\'Pra frente Brasil\' Identidade e futebol na música popular brasileira

June 20, 2017 | Autor: Carlos Bertoglio | Categoria: Football (soccer), Identity (Culture), Musica Brasileira
Share Embed


Descrição do Produto



Grandes nomes como Freyre, Roberto Da Matta e Nelson Rodrigues tem escrito valiosas páginas sobre o tópico da brasilidade e o papel que futebol brasileiro desempenhou nesta construção.
Como parte dos dispositivos discursivos culturais, onde, segundo Stuart Hall as identidades são construídas.
Charles Miller, o filho de um empregado de uma empresa ferroviária, foi, de acordo a lenda, quem levou a primeira bola do futebol no Brasil em 1894.
Se refere ao âmbito competitivo do esporte. O futebol teve um desarrolho paralelo nas classes altas e baixas devido "principalmente pelo fato da sua expansão simultânea ao desenvolvimento urbano ocorrido no Brasil nas primeiras décadas do século passado" (4, Tomazett). As classes pobres deram origem ao chamado "futebol de várzea".
O primer campeonato professional foi ganhado em 1933 pelo time "Palestra Itália", atualmente "Palmeiras".
Leônidas era conhecido como "o diamante negro".
O jornalista francês Gabriel Henot criou a expressão "futebol-arte" depois de assistir a seleção brasileira na Copa de Suécia.
O respeito pelas regras e a disciplina que o esporte introduze (entre outras caraterísticas) são consideradas "civilizatórias". Nos começos do século XX o futebol era considerado um "esporte fidalgo" e um "sportsman" devia ser um "gentleman". Murray afirma: "...o futebol era parte do equipamento colonial, seja como atividade de lazer, para os expatriados, seja como meio, junto com a Bíblia, de executar a missão 'civilizadora'." (39)
O filme de Roberto Farias Pra frente Brasil (1982) retrata a repressão ditatorial nesta época.
Não estou afirmando que esse e um processo consciente e voluntario.


"Pra frente Brasil": Identidade e futebol na música popular brasileira
O Brasil é habitualmente definido como o pais do samba, carnaval e futebol e portanto qualquer análise sociológica, psicológica ou cultural da sociedade brasileira não pode negligenciar a importância que a música, a dança e o esporte mais popular tem na hora de tentarmos entender o que é o Brasil. Apesar do simplismo e o reducionismo desta delimitação para uma nação tão rica e diversa como é a brasileira, resulta imprescindível pesquisar as origens e a progressiva conformação deste discurso identitário.
Neste trabalho a minha intenção não é chegar até o fundo desta questão, já que existe um grande número de páginas escritas sobre o tópico da brasilidade , mas simplesmente examinar a importância do futebol na construção da identidade brasileira no início do século XX até hoje levando em conta os entrecruzamentos entre esse esporte e a música popular brasileira; para ser mais preciso, investigarei como a música popular brasileira têm refletida a construção da identidade brasileira através do futebol ao longo do distintos períodos históricos nos séculos XX e XXI. Para que isso aconteça, eu vou analisar as letras de quatro canções emblemáticas de distintos períodos históricos para demostrar como alguns conceitos chave no discurso da formação de uma identidade nacional (miscigenação, homogeneização, união na diversidade, harmonia e essencialismo) tem uma forte presença nas letras que falam do futebol brasileiro. Finalmente, demostrarei que a criação da imagem e o mito do futebol brasileiro como "futebol-arte", pode ser lida como um caso mais de antropofagia cultural, pela qual o esporte é transformado em um produto artístico de exportação.
Segundo a antropóloga Simoni Lahud Guedes, hoje é incontestável que, "" (5), mas no começo do século XX, o futebol no Brasil tinha um caráter excludente e oligárquico. Introduzido no país no final do século XIX, o futebol era considerado um esporte de elite, portador da civilização europeia onde ele tinha nascido. Celso Branco exemplifica esta situação:
Fiéis à tradição brasileira de barreiras de classe, maiores que as barreiras de raça, os primeiros clubes de futebol não impediam os não-brancos, nem como sócios, nem como atletas. Mas, até o fim dos anos 20, a maioria dos jogadores era branca. Apenas alguns mulatos, com uma criação socialmente aceitável, jogavam sem incidentes. (14)
Um de esses mulatos foi Arthur Friedenreich, filho de um comerciante alemão e de uma mãe negra. Friedenreich se converteu em um verdadeiro herói depois da conquista da Copa da América do Sul em 1919 e que em 1925 também levou sua destreza para Europa (França especificamente) onde o time dos brasileiros (O Clube Atlético Paulistano) foi reconhecido pelos jornalistas franceses por seu estilo repleto de dribles, manhas e magias. O singular uso do corpo pelos jogadores brasileiros já é distinguido nesse momento e se constituirá durante o resto do século XX na caraterística central da forma "abrasileirada" de jogar futebol. Este estilo será também ligado, analisado e definido em relação as danças afro-brasileiras e ao mito das três raças.
Seguindo as ideias do crítico literário Edward Said soube a noção de "orientalismo" e a importância da construção de um "outro", é possível perceber que o "redescobrimento" do Brasil no campo do futebol permite que a Europa reafirme sua identidade frente a este "outro" que é distinto e "naturalmente" exótico. Para os brasileiros, este reconhecimento dos países da Europa civilizada contribui na criação e solidificação de um discurso cultural que promove a noção de brasilidade tão necessária para a jovem nação.
Por outro lado, a presença de Friedenreich na seleção brasileira e a inclusão de negros e mulatos no time do Vasco da Gama que ganhou o campeonato do 1923 foram chave para o rompimento de barreiras de classe e cor no âmbito do futebol. A profissionalização do futebol na década de 1930 durante o governo de Vargas adicionou a possibilidade de mobilidade social através do esporte.
Neste contexto, Ari Barroso, figura importante no movimento nacionalista de Vargas, compõe "Deixa Falar". A letra deste samba, gravado em 1938 pela famosíssima Carmen Miranda, exalta a figura de Leônidas, um jogador negro conhecido por sua capacidade atlética e sua velocidade: "Você pensava/ que o caboclinho fosse/Negro de senzala/Para se comprar/Só porque viu que/ Ele tem um sete/Deixou mundo inteiro/Em revolução/ Quando ele bota/Aquele pé em movimento/ E chuta/ Tudo para dentro/Não tem sopa, não".
O negro escravo, figura decisiva na história e a conformação racial e cultural do Brasil, é substituído pelo negro diamante, o negro que tem um valor incalcul vel, mas não pode ser comprado, o negro que representa o Brasil frente ao mundo inteiro como uma nação onde a integração racial e a miscigenação eram uma realidade possível.
A obtenção da taça do mundo em 1958 acrescentou o sentimento de orgulho patriótico despertado pela seleção de futebol e reforçou a ideia da originalidade, superioridade e gênio dos (jogadores) brasileiros. O triunfo do time na Suécia foi concebido como uma vitória de todos os brasileiros, gostassem de futebol ou não, assim como uma verdadeira manifestação do "ser" brasileiro através de sua performance no campo de futebol. O brasileiro não vai somente jogar futebol, ele vai transformá-lo em arte. A canção "A taça do mundo é nossa" --composta para as comemorações após a Seleção Brasileira de Futebol ter vencido a Copa do Mundo FIFA de 1958 na Suécia—enfatiza a ideia da apropriação e transformação do futebol pelos brasileiros: "O brasileiro lá no estrangeiro/ Mostrou o futebol como é que é/ Ganhou a taça do mundo/Sambando com a bola no pé/ Goool!".
A chave da transformação que este esporte (esta pratica civilizatória inglesa) sofre não é explicada como uma questão do jogo em sim ou de técnica futebolística no sentido mais formal e estratégico, mas na fonte do estilo brasileiro (ou abrasileirado) de jogar futebol que é encontrada na essência do homem brasileiro. Nelson Rodrigues explica claramente: "...o forte do Brasil não é tanto o futebol, mas o homem. Jogado por outro homem o mesmíssimo futebol seria o desastre. Eis o patético da questão: – a Europa podia imitar o nosso jogo e nunca a nossa qualidade humana" (79).
Por sua vez, Gilberto Freyre, um dos maiores intelectuais da época e autor de Casa grande e senzala, reforça esta ideia ao mesmo tempo que conecta o futebol e a dança como manifestações do "mulatismo" dos brasileiros:
...esse estilo é mais uma expressão do nosso mulatismo ágil em assimilar, dominar, amolecer em dança, curvas ou em músicas, as técnicas europeias ou norte-americanas mais angulosas para o nosso gosto: sejam elas de jogo ou de arquitetura. Porque é um mulatismo o nosso - psicologicamente, ser brasileiro é ser mulato - inimigo do formalismo apolíneo sendo dionisíaco a seu jeito - o grande feito mulato. (412)
A ideia de que só há uma forma de ser brasileiro e a sensação de inevitabilidade que isso transmite (já que as pessoas são psicologicamente mulatos/brasileiros) servem para deixar claro o pensamento essencialista de Freyre. Ninguém pode escapar desse tipo de brasilidade que o autor proclama e esse "nos" que define e homogeneíza os brasileiros também os limita e encarcera. Segundo Freyre, parece que só há uma forma possível de ser brasileiro e todas as pessoas nascidas no Brasil simplesmente não podem não compartilhar essa maneira dionisíaca de viver.
Outro exemplo de exaltação patriótica e união indissolúvel mediante o futebol pode ser encontrado na canção "Pra frente Brasil", composta por Miguel Gustavo antes da Copa do Mundo de 1970. Enquanto o país estava sendo governado por um regime militar que utilizava a força física para dissolver disputas internas, a representação do futebol na música e a ideia do futebol como aglutinador de paixões conjuntas funcionava como um exemplo de força simbólica que representava (inventava) um Brasil firme, harmônico, homogêneo e sobretudo unido. Na letra desta canção a palavra mais repetida é "todos", o que impõe a imagem de uma comunidade imaginada sem fissuras, que vai pra mesma direção ("pra frente"). A frase "Parece que todo o Brasil deu a mão" metaforiza o conceito de união do povo brasileiro de uma maneira simples e efetiva e, segundo Branco, se converte em: "uma das mais perfeitas traduções da ideia de "comunhão" dos brasileiros" (28).
Finalmente, em "Tatu bom de bola", a canção de mascote da Copa do Mundo do Brasil em 2014 composta por Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto, a união entre dança, futebol e brasilidade é novamente relatada. O brasileiro (o tatu) é caraterizado como "Um moleque tão ligeiro, / tão difícil de marcar" que quando joga "Balança pra lá, balança pra cá" como se estivesse dançando e que "Só faz gol de placa" ou seja gols extraordinários, únicos e impossíveis de imitar. Como se pode ver, as definições de Rodrigues e Freyre (entre outros) do que é o futebol para os brasileiros seguem vigentes e já viraram parte do imaginário da nação nesta altura do século XXI.
Para concluir, ressaltarei uma ideia presente no ensaio, mas ainda não verbalizada: a leitura da configuração do futebol brasileiro como um produto próprio, característico e original que se apropria de uma invenção estrangeira e a deglute (a canibaliza) para logo transformá-la, de acordo com os postulados do "Manifesto Antropofágico" de Oswald de Andrade. A criação toma o nome de futebol-arte em contraposição ao futebol-força dos ingleses e é descrito por Armando Nogueira, no prefácio do livro Futebol-Arte, como aquele que: "... antes de pensar, intui. Que, antes de sentir, pressente" (12), que está cheio de "florões e arabescos" (12) e é "sem dúvida, uma das mais belas metáforas da alma brasileira" (12).
A visão de uma sempre intangível e discutível "essência brasileira" através da forma de jogar futebol dos brasileiros é claramente um dos elementos fundamentais para fazer deste esporte um símbolo da nação onde a heterogeneidade não parece ter lugar. Neste ensaio, me aproximei as representações desta noção no âmbito da música popular para considerar os eixos sobre os quais este discurso foi construído e sustentado ao longo do tempo.














Referências
Branco, Celso. "O Futebol E a Música Popular Brasileira (1915-1990)". Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGENF-UNIRIO): Sport: Laboratorio de Historia do Esporte e do Lazer, 2010. Internet resource.
Freyre, Gilberto. Sociologia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1945. Print.
Guedes, Simoni L. O Brasil No Campo De Futebol: Estudos Antropológicos Sobre Os Significados Do Futebol Brasileiro. Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998. Print.
Murray, Bill, and Carlos Szlak. Uma História Do Futebol. São Paulo: Hedra, 2000. Print.
Rodrigues, Nelson, and Ruy Castro. A Pátria Em Chuteiras: Novas Crônicas De Futebol. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras, 1994. Print
Souza, Jair, Lucia Rito, and Sérgio S. Leitão. Futebol-arte. São Paulo, SP: Editora SENAC São Paulo, 1998. Print.
Tomazett, Luciano de Castro. "The passion for football and the construction of a new identity: cultural industry excited, Freud explained." Esporte e Sociedade 4.11 (2009).





Bertoglio 8


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.