild Coast (1580-1680). Gainesville: University of Florida Press, 1971; BOXER. The Dutch in Brazil (1624-1654). Connecticut: Archon Books, 1973; LORIMER. English and Irish settlement on the River Amazon; REIS. A política de Portugal no vale Amazônico; Sarah TYACKE. “English charting of the river Amazon c. 1595-c. 1630”. In: William K. STOREY (org.). Scientific aspects of the European expansion (An expanding world, vol. 6). Aldershot, Variorum, 1996, pp. 181-97. 2 REIS. A política de Portugal no vale Amazônico, pp. 10-11. 1

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para a defesa do território; para Noronha, a “conservação” dos nativos, que nunca poderiam se confederar aos estrangeiros, era a base para a “segurança” do Estado.3 Já a carta escrita, em 1649, por Marapirão, principal dos Tabajara, destacava também a importância estratégica dessa nação, que havia combatido os holandeses no Ceará, e alertava ao rei sobre a necessidade de um governador “homem prático nestas conquistas que nos ouça e fale sem intérpretes, e que conheça nossas naturezas e que nos administre justiça”.4 Em que pese a importância das estratégias discursivas e dos estilos de escrita nestes dois textos – perspectiva que não pode ser perdida de vista ao se analisar os textos coloniais5 – não há dúvida que a temática da “ameaça” é sempre presente neles, sinal de que movia os ânimos dos moradores, autoridades e da própria Coroa. Evidentemente, esses conflitos contra os “invasores estrangeiros” não acabaram no século XVII. Os tratados de Utrecht, de Madri e de Santo Ildefonso, todos assinados no século XVIII, revelam que os problemas de fronteira se mantiveram por muito tempo.6 De outro “Relação de Jacome Raymundo de Noronha, sobre as cousas pertençentes à conservação, e augm.to do estado do Maranhão”. ABN, vol. 26 (1904), pp. 435-71. 4 “Carta do índio Antônio da Costa Marapirão”. Pará, 2/09/1649. AHU, Pará, cx. 1, doc. 75. 5 Ver: Alcir PÉCORA. “A arte das cartas jesuíticas do Brasil”. In: Máquina de gêneros. São Paulo: EdUSP, 2001, pp. 17-68; Alírio Carvalho CARDOSO. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Campinas: Dissertação de Mestrado (História) Unicamp, 2002; Adriana A. da CONCEIÇÃO. “Lidas novamente… A escrita epistolar como prática do governo colonial”. Esboços, vol. 12 nº 13 (2005), pp. 127-40; Marília Nogueira dos SANTOS. Escrevendo cartas, governando o império: a correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral do Brasil (1691-1693). Niterói: Dissertação de Mestrado (História), UFF, 2007, pp. 70-89 e 119-226; SANTOS, M.N. “A escrita do império: notas para uma reflexão sobre o papel da correspondência no império português”. In: SOUZA & FURTADO & BICALHO (orgs.). O governo dos povos, pp. 171-92. 6 Ver: José Carlos de Macedo SOARES. Fronteiras do Brasil no regime colonial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1939, pp. 111-90; REIS. Limites e demarcações na Amazônia brasileira; Guy MARTINIÈRE. “A implantação das estruturas de Portugal na América (1620-1750)”. In: Frédéric MAURO (coord.). Nova história da expansão portuguesa. O império luso-brasileiro (1620-1750), vol. VII, pp. 103-69; 3

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lado, até o século XIX, os moradores das comunidades portuguesas se queixavam das correrias de índios. Em 1818, por exemplo, Raimundo Gaioso afirmava que a melhoria da agricultura no Maranhão dependia da ocupação de novas terras, que estavam infestadas pelos “selvagens”, os quais, com seu “natural furor”, matavam os brancos e destruíam suas propriedades.7 De qualquer modo, pode-se dizer que, desde os anos 1640, o domínio português da região se avigora cada vez mais. Se a ocupação militar foi considerada como um fator fundamental da presença portuguesa nessa vasta região, a historiografia, como já mencionado, identificou dois outros importantes vetores de ocupação: 1) a caça aos índios e a colheita das drogas do sertão; 2) as missões religiosas, principalmente as organizadas pelos jesuítas. Os diversos trabalhos escritos por Arthur Cezar Ferreira Reis são exemplares desse tipo de interpretação. Numa de suas obras sobre as fronteiras da Amazônia portuguesa com as Índias de Castela, Ferreira Reis definiu que “o vale, em sua maior extensão, era uma conquista, era um domínio manso, perfeito, da coroa portuguesa, obra de sertanistas, de missionários, de militares e de Synesio Sampaio GOES FILHO. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999; GOMES (org.). Nas terras do Cabo do Norte; Ângela DOMINGUES. Quando os índios eram vassalos. Colonização e relações de poder no norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: CNCDP, 2000; André Ferrand de ALMEIDA. A formação do espaço brasileiro e o projecto do Novo Atlas da América portuguesa (1713-1748). Lisboa: CNCDP, 2001; Simei M. de Souza TORRES. “Dominios y fronteras en la Amazonía colonial. El tratado de San Ildefonso (1777-1790)”. Fronteras de la Historia, vol. 8 (2003), pp. 185-216; Rosa Elizabeth ACEVEDO MARIN & Flávio dos Santos GOMES. “Reconfigurações coloniais: tráfico de indígenas, fugitivos e fronteiras no Grão-Pará e Guiana francesa (séculos XVII e XVIII)”. Revista de História, nº 149 (2003), pp. 69-107; Mauro Cezar COELHO. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). São Paulo: Tese de Doutorado (História Social), USP, 2005; Tadeu V. Freitas de REZENDE. A conquista e ocupação da Amazônia brasileira no período colonial: a definição das fronteiras. São Paulo: Tese de Doutorado (História), USP, 2006. 7 Raimundo José de Sousa GAIOSO. Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão [1818]. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1970, p. 228.

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funcionários civis do Estado, todos solidarizados no sentido de levar a fronteira à alta hinterlândia”. Alguns anos antes, já havia ressaltado que “a expansão realizada pela tropas de resgate, tropas de guerra e pelos buscadores de „drogas‟, atingira o coração da floresta”.8 Não se pode negar a importância desses elementos para compreender a ocupação do território do Estado do Maranhão ao longo do século XVII. Nos anos 1690, por exemplo, frei Manuel da Esperança descrevia uma jornada ao sertão do Rio Negro, que revelava a complexa atividade dos portugueses nessa região. Relatava, por exemplo, a jornada do capitão Raiol e seus homens, que iam “descer” índios do rio Paru; as tropas que chegavam à fortaleza do Rio Negro; as queixas de Aryomaná, principal dos Solimões, “das violências que lhes faziam os brancos que andavam pelos seus sertões ao cacau e mais frutos da terra”. Falava das diversas feitorias de cacau, como as de Antônio Nogueira, Miguel da Silva ou Manuel Ferreira. E, finalmente, frei Esperança enumerava as várias aldeias do Solimões, como Guiapy, REIS. Limites e demarcações na Amazônia brasileira, vol. II, p. 24; REIS. A política de Portugal no vale amazônico, p. 20. Ver também: MOREIRA. Belém e sua expressão geográfica. Belém: Imprensa Universitária, 1966, pp. 39-44; Eduardo HOORNAERT. “A Amazônia e a cobiça dos europeus”. In: HOORNAERT (org.). História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 53; Moacy Paixão e SILVA. Formação econômica do Amazonas (período colonial). Separata dos Anais do III Congresso Sul-Riograndense de História e Geografia, 1940, pp. 15–22; Moacyr Paixão e SILVA. Sobre uma geografia social da Amazônia. Manaus: DEIP, 1943, pp. 15-26; Lucinda SARAGOÇA. “O primeiro século de colonização no norte do Brasil. Do Maranhão aos confins da Amazónia”. In: Da visão do paraíso à construção do Brasil. Actas do II curso de verão da Ericeira. Ericeira: Mar de Letras, 2001, pp. 8392; GROSS. The economic life of the Estado do Maranhão e Grão Pará, 1686-1751. Nova Orleans: Tese de Doutorado (História), Tulane University, 1969, pp. 4257; REIS. “A ocupação portuguesa do vale amazônico”. In: HOLANDA (ed.). História geral da civilização brasileira: do descobrimento à expansão territorial. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2003, tomo I, vol. I, pp. 283-99; Orlando COSTA. “O povoamento da Amazônia”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 27 (1969), pp. 151-74; José de Souza BETENCOURT. Aspecto demográfico-social da Amazônia brasileira. Rio de Janeiro: SPVEA, 1960, p. 29; Arthur Napoleão FIGUEIREDO. “O rio, a floresta e o homem na Amazônia brasileira”. Anais do V Encontro Regional de Tropicologia. Recife: Massangana, 1990, pp. 53-66; Arthur VIANNA. “Noticia historica”. In: O Pará em 1900. Belém: Governo do Estado, 1900, pp. 237-38. 8

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Manacahý, Jacuarý, Uriarý, Caraguá, de diversas nações, visitadas pelos missionários.9 Como demonstra a relação do religioso, a exploração do rio Amazonas e de seus tributários se concretizava graças aos esforços de soldados, padres e, também, leigos – portugueses, “brasileiros”, índios e mestiços – que buscavam as drogas e os escravos. A dominação portuguesa da Amazônia durante o século XVII significava seguramente uma múltipla ocupação militar, religiosa e econômica. Esta última foi identificada pela historiografia com os esforços dos portugueses na busca pelas drogas do sertão e pelos escravos indígenas e com a atividade das ordens missionárias, principalmente os jesuítas. Seria somente em meados do século XVIII, graças ao Marquês de Pombal que, segundo vários autores, a região foi objeto de uma política colonial propriamente dita.10 É somente a partir “Relaçaõ da jornada que eu Fr. Manoel da Esperança sendo vigr. o gr.al fiz ao certam a visitar a missam do Rio Negro”. c. 1696. BA, cód. 51-VII-27, ff. 120122. 10 Ver, por exemplo: ALDEN. “El indio desechable en el Estado de Maranhão durante los siglos XVII y XVIII”. América Indígena, vol. XLV, nº 2 (1985), pp. 427-46; Ciro Flamarion CARDOSO. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana francesa e Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984, pp. 94104; Nádia FARAGE. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra/ANPOCS, 1991, pp. 23-53; FURTADO. Formação econômica do Brasil, pp. 65-68 e 89-92; GROSS. The economic life of the Estado do Maranhão e Grão Pará, pp. 192-207; Raimundo LOPES. O torrão maranhense. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 1916, pp. 21617; MEIRELES. História do Maranhão, pp. 191-98; PRADO JÚNIOR. História econômica do Brasil, pp. 69-75; REIS. A política de Portugal no vale amazônico, pp. 91110; REIS. Síntese de história do Pará, pp. 57-63; Leandro TOCANTINS. Amazônia: natureza, homem e tempo. Uma planificação ecológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, pp. 44-54; Bandeira TRIBUZI (José Tribuzi Pinheiro Gomes). Formação econômica do Maranhão: uma proposta de desenvolvimento. São Luís: FIPES, 1981, pp. 11-17; Marilene Corrêa da SILVA. O paiz do Amazonas. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1996, pp. 46 e 83; SILVA. Formação econômica do Amazonas (período colonial), pp. 31-37; SIMONSEN. História econômica do Brasil, p. 162; Márcio SOUZA. Breve história da Amazônia. Rio de Janeiro: Agir, 2001, pp. 70-71 e 86-87; SWEET. A rich realm of nature destroyed: the middle Amazon valley, 1640-1750, vol. I, pp. 55-70; Jerônimo de VIVEIROS. História do comércio do Maranhão (1612-1895). São Luís: Associação Comercial do Maranhão, 1954, 9

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dos anos 1750, portanto, que a coroa portuguesa empreenderia a melhoria da produção, por meio da definição de uma política agrícola e da resolução dos problemas de mão-de-obra, com a importação de escravos africanos. Entretanto, o domínio da região, ao longo do século XVII, não pode ser pensado somente a partir da ação dos militares, missionários e sertanistas. De fato, ao lado das jornadas em busca das drogas e de escravos, das missões dos religiosos e das entradas de tropas militares, outros elementos foram igualmente responsáveis pela ocupação da Amazônia portuguesa.

As capitanias privadas Em primeiro lugar é preciso lembrar a existência de uma velha instituição da experiência expansionista portuguesa11, que foram as capitanias privadas, instituídas pelos reis na região durante o século XVII – Tapuitapera e Cametá (pertencentes à família Albuquerque

vol. I, pp. 67-69; Adélia Engrácia de OLIVEIRA. “Ocupação humana”. In: Enéas SALATI et alii. Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo/Brasília Brasiliense/CNPq, 1983 pp. 170-71; Rosa ACEVEDO MARIN. “Agricultura no delta do rio Amazonas: colonos produtores de alimentos em Macapá no período colonial”. In: ACEVEDO MARIN (org.). A escrita da história paraense. Belém: NAEA, 1998, pp. 53-91; Maria de Nazaré ÂNGELO-MENEZES. “O sistema agrário do Vale do Tocantins colonial: agricultura para consumo e para exportação”. Projeto História, vol. 18 (1999), pp. 237-59. 11 Ver: ABREU. Capítulo de história colonial, pp. 67-72; Paulo MERÊA. “A solução tradicional da colonização do Brasil”. In: Carlos Malheiro DIAS (dir.). História da colonização portuguesa do Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1924, vol. III, pp. 165-88; Carlos Malheiro DIAS. “O regímen feudal das donatárias anteriormente à instituição do governo geral (1534-1549)”. In: DIAS (dir.). História da colonização portuguesa do Brasil, vol. III, pp. 217-83; Alexander MARCHANT. “Feudal and capitalistic elements in the Portuguese settlement of Brazil”. Hispanic American Historical Review, vol. 22, nº 3 (1942), pp. 493-512; Harold JOHNSON. “The donatary captaincy in perspective: Portuguese backgrounds to the settlement of Brazil”. The Hispanic American Historical Review, vol. 52, nº 2 (1972), pp. 20314; JOHNSON. “A colonização portuguesa do Brasil, 1500-1580”. In: BETHELL (org.). História da América Latina, vol. I, pp. 241-81.

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Coelho de Carvalho), Caeté (Álvaro de Sousa), Cabo do Norte (Bento Maciel Parente) e Ilha Grande de Joanes (Antônio de Sousa de Macedo).12 Mesmo se muitos dos donatários não conseguiram desenvolver suas possessões – o que é evidente no caso do Cabo do Norte e de Joanes – a ocupação desses territórios era pensada de uma forma diferente, sujeita a forças diversas das capitanias reais. É bem verdade que não se pode inocentemente pensar que a instituição das capitanias privadas teria criado realidades geográficas diferentes. Mas, seguramente, ela engendrou experiências diversas. O estabelecimento de uma capitania particular significava para a Coroa o desenvolvimento de uma ocupação fundada numa vila erigida pelo donatário e dependente da agricultura. António Vasconcelos Saldanha sublinhou que a instituição das capitanias privadas se explicava não somente como uma forma de recompensa dada pelos reis, mas também como uma estratégia de exploração econômica e de ocupação política e religiosa de um determinado território.13 Os constantes protestos dos donatários contra a interferência dos moradores e dos governadores das cidades de Belém e São Luís revelam uma lógica particular de ocupação, responsabilidade dos donatários ou de seus loco-tenentes. Em 1673, por exemplo, Antônio de Sousa de Macedo escrevia ao rei, explicando os diversos problemas que encontrava em sua capitania da ilha de Joanes. Em primeiro lugar, informava que Aires de Sousa Chichorro, seu procurador, tentou fundar casas de padres da Companhia na ilha, “por ser povoada de gentios”, o que não se efetuou porque não tinha cabedal para ajudar no sustento dos padres. Por outro lado, Vicente de Oliveira, seu outro procurador, tentou fazer um engenho e começou a fazer uma vila de nome Santo Antônio, tendo acertado com índios que baixassem a ela para serviço dos moradores, para o que se tinha comprado tudo o necessário. Entretanto, queixava-

Há também a criação fracassada de uma capitania no rio Xingu. A esse respeito, ver: CHAMBOULEYRON. “O sertão dos Taconhapé. Cravo, índios e guerras no Xingu seiscentista”. In: César Martins SOUSA & Alírio CARDOZO (orgs.). Histórias do Xingu: fronteiras, espaços e territorialidades (XVII-XXI). Belém: Editora da UFPA, 2008, pp. 64-66. 13 António Vasconcelo de SALDANHA. As capitanias do Brasil. Antecedentes, desenvolvimento e extinção de um fenómeno atlântico. Lisboa: CNCDP, 2001, p. 96. 12

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se o donatário, o governador desviara os índios para outros trabalhos e nada se conseguiu. Advertia também Sousa de Macedo que tinha enviado a Manuel da Silva para “conduzir e obrigar aos índios”, mas o estorvaram o governador e Câmara do Pará, ocupando os índios, do que resultou que fugissem ou se rebelassem. Assim, concluía “se os deixassem trabalhar na sua própria terra, pagos e animados com o que ele queria dar, se fariam domésticos com aldeias junto da nossa terra firme, e depois de estarem ali naturalizados, se valeriam deles os moradores, sem risco, e na dita ilha se fariam as fábricas e colheriam os frutos, por ser capaz e muito fértil, em grande utilidade desta Coroa”.

Diante dessa situação, o donatário requeria que se lhe deixasse exercer “sobre os índios e mais moradores da dita ilha” os poderes da sua doação. Analisando as queixas de Sousa de Macedo, o procurador da Coroa e os conselheiros enfatizavam a necessidade de que as autoridades régias do Estado respeitassem os poderes delegados a ele; dois dos conselheiros, entretanto, acreditavam que a jurisdição tinha que ser reconhecida, sem dúvida, mas para isso o donatário tinha que, de fato, ter “formado povoação com moradores e igreja”, pois este era o “fim com que V.A. costuma conceder estas doações, para que se povoem estas terras”.14 Em fevereiro de 1674, o príncipe determinava ao governador, conforme a consulta do Conselho Ultramarino, o governador respeitasse as doações de Sousa de Macedo.15 Um ano mais tarde, novamente o donatário da ilha de Joanes se queixava da ação dos moradores e dos oficiais régios da capitania do Pará. Vale a pena examinar a petição de Sousa de Macedo, relatada pelo Conselho Ultramarino, bem como as opiniões de vários intervenientes na consulta. Segundo o relatório do Conselho, o donatário afirmava que se ocupara da conservação dos índios que estavam na ilha, livrando-os das vexações, pondo-lhes “uma tenda de ferreiro e outra de estolas, aguardente que se faz dos frutos da terra”, além de enviar para lá a Manuel da Silva com muito cabedal. Entretanto, tudo malograra a ação dos moradores, ministros e Câmara do Belém, que se valeram dos índios, “CCU-Pedro II”. 19/12/1673. AHU, Pará, cx. 2 doc. 154. “Para o governador do Maranhaõ P.o Cezar de Meneses. Sobre An.to de Sousa de Macedo”. 27/02/1674. AHU, cód. 268, f. 3. 14 15

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servindo-se deles “assim na mesma ilha, como tirando-os dela para a terra firme”, não lhes pagando seu trabalho e fazendo-lhes “outras vexações”. Diante disso, os índios fugiram para os “matos” e deram guerra aos portugueses. Em suma, reclamava o senhor de Joanes, “não deixavam usar ao suplicante da sua doação, nem deferem as ordens que V.A. foi servido mandar para que o deixassem usar dela com que não vem exercitar jurisdição alguma na dita ilha, sendo os sobreditos senhores dela”.

Diante da petição do donatário de Joanes, o Conselho resolveu pedir “informação” ao antigo governador Antônio de Albuquerque. Nada mais propício aos interesses de Sousa de Macedo, já que os Albuquerque Coelho de Carvalho eram senhores de duas outras capitanias no Estado do Maranhão e Pará – Tapuitapera (ou Cumã, ou Alcântara) e Cametá. Voltaremos a essa família logo adiante. O comentário do ex-governador, como se podia esperar, acabou sendo uma acerba crítica à destemperada ação dos moradores. Em primeiro lugar lembrava que a ilha de Joanes “é mais dilatada e de maior grandeza que tem todo aquele Estado, e de grandes esperanças, assim pela fertilidade de suas terras, como pelo muito gentio que havia nelas, posto que belicoso”. Infelizmente, tudo era muito difícil pelas muitas “moléstias e vexações” que recebiam os índios dos moradores do Pará e sua Câmara, que queriam “absolutamente ser senhores de todo o Estado” e que não houvesse capitanias de donatários, baseados “na presunção de se acharem conquistadores e lhes tocar aproveitarem-se a torto e a direito, assim dos índios como das terras”; mais ainda, denunciava Antônio de Albuquerque, os paraenses não tinham respeito às ordens reais sobre as capitanias privadas, passadas “nas doações dos donatários, que não tinham mais que o nome”. Era, enfim uma lástima que o Estado do Maranhão e Pará, sendo um “mundo tão dilatado” não pudesse se desenvolver; por um lado, pela ação dos próprios portugueses, que não queriam as capitanias; por outro, pela “falta de descobrir as grandes drogas e de tanto valor como se entende haver naqueles rios e sertões”. Sobre o pedido mais específico do donatário, o ex-governador opinava que se lhe devia ordenar que “com toda a brevidade” fundasse

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uma “povoação” com seus “oficiais da República”, onde assistisse seu lugar-tenente e um ouvidor. Advertia ainda, como o fariam tantos outros, anos a fio, que a questão do trabalho do serviço dos índios era crucial, já que, “se não houvesse índios, que sítio podiam com o trabalho daquelas partes, pelo ardente rigor delas, não poderiam os moradores conservar-se, porque nenhum homem branco queria trabalhar, ou por não poder aturar o trabalho e calor do tempo, ou pelo terem por desprezo de suas pessoas”.

A petição foi também dada para análise ao procurador da Coroa, que examinando igualmente a doação de Antônio de Sousa de Macedo, enfatizou que a “causa final” da doação era a “obrigação de povoar as terras que se lhe deram para reduzir o gentio à fé católica e vida civil”; ora, isso era impossível de se conseguir sem formar uma povoação, com igreja, Câmara, pelourinho e cadeia, no tempo “que parecer conveniente para se poder formar uma República”, com ouvidores, juízes, oficiais da Câmara e justiça. Mais ainda, esclarecia que “era certo como constava da doação que esta ilha é independente da capitania do Pará”. Daí porque devia o príncipe passar as ordens necessárias para que ninguém se intrometesse no governo da capitania, e que os índios que vivessem a dez léguas da povoação e fossem batizados, “não sejam obrigados a serviço algum contra sua vontade”. Além de aprovar as opiniões do procurador da Coroa, os conselheiros do Ultramarino lembravam ainda que era também obrigação de Antônio de Sousa de Macedo que mostrasse o que tinha feito para povoar e desenvolver a sua ilha.16 Em agosto do mesmo ano, o príncipe ordenava ao governador que se informasse sobre as queixas do donatário de Joanes, com especial atenção para que, se houvesse índios “formados em aldeias” pelo procurador de Sousa de Macedo, eles não fossem repartidos, nem com eles se intrometessem os o oficiais da Câmara de Belém, “antes neste caso lhe deixareis usar jurisdição”. Ao mesmo tempo em que advertia o respeito à doação, “Sobre o que pede Antonio de Sousa de Maçedo tocante a sua capitania da ilha dos Joanes”. 24/04/1675. AHU, cód. 47, ff. 403-404v. Ver também outra consulta do Conselho Ultramarino a esse respeito: “CCU-Pedro II”. 20/05/1675. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 599. 16

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Dom Pedro II lembrava que cabia também ao governador a verificação se o próprio donatário cumpria suas obrigações, principalmente a da formação de uma vila.17 Claramente havia aqui vários problemas colocados, em geral relacionados ao problema da jurisdição das doações. É claro que não eram esses problemas exclusivos de Antônio de Sousa de Macedo; como veremos adiante, os demais senhores de donatárias queixavam-se de abusos semelhantes. Mas antes de examinar algum deles, valeria a pena analisar a doação que justamente foi dada em 1665 ao senhor de Joanes. Como toda doação, a carta de Dom Afonso VI compõe-se de mercês e obrigações de Antônio de Sousa de Macedo, então secretário de Estado. O fim primeiro da doação era o “povoarem-se as terras de minhas conquistas”, tanto para nelas se celebrar o culto divino e para trazer à fé católica os “infiéis e idolatras”, como para o benefício de as terras “serem cultivadas e beneficiadas”. A concessão caracterizava-se pela transmissão de uma série de mercês e poderes jurisdicionais (em relação a determinados crimes e graus de apelação), fiscais (direitos sobre alguns tributos, como a meia dízima de pescado), econômicos (propriedade sobre engenhos), de ocupação territorial (possibilidade de dar terras em sesmaria18) e sucessórios. Distinguia-se também por várias obrigações, como o pagamento de dízimos à Ordem de Cristo, a conservação do pau-brasil, a determinação de o donatário (capitão e governador da ilha) e o ouvidor se valerem dos respectivos regimentos do Estado do Maranhão e Pará, a licença para o rei fazer correição quando fosse necessário. Finalmente, determinavam-se uma série de proibições, como a de conceder terras à própria família, a cobrança de sisas ou tributos que não fossem especificados na doação e no foral, ou a de dividir ou alienar as terras da capitania, “porquanto minha tenção e “Para o governador do Maranhão. Sobre se não tirarem indios da capitania da ilha de Joanes”. 8/06/1675. ABN, vol. 66 (1948), p. 37. 18 No século XVII não encontrei doações de terras pelos donatários, mas há registros do século XVIII, pouco antes de a capitania voltar à jurisdição da Coroa. É o caso de Inácia do Espírito Santo de Oliveira do Prado, moradora em Joanes, a quem André Fernandes Gavinho, lugar-tenente e procurador do donatário, concedia meia légua de terra em quadra, nas cabeceiras do igarapé Mauá, próximo ao rio Arari, em 24/02/1750. “Requerimento de Inácia do Espírito Santo de Oliveira do Prado”. c. 1752. AHU, Pará, cx. 33, doc. 3117. 17

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vontade é que a dita capitania, ilha e governança e coisas, ao dito capitão e governador desta doação dadas, andem sempre juntas, e se não partam nem alheiem em tempo algum”.19 Interessa aqui sublinhar os principais elementos conflitivos das donatárias do Maranhão: a questão mais geral da jurisdição (especificada em detalhes na doação), principalmente no tocante ao governo dos índios, e a obrigatoriedade de ocupação e povoamento das terras, questões que o procurador da Coroa enfatizava, como vimos. Ora, esses mesmos problemas assolavam outros donatários, como foi o caso dos Albuquerque Coelho de Carvalho, senhores de Cametá e Tapuitapera. Pode-se dizer que Tapuitapera conseguiu se estabelecer ao longo do século XVII, talvez pela sua proximidade à cidade de São Luís. Tapuitapera, Cumã ou Alcântara foi doada como capitania a Antônio Coelho de Carvalho, pelo seu irmão, o governador do Maranhão Francisco Coelho de Carvalho, que para isso tinha poderes concedidos por Dom Felipe III, em 1624. A capitania foi doada em 12 de junho de 1627, e depois várias vezes confirmada, não só pelo último rei castelhano de Portugal, mas também por Dom João IV.20 De acordo com a doação, seu território “começa da ponta de Tapuitapera, boca do rio Mearim, e pelo Pindaré arriba, que é por onde acaba da parte do norte a capitania do Maranhão, cabeça daquele Estado, 50 léguas de costa, para o norte por repartição”.21

Pelos fragmentados dados populacionais que pude levantar, na última década do século XVII, sua população parecia estar entre 200 a 300 vizinhos. Nos anos 1660, uma notícia anônima dizia habitarem lá uns 100 vizinhos; na mesma época, o ouvidor do Maranhão afirmava que Tapuitapera contava com seis engenhos e boas madeiras. Em finais “Doação da capitania de Joanes a Antonio de Sousa de Macedo”. 23/12/1665 (cópia de 1748). ABAPP, tomo I (1902), pp. 46-56. 20 “O D.or An.to Coelho de Carv.o. Doasao da Capitania de Cuma”. 10/01/1646. DGARQ/TT, RGM, livro 2, ff. 112v-130. Esta confirmação contém transcrição da doação, da confirmação de Dom Felipe III, dos poderes concedidos a Francisco Coelho de Carvalho e documentos relativos à demarcação da capitania em relação à do Gurupi, ou Caeté. 21 Ibidem, f. 113. 19

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do século XVII, o padre Bettendorf relata em sua Crônica que a capitania tinha uma vila – Santo Antônio de Alcântara – com Câmara, senado, vigário e capitão-mor.22 Na primeira década do século XVIII, o governador Cristóvão da Costa Freire informava que havia uma igreja matriz, com um vigário que recebia 20 mil réis de ordenado, um convento dos carmelitas, “em que assistem comumente oito religiosos, número em que entra um prior”, e um convento dos padres das Mercês, “em que assistem de ordinário quatro até cinco religiosos incluído um comendador”.23 Segundo o governador Gomes Freire de Andrade (1685-1687), a capitania de Tapuitapera era “tão abundante em frutos, caça e pescado, como o experimenta a cidade de São Luís, que sem o seu fornecimento se não pode sustentar sem fome”.24 Como pode se ver, Tapuitapera parecia vicejar, mesmo com todos os problemas que o Estado do Maranhão e Pará em geral enfrentava.25 Já a capitania de Cametá constituiu uma incessante fonte de problemas.26 Essas complicações estavam ligadas às dificuldades de

BETTENDORF. Crônica, pp. 20-21. “Not.a do Estado Eclesiastico do Mar.aõ”. BPE, cód. CXV/2-15, f. 156. Cristóvão da Costa Freire foi governador de 1707 a 1718. 24 “Carta de Gomes Freire de Andrade”. Belém, 19/07/1687. AHU, Pará, cx. 3 doc. 263. 25 Sobre a capitania de Cumã, Tapuitapera ou Alcântara, ver: GAIOSO. Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão [1818], pp. 161-63; César Augusto MARQUES. “Alcântara”. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão [1870]. 3ª edição. Rio de Janeiro: Companhia Fon-Fon e Seleta, 1970, pp. 66-73; Jerônimo de VIVEIROS. Alcântara no seu passado econômico, social e político. 3ª edição (1ª edição de 1950). São Luís: AML/Alumar, 1999; Antônio LOPES. Alcântara: subsídios para a história da cidade. 2ª edição (1ª edição de 1957). São Paulo: Siciliano, 2002. 26 Sobre a capitania de Cametá, ver: João de Palma MUNIZ. “Patrimonio do Conselho Municipal de Cametá”. In: Patrimonios dos Conselhos Municipaes do Estado do Pará. Paris/Lisboa: Aillaud & Cia., 1904, pp. 76-84; Manuel BARATA. “A capitania do Camutá”. Revista do instituto Histórico e Geographico Brazileiro, tomo 69, 2ª parte (1906), pp. 181-92; CRUZ. “Cametá. Aspectos de sua formação”. ABAPP, tomo XI (1969), pp. 41-150; Elis de Araújo MIRANDA. Representações da Amazônia. Paisagens e imagens de Cametá (PA). Rio de Janeiro: Tese de Doutorado (Planejamento Urbano e Regional), UFRJ, 2006; MIRANDA. “Cametá: marcas da presença portuguesa na Amazônia”. Actas do 22 23

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povoar a região, à repetida interferência dos moradores do Pará e das autoridades, e ao reconhecimento mesmo de sua doação pelos habitantes do Estado. A capitania foi doada pelo governador Francisco Coelho de Carvalho a Feliciano Coelho de Carvalho, em 14 de dezembro de 1633, a capitania se delimitava pelas “terras que há entre o rio Pará [Tocantins, segundo Manuel Barata] e o primeiro braço do rio das Amazonas [Xingu, segundo Manuel Barata], com as léguas que houver do dito distrito que hoje chamam de Cametá, até sair ao rio Gurupá [costa de Gurupá, segundo Manuel Barata], que podem ser 40 léguas pouco mais ou menos, por rumo direto e pelo dito rio de Gurupá acima para o da Parnaíba [Xingu, segundo Manuel Barata] (…), respondendo esta arrumação pelo rio Pará [Tocantins, segundo Manuel Barata] acima para o sul, pela parte do leste onde se acaba o limite que eu tenho nomeado para a capitania do Pará”.27

Apesar de os donatários terem fundado uma povoação – Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá –, para onde inclusive teriam conseguido o deslocamento de mais de 300 colonos para lá se instalar, em 164928, o povoamento da capitania sempre foi um delicado problema. De fato, a família senhora de Cametá parecia ter dificuldades, pois em 1675, praticamente 40 anos depois da doação, o príncipe escrevia ao governador Pedro César de Meneses informando-lhe que Congresso Internacional “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedade”. Lisboa: Biblioteca Digital do Instituto Camões, 2008. 27 “An.to de Albuquerque Coelho de Carv. o. Doasaõ da capitania de Comutá”. 8/11/1649. DGARQ/TT, RGM, livro 4, ff. 300-310v. Há uma versão impressa de boa parte da doação e da confirmação feita por Dom Felipe III (26/10/1637) em: Lucinda SARAGOÇA. Da “Feliz Lusitânia” aos confins da Amazônia (1615-62). Lisboa/Santarém: Cosmos/CMS, 2000, pp. 338-41. Para a atualização do nome dos rios e uma precisa delimitação dos limites da capitania, ver: BARATA. “A capitania do Camutá”, pp. 186-88. 28 Ver: “CCU-João IV”. 19/06/1647. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 215; “An.to Coelho de Carvalho”. 10/07/1647. AHU, cód. 92, f. 94v; “Pera o g.or e mais just.as do Maranhaõ fazerem pagar ao capitaõ Jorge Broutaõ a faz. a com q. alguas pessoas se lhe levantaraõ na cap.nia do Pará”. 16/07/1647. AHU, cód. 92, f. 95; “CCU-João IV”. 23/04/1649. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 278; “CCU-João IV”. 10/09/1653, AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 327.

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tinha se determinado o prazo de três anos “para dentro deles fazer povoar a capitania com 30 casais brancos de fora do Estado com igreja, casa da Câmara, cadeia e governo político”. Caso não satisfizesse essas exigências, escreve Dom Pedro II, “ficará a dita capitania devoluta para a Coroa”.29 Poucos anos mais tarde, em dezembro de 1681, o povoamento de Cametá, novamente voltava à tona. Uma consulta do Conselho Ultramarino analisava uma petição do donatário, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, em que argumentava que ele e seus antepassados tinham gasto muito cabedal para povoar as suas capitanias Tapuitapera e Cametá, sendo que na primeira “tem já uma vila, a melhor daquele Estado, e com moradores de que se formam duas companhias de infantaria, e dela se sustenta a maior parte do ano a cidade de São Luís, cabeça do mesmo Estado, por ser em terras firmes, e de grande fertilidade, com mais engenhos de açúcar que todas as mais dele, sendo os dízimos mais avantajados que os da cidade de São Luís e seu distrito”

A de Cametá, entretanto, esperava ele que também aumentasse, para o que tinha para lá enviado o seu filho Antônio de Albuquerque como capitão-mor. O donatário relatava que alguns moradores de outras capitanias do Estado queriam passar a Cametá, “por serem melhor cômodo nela e em razão da cultura das terras”, e também que os casais das ilhas – os casais que haviam recém-chegado dos Açores – “se acham desalojados e com detrimento em sua sustentação”, pelo que lá queriam viver. Assim, pedia provisão para que todos os que quisessem pudessem se mudar para Cametá, principalmente os casais dos Açores. Significativamente, requeria que se lhe estendesse o tempo para povoar a capitania, pois seus intentos de trazer gente da ilha do Faial haviam se revelado um fracasso, como vimos, e, principalmente, havia mandado baixar 200 índios dos sertões que estavam ocupados “na povoação dela, igreja, casa da Câmara e mais oficinas necessárias”. “Para o governador do Maranhão. Sobre ser conservado Antonio de Albuquerque Coelho donatario da capitania do Cametá na posse della para no termo que lhes está cominado fazer povoação regular”. 26/06/1675. ABN, vol. 66 (1948), p. 38. 29

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Em seu relatório, o Conselho apresentava também as opiniões que o governador Inácio Coelho da Silva havia dado sobre a questão. O governador confirmava as informações e o empenho da família em povoar suas terras, destacando o sucesso de Tapuitapera; mas Coelho da Silva também louvava o trabalho do capitão-mor de Cametá que tentara povoá-la, “em que tem já 15 moradores, reconduzindo alguns com dispêndio de sua fazenda, além dos índios que ele fizera repor, mandando também com licença dele governador baixarem-se mais de 200 almas de gentio novo dos sertões”; o filho do donatário nem se descuidava do pasto espiritual de tanto gentio, “tendo naquela vila um religioso da Companhia [de Jesus], além do vigário que lhe administra os sacramentos”. O Conselho acabou aceitando os argumentos de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho e do governador, muito embora o procurador da Coroa tivesse lembrado que era obrigação dos donatários povoar com “moradores de fora” as suas capitanias, pois “passando-se os que habitam as terras da Coroa virão estas a ficar desertas”. Assim, os conselheiros argumentavam que se o donatário pagasse o custo do envio dos casais dos Açores, estes podiam lhe ser entregues; também sugeriam que se deferisse o pedido de se ampliar o período para se povoar a capitania.30 Fosse por lhe parecer razoável o pedido do senhor de Cametá, ou pelo prestígio e poder que tinha sua família, o que parece mais provável, o fato é que Dom Pedro II aceitou e deferiu os seus requerimentos. Em 1682, por provisão, o príncipe concedia mais quatro anos de prazo para povoamento da capitania ao seu donatário.31 Determinava também numa carta régia que não se impedisse a saída dos casais de açorianos que quisessem passar para Cametá espontaneamente, desde que a Câmara não quisesse sustentá-los e Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho pagasse as despesas que tinha feito a Fazenda real.32

“CCU-Pedro II”. 23/12/1681. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 659. “An.to Albuquerque Coelho de Carvalho. Pera povoar a Capitania do Camuta”. 6/03/1682. AHU, cód. 93, ff. 300-300v. 32 “Se não impeça a ida de moradores de outras capitanias para as do Camutá e do Cumã”. 6/03/1682. ABAPP, tomo I (1902), pp. 77-78. 30 31

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A capitania de Cametá parece ter tido uma severa retração populacional em algum momento a partir da segunda metade do século XVII. Baseado na obra do religioso jesuíta José de Morais, Manuel Barata alega que, entre os anos 1670 e 1690, houve uma mudança de lugar da vila de Cametá, em razão de uma epidemia.33 Esta hipótese parece plausível, dado que no início da década de 1660 houve uma “peste veemente de bexigas”, como se escrevia numa crônica anônima sobre a expulsão dos jesuítas, escrita em 1662.34 Parece plausível que ela tenha atingido Cametá; o padre Bettendorf afirma que, indo sanar os doentes da varíola, achou a aldeia de Cametá “toda abrasada de bexigas”.35 Entretanto, o ouvidor Maurício de Heriarte, que escreveu uma relação sobre o Estado do Maranhão e Pará, entre 1662 e 1667, e que menciona explicitamente as bexigas e seus estragos, não a relaciona com Cametá. “Terra de senhorio”, escreve, Cametá tinha poucos brancos, “não por falta de serem as terras boas, mas por haverem poucos portugueses para se estenderem tanto”. Mais ainda, tinha os melhores tabacos do Estado36, um engenho e um “convento” dos padres da Companhia de Jesus, “que doutrinam os índios daquelas aldeias”.37 Por outro lado, é verdade que os donatários não se referem à doença, mas é possível que ela tenha sido responsável pela diminuição da população, morta pela pestilência ou fugida dela para outras capitanias do Estado; lembremos que o governador Inácio Coelho da Silva citava em uma carta que o capitão-mor de Cametá reconduzira moradores à vila, indício de que talvez a saída dos moradores pudesse ter sido causada pela transmissão da doença. BARATA. “A capitania do Camutá”, p. 186. Ver também: CRUZ. “Cametá. Aspectos de sua formação”, p. 52. 34 “Noticia dos sucessos, e expulçam dos P.P. da Companhia, do Estado do Maranhaõ. Authora, a Verdade”. 8/08/1662. BNP, Reservados, cód. 1570, p. 181. 35 BETTENDORF. Crônica, p. 215. 36 Em 1652, dois navios transportaram mais de 15 toneladas de tabaco cametaense para Portugal, o que indica algum tipo de atividade econômica que vicejava na região. “CCU-Pedro II”. 29/07/1652. AHU, Maranhão, cx. 3. doc. 315; e “CCU-Pedro II”. 9/09/1652. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 318. 37 Mauricio de HERIARTE. “Descripção do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas” [1662-1667]. In: Francisco Adolfo de VARNHAGEN. História geral do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1934, vol. III, p. 219. 33

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Mas se o povoamento de suas terras no Tocantins preocupava os Albuquerque Coelho de Carvalho, piores problemas enfrentava a família com a interferência dos moradores do Pará e o próprio reconhecimento de sua doação pelos portugueses e autoridades régias. Já vimos anteriormente a opinião do governador que fora do Estado, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, quando das queixas do senhor da ilha de Joanes. Ainda em 1648, o rei Dom João IV ordenava por uma provisão que as doações do donatário fossem cumpridas e respeitadas, já que o governador do Estado, o capitão-mor do Pará e “outras pessoas poderosas, inquietavam os moradores e índios da mesma capitania de Cametá”.38 Pouco tempo depois, em fevereiro de 1650, uma carta régia advertia novamente que se respeitassem as doações, pois os donatários queixavam-se de que os governadores e capitães-mores se intrometiam na sua jurisdição, “tirando-lhe os índios e fazendo-lhe outras vexações, em grande prejuízo do aumento da dita capitania”.39 Em março de 1652, uma consulta do Conselho Ultramarino relatava em mais detalhes algumas das dificuldades do donatário. Segundo o Conselho, o governador do Estado, Luís de Magalhães teria impedido Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho de tomar posse da capitania, “só a fim de lhe tomar, como com efeito lhe tomou, todos seus fumais e tabacos que tinha plantados na dita capitania, com muito dispêndio de sua fazenda, os quais importavam mais de mil cento e tantas arrobas”; o governador Luís de Magalhães ainda carregou todo o tabaco num navio. As acusações do donatário, esclarecia o Conselho Ultramarino, constavam de um “instrumento de testemunhas tirado nesta cidade no Juízo da Índia e Mina”.40 Poucos tempo depois, o rei ordenava ao governador que mantivesse a posse do donatário, até que

“O d.tor An.to Coelho de Carvalho. Per se lhe serem guordados na sua cap. nia do Camutá os privilegios que se guardaraõ aos mais donatarios”. 7/12/1648. AHU, cód. 92, ff. 121-121v. 39 “Para o gov.or do Maranhaõ. Sobre se darem a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho as doações q. tem da capitania do Camutá, e as maes provisões passadas em seu favor e se naõ intrometerem os gov.res do Maranhaõ na jurisdiçaõ della”. 25/02/1650. AHU, cód. 275, f. 163v 40 A consulta, de 15/03/1652, está inclusa em: “CCU-João IV”. 9/09/1652. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 318. 38

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se visse e resolvesse sobre a questão.41 Entrementes, o período de governo de Magalhães terminara, o que moveu o Conselho, em setembro de 1652, a sugerir ao rei que se passasse nova carta de doação a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, e que também se enviasse um desembargador sindicante (João Cabral de Barros) para, entre outros assuntos relativos principalmente à capitania do Pará, também investigar o caso.42 Em 1665, novamente Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho recorria à Corte, desta vez, segundo o relatório do Conselho Ultramarino, para se queixar que os governadores e os capitães-mores do Pará “costumam impedir a seus povoadores as lavouras e culturas de tabacos nas terras da dita sua capitania, por seus respeitos particulares”.43 Poucos meses depois, novo exame de um requerimento de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho passava pelo Conselho; desta vez, o tema era o pagamento das redízimas, que os reis concediam aos donatários sobre todos os frutos produzidos em suas capitanias e que, segundo o senhor de Cametá, o governador se recusava a pagar.44 Em agosto de 1665, Dom Afonso VI finalmente publicava duas provisões em que determinava que se pagassem as redízimas45 e se deixasse ao donatário as suas culturas de tabaco.46 “Para o g.or do Maranhaõ ou cap.am mor da cap.nia do Pará. Sobre An.to de Albuquerq. Coelho de Carv.o”. 13/05/1652. AHU, cód. 275, f. 204v. 42 “CCU-João IV”. 9/09/1652. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 318. A ordem ao desembargador sindicante foi tomada em 28 de setembro. Ver: “Para o l. do Joaõ Cabral de Barros. Sobre An.to de Albuquerq. Coelho de Carv.o”. 28/09/1652. AHU, cód. 275, ff. 213v-214. 43 “CCU-Afonso VI”. 3/06/1665. AHU, Maranhão, cx. 4, doc. 497. 44 “Sobre a provisaõ q. pede An.to de Albuquerq. Coelho de Carvalho”. 11/05/1665. AHU, cód. 46, f. 323. 45 “An.to de Albuquerq. Coelho de Carv.o. Q. se lhe naõ impida a cobrãnça das redizimas das suas cap.nias de Camutâ e Cumâ no Maranhaõ”. 25/08/1665. AHU, cód. 92, f. 388. Quase vinte anos depois, novamente o mesmo problema aparecia, e o rei ordenava ao provedor da Fazenda que pagasse as redízimas devidas ao donatário de Cametá e Tapuitapera. “Para o provedor da Faz.a do Maranhaõ. Sobre Antonio de Albuquerq. acerca da redizima”. 12/02/1684. AHU, cód. 268, f. 36. 46 “O mesmo Ant.o de Albuquerq. Q. se lhe naõ impida a cultura dos tabacos q. fizer nas terras da sua cap.nia do Camutâ”. 25/08/1665. AHU, cód. 92, f. 388. 41

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Outro grave estorvo enfrentado pelo donatário dizia respeito ao governo dos índios. Em meados da década de 1670, por exemplo, o problema se acirrara. Em uma carta examinada pelo Conselho Ultramarino, em março de 1674, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho queixava-se de que, depois de ter deixado o governo do Maranhão (1667-71), os oficiais da Câmara de Belém foram a Cametá a repartir os índios de sua capitania.47 A situação levou o rei a admoestar os vereadores em carta advertindo-os que, que não convinha esse tipo de procedimento, ordenando “que se não intrometam no governo dos índios, que somente toca à pessoa nomeada pela Câmara, visto não haver ainda forma na governança na capitania do Cametá”.48 Poucos anos depois, novamente o donatário reclamava dos paraenses, que inquietavam os “índios moradores na mesma capitania e naturais dela, tirando-os enganosamente para se servirem deles”, inclusive, induzindo-os “a que se mudassem das terras e aldeias da capitania dele suplicante para uma chamada Mortigura, do distrito do Pará”. Ora, todo esse prejuízo, explicava o donatário, dificultava-lhe sobremaneira o próprio desenvolvimento de suas terras, a que era obrigado pelas doações (e que pelo qual era constantemente cobrado, diga-se de passagem); portanto, tendo todo o apoio do Conselho Ultramarino, do procurador real da Fazenda e do procurador da Coroa, concluía que não se lhe guardando seus direitos, “nem ele suplicante poderá tratar de seu aumento, nem V.A. o terá nos dízimos e rendas reais”.49 Já no final do século XVII, novamente voltava Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho a recorrer a Lisboa, queixando-se desta vez da intromissão dos missionários. Em carta ao superior das missões, Dom Pedro II deixava bastante claro o governo especial e a jurisdição que tinham sobre suas terras os donatários. Assim, advertia que “a jurisdição chamada temporal que se vos concedeu se não entende em forma que por virtude dela fiquem os índios das aldeias, das capitanias de que é donatário o dito Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, isentos da sua jurisdição nem para que possais de algum modo impedir A consulta, de 13/03/1674, está inclusa em: “CCU-Pedro II”. 7/07/1675. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 600. 48 “Para os off.es da Camara do Pará. Sobre An.to de Albuquerque donatario da capitania do Cumutá”. 24/04/1674. AHU, cód. 268, ff. 4v-5. 49 “CCU-Pedro II”. . 23/09/1677. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 615. 47

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seus mandados, que sempre se presumem justificados, e quando acheis o contrário o deveis fazer presente ao dito donatário ou a seu capitãotenente, por modo de requerimento, e não de jurisdição, para que vos defira como for justiça, e não vô-la fazendo, recorrereis a mim para resolver o que for servido”.50

• A doação de capitanias nos remete a um problema geral, fundamental para a compreensão da “experiência maranhense” e que tem sido objeto especial da inquirição geográfica. Trata-se da questão da territorialidade. O conceito de territorialidade remete justamente ao “domínio ou gestão de uma determinada área”, como explica Manuel Correia de Andrade.51 Podemos desdobrar essa reflexão a partir da obra de Robert Sack, que discute em profundidade esse conceito. Em primeiro lugar a territorialidade remete à ideia de um controle espacialmente delimitado: “a tentativa feita por um indivíduo ou grupo em afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e firmando o controle sobre uma área geográfica. Esta área será denominada território”.

Para Sack, contudo, é preciso enfatizar o caráter de “estratégia” da territorialidade, no sentido de destacar a sua inteira pertença à ação humana, daí a importância fundamental da compreensão da “construção social da territorialidade”. A conceituação de territorialidade, para Sack, envolve igualmente a definição de três facetas interdependentes que nela estão contidas: 1) uma classificação por área; 2) uma forma de comunicação que determina uma fronteira; e 3) uma forma de sujeição

“Para o superior das missões do Maranhaõ. S. e a queixa que faz Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho dos p.es missionarios”. 17/01/1692. AHU, cód. 268, f. 140. Esta carta foi publicada em ABN, vol. 66 (1948), p. 184, mas está erroneamente datada com sendo do ano de 1699. 51 Manuel Correia de ANDRADE. “Territorialidades, desterritorialidades, novas territorialidades: os limites do poder nacional e do poder local”. In: Milton SANTOS & Maria Adélia de SOUZA & María Laura SILVEIRA (orgs.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec/ANPUR, 1994, p. 213. 50

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ou controle.52 Como se pode ver, a discussão desenvolvida por Sack remete à questão da espacialidade do poder.53 Ora, o que a experiência das capitanias privadas explicita de maneira clara é que os embates entre os distintos poderes aqui enunciados – o donatário, a Coroa, a Câmara, as autoridades régias, o superior das missões – têm inescapavelmente uma dimensão espacial (territorial) que pouco tem sido objeto de atenção por parte dos historiadores. Os embates em torno da jurisdição e do serviço dos índios, que marcaram em grande medida a história das capitanias do Estado do Maranhão e Pará até a sua extinção em meados do século XVIII, não se caracterizam apenas pelo encontro de poderes conflitantes. Assim, a concorrência em relação ao domínio sobre os índios de Cametá ou da ilha grande de Joanes não pode ser compreendida meramente como um conflito entre as pretensões da Câmara de Belém e as prerrogativas do capitão donatário, portanto, relativo a formas de exercício de poder sobre determinados indivíduos ou grupos. A componente espacial não só é central aqui, mas é fundadora do próprio conflito. O que está em jogo não é só o poder sobre os índios, mas o poder sobre os índios em uma área territorialmente delimitada, problema que se replica em várias outras instâncias de poder da sociedade colonial, como fica claro em relação aos governadores e aos missionários. Aliás, como lembra Robert Sack, a territorialidade reifica o poder, torna-o visível, explícito.54 Isso torna o exame atencioso das capitanias algo fundamental, pois remete a indagar-se sobre a heterogeneidade espacial dos poderes que se exerciam no Estado do Maranhão e Pará. Assim, o domínio sobre o trabalho indígena tem uma dimensão espacial que merece ser aprofundada. Se isso é certamente evidente quando se discute a experiência das aldeias missionárias – cuja Robert Sack indica uma série de outras “potencialidades” derivadas da territorialidade. Para uma discussão aprofundada de sua reflexão, ver: Robert SACK. Human territoriality: its theory and its meanings. Cambridge: CUP, 2009, pp. 5-51. 53 A esse respeito, ver também: Michel FOUCAULT. “Sobre a geografia”. In: Microfísica do poder. 11ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1993, pp. 153-65; e Durval Muniz de ALBUQUERQUE JÚNIOR. “Zonas de encrenca: algumas reflexões sobre poder e espaços”. In: Nos destinos das fronteiras: histórias, espaços e identidade regional. Recife: Edições Bagaço, 2008, pp. 66-79. 54 SACK. Human territoriality, p. 33. 52

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delimitação espacial tem implícita uma dimensão de domínio (secular e espiritual) – as outras espacialidades da questão do “serviço dos índios” ainda devem ser examinadas. De outro lado, a projeção de múltiplos poderes territoriais no Estado do Maranhão e Pará remete a indagar-se sobre a sobreposição deles e os conflitos que daí advinham. Os donatários de Joanes e Cametá (certamente menos o de Tapuitapera e mesmo o de Caeté) viram no território sob sua jurisdição se justaporem poderes que não era evidente reconhecer como ilegítimos. Se o governador tinha jurisdição sobre todo o Estado do Maranhão e Pará, porque em determinadas matérias não a teria também nas capitanias privadas? As doações limitavam a jurisdição e a alçada fiscal dos donatários, estipulando os casos e tributos que lhes competiam. E nos demais casos, sujeitar-se-iam ao governador? Um caso interessante diz respeito ao serviço dos índios. As vicissitudes da legislação sobre os modos de aquisição e uso do trabalho indígena certamente não podiam ser contempladas pelas doações que, excetuando-se a de Joanes, foram todas feitas na primeira metade do século XVII. A jurisdição temporal sobre os índios, concedida e retirada inúmeras vezes às ordens, notadamente a Companhia de Jesus e os capuchos de Santo Antônio, era, por exemplo, um caso de poderes superpostos que a Coroa tinha que resolver à medida que os conflitos se estabeleciam. Pelo Regimento das Missões de 1686, os jesuítas e os capuchos tinham a “poder político e temporal” das aldeias sob sua administração.55 Era o caso da aldeia do Parijó, na capitania de Cametá. Ora, como vimos, em 1692, o rei determinava que a jurisdição temporal das aldeias dos missionários jesuítas em Cametá tinha que se limitar aos interesses e aprovação do donatário, pois o rei reconhecia que o senhor da capitania também tinha jurisdição sobre os índios dela. Novamente

“Regimento, & Leys das Missoens do Estado do Maranham & Parà”. 21/12/1686. In: Regimento & leys sobre as missoens do Estado do Maranhaõ, & Parà, & sobre a liberdade dos Índios. Lisboa Occidental: Na Officina de Antonio Menescal, 1724, p. 2. Há transcrição impressa em: Serafim LEITE, SJ. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/INL, 1943, vol. IV, pp. 369-75 (Apêndice D). Sobre o regimento, ver: M.E.A.S. MELLO. “O Regimento das Missões: poder e negociação na Amazônia portuguesa”. Clio, vol. 27, nº 1 (2009), pp. 46-75. 55

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aqui, poderes de natureza territorial, ambos reconhecidos pelo monarca, justapunham-se espacialmente. Outro caso emblemático é o da distribuição de terras. Antes de tudo é preciso esclarecer que houve dois “tipos” de doação de capitanias no Estado do Maranhão e Pará. Cametá e Tapuitapera foram doadas pelo governador, e depois confirmadas pelos reis. Já Cabo do Norte e Joanes foram doadas diretamente pelos reis. É por isso que as fórmulas são tão semelhantes no caso das duas primeiras e no caso das duas últimas. Talvez pelo modo como foram doadas, Cametá e Tapuitapera não contemplem explicitamente a questão da doação de terras. Já não é o caso das do Cabo do Norte e Joanes, que mencionam especificamente essa faculdade dos donatários, por meio da fórmula: “E o dito capitão e governador nem os que após ele vierem não poderão tomar terra alguma de sesmaria na dita capitania, para si e para sua mulher, nem para filho herdeiro dela; antes darão e poderão dar e repartir todas as ditas terras de sesmaria a quaisquer qualidade e condição que sejam e lhes bem parecer, livremente, e sem foro nem direito algum, somente o dízimo a Deus”.56

Assim, podemos assumir que, em princípio, a autoridade régia reconhecia que a concessão de sesmarias era um privilégio do donatário, muito embora a doação de Cametá não fizesse referência a essa possibilidade.57 Ora, em 1675, Simão Pedroso, “morador na cidade de Belém, capitania do Grão-Pará”, requeria ao príncipe a confirmação de uma Lisboa de terra “na capitania de Cametá”, que lhe fora concedida pelo governador Rui Vaz de Siqueira (1662-67), “na forma de seu regimento”. Não só o Conselho Ultramarino foi favorável à confirmação, como o procurador da Coroa, consultado como de costume, lembrou que se não fosse cultivada, pelo período de dois “Felipe III faz doação da Capitania do Cabo do Norte a Bento Maciel Parente”. Lisboa, 14/06/1637. In: SARAGOÇA. Da “Feliz Lusitânia” aos confins da Amazônia (1615-62), p. 345; para Joanes, ver: “Doação da capitania de Joanes a Antonio de Sousa de Macedo”, pp. 49-50 (mesma fórmula). 57 O que decorre do próprio instituto das capitanias de donatários. Ver: MERÊA. “A solução tradicional da colonização do Brasil”, pp. 182-83; SALDANHA. As capitanias do Brasil, pp. 283-325. 56

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anos, “ficaria outra vez na Coroa”.58 Havia claramente uma superposição de dois poderes territoriais: o do donatário, ignorado pela Corte; e o do governador, ao conceder a carta. Os embates entre donatários e rei, ou autoridades, ou moradores, ou Câmara não são só conflitos entre poderes, mas conflitos entre poderes espacialmente projetados. A superposição de poderes no Estado do Maranhão e Pará (em qualquer conquista?) tem uma dimensão espacial fundamental.

Terras e sesmarias O cultivo sistemático da terra constituiu uma preocupação importante da Coroa durante o século XVII, como era de se esperar dado o significado que o cultivo tinha para o pensamento políticoeconômico da época, como vimos. Não somente os reis tentaram de múltiplas formas desenvolver a plantação de açúcar e tabaco, mas também o cultivo dos “frutos da terra”, como o cacau, o anil e o cravo de casca.59 Em várias ocasiões, a Coroa concedeu privilégios aos produtores de açúcar, tabaco e cacau, como isenções de impostos, benefícios jurídicos e ajuda para a obtenção de escravos africanos e indígenas. A distribuição das terras constituía também uma das formas de aumentar a produção agrícola do Estado. Essa é uma realidade particularmente evidente na segunda metade do século XVII, como referido anteriormente. Assim, entre os anos 1665 e 1705 (reinados de Dom Afonso VI e Dom Pedro II), foram encontrados registros referentes a quase 90 sesmarias, distribuídas pelos governadores e a maioria confirmadas pelos reis. Essas doações de terras constituem uma velha tradição

“CCU-Pedro II”. Lisboa, 6/03/1675. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 595. Infelizmente, a consulta não traz anexada a carta de data e sesmaria. 59 Em seus textos, Arthur Cezar Ferreira Reis já indica a existência dessa experimentação agrícola, insistindo na importância da mão-de-obra indígena para essas empresas, muito embora as situe principalmente durante o século XVIII. REIS. A política de Portugal no vale amazônico, p. 13; e REIS. “Economic history of the Brazilian Amazon”. In: Charles WAGLEY (org.). Man in the Amazon. Gainesville: The University Presses of Florida, 1974, pp. 35-36. 58

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portuguesa, ligada ao processo de conquista do território da península contra a presença muçulmana. Não vale a pena aqui esmiuçar essa história, uma vez que há diversos trabalhos que já o fazem com detalhe e precisão.60 Basta resgatar um aspecto fundamental da concessão de terras em sesmaria que é a ideia do aproveitamento da terra; a ele se junta outro, igualmente central no Estado do Maranhão e Pará, que é o da ocupação do território. Exemplar nesse sentido foi a forma como, em princípios do século XVIII, brevemente se discutiu a ocupação do sertão do rio Parnaíba (que ao longo da primeira metade do século seria extensamente ocupado). Por ordem do rei, o Conselho Ultramarino analisou um “papel” que defendia a necessidade de se povoar o rio Parnaíba. O Conselho convocou o parecer do antigo governador Gomes Freire de Andrade e pediu informação ao governador de Pernambuco sobre a barra do rio. Também se consultou a Pedro da Costa Raiol, que se encontrava então na corte, “pessoa muito prática nos sertões do Maranhão”, considerada por Freire de Andrade a mais capaz de informar a Corte sobre a questão, por lá ter ido em expedição contra os Tremembé. Para Costa Raiol, segundo o relatório do Conselho, de modo algum se devia povoar o Parnaíba, pela grande despesa que se faria à Fazenda real, por ser distante tanto de Pernambuco quanto do Maranhão, além de que não tinha o necessário para se sustentar, nem se lhe poderia acudir a tempo “em qualquer acidente”. A despeito das opiniões do sertanista, o Conselho Ultramarino tinha um parecer emblemático: “Que o meio mais conveniente que se representa para se conseguir a defesa e oposição dos gentios inimigos do corso é darem-se aquelas terras de

Virgínia RAU. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1946; José da COSTA PORTO. O sistema semarial no Brasil. Brasília: EdUnB, s.d., pp. 26-35; Erivaldo Fagundes NUNES. “Sesmarias em Portugal e no Brasil”. Politeia, vol. 1, nº 1 (2001), pp. 111-39; NUNES. Posseiros, rendeiros e proprietários. Estrutura fundiária e dinâmica agro-mercantil no alto sertão da Bahia (1750-1850). Recife: Tese de Doutorado (História), UFPE, 2003, pp. 73-78; Carmen de Oliveira ALVEAL. Converting land into property in the Portuguese Atlantic world, 16 th18th century. Baltimore: Tese de Doutorado (História), Johns Hopkins University, 2007, pp. 50-68 e 74-111. 60

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sesmaria a quem as pedir, porque enchendo-se de currais de gado, se virão a povoar por este caminho, com grande interesse dos vassalos de V.M., sem que a Fazenda real concorra para este efeito, e que assim se deve recomendar ao governador do Maranhão, que pedindo-se-lhe algumas datas, as dê a pessoas que as cultivem e tratem de seu benefício”. 61

A doação de sesmarias servia assim para assegurar o domínio contra os inimigos “internos” – o uso do gado já havia revelado sua eficácia nos sertões “de dentro” e “de fora”, no Estado do Brasil –, de povoamento e de benefício econômico da terra. É preciso destacar que há uma considerável produção bibliográfica sobre o instituto das sesmarias, da qual se destacam alguns debates centrais, como a questão da transplantação do sistema do reino para as conquistas, notadamente para os arquipélagos atlânticos e a América, suas transformações e as vicissitudes de sua aplicação; ou a discussão em torno aos grupos privilegiados pela distribuição de terras; ou mais recentemente a reflexão em torno aos usos da terra e aos conflitos derivados da ocupação.62 Sem deixar de lado, a importância dessas “Sobre o papel que se deu a S.Mag.de das conveniencias que se pudiaõ seguir em se povoar o rio Parnahiba”. 23/03/1702. AHU, cód. 274, ff. 151v-152. 62 Ver: ALVEAL. Converting land into property in the Portuguese Atlantic world; Edval de Souza BARROS. “Aquém da fronteira: mercado de terras na capitania do Rio de Janeiro: 1720-1780”. Anais do III Encontro Brasileiro de História Econômica, 1999. COSTA PORTO. O sistema semarial no Brasil; Mônica DINIZ. “Sesmaria e posse de terras: política fundiária para assegurar a colonização brasileira”. Histórica (Revista on-line do Arquivo Público de São Paulo) nº 2 (2005). Alberto Passos GUIMARÃES. Quatro séculos de latifúndio. 5ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, pp. 41-59; Ruy Cirne LIMA. Pequena história territorial do Brasil. Sesmarias e terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1991, pp. 15-47; Márcia MOTTA. “História agrária no Brasil: um debate com a historiografia”. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, 2004. MOTTA. “The sesmarias in Brazil: colonial land policies in the late eighteenth-century”. E-Journal of Portuguese History, vol. 3, nº 2 (2005). MOTTA. “Caindo por terra: um debate historiográfico sobre o universo rural do oitocentos”. Lutas & Resistências, vol. 1 (2006), pp. 42-59; MOTTA & Elione GUIMARÃES. “História social da agricultura revisitada: fontes e metodologia de pesquisa”. Diálogos, vol. 11, nº 3 (2007), pp. 95-117; MOTTA. “Consecrating dominions and generating conflict – the sesmaria grants, 1795-1822 Brazil”. EJournal of Portuguese History, vol. 6, nº 2 (2008). MOTTA. Direito à terra no Brasil. A 61

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questões, quero aqui aprofundar outra perspectiva possível a partir das informações presentes nas cartas de datas e sesmarias, que, como apontei anteriormente, foi definida exemplarmente no início do século XVIII pelo Conselho Ultramarino. De fato, para o século XVII e início do século XVIII, as sesmarias no Estado do Maranhão e Pará revelam uma lógica particular de ocupação do território pela agricultura, a partir do sistema fluvial composto pelos rios Acará, Moju, Capim e Guamá, na capitania do Pará; e principalmente na ilha de São Luís e fronteira oriental da capitania do Maranhão. É preciso lembrar que o cultivo e ocupação da terra não se iniciavam com as doações, nem somente se legitimavam pelas concessões. Em muitos casos era justamente a exploração econômica do espaço que legitimava a concessão de uma terra.63 A fórmula “possuindo e cultivando a terra” era frequente nas petições dos moradores. Era o caso de Manuel Barros da Silva, cidadão de Belém, que cultivava um pedaço de terra no Guajará, onde tinha feito “largos pastos de gado e plantado muito cacau”.64 Lucas Lameira de França, também cidadão de Belém, legitimava sua pretensão, alegando que

gestação do conflito 1795-1824. São Paulo: Alameda, 2009; Nelson NOZOE. “Sesmarias e apossamento de terras no Brasil colônia”. Revista EconomiA, vol. 7, nº 3 (2006), PP. 587-606; NUNES. “Sesmarias em Portugal e no Brasil”; NUNES. Posseiros, rendeiros e proprietários; Miguel Jasmins RODRIGUES. “Sesmarias no império atlântico português”. Actas do Congresso Internacional “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedade”. Lisboa : Biblioteca Digital do Instituto Camões, 2008. Ligia Maria Osório SILVA & María Verónica SECRETO. “Terras públicas, ocupação privada: elementos para a história comparada da apropriação territorial na Argentina e no Brasil”. Economia e Sociedade, nº 12 (1999), pp. 109-41; Rafael Ricarte da SILVA. “Os sesmeiros dos „sertões de Mombaça‟: um estudo acerca de suas trajetórias e relações sociais (1706-1751)” (Anais do II Encontro Internacional de História Colonial). Mneme – Revista de Humanidades, vol. 9, nº 24 (2008). Francisco Eduardo PINTO. Potentados e conflitos nas sesmarias da comarca do Rio das Mortes. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado (História), UFF, 2010. 63 ALVEAL. Converting land into property in the Portuguese Atlantic world, p. 70. 64 “Sesmaria no Maranhaõ. Manoel de Barros e Silva”. Conc. 21/08/1700. Conf. 10/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 27-28.

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ocupava sua terra havia vinte anos.65 É bem verdade que esse tipo de declaração reforçava a própria petição dos moradores. Entretanto, num território tão vasto como era o do Estado do Maranhão, esse gênero de justificação não era certamente obrigatório. É bem provável que, mesmo sendo uma determinação legal, a confirmação de terras pelo rei nem sempre fosse solicitada pelos ocupantes. Isso fica claro quando se vê que várias confirmações de sesmarias indicam outras terras para as quais não há nenhuma referência nos documentos das chancelarias. De fato, ao estabelecer as demarcações das terras, as concessões e/ou as confirmações referem-se à existência de outros moradores vivendo e beneficiando as terras, para os quais não pude encontrar qualquer informação. É o caso, por exemplo, da sesmaria dada ao capitão João Teles Vidigal, que tinha como marcos as terras de Alexandre Ferreira, Inácio Preto e Cristina Ribeiro. A carta do capitão Vidigal, inclusive, indica a região que ele escolhera para se situar – “da banda da Bacanga” (São Luís) – como lugar “em que habitam alguns moradores”.66 Era semelhante o caso do igarapé, onde Inácio da Silva pretendia se estabelecer, “no qual tinham alguns moradores suas roças”.67 Para várias sesmarias, por outro lado, não encontrei confirmações, o que não significa que as pessoas não continuassem a ocupar a terra. Assim, é possível que a população estabelecida ao longo dos rios, cultivando a terra, fosse maior do que podemos inferir pelas concessões e confirmações de terras. As sesmarias têm uma distribuição que se avoluma no final do século XVII. Significativamente, o século XVIII vai assistir a uma verdadeira explosão da concessão de terras, tanto no Maranhão, como no Pará e na nova capitania do Piauí.68 A existência dessas propriedades comporta uma relação particular entre o sertão e as comunidades portuguesas. Em primeiro lugar, a maioria das terras se situa a certa distância das cidades de Belém (nos “Carta de confirmação de sesmaria para Lucas Lameira de França”. Conc. 4/06/1701. Conf. 16/05/1704. AHU, Pará, cx. 5, doc. 400. 66 “Joaõ Telles Vidigal filho de Joaõ da Cruz”. Conc. 18/05/1695. Conf. 3/12/1696. DGARQ/TT, RGM, Dom Pedro II, livro 5, ff. 320-320v. 67 “Sesmaria. Ignaçio da Silva”. Conc. 2/07/1703. Conf. 2/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 191v-192v. 68 Ver: “Catalogo nominal dos posseiros de sesmarias”. ABAPP, tomo III (1904), pp. 5-149. 65

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rios Moju, Acará, Tocantins, Guamá, Capim) e São Luís (além da ilha de São Luís, rios Itapecuru, Mearim, Pindaré). Fica claro, portanto, que esse tipo de atividade econômica se localizava não muito próximo das principais comunidades. Entretanto, os proprietários se definiam como “moradores” das cidades de Belém e São Luís. Era o caso de Genebra de Amorim, “moradora” de Belém, que possuía um engenho no Moju.69 João Rodrigues Lisboa, que se declarava “morador e cidadão” de São Luís, cultivava e habitava havia muito tempo “em umas terras nesta ilha”.70 Na capitania do Pará, Leão Pereira de Barros dizia morar em Belém, mas cultivava igualmente 5 mil plantas de cacau nas suas terras no Guamá.71 Finalmente, Antônio Paiva de Azevedo, “cidadão” de Belém, também cultivava cacau no Acará, de onde se dizia “morador”.72 Claramente, havia um deslocamento significativo entre as cidades e vilas e as terras cultivadas. As doações e a posse de terras constituíam importantes mecanismos de ocupação econômica do território, que, entretanto, não excluíam a residência permanente ou temporária nos centros urbanos mais importantes, como São Luís e Belém. Os registros da Inquisição de Lisboa permitem traçar um pouco desse deslocamento. Um caso exemplar é o dos irmãos Beckman, acusados de judaísmo. Os dois, que, nos anos 1680, foram líderes de uma revolta, tinham um engenho no rio Mearim, onde habitavam. Evidentemente, os dois se deslocavam entre as suas terras e São Luís, onde um deles, Manuel Beckman foi vereador na Câmara da cidade. Uma das testemunhas contra os irmãos Beckman foi Antônio da Rocha Porto, que declarava ter trabalho como lavrador na sua propriedade, mas que, ao tempo da inquirição, dizia morar em São Luís. Graça, uma escrava “preta do gentio da Guiné”, que denunciara a Tomás Beckman,

“Dona Genebra de Amorim”. Conc. 20/12/1676. Conf. 21/06/1676. DGARQ/TT, Afonso VI, livro 33, ff. 149-150v. 70 “J.o Roiz Lisboa”. Conc. 18/04/1701. Conf. 30/11/1701. DGARQ/TT, Pedro II, livro 54, ff. 160-161. 71 “Sesmaria. Leaõ Pr.a de Barroz”. Conc. 10/10/1702. Conf. 6/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 194v-195. 72 “Sesmaria no Maranhaõ. Antonio de Payva de Azevedo”. Conc. 29/08/1702. Conf. 19/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 172-173. 69

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dizia que ele tinha sido morador no Mearim, “onde tinha sua fazenda”, e na altura era morador em São Luís.73 A população “branca” do Estado do Maranhão, portanto, não estava concentrada nas cidades e vilas da região, mas espalhada por todo o território. Era essa a razão que fazia o ouvidor Antônio de Andrade e Albuquerque se queixar da dificuldade de arrecadar os bens dos defuntos e ausentes, “por ser dos moradores desta cidade [Belém] a sua maior assistência nas suas roças e nos sertões, muitas léguas distante desta cidade”.74 Em 1706, o procurador da Fazenda do Maranhão requeria índios à Câmara, “para sair a cobrar a Fazenda real ao Mearim, Itapecuru, Icatu, Munim e Tapuitapera, por estar a dita fazenda com mais devedores que facilmente se podia perder”.75 Isto aponta para uma questão interessante para a compreensão do processo de urbanização do Estado do Maranhão e Pará. Para a historiografia – e com toda razão – a urbanização da região esteve marcada pela fundação das duas cidades principais (Belém e São Luís), pela formação de vilas (Vigia, Icatu), inclusive em capitanias privadas (Tapuitapera, Cametá, Sousa) e, também, pelo que poderíamos chamar de urbanização missionária. Isto é, os inúmeros aldeamentos (aldeias, como se dizia à época) fundados pelas ordens religiosas que atuaram no Estado do Maranhão e Pará representaram um embrião da futura urbanização da região, promovida, principalmente a partir da transformação dos aldeamentos em vilas e lugares, com a instauração do Diretório dos Índios, durante o ministério pombalino.76 “Thomas Bequimaõ”. 1675. DGARQ/TT, IL-CP, livro 255, f. 52. “Carta de Antônio de Andrade e Albuquerque”. Belém, 12/08/1685. AHU, Pará, cx. 3, doc. 250. 75 “Termo de húa junta q. se fez com o cap. m mor desta praça Matheus Carv.o de Siq.ra e o ouv.or g.l do Estado sobre um requerim.to q. lhe fizeraõ”. 8/07/1706. APEM, Livro de Acórdãos (1705-1714), ff. 28v-29. 76 Ver: BAENA. Ensaio corográfico, pp. 287-333, 340, 363-69, 407-50; Manuel Nunes DIAS. “Estrategia pombalina de urbanización del espacio amazónico”. In: Libro homenaje a Eduardo Arcila Farias. Caracas: IEH/ANCE, 1986, pp. 11797; Décio de Alencar GUZMÁN. “Constructores de ciudades: mamelucos, indios y europeos en las ciudades pombalinas de la Amazonia (siglo XVIII)”. In: Clara GARCÍA & Manuel RAMOS MEDINA (orgs.). Ciudades mestizas: intercambios y continuidades en la expansión occidental. Siglos XVI a XIX. México DF: Centro de Estudios de Historia de México, 2001, pp. 89-99; COELHO. Do sertão 73 74

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Há, entretanto, uma perspectiva que parece ter sido deixada de lado pelos autores, inclusive por se tratar do que gostaria de chamar aqui de tendência e não propriamente de urbanização, e que, de qualquer modo, ainda precisa ser comprovada com mais pesquisa, principalmente para a primeira metade do século XVIII. Assim, parece que a distribuição de terras (que se avoluma a partir dos anos 1720) pode ter gerado “adensamentos” populacionais que, com o tempo (longo tempo) também vieram a constituir lugares, quem sabe vilas. Vimos anteriormente várias referências que indicam essa perspectiva, na medida em que as próprias cartas indicam lugares de concentração populacional em razão das atividades agro-pastoris. É por isso que se falava de lugares onde habitavam vários moradores, ou onde os moradores tinham suas roças (casos das cartas do capitão José Teles Vidigal e de Inácio da Silva). Há aqui indícios de um possível processo de consolidação não só da propriedade agrícola, mas talvez de núcleos populacionais no interior dos quais começavam a se formar redes sociais. É significativo o fato de que, nos registros inquisitoriais, algumas regiões com sabida concentração de terras dadas em sesmaria, ou ocupadas pelos moradores, são designadas por “freguesias”. Frei Bernardino das Entradas, arguto observador dos costumes e misturas do Maranhão e Pará, que realizou confissões em inúmeras áreas “rurais” do Estado, fazendo jus ao seu nome, indicava, por exemplo, a freguesia de São Lourenço e Santa Catarina, rio Mearim, onde alguém denunciara a Antônio Chevapara, índio forro da aldeia de São Gonçalo, e também a Mateus, “negro índio” cativo e pescador do senhor de engenho Diogo Fróis.77 Já na capela do Bom Jesus, engenho do capitão-mor João de Sousa Soleima, freguesia de Nossa Senhora da Vitória de Itapecuru, recolhia como confessor a denúncia do mulato

para o mar, pp. 196-2 e 376-431; GUZMÁN. “A primeira urbanização: mamelucos, índios e europeus nas cidades pombalinas da Amazônia, 17511757”. Revista de Cultura do Pará, vol. 18, nº 1 (2008), pp. 75-94. Ver também: Rita Heloísa de ALMEIDA. O Diretório dos índios: um projeto de "civilização" dos índios no Brasil do século XVIII. Brasília: EdUnB, 1997, pp. 53-74, 185-93 e 21625. 77 “An.to Chevapara. Feitis.as”. 1692. DGARQ/TT, IL-CP, livro 263, f. 262v; “Matheus feitis.as”. 1692. DGARQ/TT, IL-CP, livro 263, ff. 273-273v.

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Domingos contra Pantaleão da Veiga, “negro tapanhuno forro”, e contra Damião, “negro índio da terra”.78 Por outro lado, em algumas áreas do Estado do Maranhão e Pará, à chegada dos moradores se seguia a construção de fortalezas que, muitas vezes, tinham por função, justamente, garantir a presença dos moradores. Esse foi o caso, principalmente, da fronteira oriental da capitania do Pará, assolada pelos ataques dos chamados “gentios do corso”.79 Pouco a pouco, foram construídos fortes em alguns rios em que se concentrava a produção agrícola, como a fortaleza do Itapecuru, que segundo o relatório feito pelo engenheiro Pedro de Azevedo Carneiro, em 1695, levantada à custa de um morador, para repelir o “gentio que continuamente tem infestado aquele rio e morto e roubado muitos moradores dele”.80 A agricultura, assim, significou seguramente um adensamento populacional e um domínio sobre o espaço que ainda precisa ser devidamente estudado. Infelizmente, diante das esparsas e fragmentadas informações sobre ocupação da terra por meio da agricultura, em outros tipos de documentos, os dados relativos às sesmarias se revelam claramente incompletos. Regiões como a fronteira oriental do Maranhão, que pouco a pouco se destacava no número de propriedades e alguns engenhos, a ponto de o capitão Manuel Guedes Aranha chamar o rio Itapecuru de “jardim do Maranhão” (embora se queixasse de sua decadência), estão sub-representadas nas confirmações e concessões disponíveis.81

“[Contra Pantaleão da Veiga e Damião]”. 1692. DGARQ/TT, IL-CP, livro 263, f. 277, também: “[Contra Pantaleão da Veiga]”. 1692. DGARQ/TT, ILCP, livro 263, f. 277v. 79 Sobre as guerras contra os “índios do corso”, ver: MELO. “Aleivosias, mortes e roubos”, pp. 52-78. 80 O relatório do engenheiro Azevedo Carneiro, datado de 30/12/1695, encontra-se anexado à “CCU-Pedro II”. 18/01/1696. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 909. Sobre a ocupação dessa região, ver: Maria do Socorro Coelho CABRAL. Caminhos do Gado: conquista e ocupação do Sul do Maranhão. São Luís, SIOGE, 1992. 81 Manuel Guedes ARANHA. “Papel político sobre o Estado do Maranhão” [c. 1682]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 46 (1883), 1ª parte, p. 3. 78

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Vejamos, de qualquer modo, a distribuição das datas e confirmações de terras. Infelizmente, como já havia notado Costa Porto82, para muitas doações é quase impossível saber-se a exata localização da terra (salvo a capitania), dada a pouca clareza das informações geográficas, como o “pequi grande” que ajudava a demarcar as terras do capitão João Teles Vidigal, na ilha de São Luís.83 Na capitania do Pará, a ocupação se centrará notadamente na rede fluvial composta pelos rios que fluem para a atual baía do Marajó, os rios Moju (sete)84, Acará (cinco)85, Tocantins (seis)86, Guamá (sete)87 e COSTA PORTO. O sistema semarial no Brasil, pp. 65-66. “Joaõ Telles Vidigal filho de Joaõ da Cruz”. Conc. 18/05/1695. Conf. 3/12/1696. DGARQ/TT, RGM, Dom Pedro II, livro 5, ff. 320-320v. 84 “M.el de Morais”. Não tem data de concessão. Conf. 27/03/1675. DGARQ/TT, RGM, Afonso VI, livro 18, ff. 158-158v; “Donna Andreza de Amorỳ”. Conc. 20/12/1676. Conf. 21/06/1680. DGARQ/TT, Dom Afonso VI, livro 33, ff. 147v-149; “Dona Genebra de Amorim”. Conc. 20/09/1676. Conf. 21/06/1680. DGARQ/TT, Dom Afonso VI, livro 33, ff. 149-150v e “D. Ginebra de Morim”. Conc. 21/06/1703. DGARQ/TT, Dom Pedro II, livro 55, ff. 110-111; “Sesmaria. Fran.co Lameira da Franca”. Conc. 22/11/1700. Conf. 20/02/1702. DGARQ/TT, Dom Pedro II, livro 27, ff. 108-109; “Sesmaria. Fran.co Lameira da Franca”. Conc. 18/10/1702. Conf. 27/09/1706. DGARQ/TT, Dom Pedro II, livro 31, ff. 90-90v; “Sesmaria no Estado do Maranhaõ. An.to de Souza Moura”. Conc. 29/11/1701. Conf. 21/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 112v-113v; “Sesmaria. Manoel Coelho”. Conc. 29/12/1702. Conf. 16/10/1705. Dom Pedro II, livro 30, ff. 208-209; “Joaõ Vaz de Freitas”. Conc. 16/12/1705. Conf. 19/06/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 44, ff. 340v-341. 85 “CCU-Pedro II”. 20/03/1675. AHU, Pará, cx. 2, doc. 159 e “An.to da Costa de o confirmar a carta das duas legoas de terra no sitio do rio do Acarâ”. 4/05/1675. AHU, cód. 93, f. 116v; “CCU-Pedro II”. 23/12/1680. AHU, Pará, cx. 2, doc. 187 e “Para o mesmo ouvidor. Sobre Joaõ Valente de Oliveira acerca das legoas de terra”. 17/07/1680. AHU, cód. 268, f. 28; “Sesmaria. Catherina Alvez”. 7/12/1700. Conf. 9/01/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 300v-301v; “Sesmaria no Maranhaõ. Antonio de Payva de Azevedo”. 29/08/1702. Conf. 19/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 172-173; “Sesmaria. Manoel Glź Luiz”. 16/01/1703. Conf. 29/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 179-180; “Sesmaria. Joaõ Paes do Amaral”. Conc. 12/03/1703. Conf. 27/09/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 88v-89v. 86 “Carta de data de Alex.e da Cunha de Mello”. Belém, 8/10/1684. BA, cód. 51-V-43, f. 88; “Carta de data de M.el Soeiro Lobato digo de retificaçaõ”. 82 83

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Capim (três, uma delas concedida no reinado de Dom Pedro II e confirmada no de Dom João V)88, onde se concentram 28 doações de terra. Já na capitania do Maranhão, e é aqui que os dados parecem mais incompletos, as doações de terra se concentram na ilha de São Luís.89 Belém, 3/07/1684. BA, cód. 51-V-43, ff. 83-84 e “Sesmaria no Maranhaõ. M.el Soeiro Lobato”. Conc. 10/02/1702. Conf. 24/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 58v-59v; “Matheus de Carvalho e Siq.ra. Sesmaria no Maranhaõ”. Conc. 7/01/1702. Conf. 23/10/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 294-295; “Sesmaria no Maranhaõ. Joseph da Costa Tavares”. Conc. 13/02/1702. Conf. 13/10/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 292v-294; “Sesmaria. Luis Vr.a da Costa”. Conc. 18/10/1702. Conf. 1/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 180v-181v; “Sesmaria. Jozeph do Couto”. Conc. 10/02/1705. Conf. 6/11/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 232-233. 87 “Sesmaria no Maranhaõ. Manoel de Barros e Silva”. Conc. 21/08/1700. Conf. 10/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 27-28; “Sesmaria no Maranhaõ. M.el de Passos Moura”. Conc. 10/06/1701. Conf. 19/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 113v-114v; “Sesmaria. Leaõ Pr.a de Barroz”. Conc. 20/10/1702. Conf. 6/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 194v-195; “Manoel Lopes Reis”. Conc. 5/01/1703. Conf. [12]/02/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 45, ff. 318-319; “Carta de sesmaria. An.to Glź Ribr.o”. Conc. 16/01/1703. Conf. 13/02/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 63, ff. 70-70v; “Sesmaria. Ignaçio da Silva”. Conc. 2/07/1703. Conf. 2/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 191v-192v; “Thomas de Souza e Moura”. Conc. 28/08/1705. Conf. 27/09/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 57, ff. 11v-12v. 88 “Sesmaria. Luis Vir.a da Costa”. Conc. 6/02/1703. Conf. 30/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 181v-182; “Sesmaria. M.el Aranha Guedez”. Conc. 7/03/1703. Conf. 23/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 175v-176v; “Pedro Paulo”. Conc. 18/04/1703. Conf. 27/05/1725. DGARQ/TT, João V, livro 64, ff. 343-344. 89 “An.to Frr.a de Abreu”. Conc. 39/05/1692. Conf. 22/11/1692. DGARQ/TT, RGM, Pedro II, livro 5, f. 15v; “Sesmaria no Maranhaõ. Felicio Nunes da Silve.ra”. Conc. 24/12/[1693]. Conf. 30/01/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 75v-76v; “Fran.co do Amaral Soares”. Conc. 21/05/1694. Conf. 28/11/1695. DGARQ/TT, Pedro II, livro 59, ff. 374-374v; “Maranhaõ. Martinho Fran.co Mascarenhas”. Conc. 22/08/1694. Conf. 2/03/1698. DGARQ/TT, Pedro II, livro 61, ff. 318-319; “Phelippe Parenty. Datta de terras de sesmaria”. Conc. 3/09/1694. Conf. 3/03/1697. AHU, cód. 121, ff. 349-350; “P.o Evangelho. Sesmaria”. Conc. 8/09/1694. Conf. 27/11/1695.

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Como disse antes, é evidente que a documentação encontrada não dá conta de compreender a expansão pelos sertões da capitania, uma vez que só há duas confirmações para o rio Pindaré (uma delas concedida no reinado de Dom Pedro II e confirmada no de Dom João V)90 e outra em Icatu.91 Entretanto, como procurei mostrar ao falar das “freguesias” que se conformavam no sertão, havia importantes senhores de engenho no Itapecuru ou no Mearim, como João de Sousa DGARQ/TT, Pedro II, livro 23, ff. 282-283; “Confirmaçaõ. Pedro Dutra”. Conc. 5/10/1694. Conf. 22/11/1697. DGARQ/TT, Pedro II, livro 24, ff. 214v-215v; “Joseph Rodriguez Coelho. Carta de cõfirmaçaõ de sismariaz”. Conc. 5/10/1694. 1/12/1698. DGARQ/TT, Pedro II, livro 53, ff. 80-80v; “Sesmaria. Isidorio Glź. Pr.a”. Conc. 10/10/1694. Conf. 4/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 51v-52v; “Sesmaria. Paullo Pires Tourinho”. Conc. 27/10/1694. Conf. 10/11/1700. DGARQ/TT, Pedro II, livro 26, ff. 305v-306; “Sesmaria. M.a da Costa Pais”. Conc. 11/11/1694. Conf. 10/11/1700. DGARQ/TT, Pedro II, livro 26, ff. 307-308; “Joaõ Telles Vidigal filho de Joaõ da Cruz”. Conc. 18/05/1695. Conf. 3/12/1696. DGARQ/TT, RGM, Pedro II, livro 5, ff. 320-320v; “Carta de confirmaçaõ. Maria Correa e Filipe de Santhiago”. Conc. 28/11/1699. Conf. 2/11/1700. DGARQ/TT, Pedro II, livro 62, ff. 98v-99v; “Sesmaria. Pascoal Rodrigues Leonardo”. Conc. 10/12/1699. Conf. 16/01/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 58-59v; “Barbara Golarte. Maranhaõ”. Conc. 16/03/1700. Conf. 10/01/1701. DGARQ/TT, Pedro II, livro 26, ff. 332-332v; “Sesmaria. Antonio da Rocha”. Conc. 15/04/1701. Conf. 16/01/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 5758; “J.o Roiz Lisboa”. Conc. 18/04/1701. Conf. 30/11/1701. DGARQ/TT, Pedro II, livro 54, ff. 160-161; “Sesmaria no Maranhaõ. Anto. Lopes de Souza. Alexandre Fr.a”. Conc. 20/04/1701. Conf. 16/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 111-112; “Sesmaria. Joseph Dias de Odivelaz”. Conc. 2/08/1703. Conf. 2/07/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 21v-23; “Carta de sesmaria. Urbano Rodrigues”. Conc. 23/05/1705. Conf. 27/07/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 63, ff. 213v-214; “Sesmaria. An.to de Mattos Quental”. Conc. 26/05/1705. Sem data de confirmação. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 373-374v; “Antônio de Matos Quintal”. Conc. 1/07/1705. Conf. 8/03/1709. DGARQ/TT, João V, livro 32, ff. 309-310. 90 “Pedro da Costa Rayol e seus irmaõs”. Conc. 5/01/1701. Conf. 13/01/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 44, ff. 206v-207v; “Paulo Pires Tourinho”. Conc. 21/04/1705. Conf. 6/12/1707. DGARQ/TT, João V, livro 32, ff. 31-32. 91 “Sesmaria. Joseph Pinr.o Marques”. Conc. 2/12/1705. Conf. 18/09/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 64-65.

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Soleima ou Diogo Fróis de Brito, para os quais não encontrei o registro de terras. É significativo notar que algumas das concessões foram confirmadas não por carta de confirmação, mas sim por provisão régia, e inclusive anotadas nos livros de registro de provisões do Conselho Ultramarino.92 Por outro lado, algumas terras podem ser de concessão e confirmação muito remota, tendo sido repassadas por herança ou por dote, ou mesmo por transação comercial aos seus detentores, razão que talvez justifique a ausência do registro da confirmação nas chancelarias da segunda metade do século XVII. Há uma série de questões que podem se trabalhadas a partir das concessões de terras no Estado do Maranhão e Pará – a transmissão da terra, os conflitos de demarcação, a clara opção pela policultura e pelo tamanho pequeno a médio das concessões (em geral, nunca mais do que duas léguas em quadro) – problemas que certamente merecem uma pesquisa à parte. O que quero sublinhar aqui é que a distribuição de terras (por mais incompleta que seja) parece indicar a geografia da ocupação que se consolidará ao longo da primeira metade do século XVIII no Estado do Maranhão e Pará, à qual é preciso acrescentar a intensificação da ocupação na fronteira oriental da capitania do Maranhão93 e a exploração dos sertões da nova capitania do Piauí, que nasce no fim do século XVII e alvorescer dos setecentos.94

É o caso das terras dadas a Manuel de Morais, também anotada no Registro Geral de Mercês, e Antônio da Costa. Ver: “M.el de Moraes quatro legoas de terra de sismaria p.ra se confirmar”. 27/03/1675. AHU, cód. 93, ff. 113v-114; “An.to da Costa de o confirmar a carta das duas legoas de terra no sitio do rio Acará”. 4/05/1675. AHU, cód. 93, f. 116v. 93 Ver: Maria do Socorro Coelho CABRAL. Caminhos do Gado: conquista e ocupação do Sul do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1992. 94 Uma referência importante para vislumbrar a primeira ocupação do Piauí, marcada pela ação dos moradores do Estado do Brasil, mas depois legitimada pelas concessões de terra dadas pelos governadores do Maranhão, a quem pertencia sua jurisdição, pode ser encontrada no relato do padre Miguel do Couto. Ver: “Dezcripção do certão do Peahuy remetida ao Illm.o e Rm.o S.or Frei Francisco de Lima Bispo de Pernam.co”. In: Ernesto ENNES. As guerras nos Palmares, subsídios para a sua história. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, vol. 1, pp. 370-89. Sobre o Piauí, ver: José Martins Pereira D‟ALENCASTRE. “Memoria chronologica, historica e corographica da Provincia do Piauhy”. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, tomo XX (1857), pp. 5-164; 92

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De fato, se examinarmos o caso da capitania do Pará, não há dúvida de que o que Maria de Nazaré Ângelo-Menezes denominou de “vale do Tocantins”, banhado pelos rios Tocantins, Acará e Moju, se transformou numa importante região de produção agrícola a partir da década de 1720, e principalmente, no período do ministério pombalino.95 No mesmo sentido aponta o trabalho de Rosa Acevedo Marin para a região mais específica do rio Acará.96 Assim, a expansão da ocupação agrícola da terra, iniciada notadamente a partir da regência e reinado de Dom Pedro II, deu o tom e consolidou o espaço em que, em grande medida, se concentraria a produção sistemática da terra em períodos posteriores.

Francisco Augusto Pereira da COSTA. Cronologia histórica do Estado do Piauí [1909]. Rio de Janeiro: Artenova, 1974; Odilon NUNES. Devassamento e conquista do Piauí. Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertao, o Mafrense. Teresina: COMEPI, 1972; NUNES. Pesquisas para a história do Piauí. Teresina: Imprensa Oficial do Estado do Piauí, 1972, 4 vols.; NUNES. Economia e finanças (Piauí colonial). Teresina: COMEPI, 1974; NUNES. O Piauí, seu povoamento e seu desenvolvimento. Teresina: COMEPI, 1973; Luiz R.B. MOTT. Piauí colonial: população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1985; Tanya Maria Pires BRANDÃO. O escravo na formação social do Piauí. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 1999; João Renôr Ferreira de CARVALHO. Resistência indígena no Piauí colonial: 17181774. Imperatriz: Ética, 2005. 95 ÂNGELO-MENEZES. Histoire sociales des systèmes agraires dans la vallée du Tocantins – Etat du Pará – Brésil: colonisation européenne dans la deuxième moitié du XVIIIe siècle et la première moitiè du XIXe siècle. Paris: Tese de doutorado, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1998, pp. 246-85. Ver também: ÂNGELO-MENEZES. “O sistema agrário do Vale do Tocantins colonial: agricultura para consumo e para exportação”; ÂNGELO-MENEZES. “Cartas de datas e sesmarias. Uma leitura dos componentes mão-de-obra e sistema agroextrativista do vale do Tocantins colonial”. Paper do NAEA, nº 151 (2000); e ÂNGELO-MENEZES. “Aspectos conceituais do sistema agrário do vale do Tocantins colonial”. Cadernos de Ciência & Tecnologia, vol. 17, nº 1 (2000), pp. 91-122. 96 Rosa E. ACEVEDO MARIN. “Camponeses, donos de engenhos e escravos na região do Acará nos séculos XVIII e XIX”. Papers do NAEA, nº 131 (2000).

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Vilas Ao lado das sesmarias, outra forma de ocupação no Estado do Maranhão era a fundação de vilas. Muitas vezes, esse movimento esteve ligado ao desenvolvimento das capitanias privadas, como era o caso das vilas de Santo Antônio (capitania de Tapuitapera), de Sousa (capitania de Caeté) e de Santa Cruz (capitania de Cametá). Mas a Coroa também empreendeu a formação de núcleos de povoamento nas capitanias reais. O caso exemplar é o de Icatu, ligada ao domínio da fronteira oriental da capitania do Maranhão, incentivada pelos governadores e pelos próprios moradores. Segundo Augusto Marques, a região onde se situara a Vila Nova de Santa Maria do Icatu, para os lados da baía de São Marcos, já tinha sido ocupada desde os tempos da chegada dos primeiros portugueses e combates com os franceses de São Luís, pois lá teria se construído uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Ajuda. Mas é só nos anos 1680 que a Coroa determina a fundação de uma vila, ordem relacionada à expansão da fronteira oriental do Maranhão. Em meados do século XVIII, a vila se mudará para as margens do rio Munim, por solicitação dos próprios moradores.97 Em uma carta escrita em 1686, segundo o relatório do Conselho Ultramarino, o governador Gomes Freire de Andrade explicava que seu antecessor, Francisco de Sá e Meneses havia convencido moradores de São Luís a povoar o rio Itapecuru. Entretanto, tendo partido para o Pará, acabaram se arrependendo, e “os achara dissuadidos do que tinham praticado com as razões de que duas vezes se tinha já despovoado o dito rio, e de que em ambas experimentados nas invasões do tapuia”. Os moradores solicitavam que se fundasse povoação perto do mar, para o que se organizou uma expedição com “quatro cidadãos de melhor nota e experiência”, para sondar a costa e achar “sítio conveniente”. Foi então que a umas dez léguas da cidade de São Luís, num rio chamado Icatu,

MARQUES. “Águas-Boas ou Vila Velha do Icatu” e “Icatú ou Hicatu”. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão, pp. 65-66 e 385-87 (respectivamente). 97

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“um surgidouro, ainda que de poucos navios, tão seguro e abrigado que de terra se lhe podia meter a carga por [pranchões], e tinha por canal o da baía de São José, por onde costumam muitas vezes entrar os navios que vão ao Maranhão; viram as terras que entendiam que eram vantajosas a todas as que tem aquele Estado, para todo o gênero de cultura, com boas matas, e quantidade de madeiras de que se podiam fabricar navios, bons pastos para os gados, boas águas e áreas, e sobretudo o poder-se fortificar contra o gentio, porque por uma parte ficava o dito rio Icatu e pela outra o chamado Munim”.98

Pelo relatório do Conselho, ao governador Freire de Andrade parecia que os moradores deviam se mudar para o novo local, inclusive mandando-se índios para a “nova colônia”. Por outro lado, sugeria que se dessem incentivos aos que para lá se mudassem, principalmente escravos, “porque era certo que sem escravos não poderiam fazer culturas, nem edificar casas”. As opiniões de Gomes Freire de Andrade foram aprovadas pelo procurador da Fazenda e pelo próprio Conselho, apesar de certo ceticismo por parte do procurador da Coroa.99 Baseada na consulta, o rei determinava que, por conta da Fazenda real, se dariam 200 ou 300 escravos para serem repartidos entre os que lá fossem “povoar”, que se construíse um templo, que se examinasse o sítio pelo engenheiro e “alguns práticos da terra”, e que se fizesse uma Da expedição foi inclusive feito um termo na Câmara de São Luís. O termo, datado de 31 de agosto [?] de 1686, encontra-se anexado à consulta. 99 “CCU-Pedro II”. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 761. Como de costume, os pareceres dos procuradores da Fazenda e da Coroa são excepcionais para uma discussão sobre o pensamento político e econômico da época. Dizia o procurador da Coroa: “se para todas as povoações que tem o mundo houvessem os primeiros fundadores buscado sítios regulares e engenheiros peritos, muito poucas haveria nele, sendo que pelo contrário o que a experiência mostrava desde o dilúvio universal, era que os homens que se ajuntassem em sociedade política buscavam os sítios mais acomodados para suas habitações, ainda que o não fossem tanto para a defesa militar, porque esta depois que as conveniências dos lugares aprovam a morada, buscava a indústria os remédios. E assim que quando se havia de fundar uma fortaleza, necessário era que fosse pela direção dos engenheiros, mas que quando se havia de fundar uma povoação, não era necessário mais que a [conveniência] política dos moradores; e esta era o modo com que se tinha em menos de dois séculos povoado a América, assim da parte desta Coroa como da de Castela”. 98

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lista das pessoas que queriam se mudar para a nova povoação, “das quais escolhereis 50 que por ora se hão de mandar, somente levarão cada uma as suas famílias”.100 Quase dois anos depois, o Conselho Ultramarino informava ao rei sobre uma carta do governador Artur de Sá de Meneses, escrita em fevereiro de 1688, segundo a qual, da nova povoação do Icatu, “diziam os moradores que as terras eram admiráveis para todo o gênero de culturas, o porto excelente, o clima salutífero e perfeitas águas, com que estavam muito contentes e cria que se houvesse escravos que se lhes dessem, em muito breve tempo se povoaria com mais de 200 vizinhos, e seria uma das maiores e melhores povoações daquele Estado”. 101

Uma série de cartas escritas nos anos seguintes pelo governador dava conta do progresso da nova povoação. Em agosto de 1688, o governador defendia que, dada a dificuldade de enviar africanos, como se tinha prometido, tinha resolvido repartir os cativos que haviam sido aprisionados na guerra feita aos Taconhapé (por Hilário de Sousa de Azevedo) e a nações do Cabo do Norte (por Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho).102 Relatava também que havia mandado aos índios da aldeia de “Sucaratim” para que fizessem suas lavouras “daquela parte”, que para que se passassem com sua aldeia para a “vizinhança da nova povoação”, pois os moradores ficavam seguros dos índios do corso.103 Quase um ano e meio depois, novamente o governador narrava os avanços, apesar de os moradores não excederem mais de 28 casais pela falta de escravos. O forte que se mandara construir estava em razoável estado, ficando “os moradores mais seguros das correrias do gentio do corso, e poderão com menos susto

“Para o governador do Maranhão. Sobre varios particulares tocantes ao sitio que se descobriu no rio Itapicuru [sic] em que se manda fazer povoação”. 21/12/1686. ABN, vol. 66 (1948), pp. 76-77. 101 “CCU-Pedro II”. 17/03/1688. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 797. 102 Sobre a guerra aos Taconhapé, ver: CHAMBOULEYRON. “O sertão dos Taconhapé. Cravo, índios e guerras no Xingu seiscentista”. Sobre as guerras contra os índios do Cabo do Norte, ver: MELO. “Aleivosias, mortes e roubos”, pp. 30-51. 103 A carta de Artur de Sá de Meneses, datada de 12/08/1688, está anexada a: “CCU-Pedro II”. 11/10/1690. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 824. 100

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tratar de suas lavouras”. Informava ainda que já estavam acabadas a casa da Câmara e a igreja, e que os moradores lhe requeriam que se mandasse cura para seus sacramentos.104 De qualquer modo, apesar das boas novas de Artur de Sá de Meneses – loquaz ao elogiar a sua própria participação no progresso da nova vila, diga-se de passagem –, a vila de Icatu tinha dificuldades em se estabelecer e prosperar. Havia dois grandes entraves. Por um lado, como de costume para a banda mais oriental da capitania do Maranhão, a região era assolada pelo chamado gentio do corso. Já em 1692, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho informava, segundo relatório do Conselho Ultramarino, da “queixa geral dos moradores da capitania do Maranhão contra os tapuias do corso por infestarem os rios Mearim, Itapecuru e Munim e nova povoação de Icatu com mortes dos moradores e seus escravos e total destruição das fazendas”.105

Cinco anos mais tarde, o Conselho analisava nova carta do governador a respeito das “continuas hostilidades” do gentio do corso aos moradores da Terra Firme e da vila de Icatu, “cujo povo estava muito atemorizado”, e aos do Mearim e do Itapecuru. Ouvido como de costume o antigo governador Gomes Freire de Andrade, o seu parecer parecia claro, pois argumentava que se o rei “não mandar limpar os sertões do Maranhão do gentio do corso que se recolheu para aquela parte” os rios “do Itapecuru e Mearim com a nova povoação [Icatu] haviam de despejar, da mesma maneira que no Itapecuru sucedeu pelo

“Carta de Artur de Sá de Meneses para Dom Pedro II”. Belém, 2/12/1689. AHU, Pará, cx. 3, doc. 280. Somente em 1691 é que o rei tomaria medidas quanto ao envio de um religioso. Ver: “CCU-Pedro II”. 6/11/1690. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 826; e “Para o governador do Maranhão. Sobre se mandar pôr hum cura com ordinaria na villa do Icatú”. 1/01/1691. ABN, vol. 66 (1948), p. 111. 105 A consulta, datada de 9/11/1692, está anexada a: “CCU-Pedro II”. 10/02/1693. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 862. 104

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mesmo gentio”.106 Em 1699, finalmente, o rei autorizava a realização de guerra contra os índios, que poderiam ser oficialmente escravizados.107 Para além da guerra, e acompanhando as gerais lamentações dos moradores do Estado do Maranhão e Pará, os habitantes de Icatu queixavam-se da falta de trabalhadores. Lembre-se, contudo, que aos moradores da “nova povoação” a Coroa prometera muitas vantagens nesse quesito.108 Em junho de 1698, numa carta que reproduzia o recorrente oxímoro pobreza/opulência os próprios oficiais da vila se dirigiam ao rei, lembrando-lhe que em 1690, quando se instituíra a Câmara, e nos de 1692 e 1695, haviam escrito manifestando o lastimável estado da povoação, da qual “até o presente se não tem feito caso”. Pediam então a autorização para fazer resgates de índios no Ceará (sinal do sentido oriental dessa ocupação). Apesar de o Conselho e Gomes Freire de Andrade serem de parecer favorável ao pedido dos moradores, o rei achou por bem não conceder autorização; em compensação oferecia 30 escravos africanos “dos que nesta monção se enviam para o Estado do Maranhão”, segundo determinava a resolução régia.109 Assim, em carta régia ordenava que se lhes vendessem os escravos por um preço “acomodado”, e ainda se especificava que não se poderia fazer o mesmo com as outras vilas, “pelas circunstâncias que concorrem de ser fundada de novo [i.e. recentemente] (…) além do miserável estado em que se acham os ditos moradores”.110

“CCU-Pedro II”. 10/12/1698. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 969. “Para o governador geral do Maranhão. Sobre a guerra que se manda fazer ao gentio do corço pelas hostilidades que faz aos moradores do Maranhaõ”. 10/02/1699. ABN, vol. 66 (1948), pp. 186-87. 108 A correspondência entre o governador Artur de Sá de Meneses e a Câmara de São Luís dá conta da existência de escravos “de condição”, reservados para moradores “que houver para o Icatu”. Trata-se certamente de escravos indígenas, pois se fala de “resgates e direitos” em relação a essas “peças”. “S. res off.es da Cam.ra da Cap.nia do Maranhaõ”. Belém, 25/11/1689. APEM, Livro de Correspondência (1696-1798), f. 19. 109 A carta dos oficiais de Icatu, datada de 13/06/1698, a consulta e a resolução régia encontram-se em: “CCU-Pedro II”. 23/12/1698. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 973. 110 “Para o governador geral do Maranhão. Sobre pedirem os officiaes da Camara do Icatú licença para fazerem resgates se lhe não defere, maz se lhes manda dar trinta escravos por hua vez somente sem exemplo”. 16/02/1699. ABN, vol. 66 106 107

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Os problemas dos moradores, entretanto, persistiram, e, em 1702, após uma consulta do Conselho Ultramarino que advertia que era até justo que se retirassem os moradores de Icatu111, o próprio rei reconhecia, numa carta ao governador do Maranhão que não se haviam cumprido as promessas feitas aos moradores, reiterando a ordem de distribuir africanos entre eles, e finalmente autorizando o aprestamento de uma canoa de resgates para o sertão.112 As lamentações dos moradores, contudo, se mantinham. Em 1703, em resposta a mais queixas, a Coroa sugeria que se descida, a nação Anaperu fosse aldeada próximo a Icatu.113 No mesmo ano, repreendia o provedor da Fazenda do Maranhão, por haver vendido os escravos africanos a preços excessivos.114 Como pode se ver, a Coroa vislumbrava inúmeras saídas para não ver baldados os seus esforços de ocupar a região.

(1948), pp. 187-88. A partir de um registro feito pelo provedor da Fazenda, em 1705, confirma-se que de todos os escravos africanos que chegassem ao Maranhão, “30 casais de pretos” deveriam ser reservados aos moradores de Icatu. A carta do provedor-mor, Manuel da Silva Pereira, datada de 12/03/1705, encontra-se anexada a: “CCU-Pedro II”. 4/09/1705. AHU, Maranhão, cx. 10, doc. 1077. 111 “Sobre o q. escrevem os off.es da Cam.ra da v.a nova do Icatu aserca da mizeria q. se achaõ e se lhes faltar ao q. se lhes prometeo em nome de V.Mg. de por hũa escriptura”. 23/03/1702. AHU, cód. 274, ff. 150v-151. 112 “Para o governador do Maranhão. Sobre os officiaes da Camara da villa do Icatu”. 28/03/1702. ABN, vol. 66 (1948), pp. 214-215. Em 1706, segundo uma carta régia, o governador dera conta do envio de tropas ao sertão, sendo uma delas à ordem da Câmara de Icatu. “Para o governador do Maranhão. Sobre as duas tropas que forão ao certão ao resgate dos escravos”. 23/08/1706. ABN, vol. 66 (1948), p. 289. A Câmara de São Luís chegou a arrematar uma escrava índia de uma tropa enviada ao sertão pelos moradores de Icatu, pelo valor de 40 mil réis. “Termo de remataçaõ feita de húa negra pertencente a tropa de Icatu”. 28/11/1706. APEM, Livro de Acórdãos (1705-1714), ff. 33v-34. 113 “Para o governador e capitão geral do Maranhão. Sobre a queixa que fazem os officiaes da Camara do Icatú da falta de indios para as suas lavouras e se lhes dá providencia”. 29/01/1703. ABN, vol. 66 (1948), p. 234. 114 “Para o provedor mor da Fazenda do Maranhão. Sobre se lhe ordenar cobre com suavidade dos moradores do Icatú o preço porque se lhe venderão os escravos”. 29/01/1703. ABN, vol. 66 (1948), p. 234; e “Para os officiaes da Camara do Icatú. Sobre o excessivo preço dos trinta pretos que se lhes mandarão dar e petição que fazem para se lhe moderar a que se dá providencia sem se alterar a taxa de cento e sessenta e mil réis”. 29/01/1703. ABN, vol. 66 (1948), pp. 235-36.

CAPÍTULO III

Açúcar, tabaco e o cultivo das drogas A questão da agricultura e a relação entre agricultura e extrativismo têm sido um tema central no debate em relação à ocupação econômica da Amazônia, no período colonial e até mesmo hoje, quando se põe em questão a matriz de desenvolvimento da região. Em relação ao século XVII, embora a historiografia não indique a existência de uma reflexão sistemática sobre a agricultura no pensamento político-econômico português, não há dúvida que a agricultura assumia um papel central ao se pensar o lugar das conquistas.1 A recorrência dessa questão nos escritos enviados à Corte e nas ações da própria Coroa indica como a ocupação econômica da terra, por meio da atividade agro-pastoril, efetivada pelos “povoadores” e “habitadores”, se tornara uma lente através da qual se compreendia o mundo que se construía no Estado do Maranhão e Grão-Pará.2 Não há dúvida que o fato de ser uma conquista “tardia”, cuja efetivação inicial esteve ligada à capitania de Pernambuco, fazia com que outras experiências coloniais servissem de horizonte para pensar os destinos da Amazônia de então.

Açúcar e aguardente Quando da conquista do Estado do Maranhão e Pará, Portugal já tinha uma experiência de considerável sucesso com o açúcar e o tabaco em conquistas mais antigas da América, notadamente a Bahia e

“A agricultura não era ainda um objecto de reflexão prioritário, nem tãopouco específico. Ela não era um ponto de partida, mas apenas uma espécie de „ponto de passagem‟ no contexto duma reflexão de ordem muito mais geral”. José Vicente SERRÃO. “O pensamento agrário setecentista (pré-„fisiocrátrico‟): diagnósticos e soluções propostas”. In: José Luis CARDOSO (org.). Contribuições para a história do pensamento económico em Portugal. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 29. 2 Ver: GROSS. “Agricultural promotion in the Amazon Basin, 1700-1750”. Agricultural History, vol. XLIII, nº 2 (1969), pp. 269-76. 1

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Pernambuco. Assim, não há dúvida que o desenvolvimento de plantações de açúcar, de engenhos e do fumo foi considerada uma opção primeira por aqueles que se estabeleciam na região, ainda mais que a conquista fora em grande parte um feito de “lusopernambucanos”.3 Não sem razão, um mapa do célebre João Teixeira Albernaz, das primeiras décadas do século XVII, localizava na capitania do Maranhão – tal qual o fizeram tantos textos escritos da época – engenhos de açúcar no rio Itapecuru, que pouco se conhecia à época (imagem abaixo). A presença de engenhos no rio, mais do que revelar o desenvolvimento do plantio de cana, remete à importância que ele tinha para a Coroa e para os portugueses, notadamente os “lusopernambucanos”, razão pela qual a sua presença deveria ser marcada cartograficamente (existindo ou não os tais engenhos). No mapa se projetava, portanto, uma compreensão e uma política colonial do espaço que estava pouco a pouco sendo devassado.4 Na década de 1680, João de Moura, “cavaleiro professo da ordem de Cristo”, definiu exemplarmente essa perspectiva, ao escrever uma “Descrição histórica e política do Estado do Maranhão”, apresentada ao príncipe regente Dom Pedro II. Disposta num diálogo em que “se fingem dois amigos”, o Pensamento e o Discurso, nela se investigavam as causas do declínio do Estado do Maranhão. Ao modo de Brandônio e Alviano, cabia ao Discurso indagar as razões da diminuição do Estado, e ao Pensamento explicar a sua decadência e apontar as inúmeras potencialidades da região, “respondendo às objeções que o amigo lhe pôs, sobre a disposição do Estado e seu aumento”. Os interlocutores tratam de vários temas, como a fertilidade da terra, seus frutos, disposição dos moradores, o descobrimento das drogas do sertão e suas

Ver: CARDOSO. Insubordinados, mas sempre devotos, pp. 29-103. Incorporamos aqui a compreensão de John Brian Harley do mapa como retórica, argumento e forma de controle. Ver: J. Brian HARLEY. “Silences and secrecy: the hidden agenda of cartography in Early Modern Europe”. Imago Mundi, vol. 40 (1988), pp. 57-76; HARLEY. “Historical geography and the cartographic illusion”. Journal of Historical Geography, vol. 15, nº 1 (1989), pp. 80-91; HARLEY. “Deconstructing the map”. Cartographica, vol. 26, nº 2 (1989), pp. 1-20. 3 4

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implicações para o “aumento” do Estado, a agricultura, os problemas do comércio, e as nefastas consequências das entradas ao sertão.5

João Teixeira ALBERNAZ I. Descripção dos Rios Para e Maranhão, c. 1630. FBN

“Descripção historica, e política do Estado do Maranhaõ…”. 1684. BNP, Reservados, cód. 585, p. VII. 5

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Pouco sabemos a respeito de seu autor. Aparece na documentação como tendo escrito outro papel, intitulado “Parecer sobre se augmentar o Estado do Maranham fazendo-se assento para negros de Cabo Verde”, apresentado à Corte provavelmente durante a década de 1690.6 De fato, em 1692, o rei ordenava ao Conselho Ultramarino que examinasse um “papel” de João de Moura (não há referências ao título), assim como uma informação escrita pelo governador do Maranhão, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. De acordo com o parecer do Conselho, ambos diziam respeito ao envio de escravos para o Maranhão, o que indica tratar-se do texto escrito por João de Moura sobre o assento do Cabo Verde.7 O diálogo redigido em 1684 é, na verdade, uma peça política em defesa do estanco, a Companhia de Comércio do Maranhão estabelecida pela Coroa em 1682.8 Nisso, a sua “Descrição histórica e política…” parecia ser acorde à importância que João de Moura atribuía aos contratos para o transporte de escravos africanos para a Amazônia, o que voltaria a defender uma década depois. Acompanhemos o argumento de João de Moura. Para o Pensamento, as causas da ruína do Maranhão reduziam-se a duas principais. Em primeiro lugar, como os que conquistaram o “Papel feyto por Joaõ de Moura sobre se augmentar o Estado do Maranhaõ e Pará”. c. 1690. BA, cód. 54-XIII-4, nº 42c. 7 “CCU-Pedro II”. 10/01/1690. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 858. 8 Em janeiro de 1682, o príncipe ordenava ao Conselho Ultramarino que passasse alvará de confirmação do assento feito com vários comerciantes, “para a conservação do comércio do Estado do Maranhão, em utilidade de seus moradores”. Pelo “assento do estanco do Maranhão e Pará, juntamente com o contrato de Cacheu”, os assentistas obrigavam-se a introduzir 10 mil negros no Maranhão, “se tantos forem necessários para aqueles moradores fazerem suas fábricas e lavouras” à razão de 500 por ano. Obrigavam-se igualmente a despachar ao Estado fazendas e gêneros necessários para o uso e lavouras dos portugueses, além de enviar pessoas expertas em cacau, baunilha e demais drogas para que estas fossem descobertas e cultivadas. “Contracto do Maranhaõ q. arrematou os contratadores…”. 12/02/1682. AHU, cód. 296, ff. 42-44v. Em março de 1682, o rei confirmava o assento: “Sobre se passar Alvará de confirmaçaõ do Assento formado para a Conservaçaõ do Comercio do Maranhaõ”. 9/01/1682. DGARQ/TT, CU-Decretos, livro 1, f. 191v; “S.e darem no Maranhaõ cumprim.to aos asentos do contrato”. 24/03/1682. AHU, cód. 268, ff. 32-32v. 6

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Maranhão haviam vindo de Pernambuco, assim que tomaram posse da terra, “começaram logo a edificar engenhos” nos quais trabalhavam escravos indígenas resgatados. Entretanto, como procuravam cada vez mais escravos, o primeiro contato pacífico se transformou em hostilidade, passando a cativar os nativos indiscriminadamente. Tal situação, afirmava o Pensamento, agravou-se com a descoberta das drogas, principalmente do cacau e do cravo (cravo de casca). Diante da indagação do Discurso sobre como seria possível que as drogas causassem a decadência do Estado, Pensamento procura explicarlhe como o descobrimento das drogas foi “obstáculo ao aumento do Estado”. Segundo este, ao chegaram ao Maranhão, vindos de Pernambuco, os moradores passaram a plantar açúcar e tabaco e se empenhavam nessas atividades, porque era a única forma de conseguir o necessário. Entretanto, com a descoberta das drogas, passaram a querer “antes ir ao mato do que fabricar roças”, desamparando os engenhos dos escravos necessários, situação que se agravou com o tempo, pois “vieram a faltar os engenhos que havia, e se deixaram de fabricar outros”. Assim, se os moradores do Maranhão tivessem engenhos, como na Bahia e Pernambuco, teriam como conseguir escravos africanos, “sem que lhes fosse necessário avexarem os naturais da terra”. Concluía, assim, Pensamento “Vede o dano que o Estado tem recebido em seus moradores deixarem perder os engenhos de açúcar e as roças de tabaco, porque se tratassem destes gêneros, não experimentariam as misérias que hoje padecem, e teriam meios para poderem intentar outras culturas de novo”.

Segundo ele, o rei procurara acudir a esse dano com um estanco de gêneros, que pusesse no Maranhão os produtos que os moradores precisavam por preços menores. Tratava-se aqui do estanco de 1682. Para o Discurso, de fato, parecia então correto o estabelecimento do contrato de 1682, uma vez que o aumento do Estado consistia “em que os moradores façam roças, fabriquem engenhos e tenham cópia de drogas para o estabelecimento do negócio, e para esse efeito lhe são necessários aos moradores escravos e ferramentas, o que em virtude do contrato lhes devem dar os interessados nele”.

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Pensamento acrescentava ainda que ao rei não convinha que se fizessem descobrimentos no sertão se não estivessem estabelecidos os “fundamentos de raiz, que são os engenhos e as mais lavouras que nele pode haver”. Tal argumento convencia Discurso, segundo o qual “hoje me parece consistir o aumento do Maranhão em que seus moradores se empreguem a cultivar o campo”, mas não seria de utilidade que se perdessem com isso os negócios do sertão. Com isso concordava Pensamento, para quem, os moradores podiam ocupar-se das duas atividades e os assentistas tratarem somente do benefício dos gêneros do sertão. Todavia, acreditava que toda dificuldade consistia no estabelecimento do contrato, para o qual “será grande meio” o governador do Estado do Maranhão. De qualquer modo, o contrato podia se estabelecer através de uma companhia, “assim como muitos [negócios] que as nações do norte9 têm introduzido e estabelecido por meio destas”.10 Como fica claro nessa exposição, o texto de João de Moura consiste não só numa defesa da Companhia de Comércio, mas, igualmente, na crença da agricultura como forma ideal de desenvolvimento econômico das conquistas. As opiniões de João de Moura a respeito da importância da lavoura foram compartilhadas pela Coroa ao longo do século XVII (e do século XVIII igualmente). Não há dúvida que a experiência brasileira (isto é, do Estado do Brasil) representava um horizonte para as capitanias do Estado do Maranhão e Pará. Digo horizonte e não modelo, que foi a maneira a partir da qual boa parte da historiografia pensou a relação entre as duas regiões. Não é fortuito o fato de alguns dos donatários de capitanias privadas ou de grandes lotes de terra do Estado do Maranhão – como era o caso da Ilha de Joanes e da Vigia – legitimarem a ocupação de suas terras (a que eram obrigados pelas suas doações, como vimos), lembrando ao reino que haviam construído engenhos e plantado cana.11 As companhias de comércio do “norte” certamente influenciaram a criação de similares portuguesas, como foi o caso na Índia. Ver: SUBRAHMANYAM. O império asiático português, pp. 224-232. 10 “Descripção historica, e política do Estado do Maranhaõ…”, pp. 14v-16v, 19-20v e 21v-22. 11 Ver: “CCU-Pedro II”. 13/10/1671. AHU, Pará, cx. 2, doc. 145, “CCUPedro II”. 22/11/1674. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 591; “CCU-Pedro II”. 19/12/1673. AHU, Pará, cx. 2, doc. 154. 9

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Desde o reinado de Dom João IV, a Coroa procurou incentivar a produção açucareira da região de várias formas, aplicando estratégias já utilizadas em outras partes da América; isenção de impostos e direitos, importação de escravos africanos, privilégios judiciais e a administração particular de índios foram algumas dessas políticas. Em 1646, por exemplo, o rei renovou uma isenção de dízimos para os produtores de açúcar por mais oito anos. Inicialmente, o rei decidira que os moradores seriam isentos totalmente (por cinco anos).12 Entretanto, em razão da oposição do provedor da Fazenda (que se queixara da falta de recursos que tal decisão acarretaria), o Conselho Ultramarino sugeriu que a dispensa deveria ser estendida por oito anos “pagando eles a metade dos dízimos”.13 Anos depois, em 1688, novos privilégios eram concedidos, como o de isenção de servir em Câmara, motivada não só pela importância dos engenhos para o comércio, mas igualmente “com o fundamento da assistência que fazem nos engenhos, que são muito distantes das cidades”.14 Na mesma data, outro privilégio era dado aos senhores e plantadores de cana, o de não serem executados por seis anos em suas fábricas e escravos.15 É verdade que, mesmo antes dessa provisão, alguns senhores haviam conseguido tal privilégio por meio de requerimentos particulares.16 Esse foi o caso, dois anos antes, de Diogo

“CCU-João IV”. 29/01/1646. AHU, Maranhão, cx. 2, doc. 189. “P.a os m.es do Estado do Maranhaõ”. 20/02/1646. AHU, cód. 92, f. 57v. Infelizmente, não pude localizar a provisão que determinara inicialmente a isenção dos dízimos. Ao que parece, em 1650, essa ordem parecia não ser mais válida, pois uma carta régia enviada ao governador do Maranhão determinava que o tabaco deveria pagar inteiramente os dízimos tal qual o açúcar e demais produtos da terra. “Para o mesmo gov.or Sobre a imposiçaõ dos v.os e dr.tos dos escravos, e tabaco, e se lhe haver de enviar degredados. E sobre o dir.to q. se pos nos v.os”. 26/10/1650. AHU, cód. 275, ff. 176v-175. 14 “Os senhores de engenho do Maranhaõ”. 21/04/1688. AHU, cód. 94, f. 34v. Há cópia em: Regimento & leys sobre as missoens do Estado do Maranhaõ, & Parà, & sobre a liberdade dos Índios. Lisboa Occidental: na Officina de Antonio Manescal, 1724, pp. 33-35. 15 “Os senhores de engenho do Maranhaõ”. 21/04/1688. AHU, cód. 94, ff. 34-34v. 16 Em 1648, o ouvidor da capitania do Pará, Francisco Barradas de Mendonça, sugeria ao rei que os moradores que houvessem construído engenhos tivessem 12 13

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Fróis de Brito, proprietário do engenho real Nossa Senhora da Conceição, no rio Mearim (capitania do Maranhão).17 Em finais do século XVII, com o falecimento de João de Sousa Soleima, proprietário de um engenho no rio Itapecuru, pelo seu testamento, 18 de seus escravos deveriam ser dados a seus parentes. O governador do Maranhão, que dera conta da morte, entretanto, argumentava que se os escravos fossem legados, ficaria “totalmente desmantelado o dito engenho, (…) e incapacitado para moer a cana de seus lavradores”. Para o governador, segundo o relatório do Conselho Ultramarino, não era “justo que V.M. […] ajudando a aumentar os engenhos, dando-lhes escravos fiados, se destruíssem”. A conservação do engenho do senhor Soleima, por outro lado, era muito conveniente, pois estava em lugar fronteiro ao gentio bravo “que infesta aqueles moradores, que logo despovoarão o dito rio se faltasse o dito engenho”. Finalmente, ponderava, que se não se impedisse “que se divirtam os escravos dos engenhos, com qualquer pretexto de dívidas e heranças, não irão em aumento”. Ouvido como de costume o antigo governador Gomes Freire de Andrade, argumentou que já havia informado que a causa de se perderem tantos e tão bons engenhos como os que havia no Estado do Maranhão e Pará, era não só a falta de escravos, mas também a penhora que se fazia neles e nas “caldeiras e mais cobres”.18 Assim, sugeria que se que se concedesse aos moradores do Maranhão o mesmo privilégio que tinha os moradores do Estado do Brasil, para que não se pudessem penhorar nem vender as coisas pertencentes ao engenho.19 O Conselho Ultramarino acatou as opiniões de ambos os governadores e, finalmente, poucos dias depois, o rei

os mesmo privilégios que os do Brasil. “Carta de Francisco Barradas de Mendonça para Dom João IV”. Belém, 4/03/1648. AHU, Pará, cx. 1, doc. 72. 17 “Diogo Froes de Britto morador no Maranhaõ”. 2/08/1686. AHU, cód. 49, ff. 243v-244. 18 De fato, em 1687, Gomes Freire de Andrade havia alertado a Coroa que os senhores de engenho tinham seus privilégios desrespeitados, sendo obrigados a servir em Câmara e tendo seus bens penhorados. “Consulta do da Junta do Maranhão para Dom Pedro II”. 15/11/1687. AHU, Maranhão, cx. 7, doc. 783. 19 “CCU-Pedro II”. 8/01/1697. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 933.

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escrevia uma carta ao governador informando que havia autorizado nova isenção para os senhores de engenho.20 Nesses casos de privilégios para os produtores de açúcar, a experiência brasileira foi determinante. Já em 1648, o ouvidor da capitania do Pará sugeria ao rei que os moradores do Estado do Maranhão que construíssem engenhos deveriam ter as mesmas liberdades que “gozam os mais do Brasil”.21 Em 1675, um requerimento de dez anos de liberdades para o engenho de Manuel Morais, no rio Moju (Pará), era deferido pelo Conselho e aprovado pelo rei baseado numa provisão que havia sido passada vinte anos antes para os que construíam novos engenhos no Estado do Brasil.22 Em 1676, Domingos Monteiro havia sido beneficiado por uma decisão semelhante, baseada também na mesma provisão para o Brasil.23 No seu pedido Diogo de Brito, por exemplo, argumentava que o rei havia concedido tal tipo de privilégios “aos moradores do Estado do Brasil”; razão pela qual, lembrava, “os vassalos daquele Estado não desmerecem esta graça, pois da fábrica dos açucares e mais gêneros da terra, depende a sua conservação para aumento do dito Estado e das rendas de V.M.”.24 Em se tratando do açúcar parecia claro para a Coroa e para os próprios moradores que a experiência brasileira devia servir

“Para o gov.or e cap.m g.al do Est.o do Maranhaõ. S.e o bem q. obrou em mandar pagar aos herdeiros de Joaõ de Souza Soleima os 18 escravos q. deixou que se dessem a hũs seus parentes”. 15/02/1697. AHU, cód. 268, f. 125v. Nos Annaes da Bibliotecha e Archivo Publico do Pará está carta está transcrita com algumas modificações. Ver: “Resolve as difficuldades encontradas no legado do morador João de Souza de Soleyma”. 15/02/1697. ABAPP, tomo I (1902), p. 110. 21 “Carta de Francisco Barradas de Mendonça a Dom João IV”. Belém, 4/03/1648. AHU, Pará, cx. 1, doc. 72. 22 “CCU-Pedro II”. 19/08/1675. AHU, Pará, cx. 2, doc. 164; “M. el de Moraes”. 5/12/1675. AHU, cód. 93, f. 122v. 23 “D.os Monteiro m.or na capitania do Para”. 26/09/1676. AHU, cód. 93, ff. 143-143v. 24 “Diogo Froes de Britto morador no Maranhaõ”. 2/08/1686. AHU, cód. 49, ff. 243v-244. Embora não fale do Estado do Brasil, ver também a posição favorável do Conselho à isenção para o engenho Nossa Senhora da Conceição, no rio Acará, para Antônio Mogo de Bulhões. “CCU-Pedro II”. 7/10/1682. AHU, Pará, cx. 3, doc. 205. 20

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como horizonte para pensar o desenvolvimento dessa lavoura no Estado do Maranhão. A importação de africanos foi outra das formas de promover a produção de açúcar no Estado do Maranhão. A experiência do Estado do Brasil constituía também aqui uma das formas de legitimar as pretensões dos que defendiam a importação de africanos para o Maranhão.25 Em 1661, o padre Vieira argumentava que se no Maranhão eram muitos os indígenas que se escravizavam, muitos mais eram os que morriam, “como mostra a experiência de cada dia neste Estado [do Maranhão], e o mostrou no do Brasil, onde os moradores nunca tiveram remédio senão depois que se serviram com escravos de Angola, por serem os índios da terra menos capazes do trabalho e de menos resistência contra as doenças, e que, por estarem perto das suas terras, mais facilmente ou fogem ou os matam as saudades delas”.26

Mesma opinião tinha o vigário-geral do Maranhão, padre Domingos Antunes Tomás, para o qual, para o “aumento daquele Estado são necessários negros de Angola e de Guiné”. Havia assim que trazer muitos escravos, “pois se sabe que o Brasil não teve aumento senão depois que nele entraram os negros de Angola e Guiné, e deixaram os escravos do gentio da terra, e o mesmo as Índias de Castela”.27 Esta não era uma opinião apenas de religiosos.28 Em 1673, a A esse respeito, ver: Dauril ALDEN. “Indian versus black slavery in the state of Maranhão during the seventeenth and the eighteenth centuries”. Bibliotheca Americana, vol. 1, nº 3 (1984), pp. 91-142; CHAMBOULEYRON. “Suspiros por um escravo de Angola. Discursos sobre a mão-de-obra africana na Amazônia seiscentista”. Humanitas, vol. 20, nos 1/2 (2004), pp. 99-111. 26 Antônio VIEIRA, SJ. “À câmara do Pará”. Pará, 12/02/1661. Cartas. Editadas por João Lúcio Azevedo. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1997, vol. I, p. 558. 27 Domingos Antunes TOMÁS. “Sobre o Maranhaõ e Parà e cativ. ro dos Indios e forma de os haver cõ augmento do Estado”. Lisboa, 3/11/1679. BA, cód. 50-V-37, f. 397. 28 Sobre o papel da Igreja na condenação da escravização indígena e legitimação da escravidão africana, ver: Ronaldo VAINFAS. Ideologia e escravidão. Os letrados e a sociedade escravista do Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986. 25

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Câmara de São Luís argumentava que, dadas as restrições da Coroa em relação ao resgate de escravos indígenas, ao menos que se trouxessem escravos da África, “como se usa no Brasil”.29 É que, como discute Stuart Schwartz, ao longo do século XVI e início do século XVII, a produção açucareira de Bahia e Pernambuco ainda se baseava na mão-de-obra indígena. Entretanto, desde a década de 1570, “resistência, epidemias e uma legislação anti-escravista, reduziram a disponibilidade – e lucratividade – dos índios”, permitindo o gradual incremento do uso de escravos africanos.30 Parecia normal, assim a comparação entre as experiências brasileira e maranhense. A importação de escravos africanos, de qualquer modo, se comparada às da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, foi mínima, concentrando-se, principalmente, no final do século XVII. É justamente nesse período que a relação africanos-açúcar ganha contornos mais claros para a Coroa, que foi a principal articuladora das primeiras rotas escravistas para o Estado do Maranhão. A década de 1690 assistiu a dois processos importantes para entender a importação de escravos africanos para o Estado do Maranhão.31 Em primeiro lugar a irrupção de uma terrível epidemia de bexigas (varíola), que, segundo David Sweet, significou uma “séria crise para o sistema produtivo, devastando a força de trabalho”.32 Na consulta em que advertira sobre a magnitude da epidemia, o próprio Conselho Ultramarino já sugeria que se acorresse aos moradores do Maranhão com um provimento de africanos, “porque de outra maneira não só não terão com que possam acudir ao trabalho dos engenhos e a cultura dos seus frutos, mas se lhes seguirá um grande prejuízo no comércio de que vivem”.33 “Sobre o que pedem os moradores e offiçiaes da Camara do Maranhaõ em resaõ de naõ pagarem direitos reservados q. se levaram aquelle Estado”. Lisboa, 17/07/1673. AHU, cód. 47, f. 280. 30 Stuart SCHWARTZ. “Indian labor and New World plantations: European demands and Indian responses in northeastern Brazil”. Hispanic American Historical Review, vol. 83, nº 1 (1978), p. 78. 31 Ver: CHAMBOULEYRON. “Escravos do Atlântico Equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII)”. 32 David SWEET. A rich realm of nature destroyed: the middle Amazon valley, 16401750, vol. I, p. 79. 33 “CCU-Pedro II”. 26/11/1696. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 925. 29

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Em segundo lugar, a percepção de que o envio de escravos africanos por conta e risco da própria Coroa poderia gerar rendas para a sempre cambaleante Fazenda real (notadamente para a construção e manutenção das fortalezas, estratégicas numa região de fronteira como o Estado do Maranhão e Pará). Em 1691, Dom Pedro II enviou uma carta ao governador do Maranhão explicando-lhe que mandara uma série de gêneros que pareciam ter “valia” no Estado, para que do procedido da venda deles se acudisse à construção das fortalezas e conserto das armas. O capital obtido com a venda dos gêneros não podia ter outra aplicação que não as fortificações.34 Em julho de 1692, diante da proposta do rei, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho respondia ao rei e relatava como havia sido feita a venda dos gêneros. Entretanto, parecia a Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho que o material que a Fazenda real pretendia enviar ao Estado, para gerar renda para as fortalezas, “viesse antes em negros, que em outros gêneros, porque sendo aqueles o total remédio para o seu aumento, fica sendo prejuízo de menos consequência o faltar aos moradores alguma coisa de que não necessitam tanto, como os negros que para as lavouras e culturas importam tudo”.35 Trata-se aqui de uma dupla percepção por parte do governador, que foi rapidamente compartilhada pela Coroa. Por um lado, havia que se resolver o estado das rendas reais, por meio do capital obtido com a venda dos africanos. Por outro lado, esperava-se o aumento dos dízimos, decorrente de um desejado aumento da produção agrícola com a chegada dos escravos. Numa carta escrita de São Luís, em junho de 1693, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho explicava que, apesar de a “ganância das fazendas” exceder a da venda dos africanos, “se deve atender ao aumento que destes se conseguirá: a Fazenda de V.M. no crescimento das rendas dos dízimos; aos engenhos na multiplicação dos

“Para o g.or e capitaõ geral do Estado do Maranhaõ. Sobre os generos que fuy servido mandar remeter nesta ocasiaõ para dos effeitos delles se poder acodir”. 9/02/1691. AHU, cód. 268, f. 77. 35 “Carta de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho para Dom Pedro II”. Belém, 12/07/1692. AHU, Pará, cx. 3, doc. 306. 34

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açúcares; e a todos estes povos no comércio, carregando muitos navios em que terá princípio a sua melhora”.36

Já em dezembro do mesmo ano, o rei escrevia ao governador aceitando suas sugestões e explicando-lhe as medidas que havia adotado para que se iniciasse o fornecimento de escravos africanos por conta da Fazenda real.37 Poucos anos depois, os oficiais da Câmara de Belém recebiam carta do monarca, em resposta à queixa de os escravos enviados terem ficado somente na cidade de São Luís. Nela, o rei também reconhecia que da chegada de africanos “depende a multiplicação de engenhos de açúcar, que se espera haja nela [capitania do Pará]”.38 Em 1702, Dom Pedro II advertia o provedor da Fazenda do Maranhão em razão do preço excessivo pelo qual tinham sido vendidos os escravos enviados no mesmo ano da Guiné. O argumento do rei era sintomático da dupla percepção que se tinha sobre a mão-deobra africana para a Amazônia: “não é o meu cuidado somente no interesse que à minha Fazenda redunda do excesso dos preços destas peças, mas juntamente do que terá com o crescimento dos dízimos, procedidos da lavoura das canas e fábrica dos engenhos e igualmente do cômodo e utilidade desses vassalos”. 39

A importação de escravos africanos, portanto, era percebida pela suas consequências imediatas – o aumento das rendas reais decorrente da venda das “peças” –, mas também num contexto mais amplo, que

A carta de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, datada de 21/06/1693, encontra-se em: “CCU-Pedro II”. 16/11/1693. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 869. 37 “Para o governador do Maranhão. Sobre se mandar repetir o provimento dos negros”. 17/12/1693. ABN, vol. 66 (1948), p. 149. 38 “Para os officiaes da Camara do Pará. Sobre o preço dos escravos e se repartirem pelos senhores de engenhos assim a repartição no Maranhão como no Pará”. 10/12/1695. ABN, vol. 66 (1948), 155. 39 “Para o prov.or da Fazenda do Maranhaõ”. 13/11/1702. AHU, cód. 268, ff. 177v-178. 36

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compreendia as preocupações da Coroa quanto ao desenvolvimento do cultivo de açúcar na região. Ao lado dos africanos, a Coroa concedeu igualmente uma série de benefícios para os plantadores se açúcar em relação ao fornecimento de mão-de-obra indígena. Diferentemente de outras conquistas portuguesas da América, a força de trabalho nativa foi fundamental para a conquista da região amazônica. A própria compreensão da forma como a economia, o povoamento e a ocupação do território pelos portugueses foram organizados não pode escapar do entendimento das diversas formas de obtenção e administração de trabalhadores indígenas, fossem eles livres ou escravos. Entretanto, para o século XVII, a historiografia privilegiou o estudo do uso de indígenas principalmente a partir do prisma missionário e das entradas ao sertão. O modo como algumas autoridades e a própria Coroa procuraram dimensionar o recurso à força de trabalho nativa para a lavoura ainda precisa ser melhor estudado.40 A chave para a compreensão dessa questão em relação ao plantio de cana passa por uma provisão de 1684, que autorizou o descimento de índios do sertão financiado por particulares. Essa ordem régia foi determinada num período conturbado do Estado do Maranhão, no que diz respeito à questão do trabalho. De 1680 a 1688, seguramente influenciado pelos jesuítas, Dom Pedro II decretou a abolição total da escravidão indígena.41 Tal determinação, como seria de esperar, acirrou os ânimos dos moradores do Estado, a ponto de uma rebelião estourar na cidade de São Luís, em 1684.42 Antes de enviar uma expedição para reprimir os Para uma discussão recente e importante sobre esta questão, ver: M.E.A.S. MELLO. Fé e império. As Juntas das Missões nas conquistas portuguesas, pp. 258-274. 41 “Ley sobre a liberdade do gentio do Maranhão”. 1/04/1680. ABN, vol. 66 (1948), pp. 57-59. 42 Sobre a revolta de 1684, ver: LISBOA. Crônica do Brasil colonial: apontamentos para a história do Maranhão, pp. 425-90; João Lúcio de AZEVEDO. Os jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização [1901]. Belém: Secult, 1999, pp. 101-21; Milson COUTINHO A revolta de Bequimão. 2ª edição. São Luís: Instituto Geia, 2004; Murray Graeme MACNICOLL. “Seventeenth-Century Maranhão: Beckman‟s revolt”. Estudos ibero-americanos, vol. 4, nº 1 (1978), pp. 129-40; Maria LIBERMAN. O levante do Maranhão. Judeu Cabeça de Motim: Manoel Beckman. São Paulo: Centro de Estudos Judaicos/USP, 1983; CHAMBOULEYRON, “O Norte em revolta”. Nossa História, nº 20 (2005), pp. 40-43; CHAMBOULEYRON. 40

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revoltosos (o que acabou acontecendo em maio de 1685), a Coroa acabou de certo modo incorporando as reclamações dos moradores. Embora vigente desde 1684, esta ordem foi de fato implementada em finais do século XVII e início do século XVIII, quando, em razão das epidemias de bexigas, os problemas de falta de trabalhadores indígenas se tornaram mais urgentes. A adoção dos descimentos particulares com maior liberalidade a partir de fins dos seiscentos coincide igualmente com a oficialização da chamada “administração particular” de índios livres na capitania de São Paulo, a partir da pressão dos moradores paulistas.43 A José da Cunha de Eça, por exemplo, o rei concedera autorização para descer 60 casais de “gentio forro das brenhas e centro dos matos”, que, embora tivessem que ser descidos para aldeias de índios livres (administradas por missionários) ou para “junto delas”, serviriam somente a ele “durante sua vida”. Os casais trabalhariam no “engenho real que tem de fazer açúcar”.44 Mesma autorização seria dada a João Fernandes Ribeiro, que poderia descer 100 casais de índios, e a Hilário de Moraes Betancourt, para descer 50 casais de índios.45

“„Duplicados clamores‟. Queixas e rebeliões na Amazônia colonial (século XVII)”. Projeto História, São Paulo, nº 33 (dez. 2006), pp. 159-78; Antônio Filipe Pereira CAETANO. Entre drogas e cachaça: A política colonial e as tensões na América portuguesa 1640-1710). Macieó: EdUFAL, 2009. 43 A esse respeito, ver: John Manuel MONTEIRO. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 129-52; Juarez Donizete AMBIRES. Os jesuítas e a administração dos índios por particulares em São Paulo, no último quartel do século XVII. São Paulo: Dissertação de Mestrado (Literatura Brasileira), USP, 2000; AMBIRES. “Jacob Roland: um jesuíta flamengo na América portuguesa”. Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 50 (2005), pp. 201-16. 44 “Para o governador do Maranhão. Sobre se conceder a Jose da Cunha d‟Eça faculdade para decer sessenta cazais de gentio forro das brenhas e centro dos matos junto ao seu engenho real de assucar”. 17/04/1702. ABN, vol. 66 (1948), p. 217. 45 “P.a o g.or e capitaõ geral do Estado do Maranhaõ. S. e o requerim.to de Joaõ Fr.a Ribeiro”. 12/04/1703. AHU, cód. 268, f. 190v; “Para o governador geral do Maranhão. Sobre se conceder licença a Hilario de Moraes Bittancourt para decer cincoenta indios digo cincoenta cazaes de indios a sua custa”. 16/02/1703. ABN, vol. 66 (1948), pp. 242-43.

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Por outro lado, com a volta da escravidão indígena em 1688, cativos indígenas resgatados ou prisioneiros de guerra, também foram usados para o plantio de açúcar. A partir de 1689, a Câmara de São Luís registrava a repartição e direitos pagos sobre os escravos trazidos pela tropa do Maranhão, que ia ao Pará resgatar escravos, por conta da Fazenda real.46 Assim, no início de julho, por exemplo, “para benefício de fazer canas” ou “para benefício de fazer açúcar”, tocavam entre homens e mulheres, a Manuel da Silva Serrão, quatro escravos; já Manuel Baldez levava seis; Diogo Frois de Brito ficava também com seis; Manuel de Moura com quatro; em finalmente, Manuel de Ornelas da Câmara, com seis cativos.47 Além de trabalhadores indígenas e africanos, livres e escravos, a Coroa preocupou-se com a mão-de-obra especializada. Em fevereiro de 1699, por ocasião do exame de um papel “feito em nome dos moradores do Estado do Maranhão”, aventava-se a possibilidade de enviar mestres de fazer açúcar à região.48 A questão foi comunicada ao governador do Maranhão, pouco tempo depois, enfatizando-se a sua importância, pelo “poderá resultar também conveniência a minha Fazenda, na melhor reputação deste gênero”.49 Como de costume, as ordens tardaram a ser cumpridas, e ainda em 1706, falava-se, numa carta régia ao capitão-mor do Maranhão, no envio dos mestres, cuja

O alvará “em forma de lei” de 28/04/1688 determinava que os resgates se fizessem à custa da Fazenda real, de todos os cativados em guerras de índios, à corda ou o serem para se vender. Para isso se alocariam 3 mil cruzados em gêneros para os resgates. Caberia às Câmaras repartir os escravos “com igualdade aos que mais necessidade deles tiverem por razão de suas lavouras e granjearias”, que pagariam com gêneros para despesa das entradas e resgates, conservando-se sempre a quantia de 3 mil cruzados. “Alvará em forma de ley expedido pelo secretario de Estado que deroga as demais leys que se hão passado sobre os indios do Maranhão”. 28/04/1688. ABN, vol. 66 (1948), pp. 97-101. 47 “[Registro da repartição dos índios resgatados]”. 9/07/1689. APEM, Livro de Registro Geral (1689-1746), ff. 2-5. 48 “Sobre o papel feito em nome dos moradores do Estado do Maranhaõ”. 21/02/1699. AHU, cód. 274, f. 132v. 49 “Para o gov.or do Est.o do Maranhaõ. S.e a nececidade que há de mestres de engenhos de asucar”. 16/03/1699. AHU, cód. 268, f. 143v. 46

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ausência trazia prejuízos aos engenhos, para o qual se tinha escrito ao governador do Brasil.50 Todos esses incentivos, de qualquer modo, nunca transformaram o Maranhão em uma Bahia ou Pernambuco. É praticamente impossível mensurar os níveis de exportação do açúcar maranhense. Frédéric Mauro estimou para a década de 1640 – momento em que a produção de açúcar no Estado do Maranhão não era significativa – que o açúcar da Bahia produzia 4 milhões de réis em direitos, ao passo que o do Maranhão apenas 6 mil réis.51 Esse era um período ainda de alta da produção de açúcar – a crise começaria na década seguinte e seria superada somente nos anos 1690.52 Dados da década de 1660 e posteriores revelam a presença de não mais do que 50 engenhos em todo o Estado.53 O relato do ouvidor-mor Maurício de Heriarte fala de 30 engenhos – dois na ilha de São Luis, três no rio Mearim (capitania do Maranhão), seis no rio Itapecuru (capitania do Maranhão), três no rio Munim (capitania do Maranhão); seis na capitania de Tapuitapera; dois na capitania de Gurupi (ou Caeté); sete na região de Belém (capitania do Pará); e um na capitania do Cametá.54 Uma crônica anônima, posterior à década de 1660, refere-se a um número maior de engenhos, embora com pouca precisão: 15 a 20 no Mearim, “afora outras muitas casas de moradores, que lavram as canas

“P.a o capitaõ mor do Maranhaõ. S. e o q. obrou aserca de se levantarem e reedificarem naquella capitania os engenhos de asucar q. por falta de m. es estavaõ suspenços”. 6/05/1706. AHU, cód. 268, f. 215. 51 MAURO. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe siècle, p. 229. 52 Ver: GODINHO. “Le Portugal, les flottes du sucre et les flottes d‟or”, pp. 184-87. SCHWARTZ, Sugar plantations in the formation of Brazilian society, pp. 163164; e Vera FERLINI. Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste colonial. Bauru: EdUSC, 2003, pp. 83-133. 53 Sobre as particularidades dos engenhos do Estado do Maranhão e Pará, ver: Fernando Luiz Tavares MARQUES. Modelo da agroindústria canavieira colonial no estuário amazônico: estudo arqueológico de engenhos dos séculos XVIII e XIX. Porto Alegre: Tese de Doutorado (História), PUC-RS, 2004. Wilson Amanajás sinaliza para a persistência das técnicas e da produção coloniais nos engenhos de açúcar e aguardente modernos. Wilson AMANAJÁS. “Engenhos de açúcar e de aguardente no Pará”. Brasil Açucareiro, vol. 80, nº 2 (1972), p. 40. 54 HERIARTE, “Descripção do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas”, pp. 212- 214, 217 e 219. 50

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para os engenhos”; no rio Itapecuru “não há hoje mais que um ou dois engenhos, porque se despovoou por medo dos tapuias que o infestavam”; a capitania de Tapuitapera “é habitada ao redor de muitos engenhos”; o Caeté tinha dois ou três engenhos; já os engenhos da capitania do Pará “se [estendem] por quatro rios”.55 Estimativas de Frédéric Mauro indicam a existência de 220 engenhos na Bahia e Pernambuco em 1639; em 1710, o número quase dobrava (aproximadamente 400).56 Comparado a essas duas capitanias, não há dúvida que os 50 engenhos, ou um pouco mais, que poderia ter o Estado do Maranhão eram pouco significativos no conjunto da produção de açúcar das conquistas da América. De qualquer modo, o plantio de açúcar, como, aliás, também no Brasil, não estava restrito à produção de açúcar. À medida que crescia o número de engenhos e o cultivo das canas, o açúcar e seus derivados ganhavam cada vez mais importância na dinâmica interna da sociedade e economia do Estado do Maranhão. • Se a produção de açúcar, como vimos, foi constantemente incentivada pela Coroa, a produção de aguardente de cana representou uma constante fonte de problemas para as autoridades e moradores do Estado do Maranhão. Os principais argumentos contrários aos molinetes residiam na ameaça que poderiam representar para a produção de açúcar e nos efeitos perniciosos que causava a bebida entre a população. Estimar a produção de aguardente na região é uma tarefa praticamente impossível, em razão da falta de dados regulares sobre o produto. Do exame da documentação, deduz-se que a produção não deve ter sido desprezível. Um papel escrito pelo morador Manuel da Vide Soutomaior, em 1663, refere-se à pequena importação de vinhos no Estado do Maranhão, onde “têm todo o gasto as aguardentes da terra, que continuamente fazem da cana e das mais”.57 “Noticia do Estado do Maranhaõ”. c. 1660. BA, cód. 50-V-37, ff. 139-139v. MAURO. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe siècle, pp. 195-96. 57 “Papel sobre o governo do Estado do Maranhaõ e sua extençaõ. Por Manoel Da Vide Soutomayor. Anno de 1663 e restituiçaõ dos Padres da Comp.a”. 1663. BA, cód. 54-XIII-4, nº 42a. Soutomaior se refere provavelmente também a uma aguardente feita da mandioca, a tiquira. Sobre a tiquira, ver: 55 56

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De qualquer modo, para o Estado do Maranhão e Pará, a importância da cachaça não deve ser pensada quantitativamente, mas sim qualitativamente. A oposição inicial em relação à produção de aguardente revela como autoridades, alguns moradores e a Coroa tiveram que enfrentar um produto que foi ficando cada vez mais importante, paradoxalmente, não só para as finanças reais, mas para o domínio português sobre a região. As primeiras queixas sobre a aguardente se tornam mais visíveis a partir da década de 1660. Em 1663, um papel de autor desconhecido denunciava que no Estado do Maranhão se gastava muito na produção de aguardente, com “diminuição dos açúcares” e “prejuízo da navegação dos vinhos”; sugeria-se então que se pusesse um “moderado tributo” em cada canada de aguardente feita na terra; claramente tratava-se aqui de compensar as rendas reais pela apoucada cobrança de imposições decorrentes da exportação de açúcar e da importação de bebidas.58 Pouco tempo antes, Pedro Maciel Parente apresentara um papel na Corte – infelizmente não encontrado – em que se queixava das “engenhocas” de aguardente. As reclamações de Maciel Parente, filho de um antigo governador do Maranhão, Bento Maciel Parente, ecoaram na Corte, uma vez que em agosto de 1662, o rei ordenava ao governador, Rui Vaz de Siqueira, que fizesse junta para examinar o que apontava o papel, sobre “se evitarem as engenhocas de aguardente, por prejudiciais ao comércio com que os reinos e províncias se fazem opulentos”.59 Convocada a junta, Vaz de Siqueira enviou a Lisboa os assentos dela, de que se fez consulta no Conselho Ultramarino. Segundo o relatório do Conselho, a junta opinava que o principal problema causado ao comércio e Tarcísio BOTELHO. “A produção de tiquira no Maranhão: história de uma ausência”. In: Renato Pinto VENÂNCIO & Henrique CARNEIRO (orgs.). Álcool e drogas na história do Brasil. São Paulo/Belo Horizonte: Alameda/PucMinas, 2005, pp. 217-229. Sérgio Buarque de Holanda discute a produção de uma variedade de aguardentes feitas a partir do miho. Ver: Sérgio Buarque de HOLANDA. Caminhos e fronteiras. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 184-85. 58 “Advertências sobre diversos aspectos referentes ao Estado do Maranhão”. 24/02/1663. AHU, Maranhão, cx. 4, doc. 465. 59 “Para o g.or do Maranhaõ. Sobre o papel q. deu P. o Maçiel Parente, acerca da conservaçaõ e aum.to daqle Estado; e junta q. sobre elle se deve fazer”. 3/08/1662. AHU, cód. 275, f. 322v.

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à produção de tabaco e açúcar – “que são as espécies que os navios podem ir buscar ao Maranhão” – era a falta de escravos. Era, na verdade, a necessidade que obrigava os moradores a construírem molinetes tanto pela falta de vinhos, como porque com “quatro índios somente se fabrica um”, sendo que para um engenho muitos trabalhadores eram necessários. O “remédio” de tal situação era o recurso a trabalhadores indígenas, livres ou escravos. Entretanto, em razão de o número de engenhocas ser suficiente para o Estado, parecia aos membros dela que o rei não devia autorizar a construção de mais nenhuma. Finalmente, a junta apontava que o principal motivo que tivera Maciel Parente para apresentar suas queixas era “o ser senhor de engenho”.60 Estava dada aqui uma antinomia que se manteria ao longo de todo o século XVII e do século XVIII: açúcar e cachaça eram termos que facilmente se excluíam para a Coroa e parte dos moradores da região; não sem razão, parecia natural aos membros da junta lembrar que a oposição de Maciel Parente aos molinetes derivava de sua condição de senhor de engenho.61 Não foi este um problema exclusivo do Estado do Maranhão. Segundo Stuart Schwartz, em meados do século XVII, a Corte procurou restringir a produção de cachaça do Estado do Brasil, política que sofreu oposição dos próprios moradores e foi revista pelo soberano.62 Entretanto, aos poucos, a produção de aguardente teve um papel cada vez mais significativo na própria reprodução do escravismo africano brasileiro. De acordo com Schwartz, a cachaça não só era fonte de lucros para os plantadores de cana e senhores de engenho, vendida no mercado local, como ela teve um lugar fundamental na estruturação

“CCU-Afonso VI”. 28/01/1664. AHU, Maranhão, cx. 4, doc. 480. Para a primeira metade do século XVIII, ver: Alex Gaia FERREIRA. “Descaminhos das canas”. Usos e discursos sobre a aguardente na Amazônia colonial (1700-1750). Belém: Monografia de graduação (História), UFPA, 2008; e Ana Paula Macedo CUNHA. Engenhos e engenhocas: atividade açucareira no Estado do Maranhão e Grão-Pará (17061750). Belém: Dissertação de Mestrado (História), UFPA, 2009. 62 SCHWARTZ, Sugar plantations in the formation of Brazilian society, p. 531; Ver também: MAURO. Le Portugal et l’Atlantique au XVIIe siècle, pp. 360-361; Leila Mezan ALGRANTI. “Aguardente de cana e outras aguardentes: por uma história da produção e do consumo de licores na América portuguesa”. In: VENÂNCIO & CARNEIRO. Álcool e drogas na história do Brasil, p. 88. 60 61

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do tráfico negreiro.63 Mais ainda, o álcool brasileiro, como destaca José Curto, teve um papel muito mais complexo, para além da compra de escravos na África. Servira igualmente aos missionários para a evangelização, e às autoridades como forma de pagamento de trabalhadores e de fonte de renda.64 Diferente, entretanto, foi a história da aguardente na Amazônia colonial. Nesse sentido, as queixas sobre a ameaça que representavam os molinetes à produção açucareira se multiplicaram ao longo de todo o século. Na década de 1670, as autoridades do Estado voltavam à carga. Dessa vez, era o provedor da Fazenda que insistia, segundo o relatório de sua carta, feito pelo Conselho Ultramarino, que era fundamental ao serviço real e aumento do Estado que se proibissem os “molinetes de fazer aguardente, que não servem de outra coisa mais que de destruição da alma e dos vassalos, assim brancos como índios, e defraudação das rendas reais e do comércio dos navios que vão para aquele Estado, em razão da pouca carga que há, porque os moradores de cabedal que podiam fazer açúcares, se lotam os mais deles aos molinetes de aguardente”.65

Argumentos mais graves eram defendidos pelo contratador da Companhia de Comércio do Maranhão (criada em 1682), Pascual Pereira Jansen, que advogava que se extinguissem as “fábricas desta bebida”, em razão de haver

SCHWARTZ. Sugar plantations in the formation of Brazilian society, pp. 163, 238, 214 e 428. 64 José CURTO. Enslaving spirits: the Portuguese-Brazilian alcohol trade at Luanda and its hinterland, c. 1550-1830. Leiden and Boston: Brill Academic Publishers, 2004, p. 185. Sobre o papel da cachaça no tráfico negreiro, ver também: Luiz Felipe de ALENCASTRO. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 307-23; e Roquinaldo Ferreira. “Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (século XVIII)”. In: FRAGOSO & BICALHO & GOUVÊA (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos, pp. 339-78. 65 “CCU-Pedro II”. 20/09/1677. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 611. 63

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“nesta cidade [São Luís] um vício tão grande na bebida de uma aguardente que fazem da cana-de-açúcar e méis dele, que destrói a todos que a bebem, perdendo-se as fazendas, manchando as honras e muitas vezes tirando as vidas um a outro, de que resulta não terem por esta causa atividade para fazerem fazendas porque os põem em uma notável […], quebrando-lhe as forças que podiam ter para o trabalho”. 66

Poucos meses depois, era a vez dos oficiais da Câmara de São Luís que se queixavam dos danos causados pela aguardente entre portugueses e escravos, argumentando que se proibissem os molinetes “de quaisquer pessoas eclesiásticas ou seculares”, e que se demonstrasse aos moradores “a conveniência que terão empregando em outra lavoura mais importante seus cabedais”. Em relação aos senhores de engenho, pediam que se lhes impedisse “com as penas que parecer”, o fabrico da bebida.67 A mesma preocupação com a lavoura movia o nosso já conhecido João de Moura a propor, na década de 1690, que se proibisse “um gênero de bebida, que no Pará destilam, porque de seu uso resultam grandes inconvenientes, assim à Fazenda real como à mercancia”. Os danos à Fazenda Real decorriam do fato de na bebida se gastar as “a cana de que faziam açúcar”, a qual sendo produzida pagaria mais direitos, além de que resultaria um maior “aumento à Fazenda do príncipe, e teriam os lavradores deste reino mais consumo dos seus fretes”. Por outro lado, “desocupada a gente que no benefício da dita bebida (a que chamam jeribita) se ocupa” certamente se ocuparia no cultivo de “algum outro gênero que fosse útil à mercancia”. Além do mais, importando-se bebida do reino, tendo que comprá-la por “maior preço”, os moradores “trabalhariam com melhor vontade”.68 Já no início do século XVIII, segundo relatório do Conselho Ultramarino, era a vez dos oficiais da Câmara de Belém reclamarem dos senhores de engenho da capitania, os quais, “indo atrás do maior “Discurso sobre o augmento da Capitania do Maranhaõ”. São Luís, 3/09/1682. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 671. 67 “Carta dos oficiais da câmara da cidade de São Luís do Maranhão para o Conselho Ultramarino”. São Luís, 5/09/1682. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 672. 68 “Papel feyto por Joaõ de Moura sobre se augmentar o Estado do Maranhaõ e Pará”. c. 1690. BA, cód. 54-XIII-4, nº 42c. 66

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interesse e menos trabalho faziam aguardente das canas de que podiam fabricar açúcares”. Sugeriam ao rei, portanto, que se proibissem os alambiques e que os “senhores de engenho façam açucares e não aguardentes, mais que dos méis e algumas canas, que não possam aproveitar”. O Conselho, por sua vez, manifestou apoio à petição da Câmara, lembrando que a restrição às engenhocas podia fomentar “o comércio que podia haver que se este gênero se fabricasse e em maior abundância como antigamente se fazia”. Os conselheiros ainda propunham que se decretasse que todo o senhor de engenho que não fizesse açúcar, perdesse a safra; se reincidente perderia a safra e teria quatro meses de cadeia; pela terceira vez, perderia o engenho.69 Tanta oposição aos molinetes e engenhocas, apoiada pelo Conselho Ultramarino, gerou uma reação por parte da Coroa. Em pelo menos quatro ocasiões – 1684, 1691, 1702 e 1706 – Dom Pedro II decretou ou reforçou proibições e restrições contra a produção de aguardente. Em 1684, a Coroa, em razão dos danos causados pelas aguardentes no Estado do Maranhão – “por perderem com o uso delas todos os mais que as bebem o juízo, com notório perigo das vidas” –, proibia que se fizesse aguardente da cana-de-açúcar e do “mel de caldeira”. Somente a dos méis e espuma de açúcar se poderia confeccionar, “e ainda estas com a moderação de certo número de molinetes e alambiques”. Caberia ao governador arbitrar o número de engenhocas, “conforme a qualidade dos engenhos, dos índios e dos escravos”. Os que infringissem esta determinação perderiam os molinetes e alambiques e pagariam 200 cruzados de multa. Quando reincidentes, se peões, seriam açoitados e iriam para as galés; se nobres, seriam condenados ao degredo em Angola (cinco anos).70 Em 1691, o rei reforçava a restrição contra a cachaça, baseado em carta do governador, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que lhe informara sobre a “muita aguardente que se lavrava” em São Luís, “moendo-se as canas que podiam servir para se fabricar açúcar”, por

“S.e o q. escrevem os off.es da Cam.ra do Para aserca de se prohibir aos senhores de engenho o fazerem agoas ardentes e tratarem som. te da fabrica dos asucares”. 23/08/1706. AHU, cód. 274, ff. 184-184v. 70 “Sobre se naõ fazer aguardente no Estado do Maranhaõ”. 2/09/1684. AHU, cód. 93, f. 378v. 69

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não se ter cumprido a lei de 1684.71 No mesmo ano, outra carta régia se referia aos poucos rendimentos da Fazenda real no Maranhão “por não irem à dita capitania embarcações em razão de não acharem nela carga, nem terem melhora os dízimos, por não moerem os engenhos, e se havia proibido aos moradores a lavoura dos algodões e panos, obrigandoos a lavrarem partidos para poderem moer os engenhos, evitando-lhes também as muitas aguardentes de cana”.72

Poucos anos depois, embora o rei autorizasse a manutenção dos molinetes existentes, proibia a construção de novas engenhocas.73 No início do século XVIII, em 1702, a Coroa voltava novamente à carga, embora mais sensível ao papel da produção de cachaça na região. É que o rei determinava que, quando não se pudesse moer a cana, se permitisse a construção de engenhocas e alambiques, para não se desperdiçar a cana que não podia ser moída nos engenhos. Nesses casos, portanto, era melhor que se produzissem “as bebidas que usam os gentios e moradores”. Cabia, assim, ao provedor da Fazenda informar sobre quais molinetes podiam causar dano à moenda dos engenhos, e quais podiam ser autorizados.74 Em 1706, em resposta à queixa da Câmara de Belém sobre os senhores de engenho, que “por razão da maior conveniência e menos trabalho, faziam aguardentes das

“Pera o g.or e capitaõ g.l do Maranhaõ. Sobre se guardar inviolavelmente a ley sobre a prohibiçaõ das aguardentes e açerca dos escravos e escravas”. 29/05/1691. AHU, cód. 268, f. 85v. 72 “Para o governador do Maranhão. Sobre lhe aprovar a escala que concedeu aquelles moradores para hirem com missionarios ao certão buscar escravos pela grande falta que delles tinhão”. 2/06/1691. ABN, vol. 66 (1948), p. 125. 73 “Dá diversas providencias sobre as agoas ardentes e a canna de assucar”. 7/12/1695. ABAPP, tomo I (1902), p. 103. Segundo o registro de cartas régias da Câmara de Belém, a data desta carta é 10 de dezembro. AHU, cód. 1275, pp. 46-47. 74 “P.a o provedor da Fazenda do Parâ. S. e se acharem desbaratados os engenhos reaes pellas m.tas emgenhocas e lambiques em q. os tapuias e moradores destilaõ a cana p.a suas bebidas”. 10 de/11/de 1702. AHU, cód. 268, ff. 176-176v. 71

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canas de que podiam fabricar açúcares”, o rei informava que tomaria resolução.75 Fica claro que a aguardente representava principalmente uma grave ameaça à produção de açúcar. Essa preocupação decorria da compreensão de que as rendas da Coroa aumentariam com o comércio, o que, por sua vez, dependia do incremento das trocas com o reino. Para isso, era preciso produzir gêneros – como o açúcar – que permitissem alavancar o interesse dos mercadores reinois. À diferença de regiões como a Bahia, Pernambuco ou Rio de Janeiro, as principais rotas comerciais que conectavam o Estado do Maranhão com o resto das conquistas eram fundamentalmente as do “Atlântico norte” ou “Atlântico equatorial” – com Portugal, com as ilhas atlânticas (Madeira e Açores). Nesse sentido, em momento algum foi aventada a hipótese de enviar aguardente à África em troca de escravos, como acontecia comumente no Atlântico sul. Assim, a jeribita produzida na terra não podia ser considerada um produto “navegável”, sendo incapaz de gerar rendas pelo comércio. As queixas contra a aguardente, entretanto, não eram compartilhadas por todos. Pouco a pouco, ao longo do século XVII, foi se consolidando uma percepção mais clara sobre o papel que tinha a cachaça na forma de organização da sociedade do Estado do Maranhão colonial. Embora pontuais e fragmentados, os dados sobre os usos da aguardente revelam as razões de a própria Coroa adotar uma posição, muitas vezes, ambígua em relação à cachaça, dada a centralidade que ela adquiriu para a Fazenda real, com a implementação de um imposto sobre sua produção, mas principalmente para a relação que os portugueses estabeleciam com os índios do sertão e no mundo do trabalho.

Tabaco No caso dos produtores de fumo, a Coroa concedeu ao longo do século XVII vários privilégios, que indicavam o interesse em desenvolver a lavoura de tabaco na região. Em 1650, o rei concedeu um privilégio por meio do qual tabaco estrangeiro era proibido em “Para os officiaes da Camara do Maranhão. Sobre a extinção dos molinetes”. 28/09/1706. ABN, vol. 66 (1948), p. 293. 75

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Portugal.76 Essa decisão se originara numa petição feita pelos moradores do Estado, meses antes, que vale a pena examinar em mais detalhes. Segundo o relatório do Conselho Ultramarino, os moradores se queixavam de que viviam na região com “muita limitação e trabalho” pelos poucos produtos que se cultivavam nele, sendo que justamente o “que de mais se aproveitavam era do tabaco”. Ora, muitos navios estrangeiros vendiam livremente em Lisboa tabaco de São Cristóvão, o que lhes prejudicava, “porque com ele lhes tiram totalmente a venda do dos ditos Estados”. Para os moradores, a situação prejudicava-os gravemente e era motivo de ser perder “aquela conquista pelo comércio”. Solicitavam, assim que se proibisse a entrada do tabaco não só de São Cristóvão, como de qualquer outro lugar que não fosse uma conquista portuguesa, como havia se feito com os gêneros da Índia. Antes de emitir seu parecer, o Conselho ouviu o provedor da Alfândega, o procurador da Fazenda e os contratadores do tabaco que deram razão à petição dos moradores. Os assentistas do tabaco opinavam, de qualquer modo, que o melhor era aumentar a taxação do tabaco estrangeiro, ao invés de proibi-lo, o que implicaria a modificação de alguns capítulos do contrato do tabaco. A consulta do Conselho justificava a queixa dos moradores lembrando que “àquela conquista virá ser de grande dano e estorvo não terem saída seus frutos”.77 É preciso lembrar, ainda, que esta não era a primeira vez que os moradores do Maranhão e Pará faziam esse tipo de solicitação, pois em finais da década de 1630, ainda durante o reinado dos Filipes, haviam enviado queixa similar à Corte.78 Quase vinte anos depois, agora já instaurada a Junta da Administração do Tabaco no reino, o tabaco do Maranhão recebia “Para o gov.or do Maranhaõ. Sobre a prohibiçaõ q. os estrang. ros naõ tragaõ a este Reino, tabaco, e menos da Ilha de Saõ Cristovaõ”. 2/05/1650. AHU, cód. 275, f. 168v. 77 “Os moradores do Maranhaõ, e Graõ Pará pedem a S.Mg. de mande prohibir, q. naõ entre neste Reino, e suas conq.tas tabaco de estrang.ros”. 14/10/1649. AHU, cód. 278, ff. 281-282. Por recomendação do próprio Conselho, a questão foi também analisada pelo Conselho da Fazenda. Ver: “S.e o tabaco doz estrangeiros”. 16/02/1650. DGARQ/TT, MR-CF, Registro de decretos, livro 163, f. 270. 78 “Petição dos moradores do Maranhão sobre o tabaco estrangeiro”. c. 1637. AHU, Maranhão, cx. 1, doc. 115. 76

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novos privilégios. Dessa vez, o da isenção ou diminuição das taxas alfandegárias em Portugal. Em 1674, “pessoas interessadas no tabaco do Pará” requeriam ao príncipe que aliviasse a carga que pagava o tabaco do Estado do Maranhão nas alfândegas, mandando assim “acudir pela menos conta que tem toda a Fazenda daquela nova conquista, para quem se devem buscar meios para seu aumento”. Apesar da opinião do procurador da Fazenda, a quem parecia que era “maior o dano do exemplo que o da perda dos direitos”, a Junta sugeriu que o tabaco do Maranhão pagasse meios direitos (10 réis o arrátel), “porque também considera que a respeito do aumento daquele Estado não convém carregar seus gêneros, sendo o mais principal o do tabaco”, o que acabou sendo acatado pelo monarca.79 Apesar da determinação real, os comerciantes que traziam tabaco do Estado do Maranhão e Pará, ao que parece, eram obrigados frequentemente a fazer valer os seus direitos. Assim, em 1677, Domingos Clemente, mercador de Lisboa, requeria o privilégio sobre tabaco vindo do Pará ao Porto, alegando que o juiz da Alfândega, “não deve ter notícia em como se paga do novo direito a 10 réis por arrátel do dito tabaco, por ser do Pará, que é o que se costuma pagar na Alfândega desta cidade [Lisboa], e como por esta se devem regular as mais do reino”.80 Infelizmente, não há registro de qualquer decisão nesse caso. Caso idêntico deu-se em 1701, quando o comerciante João Vanderaque requeria à Junta que os 10 rolos de tabaco trazidos do Pará pagassem metade dos direitos dos da Bahia e Pernambuco, ao contrário do que lhe exigiam na Alfândega, “o que é contra o que se praticou até agora, porquanto o tabaco do Maranhão nunca pagou mais que a metade do que paga o da Bahia de direitos, por ser muito inferior”. O provedor da Alfândega do Tabaco, ouvido pela Junta, entretanto, era contrário à petição, alegando que não havia razão para que o tabaco pagasse menos, embora sua qualidade fosse “inferior”, já que “se ficar

“Sobre pedirem as pessoas intereçadas no tabaco do Parâ senaõ entenda nelle o vintem por arratel na entrada, pello q. se referem”. 10/12/1674. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 1, nº 8. 80 “1677. Porto. Domingos Clemente”. 1677. DGARQ/TT, JAT, Feitos Findos, maço 115, cx. 130 (à altura da pesquisa, esta cx. não se encontrava organizada). 79

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diminuído nos direitos, se estabelecerá grande fábrica dele, e se poderá vender muito mais barato, e por esta razão ficará prejudicada a Fazenda de V.M.”. O procurador da Fazenda, contudo, tinha opinião distinta, lembrando que ninguém era “obrigado a pagar mais direitos que aqueles que lhe mandam as leis ou introduziu por costume”. A Junta mandou então ouvir novamente o provedor da Alfândega do Tabaco, para saber a quantidade de rolos que se importavam do Maranhão. Segundo o provedor, “vieram neste ano 20 rolos de tabaco, e são muito mais pequenos que os do Brasil, e na qualidade muito inferior; e o ano passado não veio rolo algum; e agora faz 2 anos poderiam vir 4 ou 5 rolos; e nos anos antecedentes mais algum vinha, mas nunca foi de maneira que passasse de 150 até 200 rolos da forma referida”.

Diante das informações – “visto a inferioridade deste tabaco, e o pouco que vem” –, a Junta não tinha dúvidas de que o tabaco do Maranhão devia pagar meios direitos (que haviam sido recémajustados), e baseava sua decisão na consulta do mesmo tribunal em 1674. Assim, determinava que se deferisse o requerimento do comerciante e assim se decidisse para “o mais que estiver na dita Alfândega e vier a ela nos anos futuros”, o que foi acatado pelo rei.81 Na falta de dados sistemáticos sobre a produção de tabaco do Estado do Maranhão e Pará, tudo leva a crer que sua qualidade inferior era também responsável pela sua baixa aceitação no mercado português. Já vimos aqui esse argumento, quando da petição de João Vanderaque. Mesmo antes, pareciam claros os problemas do tabaco do Maranhão. Entre 1679 e 1680, os mestres do estanco do tabaco queixavam-se das perdas quando dos rolos recebidos se fazia tabaco em pó, “da mostra fino”. Segundo os mestres, era habitual que do tabaco que vinha da Bahia um terço se perdesse no processo, o mesmo não acontecia com produtos de qualidade inferior, como o de Pernambuco, “que quebra mais do terço”, e o do Maranhão, “que quebra mais da

“Sobre pagar o tabaco do Maranhaõ de dir.tos a metade do q. paga o da Bahia e Pernambuco, e requerim.to q. fez sobre esta materia Joaõ Vanderaque”. 10/02/1701. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 5 (maço sem numeração). 81

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metade, como a experiência tem mostrado”.82 A queixa dos mestres do estanco foi inclusive aceita pela própria Junta da Administração do Tabaco, que reconhecia a “quebra” dos tabacos inferiores, ensejando uma compensação por parte da Fazenda real.83 Informações sobre o envio de tabaco ao reino são esparsas e fragmentadas, como de costume. Vimos que em 1701, o provedor da Alfândega do Tabaco informara que nesse ano havia recebido apenas 20 rolos, “muito mais pequenos que os do Brasil, e na qualidade muito inferior”. Segundo a mesma informação, em 1700, nenhum havia chegado e, em 1699, quatro a cinco rolos. Também destacava que “nos anos antecedentes mais algum vinha, mas nunca foi de maneira que passasse de 150 até 200 rolos da forma referida”.84 Dados para os anos anteriores indicam que, entre 1678 e 1680, chegaram entre 60 a 70 rolos anuais ao reino: 72 em 1678 (254 arrobas e 17 libras)85; 68 rolos em 1679 (230 arrobas e 1 libra)86; e 62 rolos em “Mestres do estanco. S.e se lhes levarem em desp.a por quebra de mais 6565 arr.tes ¼ que lhe faltaõ p.ra ficarem quites do tabaco q. receberaõ do tempo do Thezr.o M.el Pr.a Rebello”. 1679-1680. DGARQ/TT, JAT, Feitos Findos, maço 115-A, cx. 132 (à altura da pesquisa, esta cx. não se encontrava organizada). 83 “Sobre se levarem em conta por quebra de mais aos mestres do estanco, seis mil quinhentos e sessenta e sinco arrates de tabaco em poo, que deviam entregar a resp.to da quebra ordinaria pelo tabaco de tollo q. receberaõ do Thez.ro M.el Para.a Rebello”. 12/02/1680. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 2, nº 5. 84 “Sobre pagar o tabaco do Maranhaõ de dir. tos a metade do q. paga o da Bahia e Pernambuco, e requerim.to q. fez sobre esta materia Joaõ Vanderaque”. 10/02/1701. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 5 (maço sem numeração). 85 “Sobre os rollos de tabaco, e cx.s de asucar q. por conta da Faz. a real veyo do Pará na charrua Nossa Senhora da Penha de França e São Francisco Xavier, de q. he M.e e Cap.ão M.el Roiz”. 18/08/1678. AHU, Açores, series 1, cx. 2, doc. 19; “Sobre o que escreve o Provedor da Faz. a da Ilha Triceira açerca do tabaco e asucar que por conta da Fazenda real veyo do Parà na charrua Nossa Senhora da Penha de França e Saõ Fran.co Xavier de que he Mestre e capitaõ Manoel Roiź”. 6/10/1678. AHU, cód. 274, f. 10v. 86 “Sobre os rolos de tabaco que Ignacio Coelho mandou do Maranhaõ proçedidos dos quatros generos do estanco se [aiustarem] na Junta de Administraçaõ do Tabaco e o liquido que importarem se emtregara a ordem do Cons.o Ultram.ro”. 23/02/1679. AHU, cód. 274, ff. 13-13v; “CCU-Pedro II”. 2/05/1679. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 637; “Decreto para a JAT”. 82

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1680 (180 arrobas e 13 libras).87 É preciso contudo esclarecer que esses números se dão numa conjuntura específica que é a criação do chamado “estanco dos quatro gêneros”. Tanto é que os rolos eram isentos de toda taxação, uma vez que eram enviados à custa da Fazenda real. Esse estanco foi um monopólio estabelecido pela Coroa em meados da década de 1670 sobre o aço, facas, ferro e avelórios. Os objetivos do monopólio da venda desses produtos por parte da Coroa eram bastante claros. Em 1676, o príncipe regente, em carta ao governador do Maranhão, lembrava que “os efeitos de minha Fazenda desse Estado não chegam ao pagamento das folhas, presídios e mais gastos, e para se continuar esta fortificação”. Essa era a razão pela qual, havia ordenado ao governador para que se buscasse com as Câmaras “algum meio para restituir estes gastos”.88 Embora o estanco tivesse se revelado um fracasso e enfrentado a resistência dos moradores, principalmente da Câmara de São Luís, o fato é que a Coroa se engajou diretamente no comércio com o Estado do Maranhão e Pará, o que nos leva a considerar esse período como um momento especial.89 Os fragmentos de que dispomos indicam que é possível que tenha havido um considerável declínio da produção e exportação de tabaco. De fato, em 1652, antes da criação da Junta da Administração do Tabaco (em julho de 1674), há duas referências ao envio de rolos de tabaco ao reino. A referência às 1124 arrobas, embarcadas no navio do capitão Manuel Vaz (454 rolos) e no do capitão Simão de Faria (381 rolos), é que elas provinham de Cametá onde se recolheu “muita

29/05/1679. DGARQ/TT, JAT, Decretos, maço 50 (maço sem numeração); “Sobre naõ pagarem direitos os rolos de tabaco q. remetteo o gov. or do Maranhaõ procedidos do estanco de outros generos prohibidos naquelle Estado”. 28/06/1679. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 1, n. 126. 87 “CCU-Pedro II”. 29/01/1680. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 643; “Decreto para a JAT”. 8/02/1680. DGARQ/TT, JAT, Decretos, maço 50 (maço sem numeração). 88 “Para o governador do Maranhaõ. Sobre o asso facas ferro e outros ingredientes”. 19/09/1676. AHU, cód. 268, ff. 13v-14. 89 A esse respeito, ver: CHAMBOULEYRON. “Mazelas da Fazenda real na Amazônia seiscentista”. In: Aldrin Moura de FIGUEIREDO & Moema Bacelar ALVES (orgs.). Tesouros da Memória. História e patrimônio no Grão-Pará. Belém: Ministério da Fazenda/MABE, 2009, pp. 13-28.

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quantidade de tabaco em rolo”.90 Eram os “fumais e tabacos” que, como vimos antes, o governador do Maranhão, Luís de Magalhães, havia tomado ao donatário de Cametá.91 Lembremos que pouco tempo depois, o ouvidor Maurício de Heriarte afirmava que nas redondezas de Belém, os moradores “fazem muito tabaco” e que, referindo-se a Cametá, afirmava que “fazem-se nesta capitania os melhores tabacos destas partes”.92 Talvez esses números fossem fruto do próprio incentivo da Coroa que pouco tempo antes havia privilegiado o tabaco do Maranhão em detrimento das importações do de outras nações, como vimos. Ao que tudo indica, não só Cametá parece ter iniciado um declínio de derrocada econômica e populacional, como referido no capítulo anterior, mas a produção de tabaco parece ter rareado à medida que corria a segunda metade do século XVII. Se se compara as listas do tabaco importado no reino registradas pela Junta para o período que vai de 1680 a 1686, fica então evidente que o fumo do Estado do Maranhão e Pará era insignificante em relação à produção e comércio das demais conquistas de Portugal. Para se ter uma ideia, o ano em que chegaram menos rolos (1680), a Junta registrava pouco mais de 9 mil, sendo que em 1682 haviam chegado quase 23 mil rolos.93 A escassa importância do tabaco maranhense é comprovada pelos números relativos à importação de tabaco em Portugal, levantados por Jean Baptiste Nardi.94 É plausível até afirmar que a produção do Estado do Maranhão e Pará nem sequer era perturbada pelas variações do valor do tabaco no mercado internacional.

“CCU-João IV”. 29/07/1652. AHU, Maranhão, cx. 3. doc. 315. “CCU-João IV”. 9/09/1652. AHU, Maranhão, cx. 3, doc. 318. 92 HERIARTE. “Descripção do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas”, p. 219. 93 “Sobre o papel do Dez.or Gon.co Miz de Britto provedor da alf. a do tabaco em q. aponta oz damnos q. se experimentaõ no desp.o da d.a alf.a e os meyos p.a se evitarem”. 2/05/1687. DGARQ/TT, JAT, Consultas, maço 3 (maço sem numeração). 94 Jean Baptiste NARDI. O fumo brasileiro no período colonial. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 306; ver também: NARDI. O fumo no Brasil colônia. São Paulo: Brasiliense, 1987. 90 91

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O cultivo do cacau Provavelmente, entre meados dos anos 1650 e início da década de 1660, João de Ornelas da Câmara, “natural e morador” de Belém, escrevia sobre as “várias utilidades do Maranhão” para a rainha dona Luísa de Gusmão, naquele momento regente de Portugal. Nessa carta, João da Câmara expressava uma preocupação singular com o “aumento” e “conservação” da conquista. As inquietações desse morador do Pará se concentravam principalmente na forma de extração do cravo, além do cultivo do cacau, do achite e da fábrica do anil. Apesar de fazer referências à cultura de açúcar e tabaco, fica claro que João da Câmara, nessa carta, pretendia discutir os produtos da terra sobre os quais não se fazia um bom aproveitamento. Em primeiro lugar, João da Câmara preocupava-se com a forma de obtenção do cravo, uma vez que, segundo ele, os que exploravam esta droga mandavam cortar a planta inteira, “sem tratarem de plantar outras, nem pôr estaca, ou roçar o mato circunvizinho, para que possa a árvore cortada produzir garfos e filhos ao redor”. Como na Amazônia se explorava o chamado cravo de casca, João da Câmara queixava-se que aos moradores parecia “mais custoso tirar a casca de que se valem” do que arrancar toda a árvore. Isso significava que não existia nenhum benefício ou cultura do cravo, e com a devastação das árvores mais próximas à cidade de Belém, os moradores eram obrigados a mandar seus índios para mais longe, em lugares distantes, “que serão em breves tempos assolados na mesma forma, e assim se irão descobrindo outros mais remotos, até que seja impossível o conduzir-se”. Assim, recomendava à rainha que se tratasse da “fábrica e cultura destas árvores”, para que, de agreste e inculta, pudesse “com o auxílio da arte e da indústria ter o vigor e qualidade do cravo da Índia”. Sugeria também o morador de Belém que houvesse fábrica de anil, “de que se poderão tirar grandes interesses neste Estado [do Maranhão], e no Brasil, por haver em ambos imensa quantidade de erva dele”. O cacau encontrava igualmente seu lugar nas sugestões de João da Câmara. Indicava ele que havia no Pará “muitas árvores agrestes de cacau e vários sítios dilatados, em que a natureza as tem produzido”. Novamente, a solução passava pela plantação dos cacauais, lembrando

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o exemplo de Caracas (região que se tornaria grande exportadora de cacau), onde “há homem de 50 e 60 mil pés de cacau”.95 Dos diversos produtos citados por Ornelas da Câmara, somente o cacau acabou tendo algum sucesso como gênero cultivado. É verdade que houve tentativas de plantio do cravo e inclusive o estabelecimento de duas “fábricas” de anil. De fato, dado o interesse gerado pelo descobrimento do cravo (de casca) em finais da década de 1640, momento que coincidia com o declínio do domínio português na Índia, a Coroa se empenhou em alguns momentos em promover a sua domesticação.96 Uma relação escrita após a morte de Dom João IV descrevia as tentativas feitas a mando do rei, pelo sargento-mor Felipe da Fonseca Gouveia, “baqueano de muitos anos da Índia”.97 Felipe Gouveia teria tentado “plantar em outra parte [que não o sertão] quantidade de estacas”, do que, entretanto, “não resultou de seu trabalho efeito algum”; a causa alegada para o insucesso era o tipo de terra em que haviam sido plantadas, pois não seria “da mesma qualidade da que é onde o cravo está”.98 Algumas outras poucas tentativas de plantio do cravo, que escasseava com a exploração pelos portugueses, foram feitas ao longo do século XVII. Em setembro de 1684, “por faltar neste reino o que costumava vir da Índia”, o rei determinava ao governador que plantasse

“Papel q. se deu a Rainha D Luiza sobre varias utilid. es do Maranhaõ”. DGARQ/TT, CSV, vol. 23, f. 232-234v. 96 A esse respeito, ver: CHAMBOULEYRON. “Opulência e miséria na Amazônia seiscentista”. Raízes da Amazônia, vol. I, nº 1 (2005), pp. 105-24. Sobre a experimentação e aclimatação de plantas orientais na América portuguesa, ver: ALMEIDA. “Aclimatação de plantas do Oriente no Brasil durante os séculos XVII e XVIII”; LAPA. “O problema das drogas orientais”. Ver também: Warren DEAN. “A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil”. Estudos Históricos, vol. 4, nº 8 (1991), pp. 216-28. 97 De fato, ao ser nomeado para o posto, Felipe Gouveia aparece como tendo sido “soldado, alferes, capitão e almirante dos estreitos de Malaca”. “Philippe da Fonseca e Gouvea. Sarg.to mor do Estado do Maranhaõ”. 16/05/1646. AHU, cód. 113, f. 181v. Ver também: “O capitaõ Felippe da Fonçeca de Gouvea”. 16/05/1646. AHU, cód. 113, ff. 189v-190. 98 “Notícias sobre a existência de árvores de cravo, de noz-moscada e pimenta na capitania do Pará”. segunda metade do século XVII. AHU, Pará, cx. 2, doc. 105. 95

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100 árvores junto às povoações, “observando se elas pegam e se dão bem na terra”. Tratava-se mesmo de uma tentativa de domesticar o cravo do Maranhão, que, como dizia a carta régia por “ter muita semelhança com o cravo da Índia”, poderia dar “grandes interesses a este reino”. Entretanto, não aparece mais registro na documentação sobre essa tentativa. De qualquer modo, em 1687, o governador Gomes Freire de Andrade, que havia sido nomeado para o posto pouco tempo depois da carta de 1684, referia-se à inutilidade das ordens que havia recebido para o plantio do cravo.99 Alegava ele que no tempo de Dom João IV (1640-56), haviam sido plantadas 30 mil árvores de cravo no rio Capim, das quais poucas haviam resultado.100 Quanto ao anil, já conhecido dos portugueses, que haviam tentado o seu desenvolvimento na América, também acabou se revelando um insucesso no século XVII.101 Houve um primeiro intento no início da década de 1670, feito pelo governador Pedro César de Meneses, sem nenhum êxito.102 Em 1691, Inácio Mendes da Costa propunha-se a fabricar anil, que dizia existir em abundância no Maranhão, para o qual havia conseguido apoio do rei.103 Mas nada mais encontrei sobre ele na documentação. Somente a partir de finais de 1692 ou 1693, é que uma nova fábrica de anil será estabelecida por Francisco Soares do Amaral, Gomes Freire de Andrade foi nomeado em janeiro de 1685. “Gomes Freire de Andrada. Governador do Maranhaõ”. 25/01/1685. AHU, cód. 120, f. 75. 100 “Carta de Gomes Freire de Andrade para Dom Pedro II”. Belém, 24/01/1687. AHU, Pará, cx. 3, doc. 259. 101 MARQUES. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão, p. 84. Ver também: LAPA. “O problema das drogas orientais”. 102 “Carta de Pedro César de Meneses para Dom Pedro II”. 16/06/1670. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 551; “Sobre a fabrica do anil que o governador do Maranhaõ Pedro Sezar de Menezes pertende fazer a sua custa naquelle Estado, e forma com que pede se lhe devia conçeder”. 21/08/1670. AHU, cód. 16, ff. 386-386v; “CCU-Pedro II”. 18/09/1670. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 554; “Contrato, e estanque da fabrica do Anil do Maranhaõ, q. o Conçelho Ultramarino fes con P.o Cezar de Mńz, q. vay por Gov.or daquelle Estado, por tempo de vinte annos”. 30/01/1671. AHU, cód. 296, ff. 1-2v; “CCU-Pedro II”. 5/02/1671. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 558; BETTENDORF. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, pp. 29192; “CCU-Pedro II”. 28/07/1681. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 654. 103 “Ignasio Mendes da Costa que se obriga a fabricar anil”. 24/01/1691. AHU, cód. 94, f. 129v. 99

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mas uma série de problemas, agravados inclusive pela epidemia de bexigas de meados da década, baldaram os esforços do morador, apoiado de muitas formas pela Coroa, graças à concessão de terras e trabalhadores.104 O fato é que, como apontou Dauril Alden, essas experiências, como várias outras, foram “efêmeras”, e até meados do século XVIII a as conquistas portuguesas na América não produziam anil em escala comercial.105 Voltemos então ao cacau. As primeiras tentativas sistemáticas para o plantio do cacau começaram na década de 1670, em grande medida iniciadas pelos moradores e incentivadas ao mesmo tempo pela Coroa. Não há dúvida que a Coroa fora convencida, com o tempo, a partir das notícias que chegavam da conquista do Maranhão e Pará. Textos como o de João de Ornelas da Câmara ou do ouvidor Maurício de Heriarte – que se refere ao “muito cacau, que os moradores não sabem beneficiar”106 – e a

“CCU-Pedro II”. 16/11/1693. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 869; “Sobre as duas arrobas de anil q. vieraõ do Maranhaõ”. 19/11/1693. DGARQ/TT, CUDecretos, livro 1, ff. 168-168v; “Fran.co do Amaral Soares”. Sesmaria concedida em 21/05/1694. Conf. 28/11/1695. DGARQ/TT, Pedro II, livro 59, 374-374v; “CCU-Pedro II”. 4/02/1694. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 878; “Para o governador do Maranhão. Sobre se mandar continuar a cultura do anil”. 6/02/1694 ABN, vol. 66 (1948), pp. 150-51; “CCU-Pedro II”. 29/11/1695. AHU, Maranhão, cx. 8, doc. 893; “Para o governador geral do Maranhão. Sobre os vinte e quatro indios e indias cafuzes que se mandão dar a Francisco do Amaral para o trabalho da fabrica do anil”. 7/01/1696. ABN, vol. 66 (1948), p. 157; “Para o governador do Maranhão. Sobre se mandarem dar a Francisco do Amaral os indios que pede para a fabrica do anil”. 27/01/1698. ABN, vol. 66 (1948), pp. 177-78; “Para João Vasco de Molina. Sobre a fabrica do anil de Francisco do Amaral estar parada por falta de indos os quaes são lhe mandão dar”. 28/09/1705. ABN, vol. 66 (1948), pp. 266-67; VIVEIROS. História do comércio no Maranhão. São Luís: Associação Comercial do Maranhão, 1954, vol. I, pp. 25-26. 105 ALDEN. “The growth and decline of Indigo production in colonial Brazil”. Journal of Economic History, vol. XXV, nº 1 (1965), p. 46. 106 HERIARTE. “Descripção do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas”, p. 218. 104

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própria experiência de sucesso das Índias de Castela influenciaram certamente a Corte e seus conselhos.107 Por outro lado, o interesse da coroa portuguesa (e dos moradores também) pelo cacau acompanhava um movimento mais geral na Europa de assimilação do chocolate. Para Marcy Norton, a bibliografia sobre a importação e assimilação de produtos tropicais em grande medida ignorou o papel do chocolate, apesar de sua importância na península ibérica desde finais do século XVI, e do fato de começar a se espalhar pelo resto do continente a partir dos anos 1620. 108 Significativamente, em 1653, um dos “grandes” do reino, Duarte Ribeiro de Macedo, escrevia um “discurso” sobre os produtos que poderiam ser comercializados do Estado do Maranhão e Pará.109 Entre

Sobre o cacau na América espanhola, ver: Eduardo ARCILA FARÍAS. Economía colonial de Venezuela. México: Fondo de Cultura Económica, 1946; Michael HAMERLY. El comercio del cacao de Guayaquil durante el período colonial: un estudio cuantitativo. Quito: Comandancia General de Marina, 1976; Robert FERRY. “Encomienda, African slavery, and agriculture in seventeenth-century Caracas”. The Hispanic American Historical Review, vol. 61, nº 4 (1981), pp. 60935; Carlos ROSÉS ALVARADO. “El ciclo del cacao en la economía colonial de Costa Rica: 1650-1794” Mesoamérica, vol. 3, nº 4 (1982), pp. 247-78; Eugenio PIÑERO. “The cacao economy of the eighteenth-century province of Caracas and the Spanish cacao market”. The Hispanic American Historical Review, vol. 68, nº 1 (1988), pp. 75-100; Ramón AIZPURUA. Curazao y la costa de Caracas: introducción al estudio del contrabando de la provincia de Venezuela en tiempos de la Compañía Guipuzcoana, 1730-1780. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1993; Robert FERRY. “Trading cacao: a view from Veracruz, 1629-1645”. Nuevo Mundo-Mundos Nuevos, 6 (2006) 108 Em seu texto, Norton explica justamente o complexo processo dessa assimilação, em geral vista como algo natural pela bibliografia que discute a incorporação de produtos tropicais aos hábitos alimentares europeus. Marcy NORTON. “Tasting empire: chocolate and the European internalization of Mesoamerican aestethics”. The American Historical Review, vol. 111, nº 3 (2006), pp. 660-91. A respeito da demanda euroéia, ver também: Timothy WALKER. “Slave labor and chocolate in Brazil: the culture of cacao plantations in Amazonia and Bahia (17th-19th centuries)”. Food & Foodways, vol. 15 (2007), p. 84; e Fernand BRAUDEL. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-XVIIIe siècle. Paris: Armand Collin, 1979, vol. I, pp. 213-14. 109 Sobre o papel de Ribeiro de Macedo para a história do pensamento econômico português, ver: SÉRGIO. Antologia dos economistas portugueses. Século 107

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eles, estava justamente, o cacau, sinal da importância que o produto adquiria com o tempo. A sua apreciação sobre o cacau não podia estar mais em consonância com a perspectiva que se consolidava na Corte sobre o produto, pois escrevia que considerava “de maior utilidade o manso, a respeito das muitas despesas que se fazem com a apanha e condução do bravo pelos rios que correm e incerteza da colheita, em que quase sempre se arruína”.110 Ribeiro de Macedo antecipava aqui, os inúmeros problemas que a Coroa enfrentaria a partir da década de 1680 com o incremento da exploração do cacau, notadamente em relação ao modo de colheita nos sertões e à falsificação do produto.111 O fato é que, anos mais tarde, entre 1676 e 1677, Dom Fernando Ramirez, castelhano, nomeado provedor-mor da Fazenda apresentou um papel ao príncipe em que discutia atentamente a possibilidade e importância de desenvolver a lavoura de cacau no Estado do Maranhão e Pará. Assim, escrevia, “procurou informar-se de pessoas práticas daquele Estado dos gêneros e drogas que nele havia para que com maior crescimento ficasse mais rendosa e opulenta a Fazenda real”. Das várias drogas que o Estado produzia “naturalmente e sem cultura” havia a baunilha e o cacau. Segundo ele, as baunilhas eram “da melhor XVII, pp. XXXVII-XLVII; AMZALAK. A economia política em Portugal. O diplomata Duarte Ribeiro de Macedo e os seus discursos sôbre economia política; AMZALAK. Anciens économistes portugais du Moyen-Age au XVIIe siècle, pp. 22-27; MAGALHÃES. História do pensamento económico em Portugal, pp. 258-303; Virgínia RAU. “Política Económica e Mercantilismo na Correspondência de Duarte Ribeiro de Macedo”. Do tempo e da história, vol. 2 (1968), pp. 3-48; HANSON. Economia e sociedade no Portugal barroco, pp. 126-57. 110 “Discurso sobre os generos p.a o comercio que há no Maranhão e Pará”. 1653. DGARQ/TT, Manuscritos do Brasil, nº 108, f. 23v. 111 A esse respeito, ver as várias determinações da Coroa: “Pera q. todo o cacao que se achar com falcid.e ou que estiver corrupto publicam.te se queime, com as pennas que neste declara”. 2/09/1684. AHU, cód. 93, f. 378; “Por alvará se determina a punição daquelles moradores que falsificarem o cacau e o cravo”. 2/09/1684. ABAPP, tomo I (1902), p. 82; “Seja applicado o correctivo necessario á falsificação do cacau que se exporta para o reino e lhe diminue o valor”. 31/01/1703. ABAPP, tomo I (1902), p. 120. Esta última carta explica a “traça” dos moradores do Estado para venderem mais cacau, “não lhe dando os suadouros bastante para se aperfeiçoar, para ficar mais pesado”, e também pintando-o, “sendo mal curado, e dando-lhe a [cor] do pardo, que é a que mostra o cacau mais perfeito”.

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qualidade que se conhecem”. Já o cacau “bravio”, tão abundante, mesmo sendo “agreste” se vendia por “preços muito sólidos”; daí concluía que beneficiado renderia ainda mais. O papel estava dividido em três partes. Na primeira, discutia a “utilidade” dos dois gêneros, que tinham “saca para toda Europa e ainda para muita parte da África”. Assim, se haveria de comprar a bons preços, pois não tinha notícia de que houvesse cacau em outro lugar que não nas Índias ocidentais, cuja produção era insuficiente para os níveis de consumo de Castela. Ficava claro, os inúmeros benefícios que poderiam redundar da “planta do cacau e baunilha”: “de tal maneira que os moradores fiquem opulentíssimos em poucos anos, e a Fazenda de V.A. com excessivo e notório crescimento; aquele Estado com o comércio contínuo de embarcações; a sua povoação necessariamente continuada; porque como [i.e. quando] a experiência mostrar a utilidade, logo a gente tratará de navegar e habitar aquelas terras, por ser propensão dos homens procurarem sempre o caminho de se melhorarem nos cabedais, ainda que tenham muitos”.

Dom Fernando Ramirez compartilhava com a Coroa da crença na necessidade de ocupação e povoamento dos territórios, como fonte de riqueza do próprio reino. Não sem razão, lembrava do exemplo do Brasil e do açúcar, e dos franceses em Barbados, graças ao tabaco e ao açúcar. Por outro lado, dado os preços que valiam o cacau e a baunilha nas Índias de Castela, o cacau do Maranhão, era o “meio mais proporcionado para introduzir em Portugal muita da prata de Espanha”. Na segunda parte, o provedor explicava em detalhes a forma de se plantar o cacau nas terras de Castela, citando diretamente a experiência de um amigo seu. Finalmente, na terceira parte explicava os meios para se conseguir o sucesso do cacau e da baunilha, “sem que a Fazenda de V.A. tenha algum dispêndio”. Segundo Dom Fernando, duas eram as causas que levavam os homens ao trabalho, o interesse pessoal de aumento da fazenda e o “acrescentamento da honra”. Assim, argumentava o príncipe devia ordenar todo morador que “plantar, conservar e beneficiar” mil árvores de cacau, se lhe faria mercê de um dos hábitos das ordens. Portanto, pelo acrescentamento da honra se iniciaria a cultura e depois se aumentaria o “número das árvores pelo proveito e interesse que a

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experiência lhes mostrará”, o que teria acontecido justamente nas Índias de Castela, segundo ele. Concluía sabiamente que “não é inconveniente o dispensar V.A. aqueles moradores esta mercê, quando somente é pessoa e em parte onde se devia abrir o tesouro das graças a toda a pessoa que quisesse habitar aquelas partes, donde V.A. pode fazer um império muito opulento assim pela vastidão da terra, como pelos excelentes gêneros e drogas que produz, que só lhe falta a povoação e cultura”.

Em que pese às próprias convicções do provedor, Dom Fernando Ramirez sabia claramente fazer-se ouvir na Corte, ao conhecer as perspectivas da Coroa para o Estado do Maranhão e Pará, traduzidas na última frase, que coincidia com as opiniões do Conselho Ultramarino, como vimos logo no começo: “só lhe falta a povoação e cultura”. Como era de se esperar, o Conselho, o procurador da Coroa e o procurador da Fazenda real aprovaram as sugestões do castelhano, o que foi acatado pelo príncipe.112 De fato, ordens foram então emitidas, inicialmente incentivando o plantio de cacau e baunilha pelo provedor e pelo governador113, para o que se revogavam as determinações que proibiam as autoridades de

“CCU-Pedro II”. 20/09/1677. AHU, Maranhão, cx. 5, doc. 614. O papel de Dom Fernando Ramirez está anexado à consulta. 113 “Para o governador do Maranhão. Sobre se lhe dizer a forma em que se manda tratar da cultura das baunilhas e cacao”. 1/12/1677. ABN, vol. 66 (1948), p. 41; e “Provisão sobre o augmento da agrecultura das baunilhas e cacáo”. 1/12/1677. ABN, vol. 66 (1948), p. 42. Várias outras cartas continuaram sendo enviadas de Lisboa para o governador, o provedor e outras autoridades, incentivando e agradecendo pelos esforços realizados. Ver: “Para os officiaes da Camara do Pará. Sobre a cultura do Cacáo, e baunilhas”. 8/12/1677. ABN, vol. 66 (1948), pp. 44-45; “Para o governador do Maranhão. Planta de Cacao e Baonilha”. 19/08/1678. ABN, vol. 66 (1948), p. 46; “Para o provedor da Fazenda do Maranhão. Planta do Cacáo e Baunilhas”. 19/08/1678. ABN, vol. 66 (1948), pp. 46-47; “Para o governador do Maranhão. Sobre o mesmo”. 13/01/1679. ABN, vol. 66 (1948), p. 47; “Para o provedor da Fasenda do Maranhão. Sobre o mesmo”. 13/01/1679. ABN, vol. 66 (1948), pp. 47-48. 112

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plantar e beneficiar gêneros do Estado do Maranhão e Pará.114 O interesse da Coroa era significativo em relação ao cacau e baunilhas (e não somente no Estado do Maranhão e Pará, pois houve ordens emitidas para o Estado do Brasil, como indica Timothy Walker115). Tanto é que, pouco antes da consulta do Conselho Ultramarino, embora não tenhamos mais informações sobre o que motivou a decisão, o Conselho da Fazenda determinara ao provedor da Alfândega que o cacau passava agora a se despachar pela Casa da Índia. Razão pela qual, poucos dias depois ordenava que remetesse a ela todo o cacau que se achava na Alfândega e “as mais drogas que lá pertencem” à Casa da Índia.116 Parecia ser esse um sinal da mudança no modo como o cacau passava a ser visto na Corte e reinserido na máquina burocrática e fiscal do reino.117 Já no início de 1680, em decreto para o Conselho Ultramarino, o príncipe esclarecia que a revogação das leis, proibindo o cultivo por parte dos governadores somente se aplicava, na verdade, a Inácio Nas décadas de 1640 e 1650, a Coroa tinha várias vezes reiterado a proibição de que as autoridades régias se ocupassem de cultivos. Ver: “Provisão para os governadores do Maranhão nem outra pessoa algua ocuparem os Índios forros nos mezes de dezembro, janeiro, maio e junho nem na lavra do tabaco”. 9/09/1648. ABN, vol. 66 (1948), p. 19; “Provisão sobre a liberdade e captiveiro do gentio do Maranhão”. 17/10/1653. ABN, vol. 66 (1948), p. 21; e “Ley que se passou pelo Secretario de Estado em 9/04/655 sobre os Indios do Maranhão”. 9/04/1655. ABN, vol. 66 (1948), p. 27. 115 WALKER. “Slave labor and chocolate in Brazil”, p. 84. 116 “Despacho sobre o cacáo”. 13/01/1677; e “Despacho 2º”. 21/01/1677. Registrados no “Livro 2º de decretos, alvarás, rezoluçõens de Sua Magestade, despachos do Concelho sobre os gêneros da America ou Indias Occidentais… Anno 1759”. AGAL, nº 54, vol. 2, f. 58. Quando da realização da pesquisa, em 2008, fui informado que essa documentação seria transferida para a DGARQ/TT. 117 Em 1693, o rei determinava que as drogas recém-descobertas no Estado do Maranhão e Pará fossem enviadas ao reino à ordem do Conselho Ultramarino, e não da Casa de Índia, “para dos direitos delas se ajudar à despesa desse Estado”. Contudo, mantendo a política iniciada nos anos 1670, dessa determinação estavam excetuados o cravo e o cacau. “Para o governador do Maranhão. Que as drogas descobertas venhão a ordem do Conselho Ultramarino, e não da Caza da India excepto Cravo e Cacau”. 7/03/1693. ABN, vol. 66 (1948), pp. 140-41. 114

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Coelho da Silva, a quem “permito poder cultivar cacau para com seu exemplo se animarem os moradores a o fazer”. Para isso, acrescentava em decreto, se lhe dariam “os índios somente necessários até a décima parte dos que houver para repartir”.118 Poucos dias antes, o próprio Conselho examinava uma série de papéis relativos à produção de cacau e sua importação no reino. A consulta e a resolução régia revelam o empenho da Coroa em incentivar o plantio e a crença nas potencialidades do cacau. Tudo se originara de um papel contra o estanco de chocolate do reino, que foi examinado pelo Conselho e por dois importantes comerciantes lisboetas. Segundo esse “papel”, o monopólio sobre o chocolate no reino “destrói totalmente os importantes dois gêneros de cacau e baunilhas que de presente produz o Estado do Maranhão”. Certamente, o autor anônimo referia-se aqui à condição do contrato das aguardentes e chocolates (e outros produtos), firmado em 1678 que determinava que “nenhuma pessoa de qualquer grau, condição e qualidade que seja, poderá fazer, nem mandar fazer aguardentes e os mais gêneros deste estanco, nem tampouco chocolate de cacau e baunilhas, produzidas, ou vindas das conquistas deste reino, sem licença deles contratadores”.119

Queixava-se o autor do papel que, devendo ser livres os dois gêneros para se venderem pelos “preços que lhes forem cômodos”, os contratadores lhes punham os preços que queriam, com muito dano dos moradores do Maranhão. Por outro lado, era fundamental que se livrassem de direitos “todas aquelas novas drogas que nas conquistas se descobrirem, animando com sua liberdade a esperança do interesse que com ela podem tirar”. Era essa a razão, argumentava-se no “papel”, pela qual os reis passados haviam livrado o açúcar de direitos. No caso do cacau, se ou seu preço chegava a quase 6 mil réis a arroba, “em razão do grande custo e despesa que faz a sua condução, por se ir buscar ao “Sobre os Indios do Maranhaõ”. 29/03/1680. DGARQ/TT, CU-Decretos, livro 1, ff. 59v-60. 119 Contrato do estanco da agoa ardente, chocolate, cerueja, rosasolis, cidra, soruetes, limonadas, & mais bebidas desta qualidade, que se fez no Conselho da Fazenda por tempo de noue annos, com Henrique de Borja, Luis de Valença, & seus Companheiros. Lisboa: na Officina de Joam da Costa, 1679, pp. 4-5. 118

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interior do sertão”, não se dava em Lisboa mais que 4 mil, o que, pagando-se o frete e os direitos gerava um notável prejuízo aos que nele investiam. Essas eram, finalmente, as razões, “todas tão eficazes”, para que o príncipe considerasse que “a conservação daquele Estado consiste em se remover o estanco do chocolate, aliviar os direitos do cacau e libertar de todo todas as drogas que novamente se descobrirem”. Por sugestão do procurador da Fazenda real (a quem se dera vistas do texto), o “papel” foi examinado por “homens de negócio dos maiores” – no caso Pedralves Caldas e Manuel Pereira Rebelo –, separadamente, “para que vendo o papel dissessem se lhes oferecia meio para que sem extinção do contrato se reputassem melhor estes dois gêneros”. O primeiro fez uma considerável análise de todo o contrato, esclarecendo que, embora cacau e baunilha fossem livres para se vender e comprar, o estanco acabava sujeitando os dois produtos aos contratadores, pois impedia a qualquer pessoa de fazer chocolate no reino. Permitindo-se livremente a fábrica de chocolate “se gastaria muito mais por lhe sair mais barato e melhor que do estanco, e tendo saída no reino, se reputaria melhor, e no Maranhão se aumentaria a cultura, o que não é possível tendo no reino tanto impedimentos”. Dessa maneira, deixava claro que o estanco “encontra totalmente o aumento da cultura do cacau e baunilhas do Estado do Maranhão”. Já Manuel Rebelo, menos detalhado, defendia também a extinção do contrato, julgando-a “muito conveniente para o aumento do negócio”; por outro lado, lembrava que os estrangeiros arruinavam os negócios dos portugueses diminuindo os direitos sobre suas drogas. Assim, “se me não oferece meio para que estas drogas e as mais tenham saca para fora sem se lhe abaterem os direitos e se moderar o preço da conquista, e mais quando estas drogas é fábrica nova, a que se deve dar largueza para que se possa continuar”. Acompanhando as sugestões dos comerciantes – o procurador da Fazenda argumentara que o estanco não podia atingir produtos livres para se comerciar120 – o Conselho recomendava que o príncipe acudisse

Em registro de suas consultas, o Conselho da Fazenda anotava a dissenção do procurador da Fazenda real: “Chocolate. O estanco que dele estava feito, mandou S.M. extinguir, por resolução de 29/03/1680, em consulta do Conselho, de 27, sem embargo de que por procurador da Fazenda o impugnou”. “Alphabeto das rezoluções das Consultas do Conselho da 120

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“com remédio conveniente ao dano que se pode seguir na continuação deste estanco”. A resolução real acompanhava a consulta do Conselho Ultramarino e determinava que: “ao Conselho da Fazenda mandei ordenar se extinguisse o estanco do chocolate e que o cacau cultivado, baunilhas e anil do Estado do Maranhão fossem livres de todos os direitos por tempo de seis anos e que nos quatro anos sucessivos pagassem metade deles, como também não pagará mais que meios direitos o cacau bravo por tempo de quatro anos, e o que estiver na Casa da Índia se guardará logo esta mesma regra assim no bravo como no cultivado, e que para todas as mais drogas novas que se descobrirem naquele Estado concedo o mesmo indulto para serem livres de direitos, pelo tempo e forma em que ordeno o sejam o cacau cultivado, baunilhas e anil”.121

Note-se que, pela resolução do príncipe, “cacau cultivado” e “cacau bravo” tinham status diferenciados para a Coroa. Não só havia uma distinção entre um e outro, como a isenção de direitos era diferente para cada um, com claro pendente pelo cacau cultivado, sinal da política e concepção da Coroa a respeito da importância da agricultura para o “aumento e conservação” do Estado do Maranhão e Pará. Ao que parece, as coisas não parecem ter se desenrolado de início da melhor forma. Numa carta escrita em 10 de abril de 1681, o governador Inácio Coelho da Silva queixava-se da atuação do provedor Dom Fernando Ramirez. Segundo o governador, o provedor não introduzira a cultura do cacau “como prometeu a V.A.”, ou porque encontrara diferenças entre as terras do Maranhão e as das Índias de Castela, ou porque “desconfiasse se lhe não deveria a ele a introdução desta cultura”, pelo fato de, na região, os padres da Companhia de Jesus e alguns moradores já terem iniciado o plantio dele. O governador em seguida relata como ao chegar ao Estado do Maranhão e Pará (juntamente com o provedor castelhano, pelo qual parecia não ter

Fazenda. Decretos e Alvaras que os Reys de Portugal passaraõ sobre a adminstraçaõ da sua Real Fazenda. Anno de 1705”. BNP, Coleção Pombalina, nº 178, f. 87v. 121 “CCU-Pedro II”. 14/03/1680. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 647. A consulta inclui o papel contrário ao estanco e os pareceres dos comerciantes.

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muita simpatia), explicara a importância do produto e o interesse da Coroa no seu desenvolvimento, “e que, conforme a quantidade de árvores que plantassem, ademais do lucro que haviam de ter, lhes faria V.A. mercê (…) e a mesma diligência fiz com os moradores deste Pará, tanto que aqui cheguei, fazendo-lhes a todos presente a carta de V.A. sobre lhes fazer mercês aos que se adiantassem nesta cultura”.

Na capitania do Pará, relatava, encontrou ao nosso já conhecido João de Ornelas da Câmara, “o primeiro que neste Estado” iniciara o cultivo de cacau, havia cinco anos, com mais de 8 mil árvores plantadas. A carta trazia também boas notícias, pois contava Coelho da Silva que “com a promessa que lhes assegurei”, em virtude das mercês que prometia o príncipe, “se animaram muitos a esta planta, e há muito cacau plantado”; se inicialmente, continuava, tinham se desanimado os moradores pela “pouca saída que esta droga tinha”, com as liberdades de direitos que prometia a Coroa, “se tornam a animar a tratar dela”. Finalmente, voltava a atacar ao provedor, afirmando não só que o cacau não se dava tão facilmente como se havia pensado, mas que o cultivo feito nas terras de alguns portugueses, devia-se somente à “indústria” dos próprios moradores.122 Deixando de lado a hostilidade do governador para com o provedor-mor (talvez até porque este fosse castelhano)123, que compõem e constroem a carta de Inácio Coelho da Silva, o que interessa aqui é mostrar que o plantio do cacau pode ter nascido de um interesse particular – não é fortuito o fato de João de Ornelas da Câmara ter escrito seu “papel” e ser plantador de cacau – ou mesmo

“Carta de Inácio Coelho da Silva para Dom Pedro II”. Belém, 10/04/1681. AHU, Pará, cx. 3, doc. 190. Ver a consulta do Conselho Ultramarino sobre esta carta: “CCU-Pedro II”. 28/07/1681. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 654. 123 As queixas de Coelho da Silva, de qualquer modo, valeram uma reprimenda a Dom Fernando Ramirez. “Para o ouvidor geral do Maranhão. Sobre se lhe ordenar ouça a Dom Fernando Ramires a respeito de não haver instruido os moradores daquelle estado a cultura do cacáo e mais plantas como havia prometido”. 20/08/1681. ABN, vol. 66 (1948), p. 60. 122

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institucional – no caso da Companhia de Jesus.124 Mas houve claramente uma conjunção de interesses com a Coroa, que se mobilizou para potencializar essas possibilidades, lançando mão de estratégias próprias de uma sociedade de Antigo Regime: o governador era exemplar ao prometer “lucros” e “mercês” aos moradores que se aventurassem a plantar o cacau. Essas mercês também diziam respeito a algo muito apreciado no Estado do Maranhão e Pará: trabalhadores indígenas. Temos notícia de pelo menos uma concessão de descimento de 20 casais de índios livres, para trabalhar nos 10 mil pés de cacau que José Portal de Carvalho alegava ter plantado. A justificativa da concessão é mais do que significativa, pois se lhe deferia o pedido, “observando-se com ele o que se resolveu com Francisco Rodrigues Pereira em semelhante requerimento que fez para descer outros 20 casais para pastorearem os seus gados, e cultivarem a terra e servirem nos engenhos”.125 Cacau cultivado, açúcar e gado se equivaliam para a Coroa, revelando uma política que se adaptava e não o fracasso de um modelo ideal de “colonização” como parte da historiografia insistiu. A produção de cacau cultivado claramente tardou para se estabelecer. Em setembro de 1684, o rei escrevia ao governador determinando-lhe que encomendasse aos moradores o plantio de cacau e baunilha. Mais de dois anos depois, novas queixas por parte da Coroa para o novo governador, Artur de Sá e Meneses: “por se entender que os moradores desse Estado não mandaram a este reino o cacau com tanta abundância, e nele se considerar ao presente excessiva perda; me pareceu encarregar-vos (…) o cuidado da sua cultura, premiando-se os que o cultivarem”.126

Mas em finais do século XVII, o procurador do Estado do Maranhão e Pará junto à Corte escrevia numa petição que, “a capitania O papel dos jesuítas parece ter sido exagerado pela historiografia. Ver, por exemplo: WALKER. “Slave labor and chocolate in Brazil”, pp. 85-89. 125 “Para o governador geral do Maranhão. Sobre se conceder a Jose Portal de Carvalho o poder baixar vinte cazaes de indios do rio das Amazonas por a cultura do cacao”. 27/03/1702. ABN, vol. 66 (1948), p. 214. 126 “Para o governador do Maranhão. Sobre a cultura do cacáo e premiar-se os que o cultivarem”. 24/11/1686. ABN, vol. 66 (1948), pp. 73-74. 124

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do Grão-Pará logra hoje a cultura do cacau, andando os moradores uns e outros com emulação, a qual há de […] mais, e há esperanças de que nesta cultura terá a Real Fazenda muitos rendimentos, assim nos dízimos como nos direitos”.127 Infelizmente, é praticamente impossível encontrar qualquer referência sistemática ao cultivo e exportação do cacau, situação agravada pela perda de boa parte da documentação da Casa da Índia e Mina, para o período anterior ao terremoto de 1755. Apenas informações esparsas e fragmentadas puderam ser recuperadas, o que se agrava pelo fato de que quando há alguma referência, não há como saber se se trata de cacau “bravo” ou cultivado, como as 56 arrobas, 6 arráteis transportados pelo navio Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio, do mestre Luís Franco Magno, em 1679, que foram vendidos ao comerciante Antônio de Castro Guimarães.128 Mas as petições para confirmação de terras e as próprias confirmações das sesmarias parecem indicar que o procurador do Estado não exagerava as suas notícias do Maranhão e Pará, estratégia frequente em requerimentos desse tipo. Ao sistematizar os dados referentes aos plantios realizados ou “desejados” nas sesmarias, pode-se inferir que a política de incentivo da Coroa, apesar de todos os seus problemas, parece ter rendido alguns resultados, diferentemente do que Dauril Alden sugeriu em seu clássico texto sobre cacau na Amazônia. 129 De fato, das concessões e confirmações de sesmarias, um pouco mais de um quarto dos sesmeiros dizia plantar cacau130 (o que representava

A petição do procurador está inclusa em: “CCU-Pedro II”. 21/08/1699. AHU, Maranhão, cx. 9, doc. 981. 128 O montante do cacau transportado aparece em razão de uma discussão em torno da isenção de direitos de alfândega na Casa da Índia e das competências e jurisdições do Conselho Ultramarino e do Conselho da Fazenda. Ver: “CCUPedro II”. 7/08/1679. AHU, Maranhão, cx. 6, doc. 638; e “Com a consulta do da Faz.a sobre a duvida que o Provedor da Casa da India tem a dar comprim. to a hum despacho deste concelho tocante aos fechos de cacao e anil que vieraõ do Maranhaõ”. 31/10/1679. AHU, cód. 17, f. 301A. 129 ALDEN. “The significance of cacao production in the Amazon region during the late colonial period: an essay in comparative economic history”. Proceedings of the American Philosophical Society, vol. 120, nº 2 (1976), p. 115. 130 “Sesmaria no Maranhaõ. Manoel de Barros e Silva”. Conc. 21/08/1700. Conf. 10/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 27-28; “Sesmaria. Catherina Alvez”. Conc. 7/12/1700. Conf. 9/01/1704. DGARQ/TT, Pedro 127

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praticamente metade dos sesmeiros da capitania do Pará), e mais seis pessoas requeriam terras para plantá-lo.131

II, livro 28, ff. 300v-301v; “Sesmaria no Maranhaõ. M.el de Passos Moura”. Conc. 10/06/1701. Conf. 19/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 113v-114v; “Matheus de Carvalho e Siq.ra. Sesmaria no Maranhaõ”. Conc. 7/02/1702. Conf. 23/10/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 294-295; “Sesmaria. Sebastiaõ Gomez de Souza”. Conc. 13/11/1702. Conf. 15/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 202-202v; “Sesmaria no Maranhaõ. Franc.co Villella”. Conc. 22/11/1701. Conf. 12/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 78-79; “Sesmaria no Estado do Maranhaõ. An.to de Souza Moura”. Conc. 29/11/1701. Conf. 21/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 112v-113v; “Sesmaria no Maranhaõ. M.el Soeiro Lobato”. Conc. 10/02/1702. Conf. 24/03/1703. DGARQ/TT, Pedro II, livro 28, ff. 58v-59v; “Sesmaria no Maranhaõ. Joseph da Costa Tavares”. Conc. 13/02/1702. Conf. 13/10/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 292v294; “Sesmaria. Donna Sebastiana de Souza Bitancor”. Conc. 29/02/1702. Conf. 28/11/1700. DGARQ/TT, Pedro II, livro 27, ff. 110-111; “Sesmaria no Maranhaõ. Antonio de Payva de Azevedo”. Conc. 29/08/1702. Conf. 19/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 172-173; “Sesmaria. Leaõ Pr.a de Barroz”. Conc. 10/10/1702. Conf. 6/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 194v-195; “Carta de sesmaria. M.el Roiź Chaves”. Conc. 13/11/1702. Conf. 7 de outubro de 1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 63, ff. 246v-247; “Manoel Lopes Reis”. Conc. 5/01/1703. Conf. [12]/02/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 45, ff. 318-319; “Carta de sesmaria. An.to Glź Ribr.o”. Conc. 16/01/1703. Conf. 13/02/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 63, ff. 70-70v; “Sesmaria. Manoel Glź Luiz”. Conc. 16/01/1703. Conf. 29/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 179-180; “Sesmaria. Amaro Roiź Ferreira”. Conc. 20/02;1703. Conf. 23/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 176v-178; “Sesmaria. M.el Aranha Guedez”. Conc. 7/03/1703. Conf. 23/09/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 175v-176v; “Sesmaria. Manoel Alź de Lima”. Conc. 11/04/1703. Conf. 17/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 21-211; “Sesmaria. Manoel de Braga”. Conc. 3/06/1703. Conf. 13/07/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 40-41; “Joaõ dos Santos”. Conc. 4/07/1703. Conf. 17/02/1704. DGARQ/TT, Pedro II, livro 55, ff. 111v-112; “Sesmaria. Jozeph do Couto”. Conc. 10/02/1705. Conf. 6/11/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 232-233. 131 “Semaria. Joseph de Cunha Deça”. Conc. 21/11/1697. Conf. 18/02/1702. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 343v-345; “Sesmaria. Clemente Sueiro Palheta”. Conc. 6/02/1702. Conf. 18/09/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 63-64; “Sesmaria. Luis Vr.a da Costa”. Conc. 18/10/1702. Conf.

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É claro que os dados das sesmarias não são totalmente confiáveis, uma vez que os moradores, como vimos no segundo capítulo, legitimavam suas pretensões também magnificando a ocupação de suas terras, o que certamente seduzia as autoridades e a própria Coroa a concedê-las e confirmá-las. Assim, há indícios de que o plantio do cacau parece ter deslanchado, diferentemente do que a historiografia enfatizou.132 Por outro lado, não se pode pensar que a exploração do cacau bravo e o cacau cultivado eram atividades excludentes no Estado do Maranhão e Pará. Assim, no mesmo período em que as sesmarias eram confirmadas, o almoxarifado da capitania do Pará registrava 226 canoas que iam ao sertão à coleta do cacau e cravo, o que indicava claramente a conviência das duas atividades.133 De qualquer modo, o fato é que o cacau somente se tornou um produto central na pauta de exportações do Estado do Maranhão e Pará a partir da década de 1730, e especialmente após a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, nos tempos do ministério do Marquês de Pombal.134 O impacto da exploração de cacau 1/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 180v-181; “Sesmaria. Joaõ Paes do Amaral”. Conc. 12/03/1703. Conf. 27/09/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 31, ff. 88v-89v; “Sesmaria. Manoel Alź de Lima”. Conc. 11/04/1703. Conf. 17/10/1705. DGARQ/TT, Pedro II, livro 30, ff. 210-211; “Joaõ Vaz de Freitas”. Conc. 16/12/1705. Conf. 19/06/1706. DGARQ/TT, Pedro II, livro 44, ff. 340v-341. 132 DIAS. “O cacau brasileiro na economia mundial – subsídios para sua história”. Stvdia, nº 8 (1961), p. 27; GROSS. The economic life of the Estado do Maranhão e Grão Pará, p. 10; ALDEN. “The significance of cacao production in the Amazon region”, p. 115. 133 “Treslado das receitas que constaõ do livro do almoxar.do com que servio o almox.e que foi desta capitania do Parâ Luis Pereyra”. 1700-1702. BNF, Manuscrits Occidentaux, Portugais 39, ff. 60v, 61, 63v, 67v, 69, 76v-77, 79v. 134 Sobre a Companhia de Compércio e sobre o cacau, ver: Tito Augusto de CARVALHO. “As companhias portuguezas de colonização”. Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 19ª série (1902), pp. 311-27; DIAS. “As frotas do cacau da Amazônia (1756-1777): subsídios para o estudo do fomento ultramarino português no século XVIII”. Revista de História, vol. 24, nº 50 (1962), pp. 36377; DIAS. “O cacau brasileiro na economia mundial – subsídios para sua história”. Stvdia, nº 8 (1961), pp. 7-93; DIAS. A Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, 1755-1778. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, 2 vols.; ALDEN. “The significance of cacao production in the Amazon region”;

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na sociedade colonial da Amazônia, notadamente no século XVIII, ainda precisa ser devidamente aprofundado. Nesse sentido, embora talvez exagerada, não há dúvida que se mantém provocativa e instigante a sugestão de José Ubiratan Rosário ao se referir à configuração de um “processo civilizatório” ligado ao desenvolvimento econômico desse produto na região amazônica, ao longo do século XVIII (processo que o autor compara ao do ouro nas Minas Gerais).135

António CARREIRA. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (o comércio monopolista Portugal-África-Brasil na segunda metade do século XVIII). São Paulo/Brasília: Companhia Editora Nacional/INL, 1988, 2 vols. 135 José Ubiratan ROSÁRIO. “A civilização do cacau na Amazônia”. Cadernos do CFCH, número especial (1985), pp. 43 e 49.

Considerações finais O meu intento nas páginas deste livro foi o de explicar a ação da Coroa no Estado do Maranhão e Pará, a partir da advertência que o Conselho Ultramarino fez ao príncipe em 1673. Parece-me que algumas conclusões mais gerais decorrem da explanação aqui desdobrada. Em primeiro lugar, a imagem de uma Amazônia abandonada a sua própria sorte, cujos destinos mudam radicalmente com Pombal, creio, deve ser deixada de lado. Se há razões suficientes para justificar o papel central do ministro de Dom José I nos destinos do Estado do Maranhão e Pará (a partir de então, Estado do Grão-Pará e Maranhão) e do próprio reino, não há dúvida que os feitos de Pombal – que por sinal nem sempre foram mais exitosos que os de seus antecessores – devem ser conectados com a experiência anterior. Disso decorre, de um lado, a necessidade de recolocar o papel da Coroa, das autoridades régias e dos vários grupos que compuseram a sociedade colonial nos fados do Maranhão, já a partir de meados do século XVII, período que foi comumente concebido como o da consolidação das poderosas ordens religiosas, notadamente a Companhia de Jesus. Há no “aumento e conservação” do Estado do Maranhão e Pará, muito lugar para os governadores, os capitães, os moradores, os migrantes, entre outros – isso sem falar em grupos indígenas, africanos e mestiços –, que foram historiograficamente obscurecidos pelo excessivo protagonismo dos clérigos regulares. Por outro lado, o estudo que fiz aqui só fortaleceu a minha convicção de que até não entendermos em profundidade a Amazônia “joanina” – isto é, a da primeira metade do século XVIII – pouco entenderemos o legado dos reinados de Dom João IV e seus filhos, Dom Afonso VI e Dom Pedro II, e os sentidos do ministério do próprio Pombal na região. É claro que o texto que apresento aqui deixou de lado inúmeras questões centrais da sociedade que se construiu na região. Tal é o caso do problema do trabalho e do lugar social de índios e africanos, os processos de mestiçagem, as redes de poder político que se constituem no território, as formas de exploração das riquezas e da geografia dos sertões, entre vários outros aspectos, que maranhenses, piauienses, amazonenses e paraenses, principalmente, têm destacado nos últimos anos.

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De qualquer modo, parece-me que a pesquisa feita aqui indica a necessidade de reconectarmos a região ao Brasil a partir de outros patamares que não os da dependência explicativa. Os rumos tomados pela conquista do Maranhão e Grão-Pará estão ligados a muitos dos problemas internos que a experiência da conquista foi pouco a pouco revelando (inclusive a sua condição de fronteira). Exemplar, nesse sentido, é o caso das drogas do sertão, cujo sucesso se atribui ao fracasso da agricultura, e não às relações particulares que se estabeleceram com a natureza da região, ao desmoronamento da Índia portuguesa e ao desenvolvimento de outras experiências nas Índias de Castela, principalmente. O caminho do Estado do Maranhão para o Estado do Brasil foi insistentemente perseguido a partir de finais do século XVII, mas esse caminho ensejava apenas a conexão entre duas unidades distintas das conquistas portuguesas na América. A tentação de projetar as atuais fronteiras do Brasil para o passado é muito grande, mas pouco nos ajuda a compreender as especificidades, o caráter multifacetado dos diversos territórios que compunham as conquistas de Portugal e o modo como se conectavam ao reino e entre si. Entender essa diversidade é fundamental para entender o heterogêneo Brasil de hoje, para o qual e a partir do qual falamos.

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Códices Livros de Registro de Consultas Mistas – códices 13, 14, 16, 17, 19 Livros de Registro de Consultas do Serviço Real – códice 30 Livros de Registro de Consultas de Partes – códices 278, 46, 47, 48, 49, 51 Livros de Registro de Provisões – códices 92, 93, 94, 95 Livros de Registro de Ofícios – códices 113, 120, 121 Livros de Registro de Consultas do Maranhão – códice 274 Livros de Registro de Cartas Régias – códices 275, 276 Livros de Registro de Contratos Reais – códice 296 Livros de Registro de Cartas Régias para o Maranhão – códice 268 Livro de Registro de Cartas Régias da Câmara do Pará – códice 1275 Biblioteca Nacional da Ajuda Códices – 50-V-37, 51-VII-27, 51-V-43, 54-XIII-4 Biblioteca Nacional de Portugal Reservados – códices 585, 1570, 4517, 7627 Coleção Pombalina – nº 178 Direcção Geral de Arquivos/Torre do Tombo Chancelaria de Dom João IV – livros 1 Chancelaria de Dom Afonso VI – livro 33 Chancelaria de Dom Pedro II – livros 23, 24, 26, 27, 28, 30, 31, 44, 45, 53, 54, 54, 55, 57, 59, 61, 62, 63 Chancelaria de Dom João V – livros 32, 64 Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor – livros 247, 254, 255, 263 Registro Geral de Mercês – livros 1, 2, 4, 5, 18 Junta da Administração do Tabaco – Consultas, maços 1, 2, 5; Feitos Findos, maços 115, 115A; Decretos, maço 50 Ministério do Reino, Conselho da Fazenda – Registro de decretos, livros 162, 163 Conselho Ultramarino – livro 1 (Decretos) Coleção São Vicente – volumes 12, 23 Manuscritos do Brasil – nº 108 Sociedade de Geografia de Lisboa Reservados 3-C-13, 3-D-18

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