Práticas Alimentares e sociabilidades em Famílias Rurais da Zona da Mata Mineira: Mudanças e Permanências

June 14, 2017 | Autor: R. de Souza Lima | Categoria: Food and Nutrition, Sociology of food and agriculture, Sociología rural, Antropology of Food
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Por Extenso

Boletim de Pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural

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nº 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA Reitora: Nilda de Fátima Ferreira Soares CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS Diretor: Rubens Alves de Oliveira DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL Chefe: Wilson da Cruz Vieira PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL Coordenador: José Ambrósio Ferreira Neto COMISSÃO COORDENADORA Ana Louise de carvalho Fiúza José Ambrósio Ferreira Neto Marcelo Leles Romarco de Oliveira Luciano Rodrigues Costa CONSELHO EDITORIAL Alair Ferreira Freitas Ana Louise de Carvalho Fiúza Denis Antônio Cunha Douglas Mansur da Silva José Ambrósio Ferreira Neto Luciano Rodrigues Costa Marcelo José Braga Marcelo Leles Romarco de Oliveira Marco Aurélio Marques Ferreira Maria Izabel Vieira Botelho Rennan Lanna Martins Mafra Sheila Maria Doula ORGANIZADORA: Ana Louise de Carvalho Fiúza A revisão de cada artigo é de responsabilidade de seus autores. Toda correspondência e material para publicação (vide normas na página 186) devem ser dirigidos ao seguinte endereço: Por Extenso Boletim de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural Departamento de Economia Rural / UFV 36570-000 - Viçosa, MG - Brasil Tel.: (31) 3899-1689 / E-mail: [email protected]

Por Extenso

Boletim de Pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural

organizado por:

Ana Louise de Carvalho Fiúza

Viçosa, MG Novembro, 2015

Por Extenso Boletim de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural é uma publicação anual do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa. Tiragem: 200 exemplares © 2015, Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa

capa, projeto gráfico e diagramação:

Carlos Joaquim Einloft Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação e Classificação da Biblioteca Central da UFV Por Extenso. Boletim de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural / Ana Louise de Carvalho Fiúza, organizadora. - n.7 (2015) - Viçosa, MG : UFV, DER, 2015V. : il ; 20cm. Anual. ISSN: 2176-5537. 1. Extensão Rural - Periódico. I. Fiúza, Ana Louise de Carvalho, 1965-. II. Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Economia Rural. CDD 22.ed. 630.715 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução, total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo art. 184 do Código Penal.

Apresentação Este sétimo número do Boletim Por Extenso, é especialmente dedicado à Professora Nora Beatriz Presno Amodeo, professora do (DER) Departamento de Economia Rural durante 10 anos. Nora chegou ao (DER) no dia 4 de maio de 2005, após ser aprovada através de concurso público para atuar no então Curso de “Gestão de Cooperativas”. A sua atuação profissional na Universidade federal de Viçosa foi marcante, em virtude do seu comprometimento, da sua dedicação e da sua capacidade intelectual. Três anos após chegar ao Departamento de Economia Rural ela já era Coordenadora do Curso de “Gestão de Cooperativas”. Manteve-se à frente do mesmo por seis anos, de 2008 a 2014, conduzindo com afinco o processo de reestruturação pelo qual este passou. O jeito aguerrido de defender as suas convicções ajudou a firmar a identidade do novo Curso de Cooperativismo. Preocupava-se em equilibrar na formação dos estudantes a formação técnica com os compromissos sociais e políticos. Nos seus cursos de Educação Cooperativista I e II e de Tipologia Cooperativista era rigorosa em cobrar a competência técnica dos estudantes. Por outro lado, o seu exemplo de luta pelo curso também transmitia aos estudantes um modelo de profissional apaixonado por uma causa! Mas, se a sua atuação na graduação foi marcante e determinante para os rumos que o curso tomou, a sua atuação na pós-graduação foi igualmente significativa. Ao entrar em 2006 para atuar na pesquisa, apenas um ano após chegar ao Departamento de Economia Rural, ampliou vigorosamente o campo de formação para os estudantes oriundos do curso de cooperativismo. Abriu caminhos para que uma geração de estudantes diferenciados adentrasse a pós-graduação e pudesse problematizar de forma científica o campo de atuação do cooperativismo. Ela sabia que qualquer campo profissional não se constrói pelo empirismo! A prática sem a teoria é cega, dizia ela, citando Kant. 2006 foi realmente um ano produtivo na vida acadêmica de Nora. Lançou junto com Hector Alimonda, professor do CPDA, o livro “Ruralidades, capacitação e desenvolvimento”. E como cooperar não era apenas objeto de pesquisa para ela, mas parte constitutiva de seu modo de vida, lançou, em 2009, o seu segundo livro, em parceria com a Professora Fernanda Henrique Cupertino

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Alcântara, o Professor Marcelo Miná e com a estudantes de mestrado Fernanda Nagem, com uma coletânea de artigos apresentados no VI Seminário sobre Gestão Profissional do Cooperativismo. Mas a Professora Nora Presno do Departamento de Economia Rural não tinha apenas esta faceta séria e comprometida com o seu trabalho a causar admiração a seus colegas professores e aos estudantes. Ela era alegre e descontraída, esbanjava bom humor e carinho na convivência com todos com quem trabalhava. Era presença certa nas festas do Departamento e da ASPUV. Conheci Nora em um dia comum - como comuns são muitos dias sem saber o quanto aquele encontro modificaria minha vida para melhor. Hoje sei que os caminhos se cruzam e recruzam. Encontrei em Nora uma mulher guerreira, determinada, divertida e inteligente, muito inteligente. Encontrei, ao mesmo tempo uma mulher frágil e delicada, capaz de se emocionar com o carinho de um aluno ou com a dor alheia. Encontrei uma mulher indignada com o desrespeito às naturais diferenças entre as pessoas e disposta a lutar por um mundo melhor. Encontrei uma mulher amorosa, que se sensibilizava com uma criança que precisava de apoio e afeto... Uma mulher forte, que enfrentou a dor e a morte de semblante limpo e lúcido até o fim. Encontrei uma amiga, enfim. Alguém a quem admiro e respeito - sim, no presente, pois que creio em sua presença ativa e altaneira junto à Vida. (Viviane Lírio)

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Conheci Nora ao entrar na Universidade Federal de Viçosa, em 2013, como professora do Curso de Cooperativismo. Ela se dispôs a ser minha orientadora e me ajudou em todos os momentos que precisei. Com ela, aprendi um pouco mais sobre o significado da docência e os desafios cotidianos dos processos de ensino. Entre as muitas lições, é preciso ter um olhar atento, cuidado nas relações e paixão pelo o que fazemos. Nora representa o que há de mais bonito no cooperativismo: o espírito de equipe e a disponibilidade ilimitada à cooperação. Para nós, fica a saudade e certamente uma grande inspiração! (Bianca Lima Costa)

Todavia, esta Nora que tivemos o privilégio de ter conosco no Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa, por 10 anos, veio de longe, trazendo uma bagagem intelectual invejável, mas, sobretudo, a dignidade que distingue as pessoas que se tornam inesquecíveis. Uruguaia de Montevidéu, Nora era uma cidadã do mundo. Morou em seu país até os 34 anos, de lá foi para a Holanda fazer o mestrado e logo para o Brasil cursar o doutorado. Aqui construiu uma sólida carreira profissional ao longo de vinte anos. Sua visão de mundo era global. Transitava, com destreza, entre as macropolíticas – sejam do Brasil, do Banco Mundial ou europeias – e as condições de vida e de produção de agricultores familiares, sejam de Minas Gerais, do interior do Uruguai, ou da remota Índia. Em sua atividade acadêmica lutou pelo trabalho interdisciplinar como forma de combater o privilégio dado a conceitos puramente econômicos por cima de outras áreas de conhecimento que confundiam crescimento econômico com desenvolvimento, aumentando a incidência da desigualdade social e a pobreza. Destacou a importância de considerar a participação e o protagonismo dos atores sociais nos processos de desenvolvimento, a preocupação pela sustentabilidade ambiental e o enfoque no território como unidade de referência. Em suas próprias palavras: Este é o marco em torno do qual se desenvolvem minhas atividades, orientadas, em última instância, ao estudo e promoção da participação ativa da comunidade na construção do modelo de desenvolvimento mais adequado a seus desejos, necessidades e vocações. Estudou Agronomia na Universidad de la República Oriental del Uruguay, em Montevidéu. A faculdade abriu-lhe as portas para o conhecimento, e deu asas à sua curiosidade, assim como foi o local onde cultivou amizades que seguiram por toda vida. Conheci a Nora em 1976 quando cursávamos estudos “preparatórios” (pré-universitários) no grupo de Agronomia no Instituto João XXIII da Congregação dos Irmãos Salesianos. Desde então Nora se destacava por seus comentários lúcidos e agudos nas diferentes disciplinas que compunham o programa e pelas suas boas quali-

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ficações, que seguiram ao longo de toda a carreira na Faculdade de Agronomia. Porém Nora não somente foi estudante destacada, mas também uma referência para mim e me atreveria a dizer que para muitos dos que a conhecemos. Desde que a conheci se manifestavam seus dons de liderança e sua capacidade de serviço. Nos “oratórios” do João XXIII e nos acampamentos compartilhados, como professora de catequese, e em tantas reuniões e encontros sua voz era frequentemente escutada, sempre dando o melhor de si mesma a quem a rodeava. Tive a sorte e o privilégio de estudar com Nora muitas disciplinas e compartilhar muitas experiências de vida e como amiga e companheira de estudos desfrutar da sua capacidade intelectual e do seu “dom de gente”, sua alegria, sua força e seu riso, que permanecem e habitam sempre na minha memória e no meu coração. (Marta Chiape) Estudante destacada, de uma inteligência muito aguda, mas sem soberba, e estudar com ela era um privilégio: os temas mais complexos se tornavam compreensíveis. (Ana Bianco) Nora e eu nos conhecemos no primeiro ano da Faculdade e, desde então, compartilhamos muitos anos de estudo, intermináveis horas de preparação de exames, o pavilhão das mulheres em Paysandú junto a outras saudosas amigas, encontros nos trabalhos, visitas, viagens e, apesar das distâncias, sempre mantivemos a comunicação, antes cartas, depois facilitada pelos e-mails e Skype. (Soledad Bergós)

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Já na sua monografia de graduação aproximou-se à temática do cooperativismo –“Diagnóstico del área de Influencia de la Cooperativa Agropecuaria Ltda. De Ombúes de Lavalle: análisis del efecto de la participación de los productores en la labor de extensión y en el desarrollo de la Cooperativa” –, que logo a acompanharia em todo seu desenvolvimento acadêmico. Seu primeiro trabalho foi como extensionista na Cooperativa Agrária de Aiguá, na zona rural do Uruguai. Lá começou a afinar seu olhar não

apenas para o cooperativismo, mas também para a situação das mulheres trabalhadoras rurais e dos jovens, além de refletir sobre sua própria condição como mulher profissional atuando no campo. Vivenciou morar numa comunidade pequena, rural, no interior do país, por alguns anos, o que lhe deu uma perspectiva do local única. Compartilhávamos a paixão pela extensão rural e a reivindicação do lugar das mulheres no trabalho de campo. Daí veio sua iniciação profissional como extensionista na Cooperativa de Aiguá. Desenvolveu um intenso trabalho na CAF de difusão do cooperativismo, de coordenação em diversas áreas, de promoção. (Soledad Bergós)

De uma pequena cooperativa, passou para a instância nacional do cooperativismo, CAF – Cooperativas Agrárias Federadas, projetando sua experiência local para o nível nacional, articulando também com instâncias internacionais do cooperativismo, o que a levou a fazer o mestrado na Holanda, no Institute of Social Studies – ISS. A experiência de estudar no ISS foi muito além da acadêmica. Conviver com pessoas de todo o mundo, de diferentes cursos, além da própria experiência de viver na Holanda, conhecer o desenvolvimento rural e o cooperativismo na Europa, ampliou a visão de mundo dessa inquieta uruguaia. Estudante dedicada, assim como dedicada era aos amigos, estava sempre atenta: encantava falar e escutar. Embora não compartilhássemos o mesmo curso de mestrado, a engenheira Nora sempre teve muita curiosidade pelos processos sociais e culturais; pelas novas teorias, os debates políticos, mas para poder aterrissar de maneira magistral e com uma simplicidade que só os grandes profissionais podem fazer. Seu amor pelo cooperativismo contagiou a todos, até aos mais incrédulos. No coração de seu esforço acadêmico havia sempre um compromisso profundo pela mudança, essa que se constrói sempre de maneira coletiva. (Mare Fort)

Sua dissertação de mestrado já apontava novas inquietações e refletia a expansão e direção de suas reflexões: “Agronegócios e Cooperati-

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vas: sócios ou adversários?”. A partir daí sua carreira acadêmica deslanchou. Foi então que veio para o Brasil fazer o doutorado no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - CPDA, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sob a orientação de John Wilkinson, autor que já lia na Holanda. Dedicou-se com afinco a estudar novas teorias que contribuíssem para compreender como o cooperativismo sobreviveria nesse mundo competitivo e da agroindústria, resultando na tese: “As Cooperativas agroindustriais e os desafios da competitividade”. No Doutorado construiu uma linda história para si, mas, também, para amigos queridos, que atuavam profissionalmente no campo do cooperativismo, e que ainda não tinham uma formação como pesquisadores, como Pierina, e lá também plantou novos amigos que ficaram para sempre, como Catalina. De fato, cheguei ao Brasil e ao CPDA graças a ela, quando decidi que queria dar continuidade a meus estudos por meio da pós-graduação. Um dia cheguei à cooperativa onde trabalhava no Uruguai e tinha uma carta dela, naquela época os e-mails não eram comuns. Nessa carta, ela colocava ‘esta não é uma carta é uma mensagem urgente, no dia tal fecham as inscrições do curso Vitorio Marrama o qual já conheces por Guillermo e Lalo’, amigos comuns de longa data, e continuava ‘liga ao CPDA e fala com Jorge Romano ou Nelson Delgado e se apresenta, pode dizer que eu te passei os dados, ambos falam espanhol’. Vale destacar que Nora dedicou sua vida ao cooperativismo por vocação e convicção, primeiro em Uruguai, nos trabalhos que desenvolveu, dando continuidade a esta vocação na sua dissertação de mestrado na Holanda e na sua tese de doutorado no CPDA, e posteriormente como professora na UFV. Mas quiçá, a marca registrada dela era seu humor, sempre tinha alguma anedota para nos contar e nos fazer morrer de rir. (Pierina Germán)

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De 1994 a 1996 fiz as disciplinas do mestrado Vittorio Marrama no CPDA da UFRRJ. Nora estava fazendo seu doutorado e compartilhou várias aulas, fazendo comentários sempre inteligentes e oportunos. Participava em grupos de estudo onde se destacava por sua rápida compreensão das problemáticas tratadas e pela sua capa-

cidade de traduzi-las ao modo operativo e contextual, por sua capacidade de ‘cooperar’ com todos. Ganhou rapidamente um lugar especial na turma, pelas suas qualidades acadêmicas e pessoais. Compartilhamos esses anos aulas e atividades sociais, construindo uma das mais preciosas amizades da minha vida. Nesses anos de Fernando Henrique ainda quase não se falava de reforma agrária, estávamos nos neo: neoshumpeterianos, neo revolução verde, a nova ruralidade... Analisamos a ação coletiva e Norita firme com o cooperativismo, antes e depois do doutorado e sempre. Sua tese: As Cooperativas Agroindustriais e os Desafios da Competividade. Sua mensagem: educação cooperativa como processo permanente, parece neo, ela teve claro sempre. (Catalina Bisio)

Em seguida ao doutorado passou a trabalhar na REDECAPA, Rede de Instituições Vinculadas à Capacitação em Economia e Políticas Agrícolas, cuja secretaria executiva estava sediada no CPDA/UFRRJ. Lá atuou por alguns anos, com a dedicação e o entusiasmo que lhe eram característicos, como coordenadora acadêmica de cursos a distâncias e semipresenciais para estudantes de diversos países da América Latina. Em 2004 chegou a Minas Gerais, estado que lhe encantou desde que visitou pela primeira vez, em seus primeiros anos no Brasil. Nora gostou de sua gente, de seu lado rural, do doce de leite; de alguma forma, fazia-a sentir-se mais próxima de suas raízes. Foi professora do Centro Universitário de Caratinga durante três anos, fazendo o longo trajeto semanal entre o Rio de Janeiro e a zona da mata mineira. Foi quando surgiu a oportunidade de prestar concurso para a Universidade Federal de Viçosa, em 2005. E, de vez, se estabeleceu no estado. Assim como de vez se dedicou à docência, à pesquisa e à orientação – suas paixões. Tive a oportunidade de sentir o carinho de seus alunos e orientandos. (Soledad Bergós) Estar com Nora era momento de aprendizagem, seja por sua experiência enquanto pesquisadora, seja enquanto pessoa. Sempre atualizada (principalmente com as tecnologias) e sensível! Inúmeras vezes cheguei desesperada sem saber se tinha um problema de pesquisa

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ou não, sem saber se a teoria que escolhi daria certo ou não, sem saber se teria um local onde pudesse fazer a pesquisa de campo... e ela, com seu jeito firme e ao mesmo tempo carinhoso, sorria e dizia: No, no, no, no! (com seu portunhol inconfundível). No se preocupe! Vamos lá! Com calma! Explique o que tem pensado... E de repente tínhamos chegado ao que era preciso. Ela despertava, em nós orientados, um sentimento de que era possível realizar aquilo que antes parecia impossível. Trazia consigo uma característica de líder, desses que têm um dom de despertar o melhor nos outros. Norinha segue conosco como exemplo de profissional e de ser humano! Lembrar de seu sorriso e de sua esperança na vida me faz querer ser diferente no mundo. Talvez um de seus maiores legados seja esse: Nos despertar da dormência de ser apenas mais um. (Eulália de Lima Gomes) Convivemos juntos na graduação em Gestão de Cooperativas e no mestrado em Extensão Rural. Os meus primeiros passos no ‘mundo sistêmico’ foram sob a orientação desta mulher forte, estudiosa e de um sorriso contagiante. Tenho orgulho de ter sido o seu primeiro bolsista de iniciação científica, em 2006 na UFV. A inserção em seu grupo de pesquisa foi enriquecedora na minha formação... Quanto aprendizado e experiências compartilhadas nesse tempo! Das formalidades da orientação, Nora Amodeo se transformou em “Mãe Nora”, e de professora virou também amiga, estando presente em muitos momentos além da universidade. Gratidão é a melhor palavra para descrever e definir tudo que aprendi e vivi nos 10 anos de convívio. Carrego comigo a responsabilidade de exercer minha profissão como educador motivado pelo seu exemplo, com uma certeza e alegria imensa por saber que Nora também ajudou a construir o professor que sou e que eu posso fazer o mesmo no processo de ensino aprendizagem com meus alunos. (Cleiton Silva Ferreira Milagres)

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Ser orientada pela professora Nora era o tempo todo ser acolhida. Com respeito, paciência e confiança. “Para, para, para, páaaaaaara, tranquila, Laene!” Assim ela encarava minha ansiedade, forte e suavemente. E porque sabia que eu precisava de foco e silêncio,

ela me “internou” na sua casa. Como se eu fosse a criança, e eu era mesmo - a aprendiz - perto dela, me ordenou que eu ficasse hospedada até acabar a dissertação. Foi a semana em que eu ganhei a hermana Norita que saía para a UFV e quando retornava, esclarecia as minhas dúvidas, configurava aquele maldito Word, me fazia avançar no mestrado e aprender um tanto de outras coisas da vida. Hablar um tico de portunhol me despista a saudade e todas as vezes em que a sinto, repito em voz alta: Muchas gracias para siempre, mi querida Norita! (Laene Mucci) Eu nem saberia descrever em poucas linhas o legado da Nora em minha vida. Sinto-me na responsabilidade de conduzir projetos políticos e acadêmicos que ela protagonizava, pois ela foi uma amiga e orientadora da graduação ao doutorado; este último, por pouco tempo, ela não pode estar no ato de defesa. Sua parceria foi fundamental para uma inflexão na minha trajetória profissional, na consolidação da minha prática docente e vínculo institucional, partilhando da sua maturidade intelectual, simpatia e humildade, atributos cuja convergência não é facilmente encontrada na academia, mas que nela reluziam em qualquer esfera de sociabilidade. (Alair Ferreira de Freitas)

Nora planejava dar uma parada nas suas atividades letivas e de orientação, a partir do segundo semestre de 2015, para ir fazer o seu pós-doutoramento em Cardif, no País de Gales, junto ao Prof. Marsden, trabalhando a temática dos mercados institucionais emergentes, nomeadamente, o caso do Programa de Aquisição de Alimentos. Havia obtido bolsa tanto da CAPES, como do CNPq e se sentia exultante por ter tido o seu trabalho como professora e pesquisadora reconhecido por estas agências de fomento. Mesmo em meio a todos os transtornos das idas e vindas entre Belo Horizonte e Viçosa para fazer o acompanhamento do tratamento quimioterápico, sempre acompanhada das suas amigas brasileiras, uruguaias, argentinas, peruanas, que a acompanharam por todo o tratamento, dedicava-se à preparação para o pós-doc. Foi assim que voltou a ser estudante. Matriculou-se no curso de inglês da CAPES para ficar bem afiada na língua que já dominava, como, também, fez questão

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de participar como estudante da disciplina “Urbanização, Sociabilidade e Modos de vida” ministrada pela Professora Neide Pinto, sua amiga-irmã de todas as horas. Convidei a Norinha para dividir a disciplina comigo. Era a primeira vez que a oferecia e como compartilhou comigo a concepção da mesma, propus a ela dividir comigo a condução da Disciplina. A leitura de alguns dos textos que compunham o Programa Analítico já vinham nos instigando boas discussões, nada melhor, então, que tê-la junto comigo à frente da disciplina. Mas, de forma humilde e festeira, riu para mim, dizendo: Non, non, non, non! Agora eu sou estudante, Neidinha!!!! Preciso exercitar a minha mente para não deixar os efeitos dos remédios afetarem a minha memória e eu chegar super bem à Cardif!!! Mas a estudante Nora, só existiu no respeito ao cumprimento dos horários e dias de aula. Sua expertise como leitora a transformava em uma parceira em sala de aula, ainda que ela quisesse ser apenas estudante! Fiquei absurdamente surpreendida, quando dez dias após a última cirurgia, ela entrou dentro de sala de aula com os textos lidos, toda risonha e participativa. Quanto entusiasmo pelo aprender! Quanta alegria de vida! (Neide Maria de Almeida Pinto) Norinha. Sempre alerta. Buscando, estudando, ensinando. Um passo à frente para saber em que pode ajudar, e ajuda sem que se peça. Séria e apaixonada com sua vida acadêmica, com a situação dos povos mais remotos do mundo, com as copas de mundo, com a saúde de sua família e dos amigos. Fazedora de sorrisos tão solidários e aconchegantes que até hoje me dão colo na tristeza e na saudade. (Catalina Bisio)

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“Sua morte prematura nos surpreendeu; apesar de sua doença, manteve-se ativa até o final, pensando em seu futuro pós-doutorado no país de Gales. O sorriso foi seu companheiro permanente. Sentimos saudades, é verdade, mas sabemos que não está longe, somente do outro lado do caminho.” (Soledad Bergós)

Saudade temos, Daquilo que fizemos Levaremos ao mundo o vento eloqüente da tua paixão Agora é hora, de permanecer naqueles que possuem parte de ti De eternizar a causa, de lançar teu nobre querer! (Alan Ferreira Freitas)

Se Nora dedicou sua carreira profissional ao cooperativismo é porque o verbo cooperar talvez tenha sido o que mais conjugou ao longo de sua vida, em suas várias dimensões. E ela também nos ensinou a conjugá-lo. Esse texto, escrito de forma cooperativa entre vários de seus amigos, é a forma que encontramos para fazer-lhe uma homenagem que trouxesse sua marca impressa em cada parágrafo. É nosso jeito de retribuir esse sorriso largo que a todos encantou. Passando, agora, para a etapa da apresentação dos artigos que compõem este sétimo número do Boletim, destaca-se que o mesmo traz os resultados das pesquisas referentes as primeiras quatro teses defendidas no (PPGER) Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural. O (PPGER) alcançou a condição de Programa em 2012, embora já existisse como Curso, que ofertava a formação de pesquisadores em nível de mestrado, desde 1967, há cerca de 48 anos, portanto. Os artigos relativos às quatro teses de Doutorado defendidas neste ano de 2015 e aqui apresentados são: Desenvolvimento, tradição e reconhecimento na reserva extrativista marinha de Corumbau, Ba; primeira tese defendida no PPGER, de Luciana da Silva Peixoto Perry, orientada pela Profa. Sheila Maria Doula; Práticas alimentares e sociabilidades em famílias rurais da Zona da Mata mineira: mudanças e permanências, de Romilda de Souza Lima, orientada pelo Prof. José Ambrósio Ferreira Neto e coorientada pela Profa. Rita de Cássia Pereira Farias; Roça, uma marca registrada: o processo de valorização do rural na sociedade brasileira; Lidiane Nunes da Silveira, orientada pela Profa. Ana Louise de Carvalho Fiúza e coorientada pelos Professores Douglas Mansur da Silva e Rennan Lanna Martins Mafra; e, Por uma caracterização do território através do modo de vida rural e/ou urbano, de Gustavo Bastos Braga, orientada pela Profa. Ana Louise Carvalho Fiúza e coorientada pela Profa. Paula Cristina Remoaldo.

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Como percebe-se pela apresentação deste sétimo número do Boletim, Por Extenso, trata-se de uma edição muito especial, que traz a sua história expressa de forma viva, seja na lembrança e no compromisso daqueles que dão continuidade ao legado da Professora Nora Beatriz Presno Amodeo, seja através daqueles que abraçam a difícil missão de fazer ciência dentro das universidades públicas brasileiras, lutando contra as sobreposição de tarefas que geram jornadas intermináveis de trabalho aos professores-pesquisadores, combinadas com a falta de reconhecimento voltado para esta árdua missão de formar novos pesquisadores. Ainda assim, o Programa de Extensão Rural cresce com a determinação e a seriedade daqueles, docentes e discentes, que não sucumbem aos desafios! Ana Louise de Carvalho Fiúza Profa. Departamento de Economia Rural Maria Lúcia de Macedo Cardoso Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz-Fiocruz

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Sumário A valorização da cultura no novo rural mineiro: Piacatuba sob as lentes da economia criativa..................................................................................... 19 Jovens rurais e processos de sucessão: em análise uma cooperativa agropecuária no Triângulo Mineiro................................................................. 29 Tomaticultura, agrotóxicos e riscos entre agricultores familiares............ 38 Transformações na vida das populações tradicionais a partir da criação da Resex do Extremo Norte do Estado do Tocantins..................................... 46 As políticas de interiorização do ensino superior e perspectivas de trabalho para jovens rurais – um estudo de caso de Matipó, Minas Gerais..... 58 Produção do queijo minas artesanal da microrregião do Serro: tradição, legislação e controvérsias......................................................................... 67 O SOTER-PA como alternativa ao ordenamento territorial de assentamentos rurais de reforma agrária.................................................................... 77 Assentamentos rurais no Vale do Araguaia Mato-Grossense: adaptação e permanência............................................................................................ 83 Meios de vida em um contexto semiárido: aspectos culturais, sociopolíticos e perceptivos da relação homem-ambiente...................................... 89 O estado na revisão do Código Florestal Brasileiro: democracia, articulação discursiva e hegemonia............................................................................ 97 17

Política pública e meios de vida no espaço rural: uma análise do programa bolsa família........................................................................................... 107 A mobilidade socioespacial dos rurais e suas expressões citadinas: uma análise do município de Araponga, MG................................................. 118 Extensão rural e juventude: a experiência dos clubes 4-S em Minas Gerais (1950-1980)............................................................................................ 127 Por uma caracterização do território através do modo de vida rural e/ou urbano.................................................................................................... 136 Roça, uma marca registrada: o processo de valorização do rural na sociedade brasileira........................................................................................ 154 Desenvolvimento, tradição e reconhecimento na Reserva Extrativista Marinha de Corumbau, BA.......................................................................... 163 Práticas alimentares e sociabilidades em familias rurais da Zona da Mata mineira: mudanças e permanências...................................................... 175

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A VALORIZAÇÃO DA CULTURA NO NOVO RURAL MINEIRO: PIACATUBA SOB AS LENTES DA ECONOMIA CRIATIVA Eulália de Lima Gomes José Ambrósio Ferreira Neto Nora Beatriz Presno Amodeo1 Magnus Luiz Emmendoerfer

1. INTRODUÇÃO O conceito de Economia Criativa está ainda em construção e vem se mostrando um tema relevante na esfera social, acadêmica e política. No Brasil, esta temática é articulada com atividades ligadas a antiguidades, arquitetura, arte, artesanato, artes performáticas, decoração, design, design de moda, editoras, jogos de computador, filmes e vídeo, publicidade, música, serviço de software, TV e rádio (URICCHIO, 2004). Tem como pano de fundo as discussões sobre Cultura, Economia da Cultura, Indústrias Culturais e outros (ADORNO,1985; BENHAMOU,2007; BRASIL, 2012; MARTÍN-BARBERO,1997; REIS, A.C.F e KAGEYAMA, P.,2011). Visto que são demasiadas suas interfaces, a pretensão desta pesquisa está em discutir como a Economia Criativa pode ser encontrada no meio rural. Os olhares lançados sobre o tema da Economia Criativa traçam alguns campos de estudo tais como territórios criativos, cidades criativas, bairros criativos, sendo esses os mais utilizados. Entretanto, o meio rural não é mencionado. Desta forma, as lentes que vêm sendo usadas estão voltadas às empresas e indústrias situadas nas cidades e pouco tem sido estudado como essa economia se manifesta no meio rural. Pode-se indagar se essas abordagens estão ligadas à tendência predominante dos estudos sobre o rural Dedico este trabalho à minha querida orientadora Nora que esteve ao meu lado durante os momentos de conflitos e indecisões deste trabalho desafiador. Ela não pode estar presente para contemplar o resultado final, mais sei que ficaria feliz em saber que sua visão fez diferença na sensibilidade e criticidade desta experiência. 1

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e o urbano que durante algum tempo consideraram apenas a cidade como lugar onde as transformações acontecem, onde a história se faz, como o lugar de negócios e gerador de capital proveniente de trabalho intelectual e criativo (EBOLI, 2007). Nessa contraposição, o rural estaria situado como espaço das sobrevivências, sempre lembrado pelas resistências ao processo de modernização da sociedade brasileira (LOBATO, 1968; WILLIAMS, 1989, CARNEIRO, 1998). Diante desta perspectiva foram geradas um conjunto de questões que orientam a pesquisa aqui apresentada. Seria possível desenvolver um conceito de “rural criativo”? Quais são os elementos necessários para elaboração desse conceito? A tradição ou uma ressignificação dos modos de vida seriam relevantes para uma ampliação do que vem a ser Economia Criativa? Qual seria a importância do turismo nessa ressignificação do rural? Visando encontrar elementos capazes de iluminar tais questões, esta pesquisa realizou-se no distrito de Piacatuba, pertencente ao município de Leopoldina, localizado na Zona da Mata Mineira. Esse distrito foi escolhido devido à existência de mobilizações em torno do Festival de Viola e Gastronomia. A dimensão desses eventos frente ao número de moradores desse distrito instigou a realização dessa pesquisa com vistas a observar e compreender como se inicia essa mobilização, os fatores motivadores, os agentes envolvidos na articulação e as mudanças ocorridas ao longo dos anos e a relevância desse fenômeno para ampliação das discussões sobre Economia Criativa.

2. METODOLOGIA

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O processo amostral para definição dos informantes na coleta de dados para esta pesquisa foi baseada no método de seleção denominado como “Snowball sample” ou “Bola de Neve”, no qual um participante indica outro ou outros e assim por diante. Portanto, de acordo com os objetivos deste estudo, foram entrevistados os principais idealizadores do Festival de Viola, alguns moradores indicados, os donos de restaurantes, o

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padre local e os organizadores da Festa da Cruz Queimada, totalizando 18 entrevistas gravadas. A seleção destes respondentes se deu da seguinte forma: ao chegar em Piacatuba os lugares mais acessíveis foram os restaurantes, portanto foram escolhidos os donos dos restaurantes como entrevistados que indicaram os patrocinadores e os idealizadores do Festival de Viola, além desses um dos donos de restaurante indicou a Festa da Cruz Queimada como outro evento importante do distrito, portanto o padre local e o zelador da igreja foram entrevistados. Além desses, durante a observação das festas foram identificadas pessoas que se mostravam como lideranças na comunidade e por isso sua relevância como informantes. Esta pesquisa possui caráter exploratório-descritivo, com orientação etnográfica e utiliza o paradigma do indiciário ligado ao estudo de caso como método de coleta de dados. De acordo com Becker (1993) apud Braga (2006) o estudo de caso é um método que busca adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso. Como técnica de coleta e análise de dados foram utilizadas: a observação participante e não participante; entrevistas e análise das falas dos entrevistados, materiais de divulgação sobre os eventos.

3. DISCUSSÃO E RESULTADOS A busca por um “lugar” que pudesse revelar a Economia Criativa no campo foi criteriosa e complicada. Tal lugar precisaria trazer marcas de ruralidade e elementos que o pudessem classificar como criativo segundo os moldes apresentados nas discussões sobre o tema. Foram definidas categorias que norteariam essa análise, são estas: A cultura, a conexão e as inovações (REIS, 2011). Em relação à cultura foram analisados o patrimônio cultural, no que se refere à conexão foi analisada a festa da cruz queimada como principal elo entre a história local e a apropriação da população na construção da identidade do grupo e; como inovação foi escolhido o festival de viola como evento a ser analisado a partir da geração de renda e das novas formas de eventos. Contudo, no decorrer da pesquisa

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outros aspectos chamaram a atenção por estarem relacionados à dinamicidade das categorias criadas e por isso receberam espaço na discussão deste estudo. Tai aspectos são: a sociabilidade, as formas de organização e os efeitos das atividades culturais. De acordo com os arquivos obtidos juntos aos moradores de Picatuba, bem como com os relatos e histórias de vida dos mesmos foi possível verificar que existe uma relação entre a religiosidade e a história de constituição do distrito.É possível notar que a riqueza da história registrada nos livros da igreja de Nossa Senhora da Piedade, pois guardam elementos que configuram a história local. A igreja se tornou para a população e para os turistas um patrimônio cultural material edificado, demonstrado em sua riqueza arquitetônica e sua riqueza histórica. Além da igreja, o distrito guarda um conjunto de casarões preservados da época de sua criação que carregam marcas da cultura dos colonizadores que aí habitavam. A preservação do patrimônio cultural tem obtido sucesso uma vez que é notável o efetivo envolvimento da comunidade, isto num processo onde os moradores se identificam com esses bens patrimoniais e por isso os preservam. Segundo Pelegrini (2006, p. 117) “nos recônditos da memória residem aspectos que a população de uma dada localidade reconhece como elementos próprios da sua história, da tipologia do espaço onde vive, das paisagens naturais ou construídas”. A história da Cruz Queimada está intimamente ligada a história de constituição do distrito de Piacatuba, constituindo assim a categoria denominada: Conexão. De acordo com o relato dos moradores e que se tornou uma cartilha aos visitantes é possível notar que a herança cultural é elemento chave na vida dos moradores. A dimensão histórica dos moradores de Piacatuba, disseminada de maneira simétrica entre todos que compartilham e dividem essa determinada identidade demonstra a forma como são desenhadas essas conexões, ou seja, existe uma profunda identificação dos moradores com a história de constituição do distrito bem como uma ligação pessoal que é compartilhada em uma consciência coletiva. A festa da Cruz Queimada

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surge para reafirmar a importância da Cruz na identidade da comunidade. Com isso, a festa e a repetição da festa baliza a realidade social. A festa não é uma oposição à cotidianidade, mas sim a renovação de seu sentido, numa busca por recarregar a relevância e o valor observados no sentimento de pertencimento da comunidade. Outra evento aglutinado à Festa da Cruz Queimada tem sido o Festival de Charretes, que busca revitalizar a cultura local, bem como manter vivo as tradições e os modos de vida. Isto porque, no desfile das charretes as crianças são colocadas vestidas de santo, normalmente o santo padroeiro de sua família. É um costume local a devoção da família a algum santo que é então homenageado junto a essa festa. A organização da Festa da Cruz e do Festival de Charretes é dada de forma descentralizada. Cada pessoa da comunidade é responsável por cuidar de uma tarefa na organização da festa. A divisão do trabalho se dá de forma participativa e democrática. No que se refere às inovações, o Festival de Viola de Piacatuba é o principal evento analisado. Este teve sua primeira edição em 18 de outubro de 2003, sendo que, alguns violeiros interessados em resgatar “a música caipira de raiz” se reuniam a fim de conversar, tocar e ouvir músicas que relembrassem suas histórias de vida, que remetesse ao passado e que revitalizasse a cultura caipira. Além disso, o Festival de Viola surgiu para descobrir novos talentos. No ano de 2005 o evento, que até então ocorria no parque de exposições, passou a ser realizado na Praça da Cruz a fim de valorizar o conjunto de casarões que ali existia e ainda para valorizar o centro do distrito. Neste passo o “FestViola” contava com o apoio financeiro da Fundação Ormeu Junqueira Botelho. Em 2006, na sua quarta edição o evento passa a ser organizado por uma única pessoa. Esta organizadora é uma figura “de fora” que trabalhava com organização de festivais de cinema. Através do contato com certa empresa privada, atual patrocinadora do evento, passou a ser aquela que toma as decisões e que assume as responsabilidades do festival. Nesta inserção do festival de viola ocorreu uma “fenda”, uma “ruptura” na relação identitária e social dos moradores de Piacatuba com o

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Festival de Viola. A partir deste momento o mesmo assume uma condição chamada de “profissional” e passa a atender muito mais ao público externo do que os interesses da população, muito embora seja fato que a população usufrui dos benefícios que o mesmo traz. Poderíamos pensar nesta ruptura como um acontecimento que impõe uma mistura do indivíduo com um novo mundo e novos formatos que os envolve e transforma o sentido, associando a ideia de Alice quando cai na “fenda” e se vê imersa em um mundo diferente, e vive em um conflito sobre o que vivia antes e o que vive em outro momento (DELEUSE, 1974). É importante mencionar que desde o primeiro Festival de Gastronomia realizado em Piacatuba, os restaurantes foram construídos nos quintas dos moradores e esta característica permanece até hoje, tanto os cozinheiros e as equipes externas que vêm trabalhar nos restaurantes quanto os turistas interagem com os “donos das casas” e usufruem dos quintais. Essa interação é chamada dentro das abordagens da Economia Criativa de turismo criativo, por haver um compartilhamento daquilo que se trata do ato criador, no caso a gastronomia, com os turistas, cozinheiros e moradores. Além dos empregos é possível notar uma valorização do mercado imobiliário local, que com o calendário de eventos e a busca do público passa a obter um novo valor, sendo que, este valor é reconhecido pelos moradores como outro benefício advindo das festividades. Em termos gerais, o festival de viola poderia ser considerado como patrimônio cultural. Contudo, ao longo dos anos o que se percebe é uma perda da identidade e assim a perda da conexão com cultura da comunidade, não são mais o foco: os modos de fazer e de viver- necessária para a legitimação do bem cultural. É necessário o sentimento de pertencimento da população com tal patrimônio que se perdeu ao longo das edições.

4. CONCLUSÕES 24

Esta pesquisa buscou analisar a existência da Economia Criativa no rural, a possibilidade de pensar um Rural Criativo a partir das transfor-

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mações e inovações ocorridas no campo. Observou-se ainda a dinâmica das festas ocorridas no distrito de Piacatuba a fim de demonstrar as configurações sociais e os sistemas simbólicos que constituem a cultura local e formam o negócio criativo. De forma geral, foi possível notar que a utilização da cultura como atrativo turístico pode ser dado de forma avassaladora ou gradativa numa mesma população, visto um movimento de resistência pacífica que os rurais desenvolvem de manter suas raízes e suas crenças. Porém, quando existe uma expropriação dos valores simbólicos, a Economia Criativa torna-se uma atividade “coisificada” e tende muito mais a ser uma reprodução do que já existe do que algo realmente inovador. Quando os valores econômicos ultrapassam os valores culturais, a criatividade torna-se como um instrumento que ao invés de gerar empoderamento e sentimento de pertencimento leva a uma perda da identidade. A conexão entre os moradores de Piacatuba e sua história de constituição, bem como a relação de interação com os bens simbólicos: a cruz queimada, a igreja Nossa Senhora da Piedade, o festival de charretes e os casarões promovem uma riqueza que é associada sobretudo a especificidade das pessoas de Piacatuba, eles próprios se consideram receptivos e abertos aos “de fora”. Essa receptividade vista no empréstimo dos quintais durante o festival de Gastronomia e Cultua, ou no acolhimento dos romeiros durante a festa da Cruz Queimada remete à um elevado capital social e uma sociabilidade que faz parte da herança cultural do povo de Piacatuba. Quanto ao objetivo de investigar e descrever as manifestações criativas no distrito rural de Piacatuba, foram descritos o Festival de Viola, o Festival de Gastronomia, a Festa da Cruz Queimada, o Festival de charretes e as manifestações culturais expressadas nas formas de patrimônio cultural, história e música. Na primeira, a Festa da Cruz Queimada, existe uma organização descentralizada, participação grande parte da comunidade, uma vez que existe apenas uma igreja e um centro espírita no local e, segundo os moradores, os que vão ao centro espírita também frequentam a Festa da Cruz. Assim, cada pessoa de forma democrática assume uma tarefa e a comuni-

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dade executa e usufrui da mesma. No segundo plano, O Festival de Viola e Gastronomia, ocorre de forma centralizada em uma pessoa e a comunidade não opina e usufrui do festival. A comunidade participa trabalhando no serviço braçal e recebendo bem os turistas. Com isso nota-se uma expropriação dos valores culturais e sociais que derivam do Festival de Viola, fazendo com que os rurais percam seu protagonismo para pessoas vindas “de fora” e que assume o lugar de destaque. Na utilização da noção de Economia Criativa para compreender os processos descritos em Piacatuba é possível identificar que existe uma tendência a excluir dos discursos e da teoria sobre Economia Criativa os fatores negativos e os efeitos colaterais do processo de propriedade dos bens criativos. Diante do objetivo de identificar os elementos que favorecem a Economia Criativa no Rural, nota-se que a receptividade e a forma de se relacionar dos moradores de Piacatuba foram fator essencial para que o Festival pudesse alcançar números expressivos. Tais elementos são: Identidade, memória e ação. Esses foram identificados como preponderantes para ocorrência da Economia Criativa no rural sem que advenha dados de expropriação dos moradores locais. À medida que os eventos foram tomando proporções maiores esses elementos foram se perdendo, transformando os formatos e os lugares sociais daqueles que são os idealizadores e executores das festas no distrito. Na Festa da Cruz Queimada é possível identificar os elementos sociais que possibilitam uma verdadeira participação dos moradores como os “donos da festa” uma vez que, são eles que tomam as decisões e que executam toda a parte criativa da festa. No Festival de Viola também era assim, porém a partir da apropriação que centralizou as decisões a “Economia Criativa” passa a ser vista como elemento de exclusão ao contrário do que a teoria propõe. Por fim é possível dizer que a conexão e a cultura são elementos que favorecem a Economia Criativa como promotora de mudanças no rural, pois podem ser utilizadas como combustível para o desenvolvimento de um negócio criativo que gera riquezas sem deixar os moradores locais à margem desse processo.

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5. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ADORNO, T. W; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1985. ADORNO, T. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. BENHAMOU, F. A Economia da Cultura. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007. BRAGA, J. L. Comunicação, disciplina indiciária. Matrizes. N. 2. Abril de 2008. P. 73-88. BRASIL 2011, Plano Nacional da Secretaria da Economia Criativa. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/economia-criativa-2/. Acesso em 10 ago. 2012. CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 11, out. 1998. p. 53-75. CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro: CPDA/ UFRRJ, n. 11, 1998. DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998. ÉBOLI, R. do L. Globo rural: mito e realidade do homem do campo. Dissertação CPDA, 2006. LOBATO, M. Urupês. 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1968. MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação. cultura e hegemonia. Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 1997. ISBN 85-7108-208-1. PELEGRINI, S. C. A. O patrimônio cultural no discurso e na lei: trajetórias do debate sobre a preservação no Brasil. Patrimônio e Memória - Revista Eletrônica, v. 2, n. 2, p. 1-24, Assis - São Paulo: UNESP – FCLAs – CEDAP, 2006. REIS, A.C.F; KAGEYAMA, P. (Orgs.). Cidades Criativas. São Paulo: Garimpo de soluções, 2011.ISBN 978-85-63303-03-5. URICCHIO, W. Beyond the great divide Collaborative networks and the challenge to dominant conceptions of creative industries. International Journal of Cultural Studieis, 7(1), 2004. P. 80-89. WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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FESTIVAL DE PIACATUBA (2013). O festival. Disponível em: . Acesso em 26 mar. 2014. FESTIVAL DE PIACATUBA (2014). O festival. Disponível em: . Acesso em 26 mar. 2015. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Banca: José Ambrósio Ferreira Neto, Neide Maria de Almeida Pinto, Rennan Lanna Martins Mafra.

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JOVENS RURAIS E PROCESSOS DE SUCESSÃO: EM ANÁLISE UMA COOPERATIVA AGROPECUÁRIA NO TRIÂNGULO MINEIRO Amábile Tolio Boessio Sheila Maria Doula

1. INTRODUÇÃO Na academia muitas pesquisas já foram produzidas sobre o tema da sucessão em propriedades da agricultura familiar, assim como vem sendo discutida de forma ampla a sucessão do quadro social em cooperativas de todos os ramos. Porém, ainda não se tem um debate que abarque, além da sucessão familiar da propriedade e da necessidade de sucessão do quadro social, a continuidade da produção agrícola nas empresas familiares geridas pelos associados de cooperativas agropecuárias. Spanevello, Drebes e Lago (2011, s.p.) alertam em sua pesquisa que “a sucessão geracional não diz respeito apenas à sobrevivência das propriedades rurais e da agricultura familiar, mas também a sobrevivência das próprias cooperativas agropecuárias”. No movimento cooperativista, atualmente, vem ganhando destaque a necessidade da manutenção do sistema no que se refere à sucessão dos dirigentes das cooperativas, assim como se tem mencionado a necessidade de debater a respeito da permanência dos jovens filhos de associados, tanto no quadro social da cooperativa como na propriedade familiar e ainda, na atividade agrícola, pois uma cooperativa agropecuária, além de necessitar de novos dirigentes, necessita obviamente da manutenção dessa atividade por meio de seu quadro social. No sul do país as cooperativas agropecuárias, em casos específicos, vêm tendo destaque com algumas iniciativas no intuito de aproximar os jovens filhos de cooperados nas atividades da cooperativa. Estudos como de Spanevello e Lago (2007), Rosa e Silva (2010) e Spanevello, Drebes e Lago (2011) mostram alguns exemplos nesse sentido, porém não mergu-

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lham na discussão aqui realizada. Ao mapear essas pesquisas se percebe que elas estão concentradas no sul do país, o que abre o campo de possibilidades para a realização de pesquisas nas demais regiões. Nesse sentido, objetivou-se analisar as ações desenvolvidas pela Cooperativa Agropecuária de Patrocínio – COOPA – no município de Patrocínio, na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba – em relação aos processos sucessórios nas propriedades dos cooperados e no próprio quadro social da organização. É importante mencionar que por ações entendem-se os programas de educação, de capacitação, eventos que aproximem os jovens, os homens e as mulheres nas atividades diárias da cooperativa, projetos que auxiliem na gestão da propriedade familiar não apenas tendo como foco o cooperado, mas também considerando as relações familiares na produção.

2. METODOLOGIA

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A metodologia utilizada constituiu-se em um estudo de caso e o desenvolvimento da pesquisa apresenta abordagem qualitativa do tipo exploratória. Para a realização da pesquisa de campo foi utilizada como ferramenta de coleta de dados a entrevista. Como exposto por Quivy e Campenhoudt (1998), a entrevista apresenta-se como um instrumento rico em relação à obtenção de informações, pois ocorre uma troca no momento em que o investigador recolhe certos dados que se apresentam bastante sutis, tais como uma simples expressão ou gestos, quando o sujeito da pesquisa é questionado. Em outubro de 2014 foi realizada a primeira etapa do trabalho de campo, além da pesquisa documental. Foram realizadas 13 entrevistas conduzidas por um roteiro com dirigentes, gestores da cooperativa e com alguns colaboradores (extensionistas, agentes de OQS – Organização do Quadro Social, marketing e RH – Recursos Humanos). A segunda etapa da pesquisa de campo foi realizada em fevereiro de 2015, pois nesse mês foram realizadas as Assembleias do grupo de mulheres da COOPA – AMACOOPA e do grupo e jovens – COOPAJOVEM; também neste período do ano são

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realizadas as reuniões das Comunidades Cooperativistas com a temática da pré-assembleia, quando geralmente é maior o número de cooperados presentes. Para coleta de dados os respondentes foram separados em três grupos divididos por faixa etária e em concordância com a OQS da COOPA, sendo eles: cooperados adultos sem limite de idade, jovens filhos de cooperados com idade entre 18 e 29 anos e ainda os jovens presentes na reunião do grupo COOPAJOVEM. Com o grupo dos cooperados adultos a maioria das entrevistas foi realizada com a participação do cooperado e da esposa, optando-se por chamá-los de Família cooperada e entendendo a entrevista como do núcleo familiar. Foram realizadas 41 entrevistas com este público. Já com os jovens, as entrevistas foram em sua maioria realizadas nas propriedades e algumas em momentos das reuniões. Ao todo foram realizadas 22 entrevistas com o público juvenil pertencente ao quadro da cooperativa, todos filhos de cooperados e alguns já cooperados individualmente. Quanto à coleta dos dados no grupo COOPAJOVEM foi realizada a aplicação de um questionário, pois ao final da reunião (Assembleia) foi disponibilizado um tempo para esse fim, o que totalizou 14 jovens respondentes.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A natureza da instituição cooperativa, em seu duplo aspecto de o cooperado ser dono e ao mesmo tempo usuário dos serviços da organização, por si só gera conflitos de interesses significativos na gestão desses empreendimentos. Considerando ainda a complexidade das atividades desenvolvidas pelos agricultores (cooperados), torna-se mais dinâmico gerenciar a cooperativa, pois é imprescindível considerar que o cooperado, além de dono e usuário da cooperativa, é também agricultor e gestor de sua propriedade rural. O aporte teórico que deu corpo e sustentação para a dissertação incluiu as seguintes categorias analíticas: Instituições (cooperativas e família), Juventude rural, Sucessão geracional (na agricultura familiar e em cooperativas agropecuárias). Ao analisar os discursos dos entrevistados

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foram observadas opiniões relativas às instituições mencionadas e interpretações sobre as ações percebidas no âmbito da sucessão, bem como sobre o papel da cooperativa nesse processo. Ainda pode-se observar o posicionamento dos jovens em relação à expectativa de permanência nas atividades agrícolas e no meio rural. A primeira ação percebida por todos os entrevistados foi o COOPAJOVEM, que mesmo objetivando o desenvolvimento de lideranças para possível sucessão nos conselhos da cooperativa e em sua gestão, não apresenta envolvimento direto no que tange à sucessão geracional nas propriedades e muito menos quando o assunto é a atividade produtiva desempenhada nas mesmas. Percebe-se uma ação mais voltada às lideranças que fortalecem os jovens que já têm envolvimento no quadro organizacional da cooperativa, mas que se aproxima de forma insuficiente dos demais jovens pelo próprio desconhecimento de quem são eles e quais são seus anseios. É importante mencionar que os jovens do COOPAJOVEM participantes da pesquisa (apenas 14 jovens), além de não serem representativos pelo tamanho da organização, são em sua maioria urbanos e com intenções futuras distantes das atividades agropecuárias. A outra ação é a oferta das bolsas de estudo. De acordo com o que administra a ação, as bolsas não têm o intuito de manter os jovens no campo e não há restrição de idade e nem quanto ao vínculo do bolsista com a cooperativa (filho, neto, cônjuge). Foi confirmado tanto pela diretoria quanto pelo próprio setor que a quase totalidade dos beneficiados encontra-se na faixa etária entre 16 e 30 anos; embora não seja o objetivo explícito da ação, verificou-se que aqueles que estão cursando o ensino superior estão vinculados aos cursos ligados às atividades agropecuárias. Salienta-se que quase metade dos jovens filhos de cooperados entrevistados utiliza, utilizou ou tem irmão que fez uso do benefício, e que essa foi a ação mais mencionada pelos jovens como estímulo no que tange à permanência nos negócios. Os jovens destacam que as bolsas estimulam a continuidade dos estudos e isso auxilia a continuidade deles nas propriedades familiares. Em entrevista com a diretoria da cooperativa foi evidenciada a grande importância da OQS nas organizações cooperativas, pois esta pode ser

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uma ferramenta de elo entre as ações. No entanto, a participação dos cooperados nas reuniões que ocorrem nas comunidades cooperativistas – forma como se organiza a OQS da cooperativa – é relativamente baixa, considerando que a cooperativa é bastante ativa nas propriedades dos cooperados. Isso pode ser justificado, em parte, pelo número alto de associados (2.898 em 2013) e também pela extensão territorial que a COOPA abrange (14 municípios). Porém, levando em conta os entrevistados nesta pesquisa, considera-se as reuniões como momentos propícios para o trabalho de conscientização da questão sucessória, pois nelas ocorre a participação de toda a família e não apenas do cooperado. Ademais, notou-se que apesar da significativa importância das ações que envolvem o quadro social da cooperativa no que tange ao estímulo dos filhos, a maior desmotivação parte dos próprios pais. Um fato que merece relevância é a expectativa das famílias cooperadas quando o assunto é a estima por um filho tornar-se sucessor, pois 75,6% dos entrevistados demonstraram que gostariam que seus filhos assumissem a propriedade. Já entre os jovens entrevistados, 86,36% têm intuito de permanecer nas propriedades familiares, dando continuidade aos negócios, mesmo aqueles que trabalham prestando assistência técnica, pois conciliam atividades que são afins. Os filhos de cooperados que desejam permanecer nas unidades produtivas são aqueles cujos pais investiram em melhorias na propriedade, principalmente com tecnologia. Mesmo nesses casos, os jovens em sua maioria, demonstraram interesse em suceder seus pais, porém trocando a atividade leiteira pela produção de café, pois consideram de forma geral que o leite representa um trabalho penoso, mesmo quando tecnificado. Vale inferir que o anseio em ser sucessor somente se concretizará se a atividade proporcionar rentabilidade; além disso, constatou-se também que os jovens estudados querem um “rural” que possibilite conforto e qualidade de vida e um trabalho que não seja penoso como foi na época de seus avós. Ao contrário de outros contextos, a cooperativa está inserida em uma região que oferece oportunidade de estudos e capacitação para esses jovens, sem que precisem se deslocar, em alguns casos, nem mesmo de

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município. Os jovens participantes quase em sua totalidade continuam residindo na zona rural e deslocam-se diariamente para a cidade onde realizam seus estudos, o que possibilita o trabalho na unidade de produção familiar. O segmento juvenil pertencente à amostra desta pesquisa se reconhece como rural, mas expõe um desejo de reconhecimento das profissões ligadas ao campo, pois consideram que a sociedade ainda as vê como atrasadas, em especial pelo posicionamento da mídia e pelo descaso governamental. Em diversos momentos, tanto os jovens quanto seus pais expressaram uma valoração positiva em relação à profissão e à continuidade das atividades, considerando que atualmente não mais se tem um trabalhador rural “matuto” e sim um trabalhador vinculado às tecnologias. Diante disso, com base no que se vê na literatura sobre o assunto, o jovem rural é permeado de suas vivências e valores, o que por sua vez interfere nas escolhas e projeção futura. A percepção acerca do que o rural representa para eles e ainda seus sentimentos de realização neste meio, são formulados por meio das relações, tanto familiares quanto com o que os circunda. A juventude rural pesquisada percebe um rural tranquilo, vincula sentimentos de pertença familiar e amor à terra. O que chama a atenção também, é que esses jovens não sentem vergonha de serem rurais, ao contrário eles entendem que existe a necessidade de maior valorização externa em relação à profissão de agricultor. Com base nos dados revelados pelas entrevistas, tornam-se perceptíveis as formas como a instituição cooperativa pode adentrar no auxílio da sucessão familiar nas unidades produtivas, considerando-se que os jovens pretendem suceder seus pais. Em primeiro lugar observa-se uma falha comunicativa entre os segmentos sociais, pois os discursos são próximos; o que se distancia e é mostrado com mais ênfase pelos jovens é o conflito entre eles e seus pais, mais precisamente quanto aos espaços de diálogos sobre a sucessão dentro da família. Considerando que as cooperativas têm em seu princípio básico atender as necessidades de seus membros, cabe colocar que mesmo que a questão sucessória não seja de sua responsabilidade, existem mecanis-

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mos que ela pode utilizar para amenizar tais falhas comunicativas em relação às unidades familiares, como por exemplo, nos espaços de reuniões dos cooperados. Em segundo lugar, percebe-se que há uma falha quanto às capacitações tanto dos cooperados, quanto dos jovens no que se refere à gestão da propriedade, pois como exposto pelos segmentos entrevistados, ninguém quer ficar em um “rural” não rentável. Almeja-se tecnologia, conforto, certa estabilidade, qualidade de vida, tudo aquilo que se tem em outros espaços. Dessa forma, a cooperativa torna-se ferramenta fundamental para o fomento da aprendizagem quanto à educação financeira de seus cooperados, pois sem tal conhecimento acaba por ser não perceptível a rentabilidade do campo na ótica de seus cooperados, o que por consequência será transferido para seus filhos, dificultando uma sucessão eficaz. Detectou-se, além da fragilidade nos diálogos intrafamiliares, um distanciamento da cooperativa e seu quadro social quanto à temática da sucessão geracional, caracterizando falhas nos canais de diálogos entre os segmentos e as instituições sociais. Fica evidente nesta pesquisa que os discursos são similares, porém o diálogo fica comprometido, resultando então em ações que em suas próprias estruturas são geradas sem afinidades com as reais necessidades dos cooperados. Portanto, há que se planejar ações que rompam com tal ciclo vicioso e que a partir destas os sujeitos percebam-se como agentes coletivos do desenvolvimento local. Dado o grau de confiança que a cooperativa desperta entre os cooperados e o fato de que os filhos acompanham seus pais em reuniões promovidas por ela, sugere-se que o tema da sucessão comece a ser abordado nesses momentos, aproveitando-se a oportunidade de incluir esse debate entre a cooperativa, os pais e seus filhos.

4. CONCLUSÕES Tendo em vista a complexidade que envolve o processo de sucessão familiar das unidades produtivas rurais e os diferentes atores sociais imersos nessa conjuntura, as cooperativas agropecuárias destacam-se neste

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período de transição enfrentado pelas unidades familiares como um elemento que interfere diretamente na qualidade de vida das áreas rurais ao oferecer melhores condições de saúde financeira como forma de manter uma relação saudável com seus cooperados. Assim, as cooperativas agropecuárias podem desempenhar papel importante na promoção de espaços onde os filhos dos cooperados possam se sentir parte da propriedade de seus pais, o que por sua vez, pode auxiliar em melhorias na produção e na gestão dos negócios familiares, melhorando a renda e possivelmente a qualidade de vida, que são fatores importantes para os jovens tomarem sua decisão de permanecer no campo. Nessa lógica, apoiou-se na premissa de que a cooperativa somente existe enquanto houver propriedade familiar e esta, por sua vez só se mantém ativa se tiver pelo menos um sucessor e ainda, este se manter na atividade agropecuária. Para tanto, foram analisados: o posicionamento da instituição cooperativa, da instituição familiar – por meio da fala das famílias cooperadas –, do grupo de jovens da cooperativa e ainda dos filhos dos cooperados. Duas foram as principais ações notadas, porém nenhuma delas tem o intuito, em sua essência, de focar nos processos de sucessão, em especial nas unidades produtivas familiares. São elas: o grupo de jovens da cooperativa – COOPAJOVEM e as bolsas de estudo. Porém, nas falas dos participantes da pesquisa pode-se notar a importância do técnico de campo, pois além de ser uma extensão da instituição, tornando-a próxima das famílias cooperadas, é um instrumento de estímulo para os produtores rurais, bem como para seus sucessores. É por meio desse profissional que ocorre grande parte do incentivo de crescimento de produção, melhorias nos processos, inclusão de tecnologia e como visto na literatura, sabe-se que estes são fatores importantes no momento de decisão dos jovens, em permanecer ou não, tanto no campo quanto nas atividades já desenvolvidas pelos seus pais. As ações indiretas e ainda a justificativa dada pelos dirigentes da cooperativa de não se ter programas específicos para os processos sucessórios, em parte pela falta de profissionais qualificados para tal, também foram percebidos nas pesquisas consultadas. A contribuição aqui foi en-

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volver na análise tanto a instituição cooperativa quanto as famílias cooperadas e seus filhos, o que possibilitou uma visão ampla quanto aos discursos dos envolvidos. As ações desenvolvidas na COOPA vão ao encontro das observadas nas pesquisas apresentadas na dissertação, pois o que se observa é que as ações, de forma isolada, não apresentam resultados totalmente eficazes. Finalmente, a pesquisa aqui apresentada, ao contribuir para o debate da sucessão geracional, em especial nas cooperativas agropecuárias, torna-se um convite para futuras pesquisas que aprofundem, por meio de outros estudos de caso em diferentes regiões do país, as análises sobre os desafios que a sucessão vem colocando no cenário rural contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva, 1998. ROSA, C. I. L. F; SILVA, O. H.. Sucessão familiar e cooperativismo: o caso da cooperativa Cooperval. Revista NUPEM (Impresso), v. 2, p. 177-187, 2010. SPANEVELLO, R. M.; DREBES, L. M.; LAGO, Adriano. A influência das ações cooperativistas sobre a reprodução social da agricultura familiar e seus reflexos sobre o desenvolvimento rural. In: II CONFERÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO, 2012, Brasília. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos, 2011. SPANEVELLO, R.; LAGO, A.. As cooperativas agropecuárias e a sucessão profissional na agricultura familiar. In: XLV CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL, 2007. Anais Conhecimento para a Agricultura do Futuro, Londrina, PR, 2007. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e SEDE – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais por meio do Observatório Mineiro do Cooperativismo. Banca: Sheila Maria Doula, Brício dos Santos Reis e Pablo Murta Baião Albino.

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TOMATICULTURA, AGROTÓXICOS E RISCOS ENTRE AGRICULTORES FAMILIARES Anastácia Rocha Campos Ridolfi Marcelo Leles Romarco de Oliveira

1. INTRODUÇÃO

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Um dos principais riscos socioambientais atribuídos ao modelo agrícola convencional está associado à utilização indiscriminada de agrotóxicos. Considerando este contexto, esta pesquisa teve o objetivo de realizar um estudo de caso f em um município mineiro localizado na Zona da Mata do estado de Minas Gerais, onde o uso de agrotóxicos na produção do tomate de mesa envolve interações bastante relevantes, no que diz respeito às relações sociais, econômicas e ambientais. O debate sobre os riscos associados à utilização de agrotóxicos começou a tomar proporções significativas a partir das denúncias apresentadas por Rachel Carson, em 1962, no seu livro traduzido para o português como A Primavera Silenciosa. Porém, mesmo com o rico debate denunciativo e de premonição da morte ou silêncio da natureza, provocado pela diminuição da sociobiodiversidade, que aos poucos seria exterminada pelas substâncias tóxicas dos agrotóxicos, este quadro não foi alterado, principalmente nos chamados países em desenvolvimento. Ao longo dos anos o Brasil passou a consumir um número expressivo de agrotóxicos agrícolas nas suas lavouras, chegando a ser em 2008 o maior consumidor do mundo desses produtos, com a utilização de 986,5 mil toneladas de agrotóxicos. No ano de 2009, esse número se tornou mais elevado ultrapassando um milhão de toneladas de agrotóxicos aplicados nas lavouras brasileiras (LONDRES, 2012). Faz-se necessário mencionar que dentro dos dados citados, não estão incluídos o uso de agrotóxicos contrabandeados e não registrados, ou seja, esses dados não demonstram o número real da quantidade de agrotóxicos utilizada. Este quadro traz uma grande preocupação quando se pondera que a utilização de agrotóxicos é considerada como uma das principais fontes

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atuais de riscos para a população de uma forma geral, fundamentalmente porque atinge a segurança alimentar e esta por sua vez englobaria outros tipos de riscos tecnológicos relacionados aos aditivos químicos e aos componentes transgênicos, de forma que não somente os agricultores em suas atividades de trabalho estariam expostos a eles, mas também toda a população. (GUIVANT, 2000). Além da contaminação dos alimentos, outros tipos de contaminações ambientais causadas pela utilização de agrotóxicos estariam expondo a população de uma forma geral a diversos riscos. De acordo com Alves e Oliveira-Silva (2003), os agrotóxicos constituem a principal classe de poluentes nos solos agricultáveis, uma vez que tais substâncias podem atingir o solo diretamente ou através da transferência de resíduos provenientes das plantas. A contaminação atmosférica e a contaminação dos cursos d’água por agrotóxicos também merecem a devida atenção, a contaminação do ar por agrotóxicos pode ocorrer devido aos resíduos de agrotóxicos aderidos à poeira e a volatilização da aplicação de agrotóxicos, já a contaminação dos cursos d’água ocorrem devido ao transporte dos resíduos destas substâncias no solo, que pode acontecer através do processo de lixiviação ou escoamento superficial. O processo de lixiviação é considerado como a principal forma de contaminação das águas subterrâneas, enquanto que o escoamento superficial tem o papel fundamental na contaminação das águas superficiais (MENDES, 2009). Além disso, os agrotóxicos podem ser transportados nos rios a longas distâncias (ALVES e OLIVEIRA-SILVA, 2003). Outro ponto importante de ser avaliado é a utilização de agrotóxicos por agricultores familiares. De acordo com Guivant (2000) as indústrias de agrotóxicos e grupos de cientistas tendem a argumentar que os riscos decorrentes ao uso de agrotóxicos, estão relacionados a um mau uso destes produtos nas lavouras por parte dos agricultores, transferindo, portanto, a carga de responsabilidade dos riscos destas substâncias justamente para os atores que estariam submetidos à maior carga dos riscos ocasionados. Preocupado em entender essa relação entre uso de agrotóxicos e riscos para a saúde de agricultores familiares, em lavouras de tomate de

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mesa em um município1 na Zona da Mata de Minas Gerais, a pesquisa teve por objetivos gerais sistematizar informações e subsídios para ações educativas dos serviços públicos de extensão rural do município e região. Como objetivos específicos da pesquisa foram: a) avaliar a percepção dos riscos da utilização de agrotóxicos por agricultores familiares produtores de tomate de mesa no município; b) identificar possíveis riscos socioambientais associados à utilização de agrotóxicos na cultura do tomate de mesa no município. Cabe destacar o que justificou a escolha desse município constitui no fato de grande parte dessa produção de tomate de mesa ser realizada por agricultores familiares, na condição de meeiros, parceiros ou como proprietários de lavouras. Além disso, um dos grandes desafios apontados pelos sistemas públicos de saúde e extensão rural do município e região é a elevada utilização de agrotóxicos, principalmente na cultura do tomate de mesa. Pensando neste contexto, fez-se necessário compreender a problemática envolvida na utilização de agrotóxicos nas lavouras de tomate por estes atores sociais, bem como as conseqüências do elevado uso destes produtos para o meio ambiente local.

2. METODOLOGIA Para realização da pesquisa a primeira etapa se constituiu em uma revisão bibliográfica e documental sobre o tema e a problemática do uso de agrotóxicos na agricultura brasileira. Para isso, foram consultados dados e fontes de órgãos federais, bem como dados de órgãos estaduais e municipais. Em um segundo momento a pesquisa ficou centrada no levantamento de campo das questões que envolvem o uso dos agrotóxicos na tomaticultura junto a agricultores familiares do município. Foi definido como público da pesquisa os agricultores familiares que no município são os principais produtores dessa cultura. Dessa forma, Cabe ressaltar que, por questões de sigilo e possíveis implicações morais e éticas da pesquisa optou-se por omitir o nome do município participante da pesquisa, bem como dos agricultores entrevistados. 1

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como primeiro passo no sentido de identificar as pessoas que seriam entrevistadas, foram contatadas entidades que trabalham com agricultores familiares no município como a Secretaria de Agricultura, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais -Emater-local e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Este último foi mais preciso nas informações, além de se dispor a promover a aproximação da pesquisadora junto aos agricultores familiares, apontando as áreas principais de produção de tomate no momento da pesquisa, assim como alguns agricultores e a localização de suas lavouras, que poderiam servir de locus do levantamento de dados. O levantamento de campo da pesquisa foi realizado no segundo semestre de 2014, com entrevistas feitas com produtores de tomate de mesa, maiores de 18 anos de idade e prioritariamente agricultores familiares. Para a realização das entrevistas foi adotada a técnica de metodologia Bola de Neve, pela qual um entrevistado indicava outro com características ideais para o objetivo da pesquisa. Essa técnica foi escolhida por ser a mais adequada às características da pesquisa. As entrevistas foram encerradas assim que pôde ser notado o ponto de saturação, ou seja, quando as informações começaram a se repetir muito entre os entrevistados. Dessa forma, chegou-se a um número absoluto de 26 entrevistas o que corresponderia aproximadamente 9% da estimativa primária de 300 agricultores familiares, produtores de tomate, indicada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais deste município.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A pesquisa confirmou a situação da utilização intensiva e indiscriminada de agrotóxicos no município estudado com destaque para a cultura do tomate de mesa. Tal constatação pode ser afirmada uma vez que: a utilização de tais produtos é realizada sem uma amostragem da real necessidade antes de sua aplicação, com uma utilização caracterizada como “preventiva” pelos depoimentos coletados; a aplicação de agrotóxicos é realizada em tanques com uma mistura de produtos, que muitas vezes

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possuem a mesma finalidade; não são respeitados os limites de carência de aplicação de cada produto; a aplicação dos agrotóxicos não é realizada a partir de uma dosagem recomendada, pois há uma carência de informação sobre estas questões; além disso, não foi observada a utilização do Equipamento de Proteção Individual-EPI. A partir do levantamento de campo pode-se perceber que a cultura do tomate de mesa no município e o uso associado de agrotóxicos nesta cultura é um assunto delicado de ser tratado. Quando questionados sobre os agrotóxicos utilizados nas lavouras de tomate no município, a maioria dos entrevistados se recusou a responder sobre essa questão. Alguns afirmaram utilizar muitos produtos e poucos se sentiram à vontade para responder. Com relação à percepção dos riscos e perigos associados ao uso de agrotóxicos, os agricultores entrevistados confirmaram a hipótese inicial da pesquisa, uma vez que apresentaram em seus depoimentos, percepções de risco e perigo associados ao uso destas substâncias, porém sem uma clara percepção dos malefícios à saúde que a utilização indiscriminada de agrotóxicos pode causar tanto aos trabalhadores, quanto às populações vizinhas e aos consumidores do tomate produzido. Contudo é comum a presença de argumentos que materializam ou fatalizam as conseqüências do uso destes produtos sobre a saúde humana e ambiental. Sendo que a maior parte dos entrevistados apresentou uma maior preocupação em se prevenir dos riscos econômicos em detrimento de sua saúde ou com relação ao meio ambiente. Entretanto, a maioria das mulheres entrevistadas indicou possuir uma maior percepção dos malefícios da utilização de substâncias tóxicas, optando inclusive por não utilizar mais agrotóxicos. Outro ponto importante de ser destacado com relação à percepção dos riscos e perigos seria a aproximação de significados na percepção dos entrevistados entre “remédio” e “veneno”. Uma vez que o termo “remédio” poderia remeter a uma estratégia de marketing utilizada pelos vendedores de agrotóxicos, enquanto que o “veneno” revelaria a percepção dos efeitos deletérios destes produtos por parte de alguns agricultores entrevistados.

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A assistência técnica predominante observada no município é a realizada por técnicos de lojas agrícolas da região, além de “clandestinos e contrabandistas” de agrotóxicos. Tal fato pode estar relacionado ainda com a alta incidência de consumo de agrotóxicos no município uma vez que a falta de um corpo de técnicos das instituições públicas em um número mínimo necessário para atender as demandas da cultura do tomate, acarreta no aumento do consumo de agrotóxicos por incentivo das lojas agropecuárias do município. Sem contar que a falta de fiscalização permanente dos órgãos responsáveis facilita a proliferação da venda indiscriminada desses produtos. Essa realidade promovida pelo próprio modelo de mercado agrícola e da ausência de Assistência Técnica e Extensão Rural-ATER, faz com que os agricultores fiquem, na verdade, reféns de um modelo produtivo que leva a dependência do uso de insumos químicos e industriais. Com relação aos impactos socioambientais associados à utilização indiscriminada de agrotóxicos na cultura do tomate de mesa no município, a pesquisa pode concluir que os produtos utilizados apresentam uma alta toxicidade e periculosidade ambiental, podendo ocasionar intoxicações e levar a doenças. Além disso, a alta toxicidade e periculosidade dos produtos utilizados na cultura do tomate de mesa caracterizam-se como um grave risco socioambiental, tanto para os agricultores familiares produtores de tomate, do município, quanto para as comunidades vizinhas às lavouras, bem como os consumidores do tomate produzido com intensiva aplicação de agrotóxicos. Ainda com relação aos impactos socioambientais, foi possível identificar em campo que as lavouras de tomate de mesa do município estão localizadas próximas aos cursos de água, de forma a facilitar a captação de água para as lavouras de tomate. Foi possível identificar inclusive, um grande número de lavouras de tomate próximas à bacia de captação da água que abastece o município.

3. CONCLUSÕES A utilização intensiva e indiscriminada de agrotóxicos deve ser encarada não somente como uma questão relacionada à produção agrícola,

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mas sim como um problema de saúde pública, de preservação ambiental e econômico. Tal fato se torna ainda mais dramático no município estudado onde a cultura do tomate e a utilização de agrotóxicos se caracterizam como fontes de grande importância econômica tanto para o setor agrícola, como para o de serviços do município, considerando que, existe uma alta venda de produtos agrícolas e agrotóxicos tanto para agricultores do município, quanto para agricultores de municípios vizinhos. Esse contexto tem inclusive implicações em nível local e regional, uma vez que a tomaticultura de mesa na região estaria em expansão e com ela o uso associado a agrotóxicos também estaria aumentando. Fica a reflexão se o atual modelo de produção de cultivo do tomate de mesa realizado no município e região é viável do ponto de vista socioambiental e de saúde pública. Os dados e depoimentos do levantamento de campo mostram que podem existir diferentes tipos de risco associados a tal modelo produtivo, o que poderá ser danoso para os agricultores e até mesmo para a população do município. Porém, cabe ressaltar que para o aprofundamento dessas questões outros estudos precisariam ser realizados.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALVES, Sérgio Rabello; OLIVEIRA-SILVA, Jefferson José. Avaliação de ambientes contaminados por agrotóxicos. In: PERES, F.; MOREIRA, J.C.(org.) É veneno ou é remédio? agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. (traduzido por Cláudia Sant´Anna Martins) – São Paulo: Gaia, 2010. GUIVANT, Julia. Reflexividade na Sociedade de Risco: conflitos entre leigos e peritos sobre os agrotóxicos. In: HERCULANO, Selene (Org.). Qualidade de Vida e Riscos Ambientais. Niterói: Editora da UFF, 2000, p. 281-303. LONDRES, Flávia. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. Rio de Janeiro: AS-PTA- Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, 2012.

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MENDES, Santina Aparecida Ferreira. Percepção de Risco no uso de Agrotóxicos na Produção de Tomate do Distrito de Nova Matrona, Salinas, Minas Gerais. Ilhéus, 2009, 171 p. (Dissetação – Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade Estadual de Santa Cruz. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Banca: Marcelo Leles Romarco de Oliveira, Ricardo Henrique Silva Santos, France Maria Gontijo Coelho.

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TRANSFORMAÇÕES NA VIDA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS A PARTIR DA CRIAÇÃO DA RESEX DO EXTREMO NORTE DO ESTADO DO TOCANTINS Dayane Rouse Neves Sousa Marcelo Leles Romarco de Oliveira

1. INTRODUÇÃO

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A discussão a respeito das populações tradicionais que residem nas Reservas Extrativistas da região da Amazônia Brasileira foi inspirada a partir da experiência dos autores na equipe que participa dos trabalhos do Termo de Cooperação firmado entre a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O objetivo desse convênio é apoiar o processo de identificação das famílias beneficiárias e diagnóstico socioprodutivo em Unidades de Conservação Federais. Essa experiência de imersão, principalmente, nas Reservas Extrativistas Riozinho da Liberdade-AC, Chico Mendes-AC, Marinha de Soure-PA e Rio Cajari-AP trouxeram alguns questionamentos sobre as populações tradicionais que residem nesses locais, fato que motivou o desenvolvimento desse trabalho ora apresentado. Entre estes questionamentos, um que chamou atenção referiu-se às possíveis transformações ocorridas nas comunidades a partir da criação de uma Reserva Extrativista (Resex). Outra reflexão, que essas experiências trouxeram, foi pensar na contribuição que as Reservas Extrativistas exercem quando se trata da conservação ambiental desses territórios, como no caso das especificidades da Região Amazônica, visto que esta área geográfica está nas discussões relacionadas ao meio ambiente e às formas de desenvolvimento que vêm sendo promovidas nessa região, seja na esfera acadêmica, política, econômica ou dos movimentos ambientalistas e sociais. Nessas discussões, percebe-se que ocorrem mudanças de concepções sobre os modos de lidar com o uso dos recursos naturais da Amazônia e com as populações tradicionais.

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Nesse sentido, uma das ações ocorridas, e que permitiu mudanças nessa região, foi a luta do movimento dos seringueiros, na década de 1980, que teve como lideranças, mais conhecidas, Chico Mendes e Wilson Pinheiro, no Estado do Acre; Pedro Ramos, no Estado do Amapá; e Dona Raimunda Quebradeira de Coco, no Estado do Tocantins, entre outras, que contribuíram na defesa dos direitos dos povos da Amazônia, bem como para a garantia de seus territórios. Na década de 1980, época em que formulou o conceito de desenvolvimento sustentável que originou o documento intitulado Relatório Nosso Futuro Comum, entrou em destaque uma nova forma de usar os recursos naturais e os territórios, principalmente, da Amazônia, tendo em vista que esse conceito orientou as discussões ambientais no Brasil. Este documento apresenta o conceito de desenvolvimento sustentável como aquele capaz de conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, sem comprometer as futuras gerações. Em 1990, foram criada, no Brasil, as primeiras Reservas Extrativistas. Conforme explana Allegretti (2008, p. 2) a criação das Resex’s foi, principalmente, a concretização das propostas dos seringueiros por meio de uma política pública específica de “Reforma Agrária” e proteção dos territórios e recursos naturais para as populações que moravam e utilizavam esses espaços. Este fato é fruto de um processo de mobilização social ocorrido na Amazônia Brasileira entre as décadas de 1980 a 1990. Nesta ação de mobilização social têm-se, como principais atores sociais, os seringueiros, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, castanheiros e quebradeiras de coco babaçu. Estes, de acordo com Allegretti (2008: p02) “são grupos sociais pobres e marginalizados, sem poder econômico nem força política, que têm em comum o fato de depender dos recursos naturais (lagos, florestas, rios, mar, cerrados) para obter a própria subsistência”. Nesse sentido, as Resex’s têm um papel fundamental de minimizar a degradação do meio ambiente e diminuir o processo de exclusão de determinados grupos da sociedade, além de garantir o território para uso desses grupos. No bojo das políticas públicas ambientais, as Reservas Extrativistas estão no grupo das Unidades de Conservação de Uso Susten-

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tável, são caracterizadas como espaços territoriais especialmente protegidos pelo poder público com uso concedido às populações tradicionais por meio do Contrato de Concessão de Direito Real do Uso (CCDRU), que permite o uso sustentável dos recursos naturais por esses atores. A Reserva Extrativista, como um tipo específico de Unidade de Conservação (UC), foi regulamentada pelo Presidente da República José Sarney por meio do Decreto no. 98.897, de 30 de janeiro de 1990, tendo como órgão gestor o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A partir de agosto de 2007, esta função foi assumida pelo ICMBio. Até junho de 2015 existiam, no Brasil, 62 Reservas Extrativistas Federais, dentre elas, terrestres e marinhas. Deste total, aproximadamente 80% estão localizadas na Região Amazônica (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL – ISA, 2015). Para entender esse processo de criação de Resex e como ocorre as transformações no cotidiano das famílias envolvidas nessas disputas entorno da criação de uma Reserva Extrativista, escolheu-se a Reserva Extrativista do Extremo Norte do Estado do Tocantins, por acreditar que ali seria um lócus privilegiado de disputa entorno de criação de Resex e nas transformações ocorridas na vida das populações tradicionais envolvidas na criação de tal território, buscando, portanto, identificar as mudanças nos modos de vida desta população que tem relação com a Resex do Extremo Norte, bem como os conflitos ocasionados em virtude desse processo.

2. METODOLOGIA

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A pesquisa foi realizada junto às famílias extrativistas que têm relação com a Reserva Extrativista do Extremo Norte do Estado do Tocantins. Criada no dia 20 de maio de 1992, com extensão territorial de 9.280 hectares, a Resex está localizada nos municípios de Buriti do Tocantins, Carrasco Bonito e Sampaio, no Estado do Tocantins. Geograficamente, estes municípios compõem a região do Bico do Papagaio e o território da Amazônia Brasileira. A escolha desta reserva justifica-se em razão de ser a única UC,

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no âmbito federal, localizada no território do Bico do Papagaio, região com intensos conflitos por terra entre as décadas de 1950 a 1990. No ano de 2014, foram identificadas 237 famílias, com uma população de 893 pessoas (UFV/ICMBio, 2014). Essas famílias residem em um dos quatro povoados que estão no entorno desta UC: Povoado Centro do Firmino (zona rural do município de Carrasco Bonito), Povoado Centro do Ferreira (zona rural do município de Buriti do Tocantins), Povoado Cacheado (zona rural do município de Sampaio), Povoado Vinte Mil (zona rural do município de Carrasco Bonito), bem como na sede municipal de Carrasco Bonito. Do ponto de vista das estratégias de pesquisa, foi necessário aplicar um conjunto de técnicas para a coleta dos dados que se dividiu em três fases. A primeira fase foi dedicada à pesquisa bibliográfica e ao levantamento de dados secundários. Já na segunda fase foi realizado o trabalho de campo, que consistiu em dois momentos. O primeiro foi o pré-campo, que aconteceu durante o “2º Seminário para Apresentações dos Resultados Preliminares do Cadastramento e Diagnóstico Socioprodutivo em Unidades de Conservação”, realizado em Brasília, no mês de agosto de 2014. Na ocasião, foi possível entrevistar três pessoas ligadas a esta Unidade de Conservação: o analista do ICMBio que era responsável pela Resex; uma liderança que, na época, era presidente da Associação da Reserva Extrativista do Extremo Norte (ARENT); e uma liderança do Povoado Centro do Ferreira. Por meio das informações coletadas, foi possível realizar o planejamento do trabalho de campo nesta Unidade de Conservação. Posteriormente a este planejamento, foi realizado o trabalho de campo entre os dias 27 de outubro a 2 de novembro de 2014, com a aplicação de 14 entrevistas semiestruturadas junto às famílias da Resex do Extremo Norte. Além desse instrumento de coleta de dados, as conversas informais realizadas com outras famílias desta UC também serviram de suporte para o entendimento da realidade a qual era estudada. Por fim, a última fase consistiu na análise dos dados do questionário do Banco de Dados da UFV/ICMBio referente a esta UC em estudo. Este

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questionário foi aplicado em uma amostra de 143 famílias, em um universo de 237 famílias, o que corresponde a 60% das famílias da Resex do Extremo Norte. O período no qual ocorreu este trabalho foi entre os dias 27 de outubro a 2 de novembro de 2014. Cabe destacar que a pesquisadora também participou da coleta desses dados, o que permitiu um conhecimento mais detalhado da realidade das famílias que têm relação com a Resex do Extremo Norte, uma vez que o questionário retrata discussões que englobam vários assuntos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

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Antes de iniciar a discussão sobre as transformações ocorridas na vida das populações tradicionais que têm relação com a Resex do Extremo Norte a partir da criação desta UC, é necessário deixar claro que passados 22 anos de sua criação, a efetivação de fato não ocorreu e a solução para isso apresenta um cenário distante de resolver, ou seja, as famílias ainda não têm a garantia ao acesso deste território e à exploração do extrativismo do babaçu, o que tem trazido um cenário de incertezas e descrença por parte dessa população tradicional. Diante dos dados da pesquisa foi possível verificar que o babaçu é o elemento que dá identidade aos extrativistas desta Resex e que define como essas famílias têm relação com esse território criado pelo Estado em 1992. Nesse sentido, foi identificada que uma das principais transformações ocorridas na vida desta população foi em relação ao extrativismo do babaçu. Essas mudanças estiveram associadas principalmente em função das dificuldades impostas pelos fazendeiros para usar esse recurso natural, ou seja, para elas, as palmeiras representam garantia alimentar, renda e moradia (taipa), ao passo que, para os fazendeiros, essas árvores apresentam-se como um problema para a expansão da atividade pecuária em suas propriedades, principalmente, a partir da criação da Resex do Extremo Norte. Também vale ressaltar que mesmo com a estratégia criada por essas famílias, qual seja: a coleta do coco somente acontece em alguns trechos

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da Resex, mas para isso é necessário transportar os frutos em animais de carga (jumento) ou bicicleta, porém, em ambos os casos, a quantidade coletada é pequena. Em casos raros, contratam um automóvel com carroceria para transportar maiores quantidades de cocos, mas, para isso, é necessário pagar uma taxa de R$ 50,00, que, na percepção dos entrevistados, é um valor alto a se investir. Em razão dessas mudanças, as mulheres quebram coco em suas residências. Diante disso, a extração do babaçu reduziu-se quando comparada à quantidade de produção no período antes e depois da criação desta Unidade de Conservação, o que não significa que as famílias pararam de realizar o extrativismo deste recurso natural. Segundo um dos entrevistados desta pesquisa (2014), a redução da produção do coco ocorreu porque as famílias têm dificuldades para ter acesso aos babaçuais e, quando elas conseguem entrar nesses locais restritos, têm dificuldades na logística, uma vez que têm que coletar rapidamente os cocos e levá-los diretamente para quebrá-los em suas residências. Pode-se perceber ainda que a floresta do babaçu que existia antes da criação da Resex, uma das razões da existência deste território, não se encontrava preservada no ano de 2014 em sua totalidade (quantidade de palmeiras), uma vez que partes destes babaçuais foram substituídas por áreas de pastagens, as quais se encontram em domínio dos fazendeiros para a execução da atividade da pecuária. Isto deixa evidente o descompasso da existência desta UC no que se refere à conservação ambiental das palmeiras de babaçu e à garantia da existência e do uso deste recurso natural para a população tradicional local. Na opinião dos entrevistados, caso não ocorra a regularização fundiária da área da Reserva nos próximos anos, as famílias não terão como extrair o babaçu, pois esse território será somente pasto, ou seja, não haverá mais babaçuais nesse local. Além disso, foi possível verificar na pesquisa que a partir da criação desta Resex houve a intensificação dos conflitos ocasionados pela disputa do território desta UC entre população tradicional e fazendeiros (donos das terras da área da Reserva). Consequentemente, isso trouxe, como implicações, as restrições ao uso dos babaçuais, a redução da quantidade de frutos extraídos e as tensões entre extrativistas e fazendeiros.

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Outra questão que deve-se colocar em pauta é que na época da criação desta Reserva Extrativista havia no seu território dois povoados (Vilinha e Centro do Gonçalo) que moravam 60 famílias. Além disso, dentro do território desta UC havia um posto de saúde que prestava serviços básicos de prevenção a doença e uma escola que alfabetizava apenas as crianças. Também havia uma estrada que, ligava os Povoados com o município de Carrasco Bonito, recebia manutenção frequente da prefeitura municipal. No entanto, o que se percebe é que existe uma resistência em relação à efetividade desta Unidade de Conservação, uma situação promovida, principalmente, pelos fazendeiros e políticos locais. Ao longo desses anos, estes atores vêm ativamente lutando para a extinção do Decreto de criação da Reserva, além de outros mecanismos de intimidação junto às famílias como, por exemplo, a retirada das famílias que moravam nos povoados Centro do Gonçalo e Vilinha, localizados no interior da Resex do Extremo Norte. Uma vez que se comprovasse a inexistência de famílias que utilizavam a extração do babaçu, não haveria a necessidade de conservação dos babaçuais e, consequentemente, a existência desta Resex. Assim sendo, o primeiro passo realizado por estes atores foi retirar os serviços básicos de educação e saúde dessas comunidades tradicionais e, ainda, parar de realizar a manutenção na estrada de acesso entre esses povoados e o município de Carrasco Bonito. Com a ausência desses serviços, algumas famílias mudaram-se daquele local, porém a maioria permaneceu em tais povoados. Por não terem sido todas as famílias que saíram das comunidades, os fazendeiros e os políticos destruíram e colocaram fogo nas casas, na escola e no posto de saúde, acabando com os dois povoados e expulsando violentamente essa população que residia na área da Reserva. Essas famílias, que foram expulsas de suas moradias, tiveram que migrar novamente para outro lugar, em alguns casos, para povoados que ficavam próximos ao local do território da Resex. Além de ter realizado a expulsão das famílias, no decorrer dos 22 anos, os fazendeiros entraram com ações propondo ao Ministério Público Federal a extinção do Decreto de criação da Reserva Extrativista do Extremo Norte e impediram por três vezes o trabalho de regularização fundiária do

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IBAMA/ICMBio. Cabe ressaltar, novamente, que, até o momento da realização do trabalho de campo desta pesquisa, o Decreto de criação ainda não havia sido extinto e a Reserva existia “só no papel”. Apesar disso, a existência da Resex do Extremo Norte trouxe alguns benefícios para as famílias, como: a implantação da Usina de Beneficiamento de Coco Babaçu dos Comunitários da Resex do Extremo Norte do Estado do Tocantins e os acessos aos Programas Governamentais, como o de Habitação das Quebradeiras de Coco e o Bolsa Verde. A Usina, com sede no Povoado Vinte Mil, foi criada como estratégia para agregar valor e comercializar a produção do babaçu, além de gerar renda as famílias beneficiárias da Resex. Este empreendimento coletivo está diretamente ligado a uma conquista da ARENT, organização que representa os extrativistas desta UC. O beneficiamento das amêndoas do babaçu na Usina produz óleo e torta, que é a massa resultante da obtenção do primeiro produto. Além da implantação da Usina, a existência desta UC concedeu melhores condições de habitações (casa de alvenaria) a 66% das famílias em virtude de terem acessado o Programa “Casas das Quebradeiras de Coco” e os projetos de habitação do Governo do Tocantins e das Prefeituras Municipais de Buriti do Tocantins, Carrasco Bonito e Sampaio (UFV/ICMBio, 2014), uma vez que, até por volta de 2005, as casas eram todas de taipa. Vale ressaltar que o Programa “Casas das Quebradeiras de Coco” era para ser a moradia permanente para as famílias beneficiárias da Resex do Extremo Norte. Mas, como o território desta UC não estava regularizado e não poderia construir as casas neste local, as residências foram construídas em outros locais na região. Outra política pública que tem mostrado para as famílias que há um significado em relação à existência desta UC é o acesso ao Programa Bolsa Verde. Além de ser um complemento de R$ 300,00 na renda familiar trimestralmente, algumas famílias acreditam que o acesso a esta política tem a sua importância em relação às responsabilidades dos mesmos em conservar o meio ambiente na Reserva da qual são beneficiários. De acordo com os dados do Ministério do Meio Ambiente, até março de 2015,

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aproximadamente 33% das famílias desta UC eram beneficiárias de tal programa. Portanto, diante dessas transformações ocorridas, avalia-se que, se o processo de implantação desta política pública (Reserva Extrativista do Extremo Norte) fosse concluído, os extrativistas teriam mais benefícios, principalmente, o acesso a terra e aos seus recursos naturais. Como não foi concluído este processo, o que se percebe é que as famílias ainda convivem com os conflitos fundiários e ambientais, o que acarreta, conforme mencionado, principalmente, a restrição da extração do babaçu. Todavia, algumas políticas públicas como de habitação e transferência de renda são acessadas por esta população, o que proporciona que sejam beneficiados pelo fato da existência desta UC, o que talvez possa ser considerado como um primeiro passo para a garantia de direitos dessa população estudada.

4. CONCLUSÕES

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A partir das discussões realizadas, acredita-se que a população tradicional que tem relação com esta Resex em estudo deveria ter o direito de uso deste território e dos seus recursos naturais (principalmente, o babaçu). Entretanto, a Resex do Extremo Norte tem 22 anos de existência e, até então, o Estado não havia regularizado a questão fundiária, o que resultou no fato de que as famílias das quebradeiras de coco não têm a garantia de extração do babaçu e, tampouco, o acesso a terra do território desta UC. Antes da criação da Resex, a população tradicional vivia do extrativismo do babaçu e de roçados. Com a criação desta UC, os fazendeiros expulsaram as famílias que moravam dentro do território da Reserva. Logo após a violenta expulsão, entraram com ação na justiça alegando a não existência de uma população que vivia do extrativismo do babaçu e solicitando a extinção do Decreto de criação deste território, pois, como havia diminuído consideravelmente o número de extrativistas, isso não justificaria que ocorresse a manutenção da Resex do Extremo Norte. Percebe-se, então, que a não efetividade da atuação do Estado permitiu que as demandas existentes das populações tradicionais não fossem

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atendidas. A falta de proximidade, de regulamentação e de controle da Resex criou algo que existe formalmente, mas distante da realidade, segundo confirmou-se nos relatos desta pesquisa. Se, por um lado, após a criação da Reserva foram construídas casas de alvenaria e distribuídas entre algumas famílias que ali moravam, também foi implantada a Usina de Beneficiamento de Coco Babaçu dos Comunitários da Resex do Extremo Norte do Estado do Tocantins (estratégia de comercialização para agregar valor na produção do babaçu e gerar renda às famílias beneficiárias da Reserva) e algumas famílias passaram a receber recursos financeiros do Programa Bolsa Verde. Por outro lado, intensificaram-se os conflitos entre fazendeiros e a população tradicional ali existente, levando à restrição, por parte dos fazendeiros, da extração do babaçu. Alguns fazendeiros ainda permitem a coleta do coco, entretanto, as dificuldades com o transporte fazem com que a quantidade extraída diminua bastante. A quebra nos babaçuais é totalmente proibida e as famílias têm de transportar os cocos inteiros, o que gera grandes volumes e custos com baixo retorno financeiro. É importante enaltecer que a extração do babaçu é bastante relevante na vida desta população, uma vez que dele se obtém alimento, renda e, ainda, sua utilização na construção das casas ali existentes. Vale ressaltar ainda que, mesmo com as dificuldades impostas pelos fazendeiros, as famílias ainda continuam fazendo a extração do babaçu, porém em menor quantidade. Desta maneira, o que se percebe é que esses anos de indefinição da efetivação da Resex do Extremo Norte têm trazido consigo diversos problemas, uma vez que a falta de regulamentação e fiscalização suficiente permite o aumento do desmatamento dos babaçuais para a expansão da pecuária. Além disso, deixa uma importante fonte de renda nas mãos dos fazendeiros em detrimento das famílias tradicionais. A fiscalização de cerca de 9.280 hectares é realizada por um único funcionário do ICMBio e isso acontece desde de 2007, pois antes não existia sequer algum servidor responsável pelos trabalhos nesta Unidade de Conservação. Já a regulamentação ineficaz se dá através da inexistência de regimento específico que delimite data, local e forma para o uso deste território. Outro fator

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relevante é a falta de conhecimento dos direitos adquiridos por parte da população tradicional, o que facilita a postergação da solução por parte dos fazendeiros interessados. Além disso, o apadrinhamento político destes fazendeiros faz com que o processo de desapropriação das terras não saia do papel. Por três oportunidades tentaram dar andamento ao processo de desapropriação e, em função de manobras dos interessados, tal processo foi paralisado. A atuação do Estado é paradoxal, ora fica do lado dos fazendeiros e não resolve a regularização fundiária da área da Reserva, deixando de lado esta situação vivida pelos extrativistas, ora executa o papel de regulador do conflito, fiscaliza o território desta UC e acua os fazendeiros com advertências e multas àqueles que não fazem o uso ambientalmente correto das propriedades. Percebe-se, por isso, que cabe ao Estado a resolução do conflito por ele enaltecido, decidindo, finalmente, qual a melhor posição a tomar. Ao persistir a indecisão vigente por parte do Estado, os entraves da solução estão diariamente se entranhando nos atores sociais envolvidos. Sejam nos fazendeiros, que diariamente investem em seus negócios (pecuária) nessa área, sejam nas populações tradicionais que veem o território perdendo seus babaçuais. Por isso, a demora por parte do Estado em resolver o conflito só o fortalece e dificulta sua definitiva solução. Portanto, há necessidade de planejamento e execução da política pública ambiental (efetivação da Resex do Extremo Norte) e, caso isso não ocorra, há o risco de que a situação, indefinida como se encontra, possa modificar os hábitos e modos de vida dessa população tradicional, que vive, principalmente, do extrativismo do babaçu. Ademais, pode ser que, em um futuro próximo, não haja mais babaçuais neste local, em razão da expansão da pecuária nesta área da Reserva.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALLEGRETTI, Mary. A construção social de políticas públicas: Chico Mendes e o movimento dos seringueiros. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente. Curitiba: Editora UFPR, n. 18, p. 39-59, 2008.

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CASTILHO, Mariana Wiecko Volkmer de. Documento Final da Caracterização da Reserva Extrativista do Extremo Norte do Tocantins. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. 2009. 108 p. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Reservas Extrativistas. Disponível em: . (Acesso em: 01/06/2015) MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). Programa Bolsa Verde. Disponível em: . (Acesso em: 07/05/2015) UFV/ICMBio. Apoio ao processo de identificação das famílias beneficiárias e diagnóstico socioprodutivo em Unidades de Conservação Federais. Viçosa-Brasília, 2014. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Banca: Marcelo Leles Romarco de Oliveira, José Ambrósio Ferreira Neto, Carlos Antônio Moreira Leite.

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AS POLÍTICAS DE INTERIORIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E PERSPECTIVAS DE TRABALHO PARA JOVENS RURAIS – UM ESTUDO DE CASO DE MATIPÓ, MINAS GERAIS Débora Brandão de Paula Sheila Maria Doula

1. INTRODUÇÃO

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O Brasil vem ao longo das décadas vivenciando uma realidade educacional limitada em termos de oferta e qualidade do ensino ministrado, situação que apresenta raízes históricas e que vai assumindo feições cada vez mais excludentes. O ensino direcionado para comunidades rurais não é exceção e apresenta arestas que resultam em obstáculos para formação profissional dos sujeitos que vivem nesse espaço. Frente a isso, Molina e Freitas (2011) destacam que a oferta educacional para o meio rural geralmente disponibilizada em maior escala somente para os anos iniciais do ensino fundamental configura-se em um problema alarmante. A educação, como destaca Teixeira (2005), configura-se como elemento de inclusão social, visto que promove o desenvolvimento socioeconômico e cultural necessário às exigências da sociedade contemporânea. No mesmo raciocínio, Sen (2000) argumenta que o desenvolvimento de uma nação ocorre somente quando as “capacidades” e “liberdades” das pessoas são garantidas através de medidas que assegurem seus direitos, sendo um deles e de caráter essencial o acesso à educação de qualidade. Dentre os níveis de ensino, compete destacar que vêm ganhando destaque as políticas de interiorização do ensino superior, que tiveram início na da década de 1960 e se intensificaram nos anos 1990. No entanto, o impacto desse processo no meio rural ainda mostra-se distante, visto que até mesmo o ensino básico ofertado nesse espaço apresenta fissuras.

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Compreendemos que esta realidade precisa ser problematizada, pois o acesso dos jovens rurais ao ensino superior se faz necessário para sua formação, o que pode resultar no desenvolvimento de suas comunidades, uma vez que, segundo Dourado (1998), esta é uma das metas da interiorização geográfica por meio da expansão desse nível de ensino em todas as regiões do país. O problema da presente pesquisa surgiu devido à diminuição do número de jovens rurais de alguns municípios da microrregião de Manhuaçu – Minas Gerais que migravam para as cidades para cursar a educação superior nas cidades e que através do ingresso em uma Faculdade mais próxima de suas residências puderam continuar morando e trabalhando em suas comunidades rurais, acessando concomitantemente o ensino superior. A pesquisa apresenta no primeiro capítulo uma discussão acerca dos processos desenvolvimentistas implementados após a II Guerra Mundial e de suas inferências no desenvolvimento rural e local. O segundo capítulo analisa o processo educacional como estratégia compreendida universalmente como forma de promoção da inclusão social, com destaque para o processo de expansão do ensino superior. O terceiro capítulo aborda os processos educacionais, desde o ensino básico oferecido no meio rural até o ensino superior, observando suas implicações na vida do público juvenil. O quarto capítulo analisa o jovem rural e sua relação com os mecanismos educacionais e com o mercado de trabalho, investigando as influências que o processo de interiorização do ensino superior tem causado em suas vidas e em suas comunidades. O quinto e o sexto capítulo apresentam respectivamente os passos metodológicos desenvolvidos pelo estudo, bem como a descrição do lócus da pesquisa. O sétimo capítulo, por sua vez, apresenta a discussão e análise dos dados observando as implicações da educação superior na vida do jovem rural, assim como as aspirações dos mesmos em permanecer ou não no meio rural, investigando também as suas perspectivas de trabalho. O oitavo capítulo é responsável pelas considerações finais que atestam os saldos

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positivos do processo de interiorização do ensino superior no município de Matipó e em outros municípios da microrregião de Manhuaçu. Especificamente procurou-se mapear e analisar as escolhas dos cursos superiores pelos jovens rurais, identificando suas aspirações referentes à conclusão do curso, bem como o interesse em permanecer ou não nas comunidades rurais e nos municípios. Buscou-se também analisar a avaliação dos jovens quanto às oportunidades regionais para a concretização de seus projetos profissionais, e as políticas públicas de acesso ao ensino superior utilizadas por eles.

2. METODOLOGIA

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A pesquisa utiliza instrumentos de natureza qualitativa e quantitativa. O levantamento de dados ocorreu durante o segundo semestre de 2014. A pesquisa bibliográfica privilegiou de autores que apresentam discussões relativas às categorias analíticas do trabalho: Desenvolvimento rural, Inclusão social, Educação para o meio rural e Juventude Rural. Em um segundo momento realizou-se a análise de dados apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais – INEP, Censo Nacional da Educação, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Ministério da Educação e Cultura – MEC, dentre outros. O lócus da pesquisa foi constituído por uma instituição de ensino superior localizada na microrregião de Manhuaçu, especificamente no município de Matipó, Minas Gerais. Esse município foi escolhido em detrimento de outros, pois abriga em sua sede a Faculdade Univértix que apesar de ser inaugurada recentemente no ano de 2008, já atende um total de 1.644 alunos, sendo umas das instituições de destaque na região por viabilizar a presença de estudantes, da zona rural que se deslocam para realizar o curso e retornam diariamente para suas comunidades. Foram aplicados 78 questionários para estudantes oriundos de vinte e seis municípios diferentes, e realizadas 2 entrevistas com o diretor geral da Faculdade e com o secretário da educação municipal. Os dados dos

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questionários foram tabulados no Programa EXCEL viabilizando o processamento e análise dos mesmos.

3. RESULTADOS Os dados coletados permitiram tratar de questões como educação, trabalho e inserção política, uma vez que estes necessitam estar interligados para a viabilização do desenvolvimento das pessoas e do seu meio de origem. Há um destaque para os dados que relatam as expectativas profissionais e de trabalho dos jovens rurais frente ao processo de interiorização do ensino superior, uma vez que este é o objetivo central da pesquisa. Com relação ao público participante da pesquisa pôde-se observar que os jovens rurais vivenciam uma rotina de trabalho de 8 horas diárias, necessitando equilibrar esta com a vida acadêmica. Soma-se a isso as limitações salariais, visto que 71,4% dos participantes afirmaram receber apenas um salário mínimo. Para Brumer (2007), condições adversas de trabalho como jornada extensa e retornos salariais pequenos limitam os planos e sonhos de muitos jovens rurais podendo resultar na migração juvenil para os grandes centros urbanos. Com relação ao histórico escolar apenas 2,5% receberam instrução escolar de setor privado, sendo que a maioria frequentou o ensino público ofertado integralmente no meio urbano. Esse dado pode encontrar justificava no baixo número de escolas rurais existentes e no processo vigente de nucleação que foi iniciado na década de 1960 (FERREIRA e BRANDÃO 2011), revelando-se ainda constante conforme mostrou o Censo da Educação 2012. A precarização do ensino básico no meio rural foi uma das maiores reclamações dos participantes, aparecendo como o quinto motivo que mais dificulta o acesso ao ensino superior, e sendo apontado em primeiro lugar, por 39%, como principal indicador que precisa ser melhorado para que mais jovens rurais acessem o ensino superior. Compreendemos que o acesso à educação constitui-se em um direito que necessita ser assegurado, visto que segundo Sen (2000), as oportuni-

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dades sociais, como o acesso à educação em seus diversos níveis é imprescindível para o desenvolvimento dos sujeitos e da sociedade, sendo este considerado também um dos fatores responsáveis pela inclusão social (POCHMANN, 2005; RODRIGUES et. al., 1999; BONETI, 2006; SEN 2000 e 2001; SEN e KLIKSBERG, 2010 e Leal, 2004). Analisando a forma de ingresso ao ensino superior 69,2% dos jovens da pesquisa estudam com auxílio de alguma política pública ou bolsa e 30,8 % não usufruem de nenhum tipo de benefício. As políticas de acesso mais utilizadas são respectivamente o Fies com 57,4% e o Prouni com 16,7%. Como destacam Corbucci et. al (2009), ao longo dos anos a visibilidade dos jovens no âmbito das políticas públicas educacionais aumentou, sobretudo, no que refere-se à ampliação e equalização das condições de acesso à educação. Segundo Franzoi (2011), essas ocorrências revelam um importante salto, mas não ocultam a necessidade de medidas que assegurem a permanência desses alunos nas instituições de ensino. Portanto, para que este processo cumpra a função de promover a inclusão social são necessárias reavaliações constantes em suas formas de atuação para que não haja ocorrências de mecanismos de inclusão injusta (SEN e KLIKSBERG 2010). O ensino superior particular foi apontado pelos participantes como a opção mais viável devido principalmente a fatores como a existência de um número maior desses estabelecimentos, recebendo 34 apontamentos, seguido da dificuldade de acesso ao ensino superior público que recebeu 15 apontamentos. O acesso ao ensino superior público mostrou-se muito distante da realidade dos participantes; para a maioria deles, representada por 51 apontamentos, os jovens rurais da microrregião de Manhuaçu não apresentam condições de competir por uma vaga nas universidades federais. Outro diferencial do ensino superior privado apontado pela pesquisa é a oferta do ensino noturno, pois de acordo com o Censo da Educação Superior 2013, as instituições públicas concentram apenas 30% de suas vagas no período noturno, já as privadas apresentam 73% de suas vagas nesse período aumentando assim as chances de acesso dos jovens rurais. Segundo Menezes (2012), a continuidade dos estudos dos jovens rurais é influenciada

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diretamente pela oferta do ensino noturno, visto que assim estes podem exercer suas funções durante o dia e frequentar a faculdade a noite. O acesso à formação superior é compreendido pelos participantes como fator essencial para a obtenção de maiores oportunidades empregatícias, sendo apontado 67 vezes como a principal razão da realização de um curso superior. Para Guimarães e Júnior (2012) a valorização da educação e a associação desta com a inserção no mercado de trabalho é algo comum entre muitos jovens rurais. Para 39% dos participantes a ampliação de empregos nas zonas rurais e urbanas é um dos principais indicadores para que mais jovens rurais acessem o ensino superior. A educação acrescida de oportunidades de emprego são, segundo Lopes (2013), uma necessidade indispensável para jovens rurais, pois segundo o autor a falta de domínios tecnológicos, de idiomas e novas linguagens vêm afastando estes das possíveis oportunidades que a reconfiguração das atividades rurais pode abrir. A criação de postos de trabalhos no meio rural configura-se como fator essencial, uma vez que muitos dos participantes, número equivalente a 37,2%, apresenta o interesse em exercer a profissão no próprio município, não demonstrando intenção em migrar para os grandes centros urbanos. Esse desejo é ainda reafirmado pela motivação em organizar um empreendimento, sendo este o terceiro motivo apresentado pelos participantes para a realização do curso superior. Esta situação revela-se favorável à elaboração de oportunidades que permitam aos jovens exercer suas profissões na própria região. Todavia, esta possibilidade aparenta estar sendo inviabilizada por aspectos como a falta de estímulo à participação deste público na agenda política da microrregião de Manhuaçu, visto que apontamentos afirmaram não haver oportunidades para que os jovens atuem politicamente e apresentem suas demandas; somente 6 apontamentos revelaram o contrário. Dessa forma, percebe-se a motivação dos jovens rurais em ampliar seus estudos e empregar os conhecimentos em seus municípios, possibilidade que se alicerçada por políticas adequadas, pode resultar no desenvolvimento regional.

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4. CONCLUSÕES

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É evidente o salto dado pelo Brasil em termos de oferta do ensino superior nas últimas décadas conforme discutido no decorrer da pesquisa. No entanto, a repercussão dessa expansão no meio rural configura-se ainda como uma incógnita frente à ausência de dados governamentais e a baixa quantidade de análises acadêmicas sobre o número de jovens rurais universitários. Observamos o impacto positivo das instituições de ensino superior privadas no país. Segundo os participantes da pesquisa, estas instituições são mais acessíveis devido ao seu maior número e distribuição no território nacional, permitindo que mais indivíduos obtenham formação superior sem precisar migrar definitivamente para os centros urbanos. Verificamos que as políticas públicas também têm colaborado para a ampliação das oportunidades acadêmicas fazendo com que muitos indivíduos alcancem a oportunidade de ingressar nas faculdades, dentre eles muitos jovens rurais. No entanto, a pesquisa ressalta que é indispensável a elaboração de meios que assegurem a permanência dos discentes nas faculdades para que as demandas da vida universitária não resultem em uma inclusão injusta. A criação de empregos nas comunidades rurais e nos municípios é destacada pelos participantes como um fator de suma importância, visto que a maioria apresenta a aspiração de atuar profissionalmente na própria região. Para eles, a oferta de trabalho asseguraria possibilidades de permanência em suas localidades de origem, o que segundo a bibliografia consultada surtiria efeito também no desenvolvimento regional que contaria com a oferta de profissionais que atendessem a sua demanda, amenizando assim o fluxo da migração juvenil em busca de emprego. Essas colocações contrapõem a imagem do jovem rural como um indivíduo que anseia unicamente pela vida urbana e dialogam com as pesquisa que mostram o interesse dos mesmos em continuar residindo no meio rural desde que hajam alternativas para que isso ocorra. Observamos que a academia demonstra ter compreendido as oportunidades que podem

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advir da permanência do jovem, no entanto, torna-se necessário que o poder público amplie as oportunidades para que eles possam permanecer em suas comunidades e municípios, podendo assim desenvolver suas liberdades e capacidades.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONETI, L. W. Exclusão e inclusão social: teoria e método. Contexto e Educação. Editora Unijuí, Ano 21, nº 75, 2006. BRUMER, A. A problemática dos jovens na pós-modernidade. In: CARNEIRO, M.J.; CASTRO, E.G. de (Orgs). Juventude rural em perspectiva. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. CORBUCCI, P. R.; CASSIOLATO, M. M.; CODES, A. L.; CHAVES, J. V. Situação educacional dos jovens brasileiros. In Juventude e Políticas Sociais no Brasil / organizadores: Jorge Abrahão de Castro, Luseni Maria C. de Aquino, Carla Coelho de Andrade. – Brasília : Ipea, 2009. DOURADO, L. F. Expansão e interiorização da Universidade Federal de Goiás nos anos 80: A parceria com o poder público municipal. In: IV Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas história, Sociedade, Educação. Campinas São Paulo. 1998. FERREIRA, F. J.; BRANDÃO, E. C. Educação do Campo: Um olhar histórico, uma realidade concreta. Revista Eletrônica de Educação. Ano V. Nº. 09, 2011. FRANZOI, N. L. Juventude, trabalho e educação: crônica de uma relação infeliz em quatro atos. In: Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira. Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades / Organizadores: Juarez Dayrell, Maria Ignez Costa Moreira, Márcia Stengel. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2011. GUIMARÃES, S. JÚNIOR, A. F. S.Ser jovem no Brasil: trajetórias juvenis no campo e na cidade Campinas, São Paulo: Editora Alínea, 2012. LEAL, G. F. A noção de exclusão social em debate: aplicabilidade e implicações para a intervenção prática. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambú- MG, Brasil, 2004. LOPES, K. C. D. Juventude rural, tecnologia e trabalho: as demandas de qualificação e domínio tecnológico para a inserção laboral no rural

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multifuncional – Jeceaba. Universidade Federal de Viçosa. Dissertação de Mestrado, 2013. MENEZES, A. E. N. Perspectivas da juventude rural no ensino superior. VI colóquio internacional. Educação e contemporaneidade. São Cristovão – SE/Brasil, 2012. MOLINA, M.C.; FREITAS, H.C.A. Avanços e desafios na construção da educação do campo. Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 85, 2011. POCHMANN, M. Atlas da exclusão social. Volume 5: Agenda não liberal da inclusão social no Brasil. Marcio Pochmann.(et al.), (organizadores). São Paulo: Cortez, 2005. RODRIGUES, E. V.; SAMAGAIO, F.; FERREIRA, H.; MENDES, M. M.; JANUÁRIO, S. A pobreza e a exclusão social: Teorias, conceitos e políticas sociais em Portugal. Revista da Faculdade de Letras: Sociologia, 09, 1999. SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. SEN, A. e KLIKSBERG, B. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SEN, A. K. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação de Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro: Record, 2001. STROPASOLAS, V. L. A dimensão da diversidade social na abordagem das crianças e jovens rurais. In: XXIX Congresso Latinoamericano de Sociologia, Santiago – Chile, 2013. TEIXEIRA, C. Educação e inclusão social? Os limites do debate sobre o papel da escola na sociedade contemporânea. XII Congresso Brasileiro de Sociologia. Belo Horizonte-MG. ISSN: 2236-6636, 2005. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Banca: Alair Ferreira de Freitas e Luciano Rodrigues Costa.

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PRODUÇÃO DO QUEIJO MINAS ARTESANAL DA MICRORREGIÃO DO SERRO: TRADIÇÃO, LEGISLAÇÃO E CONTROVÉRSIAS Edna Silva de Abreu Douglas Mansur da Silva Rita de Cássia Pereira Farias

1. INTRODUÇÃO Trata-se de um estudo de caso sobre o saber-fazer tradicional do queijo artesanal da microrregião do Serro-MG e da rede de controvérsias em torno de sua produção. Reconhecido como patrimônio cultural imaterial mineiro e nacional, o que lhe agregou valor e reconhecimento, a criação de legislação sanitária regulatória da produção de queijo a partir de leite cru tem colocado em xeque a possibilidade de continuidade dessa tradição e identidade regional, por uma série de razões, exploradas neste trabalho. O saber e o modo de fazer o queijo minas artesanal do Serro é uma tradição secular. Produzidos em pequenas queijarias, essa atividade representa uma fonte de renda importante para a região e desempenha historicamente um papel significativo na fixação de seus produtores. Com esta pesquisa busca-se compreender os conflitos gerados após as mudanças exigidas na legislação quanto à estrutura física das queijarias e o modo de produção, verificando, junto aos produtores, se é pertinente manter o cadastrado no órgão fiscalizador. Nesse processo, é importante identificar como as entidades envolvidas têm atuado para manter estes produtores na legalidade. A motivação para a realização desta pesquisa surgiu a partir da minha atuação como extensionista rural junto aos produtores, preocupados com a preservação do modo de fazer do queijo minas artesanal. Em geral, os produtores desconheciam a aplicabilidade da lei e a interpretação mais recorrente era a de considerá-la como incompatível com sua tradição,

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preocupação ainda mais acentuada em virtude da relevância cultural e econômica do queijo para a garantia da reprodução social e econômica das famílias produtoras. De fato, o aspecto jurídico da regulamentação da fabricação dos queijos artesanais levanta polêmicas. Embora já tenham ocorrido alterações na legislação federal e nas legislações estaduais específicas, os avanços alcançados não foram satisfatórios para a solução dos entraves inerentes à fabricação e à comercialização deste produto. Mesmo diante da atuação da EMATER/MG na região, as dificuldades na compreensão e interpretação da lei permanecem e apenas uma parte da normativa é considerada legítima pelos produtores, considerando-se a distinção entre legal (positivado pela lei) e legítimo (reconhecimento social), proposta por Weber (1964), estabelecendo uma controvérsia entre técnicas e o saber-fazer tradicional. Para muitos produtores, as normas que o regulamentam não condizem com as peculiaridades do produto, o que implica em dificuldades em sua perpetuação como patrimônio cultural, contribuindo para a sua descaracterização como tal. Assim, este trabalho se propõe analisar os aspectos culturais e econômicos envolvidos na produção do queijo artesanal na região do Serro-MG. Busca-se compreender a percepção dos produtores acerca do processo de fabricação tradicional do queijo frente às novas exigências inerentes à regulamentação sanitária quanto à estrutura física das queijarias e ao modo de produção. Interessa-nos refletir sobre as dificuldades apresentadas após a legalização da fabricação do queijo, além de conhecer os aspectos inerentes à atuação dos extensionistas no apoio a esses produtores para obterem o cadastro.

2. METODOLOGIA

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A pesquisa foi realizada na microrregião do Serro, que abrange os municípios de Alvorada de Minas, Coluna, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Materlândia, Paulistas, Rio Vermelho, Sabinópolis, Santo Antônio do Itambé, Serra Azul de Minas e Serro. Esses municípios apresentam características singulares, que influenciam na produção do leite e, conse-

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quentemente, no tipo de queijo produzido na região, que se distingue dos demais queijos de outras regiões, por seu sabor característico (EMATER-MG, 2002). A produção de queijo permitiu, em 2014, que aproximadamente 880 produtores, distribuídos nos onze municípios, produzissem anualmente quase 3.000 toneladas de queijo artesanal, gerando 2.290 empregos (EMATER-MG, 2013). Esse alimento constitui a principal fonte de renda das famílias que estão envolvidas na cadeia produtiva do queijo do Serro, contribuindo com mais de 60% da renda desses municípios (SEBRAE, 2014). Assim, práticas e discursos de tradição estão presentes na região do Serro, Estado de Minas Gerais, através do saber fazer envolvido na produção do queijo – bem cultural imaterial. Diante da subjetividade envolvida na pesquisa, optamos por um método qualitativo que agregasse observação, acompanhamento de indivíduos em suas interações sociais e análise de narrativas, com enfoque qualitativo. A pesquisa qualitativa não considera a representatividade numérica, mas a compreensão de um grupo social, com os aspectos da realidade que não se podem mensurar. Para Minayo (2009), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Durante a pesquisa de campo, foram visitadas vinte e nove fazendas e realizadas entrevistas em igual número com os produtores de queijo do Serro, sendo vinte e três produtores cadastrados no órgão de inspeção do Estado e seis queijeiros não cadastrados. Entre os selecionados, havia produtores pertencentes à Associação de Produtores Artesanais de Queijo do Serro (APAQS), à Cooperativa dos Produtores Rurais do Serro (Cooperserro), produtores mais jovens, que optaram por retornar para o campo e investir na produção de queijo artesanal, além daqueles que iniciaram o processo de cadastramento, contribuíram para a construção das primeiras queijarias e abandonaram o processo de formalização da produção do queijo, ficando na informalidade. Foi contemplada a diversidade, isto é, famílias que diferentemente aderiram ou recusaram as práticas de produção do queijo conforme os marcos regula-

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tórios, com o intuito de verificar os distintos efeitos sociais, econômicos, e na tradição. Também foram realizadas seis entrevistas com técnicos extensionistas dos municípios caracterizados na microrregião do Serro, uma entrevista com o presidente da cooperativa dos produtores rurais do Serro, uma entrevista com o presidente do Sindicato dos produtores do Serro e uma entrevista informal com um laticinista. O material coletado foi organizado e selecionado em categorias à medida que ia sendo transcrito. Os dados foram analisados na forma discursiva, pautando-se nos referenciais teóricos que subsidiaram a compreensão do tema. Já a observação e o acompanhamento das atividades cotidianas de indivíduos ligados à produção do queijo se deu em menor número, porém partindo-se do mesmo princípio metodológico de buscar contemplar a diversidade. Tal observação foi de fundamental importância para o conhecimento do saber-fazer envolvido na produção do queijo, bem como para a compreensão do seu significado, das práticas e valores dos sujeitos da pesquisa e de suas interdependências.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

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O primeiro capítulo aborda o saber-fazer envolvido na produção do queijo do Serro, seja em sua dimensão histórica, seja pelo detalhamento do conhecimento empírico que conduz todos os processos na produção. Ancorada no âmbito familiar, o aprendizado do trabalho nas queijarias se inicia quando criança e acompanha a trajetória de vida dos fazendeiros e seus familiares. Geralmente, esse aprendizado envolve relações de hierarquia fundamentadas no domínio do saber-fazer que, normalmente, é determinado pelo pai da família que direciona e detém o controle de todo o processo de uma atividade e, portanto, garante a reprodução do grupo social. Assim, o queijo do Serro assegura estratégias de reprodução social e econômica, envolvendo a interação entre sujeitos e grupos sociais. Parale-

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lamente, reforça o sentimento de pertencimento ao lugar onde se estabelece a produção, produz vínculos de sociabilidade, constituindo histórias individuais e coletivas impregnadas de saberes e simbolismos. O queijo do Serro é um produto que representa uma identidade, entendida por Castells (1999) como uma fonte de significado e experiência de um povo. Portanto, a identidade cultural de um povo é o conjunto das experiências construídas em suas vivências e convivências que se acumulam através de uma relação social e simbólica, estabelecendo um elo entre o homem e a terra, além de sua identidade cultural envolta das tradições, costumes e valores. Além disto, os aspectos da cultura alimentar em torno do queijo envolvem práticas em torno da lógica de reciprocidade, através do vínculo e do intercâmbio que a produção cria, além de confirmar valores e sentimentos de responsabilidade na transmissão dos saberes para as próximas gerações. Mediante o queijo, os produtores oferecem hospitalidade àqueles que o visita e são convidados para compartilhar sua mesa. Para os produtores de queijo do Serro, as dádivas elaboradas sob forma de comida exercem um papel relevante para fortalecer os laços de comensalidade. Neste contexto, Mauss (2013) deixa em evidência que a dádiva é o oposto da troca mercantil. Compreende uma relação social entre as pessoas, uma aliança tanto matrimonial como política, religiosa, econômica, jurídica, incluindo relações pessoais de hospitalidade. Mediante as relações de reciprocidade estabelecidas através do queijo, os produtores, nas suas redes de relacionamento estabelecidas pela vizinhança, amizade, parentesco e conexões econômicas, desenvolvem mecanismos que atuam na cadeia produtiva da produção do queijo, contribuindo para a sua promoção e comercialização. A produção destinada para a comercialização assegura renda, que permite, sobretudo, a aquisição de bens de consumo. No âmbito cultural, tem garantido a continuidade de uma tradição através de gerações, além de favorecer o desenvolvimento de políticas culturais, assegurando a diversidade cultural do país como patrimônio histórico e artístico imaterial através do seu registro.

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Contudo, as seções centrais do trabalho abordam as controvérsias instaladas a partir de marcos regulatórios sanitários e da intervenção mediada por saberes técnico-científicos. Em 2001 o Ministério Público requereu o enquadramento do queijo minas artesanal nos padrões oficiais estabelecidos pela Legislação de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal de 1952. Esta legislação, direcionada para a grande produção, restrita a produtos de fabricação a partir de leite pasteurizado, ignora a produção de produtos lácticos a partir de leite cru. Diante disso, o Estado de Minas Gerais empenhou-se na regulamentação dos queijos artesanais. Desta forma, o queijo do Serro, visto como um produto que possui uma história ligada à região, passou a ser reconhecido e sua produção artesanal regulamentada pela criação da Lei Estadual nº. 14.185/2002 (MINAS GERAIS, 2002). A técnica reelaborada da produção artesanal do queijo minas pela legislação é instrumentalizada por materiais que denotam grande preocupação com a higiene e a aceitação do produto por parte dos consumidores, bem como do órgão de inspeção, o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Entretanto, a maior parte das mudanças estabelecidas na legislação para a adequação das queijarias às normas sanitárias, na visão de muitos produtores entrevistados, representa uma modificação não apenas no saber fazer, mas também na identidade do produto e dos produtores. Por isso, muitas dessas mudanças não são vistas como legítimas pelos produtores. As bancadas queijeiras de madeira, que foram substituídas pelas bancadas de ardósia, para muitos produtores, não permitem a coleta do pingo1, com qualidade. Diante dessa inconsistência, acabam criando suas próprias estratégias para a produção do queijo, tal como a utilização de uma gamela de madeira. Pingo é um fermento natural, usado pelos queijeiros da região, resultante da dessoragem dos queijos já salgados, e coletado de um dia para outro. O pingo é, portanto, um soro fermentado com certa quantidade de sal, que age como inibidor de algumas fermentações indesejáveis e confere ao queijo características típicas de sua variedade (MARTINS, 2006, p. 26). 1

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Ferreira e Ferreira (2011), em seus estudos, demonstraram que a madeira utilizada nos utensílios empregados na fabricação de alimentos artesanais, como, por exemplo, formas, prateleiras e bancadas para produção de queijos apresentam estrutura porosa, permitindo o desenvolvimento de comunidades microbianas conhecidas como biofilmes compostos por fungos filamentosos, leveduras e BAL, que são responsáveis pelas propriedades peculiares de variados queijos artesanais, garantindo sabores e odores específicos desses alimentos, assim como sua segurança. Muitos produtores consideram que é um desafio produzir um queijo com as características tradicionais usando os processos modernos de produção e à utilização de utensílios higienizados, água clorada e uma solução de detergente. Como afirma um produtor que há 30 anos produz queijo, “eu tentei fazer queijo no sistema deles, lavando com cloro, mas o queijo não dá certo” (Amós, Coluna). Com o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico foram introduzidas adaptações racionais e tecnológicas que propiciaram a industrialização de produtos alimentícios destinados ao consumo em massa. Poulain (2004, p. 29) afirma que os alimentos nunca estiveram tão distantes “de seu enraizamento geográfico e das dificuldades climáticas que lhe eram tradicionalmente associadas”. Se, por um lado, o conhecimento científico e tecnológico aumentou a disponibilidade e variedade de alimentos, também provocou a perda e o controle da produção dos alimentos. Neste contexto, os laticínios industriais substituíram os ditos “artesanais”, levando à perda da diversidade alimentar (KONGO, 2011). Conforme Giddens (1991), a modernidade gera modos de vida desprendidos do modo tradicional, interferindo nas características, costumes e tradições de um grupo social, sendo inerentemente globalizante. Desse modo, a produção artesanal sofre transformações e as técnicas artesanais ancoradas nos costumes e nas tradições dão lugar às novas tecnologias desenvolvidas e às grandes instalações. Diante dos diferentes discursos, o extensionista rural é um agente importante neste contexto, atuando como um facilitador que busca compa-

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tibilizar os aspectos técnicos preconizados na legislação e o modo de fazer o queijo, conforme a tradição.

4. CONCLUSÕES

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Os 880 produtores de queijo do Serro compõem um universo de pessoas que estão na periferia de um sistema técnico industrial que, embora, produzam o queijo artesanal como fonte de renda que permite a permanência das família no espaço rural, desconhecem a legislação que regulamenta o queijo minas artesanal que produz. As exigências da legislação que normatizou a produção artesanal do queijo causou indignação para muitos produtores. Muitos deles ficaram impossibilitados de atender à legislação, seja por não a legitimarem - pelo fato de o novo modo de fazer o queijo não corresponder ao sabor e característica tradicionais -, seja por não compreenderem a legislação ou por não terem condições de arcar com os custos da adequação à legislação. Com isso, uma parcela dos produtores de queijo criaram estratégias para burlar a lei e passaram a fazer e comercializar o queijo à sua maneira. Nesse processo, na atuação junto aos produtores, localizados em condições geográficas de difícil acesso, cuja produção de queijo é a principal fonte de renda, os extensionistas têm enfrentado muitos desafios perante a complexidade da questão. Apesar da indiscutível importância de uma legislação para o segmento de queijos elaborados a partir de leite cru, cujo alimento precisa oferecer segurança alimentar para o consumo, essa legislação precisa se adequar aos saberes dos produtores, de modo a preservar as tradições. Essa situação conflituosa requer ações em capacitações para que os extensionistas tomem posse de conhecimentos antropológicos que os possibilitem uma compreensão dos aspectos culturais envolvidos nesse processo, fundamentada em uma tradição do modo de saber fazer o queijo artesanal para auxiliar os produtores no cumprimento das normas sanitárias, interferindo o mínimo possível na descaracterização do produto, considerando ser uma atividade econômica e social reconhecida.

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Do ponto de vista teórico, este estudo dialoga com trabalhos e reflexões acerca das relações entre saberes para melhor entender as controvérsias e conflitos entre práticas sociais e culturais e, particularmente, entre a razão cultural (ou simbólica) e a razão prática (ou utilitária) (SAHLINS, 2007). Diante disto, um dos desafios é buscar compreender como se dá o diálogo/confronto entre o conhecimento científico e a tradição cultural. Neste sentido, poderá contribuir para que a pesquisa e a legislação fiquem mais próximas aos interesses dos produtores, subsidiando suas ações para evitar percepções como a de um produtor da microrregião do Serro que destacou: “A pesquisa, mais uma vez, no Brasil, ficou lá no canto da universidade e eles inventando lei por conta própria e, apesar de ser da instituição que fiscaliza, sou muito mais produtor”.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, M. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da informação: economia, sociedade e cultura.) FERREIRA, E. G; FERREIRA, C. L. L. Implicações da madeira na identidade e segurança de queijos artesanais. Rev. Inst. Latic. “Cândido Tostes”, n. 381, v. 66, p. 13-20, jul./ago. 2011. FOX, P. F. Cheese: chemistry, physics and microbiology: major cheese groups. London: Chapman & Hall, 1993, v. 2. GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. KONGO, J. M. São Jorge: o queijo e a ilha – 500 anos. Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores: Universidade de Açores, 2010. MAUSS, M.. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. Trad. de Paulo Neves. 1ª ed. São Paulo: Cosac &Naify, 2013. MINAS GERAIS. Lei nº. 14.185, de 31 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o processo de produção do Queijo Minas Artesanal e dá outras providências. Belo Horizonte, 2002. MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

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POULAIN, J. P. Sociologia da Alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Florianópolis: Ed. UFSC, 2004. SAHLINS, M. Cultura e Razão Prática, Rio de Janeiro: Zahar, 2007. SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas e Médias Empresas. Diagnóstico dos produtores de queijo minas artesanal da região do Serro. 2014 WEBER, M. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1964, v. 1. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: Com vínculo empregatício (EMATER/ES). Banca: Douglas Mansur da Silva, Rita de Cássia Pereira Farias, Marcelo José Oliveira, Sheila Maria Doula.

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O SOTER-PA COMO ALTERNATIVA AO ORDENAMENTO TERRITORIAL DE ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA Fernanda Machado Ferreira José Ambrósio Ferreira Neto

1. INTRODUÇÃO O planejamento e a gestão do território são essenciais para a regulamentação do uso, ocupação e transformação deste espaço com o objetivo de melhor aproveitá-lo, visando a elevação das condições de vida das pessoas que nele habitam. Num contexto onde as demandas produtivas e as relações sociais são cada vez mais intensas e complexas, torna-se imprescindível o planejamento racional acerca da utilização dos recursos naturais, tendo em vista a finitude dos mesmos. Nesse sentido, frente à multiplicidade de usos do território, dentre eles usos agrícolas, industriais, comerciais, residenciais, e outros, este trabalho tem como cerne os projetos de assentamento de reforma agrária, os quais abrangem cerca de 10% do território nacional, além de abrigarem dezenas de milhares de famílias rurais. Os números oficiais da reforma agrária no Brasil revelam a necessidade de planejamento e gestão ambiental destes assentamentos na perspectiva do desenvolvimento sustentável, visto que o uso desregulado dos recursos naturais pode gerar sérias consequências físicas e sociais para o ambiente, além de inviabilizar essas áreas para o cumprimento do objetivo central da reforma agrária, que é a formação de novos produtores rurais com autonomia e capacidade produtiva. Entretanto, conforme evidenciado neste trabalho, existem algumas falhas nos processos de parcelamento territorial nos assentamentos rurais para fins de reforma agrária, realizados pelo INCRA, uma vez que a delimitação dos lotes familiares é, na maioria das vezes, realizada sem considerar ou priorizar aspectos físicos dos imóveis, tais como tipos de solos, relevo, vegetação, hidrografia e aptidão agrícola das terras.

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Desta forma, tomando a problemática do parcelamento como referência, vem sendo construído por pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Assentamentos (CNPq), desde 2007, um programa de computador que busca auxiliar na superação das dificuldades enfrentadas pelo INCRA no ordenamento territorial dos assentamentos rurais, o SOTER-PA – Sistema de Organização Territorial da Reforma Agrária e Planejamento Ambiental. O aplicativo realiza o delineamento dos lotes com capacidade produtiva agrícola mais homogênea, possibilitando uma distribuição mais equânime dos recursos naturais a serem explorados pelas famílias beneficiárias. No entanto, o SOTER-PA ainda não havia sido devidamente testado, isto é, sua viabilidade para o parcelamento de assentamentos rurais e outras áreas de interesse não havia sido exaustivamente comprovada, havendo, portanto, a necessidade de estudos mais direcionados. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados dos testes realizados com o programa SOTER-PA, de forma a comprovar sua viabilidade para o parcelamento de áreas de interesse, tendo em vista a problemática de pesquisa que se baseia na seguinte pergunta: O parcelamento realizado pelo aplicativo SOTER-PA é capaz de delinear unidades territoriais (lotes) mais homogêneas do ponto de vista da capacidade produtiva que o parcelamento realizado pelo INCRA?

2. O SOTER-PA

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A atual versão do aplicativo SOTER-PA é baseada no algoritmo Busca Tabu. Segundo Glover (1989, 1990), citado por Moreira et al (2011), o algoritmo Busca Tabu é uma metaheurística fundamentada em busca local ou busca em vizinhança, baseado em mecanismos de memória adaptativa, tanto a curto como a longo prazo, podendo ser aplicado em problemas de otimização combinatória. A partir da busca tabu foi proposta uma adaptação da mesma denominada busca tabu minimalista, visto que tal método possibilita a geração de soluções diferentes sem que seja alterada de maneira drástica a solução atual. Além disso, este método gera um conjunto de soluções vizinhas de

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maneira sistemática, de forma que a continuidade de alocação dos lotes não seja alterada (MOREIRA et al, 2011). Desta forma, aplicando-se tal algoritmo ao parcelamento dos lotes para fins de reforma agrária, quanto maior o índice de produtividade, mais adaptado é o lote em termos de produtividade agrícola, sendo que a definição de tal índice leva em consideração a função de otimização que pode ser o tipo de solo, a aptidão agrícola ou outra variável física que se queira considerar, devendo a mesma estar organizada em um mapa georreferenciado, com o perímetro do assentamento a ser parcelado. Para os casos em que a qualidade física do lote é menor, há uma compensação no tamanho do mesmo, o qual será maior em relação àqueles que possuem melhor qualidade em termos da função de otimização. Assim, apesar de não haver uma homogeneidade em relação ao tamanho e à forma dos lotes, o que se pretende é que haja uma maior semelhança em termos de produtividade agrícola entre os lotes destinados às famílias assentadas, o que não é contemplado se considerada a metodologia de parcelamento utilizada pelo INCRA (FERREIRA NETO et al, 2010). Logo, a definição do índice de produtividade leva em conta, segundo Ferreira Neto et al (2010), a função de otimização, que nesta pesquisa é a aptidão agrícola das terras, fisicamente organizada em um mapa georreferenciado com o perímetro do assentamento a ser parcelado. A definição da função de avaliação foi baseada, pois, no conceito de índice de produtividade aplicado aos lotes. O cálculo do índice de produtividade é realizado a partir do somatório da área de cada classe da função de otimização, multiplicada pela constante de peso associado à classe, conforme a fórmula a seguir. Desse modo, os lotes que possuírem maior índice de produtividade serão considerados mais adaptados, ou seja, possuirão maior ou melhor capacidade produtiva. IPLi = ∑jnc = 1(Ai,j x Cj) Onde: IPLi: Índice de produtividade do lote i; Ai,j: Área do lote i pertencente à função de otimização j;

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Cj: Constante de produtividade da função de otimização; nc: Número de classes da função de otimização; i € {1..nL}.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para que o SOTER-PA possa realizar o parcelamento de áreas de interesse são necessários três arquivos de entrada, sendo eles o mapa da função de otimização e do limite da área a ser parcelada, no formato texto (.txt), bem como o arquivo de entrada, contendo as seguintes informações: nome do arquivo referente ao limite da área a ser parcelada, arquivo do mapa de aptidão agrícola do mesmo; número de linhas e colunas da matriz numérica que compõe o mapa original, número de lotes que se pretende gerar, tamanho mínimo e máximo que se pretende para os mesmos; número de classes1 de aptidão agrícola e notas atribuídas a cada uma delas. A obtenção das notas dos subgrupos de aptidão agrícola se deu a partir da articulação entre orientador, mestranda e uma especialista em solos que, ao analisarem conjuntamente os fatores físicos, agronômicos e sociais dos assentamentos em questão, distribuíram 100 pontos entre os distintos subgrupos de aptidão agrícola existentes em cada um dos assentamentos. Já a preparação dos mapas se deu a partir da utilização de um Sistema de Informação Geográfica, o QGIS 2.2.0, por meio do qual os shapes de aptidão agrícola dos assentamentos passaram por um processo de rasterização, sendo os resultados posteriormente trabalhados para a obtenção dos mapas no formato .txt. Entretanto, para que o procesO número de classes da função de otimização (aptidão agrícola das terras) permitidas pelo programa são nove, uma vez que o mapa a ser lido encontra-se no formato .txt, sendo, portanto, uma matriz numérica em que cada número representa um tipo de classe. No caso de haver uma classe número 11, por exemplo, o programa poderia entender que seriam duas classes número 1, ou no caso da classe 12, entender que seriam as classes 1 e 2. Assim, no caso da existência de mais de nove classes na área a ser parcelada, deve-se fazer a junção daquelas que possuem características semelhantes, dando ênfase à característica predominante entre elas. 1

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so comparativo entre os índices de produtividade dos lotes gerados pelo SOTER-PA e os índices de produtividade dos lotes originais parcelados pelo INCRA pudesse ser fielmente realizado, foi necessário, primeiramente, que as áreas de reserva legal, bem como as áreas de uso coletivo dos assentamentos analisados fossem excluídas, de forma a restar para o parcelamento do programa somente as áreas de interesse, no caso os lotes familiares. O cálculo do índice de produtividade foi realizado conforme a fórmula apresentada, baseado no somatório da área de cada classe de aptidão agrícola, multiplicada pela constante de peso associado à classe. As áreas de estudo desta pesquisa foram restritas a três assentamentos localizados em Minas Gerais, sendo o Projeto de Assentamento (PA) Belo Vale localizado na mesorregião Noroeste; o PA Olhos D’Água na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba; e o PA Veredas na mesorregião do Jequitinhonha. A base cartográfica foi disponibilizada pela Equipe Técnica da UFV/FUNARBE, em parceria com o INCRA, responsável pela elaboração do Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental e Projeto Final de Projeto de Assentamento, das áreas em questão.

4. CONCLUSÕES Após as análises realizadas obtivemos respostas positivas ao problema de pesquisa, uma vez que o SOTER-PA possibilitou o delineamento de lotes mais homogêneos do ponto de vista da capacidade produtiva, que o parcelamento original do INCRA, nos três casos analisados. Além disso, o programa também respondeu positivamente à sua proposta de compensar os lotes com terras de pior qualidade com áreas maiores. Em suma, os resultados da pesquisa apresentam uma nova possibilidade para o auxílio na tomada de decisões acerca do ordenamento dos assentamentos rurais de reforma agrária. Nesse sentido, o SOTER-PA não somente se mostrou eficiente do ponto de vista operacional como traz consigo uma proposta acerca do planejamento ambiental, ressaltando a necessidade de um levantamento de qualidade dos recursos naturais

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disponíveis em áreas de interesse, que possa auxiliar na tomada de decisão acerca da distribuição de tais recursos, em função de seus usos. Desta forma, o processo de ordenamento do território cumpriria suas funções elementares de direcionar o melhor uso dos recursos naturais disponíveis, de forma a possibilitar às famílias assentadas acesso a condições mais igualitárias de produtividade agrícola, visando à elevação da qualidade de vida das mesmas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRA NETO, J.A.; MILAGRES, C. S. F.; SOUSA, D. N. de; MOREIRA, M. C. O. O uso do Aplicativo SOTER e da Cartografia Social na Organização Territorial em Projetos de Reforma Agrária. In: Recursos naturais, Sistemas de Informação Geográfica e Processos Sociais. FERREIRA NETO, J. A., SOUSA, D. N. de, MILAGRES, C. S. F. (orgs.). Viçosa, MG: UFV; Visconde do Rio Branco: Suprema, p. 238-248, 2010. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA. Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental e Projeto Final de Assentamento do PA Belo Vale. Viçosa, 2003. MOREIRA, M. C. O.; FERREIRA NETO, J. A.; EINLOFT, C. J.; SILVA, N. T. C. O uso da Busca Tabu no ordenamento territorial em assentamentos rurais: reconfigurando o SOTER-PA (Sistema de Ordenamento Territorial da Reforma Agrária e Planejamento Ambiental). In: Desenvolvimento Rural, Sustentabilidade e Ordenamento Territorial. FERREIRA NETO, J. A., EINLOFT, C. J., GONÇALVES, R. L. (orgs). Viçosa, MG: UFV; Visconde do Rio Branco: Suprema, p. 265-271, 2011. SANTOS JÚNIOR, E. C. dos. O ordenamento territorial em assentamentos rurais: uma análise utilizando algoritmos genéticos. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa 2007.

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___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CNPq Banca: José Ambrósio Ferreira Neto, Mayron César de Oliveira Moreira, Marcelo Leles Romarco de Oliveira.

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ASSENTAMENTOS RURAIS NO VALE DO ARAGUAIA MATO-GROSSENSE: ADAPTAÇÃO E PERMANÊNCIA Gabriel Caymmi Vilela Ferreira José Ambrósio Ferreira Neto

1. INTRODUÇÃO A abordagem realizada neste trabalho, sobre os assentamentos rurais de reforma agrária, foi sob a ótica da permanência dos trabalhadores rurais. A região de análise foi o Vale do Araguaia no estado de Mato Grosso. Um dos maiores estados da federação e com o desenvolvimento econômico centrado no agronegócio. A literatura sobre o tema expõe as limitações dos assentamentos e revelam uma infraestrutura precária e sem apoio do poder público, o que leva a uma considerável evasão. Todavia, existem aqueles que, mesmo com todas as dificuldades vivenciadas e com todos os percalços que este tipo de política carrega, permanecem nas suas parcelas, produzindo e sobrevivendo no campo. Os assentamentos rurais no Brasil possuem, via de regra, problemas estruturais graves que, muitas vezes, inviabilizam a reprodução social das famílias beneficiárias desta política. Em estudo realizado com assentamentos no Tocantins, as principais causas da evasão nos assentamentos estavam associadas à falta de recursos financeiros, aos problemas de infraestrutura dos projetos e a não origem do meio rural ou a falta de experiência com o campo (RIBEIRO, 2009). Estudos como o de Sparovek (2003), Guanziroli et. al. (2001) e Marques et. al. (2012) apontam os problemas existentes nos projetos de assentamentos de reforma agrária. A ineficiência do Estado em gerir e fiscalizar, somado a tardia ajuda financeira, criam nestes projetos um processo de exclusão das famílias com menores condições de adaptação ao meio rural, seja por inexperiência com o meio rural, seja por falta de recursos para a subsistência. A falta de infraestrutura coletiva, como escolas, postos de saúde, transportes e estradas, também são fatores limitantes à perma-

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nência das famílias assentadas. Deste modo, tem-se que a evasão média no Brasil é de 29,7%, sendo as regiões Norte e Centro Oeste as de maiores taxas de evasão com 41,8% e 40,4%, respectivamente. Já as regiões Sudeste e Nordeste possuem as menores taxas de evasão com 12,1% e 15,1%, respectivamente (GUANZIROLI et. al., 2001). É, portanto, evidente que os assentamentos possuem problemas sérios e que estes levam um número significativo de abandono. Em contrapartida, existe um número significativo e, superior inclusive, de assentados que permanecem nos assentamentos, mesmo vivenciando todos esses problemas. Os motivos pelos quais, essas famílias assentadas resistem, são pouco elucidados pela ciência. Desta forma, entender que mesmo em meio a situações precárias, como as vivenciadas pelos assentados, existem pessoas que se evadem dos assentamentos e outras que permanecem, é fundamental para compreender a pergunta norteadora deste trabalho. Qual a diferença entre os permanentes e os evadidos? É possível definir uma característica ou um conjunto de características que diferem os permanentes dos evadidos?

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

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A pesquisa ocorreu em quatro assentamentos situados no Vale do Araguaia mato-grossense, são eles: PA Santa Emília, no município de Barra do Garças, PA Volta Grande, no município de Araguaiana, PA Ilha do Coco, no município de Nova Xavantina e PA Martins I, no município de Agua Boa. Metodologicamente o trabalho se dividiu em duas linhas de pesquisa. A primeira consistia no levantamento de dados dos assentados que foi feito tanto pelo acesso ao banco de dados da Unidade Avançada do Vale do Araguaia – UAVA/INCRA com sede em Barra do Garças, quanto a aplicação de cinquenta questionários estruturados aos moradores amostrados dos quatro assentamentos. Esses questionários visavam delinear o perfil do beneficiário, levantando sua origem, renda, experiências, atividades agrícolas e não agrícolas, de forma que fosse possível comparar as semelhanças e diferenças entre os permanentes e evadidos.

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A segunda linha de pesquisa consistiu na análise do uso do solo dos assentamentos ao longo dos anos, desde sua criação até o ano de 2014. Por meio de imagens de satélites e softwares de geoprocessamentos (Quantum Gis), classificou-se a Cobertura Vegetal de Pastagem (CVP) quanto ao seu nível de degradação1, correlacionando isso com o processo de permanência. Desta forma, foi possível analisar as atividades agropecuárias desenvolvidas e o seu nível de impacto sob a vegetação.

3. RESULTADO E DISCUSSÃO A permanência nos assentamentos rurais pesquisado esteve diretamente associada ao acesso a uma fonte de renda externa ao lote. Isso pode ser percebido, por exemplo, na grande diversificação de ocupações existentes nos projetos, em assentamentos mais antigos era ainda mais significativo. Com o passar do tempo, a persistência nos assentamentos está diretamente relacionada à capacidade de diversificação de funções ou a pluriatividade. A fonte de renda externa foi à característica definidora dos permanentes. Nos assentamentos Santa Emília, Volta Grande, Ilha do Coco e Martins I ela aparecia em 69,2%, 91,7%, 90% e 93,3% dos entrevistados, respectivamente. Assim como apontado por Lamera e Figueiredo (2008), em estudo feito com assentamentos rurais de Mato Grosso, grande parte da renda dos beneficiários desta política no estado era proveniente de atividades complementares, como trabalho agrícola de diarista, safrista, empregado rural ou artesanato. Em vista disto, essa renda externa garante estabilidade econômica para família e a produção agropecuária complementa a renda, de modo que, se comparadas às famílias com mesma condição econômica na zona urbana, as assentadas dispõem de uma renda maior. Quanto à questão da degradação da cobertura vegetal da pastagem, observou-se que houve melhora em todos os assentamentos, ao longo do

Classificou-se em cinco níveis de degradação: Extremamente Degradado; Seriamente Degradado, Moderadamente Degradado; Levemente Degradado e Não Degradado. 1

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tempo. Em escalas distintas, é claro, todavia houve melhora na biomassa vegetal, revelando que as práticas adotadas pelos assentados são menos impactantes ao meio ambiente. A questão da baixa degradação ambiental provocada pelos assentados está diretamente relacionada ao baixo poder de investimento e aporte de recursos nos lotes, o que faz com que essas áreas não sofram com o excesso de exploração. Isto evidencia, ainda mais, que os lotes são utilizados mais como poupanças vivas, no qual o assentado tem um recurso extra, do que propriamente o local principal de suas atividades.

4. CONCLUSÕES

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Pode-se dizer que em se tratando da permanência nos assentamentos rurais, existe uma seleção dos beneficiários, o que significa que as condições do meio e a ausência de intervenções do poder público, promovem um processo de expulsão das famílias, persistindo apenas as mais “adaptadas”, e essa adaptação quase sempre é definida pelo acesso a recursos financeiros externos. Isto, porque, os assentamentos rurais se encontram em péssimas condições de infraestrutura, com baixo apoio do poder público, sem assistência técnica e acesso a créditos. Desta forma, os beneficiários desta política pública se encontram em condições de fragilidade econômica e social que, em grande medida, leva-os à evasão. Por outro lado, os agricultores assentados com alguma fonte de renda externa aos lotes ou com alguma fonte de renda mensal fixa, conseguem permanecer nos assentamentos, ao contrário daqueles que não dispõem dessas rendas alternativas à produção agropecuária. É, portanto, uma seleção que os projetos promovem ao possibilitar a permanência somente daqueles que possuem alternativas econômicas fora dos lotes. Outro fator importante refere-se à recuperação das pastagens, decorrente do manejo menos intensivo. Por meio da análise de imagens de satélites constatou-se que, em geral, a degradação das pastagens diminuiu em todos os projetos. Aumentaram as áreas sem degradação e as classes

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menos degradadas, evidenciando uma prática agrícola mais sustentável em termos ambientais. Diante disso, nota-se que os beneficiários atuam como agentes de recuperação ambiental, mesmo que de maneira indireta e, não intencional. As práticas por eles adotadas exploram menos a vegetação se comparadas com as práticas aplicadas pelos pecuaristas convencionais e, isto, fica evidente na melhora do índice de biomassa vegetal das pastagens. Adicionalmente, atenta-se para a utilização da pecuária como um complemento à renda ou uma poupança para o assentado, ao invés de ser sua atividade principal. Na realidade, as atividades desenvolvidas nos assentamentos, são complementares no sentido de geração de renda, proporcionando aos beneficiários maior poder de compra com os recursos obtidos, por meio de outras atividades. Nesse sentido, nota-se que a condição de vida do assentado é melhor do que a dos trabalhadores urbanos com o mesmo nível econômico. Ou seja, as atividades desenvolvidas pelos beneficiários, tanto dentro do lote, quanto fora, tanto geradoras de renda, quando somente para subsistência, criam condições que possibilitam o acesso a alimentos variados, a um poder de compra maior e outros fatores que tornam, comparativamente, as condições melhores para os assentados do que os trabalhadores urbanos.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GUANZIROLI, C. (Coord.).; BRUNO, R.; MEDEIROS, L. Percentuais e Causas das evasões nos Assentamentos Rurais. Ministério do Desenvolvimento Agrário: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Brasília, 2001. LAMERA, J. A.; FIGUEIREDO, A. M. R. Os Assentamentos Rurais em Mato Grosso. 46th Congress, July 20-23, 2008, Rio Branco, Acre, Brasil. Anais. Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 maio de 2015. MARQUES, V. P.; DEL GROSSI, M. E.; FRANÇA, C. G. O Censo 2006 e a reforma agrária: aspectos metodológicos e primeiros resultados. 2012.

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RIBEIRO, M. M. C. Modelos de reforma agrária: evasão e permanência em assentamentos rurais no estado do Tocantins. 2009. 104 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2009. SPAROVEK, G. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. [s.l.] Páginas & Letras, 2003. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES Banca: José Ambrósio Ferreira Neto, José Luiz Lani, Marcelo Leles Romarco de Oliveira.

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MEIOS DE VIDA EM UM CONTEXTO SEMIÁRIDO: ASPECTOS CULTURAIS, SOCIOPOLÍTICOS E PERCEPTIVOS DA RELAÇÃO HOMEM-AMBIENTE Graziela Freitas Dourado Maria Izabel Vieira Botelho

1. INTRODUÇÃO O semiárido brasileiro está vinculado a diferentes valores estéticos e morais. A partir da etimologia da palavra sertão, algumas vezes utilizada como sinônimo de semiárido, e apoiando-se na revisão de literatura de alguns dos clássicos das ciências sociais brasileira que se debruçaram sobre esta temática, percebe-se que estes valores estéticos e morais estão associados a imagens estereotipadas e, frequentemente, pejorativas. Assim como afirmou Euclides da Cunha (1903), o sertão (e, logo, o semiárido) brasileiro foi ignorado por longa data. Mais do que isso, o sertão configurou-se em lugar de descasos. Descaso do poder público em relação às necessidades básicas da população como segurança, educação, saúde, etc.; descaso em relação às degradantes formas de dominação praticadas em formas de clientelismos, patrimonialismos e outros “ismos”; descaso em relação aos aspectos da cultura local e descaso com o ambiente, estereotipado, por olhares externos, como inóspito, hostil, feio, inútil, etc. Mas como os sujeitos que aí residem percebem tal ambiente? Esta pesquisa teve como principal objetivo compreender a percepção do ambiente por parte da população do município de Marcionílio Souza, um pequeno município localizado na região semiárida do estado da Bahia. Utiliza-se o termo ambiente em referência ao ambiente natural, de acordo com autores da epistemologia ecológica, como Ingold (1993, 2000, 2010), Velho (2001) e Carvalho e Steil (2009, 2012, 2014). O entendimento da percepção do ambiente apoia-se na concepção elaborada pelo antropólogo Tim Ingold, que é alicerçada no pressuposto de que as “formas de agir no ambiente são também as formas de percebê-lo” (INGOLD, 2000, p. 21).

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Já que o perceber e o agir ambientais não se dissociam completamente, pergunta-se: o que vem motivando ações mais degradantes no ambiente?

2. METODOLOGIA

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Para alcançar os objetivos propostos, foi realizada uma revisão de literatura sobre a relação homem-ambiente a partir de abordagens mais gerais, de aspectos específicos do contexto brasileiro e, especialmente, do contexto semiárido, para finalmente, refletir sobre as características específicas do município de Marcionílio Souza. Utilizou-se, ainda, a abordagem meios de vida como ferramenta analítica. Pois, ao tratar das formas de viver, esta abordagem abarca e articula dimensões ambientais, de renda, de trabalho, de migração, de sociabilidades, de gênero, etc. Todas estas dimensões, organizadas de formas diferenciadas, constituem o portifólio das estratégias de vida dos sujeitos estudados possibilitando, assim, uma melhor compreensão das formas de viver e perceber o ambiente. A percepção do ambiente, assim como os meios de vida, perpassam as diversas esferas da vida das pessoas que habitam determinado lugar. Hebinck (2007) categoriza estas esferas em termos de recursos, que podem ser tangíveis e não-tangíveis, sociais e naturais. Os recursos (humano, financeiro, social, físico e natural), de acordo com o autor, não refletem apenas qualidades biofísicas, mas também as relações sociais e características culturais (HEBINCK, 2007). Ao classificar o ambiente como recurso natural, um dos cinco elementos centrais dos meios de vida, pode-se empreender a análise das inter-relações existentes entre as estratégias de sobrevivência de dada população e o tema central desta pesquisa: a relação do homem com o ambiente. A relação homem-ambiente no município foi explorada a partir dos aspectos: culturais, relacionados principalmente às praticas cotidianas e formas de sociabilidades intrínsecas ao ambiente; políticos e econômicos, sobretudo referentes às políticas públicas destinadas à região, assim como às formas de acesso à terra; e perceptivos, captados por meio do exercício da observação participante e da escuta e registro da memória da popula-

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ção local. Esta pesquisa possui caráter estritamente qualitativo e os principais dados analisados consistem em relatos colhidos por meio de entrevistas em profundidade, realizadas com moradores de Marcionílio Souza. Este município está localizado na região semiárida do estado da Bahia e possui uma população em torno de 10.000 habitantes. Aproximadamente metade da população encontra-se na zona rural, mas, por meio da pesquisa dos dados secundários, pode-se perceber que esta vem diminuindo nas últimas décadas. A escolha deste município, assim como sua localização – na região semiárida – justifica-se e articula-se aos pressupostos teóricos e metodológicos adotados, sendo uma dessas justificativas o alto nível de degradação ambiental encontrado.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Analisou-se a percepção do ambiente no presente (após o amplo desmatamento) e no passado (antes do desmatamento), tendo surgido, a partir dos relatos, a década de 1980 como marco temporal. Segundo os relatos, este pode ser o período com maior índice de desmatamento do território. Deste modo, foi analisada a percepção do ambiente dos moradores locais antes e depois da notória degradação, para, assim, refletir sobre a questão ambiental no município a partir das percepções destes sujeitos. O ambiente semiárido e o bioma caatinga, não obstante todos os descasos, reúnem um conjunto de ecossistemas de riquíssima biodiversidade, onde vivem espécies animais e vegetais raras e endêmicas (MMA, 2002). Mais do que isso, este ambiente possui imenso valor (concreto e simbólico) para os homens e as mulheres que, durante várias gerações, povoam esta região. Estes sujeitos sociais desenvolveram e desenvolvem múltiplos meios de vida que asseguram sua reprodução social em meio a essas especificidades climáticas, estabelecendo fortes laços afetivos, acumulando conhecimentos inestimáveis e imprescindíveis e formas próprias de sociabilidades e de relacionar-se com o ambiente que os circunda. Estas formas de sociabilidades, estes laços afetivos, estes conhecimentos, estas formas de se relacionar e viver com e no ambiente, intrínsecas

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à cultura local, permeadas pelos descasos históricos, são elementos que constituem e são constitutivos da percepção. O capítulo 1, “Sobre a pesquisa e seus caminhos”, é dedicado à contextualização do local de estudo, justificativas e apresentação da metodologia e orientação teórica escolhidas. Ao longo dos três capítulos seguintes, que constituem o corpo da dissertação, procurou-se destrinchar os aspectos considerados mais relevantes para o entendimento da percepção ambiental dos sujeitos sociais de Marcionílio Souza, tendo como base os dados coletados. Estes atributos podem ser agrupados em: aspectos culturais; aspectos sociopolíticos; e aspectos afetivos da relação homem-ambiente. Obviamente, estes temas são conexos e inter-relacionados; minimamente, todos eles são mencionados em cada um dos capítulos e é neste ponto que se insere a abordagem meios de vida e a sua função articuladora e condutora de toda a análise. Na medida em que os meios de vida têm intrínseca relação com o ambiente, com a cultura, com os recursos materiais, com os fenômenos políticos e sociais e ainda com aspectos da afetividade, tal abordagem auxilia na compreensão da percepção do ambiente e consiste em eficaz e fundamental ferramenta para esta análise. O capítulo 2, “Aspectos culturais dos meios de vida e da relação homem-ambiente em um contexto semiárido”, tem o objetivo de melhor entender a natureza da relação homem-ambiente no município de Marcionílio Souza, já que é perceptível uma intensa degradação ambiental e, ao mesmo tempo, aspectos culturais fortemente atrelados ao ambiente. Deste modo, elabora-se uma breve historização da relação homem-natureza no mundo (ocidental), no Brasil e no semiárido nordestino. Para isso, são analisados estudos que se dedicam ao estudo da relação homem-ambiente. A discussão realizada neste capítulo propõe a desnaturalização de dois mitos fortemente presentes no senso comum brasileiro: 1) a culpa agregada à seca e às características menos “exuberantes” do ambiente natural semiárido sobre os problemas econômicos e sociais encontrados na região; e 2) a imagem romântica de “bom selvagem” atribuída a povos tradicionais, onde estes agiriam de forma integralmente harmoniosa com o ambiente onde vivem.

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Pode-se dizer que este é um capítulo provocativo, pois, a todo momento, aponta a necessidade de se refletir mais profundamente sobre questões que influenciam o que pode ser considerado como devastação do ambiente natural encontrada no município analisado. Este contexto, levadas em conta as devidas proporções, pode facilmente ser ampliado à realidade brasileira e mundial. Finalmente, desmistificada a culpa do ambiente per si e desromantizada a relação do sertanejo com o ambiente, com a ajuda da epistemologia ecológica do antropólogo Tim Ingold e da abordagem de meios de vida reflete-se sobre a relação do homem com o ambiente semiárido que se dá em meio a ferro e fogo, mas também permeado de afetividade e intimidade. A intensão é provocar questionamentos sobre as formas de agir no ambiente. Será que existe uma receita, um manual de conduta ou normas a seguir? Será que estes sertanejos que, durante gerações, acumulam experiências e conhecimentos sobre o ambiente, estão agindo de forma errônea? Quem pode dizer o que é certo e o que é errado? Em continuidade com o capítulo 2, o terceiro, “Influências econômicas e políticas nos meios de vida e nas relações homem-ambiente em um contexto semiárido” busca aproximar-se de possíveis respostas aos questionamentos provocados anteriormente. Deste modo, propõe-se uma reflexão sobre a trajetória histórica do semiárido, tendo como foco as políticas públicas e as formas de acesso à terra particulares da região. A partir das obras de autores renomados como Caio Prado Jr., Afrânio Raul Garcia Jr., Manuel Corrêa de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Vitor Nunes Leal que trataram de questões relacionadas às formas de uso e ocupação do ambiente semiárido, buscou-se fazer a articulação de algumas das reflexões elaboradas por este conjunto de estudiosos da região com alguns dados empíricos, coletados para esta pesquisa, visando, assim, melhor entender as inter-relações entre forças e pressões – internas e externas – que influenciaram a relação do homem (sertanejo) com o ambiente semiárido e, consequentemente, sua percepção. Vale ressaltar que se trata de uma análise relacional dos aspectos evidenciados nas entrevistas referentes à questão ambiental no município, a

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partir de pontos de vista sociológico e antropológico. O conceito de meios de vida torna-se fundamental à medida que arremata a costura entre os aspectos históricos, econômicos e políticos e, ainda, a relação com o ambiente. O capítulo 4, “Migração, memória e percepção do ambiente: aspectos afetivos da relação do homem com o ambiente em um contexto semiárido”, tornou-se concretizável somente a partir de insights provocados pelos relatos colhidos durante a pesquisa de campo. A intensa relação entre memória e a fala dos sujeitos, a riqueza semântica das expressões típicas utilizadas pelos entrevistados e a clareza com que as emoções falam sobre a realidade possibilitaram a conclusão da análise. Nesse capítulo são exploradas as representações estéticas emitidas sobre o que seria considerado um “ambiente ideal”. São explorados conceitos de memória a partir de autores como Le Goff, Halbwachs, e também da psicóloga social Ecléa Bosi. Ao distinguir memória individual e memória coletiva são aprofundadas as relações existentes entre, por um lado, as experiências pessoais (suas emoções e afetividades) e, por outro, a questão política da afirmação da identidade de um grupo às formas de viver e perceber o ambiente. Por fim, no último capítulo, chama-se a atenção para o papel das migrações – uma importante estratégia de meio de vida local – na ressignificação do ambiente na vida dessas pessoas; para isso autores clássicos da abordagem meios de vida, como Frank Ellis e Paul Hebinck dão embasamento ao argumento, assim como a epistemologia ecológica de Tim Ingold. Trata-se da tentativa de compreender aspectos mais sutis e subjetivos da relação com o ambiente embaçados na misticidade e magia da memória, onde se vê o ambiente semiárido repleto de significados positivos, diferentemente da visão do senso comum.

4. CONCLUSÕES 94

Foi possível concluir que a população de Marcionílio Souza não emite valores estéticos pejorativos sobre o ambiente semiárido. E que a forma

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de agir no ambiente está fortemente relacionada às habilidades (no sentido ingoldiano) adquiridas ao longo das experiências de vidas necessárias para se conseguir sobreviver com poucos recursos. Constatou-se também que há uma forte reminiscência das formas de ocupação e colonização do semiárido nas estruturas sociais contemporâneas e que, em muitos dos casos, os moradores locais não tiveram a possibilidade de agir sobre o ambiente de forma distinta, pois este era seu principal ou único meio de vida, o que gerou super exploração dos recursos naturais no município de Marcionílio Souza. A migração sazonal para os grandes centros urbanos, sobretudo São Paulo, foi identificada como um fator propulsor de mudanças na percepção do ambiente por parte desses sujeitos, onde o ambiente passa a ser visto como local de lazer e ócio e não mais fonte de sobrevivência. As políticas públicas sociais influenciaram também esta mudança de significados. A migração está associada, no caso do município de Marcionílio Souza, também, à construção de uma memória coletiva e na relocação do ambiente em um lugar carregado de valores afetivos e que estimulam a sensibilidade à necessidade de conservação deste.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Manuel Correa de (1980) A terra e o homem no Nordeste. 4ª edição Livraria Editora Ciências Humanas. São Paulo, SP. BOSI, Ecléa (2003), O tempo vivo da memória: Ensaios sobre Psicologia Social. Sãp Paulo: Ateliê Editorial. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura (2006) Educação Ambiental: formação do sujeito ecológico. 2ª edição. São Paulo: Cortez. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura; STEIL, Carlos Alberto. (2009) O Habitus Ecológico e a Educação da Percepção: fundamentos antropológicos para a educação ambiental. Revista Educação e Realidade. 34(3): 8194, set/dez. ______________ (2012) O pensamento ecológico de Tim Ingold, Anuario de Antropología Social y Cultural. Uruguay, Vol. 10.

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CUNHA, Euclides da (1903), Os Sertões. São Paulo: Três, (Biblioteca do Estudante). ELLIS, Frank. (2000) Rural Livelihoods and Diversity in Developing Countries. Oxford University press. GARCIA JR., Afrânio Raul. (1990), SUL: A caminho do roçado. Estratégias de reprodução camponesa e transformação social. Editora Marco Zero e editora Universidade de Barsília. HALBWACHS, M. (1993). A memória coletiva. Trad. De Laurent Léon Schaffter. São Paulo, Vértice/Revista dos Tribunais. HEBINCK, Paul & LENT, Peter C. (orgs.) (2007). Livelihoods and Landscapes: The people of Guquka and Koloni and their Resources. Editora Brill, Leiden, Boston. HOLANDA, Sergio Buarque de. (1995). Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo: Companhia das Letras. INGOLD, Tim. (1993) The Temporality of the Landscape In: World Archaeology Vol. 25, No. 2, Conceptions of Time and Ancient Society, Published by: Taylor & Francis Ltd, pp. 152-174. ____________ (2000) Perception of the Environment. Taylor & Francis e-Library. New York. ____________ (2010) Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, Porto Alegre, v.33, n1, p.6-25. LEAL, Victor Nunes. (2012) Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Companhia das letras, 7ª edição, São Paulo. LE GOFF, Jacques (1990). História e memória. tradução Bernardo Leitão [et al.] (Coleção Repertórios) Editora da UNICAMP, Campinas, SP. VELHO, Otávio. (2001) De BATESON a INGOLD: Passos na construção de um paradigma ecológico. Revista Mana 7(2):133-140. ___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES Banca: Maria Izabel Vieira Botelho, Jonas Marçal de Queiroz, Rafael Kopschitz Xavier Bastos, Leonardo Civale. 96

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O ESTADO NA REVISÃO DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO: DEMOCRACIA, ARTICULAÇÃO DISCURSIVA E HEGEMONIA Lucas Azevedo de Carvalho Rennan Lanna Martins Mafra

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho busca, sob um aspecto mais amplo, compreender a complexa relação entre o processo legislativo, as relações de poder, o Estado e a democracia. Nesta seara, uma questão central: a legitimidade do processo de revisão do Código Florestal tendo em vista os espaços de deliberação criados pelo Estado e as disputas envolvidas. Especificamente, o trabalho é permeado pela finalidade de investigar a relação e o papel do Estado no processo de revisão do Código Florestal, dito democrático, bem como a possibilidade de enfrentamento e participação dos mais diversos sujeitos afetados nesse processo. Ao longo dos últimos anos tem ocorrido um progressivo crescimento da preocupação com as questões ecológicas no mundo, o que foi acompanhado por um aumento no rigor das normas pertinentes. No Brasil, a exemplificar essa tendência, pode-se apontar a consagração pela Constituição Federal de 1988 do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Lei de Crimes Ambientais, e o Código Florestal, chegando-se a afirmar ter o País uma das mais duras (STEFANO, 2009, p. 32) ou avançadas (GARCIA, 2012, p. 54) legislações ambientais do mundo. No entanto, ao alvedrio da legislação, expandia-se a fronteira agrícola e a rentabilidade das atividades agrárias, que há muito, são responsáveis pelo saldo positivo da balança comercial brasileira (AGRONEGÓCIO, 2014). Nesse contexto, questiona-se como uma legislação florística considerada tão avançada, que vinha sendo cada vez mais restritiva, se torna objeto de discussão em um procedimento legislativo que, contrariando a tendência até então presente no ordenamento jurídico pátrio, resultou

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na relativização da proteção ecológica - consoante o próprio relator do Projeto de Lei, o mesmo tinha o intuito de viabilizar a regularização das propriedades (BRASIL, 2012).

2. METODOLOGIA Para responder aos questionamentos propostos, a metodologia utilizada foi a pesquisa documental (BARDIN, 2009), com foco na análise das notas taquigráficas que registraram as falas ocorridas nas audiências públicas realizadas durante o processo legislativo na Câmara dos Deputados. Por esse método, trata-se a informação a partir de um roteiro específico, iniciado com uma pré-análise, na qual se escolhem os documentos, se formulam as hipóteses e os objetivos da pesquisa. Após, em um segundo momento, explora-se o material, aplicando-se as técnicas que se coadunam com os objetivos. Na terceira e última etapa, são feitos os tratamentos e interpretações (RAMOS; SALVI, 2009, p. 3).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

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Iniciando-se a análise do procedimento de revisão legislativa da norma florestal, o primeiro destaque encontra-se na própria instituição da Comissão Especial destinada a apreciar o Projeto de Lei então em tramitação (PL 1876/99). Essa Comissão foi instituída em novembro de 2009, dez anos após a propositura do PL, sendo que esse alongado lapso temporal não foi fruto de uma mora comum na tramitação dos processos legislativos, mas sim uma reação diante de uma ameaça à ideologia capitalista dominante. Explicando melhor, tem-se que em dezembro de 2009 venceria o prazo estipulado no art. 55 do Decreto 6.514/08 para que fossem cumpridas as disposições do revogado Código Florestal. Com o fim deste prazo, cerca de 90% proprietários rurais brasileiros estariam ilegais (STEFANO, 2009, p. 33) e grande quantidade da área produtiva deveria ser desfeita para recuperação da vegetação natural. Somente em área de Reserva Legal estimava-se um déficit de 160 milhões de hec-

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tares (REPOSIÇÃO, 2011, p. 48). Essa preocupação, inclusive foi colocada de forma expressa em várias falas nas audiências públicas e, inclusive, o prazo deste Decreto foi prorrogado por quatro vezes, até que fosse aprovado o novo Código Florestal. Neste sentido, o aspecto econômico da produção agrária, considerando a renda e os empregos gerados, foi o argumento que mais se mostrou presente durante a realização das audiências públicas, aparecendo em 134 falas (em um total de 437 registradas). Em síntese, nos moldes do modelo econômico e de produção dominantes, era “preciso” alterar o Código Florestal e abrandar o rigor normativo, instituindo-se uma Comissão Especial na qual mais da metade de seus membros se qualificavam profissionalmente em alguma atividade rural (pecuarista, agricultor familiar, presidente de Sindicato Rural, etc.). E, de todos os deputados designados para compor a comissão, nenhum deles se manifestou contrariamente à reforma do Código Florestal (o posicionamento de um deles não ficou claro, sendo que todos os demais se manifestaram favoráveis à alteração legislativa). Diante desses dados, parece evidente que a Comissão foi criada para dar um parecer favorável à alteração do Código Florestal, o que acontece em um ambiente dito democrático de votação legislativa, iniciado pelo Congresso Nacional em cumprimento à sua função constitucional, dando a impressão de neutralidade e busca do bem comum, lançando mão de um aparelhamento ideológico (ALTHUSSER, 2003). Mas, como destaca Mouffe (1999, p. 155), a neutralidade do Estado, não passa de uma impertinente crença. No entanto, conforme observa Gramsci (1978), a movimentação dos aparelhos ideológicos do Estado para manutenção da ideologia dominante não passa completamente despercebida, sendo o “assujeitamento dos indivíduos”, um “exagero teórico” presente em Althusser (2003). Se para este último a ideologia seria “um conjunto de relações que ocultam ou representam mal as relações reais” (VAISMAN, 2006, p. 255), para Gramsci, é no terreno de ideologia que se pode adquirir consciência dos conflitos existentes (BECERRA, 2006, p. 48).

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Nestes moldes, o surgimento da proposta de revisão da norma impulsionou a busca de fortalecimento também da posição adversa. Esta, ainda que em menor número, se mostrou presente no processo de revisão legislativa, a criticar o modelo de produção atual e salientar a importância da preservação ecológica. Neste contexto, surgiu a disputa hegemônica, se enquadrando o processo de revisão legislativa perfeitamente no modelo teórico proposto por Laclau e Mouffe (2006) na Teoria do Discurso, se baseando em práticas articulatórias que, seguindo a lógica da equivalência, buscam conquistar identidades por meio de pontos em comum (nodais). Estes pontos nodais, na busca de arregimentar um maior número de identidades, são generalizantes e, por isso, deixam de representar as especificidades das identidades que englobam, se tornando significantes vazios. Em síntese, evidenciou-se que a disputa hegemônica foi baseada em práticas articulatórias ao entorno de pontos nodais generalizantes, a esconder a complexidade do tema. No extremo dessas generalizações, chegou-se à bipolarização entre “ruralistas” e “ambientalistas”, termos que, para o senso comum, representavam os dois “lados” existentes na disputa. Mas, na verdade, representam significantes vazios resultantes das práticas discursivas dos grupos hegemônicos e contra hegemônicos, que escondem uma série de identidades cujas particularidades se perderam no decorrer do procedimento legislativo. Outra prática articulatória basilar na disputa que envolveu a alteração do Código Florestal foi a própria demarcação de audiências públicas, estratégia para que se escondesse o prévio intuito estatal de abrandamento normativo sob o “manto sagrado” da “democracia”, significante vazio por excelência (MENDONÇA, 2.009, p. 166). Em outras palavras, sabendo-se da dificuldade de se alterar uma legislação ambiental para torná-la menos rigorosa, tendo em vista a proatividade de grupos “ambientalistas” e a importância que a preservação ambiental tem adquirido no seio social, marcou-se uma série de audiências públicas para que se pudesse ouvir a “todos” e produzir uma norma legítima no seio do Congresso Nacional. Neste sentido, em várias falas

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em audiências houve elogios à comissão, por estar “democraticamente” aberta ao “povo”. Continuando na subsunção do procedimento legislativo à Teoria do Discurso, é possível destacar outros pontos nodais surgidos das práticas articulatórias; estes fundamentavam a alteração do Código Florestal na “ciência”, na “soberania” brasileira, na proteção ao “pequeno produtor”, na importância do setor rural e seus trabalhadores, no “desenvolvimento” e até mesmo na necessidade de “preservação ambiental”. Certo é que, tendo em vista a parcialidade do Estado na manutenção da hegemonia capitalista dominante, o que refletiu na composição da Comissão Especial de análise ao PL 1876/99 (que resultou na aprovação do Código Florestal), as audiências públicas se tornaram mais um espaço de mobilização e justificação do que efetivamente deliberação. Para exemplificar, tem-se que no âmbito das audiências públicas, 82% das falas nas audiências foram favoráveis à alteração legislativa, enquanto 85% da sociedade brasileira se mostrava desfavorável (DATAFOLHA, 2011). Ademais, 65% das falas vieram de representantes do próprio Estado (parlamentares, ministros, prefeitos e vereadores), o que demonstra a possível ineficácia dos espaços deliberativos como instrumento de consulta à população. Em síntese, o ambiente deliberativo gerado pelas audiências públicas refletia a parcialidade estatal. Mas isto não significa dizer a ausência de articulação contra hegemônica. Ainda que em menor número, a contra hegemonia esteve dentro dos espaços “deliberativos” (somente 12 % das falas foram manifestamente contrárias à alteração do Código Florestal). Dessa feita, torna-se bastante questionável a capacidade de que as articulações contra hegemônicas venham a efetivamente influenciar a decisão final de um Estado parcialmente ativo na manutenção da hegemonia. De fato, é possível afirmar que o grau de influência da contra hegemonia durante o processo de revisão do Código Florestal foi bastante reduzido. Neste sentido, o Relatório Final apresentado pela Comissão após as audiências designadas pela Câmara dos Deputados refletiu as práticas articulatórias discursivas (inclusive, foi dividido em subtítulos semelhantes aos pontos nodais já destacados, deixando de lado os principais argumen-

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tos contra hegemônicos, como a importância ecológica de se preservar as áreas protegidas pelo revogado Código Florestal). No entanto, como consequência da grande “derrota ambientalista” nas audiências públicas, os protestos ganharam as ruas quando da votação pelas casas do Congresso Nacional. Não é possível mensurar até que ponto a opinião pública influenciou posteriores alterações no texto normativo final, advindas com o veto presidencial à parte do texto e com o debate sobre o veto novamente no Congresso Nacional. Mas é visível que o discurso no entorno do veto também se baseou nos significantes vazios originados da disputa hegemônica, principalmente a “democracia”, a necessidade de defesa do pequeno e a importância da preservação ambiental. No entanto, a despeito do discurso, manteve-se a flexibilização para os “grandes” e o intuito central da norma: viabilizar a regularização da produção rural brasileiro. De fato, como apontam Laclau e Mouffe a “vitória” da posição hegemônica traz consigo o perigo de não representar as identidades conciliadas em torno do ponto nodal, pois o ganho de vencer o antagonismo em comum, viria acompanhado da perda de respeito às suas especificidades (GUIMARÃES, 2.008, p. 9). Mas, como já afirmado, a ampla vitória hegemônica não significa dizer que a posição contra hegemônica não obteve algumas concessões. Lembra-se que a própria doutrina de Laclau e Mouffe traz o “deslocamento” como consequência do antagonismo, ou seja, para manutenção do poder, a hegemonia dominante modifica-se, reorganizando-se sem perder sua essência (BECERRA, 2006, p. 53). Assim, foi possível identificar algumas pequenas alterações normativas contrárias à posição hegemônica, contudo, mantendo-se a essência da nova Lei. De fato, a disputa hegemônica resultou em um novo Código Florestal mais permissivo que o antigo, tanto para o pequeno, quanto para os médios e grandes (ainda que menos flexíveis para estes últimos). Essa alteração normativa foi fruto do resultado de um procedimento de revisão normativa motivado pelo Estado na busca pela manutenção da hegemonia, o que refletiu no debate nas audiências públicas, ambiente no qual havia grande disparidade de poder. Contudo, a contra hegemonia dentro

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e fora dos ambientes formais de deliberação parece ter freado um pouco o anseio hegemônico. Assim, ainda que a lei não reflita os ideais contra hegemônicos, não se pode negar sua importância, suas práticas articulatórias e as concessões obtidas.

4. CONCLUSÕES O encaixe perfeito da disputa no entorno da alteração do Código Florestal à Teoria do Discurso torna evidente a superação do modelo deliberacionista em Habermmas (2002), no sentido de que os espaços formais de deliberação, no caso, as audiências públicas, não necessariamente (ou quase nunca) serão responsáveis para o desenvolvimento de um debate racional e neutro na busca de um consenso. A “igualdade deliberacionista” (direito de participação) é procedimental, considerando que “uma vez criado o espaço para as discussões democráticas, qualquer indivíduo, desde que consciente das regras do mesmo, pode participar, propor e influenciar o resultado” (MENDONÇA, 2010, p. 113). Porém, o direito de participação nas audiências públicas, pertencente a todos, e até mesmo a efetiva participação, tendo em vista as relações de poder existentes, tornam o espaço deliberativo insuficiente para legitimação normativa. Contudo, a Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe, apesar de se encaixar perfeitamente para diagnosticar a disputa hegemônica no entorno da alteração do Código Florestal, não se mostra adequada para apresentação de um modelo que possibilite a superação da perda de identidades e a alteração da essência hegemônica dominante. Assim, uma das principais críticas aos autores é perfeitamente aplicável ao presente caso concreto: “seu argumento desconstrutivista ao modelo deliberativo é importante, sem dúvida. Contudo, quando chega ao momento de ela própria exercer seu papel normativo, sua empresa emperra” (MENDONÇA, 2.010, p. 109). Em síntese, como apontado por Townshend (2004, p. 269), há grande espaço para estudos com abordagem pós-estruturalista, para análise da “política” e do “político”, mas, como um todo, o projeto seria pouco provável para alcançar suas ambições.

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Entretanto, o estudo do processo de revisão do Código Florestal mostrou que o projeto de Laclau e Mouffe é realista. Aliás, é sua própria abertura, o fato de não ter um desenho tão fechado como o deliberativo, que permite seu realismo, viabilizando enxergar em qualquer desenho participativo democrático as disputas hegemônicas, com suas virtudes e riscos. Nesse sentido, tanto mais democrático seria um contexto, quanto mais ele estiver aberto a concessões contra hegemônicas, ainda que a hegemonia continue a perdurar. No caso do Código, o que se observa é a construção de um arcabouço institucional formalmente democrático, mas com pouco espaço para articulações discursivas contra hegemônicas, o que não retira sua importância e influência, ainda que pequena, no resultado final da norma, obtendo concessões sem que, contudo, fosse alterado o cerne da dominação hegemônica.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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POLÍTICA PÚBLICA E MEIOS DE VIDA NO ESPAÇO RURAL: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Marina Villela Brandão Leite Faria Maria Izabel Vieira Botelho

1. INTRODUÇÃO O Programa Bolsa Família (PBF) está vinculado à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Foi criado em 20 de outubro de 2003, pela Medida Provisória n° 132; sancionado em 9 de janeiro de 2004, pela Lei 10836 e regulamentado em 17 de setembro de 2004, pelo Decreto n° 5209. Atualmente, é o mais importante programa de combate à pobreza em âmbito nacional e figura entre as importantes políticas sociais no país, beneficiando pobres e extremamente pobres, por meio da transferência de renda, do fomento ao acesso a serviços básicos (saúde e educação) e da realização de ações complementares em assistência social, relacionadas à capacitação da população beneficiada e integração com programas complementares1. A conjugação destas ações permite a compreensão da pobreza como um fenômeno multidimensional que demanda ações em diversos setores. Em relação à amplas abordagens de pobreza, destaca-se a proposta por Amartya Sen (SEN, 2000), onde a pobreza deve ser compreendida como privação das capacidades e liberdades humanas e não apenas como baixa renda. As liberdades incluem expansão das capacidades das pessoas de levar o tipo de vida que valorizam e evitar formas de privações. O PBF é um programa que pode ser acessado pela população rural ou urbana2. Segundo estudo de Castilho e Silva e Schneider (2015), a partir de Segundo Soares e Sátyro (2009), são programas articulados com outros ministérios que, embora não tenham sido desenvolvidos explicitamente para os beneficiários do Bolsa Família, fornecem algum tratamento preferencial a eles. Cita-se como exemplo: Programa Brasil Alfabetizado, o ProJovem, o Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária, o Programa Nacional da Agricultura Familiar, entre outros. 2 A forma oficial utilizada no Brasil para a determinação de rural e urbano é a delimitação 1

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dados da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI/ CECAD3) de 2014, 28,67% dos domicílios que recebiam o Programa Bolsa Família em todo o Brasil estavam localizados na zona rural. É também considerado um programa de transferência condicionada de renda, que exige que os beneficiados realizem ações em contrapartida às transferências de renda efetuadas. As condicionalidades incluem, segundo Castilho e Silva e Schneider (2015), matrícula e frequência escolar mínima (que varia de acordo com a idade), a atualização da carteira de vacinação, bem como a realização de outros acompanhamentos de saúde para crianças de até sete anos de idade e mulheres na faixa etária de 14 a 44 anos de idade, realização de exame de pré-natal para as gestantes. Existem diferentes modalidades de benefícios vinculados ao PBF, tais como: benefício básico, benefício variável, benefício variável vinculado ao adolescente, benefício para superação da extrema pobreza, que são acessados pelos beneficiados de acordo com a renda e composição familiar. Assim, a existência destas contrapartidas (denominadas de condicionalidades) pode ser compreendida como uma forma de romper o ciclo de pobreza entre gerações e como forma de reconhecer que o alcance de alguns direitos sociais é um elemento importante para a superação da pobreza e garantia de proteção social aos grupos vulneráveis. Grisa e Schneider (2015) afirmam que a existência de políticas sociais que atingem as populações rurais, como é o caso do Programa Bolsa Família, contribui para o reconhecimento do espaço rural como espaço de vida e trabalho, na medida em que possibilitam que esta população melhore a qualidade de vida. A melhoria da qualidade de vida desta população é percebida na medida em que se observa a capacidade do Programa Bolsa Família em contribuir para a transformação de elementos dos meios de vida.

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administrativa (ABRAMOVAY, 2000). Segundo exposto por Girardi (2008, p.7) esta definição oficial brasileira é orientada por lei onde a classificação baseia-se na localização de seu domicílio. Para o IBGE, são urbanas as sedes municipais (cidades) e as sedes distritais (vilas) e áreas urbanas isoladas, definidos por lei municipal. Domicílios rurais são aqueles que estão fora dos limites urbanos (ABRAMOVAY, 2000). 3 CECAD é uma ferramenta de consulta, seleção e extração de informações do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadúnico).

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Vale destacar que meios de vida é a tradução utilizada para a expressão livelihoods e é uma ferramenta analítica que busca entender como as pessoas fazem para sobreviver em contextos de adversidades sociais, econômicas e ambientais. Esta abordagem tem sido amplamente utilizada em estudos sobre a pobreza rural no mundo, especialmente no continente africano (PERONDI; SCHNEIDER, 2012, p. 118). Para Ellis (1998), Meios de vida englobam renda, em dinheiro ou em espécie, bem como as instituições sociais (parentes, familiares e assim por diante), relações de gênero, e os direitos de propriedade necessários para apoiar e sustentar um determinado padrão de vida (ELLIS, 1998, p. 6, tradução da autora)4.

Segundo Ellis (1999), diferentes pesquisadores (como Carney (1998) e Scoones (1998)) preocupados com pobreza e sustentabilidade e meios de vida, trabalharam com o chamado quadro de meios de vida sustentáveis e apontam os seguintes recursos dos meios de vida: natural, físico, financeiro, humano e social. Desta forma, partindo da constatação de que o Programa Bolsa Família tem, ao menos potencialmente, a capacidade de contribuir para a transformação de diversos aspectos dos meios de vida, a proposta deste estudo foi de analisar alguns efeitos deste programa nos meios de vida rurais, a partir do contexto da zona rural do município de Luminárias (Minas Gerais).

2. METODOLOGIA Este estudo foi conduzido no município de Luminárias (MG), situado na macrorregião do sul de Minas Gerais (IBGE, 2014). O IBGE (2014) apontou, a partir de informações do Censo Demográfico de 2010, que o Extraído do original “A livelihood encompasses income, both cash and in kind, as well as the social institutions (kin, family, compound, village and so on), gender relations, and property rights required to support and to sustain a given standard of living” (ELLIS, 1998, p. 4). 4

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município de Luminárias (MG) possuía 5422 habitantes, sendo que 1256 residiam na área rural. Isso representa um percentual de aproximadamente 23% da população total. A estimativa da população para 2014, segundo a mesma fonte, era de 5571 habitantes (IBGE, 2014). Além da atividade de ecoturismo, crescente no município, outras atividades econômicas importantes - tanto em relação à participação no PIB municipal, quanto no fornecimento de empregos formais - são: a agropecuária, serviços e a indústria (extrativa mineral) (MDS, 2015 b). Segundo relatórios do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), específicos do município de Luminárias, em setembro, período próximo à realização deste estudo, foram 382 famílias beneficiadas pelo PBF, cujo valor médio repassado foi de R$140,20 (MDS, 2014). Os dados da pesquisa de campo apontam que o Programa beneficiou aproximadamente 81 unidades familiares na zona rural do município, no período em que foi realizado o trabalho de campo desta pesquisa. Isto significa um percentual aproximado de 21% do total de famílias beneficiadas em todo município no período. Estimou-se que aproximadamente 25,7% da população rural no município foram beneficiadas pelo Programa, no período analisado. O estudo caracteriza-se como uma abordagem qualitativa e pode ser compreendido como um estudo de caso. As unidades familiares beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, localizadas na zona rural do município estudado, foram unidades de análise, selecionadas aleatoriamente, de acordo com a disponibilidade destas de participação no estudo. Os instrumentos para a coleta de dados utilizados foram: entrevistas semiestruturadas, análise bibliográfica e análise documental. Foram realizadas entrevistas com membros de dezesseis unidades familiares rurais beneficiadas pelo PBF e também três entrevistas com representantes de organizações municipais relacionadas à implementação do Programa e à zona rural, tais como: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Departamento Agropecuário da Prefeitura de Luminárias. Estes dados foram coletados entre setembro e dezembro de 2014. A análise bibliográfica voltou-se essencialmente para os estudos sobre o

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Programa Bolsa Família e pesquisas que trouxessem informações sobre o município de Luminárias. A análise documental contemplou a leitura e análise atenta de leis e decretos acerca do Programa Bolsa Família. A livre participação dos entrevistados foi garantida através da apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) - aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) - constando informações acerca da pesquisa e da publicação de seus resultados e assinado pelos participantes da pesquisa.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo os dados da pesquisa, o acesso ao Programa Bolsa Família, pelas unidades familiares analisadas, pode ser compreendido como uma estratégia de diversificação de meios de vida, capaz de mobilizar e influenciar os diferentes recursos dos meios de vida rurais. Destaca-se a definição de Ellis (1998) sobre a diversificação dos meios de vida, em que: “[...] é entendida como o processo pelo qual famílias rurais constroem um portfólio de atividades e apoio social visando a sobrevivência ou a melhoraria dos padrões de vida” (ELLIS, 1998, p. 4, tradução da autora)5. A partir de contextos em que figuram os diferentes elementos constitutivos dos meios de vida (como acesso à terra, produção para comercialização e para o autoconsumo, capacitação e oportunidades de trabalho e relações sociais diversas), as unidades familiares beneficiadas buscam, através do Programa, apoio para a melhoria e a manutenção dos padrões de qualidade de vida. Assim, entre as unidades familiares entrevistadas, encontrou-se uma variedade de situações relacionadas aos elementos constitutivos dos meios de vida, como: acesso à terra, relação com o mercado de trabalho, perfil de produção e composição da renda familiar.

Extraído do original “In this article livelihood diversification is defined as the process by which rural families construct a diverse portfolio of activities and social support capabilities in their struggle for survival and in order to improve their standards of living” (ELLIS, 1998, p.4). 5

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Em relação ao vínculo com o mercado de trabalho, os membros das unidades familiares entrevistados apresentaram condições, como trabalhadores permanentes, trabalhadores temporários e trabalhadores por conta própria, o que retratou o investimento em estratégias de diversificação de renda por parte dos membros das unidades familiares analisadas. Observou-se a realização de trabalho agrícola e não agrícola fora da unidade familiar, de maneira eventual ou permanente, e a comercialização da produção agrícola da unidade familiar como estratégias para obtenção de renda. Assim, foram observadas diferenças entre as unidades familiares em relação a essas estratégias para obtenção de renda. Em todos os casos analisados, constatou-se a produção para o consumo familiar, mas, somente em alguns casos esta produção foi acompanhada de produção destinada para venda (em geral, de produtos específicos como leite e café). A comercialização ou somente consumo de determinado produto pode ser uma escolha influenciada por preços, capacidade técnica e de organização, custos de produção, disponibilidade de mão de obra na unidade familiar, presença de determinados mercados na localidade, dentre outros. Ellis (1999, p.2) afirma que o acesso a recursos e oportunidades para a diversificação dos meios de vida são diferentes para homens e mulheres, ressaltando que muitas vezes os acessos de mulheres aos recursos produtivos e tomadas de decisões ocorrem através da mediação dos homens e, em função das mulheres participarem de uma faixa mais estreita no mercado de trabalho e receberem salários mais baixos, a diversificação é uma opção mais concreta para homens do que para as mulheres. A limitação das mulheres na participação em outras formas de acesso a renda foi verificada nas entrevistas realizadas, onde evidenciou-se que os trabalhos fora da unidade familiar foram realizados prioritariamente pelos homens. Destaca-se que, na unidade familiar, no período em que foi realizado o trabalho de campo, as mulheres trabalhavam, em geral, cuidando da casa, dos filhos e, em alguns casos, de parentes necessitados em função de doenças, na produção para o autoconsumo (horta e criação de galinhas e porcos), auxiliavam em tarefas como os cuidados com be-

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zerros e a limpeza da ordenhadeira e, em alguns casos, realizavam venda eventual de animais de criação (como porcos e galinhas) e de produtos como doces de frutas. As mulheres estavam envolvidas, portanto, em atividades não remuneradas ou que proporcionavam renda sazonal apenas. Este contexto de limitação das mulheres em relação a recursos e oportunidades de diversificação dos meios de vida e renda ressalta a importância do Programa Bolsa Família para as mulheres. Vale lembrar que elas são as titulares preferenciais do Programa e foram também a maioria das titulares do PBF nas unidades familiares analisadas. Segundo apontado por Castilho e Silva e Schneider (2015, p.453), as mulheres casadas, maioria das entrevistadas na presente pesquisa, “tendem a ter maior jornada doméstica [...] e que as mulheres com filhos pequenos podem ter dificuldades de conciliar os cuidados com as crianças e o trabalho, quando não há creches públicas ou algum membro da família que possa fornecer esses cuidados”. Embora as unidades familiares analisadas produzissem parte do que era consumido pela unidade familiar, o que pode contribuir para sua segurança alimentar e aliviar algumas privações, constatou-se a necessidade de obtenção de produtos de fora das unidades familiares, dentre os quais se aponta: sal, açúcar, macarrão, arroz, feijão, óleo, material de limpeza, carne, além de remédio, vestuário, material escolar e uniformes e outras necessidades. Estes produtos, em geral, eram obtidos na sede do município de Luminárias ou outras cidades próximas, por meio de compra. Constatou-se, assim, que as transferências de renda efetuadas pelo Programa Bolsa Família transformaram-se em consumo de variados bens, considerados importantes para o bem-estar nas unidades familiares rurais analisadas. Foram relatados os seguintes gastos com o recurso do PBF: compra de alimentos e outros produtos no mercado local (incluindo iogurtes, refrigerantes, frutas e carnes e outros que compõem a cesta básica), compra de roupas (principalmente para as crianças), compra de material escolar e uniforme escolar, compra de remédio, compra de calçados, compra de gás de cozinha e compra de eletrodomésticos e móveis (tanquinho, fogão,

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móveis para casa, compradas à prestação ou de segunda mão). O investimento realizado revela a importância destes bens para a sobrevivência, integração social e para melhoria ou manutenção da qualidade de vida nas unidades familiares. Ficou evidente o caráter de auxílio atribuído ao Programa Bolsa Família, embora em alguns casos o Programa fosse a única forma de obtenção de renda regular, o que deixa evidente a insuficiência das outras estratégias de obtenção de renda para o suprimento das necessidades familiares e aumento dos níveis de renda acima da linha determinada de pobreza. Assim, o acesso ao PBF representou melhoria da qualidade de vida e garantia da reprodução social, diante dos contextos analisados. Destaca-se que os recursos financeiros transferidos pelo Programa Bolsa Família possibilitaram a aquisição de eletrodomésticos (via prestações), por exemplo, que podem contribuir para a disponibilidade e diminuição da carga de trabalho pessoal, na medida em que aliviam a rotina domiciliar. Este processo, segundo aponta Douglas e Isherwood (2009), possibilita a participação em outras atividades (inclusive geradoras de renda), ampliando a possibilidade de conquista de liberdades e alívio das privações. Por outro lado, os recursos sociais (relações sociais estabelecidas em espaços públicos como a escola) influenciam os hábitos culturais nas unidades familiares e, por consequência, seus hábitos de consumo. Segundo Douglas e Isherwood (2009) “os bens são dotados de valor pela concordância dos outros consumidores” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p. 123) e isso sugere que o ato de consumir também pode ser uma forma de integração social. Neste sentido, considerou-se que as transferências de renda contribuíram para o alcance das necessidades tanto materiais como simbólicas, o que vem de encontro com a afirmação de que: “os bens são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p. 36). Ademais, compreende-se que a renda monetária possibilita maior de circulação de pessoas e acesso aos variados bens. As transferências de renda do PBF, investidas na compra de bens no comércio, proporcionou maior liberdade para o consumo e uma autonomia relativa, uma vez que

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possibilitou a gestão de um recurso regular, mesmo que pequeno, por parte das mulheres. As compras foram realizadas, principalmente, no comércio na sede municipal de Luminárias e outras cidades vizinhas. Desta forma, entende-se, assim, que o Programa contribuiu para o reforço da relação entre os beneficiados e a cidade. Por fim, percebeu-se que a conjugação da necessidade de produtos de fora da propriedade e a insuficiência das estratégias eficientes de obtenção de renda, por parte das unidades familiares analisadas, evidencia e justifica a necessidade de acessarem o Programa Bolsa Família (PBF).

4. CONCLUSÕES As políticas públicas que buscam transformar a condição de pobreza da população, devem buscar desenvolver as capacidades individuais para o alcance de liberdades, uma vez que a pobreza deve ser entendida como expressão de diversas formas de privação, como proposto por Sen (2000). O acesso ao PBF por moradores da zona rural reforça as atividades de consumo neste espaço, onde se ressalta cada vez mais as relações com os espaços urbanos e com a sociedade como um todo, no sentido de uma relativa integração; por outro lado, a existência de pobreza no espaço rural, revela a inexistência de políticas específicas e acesso a outros serviços públicos para uma parcela da população rural e demanda uma conjugação de ações para sua superação. Essas ações devem investir nas potencialidades específicas do rural, incluindo o incentivo à produção e comercialização, acesso a créditos e capacitações voltadas às demandas específicas. Destaca-se, neste sentido, que somente a transferência de renda, embora seja uma medida fundamental no curto prazo, não é capaz de proporcionar autonomia às unidades familiares, ressaltando a necessidade de ações com foco no trabalho, renda e desenvolvimento rural. Os dados deste estudo não são conclusivos em relação a complementaridade entre o PBF e diferentes programas que potencial de contribuição para o desenvolvimento rural (como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o PRONAF, por exemplo). Até onde se pode apurar, quando

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perguntados sobre a existência de políticas com foco na população rural, a maioria dos entrevistados não citou estas políticas ou declarou não ter participado. Provavelmente, o público atingido pelo PBF não acessa ou acessou outras políticas voltadas para população rural, principalmente as com viés na produção e comercialização, porque não apresenta organização social e produtiva que possibilite tal acesso. Contudo, para resultados mais conclusivos neste sentido é necessária realização de estudos mais detalhados. Percebe-se com isso que os beneficiados do PBF estão entre os mais vulnerabilizados, o que os impede muitas vezes de acessar outras políticas. O alívio imediato da pobreza por meio do PBF é um efeito percebido, mas a emancipação sustentada das unidades familiares pode demandar maior tempo e esforços entre diversos setores.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ABRAMOVAY, R. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 702. IPEA: Rio de Janeiro, 2000. CASTILHO E SILVA; C. B de; SCHNEIDER, S. Pobreza rural e o Programa Bolsa família – desafios para o desenvolvimento rural no Brasil In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S. (org) Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Editora da UFRGS: Porto Alegre, 2015. DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 1° edição. 2° reimpressão. 2009. ELLIS, Frank. Household strategies and rural livelihood diversification. The Journal of Development Studies. 1998. ELLIS, F. Rural livelihood diversity in developing countries: evidence and policy implications. Overseas Development Institute. Número 40. 1999. GIRARDI, E. P. O rural e o urbano: é possível uma tipologia? (tese). Presidente Prudente: São Paulo, FCT/Unesp. 2008. GRISA, C.; SCHNEIDER, S. Apresentação In: GRISA, C.; SCHNEIDER, S. (org) Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Editora da UFRGS: Porto Alegre, 2015.

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A MOBILIDADE SOCIOESPACIAL DOS RURAIS E SUAS EXPRESSÕES CITADINAS: UMA ANÁLISE DO MUNICÍPIO DE ARAPONGA, MG Nayhara Freitas Martins Gomes Ana Louise De Carvalho Fiuza Neide Maria De Almeida Pinto Paula Cristina Almeida Cadima Remoaldo

1. INTRODUÇÃO

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Este estudo teve como objetivo central investigar o fenômeno da mobilidade socioespacial das pessoas que vivem no campo analisando o intercâmbio socioeconômico advindo dos deslocamentos entre o campo e a cidade. A mobilidade socioespacial dos habitantes do campo se intensificou pela facilidade dos meios de transporte e comunicação que comprimiram o espaço e o tempo, levando ao surgimento de espaços híbridos, fruto das interações entre os modos de vida rural e urbano. Os deslocamentos realizados pelos rurais permitem, assim, uma interação territorial entre o campo e a cidade. A mobilidade é considerada neste estudo como um fenômeno socioespacial, não estando voltada para o aspecto migratório e não implicando necessariamente na transferência de residência em primeira medida. Esta investigação dá enfoque ao ir e vir, aos processos de troca, aos deslocamentos que as pessoas que vivem no campo realizam no seu próprio espaço e no entorno dele. A questão que norteou esta pesquisa voltou-se para a compreensão de quais as dimensões da vida dos rurais se modificavam a partir da sua maior interface com a cidade. Para isto, a mobilidade socioespacial das pessoas que viviam no campo foi analisada considerando-se a perspectiva de gênero e de geração. Desta forma, nos atentamos ao deslocamento de homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, buscando compreender as singularidades e semelhanças nos movimentos. A motivação para a realização desta pesquisa surgiu das discussões sobre os processos de mudanças socioeconômicas e culturais no campo, ao

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longo dos estudos realizados no Grupo de Pesquisa GERAR – Grupos de Estudos Rurais: agricultura e ruralidades. A relevância acadêmica e social deste estudo reside no fato de que os deslocamentos cotidianos têm sido estudados como fenômenos ocorridos, sobretudo, nos grandes centros urbanos, enquanto nas pequenas cidades e no campo, tal fenômeno tem sido responsável por grandes transformações nos modos de vida dos habitantes do campo e das pessoas que vivem em pequenas cidades, sem que, contudo, sejam realizadas pesquisas sobre este fenômeno. A forma como no Brasil o campo tem se transformado mediante as relações capitalistas de produção vem colocando em intenso diálogo as formas de se viver na cidade e no campo. Portanto, cada vez mais, torna-se superada uma visão que distingue e coloca em extremos o campo e a cidade, visto que hoje tais espaços se tornam progressivamente mais articulados devido à melhoria de estradas, ao acesso aos diversos meios de transporte e de comunicação, assim como, pela mobilidade da população que tende a atenuar os comportamentos diferentes e a dificultar a observação direta das diferenças entre os dois tipos de espaços. Assim, as clivagens entre campo e cidade não resultam mais em uma oposição substantiva entre estes espaços, mas, sim em uma integração. Neste sentido, Endlich & Sposito (2010) diferenciam campo de rural, a fim de evidenciar que a aproximação entre os espaços, “campo” e “cidade”, não incide de forma uniforme sobre o “modo de vida rural” e o “modo de vida urbano”. Para este estudo que ora se apresenta, o campo e a cidade são conceituados como contendo especificidades formais que diferenciados pelo tipo de organização dos assentamentos humanos que neles se desenvolvem, as quais podem ser trazer a marca do modo de vida rural e/ou urbano. Assim, rural e urbano se manifestariam como um conteúdo social, um adjetivo territorial, que podem estar presentes concomitantemente no campo e na cidade. Este trabalho adota, assim, as perspectivas de Wirth (1979) e de Lefebvre (2001) segundo as quais o “rural” e o “urbano” são características das relações sociais que podem estar presentes tanto no campo como na cidade, os quais são vistos como formas espaciais.

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Para as pesquisas na área de Extensão Rural, o estudo do deslocamento entre campo e cidade se reveste de enorme importância por propiciar a compreensão da forma como vem se efetivando a mudança nos modos de vida de um expressivo segmento populacional que reside em municípios de pequeno porte com até 20.000 habitantes, os quais representam mais de 80% dos municípios brasileiros. Entende-se, assim, que investigar como vem se configurando o campo através dos deslocamentos é relevante, uma vez que, pode verificar-se a existência das sincronias e dissonâncias entre o campo e a cidade. Além de que, a produção destas informações pode fundamentar as políticas públicas direcionadas ao campo no Brasil.

2. METODOLOGIA

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Esta investigação empregou uma combinação de desenhos de pesquisa qualitativos e quantitativos. A abordagem qualitativa procura descrever significados que são socialmente construídos e que assumem uma dimensão subjetiva. Já a abordagem quantitativa, busca descrever os significados da realidade estudada de forma objetiva permitindo uma análise focalizada, pontual e estruturada dos dados (REICHARDT & COOK, 1979). Para a realização do estudo escolheu-se um pequeno município, Araponga, pertencente à microrregião de Viçosa, Minas Gerais. A escolha se deveu ao fato do município ter uma população inferior a 20.000 habitantes e ter uma economia agrícola, tal como acontece com mais de 80% dos municípios brasileiros (VEIGA, 2004). É importante mencionar, que a seleção do município para este estudo se deu, também, pelo fato, da pesquisadora ser natural de Araponga. Tal fato trouxe como risco a relativização do distanciamento necessário para o estudo, o que requer uma vigilância redobrada, mas por outro lado, trouxe o benefício da proximidade durante a pesquisa de campo. Optou-se neste estudo, pela amostragem probabilística e representativa da população adotando-se a aleatoriedade. Desta forma, para o cálculo da amostra efetuou-se um levantamento das unidades domiciliares rurais, através da consulta aos dados cadastrais fornecidos pelas Unidades Bási-

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cas de Saúde (UBS) da Secretaria de Saúde de Araponga, MG. A definição do tamanho da amostra foi realizada segundo a fórmula da proporção finita de Bolfarine e Bussab (2005), assumiu-se o erro de estimativa de 10% e 95% como grau de confiança, tendo sido a amostra constituída por 94 indivíduos. Os dados primários foram coletados por meio de um Survey com perguntas fechadas e abertas, sendo a unidade de análise o indivíduo, segmentado em faixas etárias e sexo. Também adotou-se uma metodologia complementar do tipo observação participante realizada durante algumas viagens de ônibus nos momentos de ida a campo. O presente estudo foi autorizado pelo CEP-UFV pelo parecer número 713.588 na relatoria datada de 04/07/2014. Os dados obtidos foram sistematizados e analisados no software estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) e no software Alceste (Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmento de Texto) de análise quantitativa de dados textuais (IMAGE, 1998). Em algumas ocasiões as aplicações dos questionários foram gravadas, sendo posteriormente transcritas e utilizadas para ilustrar e reafirmar os dados descritos. As narrativas foram citadas utilizando-se o número de cada respondente e não o nome. Para enriquecer o trabalho utilizou-se, também, o equipamento GPS (Global Positioning System) para o levantamento georreferenciado das localidades onde os participantes da pesquisa residiam. Estes pontos coletados foram utilizados na construção dos mapas utilizando o software para sistemas de informações geográficas (SIG), Arcgis 10.1.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Embora a pesquisa não tenha tratado a mobilidade socioespacial como uma variável causal em relação às mudanças dos modos de vida das famílias que vivem no campo, percebeu-se que esse movimento atua como um indicador das dimensões em que o modo de vida rural vem se modificando. Portanto, os resultados mostraram que os deslocamentos entre o campo e a cidade foram utilizados de forma efetiva pelos habitantes do campo para introduzir mudanças, sobretudo, no seu modo de morar e nos

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seus hábitos de vida. As idas e vindas à cidade estiveram relacionadas, prioritariamente, à esfera do consumo, tanto de alimentos, como de eletrodomésticos e móveis para a casa. As tecnologias da informação e comunicação, como o celular, também mostraram a sua interface com os deslocamentos realizados pelos rurais entre o campo e a cidade, sendo utilizado para resolver assuntos, relativos à saúde, negócios ou mesmo da esfera afetiva, como entre os jovens. Em contrapartida, os deslocamentos entre o campo e a cidade não mostraram relação com o trabalho, nem ao estudo. Estas foram as esferas em que o modo de vida rural se mostrou mais inalterado devido a maior valorização do trabalho agrícola do que pelo estudo (RAMBAUD, 1973). A mobilidade apresentou peculiaridades quanto ao gênero, mas não de geração. Os homens foram os habitantes do campo que mais se deslocam buscando o centro urbano do município e outros pequenos municípios vizinhos, principalmente por estes possuírem os meios de transporte e uma renda numericamente superior do que as mulheres. Já as mulheres apresentaram o deslocamento limitado ao distrito do município. Pode-se observar que, o uso dos meios de transporte próprios influencia diretamente na acessibilidade dos rurais à cidade (VASCONCELLOS, 2001). Os rurais vivenciam a cidade como um espaço de pertencimento. A expressão “ir à rua” comumente usada pelos habitantes do campo para designar o deslocamento à cidade clarifica o quanto os rurais circulam e se apropriam do espaço citadino em seus deslocamentos corriqueiros, motivados por necessidades diversas. Desse modo, os rurais, sobretudo, frequentam lugares para realizar atividades ligadas ao comércio e a prestação de serviços, orientando à construção de espacialidades econômicas (RAMOS, 1992). Portanto, a diversificação do comércio no município e a renda agrícola são fatores que têm influência no desenho destas conexões espaciais entre os espaços de origem e destino. Os rurais também mostraram avaliar de forma consciente a imagem do campo e da cidade, apontando características positivas e negativas vinculadas a ambos os espaços. Para Rambaud (1973), a representação social dos habitantes do campo em relação à cidade é permeada por uma

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imagem onde são destacadas as vantagens e os inconvenientes da outra cultura. Embora, o autor reconhecesse que a representação dos rurais sobre a cidade era instrumental e por vezes até mesmo deformada, ele acreditava que os conflitos de imagens por eles manifestados expressavam as tensões entre os valores dos grupos sociais permitindo explicar por que a sociedade rural aceitava ou recusava algumas transformações. A imagem positiva da cidade feita pelos rurais foi caracterizada pela sua estrutura e funcionamento como um polo aglutinador das decisões comerciais, econômicas e políticas, propiciadora de contatos diretos e facilitadora ao acesso às tecnologias da informação (WILLIAMS, 1989). Em contrapartida, a imagem positiva do campo apareceu associada à simplicidade da vida no campo, a natureza, a autonomia frente ao trabalho, a harmonia, a boa convivência (RAMBAUD, 1973). Assim, revelou-se uma postura avaliativa em relação ao campo comparando a vida no passado e no presente, demonstrando melhorias na vida rural com o passar dos tempos. A imagem negativa do campo apontou as dificuldades relativas à falta de alguns recursos e serviços reclamados como necessários, principalmente, aqueles ligados à área da saúde, à infraestrutura das vias, a dificuldade de acesso a telefonia móvel, internet e a escassez de atividades ligadas ao lazer, como as festas. O trabalho foi outro tema vinculado pelos rurais aos problemas enfrentados no campo. Neste contexto, os deslocamentos realizados pelos rurais permitem um intercâmbio entre os modos de vida rural e urbano e uma interação territorial entre campo e cidade. O entrelaçamento entre o rural e o urbano, partindo da mobilidade, revelou novas facetas de um processo amplo de transformação da sociedade rural em que o modo de vida urbano adentra o campo sob formas variadas, trazendo consigo mudanças que refletem nas condições materiais e imateriais de existência da população rural.

4. CONCLUSÕES A mobilidade socioespacial dos rurais mostrou forte relação com o gênero, mas não com a geração. Os homens eram os habitantes do campo

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que mais se deslocavam dentro e fora do campo, em função de terem a posse dos meios de transporte, a moto entre os rapazes e os homens adultos, o carro, no caso dos senhores idosos. Em contrapartida, as mulheres de ambas as gerações são as que menos se deslocam apresentando mobilidade limitada e circunscrita na escala municipal utilizando o distrito do próprio município para suprir suas demandas, além destas dependerem de meios de transporte não próprios. Há de fato, a ampliação da mobilidade no campo com o aumento da intensidade dos fluxos dos indivíduos para espaços do seu entorno e para o centro urbano do próprio município. Além disso, a renda se mostrou como um fator relevante para a escolha do tipo de transporte a ser utilizado. Em relação ao trabalho percebeu-se que o trabalho agrícola realizado na própria propriedade mostrou-se como o principal fator de manutenção do modo de vida rural. O fato da economia do café gerar empregos agrícolas e renda para a manutenção dos membros da família na própria comunidade não alterou sobremaneira a escolaridade dos jovens e o uso dos meios de transporte para a consolidação de projetos de vida em maior confluência com a vida citadina. O acesso aos meios de transporte e a possibilidade de deslocamento não incidiram de forma decisiva sobre o trabalho realizado fora da propriedade. Assim, a mobilidade socioespacial não se constituiu um fator determinante para alterar o tipo de trabalho típico do modo de vida rural: a agricultura. Em contrapartida, no que se refere à esfera do consumo de eletrodomésticos e de tecnologias de uso pessoal as diferenças entre o modo de vida no campo e na cidade vem se atenuando, sendo o deslocamento campo-cidade um instrumento para efetivação desta proximidade. O estreitamento do intercâmbio simbólico e material dos rurais com a vida citadina trouxe várias mudanças nos seus modos de morar. A circulação dos rurais pela cidade passa por espaços de apropriação e exploração marcados por trocas comerciais. A economia agrícola do município faz com que o setor de prestação de serviços e comércio na cidade, se torne mais ativa, sinalizando, portanto, que a produção rural alcança preços lucrativos para seus produtos permitindo um maior poder aquisiti-

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vo. Notou-se que, de modo geral, a conformação das espacialidades construídas na cidade pelos rurais não se diferiam conforme o sexo e a geração. Em suma, este estudo evidenciou que as transformações observadas em nível local são constituintes do processo de globalização que tendem a ocorrer de forma integrada por mais que se manifeste de modo desigual no tempo e no espaço. Um conjunto de impactos globais adentra no campo, revelando que o rural não é mais o único adjetivo relacionado ao campo. Foi perceptível a aproximação entre os modos de vida urbano e rural no campo, mediado pelos novos padrões de consumo. A hibridização do modo de vida rural é cada vez mais evidente, ao observar que os rurais vêm conjugando práticas culturais com as influências urbanas. Nesse sentido, reporta-se a contribuição social e científica desta investigação, por apontar a necessidade de repensar as políticas públicas direcionadas ao campo, bem como as práticas extensionistas rurais, que devem perceber que o campo e a cidade estão cada vez mais integrados. Além de compreender que o campo vem se constituindo em uma realidade paulatinamente diversa quanto suas relações e processos sociais. Ademais, que os habitantes do campo deslocam-se para suprir necessidades sentidas no seu espaço de origem, logo pode-se perceber quais são suas reais demandas no espaço citadino. Tendo em vista as limitações deste estudo, dada à proposta analítica utilizada, percebe-se que pesquisas que enfocam a mobilidade no campo em pequenos municípios de forma mais aprofundada ainda é um desafio. Trata-se de uma temática complexa, multidisciplinar e ainda pouco retratada na sociedade científica. Dessa forma, novas investigações que possam tratar da dinâmica da mobilidade no campo nestes municípios com vocações distintas são relevantes, por evidenciarem as reais demandas que orientam novos padrões de deslocamentos para a cidade e para os espaços a seu entorno. Por fim, sugere-se a realização de pesquisas futuras que investiguem a evolução do processo de urbanização do campo e de seus desdobramentos a nível microssocial. Uma vez que, o universo rural em sua dinamicidade oferece um amplo campo de investigação nos aspectos econômicos, políticos e culturais.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOLFARINE, H.; BUSSAB, W.O. Elementos de Amostragem. Edgar Blucher, São Paulo, 2005. ENDLICH, Ângela M. Perspectivas sobre o urbano e o rural. IN: Sposito, M.E.B. WHITACKER, A.M. (org.). Cidade e campo: relações e Contribuições entre urbano e rural. São Paulo: Editora Expressão popular, 2010, 11-31p. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas. 2010.159p. IMAGE (1998). Alceste: Analyse de donnés textuelles. Tolouse: Manuel d’utilisateur. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2001. RAMBAUD, Placide. Société Rurale et Urbanisation. 1ª ed. Paris: Ed. du Seuil, 1969. RAMOS, Aluísio Wellichan. Espaço tempo na cidade de São Paulo: historicidade e espacialidade do “bairro” da água branca. Revista do Departamento de Geografia – Departamento de Geografia da FFLCHUSP, São Paulo, n. 1, p. 65-75, 1992. Disponível em: Acesso em: 07 dez.2014 REICHARDT CS & COOK TD. Beyond qualitative versus quantitative methods. In TD Cook & LS Reichardt (orgs.). Qualitative and Quantitative Methods in Evaluation Research. Sage, Londres, p. 7-30, 1979. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume, 2001. VEIGA, J. E. Destinos da ruralidade no processo de globalização. Estudos Avançados 2004, Vol. 51, n. 18, pp. 51-67. WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. VELHO, O. G. O. Fenômeno urbano. 4a ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1979. 126

___________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES Banca: Leonardo Civale, Douglas Mansur da Silva, Paula Cristina Almeida Cadima Remoaldo.

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EXTENSÃO RURAL E JUVENTUDE: A EXPERIÊNCIA DOS CLUBES 4-S EM MINAS GERAIS (1950-1980) Solange Batista de Souza Marcelo Leles Romarco de Oliveira

1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa investiga a trajetória e atuação dos Clubes 4-S (saber, sentir, saúde e servir) de jovens rurais e sua implantação no meio rural, por meio do Serviço de Extensão Rural em Minas Gerais, entre as décadas de 1950 a 1980. A relevância dessa pesquisa está em contribuir para a memória do tema em questão, compreendendo os Clubes 4-S através de uma abordagem histórica, e também por trazer a leitura de uma instituição motivada pelo desenvolvimento econômico e social do meio rural brasileiro, e ainda por contribuir com os estudos da Extensão Rural no estado de Minas Gerias. Gomes (2013) ao analisar a atuação dos Clubes 4-S em Minas Gerais no período de 1952 a 1974 relata que na década de 1960 foi registrado o maior número de jovens associados aos clubes, e também surgia um grande número de novos clubes, não apenas no estado de Minas Gerais, mas também em outras regiões do país. Nesse período foi considerado o apogeu dos Clubes 4-S, chegando a contar com cerca de 80 mil integrantes. Percebe-se que o discurso promovido pela Extensão Rural através dos Clubes 4-S, interferiu diretamente no cotidiano dos jovens rurais, argumentando contribuir para o desenvolvimento social e econômico do jovem e sua família. Desse modo, procura-se demonstrar aquilo que o discurso extensionista não comportou, ou seja, quais foram as falhas dessa política pública executada pela Extensão Rural, que culminaram na decadência dos Clubes 4-S no Brasil. Dessa forma, nesta dissertação procurou-se responder às seguintes questões: Quais eram os objetivos da Extensão Rural junto à juventude no período em que os Clubes 4S funcionaram no Brasil? Quais eram as

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justificativas e a metodologia do trabalho desenvolvido com a Juventude Rural no Brasil? Em que medida esses Clubes reproduziram o modelo norte-americano?

2. METODOLOGIA

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O presente trabalho possui caráter exploratório-descritivo de abordagem qualitativa. Para Minayo (1993) a pesquisa qualitativa é uma forma para se obter conhecimento de um fenômeno social. Dessa forma, esta pesquisa foi realizada em duas fases, sendo que a segunda fase teve dois momentos distintos. A primeira fase consistiu em uma pesquisa bibliográfica sobre os temas relacionados a esse estudo: modernização da agricultura, juventude, educação no campo e extensão rural, tendo como contexto sócio antropológico o mundo rural no período de 1950 a 1980 e suas transformações no Brasil. Posteriormente, foi realizado entre os meses de setembro e outubro de 2014, uma pesquisa documental, no Centro de Documentação e Pesquisa em Extensão Rural Engenheiro José Alfredo Amaral de Paula, localizado no escritório da EMATER, na cidade de Belo Horizonte MG. Nesse momento da pesquisa, objetivou-se compreender o cotidiano em que os jovens rurais e outros atores sociais que se tornaram visíveis no cenário rural no qual se encontravam inseridos, bem como analisar o conteúdo do material produzido sobre a juventude rural entre as décadas de 1950 a 1980 em Minas Gerais. Entre os documentos foram encontradas diversas revistas, cartilhas, jornais, folhetos informativos, fotografias, desse modo, foram analisados artigos publicados em revistas e em jornais, periódicos, tabelas estatísticas, documentos e fotografias. A segunda fase desse trabalho consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas. Foram entrevistados três extensionistas brasileiros que trabalharam com os Clubes 4-S. Além disso, a pesquisa focou-se em extensionistas e pesquisadores americanos, que tivessem trabalhado diretamente com projetos e ações desenvolvidas para os Clubes 4-H nos Estados Unidos. Considerando a importância de se compreender a filosofia

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e o trabalho dos Clubes que serviram de inspiração para o trabalho com a juventude rural no Brasil, esses personagens foram fundamentais para essa pesquisa. Desse modo, no período de outubro a dezembro de 2014 foi realizado o trabalho de campo no Estado da Flórida-EUA onde foram entrevistados três extensionistas. É importante destacar que, inicialmente, teve-se a intenção de entrevistar os jovens que participaram dos Clubes 4-S, no entanto, em razão do surgimento de dificuldades no que se refere à localização dos ex-integrantes dos Clubes, não foi possível a realização dessas entrevistas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No Brasil, os Clubes 4-S se configuraram como uma das principais ações voltadas para a juventude rural desenvolvida pela Extensão Rural no Brasil no século XX. Os Clubes reuniam meninos e meninas, e sob a orientação de extensionistas, realizavam atividades como lavoura demonstrativa, cultivo de horta, campanhas voltadas à higiene pessoal, melhoramento de edificações nas propriedades, seminários e encontros com atividades recreativas, entre outras atividades, com o intuito de demonstrar os benefícios e as vantagens que a modernização da agricultura poderia proporcionar ao campo (VIEBRANTZ, 2008). Assim sendo, a atuação dos Clubes 4-S teve início no município de Rio-Pomba-MG, no ano de 1952, por iniciativa do engenheiro agrônomo Geraldo Luiz Ribeiro em parceria com a funcionária da ACAR-MG, Iracema Alves Garcia e com o auxílio da professora rural Nila Silva de Paula (SILVA, 2002; SOUZA, 2003; GOMES, 2013). Ao discursar sobre o surgimento do Clube 4-S, o boletim informativo número 23 da EMATER-MG, no ano de 1977, esclarece que: Nascia assim o Clube 4-S “São José”, inspirado nas quatro letras S do trevo-símbolo: Saber-adquirir conhecimentos úteis; Sentir-despertar os sentimentos nobres; Servir-trabalhar para a comunidade e para si mesmo; saúde-lutar pelo bem-estar individual e coletivo, para uma vida melhor (EMATER, 1977:3).

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Os registros informam que, na ocasião do surgimento dos Clubes 4-S, a ACAR-MG era dirigida por Mr. Walter L. Grawford, que tinha como assessores Mr. Santiago D. Apodaca e Miss Aleta Mc Dowell, ambos com larga experiência de trabalho com os Clubes 4-H nos Estados Unidos (EMATER-MG, 1997). Porém, não foi possível compreender se o início do Clube se deve ao fato de que os primeiros dirigentes da ACAR terem sido americanos e possuir uma larga experiência com o trabalho com jovens rurais ou se foi uma iniciativa da técnica de campo. Os registros apontam que o primeiro Clube 4-S do Brasil, foi denominado Clube 4-S “São José” e: Nila Silva de Paula, uma professora modesta e líder local, aceitando a sugestão dos extensionistas da ACAR de Rio Pomba, Geraldo Luiz Ribeiro e Iracema Alves Garcia, reuniram seus alunos da Escola Rural Cel. Cláudio Gomes. O primeiro trabalho em grupo: plantaram uma árvore no pátio da escola. Logo nos primeiros meses, o clube promoveu diversas campanhas, que levaram as famílias da Igrejinha a comprar filtros, tratar as verminoses, cultivar hortas, instalar fossas, combater a formiga. Vieram alguns cursos práticos: de pedreiro, parteira e outros. O clube cresceu. Começaram os financiamentos para projetos de formação de pomares, plantio de café, avicultura. Em outros estados chegavam também os Clubes 4-S. Hoje, ao completar 25 anos de existência Minas têm 800 clubes, com 20 mil associados (EMATER, 1977:3).

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Dona Nila, a professora rural da comunidade de Igrejinha, é considerada a pioneira no trabalho com a juventude rural em Minas Gerais. Antes mesmo da implantação e consolidação dos Clubes 4-S no Brasil, vimos que Dona Nila, em seu papel de educadora, e como membro da comunidade, era persistente no trabalho de educação e formação de seus alunos, buscando prepara-los para ser, no futuro, exemplo de jovens disciplinados, que valorizassem o trabalho, a família, e o progresso da nação. Percebe-se que os Clubes 4-S também se configuraram como uma estratégia de lazer para os jovens do campo. Após terem desenvolvidos seus projetos individuais, os jovens quatroessistas tinham a oportunidade de

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expor o resultado final de seu trabalho, que poderiam ser por meio de feiras locais e regionais, exposições e concursos. Esses eventos eram realizados em praticamente todos os municípios que abrangiam o trabalho com a juventude rural, e os vencedores de concursos eram premiados com bolsas de estudo, intercâmbios e máquinas agrícolas. Os jovens também tinham a oportunidade de conhecer outros locais mediante eventos realizados pelo clube, como por exemplo, as convenções estaduais e nacionais, ocorridas anualmente, seminários e congressos internacionais. O entrevistado 03 relatou um acontecimento que contribui para o debate sobre o lazer dentro dos Clubes, que foi uma excursão realizada pelos jovens do Clube 4-S “Aliciano”, do município de Cajuri-Mg. Em 1985 foi o Ano Internacional da Juventude. Naquela ocasião nós conseguimos o patrocínio da loteria de Minas pra uma excursão com os jovens para a cidade de Ouro Preto, onde foi pago tudo. Acredito que isso ocorreu porque justificávamos o que era o clube 4-S, qual a proposta do trabalho, qual que era o objetivo, e naquela ocasião, na comunidade em que eu trabalhava, tinha só até a 8 série. Então, para eles a viagem foi uma verdadeira aula de história, porque tinha pessoas lá que nunca tinham ido a Ouro Preto, mal conheciam Viçosa (ENTREVISTA, 03, 2014).

As principais datas comemorativas para os jovens dos Clubes 4-S eram o Dia Nacional dos Clubes 4-S, que era comemorado todo dia 15 de julho, e o seminário da juventude rural, o qual acontecia todos os anos, e reunia os jovens participantes dos Clubes 4-S de todo os Estado de Minas, no município de Belo Horizonte MG. A pesquisa apontou que essa forma de realizar as atividades a valorização pelo lazer, por datas comemorativas e até mesmo as orientações de trabalho dos Clubes 4-S, se inspiraram no modelo norte americano dos Clubes 4-H, que foram pioneiros no mundo com trabalhos com juventude. Que tinha como proposito levar até a criança e o jovem a oportunidade de crescimento e desenvolvimento de suas habilidades, não importando se o jovem se encontra no meio urbano ou rural.

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Também se pode observar que as propostas dos Clubes 4-H se diferenciaram de acordo com o clima, o tipo de agricultura e a economia desenvolvida em cada estado, adaptando-se as necessidades dos jovens em cada região. Desse modo, de acordo com os depoimentos e documentação, o trabalho de organização dos Clubes 4-H visa a formação de jovens com as características de liderança e dinamismo, buscando prepara-los para possíveis adversidades. A expectativa é desenvolvê-los como cidadãos ativos e participativos em suas comunidades, seja no âmbito urbano, ou rural. Para tais objetivos, são utilizadas estratégias que buscam ir além do espaço escolar e da agricultura. Ressalta-se que após quase 50 anos de trabalho com os jovens rurais, os Clubes 4-H se estenderam para o espaço urbano (WESSEL, 1982). Esse acontecimento permite perceber a adaptação dos Clubes 4-H ao meio urbano, o que ocorreu no sentido de acompanhar as demandas juvenis. Para os agentes 4-H, as habilidades desenvolvidas por jovens e crianças dentro do Clube podem ser utilizadas para a vida toda independente do espaço que este viva. Portanto, os programas atualmente trabalham com três grandes áreas: a ciência, a saúde e a liderança juvenil. No âmbito da ciência, são trabalhadas questões como: agricultura, pecuária, engenharia, robótica, tecnologia da computação, meio-ambiente, horticultura e jardinagem. Em relação aos cuidados com a saúde são trabalhados aspectos como nutrição e prática de esportes, ambos inseridos em um projeto chamado “vivendo com saúde”. Como atualmente nos Clubes 4-H não existe uma separação nos serviços entre o setor urbano e rural, os programas são ofertados para todos os jovens, independentemente da localidade em que residem. Desse modo “Dentro do que as crianças escolhem participar, é inserido o conceito de ser um cidadão melhor” (ENTREVISTA 4, 2014). Após a realização dos cursos, os jovens organizam workshops e apresentações para compartilharem o aprendizado adquirido. Dessa forma, operacionaliza-se a ideia de um aprendizado voltado para a sociedade, quando os conhecimentos obtidos por meio do Clube são compartilhados com a comunidade.

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Em síntese, pode-se dizer que os Clubes 4-H nos EUA, no passado e na atualidade, se configura como estratégia institucional voltada para mobilização e organização social de localidades, por meio de ações formativas para jovens rurais, que, posteriormente, foram ampliadas para os espaços urbanos. Nessas ações, as interações desses jovens com os outros se dão por meio da intervenção de outros agentes, responsáveis pelo que chamam de “ensino” de atividades práticas e operativas, que esses agentes diagnosticam como sendo de “interesse” desses jovens. No caso brasileiro cabe uma ressalva essa tendência de valorizar a juventude independente do espaço (rural ou urbano) não se confirmou, ou seja, ao invés de se adaptar aos novos tempos os Clubes 4-S no Brasil acabou encerrando suas atividades na década de 1980.

4. CONCLUSÃO No presente estudo, percebeu-se que a experiência dos Clubes 4-S no Brasil realizado junto aos jovens do campo de 1952 ao fim dos anos de 1980, seguiu forte inspiração ao modelo Norte Americano dos Clubes 4-H, assim como, quase todo o Serviço de Extensão Rural teve ao longo dos primeiros anos do surgimento desse serviço. Concluí-se com a pesquisa que a ação dos Clubes 4-S participou das grandes mudanças no meio rural, no entanto, essas transformações não alcançaram a todos os jovens e a todas as famílias, o que resultou um processo de exclusão de vários jovens. Tudo indica que grande parte dos jovens que não conseguiram se inserir no processo de modernização imposta pelo extensionismo e viram-se excluídos da “revolução verde” que ocorria no meio rural. Entretanto, ficou instituída no campo a metodologia utilizada pela Extensão Rural através dos Clubes 4-S. As desigualdades no campo marcaram o processo como excludente e seletivo, e aqueles jovens que não tinham terra e nem conseguiam investir ou permanecer na atividade rural, não foram contemplados. Dessa maneira, foi possível perceber que, embora os resultados alcançados pela ACAR/EMATER-MG tenham contribuído de forma positiva

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para os jovens e suas famílias, em algumas comunidades, muitos foram os obstáculos encontrados para que os sócios dos Clubes 4-S pudessem atingir seus objetivos, pois, apesar de ser considerado um projeto de viés assistencial e sem nenhuma distinção de classes, o trabalho quatroessista revelou-se excludente daqueles que não tinham acesso a terra e aos financiamentos bancários. Assim, os Clubes 4-S podem representar uma experiência de ação institucional com a juventude que desafia a necessidade de melhor definição do significado social dos jovens para além da delimitação por faixa etária ou do local de residência, se rural ou urbano. O que o jovem significa para a sociedade na qual ele cresce e desenvolve? Sua condição de sustentabilidade ou de necessidade de mudança. Mas qual mudança se faz necessária? Aquela a ser definida e construída com ele e que envolve valores, habilidades para uso dos recursos e possibilidade de exercício de direitos, que no caso dos jovens do campo, no Brasil, indelevelmente significa, primeiro, direito de acesso a terra.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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EXTENSÃO EM MINAS GERAIS. Empresa de Assistência técnica e Extensão Rural de Minas Gerais. EMATER-MG. Informativo n. 23, Belo Horizonte: Setembro, 1977. GOMES, Leonardo Ribeiro. Progredir Sempre. Os jovens rurais mineiros nos clubes 4-S: Saber, Sentir, Saúde, Servir – 1952-1974. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 2013. MINAYO, Maria. Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 1993. SILVA, Claiton Márcio. Saber, Sentir, Servir e Saúde: a construção do novo jovem rural nos Clubes 4-S, SC (1970-1985). Florianópolis: Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. SOUZA, Sirlei de Fátima. Tradição X modernização: a ação dos Clubes 4-S em Passo Fundo (1950-1980). Dissertação de Mestrado, Universidade de Passo Fundo, 2004.

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VIEBRANTZ, Kerli Paula Melz. A extensão rural: ambiente, agricultura e Associativismo. Revistos Grifos, n. 25, Dezembro: 2008. WESSEL, Thomas; WESSEL, Marilyn. National 4-H Concil. Chevy Chase, Maryland: EUA, 1982. _________________ Agência Financiadora da Pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Banca: Marcelo Leles Romarco de Oliveira, Bianca Aparecida Lima Costa, France Maria Gontijo Coelho.

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POR UMA CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO ATRAVÉS DO MODO DE VIDA RURAL E/OU URBANO Gustavo Bastos Braga Ana Louise Carvalho Fiúza Paula Cristina Remoaldo

1. INTRODUÇÃO

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As sociedades rurais vêm passando por fortes transformações em todo o mundo, em virtude da influência de uma série de fenômenos, tais como: o estreitamento das distâncias entre campo e cidade, mediante a melhoria das estradas e do acesso aos meios de transporte; a disseminação de tecnologias, nomeadamente, das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação); a maior participação dos habitantes do campo na sociedade de consumo; a ampliação da universalização dos direitos sociais e trabalhistas, os quais passam a chegar também aqueles que vivem no campo; dentre outros fatores. Tais mudanças têm recebido várias denominações, tais como: “novo rural” (SILVA; GROSSI, 1998), “nova ruralidade” (CARNEIRO, 1999, 1998) ou “urbanização da sociedade rural”, Rambaud (1973), Wirth (2005), Lefebvre (1971; 1999), Endrich (2010), dentre outros. O que se percebe, nestas categorias utilizadas para expressar as transformações pelas quais as sociedades rurais vêm passando é uma imprecisão em torno do próprio conceito de rural. Esta imprecisão conceitual extrapola os limites teóricos e acarreta dificuldades de operacionalização empírica, como na formulação de políticas públicas e de estratégias de intervenção social. Muitas vezes os pesquisadores utilizam a categoria rural tomando-a como algo dado, sem sequer defini-la, deixando em aberto à concepção teórica que sustenta a sua aplicação, como se isto fosse uma redundância. Esta imprecisão na utilização do conceito de “rural” acontece tanto na literatura acadêmica, quanto nas organizações internacionais e nos governos. Coca et al. (2012) são alguns dos autores que se preocuparam com a dificuldade em definir o conceito de “rural”, demonstrando

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o quão confusa é a concepção econômico-geográfico-sociológica deste conceito. Defendemos nesta tese que o entrelaçamento da concepção de “rural” como “espaço físico” e como “campo” traz muitas confusões interpretativas. Por exemplo, muitos estudos na área de sociologia rural ao se referirem à “morte do rural”, não estão querendo se referir à morte do espaço físico. No entanto, a falta de uma fundamentação teórica para “rural” faz com que ao se tratar de outras manifestações, tais como: do “revival do rural”, do “novo rural”, das “urbanidades do rural”, do “espaço rural” dentre tantas outras expressões, o rural seja tomado ora como “espaço físico”, ora como “modo de vida” e, outras vezes, como uma interação entre os dois. Assim, tomar rural, ao mesmo tempo como “espaço físico” e como “modo de vida” pode trazer várias dificuldades analíticas. Assim, nesta tese não se tratará por “rural” aquilo que se refere às características relativas a um “espaço físico” caracterizado por sua baixa densidade populacional e pela relativa importância das atividades primárias, como a agricultura e o extrativismo vegetal e mineral. Este espaço físico, caracterizado por estes atributos, pode assumir a dimensão espacial de “campo”, de aldeia, de vila, de pequeno município, de território, mas não de rural. O propósito desta tese é o de não predeterminar as características socioeconômicas que modelam o espaço físico, como marcado por um “modo de vida rural” e/ou “urbano”. Assume-se nesta tese o espaço como metamorfose, no sentido concebido por Santos (1997). Para o autor o espaço pode revelar características rurais ou urbanas, mas isto não está dado à priori. Segundo ele, os “territórios agrícolas” podem conter cidades, assim como os “territórios urbanos” que continham campos. Ou seja, o espaço é concebido de forma multifacetada, como algo em movimento, que não está dado, pronto, mas que se metamorfoseia, na sua constante interação com o homem e com as forças da natureza. Desta forma, trabalhamos nesta tese com um marco teórico elaborado a partir do suporte analítico de quatro grandes pensadores que construíram suas obras analisando as transformações pelas quais passam as sociedades humanas: Wirth (2005), Rambaud (1969), Lefebvre (1971) e

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Santos (1997). Em comum, estes autores de diferentes momentos da história humana, têm o fato de interpretar as metamorfoses do espaço, o seu processo de constituição, não o tomando como definido à priori. Complementam e atualizam os pressupostos teóricos abertos por estes autores clássicos, os estudos de outros pesquisadores contemporâneos que têm procurado imprimir maior rigor conceitual à categoria “rural”, não a utilizando indistintamente como sinônimo de “campo”, “espaço rural”, “ruralidade”, “novo rural”, “meio rural”. Dentre estes autores os geógrafos têm destaque, embora apareça de forma crescente, também sociólogos, tais como: Ferrão (2000), Remoaldo (2002), Cavaco (2004, 2005), Sposito e Whitacker (2010), Fiúza et al. (2012), dentre tantos outros. Assim, nesta tese compreende-se o espaço (campo) e o tempo (modo de vida), em constante interação e movimento, mas como contendo características distintas. Assim, “campo”, “aldeia”, “vila”, “cidade”, “território”, são tomados como espaços físicos que podem manifestar “modos de vida rurais e/ou urbanos”. Desta forma, a caracterização do espaço físico através da utilização de índices, como é o propósito desta tese é uma forma de precisar os contornos e dimensões urbanas e rurais que o espaço pode manifestar. A utilização de índice de caracterização do espaço não é uma ideia propriamente nova, sendo encontrados diferentes índices na literatura acadêmica. Encontram-se índices de ruralidade em um vasto número de estudos no Reino Unido, em Portugal, na Espanha e em vários outros países europeus, assim como, em alguns países da América Latina e mesmo em algumas regiões do Brasil. No entanto, muito poucos destes índices concebem o espaço como uma metamorfose, como construção, como algo que se modifica, de forma muito dinâmica através da intervenção humana. A perspectiva proposta no decorrer desta tese é a de caracterizar o espaço segundo as manifestações dos modos de vida rurais e/ou urbanos. Estes índices referentes a caracterização do espaço, incorrem para além da imprecisão conceitual em um outro risco, ao não considerarem as especificidades relativas a cada país, região e demais espaços físicos. Todavia, as experiências de aplicação de índices de caracterização do es-

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paço elaborados em outros países pode ajudar na elaboração do índice ora proposto, com a vantagem deste ser conceitualmente claro, uniforme e voltado para as especificidades relativas aos diferentes espaços no Brasil. A caracterização do território através de um índice que aponte as suas características rurais e/ou urbanas, segundo o modo de vida nele presente, pode vir a oferecer inúmeros benefícios práticos, especialmente, no âmbito das políticas públicas. Neste sentido, destaca-se, que este estudo irá trabalhar com a concepção de “território” e não de “espaço”, em função das políticas públicas brasileiras estarem configuradas para a atuar em territórios. Esta é uma escolha puramente pragmática, que tem o intuito de facilitar a aplicação do índice de caracterização, aqui proposto, aos territórios demarcados pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). Desta forma, adotou-se, nesta tese, a interpretação de Gomes (2015) de território. A autora recupera a concepção elaborada por Claude Raffestin (1993) acerca das discussões sobre o território. Este autor concebe território como um espaço criado pelo ser humano através de suas territorialidades políticas, econômicas e culturais, bem como pelas redes de circulação e comunicação por ele criadas. A autora recupera, ainda, os pressupostos teóricos de Saquet (2007), o qual afirma que este processo de constituição do território é o resultado histórico e social das relações de poder e de suas edificações, ou seja, o território manifesta-se de forma material e imaterial (SAQUET, 2007). Portanto, estas dimensões formam uma totalidade multidimensional e multiescalar com inúmeros interesses, que não são meramente políticos e econômicos, mas que envolvem, também, necessidades culturais e ambientais. Assim, para Gomes (2015), o território pode ser entendido como o quadro de vida que permite aos grupos e sujeitos a (re) produção da própria existência através do controle do espaço, das pessoas e dos fenômenos pertinentes a cada situação por eles vivida. Contudo, para se caracterizar o território como tendo dimensões rurais e/ou urbanas o grande desafio, sem dúvida, é a própria conceptualização de “rural”. Nesse sentido questionasse nesta tese: Poderíamos continuar a caracterizar o campo como rural no Brasil? Se, sim, em que territórios? Em termos de quais características? Poder-se-ia conceber, ain-

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da, que o Brasil apresentaria, também, um campo urbanizado? Se, sim, em que territórios e em que aspectos? Esta tese teve por objetivo geral caracterizar os territórios em diferentes regiões brasileiras, considerando, na caracterização dos mesmos, a dimensão dos modos de vida “rural” e “urbano” presentes nos assentamentos populacionais. Para além deste objetivo geral a tese teve 5 objetivos específicos: 1) Utilizar as experiências de construção de índices de ruralidade desenvolvidas em países como Portugal, Reino Unido, Turquia e Estados Unidos, inserindo as variáveis balizadoras do índice de ruralidade que tais países adotaram, dentro do campo conceitual adotado na pesquisa; 2) Identificar nas bases, de dados existentes no Brasil, as variáveis para utilização na caracterização dos territórios nas diferentes regiões brasileiras; 3) Aplicar, no Brasil, as metodologias de caracterização de “territórios rurais” utilizadas por organismos internacionais; 4) Criar e aplicar um índice de caracterização dos modos de vida rural e urbano aplicável aos diferentes territórios no Brasil, utilizando para além dos dados demográficos tradicionais, as características relativas a estes modos de vida. 5) Avaliar a importância da dimensão social e do constructo “modo de vida rural e urbano” na caracterização do território, em uma perspectiva teórica e empírica, condicionada a realidade brasileira.

2. METODOLOGIA

140

A proposição desta tese é criar um índice, para ser aplicado no território brasileiro, balizado pela ideia que rural e urbano são modos de vida que caracterizam um território, essa é uma forte corrente na literatura, como já apresentado na tese. Toma-se aqui, território como proposto por Haesbaert (1999, 2004), que entende o conceito como a forma que as pessoas fazem o uso da terra. Dada essa característica do território, pode-se entender que modos de vida distintos produzem territórios distintos. Ainda pode-se ver que em um mesmo espaço geográfico podem haver múltiplos territórios, assim como múltiplos modos de vida, como aponta por Haesbaert (1999, 2004).

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Dessa forma, o índice que caracterização de territórios verificará qual é a predominância de um modo de vida em uma determinada área. Essa predominância é esperada, sob a perspectiva de modos de vida de Sorré (1948). O autor mostra em seus estudos que uma alteração no espaço o qual os indivíduos habitam, altera, consequentemente, seus modos de vida. Com exemplo, o autor mostra os que esquimós no Ártico, com o desaparecimento das geleiras, viram-se impossibilitados de manter seu modo de vida tradicional, que dependia das mesmas. De forma análoga, pode imaginar que um modo de vida rural teria dificuldade de se sustentar em uma grande cidade, com amplo acesso a meios tecnológicos. Bem como, um modo de vida urbano seria improvável em um meio isolado, onde não haja nenhum tipo de consumo de bens ou acesso a recursos tecnológicos. Os espaços geográficos mais propensos ao modo de vida rural, nessa tese são chamados de campo. O campo seria caracterizado por uma limitada artificialização do espaço. No entanto, é possível manter no campo um modo de vida urbano, porém é esperado que esse se apresente com menor intensidade. De forma equivalente, a cidade seria um espaço geográfico, onde predomina-se a artificialização e o uso de tecnologias. Assim, em uma cidade é mais propenso o modo de vida urbano, contudo, é possível manter traços do modo de vida rural nesses ambientes, ainda que residuais (ENDLICH, 2010). Seguindo esse raciocínio, o índice, que será apresentado, não procura delimitar as áreas que podem ser consideradas campo ou cidade, mas, sim de verificar qual a intensidade da presença do modo de vida rural e urbano em áreas pré-determinadas. De tal forma que, pelo índice, seja possível vislumbrar traços de ruralidade em cidades e tons de urbano no campo. Para isso é necessário selecionar variáveis, dentro das disponíveis, para a criação do índice. Procurando o equilíbrio entre a parcimonialidade e a aproximação do ideal, foram selecionadas para a composição do índice seis variáveis. Essas variáveis seriam proxies para a concepção de um modo de vida, em um extremo rural e noutro urbano. O índice busca a intensidade que os

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indivíduos se assemelham de um tipo ideal, no sentido weberiano, rural ou urbano. Rural e urbano, deste modo, não são duais e antagônicos empiricamente, mas, sim duas categorias teóricas distintas e mutualmente excludentes. A Tabela 1 apresenta como se comportam as variáveis selecionadas, de acordo com o tipo ideal rural e o tipo ideal urbano.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Como explicado anteriormente, o índice de caracterização de territórios visa caracterizar as mesorregiões brasileiras em uma escala que varia de 0 (predominância do modo de vida rural) a 1 (predominância do modo de vida urbano). Esse índice se difere dos índices de ruralidade, apresentados nessa tese, por considerar que o rural e o urbano são modos de TABELA 1. A relação entre os tipos ideais e as variáveis presentes no índice

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Variável inserida no índice

Tipo ideal rural

Tipo ideal urbano

Trabalho

Relativo a atividades agrícolas e com intensa dependência da terra e de fatores biológicos

Relativo a atividades não agrícolas e com pouca, ou nenhuma, dependência da terra e de fatores biológicos

Escolaridade

Limitada, o índiviuo não tem Ilimitada, o indivíduo tem a possibiacesso a instituições de ensino lidade de atingir altos níveis de tituque ofereçam maior titulação tlação sem se deslocar

Renda

Menor, dada a impossibilidade de se desvencilhar de fatores biológicos e agregar mais valor ao trabalho. Predomínio do auto-consumo e ausência de artefatos tecnológicos modernos

Maior, a industrialização e a maior escolaridade permitem ao indivíduo galgar maiores rendimentos. Predomínio do consumo de bens industrializados e com altos níveis tecnológicos

Tempo de deslocamento a grandes centros

Maior, há a necessidade de se despender de mais tempo para chegar a centros com maior população

Menor, o próprio centro seria o local ideal do indivíduo urbano, sendo que a medida que se afasta deste centro, mais distante fica do tipo ideal urbano

Acesso a iluminação artificial

Quando não é ausente é precário

Sempre presente e com boa qualidade

Fonte: Elaboração pelos autores baseados em (GRUPO DE ESTUDOS RURAIS: AGRICULTURAS E RURALIDADES, 2014)

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vida, e não espaços geográficos, em si. Contudo, é óbvia a inter-relação dos assentamentos humanos com o entorno em que habita. A literatura acadêmica apresenta em abandonar as delimitações tradicionais de urbano e rural, baseadas normalmente em dados demográficos, passando a utilizar, cada vez mais, as dimensões do modo de vida em suas concepções (CLOKE; MILBOURNE, 1992; ÖĞDÜL, 2010). Todavia, ainda que compreender rural e urbano, como um modo de vida, nos desvencilhe de uma série de limitações apresentadas no decorrer dessa tese, essa abordagem apresentará as suas próprias limitações, como por exemplo, as limitações para se selecionar proxies relativas ao modo de vida e obter dados individuais com uma agregação geográfica pequena. Consciente das limitações intrínsecas ao estudo, o Índice de Caracterização de Territórios (ICT) busca identificar os modo de vida dos territórios, segundo os tipos ideias urbanos e rurais. Feitos esses comentários, essenciais para a compreensão dos resultados, passa-se adiante para a aplicação do índice de caracterização de territórios. O índice foi composto pela média aritmética dos subíndices apresentados ao longo da tese.

Onde ICT é o resultado do índice de caraterização de territórios. O índice de caracterização de territórios foi composto pelos subíndices, onde são consideradas variáveis que auxiliam compreender o modo de vida. Espera-se que seu resultado reflita características do modo de vida. A aplicação do índice nas mesorregiões brasileiras mostrou resultados que variaram de 0,044, no Distrito Federal, a 0,996, no Norte Amazonense. A média dos resultados para o índice de caracterização de territórios, de 0,461; evidenciou que, em média, o Brasil, tinha territórios que podiam ser caracterizados como rurais. Entretanto, pôde-se observar que havia certa homogeneidade nos dados, uma vez que o desvio padrão foi de 0,173. Esses resultados reforçaram os estudos de Endlich (2010) e

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Braga et al. (2015), que apresentaram o Brasil como um país no qual predominava o modo de vida urbano, ante ao rural. As mesorregiões caracterizadas como as mais urbanas, como o Distrito Federal, a Metropolitana de São Paulo e a Metropolitana do Rio de Janeiro, foram aquelas em que se situavam algumas das maiores cidades brasileiras, com grande importância política e econômica. Em contrapartida, as mesorregiões do interior do estado do Amazonas, do Norte Amazonense, do Sudoeste Amazonense e do Sul Amazonense, figuraram como as mais rurais, sendo conhecidas pelas dificuldades em infraestrutura e pela ausência de grandes parques industriais. Os resultados do índice de caracterização de territórios proposto, não corresponderam a aplicações de índices internacionais no território brasileiro. As três mesorregiões citadas como as que se destacaram como as mais rurais nos índice proposto na tese, foram classificadas como “Intermediárias” na classificação da OCDE e duas delas, o Sudoeste Amazonense e o Sul Amazonense, receberam também a classificação de “Intermediárias” nos critérios propostos pelo Eurostat. Isto evidencia que, as dimensões consideradas por estes organismos internacionais, não consideravam o modo de vida em sua elaboração. A disposição espacial, dos resultados do índice de caracterização de territórios, é vital para uma compreensão dos resultados, visto que o meio e o modo de vida estão inter-relacionados (ENDLICH, 2010; SORRE, 1948, 1958). A Tabela 2 mostra os resultados finais do índice de caracterização de territórios, para o Brasil. A partir da Tabela 2 é possível traçar uma linha latitudinal na mesorregião do Distrito Federal que separa os territórios caracterizados pela predominância do modo de vida rural e ao sul os territórios em que impera o modo de vida urbano. Contudo, há exceções tanto dentro do Brasil predominantemente urbano, quanto rural: as mesorregiões no litoral nordeste, onde estão situadas as capitais estaduais e a mesorregião Metropolitana de Belém, apresentam características urbanas, apesar de estarem situadas dentro da linha imaginária que demarca o Brasil predominantemente rural. Ao sul da linha imaginária também há exceções, mesoreregiões com características mais rurais, o Centro-sul Paranaese, o Sudeste paranaense

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TABELA 2. Índice de caracterização de territórios para as mesorregiões Código Mapa

Mesorregião

Índice de caracterização de territórios

1

Madeira-Guaporé

0.510

2

Leste Rondoniense

0.582

3

Vale do Juruá

0.789

4

Vale do Acre

0.544

5

Sul Amazonense

0.889

6

Sudoeste Amazonense

0.944

7

Norte Amazonense

0.966

8

Centro Amazonense

0.581

9

Sul de Roraima

0.804

10

Norte de Roraima

0.529

11

Sudoeste Paraense

0.783

12

Sudeste Paraense

0.656

13

Nordeste Paraense

0.710

14

Metropolitana de Belém

0.307

15

Marajó

0.839

16

Baixo Amazonas

0.764

17

Sul do Amapá

0.533

18

Norte do Amapá

0.759

19

Oriental do Tocantins

0.456

20

Ocidental do Tocantins

0.548

21

Sul Maranhense

0.590

22

Oeste Maranhense

0.646

23

Norte Maranhense

0.523

24

Leste Maranhense

0.666

25

Centro Maranhense

0.673

26

Sudoeste Piauiense

0.691

27

Sudeste Piauiense

0.637

28

Norte Piauiense

0.606

29

Centro-Norte Piauiense

0.457

30

Sul Cearense

0.509

31

Sertões Cearenses

0.656

32

Norte Cearense

0.601

33

Noroeste Cearense

0.593

34

Metropolitana de Fortaleza

0.263

Fonte: Elaborado baseado nos dados de Nelson (2008), IBGE (2013) e NOAA (2015).

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Código Mapa

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Mesorregião

Índice de caracterização de territórios

35

Jaguaribe

0.587

36

Centro-Sul Cearense

0.570

37

Oeste Potiguar

0.485

38

Leste Potiguar

0.290

39

Central Potiguar

0.519

40

Agreste Potiguar

0.586

41

Sertão Paraibano

0.516

42

Mata Paraibana

0.293

43

Borborema

0.598

44

Agreste Paraibano

0.481

45

Sertão Pernambucano

0.621

46

São Francisco Pernambucano

0.544

47

Metropolitana de Recife

0.187

48

Mata Pernambucana

0.472

49

Agreste Pernambucano

0.545

50

Sertão Alagoano

0.626

51

Leste Alagoano

0.376

52

Agreste Alagoano

0.547

53

Sertão Sergipano

0.613

54

Leste Sergipano

0.334

55

Agreste Sergipano

0.516

56

Vale São-Franciscano da Bahia

0.662

57

Sul Baiano

0.514

58

Nordeste Baiano

0.634

59

Metropolitana Salvador

0.261

60

Extremo Oeste Baiano

0.611

61

Centro Sul Baiano

0.633

62

Centro Norte Baiano

0.589

63

Zona da Mata

0.372

64

Vale do Rio Doce

0.453

65

Vale do Mucuri

0.545

66

Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

0.342

67

Sul/Sudoeste de Minas

0.381

68

Oeste de Minas

0.377

69

Norte de Minas

0.553

Fonte: Elaborado baseado nos dados de Nelson (2008), IBGE (2013) e NOAA (2015).

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Código Mapa

Mesorregião

Índice de caracterização de territórios

70

Noroeste de Minas

0.516

71

Metropolitana de Belo Horizonte

0.249

72

Jequitinhonha

0.617

73

Central Mineira

0.451

74

Campo das Vertentes

0.362

75

Sul Espírito-santense

0.430

76

Noroeste Espírito-santense

0.489

77

Litoral Norte Espírito-santense

0.417

78

Central Espírito-santense

0.272

79

Sul Fluminense

0.284

80

Norte Fluminense

0.317

81

Noroeste Fluminense

0.364

82

Metropolitana do Rio de Janeiro

0.165

83

Centro Fluminense

0.342

84

Baixadas

0.264

85

Vale do Paraíba Paulista

0.252

86

São José do Rio Preto

0.261

87

Ribeirão Preto

0.241

88

Presidente Prudente

0.312

89

Piracicaba

0.214

90

Metropolitana de São paulo

0.131

91

Marília

0.252

92

Macro Metropolitana Paulista

0.228

93

Litoral Sul Paulista

0.427

94

Itapetininga

0.385

95

Campinas

0.180

96

Bauru

0.270

97

Assis

0.307

98

Araraquara

0.245

99

Araçatuba

0.281

100

Sudoeste Paranaense

0.424

101

Sudeste Paranaense

0.541

102

Oeste Paranaense

0.352

103

Norte Pioneiro Paranaense

0.403

104

Norte Central Paranaense

0.278

Fonte: Elaborado baseado nos dados de Nelson (2008), IBGE (2013) e NOAA (2015).

147

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Código Mapa

Mesorregião

Índice de caracterização de territórios

105

Noroeste Paranaense

0.370

106

Metropolitana de Curitiba

0.225

107

Centro Oriental Paranaense

0.373

108

Centro Ocidental Paranaense

0.400

109

Centro-Sul Paranaense

0.506

110

Vale do Itajaí

0.280

111

Sul Catarinense

0.318

112

Serrana

0.430

113

Oeste Catarinense

0.418

114

Norte Catarinense

0.294

115

Grande Florianópolis

0.180

116

Sudoeste Rio-grandense

0.409

117

Sudeste Rio-grandense

0.408

118

Noroeste Rio-grandense

0.424

119

Nordeste Rio-grandense

0.320

120

Metropolitana de Porto Alegre

0.252

121

Centro Oriental Rio-grandense

0.413

122

Centro Ocidental Rio-grandense

0.357

123

Sudoeste de Mato Grosso do Sul

0.446

124

Pantanais Sul Mato-grossense

0.518

125

Leste de Mato Grosso do Sul

0.425

126

Centro Norte de Mato Grosso do Sul

0.322

127

Sudoeste Mato-grossense

0.507

128

Sudeste Mato-grossense

0.411

129

Norte Mato-grossense

0.570

130

Nordeste Mato-grossense

0.593

131

Centro-Sul Mato-grossense

0.349

132

Sul Goiano

0.416

133

Norte Goiano

0.543

134

Noroeste Goiano

0.547

135

Leste Goiano

0.464

136

Centro Goiano

0.288

137

Distrito Federal

0.044

Fonte: Elaborado baseado nos dados de Nelson (2008), IBGE (2013) e NOAA (2015). 148

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e o Pantanal Sul Matogrossense, apresentaram índice de caracterização de territórios com valores superiores a 0,5, ou seja, com um predomínio do modo de vida rural.

4. CONCLUSÕES Definir o que é rural tem se mostrado uma tarefa hercúlea. Os pesquisadores nesse campo se deparam com tarefas de alta complexidade. Procurou-se, nesta pesquisa, fundamentar teoricamente o constructo de rural e urbano como modo de vida a fim de que este constructo pudesse ser usado para caracterizar o território. Na verdade, o grande pressuposto que tangenciou toda a concepção desta tese tem a sua fundamentação nas discussões referentes a relação entre “tempo” e “espaço”, como categorias distintas embora entrelaçadas. Conceber o espaço físico como forma e o modo de vida (tempo) como conteúdo, oportuniza perceber que o espaço é dinâmico e não algo pronto e acabado. Um território pode em determinado tempo, ter apresentado um modo de vida rural e ter passado a apresentar contorno urbanos subsequentemente, sendo possível que o contrário também ocorresse. Buscando suporte na literatura nacional e internacional, bem como nas instituições que procuraram delinear o rural, constatou-se a ausência de um mainstream e, a sobreposição dos questionamentos às soluções. O que imediatamente atiça o espírito científico: abundância de questões e ausência de respostas. Este é o melhor dos cenários para o cientista inquieto. Ao se analisar os dados, um caminho que se despontou como promissor, foi o approach de se tomar rural como um modo de vida. Durante a realização da pesquisa bibliográfica foi crescendo a convicção acerca das vantagens de se tomar esse caminho. Identificou-se, da mesma forma, a utilidade da construção de um índice, que pudesse caracterizar a predominância do modo de vida no território brasileiro. Dada essa possibilidade, essa tese buscou criar índice de caracterização de territórios, pautado nos modos de vida rural e urbano, os tomando como tipos ideais. Ao se analisar o caso brasileiro, deparou-se com um vá-

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cuo em termos dos critérios objetivos para a caracterização do rural. Não havia qualquer definição formulada com critérios científicos empregada em nível nacional. Como sabemos a natureza abomina o vácuo! Assim, buscando atuar nesse vazio de definições empiricamente aplicável em nível nacional, buscou-se elaborar e aplicar o índice de caracterização de territórios no Brasil. Os resultados mostraram algo, de certa forma, já comum na sociohistoriografia brasileira: a constatação da existência de dois países distintos, dois “Brasis”, sob um mesmo governo e nação. O primeiro, mais ao sul e ao litoral, pautado na industrialização, com infraestrutura de transportes, com mais renda, iluminado por luzes artificiais, permeado por uma predominância de um modo de vida urbano, salpicado por territórios rurais. O outro Brasil, mais ao norte e ao interior, marcado pelo predomínio das atividades ligadas à terra, pelo deslocamento moroso, pela menor renda e por um céu iluminado apenas por constelações, no qual o modo de vida rural impera. Obviamente, há certa hipérbole e romantismo nas afirmações do parágrafo anterior. Pede-se aqui uma licença poética para, tão somente, destacar os resultados que aferem as discrepâncias dentro do território brasileiro, geograficamente constatáveis, no que tange à aplicação do constructo relativo ao modo de vida rural e urbano. Contudo, justamente os resultados relativos às características dos territórios ruralizados dentro destes dois Brasis que foram mapeados através da aplicação dos constructos relativos aos modos de vida rural e urbano, merecem atenção. Mais do que apenas a identificação dos territórios e municípios rurais, o índice oferece a possibilidade do acompanhamento das várias dimensões que compõem o índice, de forma objetiva, ao longo dos anos. A aplicação do “Índice de Caracterização dos Territórios” torna viável aos gestores públicos compreender melhor a área sob sua administração. Aqui, não se encerra ou esgota-se a questão, o fim é somente a partida para uma jornada na procura por critérios de caracterização do território, permeada pelo modo de vida dos assentamentos humanos que os habita.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, G. B.; REMOALDO, P. C.; FIÚZA, A. L. DE C. A Methodology for Definition of Rural Spaces: An Implementation in Brazil. Ciência Rural, 2015. CARNEIRO, M. Agricultores familiares e pluriatividade: tipologias e políticas. In: Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 323–344. CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, n. 11, p. 53–75, 1998. CAVACO, C. Desafios do desenvolvimento rural: notas de leitura. Finisterra: Revista portuguesa de geografia, v. 6, 2004. CAVACO, C. As paisagens rurais: do“ determinismo natural” ao“ determinismo político”? Finisterra: Revista portuguesa de geografia, p. 73– 101, 2005. CLOKE, P.; MILBOURNE, P. Deprivation and Lifestyles in Rural Wales . - II . Rurality and the Cultural Dimension. v. 8, n. 4, p. 359–371, 1992. COCA, J. R. et al. Theoretical Reflection About a Fuzzy Definition of the Rural. Sociología y tecnociencia, v. 1, n. 2012, p. 44–54, 2012. ENDLICH, Â. M. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: SPOSITO, M. E. B.; WHITACKER, A. M. (Eds.). Cidade e Campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 11–31. FERRÃO, J. Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução histórica, situação actual e pistas para o futuro. Sociologia, Problemas e Práticas, p. 45–54, 2000. FIÚZA, A. L. DE C.; PINTO, N. M. DE A. The contribuition of conceptual distinciction between “field” and “rural” and “city” and “urban” for researchers of rural sociology. XIII World Congress of Rural Sociology. July 29 to August 4. Anais...Lisboa: 2012 GOMES, N. F. M. A mobilidade socioespacial dos rurais e suas expressões citadinas: uma análise do município de Araponga, MG. Viçosa: Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural - Universidade Federal de Viçosa, 2015.

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SORRE, M. « GÉOGRAPHIE DES TEXTILES » DE MM. ANDRÉ ALLIX ET ANDRÉ GIBERT. Annales de Géographie, v. 67, p. 59–61, 1958. SPOSITO, M. E. B.; WHITACKER, A. M. Cidade e Campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2010. WIRTH, L. El urbanismo como modo de vida. Bifurcaciones: revista de estudios culturales urbanos, n. 2, p. 7, 2005. _________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES. Banca: Ana Louise de Carvalho Fiúza, Marco Aurélio Marques Ferreira, José Ambrósio Ferreira Neto, Leonardo Civale, Henri Cócaro.

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ROÇA, UMA MARCA REGISTRADA: O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO RURAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA Lidiane Nunes da Silveira Ana Louise de Carvalho Fiúza Douglas Mansur da Silva Rennan Lanna Martins Mafra

1. INTRODUÇÃO

154

Esta pesquisa analisou os usos e significados do termo roça expressos nas marcas de produtos e serviços presentes no mercado brasileiro, entre os anos de 1960 e 2014. Partiu-se da premissa de que, a depender do contexto social, o uso do termo roça pode carrear uma valoração simbólica positiva ou estigmatizada. A pesquisa analisou, o termo roça, como uma categoria de uso nativo, operada simbolicamente entre os grupos sociais para classificar pessoas e bens (BOURDIEU, 2013). Partiu-se do pressuposto de que o uso e os significados atribuídos ao termo roça, no Brasil, poderia revelar mudanças e permanências acerca da representação do “campo”, enquanto espaço físico, e do “rural”, enquanto modo de vida, indicando, implicitamente, a dinamicidade da relação campo-cidade e rural-urbano em meio às transformações socioeconômicas do Brasil (ENDLICH, 2010). O marco teórico utilizado na pesquisa permitiu a elaboração de três hipóteses acerca dos significados do termo roça, nos diferentes contextos da sociedade brasileira: 1) o uso da categoria roça entre atores de diferentes posições e contextos sociais, até meados dos anos 1980, acentuava as tradicionais assimetrias historicamente instituídas na sociedade brasileira, cumprindo a função demarcatória de reproduzir as relações vividas em tempos pretéritos; 2) o uso da categoria roça, pós anos 1980, nas marcas de produtos e de serviços, flexibiliza as fronteiras demarcatórias das hierarquias sociais, amenizando as diferenças instituídas na sociedade brasileira, ao criar identificadores fluidos em relação às posições sociais de

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consumidores e produtores, bem como ao transvestir o campo, enquanto espaço físico, e o rural enquanto modo de vida, com a imagem espetacularizada de um campo-urbanizado, revelando novos usos e sentidos para o rural na cultura brasileira 3) esse arrefecimento do uso da categoria roça para demarcar assimetrias sociais na sociedade brasileira relaciona-se tanto a fatores externos quanto a internos. Dentre os fatores externos, destacam-se, entre outros, a emergência de discursos oriundos dos movimentos e das políticas voltadas à sustentabilidade e à conservação ambiental e a identificação de um papel preponderante do campo nessa empreitada, bem como aos processos de revalorização do rural como alternativa de vida às condições sociais da modernidade tardia e do pós-produtivismo (ABRAMOVAY, 1994). Quanto aos fatores internos, destacam-se aqueles ligados ao contexto de redemocratização da sociedade brasileira pós-1988, caracterizado pelas conquistas sociais das camadas mais pobres, inclusive, no campo, por meio de um conjunto de políticas sociais. O marco teórico que norteou a pesquisa se circunscreveu às discussões acerca das representações de campo e de rural mediante as principais mudanças que caracterizaram o período pós-produtivista. A literatura consultada aponta uma tendência em curso de revalorização do campo, enquanto espaço físico, e do rural, enquanto modo de vida, relacionadas à conservação ambiental, ao lazer, ao turismo, às práticas de agricultura alternativas ao modelo convencional produtivista e à ressignificação dada às culturas locais e a produtos alimentares tradicionais. (CARNEIRO, 2012; ENTRENA-DURÁN, 2012; JEAN, 1989; LAMINE, 2015; SILVA, 1997; VEIGA, 2006; WILKINSON, 2008). As ressignificações da categoria roça foram verificadas a partir do seu uso histórico, na formação colonial brasileira, quando esteve ligada à produção de mantimentos em diferentes contextos e ciclos produtivos (OLIVEIRA, 2012), a sua abordagem nos estudos do campesinato no Brasil, quando o termo passou a ser associado à lavoura camponesa, destinada à produção para o autoconsumo e circunscrita às pequenas propriedades (MOURA, 1978). Alguns estudos recentes a respeito deste termo apontam seu caráter pejorativo, (SANTOS, 2006; RIOS, 2011), enquanto outros

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já revelam processos valorativos do termo roça, como Carvalho e Sabino (2013). A proposição que orientou o exame da segunda hipótese, a respeito de um processo de valorização do campo e do rural expresso no uso da categoria roça associada à produção e ao consumo de produtos e serviços, baseou-se na possibilidade de que ideais como tradição (LIFSCHITZ, 2011), romantismo (ELIAS, 2001), nostalgia (WILLIAMS, 2011) e culto à natureza (THOMAS, 2010), associados à crítica ao modelo da sociedade ocidental moderna (SILVA, 2009), estariam engendrados em tais processos de ressignificação da roça.

2. METODOLOGIA

156

Diante da constatação de uma tendência crescente de marcas de produtos e serviços com o termo roça, no Brasil, a partir dos anos 1980, investigou-se o conjunto de solicitações de registro de marca com a palavra no período entre 1960 e 2014, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A amostra coletada continha 325 marcas com o termo roça que foi analisada utilizando-se de estatística descritiva e análise de conteúdo de frequência, léxico-sintática e categórica, seguindo-se as orientações de Bardin (1977). Realizou-se também trabalho de campo aplicando-se 70 questionários semiestruturados e entrevistas a produtores, distribuidores e consumidores de produtos e serviços com a marca roça, no Brasil. Os questionários foram aplicados a alguns produtores/distribuidores utilizando-se um formulário eletrônico, conforme os procedimentos de e-surveying (VASCONCELLOS; GUEDES, 2007); a distribuidores e consumidores no Mercado Central de Belo Horizonte e a produtores e consumidores participantes do 4º Festival de Gastronomia e Cultura da Roça, na cidade Gonçalves, ambas em Minas Gerais. Os dados coletados nos questionários e entrevistas foram analisados por meio de estatística descritiva, análise de conteúdo categórica, com base nas orientações de Bardin (1977) e com a utilização do software NVivo e análise textual com auxílio do Software Alceste.

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O Festival de Gastronomia e Cultura da Roça, de Gonçalves, foi escolhido por se constituir num epifenômeno da categoria roça e ser representativo dos usos e significados desta categoria que circulam naquela cidade. Este município possui uma população rural de 72,4% dos seus 4.220 habitantes1 e tem se tornado um atrativo turístico na região da Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais, construindo parte do seu capital turístico em torno do conceito de roça. O Mercado Central é considerado um dos pontos turísticos e comerciais mais procurados de Belo Horizonte, possuindo cerca de 400 lojas de varejo, com diversos tipos de produtos, alguns típicos do estado e de outras regiões do país2, entre outros, marcadamente rural. De acordo com Filgueiras (2006, p. 133), o Mercado, no imaginário dos consumidores belo-horizontinos, é visto como um espaço onde as práticas de comércio ainda são tradicionais e “parecem da roça”.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise descritiva das solicitações de registro de marcas, no INPI, revelou que entre 1965 e 1984 o número de pedidos com o termo roça foi bastante reduzido, aumentando gradativamente a partir de 1985, de forma que a metade dos procedimentos se concentrou a partir de 2005. Também se efetuou uma busca pelos sites destas marcas na Internet, tendo sido identificados 162 delas, presentes em todas as regiões do Brasil, todavia, com uma maior concentração na região Sudeste. O principal ramo de atividade que fazia uso do termo roça como marca foi o de alimentos, seguido pelo de bebidas, beneficiamento de alimentos, fumo, carvão vegetal, bioquímicos, maquinário agrícola, mobiliário, utilidades domésticas, vestuário e armarinho. A partir de meados da década de 1990 constatou-se o aumento de serviços que utilizavam a marca, Fonte: IBGE. Consultado em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmu n=312740&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas e http://www.censo2010. ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=31&dados=29. Acessos em: 13 de maio de 2015. 2 Histórico do Mercado Central. Disponível em: http://www.mercadocentral.com.br/pagina/ historico. Acesso em: 21 de maio de 2015. 1

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principalmente, no ramo de negócios, gastronomia, turismo e entretenimento. Se no primeiro caso, até os anos 1980, a marca roça reproduzia os sentidos históricos relacionados à produção de alimentos no Brasil, a emergência de serviços com essa marca, a partir de meados de 1990, revela as transformações entre o campo e a cidade, revelando que o rural e o urbano, enquanto cultura, extrapola os seus espaços de origem. A análise de conteúdo das marcas roça corroborou a hipótese de que esta categoria apontaria para uma revalorização do rural. O uso do termo roça, como marca, tendia a distinguir os produtos e serviços de seus correlatos. No caso da marca roça, notou-se a pretensão em destacar a procedência e a origem do produto ou serviço, especialmente nas duas primeiras décadas em que os nomes sugeriam a roça como sinônimo de campo e de rural. Com o aumento de solicitações de registro para a marca roça, em meados dos anos 1980, emergiram novos nomes que foram identificados com os ideais de natureza, romantismo-nostalgia e estilização. Entre 1995 e 2014, a diversidade de marcas roça se ampliou ainda mais, deparando-se com nomes que foram associados à ideia de tradição e às culturas mineira e caipira. Já a análise de conteúdo das respostas dos produtores, distribuidores e consumidores de produtos e serviços com a marca roça, online, no Mercado Central e no Festival de Gastronomia e Cultura da Roça revelou que, para os produtores e distribuidores, o uso desta categoria teria um apelo tradicional, nostálgico e romântico. Para eles, o uso do vocábulo roça permitia associar o produto a uma produção artesanal, caseira e manual em contraposição aos produtos industrializados. Para os consumidores, a marca roça lhes suscitava representações ligadas à natureza. Constatou-se, assim, que tanto para os consumidores como para o produtores/distribuidores, a marca roça remetia a um produto natural, saudável, puro, mais saboroso, produzido por meio de práticas sustentáveis e sem a adição de agroquímicos. Por fim, examinou-se o que significava o termo roça para os entrevistados/ respondentes, utilizando-se os softwares Alceste e NVivo. Constatou-se como os principais significados de roça 1) a lavoura, associada à produ-

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ção e ao consumo de alimentos, fruto do trabalho da agricultura familiar, especialmente, entre os produtores de Gonçalves; 2) como sinônimo de campo 3) remetendo à cultura rural, como um modo de vida próprio, marcado pela simplicidade; 4) como sinônimo de “interior” e de “cidade pequena”; 5) como expressão de natureza e romantismo.

4. CONCLUSÕES Este trabalho identificou novos significados para o vocábulo roça que permitiram confirmar a hipótese de que haveria uma tendência em ressignificá-lo positivamente, especialmente por meio de uma associação entre o rural e a natureza. Observou-se que além do campo valorativo, o uso do termo roça como marca seria um indicativo de origem e procedência dos produtos para os quais o rótulo era completamente dispensável e indesejável. Na perspectiva dos produtores, distribuidores e consumidores, os produtos com a marca roça seriam classificados positivamente como naturais e artesanais em detrimento dos produtos industrializados. A classificação desses produtos e serviços pelos entrevistados envolvia os ideais de natureza, romântico-nostálgico e tradicional, conforme a proposição inicial da pesquisa. Tais mudanças nos significados do termo roça coincidem com as transformações no campo a partir dos anos 1980, marcadas pelos questionamentos do produtivismo na agricultura, pelas preocupações ambientais e pela exploração do campo pelo consumo, por meio do turismo e do lazer. Algumas dessas mudanças tiveram ressonância no próprio mercado de produtos e serviços considerados da roça, tanto por serem considerados como artesanais e naturais, quanto pela emergência da gastronomia, do entretenimento e, mais timidamente, do turismo, após os anos 1990. A pesquisa tornou evidente, portanto, o termo roça como uma categoria que permite elucidar várias facetas dos estudos sobre o rural no Brasil. Nesse sentido, o trabalho que se realizou não pretendeu abarcar todas as possibilidades de investigação que o termo roça pode apresentar, admitindo-se, portanto, suas limitações diante de uma gama de abordagens pos-

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síveis. Aponta-se assim, como alguns dos entraves desta pesquisa, não ter sido possível verificar o alcance do uso do termo roça como sinônimo de campo e rural em todas as regiões do território brasileiro, tendo ficado o trabalho de campo restrito ao estado de Minas Gerais, ainda que os dados secundários obtidos no INPI revelassem a recorrência da marca roça em praticamente todas as regiões brasileiras. Como desdobramento dessa limitação, sugere-se a pertinência de verificar os usos e significados do termo roça em outros contextos sociais, a luz da perspectiva da hierarquização social/ revalorização, permitindo generalizar os achados nesta pesquisa. Apesar de tais limitações, espera-se que esta pesquisa possa contribuir com um novo campo investigativo sobre o rural brasileiro, relacionado ao uso de categorias como o termo roça. Espera-se também, no campo da Extensão Rural, que a pesquisa possa colaborar com a elaboração de mecanismos e estratégias de valorização do rural e com o desenvolvimento e aperfeiçoamento de saberes e técnicas que resultem em novas oportunidade de ocupação e renda para as famílias rurais. A título de exemplo, como o campo dos produtos alimentares tradicionais identificados nessa pesquisa associados ao termo roça, valorizados e valorados por um nicho de mercado formado por consumidores das camadas médias urbanas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

160

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_________________ Agência Financiadora da Pesquisa: CAPES. Banca: Ana Louise de Carvalho Fiúza, Douglas Mansur da Silva, Rennan Lanna Martins Mafra, Leonardo Civale, Luciano Rodrigues Costa, Frederico de Mello Brandão Tavares.

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DESENVOLVIMENTO, TRADIÇÃO E RECONHECIMENTO NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE CORUMBAU, BA Luciana da Silva Peixoto Perry Sheila Maria Doula

1. INTRODUÇÃO Ações coletivas de grupos da sociedade civil em níveis nacional e internacional vêm, desde a década de 1970, pressionando os Estados a adotarem medidas visando a inclusão de parâmetros ambientais e sociais nas políticas públicas de gestão territorial (ACSELRAD, 2010; BECK, 1995; SACHS, 2009; SEN e KLIKSBERG, 2010). Essas pressões se materializaram em leis, tratados e políticas nacionais e internacionais visando o chamado desenvolvimento sustentável, inicialmente sob uma concepção mais ambientalista da sustentabilidade e num momento posterior também sobre grupos minoritários e seus meios e modos de vida. Parte das políticas de gestão ambiental concebidas internacionalmente desde o final do século XX, referem-se à demarcação de áreas terrestres e marinhas para proteção ambiental, como por exemplo a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (UNITED NATIONS, 1972) e a Convenção da Biodiversidade (idem, 1992). No Brasil, a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), normatiza a gestão de territórios considerados de interesse especial para a conservação da biodiversidade por meio da criação de Unidades de Conservação. Paralelamente, grupos étnicos minoritários, como indígenas e quilombolas, além de populações extrativistas, caiçaras e outras vêm desde a década de 1990 demandando direitos específicos sobre o território onde vivem e adquirindo um status de culturalmente relevante entre parte da sociedade civil e também das políticas públicas, dentro dos debates sobre desenvolvimento. O SNUC incorporou essas demandas ao já trazer

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em suas categorizações de Unidades de Conservação a possibilidade de serem criadas com o objetivo de proteger os meios de vida da população tradicional, a exemplo das Reservas Extrativistas. Desde a criação do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT)1, em 1992, o Brasil instituiu políticas específicas para a denominada população tradicional, culminando com a publicação do Decreto Nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007, que delineou a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A associação entre ‘população tradicional’ e sustentabilidade está exposta em diversos documentos, leis e acordos internacionais e nacionais criados nas últimas décadas, ainda que por vezes com significados diferentes, de acordo com quem enuncia, se constituindo ainda em uma espécie de prerrogativa legal/ou institucional à qual estão imbricadas as populações, em especial as que residem em áreas consideradas de especial interesse para a conservação ambiental e transformadas em Unidades de Conservação. No caso das Reservas Extrativistas, que têm como objetivo também proteger os meios de vida da população tradicional, parte-se do pressuposto que ao garantir a sustentabilidade de seus meios de vida, garantir-se-ia também a sustentabilidade dos recursos naturais. Mesmo considerando-se o avanço que esses arranjos institucionais e legais possibilitaram na inclusão de temas como participação, multiculturalismo e para a abordagem do desenvolvimento para além da esfera puramente econômica, até então secundários na agenda política, a população de extrativistas tradicionais ainda se vê, como demonstram os estudos realizados por Callou (2009; 2010), Diegues (1999, 2004a, 2004b), Lobão (2006) e outros, como não reconhecidos em suas demandas, que muitas vezes vêm em segundo plano frente aos requisitos ambientais. Assim, questiona-se de que maneira os conflitos existentes em torno de Unidades de Conservação (UCs) de uso sustentável, especialmente O órgão criado pela portaria do IBAMA 22, de fevereiro de 1992 passou por diversas renomeações e, em 2015, chamava-se Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sócio-biodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT), de acordo com a Portaria do ICMBio n78 de 3 setembro de 2009. 1

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aqueles que se manifestam entre a população local, o Estado e outros atores que convivem nesses territórios relacionam-se a diferentes concepções valorativas sobre o meio ambiente, o desenvolvimento e a tradição. Pergunta-se ainda até que ponto o reconhecimento legal e institucional de uma população específica traduz-se na prática, para essa população, como uma efetiva ampliação de suas liberdades, ou ao contrário se transforma em uma obrigação em se enquadrar em uma denominação específica criada pelo Estado, como a categoria população tradicional. Na pesquisa, foram analisados os conflitos de interesse existentes em torno de uma Unidade de Conservação de Usos Sustentável a partir das premissas valorativas expressas pelos diferentes atores que se envolvem nessa disputa. Pretendeu-se chamar a atenção para o fato de que nas disputas políticas, que se dão em espaço público, há um pano de fundo valorativo, que muitas vezes fica encoberto e não tematizado explicitamente nesses conflitos, como analisa Taylor (1989). As situações nas quais diferentes lógicas de pensamento se confrontam em torno de recursos naturais e territórios são expressões também do encontro dos diferentes meios de vida na contemporaneidade, ampliados pela globalização e pela mídia, que atenuam as fronteiras entre sociedades ‘tradicionais’ e modernas, e sobretudo a possibilidade de se identificar com discursos diferentes constituindo-se, inclusive, como fatores identitários (ainda que temporários), conforme discutem Giddens (1991) e Bauman (2005). O objetivo geral dessa pesquisa foi analisar como diferentes hierarquias valorativas acerca do desenvolvimento, da tradição e do meio ambiente, expressas pelos diferentes atores sociais que convivem no entorno de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, em especial a população extrativista, o Estado e residentes, resultam em conflitos entre esses atores sociais.

2. METODOLOGIA Quatro conceitos principais foram escolhidos para nortear o estudo: desenvolvimento (Sachs, 2009; Sen, 2012; Sen e Kliksberg, 2010), conflito

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social (Simmel, 1983, 2013; Souza, 2004, 2012). tradição (Geertz, 2008; Melucci, 1996, 2001; Giddens, 1991, 2002) e reconhecimento (Honneth, 2011; Taylor, 1989, 2011). Metodologicamente, foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. Em campo, foram utilizadas a observação participante e a técnica de entrevistas e análise de conteúdo. Com o objetivo de contextualizar esse debate teórico na vida cotidiana, elegeu-se a Reserva Extrativista Marinha de Corumbau, localizada no extremo sul da Bahia, entre os municípios de Prado a Porto Seguro, como o locus empírico da investigação. Diante da extensão da Resex Corumbau (cerca de 60 km de norte a sul) e das diferenças entre as comunidades que residem em seu entorno, optou-se por concentrar o trabalho de campo nas comunidades de Corumbau e Cumuruxatiba. A justificativa para tal escolha se deu por serem localidades onde a pesca é a atividade econômica geradora de renda principal para muitas famílias e por concentrarem 13% e 55%, respectivamente, dos extrativistas cadastrados, segundo dados de diagnóstico socioeconômico apresentado por Siqueira (2007) e confirmados pelos próprios extrativistas e pelo ICMBIo em 2013. Além disso, a comunidade de Corumbau foi a que deu origem ao processo de mobilização que culminou com a criação da Resex, sendo por isso escolhida para a pesquisa, ao invés de Caraíva, que também abriga percentual similar de extrativistas. Essa última possui uma atividade turística mais intensa e uma relação com empresas de celulose que atuam na região bem distinta das demais comunidades. Entre os anos de 2013 e 2014 foram realizadas cinco visitas às comunidades, em março, setembro e dezembro de 2013, e em janeiro, março e setembro de 2014 com duração total de aproximadamente 55 dias em campo. Nessas ocasiões, vivenciou-se o dia-a-dia da comunidade, intercalando períodos de maior e menor movimentação turística, de permissão e proibição de determinadas espécies (defeso marinho) e duas festas de aniversário da Unidade, realizadas em Caraíva (2013) e Cumuruxatiba (2014). Foram realizadas ao todo 26 entrevistas com extrativistas, empresários, membros do Conselho Deliberativo da Unidade, além de represen-

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tantes da Associação dos Pescadores de Cumuruxatiba (APEC), com sede em Cumuruxatiba; da Associação dos Nativos de Caraíva (ANAC), da Associação da Reserva Extrativista Marinha de Corumbau (AREMACO), com sede na Ponta de Corumbau, Federação das Associações da Reserva Extrativista Marinha de Corumbau, além de com o gestor da Unidade, representante do ICMBio no Conselho. O objetivo com as entrevistas foi observar diferentes narrativas sobre a experiência da Resex, os conflitos relacionados aos usos do território, à manutenção da atividade de pesca como principal fonte de renda e às transformações nas práticas pesqueiras que ocorrem na região nas últimas décadas. Nos relatos de diferentes atores foram verificadas as concepções concorrentes de desenvolvimento que circulam nas comunidades; de que forma essas concepções se relacionam a determinadas premissas valorativas, como o reconhecimento de população extrativista tradicional, residente em uma UC de uso sustentável é percebida e vivenciada pela comunidade; e finalmente, que desafios e oportunidades são postos a partir desse novo arranjo de gestão para os recursos e para o território. Os quatro conceitos chave que norteiam o arcabouço teórico dessa pesquisa – reconhecimento, tradição, conflito e desenvolvimento – tangenciaram todas as entrevistas realizadas, que seguiram um roteiro previamente elaborado, de acordo com o segmento social do entrevistado – gestor, extrativista, conselheiro, empresário, morador. Cada entrevista durou em média 50 minutos, tendo o roteiro o papel de um fio condutor dos principais temas a serem abordados, mas não tendo as entrevistas se restringido a ele, na maioria dos casos. Visando complementar as entrevistas e também de verificar as percepções de jovens das comunidades do entorno da Resex sobre o local onde vivem, foi proposta uma redação opinativa aos alunos do ensino médio da Escola Municipal Algeziro Moura, em Cumuruxatiba. Foi solicitado aos alunos que produzissem um texto opinativo respondendo à seguinte pergunta: “É possível conciliar desenvolvimento, preservação ambiental e modos de vida tradicionais no entorno da Resex Corumbau? Por quê? Como? Sugestões para o futuro”. A escolha desta instituição em particular

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se deu devido ao fato de a comunidade de Cumuruxatiba ser uma das maiores, em termos de população residente e em extrativistas beneficiários da Resex, além de ser a comunidade na qual o Ensino Médio é oferecido regularmente. A Escola possuía, em 2013, 153 alunos matriculados no ensino médio, segundo dados do Censo Escolar 2014. Foi feito um contato inicial com a direção da escola e apresentados os objetivos gerais da pesquisa em andamento, assim como o da produção dos textos especificamente. Por sugestão da direção da Escola, o texto não foi solicitado a todas as turmas de ensino médio, mas apenas a uma das turmas de cada ano (1 , 2 e 3 ). Os textos foram produzidos na disciplina de Português, sob orientação da professora, durante uma aula cotidiana, tendo sido ela orientada a não trabalhar o assunto previamente durante as aulas a fim de não interferir nas opiniões que seriam expressas. Foram produzidos 39 textos, de alunos matriculados em turmas de 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, sendo as duas primeiras do turno da tarde e o último do turno da noite. A idade dos jovens participantes da atividade variou entre 15 e 19 anos. A leitura dos textos foi feita buscando-se identificar juízos de valor, premissas argumentativas, críticas, elogios, justificativas para ancoragem de pontos de vista e qualquer outro elemento que indicasse opiniões e suas respectivas justificativas. Ancoradas teoricamente pelas perspectivas analíticas propostas por Ribeiro (1992) e Diegues (2001) buscou-se perceber se ao discursarem a respeito do desenvolvimento e da sustentabilidade, os jovens constroem seus argumentos apoiados nos discursos normalmente ecoados pelos grupos ambientalistas, relacionados à proteção da biodiversidade ou se recorrem mais às justificativas no âmbito de um direito que reconhecem a si mesmos e a sua comunidade como portadores devido a uma especificidade que lhes é própria, como argumenta Honneth em seu trabalho sobre o local do reconhecimento e da autenticidade na cena contemporânea. Nas análises de todo o material coletado buscou-se identificar quais os entendimentos são expressos sobre a Resex, seu papel, expectativas e frustrações relacionadas, identificando-se nesses discursos as ideias de

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valor, de certo ou errado, de bom ou ruim. Analisaram-se ainda opiniões e entendimentos sobre políticas públicas específicas relacionadas às populações extrativistas, à proteção do meio ambiente e à atividade de pesca; e identificando os conflitos mencionados/verificados, procurou-se analisá-los sob a perspectiva do uso de diferentes lógicas e opções valorativas pelos sujeitos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados obtidos indicam que a criação da Resex Extrativista Marinha de Corumbau, demanda da comunidade pesqueira, é considerada por muitos extrativistas como uma conquista incompleta. Embora tenham a prerrogativa legal de uso dos recursos, carecem de apoio para a organização comunitária, para o acesso às políticas públicas e para o processamento e comercialização do pescado e exploração do turismo. Observou-se que nos 15 anos de existência da Resex Corumbau, a organização comunitária ainda é um hábito em formação entre os extrativistas, seja por dificuldades de locomoção ou disponibilidade, ou por requerer um tipo de esforço coletivo cujas maneiras não são as usuais na localidade. Percebeu-se também que o reconhecimento da própria comunidade sobre sua condição de agente principal na Reserva vem avançando, conforme pode ser percebido pela leitura das Atas do Conselho Deliberativo e por algumas falas em entrevistas. Nos últimos sete anos, observou-se o maior número de discursos afirmando que a comunidade não deve esperar que o ICMBio ou o gestor resolva todos os problemas, mas que eles devem pressionar os órgãos competentes para atender suas demandas. Para grande parte dos extrativistas e também dos empresários locais, o desenvolvimento remete às expectativas por melhorias nas condições básicas de habitação, saúde, educação e transporte. A sustentabilidade da atividade pesqueira e dos meios de vida da população tradicional necessita, conforme indicam os dados, de incentivos para os jovens permanecerem em suas comunidades, como acesso à educação e oportunidades de renda. Os jovens, por sua vez, compreendem a Resex como uma unidade

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criada pra proteger o meio ambiente e não seus meios de vida. A não representação dos jovens na própria constituição da Unidade justifica a preocupação dos mais velhos com a sustentabilidade da Unidade no futuro. Quanto às projeções de um cenário ideal para a Unidade, os dados indicaram que uma grande maioria gostaria de ver os nativos ‘viverem em paz’ em seu território, numa alusão tanto à seguridade alimentar e territorial, quanto à manutenção de seus costumes e meios de vida, não precisando se submeter aos hábitos e costumes dos de fora, principalmente entre a geração mais velha. Entre os mais jovens, o turismo é sempre uma atividade referida, com a qual o universo da pesca se entrelaça por meio de atividades no mar, como mergulho, avistamento de baleias e outros animais marinhos. Os jovens do entorno da Resex Corumbau demonstram que querem permanecer em seus locais de origem, desejam ver suas comunidades preservadas em termos de paisagem, mas anseiam ter melhores oportunidades que seus pais e avós, e nesse aspecto almejam o reconhecimento do valor de suas particularidades. Em termos de tradição, um dos elementos que mais chama a atenção nas comunidades é a importância dada à condição de nativo na definição dos direitos perante a comunidade e no status junto ao grupo. Ser nativo significa não apenas ser nascido no lugar, mas ter raízes também na pesca e provavelmente também um antepassado no local. Nas palavras dos pescadores, ‘a Resex é pros Nativos’. O reconhecimento de sua especificidade como comunidade tradicional se dá com base nessa ideia de pertencimento ao território e suas relações com o ambiente local, a ideia de um privilégio não parece estar presente entre as comunidades. Talvez devido às carências estruturais nos serviços oferecidos pelo Estado, à condição periférica em termos de status social e à própria história da região, onde descendentes de índios e escravos formam a maior parte da população, o sentimento de ‘injustiçado’ é muito mais presente nas comunidades do que o de privilegiado. Os conflitos observados na pesquisa situam-se, no âmbito interno às comunidades, entre as Associações locais e o Conselho Deliberativo da Resex, às disputas de poder entre diferentes grupos que se contrapõem

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aos anseios de desenvolvimento para o local e os meios necessários para obtê-los e, finalmente, os relacionados ao apoio ou a falta dele por parte do ICMBio. Em âmbito externo, os conflitos se manifestam no relacionamento com ONGs, pesquisadores e ´forasteiros´. Esses são vistos por muitos extrativistas com desconfiança, pois representam uma ameaça ao território e aos seus meios de vida, principalmente relacionados às restrições ambientais advindas do conhecimento científico e às tentativas de alguns empresários de afastar os pescadores de suas portas. Grande parte dos extrativistas ouvidos nesta pesquisa compartilha da ideia de que os recursos financeiros que viabilizam os trabalhos das ONGs na Unidade deveriam ser utilizados, pelo menos em parte, para melhoria das condições de vida e de trabalho dos pescadores. Os dados coletados permitiram verificar que o reconhecimento concedido às populações tradicionais extrativistas que vivem em Unidades de Conservação de Uso Sustentável no âmbito institucional e jurídico do Estado brasileiro é certamente um avanço, especialmente no que diz respeito aos processos deliberativos instituídos. Ainda assim, as possibilidades de os extrativistas usufruírem plenamente de seus direitos requer a figura de um mediador, que faça a tradução entre a linguagem do Estado, da ciência e a dos extrativistas. Esse ponto põe a população extrativista ainda em uma situação desconfortável, pois fica sempre na dependência de uma instituição, e em alguns casos de alguma pessoa, dispostas a fazer essa intermediação.

4. CONCLUSÕES Analisando-se a concepção das políticas públicas a partir do final do século XX, é possível afirmar que elas avançaram em termos de darem a oportunidade de diferentes setores da sociedade opinarem sobre os rumos do desenvolvimento que os afetam mais diretamente. No entanto, o desenvolvimento territorial, proposto como um esforço coletivo de diferentes atores, representantes de interesses distintos, em se envolverem em uma política comum de desenvolvimento para uma determinada re-

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gião implica em certas posturas políticas desses agentes e quando essas práticas não condizem com o espírito de cooperação, as políticas atuais não são capazes de minimizá-las. Um olhar mais atento às nuances sócio-econômicas e culturais mostra que elas podem favorecer ou dificultar os laços no território. Sem essa premissa de identificação e colaboração entre os atores, as políticas ambientais e também aquelas voltadas para populações tradicionais tendem a se consolidar como iniciativas que, ainda que formalmente instituídas, carecem de significado para os próprios atores. No caso específico daqueles que residem no entorno de Unidades de Conservação, como as Reservas Extrativistas Marinhas, o arcabouço institucional e jurídico vem possibilitando, pelo menos no discurso, um lócus formalmente constituído para expressão de suas demandas e opiniões, que é o Conselho Deliberativo, mas ao mesmo tempo, demanda um poder comunicativo na esfera pública que nem sempre já está dado, mas é preciso ser construído pela população extrativista. As demandas burocráticas processuais do Estado para o acesso às políticas em um contexto de relativo isolamento geográfico e baixa escolaridade da população adulta são somadas às carências de agentes públicos, por exemplo, da Extensão Rural na região, constituindo-se em barreiras para o acesso pleno aos direitos que as populações tradicionais conquistaram.

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PRÁTICAS ALIMENTARES E SOCIABILIDADES EM FAMÍLIAS RURAIS DA ZONA DA MATA MINEIRA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS Romilda de Souza Lima José Ambrósio Ferreira Neto Rita de Cássia Pereira Farias

1. INTRODUÇÃO A alimentação, elemento básico de sobrevivência humana, é tema carregado de complexidade. Se a razão primeira do ato alimentar é a necessidade fisiológica de nutrir-se, as demais são carregadas de justificativas culturais, sociais e econômicas, que por sua vez, determinam as escolhas alimentares. Para além de ser um comportamento automático, a sociologia, a antropologia e a história da alimentação têm mostrado que comer é um comportamento que se liga de forma íntima com o comedor1. Em sentido semelhante, o entendimento da comida como categoria analítica nessas três áreas de estudo mostra que pela comida é possível perceber as transformações do mundo social através dos tempos. Essa relação se estabelece na escolha e ingestão do alimento, pois, conforme pondera Lody (2008, p. 12), “nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro”. Dessa forma, este trabalho se fundamenta na compreensão cultural e social da comida vista como categoria de pensamento simbólico. Trata-se daquele sentido em que, por meio das regras socialmente estabelecidas no ato de comer, criam-se vínculos com quem se come, com o que se produz e adquire com essa finalidade, assim também com as demais dinâmicas que envolvem as práticas alimentares. Expressão francesa que na tradução das obras de Poulain (2013) e Poulain e Proença (2003) para o português foi traduzida como “comedores/comedor”. Representa, para a Sociologia da Alimentação atual, o homem que come, razão da utilização da palavra “comedor” em português. 1

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A pesquisa de campo envolveu famílias rurais de três municípios da microrregião de Viçosa: Piranga, Presidente Bernardes e Porto Firme. A escolha desses municípios se deu por eles formarem uma região com maior população rural da microrregião de Viçosa e pela sua interessante história de ocupação, já que se trata de uma região importante na busca do ouro pelos bandeirantes que passaram pela Zona da Mata. Analisar e buscar compreender como as famílias estão lidando com as transformações alimentares que ocorrem na contemporaneidade foi o eixo norteador da pesquisa de campo. A experiência dessas famílias, neste contexto, “fala” de um grupo que busca responder e se adaptar às mudanças, sinalizando que o rural contemporâneo não está alheio e distante do que ocorre na sociedade mais ampla, questão muito bem sinalizada nos estudos de Maria de Nazareth Wanderley (2000 e 2009), Maria José Carneiro (1998) e José Graziano da Silva (1997). Mas também “fala” de um grupo que respeita sua tradição e seus hábitos alimentares, suas necessidades de não ceder às todas as mudanças propostas nesta contemporaneidade de rápidas transformações. Esta pesquisa teve como objetivo mostrar o significado da comida e as relações de comensalidade, atendo-se às mudanças e permanências referentes às práticas alimentares das famílias. Mais especificamente, analisar a articulação entre o tradicional e o moderno, o processo de escolha alimentar e os princípios que a determinam, tais como hábitos, tradição, praticidade e custo, a influência dos guardiães da tradição na reprodução do gosto, no processo de significação e ressignificação da comida atrelada às práticas, aos saberes e aos hábitos, tanto no cotidiano quanto nos rituais.

2. METODOLOGIA

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O trabalho de campo foi conduzido utilizando-se um delineamento qualitativo, à luz da abordagem etnográfica no sentido dado por Peirano (1995), dando atenção especial ao diálogo com o outro. Quivy e Campenhoudt (1992), defendem que o trabalho de investigação em ciências sociais proporciona uma melhor análise dos eventos qualitativos bem

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como uma compreensão mais detalhada e sutil das dinâmicas de funcionamento do grupo estudado. Já os direcionamentos de Poulain e Proença (2003) tratam da pesquisa voltada ao estudo das práticas alimentares num contexto socioantropológico. Esses autores sugerem atenção conjunta por parte do pesquisador aos comportamentos dos informantes naquilo que chamam de “práticas observadas” e “práticas reconstruídas”. A entrevista semiestruturada foi a técnica de pesquisa utilizada para obtenção de informações, seguindo as orientações dos autores utilizados na construção metodológica e foram gravadas com a autorização dos interlocutores da pesquisa. Foram realizadas 40 entrevistas, abrangendo 17 comunidades rurais no total, sendo 05 comunidades em Piranga, 07 em Porto Firme e 05 em Presidente Bernardes. O estilo da narrativa para apresentação dos resultados da pesquisa segue o direcionamento proposto na perspectiva etnográfica, discutida por Peirano (1995 e 2008), Marcus e Cushman (1998) e Uriarte (2012).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A tese foi organizada em quatro capítulos, além da introdução e considerações finais. O capítulo 1 apresenta a caracterização da área de estudo, população, principais atividades rurais e seu histórico de ocupação. O Capítulo 2, trata de duas fases históricas importantes de Minas Gerais e que determinaram o sistema alimentar na região de exploração de ouro, até meados do século XX. São elas: as fases da mineração e a fase da ruralização. As situações alimentares ocorridas nesses períodos foram marcantes na formação cultural alimentar da região pesquisada. O Capítulo 3 apresenta a discussão teórica das áreas da antropologia, da sociologia e da história da alimentação, apontando o lugar da alimentação nas principais análises dessas disciplinas; a discussão existente em torno de sistema alimentar e suas relações com as práticas alimentares; a análise das diferenças atribuídas entre alimento e comida na abordagem cultural e simbólica das práticas alimentares; as possibilidades de permanência ou extinção das práticas tradicionais no contexto alimentar contemporâneo;

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a discussão sobre o tradicional e o moderno no contexto das dinâmicas alimentares no meio rural; e, por fim, uma breve discussão sobre o papel feminino nas práticas alimentares na família. O capítulo 4 trata da pesquisa empírica, apresentando as opções e o direcionamento metodológicos, a imersão em campo e os resultados e discussão da pesquisa. Destacarei neste pequeno resumo, alguns resultados, dentre os muitos obtidos na pesquisa. As famílias classificam a comida do cotidiano em “comida forte” e “comida fraca”. Comida forte é aquela que “sustenta”, sendo capaz de permitir um intervalo maior entre as refeições e, ao mesmo tempo, executar as atividades mais pesadas sem sentir “fraqueza” física. Para eles isso tem a ver com a lógica de trabalho, ou seja, o objetivo é não precisar interromper as atividades com frequência para se alimentar. Para meus interlocutores, comida forte é aquela feita com gordura suína. Essa observação é feita em contraposição ao óleo vegetal, que é um produto considerado “fraco” e, portanto, não oferece a “sustança” desejada por eles. Para facilitar o consumo da gordura é comum a criação do suíno. O animal é abatido sempre que a gordura acaba, mas abate-se também em véspera das festas de final de ano e ainda, para almoços de casamentos e demais festividades que acontecem nos quintais dos sítios. Além de ser uma comida “forte”, as famílias consideram que a gordura do porco confere maior sabor à comida, como no caso das verduras refogadas e também no tempero do feijão. Os interlocutores deixaram transparecer em suas falas que a apreciação do sabor da comida refogada na gordura suína tem suas raízes no gosto herdado de gerações passadas. Cresceram comendo dessa forma. Encontramos em Frieiro (1982, p.156), a explicação sobre essa herança cultural: “É de recente data o uso de gorduras vegetais alimentícias. Antes não era assim: a gordura geralmente usada era a de toucinho, a banha de porco. Os dois alimentos de maior importância para a gente mineira sempre foram o feijão e o toucinho”. Apesar da preferência pela gordura suína, o óleo vegetal tem dividido espaço com a gordura de porco no sistema culinário das famílias, sendo utilizado nas preparações de frituras de batatas e peixes, por exemplo. Um exemplo da possibilidade de introdução de um produto industrializado na

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alimentação das famílias sem que tenha sido necessário abrir mão radicalmente de um produto tradicional. O apego ao sabor e a crença na capacidade de sustentação alimentar gerada pelo uso da gordura de porco faz com que seu consumo permaneça como prioritário entre os entrevistados. Porém, novos hábitos podem ser aprendidos, conforme argumenta Nevot (2011). Para este autor as mudanças de hábitos alimentares na sociedade atual são permanentes. Quanto mais novidades alimentares emergem com novas tecnologias de produção e novas informações sobre os alimentos são fornecidas, mais se amplia a possibilidade de mudanças de hábitos. Surge a necessidade de se aprender cada vez mais a escolher o que comer. Se por um lado herdamos hábitos alimentares, as circunstâncias nos fazem adquirir outros novos. Por outro lado, o excesso de novidades alimentares faz com que alguns alimentos tradicionais sejam colocados em questão pelos comedores, gerando a angústia alimentar do comedor contemporâneo, apontado por Fischler (1995 e 2011). Este autor e também Poulain (2013) nos ajudam a compreender que a angústia alimentar é também originada de nossas escolhas e práticas alimentares que são, segundo os autores, quase sempre contraditórias. Os interlocutores destacaram outros alimentos fortes que compõem suas refeições diárias: o feijão, o arroz, a batata doce, a mandioca, o angu e a farinha de milho e de mandioca. O feijão é cultivado nos sítios, já o arroz, não é mais produzido pelas famílias pela dificuldade que seu cultivo tem representado nos últimos anos, como aponta Lúcio, morador de Bom Jesus do Bacalhau, em Piranga: “A gente colhia muito arroz, não precisava comprar...mas já tem uns cinco anos que a gente parou de mexer com arroz, porque fica muito caro produzir do que comprar (...)”. Mais uma vez aparecem aqui aspectos na escolha alimentar semelhantemente à que acontece entre o óleo vegetal e a gordura de porco. No caso do arroz, adquiri-lo no mercado é mais interessante do que cultivá-lo levando-se em consideração o custo-benefício. Em relação ao sabor, se por um lado o arroz que cultivavam tinha características como porosidade – considerada importante para adquirir o sabor do tempero – por outro, o industrializado é mais fácil de cozinhar.

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Os demais alimentos considerados “fortes” como a mandioca, a batata doce e o milho são produzidos nos sítios das famílias entrevistadas e são consumidos quase que cotidianamente no café da manhã, almoço e jantar. A pequena produção de milho objetiva a produção do fubá que possui importância fundamental para a alimentação das famílias e dos animais. O fubá obtido do milho possibilita suprir as famílias com o produto que é utilizado na preparação do angu, alimento consumido diariamente no almoço e no jantar e na elaboração da broa, uma das principais quitandas que é elaborada diariamente para abastecer a família com a “merenda” do cotidiano e para ter o que oferecer às visitas que chegarem de surpresa. O moinho d’água era o principal equipamento utilizado para processar o fubá, foi substituído, nos últimos anos, pelo moinho elétrico. Meus interlocutores afirmaram ter sido necessária a adaptação ao moinho elétrico, principalmente, em função da redução de água disponível nos últimos anos. Mencionaram, ainda, outro fator que contribuiu para isso: segundo eles, as pessoas mais velhas se importavam mais em manter os moinhos d’água até por ser considerada uma prática tradicional, mas quando os moinhos elétricos surgiram, o apelo à praticidade o tornou preferido. Se por um lado a adoção do moinho elétrico facilitou o trabalho, por outro, o fubá produzido por ele sofreu alteração na textura e sabor. Segundo os depoimentos, o fubá de moinho d’água era fino e mais úmido e o do moinho elétrico é mais grosso e ressecado. Essas características alteraram o sabor e a textura de dois alimentos muito importantes na culinária das famílias: a broa e o angu. Segundo as mulheres, “a broa de antes, tinha mais liga”. Assim, para melhorar sua textura, a broa que era elaborada de puro fubá passou a ter a adição de uma parte de farinha de trigo. As observações sobre o passado - em que existia o moinho d’água -foram carregadas de memórias, lembranças de sabores e por que não, de idealização. Giard (2012), discute sobre a memória afetiva e do quanto o presente e o passado se entrelaçam no imaginário das pessoas quando se trata de falar sobre comida. Para Moulin (1975, apud GIARD, 2012), o tipo de comida preferida de uma pessoa é sempre o mesmo ou muito semelhante àquele dos pais.

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“Aqui na roça, falando a verdade, o que a gente come mesmo é angu, arroz, feijão e uma verdura” (Afonso, morador de Ribeirão em Presidente Bernardes). Este depoimento sintetiza a comida cotidiana das famílias, inclusive naquelas que possuem crianças, adolescente e jovens. Segundo os meus interlocutores, os filhos cultivam o habito alimentar dos pais desde a infância. Assim, pelo menos em casa dos pais, a comida não varia em função de outras preferências alimentares e, segundo as informações, não ocorre disparidades nesse sentido. Em todas elas quatro alimentos estão presentes no almoço de todos os dias da semana: angu, arroz, feijão, ovo ou carne e verdura refogada em gordura de porco. Mesmo havendo variação para a verdura, a couve é a mais consumida, seguida pela serralha, mostarda e almeirão. Segundo eles, a couve agrada mais ao paladar, faz parte da tradição alimentar das famílias e é a hortaliça mais resistente para se cultivar na horta. A comensalidade não ocorre em todas as refeições nas famílias pesquisadas. Ela se dá com frequência no jantar, ainda que esse momento ocorra na sala, com o prato na mão e assistindo à programação da TV, costume atual das famílias. A comensalidade ocorre também no café da manhã, já que quase todos se levantam no mesmo horário, mas são momentos curtos, “toma-se ligeiro”, muitas vezes de pé, que “é para não dar preguiça”, observou Carlos (morador de Posses, em Porto Firme). A possibilidade de a família estar reunida para o almoço irá depender da disponibilidade de tempo e das atividades de quem está à frente do trabalho no local. Nas famílias onde as mulheres trabalham fora do sitio, elas raramente estão presentes para essa refeição, quase sempre só aos finais de semana. O fogão a lenha é o equipamento que eu elegeria como o mais representativo na realidade das famílias pesquisadas, presente em todas as cozinhas que visitei durante a pesquisa de campo. Instrumento transformador do “cru em cozido” e da “natureza em cultura”, propiciador de socialização e de comensalidade nos dias de inverno por manter a cozinha aquecida, as pessoas gostam de ficar em torno dele. Além desses aspectos, é também usado para aquecer a água do chuveiro, via serpentina. As famílias possuem alguns equipamentos elétricos nas cozinhas: forno de

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microondas, forno elétrico, panela elétrica de fazer arroz e freezer, não fazia parte da realidade de todas as famílias, diferentemente do liquidificador, batedeira de bolo, espremedor de frutas, geladeira, existentes em todas as casas. O forno de microondas, o freezer e a batedeira de bolo são usados esporadicamente. A panela elétrica de fazer arroz é usada diariamente e foi presente dos filhos. As mulheres elogiaram este equipamento, afirmando que: “O arroz fica mais soltinho...é muito melhor fazer arroz nela, não dá trabalho nenhum”. A presença e uso desses equipamentos são também exemplos da coexistência entre elementos modernos e tradicionais nas famílias. Enquanto se faz o restante da comida no fogão a lenha, a panela elétrica de arroz fica em funcionamento sobre a pia.

4. CONCLUSÕES

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Há uma discussão na antropologia e sociologia da alimentação sobre a tendência a homogeneização alimentar na sociedade ocidental, seguindo os rumos da sociedade moderna e globalizada como tratado por Bauman (2001). Esta premissa foi um dos pontos que me fez refletir inicialmente o problema de pesquisa, ao questionar se nela não estava implícita uma desconsideração às diversidades culturais. Este trabalho permitiu compreender que tal premissa não se aplica à realidade sociocultural das famílias pesquisadas. No contexto cultural em que vivem não se verificou a adoção das práticas alimentares homogeneizantes das quais trata Fischler (1979 e 1998): homogeneidade considerada como um resultado natural na dinâmica da sociedade contemporânea, em função das constantes inovações na indústria de alimentos, tornando potencialmente inevitável a prática e o consumo alimentar cada vez mais padronizados no ocidente. Embora as famílias não estejam imunes às modernidades alimentares da indústria, demonstraram capacidade e interesse em selecionar o que desse contexto deve ser adotado e o que deve ser rejeitado por elas, mostrando que as escolhas não são acríticas. As mudanças observadas nas práticas alimentares tais como a adoção de novas tecnologias – entre elas, a substituição do moinho d’água pelo moinho elétrico e a opção de comprar alguns alimentos antes produ-

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zidos por eles, como o arroz e o açúcar – não implica um abandono total da tradição. As famílias estão convivendo ou se adaptando aos processos de mudanças no mundo contemporâneo sem transformar significativamente a própria cultura. O uso do moinho elétrico em lugar do moinho d’água, não tem colocado em risco o consumo do fubá na elaboração de comidas tradicionais como o angu e a broa. Esse comportamento se assemelha àquele entendimento apresentado por autores como Giddens (2012), Dória (2014) e Cândido (1982), que acreditam que a convivência possível e mais provável de ocorrer na contemporaneidade se dá por meio da mescla entre fatores de persistência e os de mudanças, que se complementam, mas sem extinguir necessariamente as construções simbólicas tradicionais. O significado da comida para as famílias entrevistadas tem importante ligação com a tradição e representa uma identificação significativa com as gerações passadas. Marca ainda a ligação com a terra ao serem consumidos prioritariamente o que se produz no local. As comidas tradicionais e elaboradas de modos simples são as que mais agradam ao paladar das famílias e, apesar de ser um cardápio de certa forma monótono, não se torna indesejado e não foi apontado pelos entrevistados o desejo por experimentar comidas novas ou diferentes das que estão habituados. As famílias estão conscientes de que as transformações constantes que ocorrem na sociedade atual têm o poder de interferir em suas práticas e hábitos alimentares. Consideram que vai se tornando cada vez mais difícil manter seus hábitos alimentares por fatores de caráter mais externos do que internos e que interferem na sua dinâmica de reprodução social e econômica. Inseridas no processo que envolve tanto o desejo de manter sua autonomia produtiva e cultura alimentar, quanto à necessidade de ceder a algumas mudanças, essas famílias estão aprendendo a se adaptar com as experiências do cotidiano; não se fecham em seus núcleos culturais e nem se posicionam avessos às mudanças; demonstram uma atitude resignada, porém crítica, acatando os itens da modernidade alimentar que lhes agrada e lhes são importantes e rejeitando o que não lhes interessa. Há nessa percepção um sentido de resistência cultural, semelhante à que Poulain (2013) discute como sendo uma das características das práticas alimentares.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS Por Extenso Boletim de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural é uma publicação anual para divulgação dos resultados de pesquisa de alunos, professores e pesquisadores do Programa. Os textos relativos a dissertações devem ser apresentados após a defesa, com o título definitivo do trabalho. Os textos deverão ter no mínimo quatro e no máximo oito páginas, em arquivo do Word, seguindo o modelo abaixo: TÍTULO DO TRABALHO: LETRAS MAIÚSCULAS, UTILIZANDO FONTE TIMES NEW ROMAN, CORPO 12, EM NEGRITO, JUSTIFICADO. O título deve ser o mesmo da dissertação. Nome do orientado (completo e sem abreviaturas) Nome do orientador (completo e sem abreviaturas) Nome dos coorientadores (completo e sem abreviaturas) Pedimos a não inserção de filiação científica no corpo do artigo ou em nota de rodapé. Quanto ao uso de notas de rodapé para outras finalidades que não a filiação no corpo do texto, solicitamos que seja utilizada o mínimo possível. Introdução A seção Introdução deve ser breve e conter a justificativa e o problema estudado de forma clara, utilizando-se revisão de literatura. O último parágrafo deve conter os objetivos do trabalho realizado. Metodologia

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A seção deve ser detalhada, mas suficientemente clara. Deve conter as etapas e procedimentos utilizados para a coleta de dados e apresentar informações sobre os locais da pesquisa de campo.

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Resultados e Discussão A seção Resultados e Discussão deve conter os dados obtidos. A discussão dos resultados deve estar baseada e comparada com a literatura utilizada no trabalho de pesquisa, indicando sua relevância, vantagens e possíveis limitações. Tabelas e/ou Figuras (fotografias, gráficos, desenhos) podem ser apresentadas nessa seção e devem ser elaboradas de forma a apresentar qualidade necessária à boa reprodução. Devem ser gravadas no programa Word para possibilitar possíveis correções. Devem ser inseridas no texto e numeradas com algarismos arábicos. Nas Tabelas o título deve ficar acima e nas Figuras o título deve ficar abaixo. Conclusões Destacar as conclusões de forma sucinta, apontando o alcance, limitações e perspectiva para novas pesquisas. Referências Bibliográficas Na seção Referências devem ser listados apenas os trabalhos mencionados no texto, em ordem alfabética do sobrenome, pelo primeiro autor. Dois ou mais autores, separar por ponto e vírgula. Os títulos dos periódicos não devem ser abreviados. A ordem dos itens em cada referência deve obedecer às normas vigentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Nome da Agência Financiadora da Pesquisa Nome dos integrantes da banca. Obs: Não utilizar qualquer elemento gráfico em cores. 187

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