PRÁTICAS CULTURAIS NO IMPÉRIO ROMANO - ENTRE A UNIDADE E A DIVERSIDADE.pdf

May 27, 2017 | Autor: Regina Bustamante | Categoria: Roman North Africa
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PR ÁT ICAS CULT UR AIS N O IMPÉ RIO ROM ANO: * ENTRE A UNIDADE E A DIVERSIDADE Profa. Dra. Regina Maria da Cunha Bustamante LHIA e PPGHC / UFRJ

Romanização: de cultura para culturas A compreensão sobre o Império Romano pela historiografia européia do século XVIII ao início do XX (e.g., Bossuet, Montesquieu, Mommsen, Frank, Holleaux) foi fortemente influenciada pela própria historiografia antiga romana, reproduzida pelo pensamento humanista clássico e o pós-clássico, peças chaves da ideologia burguesa. Mesmo reconhecendo alguns excessos dos romanos, estes foram diluídos em favor do resultado final: a Pax Romana. Esta era preferível à liberdade na anarquia. Prevalecia a idéia de que uma civilização tinha o direito de conquistar e organizar o mundo, legitimando assim a constituição e a extensão de um império pela força. Ao definir sua própria sociedade como “civilizada”, em oposição aos outros “bárbaros”, os autores clássicos proporcionaram um poderoso instrumento interpretativo que ajudou a legitimar o imperialismo europeu na África e 1 na Ásia (BUSTAMANTE, 2004: 29-43). Por sua vez, a Epigrafia e a Arqueologia atestaram a presença romana no Mediterrâneo por meio de inscrições e ruínas de monumentos e impressionantes obras da época imperial (estradas, fortalezas, aquedutos, anfiteatros, teatros, termas, suntuosas vilas...). Assim, os elementos físicos de uma cultura herdada – os artefatos, edifícios e paisagens – propiciaram uma conexão tangível e particular com um passado imaginado. A função justificadora da história romana, pelo viés de uma filiação associando a Europa a um império pacificador e civilizador, foi utilizada nos discursos das potências coloniais durante sua expansão imperialista. A historiografia colonial européia ressaltou, então, o Império Romano e as suas benesses. Roma imperial era freqüentemente vista executando um papel especial – a transferência da “civilização” mediterrânea a vários povos; Roma teria, portanto, civilizado a todos estes povos, “romanizando-os”. Os romanos teriam introduzido a cultura da “civilização” – estradas, cidades, vilas, impostos, língua latina... – da qual a Europa Ocidental se sentia herdeira. Por meio deste processo de “civilização / romanização”, Roma parecia também ter transmitido seu próprio espírito imperial para os europeus. Procurava-se estabelecer uma linha de continuidade entre o expansionismo romano e o europeu. O papel das populações nativas foi relegado, assim, à recepção passiva dos “frutos da civilização” ou à anarquia bárbara, que impediu o progresso socioeconômico por si próprias. Para a corrente historiográfica colonial, a romanização estava baseada em uma definição de oposição binária: nativos / “bárbaros” / passivos versus romanos / “civilizados” / ativos e se caracterizou por ser um processo de transmissão pelo qual o “não civilizado” alcançava a “civilização”. A partir de meados do século XX, com o surgimento de movimentos de independência afro-asiática, a produção historiográfica desenvolveu um novo viés, uma perspectiva “pós-colonial” (WEBSTER; COOPER, 1996; MATTINGLY, 1997; BUSTAMANTE, 1998: 127-145; HUSKINSON, 2000; MENDES, 2001: 25-42; HINGLEY, 2002: 27-62), que resgatou a pluralidade e o dinamismo dos elementos nativos, demonstrando uma sensibilidade para a singular hibridez das experiências histórico-culturais, afastando-se de uma perspectiva unitária, monolítica, estática e autônoma de cultura. O termo cultura é compreendido em um sentido mais amplo, abarcando atitudes, mentalidades e valores e suas expressões, concretizações ou simbolizações em artefatos, práticas e representações. Nenhuma cultura existe em estado isolado, sendo fruto da interação de diferentes tradições culturais. A interação cultural requer uma concepção de cultura como historicamente reproduzida na ação. Neste contexto, as interações culturais implicariam em dinamismo / transformação / alteração / variação de culturas seja em termos diacrônico ou sincrônico (SAHLINS, 1991: 180). Considera-se que as culturas são gestadas e transformadas dentro de um contexto histórico e social complexo composto, não apenas de instituições e práticas, mas também de símbolos e representações, que abrigam negociações e conflitos em permanente curso. Sendo plurais, as culturas estão sujeitas a uma diferenciação e hierarquia em relação ao “outro” e inserem-se no jogo de interesses sociais. Existem diversas formas pelas quais os sujeitos / grupos, em seus comportamentos, práticas, representações, imaginários, coletivamente ou de modo singular, interagem objetivando dominar, hierarquizar, subordinar, agregar, excluir, subsistir, resistir, opor e subverter. É fundamental compreender as estratégias implementadas que permitem manter unidos grupos que, se identificando culturalmente, se reconheçam como iguais e se distingam dos “outros”. Assim, deve-se atentar para as relações e as divisões peculiares de cada cultura distinta envolvida neste processo. As formas de identidade e alteridade são específicas de um contexto histórico e social determinado, tanto no tocante aos processos internos da sociedade quanto às suas relações e aos contatos com outras sociedades próximas ou distantes. Portanto, pertencer ou não a um grupo ou a uma sociedade é uma construção social e cultural, cujo significado e forma variam no tempo e no espaço, podendo coexistir uma multiplicidade de identidades / alteridades que interagem umas com as outras. Por isso, tornam-se também imprescindíveis observar e analisar as múltiplas interpenetrações do patrimônio simbólico cultural, a intensa circulação e as apropriações culturais, que *

BUSTAMANTE, R. M. da C. Práticas culturais no Império Romano: entre a unidade e a diversidade. In: MENDES, N. M.; SILVA, G. V. da (org.). Repensando o Império Romano; perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro – Vitória: Mauad – EDUFES, 2006, p. 109-136. 1

possibilitam o entendimento do aparecimento de identidades e culturas fronteiriças, próprias das práticas de negociação cultural, que transcendam às contradições dualistas através das experiências relacionais. A identidade dos grupos é construída a partir das interações culturais historicamente verificáveis, permitindo a percepção dos homens na sua diversidade, como essencialmente culturais. Evidencia-se uma pluralidade de situações de inclusão, assimilação, segregação e exclusão social, que instigam o estudo das diversas estratégias. Analisar os mecanismos de abordagem da diferença em sociedade pressupõe o estudo das formas de reconhecimento em que o grupo se compreende e se fabrica como unidade. É nesta perspectiva que as práticas culturais no Império Romano serão abordadas. Romanos, “nação togada” Virgílio, em seu poema épico Eneida, narrou as venturas e desventuras do herói troiano Enéias no seu périplo para fundar uma nova cidade, cujos descendentes – os romanos – estavam vaticinados pelo senhor do Olimpo, Júpiter, a dominar o mundo. “Metas nem tempos aos de Roma assino; / O império dei sem fim” (Eneida I, vv. 294-295). Era o destino de Roma vencer pela força das armas, mas “(...). Então deposta a guerra, Se amolgue a férrea idade; a encanecida Fé com Vesta, os irmãos Quirino2 e Remo 3 Ditem leis; Jano trave as diras portas Com trancas e aldrabões; (...)” (VIRGÍLIO. Eneida I, vv. 307-311) Escrito a pedido do imperador Augusto (27 a.C. – 14), Eneida tornou-se para antigos romanos o que Ilíada e Odisséia foram para os helenos: uma afirmação de identidade e de civilização. Após as guerras civis, que puseram fim a República Romana em fins do século I a.C., procurava-se resgatar a unidade romana nas suas origens, forjando a sua identidade coletiva agora sob a égide do poder centralizado do Princeps, na época, Augusto. Cristalizava-se um passado comum a todos os romanos através da reafirmação contundente das origens da cidade e do mos maiorum (costume dos ancestrais, valores tradicionais), que fizeram com que Roma se tornasse domina mundi (senhora do mundo). Roma subjugaria o mundo mediterrâneo com sua máquina militar, contudo o seu domínio se perpetuaria através das leis, implantando a Pax Romana (Paz Romana), tornando os romanos “Do orbe senhores e a nação togada” (Eneida I, v. 298). O acréscimo da expressão “nação togada” implica em que os romanos se consideravam não apenas possuidores do poder militar, mas também de uma civilização, que tinha a toga como a roupa distintiva do cidadão, em oposição ao “outro” (mulher, escravo, estrangeiro / “bárbaro”), sendo utilizada em tempos de paz para atividades políticas e cerimônias, típicas do espaço urbano, diferentemente do uniforme e das armas do soldado, portados pelo cidadão em tempos de guerra (MENDES, 2003: 310-312). Leis, política e cerimônias tiveram na cidade seu locus privilegiado e, ao lado da força bélica, foram elementos importantes na manutenção do Império Romano. Esta demandava a aceitação e a partilha de valores, estilo de vida, enfim cultura, entre as unidades participantes da comunidade romana. Estes valores tiveram mais efetividade quando deixaram de ser simples abstrações e passaram a ser incorporados a instituições e hábitos, originando uma forma de vida comum, que reforçou os laços entre as unidades. Na implementação da ordem romana, foram empregadas múltiplas estratégias objetivando formar o sentido de comunidade através de representações e práticas suficientemente fortes e extensas para assegurar, durante um “longo” tempo, expectativas firmes de “mudança pacífica”, sem recorrer à coerção física em grande escala e de forma constante. O surgimento de um sentimento comum era necessário para estabelecer confiança e lealdade mútuas entre as unidades da comunidade, estimulando uma identificação parcial em termos de autoimagem e ação cooperativa. Neste processo, privilegiaremos a cidade, na medida em que o Império Romano teve na cidade o foco essencial para difundir uma forma de vida comum que integrasse a comunidade. Fez-se um uso estratégico dos espaços urbanos para construir uma cumplicidade entre o lugar habitado e o corpo de cidadãos. A cidade foi a célula-base do sistema imperial romano tanto no plano político quanto no econômico, social, cultural e religioso, atuando como centro de “romanidade”. Aproveitando-se das cidades já existentes e criando novas, Roma procurou difundir seus valores e estilo de vida nos territórios conquistados. As cidades estabeleceram os hábitos particulares de comportamento, propiciadores de uma identificação parcial, na medida em que houve uma compatibilidade entre os principais valores postulados entre as unidades. Entretanto, havia espaço para o elemento local, contanto que não ameaçasse ou questionasse o domínio romano. Dentro do possível, o Império interagia com novos elementos procurando não comprometer sua própria existência e buscando a consolidação de uma identidade coletiva, que envolvia sistemas complexos de interpelações e reconhecimentos por meio dos quais os agentes sociais se inscreviam na ordem romana de formas voluntária, negociada, consensual, imposta e outras. Os espaços urbanos eram qualitativamente diferenciados, ou seja, foram apropriados no jogo das relações sociais, constituindo-se em superfícies de inscrição para uma textualidade social feita de tensões, oposições e 2

complementaridades, enfim, interações culturais. Para o presente estudo, optou-se por fazer um recorte na África do Norte, região de grande importância econômica e geopolítica para os antigos romanos e onde já havia uma tradição líbico-berbere e púnica (CAMPS, 1968; PICARD e PICARD, 1987; NICOLET, 1997: 545-593 e 627-656; MOKHTAR, 1983: 429-509; DECRET e FANTAR, 1998: 39-139; MANTON, 1988: 15-28; JULIEN, 1994: 35-113). Em busca da cidadania A África do Norte foi inserida na ordem romana a partir das Guerras Púnicas (meados dos séculos III a meados do II a.C.), quando Roma e Cartago disputaram a hegemonia no Mediterrâneo Ocidental (BRISSON, a 1973; HEURGON, 1993; NICOLET, 1997: 594-626; RAVEN, 1993: 33-48). Com a derrota cartaginesa na 3 . Guerra Púnica (151-146 a.C.), Roma passou a exercer um controle direto na região, inicialmente no antigo território cartaginês (atual Tunísia) e, em 42, alcançou a Mauritânia (atual Marrocos) (MOKTHAR, 1983: 473-509; RAVEN, 1993: 49-78; DECRET e FANTAR, 1998: 140-187; PICARD, 1990: 15-46; JULIEN, 1994: 155-200; FÉVRIER, 1989: 93-131). A urbanização na África do Norte já existia, principalmente no litoral, antes da chegada dos romanos que, longe de penetrarem em um meio exclusivamente rural, se aproveitaram de uma herança de épocas anteriores, particularmente perceptível para os períodos púnico e númida. Cada cidade possuía instituições que lhe eram próprias, fortemente marcadas em alguns casos pela herança pré-romana, apesar de uma certa uniformização trazida por Roma. Ocorreu, em alguns momentos, o que Bénabou (1981: 253-260) denominou de “bricolage institucional”, quando tradições municipais púnicas foram acrescidas de instituições romanas, originando comunidades duplas. O problema das relações entre estas cidades e o Império foi posto em termos diferenciados segundo a condição das cidades e a época. Em teoria e originalmente, existiram cidades plenamente independentes, que poderiam então fazer acordos com Roma de igual para igual; era o caso, por exemplo, das cidades federadas. Entretanto, a relação de forças era tal que a autoridade do poder romano não podia ser contestada. Freqüentemente, eis como se apresentava o processo: de cidade peregrina 4 ao status de comunidade romana pela concessão da municipalidade de direito latino5 chegando até município de cidadãos romanos; o coroamento era a promoção à colônia honorária, que assimilava os cidadãos da comunidade provincial aos de Roma e a obrigava teoricamente a renunciar ao que restava de seu próprio direito para adotar integralmente o direito romano. Na África do Norte, mais de 50 antigas cidades indígenas receberam o título de colônia honorária (LAVEDAN e HUGUENEY, 1966: 340). Mesmo com a extensão do direito de cidadania, concedida pelo Edito de Caracala (imperador romano de 211-217) em 212 aos habitantes de todas as cidades (excetuando-se aquelas que resistiram ao domínio romano e certas categorias de pessoas), o governo imperial continuou a conceder, a pedido das próprias comunidades, os status de município e de colônia. Na África, do governo de Severo Alexandre (222235) ao de Galieno (253-268), numerosas cidades foram promovidas a colônias (LEPELLEY, 1979: 122). Qual seria então o interesse em obter uma promoção esvaziada agora de sentido? A idéia de que esta ascensão significava o fim de uma sujeição e a assimilação ao vencedor permanecia ainda viva, apesar das vantagens pessoais ou fiscais, ligadas ao novo status, desaparecerem. Assim, mesmo após o Edito de Caracala, certas comunidades renunciaram a algumas instituições tradicionais (como os sufetas, magistrados locais de origem púnica) para alcançar a honra de se tornarem uma cidade romana. Daí, em muitas inscrições norte-africanas do Baixo Império, os títulos de município e colônia serem ainda citados (LEPELLEY, 1979: 128-132. Cf. KOTULA, 1974: 111-131). O sentido de colônia, portanto, não implicava necessariamente na criação de uma nova cidade. Havia a possibilidade de se conferir o título de colônia honorária ou titular às cidades de categoria inferior, como uma forma de promoção. O mais relevante era a noção jurídica, pois, dependendo do tipo de colônia, envolviam direitos plenos de cidadania aos colonos. Assim, ao lado de colônias construídas ex nihilo, para serem focos de romanização em áreas estratégicas, havia também as colônias honorárias. Roma incentivava a lealdade das comunidades locais já existentes através da concessão do título honorífico de colônia como recompensa por sua fidelidade, quando sua história tornasse possível, desejável ou necessária esta transformação, tanto para o sistema imperial como para os habitantes da cidade. As concessões de direito de cidadania estavam estreitamente relacionadas à romanização. Ocorriam em benefício de cidades ou cidadãos que já eram razoavelmente romanizados. Era um tipo de reconhecimento de um grau de romanização suficiente para justificar a agregação de uma cidade à comunidade dos cidadãos romanos. Entretanto, uma romanização mais intensa era também incentivada por esta concessão, que favorecia um movimento espontâneo de adesão em favor dos costumes e leis romanos. Paulatinamente, o direito e as leis locais se adaptavam às formas romanas. Cidades, espaços socialmente construídos Em termos materiais, o poder de Roma precisava ser evidenciado na organização e construção de monumentos e obras públicas, que tinham a cidade como seu espaço privilegiado. Os antigos romanos pretendiam ordenar e integrar os lugares, que governavam, como edificadores de cidades, ou seja, 3

transformando-os em espaços urbanos, que se constituíram em um sistema de signos, em um relato do seu poder. A cidade tornava-se, então, a construção material e simbólica do lugar pelo Império Romano, possibilitando assim pensar, observar e dar inteligibilidade às coisas. Para Sennett (1997: 81), “o governo não existia sem a pedra”, ou seja, havia a necessidade de uma ordem visual, cuja concretude, solidez e grandiosidade enfatizassem a crença na continuidade, na durabilidade e na imutabilidade do domínio romano. Assim, o cidadão, ao olhar estas construções, seria levado a obedecer ao regime imperial. Houve a preocupação de se elaborar princípios arquitetônicos gerais, que fornecessem a priori soluções fáceis e uniformes aplicáveis à construção de cidades nas mais diversas regiões, tais como os expressos no tratado latino Da Arquitetura de autoria do romano Vitrúvio, escrito em fins do século I a.C. e dedicado a Augusto com o objetivo explícito de orientá-lo na reforma de Roma. Ao expor os principais preceitos arquitetônicos, que deviam ser seguidos em Roma, Vitrúvio elaborou um padrão para a construção ideal de cidades e edifícios, fossem eles privados ou públicos, embora na prática houvesse espaço para o elemento local, que era relevado ou, quando possível, incorporado ao modelo romano, fazendo-se adaptações ao programa arquitetônico dominante. Verifica-se um esforço romano e das elites provinciais em sistematizar a urbanização pré-romana nos moldes romanos (FÉVRIER, 1982: 320-396; MAHJOUBI, 1985: 201-211.). Por exemplo, em Hippo Regius (atual Annaba na Argélia), importante cidade portuária, que já possuía uma organização urbana pré-romana, púnica, que fugia ao plano geométrico difundido por Roma, criou-se um artifício. Fundada entre duas colinas, Hippo Regius conservava seu caráter irregular de cidade púnica, ou seja, as ruas não eram retilíneas, nem os ângulos eram retos (FANTAR, 1993: 105-120). Utilizou-se o fórum6 para fazer o papel do decumanus maximus (via principal no sentido leste – oeste). Entretanto, mesmo inserindo edifícios essenciais à vida de uma cidade romana, tais como fórum, teatro e termas, não houve uma transformação de sua fisionomia geral; a população de Hippo Regius continuou ocupando de forma própria o espaço urbano (LASSUS, 1965: 2445-2459). As cidades provinciais tinham como paradigma Roma, a Urbs, a cidade por excelência, reproduzindo as instituições, os cultos e os monumentos da cidade-mãe; buscavam constituir-se como imagens, projeções da Urbs fora de seu território. A cidade reunia várias comodidades, como termas, teatro e mercado, que despertavam a admiração e o desejo de habitá-la. Assim, atraíam as populações nativas através da melhoria de vida e dos privilégios políticos e econômicos que a vida urbana podia oferecer aos seus habitantes. Entretanto, não era apenas pela sedução do luxo, pelo ensejo de melhoria e pela ociosidade à sombra dos vencedores. Indo além das comodidades materiais, a cidade romana destacava-se, sobretudo, como símbolo onipresente de um sistema religioso, político e social, um elemento chave para a romanização. A razão de ser da cidade era o desenvolvimento de uma vida coletiva entre seus habitantes. Daí, a importância dos lugares de reuniões, dos edifícios públicos das mais diversas naturezas, onde ocorria a vida coletiva, como o fórum, a basílica, a cúria, o teatro, o anfiteatro, o circo, o templo, o mercado... (na FIGURA 1 – Planta baixa de Thamugadi, colônia planejada –, visualizam-se alguns destes edifícios públicos urbanos) Os centros urbanos não trouxeram apenas modificações no habitat, mas, principalmente, novas concepções de modo de vida e de organização política e social para as populações locais, que, no seu bojo, permitiam um maior controle romano ao centralizarem as funções política, legislativa, administrativa e tributária. Da cidade “romana / romanizada” emanava a autoridade legal, o que lhe dava primazia sobre o entorno rural e nativo. A religião oficial romana era um importante componente da vida cívica, pois o culto público, oficiado preferencialmente no espaço urbano, sedimentava a solidariedade entre a comunidade. Uma forma de expressão da fidelidade a Roma era a observância das práticas religiosas oficiais, que asseguravam a prosperidade através da pax deorum (paz com os deuses). Segundo Scheid (1998: 20), a religião romana era uma religião social, estritamente ligada a uma comunidade, não ao indivíduo. Ela concernia ao indivíduo somente enquanto membro de uma comunidade. Todo ato comunitário comportava um aspecto religioso; todo ato religioso possuía um aspecto comunitário. Assim, o culto público implicava necessariamente aspectos políticos. Por isso, se dizia que a religião romana era uma religião política. Este aspecto encontra-se desenvolvido no próximo capítulo, que trata da “Religião na Urbs”. Vitrúvio dedicou dois livros (III e IV) Da Arquitetura à edificação de templos. Ciente de que não se podia fazer da mesma maneira templos para todos os deuses, porque eram diversos os cultos e as cerimônias (Da Arquitetura IV, 8), fez, entretanto, algumas recomendações. Assim, o capitólio, templo dedicado à tríade capitolina (Júpiter – Juno – Minerva), protetora de Roma, devia ser erguido no local mais elevado no centro da cidade para que as divindades pudessem olhar toda a cidade (VITRÚVIO. Da Arquitetura I, 7). O capitólio representava em pedra a majestade e o poder do povo romano e se inseria na religião oficial, que unificava o Império Romano. Entretanto, em Thamugadi (atual Timgad), colônia construída no ano 100 por veteranos militares no interior da Numídia (atual Argélia), posição estratégica de contato com as populações nativas, houve uma peculiaridade: seu capitólio foi erguido fora das muralhas da cidade (ver FIGURA 1). Parece uma ruptura ao modelo vitruviano, que em outros aspectos – como o fórum, por exemplo (ver FIGURA 1) – foi aplicado no planejamento da colônia. Mas, o capitólio foi construído em uma colina, dominando a paisagem ao redor. Além disso, Grimal (1971: 65) aventa a existência de um culto local anterior situado nesta colina, reafirmando, assim, ainda mais, a supremacia romana na região.

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FIGURA 1: PLANTA BAIXA DE THAMUGADI P: Porta Te: Termas B: Basílica T: Pequeno templo do fórum

(AUBOYER e AYMARD, 1976: 226, fig. 11) O culto de Júpiter, Iuppiter Optimus Maximus (IOM: Júpiter, o melhor, o maior) na África, era eivado de um caráter oficial que estava relacionado à cidade e principalmente à vida política e militar (KALLALA, 1992: 193-200). Com estes epítetos, era o deus que protegia Roma: aqueles que o invocavam praticavam um ato de lealdade ao poder romano. Desde Calígula (37-41), a maior parte dos imperadores foi assimilada, de uma maneira ou outra, ao soberano dos deuses, servindo, portanto, à ideologia imperial dominante. Além do culto à tríade capitolina, 7 destacavam-se, na cidade, o culto ao gênio municipal e ao imperador (apesar de algumas resistências, como apontadas no CAPÍTULO VI), que também se constituíam em expressão de aceitação da ordem romana e revestia de prestígio seus sacerdotes. A religião oficial politeísta, praticada nas cidades, tinha a elite municipal como principal oficiante, através da ocupação de cargos sacerdotais; edificadora, através dos recursos gastos na construção e reforma dos templos; e patrocinadora, através do financiamento de banquetes e espetáculos. Entretanto, o elemento religioso nativo ainda se mantinha. Na África do Norte, foi comum a associação entre as divindades greco-romanas e as locais; era a prática romana da interpretatio, que assimilava divindades com atributos semelhantes. Um exemplo disto é o caso de Saturno (romano) que foi associado a Baal-Hamon (púnico-berbere). Saturno ganhou o qualificativo de Afrorum (Africano); era uma das principais divindades da região. Deus cósmico, Saturno reinava sobre os vivos e os mortos. Seu culto sobreviveu até o Baixo Império sob a forma romanizada encontrada nas estelas africanas (LE GLAY, 1961). Seus textos votivos comportam epítetos que demonstram a posição eminente de Saturno no panteão pagão da África: aeternus (eterno), sanctus (santo), inuictus (invicto), rex (rei). Para o culto de Saturno africano, templos espalhavam-se pela África do Norte. Em Hippo Regius, há um deles, que foi construído na atual colina de Santo Agostinho, posição privilegiada, pois domina a cidade. Sobre a vertente oriental da colina, havia uma necrópole púnica (MAREC, 1954: 93-95), manifestando a ligação do Saturno Africano com os mortos. O templo foi identificado como sendo de Saturno por uma estela da época romana e por sua proximidade ao cemitério púnico. Ele estava afastado do centro urbano, mas sua localização era mais elevada do que a da cidade, lugar privilegiado das divindades da religião romana oficial, como a tríade capitolina. A liturgia do culto de Saturno Africano continuou a ser impregnada pelo sacrifício votivo, mas a área sagrada fora do perímetro urbano, que antes era a céu aberto, passou, ao final do século II, a ter um templo estruturado (PICARD, 1965: 237-242). 5

Além disso, houve a substituição parcial de símbolos abstratos nas estelas por figuras de estilo grecoromano (KHADER e SOREN, 1987: 20, 44, 150-151, 179-180, 219) e a diminuição da língua púnica nos ex-votos. Contudo, mesmo quando os textos das dedicatórias eram escritos em latim, manteve-se com notável constância a lembrança de fórmulas tradicionais (MOKHTAR, 1983: 506). Février (1976: 305-336) destacou o impacto reduzido das divindades africanas no meio urbano, evidenciado pela superioridade numérica das dedicatórias em latim aos deuses e imperadores romanos e às abstrações divinizadas comparando-se com as dedicatórias às divindades locais e orientais. A dominação romana não chegava a impedir os nativos de manifestarem uma devoção fiel às suas divindades tradicionais, contanto que esta não atrapalhasse o culto oficial romano nas cidades. Assim, o culto de Saturno conservou suas origens púnico-berberes, contudo, se apropriou de alguns elementos novos. A festa das Saturnalia, em homenagem ao deus, que ocorria ao final do ano, era uma das mais populares, mesmo no Baixo Império, quando o cristianismo já era religião oficial. Como era impossível ao bispo de Hippo Regius, Agostinho, impedir os fiéis de participarem da festa, restava-lhe apenas aconselhar moderação (AGOSTINHO. Sermão CXCVIII, 3). As festas religiosas e os espetáculos nos teatros, anfiteatros e circos, que em sua origem estavam intimamente relacionados (ver CAPÍTULO VI), eram formas de promover a sociabilidade na cidade. Havia uma distinção entre os espetáculos apresentados em cada um destes lugares. Ao anfiteatro, eram reservadas as exibições de caráter violento, como os combates de gladiadores e as caçadas de animais (venationes); ao teatro, as comédias, as tragédias e as mímicas, difundindo o patrimônio literário e a mitologia greco-romana – daí, as severas críticas do clero cristão a este tipo de espetáculo (MARKUS, 1997); e ao circo, as corridas de carruagens. Na África do Norte, encontramos vários vestígios arqueológicos destes imponentes edifícios, que congregavam milhares de cidadãos espectadores. Não que a cidade fosse uma cidade de ociosos; mas o ideal da cidade era o da fruição dos banquetes, do desprendimento dos banhos, do prazer dos espetáculos. Era um direito do cidadão o acesso a estes espaços, onde ocorria a socialização através das atividades políticas, em seu sentido mais amplo, abarcando também espetáculos, festas e banquetes. Evidencia-se a preocupação com a produção de espaços propícios às sociabilidades públicas. A assistência aos jogos passou a fazer parte da ciuitas romana, sendo um dos direitos de cidadania romana, ao lado do abastecimento alimentar. A popularidade dos jogos fez com que, desde o final da República, o seu oferecimento se convertesse em um meio eficaz de conquistar os votos do povo, ao mesmo tempo em que era uma manifestação de poder do ofertante. A tendência, já presente na República, dos espetáculos servirem como instrumento de obtenção de prestígio e vantagens políticas, acentuou-se no período imperial, pois eram atividades que congregavam todos os grupos sociais e canalizavam a energia da população. Em toda parte no mundo romano, do começo ao fim do Império, e em todas as camadas da sociedade, da mais alta a mais baixa, havia pessoas apaixonadas pelos jogos, patrocinando, assistindo, torcendo e apostando. Longe de serem limitados à capital, os jogos eram celebrados em todo Império Romano, tanto que os particulares tinham o direito de organizá-los, enquanto que, em Roma, apenas os imperadores e os magistrados podiam fazê-lo. Os jogos privados inseriam-se na prática do evergetismo, ou seja, da prática social da elite, que participava com sua fortuna no embelezamento de sua cidade ou tomava ao seu encargo uma parte de suas obrigações financeiras, distribuindo dinheiro aos seus concidadãos, organizando jogos, banquetes públicos, distribuição de azeite e de trigo por ocasião de dedicatórias monumentais... (VEYNE, 1976) Era um meio dos cidadãos se fazerem eleger como magistrados municipais, uma questão de obrigação (munus), para aqueles que pertenciam à elite local, especialmente por ocasião de sua ascensão às dignidades públicas ou municipais, provando, desta forma, sua generosidade. O benefício devia ser proporcional à posição e à fortuna do evergeta, à importância da cidade ou à função almejada. Com suas fortunas, agraciavam a sua cidade e aos seus concidadãos; constituía-se em um dever do patrono para com a cidade que protegia. Era uma das maneiras pela qual se mantinham as comunicações entre os vários grupos sociais. Na África do Norte, um dos espetáculos mais apreciados era as caçadas (venationes), como se deduz pelo número significativo de mosaicos com esta temática (BLANCHARD-LEMÉE, 1996; FANTAR, 1994.). Desde os tempos pré-históricos, a África era conhecida como terra de caçadores. A região era famosa pela riqueza de sua fauna tanto de grande quanto de pequeno porte. Além disso, havia outras condições para o desenvolvimento de uma vigorosa cultura de caça: uma longa tradição devotada a melhorar as linhagens de cavalos barbos, 8 típicos da região; e excelentes cães de caça, tais como o Sloughi (tipo galgo), indispensáveis para uma cavalgada de caçada. A popularidade das venationes na região inspirou a formação de sodalitates (corporações), que organizavam materialmente os espetáculos: forneciam caçadores profissionais, pessoal auxiliar e equipamento, bestas para combate ou adestramento no anfiteatro. Além de participarem da organização dos espetáculos, as sodalitates funcionavam como associações de torcedores e sociedades funerárias; desenvolviam também atividades econômicas relacionadas à produção agrícola, artesanal e comercial, principalmente fabricação e transporte de azeite (BESCHAOUCH, 1977: 486-500). Este tipo de agrupamento foi muito característico da África Romana, onde havia vários deles, que concorriam entre si: os Telegenii, Leontinii, Pentasii, Simematii, Florentinii, Crescentii, Taurisci... Alguns atuavam em toda a África Romana, o que levou Beschaouch (1987: 677-680) a levantar a possibilidade de existirem seções sob forma de sucursais ou filiais. Distinguiam-se um do outro pela composição de símbolos com números, que serviam como sinais de reconhecimento da associação. Estes emblemas e numerais apareceram em cerâmica, em inscrições em epitáfios e em mosaicos de pavimentos de termas, anfiteatros e várias casas particulares, às vezes, em painéis ilustrando lutas entre animais selvagens, as 6

quais presumivelmente foram montadas pelas corporações em questão e, outras vezes, simplesmente como um painel de soleira ou dentro de um conjunto decorativo geral. Em tais casos, pode-se pressupor que o proprietário estava proclamando sua aliança a uma corporação em particular. Ver, ouvir, falar e escrever nas cidades Para compreendermos a cultura visual no mundo romano, devemos focalizar o consumo social que, basicamente, tece hierarquias e consolida bases, lugares e relações de poder. Evidencia-se a proeminência da cidade como centro da produção destas obras e, em alguns casos específicos, como por exemplo, nos monumentos arquitetônicos, como centro de exposição das mesmas. Assim, em um contexto político urbano, encontravam-se inseridas estátuas, altos e baixos relevos, pinturas, esculturas, mosaicos, inscrições epigráficas..., que ornavam as construções urbanas (termas, pórticos, fóruns, basílicas, cúrias, mercados, arcos, teatros, anfiteatros, circos, residências particulares...). A aceitação social dos mosaicos nas cidades norte-africanas era uma prática do estilo de vida urbano romano-africano, constituindo-se em um dos elementos decorativos mais admirados, pois adornavam com cores vivas o chão (opus tessellatum), as paredes e o teto (opus musiuum), como se fossem afrescos e tapetes. Já havia uma tradição púnica de mosaicos, mas, com a conquista romana, os mosaístas locais adotaram um padrão italiano. Em meados do século II, um estilo musivo próprio da África Romana começou a se desenvolver – favorecido pela prosperidade da região – com a introdução da policromia nas bordas e da integração de elementos florais e geométricos. No século III, este estilo alcançou sua maturidade e foi disseminado em outras partes do Império Romano. Caracterizava-se pelo uso da policromia e pela representação de cenas cotidianas, caras à elite, como as atividades em suas propriedades rurais e os espetáculos que patrocinava. Assim, através dos mosaicos, pode-se desvelar a vida e os prazeres, os valores e as práticas da elite local. Esta era composta de uma aristocracia rural romana ou romanizada, proprietária de extensos domínios explorados por uma massa de trabalhadores compulsórios, integrava-se através de sua economia de exportação (vinho, azeite, trigo, garum, cerâmica, animais selvagens...) e da sua crescente atuação na política imperial, principalmente a partir da dinastia afro-síria dos Severos (193-235). Como comanditária dos mosaicos, a elite local estava ansiosa para ver publicizados e eternizados as suas propriedades e os espetáculos, que oferecia tão dispendiosamente aos seus concidadãos para obter prestígio. A riqueza desta elite local encontrou, portanto, uma forma de expressão na decoração sofisticada de suas residências urbanas (domus) e rurais (villae), onde afirmava seu status e seus valores culturais. A própria natureza do suporte – o mosaico – constitui-se em um vetor para potencializar o status e o prestígio da elite em diversos momentos: nos gastos de recursos significativos para a decoração dos interiores de suas residências com opulentos pavimentos, evidenciando assim o aumento da importância da esfera do privado, bem como uma maior hierarquização social e o crescimento de seu poder político; na seleção dos temas retratados relacionados a um estilo de vida faustoso condizente com a fortuna da elite e expressando uma unidade cultural do Império Romano, ao buscar manter as tradições e formas clássicas e utilizar um código visual comum com símbolos conhecidos; e na localização dos mosaicos em ambientes de sua casa onde ocorria a sociabilidade, visando reforçar a coesão e a hierarquia familiares e afirmar sua posição privilegiada frente à sociedade apregoando sua imagem para o exterior. Temáticas relacionadas à cultura clássica encontram-se em vários mosaicos da África do Norte. Os comanditários do mosaico buscavam se aparentar, se situar e se identificar à ordem romana através da reprodução de cenas, que desvelavam a cultura clássica entre a elite. Mesmo com a cristianização do Império, a cultura clássica não deixou de estar presente e ser valorizada na decoração das casas das elites municipais (LANCHA, 1997: 394). O seu uso era fator de distinção e enobrecedor, pois permitia se identificar, se lembrar da “sua memória” e se colocar ao lado daqueles que podem e sabem se lembrar; reconheciam-se apenas aqueles que tinham uma história que a sabem contar para seduzir e se fazer admitir. Portanto, os membros das elites provinciais, profundamente romanizadas, afirmavam assim, não apenas o seu status, mas também valores culturais comuns. Temas clássicos, como o das Musas, 9 por exemplo, eram reproduzidos e se inseriam na retórica, que teve papel central no mundo greco-romano na construção do pensamento e expressão da elite. Era uma maneira de representar experiências e acontecimentos dentro de certa espécie de moral ou rede social; era uma forma de expressar alguns “significados compartilhados”, que fundamentavam a cultura da qual se originava (HUSKINSON, 2000: 7). Para Huskinson (2000: 5 e 8), apesar da diversidade cultural do Império Romano, havia uma experiência cultural compartilhada, manifesta no emprego de representações aceitas de identidade comum. Por exemplo, nas imagens, todos os personagens encontravam-se vestidos da mesma forma, ou seja, como figuras heróicas da arte grega clássica, utilizando, portanto, uma expressão iconográfica em termos tradicionais greco-romanos. O uso da roupa significava cultura, no presente caso, clássica, inferindo a pertença das figuras à ordem imperial romana. Especificamente as Musas, eram um assunto mais tradicional para simbolizar a ligação com a “cultura erudita”, dispensada pelas Musas, segundo crença que se forjou principalmente na época helenística. Desta forma, manifestava-se a constante vontade de tornar viva uma cultura literária, que constituía um componente essencial da sociedade romana provincial. As imagens não podiam ser separadas das leituras do senhor. Um exemplo é o 7

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mosaico “Virgílio e as Musas” (FIGURA 2), encontrado no tablinum da denominada “Casa do Arsenal” na cidade portuária de Hadrumetum (atual Sousse na Tunísia) e datado mais provavelmente no início do século III, período de prosperidade na região, beneficiada pela ascensão da dinastia severiana de origem afro-síria, que fomentou uma grande atividade edilícia na África do Norte.

FIGURA 2: MOSAICO “VIRGÍLIO E AS MUSAS” (LANCHA, 1997: prancha A, número 9)

Se, por um lado, este mosaico (FIGURA 2), reafirma a esfera cultural romana, por outro, é possível inferir, indiretamente, o elemento local. Na inscrição, contida no volumen11 seguro pelo poeta Virgílio, reproduziu-se, em latim, a Eneida I, v. 15: “Musa mihi causas memora quo numine laeso quidae” (“Musa, as causas me aponta, o ofenso numen12”). Na continuidade do poema, explicita-se o motivo da ofensa: apresenta-se, primeiramente, o drama de Cartago, que, apesar de ser próspera e guerreira, não conseguiu fugir ao seu destino sentenciado pelas Parcas. Devia-se cumprir assim o final trágico com a apaixonada rainha de Cartago, Dido, que, abandonada por Enéias, amaldiçoa-o e seus descendentes e depois se mata (VIRGÍLIO. Eneida IV), como uma antevisão das Guerras Púnicas, que envolveriam posteriormente Cartago e Roma. Nem a poderosa Juno, esposa de Júpiter, pode reverter o fim trágico do seu povo protegido; apesar das várias artimanhas engendradas, suas tentativas foram frustradas. O verso selecionado no mosaico pode ser lido como uma referência ao glorioso passado púnico com seu poderio econômico e militar. Passado do qual Hadrumetum compartilhou por ter sido colônia fenícia e terse mantido autônoma até Augusto. Assim, através do mosaico, recorria-se a Calíope (Musa da Poesia, cujo atributo é o volumen) e Melpómene (Musa da Tragédia, que porta os trajes e a máscara do ator trágico) para lembrar a história local no código cultural então dominante, o romano. A região norte-africana destacou-se por desenvolver uma marcante cultura escrita em latim, língua oficial do Império Romano no Ocidente, seja por escritores pagãos, como Frontão e Apuleio, seja por escritores cristãos, como Tertuliano, Minúcio Félix, Lactâncio, Cipriano e Agostinho, que revestiram o vocabulário litúrgico cristão na África do Norte com uma forte tradição latina.13 Entretanto, o latim ganhou “contornos norte-africanos”. Nos séculos II e III, desenvolveu-se o estilo denominado “barroco africano” (PICARD, 1990: 251-300), que era uma forma de latim com intricados jogos de palavras, volteios, rimas e adivinhações, enfim, artifícios verbais, que ainda eram muito apreciados nos discursos agostinianos. Havia uma preocupação com a gramática e pronúncia corretas do latim, buscando evitar solecismos e barbarismos (AGOSTINHO. Confissões I, 18). A arte da oratória não foi usada apenas na literatura; manifestou-se também no direito: “É uma boa coisa, graças à eloqüência, ter o poder de possuir clientes atentos à menor palavra de um discurso bem torneado de seu protetor e todas as esperanças suspensas em seus lábios na sua boca (...)” (AGOSTINHO. Comentário ao salmo CXXXVI, 3) Pode-se observar esta verve também nas polêmicas religiosas que caracterizaram a África do Norte. Neste aspecto, Agostinho foi um exemplo: entrou em debates contra maniqueus, donatistas, pelagianos e arianos (POSSÍDIO. Vida de Agostinho V-VII; IX; XII; XVI-XVIII). O latim era de conhecimento geral nas cidades, mas o grego era o diferencial, o que distinguia. Tertuliano, por exemplo, escreveu algumas de suas obras (tais como, Espetáculos, Batismo e Apologética) primeiro em grego, vertendo-as depois para o latim. O próprio Agostinho esforçava-se por aprender grego em meados do século IV.14 Entretanto, a língua latina era fundamental. O domínio da cultura latina, cultivada principalmente entre a elite municipal, significava uma possibilidade de ascensão, mesmo no Baixo Império. Portanto, o ideal e o desejo 8

de ter uma educação clássica mantiveram-se ainda com a cristianização do Império (MARROU, 1990: 479-501). Cabia às municipalidades fornecerem a educação básica contratando professores (CODEX THEDOSIANUS XIII, 3, 1; XIII, 3, 5; AGOSTINHO. Confissões IV, 4). As cidades mais importantes, como Cartago (AGOSTINHO. Confissões I, 16; III, 1 e 3), Madaura e Mactar, possuíam ensino superior de retórica. Algumas cidades possuíam bibliotecas públicas, como a de Thamugadi (ver FIGURA 1), construída graças aos 400.000 sestércios legados por M. Júlio Quintiano Flávio Rogaciano (ILS 9362) e com capacidade para abrigar 23 mil volumes. Mas, nem todas as cidades dispunham de mecenas preocupados com a leitura e a cultura. No entanto, havia bibliotecas nas termas e em alguns templos. Por seu turno, os cristãos reuniam arquivos e volumes nas sacristias. Graças a essa preocupação, foi conservada a gesta dos mártires norte-africanos. Hippo Regius tinha uma destas bibliotecas, que sobreviveu ao cerco vândalo (430), inclusive com toda a prolífera produção agostiniana (POSSÍDIO. Vida de Agostinho XXXI). Inscrições epigráficas nesta cidade lembram dois membros da ordem eqüestre, um dos quais se tornou o chefe do Escritório de Letras Latinas (MAREC, 1953: 207-214). A escrita latina também se expressava através das inscrições epigráficas. Na África do Norte, as inscrições urbanas foram escritas na sua maior parte em latim (ver CIL VIII). As primeiras inscrições latinas na África do Norte apareceram nas épocas cesariana e augusta, quando da efetiva ocupação romana da região, e se multiplicaram no período imperial, destacando-se as dedicatórias honoríficas aos imperadores.15 Nestas, o caráter religioso não estava ausente; era uma outra forma de criar um sentimento comum de lealdade ao poder imperial, sedimentando, através de um ato político-religioso, a comunidade. As dedicatórias, em prol da saúde do imperador, provinham de funcionários imperiais ou das autoridades municipais e membros da elite da cidade. Eram colocadas em lugares que propiciavam sua difusão, como obras de embelezamento da cidade. Kotula (1985: 257-285) considera que as dedicatórias eram o resultado da ação de propaganda imperial sobre a elite culta que vivia nas cidades. Esta reconhecia, através das dedicatórias, o Império Romano como garantia da segurança pública, essencial às suas atividades, sejam econômicas ou políticas. Era uma relação simbiótica entre a elite municipal e o Império Romano. A Epigrafia latina, entretanto, também mostra que nomes indígenas permaneceram; por exemplo, uma dedicatória de Thamugadi dá o nome de Iugurtha a um flâmine perpétuo (sacerdote do culto imperial) da ordem eqüestre. Mártires se chamavam Miggin, Namphamo e Zebboc. Mesmo o nome Mônica, da mãe de Agostinho, deriva do nome de uma deusa local, Mon (BROWN, 2005: 36). Bénabou (1976: 383-588) realizou estudos onomásticos para comprovar a resistência norte-africana ao domínio romano a partir da manutenção de nomes púnicos e berberes. Em sentido inverso, foram os estudos onomásticos realizados por Lassère (1977). Os nomes das famílias e os prenomes são indicações preciosas, particularmente quando se constituíram séries, tal como a dos colonos levados durante a República. O autor procurou mostrar o impacto de novos elementos vindos de todas as províncias, ou seja, uma abertura da África do Norte ao Mediterrâneo, graças aos mediterrâneos que ali afluíram. Esta posição foi contestada por Février (1990: 121-122), que alegou que nomes e prenomes estão mais sujeitos à moda, ao gosto e à sensibilidade do que à origem social ou étnica. A língua líbica, em menor grau,16 e, principalmente, a púnica (SAUMAGNE, 1953: 169-178; MILLAR, 1968: 126-134; FANTAR, 1987: 167-192), contudo, subsistiram. Diversas passagens de Agostinho (e.g., Comentário ao salmo CXXXVIII, 18; Sermões CXIII, 2 e CLXVII, 4) fazem referência ao uso do púnico na região númida. Na Carta XXIX, 3, Agostinho explicava a escolha de Antonino para o episcopado de Fussala: o conhecimento da língua púnica. O bispo católico estava cônscio de que o donatismo17 recrutava seus fiéis no seu interior, onde a população não falava o latim (Sermões XLIX, 36 e CVIII, 5). A Carta XX de Agostinho mostra que tanto as populações de Fussala e Thogonoetum falavam púnico quanto o primaz da Numídia, que pôde dialogar com os habitantes de Fussala, vítimas de Antonino. Mesmo Agostinho, admirador da cultura latina, na Carta XVII, 2, manifestou seu orgulho da herança púnica ao responder às zombarias do pagão Máximo de Madaura sobre os nomes púnicos: “Como é que pudeste te esquecer, a ponto de atacar os nomes púnicos, escrevendo como homem da África para africanos, quando na verdade ambos somos africanos? Pareces esquecer-te daquilo que é reconhecido pelos homens de saber: os escritos púnicos são de qualidade.” Para Courtois (1975: 273-294) e Brown (2005: 26), o “púnico”, referido por Agostinho, deve ser entendido no “sentido genérico de africano”, ou seja, dialetos nativos falados pela maioria dos homens do campo e compartilhados por muitas pessoas, na cidade, com o latim; enfim, qualquer língua falada na África do Norte que não fosse o latim. Na região númida (atual Argélia), foram encontradas inscrições em que se misturavam elementos latinos e púnicos (CIL VIII, 7793; 1008; 4636 e 4936) bem como elementos latinos e líbicos (CIL VIII, 4274; 5209; 5216; 5220; 5225). De acordo com Février (1989: 115-122), as inscrições púnicas e líbicas são abundantes no nordeste argelino. Assim, enquanto as inscrições em caracteres neo-púnicos são encontradas em estelas para os mortos e os deuses locais na zona rural, as inscrições latinas aparecem em dedicatórias aos deuses e imperadores romanos nas cidades, feitas, em grande parte, pelas elites municipais.

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Entre a unidade e a diversidade A existência de uma comunidade cultural mediterrânea, incentivada pela civilização romana e apoiada num intenso intercâmbio econômico, político e intelectual, ocasionou o desenvolvimento de uma cultura característica das elites municipais em todo o Império Romano. Como beneficiária da ordem romana, estas adotaram um marco que lhes servia como elemento de identificação e de integração ao permitir-lhes viver em todas as partes à maneira romana. Assim, manifestavam sua participação na gestão do Império Romano e afirmavam sua posição privilegiada na sociedade local. A homogeneidade social e a cumplicidade política dessas elites foram fatores fundamentais para a partilha dos princípios básicos de uma “cultura romana”. Era uma maneira de representar experiências e acontecimentos dentro de certa espécie de moral ou rede social; era uma forma de expressar alguns “significados compartilhados” (HUSKINSON, 2000: 7), que fundamentavam a cultura da qual se originava, construindo e consolidando uma identidade romana. A identidade romana deve, entretanto, ser compreendida como uma construção social, na medida em que passou por transformações, relacionadas à pluralidade de práticas culturais, acarretando contradições próprias aos circuitos culturais, a partir não apenas dos hábitos, mas das tensões e negociações advindas do viver, praticar e conceber em suas dimensões dinâmicas, históricas. Na sua análise, deve-se valorizar tanto os seus feixes de ativação e modos de assentimento / assimilação como as diversas formas de resistência, re-produção, sublevação, subversão, ou seja, as diversas maneiras pelas quais os sujeitos / grupos interpretam, reinterpretam, desviam e fazem circular as múltiplas identidades / alteridades culturais presentes na sociedade romana, penetrando assim no labirinto das relações e das tensões que a constituem. Evidencia-se que o “local da cultura” caracteriza-se por ser um “entre-lugar deslizante”, na medida em que resulta do confronto de dois ou mais sistemas culturais, que dialogam de modo agonístico (BHABHA, 2005). Neste sentido, pensar a cultura no Império Romano demanda uma sensibilidade para as experiências vividas, a diversidade de comportamento e os significados presentes nos discursos construídos. Em muitos casos, reformulou-se o seu significado cultural de acordo com seus próprios objetivos, valores e necessidades, criando experiências divergentes, convergentes ou novas. Para Burke (2003: 54), os estudiosos das interações culturais precisam tomar consciência da existência tanto das forças centrípetas (unidade) quanto das centrífugas (diversidade) e da luta entre elas, onde ora predomina uma tendência, ora, outra, “mas elas alcançam um certo equilíbrio no longo prazo”. DOCUMENTAÇÃO AGOSTINHO. A Cidade de Deus contra os pagãos. 2. ed. 2 v. Petrópolis – São Paulo: Vozes – Federação Agostiniana Brasileira, 1990. (Col. Pensamento Humano) AGOSTINHO. Confissões. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1984. (Col. Espiritualidade) AGOSTINHO. Comentários aos salmos. v. 9 / 3 (101 – 150). São Paulo: Paulus, 1997. AGUSTÍN. Sermones (1o.): 1-50. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 7. 4. ed. Madrid: La Editorial Católica, 1981. (Biblioteca de Autores Cristianos) AGUSTÍN. Sermones (2o.): 51-116. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 10. 3. ed. Madrid: La Editorial Catolica, 1983. (Biblioteca de Autores Cristianos) AGUSTÍN. Sermones (3o.): 117-183. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 23. Madrid: La Editorial Catolica, 1983. (Biblioteca de Autores Cristianos) o AGUSTÍN. Sermones (4 .): 184-272B. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 24. Madrid: La Editorial Catolica, 1983. (Biblioteca de Autores Cristianos) o AGUSTÍN. Cartas (1 .): 1-123. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 8. 3. ed. Madrid: La Editorial Catolica, 1986. (Biblioteca de Autores Cristianos) BLANCHARD-LEMÉE, M. et alii. Mosaics of Roman Africa; floor mosaics from Tunisia. London: British Museum Press, 1996. CODEX THEODOSIANUS. The Theodosianus code and novels and the Sirmodien. Princeton: Princeton University Press, 1952. CORPUS INSCRIPTIONUM LATINARUM. v. VIII: Inscriptiones Africae Latinae. 1. pte.: Inscriptiones Africae Proconsularis et Numidae. org. G. Wilmanns. Berlin: Georgium Reimerum, 1881. DESSAU, H. Inscriptiones Latinae Selectae. 3. ed. Berlin: Weidmannos, 1963. 5 v. LANCHA, J. Mosaïque et culture dans l’Occident romain; Ier.- IV e. siècles. Roma: “L’Erma” di Bretschneider, 1997. FANTAR, M. et al. La mosaïque en Tunisie. Tunis: Les Éditions de la Méditerranée, 1994. POSIDIO. Vida de San Agustín. In: AGUSTÍN. Obras completas de San Agustín. v. 1. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1946. VIRGÍLIO. Eneida. São Paulo – Campinas: Ateliê Editorial – Editora da UNICAMP, 2005. (Col. Clássicos Comentados, 2; dir. I. Teixeira) VITRUVIUS. Los Diez Libros de Arquitectura. Barcelona: Iberia, 1955.

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NOTAS 1

Estudo das inscrições gravadas e dos graffiti, tanto do ponto de vista de sua forma (compreendendo aqui o seu suporte) quanto do seu conteúdo. A Epigrafia é uma das principais fontes da História Romana, sobretudo para o período do Império, pois relaciona documentos oficiais que se pode datar com precisão, e permite estudos onomásticos (relativos a nomes) e prosopográficos (relativos a vidas). Nume rosas abreviações, que elas comportam, encontram-se em manuais de Epigrafia. As inscrições latinas conhecidas estão reunidas por regiões no vasto corpus, o CIL (Corpus Inscriptionum Latinarum.), realizado pela Academia de Berlin a partir do início do séc. XIX, sob direção inicial do latinista Theodor Mommnsen (1817-1903). O volume VIII, com seus diversos fascículos, é dedicado a África do Norte, região selecionada para o presente estudo. Há também outras coleções epigráficas de mesma natureza, dentre elas, Inscriptiones Latinae Selectae (ILS) de Dessau e o periódico L’Année Épigraphique (LAMBOLEY, 1995: 160). 2 Rômulo, fundador de Roma, foi assimilado a Quirino, uma das três divindades arcaicas juntamente com Júpiter e Marte. (GRIMAL, 1997: 403) 3 É uma dos mais antigos deuses do panteão romano. Em tempo de guerra, deixava-se sempre aberta a porta do templo de Jano para que o deus pudesse, em qualquer momento, vir em socorro dos romanos. Essa porta só era fechada se a paz reinava nos domínios de Roma. (GRIMAL, 1997: 258-259) 4 Cidade independente com suas próprias instituições e autoridades. 5 Sob o Império, é difícil estabelecer se o direito latino definia um status pessoal independente das comunidades, ou se permaneceu um direito coletivo. Sua característica essencial permaneceu sendo a obtenção da cidadania para os magistrados saídos do cargo. Adriano criou o direito latino maior (ius Latii maius), que estendia a concessão da cidadania a todos os decuriões de algumas cidades. De uma maneira geral, o direito latino, durante o Império, era uma transição para o regime de ciuitas romana, pois antecipava a transformação dos municípios provinciais e colônias de direito latino em colônias de direito romano (LAMBOLEY, 1995: 144-145). 12

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Originalmente, era o lugar de mercado. Mas, rapidamente, o termo designou o lugar público, constituindo o centro dos negócios públicos e privados, como ágora grego. Geralmente, situava-se na interseção do cardo (via norte – sul) e do decumanus (via leste – oeste), se o terreno permitisse. Era cercado de prédios característicos: capitólio (templo a Júpiter – Juno – Minerva) e templos políades, cúria (lugar de reunião do Senado municipal), basílica (local que servia como mercado, administração da justiça ou negócios em geral), tabularium (edifício que abrigava os arquivos públicos), pórticos (galerias cobertas cercadas de colunas), monumentos honoríficos (estátuas, placas, coroas, relevos, arcos...), tabernae (lojas de artesão ou de comerciante), mercado, termas (estabelecimentos de banhos públicos ou privados) (LAMBOLEY, 1995: 67, 70, 123, 181, 296, 344 e 250). 7 Varrão, segundo Agostinho (A Cidade de Deus VII, 13), definiu gênio como um deus preposto a tudo que deve ser engendrado e que tem poder neste domínio. Esta ampla definição englobava, portanto, cada pessoa, família, província, colégio, unidade militar, lugar e coletividade. Exaltar o gênio da cidade era uma forma de patriotismo municipal, pois esta divindade era antes de tudo a expressão sagrada d a coletividade, transcendendo os indivíduos e a geração presente, mas limitada às dimensões da cidade. O gênio municipal era, assim como para um indivíduo, o duplo divino da cidade. Os dedicantes eram freqüentemente dignitários em exercício, lembrando parcial ou totalmente o cursus honorum (hierarquia de magistraturas que regulava a carreira política dos romanos) municipal na ocasião do dom evergético da estátua ou do altar. 8 O barbo era um eqüino de pequena estatura, linha convexa entre a testa e o focinho, dorso proeminente, esp inha dorsal com cinco vértebras lombares e garupa em declive. Desde a época púnica, houve o cruzamento entre o barbo e o árabe, que resultou em um tipo de cavalo muito apreciado no período romano pela sua estampa e maior velocidade. 9 Filhas de Mnemosine (personificação da Memória) e de Zeus (senhor do Olimpo). Na época clássica, impôs-se o número de 9 irmãs, cada uma protetora de uma das artes: Calíope (Poesia), Clio (História), Polímnia (Pantomima), Euterpe (Flauta), Terpsícore (Poesia Ligeira e Dança), Érato (Lírica Coral), Melpómene (Tragédia), Tália (Comédia) e Urânia (Astronomia) (GRIMAL, 1997: 319-320). No corpus de 129 mosaicos relativos à cultura no Ocidente Romano, durante o período do século I ao IV, Lancha (1997: 317 e 379) identificou 35 com tema de Musas, correspondendo a ¼ das representações. Na África do Norte, eram 19 mosaicos. 10 Cômodo que servia de vestíbulo de comunicação, mas era também o local no qual o dono da casa recebia seus convidados e tratav a dos negócios (LAMBOLEY, 1995: 241). 11 Folha de pergaminho ou de papiro enrolada em torno de uma vareta (LAMBOLEY, 1995: 380). 12 Sob o Império, o termo designava a própria divindade, mas com uma ressonância mais sagrada (LAMBOLEY, 1995: 264). 13 A liturgia latina afirmou-se inicialmente na África do Norte, antes que em Roma, onde a liturgia era celebrada em grego até meados do século IV. O latim da Igreja na África do Norte era utilizado na Bíblia, na liturgia e na pregação, o que chocava os puristas , mas servia ao povo cristão. Assim, a Igreja familiarizou o latim e ajudou em sua difusão. Antes da Vulgata de São Jerônimo, já circulava na África do Norte uma tradução completa da Bíblia em latim (DANIÉLOU; MARROU, 1984: 166) 14 Marrou em sua tese de doutorado (1938) havia defendido que Agostinho não aprendera o grego. Esta posição foi mais tarde retificada (1949). 15 Havia outras formas de manifestação da lealdade ao poder imperial, tais como o flaminato (colégio sacerdotal dedicado ao cult o imperial), as estátuas imperiais e atividades evergéticas organizadas em honra ao imperador. 16 Da língua líbica, ancestral da língua berbere atual, um número ínfimo de palavras é conhecido. (FÉVRIER, 1990: 115) 17 O donatismo, querela norte-africana, surgiu com o questionamento da validade dos sacramentos administrados por traditores (clero que entregou objetos sagrados às autoridades romanas durante as perseguições) e sua aceitação ou não no clero da Igreja (FRAZÃO, 1976; MANDOUZE, 1986: 193-217).

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