Praticas educativas parentais e gestação na adolescência: comparando as experiências da gestante adolescente e da adolescente sem experiência de gestação

May 24, 2017 | Autor: A. Dias | Categoria: Teenage Pregnancy, Práticas Educativas
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ARTIGO ORIGINAL

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Naiana Dapieve Patias1 Ana Cristina Garcia Dias2 Fernanda Donato Mahl3 Pascale Chechi Fiorin4

Práticas educativas parentais e gestação na adolescência: comparando as experiências da gestante adolescente e da adolescente sem experiência de gestação Parenting stlyles and educational practice and pregnancy in adolescence: comparing the experiences of pregnant adolescents and adolescents without the experience of pregnancy

> RESUMO

Objetivo: Este trabalho busca comparar a experiência de duas adolescentes (uma grávida e outra sem experiência de gestação), no que se refere às práticas educativas parentais vividas no contexto familiar. Métodos: Para tanto, foi realizado um estudo de caso com duas adolescentes, utilizando uma ficha de dados demográficos e o Inventário de Estilos Parentais. Resultados: Foram observadas diferenças nas percepções das adolescentes sobre as práticas educativas parentais tanto maternas, quanto paternas, vividas por ambas. A jovem gestante parece ter tido em sua história um maior número de práticas educativas abusivas, sendo que seus pais possuem um estilo parental negativo. Já a adolescente sem experiência de gestação possui mãe com estilo parental positivo e pai com estilo negativo. Conclusão: Destaca-se que os estilos e práticas educativas parentais são apenas um dos fatores que podem tornar jovens mais vulneráveis à ocorrência da gestação nesse período de vida.

> PALAVRAS-CHAVE

Educação, gravidez na adolescência, psicologia, adolescente, família, estilo parental.

> ABSTRACT

Objective: This paper compares the experience of two teenagers (one pregnant and one with no experience of pregnancy) in terms of parenting practices within the family. Methods: Two instruments were used: a demographic data sheet and a parenting style inventory. Results: Differences in perception were noted in terms of maternal and paternal parenting practices as perceived by these adolescents. The young mother seems to have been more subjected to abusive educational practices, and both her parents have negative parenting styles. The girl with no experience of pregnancy has a mother with a positive parenting style, while her father is negative. Conclusion: Parenting styles and educational practices are only one of the factors that can make young people more vulnerable to pregnancy during this period of life.

>

KEY WORDS

Education, teen pregnancy, psychology, adolescent, family, parenting styles.

Mestranda em Psicologia. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, RS, Brasil.

1

Psicóloga, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento (USP), Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFSM). Santa Maria, RS, Brasil.

2

3

Psicóloga, Especializanda em Psicopedagogia Clínica e Institucional (UNIFRA)(UFSM). Santa Maria, RS, Brasil.

4

Psicóloga, Mestranda em Psicologia (UFSM). Santa Maria, RS, Brasil.

Naiana Dapieve Patias ([email protected]) - Rua André Marques, 536, apto 202 - Santa Maria, RS, Brasil. CEP: 97010-040. Recebido em 28/07/2012 - Aprovado em 11/01/2012

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 18-24, jan/mar 2012

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Patias et al.

PRÁTICAS EDUCATIVAS PARENTAIS E GESTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA: COMPARANDO AS EXPERIÊNCIAS DA GESTANTE ADOLESCENTE E DA ADOLESCENTE SEM EXPERIÊNCIA DE GESTAÇÃO

> INTRODUÇÃO Dentre as tarefas que compõem a função parental, provavelmente a educação dos filhos seja a mais complexa. Nesse sentido, muitos estudos têm sido realizados procurando compreender como se constrói no seio da família o processo educativo. Uma das formas de compreensão da educação familiar é o estudo das estratégias educativas utilizadas pelos pais para educar os filhos. Essas estratégias educativas são chamadas comumente de práticas educativas parentais, e possuem forte influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes. São utilizadas pelos pais a fim de conseguir resultados efetivos em termos de educação social e comportamental dos filhos, sendo que podem servir tanto como fator de risco como de proteção para o desenvolvimento dos filhos1, 2, 3, 4. Gomide3 divide as práticas educativas parentais em dois grupos, das práticas positivas e das negativas. As positivas são aquelas que favorecem comportamentos considerados prósociais, tais como: atenção, afeto, segurança e sexo seguro. Já as práticas negativas são aquelas estratégias educativas dos pais que interferem negativamente no desenvolvimento dos filhos. Alguns exemplos são: a negligência, abuso físico, a disciplina relaxada, a monitoria negativa e a punição inconsistente. Elas podem contribuir para problemas de comportamento, tais como: abuso de drogas, evasão escolar e outros comportamentos considerados de risco, como, por exemplo, relações sexuais desprotegidas, que podem levar à gravidez e às doenças sexualmente transmissíveis2,3,5,6. De fato, muitos estudos1,4,6,7 referem que as práticas educativas adotadas pelos pais desempenham um papel importante para o desenvolvimento de atitudes, valores e comportamentos dos filhos adolescentes, especialmente no que se refere à sexualidade dos mesmos. As práticas educativas negativa dos pais (como o uso da negligência ou o abuso físico) podem servir como um fator de risco para a ocorrência da gestação na adolescência. Essas práticas negativas, associadas a outros fatores, podem Adolescência & Saúde

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comprometer a saúde, o bem-estar e o desempenho social do indivíduo5,6. Além do predomínio de práticas educativas parentais negativas, outros fatores que podem contribuir para a ocorrência da gestação na adolescência que também serão foco de análise nesse estudo são: os projetos futuros (escolarização e profissionalização) e as questões de gênero. Apesar do fenômeno da gravidez adolescente atingir e estar crescendo em todos os estratos socioeconômicos da população parece ocorrer uma forte ligação às situações de pobreza, baixa escolaridade e menores perspectivas de profissionalização com a ocorrência do fenômeno7. Portanto, também investigaremos como essas variáveis se inter-relacionam no projeto de vida das adolescentes. Alguns estudos indicam que em camadas socioeconômicas desfavorecidas, uma boa parcela das meninas possui como projeto de vida o exercício da maternidade. A valorização da maternidade nesses estratos decorre de concepções de gênero vividas por essas jovens e pela menor acessibilidade a projetos de escolarização e profissionalização socialmente valorizados; frequentemente esses últimos projetos não são tão garantidos como o primeiro nesses estratos socioeconômicos8,9,10,11. Nesse trabalho, buscou-se comparar as práticas educativas parentais vividas por duas adolescentes, uma que está passando pela experiência de gestação e outra que não vive essa experiência. Pretende-se discutir a percepção dessas jovens sobre as práticas educativas vividas em suas famílias de origem, buscando compreender como questões de gênero e de oportunidades de vida podem estar contribuindo para ocorrência da gestação na adolescência.

MÉTODOS > As participantes do estudo são duas adolescentes, uma gestante que se encontrava com 18 anos e outra não gestante que estava com 16 anos. As jovens escolhidas para esse trabalho foram aquelas que participaram das Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 18-24, jan/mar 2012

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entrevistas piloto do trabalho da dissertação de mestrado “Práticas educativas parentais vividas por adolescentes gestantes e não gestantes”, da Universidade Federal de Santa Maria – RS, que foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFSM (CAAE 0240.0.243.000-10). As informações para o estudo foram coletadas através de uma ficha de dados sociodemográficos e o Inventário de Práticas Educativas Parentais (IEP)2. O IEP contém 42 frases que correspondem a sete práticas educativas parentais descritas por Gomide2. Nesse instrumento foram elaboradas seis questões distribuídas, no decorrer do inventário, para cada prática educativa a ser avaliada. A monitoria positiva e o comportamento moral são as duas práticas educativas consideradas positivas. Já a punição inconsistente, a negligência, a disciplina relaxada, a monitoria negativa e o abuso físico são as cinco práticas consideradas negativas. Esse instrumento pode ser aplicado em crianças acima dos oito anos de idade e em adolescentes. O IEP avalia separadamente quais práticas são mais utilizadas pela figura materna ou paterna e o estilo parental de cada pai resultante de suas práticas. Isto é, quando a maioria das práticas utilizadas pelos pais são positivas, isso resulta em um estilo parental positivo. Por outro lado, quando a maioria das práti-

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cas parentais utilizadas são negativas, isso resulta em um estilo parental negativo. A análise do IEP ocorreu através da tabulação dos dados obtidos por meio do manual. Já a ficha sociodemográfica, foi analisada, de maneira qualitativa, através de uma análise temática do conteúdo das respostas oferecidas, conforme proposto por Bardin12. A jovem grávida foi convidada a participar da pesquisa em uma Unidade Básica da cidade de Santa Maria (RS), onde se encontrava realizando o pré-natal. Já a adolescente não grávida foi convidada a participar do estudo na escola que se situava na mesma comunidade na qual está inserida a UBS.

>

DISCUSSÃO E RESULTADOS A gestante atualmente não estuda porque precisou trabalhar. Mora junto com o companheiro e seus pais estão separados. A participante não gestante atualmente cursa o 3º ano do 2º grau, é solteira, e também possui pais separados. Apresenta-se a seguir a Tabela indicando, separadamente, cada prática educativa e o estilo parental, resultante da soma das práticas educativas, exercidos pelo pai e mãe de cada adolescente participante desse estudo.

Tabela. PRÁTICAS EDUCATIVAS PARENTERAIS DA MÃE E DO PAI DA GESTANTE E DA NÃO GESTANTE Monitoria positiva

Comportamento moral

Punição Negligência inconsistente

Práticas educativas Maternas

7

5

8

Práticas educativas paternas

6

6

Práticas educativas maternas

8

Práticas educativas paternas

1

Disciplina Relaxada

Monitoria Negativa

Abuso físico

IEP

11

5

9

10

-29

7

10

4

3

11

-10

7

0

7

0

5

0

3

2

0

8

0

4

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-9

GESTANTE

NÃO GESTANTE

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A análise dos instrumentos demonstra que há diferença entre as práticas educativas parentais vividas pelas participantes do estudo, especialmente no que se refere ao monitoramento ofertado pelas duas mães das adolescentes. A jovem não gestante possui uma supervisão constante da mãe. Isso quer dizer que essa mãe estabelece regras e mostra pontos positivos e negativos das atitudes adotadas pela filha, explicando, sem brigar, as regras que a mesma deve seguir. Essa prática parece funcionar como uma medida preventiva, visto que pode reduzir ou diminuir comportamentos de risco. Já a jovem gestante relata que fica sozinha em casa, a maior parte do tempo, e que a mãe ignora seus problemas, revelando que a mesma nunca pergunta como foi o seu dia, e nunca ouve atentamente o que ela tem a dizer. Para Gomide6, esse tipo de comportamento parental é um elemento importante para o desenvolvimento de comportamentos de risco em crianças e adolescentes. Pode-se perceber que a gestante adolescente, com frequência, apresenta sentimentos negativos face às atitudes maternas, já que através do IEP essa indica que tem medo de apanhar e relata que sente ódio da mãe quando essa bate nela. A adolescente não gestante, por sua vez, relata não ter sofrido abuso físico. A respeito disso, Gomide6 encontrou que há um maior índice de práticas educativas coercitivas (com utilização de violência, castigo e ameaças constantes) entre os pais de adolescentes grávidas do que entre pais de adolescentes que não se encontram nessa situação. Essas estratégias coercitivas podem determinar a ocorrência de comportamentos não saudáveis no desenvolvimento dos filhos adolescentes13. Em nosso estudo, observa-se que ameaças e punição física (uso de cinta e de outros objetos para agressão) estiveram presentes na educação da jovem gestante; inclusive a jovem relata que a severidade das punições dependia do humor da mãe. Esse aspecto revela que a punição da mãe da gestante comumente é inconsistente6. Percebe-se que as práticas educativas parentais maternas vividas pela jovem não gestante foram diferentes das relatadas pela jovem Adolescência & Saúde

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gestante. Essa jovem não sente dificuldade em contar seus problemas pessoais para a mãe, sendo sua relação com a mesma percebida como positiva. A menina considera que a mãe não ignora seus problemas e consegue estabelecer regras claras, sem ser violenta ou agressiva. Wolchik et al.14 mencionam que o diálogo com os filhos é importante, pois esse oferece um suporte aos mesmos, auxiliando-os a enfrentarem algumas dificuldades encontradas durante a adolescência. Desta forma, atitudes parentais positivas são importantes para prevenir o surgimento de comportamento de risco e problemas no desenvolvimento. De fato, comparando-se o estilo parental dos pais da jovem adolescente sem experiência de gestação com o dos pais da jovem grávida são encontradas diferenças nas práticas educativas parentais de ambos. A jovem sem experiência de gestação parece ter vivido um número maior de práticas educativas parentais positivas que a adolescente que teve a experiência de gestação. Essa última viveu um estilo parental negativo tanto com a mãe quanto com seu pai. Seus escores no IEP demonstram que, apesar de ambos os pais adotarem práticas educativas negativas, sua mãe adotou um maior número dessas práticas que o pai. Nesse sentido, Dadoorian9 menciona que a gestação na adolescência pode associar-se a situações de carência afetiva e relacional com a família de origem, pois o filho para algumas adolescentes pode representar a reparação dessa situação de carência vivida, uma vez que o mesmo será alguém para amar a menina incondicionalmente. Nesse estudo, podemos perceber que a jovem gestante afirma, na ficha de dados sociodemográficos, que possui desejo de constituir família, sendo a gestação percebida como um meio para alcançar esse fim. Ela acredita que a gestação lhe possibilitará ficar com o pai da criança e ter sua própria família. Para essa jovem a maternidade lhe trará novos planos para o futuro, pois ao conceber um filho terá motivos para batalhar por seus objetivos de vida. Observa-se nesse caso a crença que a maternidade lhe Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 18-24, jan/mar 2012

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confere um maior sentimento de autoestima e importância/reconhecimento social. Brandão e Heilborn15 lembram que simbolicamente o evento da gravidez por si só inaugura um novo período de vida, no qual a jovem passa a ocupar outra posição social reconhecida, e prestigiada, em função da parentalidade. Outro elemento que foi analisado foi a perspectiva de futuro dessa jovem, relacionada aos projetos de escolarização e profissionalização. Ela relata que não almeja arrumar um emprego, pois quer se dedicar exclusivamente ao filho. Parece que sua perspectiva futura está calcada em valores familiares tradicionais, nos quais a mulher desempenha tarefas de cuidado com a casa e filho, sendo sustentada pelo companheiro. Esses valores tradicionais de família, gênero e maternidade podem ser considerados de risco para o desenvolvimento dos filhos e podem ter contribuído para a maior vulnerabilidade à gestação2, 3. Observou-se que a participante gestante não utilizou método contraceptivo em sua primeira relação sexual, sendo esse utilizado esporadicamente nas demais relações sexuais. Essa participante concordou com afirmações do questionário que apresentavam os seguintes conteúdos: “tinha relações sexuais e não pensava no que poderia acontecer”, “acredito que é difícil que a gravidez pudesse acontecer comigo”. Ao ser questionada sobre as razões para o não uso de métodos contraceptivos, a gestante assinalou as alternativas: “meu namorado não gosta de usar camisinha”, “eu queria engravidar”, “queria usar contraceptivos, mas tinha muitas dúvidas”. Observamos que a jovem gestante não adota comportamentos contraceptivos em função de concepções de gênero presentes em nossa sociedade, o que é revelado através da concordância com as frases apresentadas no instrumento de pesquisa. Essas informações também foram encontradas em outros estudos8,15. Brandão e Heiborn15 afirmam que os significados sexuais relacionados aos papéis femininos e masculinos modelam as práticas sexuais, evidenciando nuances nas relações de poder dos sexos. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 18-24, jan/mar 2012

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O aprendizado da sexualidade é perpassado pela lógica relacional dos gêneros. Os pais se utilizam de crenças e valores culturais/sociais para educar seus filhos16, sendo que esses influenciam nas estratégias utilizadas pelos pais na educação dos filhos, de acordo com o sexo da criança. Por exemplo, estimula-se que meninos comecem desde cedo o exercício de sua sexualidade, enquanto meninas devem postergar o exercício da mesma, demonstrando-se mais passivas14,16. Esses valores e crenças presentes no processo de educação e socialização dos filhos podem contribuir para as dificuldades que as meninas possuem em negociar o uso de contraceptivos com seus parceiros, como apontado na literatura14. Além disso, a jovem gestante revela que tinha vontade de ser mãe, pois acredita que ter um filho mudará a sua vida para melhor. A participante demonstra exatamente o que algumas pesquisas descrevem, a família de origem, em estratos socioeconômicos desfavorecidos, se organiza para dar apoio à gestante. Para os membros dessas famílias a gestação representa a criação de um novo núcleo familiar e uma maior autonomia da adolescente, que passa a ser percebida como adulta10. Além disso, Dadoorian8 ressalta que algumas famílias pertencentes a estratos econômicos desfavorecidos populares tendem a educar seus filhos homens com vista à obtenção de um emprego para ajudar no orçamento familiar, sendo as meninas educadas para serem mães. As meninas provenientes desses estratos da população desde cedo cuidam dos irmãos menores e ajudam nos afazeres domésticos, o que condiz com a perspectiva da jovem grávida. A jovem não grávida possui outra perspectiva de vida, pretende estudar e ter uma profissão. Essa outra perspectiva pode advir do fato de que a jovem não gestante, está atualmente estudando e inserida em um contexto que valoriza os estudos. Além disso, essa jovem parece possuir maiores condições financeiras e apoio da família para prosseguir nos estudos e, desta forma, conseguir concretizar projetos de estudo e de profissionalização, incentivados por seu contexto familiar. Dessa forma, Adolescência & Saúde

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a jovem afirma que “quer muito estudar”. Esta por sua vez, possui perspectivas diferentes da gestante, discorda da crença que “ter um filho não muda a vida para melhor”, sendo que, em sua opinião, “a maternidade pode deixar a vida mais difícil”, uma vez que “atrapalha os planos profissionais e de escolarização”.

> CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao comparar os estilos e práticas educativas parentais de pais de duas adolescentes, uma que está passando pela experiência de gestação e outra sem experiência de gestação, observou-se que as práticas educativas parentais tanto do pai como da mãe da adolescente grávida são negativas. A adolescente sem experiência de gestação também possui um pai que apresenta práticas educativas negativas, no entanto, possui uma mãe que apresenta um maior número de práticas educativas positivas, que parecem lhe oferecer orientação e proteção face ao desenvolvimento de comportamentos de risco, durante a adolescência. De uma maneira geral, foi possível observar que a negligência e baixa responsividade [1] parental estiveram presentes no contexto familiar da jovem grávida. A jovem gestante vivenciou dentro da família falta de carinho, hostilidade e agressão. Ao passo que, a mãe da jovem não gestante ofereceu apoio e supervisão à jovem, que serviram como fatores de proteção no seu desenvolvimento. A literatura indica que práti-

[1] De acordo com Baumrind17 responsividade refere-se à extensão em que os pais são sensíveis às necessidades dos seus filhos, apoiando-os e provendo-lhes afeto, bem como elogios quando necessário, respondendo às expectativas dos filhos. Envolve comunicação, reciprocidade, afetividade e aquiescência.

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cas educativas parentais positivas reduzem as dificuldades familiares, facilitando o diálogo e bom relacionamento entre pais e filhos adolescentes, isso pode ser vislumbrado no caso da família da jovem não gestante. Por outro lado, as práticas educativas negativas podem desencadear aumento de comportamentos de risco, como práticas sexuais desprotegidas que podem facilitar a ocorrência de uma gestação nesse período de vida. Isso aliado à falta de negociação a respeito do uso de métodos contraceptivos com o parceiro contribui para a ocorrência da gestação na adolescência. A carência afetiva decorrente do empobrecimento do relacionamento com os pais, a falta de negociação sobre métodos contraceptivos aliada a crenças sobre a maternidade parecem ter contribuído para que a gestação ocorresse nesse momento da vida da adolescente. Parece que a maternidade foi um projeto possível e desejado pela jovem nesse período de vida, pois o mesmo lhe possibilitaria a aquisição de alguns elementos faltantes no seu cotidiano (afeto, valorização, etc.). Assim, as práticas educativas parentais podem ser um dos fatores que contribuem para a maior vulnerabilidade da adolescente à gestação nesse período do desenvolvimento. No entanto, não podem ser consideradas como um causador da gestação, mas sim, como um dos fatores que, conjuntamente com concepções de família e maternidade, questões de gênero, não uso, uso inadequado ou dificuldade de negociação de uso de contraceptivos, contribuem para a vulnerabilidade à gestação. Portanto, investigar e propor estratégias mais efetivas para jovens que podem ser mais vulneráveis à ocorrência de uma gestação é de extrema relevância, já que esse fenômeno pode estar associado a riscos no desenvolvimento dos jovens, além de indicar práticas educativas coercitivas dentro do lar.

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